O Teatro de Antonio Rocco A Estranha A Loucadora de Vídeo Textículos Olho por Olho Te Conheço Na Faixa Mera Coincidência Radicais Livres Desejo A Escalada O Teatro de Antonio Rocco A Estranha A Loucadora de Vídeo Textículos Olho por Olho Te Conheço Na Faixa Mera Coincidência Radicais Livres Desejo A Escalada Antonio Rocco IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo culturalparaesse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo, desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Para João e Alfredo nas alturas e Norma, Alexandra, Guilherme, Helena e André Também para Adriana Pepe, André Garolli, Antonio Destro, Arlete Montenegro, Bete Dorgam, Daniela Casteline, Elam Lima, Fernanda Chiminazo, Gabriela Scarcelli, Helena Ciampolini, Ivan Capúa, Ivan Fagundes, Javert Monteiro, Lulu Pavarini, Melissa Vaz, Nilton Bicudo, Nino Dastre, Pepe Ramirez, Reinaldo Taunay, Sérgio Corcette, Tereza Monteiro e demais artistas e técnicos que participaram das montagens já realizadas, que muito colaboraram para a versão final dos textos aqui apresentados. Antonio Rocco Introdução Comédias Paulistanas Rocco é um autor paulistano e reflete isso com constância em suas peças. É alguém que se coloca na esteira de Alcântara Machado e Abílio Pereira de Almeida. Seu fundo temático preferido é a sua cidade. Rocco tem peças de duração normal e outras que são rápidas, apenas cenas animadas com o esforço de mostrar em pouco tempo alguma verdade essencial. Estas miniaturas são uma constante em sua obra. Para os interessados em sua dramaturgia é bom que atentem para a simplicidade das estruturas dramáticas, o que o coloca no rol dos autores que escrevem peças para o grande público. Rocco é um autor popular, mas anda longe do que seria um autor popularesco. Suas peças têm sempre uma busca de beleza. Na sua temática a busca do ser humano, em meio a atribulações, tem a marca da comédia. Rocco faz uma comédia baseada nas atribulações de seres humanos da nossa cidade. É um dos autores jovens mais importantes do nosso teatro. Precisaria ser mais montado pelos grupos. Principalmente pelos grupos novos que precisam experimentar autores brasileiros. No mais a edição deste livro será um caminho para novas montagens do autor. Chico de Assis A Estranha A peça A Estranha foi apresentada na Mostra de Dramaturgia: Ágora Metrópolis XXI, em São Paulo, nos dias 21, 25 e 26 de abril de 2003, com lotação esgotada. Elenco Bete Dorgam, Melissa Vaz, Nilton Bicudo, Pepe Ramirez e Sérgio Corcette. Ficha Técnica Texto: Antonio Rocco. Direção: André Garolli. Figurinos: Wagner Menegare. Cenografia: Jally Ferrari e José Adduci. Voz em off: Fernanda Viacava. Iluminação e operação: Fernanda Lachat. Trilha sonora: Aline Meyer e Maurício Inafre. Produção: Melissa Vaz. Caracterização: Beto França. Operação de som: Djalma de Oliveira e Maurício Inafre. Fotos de cena: Rafael Aidar. Agradecimentos: Adonay Donley, Fauzi Arap, Fernando Oliveira, Nenê e Rafael Aidar. Apresentações no Teatro do Sesc Belenzinho de 8 de maio a 13 de junho de 2004 e no teatro do N.Ex.T de 9 de julho a 5 de setembro de 2004. Elenco Lulu Pavarin, Melissa Vaz, Nilton Bicudo, Reinaldo Taunay e Sérgio Corcette. Ficha Técnica Texto: Antonio Rocco. Direção: André Garolli. Figurinos: Wagner Menegare. Cenografia: José Adduci. Voz em off: Fernanda Viacava. Iluminação e operação: Fernanda Lachat. Trilha sonora: Aline Meyer e Maurício Inafre. Caracterização: Beto França. Operação de som: Djalma de Oliveira e Maurício Inafre. Fotos de cena: Rafael Aidar. Produção: H2I Produções Ltda. A peça A Estranha foi encenada no Teatro Folha de setembro a novembro de 2004. Elenco Arlete Montenegro, Melissa Vaz, Nilton Bicudo, Reinaldo Taunay e Sérgio Corcetti. Ficha Técnica Iluminação: Laura Figueiredo. Operação de som: Marcão (Teatro Folha). Operação de luz: Isa (Teatro Folha). A Estranha Comédia em um ato Personagens Finada Dona Veridiana – Fantasma Casimiro Alcântara (50 anos, franzino, gerente de banco) – filho de Veridiana A Estranha – 23 anos, uma linda mulher Cachorrão – Perigoso traficante Bugio – Mendigo Cenário Sala do casarão de Casimiro Alcântara. Vê-se um sofá, uma poltrona e uma cadeira de rodas. Na parede, um retrato a óleo de D. Veridiana, ladeado de cortinas, com uma espécie de altar à sua frente, ornado de flores e velas. Tempestade lá fora. Meia-luz na sala. D. Veridiana está sentada na cadeira de rodas e tem as pernas protegidas por uma manta. D. Veridiana – (Carinhosa) Casimiro... Casimiro, meu filho! (Perde a paciência) Casimiro, seu pestinha, onde foi que você se meteu? Moleque... (Para ela mesma) Não adianta, desapareceu outra vez... Inferno! Será que não tem consideração com a mãe inválida? Ingrato! Deve estar metido com uma dessas vagabundas da vizinhança. Casimiro, venha ajudar sua mãe inválida! Quem é que vai alcançar meu remédio?... (Enfurecida, levanta da cadeira de rodas e se encaminha para o bar) Não há pecado mais sórdido que abandonar a mãe – um pecado mortal, muito pior que o pecado original, porque nem original é! É batido, é comum; todo filho faz. Mais dia, menos dia, faz! Tão certo como a primeira Lei de Newton. (Pega a garrafa de uísque, enche o copo e toma de um gole só) Ah! Isso para mim é remédio! (Grita) Casimiro! (Para ela mesma) Você cria um filho com tanto sacrifício e depois ele foge com uma dessas sirigaitas... Isso acontece desde que o mundo é mundo. Mas não o meu Casimiro! Esse não sai da barra da minha saia. Foi por isso que fiz questão de ter um filho só. Esse eu criei do jeitinho que eu quis. Esse não vai sair por essa porta com a maior cara lavada! Casimiro vai ficar comigo até o último dos meus dias. (Como se estivesse ditando um testamento) Para meu filho Casimiro deixo tudo o que me restou neste mundo: este casarão da rua Apa, toda a mobília e as joias da família Alcântara. Há, porém, uma condição: terá que morar nesta casa para sempre. Não poderá vendê-la nem alugá-la e terá que ficar comigo até o dia de minha morte, senão deixo tudo para a Santa Casa. (Dá uma sonora risada de bruxa, volta ao tom normal) Esta casa será o seu grilhão, filhinho adorado. Eu e você, juntos para sempre... No casarão da família Alcântara (Ouve-se um trovão) Casimiro, feche as janelas; está chovendo a cântaros!... Casimiro, acho que estou vendo uma mosca. Sim, é uma mosca horrorosa! Mate-a! Vamos, menino, onde está você? Inútil! (Ouve-se o barulho do inseto) Ah, como odeio esses insetos. Xô, xô! CASIMIRO – (Em off) Minha Mãe do Céu, que vento é esse? D. VERIDIANA – (Feliz) Meu filho, Casimiro, está chegando! (D. Veridiana vai para trás do quadro da sala, substituindo o próprio retrato, de onde fica assombrando a casa) D. VERIDIANA – Ah, como é bom relembrar o tempo em que estava viva! Eu era feliz e sabia! (Casimiro entra da rua com capa e guarda-chuva) CASIMIRO – Que tempestade, o maior toró! (Acende a luz) Estou pingando... E olhe que saí preparado! “O homem de bem sabe a que vem!” (Pendura o chapéu, o guarda-chuva e o sobretudo no cabideiro, vai até o quadro e acende as velas do altar de sua mãe) Sua bênção, mamãe! D. VERIDIANA – (No quadro) Deus te abençoe! CASIMIRO – (Tira de um saco plástico um bolo que vinha trazendo com todo o cuidado) Surpresa! Trouxe um bolo para o meu aniversário. Eu estou ensopado, mas não deixei cair uma gota de chuva nele. Mamãe, vamos comemorar como a gente sempre fez nos últimos 30 anos: só nos dois. D. VERIDIANA – Não precisamos de mais ninguém, nós somos a festa! Os Alcântara sempre foram autossuficientes. Coloque um disco no gramofone... CASIMIRO – Mamãe, não olhe assim com todo esse apetite. Ainda não é hora de cantar parabéns... A senhora não está com pressa, não é? Claro que não! Não vai poder comer nada mesmo, está morta!... Não fique triste; antes de dormir a gente apaga as velinhas... (Casimiro sai. Vai até a cozinha) D. VERIDIANA – Não conte com isso, Mirinho! Apetite, graças a Deus, nunca me faltou. Só hoje, depois de um ano de falecida, descobri que ainda tenho paladar. Apesar de não sentir fome, ainda tenho prazer em comer e beber. Não é fantástico? A mamãe aqui vai tirar a barriga da miséria. E já comecei a descontar... Fazia um ano que tomava um aperitivo, um uisquinho. Esse bolo de chocolate caiu como uma luva! Quando você acordar de manhã, não terá sobrado nem farelo... Veridiana vai comer tudo! CASIMIRO – (Trazendo dois pratos, dois garfos e velinhas que prega no bolo) Tempo maluco, né, mãe? Tempestade de verão em pleno outono. São Paulo, mais uma vez, vai ficar embaixo d’água. Tudo alagado. A senhora não imagina o trânsito! Mesmo com chuva, prefiro andar a pé. “Caminhar faz bem e não polui!”... Mais um congestionamento-monstro, uma orquestra de buzinas... A cidade não é mais feita para gente morar. Mãe, só pensam nos carros; a prioridade são os carros. Ninguém perdoa o pedestre por ter a ousadia de sair de casa sem um motor nas costas. As calçadas vão ficando menores, as ruas mais largas, e ninguém fala nada. VERIDIANA – Como era gostoso colocar a cadeira na calçada para ver o entardecer. CASIMIRO – Pobre pedestre: além de ficar preto de fuligem e surdo com o barulho, corre o sério risco de morrer atropelado em pleno passeio público! (O carrilhão da sala bate oito horas) CASIMIRO – Nossa, já são oito horas! D. VERIDIANA – Isso é hora de chegar, Casimiro? CASIMIRO – Desculpe a hora, mãe. É que tive que fazer um serão. Parece que vem aí mais um plano econômico do governo. Para variar, primeiro vou ter que destrinchar tudo e depois explicar para os colegas. D. VERIDIANA – É natural, meu filho; você é o mais capaz. CASIMIRO – Tudo nas minhas costas, mas promoção, que é bom, nada! Trabalho como um camelo, levo aquela agência nas costas, sem nenhum reconhecimento. D. VERIDIANA – Ainda vão te dar valor, meu filho. CASIMIRO – Um dia ainda vão me dar valor; injustiça não dura para sempre... Só tomando um uisquinho para me esquentar. Estou molhado como um pinto. Um motorista de ônibus fez questão de passar numa poça só para me jogar água. O que eu xinguei o sujeito... D. VERIDIANA – Vai colocar uma roupa seca, meu filho. CASIMIRO – Só preciso de um uísque para ficar quentinho... Pelo menos a Prefeitura poderia mandar limpar os bueiros... Cinco minutos de chuva e está tudo alagado. Eu deveria ter sido político. Só um prefeito de pulso pode resolver os problemas desta cidade. Deveria ter seguido a carreira política, deveria ter ouvido a senhora... D. VERIDIANA – (No quadro) Eu te disse, Casimiro; não foi por falta de falar... Eu te preparei para ser um líder, um estadista, mas lhe faltou o dom, Casimiro. O dom da oratória, a vontade férrea do visionário, o destemor dos primeiros desbravadores bandeirantes... E o meu menino se tornou o quê? O quê? Virou gerente de banco, um simples gerente de banco. Onde está a sua ambição? Infelizmente, herdou a leseira da família paterna. CASIMIRO – Como é que a cadeira de mamãe está no meio da sala? O cobertorzinho dela no chão? Essa faxineira mais desarruma que ordena. Cabeça--de-vento... (Dobra o cobertor e o coloca em cima da cadeira. Põe a cadeira em seu lugar. Vê o copo deixado pela mãe. Cheirao) Não acredito, a desgraçada deu para beber! Vou descontar do salário. É o fim do mundo! Tomando o meu uísque... Nem o copo lavou, sem-vergonha! (Som de trovão) Ih, meu Deus, aposto que deixou as janelas abertas, como sempre. Os quartos devem estar inundados... (Casimiro sai para fechar as janelas) D. VERIDIANA – (No quadro) Eu disse a Ramos de Azevedo: “Nem todos têm a sua visão. Não podemos deixar a cidade crescer sem estrutura, inchar... Use sua influência. Vamos engessar as mãos dos especuladores, dos grileiros, dos usurpadores do solo urbano. Precisamos de leis duras... Precisamos de um zoneamento rígido”. (Sai do quadro) É, querido Azevedo, eles venceram! Tornaram esta cidade suja, barulhenta, inabitável... Uma pocilga! E ainda por cima foram passar esse minhocão, esse viaduto terrível, no meio do meu jardim, em plena avenida São João! Malditos sejam para todo o sempre esses canalhas! Fizeram uma cicatriz na cara da urbe, dividiram a cidade ao meio, destruíram o Centro... (Quando abre a janela da sala, ouve-se um barulho ensurdecedor de buzinas e motores. Grita para fora) Ninguém vai me forçar a abandonar minha casa. Ninguém! (D. Veridiana tampa os ouvidos com as mãos e depois fecha a janela) Biltres! Ainda quero ver esse maldito viaduto no chão, nem que para isso tenha que haver um terremoto! (Som de trovão). Que Deus me perdoe, mas há males que vêm para o bem. (D. Veridiana toma o uísque numa talagada, rouba um pedaço do bolo e volta para o quadro resmungando. Entra Casimiro) CASIMIRO – Batata! Estava tudo escancarado... Ainda bem que o vento está na outra direção, senão estávamos fritos! Felizmente cheguei a tempo! Mamãe, precisamos conversar sobre a Creusa. A senhora dava muita liberdade para essa empregada. Mais uma que ela apronte, vai para o olho da rua. E não adianta querer botar panos quentes. (No bar) Não é possível, diminuiu o uísque na garrafa! Sumiu um pedaço do bolo? (Sai procurando a empregada) Creusa, Creusa... Você está aí, Creusa? Será que estava escondida, tomou a última talagada, comeu um pedaço de bolo e saiu correndo? Mamãe, não dá mais! Essa mulher está despedida. Amanhã vai para o olho da rua! Eu sei que ela tem cinquenta anos de casa, mas eu não sou obrigado a aguentar empregada alcoólatra. VERIDIANA – A Creusa bebendo? Impossível! Se for verdade, eu mesma a mando embora. Eu não acredito que depois de cinquenta anos dedicados a esta família ela... A propósito, Casimiro: é muito feio acusar sem provas, meu filho... CASIMIRO – (Enche o copo) Nem o gelo na cumbuca essa inútil coloca! Não trabalha nem em causa própria! Oh, Creusa, cadê você? Está brincando de esconde-esconde? (Para ele mesmo) Será que está na lavanderia? (Cínico) Oh, querida, aparece... (Casimiro sai para pegar gelo) D. VERIDIANA – (No quadro) Eu disse a Mário de Andrade: “Suas crônicas no Diário Nacional têm de levar o leitor à análise da realidade, ao conhecimento profundo de suas necessidades. Precisamos formar o leitor cidadão!” (Sai do quadro) E que belas crônicas escreveu, muitas delas com os temas que lhe assoprei... (Pega um pedaço de bolo) Mas não foi suficiente: a cidade cresceu tão rápido e sem qualquer planejamento, que qualquer tentativa civilizatória caiu por terra. Hordas de famintos e miseráveis chegando cada vez em maior número... (Toma o uísque que Casimiro servira) Bárbaros! É o caos... Pudera! Nossos governantes não estavam preparados para esse desafio e sequer queriam resolvê-lo! Cambada de incompetentes! (D. Veridiana entra no quadro e Casimiro volta com uma cumbuca de gelo) CASIMIRO – Incompetente! Mamãe, algumas coisas vão ter que mudar nesta casa. Não é possível! A Creusa tomou meu uísque outra vez! Creusa... Creusa, apareça! Eu sei que você está aí. Não acredito... Meu bolo!... Não precisa roubar um pedaço do bolo; é só pedir, que eu te dou. Que desaforo, antes de eu assoprar as velinhas! Creusa... (Na procura, descobre que a luz da secretária eletrônica está piscando). Tem recado na secretária eletrônica. Alguém ligou? Quem será? Aposto que foi alguém do banco... Não conseguem resolver um problema sem me consultar. Hoje eu não volto mais para lá, nem a pau! (Ouve-se o recado da secretária eletrônica) Gravação na secretária – Alô? Alô? Doutor Casimirim, aqui quem fala é a Creusa. Olha, doutor Casimirim, estou pedindo as contas. Aguentei até hoje, porque tinha prometido para sua mãe, no seu leito de morte, que cuidava do senhor. Já faz um ano que ela se foi, e para mim chega! O senhor não me paga... Só relógio trabalha de graça! Não indo trabalhar, pelo menos economizo o dinheiro da condução. Tchau, fica com Deus... O senhor precisa casar... Daí vai ver que melhora dessas manias... Homem doido... Tchau! CASIMIRO – Velha rabugenta! Ingrata... É isso o que você ganha por ser generoso. Tratava como se fosse da família. Tomou o último gole, gravou o recado e saiu correndo. Nem coragem para dizer isso na minha cara teve, nem para me dizer parabéns! (Abre a janela e grita) Já vai tarde, inútil, incompetente, alcoólatra! (Ouve-se brecada de carro e ao longe um bateboca em off entre voz masculina e feminina) HOMEM – Vai, sai andando... MULHER – No Minhocão... Você tá louco! HOMEM – Tô mandando, vadia! MULHER – Vadia é sua mãe! HOMEM – Tu vai ver... MULHER – Não, não... Socorro!!! (Ouve-se grito de mulher em queda e barulho surdo de um corpo que bate no chão. A Estranha foi jogada do Minhocão, mas por sorte a queda foi amortecida pelo toldo da sala da casa de Casimiro. Já não chove) CASIMIRO – Minha Nossa! Alguém caiu do Minhocão! (Casimiro sai pela porta da rua) D. VERIDIANA – Caiu no meu jardim? Se danificou meu canteiro de petúnias, vai ter que me indenizar! E dinheiro grosso; não aquela porcaria que me deram na desapropriação. Cortaram a jabuticabeira que minha avó plantou... É um inferno morar embaixo dessa via expressa, jogam tudo o que é porcaria aqui para baixo, mas... Gente é a primeira vez! (Casimiro volta carregando nos braços uma linda mulher) CASIMIRO – Minha Nossa Senhora, minha mãe, a que ponto chega a violência desta cidade! Jogaram a menina de cima do Minhocão. D. VERIDIANA – Alguma ela aprontou... Tenho certeza! CASIMIRO – Ainda bem que o toldo do jardim amorteceu a queda... D. VERIDIANA – Estragou o meu toldo? Eu sabia que hoje iria ser um daqueles dias; meu calo amanheceu doendo. Prejuízo na certa! CASIMIRO – Mesmo assim, foi um tombo e tanto. (Acomoda a moça no sofá. Casimiro encosta o ouvido no peito dela) O coração ainda bate... Será que quebrou alguma coisa? Vou chamar uma ambulância. D. VERIDIANA – Não toque nesse telefone. Como é que você vai explicar isso para a polícia? CASIMIRO – Como é que vou explicar isso para a polícia? D. VERIDIANA – Não se meta em encrenca... Olha o escândalo... Pense na sua carreira, meu filho! CASIMIRO – Não, não vou avisar ninguém. Eu mesmo cuido dela... (Examina pernas e braços) Parece que não foi grave. Cair do Minhocão? Qual situação levaria uma mulher jovem, bonita e bem vestidinha a se atirar para a morte? Quem a vê assim, tranquila, não pode avaliar seu desespero minutos atrás. Será que foi jogada pelo marido? Será que ele ainda está atrás dela? D. VERIDIANA – Tranque a porta, feche as janelas! CASIMIRO – (Vai até a janela e espia por uma fresta) O movimento está normal. Se alguém quis matá-la, nunca vai imaginar que essa menina sobreviveu... Mãe, o mundo está de cabeça para baixo. Não existem mais casamentos como o da senhora e de papai. Antigamente se jurava “Até que a morte nos separe”... Hoje em dia é “Até que um mate o outro”! D. VERIDIANA – Seu pai era um pé de valsa. A gente ia ver os filmes do Fred Astaire e já saía do cinema dançando. Aquele fanfarrão não tinha o menor tino para os negócios, mas inegavelmente era encantador... (Casimiro, sob o olhar desaprovador da mãe, pega o cobertor da cadeira de rodas para cobrir a Estranha) CASIMIRO – Preciso descobrir quem é essa mulher. (Revista-a) Nada, nenhum documento... (Surpreso) Tem um pedaço de papel preso no sutiã! Será que devo pegar? D. VERIDIANA – Pega logo, besta quadrada. Veja se descobre quem é. Pode ser perigosa. CASIMIRO – Vou olhar! (Pega) Um número. Será que é um número de telefone? Vou tentar ligar... D. VERIDIANA – Não seja idiota! Vá lá fora. Se ninguém estiver olhando, livre-se dela. Jogue-a na calçada... Isso é confusão na certa! CASIMIRO – Que problema, bem no dia do meu aniversário!... Em todo caso, tenho que prestar socorro. Moça, você deve estar encrencada... Vou cuidar dela. Uma noite de sono vai-lhe fazer bem... Aposto que amanhã poderá sair andando por essa porta. Nossa!... Como é linda! Parece de porcelana... Dorme, dorme... Que pele macia! Cheiro de jasmim... Dorme, minha flor noturna. Então é verdade que depois da tempestade vem a bonança. E se essa é a bonança, então que a cidade fique cinco metros sob águas da mais terrível tormenta. Que alegria é esta que sinto? Por que minha alma está leve e meu coração palpita como se tivesse recebido uma boa nova? Quem é esse mensageiro sem nome nem rosto que veio me entregar a mais linda prenda? Essa visão, essa mulher maravilhosa com quem jamais sonhei! Não sei quem você é nem de onde veio... Só sei que não parece humana... Um anjo, um anjo... D. VERIDIANA – Um anjo caído....Como Lúcifer! Boa bisca não é! Está na cara que é uma sirigaita, uma qualquer, uma vulgívaga! Ninguém é arremessada do Minhocão à toa! CASIMIRO – Talvez tenha sido sequestrada... Conseguiu escapar do cativeiro, foi perseguida... (Como se estivesse vendo a cena) Desesperada, pulou como a única maneira de se ver livre dos marginais. D. VERIDIANA – É mais fácil acreditar na virgindade de Hilda Furacão. Casimiro, essa senhora é mais uma das prostitutas que infestam a vizinhança. Isso se não for um travesti; a gente às vezes até se confunde. Nossa região agora só abriga a escória. Responda-me: de quem é a culpa da situação degradante a que o Centro chegou? Eu mesma respondo: a culpa é desse maldito Minhocão! Quem é que pode viver à sombra dessa excrescência de concreto? Só a escória, é claro! CASIMIRO – Dorme, linda mulher. Não se preocupe; o pesadelo acabou. Eu cuido de você. Nesta noite ficarei vigiando seus sonhos. Amanhã não vou trabalhar; o pessoal do banco que se vire. Vou descobrir quem você é ou não me chamo Casimiro Alcântara. Será que ligo para esse telefone? D. VERIDIANA – Ligar para quê? O que você vai dizer? Vai se complicar ainda mais! CASIMIRO – O que vou falar? Alô... Por acaso alguém aí perdeu uma mulher, uma linda mulher? D. VERIDIANA – Jogue essa piranha na sarjeta... O lugar dela é junto aos mendigos que moram embaixo do viaduto. Imaginem só: os moradores de rua são meus vizinhos e fazem suas necessidades a céu aberto, bem na minha calçada! Não é à toa toda essa fedentina! É uma vergonha para qualquer país que se diz civilizado! Essa é a moradia popular que nossos governantes providenciaram para o povo: embaixo do viaduto... É intolerável! E ninguém fala nada; todos convivem com a iniquidade e ninguém fala nada! CASIMIRO – Quais segredos você guarda? Que curiosidade! D. VERIDIANA – A curiosidade matou o gato! CASIMIRO – Que boca, que lábios... Nem meu devaneio mais delirante poderia prever uma situação como essa. Eu, que de tão tímido mal consigo olhar nos olhos das meninas do banco; eu, que nunca fui convidado para tomar um chope com os colegas; eu, que sou motivo de chacota entre as estagiárias, tomado por ermitão, por solteirão maluco; chamado pelas costas de “mala sem alça”, agora tenho em meu sofá a mulher mais linda de todo o universo. Queria só ver a cara do Guimarães e de todos os gerentes daquele banquinho ao saber que em minha sala brilha uma beleza tão intensa que hoje nem mesmo a lua apareceu com medo da concorrência! Não vou ligar para nenhum número! Ainda não... Ficarei esperando você acordar; quero ver o que tem a me dizer. Você não há de ser perigosa... Parece tão indefesa. A natureza não seria tão dissimulada; uma forma tão bela não há de esconder um nefasto conteúdo. D. VERIDIANA – Por fora bela viola, por dentro pão bolorento! CASIMIRO – Querida desconhecida, vou aproveitar teu sono para roubar-lhe um beijo. Certamente, depois de acordada, bonita como é, não vai nem querer olhar para minha cara. (Quando Casimiro está prestes a beijá-la, é interrompido pelo grito da mãe) D. VERIDIANA – Casimiro... Uma mosca, um mosquito, um inseto, Mata! Mata! Aniquila! Trucida! (Ouve-se o barulho do inseto) CASIMIRO – Uma mosca! Uma mosca! (Casimiro alcança um mata-moscas – uma haste de madeira acoplada a uma treliça de plástico – e sai como louco atrás do inseto por toda a sala. Sobe nos móveis, derruba coisas, até que finalmente con-segue matá-lo) Peguei! D. VERIDIANA – Bravo, Casimiro! Bravo! Meu pequeno herói! CASIMIRO – Odeio insetos! Mamãe também odiava! Ufa, Minha Nossa! As moscas estão cada vez mais espertas... Ou será que sou eu quem está ficando velho? Não, velho não! Velho não rouba beijo... É isso que eu vou fazer. Roubar beijo é coisa de garoto, de moleque! (Quando Casimiro está prestes a beijá-la, é interrompido pelo grito da mãe) D. VERIDIANA – Que tal um chá? CASIMIRO – Um chá! D. VERIDIANA – Filhinho, por que você não vai fazer um chá para nossa convidada? Imagine só se a moça acorda e você não tem nada para oferecer a ela? Nada como um bom chá de camomila para revigorar a alma... CASIMIRO – (Olhando outra vez a bela adormecida) Nada como um bom chá de camomila para revigorar a alma... Minha mãe sempre dizia. Minha querida, que tal um chá? D. VERIDIANA – Querida? CASIMIRO – Quando você despertar, já estará te esperando um tonificante chá de camomila. Não demoro mais de dois minutos para preparar. Volto já! (Casimiro sai para preparar o chá. Veridiana sai de trás do quadro e vai até o sofá) D. VERIDIANA – (Com seus botões) Puxa, é bonita mesmo! (Para a Estranha) Levanta! Levanta e vai embora, desgraçada! Deixa meu filho em paz! Você não sabe a dor de uma mãe vendo o filho ser enganado. Vocês são todas iguais: fingidas e aproveitadoras. Só estão de olho no nome e na herança de nossa família. Pois eu já vou lhe avisando: não é qualquer vagabunda que vai roubar meu filho de mim. Já desmascarei outras safadas, e com você não vai ser diferente. Levante e vá embora, antes que Casimiro volte. Suma! Estou lhe avisando para o seu bem e para o bem de nossa família. Não pense que vai se ver livre de mim. Serei a pedra no seu sapato, a mosca – Deus me perdoe! (Faz o sinal da cruz) – na sua sopa! (Ouve-se Casimiro chegando em off) Vamos, menina! Não se faça de morta; dá para ver que você é muito “viva”, muito esperta! As bonitas são as mais perversas! (D. Veridiana volta para o quadro e Casimiro entra na sala trazendo uma bandeja com xícaras de chá e uma garrafa térmica) CASIMIRO – Pronto, meu amor; agora você já pode acordar: tem um chazinho te esperando. D. VERIDIANA – Meu amor? Casimiro, você está ficando louco? Nem conhece essa mulher! Ela é uma estranha! CASIMIRO – Nem sei o seu nome... Como posso já ter me afeiçoado tanto? Será o destino? Nada neste mundo acontece por acaso. O destino mandou você para mim, meu presente de aniversário! (Para o quadro da mãe) E agora, mamãe, ninguém mais vai atrapalhar meus namoros. Não adianta; você morreu e eu estou livre! Livre para me apaixonar, livre para conhecer alguém que me complete, alguém que me ame como homem, não como filho! Ainda não esqueci aquela desfeita que a senhora me fez com a Mariana na formatura do ginásio. Armou aquele escândalo só porque estávamos de mãos dadas. As juras de amor não se concretizaram nem em um simples beijo. A senhora acabou com tudo. Além de xingá-la, ainda nos levou à presença da diretora, a D. Marilu! Mariana nunca mais falou comigo... Tudo por sua causa!... Porém, a senhora está morta! Morta! Esticou as canelas, bateu as botas, e eu estou livre. Ninguém mais vai me atrapalhar! Ouviu bem? D. VERIDIANA – Nem ligo, Casimiro. Sei que você está nervoso. Fala isso só da boca para fora. Calma, querido, mamãe está aqui. CASIMIRO – Mariana, meu único amor, onde estiver aceite este poema: Entre paus, pererecas e perus, A natureza nos mostra o caminho No mundo tudo é belo e se completa É impossível ser feliz sozinho. Porém, como é delicado o sentimento! O amor: fogo morro acima, Extingue-se num momento, Quando nele a água se inclina. A paixão juvenil é a grande exceção. Indomável, irrompe cedo ou tarde, Pois o peito, sem fumaça Nem vestígio, eternamente arde. Mariana, que nosso amor, já maduro, Agora, finda a adolescência, (Sem mamãe por perto) Floresça no respeito e na decência. (Por um instante vasculha seus sentimentos) Nesse instante percebo Estar curado daquela paixão. Ao falar o nome “Mariana”, Nada mais me acontece, Meu coração não galopa, e minh’alma não adoece. O amor é raro e precioso. Para mim, a única meta. Animem-se, corações enferrujados, Amar é como andar de bicicleta. D. VERIDIANA – Querido, como poeta você é um excelente gerente de banco! Essa foi boa! (Ri da própria piada) CASIMIRO – É isso! Amar é como andar de bicicleta... Só um novo amor seria capaz de me livrar dos fantasmas do passado. Será esse o tão falado amor à primeira vista? (A Estranha geme) Está acordando! Ela está acordando! D. VERIDIANA – Cuidado! Fique longe dela; pode ser perigosa! ESTRANHA – Que lugar é este? CASIMIRO – Calma, não se levante. Descanse um pouco mais. ESTRANHA – Como é que eu vim parar aqui? CASIMIRO – Não se lembra?... Calma, não se mexa. Você sofreu uma queda e tanto. D. VERIDIANA – Ah, Casimiro, Casimiro... (Chamando-o carinhosamente) Miro! Mirinho! Casimiro! Casimiro, meu filho, traga-me os chinelos; meus joanetes estão me matando... (Muda de humor) Vamos, Casimiro! Nem para isso você serve? Imprestável! Casimiro! Uma mosca! Mata... CASIMIRO – (Olha para o retrato da mãe, que está com cara de reprovação e fala para a Estranha) Só um minutinho... Não se mexa... Volto em um segundo... (Casimiro pega o cobertor para cobrir o retrato da mãe) D. VERIDIANA – (No quadro) Casimiro, não se atreva a fazer isso! Olha que te mando para o colégio interno! Vai comer todo o bife de fígado no jantar... Menino... (Segue gritando até que se cala, quando Casimiro acaba de cobri-la) CASIMIRO – Prontinho!... Quer dizer que não se lembra? Está com amnésia! É muito natural, depois de um trauma desses. Você caiu do Minhocão bem no meu jardim. Ainda bem que o nosso toldo amorteceu a sua queda! Você teve muita sorte! ESTRANHA – Caí do Minhocão? O senhor não está entendendo... Eu não lembro de nada, nem do meu nome... CASIMIRO – O importante é ficar calma... Em alguns minutos, tudo volta ao normal. Quer um chá de camomila? Acabei de fazer. ESTRANHA – (Sobressaltada) Chá? O senhor só pode estar brincando... Eu não sei nem o meu nome. CASIMIRO – Não adianta ficar nervosa... Calma; você pode ficar aqui o tempo que quiser... Eu moro sozinho; tenho espaço de sobra. Aqui você está a salvo! Seja lá o que tenha acontecido, ninguém vai te encontrar aqui. ESTRANHA – (Tenta levantar-se) Ai, parece que levei uma surra! CASIMIRO – Só o tombo que levou já justifica uma semana de dor no corpo! ESTRANHA – O senhor está me dizendo que caí do Minhocão? CASIMIRO – Exatamente, do viaduto... Felizmente o nosso toldo amorteceu sua queda. ESTRANHA – Acho que agora vou aceitar aquele chá. CASIMIRO – É para já! Eu também vou tomar. (Enquanto serve o chá) Como dizia minha falecida mãe “Chá de camomila: isso para mim é remédio!” Açúcar? ESTRANHA – Só um pouco, obrigada! CASIMIRO – Por nada. Você vai ver que aos poucos tudo volta ao normal. ESTRANHA – E se eu não lembrar?... CASIMIRO – Eu tenho a impressão de que você deve ter sido sequestrada, deve ter conseguido escapar e aí... Perseguida, perseguida pulou do Minhocão como único modo de se ver livre dos bandidos. Não se preocupe; amanhã de manhã vamos à polícia... Sua família deve estar à sua procura. ESTRANHA – (Sobressaltada) Polícia? Será que é necessário? CASIMIRO – Amanhã resolvemos tudo; não se preocupe. O importante, agora, é você descansar. ESTRANHA – Tive sorte mesmo! Você é um cara muito legal. CASIMIRO – Obrigado. Ah, como eu sou distraído, nem me apresentei: meu nome é Casimiro, Casimiro Alcântara. Você pode estar certa de que tudo o que eu puder fazer para te ajudar eu farei. ESTRANHA – (Vendo que não tem nada nos bolsos, nem o papel preso no sutiã) Tinha algum documento comigo? CASIMIRO – Olha... Não tinha nada com você... Pelo menos eu não vi. ESTRANHA – No jardim... Quem sabe no jardim? O senhor procuraria para mim? CASIMIRO – Claro que sim! Como não pensei nisso antes? Talvez uma bolsa... (Casimiro sai) ESTRANHA – (Vasculha a própria roupa) Cacete! Onde foi parar aquele papel? (A Estranha vai até o telefone, disca apressadamente um número. Ao telefone:) Alô, quem fala? Sheila, me passa o Cachorrão, depressa!... (Enquanto espera, vai xingando) Cachorrão, que merda é essa, cara? Como é que você manda aquele macaco me lançar do Minhocão... Ah, você não mandou?... Amorzinho é a puta que te pariu!... Não interessa onde estou. Quero que você saiba que eu estou viva e que vou te ferrar... É, vou abrir o bico. Você tá fodido! Mané! (Desliga o telefone e volta para o sofá) CASIMIRO – (Entrando) Olha, vasculhei o jardim todo. Procurei feito um tarado... Não encontrei nada. ESTRANHA – Que pena! Ainda tinha essa esperança... Estou com um pouco de frio. CASIMIRO – Claro, você está toda molhadinha. Vou arrumar alguma coisa para você vestir. Com licença... ESTRANHA – Você é muito gentil... (Casimiro sai e a Estranha vasculha a casa em busca do papel) ESTRANHA – Onde foi parar aquele papelzinho? Eu não posso ter perdido... Não posso! (A Estranha percebe que ele está voltando e disfarça) CASIMIRO – (Com uma camisa social na mão) Você me desculpe, mas só tenho para te emprestar uma de minhas camisas. As roupas de mamãe doei para um asilo assim que ela morreu e, como não durmo de pijama... Sabe como é... Isso foi o melhor que arranjei. ESTRANHA – Não faz mal, uma camisa seca está ótimo. (Pega a camisa) Olhe para lá... Vou me trocar. CASIMIRO – Ah, claro! (Vira-se)... Posso ir? ESTRANHA – Ainda não... (Troca-se) Pronto, pode olhar... Fiquei bem? CASIMIRO – Está linda... ESTRANHA – Você acha?... (Dá uma voltinha) Está mentindo... CASIMIRO – Por Deus, juro que não... ESTRANHA – Não é estranho?... Não sei onde estou, não sei nem quem eu sou e estou tão feliz. Acho que foi você que me deixou assim. CASIMIRO – Eu? ESTRANHA – É... Você transmite tanta segurança. Sei que não poderia estar em melhores mãos. CASIMIRO – Você está me superestimando... ESTRANHA – Que nada! Você é um cavalheiro, dá para perceber... Você é solteiro? CASIMIRO – Sou, até pouco tempo atrás, cuidei de minha mãe doente... Isso dificultou um pouco... ESTRANHA – Não estou dizendo? Dedicou a vida à mãe... Isso é raro! E as namoradas? Aposto que tem uma romaria de mulheres que vem te visitar. Vão achar ruim de me ver aqui. CASIMIRO – Que bobagem! Há anos que ninguém me visita... Por causa de mamãe, sabe como é... Até a faxineira pediu as contas hoje! ESTRANHA – Quer dizer que estamos sozinhos? CASIMIRO – Estamos, mas não precisa ficar preocupada, eu sou muito respeitador! ESTRANHA – Disso eu tenho certeza. (Descobre o quadro) Não precisa nem me dizer quem é. Deixe-me adivinhar... Sua mãe? CASIMIRO – Acertou! D. VERIDIANA – (No quadro) O que é isso, vestida só com uma camisa? ESTRANHA – Qual era o nome dela? CASIMIRO – Veridiana. ESTRANHA – Que lindo nome. D. VERIDIANA – Casimiro, o que significa isso? Esta vagabunda está nua na minha sala! CASIMIRO – Se não se importa, vou deixar o quadro coberto. D. VERIDIANA – Casimiro, não ouse fazer isso! Você não me provoque... ESTRANHA – Espera... Quero olhar um pouco mais para ela... D. VERIDIANA – Vai ter que comer todo o jiló e o quiabo! ESTRANHA – Sabe que você é bem parecido com ela? CASIMIRO – É, todo mundo dizia... Deixe-me cobrir o quadro. D. VERIDIANA – Casimiro, não se atreva... Eu faço voar os objetos... Barulho de corrente... (Cala-se quando Casimiro cobre o quadro) ESTRANHA – Mas por quê? É um quadro tão bonito! CASIMIRO – É, mas no mesmo dia em que mamãe faleceu, eu o cobri. A lembrança que tenho dela é mais bela que qualquer retrato. ESTRANHA – Entendo... Faz muito tempo que ela te deixou? CASIMIRO – Quase um ano... ESTRANHA – (Pegando na mão dele) Meus sentimentos... CASIMIRO – Obrigado... (Hipnotizado por sua beleza) Vamos deitar?... Digo, venha se sentar; você precisa descansar. ESTRANHA – Estou ótima. Sua mãe tinha razão: este chá faz milagre. Acho que também me faria bem algo mais forte. Esse uísque, por exemplo... CASIMIRO – Claro, eu te acompanho. Nada como um uisquinho para esquentar! Quantas pedras de gelo? ESTRANHA – Eu gosto puro. CASIMIRO – (Fica surpreso e excitado) O quê? Puro? Eu também vou tomar puro. Muito bem, aqui está! ESTRANHA – Saúde! CASIMIRO – Saúde e sorte, porque você teve muita sorte. ESTRANHA – (Ela toma de uma só vez) Cláudia... Cláudia... Me veio um flash. Acho que me chamo Cláudia. CASIMIRO – Que maravilha! Está vendo? Sua memória já está voltando! ESTRANHA – Cláudia Alencar de Menezes... Lembrei! CASIMIRO – Muito bem! Calma; não force. Vá aos poucos... Toma mais uma dose... Vai te fazer bem... (Serve) Bebe, bebe... ESTRANHA – Nossa, mas é como se estivessem tirando uma cortina dos meus olhos. Estou lembrando de tudo... Minha casa, minha família... Até do meu cachorro, o Totó. CASIMIRO – Ótimo! Bebe, bebe mais um pouquinho... ESTRANHA – E hoje... Hoje, eu estava saindo da faculdade, quando dois homens armados entraram no meu carro e.... CASIMIRO – E...? ESTRANHA – Usaram meu carro para fazer uma porção de assaltos. Até que no congestionamento em cima do Minhocão consegui destravar a porta e sair correndo. CASIMIRO – Santo Deus! ESTRANHA – Então, eles começaram a correr atrás de mim... CASIMIRO – Daí você, perseguida, perseguida, pulou como a única maneira de se ver livre dos bandidos. Exatamente como imaginei! ESTRANHA – Você é muito esperto! CASIMIRO – Então, telefone para sua mãe e avise que está tudo bem. ESTRANHA – Mãe? CASIMIRO – É... Ela deve estar preocupada! ESTRANHA – Claro! Ótima ideia. Vou fazer isso imediatamente! (Vai até o telefone, tecla e simula uma conversa) Alô, mãe. Sou eu, mãe, Cláudia... Desculpe, mamãe, eu sei que não avisei... Mãe, amanhã eu te conto tudo. Só estou ligando para avisar que está tudo bem... Vou dormir na casa de uma amiga... Amanhã de manhã estou aí. Um beijo, querida... Tchau, até amanhã... CASIMIRO – Vai dormir na casa de uma amiga? ESTRANHA – Não, bobo! Vou ficar por aqui. Se você permitir, claro... CASIMIRO – Se você quiser passar a noite aqui, não tem problema nenhum. Amanhã pela manhã faço questão de te levar em casa. ESTRANHA – Obrigada. Sabe o que é? Minha mãe é meio careta, fica mais tranquila se digo que estou com uma amiga. Coisas de mãe, família tradicional... CASIMIRO – Entendo, entendo perfeitamente! Você é minha convidada! ESTRANHA – Você é realmente um amor, Casimiro!... É esse o seu nome, não é? CASIMIRO – Sim, Cláudia. Agora nós também sabemos o seu. ESTRANHA – É verdade! É ótimo saber o próprio nome!... Casimiro, lembrei que tinha um papelzinho preso no meu sutiã. Por acaso você não deu com ele caído por aí, deu? CASIMIRO – Papelzinho? ESTRANHA – É... Uma tirinha de papel com um número escrito. É o número do telefone de um amigo de faculdade. É muito importante... Precisamos entregar um trabalho de fim de ano e... CASIMIRO – Trabalho de fim de ano em maio? ESTRANHA – Recuperação do ano passado... É minha última chance de não repetir... Chega de te chatear com essas histórias de escola... Se conseguir ligar para ele, aposto que vem me pegar. Assim, paro de te incomodar tanto. CASIMIRO – Incômodo nenhum! Além do mais, você precisa descansar. Deixe para falar com seu amigo pela manhã... Infelizmente, não encontrei nada, mas, se você fizer questão, podemos procurar lá fora. Eu pego a lanterna, você me ajuda... A vizinhança vai estranhar, vai pensar que somos vaga-lumes... Acho difícil, mas quem sabe? Podemos dar sorte; sem dúvida este é seu dia de sorte! ESTRANHA – Deixa para lá! Não queria bancar o vaga-lume a uma hora destas. Amanhã a gente procura com a luz do dia. É melhor mesmo eu passar a noite aqui. CASIMIRO – Ótimo, assim me ajuda a comer o bolo. ESTRANHA – Bolo? CASIMIRO – É! Hoje é meu aniversário. ESTRANHA – Jura? Que legal! Parabéns! Você não convidou ninguém? CASIMIRO – Não, preferi passar a noite tranqui lo. Os colegas já me fizeram a maior festa, lá no banco. Eu sou gerente de banco. ESTRANHA – Sei... Parabéns. É um cargo de responsabilidade. Todo aquele movimento de dinheiro... Deve ser emocionante. CASIMIRO – Nem me fale! Nós somos a segunda agência em movimento de dinheiro em São Paulo. Já fomos assaltados duas vezes. ESTRANHA – Nossa! Onde fica sua agência? CASIMIRO – Aqui pertinho, na Avenida Duque de Caxias. Da porta do banco dá para ver a estátua. ESTRANHA – Sei... Roubaram muito? CASIMIRO – Felizmente, não! Em um deles me fizeram de refém. ESTRANHA – Que violência! Você se machucou? CASIMIRO – Nem um arranhão. Eu até que estava calmo, mas o resto do pessoal... Uma das meninas desmaiou. ESTRANHA – Conta mais, adoro essas histórias. CASIMIRO – Eram mais de dez homens fortemente armados. ESTRANHA – Quantas saídas tem o banco? CASIMIRO – Tem duas, mas uma fica trancada por segurança... Como eu ia dizendo: os assaltantes entraram gritando: (Imita o bandido) Todo mundo no chão! ESTRANHA – E o cofre? Tem horário certo para abrir, não tem? CASIMIRO – Isso mesmo, tem sim. Só abre duas vezes por dia: às onze e quarenta e sete e às quinze e trinta e cinco. Você já trabalhou em banco? ESTRANHA – Não! Mas adoro romance policial. Leio tudo sobre roubos, assaltos, sequestros... CASIMIRO – Com certeza, eles tinham um informante dentro do banco: entraram dois minutos antes de o cofre destravar eletronicamente. ESTRANHA – Esse pessoal é bem organizado... E você não morreu de medo? CASIMIRO – É incrível, mas em situações de perigo eu fico calmo. ESTRANHA – Você parece muito corajoso! CASIMIRO – Acho que não é coragem, não; é instinto! Eu fiz Exército, sabe? Fiz curso de sobrevivência na selva. ESTRANHA – Puxa, que dureza! Não deve ter sido fácil! CASIMIRO – Fácil? Estava sob as ordens do sargento Madruga, feroz e impiedoso. Combatemos os guerrilheiros de esquerda em pleno rio Araguaia. ESTRANHA – Quem olha para você não diz que já pegou em uma arma. CASIMIRO – Arma? Fui campeão de tiro com grau máximo! ESTRANHA – Estou impressionada! CASIMIRO – É, Cláudia... O Exército transforma meninos em homens! ESTRANHA – Acredito! Conta mais do assalto... CASIMIRO – Ah, claro, o assalto... Para começo de conversa, me pus à frente de todos os reféns e disse para os bandidos: Calma aí, pessoal; temos mulheres e crianças aqui. Sem violência, por favor! ESTRANHA – Que presença de espírito! CASIMIRO – Com o rabo do olho, percebi que, enquanto uns comparsas limpavam os caixas e outros se preparavam para entrar no cofre, só um bandido tomava conta da gente. Daí, tal qual um lagarto, fui me arrastando entre as mesas como se estivesse numa savana e... Pimba! Acionei o alarme! Quando ouviram o barulho da sirene, deram no pé. Covardes! ESTRANHA – Não sei por que esses caras continuam assaltando banco! O tráfico dá muito mais grana com menos risco. CASIMIRO – O quê? ESTRANHA – (Mudando de assunto) Acenda a vela; vamos cantar “Parabéns”. CASIMIRO – Imagina... ESTRANHA – Faço questão! Aniversário sem parabéns não é aniversário! CASIMIRO – Não... ESTRANHA – (Autoritária como D. Veridiana) Vamos, Casimiro; deixa de ser molenga! Põe fogo nessa vela de uma vez! CASIMIRO – Está bem, mamãe... (Embaraçado com o engano) Digo: está bem, Cláudia, se você insiste! Não repare, o bolo não está inteiro porque dei um pedacinho para a faxineira. (Ele acende a vela. Ela canta o Parabéns super-sexy, como Marilyn cantou para Kennedy, com direito a É pique. Ele está pasmo... Assopra a vela) ESTRANHA – (Sobressaltada) Dois pratos? Você está esperando alguém? CASIMIRO – Não, não! É só a força do hábito. Às vezes, quando me sinto só, faço de conta que mamãe ainda vive. Agora, tenho companhia de verdade. O prato é seu. Adivinhe para quem é o primeiro pedaço... ESTRANHA – Obrigada. Fez um pedido? CASIMIRO – Deveria ter feito? ESTRANHA – Claro que sim! Faça agora; ainda dá tempo... (Casimiro corta o bolo e faz um pedido sem som. Só mexendo a boca, para a plateia: Quero comer essa mulher) ESTRANHA – Por falar em presente, você foi tão legal comigo! Nem sei como posso agradecer. CASIMIRO – Que é isso? Não fiz nada. ESTRANHA – Como não? Você salvou minha vida. CASIMIRO – Qualquer um faria o mesmo. ESTRANHA – Não faria, não. (Vai até o retrato e descobre D. Veridiana) Dona Veridiana, parabéns! Seu filho é um herói! D. VERIDIANA – E você é uma piranha! CASIMIRO – Assim você me deixa sem jeito... Que bobagem... ESTRANHA – E todo herói tem de receber uma recompensa! Ainda por cima, hoje é o seu aniversário; quero te dar um presente. (Ela vai até ele – que está paralisado – e lhe dá um beijo na face, depois outro e mais outro. Já o abraça pela cintura, lhe dá vários beijinhos na boca e depois um longo beijo de língua. D. Veridiana, com comentários e xingamentos, tenta, inutilmente, atrapalhar a conquista. A Estranha começa a tirar a roupa de Casimiro e o arrasta para o sofá.) CASIMIRO – Espera, espera... (Apaga a luz e volta para os braços dela, mas percebe que as velas do altar da mãe ainda estão acesas) Espera, espera... (Apaga as velas. Transam com todos os sons e movimentos... Os dois dormem no sofá, saciados. Luz de sonho. Cachorrão entra pela janela; está furioso. Apenas a Estranha acorda.) ESTRANHA – (Aterrorizada) Cachorrão?! CACHORRÃO – Pensou que podia se esconder de mim? ESTRANHA – Cachorrão, eu posso explicar... CACHORRÃO – Cala a boca, vadia! (Apontando para Casimiro, que continua dormindo) Quem é esse sujeito? ESTRANHA – Não sei, acabei de conhecer. CACHORRÃO – Acabou de conhecer e já estava trepando com o cara? Então ou você é uma mentirosa ou é uma puta.... Ou os dois! Qual o nome do teu amante? Não gosto de matar ninguém sem saber o nome. ESTRANHA – Não é meu amante coisa nenhuma. É um gerente de banco, não mate o infeliz. Ele pode ser útil. CACHORRÃO – É, pode mesmo. Esse sujeito vai dar um excelente tapete pra minha sala!... Cadê a grana que você me roubou? ESTRANHA – Não fui eu, juro! CACHORRÃO – Você não quer me falar, então vou ter que perguntar pro teu amigo. (Cutuca Casimiro com o cano do revólver) Acorda, neném! CASIMIRO – (Sem abrir os olhos) Meu amor, hoje é o dia mais feliz da minha vida. CACHORRÃO – Que bom que você gostou, querido, porque é o seu último dia na Terra! Levanta para morrer, safado! CASIMIRO – O que é isso? Cláudia, quem é esse sujeito? CACHORRÃO – (Para a Estranha) Cláudia? Esse é teu nome de guerra, Lequinha? (Ri. Para Casimiro) Chega de papo-furado. Onde está minha grana? CASIMIRO – Grana? Que grana? CACHORRÃO – Deixa ver se refresco a tua memória: os duzentos mil dólares que essa piranha roubou de mim com a tua ajuda. CASIMIRO – Deve haver algum engano; não sei do que o senhor está falando. Vamos com calma; temos mulheres e crianças no recinto... Além disso, esta é uma residência de família, e estou pedindo educadamente para que o senhor se retire. CACHORRÃO – Leca, de onde você tirou esse cara? Parece de história em quadrinho. ESTRANHA – Calma, Cachorrão; o cara não sabe de nada. CACHORRÃO – Se não sabe de nada, não serve para nada! (Cachorrão dispara a arma em Casimiro, que cai mortalmente ferido no sofá) ESTRANHA – Não! CASIMIRO – Cláudia, telefone para sua mãe; ela deve estar preocupada (Morre). CACHORRÃO – Vou te perguntar pela última vez: onde foi que você enfiou meus duzentos mil? Desembucha... Meu dedo já está coçando. ESTRANHA – Por que eu falaria? Você vai me matar de qualquer jeito! CACHORRÃO – O que é isso, doçura? Ainda gosto de você. Tenho planos para nós dois. ESTRANHA – Jura? CACHORRÃO – Claro! Diz pro teu Cachorrão onde você escondeu o tutu. Eu recupero a grana e a gente põe uma pedra em cima disso. ESTRANHA – Eu até gostaria de te dizer, mas perdi o telefone de contato. Me dá dois dias e te devolvo tudo, eu juro. CACHORRÃO – Te dou dois segundos... ESTRANHA – Não está aqui comigo... CACHORRÃO – (Aponta o revólver) Hasta la vista, baby! ESTRANHA – Não, Cachorrão, pelo amor de Deus! (Cachorrão dispara contra a Estranha, que cai morta no sofá. Cachorrão sai. Blackout. A Estranha desperta sobressaltada – a cena passada foi apenas um pesadelo) ESTRANHA – Nossa, cruz-credo! Que pesadelo horroroso! Deus me livre!... Preciso encontrar a luz... (Tateia na escuridão) Achei! (Acende a luz) Onde foi parar aquele maldito papelzinho? (Casimiro está dormindo no sofá. A Estranha se veste e vasculha mais uma vez a sala. Olha pela fresta da janela para se certificar de que ninguém está à espreita e sai para o jardim) D. VERIDIANA – (No quadro, estupefata, demora um pouco para conseguir falar) Casimiro... Como você teve coragem? No meu sofá de veludo??!! Essa mulher é uma profissional... Que repertório! (Sai do quadro, vai até o bar e toma mais uma dose) Nem Luz Del Fuego teria tal arsenal de variedades! (Pega a garrafa de uísque). Frango assado, cata-cavaco, canguru-perneta e B-52 eu conhecia, mas as outras posições foram novidade até para mim... E olhe que tenho mais de cem anos de janela!... Casimiro, acorda! Sua vagabunda já se foi... Ih, está voltando! (Entra no quadro com a garrafa). ESTRANHA – (Entra do jardim) Nada! Nunca vou achar esse número... (Avalia a casa) Nossa, que decoração horrorosa! Quanta velharia... D. VERIDIANA – Não esperava elogios de uma rameira! Aliás, me solucione uma dúvida: como chama aquela posição em que você ficou de lado, com uma das pernas encolhidas e ainda conseguiu chupar o dedão de Casimiro? ESTRANHA – Esse cheiro de mofo... D.VERIDIANA–Vocêqueriaoquê?Depoisdaconstrução desse viaduto, não bate uma réstia de sol nesta sala! Antigamente tínhamos sol o dia todo... (Toma uma dose) ESTRANHA – Mas não vou sair de mãos vazias. Alguma coisa de valor eu devo encontrar neste museu. (Vai para a ala interna da casa) D. VERIDIANA – Volte aqui, mocinha! Não ouviu o que eu disse? (Para Casimiro) Acorda, Bela Adormecida. Acorda, inútil. Acorda, devasso! Acorda, estúpido, priápico! A meretriz está lá no meu quarto, mexendo nas minhas coisas... Tire a mão daí, libertina! Casimiro, ela está vasculhando tudo. Ah, encontrou o esconderijo das minhas joias! As minhas joias! Casimiro, pelo amor de Deus! Acorda, saco de batatas! (Antes de a Estranha chegar, entra no quadro). ESTRANHA – (Vem carregando uma sacola. Está se preparando para abandonar a casa) Até que deu um lucrinho. D. VERIDIANA – (Grita) Ladra! Ai, Casimiro, me acuda! Estou passando mal! Ai. (Grita) Ladra!... Aiiiiiiiiii! (Com eco) Casimiro! (A Estranha, como se tivesse ouvido algo, se distrai e derruba um vaso. Casimiro acorda, só de cueca. Envergonhado, tenta se cobrir. A Estranha esconde a sacola) CASIMIRO – Cláudia, já vestida? (Vai colocando a roupa que está ao pé do sofá) ESTRANHA – É... Eu estava indo; não queria te acordar... D. VERIDIANA – Mas eu queria! Até que enfim, palerma! CASIMIRO – Ia embora sem dizer adeus? D. VERIDIANA – Desde quando ladra dá adeus? Às vezes eu penso que você não é meu filho! ESTRANHA – Estava deixando meu telefone para você. Casimiro, adorei te conhecer. Foi uma noite especial... Foi maravilhoso... D. VERIDIANA – Maravilhoso afanar as minhas joias! CASIMIRO – Foi mais que isso! ESTRANHA – Claro que foi! D. VERIDIANA – Olhe a sacola atrás da cadeira, anta! CASIMIRO – Cláudia, eu te amo! ESTRANHA – Eu também te amo! E... CASIMIRO – Eu sei, eu sei... O que aconteceu nessa noite prova. Por minha vida toda eu procurei alguém como você. Tenho a sensação de ter nascido de novo... Quanto tempo fui um mortovivo! Ontem à noite, dois milagres aconteceram: você recuperou a memória, e eu, a vida. D. VERIDIANA – Meu Deus, onde foi que eu errei? Pari um asno! (Toma uma dose) ESTRANHA – Casimiro, não sabia que você era poeta. CASIMIRO – Sou! A partir de hoje, sou. Se poesia é coisa para loucos e apaixonados, então sou o mais feliz e o mais louco dos poetas. E meus versos serão todos para louvar sua beleza. Você, como um anjo, veio do Céu para me mostrar o caminho da iluminação. Eu te amo porque respiro, te amo porque só agora vejo sentido para tudo. Renego completamente meu passado, apago neste momento a montanha de lembranças tristes que venho colecionando por todos esses anos. Chega! ESTRANHA – Calma, Casimiro! CASIMIRO – Tive calma por toda a minha vida, e a paciência foi meu pior defeito! (Vai até o telefone, liga para o diretor do banco a quem é subordinado) Alô, doutor Diógenes?... Desculpeme incomodá-lo em sua casa a esta hora da manhã... Sim, o assunto é muito importante; diria até sério e grave... Não, não foi um novo plano econômico nem medida provisória... É quanto àquela promoção que o senhor iria me dar na semana que vem.... Que promoção? Como assim, eu não iria ser promovido?... Ah, não?... Melhor assim, porque eu teria de recusar. Aliás, estou me demitindo desse Banco de Boston; aliás, banco de merda!... Fiquei louco, sim, e desejo sinceramente que o senhor introjete em seu orifício anal esse meu emprego junto com toda a sua fortuna espúria. Usurário, agiota, ladrão dos sonhos alheios! Passar bem! Ah, antes que me esqueça: vá se foder! (Desliga o telefone) D. VERIDIANA – Energúmeno, ainda por cima perdeu o emprego! ESTRANHA – Casimiro, você está doido? CASIMIRO – Doido de amor. (Vai até ela e lhe dá um beijo) Vamos vender esta casa, cair no mundo. D. VERIDIANA – Vender a casa? Nunca, o testamento não deixa! Traidor! (Toma mais uma dose) CASIMIRO – Vamos viajar! Conhecer novos lugares, viver à beira-mar. Chega de morar neste inferno, nesta usina de dementes, nesta cidade. (Abre a janela da sala – barulho da cidade entra com violência. Grita para fora) Adeus, cidade maldita! Adeus, falta de tempo! Adeus, correria! Adeus, mau humor! Adeus, bancários! Adeus, sindicato! Adeus, solidão assistida! Adeus, catacumba da família Alcântara! ESTRANHA – Puxa! Que mudança! CASIMIRO – Fica comigo. Casa comigo. D. VERIDIANA – Casar? (Toma mais uma dose) Que vergonha! Nunca tivemos uma meretriz na família. (Trovão) Está bem.... Tia Nicota era dada, é verdade... Mas foi a única! ESTRANHA – Casar?!... Seria ótimo. Você é incrível, mas... CASIMIRO – Claro, claro... Você precisa pensar... Eu entendo. Me desculpe, mas acho que te amo tanto e minha certeza é tão grande que... ESTRANHA – Fique tranquilo... Alguma coisa muito especial começou... Começou aqui, hoje, entre nós... Podemos namorar, o que você acha? CASIMIRO – Claro, vamos devagar, como tem que ser. Não se pode jogar fora a tradição! D. VERIDIANA – A cerimônia vai ser no bordel! ESTRANHA – Agora estou querendo ir para casa... Ver minha mãe... D. VERIDIANA – Não estou falando? Vai ver a mãe na zona! CASIMIRO – É evidente. Eu te levo, faço questão. D. VERIDIANA – Essa vagabunda não vai sair daqui com que é meu! ESTRANHA – Obrigada, você é demais... Estou morrendo de fome, será que você teria algo para comer? CASIMIRO – Minha despensa está vazia; costumo tomar café na padaria... Tenho uma barra de chocolate, que tal? ESTRANHA – Ótimo! (Casimiro sai para pegar a barra. A Estranha passa a mão na sacola e vai saindo para a rua) D. VERIDIANA – (Grita) Casimiro! (Com eco) Volta aqui já! (Casimiro aparece) CASIMIRO – Lembrei que tenho uvas-passas, você gosta?... Que sacola é essa? Essa é a sacola de mamãe! Aonde você ia?... D. VERIDIANA – (Já bêbada) É uma ladra, Casimiro! Jogue-a na sarjeta! ESTRANHA – Olha,Casimiro,foiaté bom vocêaparecer. Assim, pelo menos a gente acaba com esse mal-entendido. CASIMIRO – Que mal-entendido? ESTRANHA – Casimiro, eu não me chamo Cláudia. CASIMIRO – Qual o seu nome? Por que você mentiu? ESTRANHA – Eu não tenho nome, só tenho ape-lido. Me chamam de Leca Risca-Faca. Era amante do maior traficante de São Paulo. Já ouviu falar do Cachorrão? CASIMIRO – Cachorrão?... ESTRANHA – Caí em desgraça porque sumi com duzentos mil dólares do malandro. Por isso tentou me matar. Essa sacola aqui está com tudo o que eu encontrei de valor neste mausoléu... (Tira uma faca da sacola e ameaça Casimiro) Estou te roubando, deu pra sacar? D. VERIDIANA – Dá nela, Casimiro! Enche essa putana de porrada! (Toma mais uma talagada) CASIMIRO – Mulher do Cachorrão? D. VERIDIANA – Cadela! CASIMIRO – Está me roubando? Então foi tudo mentira... Cláudia, você... ESTRANHA – (Grita) Eu não me chamo Cláudia! CASIMIRO – Agora, chama! Para mim você é a Cláudia e esse sempre será o seu nome. Vê se me entende: não me importa o que você tenha feito. Na verdade eu também menti para você: eu nunca fiz Exército... Fui dispensado porque era muito pequeno. No assalto ao banco eu me escondi embaixo da mesa e só saí três horas depois! Sempre fui um covarde, mas não sou mais! Hoje virei uma página de minha vida e esse caminho não tem volta. Tudo isso eu devo a você. Vamos enterrar o seu e o meu passado juntos. Estou te dizendo que te amo! Você não precisa roubar nada de mim, porque eu te dou. Se me pedir, te dou muito mais... ESTRANHA – Velhinho, você até que é um cara legal, mas não faz ideia de com quem está se metendo... CASIMIRO – Quero você do meu lado. O bem que você me fez não tem preço. Esta noite foi minha primeira vez... ESTRANHA – O quê? CASIMIRO – A noite passada foi a primeira vez que fiz amor. Você foi a primeira mulher da minha vida! ESTRANHA – Quer dizer que com cinquenta anos no lombo você nunca... CASIMIRO – Nunca, pode acreditar! D. VERIDIANA – Um punheteiro de mão cheia, isso sim! Se trancava no banheiro por horas a fio. ESTRANHA – Cara, você é mais louco do que eu pensava. É pinel! Até que por ter sido a sua primeira vez, você se saiu bem. (Ri) Dona Veridiana, desvirginei o Casimiro. (Gargalha) D. VERIDIANA – Vai me cobrar quanto, putana? CASIMIRO – Se você acha graça, eu também acho. O mundo para mim, agora, está cheio de graça. ESTRANHA – Para o seu governo, meia cidade de São Paulo está à minha procura, querendo me esfolar. Eles tentaram me matar e vão tentar novamente... Minha vida não vale nada. CASIMIRO – A minha também não, se você for embora. ESTRANHA – Os caras estão na minha cola. Daqui a pouco, estão batendo nessa porta. Se eu ficar aqui, estou perdida, e você vai rodar comigo. CASIMIRO – Então, vamos embora, vamos fugir. Vou com você! Nada mais me prende aqui! O Brasil é enorme; ninguém vai nos achar. D. VERIDIANA – Casimiro, estou começando a ter aquela velha crise de urticária, vem coçar as costas da mamãe. ESTRANHA – Oh, meu amigo da terceira idade: se já vai ser difícil escapar sozinha, imagina levando você. Não sou navio para sair com âncora por aí. CASIMIRO – Por que âncora? Eu tenho carro, tenho umas economias. Podemos sumir no mapa. D. VERIDIANA – Miro, traga meus chinelos... Venha logo, não deixe a mamãe esperando... (Toma um gole) ESTRANHA – Já tem um cara me esperando. Está tudo combinado, tudo dominado, passagens compradas. Você acha que eu iria dar um golpe na máfia sem estar preparada? Só preciso dar um telefonema. CASIMIRO – (Tira o papel do bolso) Por acaso o telefone dele está aqui? ESTRANHA – Me devolve isso! CASIMIRO – De jeito nenhum! (Circundam o sofá na perseguição) ESTRANHA – Casimiro, eu não estou pedindo; estou mandando! D. VERIDIANA – Casimiro, traga meus chinelos! Eu não estou pedindo, estou mandando. CASIMIRO – (Grita) Cala a boca já morreu, quem manda na minha vida sou eu! Vem me pegar. Se conseguir, o papel é todo seu! ESTRANHA – Te enxerga cara, você é um bosta. Está querendo me encarar? Não teve coragem nem de sair da casa da mãe. É incapaz de matar uma mosca! CASIMIRO – Mosca? D. VERIDIANA – Mosca?!! (Ouve-se o barulho do inseto. Casimiro sai em seu encalço até matá-la. A Estranha fica olhando abismada) D. VERIDIANA – Brilhante, Casimiro! Impecável! Exatamente como te ensinei! CASIMIRO – Desculpe-me, eu odeio insetos! O que você dizia, Cláudia? ESTRANHA – Que você é ótimo matador de moscas, mas não é homem para me enfrentar! Chega de brincadeira! (Mostra a faca) Se você ficar na sua, não vai se machucar! Me dá esse papel. CASIMIRO – Nunca! Nem se você me pedir de joelhos. ESTRANHA – Ficou maluco, perdeu a noção do perigo? CASIMIRO – A única coisa que eu quero é correr perigo! Vem me pegar, minha bandida! D. VERIDIANA – Casimiro, não estou brincando! Venha já aqui! Olha que te mando para o colégio interno... ESTRANHA – Casimiro, eu não estou brincando! CASIMIRO – Não dou, não dou e não dou! Jamais te entregarei esse número! Esqueça esse sujeito! (Casimiro se deixa alcançar, mas mastiga e engole o papel) ESTRANHA – Não acredito! Engoliu?! Ah, velhinho filho da puta. Agora você vai me pagar. CASIMIRO – Não adianta me torturar, eu não decorei o número. ESTRANHA – Não vou te torturar, não; vou te matar! CASIMIRO – (Colocando-se em frente à porta da rua) Não tenho medo de mais nada. Vamos, enfia. Me mata! Sem você, prefiro morrer. ESTRANHA – O cara enlouqueceu de vez! Bom, vai ser foda, vai me dar um puta trabalho, mas eu me viro... Vou ter que me expor, dar a cara pra bater, mas eu descolo esse telefone. Agora vou me arrancar; já perdi muito tempo com você. (Pega a sacola) OK, velhinho! Isso é um assalto; vou levar as joias da coroa. D. VERIDIANA – Coroa?! CASIMIRO – Só leva se me levar junto! ESTRANHA – Casimiro, sai da minha frente. Não quero te machucar. D. VERIDIANA – Casimiro, impeça! CASIMIRO – Tudo bem, me mata. Vem, perfura este corpo que já não quer viver, rasga este coração cansado de sofrer. Não, eu não me engano... ESTRANHA – ... Seu coração é corintiano? CASIMIRO – Zombe... Zombe de mim; não me importo... Tenha a certeza de que você não foi a primeira, mas faço questão que seja a última a zombar de mim. Me mate... Me mate, mas antes me dê um beijo. ESTRANHA – É seu último desejo? CASIMIRO – É! ESTRANHA – Então, vamos logo com isso. Você não vai ser o primeiro nem será o último em quem enterro meu punhal. Peça perdão dos seus pecados. É a última chance. CASIMIRO – Eu me perdoo e eu te perdoo; nada mais importa! Vem... D. VERIDIANA – Bela estratégia, meu garoto! Aproveite agora! Dê um murro na cara dessa vaca! ESTRANHA – Se prepare para o beijo da morte, velhinho! CASIMIRO – Vem... Mal posso esperar... (Ela vai até ele – que está indefeso, de braços abertos – e lhe dá um beijo e outro e mais outro. Ela larga a faca. Começam a tirar um a roupa do outro) D. VERIDIANA – O que é isso? Nossa, acho que exagerei no Diempax. Será que misturei? Estou vendo coisas... (Olha o casal se amassando) Outra vez? Mas não é possível! Que pouca-vergonha! Casimiro, pare com isso! Estou avisando... Mosca, Casimiro, mata! Besouro! Barata! Pernilongo!... Terremoto, terremoto, Casimiro. O Minhocão vai nos esmagar!... Não adianta... Parece que fui vencida. Bem, o que não tem remédio remediado está! (Casal continua se beijando) D. VERIDIANA – (Passa a ser uma entusiasta) Dá-lhe, Casimiro... Mostre a virilidade dos Alcântara... Bela chave de pernas! Vamos, rapaz! Pelo menos vê se me arruma um neto, inútil... (Som de trombetas e fumaça dentro do quadro) Que arrepio é esse?... Ui! Minha Nossa, estou subindo... Indo embora. Adeus, casa... Adeus, São Paulo... Adeus, Casimiro... Mas tem que ser agora, São Pedro? Queria dar só mais uma olhadinha... (Som de trovão) Não! Tudo bem, o senhor é que manda. Adoro homens decididos! (Grita, já sumindo) Adeus, mundinho! Prega fumo, Casimiro! Aproveite o que é bom... Pelé disse: “Love, love, love...”. (Veridiana sobe aos Céus – some na fumaça – cantarolando o hino da Internacional Socialista, enquanto Casimiro e a Estranha ainda se beijam apaixonadamente) ESTRANHA – (Se desvencilhando de Casimiro) OK, chega... Não tenho mais tempo a perder. Adeus, velhinho! Te cuida! (A Estranha se prepara para sair quando batem à porta. Eles se olham assustados) ESTRANHA – (Assustada) Você está esperando alguém? CASIMIRO – Não, e você? ESTRANHA – Claro que não! Voz de fora – Abram essa porta! ESTRANHA – (Desesperada) São eles... Me encontraram... CASIMIRO – Calma. ESTRANHA – (Descontrolada) Ai, meu Deus... E agora?... Vão me matar! CASIMIRO – (Levanta a voz) Calma... (Como a Estranha está em pânico, Casimiro lhe dá um tapa, e ela imediatamente se cala. Ele pega a sacola de joias e o dinheiro vivo escondido na estante) BUGIO – (Off) Abram em nome da lei! CASIMIRO – Calma... Quieta! Vem comigo, vamos sair pelos fundos. “A fruta proibida é a mais apetecida!” (Para o retrato) Sua bênção, mãe!... Vamos em frente que atrás vem gente! (Saem) BUGIO – (Off) Abram em nome da lei! (Força o trinco... Entra Bugio, mendigo maltrapilho, demente, visionário e profeta) Abram em nome da lei de Deus, Jesus Cristo, Maomé e Buda. Todas as religiões são boas e todas são uma só. Tem alguém aí?... Alô... Tem alguém aí? (Vasculha a casa) Eu só peço um prato de comida. Quem ajuda o Bugio empresta a Deus, a Jeová, ao Batman e vai receber em dobro, em triplo, tetra, em... Pentacampeão... (Canta) “A taça do mundo é nossa, com brasileiro não há quem possa!”... (Vai passando pela sala e desarrumando tudo). Alô?... Tem alguém aí?... Alô? (Delira, como se fosse o capitão Kirk do seriado televisivo Jornada nas Estrelas e estivesse com um intercomunicador na mão) Kirk, a Enterprise ... Tenente Uhura, meus sensores não detectaram nenhuma forma de vida inteligente... Sim, Dr. Spok, o planeta é classe M, suporta a vida humana... Sr. Scotty, todas as máquinas à frente, dobra quatro. (Pega um pedaço de bolo) Magno, descobri fragmentos de vida alienígena; levar para análise... Sr. Sulo, mande uma expedição; o local é seguro! Desligo. (Cai na real, vai até a porta, assobia) Ei, pessoal! Barra limpa; vamos invadir! Cai o pano A Loucadora de Vídeo A peça A Loucadora de Vídeo estreou em 5 de junho de 2009 no teatro do N.Ex.T. Texto, direção e cenografia Antonio Rocco Elenco Lulu Pavarin – Magdalena Luciana Caruso – Laura Ivan Cápua. – Estúpido Assistência de direção: Jussara Felix Iluminação: Marcos LoureiroFigurinos: Tereza Monteiro Arte gráfica: Nino Dastre Trilha original: Ricardo Severo Preparação corporal: Helena Ciampolini Projeções: Ludo Filmes Cenotécnica e operação: Ivan Fagundes Assessoria de imprensa: Arte Plural Fotos: Antonio Rocco A Loucadora de Vídeo Peça em um ato DE LOUCURA Antonio Rocco/2003 Personagens Magdalena – proprietária da locadora, manca e caolha. Laura – cliente. Estúpido – assistente de Magdalena. Cenário Sala de atendimento da videolocadora. Todas as paredes são lisas e brancas. O balcão de atendimento também é branco. Sobre o balcão está um enorme catálogo em que, supostamente, está a relação dos títulos da locadora. À direita, vê-se a porta de entrada da rua; à esquerda estão a porta que dá para o depósito de fitas (prisão de Estúpido) e a porta que dá para o almoxarifado, onde são guardados material de escritório, figurinos e objetos usados na encenação dos filmes. Na parede à esquerda há um relógio de ponto; na parede do lado direito vê-se um calendário. Estamos em 2015. O videocassete ficou obsoleto; os cartuchos cassete são quase peça de museu. O DVD e o Blue Rae tomaram conta do mercado. Magdalena entra pela porta do depósito de fitas e tranca a porta atrás de si. Ela está abrindo a loja: acende a luz, abre a porta da rua, arranca a folha antiga do calendário, faz uma bolinha de papel e tenta acertar a distancia a bolinha no lixo. Vai para trás do balcão, abaixa-se para pegar caneta, carimbo e bloco de papel. Entra Laura pela porta da rua, usa um sobretudo). LAURA (fechando o guarda-chuva) – Essa garoa! chega a molhar o osso da gente!... (Olha em volta desconfiada) MAGDALENA – Posso lhe ser útil? LAURA (Leva um grande susto. Se recompondo) – Boa noite... MAGDALENA – Boa noite. LAURA – Com licença... Estou procurando uma videolocadora... MAGDALENA (Dando corda no relógio de ponto) – Já encontrou. É aqui mesmo. LAURA – Foi difícil encontrar, não tem nenhuma placa. MAGDALENA – Acreditamos na propaganda boca a boca. LAURA – Estranho... MAGDALENA – O que é estranho? LAURA – É meio esquisito. Nunca vi uma videolocadora assim. Parece mais um ambulatório. MAGDALENA – Um hospício, quem sabe? (Gargalha) Estou brincando, é claro. Parece um ambulatório, mas não é. Garanto que você está em uma videolocadora. Quer que eu jure? LAURA – Não, não... Imagine... Se a senhora diz, eu acredito. MAGDALENA – Senhorita! LAURA – Senhorita!... Desculpe. MAGDALENA – Não se desculpe; a culpa não é sua. LAURA – Não?... MAGDALENA – Certamente que não!... A culpa é daquele cafajeste e da maldita sirigaita. A culpa é de todos os cafajestes e de todas as sirigaitas! A culpa pode ser sua, sim! Com esse rosto bonitinho, aposto que você já destruiu vários casamentos. LAURA – Não, senhora; digo: não, senhorita... Quer dizer: quem me dera! MAGDALENA – Não posso acreditar no que ouvi. Quer dizer que você gostaria de ser uma destruidora de lares? LAURA – Não, de jeito nenhum... Gostaria apenas de ser bonita para tanto. Eu nem me acho bonita... Quem me dera entrar em um restaurante e virar a cabeça dos homens. Sabe?... Daquele jeito que acontece nos filmes: todos param de comer, instaura-se um silêncio absoluto... Só para ver a linda mulher entrar. MAGDALENA – Minha filha, comigo acontecia exatamente assim, lhe garanto! Antes do acidente, é claro... LAURA – Acidente? MAGDALENA – Não quero falar sobre isso... LAURA – Ah... Desculpe... MAGDALENA (impaciente) – Não precisa se desculpar... (tentando ser gentil) Em que posso servi-la? LAURA – Afinal, isto aqui é uma videolocadora? (Laura está entretida examinando o ambiente. Magdalena tira, de trás do balcão, uma picareta e vai guardá-la no almoxarifado. Laura não vê Magdalena passar com a picareta às suas costas) MAGDALENA – Pode apostar que é! LAURA – Eu fui à Vídeo Wall, aquela locadora enorme lá na esquina, mas eles agora só trabalham com DVD, Blu-Ray... Não têm mais os cartuchos de videocassete... O sujeito de lá me indicou aqui. MAGDALENA – Foi mesmo?... Não me diga! (Magdalena pega pá e vassoura, atrás do balcão. Ela entrega a pá para Laura e arranca de sua mão o guarda-chuva, guardando-o no porta guarda-chuva. Magdalena começa a varrer o estabelecimento) LAURA – É... Meu aparelho de DVD está com defeito, e tive que desenterrar meu videocassete. Eu sei que é uma velharia, mas na emergência vale tudo! Eu não consigo passar um fim de semana sem alugar filmes... MAGDALENA – Veio ao lugar certo! Esta é a mais completa videolocadora em que você já pisou. Temos toda a história da sétima arte até o ano de 2005, quando infelizmente deixaram de usar este maravilhoso suporte que é o videocassete. (Faz sinal para Laura vir pegar o lixo com a pá) Nós só trabalhamos com cassete... Somos a única da cidade; talvez a única do mundo. (Retoma a pá de Laura e se encaminha para trás do balcão) Compramos tudo o que eles não querem mais. Compramos os cartuchos a preço de banana e alugamos pelo preço de meia banana. (Ri de maneira desmedida). (Laura, assustada, vai em direção à porta de saída, mas Magdalena se coloca em seu caminho) LAURA – Isto aqui não é uma videolocadora. A senhorita está brincando comigo? MAGDALENA – Brincando? Olhe bem para minha cara... Começo a duvidar de que a mocinha esteja realmente querendo alugar um filme. LAURA – Claro que estou... Mas onde estão os cartuchos, as prateleiras, os cartazes? MAGDALENA – Tudo está perfeitamente no lugar: tudo dentro da loja, na sala ao lado, no andar de cima, por todo o prédio! LAURA – Podemos ir até lá? MAGDALENA – De maneira nenhuma. Não é permitida a entrada de estranhos. (tranca a porta da rua). LAURA (assustada) – A senhorita trancou a porta? MAGDALENA – Tranquei! Nosso atendimento é individual... Um de cada vez. LAURA – Entendo... Como vou poder escolher os filmes para alugar sem ver o que a senhorita tem? MAGDALENA (passando para Laura o enorme catálogo) – Temos todos os filmes que o cinema já fez até 2005. Está aqui! Escolha... LAURA (examinando o calhamaço) – Tudo isso? MAGDALENA – Ninguém quer mais a porcaria desses cartuchos... Lixo tecnológico! Elas man- dam tudo para cá. Temos mais de 15 andares de fitas... Mais de 2 milhões de títulos. LAURA – Impressionante! MAGDALENA – Por isso, não deixamos o público consultar diretamente. LAURA – Entendo... Mas fica difícil escolher sem ver as fotos, as resenhas... MAGDALENA – Talvez eu possa ajudar. Tem alguma preferência de gênero? LAURA – Eu gosto de tudo. Adoro cinema! MAGDALENA – Musical americano? LAURA – Claro! MAGDALENA – Anos 50? LAURA – Amo todos. Já vi dúzias de vezes, mas nunca me canso. MAGDALENA – Ok! (pega o interfone no balcão) Alô, Estúpido... Cantando na Chuva! (desliga) LAURA – Cantando na Chuva é o maior musical de todos os tempos... Pelo menos na minha opinião. Não acha? MAGDALENA – Concordo! LAURA – Produção de 1952, com Gene Kelly, Donald O’Connor e Debbie Reynolds. Sabia que mesmo com o enorme sucesso, o filme não ganhou nenhum Oscar? MAGDALENA – A Academia de Hollywood só pensa em dinheiro! Aquilo nunca teve nada a ver com arte. (fala no interfone) Está pronto, Estúpido? Já não era sem tempo! LAURA – Entendi! Agora, o rapaz traz a fita... MAGDALENA – Mais do que isso! (Magdalena coloca quepe de guarda e pega um cassetete, atrás do balcão. Se encaminha até a porta que dá para o interior do prédio. Tira o molho de chaves do bolso e abre a porta do depósito de fitas. Entra Estúpido, fantasiado de Gene Kelly em Cantando na Chuva. Ele entrega o cartucho à Magdalena e depois dança e canta o celebre número Singin’ in the Rain. Ao final, Laura aplaude freneticamente. Estúpido bate o relógio de ponto e tenta escapar pela porta da rua, que está trancada) MAGDALENA (trata Estúpido como cão) – Para dentro, vamos! Passa! Estúpido, vamos! (Estúpido volta para o interior do prédio a contragosto. Magdalena o tranca) MAGDALENA – Esses funcionários... Sempre querendo sair antes de acabar o expediente. LAURA (Deslumbrada) – Ele é um artista! É fantástico! Como pode trabalhar como ajudante em uma videolocadora de segunda? MAGDALENA (irritadíssima) – Olha aqui, mocinha: eu não vou aguentar ofensa, não, senhora. O lema neste estabelecimento é: “Respeite para ser respeitado”. Nosso material é de segunda mão, sim, senhora, porém a videolocadora é de primeira! Estamos entendidas? LAURA – Claro, claro. Jamais quis ofender. Apenas estranhei que um artista estivesse trabalhando aqui. MAGDALENA – Se eu lhe contar a crise que está aí, nesse mercado, acho que você não acreditaria. Ele trabalha por um prato de feijão. LAURA – Deus do Céu! Que desperdício! MAGDALENA – Pois é, minha flor; é uma profissão ingrata! Uma carinha bonita muitas vezes rouba o trabalho de um verdadeiro artista. É só ver os atores da televisão: bonitos, malhados... Só fazem cena sem camisa ou de lingerie... Corpos vendidos como carne no açougue. Uma poucavergonha!... Não há mais lugar para o talento. A televisão me dá nojo! Fábrica de moer carne! (Escarra no chão. Volta a ser prática.) Muito bem! Vai levar esse? LAURA – O filme?... Sim, claro! Quanto é? MAGDALENA – Você quer comprar ou alugar? LAURA – Tenho essa opção? MAGDALENA – Vou mandar essa sua pergunta para o ministério das perguntas cretinas. Talvez de lá venha uma resposta mais delicada do que aquela que está na ponta de minha língua... (eleva a voz) Claro que tem essa opção! Não estou lhe falando? LAURA – Desculpe, não quis irritá-la; só estranhei... Não sabia que vocês vendiam... MAGDALENA – Pois agora já sabe. Quer comprar ou alugar? LAURA – Não sei, ainda. Quais são os preços? MAGDALENA – Pela diária do aluguel, cobro 2 reais. Se quiser comprar, o preço é de 1 real. LAURA – Alguma coisa está errada. A senhorita se enganou... (ri) O preço de compra está mais baixo do que o aluguel diário. MAGDALENA – Que é que tem? LAURA – Nada... Só que é absurdo! MAGDALENA – Não tem nada de absurdo. Eu não lhe falei que temos 15 andares de fitas? Não tenho mais lugar para guardar toda essa porcaria. Se levar embora uma delas, eu agradeço. Tenho mais de 500 Cantando na Chuva. Entendeu agora? LAURA – Entendi... Claro! Então, eu compro. Ótimo, sempre quis ter esse filme em casa... Um clássico! Puxa, muito barato. MAGDALENA – Se preferir, cobro mais caro. LAURA – Não, não! Está bem assim. MAGDALENA – Muito bem! Só isso? Quer uma sacola? LAURA – Na verdade, acho que vou aproveitar a promoção. Vou levar mais um filme. Sabe como é... Com esse friozinho, não dá vontade de sair de casa. Nada como ficar embaixo do cobertor vendo um clássico, talvez dois... Até três de uma só vez. Um atrás do outro. MAGDALENA – Nem me diga... Abrir um bom vinho... LAURA – ...Acender a lareira... MAGDALENA – ...Abraçar o namorado... LAURA – ...Bem agarradinho... (acordando do sonho) Infelizmente, não é o meu caso. Terminei com o Victor... MAGDALENA – Nem o meu... O cafajeste fugiu com a sirigaita. (uma não presta atenção no que a outra fala) LAURA – No começo, era uma maravilha... Nossa, que cara interessante! Nossa, adora cinema como eu! Como é culto, atencioso! Nossa, ele chora nas cenas de amor! Como é sensível! MAGDALENA – Terça-feira à noite. Vinte e um de março de 2010. Noite quente, abafada. LAURA – Victor se transferiu para minha casa. No começo, até achei bom. MAGDALENA – Estávamos no meio de uma turnê. Depois de um ano de sucesso retumbante, em São Paulo, apresentando Um Bonde Chamado Desejo, saímos em excursão. LAURA – Aos poucos, veio trazendo as coisas. Primeiro, uma muda de roupa; depois, o barbeador... MAGDALENA – A crítica foi unânime: Esta é a melhor Blanche que já pisou nos palcos brasileiros. LAURA – Quando percebi, já estávamos dividindo o armário: meio a meio. MAGDALENA – Todas as noites a plateia vinha abaixo. Ah, os aplausos em cena aberta... LAURA – Era viciado em pipoca de micro-ondas. Trazia uma pilha de filmes para casa e não saía da frente da televisão... MAGDALENA – O sucesso foi tamanho que começamos a excursionar. LAURA – Da minha televisão... MAGDALENA – O Brasil inteiro nos queria, nos disputava a tapa. Os teatros cheios até a boca. LAURA – O fim de semana inteirinho se empanturrando daquela maldita pipoca de micro-ondas amanteigada. MAGDALENA – As filas de espera dobravam quarteirões. LAURA – Só de lembrar o cheiro, me dá ânsia de vômito. MAGDALENA – Estávamos no auge. Tínhamos nossa própria companhia! O desgraçado fugiu com a Stella. (Laura e Magdalena falam ao mesmo tempo suas próximas falas) LAURA – Apertava a pasta de dente no meio do tubo, largava as roupas no meio da casa e não era capaz de trocar uma lâmpada!... MAGDALENA – Logo com quem: a coadjuvante! Abandonou a temporada no meio e sumiu. (voltam a falar intercaladamente) LAURA– Não me dava valor. Me tratava como escrava; parecia que eu tinha obrigação de gostar dele. Nem carinho eu merecia... MAGDALENA – Que vergonha, que vexame! Interrompemos a turnê no meio. LAURA – Me mandava ficar quietapara nãoatrapalhar: “Psiu!... Dá pra calar a boca? Já perdi um diálogo... Olhaque plano-sequência,que maravilha...” MAGDALENA – Cancelamos tudo... As multas! Que prejuízo! A falência... Mais de 50 pessoas desempregadas... LAURA – Eu aguentava porque ele dizia que era o trabalho dele. Victor era dublador, digo, é ator que dublava filmes... Até perder o emprego! Foi a gota d’água... MAGDALENA (em um devaneio: como Blanche) – Mitch, vá embora daqui antes que eu comece a gritar fogo!... Fogo! Fogo! Fogo! LAURA – O dia inteirinho de pijama deitado no sofá, vendo os filmes e (com ódio) lendo em voz alta as legendas!... MAGDALENA (como Blanche) – Esse sinos da catedral são a única coisa pura neste bairro. LAURA – Não tive dúvida, peguei o aparelho de DVD e joguei do décimo segundo andar, junto com todas as roupas dele... MAGDALENA (como Blanche) – Eu sempre dependi da bondade de estranhos... LAURA – Ah! E o barbeador que ele tanto amava foi se espatifar do outro lado da rua! Que lindo plano-sequência... Que traveling! MAGDALENA (acordando do transe, gentil como um trator) – Pois bem... Vai querer mais alguma coisa? LAURA – Quero sim! Quero um filme que tenha um amor de verdade, que não conheça limites... Que seja eterno. MAGDALENA – Aceita sugestão? LAURA – Claro! MAGDALENA – Pode ser triste? Os amores eternos são sempre impossíveis... LAURA – É, tem razão... Romeu e Julieta, do Zeffirelli? MAGDALENA – Não! Estava pensando em Casablanca. LAURA – Eu adoro esse filme... Sei os diálogos de cor! Direção do Michael Curtiz, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Foi filmado e exibido durante a Segunda Guerra Mundial. O cinema retratando a vida real, comentando os acontecimentos de sua época e influenciando corações e mentes. Sabia que originalmente era um texto teatral e só depois foi adaptado para cinema? MAGDALENA – Estou impressionada com sua cultura cinematográfica. LAURA – E que linda história de amor! Quero, sim! Quero Casablanca para mim! MAGDALENA – Para já! (Pega o interfone) Alô? Como “quem está falando”? É a Xuxa, diretamente do planeta dos baixinhos... Claro que sou eu, energúmeno!... Por esta vez, passa; da próxima, vou me irritar de verdade. Cretino!... Não te pago para fazer gracinha! Estúpido, traga o Casablanca... Rápido! (Desliga. Fala para Laura.) Mão de obra barata é uma merda! LAURA – É assim que a você trata os empregados? MAGDALENA – Minha filha, se você começa a tratar bem, eles montam em cima. Você já foi dona de uma companhia de teatro? LAURA – Não. MAGDALENA – Então, não sabe de nada. Disciplina! O trabalho de ator requer, acima de tudo, disciplina... É uma cátedra... Um voto sagrado... Uma missão! Não se chega a lugar nenhum sem ordem, sem método, sem disciplina! LAURA – Entendo... MAGDALENA (toca o interfone; ela atende) – Alô... Tudo pronto? Muito bem, Estúpido!... Desculpe se fui ríspida com você... Precisava dar o exemplo... Teve o que mereceu... Tudo bem, já te perdoei. Agora, vamos lá. (Desliga o telefone e vai em direção à porta. Falando para Laura) Não disse? “Educar é pôr limites”. Se existe uma coisa com que eles não sabem lidar é a liberdade... Ficam completamente perdidos. (Põe em si o chapéu de policial francês e em Laura o chapéu de Ilse. Abre a porta.) (entra Estúpido como Rick em Casablanca) LAURA – Rick?! (Laura como Ilse e Estúpido como Rick, interpretam a cena da despedida no aeroporto. Magdalena atua na cena fazendo o papel do policial francês.) ESTúPIDO – (interpretando Rick fala para Magdalena de policial) Se não se importa, preencha os nomes. Vai parecer oficial.(Entrega-lhe o cartucho de videocassete) Cena do filme (Os olhos de Laura se enchem de lágrimas, Estúpido levanta seu queixo com um dedo e fala carinhosamente) ESTúPIDO (como Rick) – Estou de olho em você, garota! (Laura se afasta inconsolável) ESTúPIDO (como Rick) – Louis... MAGDALENA (como policial) – O que é Rick. ESTúPIDO (abraçando o ombro de Magdalena) – Acho que esse é o começo de uma grande amizade. (Subitamente acaba a cena de Casablanca. Estúpido tenta escapar pela porta da rua, mas está trancada. Magdalena, com um chicote e uma cadeira, faz Estúpido voltar para a sala interna e o tranca novamente.) LAURA (ainda tonta) – Meu Deus, como ele é envolvente! Me senti dentro do filme! MAGDALENA (Guardando os chapéus no almoxarifado) – Você foi muito bem no papel! Estou impressionada! Por acaso você é atriz? (enquanto Laura fala e sem que ela perceba, Magdalena tira uma fita métrica do bolso e começa, como uma costureira, a tirar suas medidas) LAURA – Atriz? Quem me dera... Sou economista. Bem, na escola cheguei a participar do grupo de teatro... Uma bobagem de criança. MAGDALENA (guarda a fita) – Não é bobagem, não! Você tem isso no sangue. Eu nunca me engano. Dá para sentir o cheiro do talento emanando por seus poros. LAURA – Agradecida. Sou apenas uma cinéfila, uma apaixonada por cinema. Fico muito feliz com o elogio, especialmente vindo de você, uma atriz, dona de companhia. Qual é mesmo o seu nome? MAGDALENA – Magdalena Vilaverde. LAURA – Não acredito! A senhora, quero dizer, você... Magdalena Vilaverde? É uma honra conversar com você... Me dá um autógrafo? Assine aqui no meu sobretudo... Vi todos os seus filmes: A Lucidez do Teu Perfume, Uma Janela e um Destino e... MAGDALENA – A Vida é Dura para Quem é Mole. LAURA – Exatamente! Que grande atriz! MAGDALENA – Talvez tenha ficado grande demais para caber nos filmes. Tenho que confessar: engordei um bocado! (ri desproporcionalmente). É preciso pelo menos conservar o bom humor. O show business é assim: do estrelato à lama sem escalas. LAURA – Uma mulher maravilhosa!... Quando você aparecia em close na telona... O cinema inteiro suspirava. MAGDALENA – Linda!... Durante anos fui o rosto da Lancôme, da Dior, da Lui Vuitton, da Avon... LAURA – Eu me lembro dos outdoors! Você estava em todo lugar, em cada esquina... Estrelava pelo menos um grande filme por ano. MAGDALENA – Eu gostava de fazer cinema, mas o teatro sempre foi minha paixão. Eu sei... Você não me reconheceu por causa do acidente. Não a culpo; estou um caco. LAURA – Não, de jeito nenhum! Está igualzinha! Eu é que sou avoada. Quando contar para o pessoal do trabalho, ninguém vai acreditar. Há tanto tempo não ouço falar de você... Ainda atua? MAGDALENA – Na verdade, não. Agora só me convidam para os filmes de pirata. Sabe como é: tenho o physique du rôle. (ri desproporcionalmente) Ria... Ria, minha menina... Ria de seus infortúnios! Eles não ficarão maiores por causa disso. Talvez fiquem menores... Sabe... Qual é mesmo o seu nome? LAURA – Ah, não me apresentei? Não estou dizendo que sou avoada? Perdão, me desculpe... MAGDALENA – Menina, um dia você precisa parar de se desculpar. Isso irrita as pessoas! LAURA – Meu nome é Laura Najarian. MAGDALENA – Laura Najarian... Um belo nome para uma prima-dona. Já vejo você estrelando as principais peças de nosso repertório. Seu nome na marquise piscando em néon: “Hoje: Laura Najarian como Lady Macbeth!” LAURA – Que sonho! MAGDALENA – Menina, acredite em mim! Tenho um olho clínico! Talvez você seja tão boa quanto eu fui. Antes do acidente, é claro. (lembrando) Antenor tinha acabado de me deixar. Tinha fugido naquela noite com a atriz coadjuvante. Ainda os vi saindo, às gargalhadas, a toda a velocidade no meu Studbaker conversível. O maldito disse que ia comprar cigarro e nunca mais voltou. Imagine só: em um minuto, minha vida se transformou num filme B, com roteiro de segunda! LAURA – Que barra! MAGDALENA – Você ainda não viu nada! O canalha ainda teve coragem de deixar um recado, escrito com batom, no espelho do camarim: “Cansei de chorar... Levei teu sorriso”. Ingrato! Eu lhe dei tudo... (chora). LAURA – Sinto muito... MAGDALENA (cheia de mágoa) – Não tanto quanto eu, lhe garanto!... (volta a contar a história) Assim, transtornada de ciúmes, humilhada e arruinada, voltei ao quarto de hotel e tomei um excitante, um tranquilizante e um bocado de gim... Também, desesperada, fumei uma tronca, cheirei três carreiras, tomei um ácido e ingeri meu último Lexotan. Depois disso, já recuperada do choque e disposta a sair para a noite, (como Cauby Peixoto) me pintei, me pintei, me pintei... E fui com a cara e a coragem rumo ao elevador. Estava disposta a esquecer aquele amor bandido nos braços de outro homem. Foi então que abri a porta do elevador e entrei... Só que o mesmo não estava lá... Despenquei num abismo de sete andares e, enquanto caía, gritava o nome dele: AAAAANNTENORRRR FILHO DA PUUUUTTAAAA! POFFFF! Não morri por sorte ou teimosia... E estou aqui. Coxa, caolha, mas cheia de vida! LAURA – Não sei o que dizer... MAGDALENA (amarga) – Então, não diga nada... Melhor ficar quieta do que falar bobagem... As palavras são mantras... (voltando a ser prática e enérgica.) Bem... Então, vai comprar ou alugar? LAURA – Casablanca? ...Vou comprar, claro. MAGDALENA – Muito bem! Bela escolha! Mais alguma coisa? LAURA – Quero... É certo que quero! Estou adorando as suas sugestões. Você teria mais alguma, Magdalena? MAGDALENA – Você gosta de adaptações? Digo: quando a literatura serve de base para um filme memorável? LAURA – Evidente que sim! Tantos romances deram filmes maravilhosos... MAGDALENA – Por falar nisso, sabe o que uma traça falou para outra na saída do cinema? LAURA – Não. MAGDALENA – Preferi o livro! (gargalha) Entendeu? A traça preferiu o livro... LAURA – Entendi... Muito boa!... Uma mulher entra no cinema com um maço de alface embaixo do braço. Qual o nome do filme?... Alface Oculta! (ri) (Madalena não ri, Laura fica sem graça) MAGDALENA – Muito espirituosa! Além de cinéfila, tem senso de humor... (séria e paquidérmica) Quer ou não quer uma sugestão? LAURA – Quero, sim!... Desculpe a brincadeira. MAGDALENA – Muito bem, não percamos mais tempo... (abrindo a esmo o enorme catálogo e apontando, ao acaso, um título) Aqui está uma bela adaptação para o cinema... Que tal uma comédia um pouquinho picante? LAURA – Ótima ideia! MADALENA – Nacional? LAURA – Pode ser... MAGDALENA – Dona Flor e seus Dois Maridos? LAURA – Produção de 1977, direção de Bruno Barreto, com Sônia Braga, José Wilker, Mauro Mendonça e grande elenco. Nossa! Vi tantas vezes que perdi a conta! É maravilhoso! MAGDALENA (pega o interfone) – Estúpido... Dona Flor e seus Dois Maridos. (Desliga. Fala com Laura enquanto se encaminha para soltar Estúpido.) Estúpido é o único ator que ainda me resta. A companhia virou pó, mas ele fez questão de me acompanhar. Só ele não me abandonou... Por devoção, acho. Eu lhe ensinei tudo o que sabe... Muito bem! Vamos lá! (Magdalena abre a porta. Entra Vadinho pelado com uma bola preta tampando o sexo, como se fosse cópia de filme censurado nos tempos da ditadura. Estúpido como Vadinho, Laura como Dona Flor, fazem a cena de Dona Flor e seus dois Maridos, em que Flor cede à cantada do marido morto.) LAURA (como Flor) – Vadinho!? Não te falei para ir embora! ESTúPIDO (como Vadinho) – Você me chamou e eu vim. Estou aqui. (ri e agarra Flor) Você se lembra da primeira vez que te senti? Você se encostou em mim. LAURA – Você me abraçou e me passou a mão. Cena do filme ESTúPIDO (como Vadinho) – Pimenta e mel... (Indo embora) O que foi que você fez Flor, estão me levando embora... (Sai). LAURA (como Flor) – Meu Deus, foi feitiço. (entra Magdalena de Mãe de Santo e dança ao som dos atabaques) LAURA (como Flor, grita) – Vadinho!!!! (Fim dos atabaques. Som de trovão, Magdalena (Mãe de Santo) tira o Filá. Fim da cena. Magdalena tranca a porta por onde saiu Estúpido (Vadinho) e guarda o Filá no almoxarifado.) LAURA (praticamente nua, depois da cena “caliente”) – Puxa!!!! Já ouvi dizer em vivenciar um filme, mas nada que se compare a isso! É uma loucura! (Envergonhada, pega as roupas e vai para trás do balcão se recompor) MAGDALENA – Gostou? Vai levar? LAURA – O filme? Vou, com certeza!... Esse rapaz é ótimo... MAGDALENA (Pega um pote de manteiga no almoxarifado) – Você ainda não o viu em Último Tango em Paris, quer tentar? LAURA – Não, não, hoje não... Quem sabe outro dia? MAGDALENA – Menina, você é surpreendente! Encara todos os gêneros. Acho que finalmente encontrei uma sucessora! LAURA – Bondade sua! MAGDALENA – Minha filha, isso não tem nada a ver com bondade; chama-se feeling. LAURA – Dona Magdalena, vou virar freguesa. Depois de hoje, verei os filmes com outros olhos! MAGDALENA – Eu lhe falei que os vídeos são de segunda, mas nosso serviço é de primeira. LAURA – E pensar que estou aqui só por que joguei meu aparelho de DVD pela janela! Senão, nunca teria pegado, no maleiro empoeirado, meu velho videocassete. Estava lá, esquecido por dez anos. MAGDALENA – Se não tivessem me abandonado, não teria sofrido o acidente, não teria ido à falência, não montaria este negócio e nunca teria te conhecido. Nada na vida é por acaso! Coincidências não existem! Maktub: estava escrito! LAURA – Será? Nossa, até me deu um arrepio! MAGDALENA – Se você não viesse aqui, não teria sido descoberta por mim. Avise sua família que vai mudar de profissão. LAURA (ri) – Ah, se eu pudesse... Quem pagaria as minhas contas? Família não tenho. Sou filha única e meus pais já faleceram. MAGDALENA – Ah, minha pequena órfã, fique tranquila. Não está mais sozinha. Resolvi te adotar. LAURA – Bondade sua! MAGDALENA – Não tem nada a ver com bondade e, sim, com necessidade. Preciso de você para remontar minha companhia. O céu é o limite. Prepare-se para o estrelato. LAURA – Fico lisonjeada, mas realmente não está nos meus planos. Sou superenvergonhada... MAGDALENA – Desde quando vergonha foi empecilho para os grandes artistas? (voltando a ser prática e brutal) Bem, está ficando tarde... Já vou fechar a casa. Deseja mais alguma coisa? LAURA – Vocês abrem amanhã? MAGDALENA (colocando uma nova ficha de funcionário, logo embaixo da ficha de Estúpido, no escaninho ao lado do relógio de ponto) – Sábado? Infelizmente, não! Só abrimos às sextas. No resto da semana, ensaiamos. LAURA – Então, será que daria tempo para escolher mais um filme? MAGDALENA – Sendo você uma cliente preferencial e se decidir rápido, sim! LAURA – Ah, meu Deus... Que indecisão... Sugira um... MAGDALENA – Que tal década de 90? LAURA – Mais recente... Boa ideia! MAGDALENA – Espanhol... Suspense, porém sem nunca perder o humor. LAURA – Sim! Estou curiosa... MAGDALENA – Ata-me, do Almodóvar! LAURA – Genial! Com Victoria Abril e Antonio Banderas, que dupla! A trilha sonora é do Ennio Morricone... Inesquecível! É um dos meus filmes preferidos! MAGDALENA – Ótimo! Folgo em saber! (pega o interfone) Estúpido... Ata-me! (desliga) Quer fazer o favor de pagar agora? Assim, poupa-nos tempo. Logo após o trailer, vamos embora. LAURA – Claro, aqui está. Quatro reais... Muito obrigada! MAGDALENA – Não tem de quê! LAURA – Deve ser um exercício e tanto ensaiar e representar todos esses filmes. MAGDALENA – Ossos do ofício! Não se faz Hamlet sem quebrar os ovos. (ri desproporcionalmente; Laura não entende a piada). Quero dizer sem suor não se chega a lugar nenhum. (pega o interfone) Pronto, idiota?... Não temos a noite inteira! Vamos com isso! Lerdo, inútil, estúpido! (desliga o telefone) O mais difícil para mim é aceitar as limitações dos outros. LAURA – O rapaz não se incomoda de ser tratado assim? MAGDALENA – Claro que não! Nós somos uma família. Ele sabe que é para o seu próprio bem. Sabe que tem muito que aprender. (Toca o interfone. Ela atende.) Sim? Até que enfim! Antes tarde do que nunca. (Magdalena abre a porta. Estúpido entra fantasiado de gorila como King-Kong. Elas fogem em desespero, tentam sair, mas a porta da rua está trancada. Estúpido as encurrala, Laura se esconde atrás de Magdalena) MAGDALENA – (para Estúpido) Calma, Kong... Aqui você está entre amigos. Calma! Ana está aqui, leve-a, é toda sua. (Magdalena lhe dá uma boneca Barbie) Toda sua... (Estúpido se acalma. Cheirando a boneca sai pela porta por onde entrou. Quando ele sai, Magdalena tranca a porta rapidamente.) MAGDALENA – Desgraçado! LAURA – Muito realista! MAGDALENA – Quer um copo de água com açúcar? LAURA – Não, obrigada. Já estou recuperada. MAGDALENA – Ele adora filmes de macacos. Às vezes perde o controle... Peço desculpas por nossa falha. Estou envergonhada... LAURA – Não tem de quê... Adorei! Quantas emoções! MAGDALENA – Vou providenciar imediatamente o filme que você pediu. (pega o interfone enérgica) Estúpido, posso saber o que foi essa cena que acabamos de ver?... Quem mandou vir de King-Kong? Quadrúpede!... Diversão?... Você está trabalhando!... Não levante a voz para mim... Você se esqueceu da última vez em que ousou fazer isso?... Ao trabalho... Não discuta! Ata-me, do Almodóvar. LAURA – Tudo isso parece um sonho... É maravilhoso ver os filmes ao vivo. Que ideia, Magdalena! Isso é novo, é moderno, é genial. MAGDALENA – É arte minha cara. Só a arte justifica a vida! Só no palco se pode representar a vida que realmente merece ser vivida! Só sobre coturnos conseguimos nos isolar da mediocridade das ruas. (Toca o interfone) Está pronto... Muito bem... Não reclame da maquiagem... Eu te pago para isso. Pare com essa conversa mole! Ande logo!... Sindicato? Você falou em sindicato? Mais uma que você apronte, vai para o olho da rua por justa causa. Não me venha com mais nenhuma gracinha. (desliga) Não repare, funcionário antigo toma certas liberdades (pegando uma cadeira e colocando no procênio). Sente-se, fique à vontade... Se acomode. Você deve estar cansada. Isso, me dê aqui seu sobretudo. Sinta-se em casa. Com licença. (Laura se senta. Magdalena abre a porta com medo. Porém, dessa vez, Estúpido segue suas or-dens, entra como Antonio Banderas em Ata-me. Estúpido entrega o cartucho para Magdalena e se dirige até Laura. Estúpido como Ricky e Laura como Marina, fazem a cena de Ata-me) ESTúPIDO – (Como Ricky,traz um desenho numa folha de papel e mostra a Laura) Olha o que fiz para você, gosta?... LAURA (como Marina, rasgando a folha) – Escute aqui... Nunca me apaixonarei por você, entendeu? Nunca! ESTúPIDO (como Ricky) – Não diga isso. Cena do filme Estúpido (como Ricky) – Se conseguir parar de pensar só em você... Pense um pouco nos outros. Nunca me chamaram de miserável! Nunca! (imita Marina) “Nunca me apaixonarei por você, nunca!” Veremos. (Estúpido sai, fim da cena de Ata-me) LAURA (ainda amarrada, consegue tirar o esparadrapo da boca) – Bravo! Bravo! (Estúpido volta fantasiado de corcunda de Notre-Dame) LAURA – Estúpido, você é demais!... Por favor, me desamarre... MAGDALENA – Nada disso, Estúpido! Deixe-a assim. Ela agora é uma das nossas. A Companhia Teatral de Repertório Magdalena Vilaverde finalmente conta com uma atriz de primeira! (Estúpido tira uma banana de sua sacola, descasca-a e começa a comê-la, sem prestar atenção na cena) LAURA – Magdalena, você só pode estar brincando. Não pode me prender assim. MAGDALENA – Calma, minha filha. Daqui a pouco você se acostuma. Então poderei até te desamarrar... Daqui a uns dois anos vai começar a gostar disso. Terá até um DRT. (para Estúpido) Vai gostar ou não?... Não me ouviu, Estúpido? Estou falando com você! Responda! Você gosta daqui? ESTúPIDO (amedrontado, para de comer a banana, tem a postura e a voz do corcunda de Notre-Dame) – Gosto... Gosto! MAGDALENA – Não ouvi direito... ESTúPIDO – Gosto! Gosto muito, muito! MAGDALENA – Está vendo querida?... Não dou uma semana e estará implorando para ficar. Não é, Estúpido? ESTúPIDO – É, sim, dona Magdalena.... É, sim! (ri como Quasímodo). LAURA – E meu trabalho?... Minha vida?... MAGDALENA – Não me venha com essas preocupações pequeno-burguesas. Estou falando de arte, cherry. ARTE! Estúpido, pode levá-la. LAURA – Estúpido... Estupidinho, meu querido. Você é um grande ator... Não pode ficar aqui preso... Me liberte, e eu te ajudo a fugir... ESTúPIDO (vendo o chicote na mão de Magdalena) – Estúpido não quer fugir... Vida aqui é boa. LAURA – Isso não é vida! Seu mundo é uma ilusão... Você é um escravo... Essa mulher está louca... Vamos embora! ESTúPIDO – Dona Magdalena boazinha... Não é louca, não! LAURA – Socorro, socorro... MAGDALENA (bem tranquila) – Não adianta gritar... Temos um excelente isolamento acústico. LAURA – Você é demente! MAGDALENA – Por aqui, você é a única que pensa assim. Estúpido, sou louca ou sou boazinha? ESTúPIDO (como na torcida organizada) – Boazinha! Boazinha! Boazinha!... MADALENA – Viu? Você é minoria; tem que se conformar. Não seja estraga-prazeres!... Estúpido, cumprimente nossa estrela? ESTúPIDO (como Quasímodo, reverencia Laura como se ela fosse uma deusa) – Nossa estrela... Nossa estrela! LAURA – Isso é ridículo! Nunca pisei em um palco. MAGDALENA – Você tem talento e é o que basta! Não deixarei que atrapalhe a carreira brilhante que tem pela frente. Você é ótima! ESTúPIDO (lambendo o dedo depois de passá-lo na coxa de Laura) – Ótima... Ótima! MAGDALENA – Será nossa protagonista. ESTúPIDO (como Quasímodo) – Estúpido também quer ser protagonista! MAGDALENA (para Estúpido) – Feche sua maldita matraca, seu anormal! LAURA – Pare de falar assim com o Estúpido! Ele, sim, é um grande ator! MAGDALENA – Mal entrou na companhia e já está me desafiando? LAURA – Não faço parte da sua companhia! Parece que estou num hospício! MAGDALENA – Pois é no hospício que se encontram as cabeças mais lúcidas. Estúpido, me responda: você é feliz aqui? ESTúPIDO (como Quasímodo) – Muito feliz, especialmente quando a gente come pizza. MAGDALENA – Viu? É uma criança. A única coisa que faço é cuidar dele. (Estúpido tira um carrinho de brinquedo da sacola e começa a se divertir, passeando com ele pelo chão) LAURA – Então, por que as portas estão sempre trancadas? Por que ele fica preso? MAGDALENA – Que bobagem! (abre a porta da rua) Muito bem, Estúpido; você está livre... Pode ir. ESTúPIDO (como Quasímodo) – Estúpido não quer ir embora... Não quer, não! Quer ficar com a madrinha! (Estúpido vai abraçar Magdalena) MAGDALENA – Estátua! (Estúpido congela na posição que está) MAGDALENA (fecha a porta) – Acho que não restam dúvidas, não é? Vamos, Estúpido! Leve-a! (Estúpido descongela) LAURA (grita) – Não, não! Tirem-me daqui! MAGDALENA – Ah... Está resistindo? Estúpido, traga os apetrechos! (Estúpido vai pegar um caldeirão de bruxa no almoxarifado) MAGDALENA – Depois dos primeiros aplausos, vai mudar de ideia, você vai ser famosa, querida. LAURA – Famosa, eu? MAGDALENA – Fama, dinheiro, poder, admiradores, presentes, joias... LAURA – Joias? MAGDALENA – Claro, querida, você será a primeira atriz da melhor companhia do Brasil. ESTúPIDO – Estúpido e Cretina... Que dupla! LAURA – Você é maluca. Quero ir para minha casa! MAGDALENA (como a bruxa de Branca de Neve em frente ao caldeirão) Olho do acalanto, Rabo de taturana. Depois desse encanto, Viverás todas as vidas, Da rainha à mundana. O palco, seu único refúgio Como o navio para o marujo Como a garrafa para o breaco Evoé, Baco A eloquência, um portento O humor ao sabor do vento O ego, um gigante Entre todas as criaturas Será a mais falante. Para ser atriz Não há lógica nem explicação! Praga de parteira Ou maldição dessa feiticeira! (Magdalena, ajudada por Estúpido, obriga Laura a beber a poção. Magdalena gargalha como uma bruxa) LAURA – Estou me sentindo estranha... MAGDALENA – Esse feitiço te pega. É só uma questão de tempo. LAURA – Socorro! MAGDALENA – Calma, não grite, ou vai estragar sua voz. Pensa que estou brincando? Estúpido, dê o contrato a Laura. (como comandante nazista) Schnell! Schnell! ESTúPIDO (com sotaque alemão) – Para já, Herr coronel! MAGDALENA – Leia com calma, especialmente a cláusula da multa rescisória. Depois, não vou aceitar reclamação. Faço questão de formalizar nossa relação. Chega de amadorismo! LAURA (ainda amarrada, lendo) – O salário é decente! MAGDALENA – Não só o salário... Pense no glamour, nas festas, nos fotógrafos, nos autógrafos... Laura, Laura... Lembre-se do chato em frente à televisão, mandando você calar a boca... LAURA (Ainda amarrada, virando a pagina com dificuldade. Lendo o contrato) – Aqui diz que estrearemos no Teatro Municipal em seis meses! MAGDALENA – Isso mesmo, querida! As datas já estão reservadas. Isso é só o começo, minha jovem. A partir de hoje, você mora aqui, em minha casa. Serão muitos meses de dedicação total. Há anos procuro por você... Uma pedra preciosa bruta a ser lapidada. ESTúPIDO – Dilapidada! MAGDALENA (para Estúpido) – Hoje você está especialmente inconveniente! ESTúPIDO – A senhora sabe elogiar... MAGDALENA (para Laura) – Vamos menina, assine logo, antes que eu mude de ideia... ESTúPIDO (pondo contrato e caneta ao alcance das mãos de Laura) – Assine... Assine... MAGDALENA – Assine... Assine... LAURA – Não vou assinar nada! Para mim, chega! Quero ir embora. ESTúPIDO (como Quasímodo) – Sempre me emociono em despedidas... Sempre... Sempre. MAGDALENA – Laura, você fica. Seu lugar é aqui! ESTúPIDO – Sempre me emociono com reencontros... Sempre... Quase sempre! MAGDALENA – Estrupício, leve-a. ESTúPIDO – Perfeitamente, Rainha Má! MAGDALENA (para Estúpido) – Me lembre de lhe dar 20 chibatadas por essa brincadeira insolente! LAURA – Espere, Estúpido... Vamos conversar... ESTúPIDO (para Magdalena) – Só 20, Capitão Gancho? LAURA – Me larga, seu ... MAGDALENA (para Estúpido) – Quarenta! ESTúPIDO (para Magdalena) – Ah, bom... Como sempre! MAGDALENA – Estúpido, leve-a a seus aposentos. ESTúPIDO – Sim, patroazinha. É para já! Queira me acompanhar estrela. LAURA – O que vai fazer comigo? MAGDALENA – O ensaio começa às 6 da manhã. Esteja pronta! Não existe êxito sem esforço, sem ensaio, sem repetição. (em francês) Vive la répétition! ESTúPIDO – Vive la répétition! MAGDALENA – Estúpido tocará a alvorada às 6 em ponto. Boa noite a todos. Podem se recolher. (Estúpido leva Laura para dentro, assobiando tema de O Vampiro de Düsseldorf, filme de Fritz Lang. Laura protesta.) MAGDALENA (tranca-os) – Não, não é fácil montar uma companhia de teatro. Aliás, como é difícil montar uma companhia boa... Não como essas porcarias que há por aí... Que dia cansativo, meu Deus! Acho que vou ao teatro tentar me divertir. Eu sei que é inútil: minha sina é rir nas tragédias e chorar nas comédias. Paciência, Magdalena, paciência! Poucos no mundo têm o seu talento... Releve, releve... Coitados, bem que eles tentam... (Abre o jornal para escolher a peça. Fala o nome de uma peça que esteja em cartaz) Essa me parece a melhorzinha... Vamos lá, Magdalena! (Põe o cachecol. Épica.) Hei de remontar minha companhia, custe o que custar! (como Scarlet em E o Vento Levou) Jamais passarei fome novamente! Eu juro!... (Olha o relógio de ponto) Ah... Que pena! Tarde demais... Não dá mais tempo... (Aliviada) Ainda bem... Melhor assim, detesto ir ao teatro sozinha. (Encenando uma tragédia) Ah, Antenor! Antenor, mil vezes nefasto! Como pudeste me apunhalar pelas costas? Oh, razão de todo o meu infortúnio! Para o teu delito não há perdão! (Como Jocasta) Pobre de ti!... Que nunca descubras quem és! (Gargalha, volta a ser Magdalena) Por falar nisso... (pega o interfone) Alô, Estúpido... Hoje é dia de festa; pode aparecer como você mesmo, sem personagem... Eu sei que o seu contrato não permite, mas hoje estou lhe dando um salvoconduto por algumas horas. Amanhã tudo volta ao normal... Claro que isso não é truque... Venha despreocupado... Eu sei que é a primeira vez, mas tudo tem sua primeira... Será a primeira e única. Não tenha medo... Vou te levar para jantar fora... Não chore; não estou te perdoando. Não esqueci que você me abandonou, nem que fugiu com a sirigaita, nem que voltou rastejando pedindo para ficar. O que você fez não tem perdão!... Não, seu idiota; não é nenhum tipo de recaída. Perca as esperanças!!!... Apenas quero relembrar quão sem graça e pueril era nosso amor, digo, nosso relacionamento... Venha de Antenor; é uma ordem! (desliga) Antenor, amor: apenas uma rima!... Ah, as ilusões humanas... Como pode um amor real sobreviver quando comparado às paixões dos clássicos?... (destranca a porta por onde Estúpido costuma entrar) Preciso comemorar! Enfim, começa a tomar corpo a Grande Companhia de Repertório Magdalena Vilaverde. A arte no lugar onde deve estar: no topo, sem concessões!!! (Estúpido entra como Antenor de black-tie. Ele tranca a porta atrás de si. Atmosfera de cumplicidade e amor imediatamente se instaura.) MAGDALENA (virando-se e percebendo a presença dele) – Antenor... ANTENOR – Magdalena... (correm um de encontro ao outro e num rodopio se beijam) MAGDALENA – Que saudades... ANTENOR – Nem me diga, parece um sonho... (Magdalena tira o sobretudo e deixa o público ver o lindo vestido de noite que está usando) ANTENOR – Está cada vez mais linda! MAGDALENA – São seus olhos, eu garanto. Depois do acidente, fiquei um trapo. ANTENOR – Não fale assim. Ninguém tem o seu charme. MAGDALENA – Querido... Há quanto tempo... Por que não veio antes? ANTENOR – Compromissos de trabalho, meu amor. Não faço outra coisa senão trabalhar. MAGDALENA – Claro... Entendo... O show tem de continuar. ANTENOR – Vamos, não podemos perder tempo. Quem sabe quando teremos uma oportunidade como esta? MAGDALENA – Você tem razão... Aproveitar cada momento como se fosse o último – Isso aprendi com você. ANTENOR – A noite é nossa. Reservei dois lugares no Spartacus. MAGDALENA – Oh... O meu restaurante preferido... Você lembrou? ANTENOR – Como poderia esquecer? Vamos, a limusine nos espera. (olhando o traje de gala de Magdalena) Não vai sentir frio? MAGDALENA – Você acha? (Antenor tira o paletó do smoking e o coloca sobre o ombro de Magdalena) ANTENOR – Assim está melhor... MAGDALENA – Você é um amor... Me paparica muito. Já tinha me desacostumado. ANTENOR – É pouco para a primeira-dama do nosso teatro... MAGDALENA – Que bobagem, quem dera... ANTENOR – É a pura verdade... E tem que ser dita. MAGDALENA – É maravilhoso quando você diz... Conte-me: como vai aquele seu projeto? ANTENOR – Dá trabalho, mas estou muito animado... MAGDALENA – Não diga! ANTENOR – E você, Magdalena? Quero saber de você, meu amor. Quais são as novas? MAGDALENA – Ah, querido... Finalmente estou conseguindo remontar minha companhia. ANTENOR – Isso é ótimo! No jantar você vai me contar tudo... (vão saindo de braços dados) MAGDALENA – Estamos muito no começo, mas a menina promete... Precisamos agora arrumar um jovem galã... ANTENOR – Não será difícil... MAGDALENA – É certo que não... Melhor levar um guarda-chuva... (Antenor pega o guarda-chuva que pertencia a Laura. Eles saem.) Cai o pano *As cenas dos filmes encenados duram no máximo três minutos cada uma. Os filmes podem ser substituídos, desde que se mantenha o espírito das cenas: musical, amor platônico, amor consumado, super-herói e rapto. Todos os recursos técnicos para que o público se sinta no cinema são desejados: um fotograma da cena de cada filme deve ser projetado no telão que faz o fun-do do cenário. Faz-se, assim, o contraponto com as cenas teatrais “brancas” entre Magdalena, Laura e Estúpido. Textículos Textículos Textos minúsculos para teatro Os textos a seguir foram reunidos no espetáculo Textículos – Textos Minúsculos para Teatro encenado em 2006 e 2007 no N.Ex.T – Núcleo Experimental de Teatro Ficha técnica Texto: Antonio Rocco. Direção: Antonio Rocco e Fábio Saltini. Elenco: Antonio Destro/ Javert Monteiro, Daniela Casteline/ Lulu Pavarin, Elam Lima, Fernanda Chiminazo, Gabriela Scarcelli, Ivan Capúa. Preparação corporal: Helena Ciampolini Produção: N.Ex.T. Cenografia: Antonio Rocco. Figurinos: Tereza Monteiro. Luz e cenotécnica: Ivan Fagundes. Trilha: Tonica. Fotos: Antonio Rocco. Textos Olho por Olho – Peça em cena desolada Te Conheço – Peça em um reconhecimento e meio Na Faixa – Peça em um ciclo Mera Coincidência – Peça em um átimo Radicais Livres – Cena em uma peça Desejo – Peça em 14 andares e 1 mezanino A Escalada – Peça nas alturas Olho por Olho Olho por Olho Peça em cena desolada Personagens Caetano Wilma – Esposa de Caetano. Cenário Casa destruída por um furacão. O teto e a parede já foram sugados. Noite de terrível tempestade. Sopram ventos de duzentos quilômetros por hora. Caetano e Wilma, em lados opostos do palco, tentam se segurar no que é possível. De repente, vem a calmaria. WILMA – Caetano, estamos salvos! (Wilma corre em direção a Caetano e o abraça) WILMA – Graças a Deus, meu amor! (Caetano, sem entusiasmo, apenas retribui o abraço) WILMA – Pensei que era nosso fim... Conseguimos... Conseguimos! CAETANO – Não, Wilma... Não conseguimos. (Wilma se separa de Caetano) WILMA – O quê? Como não conseguimos? A casa que se dane! Ficamos sem teto, sem parede, sem nada... E daí? Construímos outra. O importante é que estamos vivos e juntos! CAETANO – Ele vai voltar... WILMA – Quem vai voltar? CAETANO – O furacão... O furacão vai voltar. WILMA – Não, não vai voltar. Amor, ele se foi e nós ficamos! CAETANO – O olho. WILMA – O olho? CAETANO – É só o olho. WILMA – O que tem o seu olho? Machucou? CAETANO – Estamos no olho do furacão. Essa calmaria é só o olho do furacão. Em menos de cinco minutos, ele volta. WILMA – Não! Não volta! CAETANO – Não adianta fugir. Não temos para onde ir nem onde nos esconder. WILMA – (Do Céu ao inferno) Não é possível. Isso não pode estar acontecendo! CAETANO – Só nos resta esperar e morrer com dignidade. WILMA – Morrer com dignidade? Você enlouqueceu. Nada mais indigno que a morte! (Caetano se ajoelha e começa a rezar) WILMA – Caetano, pelo amor de Deus, levanta. (Wilma vai até ele. Tenta puxá-lo para que fique em pé) WILMA – Você não pode se entregar. Não pode morrer sem lutar. Vamos procurar um abrigo. Vamos... CAETANO – Wilma, não adianta! Olhe em volta: não sobrou nada. WILMA – Eu não vou ficar aqui, esperando o furacão voltar... CAETANO – Espera! WILMA – (Ajoelha-se à frente de Caetano) Meu amor, vamos! Levanta! Rápido! Aqui não temos nenhuma chance. CAETANO – Escuta! Preciso te confessar uma coisa. WILMA – Não quero ouvir sua confissão... CAETANO – Eu preciso; não quero levar isso para o túmulo. WILMA – Para! Nós não vamos morrer! CAETANO – Casei com você por causa do seu dinheiro! WILMA – O quê? CAETANO – Isso mesmo que você ouviu... Casei com você por interesse, só pelo seu dinheiro... Sempre achei você horrível! Era um sofrimento para mim, cada vez que você tirava a roupa. Deus sabe o esforço que eu fiz para conseguir transar com você, Wilma... Pensava na sua irmã... Fechava os olhos e me concentrava na sua prima, na sua amiga Carmem. Você sempre me deu nojo! Tua cara de lontra!... Tuas estrias... Tua celulite!... Perdi a conta de quantas vezes te traí!... Como te ridicularizei, bebendo champanhe, com minhas amantes. Rindo de você às suas custas. WILMA – Com a minha irmã... CAETANO – E com tua prima, com a Carmem, a Lúcia, a Tânia, Renata, Sandra, Isabela, Cristina... WILMA – Canalha! CAETANO – Sim, eu fui... Sei que fui um verme!... Mas agora, Wilma... Só agora, que a morte é inevitável, compreendi a tua beleza. Como fui imbecil por todos esses anos, como desperdicei o carinho da única pessoa que me amou de verdade nesta minha maldita vida!... Me perdoa, eu te imploro! WILMA – De que te adianta meu perdão? CAETANO – Tudo! Adianta mais do que tudo!... Vou te fazer um último pedido... Quero fazer amor com você de verdade, com você, Wilma. Morrer com você, dentro de você. Quero ser seu para sempre. Você é uma mulher maravilhosa... Eu te amo... (Caetano começa a beijar Wilma, que fica imóvel. Aos poucos, vai respondendo às carícias e aos beijos do marido. Logo estão tirando as roupas e transam desesperadamente, como se fosse a última vez. Durante a transa, Wilma xinga o marido dos nomes mais tenebrosos; ele gosta e responde na mesma moeda! Logo após o sexo selvagem, dormem abraçados. Amanheceu! Um galo entra em cena, canta um pouco grogue, dá um rodopio e cai morto! Wilma acorda, se levanta, olha em volta) WILMA – Olho do furacão porra nenhuma!... Estou viva! Viva! (Wilma sai de cena andando como se o marido não existisse. Caetano continua dormindo) Cai o pano Te Conheço Te Conheço Peça em um reconhecimento e meio Personagens Carla – 25 anos, convidada. Demétrio – 40 anos, marido de Carla. Borges – Convidado bêbado. Cenário Salão onde acontece uma festa de casamento. Carla está sozinha, Borges chega e puxa assunto. BORGES – Te conheço! CARLA – Perdão? BORGES – Te conheço. Juro que te conheço! CARLA – Acho que não. BORGES – Não? Te conheço, sim, tenho certeza! CARLA – Duvido. BORGES – Só não estou ligando a fisionomia ao nome... CARLA – Acho que o senhor está enganado. BORGES – Sheila! Isso! Sheila, claro. (Abraça Carla) Sheila, minha querida! CARLA – (Se desvencilhando de Borges) Meu senhor, meu nome não é Sheila. Com licença... BORGES – Claro que não. Sheila era teu nome de guerra. CARLA – Guerra? BORGES – Espera aí, Sheilinha... Vai me dizer que não está me reconhecendo? CARLA – (Envergonhada) O senhor quer parar de gritar? BORGES – Quem tá gritando? Sheilinha, que saudades! Quanto tempo, querida! Desde os tempos da boate Kilt. Que show que você fazia, que show! Aquele striptease com o guarda-chuva era maravilhoso. Insuperável! CARLA – O senhor está me confundindo com outra pessoa. Com licença... (Quando Carla vai saindo, Borges a segura) CARLA – Larga o meu braço; está me machucando. BORGES – Sheila, nunca vou esquecer! Você sempre foi a mais gostosa de toda a putaria. E, pelo que vejo, continua em forma. (Ele dá um tapa na bunda de Carla) CARLA – Qual o seu nome?! BORGES – Borges! Nelson Borges! Lembrou? CARLA – Seu Borges, o senhor está enganado. Meu marido está para chegar e... BORGES – Você casou? CARLA – Casei. BORGES – Largou a lida? Parabéns! Não são todas que conseguem. CARLA – Sua mãe conseguiu! BORGES – Nossa, te contei da minha mãe? Não lembrava... Então ficamos íntimos, mesmo. CARLA – Ficamos, ficamos, sim. Muito íntimos. BORGES – Pensei que só tinha te comido umas duas vezes. CARLA – Foram só duas vezes, mesmo. A última vez você me pediu para enfiar aquele consolo no seu cu. Eu ia enfiando e você pedia mais. Chegou até o talo do tarugão, lembra? Daí, agradecido, você me contou que sua mãe tinha sido puta e que você gostava mesmo era de “fio-terra”, lembrou? BORGES – Puxa, disso eu não me lembro. Eu nunca disse isso. CARLA – Disse! Disse, sim. Me contou outras coisas também. Quer que eu te refresque a memória? BORGES – Não!... Não era eu; você está se confundindo. CARLA – Como não, Borges? Não é esse o seu nome? BORGES – É. CARLA – Então... O famoso Borges engolemastro, lá da boate Kilt. BORGES – Deve ser outro Borges... CARLA – Não, era você mesmo. Vem cá, que eu quero te apresentar para alguns amigos. BORGES – Não... Deixa pra lá, outra hora. Acho que você não é a Sheila. CARLA – Espera aí! O Paulão ia adorar te conhecer! Vem comigo. BORGES – Me enganei... Deixa pra lá. Dá licença... CARLA – Toda. (Borges sai, chega Demétrio com dois copos de champanhe) DEMÉTRIO – Está aqui, meu amor. CARLA – Demétrio, onde é que você se meteu? DEMÉTRIO – Onde você acha, Carla? Fui pegar champanhe pra você. CARLA – Demorou horas! DEMÉTRIO – Dois minutos, Carla! CARLA – Nunca está perto quando eu preciso! DEMÉTRIO – Ei, calma! Tá maluca? O que foi que aconteceu? CARLA – Nada... Dá licença; vou tomar um ar. DEMÉTRIO – Que é isso, meu amor? CARLA – Vai passear por aí, vai! Sonso! (Carla sai) DEMÉTRIO – Que puta! Cai o pano Na Faixa Na Faixa Peça em um ciclo Personagens Luísa Carlos – Ex-namorado de Luísa. Malabarista de farol Cenário Faixa de pedestres de uma avenida movimentada. O sinal está vermelho para os carros. Um malabarista faz evoluções. Luísa e Carlos caminham em direções opostas. Eles se cruzam no meio da via pública, sobre a faixa. Luísa finge que não vê Carlos, mas ele volta e a cerca. CARLOS – Luísa. LUÍSA – Carlos?! CARLOS – Não conhece mais os amigos? LUÍSA – Não tinha te visto. Tudo bem? CARLOS – Tudo, e com você? LUÍSA – Bem, obrigada. CARLOS – Saudades, Luísa? LUÍSA – Claro, e você, Carlos? CARLOS – Morrendo. LUÍSA – Legal te ver. A gente se fala. CARLOS – Peraí, calma. LUÍSA – Não sei se você percebeu, mas estamos no meio da rua. CARLOS – Sim, claro. Vamos até a calçada. Vem comigo. (Tenta levá-la para a calçada à qual ele se dirigia) LUÍSA – Estou superatrasada. CARLOS – Um segundo... LUÍSA – Estou indo pra lá. CARLOS – E eu, pra lá! LUÍSA – Pois é... CARLOS – Então, vem... LUÍSA – Vem você; não posso voltar. CARLOS – Já vai começar? LUÍSA – Começar o quê? CARLOS – Essa história de nunca ceder em nada. LUÍSA – Eu? CARLOS – É, você. LUÍSA – Não vem, não. O cabeça-dura, aqui, é você! CARLOS – Até parece. LUÍSA – Tudo bem, então vamos. Vem comigo. CARLOS – Voltar praquele lado? Nunca! LUÍSA – Tá vendo? Já vou indo. CARLOS – Um café? LUÍSA – Não posso. CARLOS – Por favor. LUÍSA – Só se for por ali, no caminho. CARLOS – Luísa, você tá querendo me provocar. LUÍSA – De jeito nenhum. Dá licença? (Malabarista recolhe os malabares e sai de cena) CARLOS – De jeito nenhum. Por aqui você não passa. LUÍSA – Abriu o sinal! CARLOS – Dane-se. LUÍSA – Carlos, você tá louco. CARLOS – Completamente! Louco por você! LUÍSA – Pirou! (Carro passa pela esquerda e buzina) CARLOS – (Para o motorista) Vai te catar, filha da puta! LUÍSA – Carlos, olha onde você me meteu. (Grita) Socorro! CARLOS – Calma, não vai acontecer nada. Olha pra mim! LUÍSA – O que você quer? CARLOS – Quero você, quero você de volta. Eu te amo! (Carro passa pela esquerda buzinando) LUÍSA – Não acredito! CARLOS – Juro! Te amo! Te amo! LUÍSA – Não acredito que estou aqui, presa no meio da rua... Carlos, não dá mais. Acabou! Vê se entende: acabou! CARLOS – (Olhando para a plateia, apavorado) Acabou mesmo! (Os dois se abraçam e gritam. Um caminhão passa por cima deles) Cai o pano Mera Coincidência Mera Coincidência Drama em um átimo Personagens Berenice Roberto – Ex-marido de Berenice. Policial Cenário Rua escura de subúrbio. A cena é iluminada apenas pela lâmpada de um poste distante. Roberto está em cena. Chega Berenice. BERENICE – Roberto?! Nossa! Que coincidência! Você é a última pessoa que eu esperava encontrar aqui. O que você está fazendo neste fim de mundo? (Roberto nada fala; apenas olha assustado para o público, como quem diz: “Quem é esta louca?”) BERENICE – Ah, é o seu caminho pra casa. É mesmo, você trabalha aqui perto. Onde você está morando? (Roberto continua sem entender nada) BERENICE – Logo aqui na rua de trás, que ótimo!... Eu continuo morando no mesmo lugar, lembra? Claro que lembra; a gente morou tanto tempo juntos... Foi bom te ver, já estava com saudades. Já faz quase um ano, né? Ouvi dizer que você vai muito bem. Casou de novo... Que bom pra você. Depois que nós nos separamos, ainda não encontrei ninguém que me interessasse de verdade. Sabe como é... Um casinho aqui, outro ali, mas nada de sério. Tudo bem, eu estou feliz; é isso o que importa! (Pequena pausa) BERENICE – O que eu estou fazendo aqui? Pois é, você não vai acreditar: eu estava indo visitar minha tia Alzira. (Pequena pausa) BERENICE – Tia Alzira... Você conhece! Aquela meio surda, que todo Natal ela mandava um panetone pra gente, lembra? (Pequena pausa) BERENICE – Não!... Não faz mal. Pois, então: estava indo pra casa dela e meu carro quebrou aqui perto. Estou esperando um táxi faz meia hora, mas ainda não apareceu nenhum. Essa rua é meio deserta, né? (Pequena pausa. Roberto continua só olhando para Berenice. Parece que quer falar, mas não pode; quer fugir, mas não consegue) BERENICE – Não! Não, obrigada; não quero ir pra sua casa. Não, sua mulher não iria gostar. Sabe como é: você chegar com sua ex-esposa, assim, de uma hora pra outra... Não, ela não iria gostar, tenho certeza. Fica pra próxima. (Pequena pausa) BERENICE – Você tá pouco ligando! Mas por quê, Roberto? (Pequena pausa) BERENICE – Sua vida tá um inferno!? Não diga!... Ela é uma pentelha! Você não aguenta mais sua mulher. Que pena, Roberto! (Pequena pausa) BERENICE – Ainda por cima, você foi despedido hoje! Não acredito! Coitadinho do meu Roberto!... Não faz mal. Cabeça erguida, que essa fase passa logo. (Pequena pausa) BERENICE – O quê? Você está pensando em se matar! Pelo amor de Deus, que bobagem! Tire isso da cabeça! (Roberto se afasta um pouco. Seus movimentos são estranhos, como se não comandasse as próprias ações, como um boneco de marionete) BERENICE – Roberto, aonde você vai? Volta aqui! (Ele saca um revólver e o aponta para a própria fronte) BERENICE – Roberto, que revólver é esse?! Larga isso, pelo amor de Deus! Roberto, NÃO! (Roberto dispara a arma. Antes de cair morto, porém, joga o revólver para Berenice. Ela, agora com a arma na mão, observa Roberto caído, morto. Entra um policial e a segura pelo braço) BERENICE – (Desesperada, fala para o público) Eu juro, foi isso o que aconteceu! Eu não matei ninguém!! Eu amava esse homem!!! (O policial leva Berenice presa. Saem de cena, com Berenice repetindo as suas últimas falas. Ouve-se o som da sirene de um carro de polícia, que vai se afastando rapidamente) Cai o pano Radicais Livres Radicais Livres Cena em uma peça Personagens Lenine – 20 anos Olga – 18 anos Cenário Rua. Som de passeata estudantil. Lenine vem carregando um estandarte com o dizer “SIM”. Olga, em sentido contrário, vem carregando um estandarte com o dizer “NÃO”. Depois de um encontrão, as placas de ambos caem no chão. LENINE – Desculpe, não te vi. (Lenine pega as placas e percebe que Olga é uma adversária política). LENINE – Você vai votar “não”? OLGA – (Pega a placa da mão dele e lhe mostra o SIM) LENINE – Você tá convencida? OLGA – (Mostra o SIM) LENINE – Tem alguma coisa que eu possa dizer pra você mudar de ideia? OLGA – (Pega a placa da mão dele e mostra o NÃO) LENINE – Saquei!... Você é muda? OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – Não quer conversar? OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – O que isso, companheira? Conversando que a gente se entende. A poesia do contraditório. Tese, antítese e síntese... Sacou? OLGA – (Mostra o SIM) LENINE – Eu também não concordo com esse plebiscito. Palhaçada! Esquece esse troço. Vamos só conversar, trocar umas ideias. OLGA – (Mostra o SIM) LENINE – Legal! Qual o teu nome? OLGA – Olga. LENINE – Olga... Demais! Homenagem a Olga Benário. Tudo de bom! OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – Como não? OLGA – Minha avó se chamava Olga. LENINE – Sei... Eu sou o Lenine e meu avô não chamava Lenine. Entendeu? OLGA – Sei. LENINE – Legal... O que você faz? OLGA – Estudo. LENINE – Olga, você não é de desperdiçar pa lavras. OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – Estuda o quê? OLGA – Letras na Federal. LENINE – Nossa, eu também! Como não te co nheço? OLGA – Estamos há seis meses em greve. LENINE – Verdade. E você nem aparece por lá pra ver os amigos, levar um lero, jogar conversa fora? OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – É... Jogar conversa fora... Claro que não. OLGA – Estou aproveitando para trabalhar. LENINE – Legal, também tava precisando ganhar uns trocos. Tá sobrando vaga lá no seu trampo? OLGA – (Mostra o NÃO). LENINE – Pena!... Quer dizer, então, Olga, que você vai votar “não”? OLGA – (Mostra o SIM) LENINE – Quer discutir as implicações...? OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – Pena!... Vai ver que você até me con vencia. Quer tentar? OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – Você tem razão; esse plebiscito é uma bosta. Não, não me entenda mal... Acho que a democracia direta tá com tudo. Tem mais é que consultar o povo, mesmo. São os caras no Congresso que não sabem usar a coisa. Gente despreparada... Só tem ladrão, você não acha? OLGA – (Mostra o SIM) LENINE – Você concordou comigo, nem acredito. Olha, Olga, te achei uma gatinha. Vamos tomar uma cerveja num boteco de um amigo meu? É aqui pertinho. O cara é massa! OLGA – (Mostra o NÃO) LENINE – Pô... Pena... Mas valeu. Então, te vejo na faculdade... Quando acabar a greve. Sei lá quando vai ser isso. Os únicos que percebem que a universidade tá em greve somos nós mesmos. Ninguém tá nem aí... (Lenine, inadvertidamente, pega a placa NÃO.) LENINE – Então, tchau! OLGA – Tchau! (Eles vão se distanciando) LENINE – Ei, nós trocamos de placa. Que doideira, nós tamos muito loucos! Num é que o bagulho era poderoso? (Eles trocam as placas. Trocam um sorriso) LENINE – Olga, gostei de você! Fala pouco, mas dá pra ver que é inteligente. Mata minha curiosidade, gata: por que você vai votar NÃO? OLGA – Eu vou votar NÃO só porque naquela maldita maquininha de votação não vai ter a alternativa “nunca”, “jamais”, “nem fodendo”! Sacou?! (Olga vira-se e sai andando) LENINE – (Fica um pouco desconcertado com a veemência de Olga) Saquei... Legal! Valeu... Até mais... (Olga sai de cena) LENINE – Mina radical! Cai o pano Desejo Desejo Peça em 14 andares e 1 mezanino Personagens Lúcio Márcia Carmem – Esposa de Lúcio Porteiro Zé Cenário Hall de entrada de um edifício residencial. Durante a cena, ouvem-se os barulhos característicos de um elevador antigo. Lúcio está esperando pelo elevador. O elevador para no hall e Lúcio entra na cabine. Márcia chega ao hall pouco depois e grita. MÁRCIA – Sobe?! (Lúcio segura a porta para que ela entre.) LúCIO – (Maliciosamente) Claro que sobe. MÁRCIA – (Séria) Boa-noite. LúCIO – Boa-noite. Tudo bem? MÁRCIA – Tudo. Tudo ótimo e você? LúCIO – Vai se indo. (Márcia aperta o botão do seu andar. A porta se fecha. O elevador sobe) MÁRCIA – Você mora aqui faz tempo, né? LúCIO – Cinco anos e você? MÁRCIA – Quatro. LúCIO – A gente não se vê muito... Nossos ho rários não batem. MÁRCIA – É... Qual seu nome, mesmo? LúCIO – Lúcio, e o seu? MÁRCIA – Márcia... Márcia Arroios Montalban Pedrosa Deleuze. LúCIO – Puxa, quantos nomes! MÁRCIA – Parece até piada... Nunca me serviram para nada... LúCIO – Deve ser duro de preencher formulário. MÁRCIA – Se fosse só isso... LúCIO – Que cabeça a minha! Esqueci de apertar o botão, passei do meu andar. MÁRCIA – Não faz mal, vamos passear um pouco. Espero que minha companhia não esteja sendo desagradável. LúCIO – De jeito nenhum... É bom conhecer os vizinhos. MÁRCIA – Você me acha atraente? LúCIO – O quê? MÁRCIA – Perguntei se você me acha atraente, gostosa! (Lúcio fica surpreso e mudo. Márcia aperta o botão de emergência e para o elevador entre dois andares) LúCIO – Por que você apertou o botão de emergência? MÁRCIA – Por que isso é uma emergência! Você me perguntou se eu estava bem! LúCIO – Perguntei? MÁRCIA – Perguntou, sim; não lembra? Quando entrei no elevador, você disse: “Oi, tudo bem?”. Não é possível que já tenha esquecido! LúCIO – Ah, sim, é verdade. MÁRCIA – Pois então... Eu menti. Não está tudo bem...Agora,resolvitecontaraverdadecomcalma. LúCIO – Sei... MÁRCIA – Você não respondeu à minha pergunta. LúCIO – Qual pergunta? MÁRCIA – Você me acha gostosa? LúCIO – Sim! MÁRCIA – Não venha com esse “sim”. Quero saber se você, Lúcio, me deseja. Se já sonhou comigo. LúCIO – Sonhar acho que não... Não que me lem bre. Márcia... Você é uma mulher superbonita... MÁRCIA – Sabe há quanto tempo eu não dou um beijo na boca? LúCIO – Não... MÁRCIA – Há quase seis meses! Cinco meses, vinte dias e doze horas. Você acha isso normal, Lúcio? LúCIO – Bem... MÁRCIA – Será que você não pode ser direto? Responda às minhas perguntas de maneira simples, sem rodeios. LúCIO – Vou tentar... Um pouco esquisita... MÁRCIA – Está me chamando de esquisita? LúCIO – Não, o que é isso?! A pergunta é esquisita, não você. Uma mulher bonita, assim como você, deveria beijar mais frequentemente. Estou certo disso! É um desperdício... MÁRCIA – É isso que tem sido a minha vida, Lúcio: um desperdício. (Ouve-se o barulho de gente batendo na porta dos andares, reclamam da demora) LúCIO – Márcia, estão batendo. Acho melhor a gente liberar o elevador. MÁRCIA – De jeito nenhum. Eu pago condomínio como todo mundo e uso pouquíssimo esse elevador. Agora é minha vez. Que batam à vontade! LúCIO – Você não quer conversar na... MÁRCIA – Não! Este é o lugar e a hora certa. Me dá um beijo! LúCIO – Não sei o que minha mulher vai achar disso. MÁRCIA – Não vai achar nunca, nem que fique procurando. (Márcia agarra Lúcio e eles se beijam longamente) MÁRCIA – Então... Gostou? LúCIO – Gostei. MÁRCIA – Te deu outras ideias? LúCIO – Deu muitas ideias. (Ouve-se o barulho de gente batendo na porta dos andares, reclamam da demora) LúCIO – Estão batendo, é melhor... MÁRCIA – Você não respondeu... Quais ideias vieram na sua cabeça? (Ouve-se o interfone. Lúcio atende. Em outro foco de luz, o porteiro Zé aparece) PORTEIRO – Alô, alô... Tem alguém aí? LúCIO – Fala, Zé! É o Lúcio do setenta e um. MÁRCIA – Junto com a Márcia do cento e quarenta e um. PORTEIRO – Ah, sei... Boa-noite. Aconteceu alguma coisa? Estão reclamando porque o elevador tá parado. LúCIO – É... Parece algum tipo de pane. Travou. Estamos presos. PORTEIRO – Não precisa ficar nervoso, não, senhor. Acalme dona Márcia, que já vou chamar a assistência técnica. LúCIO – Obrigado, Zé. Está tudo sob controle. PORTEIRO – Ótimo! Fiquem em paz. Em uns minutinhos eles aparecem. MÁRCIA – Tomara que levem uma hora! PORTEIRO – O quê? LúCIO – Nada, Zé. Chama logo os homens! PORTEIRO – É pra já! (Lúcio desliga o interfone) MÁRCIA – Por que você mentiu? LúCIO – Queria que eu falasse que você parou o elevador de propósito? MÁRCIA – Não sobre isso. Por que você disse que estava tudo sob controle? Você não me acha uma mulher capaz de te fazer perder o controle, perder o juízo? LúCIO – Talvez em outra situação, sim. Com certeza! Mas aqui, no elevador do prédio... MÁRCIA – Isso é o que vamos ver... (Márcia tira a roupa e fica só de lingerie) LúCIO – Márcia, pelo amor de Deus, você ficou louca? MÁRCIA – Louca é a palavra! Aproveita que é só hoje! (Márcia agarra Lúcio e lhe dá um longo beijo. Carmem, esposa de Lúcio, chega esbaforida, depois de subir sete lances de escada, grita do hall e interrompe o beijo) CARMEM – Lúcio, você está aí? LúCIO – Oi, querida. O elevador encrencou. CARMEM – Eu sei, querido; o Zé me avisou. Você está sozinho? MÁRCIA – Não, eu também dei azar. Sou a Márcia do cento e quarenta e um. CARMEM – Oi, Márcia. Tudo bem aí? MÁRCIA – Bem nada, sou claustrofóbica. Estou com falta de ar. CARMEM – Não se preocupe, Márcia... O Lúcio cuida de você. MÁRCIA – (Ofegante, se esfregando em Lúcio) Ainda bem que ele está aqui! (Lúcio pega o interfone. Márcia vai abrindo a camisa de Lúcio e lhe dando beijinhos e mordiscadas) LúCIO – Alô, Zé... PORTEIRO – Pois não, doutor Lúcio. LúCIO – E então? PORTEIRO – Olhe, já falei com os homens. Dis seram que tem muita chamada. Vai demorar uma hora. LúCIO – Uma hora?! MÁRCIA – Uma hora! LúCIO – Zé, você não tem aquela chave que abre a porta dos pavimentos? CARMEM – Tá tudo bem aí? LúCIO – Tá, querida... Na medida do possível. PORTEIRO – Tem a chavinha, sim, mas o “sínico” não quer que use, proibiu. Disse que é muito perigoso. LúCIO – Dane-se o síndico. Venha tirar a gente daqui, eu assumo a responsabilidade. PORTEIRO – Eu bem que queria, doutor Lúcio, mas estou sozinho. Não posso deixar a portaria sem ninguém. (Márcia está de joelhos desafivelando o cinto de Lúcio) LúCIO – Para com isso! (Ele dá um empurrão em Márcia) MÁRCIA – Filho da puta! PORTEIRO – Aconteceu alguma coisa? CARMEM – Lúcio, o que foi isso? LúCIO – Nada, querida. A Márcia está passando mal. (Para o porteiro, fala alto para a esposa ouvir) Zé, estou mandando minha mulher aí, ela fica na portaria e você vem nos soltar, ok? PORTEIRO – Se o doutor se responsabiliza... LúCIO – Deixa comigo, ela já vai aí! (Desliga o interfone. Para a esposa) Você ouviu, amor? CARMEM – Ouvi. Já estou indo. LúCIO – Ótimo, querida. Rápido, que a vizinha não está nada bem. CARMEM – Já fui! (Carmem sai do hall e simula descer as escadas correndo em círculos) MÁRCIA – Filho da puta, você me empurrou! LúCIO – Márcia, escuta: você é linda, é um tesão, sempre admirei sua bunda a distância. Juro! Mas assim não dá. O desejo não existe sozinho, tem que ter uma paisagem. Se fosse em outras circunstâncias... (Os dois se recompõem) MÁRCIA – Outras circunstâncias? Babaca, boiola, bunda-mole, mané... Você estragou tudo... Perdeu sua chance. (Márcia aperta um botão e põe para funcionar o elevador, que sobe mais um andar e para. Ela abre a porta e sai) MÁRCIA – Tchau, broxa! LúCIO – Tchau, louca... Histérica. (Lúcio aperta o botão, e o elevador começa a descer. A trilha sonora mostra seu estado de espírito. Chegando ao térreo, abre a porta e dá com sua mulher, ofegante, indo falar com o porteiro) LúCIO – Carmem! Funcionou... CARMEM – Graças a Deus! E a Márcia? LúCIO – Já ficou no andar dela. CARMEM – Que bom! Vou avisar o Zé. LúCIO – Esquece o Zé! CARMEM – O quê? (Lúcio puxa Carmem para dentro do elevador, aperta o botão e começam a subir) CARMEM – Lúcio, o que é isso? Ficou louco? LúCIO – Fiquei! Louco é a palavra! (Pressiona o botão de emergência, o elevador para no meio dos andares. Lúcio começa a arrancar a roupa da esposa) CARMEM – Lúcio! Aqui não... Tô cansada... Subi sete andares e desci 14... Lúcio! Cai o pano A Escalada A Escalada Peça nas alturas Personagens Tonhão – 40 anos, dentista. Primeiro da fila. Daniela – 28 anos, advogada. Segunda da fila. Lima – 23 anos, estudante de Direito. Terceiro da fila. Fernanda – 23 anos, estudante de Direito. Namorada de Lima. Quarta da fila. Gabriela – 25 anos, médica. Amiga de Daniela. Quinta da fila. Fonseca – 40 anos, professor. Sexto da fila. Cenário Paredão rochoso da Pedra do Baú. Corrida de aventura. A equipe está escalando a encosta. Estão a duzentos metros de altura. Sobem por grampos cravados na rocha. Estão amarrados uns aos outros por uma corda. FONSECA – (Para Gabriela) Gabi, meu relógio já era. Que horas são? GABRIELA – Meio-dia... Cinco para o meio-dia. O sol tá com tudo. FONSECA – Calor dos infernos. Meio-dia! Não é à toa que eu tô varado de fome. DANIELA – O que houve, Tonhão? Empacou? TONHÃO – (Paralisado de medo) Empaquei! DANIELA – Então vamos? Tem outra equipe no nosso calcanhar. Vamos embora! TONHÃO – Não posso... FERNANDA – (Para Lima) Amor, por que a gen te parou? Lima – Não sei, coração. Vou perguntar. Daniela, por que paramos? DANIELA – Ainda não sei. Tonhão, como é que é? É pra hoje? TONHÃO – Tá faltando grampo. DANIELA – Lima, tá faltando grampo. Lima – (Para Fernanda) Amor, tá faltando gram po. FERNANDA – Ih, bebezinho, e agora? Lima – Não se preocupa, neneca. A gente dá um jeito. FERNANDA – Putz, Gabi, tá faltando grampo. FONSECA – (Para Gabriela) Como é que é? Vai ou não vai? GABRIELA – Paramos porque está faltando grampo. FONSECA – E daí? GABRIELA – Sei lá! Só me disseram isso. FONSECA – Pergunta quantos grampos estão faltando. Deve dar para passar. A equipe rosa passou não faz dez minutos... Pergunta! GABRIELA – OK! Fernanda, quantos grampos faltam? FERNANDA – (Para Lima) Amor... Lima – Fala, denguinho. FERNANDA – Quantos grampos faltam? Lima – Ainda não sei, Fezoca. FONSECA – Gabriela, pergunta se dá pra passar, se a situação tá feia. GABRIELA – OK, Fernandinha, dá pra passar ou a situação tá feia? FERNANDA – Peraí; já vou me informar. (Para Lima) Tchutchuco, dá pra passar ou a coisa tá feia? LIMA – Não sei, neném; vou perguntar. (Para Daniela) Dâni, dá pra passar? A situação tá feia? Quantos grampos faltam? DANIELA – Sei lá, cara. O Tonhão não fala. Tá mudo. (Para Tonhão) Tonhão, desembucha, cara! Quantos grampos faltam? TONHÃO – Dois, acho que faltam dois... Dois ou três... DANIELA – Dá um jeito... Vê se dá pra ir pela pedra. TONHÃO – A rampa é invertida! Não vai dar. DANIELA – Claro que dá! Todo mundo passa por aí; nunca ninguém voltou. TONHÃO – Não consigo... Não vou conseguir. LIMA – O que aconteceu? DANIELA – A rampa é invertida e está sem gram po. Tonhão tá com medo. LIMA – Medo? Vamos logo, estamos perdendo tempo. FERNANDA – O que foi, amore? LIMA – Ah, chameguinho, a rampa é invertida. Tá faltando grampo e o Tonhão tá com medo. FONSECA – Que putaria é essa aí em cima? FERNANDA – Gabi, avisa o Fonseca que a rampa é invertida e o Tonhão travou. GABRIELA – Fonseca, a rampa é divertida e o Tonhão travou. FONSECA – Como travou? Se a rampa é divertida, passe por ela sorrindo, ué. (Grita) Vamos embora, gente! Estamos ficando pra trás. Assim a gente só chega amanhã de manhã. FERNANDA – Vamos, pessoal! Tá calor aqui! LIMA – Eu trouxe dois cantis, amor. Quer água? FERNANDA – Você é demais, meu pudinzinho! LIMA – Você é que é, cocadinha... Toma! (Entre ga o cantil a Fernanda). FERNANDA – Obrigada... Te amo! TONHÃO – Acho que não vou conseguir... DANIELA – Vamos, Tonhão! É só um grampinho. Se acalma e vai. TONHÃO – Não dá, você não entende? Tô ficando tonto! DANIELA – Pelo amor de Deus, se segura aí. (Para Lima) Lima, acho melhor a gente voltar. O Tonhão tá passando mal. LIMA – Puta que o pariu!!! Quem foi que convidou esse cara para entrar na nossa equipe? DANIELA – Foi a Gabi, mas agora não é hora de discutir. Melhor voltar! LIMA – Lá se foi nossa prova, merda! FERNANDA – O que foi, ternura? LIMA – (Para Fernanda) O Tonhão tá apavorado. Melhor a gente voltar. FERNANDA – Que pena, fofucho... Você queria tanto ganhar esse desafio. LIMA – Fazer o quê? Avisa o pessoal aí embaixo para dar meia-volta. FERNANDA – Positivo, tchutchuco. (Para Gabriela) Gabi, vamos voltar. Seu amigo Tonhão amarelou. Tá apavorado! GABRIELA – Pô, o Tonhão, é? Não sabia que ele era fraco desse jeito... Melhor voltar mesmo; não aguento mais ficar pendurada. FONSECA – O que tá acontecendo aí em cima, porra?!! GABRIELA – O Tonhão está todo cagado... Quer voltar. FONSECA – Xi... Coitada da Daniela, que tá logo embaixo dele... Alguma coisa sempre pinga. Não volto nem a pau! Não arredo pé. Diz pra esse maricas ir em frente, senão eu vou até lá. GABRIELA – O que é isso, Fonseca? O cara tá mal! FONSECA – Escuta aqui, menininha: não vim aqui a passeio, não, senhora. Estou aqui para ganhar essa prova, ouviu? DANIELA – O que está havendo aí embaixo? Por que ninguém se mexe? LIMA – Sei lá! Tá o maior falatório. DANIELA – Calma, Tonhão... A gente já vai descer. TONHÃO – Minha perna tá bamba; acho que vou vomitar. FONSECA – Avisa lá que eu não vou descer! Quem quiser ir lá pra baixo que pule. GABRIELA – Você tá maluco? FONSECA – Avisa lá, “patricinha de Beverly Hills”, caralho! GABRIELA – Grosso! (Para Fernanda) Fernanda, o Fonseca falou que não vai descer nem a pau. FERNANDA – Como não? GABRIELA – Falou que quer ganhar a prova. Manda o pessoal dar um jeito lá na frente. Ajuda o cara. FERNANDA – Isso vai dar cagada! (Para Lima) Benzuco! LIMA – Fala, Benzuca! FERNANDA – O Fonseca disse que não vai descer nem na porrada. Quer ganhar a competição. LIMA – Eu também quero, mas milagre não posso fazer. O sujeito empacou lá em cima. FERNANDA – Mas o cara tá muito macho aqui embaixo; disse que não desce. LIMA – Só me faltava essa! Um louco em cima e outro embaixo! (Para Fernanda) Fê, avisa o Fonseca que, se ele não descer, vou lá pessoalmente e empurro esse filho da puta! GABRIELA – Vamos, Fonseca, vamos lá. Desce logo! Já não estou aguentando mais ficar aqui parada. FONSECA – Puta que o pariu! É isso que dá montar a equipe de última hora! DANIELA – Ah, meu Deus! Vamos “se” mexer aí embaixo! LIMA – (Para Daniela) O Fonseca falou que não vai descer! FONSECA – Nunca deixei de completar uma prova e não vai ser hoje que vou desistir. DANIELA – Tonhão!... Tonhão, você está bem? TONHÃO – Não, tô péssimo! FERNANDA – (Para Gabriela) Avisa o Fonseca que, se ele não se mexer, o fofucho vai meter a mão nele. GABRIELA – Fonseca! FONSECA – Late! GABRIELA – O Lima falou que, se você não descer, vai te encher de porrada. FONSECA – (Irônico) Ui, que medo! Manda ele se catar. Fala que fedelho rima com pentelho! DANIELA – Tonhão, escuta: o Fonseca falou que não vai descer. TONHÃO – Como não? DANIELA – O cara é louco! Tá querendo ir de qualquer jeito. Vê se você consegue... TONHÃO – Você acha que eu não queria? Tô te falando: (Grita) não consigo!!!! Não consigo!! (Começa a chorar) FERNANDA – Gente, é sério... Eu não tô mais aguentando... GABRIELA – Olha lá, pessoal, que legal: uma águia está nos rodeando. FERNANDA – Gabi, você já viu águia preta? Isso é um urubu! DANIELA – Nossa! Urubu dá um puta azar! TONHÃO – Não fala essa palavra!!! LIMA – Mais azar que ficar aqui parado no meio da pedra com esse puta calor, só se a gente se esborrachar lá embaixo. DANIELA – Vira essa boca pra lá! (Para Tonhão) Tonhão, vamos! Coragem! Ninguém está mais aguentando. TONHÃO – Não enche, não fala comigo! Eu quero descer daqui! FONSECA – Ah, mas assim não dá! Eu vou até lá!... Dá licença, Gabi, vou passar. GABRIELA – Como assim? FONSECA – Vamos dividir esse seu grampo. GABRIELA – Não... Para com isso. FONSECA – Já tô subindo. GABRIELA – Falei que não... (Fonseca abre caminho e divide o grampo com Gabi) FONSECA – Não o quê, menina? Tô tentando resolver a situação; não atrapalha! Desce lá pro meu lugar. GABRIELA – (Descendo um grampo) Você pensa que é o líder da equipe, é? O líder é Lima! FONSECA – Líder é quem toma a iniciativa! (Para Fernanda) Fernanda, dá licença! FERNANDA – Aonde você vai, Fonseca? FONSECA – Você vai ver... (Fonseca abre caminho e divide o grampo com Fernanda) FERNANDA – Fonseca, esse grampo não vai aguentar! FONSECA – Que é isso, Fernandinha? Nós somos levinhos. Agora, seja boazinha e desça um grampo, pra facilitar as coisas. FERNANDA – (Descendo um grampo) Que sujeito metido! FONSECA – Alguém tem que tomar uma atitude! (Para Lima) Ô, benzuco, dá licença. Tô subindo! LIMA – Tá maluco, Fonseca? FONSECA – Maluco nada! Tô indo ajudar o cara. Sou bom em psicologia infantil. É só morder a bunda do sujeito que ele sobe! LIMA – O Tonhão tá cristalizado, em pânico. Você vai é causar um acidente! FONSECA – Bom, Lima, eu vou subir. Se você não me deixar, você é que vai causar um acidente... DANIELA – Tonhão, você acha que consegue descer numa boa? TONHÃO – Acho que sim, mas tô ficando sem força. DANIELA – Gente, pelo amor de Deus, vamos para baixo! FERNANDA – Deixa o Fonseca subir, amor. Assim, a gente desce logo de uma vez. FONSECA – É isso aí, amor. Fica frio, dá licença... (Fonseca abre caminho e divide o grampo com Lima) LIMA – Folgado do caralho! FONSECA – Tá bom, Lima; lá embaixo a gente briga. Agora, tô sem tempo!... Daniela! (Lima desce um grampo) DANIELA – Fonseca, você que estava emperrando as coisas? FONSECA – Dá licença, me deixa chegar até o Tonhão. DANIELA – Pra quê? FONSECA – Pra ajudar, porra! GABRIELA – (Grita) Tonhão, aguenta firme! FERNANDA – (Grita) Força, Tonhão! TONHÃO – Socorro!... Mãe do Céu, eu quero descer! DANIELA – Tonhão, fica frio. O Fonseca chegou pra te ajudar a descer. Ele é o mais experiente de todos. (Para Fonseca) Vem, Fonseca. Sobe aqui! (Fonseca abre caminho e divide o grampo com Daniela. Logo depois, Daniela desce um grampo) DANIELA – Fonseca, passa pelo Tonhão. Assim, ele desce escoltado por você em cima e por mim embaixo. FONSECA – Que nada! Vou fazer esse amarelão subir! Vamos terminar a prova! DANIELA – Você bebeu? FONSECA – Nem uma gota.... Ainda! (Para Tonhão) Tonhão, vou até aí. TONHÃO – Não chega perto, Fonseca... Eu que ro descer. FERNANDA – Lima, não tô aguentando mais. Tá muito quente. LIMA – Pessoal, eu vou descendo com as meninas. Encontro vocês lá embaixo. DANIELA – Isso, vai indo!... A gente se vira. FONSECA – (Para Lima) Não vai desistir agora, desgraçado! O Tonhão vai subir. LIMA – Quem é que vai me impedir, babaca! TONHÃO – Socorro! Socorro! FERNANDA – Vamos, Gabi. Vamos descer! GABRIELA – Não queria deixar o Tonhão aí, nessa situação. FERNANDA – Ele está ficando com o Fonseca e a Dâni. Nesses casos, quanto mais gente, pior. GABRIELA – Acho que você tem razão. (Grita) Força, Tonhão! Vai terminar tudo bem! FONSECA – (Para Lima) Vai, frouxo! Você não pisa mais na minha equipe! LIMA – Essa equipe é minha, você é que está fora! Até nunca mais, bundão, super-homem do Jardim Míriam! Vai se matar, infeliz. FONSECA – Volta aqui, covarde! LIMA – Vai se catar!!! DANIELA – Parecem crianças! (Gabriela, Fernanda e Lima descem pelos grampos) FERNANDA – Não liga pra ele, Dumbinho. GABRIELA – Dumbinho? LIMA – Fernanda! Já te falei pra não me chamar de Dumbinho. FERNANDA – Mas é elogio, amor! GABRIELA – Dumbinho! Essa é ótima! Vou contar pra todo mundo! LIMA – Tá vendo, Fernanda? FERNANDA – Para, Gabi! (Para Lima) Ela tá brin cando, neneco. (Para Gabi) Quieta, Gabi; vê se não piora as coisas. GABRIELA – Dumbinho! Essa valeu o dia! (Ri) (Gabriela, Fernanda e Lima saem de cena) FONSECA – Vamos, Tonhão... Confie em mim. Me deixe passar, vamos dividir o grampo. TONHÃO – Nunca!... Não vem!... Quero descer! FONSECA – Olha, cara, tô perdendo a paciência. DANIELA – Tonhão, deixa ele passar na sua frente. TONHÃO – Daniela, tira esse cara daqui! DANIELA – Fonseca, é melhor a gente descer assim mesmo. Vamos. FONSECA – Nunca! Vamos! Sobe, Tonhão!... Coragem, homem! (Fonseca pega a perna de Tonhão, que solta um grito de pavor) TONHÃO – Não encosta em mim, não encosta!... Eu não quero morrer! FONSECA – Calma! DANIELA – Fonseca, para com isso. Já perdemos a prova, a equipe desistiu. FONSECA – Agora é questão de honra. Vou fazer esse sujeito perder o medo. DANIELA – Se alguma coisa acontecer com ele, vou responsabilizar você. FONSECA – OK, eu sou o responsável, mas por mim ele não passa! Esse trolha vai subir, nem que seja a última coisa que eu faça. TONHÃO – Socorro! DANIELA – Tá certo, Fonseca! Por enquanto, você ganhou. É mais forte que eu... Tá no comando! Mas vou chamar ajuda! O que você está fazendo é crime, é tortura! FONSECA – Vai, vai chamar a SWAT do Lula e não perturba. DANIELA – Eu vou, mas volto com reforço rapidinho. Você vai em cana, desgraçado. TONHÃO –Daniela,nãomedeixecom essemaluco! FONSECA – Vai, doutora advogada! Te vejo na prisão de segurança máxima. DANIELA – Imbecil! (Para Tonhão) Aguenta, firme, Tonhão! Vou chamar ajuda! (Daniela começa a descer) TONHÃO – Daniela, não me deixe aqui! FONSECA – Calma, Toniquinho; papai cuida de você. TONHÃO – Vai se ferrar, filho da puta! FONSECA – Isso é jeito de falar com o seu salvador? DANIELA – (Grita) Fica firme, Tonhão! Já, já chega ajuda. Calma! Sem desespero! TONHÃO – Daniela! Tira esse louco daqui! (Daniela sai de cena) FONSECA – Agora, querido, somos só nós dois. TONHÃO – Por que você tá fazendo isso comigo? FONSECA – Tô querendo conversar com você... TONHÃO – Conversar?! FONSECA – É... Faz tempo que preciso bater um papo com você... A sós. TONHÃO – Papo? FONSECA – É... Há muito tempo eu gosto de você... TONHÃO – Gosta de mim?!!! FONSECA – É... Eu tinha que te dizer isso. Eu me interesso por você. Tenho carinho, entende? TONHÃO – Fonseca, que brincadeira mais estúpida. FONSECA – Tonhão, não tô brincando. Sei que você não lembra, mas nós fomos colegas de escola... Desde os tempos do Colégio Mariano que eu gosto de você... TONHÃO – Eu só estudei a quinta série no Colégio Mariano. FONSECA – Foi amor à primeira vista... Meu apelido era Lulu, lembra? TONHÃO – O Lulu... A bichinha da... FONSECA – Isso mesmo, a bichinha da turma. Vocês me enchiam bastante, mas eu sabia que aquela intolerância era coisa de criança... Coisa de moleque. Eu nem ficava bravo... Na verdade, gostava de ser diferente... Agora a bichinha virou bichona. TONHÃO – Mas você é casado com a Magdalena, instrutora de voo livre. FONSECA – Não liga pra isso; ela não é ciumenta. TONHÃO – Só me faltava essa! Devo ter jogado pedra na cruz em outra encarnação. FONSECA – Então, Tonhão, sei que você é hetero, mas se algum dia quiser ter experiências novas, saiba que tem, aqui, um amigo que gosta de você de verdade. TONHÃO – Estou perdido! Você é mais louco que eu pensava... Socorro!!! FONSECA – Bom, já falei o que eu queria... Vamos, Tonhão; vou te ajudar a descer. Vou guiando as suas pernas... TONHÃO – Você aprontou tudo isso só para ficar sozinho comigo? FONSECA – Não... Eu queria ganhar a prova, mas já que você pôs tudo a perder, resolvi improvisar. Vem comigo; acabou a brincadeira. TONHÃO – Tira a mão de mim, bichona. FONSECA – É... Como este mundo é esquisito. Aqui em cima, a bichona se comporta como macho e o homem parece bichona: “Ui, que medo de altura, que nerbios!!!”. Deve ser culpa do ar rarefeito!...(Ri) Que é isso, Tonhão? Vamos... Não vou te fazer mal... Tá certo, vou te salvar, você vai ficar me devendo um puta favor, é verdade, mas não precisa casar comigo por causa disso. Vamos... (Ouve-se barulho de helicóptero) TONHÃO – Eles chegaram. Vieram me pegar, graças a Deus. (Para o helicóptero) Aqui, aqui!!! Não preciso mais de você! (Barulho do helicóptero fica alto e depois vai se afastando) TONHÃO – Aqui!!! Aqui!!! Estão indo embora... Socorro!.... FONSECA – Não seja bobo, Tonhão. Helicóptero não vai poder te resgatar aqui nesse paredão. Vamos embora... (Silêncio) FONSECA – Bom, eu já vou indo. Quem quiser que me acompanhe... TONHÃO – Fonseca, não me deixe aqui, por favor. FONSECA – Você vai querer ajuda da bichona? TONHÃO – Vou, sim! Por favor, me ajude. Não tenho nada contra viado, juro! Contanto que... FONSECA – Contanto que...? TONHÃO – Nada... Nada! FONSECA – Vou ter que guiar os seus pés, você se incomoda? TONHÃO – Não, pode pegar na minha perna à vontade. FONSECA – Assim é que se fala, Tonhão! Sem preconceito, numa boa! Já vi que aqui começa uma grande amizade!... Parece o final do filme Casablanca!!! (Canta um trechinho da música-tema) (Tonhão desce um grampo e, desavisado, encosta em Fonseca. Tonhão leva um susto e sobe dois grampos.) FONSECA – Ué... Vai subir? TONHÃO – Não, não! Quero descer. FONSECA – Então, vamos! Coragem! Me dê seu pé; vai ser fácil. TONHÃO – Minha perna tá tremendo. FONSECA – Calma, vai ser moleza... Isso, muito bem!... Um pé de cada vez. De hoje em diante, você é meu protegido, vou cuidar de você direitinho. TONHÃO – Obrigado, Fonseca... Me leve até lá embaixo, mas depois pode deixar que da minha vida cuido eu. Valha-me, Nosso Senhor Jesus Cristo! Juro que, de hoje em diante, não subo mais nem em banquinho. FONSECA – Fala menos, que a gente vai mais rápido. Se concentra, homem; fecha essa matraca! Fala menos e chega mais! (Em um patamar, Fonseca puxa Tonhão para si e o encoxa. Ao contato com Fonseca, Tonhão solta um grito) Cai o pano Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Introdução Comédias Paulistanas – Chico de Assis 13 A Estranha 15 A Loucadora de Vídeo 89 Textículos 147 Olho por Olho 151 Te Conheço 161 Na Faixa 169 Mera Coincidência 177 Radicais Livres 183 Desejo 191 A Escalada 209 Crédito das Fotografias Todas as fotografias pertencem ao acervo pessoal de Antonio Rocco Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz Villaça Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sérgio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico García Lorca – Pequeno Poema Infinito Roteiro de José Mauro Brant e Antonio Gilberto João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Umberto Magnani – Um Rio de Memórias Adélia Nicolete Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero – Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 256 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Coleção Aplauso Série Teatro Brasil Coordenador Geral Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Projeto Gráfico Editor Assistente Editoração Tratamento de Imagens Revisão Rubens Ewald Filho Marcelo Pestana Carlos Cirne Felipe Goulart Ana Lúcia Charnyai Aline Navarro dos Santos José Carlos da Silva Wilson Ryoji Imoto Heleusa Angelica Teixeira © 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Rocco, Antonio O teatro de Antonio Rocco. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. – (Coleção aplauso teatro Brasil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978.85.7060.746-1 Conteúdo: A estranha --A loucadora de vídeo – Textículos Olho por olho – Te conheço – Na faixa – Mera coincidência Radicais livres - Desejo - A escalada. 1. Crítica teatral 2. Peças de teatro 3. Teatro - História e crítica I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. 09-06697 CDD-809.2 Índices para catálogo sistemático: 1. Teatro : Literatura : História e crítica 809.2 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800 01234 01 sac@imprensaoficial.com.br Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria