colecao musica Johnny Alf Duas ou três coisas que você não sabe João Carlos Rodrigues Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Governo do Estado de São Paulo Quem sou eu? / Curiosa charada... Johnny Alf Quando você trabalha na noite, o que mais atrai é a música, não é o trabalho. Tocar no escuro, isso é que inebria você. Eu não faço as coisas planejando chegar a lugar nenhum. Para mim não existe ponto de chegada. Só o caminho. Johnny Alf Johnny Alf não tem imagem. É um preto que canta sentado. Durval Ferreira O que se há de fazer? Explicar que uma harmonização não tem pátria? Que um dó de nona pode ser usado por mim, pelo Villa-Lobos, pelo Debussy, pelo Luiz Gonzaga ou pelo Thelonius Monk sem que isso interfira na nacionalidade da obra de cada um? Johnny Alf É o maior cantor que houve no Brasil. Não é um cantor de letras, é um cantor de notas. Ed Motta Introdução 09 Origens 11 Alfredo José vira Johnny Alf 17 Copacabana 23 As ondas do rádio 29 Primeiras gravações 32 Bar do Plaza 35 Pauliceia desvairada 36 Bossa Nova 41 Mais Pauliceia desvairada 45 A noite do amor, do sorriso e da flor 46 Primeiro LP – Rapaz de Bem (1961) 49 Carnegie Hall 51 Beco das Garrafas 53 O misterioso LP inédito 55 Terceiro LP – Diagonal (1964) 56 Quarto LP (1966) 60 Vida nova 62 Misticismo 65 Um belo e raro registro na televisão 66 Quinto LP – Ele é Johnny Alf (1971) 67 Sexto LP – Nós (1974) 68 Censurado 71 Músico freelancer 72 De volta à Pauliceia desvairada 74 Sétimo LP – Desbunde Total (1978) 75 Doze anos sem gravar 76 A arte de compor 78 Filho de Xangô 81 Saindo do buraco 84 Oitavo LP – Olhos Negros (1990) 85 Um disco inacabado 86 Nova fase 86 Lar doce lar 88 Uma anedota divertida 91 Curiosidades pessoais 93 Intimidades 95 Sete anos sem gravar 96 Nono LP – Noel Rosa Letra & Música (1997) 97 Décimo LP As Sete Palavras de Cristo na Cruz (1998) 99 Dois vídeos inéditos e dois CDs ao vivo (1998/99) 100 Prêmio Shell 102 Doença 104 Outro disco inédito (2001) 105 Com Joyce Moreno no Japão 106 O disco japonês (2002) 107 Excursão europeia e discos na Alemanha 110 Cerimônia do adeus 111 O legado de Johnny Alf 114 Anexos 117 Discografia completa 128 Bibliografia e outras fontes de consulta 136 Depoimentos diretos ao autor do livro 139 Agradecimento especial 141 Crédito das fotografias 143 INTRODUÇÃO Escrever a biografia do Johnny Alf não foi fácil. Apesar da sua importância, ele deixou poucas entrevistas, nenhum depoimento gravado nos Museus da Imagem e do Som do Rio e São Paulo (para que servem, então?) e, devido ao seu temperamento arredio, fez também poucas confissões, e era homem de pouca conversa. Eu o conheci nos últimos vinte anos de vida, já em paz consigo mesmo, mas nem sempre ele foi assim, tão tranquilo. Produzi e dirigi um vídeo sobre ele, que permanece inédito, mas originou dois CDs ao vivo lançados no final dos anos 1990, com boas críticas e péssimas vendas. Nunca perdi o contato e mantínhamos um ótimo relacionamento. Portanto, foi uma honra e um prazer ter sido indicado pelos seus herdeiros, Nelson Valencia e Vera Lúcia Coelho, amigos diletos, para escrever esta biografia. O falecimento do Alf quando esse trabalho já estava começado, quase me fez desistir. Rememorei todas as nossas conversas, reli todas as anotações. Mesmo assim restavam longos períodos quase sem nenhuma informação, ou com informações erradas, ou divergentes. Foi preciso sistematizar tudo antes de incorporar novo material, no que fui muito auxiliado pelas informações inéditas de José Domingos Raffaelli, pelas cartas pessoais dirigidas a Eduardo Caldeira e cedidas pelo próprio, pelas gravações raríssimas de suas conversas informais com o Simon Khoury, pelos casos contados por músicos e amigos da boemia, etc. Pouco a pouco, por detrás do cantor de vanguarda, do compositor pioneiro e do excelente pianista, foi surgindo um ser humano muito complexo, mas sempre fiel aos seus princípios, mesmo nos momentos de crise. Alguém que rompeu com os entes queridos por amor à música, que ajudou a modernizar, e viveu dela toda a vida, modesta­mente, sem receber tudo o que o seu talento merecia. “As flores em vida”, como diria o Nelson Cavaquinho. O segredo mais bem guardado da música popular brasileira - ele já foi definido assim. Veja o que vai descobrir. Não vá me destruir o mito - recomendaram uns. É uma esfinge. Dali não sai nada - desaconselharam outros. Lembrei-me logo da frase bradada pela esfinge da mitologia para os que se atreviam a desafiá-la: Decifra-me ou te devoro. Tremi um pouco, mas aceitei o desafio. Este livro tenta escapar dos lugares-comuns há tantas décadas repetidos sobre esse artista. Que foi um injustiçado. Passado pra trás. Um pobre coitado. Sem essa, minha gente. O verdadeiro Johnny Alf não foi nada disso, como veremos a seguir, nas suas próprias palavras. Era um intelectual. Controlou todas as fases de seu destino, só fez o que quis, e nunca reclamou das consequências, algumas bem pouco agradáveis. Este livro é uma colagem de entrevistas feitas por Alf em diversas mídias - jornais, revistas, programas de rádio e TV, vídeos, gravações e conversas particulares - agrupadas por tema, em ordem cronológica. Para completar o panorama, depoimentos de terceiros e observações do autor surgem nos momentos em que o falecimento do biografado impossibilitou a continui­dade de informações essenciais. Acredito não ter sido devorado pela esfinge, e que este livro vai contribuir bastante para os estudos desse cidadão interessantíssimo, artista tão inova­dor quanto formidável. São apenas duas ou três coisas que você ainda não sabe sobre ele, mas mudam tudo. E não destroem o mito. Pelo contrário. Ele está mais vivo do que nunca. João Carlos Rodrigues RJ, janeiro/junho 2010 Origens No final dos anos 1920, Vila Isabel era um dos mais simpáticos bairros cariocas. Muitas casas, boa arborização, ruas tranquilas. População eclética, composta pelos operários das fábricas têxteis Progresso e Confiança, profissionais liberais da classe média e negociantes, alguns deles bastante abastados. O Rio de Janeiro fervilhava. A popularização do rádio possibilitava a divulgação da música popular carioca por todo Brasil. Dominava Sinhô, com os megassucessos Jura e Gosto que me Enrosco. Em 1929, quando começa nossa história, surgiu na Vila o Grupo dos Tangarás, formado, entre outros, por três compositores futuramente muito importantes: Braguinha, Almirante e Noel Rosa. Foi também o ano da primeira gravação de Carmen Miranda. Meu nome é Alfredo José da Silva. Nasci no dia 19 de maio de 1929, na Pro Matre da Rua Camerino, no Centro do Rio. Pelo menos assim dizem. Meu pai, Antonio José da Silva, morreu na Revolução de 1932, quando eu ainda não tinha 3 anos. Era soldado ou cabo, um negócio assim. Foi no Vale do Paraíba. Minha mãe, Inês Marina da Conceição, se empregou de lavadeira numa casa de família em Vila Isabel, na Rua Barão de São Francisco, quase esquina da Teodoro da Silva. No início tinha tempos que a minha mãe saía, morava fora, aí nós ficávamos com ela. Eu e meu irmão, que era mais moço que eu uns dois anos. (Ele morreu em 1958, do pulmão). Era daquelas casas grandes onde mora a família toda e quando morreu a avó, a pessoa mais alta, ela pediu a uma filha dela que tinha se casado que tomasse conta de mim, e foram eles que me criaram, e me deram estudo. Fiz o primário na Escola Cruzeiro, na Rua Barão de Mesquita, 872, no Andaraí, ao lado da América Fabril, bem pertinho de casa. O dia em que Alf nasceu caiu num domingo. No zodíaco é signo de Touro, e no horóscopo chinês, Serpente. Nesse mesmo ano de 1929, nasceram também Hebe Camargo, Odete Lara, Fernanda Montenegro, John Herbert e Ronald Golias. Foi fundada a Estação Primeira de Mangueira. Leon Trotsky deixou a URSS rumo ao exílio. E Thomas Mann recebeu o Nobel de Literatura. Os grandes filmes do ano foram A Caixa de Pandora, de Pabst; Le Chien Andalou, de Luiz Buñuel e Salvador Dali; Hallelujah!, de King Vidor, e Queen Kelly, de Erich von Stroheim. Em outubro houve o crack da Bolsa de Nova York, falindo toda economia mundial e acirrando a grande crise do café. No Brasil, foi o último ano da República Velha. Em todas as suas entrevistas e conversas, quando se referia à sua família de criação, Alf sempre omitiu os nomes, sobrenomes e endereços. Também não falava da mãe, nem para os mais íntimos. Do irmão, uma única vez, numa gravação particular e inédita. Interpelado por mim uma vez sobre isso, que ia atrapalhar seus futuros biógrafos, ele deu uma risada e brincou que tinha feito uma promessa. Esse pessoal que me criou, cada um tocava um instrumento, mas não como profissional. Minha madrinha estudou piano e violão; meu padrinho tocava cavaquinho muito bem, tentou tocar pistom; outro padrinho não tocava instrumento, mas gostava muito de música; minha tia tocava piano; outra tia tocava violino. Era um pessoal que curtia música para sarau, não por profissionalismo. O fato de eles gostarem de música, fazerem aquelas festas em casa, aniversários, tudo isso ajudou muito a minha percepção musical desde bem cedo. Quando eu era criança de sete, oito anos, eu já gostava de tocar com dois dedos. Uma pessoa amiga da família, prima do rapaz que casou com a minha madrinha, a professora Geni Borges, sentiu que eu tinha ouvido e recomendou ao pessoal que eu estudasse. Aí minha madrinha falou: “Se você passar pro Pedro II, eu ponho você estudando piano.” Eu era bom estudante, não ótimo, mas quando ela falou isso, eu engrenei para passar nesse concurso, que era muito puxado, e passei em 13º lugar. Já comecei a aprender por pauta. Só toquei de ouvido quando tinha seis pra sete anos, mas com nove já estava tendo aula. Eu estudei uns cinco ou seis anos. Teoria estudei uns quatro meses, sem piano. Minha professora, vendo que eu tinha inclinação, me ensinou de um modo bem rigoroso, com ditados musicais. Quando eu resolvi ser profissional, isso me valeu bastante na formação de um trio, para escrever arranjo, essas coisas. O que eu estudei de música clássica? Nos primeiros anos de piano a gente segue aquele ritmo de peças tradicionais. Mais Chopin que Debussy. Gostava muito daquilo que eu fazia. Em questão de música sempre fui muito caprichoso, muito ligado, decorava os exercícios. Quando o pessoal lá de casa saía num domingo para visitar os parentes, eu trancava as janelas e ficava o dia inteiro ao piano. Eu gostava muito de música erudita, e tem o fato de ter acompa­nhado muito o rádio nessa época, que eu considero o tempo mais precioso da música brasileira, e tive a vontade de botar no piano muita coisa que eu ouvia. A dona Geni não se importava que eu tocasse música popular porque eu não relaxava nos clássicos, então eu comprei a partitura de Nossa Comédia, do Custódio Mesquita. No rádio dessa época, 1938, tocava Dircinha Batista, Carmen Miranda, Francisco Alves, Carlos Galhardo. Do Sílvio Caldas eu me lembro bem de Velho Realejo, e de uma valsa linda, Kátia. Do Orlando Silva eu me lembro de Coqueiro Velho. Eu ouvia rádio o dia todo. A primeira música que me balançou foi Despedida de Mangueira, do Benedito Lacerda e Aldo Cabral. Eu tinha 11 anos. Aliás, eu gostava de tudo que o Francisco Alves cantava. Ele e o Sílvio Caldas. Nas gravações do Francisco Alves, que mesmo sendo um cantor popular, o Lírio Panicalli fazia coisas lindas nos arranjos. Mais tarde, fiquei muito ligado no programa Um Milhão de Melodias, do Radamés Gnatalli. Mas voltando um pouco, eu passei no concurso e entrei no Pedro II, com nove para dez anos, e lá fiz o ginásio e o científico. Nessa época, a rádio Cruzeiro do Sul começou a transmissão do hit parade americano. Naquele tempo não havia essa facilidade de acesso ao jazz que existe hoje. Em casa só quem gostava disso era eu, nesse ponto uma pessoa sozinha. Só tive contato com o jazz por intermédio de gravações. No princípio Lennie Tristano, Lee Konitz e Charlie Parker me impressionaram muito. Ouvia bastante também Billy Bauer, Stan Keaton, Billie Holiday. Mas o principal foi o Nat King Cole, que eu ouvia muito quando era criança, o qual, antes de ser cantor, tinha um trio instrumental. Desde criança eu já gostava de fazer minhas musiquinhas, fazia coisas e guardava na minha cabeça, só para mim. Quando eu tinha uns 14 anos formei um conjuntinho com os amigos da vizinhança, das famílias Correia Trindade e Paiva Rio. Tinha um que tocava pandeiro, uma garota que cantava, e nos fins de semana tocávamos na Praça Sete, no Clube Andaraí. Nenhum deles se profissionalizou. Mas foi aí que tudo começou. Há informações de mais de uma fonte de que o jovem Alfredo, bom aluno, negro, gordo, pobre, tímido e de aparência gentil, foi alvo de implicâncias e chacotas por parte dos colegas de colégio, ficando marcado para sempre. O nome do agressor principal (Hiraí) chegou aos nossos dias. Devido a isso, chegou a repetir a terceira série. É o que hoje se chama bullying. Seu refúgio era, além da música e da literatura, o cinema, diversões solitárias. Em cinema eu sempre gostei demais de filme musical. Nesse tempo estavam acontecendo os filmes de Busby Berkeley, As Cavadoras de Ouro, as Goldiggers, e mais o Fred Astaire, a Ginger Rogers, e as músicas de George Gershwin, Jerome Kerr, Irving Berlin. Filmes de Betty Grable, Carmen Miranda, Havana, esse troço todo. Eu viajava dentro dos filmes. O meu lado de escapismo era no cinema. Eu tinha aquele negócio de entrar na sessão das duas e ficar até as dez, ali eu me sentia parte do filme. Quando eu estava no ginasial, ali defronte do Pedro II tinha o cinema Primor, que levou Fantasia do Walt Disney, e eu vi o filme umas quatro ou cinco vezes, de tanto eu era ligado na música clássica, gosto até hoje. O Branca de Neve eu acho que assisti semanas a fio. Depois vieram os musicais da Metro e eu ficava horas dentro do cinema passando pra pauta as músicas de Cole Porter, George Gershwin, Irving Berlin. Quando fui amadure­cendo, entrei em contato com esses diretores mais fortes, Tarkovsky, Antonioni. Eu sou daqueles que adoram filmes de planos longos em diálogo, eu fico ligadão. Porque eu acho que é o cotidiano da gente. Eu não quero ir ao cinema só para me divertir, mas também para me analisar e me ver no que os diretores fazem. Mas a única vez que eu participei do cinema brasileiro foi quando a Derci fez A Baronesa Transviada, e o Bill Farr, que trabalhava no filme, canta O que é Amar, com o mesmo arranjo que tinha gravado no disco. É um negócio bem encenado. Isso já foi em 1957, bem mais tarde. Toda essa época, anos 1940, é muito mal estudada. Quase não é mencionada, e é a que marcou a transição do que é tradicional para o que foi a bossa, em que as duas coisas se engatam. As músicas do Custódio Mesquita, por exemplo, embora escritas do modo tradicional, já eram avançadas harmônica e melodicamente. Você sente isso em Noturno, feita nos moldes atuais, em Rosa de Maio. Eu não sou muito partidário das letras do Evaldo Ruy, ele era meio cafona, compreende? O Evaldo suicidou-se, acho que já carregava esse problema de baixo-astral da vida dele, e muitas letras refletem isso. Agora, o Custódio teve outros letristas muito bons. Foi numa música do Custódio, Velho Realejo, que eu tomei conhecimento pela primeira vez de um acorde dissonante. Na hora, achei esquisito. Eu acho que antes da Bossa Nova já tinha muita gente fazendo bossa nova. Quando eu estudei piano eu me liguei muito nos compositores pouco comerciais da música brasileira. O Valzinho, autor de Doce Veneno; o José Maria de Abreu; o Bonfá; o Lírio Panicalli; o Radamés Gnatalli, que fez Amargura. Eu sou da opinião que ninguém inventa, todo mundo tem uma fonte. Alfredo José vira Johnny Alf Antes de ser profissional, eu tocava no Instituto Brasil–Estados Unidos (IBEU), ali na Rua México. Eu ainda estava no Pedro II. Eu conhecia um pouco da língua e muito da música americana, então eles me convidaram para participar. Aprendi a parte gramatical no colégio, depois pegando as letras das músicas na Cena Muda, na coluna do Sílvio Túlio e do Ari Vasconcelos. Tinha umas reuniões aos sábados, as conversation tea, onde só se podia conversar em inglês, era treino. Como meu nome é Alfredo, um professor americano, com aquela mania que eles têm de abreviar tudo, me chamava de Alf. Eu tocava por amizade, e mesmo não sendo aluno do curso, participava de todos os shows. Ganhei até uma bolsa de estudos, mas não pude, porque tive de fazer o serviço militar. Numa dessas exibições do IBEU na Rádio Ministério da Educação, no programa de jazz do Paulo Santos, ele perguntou, na hora de apresentar os músicos: O nome do pianista é Alf de quê? E uma das alunas sugeriu: Põe Johnny, é um nome tão popular lá na minha terra. Aí ficou Johnny Alf. Como eu tocava jazz, combinava com o nome, marcava bem. Mais tarde, quando gravei meu primeiro 78, de música brasileira, eu quis mudar, mas já estava conhecido e teve de ficar assim mesmo. Terminei o científico com 17 anos. Aí a família me pôs trabalhando nos escritórios da Leopoldina Railways. Essa coisa de contabilidade. Mas fiquei pouco tempo. Eu queria ser músico profissional, queria tocar, e a família que me criou não queria. Também não queriam me deixar largar o emprego e servir o Exército, mas insisti e acabei indo pra Escola de Sargentos de Armas, em Realengo. Eu quis como abertura de vida e realmente me valeu bastante. Eu já tinha o científico, então os oficiais sentiram que eu tinha certa estrutura, e eu fiquei como secretário deles, datilógrafo. Me deram certa liberdade de disciplina, era tratado quase como igual. O que aprendi de mais importante no quartel foi a independência e quando saí, com outra cabeça, decidi morar sozinho e arranjar um emprego de pianista. Foi nessa época que Alf contraiu tuberculose. Para alguns, isso aconteceu no Exército. Para outros, foi herança da mãe, que também teria contaminado seu irmão. Não há como hoje comprovar nenhuma das duas hipóteses. Mas a doença, sim, foi seguramente verdadeira. Ruth Blanco, esposa do compositor Billy Blanco, lembra-se que ia visitá-lo doente, em companhia de seu então namorado Atanael da Fonseca, o Tatá, grande amigo de Alf. E das precauções em não beber do mesmo copo, do cuidado em abraçar o doente, etc. E o jornalista José Domingos Raffaelli, também na época, soube, através de amigos comuns, da doença como adquirida durante o serviço militar. Alf nunca se referiu a isso, mas chegou a ter de parar momentaneamente de tocar piano, para não forçar a caixa torácica. Se as datas estão corretas, isso se passou no final de 1948, ou início de 1949. Por causa disso, sua mãe pediu a outra família para a qual trabalhava que o abrigasse, pois onde moravam era muito úmido. Ele assim se mudou, pelo menos temporariamente, para a residência de seu amigo Luiz Paulo Coelho, na Rua São Francisco Xavier. Lá se curou, e não ficaram sequelas. Pouco depois surgiu o Sinatra-Farney Fã-Clube que, apesar do nome pomposo e da importância que teve na modernização da música popular brasileira, era bem modesto. Na realidade, um porão do sobrado na Rua Moura Brito, 74, na Tijuca, transversal da Conde do Bonfim. Durou só 17 meses, de fevereiro de 1949 até julho de 1950, organizado pelas primas adolescentes Joca, Didi e Teresa Queiroz. As reuniões eram apenas nos finais de semana e havia uma grande preocupação da família em não incomodar os vizinhos com o barulho. Participaram, entre outros, o saxofonista Paulo Moura, o acordeonista João Donato, o pianista Raul Mascarenhas, e o baterista Cyleno Dutra (o futuro Cyl Farney, galã das chanchadas, irmão de Dick). Há divergências de como Alf tomou conhecimento do fã-clube. Ruth Blanco tem a impressão de que ele chegou lá levado por seu amigo comum, Tatá. Mas Joca afirma ter certeza de que foi através do programa de Afonso Soares, na Rádio Guanabara. Seja como for, José Domingos Raffaelli, que depois de conhecer casualmente o Alf num sebo de discos da Rua São José, no centro, em 1950, foi por ele convidado a comparecer, nos deu um interessante depoimento: Fiquei impressionado com a pequena multidão de jovens ouvindo discos de jazz e música popular americana, todos alegres e comunicativos. Na chegada de Alf percebi quanto ele era estimado por todos, sem exceção, e quando sentou ao piano para tocar algumas músicas, caí duro - o rapaz era um gênio, sem dúvida. Depois de tocar uma ou duas horas, ele quis parar, mas não o deixaram sair do piano. Só parou quando ele insistiu que desejava apresentar-me ao pessoal, sendo eu amavelmente recebido por Billy Blanco, Tecla Peçanha, uma cantora amadora fantástica, Carlos Manga com o sobri­nho Vítor, que mais tarde se tornou um grande baterista, e outros luminares. Disse o radialista Ramalho Neto no seu livro Historinha do Desafinado: Os fã-clubes daquele tempo eram diferentes dos clubes de fanzocas de auditório que se seguiriam. Nas reuniões, os sócios ouviam discos, analisavam orquestrações, solos. Na sede do clube, instalado modestamente num porão, cedido pela mãe de uma das sócias, havia um velho piano e remendada bateria. Ao piano Johnny Alf sentava-se frequentemente e nos surpreendia. Eram diferentes aos nossos ouvidos suas composições. Aqueles acordes e harmonizações - sua música vinha de uma forma nova. As novidades fonográficas americanas eram fornecidas pelo próprio Dick, pelo disc-jóquei Luis Serrano - que tinha um programa diário na Rádio Globo - ou compradas nas célebres Lojas Murray, no centro. Lá trabalhavam Jonas Silva e outros membros do conjunto vocal Garotos da Lua, mais lem­brado hoje em dia pela meteórica participação de João Gilberto. Eram 78 rotações de Stan Keaton, King Cole Trio, Peggy Lee, Mel Tormé. Trata-se evidentemente uma invasão norte-americana. Mas é preciso lembrar que no final da década de 1940 os Estados Unidos ainda não tinham a fama imperialista e opressora que têm hoje. Pelo contrário. Aliado à URSS comunista, o país acabava de derrotar as forças no nazifascismo na Europa e no Pacífico, e, de quebra, patrocinado a queda do Estado Novo, ditadura conservadora de Getúlio Vargas que já durava 15 anos sem convocar eleições. América era então um sinônimo de liberdade. E também de novidade, com seus filmes tecnicolor e sua música moderna. A esperança da classe média mundial. É por não compreender esse momento histórico que muitos críticos brasileiros ditos progressistas ainda condenam a renovação harmônica que nos conduziu à bossa nova. Quando o Dick voltou dos Estados Unidos, o pessoal foi receber no aeroporto. Eu não fui porque estava no Exército; então, só pude aparecer de noite. Foi quando nos conhecemos e ele, me vendo tocar e cantar, gostou e achou que eu podia tentar a carreira. Mas eu ainda não tinha vontade de ser profissional na música. Tinha estudado piano clássico, feito o ginásio e científico, curso de inglês, francês, desenho, um pouco de pintura, e fiquei naquele negócio de vai não vai. O Dick nos mostrava as novidades musicais que chegavam da América. Lembro de quando ele levou um disco da Sarah Vaughan para a gente ouvir lá no clube. Ninguém acreditava nela, mas a Cibele, mulher dele, dizia que um dia ela ia fazer muito sucesso, porque tinha certa impetuosidade no estilo para a época, que eu também tinha, além de ser muito ligado nessa coisa de passear jazzisticamente nas melodias. Eu adorei a Sarah. No Sinatra-Farney nós fazíamos uns shows em clubes pela cidade. Fizemos um na AABB onde tomou parte a Iracema, que depois virou Nora Ney. O diretor era o Carlos Manga, depois famoso diretor de cinema. Tinha um rapaz que tocava violão nas reuniões e na hora da gozação mostrava umas músicas engraçadas. Mais tarde ele se casou com a Ruth Manga, e se tornou o Billy Blanco. Eu saía do Exército e ia direto pro clube. O Dick também promovia umas reuniões na casa dele em Santa Tereza, depois na Urca. Nós chegávamos às 10 horas da noite e ficávamos até as três, quatro da madrugada, ouvindo música e cantando. Isso acontecia umas duas vezes por semana. Depois eu emendava no Exército e a família já achando ruim, porque eu perdia horas de sono. Fafá Lemos foi a pessoa que me forçou a ser profissional. Ele me viu no Sinatra-Farney e me convidou a tocar no Monte Carlo, uma boate do Carlos Machado, me lembro que a atração era a Carmen Brown. Fui lá e fiz um teste, e como não tinha desembaraço para tocar em público, não fui aceito. O César de Alencar precisava de um pianista para a cantina que ele abriu na Rua Duvivier, em Copacabana. Fez um concurso no programa dele, mas não conseguiu ninguém do jeito que ele queria. Aí o Dick e a Nora falaram que conheciam um rapaz, etc. e tal, e me levaram lá para fazer um teste. Eu comecei a tocar, e na terceira música ele falou: Pode parar que já está contratado. Ele me levou até no programa dele na Rádio Nacional, onde eu cantei uma música americana, acho que foi Tea for Two. Lá eu trabalhava direto, das nove da noite às seis da manhã. Caymmi, Gilberto Milfont, Dick Farney, esse era o repertório que eu fazia. A dificuldade maior foi me soltar no palco, pois eu vivia em casa, não estava acostumado. Fui educado daquele modo tradicional, de modo que só conheci Copacabana quando comecei a trabalhar, em 1952. Na hora de me apresentar eu ficava na bronca, cheio de vergonha. Todo o pessoal da Nacional ia jantar na Cantina. Jornalistas, atores, cantores. Todo mundo ia. Na segun­da noite a cantora Marlene apareceu lá, e na hora de ir embora me deu uma gorjeta. Eu botei no bolso sem olhar. Depois do show, quando eu fui jantar e puxei o dinheiro pra pagar, foi que eu vi. Dava para sobreviver umas duas semanas. Assim eu vi que seria possível viver da música. Em casa não tinha dinheiro. Recebia algum para ir ao cinema e só. Quando eu cheguei e disse que ia trabalhar à noite, o pessoal se revoltou. Então sai de casa, negócio de música não dá. Queriam que eu fosse professor de inglês ou contador da Leopoldina. Então eu fui morar sozinho, primeiro no Rio Comprido, depois em Copacabana. Eu não me lembro qual era a moeda, mas eu pagava o quarto, fazia miséria com o dinheiro e ainda sobrava. No início eu visitava a família, mas fui sentindo que à medida que meu nome se firmava, eles me tratavam com ressentimento ou despeito, não sei bem. Pensavam que eu ia dar com os burros n’água e voltar pra casa. Como aconteceu o contrário, foram me deixando de lado mesmo. E foi essa reação que me impulsionou ainda mais. Eu me desliguei da minha família por causa de música, passei por muita privação, e isso vale para você se tornar um artista amadurecido. Se você tem um ideal certo, a privação vale como uma base para a construção de uma espécie de alicerce. Se você não tem, na primeira privação você tira o corpo fora e pede arrego. Então eu me afastei e só voltei a vê-los 19 anos depois. Acharam a princípio que eu tinha sido ingrato, mas não foi isso, escolhi aquilo que estava dentro de mim. A gente sente falta, mas o que vai fazer? Tive de sacrificar um lado para conse­guir o outro. A despedida não foi numa boa. Isso influenciou bastante minha obra e foi essa solidão que me deu a segurança que eu tenho hoje. Já tive tempo de vacas magras, mas nunca fiquei na pior mesmo. Talvez se eu tivesse ficado lá isso não tivesse acontecido, pois a família ia ficar segurando a barra pra mim. Eu só faço aquilo que eu quero, sou eu quem paga minhas contas e o aluguel no final do mês. Copacabana O Rio vivia sua última década de esplendor ainda como capital da República. Desde 1946, quando o marechal-presidente Eurico Dutra proibiu o jogo em todo território nacional, a vida noturna carioca passou por um grande processo de transformação, rumo à zona sul. Não é coincidência que o maior suces­so de Dick Farney se chame Copacabana, do Braguinha e Alberto Ribeiro, e Dorival Caymmi seja autor da também belíssima Sábado em Copacabana. Proliferou em toda a cidade, mas principalmente nesse lindo bairro à beira-mar, um novo tipo de casa noturna, a boate, onde num ambiente geralmente de tamanho modesto, os casais podiam dançar e beber à meia-luz. Um samba satírico de Billy Blanco afirma que gafieira de gente bem é boate. Para animar o ambiente, música ao vivo, com pequeno conjunto e crooner. Existiam também os locais que podiam apresentar shows completos com coristas, cômicos, e cantores célebres, mas eram minoria. Isso possibilitou o em­prego de muitos profissionais desempregados depois do fechamento dos cassinos, e também o surgimento de novos músicos. Johnny Alf foi um deles, mas não foi o único. Quando vim trabalhar em Copacabana, morando sozinho, era um deslumbramento só. Enchia a cara, ficava na rua até as tantas, passei por essa fase também, de cair no mundo livre. A bebida me deixava um pouco à parte dos problemas que eu tinha. Eu dormia na rua, encostava de lado e dormia encostado em alguma coisa, como qualquer pessoa que bebe. Bebia muito por causa da questão da família, ficar afastado do pessoal, isso me marcou muito, eu ter sido criado por eles, e depois ter de me afastar por causa da profissão. Fiquei muito magoado por não ser compreendido. Resolvi ir em frente e fui, me reconstruindo, enfrentando os obstáculos de frente. Daí nasceu o Rapaz de Bem. Quem ficou minha amiga foi a Dolores Duran, porque quando eu comecei na Cantina ela estava numa boate perto e quando terminava o trabalho dela, que era mais cedo que o meu, ela passava lá e cantava comigo, eu acompanhava. Eu, ela e o Tom costumávamos esticar depois das cinco da manhã na casa de um que tivesse piano, e, numa dessas vezes, na casa dele, eu ouvi Praias Desertas pela primeira vez, ainda inédita. Lá também eu vi a Dolores fazer na hora a letra de Estrada do Sol. Ela tinha muita facilidade, e não demonstrava na pessoa dela a cultura que ela tinha. Por Causa de Você o Tom tinha feito a melodia e o Vinícius fez uma letra, aí ela fez outra em cima, e foi a dela que prevaleceu. O João Gilberto eu conheci em 1952, quando chegou ao Rio. Eu trabalhava na Cantina, e ele se juntou à nossa turma. A Dolores e a Dora Lopes cantavam no Acapulco e depois iam lá pra Cantina, e depois que eu terminava íamos jantar e ver o dia amanhecer. Todo santo dia. O Donato também apareceu nessa época. Tinha uma loja lá na cidade, as lojas Murray, onde trabalhavam alguns dos Garotos da Lua, a gente sempre ia ouvir discos e foi lá que eu conheci o João Donato. Saíamos eu, o João Gilberto, o Donato e a Dolores fazendo vocal às cinco horas da manhã pela Avenida Copacabana. A nossa curtição era essa. Acho que eu misturei tudo isso na minha cabeça, a música brasileira, as canções americanas, o jazz, mais os filmes musicais que eu assistia, e saiu alguma coisa. Minha música é difícil. É que eu tenho uma escala modulada, que não é bem aceita pelas grava­doras. Modulada é a música que tem vários tons, uma frase num tom, outra em outro tom. Irregular. O Vítor Freire ia sempre à Cantina. Por causa dele é que eu comecei a cantar as minhas músicas. Ele pedia sempre: toque esta, toque aquela. Fazia tal balbúrdia que eu era obrigado a tocar, não tinha saída. Com isso, fui me desencabulando. E aí o pessoal foi gostando. Vítor Freire, militar e compositor carioca, foi muito importante para Alf nesse início de carreira. Deixou depoimento sobre isso no fascículo sobre Alf da História da MPB: Eu o conheci em 1952, quando fazia uma de mi­nhas peregrinações noturnas pelos bares de Copacabana. Na calada da madrugada aquele piano diferente, moderno, contrastando com tudo o que normalmente se ouvia na época. Lá estava um rapaz simples, modesto, de 21 anos, cativando os frequentadores da casa - sempre cheia ao raiar da madrugada - com sua voz original, apresentando um excelente repertório de músicas americanas. Mal sabia eu que ali estava o precursor da música moderna brasileira. Com o tempo, nossa afinidade musical nos aproximou, e convidei-o para conhecer minha família. E foi na Rua Rainha Guilhermina, no Leblon, no dia 7 de setembro de 1952, que Johnny Alf teve o primeiro contato conosco. Encontrou ele no ambiente da minha casa o que realmente lhe faltava - carinho, compreensão e apoio material e espiritual. Foi no meu piano Brasil onde compôs grande parte da sua bagagem musical, inclusive a magistral Céu e Mar. Quando o conheci já havia feito Rapaz de Bem, O que é Amar e Podem Falar. Rapaz de Bem eu fiz em 1951, 1952. O pessoal ouvia e gostava, dizia que era samba moderno, mas eu não tinha consciência, era intuitivo. Na época que eu fiz a música estava bem despreocupado, começando a curtir a vida como jovem, pois tendo sido educado naquela rigidez, quando comecei a ser músico eu descobri o mundo. Talvez eu tenha feito como uma apologia da liberdade que eu estava sentindo. Você bem sabe eu sou rapaz de bem E a minha onda é do vai e vem Pois com as pessoas que eu bem tratar Eu qualquer dia eu posso me arrumar Vê se mora no meu preparo intelectual É o trabalho a pior moral Não sendo a minha apresentação E o meu dinheiro só de arrumação Eu tenho casa, tenho comida, Não passo fome, graças a Deus E no esporte eu sou de morte Tendo isso tudo eu não preciso de mais nada, é claro Se a luz do sol vem me trazer calor E a luz da lua vem trazer amor Tudo de graça a natureza dá Pra que qu’eu quero trabalhar? O pioneirismo de Rapaz de Bem logo se tornou evidente. Segundo o jornalista e produtor Nelson Motta, que só a conheceu dez anos depois, não só a melodia e a harmonia, mas também a letra de Rapaz de Bem era um espanto. Aquela história de a minha onda é do vai e vem, e ainda com o Johnny cantando provocava muitos comentários. Você ouve a gravação do Carlinhos Lyra, toda comportada, discreta, insegura, e depois ouve a exuberância do Johnny, e aí a música aparece. João Gilberto adorava, muita gente o ouviu cantar na época, não sei se chegou a cantar em shows. Para Alexis Bittencourt, guitarrista do último trio de Alf, e que estudou sua obra para sua dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Campinas, a canção trouxe inovações harmônicas, melódicas, estruturais e temáticas que a fizeram ser considerada como a precursora do movimento bossa­nova. A letra fala de um rapaz de bem com a vida por ser bem situado financeiramente e não precisar trabalhar, querendo apenas curtir a vida, antecipando o conteúdo sol e mar, típico da poesia bossa-novista. A melo­dia é linear, não possuindo refrão, outra característica deste futuro estilo, e utiliza, de forma ostensiva, as tensões dos acordes (nona no acorde de tônica, quarta aumentada já no segundo acorde, quarta em acordes menores, etc.), antecipando uma tendência aproveitada futuramente por clássicos como Garota de Ipanema (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), ou Barquinho (Roberto Menescal/Ronaldo Bôscoli). A harmonia contém modu­lações não convencionais para a época - para o sexto e terceiro grau maior (a música é em F maior, portanto modula para D maior e A maior) -, mas que estão presentes em uma das canções mais conhecidas e representati­vas da bossa nova: Desafinado (Tom Jobim/Newton Mendonça), deixando claro que qualquer semelhança não é mera coincidência. Fiz O que é Amar na casa do Vítor Freire. Eu não tinha piano e nos fins de semana ia para a casa dele tocar. Me concentrava, porque estava com aqueles problemas de casa que me botavam na fossa. Eu bebia muito, e quando a gente está numa dessas fases e senta no piano, logo sai alguma coisa. Veio letra e música, tudo junto. É só olhar Depois sorrir Depois gostar Você olhou Depois sorriu Me fez gostar Quis controlar meu coração Mas foi tão grande a emoção De tua boca ouvir dizer: Quero você Quis responder Quis te abraçar Tudo falhou Porém você me segurou E me beijou Agora eu posso argumentar Se perguntarem o que é amar É só olhar Depois sorrir Depois gostar. Outra que mostra bastante o meu momento de desabafo é Podem Falar. É uma resposta a muita coisa que eu estava sentindo, não sabia extravasar e virou música. Podem falar Que não vou me incomodar nem mudar Por dizerem que a vaidade me põe a perder Podem falar Tudo é você que o resto do mundo ignora Tudo é você murmurando baixinho pra mim Vem agora Podem falar E até menosprezar os meus atos Mas uma paixão por um par de amizades Não vou trocar Podem falar. José Domingos Raffaelli relata que, por volta de 1950, aos sábados à tarde, na casa do Luiz Paulo Ribeiro, na Rua São Francisco Xavier, onde Alf morava, costumávamos ouvir discos de jazz na companhia de outros amigos. Numa dessas audições, levei um LP de 10 do trompetista Red Rodney gravado para o selo Imperial. A segunda faixa era a famosa Valsa de um Minuto de Chopin, devidamente jazzificada. Quando começou a terceira faixa (não lembro o título do tema), um dos presentes comentou: Isso dá samba, ao que imediatamente Alf retrucou: Essa não dá, mas a anterior, sim. Foi então que alguém lhe disse: Então eu quero ver se dá mesmo samba! Alf não se fez de rogado e imediatamente sentou no piano (havia um no enor­me salão da casa de Luiz Paulo) e começou a dedilhar em busca das suas ideias. Depois de 15 ou 20 minutos, tinha tudo pronto, melodia, harmonia e letra, nascendo a obra-prima Seu Chopin, Desculpe... Nas ondas do rádio Foi o Vítor Freire quem levou a Mary Gonçalves lá na Cantina. Ela tinha sido eleita Rainha do Rádio e ia gravar um disco. Foi o Convite ao Romance, na Sinter. Marcamos um encontro na Rádio Mundial, mostrei a ela as minhas músicas e ela gravou logo quatro. O que é Amar, Podem Falar, Escuta e Estamos Sós. Quando saiu o disco, o Claribalte Passos, que era crítico, escreveu: Esse disco só vai agradar à própria Mary, e tem um rapaz lá, um tal de Alf, que fez umas musiquinhas que são as melhores coisas do disco. Ainda bem que ele livrou a minha cara. Mary Gonçalves despontou no início dos anos 1950 como cantora e atriz. Apareceu em dez filmes, com maior destaque em O Petróleo é Nosso, de Watson Macedo, onde faz a moça rica, antagonista da heroína no amor do galã. Foi eleita Rainha do Rádio em 1952. Seu estilo era discreto, algo entre Dóris Monteiro e Isaura Garcia. Convite ao Romance tem um bom repertório, mas os arranjos de Lírio Panicalli são muito melodramáticos, o piano de Alf está inaudível, e a cantora é dura, não tem sincopado. Funcionava melhor como atriz. Apesar das boas intenções, não aconteceu. Mary logo abandonou a carreira, casou com um milionário estrangeiro e mudou-se para o exterior. Mas seu disco impulsionou a carreira de Alf, que a acompanhava nas rádios, nas boates e até fora do Rio. Fazia o mesmo com Nora Ney, que tinha um programa na Rádio Tupi. Ele mesmo chegou, por um curto período, a ter um programa só dele. Foi lá que Alaíde Costa, sua intérprete favorita, o viu pela primeira vez. Diz ela: Eu comecei em concurso de calouros, mas sempre gostei de umas músicas diferentes. Noturno em Tempo de Samba, do Custódio Mesquita, umas coisas assim, moderninhas. Em 1952, na Rádio Clube do Brasil, o Johnny tinha um programa só dele. Era nas quartas-feiras, e durou bem pouco. Eu fui ensaiar e de repente eu ouvi um som diferente, entrei e fiquei assistindo. Nessa época ele já tinha o Escuta, O que é Amar. Paulo Moura recorda de uma participação de Alf no programa Um Milhão de Melodias, que descreve como excepcional. Também José Domingos Raffaelli tem o que acrescentar: Conheci Ramalho Neto quando ele era vendedor de discos numa lojinha na Galeria Menescal, em Copacabana, por volta de 1949, muito antes de ele sonhar em ser produtor na RCA ou diretor na Continental. Mais adiante, acho que em 1950, certo dia ele me perguntou se eu conhecia Johnny Alf, o que me surpreen­deu. Disse que precisava falar com ele porque começara um programa na Rádio Guanabara e queria que Alf fosse entrevistado e tocasse lá. Assim foi feito e coloquei-os em contato. Da Cantina fui novamente convidado pelo Fafá Lemos para tocar no Monte Carlo, lá no alto da Gávea, onde fiquei uns quatro ou cinco meses. Era a boate do Carlos Machado onde eu tinha sido recusado no meu primeiro teste. De lá fui para o Mandarim, onde revezei com o Newton Mendonça durante sete ou oito meses. Essa era uma casa de viração. Um inferninho da pesada. Só piano e bateria. Depois fui para o Clube da Chave, no Posto 6, que o Humberto Teixeira tinha aberto em 1953 ou 1954. Eu era contratado, tipo garoto da casa. Fui então chamado pelo Djalma Ferreira para o Hotel Plaza, onde me revezava no piano do conjunto dele. Os crooners eram o Miltinho e a Helena de Lima. Era uma época que se tocava muito baião, e no Plaza um rapaz amigo nosso, não lembro se foi o Zé Carlos, pediu: Será que você pode fazer um baião? Então eu fiz o Céu e Mar. O pessoal reclamou um pouco, achou esquisito, mas, pra mim, é baião. Baião moderno, mas baião. De lá fui para o Club de Paris, mais tarde Baccarat, no Beco das Garrafas. Depois para o Studio do Théo (Theófilo de Vasconcelos), no Posto 6, onde toquei com o Ribamar e o irmão dele, Esdras. Dali fui de novo chamado pelo Djalma Ferreira, já no Drink. Nesse conjunto tinha o Bola Sete e a Dora Lopes. Foi quando eu senti que estava fazendo meu nome. Primeiras gravações Eu tive a oportunidade de conhecer o Ramalho Neto quando ele ainda era radialista e tinha um programa na Rádio Guanabara. Ele sempre acreditou muito em mim e quando foi trabalhar na gravadora Sinter me chamou pra gravar um 78 rotações só instrumental, com Falseta e De Cigarro em Cigarro, do Bonfá, com Vidal no baixo e Garoto no violão. Sem bateria, um trio de formação pouco comum naquela época. Foi em 1953. Por eu ser amigo dele, protegido, é que eu sempre consegui fazer o que eu queria nos meus discos. O primeiro disco que eu fiz cantado, no ano seguinte, houve pessoas que não sentiram, não enten­deram, reclamavam. Houve certa recusa. O público foi bem mínimo, diferentemente das boates Dificilmente naquele tempo uma música que tivesse certas mudanças harmônicas e certas imagens de letras seria aceita. Acho que foi justamente pelo fato de eu tocar o piano sem marcar o ritmo, só as mudanças harmônicas, às vezes o piano trabalhava de modo sincopado. Isso é que talvez tenha dado uma diferença no tipo de música que eu passei a fazer. O pesquisador Jorge Carvalho de Mello é quem melhor analisou essas primeiras gravações, em seu blogue na Internet. Seu primeiro disco foi lançado pela Sinter em setembro de 1953. Percebe-se nele a seguinte formação: piano, contrabaixo e violão. Em muitos textos, encontramos Alf no piano (claro!), Vidal no contrabaixo e Garoto no violão. Ouvi essas gravações inúmeras vezes, sem reconhecer naquele violão a sonoridade característica de Garoto, e confesso que fiquei incomodado com isso. Senti um grande alívio quando, no setor de microfilmagens da Biblioteca Nacional, encontrei na revista Carioca, edição de julho de 1953, o seguinte informe assinado por Daniel Taylor: ... a Sinter acaba de contratar Alf, uma grande revelação como pianista e compositor. Seu trio está formado de piano (Alf), Kid (violão) e Vidal (contrabaixo). Gravando em 1953 o primeiro 78 RPM No seu segundo disco Johnny Alf estreia como cantor, sem, contudo, abandonar o piano. Os arranjos foram feitos por Lírio Panicalli para violinos, viola, cello e harpa. Com o piano de Alf estavam Nestor Campos (guitarra), Vidal (contrabaixo), Manoel Dias (bateria) e Gaúcho no acordeom. O crítico Jayme Negreiros assim se manifestou na coluna Discos, em O Jornal de 21/09/54: ... mais moderna interpretação posta em disco brasileiro até hoje, de um cantor nosso. O rapaz é artista mesmo, sente modernamente a música, conhece o piano, sua arte logo se espalha, o que ele faz com as frases é de uma naturalidade e de um jogo espontâneo tremendos. Nesse disco lançado pela Sinter, Alf interpreta dois sambas-canção: Dizem por Aí, de Haroldo Eiras e Vítor Berbara, e Beija-me Mais, de Amaury Rodrigues.” O fracasso foi reconhecido pelo próprio produtor, Ramalho Neto em seu livro pioneiro Historinha do desafinado: O resultado não era muito animador para as vendas da companhia. Com toda boa vontade demonstrada pelos diretores da gravadora, somos gratos, e compreendemos, naquela ocasião, o receio de novas tentativas. Muitas vezes nos desculpamos com Alf por seus insucessos fonográficos. A culpa não era dele, que preferia continuar com sua arte restrita a um grupo que frequentava os lugares onde se apresentava. Preferia continu­ar fechado. A culpa era nossa. Em 1953 lançamos Alf com muita antecipação. Talvez sejamos nós, como já dissemos, culpados pela insistência em lançá-lo em ocasiões inoportunas. Parcela dessa culpa cabe também ao próprio temperamento de Alf, tímido, modesto, quase humilde, que, por força de suas inclinações artísticas, é obrigado a fazer parte de um meio cuja maior força propulsora é a vaidade. Como bom sonhador, poeta, nunca procurou seus interesses. Jamais discutiu condições, nunca se preocupou com a porcentagem que receberia numa gravação ou com o preço de uma apresentação num clube ou casa noturna. Seu mundo é hoje, o amanhã é o amanhã, muito longe, bem distante. Jamais, nesses anos todos em que estamos trabalhando na indústria do disco, Alf nos pediu uma nota no jornal, a execução mais frequente de seus discos nas emissoras, ou uma apresentação na televisão. É de seu feitio. Só sabe de sua arte, de sua sensibilidade. Não espera nada em troca, a não ser sentir-se feliz, realizado, satisfeito consigo mesmo. Bar do Plaza A segunda vez que toquei no Plaza já foi na categoria de atração. A dona do hotel deu o barzinho para o seu genro, que era meu conhecido e quis usar o bar como ambiente de música. Eu tocava em trio com o Paulo Nei na guitarra e o Barbosa no baixo. E o pessoal todo que apareceu depois - Menescal, Luiz Eça, Carlinhos Lyra, Silvinha Telles, Maurício Einhorn, Durval Ferreira - ia lá me ver. Todos eram amadores. A maioria era menor de idade, e volta e meia tinha blitz do Juizado de Menores. Combinamos com o porteiro que quando chegasse o carro da polícia, ele fazia um sinal e aí a turma se escondia no banheiro. Então havia aquele bate-papo e a coisa começou a crescer, a futura bossa nova. No Plaza eu tocava músicas americanas, minhas músicas e as brasileiras que tivessem esse estilo, Nem Eu, Uma Loura. Nesse tempo todo mundo estava naquela de George Shearing, acho que todos sabiam de cor a gravação de Conception. Havia também um pouco de Charlie Parker, Lee Konitz, Lennie Tristano, Billy Bauer e Stan Keaton, que era o ídolo dos ídolos. O pessoal do Plaza procurava copiar as gravações americanas, os improvisos, tudo. Estavam calcados mesmo naquela harmonia. Não que eles quisessem copiar, mas ela respondia ao que eles sentiam dentro, compreende? Depois aos poucos eles foram criando por si mesmos. Lembro que em 1954, quando tocava na boate do Hotel Plaza, encontrava o Tom Jobim, que tocava do outro lado da rua, no Tudo Azul. No meu intervalo ia correndo pra lá, e no dele ele vinha me ouvir. A gente tinha uma afinidade muito grande. Foi quando ele lançou Outra Vez, com o Dick. Me lembro dele, bem mais tarde, me mostrando Desafinado e dizendo, com aquele jeito dele, que tinha se inspirado em Rapaz de Bem. Fiquei no Bar do Plaza de outubro de 1954 a abril de 1955. Saí porque o Heraldo do Monte foi me procurar no Rio para inaugurar a Baiúca em São Paulo. Fui sem nem avisar o dono. Estava meio perdido, naquela fase em que se passa de rapaz para homem maduro, de responsabilidades. Eu enchia a cara, acordava naquela ressaca. Era o rei de chegar atrasado. Em parte, eu também me radiquei em São Paulo pra me livrar do trauma familiar. Pauliceia desvairada Vim para São Paulo, onde fiquei. Eu estranhei foi o frio, foi um ano que fez muito frio. Depois de dois meses o dono perguntou se eu queria voltar pro Rio, mas eu resolvi ficar. Depois de um ano de contrato surgiram vários outros e fui ficando por lá. Fiz a Baiúca três ou quatro vezes. O Michel, com o Booker Pittman, duas ou três vezes. Cave duas ou três vezes também, After Dark, Golden Hall, Club de Paris. Segundo Zuza Homem de Mello, crítico musical em artigo de janeiro de 2006 na Folha de São Paulo, quando veio inaugurar a Baiúca em seu primeiro endereço e depois tocar no Cave, em São Paulo, Johnny Alf representava o sonho de jovens paulistanos identificados com a música de Tito Madi, Dolores Duran, Lúcio Alves, Dick Farney, Os Cariocas e, sobretudo, com a Sinfonia do Rio de Janeiro, de Billy Blanco em parceria com um desconhecido de nome Antônio Carlos Jobim. Os paulistas receberam de braços abertos e ouvidos atentos aquele pianista arredio e de fala mansa, o artista que já era lenda no meio. Poder ouvir o piano, a voz e as músicas de Johnny Alf era o máximo para músicos amadores e profissionais que frequentavam os bares do centro paulistano. Ficava-se deslumbrado ouvindo atentamente sua maneira de mostrar uma canção, seu piano desvinculado do contrabaixo em acordes esparsos, que mais cercavam do que sustentavam seu canto leve. Suas composições nada tinham em comum com o que se ouvia no rádio, eram sutilmente cativantes para os ouvidos mais exigentes. Ainda Zuza, agora em artigo de janeiro de 2000 na Zero Hora: Despretensioso, Johnny chegava mansamente com uma pilha de partituras postas sobre a estante antes de cada entrada. Sem nenhuma pressa sentava-se, folheava as páginas e parava na canção de abertura, uma parte contendo cifras sob a linha melódica em vez de, como era habitual, acordes especificando cada nota. Ajeitava o microfone e, completamente imerso na sua apresentação, dedicava-se compe­netrado a cada canção, recebendo os aplausos ao final com um sorriso discreto. Não era de falar, era de cantar e tocar. Levantava-se discretamente sob aplausos intensos da turma jovem. Cada noite era uma aula de leveza e de bom gosto. Não era jazz, não era música americana, não era samba batucado, era aquilo que se tinha vontade de ouvir e não existia. Depois do trabalho todo mundo se encontrava lá na São João, no Popeye. Pedrinho Mattar, dominando no jazz. Cauby Peixoto e os irmãos dele, Moacir e Araken, também jazzistas. Ganhei uma desenvoltura enorme em São Paulo, encontrei pessoas maravilhosas como Alaíde Costa, Claudette Soares, Paulo Cotrim, Wesley Duke Lee, Odete Lara. E tinha o teatro, as galerias, os cinemas. Eu era livre e independente. Quando eu vinha ao Rio, achava tudo muito devagar. Outra boa fonte é César Camargo Mariano em entrevista ao programa Supertônica da Rádio Cultura de São Paulo, disponível no site da emissora com o título Confissões de Johnny Alf. “Meus pais também gostavam muito de música e a nossa casa na Vila Mariana, em São Paulo, vivia cheia. Eu tinha 11 anos e já estudava piano. Um desses músicos que frequentavam nossa casa, o Sabá, nos disse que tocava contrabaixo com Johnny em uma boate chamada Golden Ball e que gostaria de trazê-lo para nos conhecer. Assim, num sábado, ele veio e passou a tarde conosco. No dia seguinte de manhã, domingo, tocou a campainha. Eu falei: ‘Mãe, o Johnny Alf taí, acho que ele esqueceu alguma coisa.’ Dois táxis pretos parados. Ele sozinho. Meu pai chegou: ‘Esqueceu alguma coisa?’ E ele: ‘Não, vim morar aqui, gostei demais dessa família.” “Morou conosco quase nove anos. Virou nosso irmãozão e filho mais velho da minha mãe. Aí aconteceu de tudo na minha vida. O segundo táxi em que ele veio, por exemplo, só tinha livros e discos, e depois ele trouxe mais ainda e jogou dentro da nossa casa. Tudo sobre cinema, tudo sobre música clássica, tudo sobre tudo. Então foi o dia inteiro durante nove anos só falando nisso. A única coisa em que ele insistia era para que eu e meus irmãos fôssemos à escola. ”..Conferia as nossas lições direitinho, depois íamos lá pra sala falar de música “Durante este período ele compôs muito. Quase todos os dias, duas ou três músicas completas. Letra e música. Era uma pessoa muito tímida, calada, mas muito crítica e severa com sua arte. Um perfeccionista. Quando acabava de compor e escrever uma canção gostava que minha mãe e eu ouvíssemos e opinássemos. Apesar de sempre gostarmos de tudo que ele compunha, muitas vezes ele não concordava e jogava fora as partituras. Minha mãe, sem que ele visse, as pegava de volta do lixo, passava a ferro, colava as rasgadas e guardava.” Ainda César, em www.músicasdobrasil:umaenciclopédiainstrumental.com.br: Johnny “me influenciou profundamente, desde a postura diante da arte e da profissão até a percepção das cores e das formas das harmonias, da impor­tância das instrumentações, das combinações de sons entre os instrumen­tos, enfim, de como ouvir e sentir música. Pude observá-lo compondo, tocando, escrevendo músicas e letras, errando, acertando, cantando, ouvindo, assistindo a filmes e peças de teatro, lendo livros.” Isto se deu entre 1955 e 1962. Durante esse período, Johnny, que ainda bebia muito, teve uma cirrose hepática, curada depois de longo tratamento e muita dedicação da família Camargo Mariano. Mal ou bem ele tinha novamente uma família. Mas não por muito tempo. Bossa Nova Em 1959 saiu no Rio, pela Odeon, o LP Chega de Saudade, cantado por João Gilberto, arranjado por Tom Jobim, e produzido por Aloísio de Oliveira, considerado por quase todo mundo o marco inicial da Bossa Nova. A música brasileira nunca mais foi a mesma. Mas há quem discorde dessa primazia. Para José Domingos Raffaelli, Johnny Alf é o precursor, o pai espiritual da Bossa Nova. Todos iam escutá-lo no Plaza, na Princesa Isabel. Até Tom Jobim, quando ouviu Alf e suas improvisações, pediu para ter uma aula. Anos depois brinquei com Johnny: ... você foi ensinar o caminho das pedras ao Tom e deu nisso, ele faz esse sucesso todo graças a você. Não esqueça­mos que diz a lenda que Tom só se referia a ele como genialf. Segundo Sérgio Cabral, jornalista e crítico musical: Johnny Alf foi o mais radical. Tão radical que chamou a atenção dos demais, pelo menos no pequeno mundo dos engajados no processo de modernização da nossa música. O produtor e radialista de São Paulo, Walter Silva (Pica-Pau) vai mais além. Conta que certa vez, quando assistia ao pianista, cantor e compositor Johnny Alf, Agostinho dos Santos ficou entusiasmado com a maneira do Johnny dividir o ritmo dos sambas que cantava no Lancaster. Aprendeu e levou ao João Gilberto, como bem pode testemunhar o maestro Waldemiro Lemke. João ficou impressionado e disse ter achado o que tanto procurava, a divisão rítmica que lembrasse apenas o tamborim, sem o pedal do surdo. Isso aconteceu durante a gravação dos compactos da trilha de Orfeu Negro na Odeon. Bem, essa gravação foi em junho de 1959, na Odeon. É anterior ao LP de João Gilberto, mas posterior aos dois 78 rotações gravados ante­riormente por ele em 1958, onde estavam as emblemáticas Chega de Saudade e Desafinado, e que já eram Bossa Nova. Acontece que Johnny tinha gravado Rapaz de Bem dois anos antes. A música é de 1953 e basta escutar para verificar que também já era Bossa Nova. Jorge Carvalho de Mello comenta no site www.sovacodecobra.uol.com.br: A bolacha traz Rapaz de Bem e O Tempo e o Vento, ambas de sua autoria. Na primeira, Alf está à frente de um trio e revela algo inteiramente novo naquela época: um samba com acompanhamento no estilo jazzístico! A mudança se dá no modo de acompanhar, sem fazer uma ostensiva marcação rítmica, e sim fazendo os acordes como que cercando o solista. O mais importante é notar que o samba não deixou de ser samba por isso. Ao invés de subtrair, só acrescentou uma nova possibilidade de expressão! Maravilhoso! Mas o próprio Johnny Alf nunca se fez de pai do movimento, embora o fosse. A maioria dos estudiosos o enquadra como precursor. A melhor classificação talvez seja a de fundador. Nunca participei do movimento da Bossa Nova, nem convivi com ele. Quando o movimento começou, eu estava em São Paulo, trabalhando. Fui chamado para participar de dois ou três shows, talvez porque a música que eu fizesse tivesse alguma coisa a ver com a música que eles faziam, e voltei pra São Paulo. Pelo fato de ter começado comigo não quer dizer que eu tenha participado. Eu trabalhava no Plaza e todo pessoal que se sentia atraído por esse tipo de música ia lá e ouvia eu fazer, tempos antes, aquilo que eles tinham em mente também. Do mesmo modo que eu quando ia ao cinema ou ouvia uma música clássica, eu sentia que aquilo era o que eu gostaria de fazer. Eles podem ter sentido em mim uma espécie de modelo daquilo que eles queriam fazer, mas não houve uma participação pessoal minha. A maioria deles não tinha conhe­cimento musical teórico, vieram a ter depois, eu já tinha seis anos de música clássica, então a minha segurança musical era total, e a deles não. Digamos que eu abri caminho para eles com a minha obra, e aí eles entraram com a obra deles, que justamente tinha o mesmo pique que eu fazia, mas não era igual àquilo que eu fazia. Eles estavam querendo uma brecha e por coincidência o que eu fazia abriu a brecha que eles queriam pro material deles, mas ninguém tirou a ideia de ninguém. No jazz, o pianista, quando faz o acompanhamento, nunca toca os acordes marcando os tempos, fica cercando o solista naquele prisma harmônico da música, apenas as passagens necessárias. A música é que o orienta, e ele, por sua vez, ajuda harmonicamente o solista. Não há uma marcação certa, regular, mas uma esponta­neidade rítmica do pianista em função da harmonia. A batida da Bossa Nova tem justamente um pouco disso, porque no caso de um cantor que se apresenta só com o violão, ele se utiliza do instrumento como um cerco para a sua voz, como o pianista e o solista de jazz. E assim a marcação em contratempo resulta num balanço diferente, que não havia na música tradicional, que era muito mais pesada. Esse cerco era uma coisa que eu fazia, eu tinha justamente a mania de harmonizar e me acompanhar não marcando. O João Gilberto ia muito à Cantina e ficava horas e horas do meu lado, me vendo tocar, e se entusiasmava com o meu modo de acompanhar, me lembro bem. Cantando, eu já tinha uma divisão bem afastada da habitual e me sentia muito bem acompa­nhando ele. O que eu fizesse, não tinha problema. Há muitas músicas inéditas minhas que ele sabe. O tipo de melodia que faço tem em princípio influência do instrumento, piano, e também uma tendência a fazer modulações. Sempre tive inclinação para modulações e isso porque tinha a mania de tocar as músicas em todos os tons, pois conheço o piano bem. Acho que uma modulação dá uma espécie de vida nova a uma música. Como letrista eu gostava muito da língua inglesa expressando ideias profundas de maneira leve e suave. Eu gostava tanto da linguagem das músicas americanas que fazia versões para o português, mas usando o mesmo sentido. Tenho a impressão que isso influiu bastante para o meu estilo. Houve uma grande aproximação com o Newton Mendonça nesse ponto, pois ele também tinha estudo de música clássica e tínhamos ideias comuns. O Newton era baixinho, gordinho, muito musical, muito boa gente. Foi o primeiro músico com quem tive afinidade musical e composições no mesmo estilo. Você Morreu pra Mim foi uma música que a Dora Lopes gravou na Sinter, mas como o Newton era desconhecido, eles puseram o Fernando Lobo na parceria. Ele era uma pessoa maravilhosa. Acho que as letras mais importantes da Bossa Nova são as dele. Desafinado, por exemplo, eu acho inteligentíssima. É uma letra que sintetiza todo o movimento. Já tinha um grupo, só que não se conhecia. Eu consegui ser mais notado porque comecei a trabalhar profissionalmente antes de todos eles. Mas a tendência, eu acho que na hora que eu criei, eles criaram também. Silvinha Telles era como uma irmã. Participei de shows dela, cantávamos juntos. Ela era como eu e a Dolores, tinha uma queda pro romantismo, para a paixão, para a bebida. Era bem da época. Agora o Tom foi favorecido porque fez músicas com o Aloísio de Oliveira, que tinha uma gravadora e contatos lá fora feitos quando ele viajou com a Carmen Miranda. João Gilberto não apareceu gravando por causa de nenhum empresário, foi ele mesmo, o conhecimento com o Tom, que ajudou. Foi o meu caso e o de todos os outros. Hoje, sempre existe um anunciante para ajudar a construir um artista. Isso desvaloriza o movimento artísti­co porque todo resultado de promoção do movimento está ligado ao interesse comercial, à porcentagem. Eu nunca fui contactado nem pela Odeon nem pela Philips, onde gravava o pessoal da Bossa Nova. O Aloísio de Oliveira não gostava do meu trabalho, achava muito pra frente, tanto que na gravadora dele, a Elenco, a Silvinha Telles gravou o Ilusão à Toa acho que foi por um descuido. Mais Pauliceia desvairada Em São Paulo, no início dos anos 1960, Johnny Alf era sinônimo de vanguarda musical. Os jovens Jorge Mautner, Roberto Piva, Roberto Aguillar, meio beatniks, estavam entre seus admiradores. Mautner, no seu romance de estreia, Kaos, publicado em 1964, porém escrito em 1961, é um entusiasta: Eu conheci um gênio! Conheci o Johnny Alf que é o maior poeta e sambista e louco que eu já vi. Eu fiquei ouvindo ele tocando piano acompanhado por uma bateria e um contrabaixo um tempão, um tempão! É o máximo! Ele sintetiza na linguagem da poesia e da música e ele é a Bossa Nova com toda a religiosidade do termo e respeito e valor. Alf nessa época fazia uma temporada na boate Lancaster, na Rua Augusta, onde o jovem escritor e seus amigos, sem dinheiro, ficavam horas o escutando tocar, consumindo apenas uma Coca-Cola, para desespero do proprietário. Numa outra boate, Cave, essa frequentada por grã-finos, o poeta Vinicius de Moraes, ao ver a plateia conversando alto enquanto ele tocava, irritou-se e lhe deu um conse­lho que virou frase célebre: Meu amiguinho, pegue a sua malinha e se mande para o Rio de Janeiro que São Paulo é o túmulo do samba! Mas o motivo real que trouxe de volta Johnny Alf de São Paulo para sua cidade natal foi bem mais prosaico. Um pianista, invejoso de seu sucesso, ao perceber que ele não tinha toda a documentação em ordem, o denunciou à Ordem dos Músicos. Elegantemente, apesar da insistência de amigos e jornalistas, ele nunca revelou o nome do delator. E, nesse meio-tempo, o Rio acenava com novas possibilidades profissionais. A noite do amor, do sorriso e da flor Um dos poucos shows cariocas da Bossa Nova que Alf participou foi A Noite do Amor, do Sorriso e da Flor, realizado na Faculdade Nacional de Arquitetura, em 20 de maio de 1960. Não deve ser confundido com o outro, realizado em setembro de 1959 no mesmo local, depois de proibido pela Pontifícia Universidade Católica por causa da participação da atriz e cantora Norma Bengell, considerada pelo reitor como de moral duvidosa. Esse segundo show, bem mais organizado que o primeiro, teve o patrocínio do Jornal do Brasil e da gravadora Odeon. Participaram ainda João Gilberto e Astrud, Os Cariocas, Claudette Soares, Nara Leão, Sérgio Ricardo, Pedrinho Mattar, Chico Feitosa, Norma Bengell, Elza Soares, Rosana Toledo, Normando Santos, Luiz Carlos Vinhas e Roberto Menescal, entre outros. Vinicius de Moraes compareceu, mas não cantou, assim como Tom. Alf, importado de São Paulo pelo JB, foi assim apresentado ao público por Ronaldo Bôscoli: Os verdadeiros entendidos na história da Bossa Nova não poderão estar esquecidos deste nome. Faz dez anos que ele toca música bossa-nova e por isto foi muitas vezes chamado de vigarista e de maluco. Johnny Alf! Segundo Ruy Castro em Chega de Saudade, ...arrancá-lo de SP para aquele show tinha sido uma façanha. Nunca cantara para tanta gente de uma vez e sua colossal timidez entrara em cena. Para criar coragem, tomara hectolitros antes, durante e depois da viagem, e chegara tribêbado à Arquitetura. Um dos estudantes e mais dois colegas da Associação Atlética convenceram-no a ir com eles a um banheiro da faculdade. Lá tiraram-lhe a roupa e deram-lhe uma possante chuveirada, para fazê-lo voltar ao planeta Terra. Interrogado pelo autor deste livro, Alf afirmou não se lembrar dessa coisa de banho de chuveiro com atletas, que, segundo ele, teria sido realmente inesquecível. Primeiro LP Rapaz de Bem (1961) Quando o Ramalho Neto foi para a RCA ele me chamou porque sabia que eu só gravaria se escolhesse as músicas e tudo o mais. É dessa maneira lacônica que Alf se referia ao seu primeiro LP, do qual, no entanto, ele gostava muito, segundo me confessou. A contracapa é de Ramalho Neto. Dez anos depois de composta, Rapaz de Bem ressur­gia agora dando nome ao disco, e com um novo arranjo, do trombonista Nelsinho. Os mais radicais implicam com o resultado, que seria pouco bossa-novista, um disco de gravadora. Trata-se de um exagero. Embora distante dos experimentalismos das exibições ao vivo de Alf nas boates do Rio e São Paulo, esse é um trabalho da melhor qualidade, onde são ressaltadas suas qualidades de cantor e compositor, mais do que as de pianista, pois só toca em quatro faixas. No repertório, Custódio Mesquita, Vítor Freire, Klecius Caldas, Fernando Lobo e Paulo Soledade, da velha-guarda, e Durval Ferreira e Maurício Einhorn, da novíssima geração. E sete músicas de sua autoria, das quais três se tornaram clássicos imperecíveis: Rapaz de Bem, Escuta e O que é Amar - ainda do tempo da Cantina do César, a primeira já gravada por Carlos Lyra, as outras duas por Mary Gonçalves - e mais as novas maravilhas Fim de Semana em Eldorado e Ilusão à Toa. Esta, hoje considerada sua melhor composição, é uma das joias do nosso cancioneiro. Note-se a sutileza em retratar um amor não correspondido, tão diversa dos arroubos com que o tema foi tratado por compositores tradicionais como Lupicínio Rodrigues, Herivelto Martins, Adelino Moreira e Antônio Maria. Olha, somente um dia longe de teus olhos Trouxe a saudade de um amor tão perto E o mundo inteiro fez-se tão tristonho Mas embora agora eu te tenha perto Eu acho graça do meu pensamento A conduzir o nosso amor discreto Sim, amor discreto pra uma só pessoa Pois nem de leve sabes que eu te quero E que me apraz essa ilusão à toa. Ilusão à Toa pintou, já com letra, quando eu vinha do Rio para São Paulo, de ônibus. Eu anotei e terminei em casa. Foi a gravação da Isaurinha Garcia, dois anos depois, que divulgou bem perante o público. Eu gosto bastante dessa gravação. Já Que Vou Dizer Eu?, do Klecius e do Vítor Freire, tem uma história. Quando vim gravar no estúdio no Rio eles marcaram logo essa música. Eu esqueci a letra na minha casa em São Paulo, então gravei só a melodia, improvisando. O pior é que eu tinha convidado os dois composi­tores para assistir. Mas eles adoraram. Tema Sem Palavras, do Durval Ferreira e do Maurício Einhorn, é outra que não tem letra, é só instrumental, eu gravei improvisando com o trombone do Nelsinho. Isso nunca tinha sido feito antes num disco brasileiro. Carnegie Hall Em 1962 chegou ao Rio o americano Sidney Frey, dono da gravadora Áudio Fidelity e de duas editoras musicais. Vinha no faro da nova música brasileira, cuja fama já tinha chegado aos Estados Unidos através de artistas americanos que se exibiram aqui, a cantora Lena Horne, os saxofonistas Gerry Mulligan e Cannonball Adderley, entre outros. Queria contratar Tom Jobim e João Gilberto, através de Aloísio de Oliveira, para um show no Carnegie Hall de Nova York em novembro desse ano. A coisa degringolou e todo mun­do quis participar. A melhor fonte é Ruy Castro, mas não é a única. Carlos Lyra ouviu de Tom que não ia, e todos deviam desistir. Mas Vinícius o con­venceu a mudar de ideia, pois sabia que os outros estavam apenas fingin­do ter desistido, sob a orientação de Aloísio. O Itamaraty entrou para ajudar, provavelmente a pedido do poetinha, que ainda não deixara a carreira diplomática. Além de Tom e Lyra, ainda foram João Gilberto, Luiz Bonfá, Sérgio Ricardo, Agostinho dos Santos, Ana Lúcia, Normando, Chico Feitosa, Roberto Menescal, Quarteto Castro Neves e Sexteto Sérgio Mendes. Em Nova York aderiram a cantora Carmen Costa e o guitarrista Bola Sete, que já moravam lá. Há muito folclore a respeito, mas foi uma confusão generalizada. Dando uma volta no quarteirão, João Gilberto converteu Sérgio Ricardo ao marxismo, segundo este conta no seu livro de memórias. A cônsul-geral do Brasil, Dora Vasconcelos, letrista de Villa-Lobos em Floresta do Amazonas, quis forçar a Carmen Costa a passar o vinco da calça de João Gilberto, que ameaçava não entrar em cena mal-ajambrado. O crítico José Ramos Tinhorão fez uma matéria destruindo o espetáculo sem tê-lo assistido, apenas ouvira pelo rádio. Existe um disco, que não é bom. Mas foi nessa noite que deslancharam as carreiras internacionais de Tom, João, Lyra e Sérgio Mendes, já que Bonfá já tinha a sua. Aí nós perguntamos: e o Johnny Alf, que começara tudo? Esse é um negócio que eu não gosto de falar, porque esse show do Carnegie Hall foi muito bem combinado antes de ser feito. Aí o Chico Feitosa falou assim, eu tava no Rio: Johnny, vai ter um encontro no Carnegie Hall, fica de olho.... Aí eu vim pra São Paulo e fiquei ligado. Aí o negócio aconteceu e não me chamaram. Eu fiquei na minha, tudo bem. Agora muito tempo depois ele falou que eu não fui porque o Aloísio pediu pro Itamaraty não dar passagem nem pra mim nem pro Ronaldo Bôscoli. Então isso ajudou muito ao Tom, essa amizade, porque o Aloísio pôde promover mais ele e o João Gilberto, em termos de estrangeiro. Você vê então que a Bossa Nova, falando certo, teve muito egocentrismo, muita panelinha. O Aloísio não gostava do meu trabalho. A sorte deles foi que houve esse prestígio lá fora, porque se dependesse da união... Beco das Garrafas O início dos anos 1960 marca o apogeu do samba-jazz, o descendente musical mais evidente de Alf, com seus pequenos conjuntos instrumentais de alta qualidade e inventividade: Bossa Três, Zimbo Trio, Tamba Trio, Sambalanço Trio, Jongo Trio, Tenório Junior, Copa 5, Edson Machado Trio, Os Gatos, Os Cinco-Pados, 3-D. Quase todos se exibiam no Beco das Garrafas, no Lido, em Copacabana, onde num espaço de meio quarteirão funcionavam quatro ou cinco boates de dimensões mínimas. Foi um período em que Alf esteve bem sociável. Há muitos registros da sua presença em reuniões de músicos, nessa volta ao Rio. Marcos Valle o conhe­ceu numa dessas ocasiões, na casa dos próprios pais, no Leblon. Tinha uma amiga que gostava do que eu fazia e me apresentou a ele, que me influenciou muito com suas harmonias diferentes, melodias incríveis (O Globo, 4/3/2010). O mesmo aconteceu com Nelson Motta, que entra em mais detalhes: Johnny foi várias vezes a festinhas de Bossa Nova na casa dos meus pais, com Nara Leão, Sérgio Ricardo, Ronaldo Bôscoli, Menescal. Sempre chegava com um sobrinho ou afilhado, muito discreto e educado. A gente se juntava em volta do piano e não acreditava no que ouvia. Numa época de exaltação do mínimo, do conciso gilbertiano, da interpretação lisa, as firulas e frases musicais de Johnny eram escorregadias e perigosas para iniciantes. Era um suingue de samba diferente, porque não vinha do violão, mas do piano, com suas mãos gorduchas se abrindo em acordes espantosos. Ele também frequentou as casas de Disa Santiago, de Armando Cavalcanti, de Vítor Freire, de Lula Freire. Foi também um tempo de conquistas amorosas, algumas com pessoas ligadas ao baixo mundo de Copacabana. Talvez por isso Alf nunca tenha sido absorvido pelo grupo mais jovem dos bossa-novistas: era dez anos mais velho, e ainda por cima negro, pobre, independente, homossexual, melhor cantor, melhor compositor e melhor músico. Um desses jovens da época, que preferiu não se identificar, confessou: Nós admirávamos o Johnny Alf. Mas também morríamos de medo dele. Quando você trabalha na noite, o que mais atrai é a música, não é o trabalho. Tocar no escuro, isso é que inebria você. Eu não faço as coisas planejando chegar a lugar nenhum. Para mim não existe ponto de chegada. Só o caminho. Formei um trio com o Tião Neto no baixo e o Edson Machado na bateria. Toquei no Bottle’s, revezando com o Tamba Trio, Sérgio Mendes, Luiz Carlos Vinhas e Silvinha Telles, e no Little Club. Depois no Top Club, que pertencia ao barão Von Stuckart, dono do Vogue, onde eu alternava com a orquestra do Moacir Silva, e também no Manhattan com a Leny Andrade, em 1963. O misterioso LP inédito Um dos grandes mistérios da carreira de Alf, e também de toda discografia da bossa nova, é o LP que ele gravou em inglês, destinado ao mercado americano, e que por motivos nebulosos, nunca foi lançado. Durante muito tempo foi considerado uma lenda, ou, segundo os adversários, uma mentira. Acontece que o disco existe, foi localizado no arquivo da RCA nos anos 1990, e copiado clandestinamente, para deleite dos poucos pesquisadores que a ele tiveram acesso. Tem 12 faixas, cinco de Tom Jobim, com parcerias de Newton Mendonça ou Vinicius; duas de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli; uma de Sérgio Ricardo e quatro do próprio Alf, sendo que uma delas, Gostar de Alguém, nunca foi gravada em português, e continua inédita. Não conseguimos maiores informações no arquivo da gravadora, mas é um disco completamente finalizado. Interrogado pelo autor deste livro, Alf deu poucas informações suplementa­res: as versões seriam de sua autoria com uma amiga que não identificou, e teria sido gravado em 1963, entre Rapaz de Bem e Diagonal. Afirmou também que o disco não foi comercializado por problemas com a liberação das músicas de Jobim. Segundo Paulo Jobim, filho de Tom, nessa época as músicas do pai pertenciam a várias editoras. Hoje, mais de 50 anos depois, é impossível averiguar de onde partiu a interdição, e qual o motivo. O lançamento desse disco teria possivelmente mudado o rumo da carreira de Alf, possibilitando seu lançamento internacional, exatamente no momento do boom bossa-novista nos Estados Unidos. Esse é um mistério que talvez nunca seja elucidado. Uma única faixa, Barquinho, foi lançada em 1997 na coletânea CDteca da Música Popular Brasileira, editada pelo jornal Folha de S. Paulo. Terceiro LP Diagonal (1964) O Ramalho saiu da RCA e entrou o Paulo Rocco que me chamou e disse pra fazer um disco do jeito que eu quisesse. Eu tinha amizade com o Celso Murilo, que tocava no Drink e sempre dizia que sabia fazer arranjo, que o seu ideal era fazer arranjo pra disco. E exigi o Celso pra trabalhar comigo. Celso Murilo, por capricho meu, foi emprestado pela Odeon, pois o meu disco era da RCA Vítor e o rolo de ciúmes que pintou por parte dos arranjadores da Vítor não foi pequeno. Celso era um simples organista de bom gosto e com quem eu batia muito papo e ia ouvi-lo no Drink, onde ele tocava e eu cantava acompanhado por ele, dando canjas. Depois eu terminava o meu trabalho na boate em que eu cantava no Lido às 11 horas e sempre ia ouvi-lo e trocar ideias. Meu conhecimento com ele aconteceu porque meses antes ele fez um disco solo na Odeon e ele gravou Céu e Mar, mas me procurou antes pedindo uma partitura. E daí ficou o conhecimento e a amizade. Durante os papos eu constatei a competência dele como arranjador, lado que ele não tivera a oportunidade de mostrar ainda. Coisas das famosas panelinhas. Quando pintou o convite para eu gravar esse disco, ele quase não acreditou, e foi com bastante relutância que as gravadoras chega­ram a um acordo. Mas eu ataquei de pombagira. Botei as mãos nas cadeiras e falei: Ou é com ele ou não vai! Naquele tempo eu tomava uns méis e era bem agressivo. Agressivo numa boa. Tudo acertado, ele viajou de férias e levou as músicas para fazer os arranjos. No Rio o que corria na boca da noite é que eu tinha um caso com ele e estava puxando a sardinha pro lado dele, o que realmente nunca aconteceu, e ele era um tipaço de garotão! Já viu, né? Mas no dia em que gravamos os primeiros playbacks, com mil curiosos sacando o som que ia pintar, e os primeiros foram Disa e Céu e Mar, quando o som pintou calou a boca de todo mundo. Disa eu fiz quando o Jorginho Ferreira tocava no Bottle’s no conjunto do Chaim, eles revezavam com o meu trio. Quando eu conheci o Jorginho ele era só saxofonista. Eu ia na casa dele e nós ouvíamos os discos do Les Baxter e gostávamos por causa do flautista. Eu fui pra São Paulo e quando voltei ele já estava tocando flauta. Então, empolgado, eu fiz a música pra ele. O Maurício Einhorn me ajudou a completar, e dei a parceria. Entre as pessoas que iam lá, a Disa, filha do Osvaldo Santiago da União Brasileira dos Compositores (UBC), ficou louca pela música. Vivia pedindo toca a minha música, toca a minha música. Quando eu fui gravar o Diagonal, o Sílvio Túlio pergun­tou por que eu não fazia uma letra e gravava a música que eu tinha feito pro Jorginho tocar. Aí eu fiz a letra pra ela, com o nome dela. Acho que esse é um dos meus melhores discos porque ele analisou meu modo de cantar e fez os arranjos em cima disso, tanto que muita coisa que eu cantava de um jeito, depois do arranjo eu passei a cantar de outra maneira. No fim do ano: um dos melhores discos de vocal do ano e ele o melhor arranjador! Aí a pombagira aqui deu risada. Diagonal é um grande disco. Alf não toca piano, apenas canta. E poucas vezes o fez tão bem. O acompanhamento é fora de série, com a bateria de Edson Machado, a flauta de Jorginho, o sax de Zé Bodega, a guitarra de Neco e o piano e órgão de Celso Murilo se destacando entre outros tantos cobras. Cinco das 12 faixas são de sua autoria. Uma em parceria com o padrinho Vítor Freire. Três velhos sucessos do início da carreira, Podem Falar, do disco de Mary Gonçalves; o chorinho Seu Chopin, Desculpe; e o baião moderno Céu e Mar, dos tempos do bar do Plaza. E Disa. Temos ainda um sambinha carioca de Vítor Freire e Armando Cavalcanti, sucesso na voz de Isaurinha, Bondinho do Pão de Açúcar. Uma bossa curtinha de Luiz Bonfá e Maria Helena Toledo. E gente nova, ou quase nova: Marcos e Paulo Sérgio Valle, Durval Ferreira, Maurício Einhorn, Lula Freire e Tita. A contracapa é do crítico Sílvio Túlio Cardoso, sob o pseudônimo de Sérgio Lobo. Quis o desti­no que fosse gravado em 1964, nas vésperas do golpe militar, e lançado no mercado logo depois desse fatídico acontecimento. A imprensa e a opinião pública logo se inclinaram para uma atitude agressivamente nacionalista e militante, e o trabalho não repercutiu como poderia. Por causa da promoção do disco, voltei para São Paulo, onde fui caçado novamente pelo Lancaster, voltando depois à Baiúca. Aí estava um pouco cansado da vida noturna, e com o que eu ganhava em gravações e direitos já podia me dar ao luxo de não trabalhar na madrugada. Parei com isso em 1966. Fala Nilson da Matta, baixista: Foi por volta de 1965/1966 que eu vi o Johnny pela primeira vez, no piano-bar chamado Baiúca da Praça Roosevelt. Com a ajuda do porteiro Bira e do maître Agostinho eu entrava e me deixavam ficar de pé encostado na parede vendo o teclado do piano, bem na passagem do banheiro das mulheres. Era impressionante ver o Johnny tocando e cantando com tanto virtuosismo e naturalidade que eu não podia acreditar no que via e escutava. Suas harmonias e melodias eram completamente avançadas para a época em termos de Brasil, cada noite pra mim era uma aula, não só musical, mas também de vida, pois ele era de uma perfeição inigualável. Tocava todas, Rapaz de Bem, Ilusão à Toa, Fim de Semana em Eldorado, enfim, todas as que compunha e mais outras, americanas também. Era tudo bem explicado, melodia, harmonia, poesia nas letras e um tremendo ritmo que ele colocava no acompanhamento. Era realmente a minha universidade de música brasileira as noites em que o via na Baiúca. O Johnny se apresentava em muitas casas noturnas nessa década de 1960, as vezes tocava em duas ou três boates por noite, eram muitas casas noturnas e todas tinham música ao vivo. Numa certa noite em que eu estava no bar ao lado da Baiúca, nós chamávamos esse botequim do português Toninho de Baiuquinha, a maioria dos grandes músicos passava por ali para comer um prato feito e levar um papo bem agradável e muitas vezes divertido demais. Numa dessas noites o contrabaixista que tocava com o Johnny numa outra boate que ficava na Avenida São Luiz, na Galeria Metrópole, me pediu para fazer a última entrada com o Johnny porque tinha outro compromisso. Eu fiquei um pouco meio que indeciso, mas não consegui dizer não. Fui e toquei uma hora com o meu ídolo. Foi uma experiência fabulosa, a maioria das músicas eu já sabia, e as outras ele gentilmente tocava os baixos no piano para que eu pudesse seguir a harmonia. Numa outra noite encontrei o Johnny na Baiuquinha, estava sentado comendo um sanduíche cercado por um montão de músicos conversando. Enquanto conversava ele escrevia uma música para piano, sua caligrafia era de uma perfeição que podia ser igualada com um programa Finale 2010 de computador. Todos nós ficamos espantados com a certeza que escrevia sem errar nenhuma nota na pauta. Era um craque também na arte de escrever música. Quarto LP (1966) Para o grande Paulo Moura, maestro, saxofonista e arranjador, uma das dificuldades de aceitação da música de Alf foi o uso inusitado das invenções de Charlie Parker, principalmente na final das músicas. De notas como a 11ª aumentada, então inusual, pois a maioria dos compositores usava a 7ª maior. Esse LP tem como título apenas o seu próprio nome. O produtor Jairo Ferreira lhe deu carta branca. Os arranjos, belíssimos, são de José Briamonte, jovem pianista do Sansa Trio, que tentava, como Celso Murilo anteriormente, ter uma oportunidade como arranjador. Saiu pela Mocambo, do grupo Rozenblit, na época o único selo 100% nacional. Tem oito músicas de sua autoria, duas em parceria com Briamonte, uma com Ary Francisco, outra com Laércio Vieira. Duas de Durval Ferreira, uma com Pedro Camargo, outra com Humberto Pires. Uma de Vera Brasil. E, finalmente, mais uma, de Armando Cavalcanti e Vítor Freire. Nenhuma fez sucesso, tocou no rádio ou se tornou cult. Não há créditos para os músicos, mas, entre eles, diz a lenda, estariam o então baterista Airto Moreira, Hermeto Paschoal na flauta, entre outros bambas. Há quem discorde. É um disco tão radical quanto Diagonal, sofisticado, intimista, na contramão do tudo que se fazia na MPB. Seis músicas com orquestra, seis com quarteto. Contracapa de Ramalho Neto, tirada de seu livro Historinha do Desafinado, o primeiro livro sobre a Bossa Nova, e que credita a Alf a inaugu­ração do movimento, com a gravação de Rapaz de Bem em 1956. O resultado, embora excelente, classificou Alf para sempre como artista maldito perante as gravadoras e a mídia. Paradoxalmente, por pertencer a um selo pequeno, é o disco dele que teve mais edições a preços populares. Biscoito fino para as massas, como pregava o modernista Oswald de Andrade. Pouco conhecida, a sincopada Bossa só revela bastante do pensamento alfiano diante das coisas: Pode reclamar por aí que eu não vou mudar meu modo de pensar Deixa o nosso amor ser assim muita opinião vai resultar em confusão Você quer passar por bem e diz que a bossa não vale vintém Vive a solfejar Bach e Chopin e quer que eu seja esnobe também Sempre fui assim e não vai ser você que vai mudar meu modo de gostar E quanto ao nosso amor é melhor conservá-lo assim: amor de lá e amor de cá Mas desista de querer meu repertório modificar Falar de lá bemol pode pra si mas quanto a mim vê lá, tenha dó Bossa só. Vida nova Uma das atividades diurnas de Alf em São Paulo foi ser professor de piano no Conservatório Meirelles, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Um de seus ex-alunos, Armando Sanino, diz que ele morava lá, com todos seus discos e livros, e que o relacionamento com os proprietários não era dos melhores. O químico e compositor Nelson De Mundo, que foi seu empresário por um curto espaço de tempo, diz que ele morava no porão, de pé-direito muito alto, e que entre seus alunos estava Wilson Simonal. Nos finais de semana, fazia shows no interior do estado, sozinho ou com trio. Insatisfeito com sua situação financeira, Alf eventualmente recaía na bebida, até se libertar totalmente. A descoberta do sol me fez perceber que muito da minha depressão vinha do ambiente da noite. Só então me senti maduro artisticamente. Antes eu me sentia um compositor meio volúvel quanto à mensagem das músicas, era muito interior. Depois do que passei na vida noturna, consegui me exteriorizar e me encontrar. Um amigo meu de Santo Amaro ia casar e pediu uma música para tocar na cerimônia, então eu fiz a melodia de Eu e a Brisa. Mas a igreja em que eles casaram não aceitava essas moder­nidades, então não deixaram o organista tocar nem a Brisa nem Debussy, aceitaram só a Marcha Nupcial. Então a música ficou largada. Depois eu pus a letra. Aí a Márcia pediu uma música para cantar no Festival da Record, em 1967. A música não foi classificada para a final, mas entrou no disco. Aí aconteceu no Rio. O Flávio Cavalcanti deu força no programa dele na TV, o público gostou. Foi o meu maior sucesso. Todo show que eu faço, tenho de cantar. Ah, se a juventude que essa brisa canta Ficasse aqui comigo mais um pouco Eu poderia esquecer a dor de ser tão só Pra ser um sonho Daí então quem sabe alguém chegasse Trazendo um sonho em forma de desejo Felicidade então pra nós seria E depois que a tarde nos trouxesse a lua Se o amor chegasse eu não resistiria E a madrugada acalentaria a nossa paz Fica, oh, brisa fica, pois talvez quem sabe O inesperado faça uma surpresa E traga alguém que queira te escutar E junto a mim queira ficar Um ano depois, em 1968, no III Festival Internacional da Canção, no Rio, Alf concorreu com Plenilúnio, uma das suas canções preferidas, com letra e música muito elaboradas. Nelson De Mundo, que acompanhou Alf ao Rio, conta que o convite para fazer o arranjo foi feito primeiro a Tom Jobim, que não aceitou e teria indicado Paulo Moura, que fez um trabalho excepcional. A interpretação foi entregue a Bené Alves, um ex-feirante de belíssima voz, no qual Alf depositou muita esperança. Ele obteve o Galo de Ouro como cantor revelação. Mas a música não foi classificada. Foi o ano do confronto entre Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, e Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. Bené prosseguiu sua carreira, mudando de gênero e aderindo ao sambão. Misticismo Entre uma e outra passagem nas boates tive muitos altos e baixos, cheguei até a dormir na praia, desorientado. Nesses momentos, principalmente os piores, comecei a estudar mais os meus sonhos e, levado por amigos, a frequentar sessões espíritas. A princípio desacreditando. Mais tarde um guia me aconselhou a ler mais sobre espiritismo, e outro praticamente desvendou a chave de tudo, quando me fez a primeira pergunta: Onde está a sua mãe? Era um problema que eu trazia reprimido desde o início da carreira e ele foi direto ao assunto, sem perguntar mais. Descobriu, entre outras coisas, que ela tinha me feito por engano um batismo de esquerda, isto é, me levado na quimbanda, onde reinam os maus espíritos, e eu estava sob a influência deles, e precisava de muitos anos de trabalho para me soltar. Andei me entrosando muito nos preceitos da umbanda e, naturalmente influenciado, eu fiz muita coisa calcada nesse tipo de música, folclore, afro­cubano. Foi uma época interessante porque eu consegui exteriorizar muita coisa em letra e imagem. Antes eu era o eterno romântico. Ajudou muito a me desprender de certos complexos que eu tive por causa de família, ser músico, esse desgarramento que aconteceu. Em qualquer tipo de religião existem os pilantras, os maus-caracteres, os comerciantes. Até encontrar uma pessoa positiva temos que esbarrar em pessoas desse tipo. Já foi provado que se você é atingido por certos malefí­cios, indo num centro, num jogo de búzios, há pessoas com certa força, certa vidência. Elas te informam um caso de você anos atrás, coisa que só você sabe, e aí você vê que é uma pessoa honesta, que fala coisa com coisa. Eu nunca achei que ia ficar fanático porque antes de entrar nisso eu li bastante, era bem informado, portanto, quando eu sentia que o negócio ia entornar, eu me afastava. Eu não me furto totalmente da música pela religião. Pelo contrário, no meu caso, uma coisa ajuda a completar a outra. Um belo e raro registro na televisão Em agosto de 1969, Alf e seu novo trio gravaram em São Paulo, na TV Cultura, o programa Música Brasileira. Como convidados, Alaíde Costa e o Quarteto Forma, conjunto vocal de Niterói que ele resolveu apadrinhar. Ambos excelentes. Realizado com poucos recursos de modo informal e despretensioso, o programa se tornou registro raro pela qualidade do seu conteúdo. São apresentadas dez músicas de sua autoria, sete das quais desconhecidas ou quase. Três permanecem inéditas até hoje, e o programa é seu único registro. A perturbadora Elegia, com uma letra alusiva à sua vida pessoal, e que dá a impressão de ser meio improvisada. E as românticas e sofisticadas Penumbra e Em Tom de Canção, ainda do tempo do Plaza. Há outro fato curioso. Alf canta pela primeira vez Garota da Minha Cidade, ainda numa versão primitiva, que inclui o trecho que depois se tornou música autônoma, Anabela. Temos aqui também a melhor versão de Plenilúnio, e uma das melhores de Eu e a Brisa. É interessante observá-lo nos momentos em que é entrevistado, com o olhar afogueado de quem tomou umas biritas. Talvez por isso mesmo sua interpretação seja inteiramente solta, com muito destaque para o piano, que toca com movimentos inquietos. É o seu melhor momento na televisão. Quinto LP Ele é Johnny Alf (1971) Primeiro disco depois de cinco anos, Ele é Johnny Alf, é bem típico da nova fase de Alf. É mais alegre, mais leve, e podemos dizer, mais comercial. Foi produzido pelo Milton Miranda na Odeon, uma grande gravadora, em 1971. Os arranjos são de José Briamonte e Élcio Alvarez, e há também um coro, dirigido por Sidney Morais. O LP tem 11 músicas. Nove são de Alf, sendo oito inéditas e mais regravação de Ilusão à Toa, agora com uma introdução inédi­ta. Entre as novas, duas tem letras sobre personagens femini­ nos (Garota da Minha Cidade e Anabela), o que é raríssimo em sua obra. Há três românticas, Pensando em Você, Eu e o Crepúsculo e Ama-me, aptas a integrar qualquer lista de melhores, mas que não aconteceram. Para completar, uma de Armando Cavalcanti, Vítor Freire e Roberto Nascimento (Leme), e o clássico de Benedito Lacerda e Aldo Cabral (Despedida de Mangueira). Sexto LP Nós (1974) O Milton Miranda quis fazer outro disco comigo. Eu estava de amizade com o Simon Khoury, que eu convidei pra produzir e ele teve essa ideia de pedir música a outros compositores. O projeto todo foi ideia do Simon. E fiz até uma música instrumental em homenagem a ele. O Egberto disse que só aceitava se eu cantasse Plenilúnio, que eu tinha feito pro FIF e nunca tinha sido gravada. Ele fez um arranjo belíssimo, todo sinfônico e ainda tive a oportunidade de ter o Vitor Assis Brasil no sax. Quando o Johnny ousou me convidar para produzir o seu disco, eu fiquei atônito e orgulhoso, é claro, escreveu Khoury. Logo de cara, concluí que não podia embarcar nessa canoa sozinho. Ele parecia inseguro sobre o seu material e aceitou a minha ideia de músicas de autores convidados. Eu perguntei quais ele sugeria, ele começou a dizer, e no quarto ou quinto eu mandei parar. Ele disse que ainda tinha muitos outros, mas eu achei que se ele citou esses primeiro, é porque deviam ser os preferidos E foi assim que passei os momentos mais importantes da minha vida profissional com Egberto Gismonti, Luiz Gonzaga Junior, Gilberto Gil, Ivan Lins e Milton Nascimento. Como aprendi com eles, meu Deus. Nós é isso aí. Johnny e seu silêncio, seus anseios, sua importância, seus mistérios, sua coe­rência, seus amigos, sua humildade, sua volta. Houve um momento das gravações que o Johnny ficou totalmente afônico psicologicamente. Ele não gostava de certas pessoas assistindo à gravação, e eu entendo porque, pois muita gente vai só pra criticar e fofocar, e eu não podia mandar sair. Mas nesse dia eu recebi uma ordem da Odeon que o disco teria de ser terminado naquele dia, e ele afônico. Eu vi que era psicológico, não falei nada pra ele, combinei com os técnicos, falei que era só a gravação do som-guia, e sem saber de nada ele gravou com a voz completamente límpida. Foi essa gravação que a gente usou, na música do Luiz Gonzaga Junior. Acho que se você está num lugar e chega uma pessoa com ideias contrárias ao seu bem-estar, você sente isso. Chamam de baixo­astral, mas isso existe e eu já fui vítima desse tipo de coisa, e era o que acontecia lá no estúdio de Nós. Esse é o disco mais ambicioso da carreira de Johnny Alf. Tem arranjos de Egberto Gismonti, Paulo Moura, Wagner Tiso, Gilberto Gil e Ivan Lins. Entre os regentes, o maestro Mário Tavares, e, entre os músicos, Vítor Assis Brasil, Maurício Einhorn, Tenório Junior, Nélson Ângelo, Lindolfo Gaya e Nicolino Cópia. São dez faixas. Metade de autoria de Alf. Uma regravação (O que é Amar, com uma introdução que fora registrada em 1963 na Fermata com o título de Feliz Conclusão.) e quatro inéditas, sendo uma Plenilúnio e outra a instrumental Tema pro Simon. As outras cinco são de autoria de autores convidados: Egberto Gismonti e Paulo César Pinheiro, Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, Gilberto Gil, Márcio Borges e Milton Nascimento, e Gonzaga Júnior. O resultado é bom, mas bem diferente da sua obra anterior. A bela capa, com Alf de perfil em primeiro plano, vestindo uma camisa de estampado coloridíssimo, tendo ao fundo, desfocado, um belo rapaz (louro) caminhando em sua direção, deu o que falar. Até hoje é considerada precursora da arte gay no disco brasileiro. O trabalho é creditado a Visual Studios, sem identificação de autor. Censurado No primeiro semestre de 1973, Alf conheceu, num sebo de discos do Largo de São Francisco, no centro do Rio, o estudante Marcelo Câmara. Nessa época ele morava no Hotel Presidente, na Rua Pedro I, Praça Tiradentes, atrás do teatro Carlos Gomes, bem próximo dali. Tornaram-se amigos. Marcelo, então com 24 anos, abriu mão de uma bolsa de estudos na Itália para, junto com ele, elaborar um show inédito que se chamaria Acorda Ulysses, título de uma bela canção do LP Nós. O espetáculo teria sua estreia em Niterói. O texto, que ainda existe e está registrado na Biblioteca Nacional, intercala falas de Alf, trechos de Jean-Paul Sartre e dos poetas da negritude, Aimée Cesaire e Léopold Senghor. Tem uma atmosfera militante. Incluiria músicas pouco conhecidas, como Samba do Retorno, gravado anos antes num compacto quase desconhecido, e inéditas, como O Sonho Acabou. A principal delas, Canto dos Tempos Chegados, e que é a espinha dorsal do texto, merece um comentário mais detalhado. Foi registrada em 1969. É longuíssima, o que sugere que tenha sido composta especialmente para o espetáculo. E tem uma letra cheia de metáforas sociais e políticas, fato único em toda sua obra. O canto dos tempos chegados é o canto que vem pra julgar/ E o canto dos tempos chegados não vem perdoar./ O canto dos tempos chegados criou-se, nasceu pra mostrar/ que o jovem que é jovem / e jovem que não vai recuar. Como foi interditada pela censura, impossibilitou a continuação do trabalho. Esse parece ter sido um período de uma grave crise existencial para Alf, causada pela morte trágica de Vítor Freire por atropelamento, pois abandonou várias possibilidades de trabalho. Acorda Ulysses veio da observação que eu tive da juventude. É o nome de uma peça que eu ia fazer. Uma das músicas que eu quis botar no Nós, o Canto dos Tempos Chegados, a letra foi vetada pela censura. Aí desmembrou tudo e desisti. Eu já era meio rebelde, aí o Milton Miranda me chamou pra gravar um disco de duetos. Tinha a Claudette com o Dick, a Dóris com o Miltinho, eu ia gravar com a Márcia. Mas eu não queria gravar com ninguém e saí da Odeon por causa disso. Músico freelancer Sem contrato com gravadora e resolvido a não trabalhar mais na noite, Alf procurou, e conseguiu, outras fontes de renda e projeção. Por exemplo, o Seis e Meia do teatro João Caetano, no Rio, que reunia duplas de artistas, a preços populares. Ou o Projeto Pixinguinha, da Funarte, que promovia excursões pelo Brasil afora. Neles, Alf trabalhou com artistas tão diferentes como Nana Caymmi, Zezé Motta, Emílio Santiago e o conjunto pop A Cor do Som. Fiz uma viagem a Belém do Pará de ônibus em 1974, levei dois dias e duas noites. O que a gente vê de paisagem, de verde, de azul, é uma higiene mental muito boa para quem é do Rio e São Paulo. Fui sozinho, sem o trio, e fiquei lá uns dois meses. Adquiri paciência, calma e boa vontade. Passear de lancha na ilha de Marajó, naqueles furos que tem na floresta, são coisas muito importantes, alimentam o espírito, no bom sentido. O que eu vi de pássaros lá foi uma beleza. Essas coisas transparecem na minha obra, princi­palmente a instrumental. A descrição da paisagem te induz ao instrumental, não à poesia. Um dos seus trabalhos favoritos dessa época foi o Projeto Minerva, organizado por Ricardo Cravo Albim na Rádio MEC, em 1975, com o tema 100 Anos de MPB, e que foi gravado em vinil. Alaíde Costa e Dóris Monteiro também fizeram parte. Nessa mesma época ele participou, na TV Cultura, do programa MPB Especial, dirigido por Fernando Faro. Foi a sua primeira grande entrevista pública. E, no ano seguinte, fez a sua primeira viagem internacional, inusitada para um artista já consagrado como ele. A primeira vez que saí do Brasil foi em 1976. Fui como atração no transatlântico Eugenio C. Uma viagem de três semanas Rio – Miami – Rio com escalas em Martinica, Saint Thomas e Porto Rico. Ficamos dois dias em Miami, com pouco tempo pra sair do navio. Ficamos passeando, fui a Disneyworld, a um cinema pornô de madrugada, pouca coisa. Fui eu, o baixista Flamarion e o saxofonista Odorico Vítor. De volta à Pauliceia desvairada Depoimento do baixista Lito Robledo: Toquei com o Johnny no Regine’s em 1975/76. Eu tinha 22 anos na época. A gente revezava com o Tito Madi trio e o Dick Farney trio. Nessa época ele morava num hotel na Boca do Lixo, defronte de uns cinemas pornôs, onde depois virou a Cracolândia. Uma noite chegamos para tocar e alguém veio avisar que estavam no local uns músicos esperando. Para nossa surpresa o Bill Evans trio estava sentado bem em frente ao palco. Comecei suar frio e pedi ao Johnny que só tocasse musica brasileira, e ele fez ao contrário, começou tocar música americana. No final deu tudo certo, o Bill Evans adorou o som e os músicos dele tam­bém. Eddie Gomez era o baixista e Marty Morell era o baterista. Toda a semana invariavel­mente ia algum músico ou cantor ou cantora escutar o Johnny. Numa noite entrou a Sarah Vaughan, que ficou fã incondicional do trio, tanto que nos convidou para fazer uma temporada junto com ela pelos EUA. Projeto esse que não deu certo por motivos esótericos. A mãe de santo dele cortou a onda. Sétimo LP Desbunde Total (1978) Apesar do lançamento por uma gravadora especializada em música sertaneja, a Chantecler, Desbunde Total foi um dos seus discos mais bem divulgados na mídia. Mesmo assim não recebeu boas críticas, nem emplacou nenhum sucesso radiofônico. É composto de dez canções inéditas de sua autoria, uma de Armando Cavalcanti e Vítor Freire (Passe Livre) e outra da dupla Paulo Miranda e Anchieta Perlingeiro (Buião). As músicas novas são bem ecléticas, e alegres na sua maioria. Há um ponto de umbanda (Oxum), um sambão rasgado (Orgulho de Bom Sambista) e até uma canção inspirada no livro de Hermann Hesse, Sidarta, baseado na vida de Buda, e uma das obras de cabeceira da geração hippie. A produção é de Coelho Neto. Contracapa de Paulo Santos, aquele mesmo em cujo programa, 30 anos antes, o jovem Alfredo José foi batizado de Johnny Alf. Os arranjos são do próprio Alf, e os arranjos de base, de um velho amigo das noites de Copacabana, João Donato. A este podemos creditar certa leveza, que ameniza as harmonias belas e intrincadas. Os músicos, como sempre, são do primeiro time. Mas as consequências desse fracasso comer­cial vão ser impiedosas. Doze anos sem gravar Eu fui considerado um artista que pouco vendia, veneno de bilheteria. As gravadoras não tinham interesse, não tinham aquela vontade. Acabei virando maldito, o pessoal gostava, mas pra gravação ninguém chamava pelo fato de eu só fazer aquilo que eu queria. A década de 1980 foi um período de vacas magras. Apesar de sua almejada independência, Alf teve de voltar a cantar na noite preso a contratos com casas noturnas, alguns de longa duração. Foi assim no Chico’s Bar, no Rio, de propriedade de Chico Recarey, na Lagoa, onde revezava com Leny Andrade. E, voltando definitivamente para São Paulo, o 150 Night Club, boate do luxuosíssimo Maksoud Palace Hotel, segundo a propaganda a mais glamourosa do Brasil. Uma orquestra de 13 músicos, comandada pelo argentino Hector Costita, animava o salão. Nessa casa lendária, que funcio­nou de 1979 a 1997, cantaram artistas importantes como Billy Eckstine, Tony Bennet, Carmen MacRae, Bobby Short, Michel Legrand, Fred Cole, Buddy Guy e tantos outros. Frank Sinatra, que no Rio cantou para uma multidão no Maracanã, em São Paulo preferiu um show intimista no 150, pago a peso de ouro. Era um lugar de muito prestígio. Alf muitas vezes fez o show de abertura das estrelas internacionais. O diretor artístico da casa, Armando Afealo, tentou produzir um disco dele pela gravadora Eldorado, mas não aconteceu. A necessidade econômica não foi suficiente para prendê-lo, e ele acabou saindo. E desabafou em duas cartas a um grande amigo de Santos, Eduardo Caldeira, dono do Bar da Praia, onde frequentemente se exibia, datadas de 28 de maio e 11 de junho de 1986. Eu estou ainda no processo de vagabundagem, e meu médico na segunda-feira seguinte ao meu aniversário assim me aconselhou, pois após me examinar disse-me que foi bom eu parar no Maksoud porque estou com um meio acentuado vestígio de estresse! Agora uma confidência: estou feliz com a minha missão de arauto do som e muito satisfeito com o caminho escolhido! Mas quando um processo de estresse atinge um artista, causado pela mágoa de não lhe darem campo para fazer o que ele aspira e deseja fazer espiritualmente - pois a música é um processo de momentaneidade espiritual - é foda! Mas amém! Acho que se não existisse a música eu estaria em situação de bloqueamento psicológico muito grande, pois estou me analisando dia a dia desde que parei no Maksoud, e a cada sessão de audição ou gravações eu me sinto mais próximo daquilo que o esquema musical de quem é empregado obriga a se privar: liberdade de escolha. O artista quanto mais idealista em termos espirituais não pode nunca se submeter durante muito tempo ao esquema de horário - como era o meu trabalho! Aceitei o lance, que foi ótimo em termos de currículo e contato com algumas pessoas, mas meu espírito tornou-se programado! E aí surgiu a crise. A arte de compor David Tame, no seu livro O Poder Oculto da Música expõe o fato de que Haendel e Stravinsky tiveram visões antes de passar para a pauta as peças musicais Aleluia e A Sagração da Primavera. Não quero me colocar à altura deles, mas atuando por escolha na mesma área, afirmo que o instante da inspiração me mergulha num completo desligamento do que se passa à minha volta. Acredito que o autor divino se incorpore na gente e nos passe a mensagem em breves minutos. Plenilúnio, eu estava dormindo, acordei de repente e consegui passar para a pauta aquilo que eu ouvi em sonho. Às vezes eu faço a letra primeiro, outras vezes a música. Nós, por exemplo, eu fiz a letra e só nove meses depois é que eu botei a música. Uma valsa que eu fiz, Matinal, foi diferente. Eu estava estudando piano sem pensar em compor, aí a melodia começou a pintar e eu anotei. É um negócio espiritual, eu posso estar aqui e de repente pintar alguma coisa na minha cabeça. Eu guardo, depois em casa passo para o papel. Mas nem sempre eu componho no piano. Muita coisa eu escrevo diretamente na pauta. Eu gosto mesmo é de acordes, de harmonia. Se eu pudesse, eu botava um acorde para cada nota da melodia. Como eu moro sozinho e me dedico muito ao meu trabalho, então esses estágios d’alma eu tenho facilidade de passar para o papel, compreende? Cada música que eu canto eu me lembro como é que eu estava quando compus. São autobiográficas. Para existir parceria, tem de haver uma grande convivência. Parceiro que eu tive mesmo completo foi meu padrinho Vítor Freire. Eu tinha uma letra que não tinha feito música, então ele pegou e fez uma música justamente nos moldes das composições que eu fazia. Muita gente não sabe, mas nas parcerias em geral eu faço a letra, não a música. Sorriso Antigo, por exemplo, que a Márcia gravou, é uma letra minha feita bem antes da música do Marivaldo Fernando. Alf teve pouquíssimos parceiros. Muitos deles, pessoas anônimas, amigos, namorados. Outros são músicos de qualidade, como Rômulo Gomes, Maurício Einhorn, José Briamonte, Vítor Freire. Seu modo de abordagem é muito bem descrito pela cantora Alaíde Costa: Para minha felicidade, um dia ele chegou com um papelzinho dobrado e botou na minha mão. Eu perguntei o que é isso?, que bonito... Aí ele falou é pra você musicar. Aí eu fiquei toda nervosa mas Johnny, pra eu musicar pra você? Aí ele falou: ... vire-se. E assim viramos parceiros em Meu Sonho. Com Rômulo Gomes não foi muito diferente. O jovem baixista o procurou nos bastidores de um show e o presenteou com seu disco independente Jeito Livre de Amar. Mal conversaram. No segundo encontro, Alf já lhe deu uma melodia para que pusesse letra. ...Te vira. O poeta é você. Assim nasceu Mais que Nós. E depois seis outras. Eu acho que o músico tem de se atualizar, como fez o Miles Davis. Infelizmente entre os da minha geração há muito preconceito, muita gente acha que dos Beatles para cá não presta mais. Eu acho que isso não tem nada a ver. Eu adoro o que está acontecendo, e o que ainda está para acontecer. Vivemos um mundo caótico, mas dentro desse caos surge muita coisa maravilhosa. O que se há de fazer? Explicar que uma harmonização não tem pátria? Que um dó de nona pode ser usado por mim, pelo Villa-Lobos, pelo Debussy, pelo Luiz Gonzaga ou pelo Thelonius Monk sem que isso interfira na nacionalidade da obra de cada um? Sou muito exigente. Quando eu ouço um disco, eu ouço com uma outra intenção. Não de ouvinte, mas de músico. Para um músico como eu, que leva a sério o seu trabalho e analisa tudo com muito cuidado, o objetivo maior não é o hit-parade, mas a liberdade de expressão. Essa é a melhor maneira de fazer um trabalho positivo, honesto e espontâneo. Por isso eu digo como a Marilyn Monroe: Eu quero ser maravilhoso! E vou continuar tentando. Filho de Xangô Como vimos, Alf foi um seguidor convicto dos cultos afro-brasileiros. Segundo informações que conseguimos, tinha um Xangô na cabeça. Esse orixá, deus do trovão, foi originalmente um dos soberanos do reino iorubá de Oyió, e tem por natureza o senso de liderança e da justiça, possuindo um temperamento instável. Seu elemento é o fogo, e sua cor, o vermelho. Em 1966, no seu LP na Mocambo, Alf gravou uma música dedicada a seu guia. Se meu ponto na gira firmei Atabaque bateu, santo meu respondeu Ê Xangô É falange do deus do trovão que eu quero saudar Santo de intuição que me vem confirmar Ê Xangô É irmão, vamos bater cabeça, kaô É irmão, vamos firmar cabeça, kaô Vem de Aruanda, vem e traz a sua proteção que eu quero paz E no dia que Zambi chamar sofrimento tem fim Pois maldade no mundo é demais para mim Ê Xangô Todo seguidor das religiões de origem africana, além do seu guia principal, tem um segundo protetor, que no caso de Alf, parece ter sido Oxum, orixá da água doce, vaidosa, caprichosa e temperamental por natureza. Ela foi a segunda das três mulheres de Xangô, conquistando a posição de favorita ao enganar a primeira (Obá), de que amputando uma das próprias orelhas ficaria mais atraente aos olhos do marido. Sua cor é o amarelo. Para ela, foi composta em 1978 uma canção, gravada no LP Desbunde Total. Oxum senhora bonita Xangô não lhe resistiu Oxum senhora bendita Meu canto de fé por seu encanto surtiu Eu estava na cachoeira E o sol logo refletiu Em pingos resplandecentes ouro o leque surgiu Oraieiê Oxum (bis) Oraieiê minha mãe Nesse mesmo disco Alf cantou a canção Anunciação, cuja melodia fora apresentada parcialmente, anos antes, no depoimento ao Sesc, com outra letra, e intitulada Umbanda. Para os não iniciados, tuia na língua quimbundo é sinônimo de pólvora, muito utilizada no cerimonial. Sai da frente, sai Deixa eu queimar tuia Pra cruzar meu corpo Realmente, as alusões de Alf na letra de Kaô Xangô a Aruanda, terra ancestral do culto angola, onde residem os espíritos benéficos dos Pretos Velhos, ao lado de Xangô e Oxum, orixás da etnia iorubá, revela uma vinculação, não ao ortodoxo candomblé baiano, mas ao culto umbandista, bem mais sincrético, e cuja base geográfica é o Rio de Janeiro. Canto pra Pai Corvo, gravada em 1971, confirma isso. Foi, foi, foi Foi o que Pai Corvo ensinou Ele é Preto Velho É guia curador É, é, é Ele é pai e corvo também Ele vem de Aruanda Pra ensinar o que é de bem Salve, salve, meu irmão Deixa a gira se formar Se o Capeta te aprontou Preto Velho vai curar No terreiro de Pai Corvo O Capeta vai sobrar É Pai Corvo se chegar É o Capeta se mandar Essa abertura de Alf para o misticismo e a religiosidade vai ser reforçada futuramente com a sua vinculação ao Centro de Estudos da Filosofia Espiritual, em Ribeirão Preto, e com um disco em parceria com Dom Pedro Casaldáliga, bispo da Igreja Católica, já no final dos anos 1990. Saindo do buraco Surge então no cenário o produtor João Sérgio de Abreu. Trabalhei como produtor de TV de 1967 a 1983 (Globo, TVE, Bandeirantes, Tupi, TVS) até assumir a gerência de eventos da Riotur por 11 anos, de 1983 a 1994. Durante essa trajetória estive profissionalmente com o Johnny muitas vezes, mas vim conhecê-lo melhor quando em 1989 paralelamente a Riotur, produzia e dirigia a casa de shows Vinícius Bar em Ipanema. Inauguramos o Vinícius em 6 de junho de 1989, e a cantora programada para tal seria a Nara Leão, que, infelizmente, morreu alguns meses antes, sendo substituída por Carlos Lyra. Em meio à temporada de Lyra recebi a visita da Leny Andrade, que me trazia uma noticia muito triste sobre o Johnny, desaparecido da mídia e sem trabalho, principalmente no Rio. O Johnny está numa situação péssima em São Paulo, e nós precisamos fazer alguma coisa para ajudá-lo. Amante que sempre fui de seu trabalho e da boa música brasileira, combi­namos de trazê-lo para uma temporada no Vinícius. E daí em diante começa o renascimento da carreira de Johnny, que logo na primeira temporada que realizamos no Vinícius lotou o espaço de uma forma jamais superada até os dias de hoje. Seguiram-se outras temporadas com o mesmo sucesso, e fui convidado pelo Johnny para trabalhar com ele, o que fiz até 1992. Oitavo LP Olhos Negros (1990) Líber Gadelha, guitarrista, ex-aluno da Berklee School of Music, hoje proprietário da gravadora LG, já tinha trabalhado com Alf no Chico’s Bar quando propôs à RCA um trabalho que fizesse jus à qualidade dele como músico, já que estava há 12 anos sem gravar. O disco foi feito em um mês, quase escondido, aproveitando uma viagem do diretor Miguel Plopschi ao exterior, antes mes­mo que ele desse a permissão definitiva. É um disco de convidados, em que Alf divide as faixas com artistas do naipe de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Emílio Santiago, Leny Andrade, Sandra de Sá, Zizi Possi, Roberto Menescal e Márcio Montarroyos. Os arranjos são de Guto Graça Mello (cordas) e Jamil Joanes. Alf toca em todas as faixas, ao lado de Lucas Maciel, Ivo Caldas, Paulinho Braga, Jamil Joanes e do próprio Líber. O repertório mistura grandes sucessos - Ilusão à Toa, Seu Chopin, Desculpe, Rapaz de Bem, O que é Amar e Eu e a Brisa - com inéditas, entre elas as excelentes Nossa Festa e Olhos Negros. Esta última, em parceria com Ronaldo Bastos e cantada em dupla com Caetano Veloso, foi bastante tocada no rádio. O resultado final é muito bom, e serviu para atrair a atenção da mídia, que o havia praticamente esquecido. As vendas, entretanto, foram decepcionantes, apenas 10 mil discos. No lançamento em CD foram acrescentadas mais duas canções inéditas, sem convidados. Uma delas é Bar da Praia, feita para seu amigo Caldeira, de Santos. Um disco inacabado Em 1992, Alf iniciou a gravação de outro LP, produzido por João Sérgio. Os músicos foram Lucas Maciel no baixo, Ivo Caldas na bateria e o saxofonista francês Idriss Boudrioua. Apenas sete faixas, todas então ainda inéditas: Plexus, Choratina, Avatar, Convite, Eu Amanheci, Sintonia e Matinal. Por motivos nunca esclarecidos, ele se desinteressou do trabalho, que nunca foi termi­-nado. Mas existe, gravado e mixado. Nova fase Em 1991, Alf conheceu Nelson Valencia, que veio a ser seu último empresário: Eu fazia assessoria de imprensa para algumas casas noturnas onde o Johnny já havia se apresentado. Em 1992 nos aproximamos e começamos o traba­lho cantor/empresário. Eu trabalhava com a Claudette Soares e estava cuidando da produção de um novo disco dela. Queria fazer um disco cult, com grandes compositores. Fui atrás do Johnny para ver se ele tinha algo inédito para ela. Ele deu duas músicas, que ela gravou E Aí? e Choratina. Conversamos muito. Tive um impacto muito grande ao conhecê-lo mais de perto. Estava indo na casa de uma das pessoas mais importantes do mundo, tremia muito, afinal era o cara. Ele me disse que se eu arranjasse algum trabalho tamos aí. Passou uma semana me ligou um empresário muito famoso, visivelmente contrariado, dizendo que tinha um show para o Johnny, e que ele disse que era para tratar comigo e queria saber as condições. Nem eu sabia qual eram as condições, fui pego de surpresa. Não levei à sério que ele poderia querer trabalhar comigo. Lógico, ninguém levaria, ele era de uma importância gigantesca, quem era eu? Pois assim começou. Nunca pude esquecer esse gesto dele. Tamanha generosidade, entregar seu trabalho em minhas mãos. Que medo! Mas fui em frente. Lar doce lar Um dos problemas cruciais da vida do Alf sempre foi ter onde morar. Já vimos o grande trauma que passou ao ser expulso pela família de criação, quando resolveu ser músico profissional. E como chegou a dormir na praia. E também como morou na casa de amigos, como Luiz Paulo Ribeiro, Vítor Freire e César Camargo Mariano, em alguns casos por um longo tempo. A essa lista podem ser acrescentadas outras pessoas, como Lea Cavalcanti, filha de seu amigo compositor, Armando Cavalcanti, e a cantora Áurea Martins - ambas no Rio - e Vera Lúcia Coelho, grande amiga e confidente, em São Paulo. Em outras ocasiões, morou em locais inusitados, como no porão da Academia Meirelles de Música. Ou em hotéis, geralmente na região boêmia. No Rio, na Praça Tiradentes. Em São Paulo, na Boca do Lixo. Passava o tempo de sunga, ouvindo música no quarto, só ou acompanhado. Depois radicou-se no bairro popular da Mooca, onde residiu em diversos endereços. Os dois últimos foram nas Ruas Porto Feliz e do Oratório. Mesmo essas não eram residências convencionais. O apartamento da Porto Feliz era grande, com três quartos, mas, segundo João Sérgio, tinha apenas uma geladeira, um piano velho, um sofá-cama e pilhas e pilhas de discos e livros, cuidadosamente arrumados em ordem alfabética e temática. Lito Robledo lembra que a mesinha da sala era a caixa de papelão onde veio a televisão. Na Oratório era uma casa, mas não muito diferente. O baixista Marcos Souza confirma que tinha um quarto só com santos e ele colocava oferendas, doces, balas. Também tinha um quarto com prateleiras de aço cheias de vídeos. Segundo o guitarrista Alexis Bittencourt, continha pilhas de discos de vinil e de CDs, dos mais variados gêneros. Lembro de ter me surpreendido ao encontrar a trilha sonora do filme Rei Leão, e também diversos discos de conjuntos de rock, como Animals, Bread, entre outros. Infelizmente, por Johnny Alf ser um homem humilde, de estilo de vida bem simples e recluso, muito dessa coleção se perdeu ou estragou (incluindo várias partituras), pois, sem condições de guardá-la adequadamente, muita coisa ficava desorganizada e ao relento, sofrendo as mazelas causadas pela chuva e vento. Esse abandono se refletia também no modo de vestir desleixado e desatento, que causou preocupação e nervosismo em seus últimos empresários. Se não ficassem atentos, havia o risco de ele aparecer com uma roupa velha de jogging, ou com uma camiseta com propaganda de um posto de gasolina, ou de chinelo. Frequentemente era levado para comprar novas roupas mais apropriadas. Na verdade ele fazia todos os serviços domésticos: limpava, lavava e cozinhava. Alguns de seus amigos mais populares causavam certo desconforto nas casas noturnas mais caretas onde trabalhou. Ele não estava nem aí. Eu ouço som e faço as fitas quando me urge a necessidade, depois de fazer outras obrigações às quais são referidas o rótulo de domésticas, mas que para mim representam fonte de rotatividade. Por isso moro sozinho e gosto eu mesmo de fazer tudo porque um lado complementa o outro! E vivendo só eu aprendi a conhecer a mim mesmo profundamente! E dia a dia vou tentando corrigir ou aprendendo a tirar partido das minhas deficiências. Até 1990 ele vivia isolado do mundo. A primeira TV veio de brinde pela utilização de uma música num comercial da Sharp. Foi no tempo do João Sérgio. Depois descobriu o gravador. Gravava muitas fitas cassete para presentear os amigos, tipo miscelânea, sem identificar as músicas, o que só fazia vários dias depois. Chamava isso de “brincadeira didática.” Vejamos um exemplo, tirado de uma carta para Eduardo Caldeira em 1987: “Nossa Rua, Leila Pinheiro; The River, John Williams Orchestra; Quintessência, Edson Machado & Samba Novo, arranjo de Meirelles, solos de Paulo Moura e Raulzinho; Is This That Feeling Gets, Dee Dee Bridgewater; Porgy and Bess Suíte, Rob Mac Connel Band; Só por Amor, Edson Machado & Samba Novo; Passa por Mim, Luiza; Fascinating Rhythm, John Williams Orchestra; Sky and Sea, Fifth Dimention; Água Marinha, Fátima Guedes; Pavane, Ravel: Fumiaki Miyamoto, oboé, com conjunto japonês; By Myself, Ann Richards (esposa de Kenton); Eu e a Brisa, Paulo Moura; Someday, George Duke. O videocassete causou outra revolução em sua vida, pois renovou seu antigo amor pelo cinema. Via de tudo. E procurava filmes raros, como a versão sem cortes de Solaris, ficção científica russa de Andrei Tarkovsky; ou Show Boat, não a versão musical do George Sidney, mas o origi­nal, do diretor maldito James Whale; ou ainda Sebastiane, filme erótico de Derek Jarman sobre a vida de São Sebastião, com diálogos em latim! O gosto era eclético, mas sempre sofisticado. Para Nelson Valencia, o que sempre me chocou e nunca consegui entender, foi como um artista que produzia um produto tão sofisticado, podia ser tão simples, quase miserável nas suas ex­pectativas. Por volta de 2005, levando ele para casa, ele me disse que estava muito realizado, pois tinha um fogão, uma geladeira, as coisas dele. Deixei ele em casa e voltei para casa chorando, pensando em como todos nós somos tão peque­nos e na grandeza daquele homem. O filho da empregada, que sempre viu sua mãe usando a geladeira e o fogão da patroa, estava vingado: tinha uma geladeira e um fogão. 90 Uma anedota divertida Conta o baixista Marcos Souza: Tenho uma história com o Johnny e o Ramon, no Rio. Ele marcou um show com o produtor João Sérgio, no Rio Jazz Club. Mas me falou que eu teria de ir de carro e também não teríamos hotel pra ficar, mas ele tinha arrumado a casa de um amigo pra gente ficar hospedado, pois não tinha muita grana na produção. Chegando ao Rio fomos direto para a Rodoviária apanhar o Ramon que levou a bateria de ônibus e seguimos para a boate para passar o som e por volta das 18 horas fomos para a casa do amigo dele que nos hospedaria. Era em Marechal Hermes. Tava uma chuva, um trânsito, eu dirigindo e não chegava nunca. Depois de quase duas horas de viagem, chegamos. A casa do cara tinha um quarto, um banheiro, uma área de luz pequena e uma cozinha onde moravam a irmã do cara com o marido, mais o cara com um filho de uns dez anos, mais o Johnny, eu e o Ramon. Era uma casa, de fundos, muito simples, mas comecei a ficar preocupado, pois vi que não caberia todo mundo lá. E a chuva não parava. Não tinha pra onde ir. Assim que acabei de tomar banho já estava na hora de voltar para a boate e tome mais pista e chuva. Isso foi numa sexta-feira e também faríamos o show de sábado. Quando acabou, fomos comer alguma coisa e já eram três e meia da manhã quando voltamos para Marechal Hermes. Chegando lá me deparei com um casal dormindo no chão da sala, o menino também e o dono da casa falou pra mim que o quarto era pra mim e para o Ramon, o baterista. Estava cansado e só queria descansar, pois havia dirigido o dia todo. Deitei na cama do casal e logo depois o Ramon deitou ao meu lado. Me deu um acesso de riso que eu não conseguia controlar. Sei que acabei dormindo e às dez horas do dia seguinte me levantei e me sentei na cozinha. O Johnny, acho que dormiu numa varandinha da casa, já estava preparando o almoço. O cozinheiro era ele. Falei que iríamos procurar um hotel para mim e o Ramon, pois tiramos a privacidade do casal e estava muito apertado para eles todos, inclusive para as baratas que circulavam pelas paredes da cozinha. Ele me falou que de jeito nenhum, que a gente não iria gastar com hotel e tava tudo bem. Tentei umas três vezes falar com jeito e ele sempre falava a mesma coisa. Foi me dando um desespero, ele percebeu que eu não estava à vontade, daí ele concordou. Isso já era meio-dia e a chuva não tinha passado. Peguei o carro e fomos para Copacabana onde consegui um hotel baratinho no Leme, numa rua bem próxima do Rio Jazz Club. Hotel Acapulco. Nunca vou esquecer esse nome. No sábado fizemos o show novamente e ele no mesmo esquema com o amigo. No domingo, voltamos para São Paulo, e ele nunca comentou nada. Curiosidades pessoais Um traço inusitado na personalidade de Alf era a gula. Se observarmos suas fotografias, comprovamos como em alguns períodos esteve muito gordo, quase obeso. Adorava doces, por exemplo. Simon Khoury cita o shishbarak, doce árabe feito de coalhada e nozes, como um de seus preferidos. Também criou fama um famoso pavê feito pelo saxofonista Idriss Boudrioua, seguin­do a receita de sua mãe francesa. Para Nelson De Mundo, seus prazeres eram cinema e cozinhar, o que fazia para os músicos, quando se hospeda­vam na casa dele. Macarrão com galinha, ou feijoada. Essa última atividade nem sempre era bem-sucedida. Até hoje Lito Robledo reclama de um feijão com coentro, um tempero para peixe. Segundo João Sérgio, quando ia fazer show ele ficava o dia inteiro em jejum, por causa da voz. Então, assim que acabava de tocar, saía apressado para jantar, sem dar muita atenção aos que iam cumprimentá-lo. Saía só com um grupo de amigos chegados para comer e conversar. Tinha uma semelhança com João Gilberto: gostava de circular de táxi pela madrugada, tendo seu motorista preferido. Mais de uma vez veio assim de São Paulo para o Rio e vice-versa. Há também um bom anedotário sobre seus centros de macumba. Havia um em Niterói, onde levou uma famosa cantora, que saiu apavorada, quando, de repente, apareceu uma jiboia deslizando calmamente pelo meio do terreiro. Uma ialorixá anunciou um roubo na casa de Lea Cavalcanti, onde estava hospedado no Rio, fazendo Alf deixar a residência de uma hora para outra sem dar explicações, causando ressentimentos nunca superados. Em São Paulo, outra mãe de santo brecou sua ida para os Estados Unidos com Sarah Vaughan. E aplicou um telefone num de seus músicos, que ficou quase desacordado por alguns minutos. Mas também havia o lado bom, como a Casa Mão Branca, um asilo para idosos, que ele ajudava financeiramente. Intimidades Meu homossexualismo interfere como nuance que evidencia e policia meu comportamento junto às pessoas. É ele a brisa do título da música, é ele o devaneio que inspirou a letra. Analise a letra e terás a sacação! Para um artista, o motivo de certas obras fica incrustado na pedra fundamental de sua personalidade e com bastante inteli­gência ele usa esse motivo num teor de simplicidade honesta, sem se revelar aos outros se é isso ou aquilo! A arte o faz. Às vezes eu posso necessitar de ter uma pessoa, mas isso vai acarretar uma série de problemas no meu lado artístico, pois quem vive com artista tem de ceder muito e nem todo mundo está disposto. Eu gosto mais das pessoas simples. Eu já tive intimidade com pes­soas de cultura semelhante à minha, e na hora sempre há um choque de personalidades. Quanto ao tipo de aproximação interesseira, eu prefiro não ter. Já me desapontei bastante. Se alguém está comigo e me atrapalha, me força a deixar de ser aquilo que eu quero ser, eu fico com a música, que é o que me segura, me completa e de onde eu tiro o meu sustento. Não existe felicidade completa. É melhor se conter diante de uma coisa incerta pra realizar aquilo que você consegue bem. Mas se há proveito de um lado e do outro é que a ligação foi feita num astral legal. Sete anos sem gravar Em seguida a Olhos Negros, Alf passou mais um longo período, sete anos, sem gravar um disco solo. Mas, aos poucos, depois da publicação em 1990 de Chega de Saudade - A História e as histórias da Bossa Nova, do Ruy Castro, sua importância na modernização da música brasileira começou a ser reavaliada. Nesse mesmo ano fez uma excursão para o Japão, ao lado de Dóris Monteiro e do percussionista Marçal. Voltou entusiasmado com a qualidade dos pianos. Também gravou na TV Cultura, sob a direção de Fernando Faro, o prestigioso programa Ensaio, onde, durante uma hora, respondeu a perguntas, conversou, tocou e cantou. Dezessete anos depois o programa foi comercializado em forma de DVD. É inevitável a comparação com aquele outro programa, gravado 21 anos antes na mesma emissora, onde demonstrava um nervosismo e uma inquietação agora inexistentes. São dois momentos diferentes e significativos de um mesmo artista. O novo Alf é calmo, tranquilo, centrado, equilibrado. Credita-se essa mudança ao abandono da bebida, mas é algo mais profundo, de fundo místico e exis­tencial. É mais ou menos nessa época que ele passou a frequentar o Centro de Estudos de Filosofia Espiritual (CEFE) em Ribeirão Preto, dirigido por Carlos Necchi, um velho amigo, ex-administrador do João Sebastião Bar. A linha seguida pelo centro é a Teurgia, que promove a comunhão direta com Deus, ao contrário da Teologia, que apenas estuda as obras divinas. Algumas de suas novas composições revelam o tema do misticismo. Agora ele se exibe com certa regularidade no circuito Sesc em São Paulo, e também pelo Brasil afora. Os esforços começam a ser recompensados. Em 1996 participou do Free Jazz Festival, no Rio e SP. Os shows foram muito concorridos e agradaram bastante. O crítico americano Larry Birnbaum, da revista Jazziz, descreveu sua performance como brilhante. Também gravou participações nos songbooks de Tom Jobim, Marcos Valle, João Donato, Djavan e Chico Buarque produzidos pela gravadora Lumiar, de Almir Chediak. Nono LP Noel Rosa Letra & Música (1997) No songbook do Chico eu gravei duas músicas de um jeito que o Almir Chediak gostou muito, e me ligou dizendo vamos fazer uma coisa com Noel Rosa. Eu já conhecia umas coisas, pois morei em Vila Isabel no tempo que o Noel estava lá. Eu era garoto, então havia essa afinidade. Foi fácil para mim, pois eu gosto muito da música dele. Os arranjos do Leandro Braga, foi tudo maravilhoso, um prêmio que eu ganhei na minha carreira. Na contracapa o maestro e pianista Leandro Braga afirma que, fazer esse CD com o Johnny foi uma coisa muito gostosa. Foi muito fácil porque eu tive toda liberdade para fazer os arranjos, e não tive nenhum empecilho por parte dele, que até estimulava muita coisa, inovador, propondo coisas audaciosas harmônica e melodicamente. Me lembro que em uma das músicas, Não Tem Tradução, aquela do cinema falado, eu tive a ideia de botar um DJ usando aquelas picapes. O Chediak até ficou meio receoso. O Johnny, mais velho do que todos nós, tinha uma cabeça muito mais aberta. Tenho esse trabalho como um momento muito especial da minha vida. São 13 sambas de Noel, a maioria deles entre os já regravados por Araci de Almeida em 1951 nos seus dois famosos álbuns da Continental, com capa de Di Cavalcanti. Alf, que não toca piano, apenas canta, está em ótima forma vocal. Os arranjos são corretos, mas pouco ousados, e parece ter havido a preocupação de conter os glissandos e as modulações do cantor. Há uma parceria de Alf com Paulo César Pinheiro, Noel, Rosa do Samba que encerra o disco. Bem-feita, mas burocrática e sem brilho. O único fato que une o clássico Noel e o moderníssimo Johnny Alf, o de ambos terem nascido e crescido em Vila Isabel, e a família de criação de Alf ter tido relações de amizade com a família de Noel (segundo ele me contou) não é sequer citado na contracapa. Décimo LP As Sete Palavras de Cristo na Cruz (1998) Nove temas orquestrais inéditos, de inspiração sacra. Uma parceria com Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, Ressureição, a única faixa em que participa da gravação. No intervalo entre as músicas, sete poemas em forma de oração de autoria de Dom Pedro Casaldáliga, em espanhol. Existe também com versão em português, recitada por Alfredo Alves. Arranjos do maestro Antonio Duran. Na capa, o Cristo de Salvador Dalí. Produção das Edições Paulinas/Comep. Esse é outro projeto inusitado na carreira de Alf. A princípio, nada mais diferente de sua música intimista e dissonan­te do que os textos vibrantes do principal nome da Igreja da Libertação no Brasil. Sua Eminência já era parceiro, com Milton Nascimento, da Missa dos Quilombos. Os temas de Alf são discre­tos, mas a qualidade precária da gravação nos impede de dar um veredito definitivo. A parceria não emociona. Dois vídeos inéditos e dois CDs ao vivo (1998/99) João Carlos Rodrigues, jornalista e pesquisador, autor deste livro: Como muitas outras pessoas, eu conheci o Johnny Alf num sebo de discos. Foi na Rua Sete de Setembro, no Rio. Por volta de 1989/1990. Eu comprei o Diagonal em vinil por um preço meio salgado, e o dono, que era amigo dele, perguntou se eu queria conhecê-lo, e fez a ponte. Nos primeiros cinco minutos de conversa ele já me perguntou se eu tinha a versão integral de Solaris, um filme de ficção científica russo, dirigido pelo Andrei Tarkovsky. Eu não tinha, é claro, pois é raríssimo. Mas tinha assistido em Nova York e descrevi para ele as diferenças, etc. Até hoje me pergunto se não foi uma pegadinha, para ver se eu merecia que ele perdesse tempo comigo. Conversamos horas. Nessa época ele se apresentava muito no Vinícius Bar, e eu ia sempre. E também falávamos por telefone, todos os domingos de manhã, depois que voltou para São Paulo. Trocamos fitas, CDs e DVDs. Em 1996, tive a sorte de ganhar uma bolsa da Fundação Rockefeller para dirigir um vídeo, e escolhi fazer sobre ele. O dinheiro só dava para metade, então completei a outra com minhas próprias economias. Tudo muito simples devido ao orçamento: uma entrevista e um show ao vivo no Vinícius Bar, com duas câmeras. Assim que fechei a produção, constatei que a imagem ia ficar pobre, não há possibilidade da câmera se movimentar dentro da boate, que é minúscula. Então aluguei uma mesa de som de trinta canais, que ficou na garagem do prédio, e gravei tudo separadamente em ótimas condições. Como havia sincronismo absoluto, pois tudo foi feito junto, substituí o som do vídeo pelo som da mesa mixado, e produzi com o resultado dois DVDs de média-metragem e dois CDs. Os DVDs se chamam Um Retrato de Johnny e Cult Alf. No primeiro ele fala da carreira e canta os grandes sucessos. No segundo, comenta suas preferências artísticas e canta músicas menos comerciais. Foram exibidos em mostras e festivais, mas nunca comercializados. Os CDs seguem aproximadamente o mesmo critério, mas foram lançados no mercado, licenciados para pequenas gravadoras. Em Cult Alf ele homenageia Dick Farney e Villa-Lobos, canta Desafinado, Fim de Semana em Eldorado, Céu e Mar, as inéditas Luz Eterna e Redenção, da sua nova fase espiritualista, e toca a instrumental Idriss, dedicada ao saxofonista homônimo. Já em Eu e a Bossa estão um tributo a Vinícius de Moraes, os grandes sucessos e mais Tristeza de Nós Dois e as instrumentais Plexus e E Aí?. Acredito ter sido o único produtor a captar Alf no seu ambiente favorito, onde realmente ficava à vontade, a boate. E também o que mais deu destaque a suas improvisações no piano, sem o limite de tempo imposto pelas gravadoras. Há faixas de mais de dez minutos, como nos discos de jazz. Resumindo: não ganhei dinheiro, mas registrei para o futuro aquilo que tanta gente deve ter pensado, mas não fez. Prêmio Shell Alf foi o homenageado de 1999 pelo Prêmio Shell de Música. Antes dele já tinham sido vencedores Tom Jobim, Milton Nascimento, Dorival Caymmi, Baden Powell, Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Zé Kéti, Luiz Gonzaga, Roberto e Erasmo Carlos, Rita Lee e outros, todos bambas da música popular brasileira. Segundo Nelson Valencia, foi uma produção fantástica, muito trabalho, mas fizemos um belo momento na carreira dele. Direção e roteiro de Helton Altman. Cenografia genial de Carlos Colabone. E coreografia de Jaime Arôxa. Participações especiais de Alaíde Costa, Leny Andrade e Emílio Santiago. Doença Nelson Valencia: Foi em 1999/2000 que surgiram as primeiras queixas. Foi ao médico, fez os exames e constatou a doença. Câncer de próstata. Começou um tratamento com uma injeção bem cara, pois, segundo o médico, uma cirurgia na idade dele não seria aconselhável. Ele seguiu alguns meses tomando a tal injeção (Lupron). Depois ele não quis continuar o tratamento e fiquei sabendo pelo Ribamar (amigo dele do Rio, que é médico), que ele teria dito que faria um tratamento espiritual, que o Ribamar desaconselhou, pois disse que isso era sério e ele deveria cuidar com médico. Mas, como sempre, ele fez do jeito que quis. Essa doença terrível, o adenocarcinoma, é mais frequente em homens da raça negra com mais de 50 anos ou profissionais que trabalham sentados, como pianistas. Ele era as duas coisas. Realmente, entre os seus sintomas estão a dificuldade de urinar, depois a incontinência e a dor óssea. Como sua evolução é muito lenta, pode ter começado muitos anos antes, talvez décadas. Outro disco inédito (2001) Nilson da Matta: Foi em 2001 que veio a ideia de produzir um CD do Johnny Alf aqui nos Estados Unidos. O dono da gravadora Malandro Records (quando esteve no Brasil ele gostou do nome, mas não sabia exatamente o significado da palavra, achava bonito o malandro das antigas, calça branca, camisa listrada e chapéu de palha), Rick Warm, que também gostava das músicas do Johnny, topou a produção executiva e eu tive assim a felicidade de trabalhar com ele novamente depois de 36 anos, produzindo, arranjando três músicas e tocando o meu baixo. Os outros músicos que participaram foram o violonista Romero Lubambo, que também arranjou três músicas; o pianista e arranjador Cesar Camargo Mariano, com três arranjos; baterista Paulo Braga; guitarrista Guilherme Monteiro; pianista Hélio Alves; e o trompetista americano Randy Brecker. No repertório, os grandes sucessos. Foram praticamente cinco dias de gravação e a maioria das faixas que ficaram como definitivas foram gravadas de primeira ou no máximo na segunda versão tendo assim um sabor (tom) bem natural e espontâneo, quase como uma gravação ao vivo. Algumas vozes foram refeitas em São Paulo quando fui para fazer a mixagem no estúdio Trilha Certa com o engenheiro Homero Lotito, que também fez a masterização no estúdio Reference Mastering Studio igualmente em São Paulo. Alf, por motivo ignorado, implicou com o resultado e o disco não foi lançado. A gravadora fechou em 2005. Com Joyce Moreno no Japão No ano seguinte, a convite de Joyce, fez uma série de shows no Blue Note do Japão, onde já havia estado em 1991. Deixemos que ela mesma fale. Johnny aguentou bem o tranco da viagem. Fuso horário com ele era engra­çado, porque ele era pessoa completamente noturna e solitária, não saía com a gente - eu e os músicos (Tutty Moreno, Teco Cardoso, Nailor Proveta, Rodolfo Stroeter - a gente se chamava de Banda Maluca) éramos pratica­mente uma família, fazíamos tudo juntos, refeições, compras e tudo. Ele nunca queria ir. Nem mesmo o jantar do Blue Note, servido entre os dois sets do show, ele levava uma quentinha para o hotel e comia lá depois. A gente entendeu que os hábitos dele eram esses, e o deixamos à vontade. Fizemos Tóquio, Osaka, Nagoya e ainda o festival de Miyazaki, uma ilha que estava sendo assolada por um tufão quando chegamos. O show seria ao ar livre, mas foi adiado para o dia seguinte, e até o último minuto não se sabia se haveria ou não (finalmente houve). Na chegada, o avião quase foi parar no mar, arrastado pelo vento. Johnny ficou muito calmo, ou não demonstrou medo. Depois, já no hotel, o tufão era tamanho que em um dado momento vi na vidraça do meu quarto grudar uma folha de árvore. Só que eu estava no 36º andar! Não sei como ele se arranjou ali, sozinho. Mas não aparentava estar assustado com nada. Por outro lado, ele ficou bastante dependente do Marcello, nosso tour manager, que dessa vez viajara com a missão específica de dar prioridade aos cuidados com o Johnny. Porque ele estava acostumado a ter o Nelson fazendo tudo por ele, e não conseguia nem ligar pro serviço de quarto sozinho. Logo no primeiro dia, o Marcello saiu com a gente pra comer e, quando chegou ao hotel, ligou pro quarto do Johnny pra ver se estava tudo bem. Ele pediu que o Marcello fosse até lá. Quando ele chegou, o quarto estava às escuras. O Johnny não tinha lembrado que era pra botar a chave na parede para ter luz no aposento todo. E ficou ali quietinho, sem comer, sem dizer nada, até alguém ligar pra ele. Depois dessa, pedi ao Marcello que colasse nele direto, pelo resto da temporada, e assim foi feito. E foi quando descobrimos que ele já começava a urinar sangue, mas não queria que ninguém soubesse. O disco japonês (2002) Esse disco eu gravei em três horas por causa da economia. Hidenori Sakao, produtor na contracapa do CD: O produtor musical de Tóquio, Jun Itabashi, do selo Bossanovologia, veio ao Brasil em 1998 para gravar o disco do trio vocal A Três. Johnny participou de uma faixa, Eu e a Brisa. Na ocasião, Jun confidenciou-lhe que sempre teve em mente produzir um disco exclusivo de Johnny Alf, contendo somente obras inéditas. Johnny gostou da ideia e aceitou com prazer, declarando que também tinha tido o mesmo plano, mas até agora nenhuma gravadora havia aceitado a sua proposta. Em 2002 concretizou-se finalmente o sonho de Jun. O destaque especial desse CD é que ele consegue reproduzir fielmente o som que se praticava na década de 1950, quando se gravava com fita de duas polegadas no sistema analógico e onde a execução era simultânea, cantor e músicos. Para satisfazer essa condição, foi escolhido o Nossoestúdio, de Walter Santos, que está devidamente equipado, possuindo até piano de cauda. Eu me senti como se tivesse entrado numa cápsula do tempo. Ao fechar os olhos, via Johnny Alf tocando no bar Golden Hall da Avenida Paulista. Alexis Bittencourt completa as informações em sua dissertação de mestrado na Unicamp: Jun entregou ao técnico responsável pela captação dos instrumentos e da gravação, um CD do grande pianista norte-americano Bill Evans, Interplay, gravado no início da década de 1960, como referência da sonoridade desejada, por este ser constituído praticamente da mesma configuração instrumental. O resultado foi um CD bem jazzista, recheado com improvisos e arranjos instantâneos, contendo 15 músicas inéditas gravadas por Alf, então com 73 anos, em apenas dois dias. Lançado no Japão com o título Johnny Alf Sings and Plays with his Quintet, este CD só saiu no Brasil três anos depois, em junho de 2005, pelo pequeno selo Guanabara, com o pouco criativo título de Mais um Som. Não fosse a produção apressada, o resultado poderia ter saído bem melhor. A voz, devido à grande depressão que atravessava, já não é mais a mesma, parece cansada. São 15 músicas de sua autoria, inéditas na sua voz, duas delas em parceria com o guitarrista Rômulo Gomes. Do total, uma tinha sido gravada anterior­mente por Claudette Soares (Choratina), uma por Isaura Garcia (Pisou na Bola), outra por Cláudia Telles (Ai, Saudade). Três provenientes do disco inacabado de 1992 produzido por João Sérgio (Convite, Eu Amanheci e Sintonia), e também algumas entregues a amigas cantoras, Marisa Gata Mansa (Operação Esquecimento) e Áurea Martins (Ensaio pra Ilusão), mas que elas não tinham tido oportunidade de gravar. Duas delas (Noite sem Lua e Céu de Estrelas) são egressas dos anos 1950, ainda do tempo da Cantina do César. Tinham sido feitas para Dolores Duran, que morreu antes de cantá-las, e ficaram esquecidas. O autor deste livro, em conversa com Paulinho Jobim, filho de Tom, soube que seu pai costumava tocá-las em casa. Lembrou do fato ao Alf, que ficou muito surpreso por alguém ainda se lembrar delas, e decidiu registrá-las. Na verdade, estão entre as melhores de todo disco. Assim como Tema da Cidade Longe, outra obra-prima, letra e música, que embora composta em 1964, na época do Beco das Garrafas, gravada em 2002 adquire inesperadas características de confissão: Boemia em bar Já deixei de gostar Como é bom variar Pra essa estrada de luz Nós viemos fugir Madrugada de azul Nós viemos sentir E a lua, sorrindo pra nós É a alegria de um triste Alegria de um triste qual eu Que esquece que existe E lá embaixo olhe só A orgia se vê Tanta luz cintilar E quem sabe por quê? Vem de lá e se ouve daqui O lamento de um mundo É o tema da cidade longe Em adágio profundo Excursão europeia e discos na Alemanha Mais e mais começaram a surgir possibilidades internacionais. Em outubro e novembro de 2003, Alf, ao lado de Alaíde Costa, participou de uma turnê por 15 cidades europeias, entre elas Londres e Zurique. Foi uma iniciativa de dois músicos alemães, o guitarrista Paulo Morello e o flautista e saxofonista Kim Barth. Como resultado, o CD Fim de Semana em Eldorado, onde Alf canta a música título, e divide com Alaíde O que é Amar e Chora Tua Tristeza, de Oscar Castro Neves e Luverci Fiorini. Há também na Internet uma exce­lente Girl from Ipanema gravada no Elizabeth Hall London Jazz Festival. O resultado é bom, embora a voz não seja mais a mesma e tenha preferido não tocar piano, só cantar. A convivência com os alemães não foi das melhores, com o Alf cada vez mais deprimido e impaciente. No ano seguinte, Alf e Alaíde não participaram e em seu lugar foram Peri Ribeiro e Leny Andrade. A dupla Morello/Barth lançou então outro CD, Bossa Nova Legends, com material das duas turnês. Nele, Alf canta Rapaz de Bem e Wave. Com Alaíde Costa no Elizabeth Hall London Jazz Festival, 2003 Cerimônia do adeus Eu sempre fui uma pessoa fechada. Quando eu era garoto, aos nove, dez anos de idade e morava em Vila Isabel, de manhã cedo batia sol no degrau da cozinha, e eu ficava lá sentado pensando em tudo que está acontecendo hoje. Talvez fosse uma premonição espiritual. Em 2005, Alf resolve se desfazer de sua coleção de discos e vídeos, a primeira das quais iniciada quando ainda era adolescente. Da noite para o dia, decide também deixar sua casa na Mooca e morar no hotel Itamaraty, no centro. As razões são ignoradas, mas podemos supor. Segundo Nélson Valencia, Já no começo de 2007, em janeiro, ele começou a andar com certa dificuldade. Eu questionei e ele dizia que dormiu de maljeito, que era dor na coluna. Como ele já estava morando no hotel, os funcionários iam me dizendo que ele estava com muita dificuldade para andar. Nós fizemos um show no Sesc Pinheiros, que era ele com o Ed Motta. Ele começou o show já sentado no piano e saiu apoiando no braço do Ed. Insisti para irmos ao médico, mas ele não queria. Passados alguns dias, ele não conseguia mais ficar de pé, muito menos andar. Fui buscá-lo para ir ao médico e ele disse que não iria de jeito nenhum. Briguei com ele e carreguei forçado mesmo. A Vera (Lúcia Coelho) me acompanhou. Na emer­gência, fomos para o serviço público, pois ele não tinha nenhum convênio. O atendimento foi completamente caótico. Fiquei chocado com aquilo. Vi que teria que tentar alguma outra coisa. Daí falei com a Lulu Librandi, que é uma produtora cultural, uma pessoa que sempre soube envolvida em ajudar artistas que ficam nessa situação. Ela foi superatenciosa. Primeiro levou um médico ao hotel, que atendeu ele sem cobrar nada. Mas cons­tatando a gravidade da coisa, ela falou com um secretário do governador, que providenciou um encaminhamento dele para o Hospital Dante Pazzanese e depois para o Hospital Mário Covas, em Santo André. O encaminhamento para o Hospital Mário Covas se deu quando se constatou que era um proble­ma oncológico e esse hospital é uma referência no Estado para esse tipo de tratamento. Nesse momento o quadro dele era a perda do equilíbrio. O tumor da próstata havia avançado e consumido parte do osso da base da coluna. Com isso ele não andava e não conseguia ficar de pé. Sem falar da depressão que tomou conta dele. Marcos Souza, baixista: A partir de 2002, comecei a notar certo envelheci­mento nele, a doença já estava lá. Sua voz já não era muito firme e também não fazíamos muitos shows como antigamente. Ele foi perdendo o pique e até que em janeiro de 2007 fizemos um show com o Ed Motta e ele teve muita dificuldade de andar e em certa hora, no camarim, me pediu para ampará-lo. Na semana seguinte o Nelson o levou no médico e foi diagnosti­cado que a doença tinha passado para os ossos. Foram dois anos de depressão na clínica. Ele ficava o dia todo deitado numa cama olhando para o teto, não ouvia música, não assistia à televisão. Nada. Foi muito triste de vê-lo nessa época. Mas depois ele foi para o Hospital de Santo André e também se mudou para outra clínica, Recanto das Figueiras, também em Santo André. Aí as coisas reverteram totalmente, pois ele tratou a depressão e tocava um pouco de piano com o coral do hospital e até voltou a fazer show. Às vezes, para não deixar a peteca cair, fazíamos uns ensaios com ele, no Sesc da Vila Mariana, só para animá-lo e dar mais segurança para ele tocar um pouco. Ele saia de lá dando risada, animado e falando que queria a gente fosse tocar no hospital. Então fizemos nossos dois últimos shows em maio do ano passado, no Sesc Pinheiros, na comemoração de seus 80 anos de vida, junto com Emílio e Alaíde. Nesse meio-tempo, voltando a Nelson Valencia, o Dr. Milton Borrelli abraçou o caso dele. Fez uma cirurgia de raspagem de testículo, muita fisioterapia, tratou a depressão. Como o tratamento demandava muitas idas e vindas para o hospital, o melhor foi levá-lo para morar em Santo André. Foi para uma casa de repouso lá, muito boa e vizinha ao hospital. Ele voltou a andar, sem equilíbrio, mas andava bem e com apoio adequado, subia e descia escada. Em janeiro de 2009 voltou a trabalhar, fizemos um show marcando a volta dele, tendo a Alaíde Costa e Leny Andrade como convidadas. Esse show foi gravado pela TV Sesc. Muito desmotivado, ainda com muita insis­tência minha, pois entendia que a melhor terapia para ele seria o trabalho, ainda fizemos a comemoração dos 80 anos com um show, ao lado do Emílio Santiago e Alaíde Costa. Nesse ele estava ótimo, muito feliz. Depois só mais um em agosto, dividindo o palco com a Alaíde Costa. Mas aí eu percebi que estava muito cansado e que o trabalho já não estava representando nenhuma força para ele, mas, sim, um sacrifício muito grande. Vi que não dava mais. Ainda Nelson Valencia: Em outubro começaram as sessões de quimioterapia, o que causou um desgaste muito grande. Ao mesmo tempo que era o único tratamento possível, isso arrancava outras coisas da saúde dele. De qualquer forma, ele enfrentou bem, sem grandes problemas. O avanço da doença já era muito grande depois de alguns meses e mesmo a quimioterapia já não era mais indicada. Uma semana antes do óbito ele começou a se queixar de fortes dores nas costas. Johnny Alf faleceu às 18 horas e 10 minutos do dia 4 de março de 2010, uma quinta-feira, no Hospital Mário Covas, em Santo André, São Paulo. O atestado de óbito registra falência múltipla de órgãos decorrente de neoplasia de próstata. No dia seguinte, foi velado no teatro Sérgio Cardoso e sepultado no cemitério do Morumbi, na Quadra XI, setor 7, jazigo 1.759. Foi-se discretamente, como viveu. Mas a herança que nos deixou não tem preço. O legado de Johnny Alf Morto o artista, sobrevive a obra. Johnny Alf deixou um acervo de aproximadamente 80 canções gravadas. Mais de 90% estão registradas com os Irmãos Vitale, mas há também algumas nas editoras Fermata, Mangione, Arlequim, Comep, Três Pontas e Warner Chappel. Eu e a Brisa é a grande campeã, interpretada por cantores importantes de diversas gerações, como João Gilberto, Caetano Veloso, Maysa, Tim Maia, Márcia, Baby Consuelo, Waleska, Nora Ney, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Tito Madi, Wanderléa, Maria Creuza, Itamara Khorax e Cláudia Telles, fora as versões instrumentais de Paulo Moura, Lírio Panicalli, Ed Lincoln e Orquestra Tabajara. Alf tinha predileção especial pela gravação de Maysa no Canecão, feita em 1969. Ilusão à Toa vem a seguir, com registros por Sílvia Telles, Isaura Garcia, Claudette Soares, Caetano Veloso, Marcos Valle, Sérgio Ricardo, Alcione, Cauby Peixoto, Rosa Passos, Joyce, Zezé Gonzaga, Leila Pinheiro, Zimbo Trio, Egberto Gismonti, Rildo Hora, Nilze Carvalho, entre outros. Rapaz de Bem (Wilson Simonal, Carlos Lyra, Emílio Santiago, Miltinho, Leila Pinheiro, Os Cariocas, Baden Powell, Toquinho, Dominguinhos, etc.), Céu e Mar (Agostinho dos Santos, Leny Andrade, Marisa Gata Mansa, Tom e Elis, Áurea Martins) e O que é Amar (Simone, Claudette, Sílvio Cesar, Wanderléa, Wanda Sá e Romero Lubambo) completam a lista das cinco mais. Todas as outras, inclusive clássicos como Disa, Escuta, Fim de Semana em Eldorado e Seu Chopin, Desculpe tiveram bem menos gravações. A pouca divulgação da obra de Alf fez com que passassem despercebidas pequenas obras-primas como Podem Falar, Plenilúnio, Eu e o Crepúsculo, Pensando em Você, Ama-me, Desbunde Total, Tema da Cidade Longe, Nós, Nossa Festa, e outras que aguardam ser um dia redescobertas. Além dessas, lançadas pelo próprio Alf, existem as que foram gravadas apenas por terceiros. Alaíde Costa, sua intérprete favorita, lançou com exclusividade Estou Só (1965), Quem Sou Eu? (1976) e Meu Sonho (2006), fora Penumbra e Em Tom de Canção (em 1969, apenas na televisão). Márcia, Boêmio do Samba e Sorriso Antigo, em 1969. Os Cinco-Pados, quinteto constituído, entre outros, pelos cobras Heraldo do Monte (guitarra) e Hector Costita (saxofone), em seu único disco, de 1964, registrou a instrumental Bossa Banca. E temos ainda Elza Soares (O que Vem de Baixo não me Atinge, 1972), Dick Farney (Só Nós Dois, 1976), Cauby Peixoto (Gesto Final, 1982), Maricene Costa (Quem Te Ama Sou Eu, 2002). O próprio Alf cantou uma única vez a perturbadora Elegia na TV Cultura em 1969, e a elogiada Avatar, no disco inédito de 1992. Ele me falou um dia sobre a misteriosa Oxalá, que o público talvez ainda não esteja preparado para aceitar, que, ao que tudo leva a crer, se perdeu. A essas devemos somar 26 inéditas, a maioria esmagadora do início dos anos 1960, seu grande período. Vinte estão registradas com Irmãos Vitale. São, por ordem alfabética: Alegretto, Amanheceu (com Dalmo Castelo), Calor de Você, Canto dos Tempos Chegados, Desvantagem, Eclipse (com Marivaldo Fernando), Eu Respondo por Mim, Falei Teu Nome, Joa Joluda, Luz de Amor, Mais que Nós, Momentos (com José Briamonte), Noite e Penumbra, Noites de Vigília, Nossa Senhora, Ponto de Vista, Promessas, Querendo Ficar (com Ari Francisco), Só Sinceridade, Tema e Tema da Calma. As seis restantes estão na Fermata: Coisa Boa Já se Vê, Embalo Gostoso, Eu Vou lhe Despachar, Feliz Conclusão, Minha Conformação, Oia, Caboclo. É possível que existam outras. Fala-se ainda de uma caixa de velhas partituras inéditas, desprezadas por Alf, e deixadas ao músico César Camargo Mariano por sua mãe, dona Beth. Essa é a tarefa que Johnny Alf deixou a nós, que continuamos vivos. Cuidar da sua obra musical, consolidá-la, divulgá-la, estudá-la, admirá-la. E assim garantir a imortalidade que seu autor merece. ANEXO 1 Lista das 10 melodias brasileiras que Johnny Alf gostaria de ter composto. Entrevista com Simon Khoury, no Rio de Janeiro, em 1974. Gravação inédita. 1. Silêncio de um Minuto (Noel Rosa): ... eu ouvia no rádio, muito bem-feita. 2. Kátia (Georges Moran -Vítor Bezerra): ... uma valsa do Sílvio Caldas. 3. Nossa Comédia (Custódio Mesquita - Evaldo Ruy) 4. Doce Veneno (Valzinho - Carlos Lentini - Espiridião Machado Goulart) 5. Outubro (Milton Nascimento - Fernando Brant): ... a coisa mais linda dele. 6. Herança (Francis Hime - Paulo César Pinheiro) 7. Praias Desertas (Tom Jobim): ... a minha preferida de todas que ele fez. 8. Maísa (Luiz Eça - Ronaldo Bôscoli) 9. Sempre Em Teu Coração (Gonzaga Junior) 10. Suíte dos Pescadores (Dorival Caymmi): ... a parte melódica da noiva. ANEXO 2 Carta de Johnny Alf para Eduardo Caldeira, proprietário do Bar da Praia, Santos. São Paulo, 17/06/1987 Eduardo: saudações! Cá estou mais uma vez, sempre com uma fita na algibeira para não perder o hábito! A cada dia que se passa, o som faz-se necessário mais e mais no nosso cotidiano. 5/6 e 12/13 deste mês estive no Othon Palace do Rio fazendo o meu showzinho no Skylab. Só que esse ano não houve muito público, por causa do assalto no hotel uns cinco dias antes de minha estreia! Afetou totalmente e isso me deixou bem abatido, porque final­mente consegui reunir o conjunto que desejava há muito tempo, usando dois músicos do Rio e dois de São Paulo! O som funcionou quase sem plateia! Por isso estou lhe escrevendo, mais uma vez fazendo-me candidato ao seu sorteio de datas para fazer uma apresentação aí no Bar da Praia! O conjunto está joia, sendo eu obrigado a conservar os dois músicos do Rio, contrabaixista e sax/flauta, para conservar o embalo do show do Othon, que musicalmente foi muito bom! Este ano eu preciso mandar brasa porque a casa aqui foi pedida, e eu preciso comprar um telefone, pois o daqui é do imóvel. Tenho prazo até o dia 23/09, que é quando termi­na o contrato! E o Plano Cruzado não deixa ninguém nem cruzar os braços nem de brincadeira! Há que se correr atrás! A fitinha que vai anexa é para constatar que não me esqueço nunca de ocês aí! Quando no Rio, dei uma saída por lá e fiquei desconcertado com a ausência de estabili­dade no atual humor carioca, não há realidade tranquila e bem poucos de meus conhe­cidos, quase ninguém, tinha duzentos e cinquenta cruzados para assistir ao meu show! E alguns que prometeram aparecer não o fizeram! Realmente o Rio já era! Mas deixa isso pra lá, o que já era já era e não somos nós que vamos consertar! Bem, vou ficando por aqui - aguardando ansioso sua resposta! Do amigo, Johnny Alf ANEXO 3 Carta de Johnny Alf a Eduardo Caldeira, proprietário do Bar da Praia, Santos. Rio, 10/09/90 Amigo Eduardo - ó, Caldeira! Passei por minha moradia - que chique! - no dia 5 e apanhei as fitas que você mandou pelo correio - o que agradeço e muito! Ontem ouvi aqui e adorei as gravações! Ficaram ótimas! Pelo menos o Bar da Praia ficou maravilhoso! Estou acampado aqui na Cidade Maravilhosa por força das circunstâncias, pois o astral artístico está muito prometedor, pelo menos o do aluguel está sendo garan­tido! Estou hospedado em casa de minha irmã Lea Cavalcanti, filha do famoso compositor Armando Cavalcanti (Marcha do Gago, Maria Candelária, Somos Dois, Nesse Mesmo Lugar). O apartamento dela fica no Posto Seis e além de psicanalis­ta, médica, ela também é musical e ótima letrista - fizemos juntos duas músicas! Adora uma boemia, é separada do marido (numa boa) e mora com uma filha jovem solteira que é programadora das lojas Richard’s! Tem mais uma filha e um filho casado. O filho remanescente solteiro está na Europa! Estou como se estivesse na minha casa, graças a Deus! Não resta dúvida de que como bom carioca, desterrado, no bom sentido, em São Paulo há muitos anos, estou agora voltando às minhas origens e estou feliz por isso! Tudo porque o Rio continua sendo o trampolim promocional para tudo que se refere às Artes e essa remanutenção bossa-novista tem me favorecido pacas. Tenho feito muitos shows e tenho recebido muitos convites para fora daqui, tudo reflexo também daquele Jazz Brasil que eu gravei e do qual você gentilmente foi plateia. Há outras jogadas que ainda não foram solucionadas, mas todas de bom augúrio! Com o tem­po você ficará sabendo. De qualquer jeito, o seu toque de Midas com os primeiros shows após a promulgação do Plano Collor continua me dando sorte! No que eu agradeço bastante! Quanto ao resto, vamos enfrentando com bom humor o cotidia­no rio de janeirense, que tem algo de inteligente e pitoresco contra os reveses. O pessoal daqui está fazendo a minha cabeça para eu voltar a residir aqui e eu estou pensando com muito cuidado, principalmente no que diz respeito à mudança, que é um saco! Mas estou muito longe de resolver esse detalhe, pois São Paulo tem muito de urgente para a vida prática que é necessária para qualquer pessoa que seja independente. E essa independência é necessária a um músico e artista do som como eu que cada dia que passa se desinteressa mais e mais pelas coisas materiais, embora o money seja preponderante em boa porcentagem dos nossos atos. O dinhei­ro é uma faca de dois gumes para quem não sabe usá-lo! - Bem, vou ficando por aqui. Vai nessa carta um bafejo do ar carioca, que tem muito a ver com o ar santista! Portanto, você receberá o bafejo de bom grado! E mil abraços para o Bar da Praia, seus funcionários e frequentadores e um especial para você. Do amigo agradecido. Johnny Alf ANEXO 4 Carta de Johnny Alf a Eduardo Caldeira, proprietário do Bar da Praia, Santos. São Paulo, 21/3/1993 Amigo Eduardo: saudações! Não sei se no seu tempo de Mauricinho beattlemaníaco você chegou a ouvir falar de Billy Eckstine. Será que ouviu? Talvez, é provável. Não estou desafiando o seu conhe­cimento, é tudo motivo para justificar uma das fitas que aí vão com gravações dele, glorificando sua passagem pelo mundo, cuja voz foi silenciada alguns dias passados! E coadjuvando ele na mesma fita, até Ângela Maria em princípio de carreira cantando Rachmaninoff em ritmo de bolero! Raridade! Raridade! Acredito que com você as coisas devam estar indo nunca em descontrole, pois você sabe como engendrá-las. Estou com saudade desse Bar da Praia! Quando faremos o nosso show deste ano? Estou tomando a dianteira e transando os compromissos aqui em São Paulo, pois o João Sérgio foi reconduzido à Riotur com altas promoções e anda com muito pouco tempo para responder ao lado de cá. Está como um dos principais chefes de Eventos e atuou em tom de cúpula no desfile da Marquês de Sapucaí. Até camarote eu tive à disposição para assistir às escolas, mas como estou com neurose do Rio, agradeci e fiquei por aqui! Os dois últimos shows que fiz por lá me deram prejuízo e por isso vou querer ficar de férias de lá! E por muito tempo! E quanto ao clima noturno de lá, você me disse que sentiu também quando da última vez que lá esteve! O Captain’s Bar tentou um renascimento comigo, mas sem promoção não deu! Quem está na direção é uma tal de Nara Janus (não sei se você conhece)! Uma mão como a sua é o que eles precisam, pois o lugar é simpático e me lembro de lá ainda com a Isaurinha Garcia e o Walter Wanderley juntos! Faça as contas! Tenho uma proposta para lhe fazer: apresentar aí no Bar um protegido e aluno da Marina Brandão (a grande pianista erudita) chamado Paulo Gusmão de Mendonça, que tem umas composições lindas, algumas com letras do irmão! Só que como a maioria das músicas é lenta, orientei ele a intercalar com sucessos conhecidos balançados! Canta bem, acompanha-se e é uma figura gostosa de se olhar! Igual ao dono do Bar da Praia! Ele é de boa família, tem dinheiro! E tem uma inspiração muito bonita! Dia 29, segunda que vem, vou cantar no clube dirigido pela Badi Assad, o Lito é que sabe onde fica! Vai ser um show diferente porque vou levar o saxofonista/flautista com quem eu mais gosto de tocar: o Paulo! Ele tocou no conjunto do Alemão durante muito tempo. Gostaria de contar com a sua claque! Assim quem sabe eu me inspiro e faço outro jingle para o Bar da Praia? Não foi o que disseram por aí? João Sérgio me falou ao telefone que o prefeito esse ano decretou o Ano Vinícius de Moraes e que várias vão ser as comemorações em homenagem ao poeta. Estou com vontade de usar a mesma temática para o show aí no Bar da Praia, só que usando as músicas menos conhecidas com os parceiros que ele fez, exemplo Moacyr Santos! O Rio vai ficar rememorando o poeta até o aniversário dele em outubro. Que achas da jogada? Caso você embarque de claque no meu show do dia 29, por favor, me dê um toque, para que com sua aprovação, eu avise à Marina Brandão e ao Paulo Gusmão para irem também e assim eu apresento você a eles. Aí vai a fita com as composições dele instrumentais e cantadas! Eu acho que num programa bem preparado elas vão agradar! São músicas, digamos assim, sinuosas, certo? E dão assim um clima de jantar à luz de velas com caviar e champagne francesa, não acha? A cantora não precisa ser propriamente a da fita, ela cooperou apenas nessa gravação. O lado da fita que tem A Symphonic Portrait of Jimmy Mac Hugh é uma gravação da década de 1950 que eu recomprei no sebo de discos de um amigo meu lá no Rio! Como o disco é antigo, de vez em quando pinta um som de rabisco, mas ouvi comentários de que com o evento do CD, disco com ruídos é considerado cult, portanto... Sejamos cult! Don’t worry, be happy! Aquele abraço para você e Mônica! Johnny Alf ANEXO 5 Texto de Johnny Alf publicado na revista Teurgia nº 3, publicada pelo Centro de Estudos de Filosofia Espiritual (CEFE), Ribeirão Preto, SP, 1996. Há no voto popular a verdade de que a arte traz o recado da alma, projetado pelo veículo da espontaneidade. Essa era a intenção dos grandes mestres Beethoven, Lizst, Chopin e Stravinsky, que escreviam música para enlevar e elevar o espírito humano. Mas a minha dedução é que os arautos da arte são intermediários de mensagens vindas do Cosmo. David Tame no seu livro O Poder Oculto da Música expõe o fato de que Haendel e Stravinsky tiveram visões antes de passar para a pauta as peças musicais Aleluia e A Sagração da Primavera. Não quero me colocar à altura deles, mas atuando por escolha na mesma área, afirmo que o instante da inspiração me mergulha num completo desligamento do que se passa em minha volta. Acredito que o autor divino se incorpore na gente e nos passe a mensagem em breves minutos. Totalmente embuído no transcorrer espiritual, herança minha de berço, gradativa­mente faz-se sentir uma intenção de pureza na qualidade das mensagens de minhas composições. Dentre essas mensagens um fato é marcante: a eliminação da refe­rência pronominal ao sexo masculino ou feminino (ele ou ela) no decorrer dos poe­mas. A ausência dele define o amor universal, que não tem sexo, e que dia a dia se transforma em minoria no mundo atual. É desse amor que o mundo cada vez mais precisa, e a subtração dele por parte dos pais, que confundem assistência material com dedicação, faz a adolescência sub­mergir numa carência total e num profundo descrédito do futuro. É lúcido se atualizar o propósito de que terminou a fase do livre-arbítrio, o homem tem um único caminho para legalizar sua passagem pela terra, e o chão firme nes­se caminho é o altruísmo. Eu levei anos para me conscientizar desse mandamento e agora, nos meus 66 anos, procuro mostrar a todos que me cercam, através da música e da disciplina dos meus atos, essa estrada que está diante de toda humanidade e que encontra seus pri­meiros centímetros de espaço localizados bem dentro de nós. É a partir do nosso interior que essa estrada se estende e se explica. Assimilei esse princípio porque cresci como devocionário da proposta divina. O que me confirma isso? São as inspirações que recebo, a adaptação a planos superiores sem o incômodo lado material. E já que estamos navegando no sutil lago do espiritualismo, sinto providencial aproveitar para passar a todos vocês uma oração que teve a minha pessoa como instrumento propagador: Deus nosso pai e Cristo nosso rei / As vossas proteções traçam o caminho ilumi­nado que alimenta a bendita trajetória, que é a própria razão de estarmos nesse estado, neste espaço de tempo aqui na terra. / Assim Vós designastes, e obedien­tes e felizes, cheios de compreensão e resignação, desempenhamos nossas tarefas na benfazeja e total consciência de que é a vós que estamos servindo. / Sermos Vossos missionários é o prêmio supremo das nossas vidas / E que assim seja, Amém. Eu me considero um privilegiado nesta vida por ter a oportunidade de lidar com a música. Por meio do efeito que a música provoca no íntimo das pessoas, eu posso resumir que não são as posses materiais que completam as pessoas, e sim os requisitos interiores que são providenciados pela natureza, pois o homem é o pro­duto da natureza de onde veio e para onde retornará. Mas uma de minhas regalias é a de poder passar para vocês as impressões contidas no texto para o qual fui convidado prazerosamente a escrever por meu irmão Carlos Necchi, ao qual para­benizo pelo lançamento dessa revista. O mundo precisa dela. ANEXO 6 Entrevista no Programa Supertônica, Rádio Cultura Brasil. Apresentação de Arrigo Barnabé. Gravado em 2006, no ar em setembro de 2009. 1. O que você é? Sou precavido. Bem precavido. 2. Signo? Touro. 3. Cor? Azul. 4. Música? L’après Midi d’un Faune, do Debussy. 5. Canção? The Shadow of Your Smile, do Johnny Mercer. 6. Filme? Os musicais, mas atriz pra mim a melhor foi a Vivien Leigh em Um Bonde Chamado Desejo. 7. Livro? Deus Nasceu no Exílio, sobre um poeta perseguido e que no exílio encontra Deus; nem lembro o nome do autor. (Obs: É o romeno Vintila Horia, perseguido durante o nazismo e radicado na França. O livro ganhou o prêmio Goncourt em 1960 e trata do exílio do poeta Ovídio pelo imperador romano Augusto). 8. Vinil? Tom e Elis. 9. Animal? O mais cabuloso, cobra. 10. Se você morrer agora e existir reencarnação, em que animal você gostaria de voltar? Uma ave. 11. Qual? Uma pomba. ANEXO 7 Nos últimos cinco anos, o autor deste livro tentou viabilizar um último disco de estúdio de Alf, inutilmente. Nenhuma gravadora se interessou. Não vem ao caso quais foram, mas foram muitas, praticamente todas. O CD, que se chamaria Avatar, começaria apenas com voz e piano na primeira faixa, e, no correr das outras, seriam acrescentados os outros instrumentos do quinteto (guitarra de Aléxis Bittancourt; baixo de Rômulo Gomes; bateria de Xande Figueiredo; e sax de Idriss Boudrioua) para terminar com uma grande or­questra de sopros, ao estilo Tabajara. Ficou na intenção. O repertório, já acordado, seria o seguinte: Noite Cheia de Estrelas (Cândido das Neves) Tudo que Aprendi de Amor (Fátima Guedes) Castigo (Dolores Duran) Avatar (Johnny Alf) Nesse Mesmo Lugar (Armando Cavalcanti - Klecius Caldas) Nostalgia Acabou (Johnny Alf) Matinal (Johnny Alf) Aeromoça (Billy Blanco) Plexus (Johnny Alf - Joyce) Barquinho (Roberto Menescal - Ronaldo Bôscoli) Oxalá (Johnny Alf) Chega de Saudade (Tom Jobim - Vinícius de Moraes) Quando eu me Chamar Saudade (Nelson Cavaquinho - Guilherme de Brito) DISCOGRAFIA COMPLETA 1952 78 RPM Sinter 256, instrumental De Cigarro em Cigarro (Luis Bonfá), Falseta (Johnny Alf). 1954 78 RPM Sinter 352 Dizem por Aí (Haroldo Eiras e Vitor Berbara), Beija-me Mais (Amauri Rodrigues). 1955 78 RPM Copacabana 5568 Rapaz de Bem (Johnny Alf), O Tempo e o Vento (Johnny Alf). 1958 78 RPM Continental Céu e Mar (Johnny Alf), Com Sinceridade (Johnny Alf) 1961 LP Rapaz de Bem - RCA Vítor BBL 1155 Rapaz de Bem (Johnny Alf), Escuta (Johnny Alf), Feitiçaria (Custódio Mesquita - Evaldo Ruy), Fuga (Durval Ferreira), Tema sem Palavras (Durval Ferreira - Maurício Einhorn), Penso em Você (Fernando Lobo - Paulo Soledade), O que é Amar (Johnny Alf), Fim de Semana em Eldorado (Johnny Alf), O que Vou Dizer Eu? (Vítor Freire - Klecius Caldas), Ilusão à Toa (Johnny Alf), Tudo Distante de Mim (Johnny Alf), Vem (Johnny Alf). 1963 LP sem título, nunca lançado no mercado - RCA Vítor Desafinado/Off key (Tom Jobim - Newton Mendonça), Samba de uma Nota Só/One Note Samba (Tom Jobim - Newton Mendonça), Céu e Mar/Sky and Sea (Johnny Alf), Brigas Nunca Mais (Tom Jobim - Vinícius de Moraes), Gostar de Alguém (Johnny Alf), Pernas/Legs (Sérgio Ricardo), O Barquinho/ Little Boat (Roberto Menescal - Ronaldo Bôscoli), Corcovado/Quiet Nights of Quiet Stars (Tom Jobim), Nós e o Mar (Roberto Menescal - Ronaldo Bôscoli), Rapaz de Bem (Johnny Alf), Seu Chopin, Desculpe (Johnny Alf), Meditação (Tom Jobim - Newton Mendonça). 1964 LP Diagonal - RCA Vítor BBL 1271 Disa (Johnny Alf - Maurício Einhorn), Céu é Você (Luis Bonfá - Maria Helena Toledo), Bondinho do Pão de Açúcar (Armando Cavalcanti - Vítor Freire), Podem Falar (Johnny Alf), Vejo a Tarde Cair (Tita - Edwiges), Desejo do Mar (Marcos e Paulo Sérgio Valle), Céu e Mar (Johnny Alf), Seu Chopin, Desculpe (Johnny Alf), Diagonal (Durval Ferreira - Maurício Einhorn), Moça Flor (Durval Ferreira - Luiz Fernando Freire), Termos de Canção (Vítor Freire - Johnny Alf), Triste Noturno (Johnny Alf - Ana Gloz). 1965 LP Johnny Alf - Mocambo LP 40311 Kaô Xangô (Johnny Alf), Canção pra Disfarçar (José Briamonte - Johnny Alf), Céu Alegre (Johnny Alf), Imenso do Amor (Durval Ferreira - Humberto Pires), Quase Tudo Igual (Ari Francisco - Johnny Alf), Gismi (José Briamonte - Johnny Alf), Samba sem Balanço (Vera Brasil), Se Eu Te Disser (Johnny Alf), Bossa Só (Johnny Alf), Tudo que é Preciso (Durval Ferreira - Pedro Camargo), Eu Só Sei (Armando Cavalcanti - Vítor Freire), Eu Quis Fugir Dos Teus Olhos (Laércio Vieira - Johnny Alf). 1968 Compacto - Rozenblit CS 703 Samba do Retorno (Johnny Alf), Eu e a Brisa (Johnny Alf) LP Isso é Musicanossa! - Forma 108VDL - FEL 10.001 Ponto de Vista (Johnny Alf - Jorge Nery) 1971 LP Ele é Johnny Alf - Parlophon/Odeon PBA 13028 Leme (Armando Cavalcanti - Roberto Nascimento - Vítor Freire), Ilusão à Toa (Johnny Alf), Despedida de Mangueira (Aldo Cabral - Benedito Lacerda), Garota da Minha Cidade (Johnny Alf), Pensando em Você (Johnny Alf), Canto pra Pai Corvo (Johnny Alf), Eu e o Crepúsculo (Johnny Alf), Eh, Mundo Bom Taí (Johnny Alf), Ama-me (Johnny Alf), Anabela (Johnny Alf). 1972 Compacto duplo - Parlophon S7 PD 20002 Eu e a Brisa (Johnny Alf), Não Deixe a Zorra Morrer (Johnny Alf), Sandália de Prata (Alcir Pires Vermelho - Pedro Caetano), Tema Carnaval (Johnny Alf). 1974 LP Nós - EMI Odeon CD 829030 Saudações (Egberto Gismonti - Paulo César Pinheiro), O que é Amar (Johnny Alf), Um Gosto de Fim (Ivan Lins - Ronaldo Monteiro de Souza), Acorda Ulysses (Johnny Alf), Músico Simples (Gilberto Gil), Nós (Johnny Alf), Outros Povos (Márcio Borges - Milton Nascimento), Plenilúnio (Johnny Alf), É um Cravo e Tem Espinho (Gonzaga Junior), Um Tema pro Simon (Johnny Alf). LP Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos - RCA Vítor 111.0001 Eu e a Brisa (Johnny Alf), Ilusão À Toa (Johnny Alf) 1975 LP 100 Anos de Música Popular Brasileira/Projeto Minerva vol. 5 - Tapecar MPB 1005 Rapaz de Bem (Johnny Alf), Camelô (Billy Blanco), Garota de Ipanema (Tom e Vinícius) c/ Alaíde Costa. LP 100 Anos de Música Popular Brasileira/Projeto Minerva vol. 6 - Tapecar MPB 1006 Influência do Jazz (Carlos Lyra). 1978 LP Desbunde Total - Chantecler 208404103 Oxum (Johnny Alf), Passe Livre (Armando Cavalcanti - Vítor Freire), Sidarta (Johnny Alf), Orgulho de Bom Sambista (Johnny Alf), Que Volte a Tristeza (Johnny Alf), Eu Pretendo não Chorar (Johnny Alf), Desbunde Total (Johnny Alf), Com Voz de Plenitude (Johnny Alf - Edinho Penha), Anunciação (Johnny Alf), Para Não Falar de Amor (Paulo Miranda - Buião), Paz de um Grande mor (Johnny Alf), Olhaí (Johnny Alf). 1984 LP Uma Noite no Chico’s Bar - Sigla Brasil 001 Vem (Johnny Alf), Disa (Johnny Alf - Maurício Einhorn). 1990 LP Olhos Negros - RCA Vítor 10.083 Ilusão à Toa (Johnny Alf) com Gal Costa, Dois Corações (Johnny Alf) com Roberto Menescal, Seu Chopin, Desculpe (Johnny Alf) com Chico Buarque, Nós (Johnny Alf) com Zizi Possi, Rapaz de Bem (Johnny Alf) com Emílio Santiago, Olhos Negros (Johnny Alf - Ronaldo Bastos) com Caetano Veloso, O que é Amar (Johnny Alf) com Sandra de Sá, Eu e a Brisa (Johnny Alf) com Gilberto Gil, Nossa Festa (Johnny Alf) com Leny Andrade, Sonhos e Fantasias (Johnny Alf) com Márcio Montarroyos, Tem Mais (Johnny Alf - Lea Cavalcanti), Bar da Praia (Johnny Alf). CD Bossa Nova Wonderland - Meldac Japan MECP 28001 Feliz Natal (Klecius Caldas - Armando Cavalcanti). 1991 CD No Tom da Mangueira - Saci 64408671 Despedida de Mangueira (Benedito Lacerda-Aldo Cabral) 1995 CD Songbook Ary Barroso, volume 3 - Lumiar 107 446 Coisas do Carnaval (Ary Barroso) 1996 CD Songbook Tom Jobim, volume 1 - Lumiar 108 300 Triste (Antonio Carlos Jobim). CD O Milagre da Canção, Filó Machado - Independente A Ponte Nacional (Filó Machado) 1997 CD Noel Rosa por Johnny Alf e Leandro Braga - Lumiar LD 051097 Palpite Infeliz (Noel Rosa), Último Desejo (Noel Rosa), Gago Apaixonado (Noel Rosa), João Ninguém (Noel Rosa), Com que Roupa? (Noel Rosa), Quando o Samba Acabou (Noel Rosa), Não Tem Tradução (Noel Rosa), Pra Esquecer (Noel Rosa), Meu Barracão (Noel Rosa), Três Apitos (Noel Rosa), O X do Problema (Noel Rosa), Pela Décima Vez (Noel Rosa), Silêncio de um Minuto (Noel Rosa), Noel Rosa do Samba (Johnny Alf - Paulo César Pinheiro). CD Songbook Djavan, volume 3 - Lumiar 108442 Samba Dobrado (Djavan) CD Casa da Bossa - Polygram 536 0612 Ilusão À Toa (Johnny Alf) com Fafá de Belém 1998 CD Cult Alf - Natasha Records 289127 Fim de Semana em Eldorado (Johnny Alf), Luz Eterna (Johnny Alf), Céu e Mar (Johnny Alf), Idriss (Johnny Alf), Esquece (Gilberto Milfont), Alguém Como Tu (Jair Amorim - José Maria de Abreu), Copacabana (João de Barro - Alberto Ribeiro), Wave (Antonio Carlos Jobim), Redenção (Johnny Alf), Melodia Sentimental (Villa-Lobos - Dora Vasconcelos), Bachiana nº 5/ Cantilena (Villa-Lobos), Desafinado (Tom Jobim - Newton Mendonça). CD Songbook Marcos Valle, volume 2 - Lumiar LD 3904/98 Gente (Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle) 1999 CD Eu e a Bossa - RobDigital RD 020 Plexus (Johnny Alf), Rapaz de Bem (Johnny Alf), Ilusão à Toa (Johnny Alf), Oxum (Johnny Alf), O que é Amar (Johnny Alf), E Aí? (Johnny Alf), O Grande Amor (Tom Jobim - Vinícius de Moraes), Valsa de Eurídice (Vinicius de Moraes), Medo de Amar (Vinícius de Moraes), Tristeza de Nós Dois (Durval Ferreira - Maurício Einhorn - Pedro Camargo), Eu e a Brisa (Johnny Alf). CD As Sete Palavras de Cristo na Cruz - Comep CD 12233-5 Nove temas instrumentais sem título, intercalados por trechos de oratório de Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, mais a canção Ressureição (Johnny Alf - Pedro Casaldáliga). CD Songbook João Donato, volume 2 - Lumiar LD 4405/99 Quem Diz que Sabe (João Donato) Songbook Chico Buarque, volume 2 - Lumiar LD 47 Ela Desatinou (Chico Buarque de Holanda) Songbook Chico Buarque, volume 4 - Lumiar LD 49 A Rosa (Chico Buarque de Holanda) 2003 CD Fim de Semana em Eldorado - In + Out Records IOR 77055-2 O que é Amar (Johnny Alf) com Alaíde Costa, Fim de Semana em Eldorado (Johnny Alf), Chora Tua Tristeza (Oscar Castro Neves - Luverci Fiorini) com Alaíde Costa. 2004 CD Bossa Nova Legends - In + Out Records IOR 77058-2 Rapaz de Bem (Johnny Alf), Wave (Antonio Carlos Jobim) 2005 CD A Música Brasileira Deste Século por seus Autores e Intérpretes - JCB 0709-046 Gravado em 1975, programa MPB Especial, TV Cultura Rapaz de Bem (Johnny Alf), A Foggy Day (George Gershwin - Ira Gershwin), Velho Realejo (Custódio Mesquita - Sadi Cabral), Deep Heart (Nat King Cole), Escuta (Johnny Alf), Falseta (Johnny Alf), Foi a Noite (Newton Mendonça - Antonio Carlos Jobim), O que é Amar (Johnny Alf), Céu e Mar (Johnny Alf), Ilusão à Toa (Johnny Alf), O Morro Não Tem Vez (Antonio Carlos Jobim - Vinicius de Moraes), Umbanda (Johnny Alf), Seu Chopin, Desculpe (Johnny Alf), Fim de Semana em Eldorado (Johnny Alf), Garota da Minha Cidade (Johnny Alf), Eu e a Brisa (Johnny Alf). 2006 CD Mais um Som/Johnny Alf Plays and Sings with his Quintet - Guanabara GR CD 003 Pisou na Bola (Johnny Alf), Noite sem Lua (Johnny Alf), Convite (Johnny Alf), Quero Amanhecer (Johnny Alf), E Aí? (Johnny Alf), Mais um Som (Johnny Alf), Choratina (Johnny Alf), Ai, Saudade (Johnny Alf - Rômulo Gomes), Tema da Cidade Longe (Johnny Alf), Arpoador (Johnny Alf - Rômulo Gomes), Foi Tempo de Verão (Johnny Alf), Operação Esquecimento (Johnny Alf), Ensaio pra Ilusão (Johnny Alf), Sintonia (Johnny Alf), Céu de Estrelas (Johnny Alf). 2008 CD Bossa Nova Duets - Sony Brasil SICP 388 Plexus (Johnny Alf - Joyce), Céu e Mar (Johnny Alf), ambas com Joyce. 2010 (póstumo) CD Johnny Alf ao vivo e à vontade com seus convidados Lua Records 372 A noite do meu bem (Dolores Duran) com Cida Moreira, Palpite infeliz (Noel Rosa), Se queres saber (Peter Pan), Nós (Johnny Alf) com Leni Andrade, Over the rainbow (Arlen/Harburg), Nem eu (Dorival Caymmi), Fly me to the moon (Howard) com Ed Motta, Que volte a tristeza (Johnny Alf) com Ed Motta, Castigo (Dolores Duran), Corcovado (Tom Jobim), Ilusão à toa (Johnny Alf) com Cauby Peixoto, Gesto final (Johnny Alf) com Cauby Peixoto, Se todos fossem iguais a você (Tom/Vinícius) com Cauby Peixoto, Tempo à bessa (João Nogueira). BIBLIOGRAFIA E OUTRAS FONTES DE CONSULTA Alf, Johnny - 7 X Bossa Nova/ A Bossa Nova de Ontem, de Hoje e Sempre, episódio 1, direção de Belisário Franca, Giros Produções, programa de TV em sete episódios, 2007. Alf, Johnny - A Música Brasileira deste Século por seus Autores e Intérpretes, CD JCB 0709-046, Sesc São Paulo 2005, gravação original do programa MPB Especial, dirigido por Fernando Faro, na TV Cultura, em 07/08/1975. Alf, Johnny. As Bossas do Senhor de Bem, entrevista a Mário Adnet, Segundo Caderno, O Globo, 11 de novembro de 1999. Alf, Johnny. Coisa mais Linda/ Histórias e Casos da Bossa Nova, direção de Paulo Thiago, DVD Vitória Produções, 2005. Alf, Johnny. Conversas com Simon Khoury. Acervo particular. Inédito. RJ, 1976/78. Alf, Johnny - Correspondência Particular com Eduardo Caldeira. Cópias xerocadas datadas de 11/06/1986, 28/05/1986, 4/07/1986, 15/07/1986, 29/12/1986, 21/04/1987, 17/06/1987, 13/01/1989, 10/09/1990 e 21/03/1993. Alf, Johnny. Cult Alf, direção e produção de João Carlos Rodrigues, DVD inédito, 1997. Alf, Johnny. Diálogo com o Divino, Teurgia nº 3, Ribeirão Preto, SP, 1996. Alf, Johnny. Entrevista a Lígia Coelho, Última Hora, RJ, 31 de março de 1979. Alf, Johnny. Johnny Alf 1990, direção de Fernando Faro, pro­grama Ensaio,TV Cultura 1990, DVD Cultura/Interrecords, 2007. Alf, Johnny. Mosaicos/A Arte de Johnny Alf, direção de Nico Prado, especial da TV Cultura, 2007. Alf, Johnny. Música Brasileira, produção Eduardo Moreira, participação de Alaíde Costa e Quarteto Forma, TV Cultura, 22 de agosto de 1969. Alf, Johnny. O Melhor de Johnny Alf/Melodias e Letras Cifradas para Guitarra, Violão e Teclados, Irmãos Vitale Editores, 2004. Alf, Johnny. O Sucesso Discreto de Johnny Alf - entrevista a Marcelo Câmara, O Fluminense, março 1974. Alf, Johnny. Rádio CBN - programa Sala de Música, 03/02/2009. Alf, Johnny. Rádio Cultura Brasil - programa A Voz Popular, apresentação de Luiz Antonio Giron, 21.01.2010. Alf, Johnny. Rádio Cultura Brasil - programa Supertônica, apresentação de Arrigo Barnabé, gravado em 2006, irradiado em 18 de setembro de 2009. Alf, Johnny. Rádio Jornal do Brasil - programa Noturno, apresentação de Eliakim Araújo e Simon Khoury, s/d, 1976. Alf, Johnny. Um Retrato de Johnny, direção e produção de João Carlos Rodrigues, DVD inédito, 1997. Birnbaum, Larry. Freejazzfestival, in Jazziz, março 1996. Bittancourt, Alex da Silveira. A Guitarra Trio Inspirada em Johnny Alf e João Donato, dissertação de mestrado, Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, 2006. Cabral, Sérgio. Antonio Carlos Jobim: Uma Biografia, Lumiar Editora, 1997. Câmara, Marcelo. Acorda, Ulysses, roteiro de show inédito, 1973 - cópia xe­rocada. Castro, Ruy. Chega de Saudade, Companhia das Letras, 1990. Castro, Ruy. Um Estadista do Piano e da Voz na Música Brasileira, Caderno 2, O Estado de S. Paulo, 20 junho 1998. Dias, Mauro. Johnny Alf, Mentor Estético da Bossa Nova, O Estado de S. Paulo, 5 de outubro de 1996. Diversos. Artistas Lamentam a Morte e Celebram o Gênio de Johnny Alf, O Globo, 4 de março de 2010. Donato, João & Outros. O Último Adeus do Rapaz de Bem/Amigos Destacam o Legado de Johnny Alf, que Revolucionou a Música Feita no Brasil, Caderno B, Jornal do Brasil, 8 de março de 2010. Essinger, Sílvio. Sempre Cult, Caderno B, Jornal do Brasil, 11 de junho de 1998. Garcia, Walter. Bim Bom, a Contradição sem Conflitos de João Gilberto, Paz e Terra, 1999. Mariano, César Camargo. Solo, LeYa Brasil, 2011. Mautner, Jorge. Kaos, Livraria Martins, 1963. Mello, Jorge Carvalho de. Johnny Alf, um Rapaz de Bem, Outras bossas, www. sovacodecobra.uol.com.br, 19 de fevereiro 2009. Mello, Zuza Homem de. Alf fez cabeças para a Bossa Nova, Folha de São Paulo, 10 de janeiro de 2006. Mello, Zuza Homem de. Eis Aqui os Bossa Nova, Martins Fontes, 2008. Mello, Zuza Homem de. O que se Tinha Vontade de Ouvir e não Existia, Zero Hora, janeiro 2006. Miguel, Antonio Carlos. Bossa Nova em inglês, O Globo, 4 de fevereiro de 2011. Motta, Nelson. Noites tropicais. Objetiva, 2000. Nascimento, Hermilson Garcia. Custódio Mesquita: O que o seu Piano Revelou, dissertação de mestrado, Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, 2001. Neto, Ramalho. Historinha do Desafinado, Editora Vecchi, 1965. Sanches, Pedro Alexandre. Johnny Alf Lança Nono Disco em 46 Anos, Ilustrada, Folha de S. Paulo, 19 de junho de 1998. Silva, Walter (Pica Pau). Vou Te Contar/Histórias de Música Popular Brasileira, QdM e Associados, 2002. Silva, Walter (Pica-Pau). Walter Silva Conta Histórias da Música Popular Brasileira, entrevista a Melchíades Cunha Junior, Caderno 2, O Estado de S. Paulo, 5 de outubro de 2002. Souza, Tárik de. Johnny Alf, fascículo da História da Música Popular Brasileira, Abril Cultural, 1972. Depoimentos diretos ao autor do livro: Airto Moreira, Alaíde Costa, Armando Sanino, Áurea Martins, César Camargo Mariano, Claudette Soares, Dóris Monteiro, Hidenori Sakao, Ivo Caldas, João Sérgio de Abreu, Jonas Silva, José Briamonte, José Domingos Raffaelli, José Ribamar Neves, Joyce Moreno, Lea Cavalcanti, Leny Andrade, Líber Gadelha, Lito Robledo, Marcelo Câmara, Márcia, Marco Antonio Reis, Marcos Souza, Maria Teresa Queiroz (Joca), Maurício Einhorn, Nelson De Mundo, Nelson Motta, Nilson da Matta, Paulo Moura, Paulo Jobim, Ricardo Cravo Albin, Rômulo Gomes, Ruth Blanco, Sérgio Cabral, Tárik de Souza, Zuza Homem de Mello. Agradecimento especial Eduardo Caldeira, Érico San Juan, Joaquim Ferreira dos Santos, Luiz Sérgio Lima e Silva, Marcellus Schnell, Nélson Valencia, Ruy Castro, Sidney Rago, Simon Khoury e Vera Lúcia Coelho. Crédito das fotografias Acervo pessoal do autor 07, 39, 40, 47, 48, 86, 103, 110 Arquivo Colégio Pedro II, Externato, RJ 12 Acervo M. T. Queiroz 19 Capa do LP Sinter, 1952 31 Acervo Correio da Manhã/Arquivo Nacional 33 Arquivo Folha de São Paulo 37 Capa do LP RCA Victor, 1961 50 Agência JB 52 Acervo Cláudia Telles 54 Agência JB 55 Capa do LP RCA Victor, 1964 59 Capa do LP Mocambo, 1966 61 Acervo Correio da Manhã/Arquivo Nacional, 1967 63 Capa do LP Odeon, 1971 67 Capa do LP Odeon, 1974 69 Foto Luiz Alberto/Agencia O Globo, 1973 73 Acervo Nelson Valencia 74 Capa do LP Chantecler, 1979 75 Agência O Globo, s/d 79 Capa do LP RCA Victor, 1990 85 Arquivo Folha de São Paulo 87 Agência JB 90 Acervo Eduardo Caldeira 94, 95 (detalhe da imagem) Capa do LP Lumiar, 1997 97 Capa do CD Comep/Edições Paulinas 1997 99 Capa do CD Natasha Records, 1998 101 Capa do CD RobDigital, 1999 101 Capa CD Guanabara Records, 2002 108 Capa Songbook Irmãos Vitale, 2003 115 Desenho de Érico San Juan, 2010 120 Capa DVD Ensaio 127 Capas Primeira Capa Camila Maia/Agência O Globo, 1999 Quarta Capa Acervo do autor, s/d A Editora agradece quaisquer informações sobre os detentores dos direitos das imagens não creditadas neste livro, bem como de pessoas não identificadas nas fotografias, apesar dos esforços envidados para obtê-las. Coleção Aplauso Série Música Coordenador geral Rubens Ewald Filho Projeto gráfico Via Impressa Design Gráfico Direção de arte Clayton Policarpo Paulo Otavio Editoração Douglas Germano Emerson Brito Tratamento de imagens José Carlos da Silva Revisão Dante Pascoal Corradini CTP, impressão e acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012 Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rodrigues, João Carlos Johnny Alf : duas ou três coisas que você não sabe/ João Carlos Rodrigues – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012. 148p. : il. – (Coleção aplauso. Série música / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN: 978-85-401-0025-1 1. Música popular – Brasil – História e crítica 2. Bossa nova – História -Brasil 3. Cantores – Brasil 4. Alf, Johnny I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 780. 92 Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Cantores : Biografia 780.92 2. Proibida a reprodução total ou parcial sem a autorização prévia do organizador e dos editores Direitos reservados e protegidos (lei no 9.610, de 19.02.1998) Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (lei no 10.994, de 14.12.2004) Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009 Impresso no Brasil 2012 Imprensa Oficial do Estado de Sao Paulo Rua da Mooca, 1.921 Mooca 03103-902 Sao Paulo SP Brasil sac 0800 01234 01 sac@imprensaoficial.com.br livros@imprensaoficial.com.br www.imprensaoficial.com.br GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Sidney Beraldo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Marcos Antonio Monteiro Formato 21 x 26cm Tipologia Chalet Comprime e Univers Papel capa triplex 250g/m2 Papel miolo offset 120g/m2 Número de páginas 148