Alfredo Sternheim Um Insólito Destino Alfredo Sternheim Um Insólito Destino Alfredo Sternheim IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo A Antonio Carlos Contrera, razão maior da minha vida e deste livro. Alfredo Sternheim Um Apaixonado por Cinema Perguntam com frequência qual o crítico que me influenciou e sinceramente tenho dificuldade em responder. Foram muitos e nenhum. Nem mesmo Rubem Biáfora, que só fui conhecer melhor quando nos tornamos colegas de jornal. Mas tinha um crítico que eu lia, guardava o nome e de que gostava muito: Alfredo Sternheim, que escrevia no Estado de S. Paulo. Até hoje ainda admiro seu estilo limpo, claro, com belo texto mas sem pedantismo. Onde dá para perceber que é bem informado (e bem formado). Que sabe das coisas mas não se preocupa em gritar isso aos quatro ventos. E demonstra a cada momento sua paixão pelo cinema e seu inconformismo com a má utilização da linguagem, a estreiteza de idéias e a mesquinhez do ambiente. Nunca disse isso para ele, nem mesmo quando nos tornamos amigos. Ou talvez por causa disso mesmo. A gente acha que não precisa. Mas havia outra razão para minha admiração. É que Alfredinho, assim carinhosamente chamado, tinha o mesmo sonho que eu, que era o de fazer cinema. Já havia sido assistente de Walter Hugo Khoury, um diretor que eu admirava. Ou seja, era um role model, alguém para quem eu olhava como modelo a seguir. Daí meu entusiasmo acompanhando sua carreira como diretor, torcendo pelos seus filmes. E às vezes mesmo, confesso me aborrecendo se por acaso eles não chegavam a ter o resultado desejado. Mesmo porque a vida de diretor de cinema em qualquer lugar do mundo não é fácil. Mas no Brasil é ainda mais difícil (pensando bem, como tudo neste país, onde a regra é se matar um leão por dia). Vendo os problemas que Alfredinho enfrentava, acho que de certa maneira me fez decidir em ser apenas crítico. Não achei que tivesse talento para dar tal passo. Esse talento para escrever temos confirmado aqui mesmo na Coleção Aplauso, onde Alfredo escreveu várias biografias (Luiz Carlos Lacerda, Arllete Montenegro, David Cardoso, Suely Franco), além do antológico Cinema da Boca – Dicionário de Diretores. E que culmina agora nesta sua autobiografia sincera e reveladora. Mas quando alguém conta sua própria história, há algumas omissões. O que Alfredinho não podia revelar é o belo ser humano que ele é, amigo de seus amigos, de uma enorme generosidade e grandeza de alma. Por nós todos, amado e respeitado. Rubens Ewald Filho A Antonio Carlos Contrera, razão maior da minha vida e deste livro. Alfredo Sternheim Capítulo I Os Filhos da Guerra Como as circunstâncias podem mudar destinos, planos de vida. Nem meu pai e nem minha mãe jamais haviam pensado em viver no Brasil. No entanto, ambos acabaram aqui. O meu pai, Hans Sternheim, estava com uns 32 anos (nasceu em Hagen, Alemanha, no dia 25 de junho de 1901) trabalhando na Bélgica. Mas ao pretender voltar ao seu país, o pai dele, Alfred, foi até a fronteira para desaconselhar esse retorno. Os nazistas estavam pondo as manguinhas de fora e a barra estava ficando pesada para os judeus. Ele ficou em Bruxelas e procurou trabalho. Por um anúncio de jornal, Hans soube que uma fábrica de cobertores em Guaratinguetá, Estado de São Paulo, precisava de um técnico têxtil. Fez os contatos e em meados de 1933 estava nessa cidade no Vale do Paraíba. Não sabia nada de português, mas aprendeu com alguém que sabia alemão. E apreendeu bem, raramente cometia erros, além de não ter aquele sotaque típico com rr. A minha mãe, Mercedes Benmerguy, nasceu em Tetuan, então capital do Marrocos Protetorado Espanhol, no dia 22 de junho de 1909. Ela e a mãe, a viúva Hadra Israel Benmerguy, em 1936, resolveram fazer turismo no Rio de Janeiro. Ficaram hospedadas na mansão do cunhado de Hadra, o velho Azulay, e a mulher dele, irmã de Hadra. Uma mansão na Rua Bambina, no bairro de Botafogo. Mas, enquanto estavam aqui, estourou a guerra civil espanhola. E o ponto de partida das tropas franquistas foi justamente Tetuan; o militar Francisco Franco serviu naquela cidade. A conselho da família, as duas marroquinas foram ficando por aqui. E o seu Hans, que trabalhava na fábrica do velho Azulay, a Lanifício Plástica (assim mesmo), conheceu Mercedes. Veio o namoro, o casamento no dia 3 de março de 1937 na sinagoga fundada no Rio pelo meu tio- -avô Azulay. Depois, a mudança para São Paulo. O meu pai se conformou, se adaptou em viver no Brasil. Tanto que pensava em português. Já a minha mãe... Ela sempre xingou essa armadilha do destino, tinha saudades imensas do que poderia ter sido em seu país, da juventude deixada em Tetuan. Infeliz no casamento, sempre disse que escolheu o pior dos três pretendentes que teve no Brasil. Um exagero, talvez. Já o meu pai, nunca levantou a voz, nunca se enfezou explicitamente com a esposa. Contemporizava sempre. Isso não foi nada bom. Pelo menos para mim, como vi depois. Acho que é por isso que, quando vejo filmes sobre a 2a Guerra, como Casablanca ou Plenty, lembro dos meus pais que tiveram seus destinos, suas vidas alteradas pela loucura de Hitler. Quantos que, pelo simples fato de serem judeus, perderam suas bases, suas famílias, suas fortunas, seus rumos. Por isso, desde criança odeio ditadores e ditadores repressivos, bem como a tolerância de muitos com esses ditadores. Aos 12 anos fiquei feliz com o suicídio de Getulio Vargas, embora nunca tenha acreditado nisso. Até hoje acho que ele foi “suicidado”. De qualquer maneira, a vinda dos meus pais, o encontro deles, foi insólito. Como insólita foi minha vida, de certa maneira. Nada aconteceu dentro dos padrões mais convencionais. Houve muitos momentos de enfrentamento. Mas se tudo isso assim se deu, foi mais por circunstâncias do que por alguma atitude deliberada de contestação ao tradicional modus vivendi. Até o meu nascimento acho que se enquadra nesse clima. No dia 2 de junho de 1938 nasceu meu irmão Franklin Augusto. Minha mãe contava que o médico havia dito ser impossível ela engravidar de novo. Mas, teimosa, em 1942 estava me esperando. E contrariando ordens médicas, resolveu ir ao Rio de Janeiro com o meu pai e meu irmão. Acho que estava de seis ou sete meses. Naquele tempo era uma viagem puxada e por isso, iriam passar dois dias na bela casa de campo da família Azulay em Guaratinguetá, no meio do caminho, ao lado do Lanifício Plástica. Certa manhã, enquanto meu pai dava expediente na fábrica, a minha mãe foi fazer compras usando roupa vermelha e levando o Franklin pela mão. Naquela ocasião, um touro bravo escapou do vagão de um trem da Central que lá estava. Perseguido, causou pânico correndo pelas ruas. Matou um homem e... foi em cima da minha mãe grávida. Alguém a puxou e ao meu irmão para o jardim de uma pequena casa. O touro insistiu, mas esbarrava na porta e foi embora até ser morto logo depois. Todos temiam pela minha mãe e pela gravidez. Mas, passado o susto, viu-se que ela estava bem. Foi ao Rio e meses depois, no dia 31 de julho de 1942, nasci na maternidade da Rua Frei Caneca, em São Paulo, hoje fechada. Será que é por causa do touro que sou um leonino meio briguento? Fui batizado como Alfredo por causa do meu avô paterno, Alfred, que era falecido. Mas ressuscitou depois. Explico. Pela tradição judaica, só se dava nome de avô ou avó se esses estivessem mortos. Em 1941, meu pai recebeu a notícia que o pai dele tinha sido morto quando os nazistas aprisionaram judeus em Hagen. Como manda a religião, meu pai vestiu luto, foi à sinagoga e participou de rezas em homenagem ao Alfred. E em julho de 1942, me batizou de Alfredo Davis. O Davis por causa de um personagem de Como Era Verde o Meu Vale, do Richard Lewellyn que, décadas depois, eu conheceria em São Paulo. Mas essa já é outra história, inusitada. Logo após o fim da 2ª Guerra, acho que no início de 1946, meu pai recebeu uma carta de meu avô. O velho Alfred, com mais de 70 anos, tinha sobrevivido ao terror de um campo de concentração. Mas com sequelas. Lembro que foi um frenesi; fomos os quatro a um estúdio fotográfico na Rua Augusta para tirar retratos para o meu avô. Ele ficou feliz em saber que tinha um neto com o seu nome, mas recusou o convite para vir ao Brasil. Estava muito debilitado. Também, pudera. Em 1947, ele morreu realmente. Capítulo II Cercado de Cultura Cresci num típico lar classe média cercado de cultura. Os meus pais gostavam de ler, de ouvir música (ele clássica e ela espanhola) e esse prazer deles passou para mim naturalmente. E minha mãe pintava, fazia retratos e paisagens, geralmente marroquinas. Desde criança gostei de cinema. Lembro de filmes que vi com 5 anos, ou menos talvez: Anos de Ternura, Escola de Sereias... Mas só ia ao cinema com os meus pais. Sair sozinho? Apenas pouco antes de completar 13 anos e para ir ao Cine Paulista, que ficava na Rua Augusta a duas quadras de casa, na Alameda Lorena. O primeiro filme que vi só foi O Segredo dos Incas, com Charlton Heston, Nicole Maurey (quem lembra dela?) e Yma Sumac, aquela cantora peruana de grandes agudos. Mas, nesse tempo, em minha casa, já estava lá um aparelho que iria ter grande influência em minha vida: a televisão. Foi em 1951 ou 1952. Só existiam dois canais: a PRF-3 TV (a Tupi) e a recém-inaugurada TV Paulista, canal 5. O canal 3 funcionava do meio-dia às 2 horas da tarde, e depois, das 6 e meia até meia-noite mais ou menos. Lá pelas 11h55 eu já ligava a TV, ficava esperando o início da transmissão. Às vezes, atrasava. A TV me fez gostar mais ainda do cinema e do teatro. Existia um teleteatro na Tupi onde vi A Raposa e as Uvas, com Sérgio Cardoso e a bela e amável Nydia Licia (hoje, minha colega na Coleção Aplauso), e na TV Paulista, a Bibi Ferreira apresentava uma peça em três atos, às segundas, quartas e sextas-feiras. Cada dia era um ato. Tinha também a Madalena Nicol interpretando peças de Ibsen. E eu, adolescente, via. Meu pai deixava. E deixou também ver Dercy Gonçalves ao vivo. Era hilário, principalmente quando soltava palavrões. No espetáculo, ela era uma viúva que namorava um político chamado Pinto. Imaginem o que ela fez com esse Pinto... Em 1954, ano do 4º Centenário de São Paulo, a programação da TV foi uma festa. Transmitiram do Teatro Municipal quatro óperas ao vivo: Lo Schiavo, de Carlos Gomes, Aida, de Verdi, Tosca, de Puccini e Lucia de Lamemoor, de Donizetti. Ficava acordado até 2 horas da manhã. Foi uma felicidade essa descoberta. A ópera é uma paixão até hoje (a outra é o cinema, claro). No ano do 4º Centenário, também tive a oportunidade de ver de perto algumas celebridades internacionais do cinema. Aconteceu um Festival em São Paulo e eu, com 12 anos incompletos, acompanhado de minha avó, ia à tarde para a porta do Hotel Jaraguá, e me juntava aos que lá estavam atrás do cordão de isolamento montado pela polícia. Mas, um guarda simpático me deixava passar com o caderno e a caneta para pedir autógrafos. E assim fiz com Irene Dunne, Joan Fontaine, Jane Powell, Ann Miller, Edward G. Robinson, os casais Jeffrey Hunter/Barbara Rush e Fred MacMurray/June Haver. Nenhum deles quis me dar autógrafos. A Joan Fontaine sorriu e disse I’am sorry. Só a Ninon Sevilha me deu autógrafo com dedicatória e ainda me beijou. Foi um triunfo que contei na escola. Afinal, junto com Maria Antonieta Pons, era a maior estrela mexicana. E Ninon ganhou evidência dois dias antes desse meu encontro porque tinham roubado as jóias dela. Capítulo III Uma Viagem Significativa Antes da TV chegar à minha casa, aconteceu uma viagem que teve profundas transformações em minha vida. Fomos ao exterior, ou melhor, à Espanha e ao Marrocos. Minha mãe morria de saudades do Marrocos, sonhava todas as noites com a sua terra natal. E eis que chegam cartas dizendo que ela tinha direito a uma herança de família. Resumindo: em fins de 1950, fomos os quatro para lá: ela, meu pai, meu irmão e eu. Uma excitação viajar de navio até Barcelona. Por questões legais, para se chegar ao Marrocos Espanhol, era preciso passar pela Espanha. Em Barcelona ocorreu algo fantástico no primeiro dia. Saímos do hotel e em uma avenida movimentada, minha mãe viu um homem e o agarrou pelo braço. Em altos brados, ela fez doce, não disse quem era e o chamou de Leon. Ele não a reconheceu. Ela começou a chorar no seu ombro. As pessoas paravam, olhavam, meu pai constrangido, o sujeito constrangido, um mico. Mas de repente, não sei o que ela disse, o Leon a reconheceu. Era um antigo namorado do Marrocos . Mais lágrimas, minhas também. O curioso é que minha mãe não tinha tido notícias dele, não sabia que ele morava então, em Barcelona. O Leon ficou com a gente nos três ou quatro dias de Barcelona. Acho que ele era amarrado na minha mãe, mas na época, claro, não percebi nada disso. E, depois, nunca perguntei a respeito. Me arrependo. A passagem pela Espanha me fez ver o Museu Del Prado e descobrir que em outros países, como aquele, exibiam filmes dublados. Um horror ver meu ídolo (então) Errol Flynn falando espanhol em La Dinastia de los Forsyth, com Greer Garson. Mas foi legal assistir filmes espanhóis como Violetas Imperiais, com Carmen Sevilha, e a zarzuela (filmada) Dona Francisquita. E, pela primeira vez, vi a neve. No segundo dia em Madri, meu pai nos acordou, nos fez ir até a janela do quarto. A avenida toda estava coberta de neve. No Marrocos, um choque, aquele exotismo com mouros e mouras. Tetuan tinha um bairro ocidental (por onde trafegavam os carros e ônibus), um árabe e um judaico, onde ficava a residência dos familiares de minha mãe. Foram quase 6 meses no Marrocos, meu pai voltou antes. Eu fiquei bem doente, cheguei a ouvir a palavra leucemia que não sabia o que era. Depois, me disseram que estava bem anêmico. Inspirava cuidados e carinhos, especialmente de uma prima bonita. Essa consciência da minha fragilidade física, acentuada pelo sufocante cuidado de minha mãe, acabou prejudicando a minha infância e toda a minha vida. Capítulo IV Solidão e Vera Cruz Ser ou não ser? Eis a questão. O que é mais nobre para a alma? Sofrer agravos e flechadas da sorte adversa ou tomar armas e lutar? Ou talvez sonhar, dormir para nunca mais acordar. – Hamlet, de William Shakespeare Desse jeito, acabei crescendo solitário. Meu principal brinquedo era um teatrinho construído pelo meu irmão e a leitura de livros para adultos, principalmente peças. E nesse teatro com cenários feito pelo Franklin e usando peças do jogo de xadrez que aprendi no Marrocos, aos 12 anos, encenei a ópera Carmen, Cyrano de Bergerac e um Hamlet, de Shakespeare. Pode? Por isso, até hoje, sei o texto do famoso monólogo Ser ou não ser. Ironia, depois me vi nesse debate íntimo. O de ser ou não ser gay. O de ser ou não ser cineasta. E de, nas duas situações, ter de lutar. Eu já gostava muito de cinema. Na TV, assistia a muitos filmes antigos, legendados. Meus pais deixavam, mesmo acabando tarde. Havia um programa, o Cine MaxFactor, onde vi obras como Correspondente Estrangeiro, de Hitchcock, e Endereço Desconhecido, de Cameroun Menzies. Mas, naquela adolescência diferente (não era normal um garoto de 12 anos gostar de Hamlet e saber de cor o famoso monólogo), depois de largar os estudos de piano, achei que queria ser ator. E vi que tinha chances no Brasil após assistir Apassionata, com Tônia Carrero. Como gostei desse filme sério. A minha mãe tinha amizade com uma família espanhola chefiada por um auxiliar de câmera da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, o Marcial Afonso Fraga. E por causa dele, em 1952 ela me levou aos estúdios em São Bernardo do Campo. Que coisa maravilhosa. Estava sem filmagens, mas fui apresentado ao Lima Barreto que finalizava a edição de O Cangaceiro (nem sabia o que era edição). Vi os cenários do quarto e da sala de Sinhá Moça, cujas filmagens tinham terminado uns dias antes. Isso sem falar na cidade cenográfica, usada em Tico-Tico no Fubá e, depois, em Sinhá Moça. Aquela visita me marcou, a minha paixão pelo cinema cresceu. Em casa, transformei o meu teatrinho em um estúdio. A câmera era uma máquina fotográfica Kapsa e o que ia para a tela era a imagem que via no visor da máquina. Passei também a encarar o cinema com mais profundidade, lia tudo que me chegava às mãos, desde Cinelândia e Filmelândia, até as críticas do O Estado de S. Paulo. E anotava os filmes que assistia, dava prêmios. Em vez do Oscar, o Alfredo do Ano. Algo que faço até hoje. Os primeiros vencedores, de 1955, foram Eleanor Parker por Melodia Interrompida e James Mason por Nasce uma Estrela nas categorias de atriz e ator. Como melhores coadjuvantes escolhi Charles Bickford por Nasce uma Estrela e a novata Jeanne Moreau pela comédia Julieta. Já tinha feeling. Acompanhado de minha avó, comecei também ir ao teatro. Acho que a primeira peça foi Mirandolina, com Maria Della Costa, Serafim Gonzalez (que depois seria ator principal de um filme meu) e uma coadjuvante sobre a qual escrevi o seguinte comentário no meu diário: Ela tem muito talento, mas o que atrapalha é não ser bonita. A coadjuvante era Fernanda Montenegro. Errei feio. Nessa loucura pelo cinema, em 1954, quando do lançamento de Floradas na Serra, foi feita uma campanha para salvar a Vera Cruz. Eu dei alguns trocados, mas não adiantou nada, a companhia fechou. Que tristeza. Achei que o meu sonho de trabalhar lá tinha acabado. Mas, em 1956, a Vera Cruz voltou a funcionar como Brasil Filmes. E nesse mesmo ano, graças ao Marcial Afonso, fiz figuração em Osso, Amor e Papagaios. Foram dois dias de filmagem pelos quais recebi algo em torno de uns 100 reais. Nesses dois dias na cidade cenografica, apareci em várias cenas, algumas ao lado do Jayme Costa (um ator de teatro famoso na época por causa de A Morte do Caixeiro Viajante) que fazia o prefeito da cidadezinha. Nesses dois dias, não saia do lado da câmera e prestava atenção no trabalho dos dois diretores, Cesar Memôlo Junior e Carlos Alberto de Souza Barros que, depois, ficaria meu amigo. Um sujeito talentoso e engraçado. E foi ai que decidi que também ia ser diretor. Ator e diretor, como Orson Welles. Só que, ao assistir o filme nas duas primeiras sessões (vazias) do primeiro dia de exibição no Cine Broadway, não me gostei. Orson Welles não ia ter concorrente. Decidi que ia ser apenas diretor. No alto dos meus 15 anos incompletos, coloquei essa profissão como a minha meta. O curioso é que Osso, Amor e Papagaios virou um clássico. Merecido, o filme é muito bom, com aquela história do Lima Barreto (o escritor) de pessoas acreditando que podiam transformar ossos em ouro. Estava no início de minhas duas lutas. Uma profissional, outra íntima. Ambas de ser ou não ser. Capítulo V O Cine Clube Dom Vital A minha paixão pelo cinema tomava conta de mim, fazia com que eu superasse ou deixasse de perceber problemas que depois afloraram. Detestava a escola e os estudos de religião, mas fiz a minha barmitzvá (a comunhão judaica) aos 13 anos. Agora você é um homem, disse o rabino na cerimônia solene. Claro que, bem pago, ele devia repetir essa frase sempre. Mas fiquei perturbado. E não tinha amigos de minha idade. Incrível. Nessa solidão, depois do episódio Osso, Amor e Papagaios, passei a procurar gente que também curtisse cinema. Estudava e já trabalhava também como office-boy no escritório de meu pai, para adquirir mais responsabilidade, diziam. E adquiri mesmo. Nessa busca, li no jornal que existia um cine clube, no Centro Dom Vital, onde aconteciam debates sobre filmes todas as terças-feiras. Em 1958 fui para lá, numa sala do prédio da Galeria Califórnia (olha o nome) que ainda existe na Rua Barão de Itapetininga. Era o começo de uma nova fase de minha vida. Foi excitante saber que existia gente como eu, aficionada pelo cinema. E logo me enturmei, apesar da diferença de idade. Em pouco tempo, fui convidado a ser parte da diretoria presidida pelo Gustavo Dahl, que já foi diretor da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Um jovem bonito e brilhante. Alguns anos depois, tive divergências com ele. Também lá estavam Ilka da Cunha Guerra, Carlos Motta, Fernando Seplinski e João Batista Perillo que passaram a ser amigos para sempre. Principalmente Fernando e João, ambos mais velhos. João tinha 6 anos a mais e acabava de vir do Centro Sperimentale di Roma, uma das mais prestigiadas escolas de cinema da Europa. Mas ele se encaminhou para a fotografia. E como fotógrafo de cena de espetáculos teatrais, fui com ele a muitos ensaios e estreias. Uma delas, a de Júlio Cesar, de Shakespeare, fui de smoking na companhia dele e de Rejane, com quem se casou. A estréia chique acabou sendo bizarra nas inovações no palco. O diretor cismou de colocar Sadi Cabral (o Julio Cesar) nu, de costas, no caixão. Mais tarde, ele surgia como fantasma para Brutus (Jardel Filho). Ao sair de cena no escuro, caiu de uma altura de três metros e fraturou a clavícula. Eu apelidei o espetáculo de Toda Nudez Será Castigada. Houve alguns distanciamentos entre mim, João e Fernando. Mas a amizade se manteve até a morte deles. Quando do suicídio do Fernando em 1985, eu e o João nos aproximamos mais. Até hoje falo com a Rejane e, por e-mail, com a irmã dela, Eliane, que mora em Los Angeles . Nessa nova vida, ia muito ao Museu de Arte de São Paulo ver clássicos como Intolerância e Navigator, descobri Greta Garbo no filme mudo A Carne e o Diabo. Um admirável mundo novo. No cineclube conheci também o Hélio Furtado do Amaral, ensaísta e teólogo mineiro, especializado em filmologia. Era o nome que se dava ao estudo e trabalho da disciplina estética do cinema. E ele me convidou para escrever alguns artigos para o suplemento cultural ou literário de O Diário, de Belo Horizonte. Antes dos 16 anos, já era um crítico. Lá estavam textos meus sobre Bresson, William Welman... Não lembro os outros. Mas fiquei feliz e meu pai, orgulhoso de ver o sobrenome Sternheim ao lado de William Faulkner (tinha um ensaio dele), Lucia Miguel Pereira, Otto Maria Carpeaux e outras celebridades do mundo intelectual. Capítulo VI Encontro com Khouri Além de frequentar o Museu, de ser penetra no Municipal (vi um balé com a lendária Margot Fonteyn), me encontrava com muita gente do cinema no Tourist´s Bar (na Praça Don José Gaspar). Fiz amizade com o Sérgio Hingst e até hoje falo com a Sara, sua ex-mulher. Assistia palestras de muitos profissionais do cinema, a maioria no Dom Vital. Alguns ficaram próximos. Como o professor e editor Máximo Barro, o crítico e diretor Rubem Biafora e o diretor Walter Hugo Khouri. O João Batista fez um estágio de assistente em Na Garganta do Diabo e um dia, fui com ele à Vera Cruz assistir uma filmagem. Vi Edla Van Steen (que depois ganharia um prêmio na Itália com essa atuação) sendo dirigida pelo Khouri em uma cena. Foi fascinante. Em 1961, o Khouri disse que ia filmar A Ilha e precisava de um assistente-continuista. Me ofereci, mostrei uma segurança que na realidade não tinha e ele me aceitou. Já tinha largado a escola no 1º ano clássico (equivale ao ensino médio, 2º grau), a minha meta oficial era o cinema, embora o meu pai dissesse que era uma moda passageira. Pedi demissão do escritório dele para trabalhar com o Khouri na pré-filmagem e ele me deu uma licença, certo que iria retornar para a sala da Rua Quintino Bocaiuva. Não retornei, claro. Foi agitada a armação do elenco. Por causa disso tive o prazer de conhecer Viveca Lindfors. Ela veio ao Brasil em agosto de 1961 para se apresentar em espetáculos com Betty Field (de Picnic), Rita Gam e outros intérpretes. Vi a grande atriz sueca em Senhorita Julia e, depois do espetáculo, eu e Khouri fomos falar com ela e o marido, o roteirista George Tabori, que tinha feito os scripts de Crepúsculo Vermelho, Uma Aventura na India e outros filmes marcantes de Hollywood. Que emoção estar perto daquela gente. Mas naquele mesmo agosto, o Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. Fiquei com ódio do Jânio por vários motivos. Primeiro, ele traiu os eleitores e aquela tinha sido a minha primeira votação. E tinha votado nele, achava o sujeito fantástico. Ledo engano, era um demagogo. Segundo, naqueles dois dias, por medo de uma revolução nas ruas (que não aconteceu), os meus pais não me deixaram sair. E terceiro, por causa da instabilidade política, os financistas do Khouri acharam conveniente adiar a filmagem. Que tristeza. Porém, alguns dias depois o trabalho foi retomado. Em outubro, fomos para Bertioga. Pela primeira vez, viajava sem a minha família. O Khouri, que foi me buscar em casa, ao ver minha mãe na porta, dando adeus e chorando, perguntou: Ela pensa que você vai para a guerra? De certa maneira, começou uma guerra íntima. Mas eu não tinha consciência disso. Em Bertioga, ficamos numa colônia de férias do Sesc e logo consegui ser respeitado por todos. E por ser o caçula da equipe (tinha 19 anos), além de uma pureza que chegava a ser idiota, fui muito mimado. Em especial pelas atrizes Eva Wilma e Elisabeth Hartmann. A primeira, até hoje doce e simples, me apelidou de Alfredinho e desde então, o pessoal de cinema me trata assim, mesmo agora. Elisabeth, que estreava no cinema, é minha amiga desde então. Em momentos difíceis mostrou muita generosidade. Linda, ela foi indicada ao Khouri pelo Abílio Pereira de Almeida e contratada para o nada fácil papel de Cora, o mais introspectivo dos personagens desse filme. Posteriormente, Elisabeth atuou em alguns filmes que dirigi. Mas acabei me apaixonando por outra atriz, Lyris Castellani. Na época, a boazuda do cinema brasileiro. Sua imagem enfeitava oficinas mecânicas. Ótima atriz e uma doçura de pessoa, me tratava superbem. E eu confundi as coisas. Ingênuo, ainda não sabia qual era a minha. Naquelas filmagens em que criei vínculos afetivos com Mario Benvenuti e o escritor José Mauro de Vasconcelos (ambos no elenco) e com John Herbert (então marido de Eva Wilma), amadureci, descobri aspectos da conduta humana que desconhecia. E nessa fase de descobertas estava a minha sexualidade. Que angústia. Especialmente depois que flagrei duas pessoas do mesmo sexo dormindo juntas e felizes. Para complicar, a minha querida mãezinha apareceu com o meu pai e meu irmão já no fim da primeira semana de filmagem. Ela levou um bife cru, porque achava que eu podia estar passando fome. E mandou fritar no restaurante do hotel. Essa passagem eu coloquei anos depois em uma comédia com Ivete Bonfá. O público ria, alguns elogiaram a minha original inspiração. Mal sabiam que a fonte era verídica. Como protestei contra essa invasão, a minha mãe fez meu pai comprar uma casa em Bertioga. O pretexto para ficar por perto. Convenhamos, com pais assim, crescer normal fica difícil. Capítulo VII O Filé à Parmegiana Além de emocional, A Ilha foi um grande aprendizado cinematográfico. Valeu muito mais do que se tivesse feito uma escola. O Khouri respeitava e dominava a linguagem cinematográfica. Aprendi que não se deve quebrar o eixo em uma sequência. Só com planos intermediários de outros elementos. Na equipe dele, foram muitas as lições de George Pffister e de Rudolph Icsey. Esse diretor de fotografia, húngaro, tinha um conhecimento incrível por causa de seus anos de trabalho no cinema europeu. Um dia eu vacilei na continuidade de uma atriz, fiquei indeciso quanto a um gesto. Diante de minha insegurança, ela apontou o caminho e disse: Pode confiar em mim, eu cuido da minha continuidade. E cuidava. Mas estava errada, como vimos depois, assistindo ao copião no cinema em Guarujá. O Khouri me deu uma bronca. O Icsey me disse: Alfredoca (o ca é amigo em húngaro): nunca confiar em artistas. Confie em você mesmo. Segui o seu conselho. Dias depois, até armei uma polêmica com um ator. Eu estava certo. Diante de outros, o Icsey perguntou: Walterka, onde achar essa talenta? Embora habituado ao sotaque dele e às trocas de masculino e feminino, o Khouri não entendeu a pergunta. Icsey me abraçou e disse. Essa talenta. Ele fez elogios a minha sensibilidade cinematográfica, disse que eu ainda seria um diretor. Todos passaram a me respeitar mais ainda. O Antonio Polo Galante, que era eletricista, se desentendeu com a produção e pediu demissão. No ato, fez um discurso, disse que ainda seria produtor. Muitos riram, Khouri inclusive. Eu não. Ele se virou e disse, me apontando. Ainda vou produzir um filme dele. Galante não só cumpriu a promessa, como produziu alguns filmes do próprio Khouri. Este me incumbiu de dirigir um documentário em 35 mm. que tinha de ser feito para o Sesc como pagamento pela hospedagem do elenco e da equipe na colônia de férias em Bertioga. Assim realizei Um Recanto Aprazível, no qual tive a liberdade de usar músicas de Mozart e Dvorak. Que luxo. Já era um diretor. Ou assim me sentia. As filmagens de A Ilha foram difíceis, levou 90 dias. Houve atraso por causa do mau tempo em Bertioga e foi necessário reconstruir a praia na Vera Cruz. Assim, aumentou a minha responsabilidade de continuista. E nem havia polaróide. Mas deu certo, ninguém notou a diferença entre as cenas diurnas, feitas realmente na praia, e as noturnas, naquela praia que ocupava metade do estúdio maior, imenso, da Vera Cruz. Havia também problemas com intérpretes que não conseguiam decorar o diálogo. Como A Ilha não estava sendo feita com som direto, eu soprava o diálogo quando percebia que o ator vacilava. E tinha um que era péssimo. Numa cena com o Ruy Affonso (esse jamais errava), depois de uma longa fala apontando os mapas de tesouro que tinha encontrado, seu partner tinha que perguntar: Onde você achou isso? E ele respondia: Em boa companhia, mostrando garrafas de vinho.E não é que o ator não conseguia dizer onde você achou isso? Na terceira vez que a filmagem foi interrompida por esse esquecimento, ele veio em cima de mim, me xingando, dizendo que eu não soprava direito. Os outros tomaram minhas dores, principalmente John Herbert que achou a atitude injusta. Vai decorar, não descarregue nos outros as tuas falhas, gritou, se interpondo entre mim e o galã. Khouri retomou a filmagem em travelling e finalmente, a cena foi concluída. Não existia a figura do preparador de elenco, hoje tão em moda (às vezes excessiva e gratuita), mas acho que fui um preparador de elenco soprando diálogos. O aprendizado prosseguiu na montagem, feita por Máximo Barro. Acompanhei toda a edição de A Ilha e o Máximo, cuja moviola era construída por ele, mostrou-se extremamente terno e paciente comigo nos ensinamentos e quando cometia erros. Como quando rasguei sem querer a fita magnética com algumas das músicas compostas por Rogério Duprat, primo de Khouri, estreando no cinema e que fez uma bela trilha. Em especial no tema do tesouro. Tive de ir de ônibus até São Bernardo do Campo para transferí-la novamente nos estúdios de som da Vera Cruz. Acompanhei A Ilha em todas as fases: dublagem, mixagem, primeira cópia e até no lançamento nos cinemas em 1963. Foi um grande êxito de bilheteria, o primeiro da carreira de Khouri. Esse acompanhamento incluía almoços no Restaurante do Papai da Praça da Sé, que pertencia à família de Mário Benvenuti. Ele gostava de receber no estabelecimento da Praça da Sé. E lá passei ótimos momentos desde o primeiro dia que fui. Na hora de escolher o que ia comer, o Mário disse que por ser a minha primeira vez, meu prato seria uma surpresa. Fiquei apreensivo. E se fosse algo que não gostasse? Mas quando veio... Era um filé à parmegiana crocante na frigideira. Imenso e bonito. Nunca tinha comido porque a religião judaica proíbe carne com laticínio. Diante do meu deslumbramento, rolaram mil piadas. O Khouri dizia que eu não ia aguentar e o Jô Soares, companhia frequente nesses almoços, me alertou para o pecado que ia cometer. Fui em frente. Foi maravilhoso, um êxtase. Passou a ser um dos meus pratos preferidos. O primeiro filé à parmegiana a gente nunca esquece. Naqueles encontros, o Benvenuti e o Jô me transmitiram muita alegria de viver. O primeiro me passou o prazer de comer. Até então, apenas me alimentava. O segundo, inteligentíssimo e bem-humorado, me provou que é possível ser culto e debochado. Eu era um jovem velho e não sabia. Sou eternamente grato a esses ensinamentos. Capítulo VIII Rubem Biafora como chefe Nesse tempo de cineclube e assistência de Khouri, tornei-me mais próximo de Rubem Biafora. Crítico de cinema de O Estado de S. Paulo, ele foi em sua área um gênio para descobrir talentos sem a menor referência bibliográfica. Hoje, com a Internet e o bom trabalho dos assessores de imprensa, muitos dos que se dizem críticos apenas repetem os elogios que já existem lá fora, ou seja, dificilmente descobrem valores por si só. Mas Biafora, não. Ele que ressaltou cineastas como Douglas Sirk, Joseph Lewis, o próprio Ingmar Bergman, Joseph Von Sternberg, Edgar Ulmer e muitos outros que só depois foram valorizados pela crítica européia, em especial pelo Cahiers du Cinema. Além disso, como diretor, tinha feito um belo filme, Ravina, que trazia a deliberada influência de O Morro dos Ventos Uivantes , de William Wyler. Biafora era o crítico titular do Estadão e Fernando Seplinski o segundo. Eles e eu, e às vezes o João Batista, o José Julio Spievak e o Khouri, nos encontrávamos nas noites de sábado para bater papo. Primeiro no Tourist’s Bar. Depois no balcão do Arpege na Rua São Luiz. Grandes discussões. Biafora era bem radical. E numa noite, o Fernando pediu demissão, devolveu a credencial para ele. Dois dias depois, os ânimos exaltados, Biafora me chamou para ocupar temporariamente a vaga do Fernando. Mas pediu que não aparecesse na redação; afinal, tinha 20 anos, e aparentava menos. Era muito garoto para os padrões da época. Hoje é o contrário. No dia 31 de março de 1963, o Estadão publicou a minha primeira crítica. Era sobre Cinco Vezes Favela e assinei S (do meu sobrenome). Não podia assinar AS porque poderia ser confundido com Almeida Salles que fez crítica no mesmo jornal. Fiquei orgulhoso, era o mais jovem crítico do País (acho) e no jornal mais importante do Brasil. Porém, o que era para ser temporário durou pouco mais de 4 anos e gerou 872 matérias. Mais tarde assinei AS e, em seguida, o meu nome. Foi uma atividade maravilhosa, apesar da intransigência de Biafora. E, claro, relendo algumas críticas, vejo que escrevi algumas bobagens. Mas jamais fui agressivo, jamais usei palavras estigmatizantes que alguns ainda usam (canastrão, porcaria, etc.). Jamais radicalizei. E nessa atividade pude conhecer e entrevistar celebridades como Alain Delon (o homem mais bonito que entrevistei na vida) e a atriz japonesa Miyuki Kuwano, idolatrada pela colônia. Uma multidão a esperava no Aeroporto de Congonhas Entrevistei também os cineastas Fritz Lang, Valério Zurlini, Pierre Kast, Serge Bourguignon (um francês que ganhou o Oscar e que hoje está esquecido), o italiano Marco Vicário que havia feito o belo As Horas Nuas, o então jovem Roman Polanski. Esses encontros foram no 1º Festival Internacional de Cinema do Rio, em 1965, onde o meu amigo e então ator Luiz Pellegrini (depois, jornalista) me apresentou a belíssima Cláudia Cardinale. Eles estavam atuando em Uma Rosa para Todos, de Franco Rossi. Mas fiquei frustrado por não entrevistar gente como Vincente Minnelli e Glenn Ford. Na abertura do Festival, quando foi exibido Vagas Estrelas da Ursa, de Visconti, cheguei ao Cine Palácio na companhia do então amigo Jô Soares que ainda não era famoso. Ao andar no meio do cordão do isolamento, alguém do povo gritou: Olha o Gordo e o Magro chegando. Fiquei encabulado, tinha vergonha da minha magreza. Mas o Jô tirou de letra. No fim da noite, ele me chamou e mostrou o que tinha feito no smoking do Fritz Lang: escreveu com giz branco um M, como em M – O Vampiro de Dusseldorf. O Jô já tinha um humor genial. Capítulo IX Trabalho, Amor e Crise Mas não me acomodei na crítica. A minha meta era ser diretor. Por isso, em janeiro de 1964, sem deixar de escrever no O Estado, fui ser o primeiro assistente do Khouri em Noite Vazia. Era um filme mais fácil de produção do que A Ilha; tinha poucos personagens e seria feito quase que inteiramente nos estúdios da Vera Cruz. Antes disso, me ofereci para trabalhar com o escritor norte-americano Richard Levellyn, que ia fazer um filme no Brasil. Quando disse que me chamava Davis por causa de seu livro Como Era Verde o Meu Vale, ele me tratou secamente. Creio que pensou que eu estava puxando o saco. Mas era verdade o que disse. De qualquer forma, o filme não aconteceu. Em Noite Vazia, pude trabalhar ao lado de um ídolo, Odete Lara, embora Norma Bengell fosse mais famosa, vinha de uma trajetória de sucesso na Itália onde havia atuado sob as ordens de diretores como Alberto Latuada e Giuliano Montaldo. E trazia o marido, o belo e gentil Gabriele Tinti que tornou-se um dos atores centrais, ao lado de Mário Benvenuti. Não imaginava que o filme se tornaria um clássico. Afinal, muita coisa engraçada rolou na filmagem. Em especial no último dia na Vera Cruz, quando se rodava as cenas de Norma na chuva. Artificial, claro. Em um dos momentos, ela mandou parar os trabalhos, estava com dor de cabeça pois havia entrado água no cérebro. Isso mesmo. David Cardoso, continuista e que estreou como ator numa ponta, a carregou até o Pronto-Socorro de São Bernardo do Campo. Ela estava de calcinha e um robe de banho. Tudo que era médico e enfermeiro queria tratar da famosa estrela. Mas o chefe responsável, quando viu a agitação, mandou dar um calmante e a dispensou. Faltava um take para fechar a sequência, e Khouri estava nervoso, pois o estúdio tinha que ser entregue naquela noite. Como fazer Norma filmar? O Mário, ardiloso e engraçado, sugeriu um estratagema. Eu, como assistente, deveria suspender a filmagem e ela, contrariada, para me rebater iria insistir em fazer a cena. Dito e feito, o estratagema funcionou. Eu sou uma profissional, disse. Ela pediu que jogassem pouca água. Mas eu, irritado (já passava das três da manhã), decidi me vingar. Falei com o rapaz do corpo de bombeiros para abrir ao máximo o aparelho na ponta da mangueira que fazia com que a água caísse como chuva. Foi um temporal que quase a derrubou. Até hoje, rio quando vejo essa sequência. Noite Vazia enfrentou problemas com a censura do novo regime militar que se instalou. A ficha caiu quando fui entregar a minha colaboração no Estadão e vi a redação cheia de militares usando os aparelhos de comunicação. Naquele tempo, tudo era mais devagar. Mas assim que foi liberado, o filme tornou-se outro grande êxito de bilheteria da carreira de Khouri. As cenas eróticas deram muito o que falar. Eu continuei fazendo críticas e cometi o equívoco de não trabalhar como assistente de outros diretores. Tive a possibilidade de trabalhar com Luiz Sérgio Person em São Paulo S/A e, por uma confusão que fiz (confundi, achei que o Person fosse outra pessoa, antipática), recusei. Que bobeira. E a minha orientação sexual, mais visível, me criava problemas. Eu não a aceitava, e mesmo fazendo análise, cheguei até a esboçar duas tentativas de suicídio. Apaixonei-me e quebrei a cara. Ao mesmo tempo, dirigi um curta, o documentário Noturno, em 1966. Com fotografia de Rudolph Icsey e montagem do Máximo Barro, ficou bonito, mostrava São Paulo do entardecer até o amanhecer. Sem locução, só com ruídos, som ambiente e música. Em uma cena, a minha paixão da época aparece de silhueta, tendo ao fundo o extinto Cine República. Uma cena premonitória, como veremos mais adiante. Na realização de Noturno, ocorreu um fato engraçado. Fui falar com o diretor da Companhia de Gás de São Paulo que funcionava no Parque Dom Pedro; queria filmar nas instalações tipicamente inglesas e que datavam do começo do século 20. Máquinas e salas deslumbrantes. A licença foi concedida e na conversa, o gentil diretor comentou problemas da companhia, em especial sobre a pressão do gás que era fraca. Mais ou menos disse o seguinte: Se alguém quiser se suicidar com o nosso gás, vai desistir por cansaço. Todos riram na sala, mas engoli em seco; afinal, poucas semanas antes, exatamente isso tinha acontecido comigo na casa da Alameda Lorena. Os meus problemas sexuais me fizeram, numa noite, abrir o gás do fogão. Mas depois de quase duas horas, desisti e fui dormir. No dia seguinte, soube que minha mãe deu uma bronca no meu pai por causa do cheiro que estava na cozinha. Na relação amorosa, a minha cabeça ficou mais torta. Apesar da análise, ainda tinha problemas de autoaceitação. E, apesar de tanto ler e de ver muitos filmes, era tonto no plano emocional. Em 1967, largado pelo meu amor depois de uma tempestuosa viagem aos Estados Unidos e de uma violenta crise existencial que exigiu minha internação numa clínica, fui morar sozinho em uma quitinete na Rua General Jardim, 370. Mas justo nessa fase difícil, fui demitido do Estadão. Nunca entendi bem porquê. Capítulo X Mais Documentários Em 1967, Noturno foi escolhido para representar oficialmente o Brasil no Festival Internacional de Veneza, onde ganhou destaque em um jornal de lá graças ao Luis Pellegrini, que estava morando na Itália e conhecia um dos principais jornalistas de Roma. Mais tarde, o meu curta recebeu o prêmio Governador do Estado de melhor documentário do ano. Apesar dos meus problemas pessoais, não tinha perdido o tesão pelo cinema. E começava a me aceitar no plano sexual, fui deixando de me angustiar nessa área. Embora tenha sofrido no íntimo, visto bem de perto reações agressivas por conta da homossexualidade, jamais menti ou omiti a respeito. Posso não ter escancarado, mas nunca me fiz passar pelo que não era. Por intermédio do Khouri, tinha ficado amigo de um jovem marchand de tableaux, o Ralf Camargo. E também do pintor Tuneu. Por meio deste último, conheci Tarsila do Amaral. Resolvi fazer um documentário a seu respeito. Ela já estava paralítica e, depois de ler o roteiro, me recebeu com carinho em seu apartamento em Higienópolis. Mas apesar da sua anuência, o projeto não avançou. Naquele meio de artes plásticas conheci Flávio de Carvalho. Deslumbrado com a sua arte e sua genialidade ousada, sempre à frente de seu tempo, decidi fazer um documentário de curta-metragem. Filmei um vernisage com algumas pontas de negativo, mas não conseguia produção. Porém, dois meses depois disso, Flávio ganhou o Grande Prêmio da Bienal de São Paulo. Naquele dia de setembro de 1967, passei pelo escritório do produtor Jorge Teixeira apenas para usar o telefone e tomar um café com a minha amiga e secretária Cleuza. Nisso, ele saiu de sua sala e perguntou se eu ainda tinha os direitos para fazer o documentário sobre o Flávio (eu tinha oferecido o projeto antes). Respondi que sim. Ele marcou para daí a uma semana o início da filmagem. Fiquei em pânico, não falava com o Flávio há muito tempo. Fui correndo até o seu apartamento na Avenida Ipiranga e assim que ele terminou de dar uma entrevista à TV, me disse: Que bom que você veio. Hoje, já apareceram duas pessoas querendo fazer o documentário. Mas como você veio bem antes... Dá para fazer? Respondi que sim e, graças à ética do artista que considerou os meus esforços anteriores, nasceu o curta que me deu muitas alegrias: ganhou o prêmio Governador do Estado e me possibilitou conhecer Salvador em uma exibição especial com a presença de Jorge Amado que me fez elogios. Nas filmagens, aconteceu um fato mágico, denominação que dei para incidentes com coincidências que costumavam ocorrer nas minhas filmagens. Uma das obras-primas de Flávio é a série da mãe morta: nove desenhos em ordem sequencial onde ele retrata a sua agonia no leito. A série estava no Museu de Arte Contemporânea e eu só podia filmá-la naquele local. Mas tinha um porém, me disse a diretora: o número dois estava perdido há uns três anos, desde que se extraviou em uma exposição nos Estados Unidos. Fiquei bem contrariado, o Flávio também, pois desconhecia o incidente. Eu teria que usar uma reprodução. Mas no dia que filmei, assim que terminei, chegou uma perua da Varig para entregar um caixote. Olhei, tinha a forma de um quadro. Não desmontem a câmera, gritei. Esperei a diretora abrir o caixote: era o número dois. Ela mesmo se espantou. Prossegui fazendo documentários de curta-metragem. O recém-fundado INC (Instituto Nacional do Cinema), presidido por Flávio Tambellini, me chamou. O Moniz Viana, que dirigia o Instituto, queria difundir o cinema nacional. Mas antes, pediu que ajudasse Lima Barreto a concluir o roteiro de A Guerra de Canudos. Aceitei o emprego. Trabalhei das duas às 7 horas da noite e pedi demissão. O sujeito só bebia, viajava, enfim não estabelecia condições de trabalho. O Moniz viu e entendeu. Mas, dentro dessa vertente de divulgar o cinema brasileiro e que tinha como um dos produtores o pesquisador Jurandyr Passos Noronha, o Moniz me incumbiu de dirigir A Batalha dos Sete Anos. Depois fiz O Ciclo Vera Cruz e Alberto Cavalcanti que havia sido iniciado pelo Julio Heilbron, uma simpatia, assim como sua esposa Gilberta, filha de Jurandyr. Nesse ambiente que se respirava paixão e dedicação ao cinema, conheci pessoas com quem me relaciono até hoje: Bigode ( o cineasta Luiz Carlos Lacerda), Rodrigo Goulart, que estava produzindo Quelé do Pajeu com o falecido Arnaldo Coimbra, Valério de Andrade, Ruy Pereira da Silva e o jornalista Carlos Fonseca que era um dos editores da revista Filme & Cultura para a qual passei a escrever. Lá , fiz entre outras coisas, duas entrevistas importantes: uma com Luiz Sérgio Person e outra com o pioneiro José Medina quem, entre 1919 e 1929, fez os belos e clássicos Exemplo Regenerador e Fragmentos da Vida. A amizade com Fonseca, começada em 1967, foi até 2005, quando ele morreu. Capítulo XI Cinema na TV Cultura O êxito de Flávio de Carvalho me levou em 1969 à recém-fundada TV Educativa de São Paulo, mais conhecida como TV Cultura. A diretoria que tinha Carlos Vergueiro, Cláudio Petraglia e Sérgio Viotti, se interessou pela compra do documentário produzido pelo Jorge Teixeira. Fui o intermediário e nessa aproximação, propus um programa sobre o cinema brasileiro. Eles aceitaram. Só então descobri que Viotti era meu vizinho, morava no andar acima do meu na Rua General Jardim. E nunca o tinha visto. Naquele prédio que, depois, teve o Minhocão bem ao lado, moravam também a atriz Liana Duval e Marcos Caruso que se consagraria como um dos autores mais bem-sucedidos do nosso teatro, além de se popularizar como ator. Cinema Brasileiro na TV começou apresentado pela saudosa Lola Brah, uma atriz que muito lutou pelas conquistas do cinema brasileiro. As primeiras batalhas pelo adicional sobre o ingresso em São Paulo tinham ela na frente, encaminhando as propostas às autoridades. Artistas como Adriana Prieto, cineastas como Jorge Iileli, José Medina, Oswaldo Massaini, Osvaldo Sampaio, Sylvio Back, Alfredo Palácios entre outros, lá estiveram para ser entrevistados. O programa fez tanto sucesso que passou também a exibir um longa-metragem. Floradas na Serra, por exemplo, foi uma grande audiência. Muitos descobriram o grande talento de Cacilda Becker. O filme é belíssimo. Com a incrível música de Enrico Simonetti, é o meu preferido entre os brasileiros. Na produção desse programa que permaneceu na grade 13 meses (até o fim de 1970), aconteceram duas gafes minhas. Uma foi para ilustrar a entrevista de Adriana. Exibi trecho de Lúcia MacCartney onde ela e Arduino Colasanti apareciam nus. Uma cena rápida. Trouxe a cópia em 16 mm. e... não sei porquê, apareceu esse momento. Naquela época as cópias passavam diretamente no momento da transmissão do programa. Outra gafe foi quando deixei com o diretor do programa, o simpático Irineu , a cópia em 16 milímetros do longa Panorama do Cinema Brasileiro para ser exibido em um feriado. Só assistindo, percebi que havia esquecido de avisá-lo das cenas de Os Cafajestes (Norma Bengell nua) e de O Beijo, baseado na peça O Beijo no Asfalto, que tinha diálogos mencionando a palavra homossexual. Isso em plena ditadura militar. Houve protestos, mas eu aleguei que como o filme era do Ministério da Educação do Governo Costa Silva, não vacilei em colocá-lo por inteiro, certo que não havia nada contra a moral e os bons costumes da família brasileira. O Carlos Vergueiro riu e achou ótima a justificativa. O programa teve outras duas apresentadoras: a atriz Liana Duval e a jornalista Nilce Cervone. Capítulo XII Para Todo o Sempre É o Amor... , de Zezé de Camargo 1969 foi um dos anos mais agitados da minha vida. Muita coisa aconteceu. Antes de estrear o programa Cinema Brasileiro, estive como bicão no 2o Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro e tive o prazer de conhecer Joseph Von Sternberg. Apresentado pelo Khouri, eu o vi várias vezes. A última estava ao lado de Ingrid Thulin, a grande atriz dos filmes de Bergman, uma simpatia. Nesse festival, presenciei uma entrevista exclusiva que a Teca Rodrigues, jornalista da Manchete, fez com Sternberg e Fritz Lang ao mesmo tempo, na pérgola do Copacabana Palace. Ela perguntou quais eram os planos para o futuro. Lang, então com 78 anos, desfilou alguns projetos, um com Jeanne Moreau. Sternberg (75 anos) só sorria e quando chegou sua vez, beijou a mão da moça e disse You are very kind (Você é muito gentil). Ele morreu no fim daquele ano, dormindo. Uma morte serena, como ele. Mas a minha vida amorosa continuava complicada. Já tinha tido mais duas relações que duraram pouco. Cheguei à conclusão que deveria me limitar só a aventuras esporádicas, sem compromisso afetivo. E com essa finalidade, numa noite fui ao Cine República que tinha perdido parte de seu esplendor (foi o primeiro Cinemascope do Brasil), mas era movimentado embora não lotasse seus dois mil lugares. Sempre registro os filmes que assisto, mas naquele dia, 22 de novembro, esqueci. Sei que era uma aventura classe B com Anita Ekberg, ambientada em Hong Kong. Também não tinha ido ver filme. Em uma de minhas andanças pela platéia, um rapaz me chamou a atenção com seus belos olhos. Sentei perto, mas ele fez sinal para me acomodar na poltrona ao lado. Achei o gesto rude, mas acatei. Ainda bem. A aventura que eu buscava se concretizou. O que não esperava é que a aventura se transformasse em uma relação que dura desde então, há quase 40 anos. Bendito Cine República que homenageei em Noturno. Três anos mais jovem (nasceu em 1945 em Promissão, SP), Antonio Carlos Contrera me encantou com a sua simplicidade, seu charme. A relação foi prosperando e nesse tempo todo só teve um estremecimento logo no início quando ainda nem morávamos juntos. Não lembro porque o afastamento. Mas, felizmente, segui um conselho de meu amigo Rodrigo Goulart. Não deixe que o orgulho atrapalhe teus sentimentos. Às vezes pode ser fatal. Segui os meus impulsos, fui até a Telefônica (achar um telefone em São Paulo era uma batalha, eu não tinha) e liguei para a casa da família do Luiz e Ana no Cambuci (onde ele morava), um casal amigo até hoje. Antonio Carlos atendeu, marcamos novo encontro e a relação nunca mais foi interrompida. Um fato curioso aconteceu em 1970. No dia 12 de junho, aniversário dele, fomos festejar no restaurante Ao Franciscano, que não existe mais. Era dia dos namorados também e o licor Strega (bruxa em italiano) estava sendo lançado no Brasil. O garçom servia a bebida em dois potezinhos porque, segundo a lenda (ou a publicidade), amantes que bebem Strega juntos, nunca mais se separam. O garçom vacilou diante da nossa mesa. Mas disse o texto e serviu. Bebemos. A lenda funcionou. O engraçado é que naquele festival de cinema do Rio de janeiro, o Mário Benvenuti tinha me apresentado o ator italiano Guido Strega, dono da indústria, que atuou em alguns filmes de Fellini. Uma simpatia. A minha vida pessoal ficou mais estável ao lado do Antonio Carlos. Não faltaram vozes contra essa relação com alguém de outra classe social. É impressionante que, em pleno século 20, tinha que ouvir advertências que pareciam saídas da literatura de Jane Austen. Mas não dei bola ao orgulho e preconceito (com licença, Austen). Claro, ele é do interior, o segundo de oito irmãos de uma ótima família humilde, não tinha cultura. Mas razão e sensibilidade (de novo, Austen), ou melhor, mais sensibilidade, lá estavam. A prova definitiva deu-se em uma encenação de Carmen, no Teatro Municipal. Ele nunca tinha visto ópera, ia ser um teste. Logo no início, fiquei irado ao descobrir que a ópera francesa de Bizet estava sendo apresentada em italiano. Mas AC estava deslumbrado. E mais emocionado e feliz ficou na área de Micaela, no primeiro ato. Marta Baschi estava estupenda. Ao ver que ele tinha o rosto comovido, vi que nossa relação poderia ser maravilhosa como de fato tem sido. Sou eternamente grato ao compositor Georges Bizet e à cantora Marta Baschi por me apontarem o caminho certo. Para todo sempre (título de um melodrama com Jean Peters). Capítulo XIII O Primeiro Longa Finalmente, em 1970, consegui recursos para o meu primeiro longa. O meu roteiro, Paixão na Praia, ganhou um financiamento-prêmio da Comissão Estadual de Cinema do governo de São Paulo. Esse empréstimo motivou os produtores Antonio Polo Galante e Alfredo Palácios que tinham a Servicine, a produzir o filme. Na escalação do elenco, acertei em cheio na escolha de Ewerton de Castro e Lola Brah. Tinha escrito os personagens para os dois. Ele, eu não conhecia a não ser por suas atuações no palco. Fiquei impressionado com o seu desempenho em A Cozinha, produzido por John Herbert e Eva Wilma que juntou no palco inúmeros grandes atores ainda pouco conhecidos: além de Ewerton, tinha Dorothy Leiner, Irene Ravache, Bete Mendes, Semi Lufti (que filmaria depois comigo)... Já Lola era minha amiga e meu ídolo. Tinha escrito a personagem central para Eva Wilma. Porém, ela não pôde ou não quis fazer, não lembro. Por sugestão de Palácios fui atrás de Maysa. Mas o marido dela, o espanhol Miguel, pediu uma fortuna. Mandei o script para Norma Bengell que se encantou. Com o grande talento que tem, ela se saiu esplêndida. Mas o seu temperamento nada fácil e sua irritação com o Adriano Reys, que fazia par romântico, me colocou em dificuldades. A irritação deu-se em um incidente com Adriano (sem querer, ele ficou excitado em cena), no antepenúltimo dia de filmagem. Ainda bem que foi no final, porque era a minha estréia, e ainda não sabia administrar conflitos pessoais de artistas e também tinha que me virar com 18 dias de filmagem e apenas 18 latas grandes de negativo. Uma miséria. Porém, eu havia aceitado essa condição. Outra coincidência mística aconteceu na filmagem. Eu tinha concebido a primeira aparição da Lola Brah no papel de uma senhora malandra e sensual em um mirante que existe no fim do Leblon, no Rio de Janeiro. Ela dizia em tom saudosista um diálogo: Eu e o Barão vínhamos sempre aqui, ver o amanhecer. Ela se emocionou e mais tarde me explicou. Na vida real, nos anos 30 ou 40, Lola teve um caso com um filho do ditador Getúlio Vargas. E ambos, em várias ocasiões, saíam do Cassino da Urca e iam àquele local para ver o amanhecer. Queria tanto que meu pai se orgulhasse do filho, diretor de longas, mas ele morreu no dia 29 agosto de 1970, quando Paixão na Praia estava em processo de dublagem. Estava com 69 anos e teve um enfarte. Havia trabalhado até o dia anterior, não tinha graves problemas de saúde, nunca me lembro de tê-lo visto hospitalizado. No dia do enterro, jurei que jamais iria contemporizar como ele tinha contemporizado. Com minha mãe, nos negócios, na vida social. E creio que tenho sido fiel a esse juramento, embora com o passar dos anos tenha entendido melhor a postura do meu pai. E percebi que contemporizar não exigia mentir, algo que sempre odiei. Sei que a vida, às vezes, exige contemporização. Mas que é um ato detestável, é. Talvez essa preocupação em não contemporizar tenha me levado a tomar atitudes mais drásticas. E às vezes de forma errada. Mas essa conscientização a gente só adquire bem mais maduro. Capítulo XIV Um Festival e Um Emprego Em novembro de 1970, Paixão na Praia – que marcou a estréia no longa do diretor de fotografia Antonio Meliande – foi apresentado em um festival no Guarujá. Um sucesso. Gente de cinema reconheceu a minha capacidade. Oswaldo Massaini, concorrente dos meus produtores, fez questão de me saudar. Não acreditava que um crítico pudesse ser bom diretor. Ele me apresentou a Carlos Manga que também me elogiou. Que felicidade naquela noite, ser cumprimentado por um grande diretor como Manga, ao lado de sua esposa, a bela Inalda Carvalho, que admirava desde que ela tinha sido Miss Cinelândia. E eu estava com Antonio Carlos. Paixão na Praia possibilitou prêmios para Ewerton e Lola, e o compositor Mário Edison (um grande talento que não foi bem aproveitado pelo cinema). Mas os prêmios de melhor filme e melhor diretor foram dados à A Moreninha, de Glauco Mirko Laurelli. Merecidos. Um musical notável. Mas logo surgiram problemas. A censura federal implicou com o filme. Durante muito tempo permaneceu interditado. Era época da ditadura militar. Várias pessoas tentaram interceder, prestaram solidariedade. Caso de Lola que agitou os seus conhecimentos, do então casal Kito Junqueira e Ariclê Perez; ela tinha feito um pequeno papel, foi a sua estréia no cinema. Só em 1972, o filme estreou comercialmente. Com cortes. E sem sucesso nas bilheterias. Pensei que a minha carreira de diretor de longas tivesse acabado. Ainda bem que naquele ano de 1972, o jornalista Casimiro Xavier de Mendonça me indicou para trabalhar na Folha da Tarde. Ai, aconteceu algo engraçado, bem Ionesco. Havia saído uma lei que regulamentava a profissão de jornalista. Tinha que ter registro no Ministério do Trabalho para poder ser contratado pelo jornal. E esse registro só era dado para diplomados ou quem provasse que tinha trabalhado na imprensa até essa data ou antes dela. Eu fui requerer o registro, afinal tinha trabalhado quatro anos no Estadão. Mas o sujeito lá recusou, disse que eu tinha de estar trabalhando. Porém, só podia trabalhar se tivesse registro. Ah, a burocracia. Pedi ao Carlos Fonseca, carta em papel timbrado mencionando minha atuação na revista Filme & Cultura. Falei com o funcionário de forma drástica, que aquela revista era do Ministério da Educação e Cultura, o que era verdade. Fui solene nisso. O Casemiro me diz que meu tempo para ingressar na Folha da Tarde está se esgotando. Fui até a repartição brigar e o homem me sai com o registro, dado no dia anterior. Se não fosse a carta do MEC, disse. Ou seja, meus quatro anos de Estadão eram inúteis. O curioso é que o Carlos Fonseca não conseguiu o registro. Comecei na Folha da Tarde sob as ordens de Eliana Pace, editora de variedades. Que chefe maravilhosa. Com ela, o clima era de festa contínua. Mas nem por isso havia desleixo no trabalho. Muito pelo contrário. Fazia matérias de página inteira como a cobertura do Oscar, de um congresso do cinema brasileiro, o balanço do ano. Nessa fase tive a alegria de conhecer um gênio: Gene Kelly. Entrevistei também Jessica Lange (ninguém a valorizava, só eu), Franco Zeffirelli, que admiro (um injustiçado pela crítica) e Liza Minnelli. E abri um bom espaço para o cinema nacional divulgar seus filmes. Tanto os da Boca como os do Rio de Janeiro. Sem preconceitos. Cobria filmagens, como as de Sedução, com Sandra Brea. Infelizmente a Eliana saiu, ela era muito estimulante. Ficou como chefe o simpático Horley Destro, já falecido. Foram quase oito anos em que pude exercer o oficio com prazer e , modéstia inclusa, eficiência. Capítulo XV Anjo Loiro e a repressão Terrível a existência humana. Cada qual passa a vida a impor sua vontade aos outros, e a si mesmo, e quase convicto da sua justiça. – D.H. Lawrence em A Serpente Emplumada. Mas não desisti de fazer cinema. E com Eliana, era possível conciliar as duas atividades. Com o meu amigo e cinéfilo Juan Siringo (dirigiu um longa: Pecado Original), adaptei para o Brasil o conto de Henrich Man que serviu de base para O Anjo Azul, de Von Sternberg. Achei produtor na Boca, o falecido Elias Cury Filho. Mas começou o dilema para escolher o par central. O roteiro havia sido pensado para Adriana Prieto e ela aceitou. Para o professor maduro o escolhido foi Francisco Cuoco. Porém, dias depois, recusou. Alegou razões particulares. Parece que a esposa não via com bons olhos certas cenas que na TV ele jamais faria. Fui atrás do Carlos Alberto, o galã. Mas como a filmagem não seria no Rio de Janeiro, a esposa dele me disse por telefone que era impossível ele se ausentar da cidade, pois tinha que marcar ponto em uma repartição. A mulher dele então era a Maysa. Justo ela, de novo. O escolhido foi Mario Benvenuti. Uma benção. Sua alegria de viver, seu autêntico lado dionisíaco foram decisivos para o bom resultado do filme. Mas Adriana deu pra trás, alegou que não queria mais filmar nua. Devolveu o sinal recebido e o produtor me deu um ultimato: ou tem Vera Fischer ou não tem filme. Lá fui eu atrás da Miss Brasil, com preconceitos porque dei ouvidos a comentários desfavoráveis. Ela tinha feito apenas um filme: Sinal Vermelho: As Fêmeas, do Fauze Mansur. Depois de alguns desencontros, a conheci, acertamos tudo. E Vera foi um encanto. Já era uma atriz sensível, apenas algo insegura e cercada de preconceitos. Porém, tivemos uma bela amizade que o tempo esvaiu. E sua dedicação ao trabalho impressionou a todos. Assim, os 30 dias de filmagem de Anjo Loiro, com um elenco que incluía o novato Nuno Leal Maia, Celia Helena (no lugar de Irene Ravache que ficou grávida), e Ewerton de Castro, foram uma festa. O Ary Fernandes foi o produtor executivo. Mas o título era outro: Anjo Devasso. Só que a censura vetou o título. Anjo Perverso também foi vetado. Acabou sendo Anjo Loiro e, liberado com alguns cortes, foi um estouro de bilheteria em outubro de 1973. O produtor Elias Curi Jr. fez um bom marketing em cima da Vera. Lotava as sessões do Cine Olido. Era animador ver aquelas filas imensas. Me dava a certeza que a minha carreira iria para a frente sem problemas. Mas a alegria durou pouco. Na 5a semana que o filme estava em cartaz, ainda com sucesso, e os produtores faziam mais cópias para atender a extraordinária demanda, veio uma ordem de interdição da Censura Federal. Diziam que alguns cortes não tinham sido efetuados. Alguém tinha que ir à Brasília explicar que tudo fora feito de acordo com o certificado da Censura. Os produtores e exibidores me incumbiram da missão. Lá fui eu na companhia de um advogado, o dr. Antonio Sá Pinto, irmão de Paulo Sá Pinto, um dos donos do circuito Sul que estava exibindo o filme. Aquele velhinho maravilhoso (estava P da vida com os seus 74 anos) e os acontecimentos fizeram da viagem de um dia, uma lição de vida. Pude ver como o ser humano pode ser tão impositivo. O primeiro encontro foi com Rogério Nunes, chefe da Censura e que me conhecia como jornalista da Folha da Tarde, por causa do Congresso do Cinema Brasileiro que tinha acontecido no ano anterior no Rio de Janeiro. Ele disse que a decisão de proibir não era dele, mas de seu superior, o general Antônio Bandeira, o temível chefe da Polícia Federal do governo Médici. Sua sala ficava no andar de cima. Quando já estávamos de partida, me veio a idéia de subir e pedir uma audiência com o general. Falei com a secretária que o dr. Sá Pinto, de São Paulo, queria lhe dar uma palavrinha. Acho que o general pensou que fosse o famoso irmão, o exibidor milionário. E disse que ia atender. Esperamos, eu me irritando ao ver aquela secretária marcando encontro nas sessões de filmes proibidos. Ela estava agendando entradas para O Barba Azul, com Richard Burton, também interditado. Ou seja, o povo brasileiro sem chances, e aquela dondoca podendo. Finalmente entramos, o dr. Sá Pinto e um representante da companhia em Brasília (um sujeito bem puxa-saco, servil) explicando o caso Anjo Loiro. Excelência pra cá, excelência pra lá, depois que o Bandeira disse que em sua gestão não iria tolerar imundícies, comecei a gritar de dedo em riste, dizendo que não admito que ninguém me chame de imundo. O general disse que eu ouvi mal. É excelência, mas quem escreveu e dirigiu esse filme fui eu, e por tabela o senhor está me chamando de imundo. Ele começou a gritar, eu também, disse que ele envergonhava o país proibindo mais de 40 filmes. E fui dizendo os filmes: Sacco e Vanzetti, A Classe Operária vai ao Paraíso, O Barba Azul, Toda a Nudez será Castigada... Resumindo: ele me ameaçou de prisão, mas o dr. Sá Pinto prontamente pediu desculpas pelo meu desequilíbrio emocional. E saímos. Já na rua, o representante do circuito me deu uma bronca, disse que eu fui um idiota, que arrisquei a minha vida, que destrui a minha carreira. Fiquei mal, me dei conta que tinha extrapolado. Comecei a chorar. Mas o dr. Sá Pinto logo me pôs prá cima. Ele, que já tinha bebido no avião, sugeriu irmos ao bar do Hotel Nacional para beber, festejar o meu feito e esperar a nossa hora de retornar: as passagens estavam marcadas para o começo da noite. Sem o serviçal, fomos os dois para o bar. E ele me cobriu de elogios. O dr. Sá Pinto conhecia muita gente, deputados que começaram a chegar. Ele me apresentava e dizia em alto bom tom: Esse rapaz mandou o Bandeira tomar no c... Eu não tinha feito isso, mas o gentil idoso, no seu entusiasmo exagerava. As pessoas se afastavam daqueles inconvenientes. Já no aeroporto, a moça no balcão diz que, naquelas condições, o meu avô não poderia embarcar. Eu implorei (estava apavorado, queria ir embora, voltar para o Antonio Carlos), contei uma história triste (tia doente) e ela autorizou. Antes, recomendou que desse um café bem forte ao vovô. Tentei, em vão. Já no avião, quando achei que o doutor tinha sossegado, ele botou a mão no traseiro de uma senhora norte-americana. E riu. Pedi desculpas em inglês, ela não disse nada. Achei que iam nos expulsar. Mas a aeromoça só olhou. Fecharam as portas. O avião decolou. Que alívio. Mas Anjo Loiro ficou proibido por mais de seis meses. Quando retornou, tinha perdido o fôlego nas bilheterias. Eu, com minha pequena participação nos lucros do filme, teria ficado muito bem de vida caso o destino não colocasse o general Bandeira no meio. Alguns anos depois, Anjo Loiro foi exibido na TV Record, no programa Sala Especial. Queria ter mandado um telegrama para o general. Apesar da sua proibição, Anjo Loiro hoje está ao alcance de todos, maiores e menores. A evolução dos costumes é mais rápida que a estupidez humana. Capítulo XVI O Terceiro Longa Apesar do sucesso de Anjo Loiro, não estava fácil fazer um novo longa. Uma das propostas que surgiu foi uma comédia tipo Como Agarrar um Milionário para Galante e Palácios. Com o título As Vigaristas, desenvolvi um roteiro com a colaboração posterior de Marcos Rey. Além de grande escritor, uma pessoa generosa, simpática. Ele e a mulher Palma foram superafetuosos. Hoje, lamento não ter cultivado mais a amizade com os dois. Mas o projeto, que chegou a interessar o Jô Soares para o papel principal , não avançou. Acabei fazendo um episódio, O Reencontro, para um drama de três histórias intitulado Aquelas Mulheres. O produtor era um jornalista, José Maria. A minha trama era sobre a insatisfação conjugal de uma mulher. A querida Lilian Lemmertz, que conhecia desde 1964 quando havia sido cogitada para Noite Vazia, fez esse papel com muita sensibilidade. Porém, o dinheiro do produtor acabou e o filme nem sonorizado foi. Surgiu então em 1974 um roteiro chamado A Freira e o Pescador, da Monah Delacy, que iria ser produzido pela Rossana Ghessa, estabelecida no Rio de Janeiro. Quem me trouxe a proposta foi o meu amigo Carlos Fonseca, produtor-executivo da trama. Gostei, pude mudar algumas coisinhas e em junho já estava no Rio. O título mudou para Pureza Proibida. Bem melhor, sugerido pelo meu amigo e crítico Edu Jancsz, e que em 1973 tinha sido meu aluno na FAAP de São Paulo, quando dei aulas de assistência de direção por um curto período, a convite do Máximo Barro. As filmagens, feitas em Arraial do Cabo, Cabo Frio e imediações, não foram fáceis. Muitos imprevistos e acidentes. Disseram que foi por passar, na história, pela macumba. Pode ser. No primeiro dia de filmagem na praia, eu comecei a ter frio, estava tendo uma crise renal. A equipe e a produtora Rossana me olharam como se dizendo: Será que esse diretor aguenta? Mas, no dia seguinte, graças ao farmacêutico local, estava ótimo, enérgico. Lembro ter filmado uma cena com Monah como madre superiora, em um convento antigo de Cabo Frio. A Rossana não queria ficar de costas para a câmera no início da sequência. Sou também a produtora, disse de uma forma nada agradável. Mas, sem perder a calma, eu a convenci, lembrei que Liza Minnelli havia ganho o Oscar com Cabaret onde aparecia de costas. O clima da filmagem ficou melhor. Tempos depois, um drama aconteceu envolvendo o Ruy Santos, diretor de fotografia. Ele tinha um grande passado, tinha dirigido filmes e participado da inacabada realização de Orson Welles no Brasil. Por isso, não gostei quando Rossana o contratou sem falar antes comigo. Temia relações difíceis. Ledo engano, o Ruy foi um grande profissional, nada impositivo. A sua fotografia é preciosa. Quando a produção deu folga de três dias, a maioria foi para o Rio de Janeiro. Eu fiquei passeando com Antonio Carlos naquela região linda de Cabo Frio. O Ruy, já casado pela 3a vez (com Talita), precisou resolver uma pendência com a 2a mulher, a Cleide, também continuísta. Nessa folga no Rio, os dois se encontraram e discutiram. Assim que ele saiu da casa dela, a Cleide se matou. Inquérito, trauma, etc. O Ruy disse que, caso a produção o trocasse, ele entenderia. Mas é obvio que, nessa situação, o trabalho era essencial para que ele não entrasse em maior depressão. Por isso, fiz questão de lhe deixar claro que ficaria em Arraial do Cabo a sua espera. Quase que a boa intenção não se concretiza. Mas o Ruy concluiu a sua fotografia. Posteriormente, o 3o acidente: um desastre de carro que deixou o Carlo Mossy imobilizado por meses. Ele fazia o padre da história e tinha ainda duas sequências para participar. Precisei mudá-las. Ainda bem que a Monah estava por perto. Mãe de Cristiane Torloni, uma pessoa maravilhosa e culta. Um doce. Com Pureza Proibida, que possibilitou um prêmio da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) para a querida Ruth de Souza e que tinha o também negro Zózimo Bulbul no papel principal, descobri como é mais intenso o preconceito racial. Tanto na mídia como com o público. Nos Estados do Rio para baixo, o filme fracassou. Acima, um grande sucesso de bilheteria. Qual a explicação? Eu devia ter lembrado na época que Orfeu do Carnaval, do Marcel Camus, foi um campeão de bilheteria no mundo todo. Menos em um país: Brasil. Mas já no Festival de Gramado, senti que, entre críticos, o preconceito também existe, é projetado. No debate sobre o filme, conduzido por Paulo Emilio Salles Gomes, alguns disseram que eu não tinha conseguido desenvolver o problema do preconceito racial. Não consegui porque não quis, não existia essa intenção, respondi. Então, por que o Zózimo, perguntou um crítico de São Paulo que se diz de esquerda. E por que não o Zózimo?, rebati. É proibido ter galã negro? Escolhi o Zózimo porque ele é bonito, sensual e bom ator. Já algo exaltado, esclareci que a proposta do filme era a de contar uma história de descoberta, amor e repressão. No caso, da igreja católica. Por isso, o papel do pescador podia ser feito por alguém de qualquer etnia ou raça. Vocês querem conduzir a história. Por vocês, Hamlet seria diferente, exclamei provocando risos e sinal de aprovação de Lygia Fagundes Telles, presente ao debate. Capítulo XVII Um Filme de Época Comecei a procurar um novo longa para fazer antes do lançamento de Pureza Proibida. Tinha boa fama na Boca; já era considerado um diretor competente e responsável. Estava sempre em contato com Galante e Palácios. Este tinha uma cultura e forte vontade de inovar que ainda não se manifestara em outros produtores. Por isso, ele me propôs transpor Éramos Seis, da sra. Leandro Dupré. Nos anos 1940 foi um best seller e tinha sido filmado na Argentina. Minha lembrança do livro era equivocada. Mas li novamente. Ao terminar, chorava copiosamente. Fiquei entusiasmado, fiz uma primeira adaptação e fomos falar com a sra. Leandro Dupré (ela assinava assim) em seu apartamento na Rua Mello Alves. Simpática, tinha gostado do meu pré-roteiro. Perguntou quem eu pensava para dona Lola. Citei Dina Sfat e Fernanda Montenegro. Mas o advogado dela e Galante não chegaram a um acordo na questão financeira. Que mágoa. Palácios resolveu então fazer Lucíola. Era um dos únicos romances de José de Alencar que eu não tinha lido. Insisti para ele fazer Senhora ou A Viuvinha. Em vão, ele queria Lucíola. Ao terminar de ler o romance, fiquei apaixonado pela trama. Sempre gostei de histórias em que o amor enfrenta a repressão. E esse livro não tinha direitos, era domínio público. Começou a produção de um filme que, por vários motivos, é o meu preferido. Tirei o Antonio Carlos do escritório onde ele trabalhava e o nomeei meu assistente. Nepotismo? Pode ser, mas valeu a pena. Independentemente da relação pessoal, ele foi um ótimo assistente, acabou bem quisto por todos. E tanto foi que, em seguida, participou como continuista de dois filmes. Um do Ary Fernandes com Meiry Vieira e Guilherme Correa no elenco. O outro, do Carlo Mossy, foi feito no Rio de Janeiro, e tinha Jorge Doria, Henriqueta Brieba, Adéle Fátima, Lady Francisco, Heloisa Helena entre os inúmeros intérpretes. Não foi fácil fazer Lucíola em menos de seis semanas e com pouco mais de 30 latas; afinal, era um drama de época. Mas tive uma sucessão de fatos mágicos, os deuses estavam conosco, muita gente colaborou. E a equipe era maravilhosa, respirava amor tanto no casal Isabel e Amaral (continuista e fotógrafo de cena) como em geral. Um desses fatos mágicos deu-se no Rio. Tinha previsto filmar uma sequência noturna no Largo do Boticário. Sabia que aquele local era um condomínio particular, fechado, e por isso, solicitei a produção que obtivesse licença. Na data marcada, fomos para lá, eu certo que estava tudo OK. O produtor executivo tinha deixado para pedir licença no dia, inclusive puxar energia elétrica. Nervoso, estava me recusando a falar com o zelador quando o Antonio Carlos e outras pessoas da equipe insistiram para que eu assim fizesse, o homem se aproximando. Coincidência: era o pintor e desenhista Augusto Rodrigues, pai da jornalista Teca que eu conhecia: ela que tinha entrevistado Fritz Lang e Von Sternberg juntos. Ao saber desses meus relacionamentos, Augusto foi de extrema gentileza. Facilitou tudo e assim, a filmagem aconteceu. Outro episódio ocorreu em São Paulo. Tinha ficado insatisfeito com o biombo que o cenógrafo havia feito para o quarto da cortesã Lucíola. Queria protelar o início dessa filmagem, mas o Galante foi irredutível. No jantar, em uma pizzaria, onde estavam Dorothy Leiner e outra atriz, tentei convencer o Palácios a me dar tempo para achar outro biombo. Em vão. Dorothy lembrou-se de um antigo biombo chinês, de seda, que havia visto na casa de uma amiga dela. Foi telefonar e voltou dizendo que era só mandar buscar. Assim fiz. A amiga era Ilka Zanotto, notável crítica de teatro que eu também conhecia, uma pessoa doce, fantástica. O biombo, lindíssimo, acabou sendo usado também em boa parte da apresentação. No jantar, a outra atriz perguntou: De quem é esse biombo? É de alguém com quem eu já trabalhei? Silêncio. Lucíola não foi um grande sucesso comercial. Em São Paulo, o boca-a-boca fez a renda aumentar no fim da primeira semana e garantiu uma segunda semana do então imenso Cine Ipiranga onde aconteceu a estréia. Mas já tinham programado outro filme. Os críticos, em boa parte, mostraram preconceitos com o melodrama, o livrinho de José de Alencar como escreveu um jornalista paulista bem venenoso que só se fez notar pelos gracejos agressivos. A falecida Ruthinéia de Moraes foi uma de suas vitimas mais frequentes, dizia que ela só podia fazer empregadas. Detesto jornalistas assim, que se acham engraçados mas são do mal, querem brilhar sendo predatórios. Uma serpente que hoje escreve num blog e que já provou de seu próprio veneno. Ele e alguns outros afirmavam que o livro foi mero pretexto para um filme erótico. Mas todas as situações eróticas estão no livro, inclusive o strip-tease de Lucíola na festa promovida pelo rico colecionador de quadros (Clemente Viscaíno, um grande ator, uma ótima pessoa). Em 2008, em um programa da TV-Educativa do Rio, uma catedrática especialista em José de Alencar disse que o filme foi extremamente fiel ao romance, exceto nos cabelos das protagonistas que deveriam ser morenos. Na época do lançamento, o Biafora, que estava meio brigado comigo, escreveu textos com fartos elogios em duas ocasiões. No Rio, lançado no mesmo dia de O Poderoso Chefão, o filme afundou. Eu gosto muito do filme, da música do Mário Edison. Apenas creio que falhei em alguns diálogos, na preocupação de ser fiel ao texto de Alencar. Isso não era necessário. E tem falhas de edição, de acabamento sonoro que foi tumultuado porque a dublagem, por causa de um arranjo econômico do Galante, teve de ser feita à noite em um estúdio da Atlântida, no centro do Rio de Janeiro. Tinha que parar, refazer, cada vez que entrava som de ônibus, caminhão de lixo e o ruído do elevador. Afinal, era um drama na época das carruagens. Capítulo XVIII Na Corte da Imperatriz Lucíola iria propiciar um fato mágico. No começo de novembro tinha me mudado para um grande apartamento na Rua São Vicente de Paula. Comprei para morar com Antonio Carlos e minha mãe que já o aceitava. Estava sem telefone e, por isso, recebi um recado na Boca para ligar com o setor de festivais internacionais da Embrafilme. Achei estranho porque naquela semana iria para Lages, SC. Fui comunicado que, por razões desconhecidas, Lucíola tinha sido escolhido pela comissão de seleção do IV Festival Internacional de Teerã para representar o Brasil hors-concours na mostra competitiva. Havia uma passagem para mim. Achei que era trote, mas fui até a agência da Air France. Lá estava a passagem ida e volta enviada pelo Irã. Foi um sufoco arrumar smoking, passaporte e algum dinheiro. No dia 23 de novembro, eu, Alfredo Palácios e Antonio Galantes, viajamos para Paris onde seria feita a troca de aviões para o Irã. Mas o avião atrasou em Nice e chegou atrasado. Ganhamos uma noite no Meredien, em Paris. Os três, mais Selma Egrei que também ia ao festival, fomos ver Emmanuelle, com Silvia Kristel, que estava proibido no Brasil. E jantamos no La Copole. Que sonho. No dia seguinte, viajamos para Teerã onde chegamos ao anoitecer. Ao sair do avião, flashs de fotógrafos. Eu? Não. Era para a mulher que estava ao meu lado, Charlotte Rampling, no auge do sucesso. Foram 12 dias de deslumbramento, ao lado de Willian Holden e sua mulher, a graciosa Stephanie Powers, Michelangelo Antonioni, Giancarlo Giannini, Dyan Cannon, Lina Wertmüller, Terence Stamp, Rex Harrison, Ellen Burstyn, Alexis Smith, Yves Boisset (um cineasta francês que eu admirava). E da imperatriz Farah Diba, um mito, um encanto. Conversei com ela por uns cinco minutos. Foi um êxtase. Mas a melhor emoção do Irã (além do passeio por Persépolis e Isfahan) deu-se na noite da exibição de Lucíola, com legendas em inglês. O festival era aberto ao povo e no cinema com uns 800 lugares, lotado, eles faziam comentários em voz alta. Isso era comum. Houve murmúrios de insatisfação diante do momento em que o herói pensa estar sendo traído pela amada. Na sequência em que tudo se esclarece e ele pede perdão, gritos e aplausos. No intervalo, Galante, Palácio e eu subimos ao palco. Mais aplausos, recebi um grande ramalhete de rosas (em pleno inverno iraniano). Um dos organizadores pediu, no intervalo para outra sessão, que ali mesmo no palco, conversasse com estudantes. Aceitei, achei que ia responder perguntas superficiais. Engano meu. A rapaziada tinha uma cultura brasileira incrível. Perguntaram sobre José de Alencar, se não era escravagista, se Bernardo Guimarães era melhor. E Machado de Assis? E a ditadura militar no Brasil? Eu, falando em francês, vi que a coisa estava ficando difícil. Ao mesmo tempo, uma velhinha junto de outra, fazia força para se aproximar de mim. Estava vestida de forma ocidental mas anacrônica. Parecia uma governanta. Ao chegar perto, me abraçou comovida e disse em português: muito obrigada. Depois, começou a chorar copiosamente. Era uma freira brasileira radicada em Teerã há mais de 15 anos e que se emocionou ao ver a igreja da Glória, o romance que havia lido na juventude. A amiga, também freira, italiana, disse que tinha comprado os ingressos no câmbio negro para deixar a colega feliz. Aproveitei a passagem do governo do Irã e conheci algumas cidades da Europa. Em Roma, outra emoção: ao sair de uma pequena loja de camisas dei de cara com Ingrid Bergman. O meu maior ídolo. Ela entrou e, do lado de fora, vi que se interessou pela mesma camisa que queria comprar. Fiquei na calçada esperando ela sair e a segui por um quarteirão. Mas não tive coragem de pedir autógrafo. Depois, pelos jornais, fiquei sabendo que ela estava em Roma filmando Questão de Tempo, ao lado de Liza Minnelli. Foi o último longa de Vincente Minnelli. Capítulo XIX Cinema e Televisão O que vejo, o que sou e suponho será apenas um sonho num sonho? – de um poema de Edgar Allan Poe. Em seguida a esse período de glória, a realidade brasileira não foi boa. Ainda bem que estava na Folha da Tarde e que o Antonio Carlos fazia teatro como administrador desde 1975, quando Clemente Viscaíno o indicou para o monólogo Muro de Arrimo, com Antonio Fagundes. Isso porque levei mais de dois anos para fazer um novo longa. Havia a promessa pública em jornais do Oswaldo Massaini produzir Elza & Helena, uma nova versão de À Sombra da Outra, do Watson Macedo adaptado do romance de Gastão Cruls. Fiz uma nova adaptação desse livro maravilhoso. Cogitou-se em Vera Fischer, Sylvia Kristel quando veio a São Paulo. Mas, em vão...Com o fracasso comercial de O Caçador de Esmeraldas, Massaini desistiu. Em 1978 consegui fazer Mulher Desejada, produzido pelo Alfredo Palácios. Um thriller erótico que aborda os conflitos de uma atriz com dificuldade de se fixar amorosamente em alguém. Kate Hansen fez esse papel em trama que mesclava sonho e realidade. Eduardo Tornaghi era o galã e tive o prazer de trabalhar com pessoas queridas como Elisabeth Hartmann, Ivete Bonfá, Marlene França e o novato Armando Tirabosqui, um ator excelente que acabou participando de outros filmes meus. Pena que a Paris Filmes, distribuidora e coprodutora da fita, eliminou o epílogo nas cópias em vídeo, cortou no negativo original e deixou sem sentido a epígrafe de Edgar Allan Poe, acima publicada. O filme foi mal lançado, deu pouca bilheteria e a crítica menosprezou. Paciência. Mas acho que foi um belo esforço para se fazer um film noir, um suspense com um final que era surpreendente para a maioria das pessoas. Na mesma época, em 1978, o Silvio de Abreu me telefonou e me indicou para dirigir no lugar dele o telecurso de Educação Moral e Cívica e OSPB. Relutei. Você não disse que queria fazer TV? É pegar ou largar, disse o Silvio. Ainda bem que segui suas palavras. No dia seguinte, conversei com Eduardo Sidney, o produtor e acertamos tudo. O telecurso era uma coprodução da TV Cultura (onde aconteciam as gravações) e da Fundação Roberto Marinho, que me contratou. Cada roteiro, escrito por Carlos Lombardi e Nei Braga, tinha que ter história relacionada com o direito ao ensino, a assistência médica, a informação. E assim por diante. As tramas tinham duas personagens fixas vividas por Selma Egrei e Aldine Müller. A primeira fazia a responsável, a segunda a alienada. Mas cada episódio me possibilitou trabalhar com outros atores, gente como a deliciosa Henriqueta Brieba, Dionizio Azevedo, Márcia de Windsor, o querido Ewerton de Castro, Ivete Bonfá, Carlos Alberto Riccelli, José Parisi, Armando Bógus, Geórgia Gomide, Flávio Galvão, Mayara de Castro, o hoje diretor Jorge Fernando, e a politizada e fantástica Lélia Abramo. Deveria ter continuado na TV, me dei bem com o produtor-executivo Jorge Matsumi, que substituiu o Eduardo Sidney. E gostei muito da mecânica da TV, de se poder ver o resultado na hora. Mas, ingênuo, custei a perceber que havia rivalidade entre gente da Cultura e da Fundação Roberto Marinho e que alguns, que se diziam meus amigos, estavam tentando puxar meu tapete. Não gostei desse clima predatório. Estava habituado ao clima de festa e confiança mútua que existia nas filmagens. Por isso, e principalmente por acreditar que o cinema nacional tinha futuro, iria prosperar (e eu também), optei por continuar no cinema. Foi, talvez, um dos maiores erros de minha vida. Capítulo XX Mais Erotismo No plano profissional e financeiro, 1978 tinha sido um ótimo ano. Eu e Antonio Carlos, pelo insólito equívoco de uma corretora, compramos o apartamento onde vivemos até hoje, em um prédio peculiar que havia sido inaugurado pelo ator Roy Rogers em 1958 e que foi cenário de um filme norte-americano, Holliday for Lovers, com Clifton Webb e Jane Wyman. O prédio, depois, foi tombado pelo patrimônio histórico. E hoje, nós estamos também tombados. É, a idade... Além disso, ganhei bem na TV, na Folha da Tarde e o Antonio Carlos no teatro, quando administrou peças como Roda Cor de Roda e o belo musical Onde Canta o Sabiá, dirigido por Odavlas Petti. Já 1979 ofereceu muitos problemas. Houve uma greve de jornalistas à qual aderi, mesmo sendo voto contrário. A greve era inoportuna, fora de época e sem adesão dos gráficos, como alertou o sindicalista Lula. Esse mesmo, que se tornaria presidente. Mas ninguém lhe deu ouvidos. No fim da greve, na hora do revanchismo patronal, acabei saindo da Folha da Tarde. Logo surgiu um bom convite (financeiramente) para ser diretor de uma coprodução argentina, A Herança dos Devassos. Mas, na realidade, eu tinha um supervisor, fui mais codiretor de um ex-militar argentino e peronista, Cesar Cabral, autor do argumento e coprodutor com a Fama Filmes e a Paris Filmes. Sandra Brea, Roberto Maya, Elisabeth Hartmann e Francisco Curcio estavam no elenco principal. Embora com ótima produção cênica, não tive total liberdade criativa e o filme, pelo argumento, ficou pesado. Mas pude fazer algumas cenas belíssimas, especialmente com a Elisabeth, explorando seu talento e sua sensualidade. Porém, não tenho saudades do Señor Cesar. Desconhecendo seu peronismo, um dia eu cantarolei Dont Cry For Me Argentina. Quase apanhei. Nossa relação ficou bem estremecida. A jornalista Dulce Damasceno de Brito, já minha grande amiga desde 1973, quando me foi apresentada pela Ivete Bonfá, tentou me arrumar trabalhos na imprensa. E conseguiu alguns, avulsos. Mas me empenhei em fazer cinema. E em 1980, levei para o David Cardoso um argumento concebido para ele: Corpo Devasso. Era uma espécie de As Aventuras de Tom Jones tupiniquim e contemporâneo. Caipira, o personagem do David foge da fazenda onde transou com a filha do patrão e vai para a cidade grande, São Paulo. Sedutor, lá se envolve com mulheres... e homens. Uma ousadia na época da ditadura militar. Ele encarou cenas de relacionamento gay que ficaram bonitas. Especialmente nas sequências com um professor interpretado pelo Arlindo Barreto. As três mulheres eram Neide Ribeiro, Patrícia Scalvi e Meiry Vieira. Neide e seu marido, o médico Julio Cesar, são meus amigos até hoje, me deram muita força em um momento difícil na minha vida pessoal, quando eu já nem era mais diretor. São maravilhosos. Apesar do temor que a censura cortasse as cenas gays (e por isso, muitos críticos pediram para ver o filme antes), Corpo Devasso foi liberado sem cortes. David tinha grande habilidade como produtor e foi extremamente ético, não interferiu na minha direção. O filme foi um grande sucesso de bilheteria. Voltei a ser um cineasta bem visto pelos produtores. E minha obra foi ficando cada vez mais erótica. Não via problema nisso. Capítulo XXI Começam as Transformações Em 1980, quase que simultaneamente com a estréia de Corpo Devasso, foi lançado O Império dos Sentidos. Ainda em plena ditadura militar, a realização de Naguisa Oshima com muitas cenas de sexo explícito teve sua liberação autorizada só em grandes cidades e em alguns cinemas. Era proibida a exibição em cidades com menos de um milhão de habitantes. Uma bobagem jurídica do ministro da justiça, Abi-Ackel, uma prova que no Brasil nem jurista considera que a lei é igual para todos. O filme japonês acabou sendo um divisor de águas no mercado exibidor. Mesmo assim, ainda era possível dirigir produções com erotismo convencional. Ivete Bonfá me apresentou ao produtor Álvaro Coutinho que me pediu um episódio para ser rodado na sua fábrica, Henê Maru, que fazia produtos de beleza para cabelos. Escrevi e dirigi um história de terror: Gatas no Cío. Dois rapazes (Armando Tiraboschi e Carlo Milani) herdam uma fábrica abandonada onde só mora uma velhinha com 100 anos e alguns gatos. À noite, bêbados, eles entram na fábrica e deparam com um pequeno bordel dos anos 30. A velha é agora uma bela senhora que os apresenta a quatro prostitutas. Uma delas, a linda e talentosa Neide Ribeiro. Só que nos atos sexuais, as moças se transformam em gatas de verdade (animais) que matam. Milani escapa e conta a história ao delegado de polícia (Sergio Hingst) que não lhe dá crédito. O filme termina com a velha centenária rindo e conversando com suas gatinhas. Uma delas tem no pescoço a fita com um camafeu, o mesmo que a Neide usava. Elisabeth Hartmann fez o duplo papel, velhíssima (em grande trabalho do maquiador Vavá Torres) e linda e dominadora. Reinaldo Paes de Barros fez uma fotografia atmosférica bárbara. Me orgulho desse episódio que, infelizmente, poucos viram. Dois anos depois de feito, ele foi anexado a uma produção chamada Sacanagem, com outro episódio bem vulgar e explícito. No mesmo ano, logo depois de substituir um diretor e fazer o documentário de curta-metragem João Paulo II no Paraná (vejam como sou eclético) para o governo daquele Estado, o produtor Adone Fragano me possibilitou fazer Violência na Carne. Adone se preocupava em fazer um cinema diferente (fez O Olho Mágico do Amor, com outros diretores) e me deu ampla liberdade para rodar essa história de assalto, idealismo e crise existencial. Mas com erotismo, claro. Era básico nos filmes da Boca. Helena Ramos e Zé Carlos Andrade formaram uma dupla muito bonita, que transmitia um romantismo legítimo, triste. Helena vivia uma atriz em crise que se unia a um grupo em uma casa na praia onde ensaiavam uma peça. O diretor era o Luiz Carlos Braga, meu amigo desde Corpo Devasso. Ele e Carlo Milani viviam um casal gay enquanto Sonia Garcia e Nadia Destro um par lésbico. Uma ousadia na época. Neide Ribeiro era uma das atrizes da tal peça. Mas a casa é invadida por três assaltantes: Zé Carlos, Cláudio Oliani e Roque Rodrigues. Gostei do resultado o público também gostou, alguns críticos idem e o Lucas Bueno, que fazia o marido da Neide, ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Capítulo XXII Entre o Barato e o Refinado No ano seguinte, dois filmes bem antagônicos na produção. Primeiro, atendi ao convite do Galante para fazer um longa que utilizasse o cenário de um presídio feminino construído em seu pequeno estúdio.Escrevi um roteiro chamado Prisão de Mães Solteiras onde tinha a clonagem na trama, um tema então pouco usado. Nessa prisão onde estavam jovens inocentes sequestradas por ordem de um médico pervertido, o Dr. Alberto (Serafim Gonzáles, exuberante), que engravidava as moças e os bebês eram vendidos a um grupo nazista no Paraguai. Luiz Carlos Braga era o intermediário. A aventura ficou erótica e divertida ao mesmo tempo, movimentada, com ousadas cenas protagonizadas pela excelente Vic Militello. Os mocinhos eram Carlos Milani e Armando Tiraboschi. E a fatal Meiry Vieira fazia a mulher do médico. Mas o dono da coprodutora e distribuidora, a Paris Filmes, mudou o título para As Prostitutas do Dr. Alberto. Um título infeliz, desonesto, porque não havia nenhuma prostituta. Aqueles fariseus da censura federal, ainda na ditadura militar, fizeram vários cortes. Em seguida, fiz uma produção chic, Amor de Perversão. Os produtores Paulo de Tarso Silveira (namorado então da atriz Alvamar Taddei) e Fritz Jordan, que não eram do cinema, tinham decidido fazer um melodrama bem refinado. Chamaram o Carlão Reichenbach, mas ele sempre foi autoral e me indicou. Porém, fez a bela fotografia. Contratado, fiz o filme em ótimas condições materiais, com uma equipe super-bem entrosada, com a querida Isabel do Amaral na continuidade e o marido de still. E tinha até grua, com o Luisinho de Oliveira de operador. Na época, grua era um luxo. O elenco também tinha nomes famosos e bons: Paulo Guarnieri no papel principal do rapaz em conflito, a estreante Tássia Camargo, Leonardo Villar e a sensível Norma Blum como os pais dele, a adorável Carmen Silva, Armando Tiraboschi, Antonio Petrin, meu querido John Herbert. Ele e sua mulher Cláudia Librach são formidáveis amigos. E Raul Cortez que trabalhou com muita má vontade. Foi uma das poucas ocasiões na minha vida que entrei em atrito com um ator. Isso se deu no último dia, em cena onde ele jantava com Paulinho e Alvamar. Na ocasião, disse que não queria comer e iria fumar. Eu, que costumo dar liberdade aos atores, vetei a idéia. Delicadamente, lembrei que fumar na cara de quem está jantando é falta de educação em qualquer classe social. Raul gritou, disse sentir-se tolhido, ficou decidido que ele beberia em cena. Fez isso, mas com gestos rudes, colocando o dedo no nariz só para me provocar. Não podia gastar muito negativo, mas rodei a cena umas 12 vezes. Porém, com a cumplicidade da equipe, que também estava irritada com a bronca injusta de Cortez, rodei sem apertar o botão do negativo na maioria das vezes. Só usei umas cinco vezes. Ficamos tristes com o comportamento dele, principalmente os produtores, dois ótimos sujeitos que o admiravam e lhe pagaram um salário altíssimo. Naquela noite, eles tinham até convidados amigos para assistirem a filmagem. Outro mico foi filmar o incêndio da indústria que, na história, pertencia ao Leonardo Villar. Era o início do filme. A sua primeira cena era ele saindo do meio das chamas com papéis importantes. Tínhamos um técnico em efeitos especiais que, depois, passou a ser chamado de defeitos especiais. Nessas filmagens, num grande armazém-indústria abandonado e que iria ser demolido, todos os planos tinham sido previstos, e um carro com bombeiros estava de plantão. Mas o técnico perdeu o mapa onde havia colocado os explosivos. O Leonardo Villar ficou irritado, disse que não havia segurança. Para convencê-lo a fazer, ensaiei a marcação, sem a câmera rodando. Quando saia da indústria carregando os papéis, uma explosão bem atrás de mim. Foi o tempo de correr e cair de susto. Ridículo. E o Leonardo aí ficou mais firme na decisão. Com razão. Tive que mudar toda a concepção. Mas saiu legal a sequência. Amor de Perversão foi lançado com uma grande festa para 800 pessoas no clube A Hebraica. Lá estavam gente do governo, da sociedade, Vera Fischer, Angelina Muniz e muitos artistas, além de gente de teatro e publicidade porque o Antonio Carlos, nessa altura, trabalhava na produção de comerciais. Foi fabulosa a noite. Mas, no lançamento comercial, Amor de Perversão não fez sucesso. Os produtores sentiram-se traídos pelo exibidor, amigo deles, que havia prometido uma sala na zona sul de São Paulo, na Avenida Paulista. Só que na hora H, não fizeram isso. Os exibidores na época não tinham o menor interesse em ajudar o cinema nacional, embora alguns deles tenham sido sócios de realizações que dirigi. E eram extremamente pressionados pelas empresas norte-americanas que deitavam e rolavam nas marcações de datas. Na realidade, o cinema brasileiro sempre esteve de carona em seu próprio país. Capítulo XXIII Duas vezes Mongaguá Por intermédio do saudoso amigo Luiz Carlos Braga, tomei contato com a cidade de Mongaguá, no litoral paulista. E com Vera Seckler, então trabalhando na prefeitura local. A Vera transformou-se numa grande amizade até hoje. Além de se tornar uma intensa promotora cultural para a cidade. Bolei uma história que poderia ser filmada lá, já que teria muito auxílio indireto da prefeitura. Escrevi Brisas do Amor, uma espécie de Grand Hotel, com suspense, humor, romance e erotismo. A trama mesclava política, sequestro, paixão juvenil, corrupção. Sonia Mamede, amiga de Luiz Carlos e atriz que admirava da época das comédias da Atlântida fez a dona do hotel onde se concentravam os personagens. Braga fazia um político traído pela esposa, papel de Maria Stela Splendore, viúva do estilista Denner Pamplona. O produtor foi o Adone Fragano, sempre eficaz e estimulante. Foram três semanas de filmagem com 12 personagens e seis romances. Isso mesmo. É comum em filmagens e gravações de novelas surgirem romances entre seus integrantes, mas nesse filme foi espantoso. Não eram apenas transas, mas relações com envolvimento emocional, lágrimas e suspiros. E muitos vinham pedir conselho ao diretor. Eu tive um momento que achei que estava mais para psicólogo do que para diretor. Uma das atrizes, Eliana do Vale, na trama vivia um romance juvenil com o ator Artur Leivas que gerava atritos entre suas respectivas mães, Célia Coutinho e a Mamede. A Eliana não tinha gostado da escolha do Leivas. No final da produção, casaram. A filmagem foi acidentada, com uma grua quebrando ao meio, dois sujeitos caindo lá de cima: o Luisinho e o operador Magaldi. Foram horas de pânico até ter certeza que ninguém ficou em estado grave. Só luxações fortes. Depois, um ator, o galã e herói da trama, quebrou o pé. Por isso, tive de modificar certas cenas. Além disso, Brisas do Amor não teve sucesso, em parte porque o exibidor, acomodado nos clichês, mudou o título para O Insaciável Desejo da Carne. Vulgarizou a proposta, ao mesmo tempo que exibia um trailer com o título Brisas do Amor. Depois, dizem (alguns exibidores) que gostavam do cinema nacional. Mas o filme, entre outras coisas, me permitiu confirmar o incrível carisma de Sandra Graffi. E me inspirou uma história, um filme noir que acabou sendo feito em Mongaguá, produzido pelo Roberto Galante, filho do A.C. Galante. Em Tensão e Desejo, construí uma trama onde uma jovem professora (Sandra) provoca reações diversas em pessoas da pequena cidade. Ao mesmo tempo que a diretora do colégio (Zélia Diniz) e um jornalista (Armando Tiraboschi) se apaixonam por ela, um respeitável homem casado (o querido Luiz Carlos Braga) fica enlouquecido pela atração a ponto de assassinar a esposa (Meiry Vieira). O crime acaba sendo imputado à Sandra. Revi o filme há pouco e gostei muito. Creio que ficou com um bom ritmo. E adoro a sequência do pesadelo ao som da Sétima Sinfonia de Beethoven, deliberadamente influenciada por Isadora, com Vanessa Redgrave. Sandra está genial. Adoro a luz do Luisinho de Oliveira. E tive como assistente o Eduardo Aguiar que, hoje, reencontro como professor. Até já demos um curso. O pessoal de Mongaguá, novamente com Vera Seckler à frente, colaborou. E tinha dona Teresa, mãe do Reinaldinho, um jovem bonito que já havia trabalhado em Brisas do Amor. Fazia o amante da Maria Stela Splendore. Esse filme, um dia depois do término de Tensão, foi programado para uma exibição beneficente em Santos, em favor de uma obra de Mongaguá. Quase todos os ingressos foram vendidos. Mas a sessão ficou vazia, com pouca gente. É que, pela manhã, Reinaldinho, que estava ansioso para se ver na tela, foi surfar e morreu, vitima de parada cardíaca. Um impacto triste na cidade, ele era muito estimado. No dia seguinte, foi enterrado no cemitério local, no mesmo túmulo onde eu tinha filmado o enterro da personagem da Meiry Vieira, com dona Teresa de figurante. Mórbida coincidência. E talvez um prenúncio do fim de uma etapa de minha carreira. Fracasso nas bilheterias e ignorado pela crítica, Tensão e Desejo foi meu último filme convencional. Ainda tentei fazer um policial com Claudia Raia e Alexandre Frota (eles estavam casados na ocasião), mas não deu certo. Por sugestão de Luiz Carlos Braga que, há 13 anos, era partner e agente de Dercy Gonçalves no teatro, bolei um roteiro em função dela: Vovó faz 69. O título tinha duplo sentido, mas passava-se numa casa de campo onde a ambiciosa família festejava o aniversário de 69 anos da milionária vovó que tinha arrumado um namorado de 25 anos. Uma ameaça para os interesses financeiros da família. Dercy leu, gostou, topou, acertou preço e com seu aval, consegui coprodutores. Mas, daí a alguns dias, a atriz mudou de idéia e queria de salário mais que a metade do orçamento. Era inviável. Discutimos lá no teatro das Nações. A certa altura, ela me jogou o roteiro. Dá pra a Consuelo Leandro ou enfia no.... . Eu respondi: Enfia no teu que é mais antigo e maior. Que barraco. Anos depois, visitando Luiz Carlos Braga doente, agonizante, encontrei Dercy. E ela pergunta: E o nosso filme? Pode? O Luiz Carlos morreu poucas semanas depois, a caminho de Curitiba, de avião. Passou mal e caiu no colo da atriz. Terminava ali uma longa relação de amor-e-ódio entre os dois. Capítulo XXIV A Hora do Explícito Somos todos atores e todos nós estamos envolvidos em jogos – Joseph L. Mankiewicz no livro Hollywood Entrevistas, de Michel Ciment No ano seguinte ao lançamento, começava a dura batalha para fazer outro longa. O mercado já estava dominado pelos filmes de sexo explícito. Eu tinha entregue o roteiro de uma comédia para o Juan Bajon, diretor e produtor por meio da sua empresa Galápagos. Ele se interessou, buscou recursos em distribuidoras. Mas só encontrou com uma condição: a de que o filme fosse feito com cenas de sexo explícito. Inicialmente, recusei. Fiquei com raiva do mercado exibidor, de seu jogo. Porém, não queria parar. Mais sossegado, refleti melhor. Afinal, me perguntei, o que há de errado em mostrar seres humanos fazendo sexo, com suas genitálias em atividade. No dia seguinte voltei ao escritório do Bajon e acertei as condições para fazer Sexo em Grupo, o título escolhido. Entrei num mundo novo onde conviviam alguns artistas e pessoas sem nenhuma experiência para atuar, mas dotadas de muita libido. A filmagem foi concentrada numa casa de campo alugada perto de Campinas. Bajon acabou comprando a propriedade. No início, eu ficava algo inibido, usava palavras como pênis e vagina na orientação das cenas. Mas, a conselho de um eletricista que já me conhecia, fiquei espontâneo e passei a falar num português natural com aquelas palavras que podem ser consideradas de baixo calão. O clima ficou melhor, o rendimento também. Muitos cineastas que aderiram ao filme com sexo explícito usavam pseudônimos. Eu, não. Sempre assumi o que faço, nunca gostei da mentira, nem mesmo aquela bem simples tipo diga que eu não estou. Tenho aversão a mentira. Posso omitir, mas mentir, não. Mas a colocação do meu nome me criou alguns problemas, me fez sentir os preconceitos de alguns, em especial de jornalistas que se apegam muito a rótulos. Especialmente nossos críticos. Ai, claro, virei um cineasta pornô. Por outro lado, o exibidor me achava um intelectual e não botava fé no filme. A duras penas, o Chiquinho Lucas deu como lançador em São Paulo o imenso e então decadente Cine Rivoli, que em outras épocas exibira A Noviça Rebelde. As previsões falavam em uma semana de permanência em cartaz. Sexo em Grupo ficou cinco, dando um dinheirão. A razão do sucesso não estava no sexo explícito, mas no humor. Modéstia à parte, estava inspirado e contei em algumas cenas sem sexo com o talento de minha amiga Ivete Bonfá. Ela foi realmente solidária e corajosa. Em vários dias, fui ao cinema para medir o tempo das risadas em uma sessão e outra. Descobri que à noite riam muito mais e que, nas sessões da tarde, algumas piadas não funcionavam. Mas ouvir cerca de 600 ou 800 pessoas gargalharem era uma delícia. Daí em diante não parei de filmar. Sempre com Bajon, um sujeito culto e ético com quem me dei bem. Só em duas ocasiões, dirigi para outro produtor. E foi desastroso. Em Comando Explícito (um desses dois filmes), ao ficar de referência para um ator que atirava no bandido até matar (cena que faria depois), fui atingido no pescoço por uma bala com pólvora seca, quando o certo seria usar bala de festim. Pensei que estivessem usando. Não senti dor, só uma ardência, muito sangue e a expressão de pânico dos outros. Felizmente foi de raspão, instintivamente me desviei da bala. Mas xinguei o produtor por essa economia porca e que poderia ser fatal. Acho que devia ter repensado aquele momento de sucesso e seguir o conselho de Sonia Mamede antes de fazer mais um explícito, algo que não me era estimulante. Ao visitá-la no Rio de Janeiro, ela insistiu para que fosse à TV Manchete, então começando e precisando de diretores. Sônia tinha certeza que iria me dar bem. Resolvi ir até lá. Mas, chegando bem perto, surgiu uma timidez e uma insegurança. Tomei outro rumo. Um momento de decisão que, agora vejo, foi mal resolvido. O segundo longa, Variações do Sexo Explícito, aproveitava um roteiro que eu havia escrito para fazer na Cinédia, Artistas no Cio. Uma espécie de A Noite Americana do cinema brasileiro. Novamente obtive sucesso, não só pela beleza das cenas de sexo, em especial feitas numa fazenda, mas pelo humor. Em uma sequência, um jovem ator está pelado filmando uma cena erótica com uma mulher e um cachorrinho (sem fazer sexo), quando recebe a visita da mãe (Ivete Bonfá). Ela se choca, mas tira da sacola um bife cru que trouxe para o filhinho. Confusão, o cachorro avança. O público riu muito . A inspiração? Minha vida, o episódio do bife em Bertioga descrito na parte referente à filmagem de A Ilha. A minha mãe soube, mas levou na esportiva, não se melindrou em servir de inspiração. Ainda em 1984 fiz o mais ousado dos meus filmes dessa fase: Sexo dos Anormais. Surgiu de um pedido do Alfred Cohen, dono da distribuidora Brasil Filmes e sócio do Bajon. Já estava com mais de 80 anos e continuava na ativa. Ele foi um fundadores da Paris Filmes por volta de 1958, que se notabilizou por trazer filmes da nouvelle vague. Seu Alfred queria um filme sobre travesti, empolgado pela farta mídia que existia então em torno de Roberta Close. Levei um bom tempo para bolar a história e descobri que, embora encarasse numa boa a homossexualidade a ponto de já tê-la colocado em outros filmes meus, no íntimo tinha preconceito com travesti. Ma li muito e acabei superando o problema e armando o roteiro. Centralizei a trama em um rapaz do meio rural que , para agradar o seu amante vaqueiro, vai para São Paulo onde se transforma em travesti. Outras situações paralelas aconteciam, todas convergindo numa clínica psiquiátrica, para aproveitar a mesma casa de campo do Bajon. Depois de enfrentar problemas nos cartazes e no título por causa da censura municipal imposta em São Paulo pelo então prefeito Jânio Quadros em seu pseudomoralismo, o filme estreou e foi um grande sucesso graças ao sexo ousado não só pelas cenas gays – tinha uma sequência de uma mulher com dois irmãos gêmeos – mas também ao humor. Novamente contei com a participação da amiga Ivete Bonfá. Uma grande comediante que interpreta uma analista lésbica. Quando ela percebe que sua paciente (Cláudia Wonder) é homem, tem um surto. A sequência, até hoje, provoca inúmeras gargalhadas. O longa virou cult. Em 2008, foi exibido no Festival Mix Brasil, em um cinema de arte, o Espaço Unibanco. Mas a organização do certame (que não pagou nada ao produtor pela cessão) não teve a boa educação de me convidar. Só soube da sua inclusão no horário nobre por uma amiga que leu no jornal. Fiquei arrasado, gostaria de ter visto o filme com o público atual. Capítulo XXV O Começo do Fim Sexo dos Anormais gerou uma continuação, Sexo Livre, que também obteve sucesso comercial. E apesar das condições econômicas tornarem a produção cinematográfica particular mais difícil, fazia um filme atrás do outro. Porém, cada vez com menos negativo, por causa da alta do dólar, a inflação gigantesca. E em menos dias de filmagem. Dessa fase, gosto de três realizações. Uma é Borboletas e Garanhões, comédia movimentada na qual criei um clima romântico entre um rapaz ocidental e uma nissei, a carismática Sandra Midori, que hoje mora nos Estados Unidos. Ela enfrentava uma rival vivida pela talentosa e ainda amiga Debora Muniz que nunca parou de atuar em teatro e cinema. Seu trabalho mais recente foi em Encarnação do Demônio, sob a direção de seu ídolo e mentor José Mojica Marins. A outra é Sexo Doído. Alguns desavisados consideram uma cópia invertida de Ata-me. Só que o excelente filme de Pedro Almodóvar é de 1990 e o meu longa foi rodado no final de 1985. Enquanto que na criação do genial cineasta espanhol, Antonio Banderas sequestra uma atriz erótica (Victoria Abril), na minha, a mimada filha de um deputado, sob o pretexto de fazer uma pesquisa universitária, leva um jovem ator de sexo explícito para a sua casa de campo e o aprisiona. Mas ela não contava com a visita de uma amiga ninfomaníaca e um gay que se interessam pelo ator. A resposta comercial também foi ótima. A terceira é Corpos Quentes, em que enveredei pelo sobrenatural. A neurótica e rica protagonista matava os homens com quem transava e os enterrava na propriedade. Mas aparece o irmão gêmeo de um dos assassinados. Justamente um padre. Em uma sequência de pesadelo fiz uma das vitimas sair da cova ansiosa por sexo. Não foi fácil filmar o sujeito surgir de debaixo da terra sobre seu corpo. Mas, com a dedicação do elenco, da equipe e de meu iluminador Reinaldo Paes de Barros, depois de muitas horas obtivemos um ótimo resultado. Mas, a inflação galopante que tomava conta do Brasil e o não cumprimento da lei da reserva de mercado durante o governo do presidente Sarney estavam afetando a produção cinematográfica em geral, a erótica em particular. E o exibidor se aproveitava pagando ao produtor menos do que deveria. Um clima infernal, nada estimulante. Só aquela minoria beneficiada pela política gregária da Embrafilme (em má hora criada durante a Junta Militar que governou o Brasil no lugar do ditador Costa e Silva) tinha chance de fazer filmes. O cinema da Boca dava seus últimos suspiros. Em 1988, ainda com Bajon, fiz meu último longa, Garotas Sacanas, com apenas dez latas de negativo e alguns enxertos de outros filmes meus. Estava encerrando a minha carreira de diretor. Só no ano seguinte, faria um curta institucional em vídeo sobre uma indústria no Mato Grosso do Sul. Nada de especial. No meu íntimo, porém, existia a esperança de um breve retorno. Ledo engano. Capítulo XXVI Mudança de Rumo Graças ao meu amigo Edu Janczs, desde meados da década de 1980 escrevia nas revistas Internacional e Cine-Vídeo, ambas da editora Ondas, do simpático Itagiba. A primeira, erótica, prosseguiu por mais de uma década. A segunda, direcionada para o cinema e o vídeo que então surgia, teve curta duração. Na Internacional, além de comentar filmes eróticos, escrevi alguns contos com pseudônimos como Fred Davis e Suely Vartan. Esta foi autora de uma novela chamada Memórias de uma atriz Pornô. Foi um sucesso. Até gerou convite amoroso de um fazendeiro rico. Essa atividade foi longe mesmo depois da saída do Edu, com o Nelson Rentero como editor. Espirituoso, Nelson que é casado com a brilhante jornalista Joana Rodrigues, foi sempre um amigo estimulante. Só parei de escrever na Internacional quando a revista acabou, sufocada pela concorrência da Internet. Em fins de 1989, outro amigo Nelson, o Nelson Vieira – que era assessor de imprensa da Fox – bolou um projeto de revista para o dono de uma videolocadora que também tinha outras atividades. O título, infeliz, era ClasseNews Vídeo. Nelson chamou o Celso Sabadin para ser editor e eu, editor-assistente. Foi um ótimo período de aprendizado e relações profissionais. Aprendi muito com o Celso e em uma fase que ele, por motivos pessoais, teve de se ausentar, fiquei com a batata na mão. Nessa revista conseguimos convocar gente de peso para colaborar, como Dulce Damasceno de Brito (me orgulho de tê-la trazido para o mundo do vídeo), o dramaturgo e amigo José Saffioti Filho, os críticos Carlos Motta e Ermetes Ciochéti, a Ana Paula, e uma moça que, inicialmente, tentei vetar: Eliane Munhoz. Linda e jovem, ela não devia saber nada de cinema, pensei. Esse preconceito meu, felizmente não vingou. Eliane provou não só na revista, em artigos sobre Yves Montand, Woody Allen, David Lean e muitos outros, mas também em outras atividades (no marketing da Columbia, da Paramount e da Turner) que é muito inteligente e ousada na maneira como utiliza a sua paixão autêntica pelo cinema. Foi pioneira no uso de anúncios de vídeos em ônibus e na criação de festas temáticas incríveis, ligadas aos lançamentos de filmes. Como o de A Família Adams, por exemplo. Além disso, ela e, depois, o seu companheiro Anésio Fassina Filho transformaram-se em nossos (meu e de Antonio Carlos) grandes e maravilhosos amigos. Aliás, a fase da Classe News, perturbada por atrasos em pagamentos e outras atitudes patronais, foi boa para consolidar amizades com assessores como Sheila de Souza, Silvia Balbo, Maneco Siqueira, Denise Janquar e Wanda de Andrade. E na fase final da revista, com a diretora de arte e diagramadora, Andrea Marin Schmidt. Com todos eles, a amizade prossegue ainda hoje. Mas uma das amizades mais marcantes surgidas nessa fase durou pouco: Paulo de Goés. Inteligentíssimo e encantador, generoso, capaz de transmitir um apoio às pessoas em momentos difíceis, teve uma morte precoce e serena, um enfarto aos 55 anos. No dia anterior encontrei Paulo atuando de intérprete em entrevista de Patrick Swayze que tinha vindo promover Para Wong Foo: Obrigado por Tudo Julie Newmar , onde interpretava uma travesti. Estava transcrevendo a fita, ouvindo as vozes de Patrick (que expressou observações muito interessantes) e de Paulo traduzindo, quando um telefonema comunicou a sua morte. Foi um choque. Até hoje, sinto a sua falta. Capítulo XXVII Perdas e Danos Nenhum de nós pode remediar as coisas que a Vida nos faz. Estão feitas antes mesmo que a gente se aperceba. Lamento de Mary em Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O´Neill Além da morte de Paulo, a década de 1990 acabou sendo marcada por muitas perdas. As primeiras foram financeiras. Além da Classe News atrasar pagamentos e, finalmente, encerrar, surgiu o famigerado Plano Collor, logo no primeiro dia de Fernando Collor de Mello na Presidência da República. Foi uma paulada não só dos ministros e assessores , mas principalmente de jornalistas da área e do Congresso Federal que a referendou, apoiou esse ato horroroso. O pior é que essa aprovação veio de políticos que ainda estão em evidência, que ocuparam e ocupam cargos importantes na nação, mas jamais mencionam em suas biografias o apoio que deram a esse confisco no mínimo antiético. E os jornalistas esquecem. A mim me prejudicou. Na véspera, tinha vendido um pequeno imóvel (uma lojinha) para ajudar no sustento de minha idosa mãe que, de personalidade forte, morava sozinha. Ela, que tinha sido submetida a uma delicada cirurgia, só contava com o meu amparo financeiro. O meu irmão tinha se mudado para o Chile, não deixou endereço e só soube de seu retorno pela TV quando o vi no noticiário, sendo entrevistado em Curitiba como um dos lideres de um movimento separatista entre o sul e o norte do Brasil. Foi um escândalo. Embora discorde da idéia, respeito. Mas lamento a sua ausência nessas horas difíceis com minha mãe. Em 1991, outra grande perda: a morte de Ivete Bonfá. A grande amiga que havia nos dado um cachorrinho, o Peter, foi fazer uma lipoaspiração. E aproveitou também para alterar os seios. Dez dias depois, em consequência dessa operação, faleceu aos 51 anos. Tinha muitos planos de vida e de carreira, já que era uma atriz talentosa e apaixonada por seu trabalho. Foi um baque terrível, uma injustiça. Lembro que, por alguns dias após a sua morte, eu lhe telefonava para ouvir a sua voz na secretária eletrônica. Até hoje, sinto falta da sua companhia franca, debochada. Achei que estaríamos juntos até a velhice. Uma traição do destino. Mas a vida tinha que prosseguir. Minha querida Dulce, por uns tempos, me arrumou trabalho no jornal Shopping News. E antes disso, por indicação do Sabadin, em 1991 passei a fazer verbetes no Guia do Vídeo, criado por Luciano Ramos na editora Nova Cultural. Nessa atividade deliciosa prossegui até 2004, então sob supervisão de outros editores, como o Ermetes Ciocheti e a Elena Lovisolo, e com assistência de meu amigo Walter Sagardoy (que atuou em Lucíola). Mas a publicação deixou de existir assim que a também amiga Janice Florido saiu da editora. Em 1992, trabalhei com assessor de imprensa da VTI , uma distribuidora carioca de filmes em vídeo, dirigida por Victor Berbara, o mitológico produtor de Evita e outros musicais históricos no teatro brasileiro. Eu cuidava da divulgação dos lançamentos em São Paulo. Títulos como A Dama Oculta, de Hitchcock, O Salário do Medo, de Clouzot, o antológico Intolerância, de Griffith. Enfim, produções que davam gosto abordar. Porém, no início de 1995, minha mãe teve um grave problema de saúde. Uma queda criou um coágulo no cérebro que afetou suas condições motoras. Estava com 85 anos. Fui obrigado a colocá-la numa casa de saúde, o que gerou protestos dela e de amigos. Na ocasião já estava trabalhando quase que tempo integral na Ver Vídeo, revista do Luiz Grecco, que, na época, tinha como editor o sócio, Orlando Barroso. Logo me encarregaram de fazer uma revista sobre vídeo erótico, a Ver Vídeo Erótico. O mercado nessa área estava incrível, mais de 30 a 40 lançamentos por mês, cerca de 15 distribuidoras especializadas em atividade no país. Foi um sucesso. Mas a revista e a saúde da minha mãe me tomavam tempo e em fevereiro de 1995 fui obrigado a me demitir da VTI. O dr. Victor foi muito gentil, entendeu e ofereceu seus préstimos para qualquer necessidade. No dia 22 de abril desse ano, minha mãe morreu por causa de uma pneumonia. O que doeu nessa ocasião não foi a sua morte, preferível do que vê-la vivendo tão limitada fisicamente, ela que sempre foi dinâmica e criativa em pintura e artesanato. O que doeu foi perceber que esse dia encerrava qualquer possibilidade de ampliar nosso diálogo que nem sempre foi dos mais cordiais. Houve divergências, dificuldades com a ausência do meu irmão. Ela tinha um temperamento forte, impositivo. Mas existia um amor profundo, sem dúvida. Em 1996 e 1997, por conta da Ver Vídeo, fui a Hollywood e Las Vegas cobrir a parte erótica da feira VSDA. Um sonho conhecer os estúdios da Columbia, da Paramount, entrar pela famosa porta dessa empresa. Embora a ênfase do meu trabalho fosse entrevistar os reis do pornô, em 1996 pude ver de perto gente como Robin Willians, Maureen O´Hara em bela homenagem, Shirley Jones cantando músicas de Oklahoma e Carrossell, Jane Russell bem velhinha, Piper Laurie plastificada, Raquel Welch, Leslie Nielsen. E em 1997, duas belas homenagens a John Travolta e Debbie Reynolds, além de ver e ouvir Jeff Bridges, Salma Hayek, Jon Voight. Um sonho. E reencontrar a simpática Divine Brown, a prostituta que teve sua fama com aquele caso policial com Hugh Grant, além de descobrir a inteligência da musa do pornô, Nina Hartley. Re-encontrei também a amiga Paoula Abou-Jaoude, essa jornalista simpática e determinada que me mostrou alguns pontos típicos de Hollywood. Pena que cada viagem durou cinco dias. E que a viagem a Las Vegas tenha gerado dois fatos desagradáveis. Um engraçado. Meu chefe pediu para trazer em minha mala (tinha espaço), algumas torneiras douradas que ele comprou em Los Angeles. Ao passar na esteira da Korean Air Line, na tela que procura armas, as torneiras pareciam garruchas. Mandaram abrir, um clima de pânico. E eu, constrangido, tentando explicar. Não sabia como se dizia torneira em inglês. O Amauri veio em meu auxílio e tudo ficou resolvido, sob os risos dos coreanos. Que mico. Já o outro fato, foi pior, eu estava na hora errada, no lugar errado, em um restaurante de um hotel em Las Vegas, presenciando uma conduta antiética de alguns colegas, o que me criou depois um clima insuportável na redação. Em 1998, saí da Ver Vídeo. Quase um ano e meio depois da minha vida pessoal ter sofrido profunda alteração por causa de um problema de saúde do Antonio Carlos e no mesmo período que me convalescia de uma fratura grave no pé esquerdo. Por um bom tempo andei de muletas. Porém, antes disso, tive oportunidade de jantar com Vanessa Redgrave. A ceia tinha sido oferecida por Elba Betrim Coltro, dona da Play Arte, que tinha promovido o lançamento de um filme de Vanessa. E dona Elda e seu marido Otelo sentaram-se à nossa mesa, onde estavam Dulce, Antonio Carlos e outros. Não é que a Vanessa veio conversar com dona Elda? E conversou comigo que estava ao lado dela. Uma emoção, uma das minhas atrizes preferidas. Falamos muito de Isadora, ela lembrando que fez quando tinha 25 anos e que aparecia velha no final. Olha o meu rosto, disse. Olhei e Vanessa fez ver que, agora aos 60 anos, estava igual como naquela bela biografia de Isadora Duncan, feita em 1968 por Karel Reiscz. O maquiador fez um ótimo trabalho, disse. Capítulo XXVIII Portas que se abrem e se fecham Desde 1993 já colaborava com a revista Set. O curioso é que meu primeiro artigo foi sobre um livro biográfico de Anselmo Duarte. Justo ele. Explico. Na década de 1980, ele andou dando entrevistas amargas e dizendo que um crítico que destruiu O Pagador de Promessas virou cineasta e fazia porcarias (e citava um filme meu). Nunca escrevi uma linha nem contra e nem a favor do filme; quando do seu lançamento em 1962, eu não escrevia críticas no O Estado. E até admirava Anselmo porque na festa de despedida para Cannes, na casa do Oswaldo Massaini, ele disse que traria a Palma de Ouro. Disfarçadamente, todos riram, todos duvidavam, eu inclusive. Afinal, seus concorrentes eram Buñuel, Preminger, Antonioni, Cacoyanis, entre outros. Mas ele trouxe. Porém, várias vezes veio com essa história e eu o corrigia. A sua memória o traía, quem falou mal do Pagador no Estadão foi o FS, Fernando Seplinski. Não adiantava as minhas correções. Certa noite em que meu amigo Ovadia Saadia deu uma festa no exuberante Regine´s, lá estava eu com Antonio Carlos, Ivete Bonfá e Dulce Damasceno de Brito. Chega Anselmo na companhia de Nelson Sardelli, o simpático ator paulistano que fez alguns filmes em Hollywood e foi amante de Jayne Mansfield. Dulce, candidamente perguntou a Anselmo porque ele não fazia mais filmes. A resposta foi uma nova agressão contra mim. Mais veemente, com referências a pornochanchada. Lembrei que ele havia feito o episódio malicioso de Já não se Faz Amor como Antigamente e o péssimo e apelativo Pelé contra os Trombadinhas, produzido com grana da Embrafilme. Resumindo, o clima esquentou. Me respeite, respeite quem ganhou a Palma de Ouro, disse. Eu respondi que ele tinha se tornado um escravo da Palma de Ouro e que pegasse ela e a enfiasse... Bem, o resto vocês imaginam. O clima esquentou, o Ovadia tentando apaziguar. O Antonio Carlos me tirou daquela mesa. Na Set, além de fazer críticas, tive a oportunidade de escrever artigos de resgate sobre gente que admiro. Como Luchino Visconti, Judy Garland, Jerry Lewis, Ingrid Bergman, Blake Edwards, Katharine Hepburn. E de filmes que andavam esquecidos, lançados em vídeo e DVD. Caso de Carta de uma Desconhecida, Umberto D, A Mundana, O Menino dos Cabelos Verdes... E matérias especiais das quais me orgulho muito. Como aquela sobre ...E o Vento Levou Mas além da Set e de escrever na Internacional, em 1998 fui ser editor-assistente da brasileira Hustler, devidamente autorizada pela original norte-americana do famoso Larry Flint. Só que houve desavenças entre os sócios, cheguei a ser editor-chefe de um ou dois números e logo a publicação deixou de existir. Porém, o erotismo me perseguia e ainda em 1999, João Levi me convidou para se editor-assistente da G Magazine, dirigida pela determinada Ana Fadigas com quem aprendi muita coisa de certo e de errado. Ela foi corajosa em lançar no Brasil uma revista exclusivamente gay, com ensaios de nu total. Fiz artigos sobre Oscar Wilde, Tennessee Williams, Luchino Visconti e outros gays famosos, além de entrevistar gente como Marta Suplicy, Jorge Doria e Edwyn Louise e outras personalidades de valor. Mas, novamente esbarrei em atitudes antiéticas de um colega. Vivi um clima parecido com o do filme A Malvada e até apelidei a pessoa com o título brasileiro (All ABout Eve ninguém ia entender) e sai em 2002. Fui ser editor de texto do site O Fuxico, um trabalho que, pela forma e pela rapidez me agradava. Fiquei feliz com entrevistas como a que fiz com o então esquecido Luiz de Lima, ator brasileiro que trabalhou em O Salário do Medo e fazia pontas nas novelas da Globo. Lima morreu dois meses depois de conversamos. Entrevistei também Sarita Montiel, o mito espanhol que conheci por intermédio da minha dinâmica amiga Lucia Prades, que morou na Espanha por um bom tempo como esposa de um produtor dos estúdios Samuel Bronston, aquele de El Cid. Ela tem muitas histórias para contar. E me entusiasmei ao colocar os vencedores do Oscar ao vivo, principalmente quando Polanski ganhou por O Pianista. O título que escolhi em casa foi Foragido da Justiça ganha o Oscar. É que Polanski, há anos, não pode pisar nos EUA por ter fugido do país antes do julgamento em um caso de sedução de menor. Muitos repetiram a manchete sem apontar a origem. Mas o clima humano dessa empresa instalada ao lado dos estúdios do Gugu Liberato (ele era sócio) era opressivo. Havia atitudes injustas e em 2004 fui despedido. Voltei a G Magazine, a chamado do Jayme, ex-marido da Ana, e fiquei lá até outubro. Nessa revista fiz muitas amizades estimulantes que ainda me acompanham: o divertido Fabiano Spadari (criativo diretor de arte) e o Airton de Almeida. Este último, debochado e inteligente, escrevia para outras publicações na mesma linha da editora, contos eróticos inspirados e divertidos sob pseudônimos como Giovanni Borgia e B. de Vermont. E me animou a fazê-lo. Assim nasceram as jóias de Vincent Byron, Frederico Navarro e Guimarães Flores. Cada um desses meus pseudônimos se enquadravam com a linha dos contos. O último era mais para situações brasileiras, como Central do Brasil, enquanto que Byron costumava ser usado em novelas mais requintadas e de época. Como No Tempo das Diligências. Acredito que esses contos ainda vão virar cult. Não posso esquecer a minha atuação na revista da TV A, sob a chefia da doce Suzana Uchôa Itiberê. Ela, assim como os vários editores da Set (Cadão Volpato, Isabella Boscov, Roberto Sadovski e Rodrigo Salem) foram estimulantes e afetuosos. Capítulo XXIX Aulas e Livros Em 2004 me conscientizei de vez que já era um velho. Aos 62 anos, minha figura não encontrava aceitação fácil e fixa no mercado de trabalho. A ficha caiu quando fui me oferecer para a vaga de editor-assistente de um site, vaga essa que tinha ficado aberta pela saída espontânea de um amigo meu. O dono do site tinha trabalhado comigo, como colaborador da Classe News Vídeo. Mas ele foi taxativo: admirava meus textos mas me considerava velho para me colocar ao lado dos rapazes que lá trabalhavam. Na hora, fiquei arrasado. Porém, depois, vi que foi melhor receber essa verdade na lata. É um fato inegável que os idosos, em qualquer mercado de trabalho, seja pelas rugas ou postura, seja por não terem a mesma agilidade e desprendimento de um jovem para encarar horas extras, caso não tenham se tornado famosos, dificilmente são aceitos para empregos fixos. Como cineasta e também como assíduo colaborador da Set tinha certo prestígio e comecei a dar cursos e palestras em vários locais: no Senac da Lapa, no Planeta Tela do meu amigo Sabadin, em cidades como São Paulo, Caçapava, São Carlos e Mongaguá, em São Bernardo do Campo onde além de um longo curso no teatro Abílio Pereira de Almeida (perto da Vera Cruz), fiz palestras em uma indústria fantástica, a Termomecânica, que me surpreendeu como organização; com um incrível clima humano, caloroso, concilia plenamente o ensino, a cultura e o social. É um paraíso. A convite de Rubens Ewald Filho, passei ainda em 2004 a escrever livros para a Coleção Aplauso. Editada pela Imprensa Oficial do Estado, se preocupa em resgatar vidas e obras em sua maioria esquecidas ou à margem da história oficial do cinema, do teatro e da TV. Fiz quatro biografias: David Cardoso, Suely Franco, da minha amiga Arlete Montenegro – que, junto com seu filho Fábio e sua nora Lillian nos deram grande força em um momento difícil da minha vida e de AC – e Luiz Carlos Lacerda, o Bigode. Porém o melhor foi o Rubens ter proposto Cinema da Boca – Dicionário de Diretores. Um desafio que, inicialmente, me assustou. Independentemente de meus acertos e erros, creio que a publicação tem importância fundamental por quebrar o estigma do cinema da boca do lixo em São Paulo, fazer justiça à sua história, e aos que nele trabalharam. Creio que o livro foi um divisor de águas, porque atualmente muitos dão valor ao cinema da Boca, fazem retrospectivas, debates. Rubens também foi inspirado quando me incumbiu de organizar Lembranças de Hollywood , a autobiografia de Dulce Damasceno de Brito. Ela já não tinha condições físicas para tocar o projeto à frente. Com a ajuda do Antonio Carlos, do Walter Sagardoy e do Enio Otani, consegui fazer um livro lindo, hoje antológico. Felizmente, Dulce chegou a vê-lo, dois anos antes de morrer no dia 9 de novembro de 2008. Tenho sorte na coleção Aplauso, faço livros que me dão grande prazer. Há pouco concluí a biografia do Máximo Barro. E estou fazendo a do maestro Diogo Pacheco. Capítulo XXX Tempo de Redescoberta Ao lado de alguns sustos e de problemas materiais (alguns vencidos com a generosidade dos amigos), nos últimos cinco anos tenho tido emoções gratificantes, muitas delas propiciadas por pessoas que não conhecia, e bem mais jovens. A primeira foi uma entrevista publicada no site Estranho Encontro, da Andréa Ormond. Feito no Rio de Janeiro, é dirigido só para o cinema nacional. Mas a Andrea não se prende à história oficial e, com carinho e respeito, vai atrás do que está esquecido e resgata. Foi assim que ela fez comigo, analisando alguns dos meus filmes e, finalmente publicando em junho de 2006 uma entrevista em que, finalmente, pude expressar muitas das minhas ideias, da minha visão do cinema. Foi ótima a repercussão (http://estranhoencontro.blogspot.com). Ainda na Internet, me vi valorizado pela então desconhecida revista Zingu (http://revistazingu.blogspot.com), que aborda especialmente o cinema da boca do lixo. O espantoso é a pouca idade do Matheus Trunk. Ele não tinha nascido quando surgiu e aconteceu a Boca. Mesmo assim, com pouca ou nenhuma bibliografia, aglutinou um time que tem o Sergio Andrade, o Eduardo Aguilar, o Gabriel e outros entusiastas e vai atrás de filmes e gente. Em cada mês homenageia e entrevista personalidades daquela fase, além de fazer críticas de longas. E eles sabem tudo sobre todos. Falar do cinema da Boca sem IMDB e outras referências que não existem, não é fácil. Mas, uma das melhores homenagens que recebi foi a do Ibac – Instituto Brasileiro de Arte e Cultura. Com sede em São Paulo, a cada ano eles escolhem uma personalidade das mais diversas áreas da comunicação e das artes como homenagem e assunto principal. Depois do compositor Johnny Alf, do arquiteto Vilanova Artigas e do artista plástico Elifas Andreato, chegou a minha vez em 2007. A organização tocada pelo Renato de Sá (presidente) e Ângela Oskar (vice) e a Bube, com muitas dificuldades, levaram à frente o projeto. Abriram no site www.ibacbr.com.br páginas com minha biografia, entrevista, filmografia, trechos de artigos e muitas ilustrações. Além disso, com a ajuda do Celso Sabadin, gravaram um DVD no Planeta Tela com duas horas de entrevista comigo. E eles ainda tentam organizar uma retrospectiva dos meus filmes. Tudo isso foi muito emocionante, ver uma entidade como o Ibac se importar comigo, com a minha obra. Em 2008, por causa do centenário da imigração japonesa, também ganhei realce por ter sido na época do Estadão (1963-1967), o crítico que mais filmes japoneses analisou. Naquela ocasião, São Paulo tinha quatro cinemas lançadores da produção nipônica, cada um vinculado a um estúdio de lá: o Jóia (da Toho), o Nippon (da Shochiku), o imenso Niterói (uns mil lugares, da Toey) e o Tóquio (da Nikkatsu). Além disso, em 1970 dirigi um documentário de curta-metragem, Isei Nissei Sansei, que acabou sendo referência. Fiz palestra na USP em ciclo organizado pelo Alexandre Kavashima que gravou um depoimento em DVD. E essas duas atividades, mais uma terceira, foram citadas várias vezes no livro Uma Diáspora Descontente, escrito pelo norte-americano Jeffrey Lesser, historiador e professor da Emory University, em Atlanta. Versa sobre os nipo-brasileiros e os significados de sua militância no Brasil. A terceira atividade que mencionei, Lesser ressaltou: a presença dos nipos-brasileiros nos filmes feitos aqui, destacando a presença de Sandra Midori em alguns dos meus longas e o carisma dela junto ao público. Ainda em 2008, o Bigode fez para o programa Retratos Brasileiros (canal Brasil), um documentário de 28 minutos sobre a minha obra cinematográfica. Além de inserir cenas de vários dos meus filmes, incluiu depoimentos do produtor Adone Fragano, Elisabeth Hartmann e John Herbert. Os dois últimos me comoveram. Ela, quando disse que gostaria de me ver novamente falando: Câmera, ação. E Johnny, ao enfatizar que professor, roterista, diretor, jornalista...o Alfredinho é o cara que mais entende de cinema. Puxa, meu ego foi lá pra cima. Nesses anos também tenho sido um frequentador do Festival de Natal, organizado por Valério de Andrade. E um de seus méritos, talvez o principal, é o de homenagear figuras do passado, algumas algo esquecidas. Assim, vi a entrega de prêmios especiais para Eva Todor (que simpatia), Carlos Hugo Christensen, Carlos Coimbra, Vanja Orico (ela cantando Muié rendera com mais de 70 anos foi demais), Adone Fragano, John Herbert e Ankito. O popular comediante e sua esposa Denise acabaram se tornando grandes amigos. No momento, está sendo organizado pelo Maximo Barro e Luis Carlos Pavan um ciclo sobre o cinema da Boca, com gravação de um documentário, palestras e a exibição de alguns longas. Está programado Violência na Carne. E, há pouco, dei uma de ator. Convidado por Paolo Gregori, que foi meu assistente, fiz uma ponta como gangster no seu primeiro longa, dirigido junto com Marcelo Toledo. Foi emocionante. Capítulo XXXI Ao Entardecer ...haveria sempre a dor da recordação, o pesar da sua juventude perdida... Não obstante, as águas da desilusão haviam deixado sedimentos em sua alma – um senso de responsabilidade e amor pela vida, um leve agitar de antigas ambições e sonhos irrealizados... F.Scott Fitzgerald em Este Lado do Paraíso. Eu me conheço, gritou, mas isso é tudo. Essa a frase final de Este Lado do Paraíso. Fitzgerald tinha pouco mais de 20 anos e talvez pensasse que se conhecesse bem. Eu também me conheço, afinal já estou chegando aos 67 anos. Mas... e daí? É obvio que, por estatísticas, já estou na reta final e tenho que conviver com a alegria de certas lembranças e principalmente com a dor da recordação de decisões erradas, das perdas e danos. Relendo tudo, concluo que, valeu a pena viver, gostar de gostar das pessoas maravilhosas que conheci e que, muitas delas, ainda estão ao meu lado. Mas as dificuldades poderiam ter sido menores, as injustiças também, as relações familiares poderiam ter sido diferentes. Não adianta procurar culpados, embora no íntimo aponte alguns, certos fatos e atitudes. E tenho consciência de minha limitada capacidade de perdão, de acumular ressentimentos, que deve ter atrapalhado muito. Tenho consciência também do meu sentimento de indignação que me leva a reclamar, principalmente em blogs, em casos de injustiças e principalmente no esbanjamento de dinheiro público. Como por exemplo, o do emblemático filme Chatô. Aliás, foi essa instituição do mecenato oficial e a consequente ausência de produtores que, praticamente, me fizeram abandonar o cinema. Está certo, nunca soube fazer marketing pessoal, nunca me preocupei em ser competitivo demais, não sei fazer conchavos para garantir financiamentos. Mesmo assim, isso não me impede de protestar contra as várias produções superfaturadas. Daí o nosso cinema ter gerado diretores acomodados, pretensiosos, nada empenhados em ter diálogo como o público. Por isso, em 2008, dos quase 70 lançamentos nacionais, apenas um ou dois deram lucro. Fracasso de bilheteria não é vergonha, mas nessa dimensão e com tanto dinheiro saído da renúncia fiscal. O mecenato oficial é valido, necessário, mas é preciso que haja mais responsabilidade na prática. Os sonhos morrem primeiro, escreveu Harold Robbins. E em relação aos meus sonhos de voltar a filmar, são bem menos intensos. Claro que quando vejo um filme de Almodóvar, de Ang Lee, do velho Sidney Lumet (83 anos ainda ativo), volta o desejo de dirigir. E sei que, caso surgisse por milagre uma proposta consistente e com garantias mínimas de recursos, no dia seguinte estaria pronto para gritar câmera, ação. Enquanto isso não acontece, sigo vivendo sem temer a morte mas as doenças, as limitações físicas que o tempo tem imposto. Somos tão vulneráveis e, desde criança, nunca tive uma boa saúde. Por isso, procuro curtir os amigos e a minha principal razão de viver: o Antonio Carlos. E o cinema. Mesmo deixando a realização de filmes, nesses anos todos, seja porque tive a sorte de atuar como jornalista e professor, o cinema continua sendo a paixão da minha vida. Julho de 2009 A Obra A seguir, em ordem cronológica a atividade de Alfredo Sternheim no cinema e em outras áreas. Somente os curta-metragens estão assinalados com o sufixo CM e aqueles com fotografia em preto e branco (P/B). Assistência de Direção em Cinema 1961/3 • A Ilha – longa de Walter Hugo Khouri, com Luigi Picchi, Eva Wilma, Lyris Castellani, José Mauro de Vasconcellos, Elisabeth Hartmann 1964 • Noite Vazia – longa de Walter Hugo Khouri, com Norma Bengell, Odete Lara, Mario Benvenuti, Gabrielle Tinti, Marisa Woodward, Lisa Negri Filmes que dirigiu 1963 • Um Recanto Aprazível – CM, documentário sobre Bertioga e a colônia de férias do Sesc naquela cidade do litoral paulista. Em P/B. 1967 • Noturno – CM, sem locução. São Paulo do entardecer ao amanhecer em diversas áreas ativas da cidade. P/B 1968 • Flávio de Carvalho – CM. A vida e a obra do consagrado artista plástico, arquiteto, engenheiro e pesquisador. Depoimentos do próprio, da pianista Yara Bernette, do escritor e jornalista José Geraldo Vieira e do psicanalista João Carvalhal Ribas. P/B • A Batalha dos Sete Anos – CM. O cinema brasileiro lutando para se impor nos anos 50 e 60. Trechos de filmes como O Pagador de Promessas e depoimento de Odete Lara. P/B 1969 • O Ciclo Vera Cruz – CM. A construção e o declínio da imponente indústria cinematográfica erguida em 1950, em São Bernardo Campo, SP. Trechos de filmes como Caiçara, O Cangaceiro, Floradas na Serra. P/B. • Alberto Cavalcanti – CM. Documentário sobre a vida e a obra do cineasta brasileiro mais famoso no exterior. Trechos de seus filmes estrangeiros e brasileiros, e depoimentos do próprio. Em P/B 1970 • Museus de São Paulo – CM. Documentário sobre o Museu de Arte de São Paulo e o Museu do Ipiranga, em São Paulo • Isei Nissei Sansei – CM. As três gerações surgidas a partir dos primeiros imigrantes japoneses em São Paulo, por volta de 1908. 1972 • Paixão na Praia – drama com Norma Bengell, Adriano Reys, Ewerton de Castro, Lola Brah, Lorival Pariz, Ariclê Peres, José Luis França. Crise conjugal, ideais políticos e ganância em trama que envolve três criminosos em uma casa onde está a esposa do empresário assaltado. 1973 • Anjo Loiro – drama com Vera Fischer, Mario Benvenuti, Celia Helena, Ewerton de Castro, Nuno Leal Maia, Liana Duval, Lineu Dias, Ivete Bonfá, Walter Portella, Lea Surian, Seme Lufti, Roberto Rocco, Wanda Marchetti. Professor quarentão, solteiro e metódico, aparentemente seguro, acaba tendo uma paixão predatória por uma aluna jovem e totalmente amoral. • Aquelas Mulheres – CM. Com Lillian Lemmertz, Roberto Bolant, Sérgio Hingst. Crise conjugal e renascer de um amor antigo em episódio de um longa inacabado. 1974 • Pureza Proibida – drama com Rossana Ghessa, Zózimo Bulbul, Monah Delacy, Ruth de Souza, Carlo Mossy, Walter Portella, Wanda Costa. Em uma localidade do litoral, o amor intenso que nasce entre uma freira, prestes a fazer seus votos definitivos, e um pescador. 1975 • Lucíola, o Anjo Pecador – drama com Rossana Ghessa, Carlo Mossy, Clemente Viscaino, Dorothy Leiner, Helena Ramos, Sérgio Hingst, Wanda Marchetti, Antonio Moreira. No Rio de Janeiro do século 19, o amor entre uma cortesã e um jovem, em meio aos preconceitos da época. Adaptado do romance de José de Alencar. 1978 • Mulher Desejada – thriller com Kate Hansen, Eduardo Tornaghi, Elisabeth Hartmann, Ivete Bonfá, Marlene França, Helio Souto, Armando Tiraboschi. Famosa atriz, incapaz de se fixar amorosamente em alguém, vai para uma casa de campo e envolve-se com o caseiro que passa a ter estranho comportamento. 1979 • A Herança dos Devassos – drama com Sandra Bréa, Roberto Maya, Elisabeth Hartmann, Francisco Curcio, Claudete Joubert, Edward Freund. Coprodução argentina em torno da desagregação de uma rica família. • Vestígios de um Passado Esplêndido – CM. Documentário sobre o bairro de Higienópolis em São Paulo, sua origem e suas transformações arquitetônicas. 1980 • Corpo Devasso – farsa com David Cardoso, Neide Ribeiro, Patrícia Scalvi, Meiry Vieira, Arlindo Barreto, Armando Tiraboschi, Sonia Garcia, Nadia Destro, Américo Taricano. Peão de uma fazenda, após seduzir a filha do patrão, foge para São Paulo. Ingênuo, se defronta com um mundo novo feito de amor, sexo livre e interesses escusos. • João Paulo II no Paraná – CM. Documentário para o governo do Estado do Paraná registrando a visita de dois dias do Papa à Curitiba. • Violência na Carne – suspense com Helena Ramos, Zé Carlos de Andrade, Neide Ribeiro, Cláudio D´Oliani, Luiz Carlos Braga, Sônia Garcia, Nadia Destro, Carlos Milani, Roque Rodrigues. Casa na praia onde um grupo ensaia peça de teatro é invadida por três fugitivos de um presídio. 1981 • As Prostitutas do Dr. Alberto – suspense com Serafim Gonzalez, Meiry Vieira, Eliana do Vale, Armando Tiraboschi, Vic Militello, Luiz Carlos Braga, Carlos Milani, Maria Stela Moreno. Cientista sequestra jovens solteiras para serem engravidadas à força. Depois, os bebês são enviados a um criminoso nazista no Paraguai. • Gatas no Cio – CM, episódio do longa Sacanagem. Sobrenatural, com Elisabeth Hartmann, Neide Ribeiro, Armando Tiraboschi, Carlos Milani, Sérgio Hingst, Fátima Celebrini. Dois rapazes herdam uma fábrica abandonada onde mora uma velha e quatro gatos. À noite, bêbados, eles retornam e se encontram em um bordel dos anos 40 liderado por uma bela senhora. Mas as prostitutas são estranhas. 1982 • Amor de Perversão – drama com Paulo Guarnieri, Alvamar Taddei, Norma Blum, Leonardo Villar, Tássia Camargo, John Herbert, Raul Cortez, Carmen Silva, Armando Tiraboschi, Antonio Petrin, Tadeu Menezes, Nilson Raman. Filho de família rica e formal enfrenta a repressão paterna ao se apaixonar por uma jovem de classe social inferior que oferece certo mistério. • Brisas do Amor – farsa com Sandra Graffi, Maria Stela Splendore, Sônia Mamede, Luiz Carlos Braga, João Francisco Garcia, Célia Coutinho, Tadeu Menezes, Arthur Leivas, Eliana do Vale, Fernão Magalhães. Em hotel de pequena cidade do litoral, conflitos amorosos, a repressão por parte dos pais a um romance juvenil e o sequestro de uma atriz. No lançamento comercial, por exigência do distribuidor-exibidor, em algumas cidades foi lançado como O Insaciável Desejo da Carne. 1983 • Tensão e Desejo – suspense com Sandra Graffi, Luiz Carlos Braga, Meiry Vieira, Armando Tiraboschi, Zélia Diniz, Zilda Mayo, Ligia de Paula, Márcio Nogueira. Em pequena cidade do litoral, a chegada de uma jovem e bela professora desperta sentimentos variados e gera um assassinato que, injustamente, incrimina a moça. • Sexo em Grupo – comédia com Aryadne de Lima, Roberto Miranda, Giza Della Maré, Paulo Prado, Ligia de Paula, Ronaldo Petrucci, Cacá de Lima, Ivete Bonfá. Em uma casa de campo, o encontro não programado entre um homem e sua ex-esposa com os seus respectivos amantes e alguns amigos gera muitas confusões. 1984 • Variações do Sexo Explícito – comédia com Paula Sanchez, Gisa Della Maré, Antonio Rody, Ligia de Paula, Wagner Maciel, Ivete Bonfá, Eliseu Faria, Anita Calabrez, Celso Teixeira, Irene Kramer. As confusões em torno do elenco e da equipe durante as filmagens de uma produção erótica. • Sexo dos Anormais – comédia com Antonio Rody, Paula Sanchez, Sandra Midori, Cláudia Wonder, Ivete Bonfá, Wagner Maciel, Silvia Dumont, Luiz Carlos Braga, Sergio Buck. Em clínica psiquiátrica, o tratamento de duas moças e um travesti que chegou a essa condição por amor a um peão. 1985 • Sexo Livre – comédia com Sandra Midori, Cláudia Wonder, Wagner Maciel, Eliseu Faria, Irene Kramer, Sergio Buck, Walter Gabarron, Silvia Dumont. Continuação de Sexo dos Anormais a partir do enterro de uma das moças em tratamento. As lembranças de sua ninfomania agitam a história. • Borboletas e Garanhões – comédia romântica com Sandra Midori, Wagner Maciel, Débora Muniz, Eliseu Faria, Sérgio Buck, Florisa Rossi, Tony Severo, Antonio Contrera. Estudante de direito, noivo de uma milionária dominadora e caprichosa, conhece e apaixona-se por uma garota nissei de comportamento alegre e sensual. • Orgia Familiar – suspense com Daliléia Ayala, Rubens Pignatari, Wagner Maciel, Antonio Rody, Sandra Morelli. Casal rico mantém relações com um novo vizinho que, na realidade, está interessado em sequestrar a filha adolescente. 1986 • Comando Explícito – suspense com Rubens Pignatari, Antonio Rody, Lia Soul, Wagner Maciel, Max Din, Beth Boop, Francisco Viana. Assaltantes invadem um apartamento e se comportam de forma violenta. • Sexo em Festa – comédia com Sandra Morelli, Elias Breda, Max Din, Solange Dumont, Mara Manzan, Francisco Viana. Jovem milionária prestes a casar-se tem problemas de relacionamento com o noivo. Ambos vão para a casa de campo dela onde acontecimentos e uma festa explicam certos traumas da garota. • Sexo Doído – comédia com Sandra Morelli, Fernando Sabato, Max Din, Márcia Ferro, Eliseu Faria, Roberto Charles. Filha de um deputado, profundamente atraída por ator de um filme erótico, simula pesquisa universitária para sequestrá-lo em sua chácara. Mas ela é surpreendida pela visita de uma amiga e um colega gay. 1987 • Fêmeas que Topam Tudo – comédia com Sandra Midori, Marielle Giorgi, Max Din, Michelle Darc, Eliseu Faria, Gustavo Moreira. Duas amigas libertinas fazem uma festa de aniversário, mas recebem a visita inesperada do primo de uma delas que se tornou padre. Este se vê perturbado em seus sentimentos. • Orgasmo Louco – suspense com Sandra Midori, Ronaldo Amaral, Ângela Ceulim, Eliseu Faria, Ludmila Batalov. Após sair da prisão, um jovem conhece uma striper de comportamento cândido. Nasce uma forte e perigosa paixão entre ambos. • Corpos Quentes – suspense com Ludmila Batalov, Elias Breda, Max Din, Eliseu Faria. Milionária leva rapaz que conhece em um bar para a sua mansão e transam. Mas ele tenta roubá-la e ela o mata, enterrando seu corpo no amplo quintal. As mortes em situações similares prosseguem. Porém, surge uma investigação particular por parte do irmão gêmeo de uma das vitimas. 1988 • Garotas Sacanas – comédia com Sandra Midori, Sandra Morelli, Max Din, Celso Batista, Wagner Maciel. Duas amigas relatam suas aventuras eróticas para um psiquiatra amigo. Aproveitamento de cenas de outros filmes acima citados. 1989 • A Matosul – CM, documentário sobe importante indústria exportadora de soja com sede em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Televisão 1969 • Cinema Brasileiro na TV – produção e roteiro de programa exibido na TV Cultura de São Paulo uma vez por semana até dezembro de 1970 com entrevistas e, depois, exibição de longas. Na apresentação, atuaram Lola Brah, Liana Duval e Nilce Cervone. Entrevistas com Adriana Prieto, Alfredo Palácios, Oswaldo Massaini, Jorge Iileli, José Medina e muitos outros. Exibição de filmes como A Estrada, O Sobrado, Floradas na Serra e outros. 1978 • Tele Curso do 2º.Grau – Educação Moral e Cívica e OSPB. Episódios semanais produzidos pela Fudanção Roberto Marinho e TV Cultura de São Paulo com tramas que enfatizavam temas pertinentes às matérias. Como, por exemplo, Direito a Educação, a Moradia, a Cultura e Informação, a Saúde. Roteiros de Carlos Lombardi e Ney M.Braga. Atuações de Selma Egrei e Aldine Müller nas personagens fixas, e Armando Bogus, Dionizio Azevedo, Márcia de Windsor, Carlos Alberto Riccelli, Geórgia Gomide, Ivete Bonfá, Flávio Galvão, Henriqueta Brieba, Jorge Fernando, Lélia Abramo, Mayara de Castro, Rosaly Papadopol, José Parisi, Norah Fontes, Esther Goés e outros. 2000 • Comando G – Apresentação de quadro com comentários sobre filmes e lançamentos em vídeo em programa semanal de variedades no mundo GLSBT, exibido pela TV Gazeta. Produção de Goulart de Andrade e Ana Fadigas. Teatro 1977 • Senhorita Júlia – Direção do drama clássico de August Strindberg no Teatro da Escola Mackenzie, em São Paulo. Com Márcia Corban, Eduardo Mamede e Ester James. Atração e repulsa entre uma condessa e um criado no fim do século 19. Prêmios - Governador do Estado: melhor documentário de 1967 (Noturno) - Governador do Estado: melhor documentário de 1968 (Flávio de Carvalho) - INC (Instituto Nacional do Cinema. 3º lugar) em 1968 em documentário de curta metragem (A Batalha dos Sete Anos) - Governador do Estado: melhor roteiro de 1971 (Paixão na Praia) - APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), melhor roteiro 1973 (Anjo Loiro) - Prêmio da 3ª Mostra Internacional do Cinema Negro (SP, 2006) por Pureza Proibida colaborar com a integração do negro no cinema brasileiro Livros • Nosso Amigo Charlie Chaplin (co-autoria de Márcia Kupstas), Editora Sampa, 1992. Greta Garbo – Uma Biografia. Editora Sampa, 1992. • David Cardoso – Persistência e Paixão. Coleção Aplauso, 2004 Suely Franco – A Alegria de Representar. Coleção Aplauso, 2005 Cinema da Boca: Dicionário de Diretores. Coleção Aplauso, 2005. • Lembranças de Hollywood (organização), de Dulce Damasceno de Brito. Coleção Aplauso, 2006 • Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema. Coleção Aplauso, 2007 • Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção. Coleção Aplauso, 2008 Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Um Apaixonado por Cinema – Rubens Ewald Filho 13 Os Filhos da Guerra 17 Cercado de Cultura 23 Uma Viagem Significativa 29 Solidão e Vera Cruz 33 O Cine Clube Dom Vital 39 Encontro com Khouri 43 O Filé à Parmegiana 49 Rubem Biafora como chefe 59 Trabalho, Amor e Crise 65 Mais Documentários 71 Cinema na TV Cultura 77 Para Todo o Sempre 83 O Primeiro Longa 89 Um Festival e Um Emprego 95 Anjo Loiro e a repressão 99 O Terceiro Longa 111 Um Filme de Época 121 Na Corte da Imperatriz 131 Cinema e Televisão 137 Mais Erotismo 147 Começam as Transformações 155 Entre o Barato e o Refinado 159 Duas vezes Mongaguá 171 A Hora do Explícito 181 O Começo do Fim 189 Mudança de Rumo 195 Perdas e Danos 203 Portas que se abrem e se fecham 215 Aulas e Livros 223 Tempo de Redescoberta 227 Ao Entardecer 233 A Obra 239 Crédito das Fotografias Anésio Fassina Filho 236 Carlos Cirne 222 Divulgação Brasecran 112, 114, 117, 119, 245 Divulgação Brasecran/Hércules Barbosa 98, 104, 105, 107, 243 Divulgação Brasil Filmes/Luiz C. Gonçalves 37 Divulgação Cinedistri 42, 46, 48, 51, 53, 66 Divulgação Dakar 149, 150, 153, 250 Divulgação Embrafilme/José do Amaral 247 Divulgação Galante Prod. Cinematográficas 178, 179, 256 Divulgação Galápagos 180 Divulgação Kamera Filmes 238 Divulgação Olympus/Hércules Barbosa 154, 251 Divulgação Olympus/José do Amaral 172, 174, 175, 176, 254 Divulgação Paris Filmes 158, 160, 248 Divulgação Paris Filmes/ Hércules Barbosa 138, 140, 141, 142, 143 Divulgação Play Arte 213 Divulgação Titanus 90, 93, 244 JJPJ/José do Amaral 162, 163, 165, 166, 168, 169, 253 João Batista Perillo 56 José do Amaral 120, 123, 125, 127, 128, 129 Demais fotos são do acervo de Alfredo Sternheim A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz Villaça Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sérgio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico García Lorca – Pequeno Poema Infinito Roteiro de José Mauro Brant e Antonio Gilberto João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Umberto Magnani – Um Rio de Memórias Adélia Nicolete Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero – Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 284 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Coordenador-Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Carlos Cirne Editor-Assistente Felipe Goulart Editoração Aline Navarro dos Santos Ana Lúcia Charnyai Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Revisão Benedito Amancio do Vale IMPRENSA OFICIAL Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Sternheim, Alfredo Alfredo Sternheim : um insólito destino / Alfredo Sternheim. - São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 284p. : il. – (Coleção aplauso. Série Cinema Brasil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-766-9 1. Cinema – Brasil – História 2. Cinema – Brasil - Produtores e diretores – Biografia 3. Sternheim, Alfredo, 1942 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.430 98 1 Índices para catálogo sistemático: 1. Cinema : Brasil : Produtores e diretores : Biografia 791.430 981 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800 01234 01 sac@imprensaoficial.com.br Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria IMPRENSA OFICIAL