O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2008 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO TRABALHANDO POR VOCÊ GOVERNADOR JOSÉ SERRA Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação A relação de São Paulo com as artes cênicas é muito antiga. Afinal, Anchieta, um dos fundadores da capital, além de ser sacerdote e de exercer os ofícios de professor, médico e sapateiro, era também dramaturgo. As 12 peças teatrais de sua autoria – que seguiam a forma dos autos medievais – foram escritas em português e também em tupi, pois tinham a finalidade de catequizar os indígenas e convertê-los ao cristianismo. Mesmo assim, a atividade teatral somente se desenvolveu em território paulista muito lentamente, em que pese o marquês de Pombal, ministro da coroa portuguesa no século 18, ter procurado estimular o teatro em todo o império luso, por considerá-lo muito importante para a educação e a formação das pessoas. O grande salto foi dado somente no século 20, com a criação, em 1948, do TBC –Teatro Brasileiro de Comédia, a primeira companhia profissional paulista. Em 1949, por sua vez, era inaugurada a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que marcou época no cinema brasileiro, e, no ano seguinte, entrava no ar a primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina: a TV Tupi. Estava criado o ambiente propício para que o teatro, o cinema e a televisão prosperassem entre nós, ampliando o campo de trabalho para atores, dramaturgos, roteiristas, músicos e técnicos; multiplicando a cultura, a informação e o entretenimento para a população. A Coleção Aplauso reúne depoimentos de gente que ajudou a escrever essa história. E que continua a escrevê-la, no presente. Homens e mulheres que, contando a sua vida, narram também a trajetória de atividades da maior relevância para a cultura brasileira. Pessoas que, numa linguagem simples e direta, como que dialogando com os leitores, revelam a sua experiência, o seu talento, a sua criatividade. Daí, certamente, uma das razões do sucesso desta Coleção junto ao público. Daí, também, um dos motivos para o lançamento de uma edição especial, dirigida aos alunos da rede pública de ensino de São Paulo e encaminhada para 4 mil bibliotecas escolares, estimulando o gosto pela leitura para milhares de jovens, enriquecendo sua cultura e visão de mundo. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural, para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado secolocaramemreflexões que seestenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada naquilo que caracteriza e situa também a história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, portanto, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza e o corpo de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico completo de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição, o entusiasmo e o empenho de nossos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, cenários, câmeras, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Introdução A confecção deste roteiro teve um caminho longo e trabalhoso. Talvez as dificuldades tenham surgido exatamente pela forma como o processo começou. Eu estava morando em Londres, e como muitas vezes olhar para o outro é uma forma de olhar para nós mesmos, o olhar de estrangeiro teve um resultado inverso e acabei me voltando para a minha própria origem, minha infância e minha cultura. Um amontoado de idéias, lembranças, temas, intenções, aparentemente desconexas, começou a rondar minha cabeça. Comecei a tomar notas e também a pesquisar. Foi quando li o livro Minha Vida de Goleiro, de Luiz Schwartz, que me deu muita inspiração. Cheguei até a pensar em escrever o roteiro baseado no livro. Decidi procurar um roteirista para me ajudar. Pensei: Preciso de um cara que tenha mais ou menos a minha idade, que tenha morado no bairro do Bom Retiro, de ascendência judaica, que goste de futebol, escreva bem e seja talentoso. Parecia impossível reunir todos esses quesitos. Mas, por incrível que pareça, encontrei. Logo no primeiro encontro com Cláudio Galperin, contei minhas idéias e ele se identificou imediatamente. Três dias depois, o contratei. Voltei para a Inglaterra e por email e telefone, começamos a dar forma àquele amontoado de idéias, que a essa altura havia crescido com todas as idéias e lembranças do Cláudio. Com muito esforço e inspiração, Cláudio alinhavou todas elas, delineou personagens, transformou um amontoado de boas intenções em uma boa história. Tínhamos ali a base para um bom roteiro: uma narrativa forte, personagens vivos e cativantes, cenas articuladas e situações bem construídas e saborosas. Escrevemos, então, três tratamentos do roteiro e fomos selecionados para participar do Laboratório de Roteiros do Sundance Institute. A partir de então, o trabalho foi no sentido de estruturar, limpar, dar ritmo e adensar os personagens e a relação entre eles. Bráulio Mantovani entrou no time com todo o seu talento e experiência para trabalhar nesse senti-do. Com ele fizemos mais três tratamentos. Os personagens cresceram, as relações entre eles se definiram, as intenções dramáticas foram clareando e o ritmo encontrando seu equilíbrio. Finalmente chegamos a uma versão muito boa e demos o roteiro como acabado e pronto para filmar. Mas por motivos de agenda, tive que adiar a filmagem em um ano, durante o qual fiz a série Filhos do Carnaval, para a HBO. E um ano é muito para estar longe de um roteiro. Quando voltei, achei que gostaria de mexer mais um pouco antes de filmar. Mas Bráulio já não tinha mais agenda. Pedi então para a Anna Muylaert, parceira em diversos trabalhos, ler e comentar a história. Com sua incrível sensibilidade para analisar e entender roteiros, Anna me mostrou a possibilidade de mexer em um ponto estrutural que melhoraria o ritmo e a dramaticidade, mantendo a essência. Já estávamos em fase de preparação para as filmagens e mexer no roteiro naquela altura poderia ser perigoso, poderia atrapalhar toda a organização da equipe e da produção. Mas fiquei convencido de que a sugestão da Anna seria importante e já não conseguiria filmar sem ao menos tentar. Avisei a equipe e a produção e mergulhamos mais uma vez no universo labiríntico e misterioso de um roteiro cinematográfico. Em uma delicada operação cirúrgica, reestruturamos o filme, principalmente do meio para o final. O projeto me pareceu tão sólido e maduro que pude até modificar ou inventar novas cenas durante a filmagem, com segurança. Gosto muito do roteiro de O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, ganhamos muitos prêmios com ele. E posso dizer que foi um privilégio trabalhar com esses três craques – Cláudio, Bráulio e Anna – e cada um foi fundamental para o resultado final. Contamos também com a colaboração decisiva de Christiane Riera, a quem chamo de madrinha do filme, porque além de sua colaboração como dramaturgista, em meus momentos de desânimo, sempre me incentivou e mostrou seu carinho e apreço pelo projeto. A parceria dos co-produtores Rodrigo Saturnino, Caio e Fabiano Gullane, de toda equipe e elenco do filme, em especial Sonia Hamburger, que acompanhou o processo desde as primeiras idéias, foi fundamental para o resultado final do trabalho. François Truffaut diz que fazer um filme é como fazer três filmes. O primeiro, a base de tudo, é o roteiro. Em O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, essa etapa foi cumprida, em minha opinião, com louvor. Cao Hamburger Um Ano Incomum Introduzindo o Roteiro Cao me convidou para acompanhar o desenvolvimento do roteiro de O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias quando já havia um terceiro tratamento. A essência da história, com todo o seu potencial para virar um grande filme, estava ali. Em se tratando de dramaturgia, o que chamou minha atenção, desde o início, foi a sutileza e a sensibilidade em abordar um momento tão dramático de nossa história. Os anos “de chumbo” da ditadura são mostrados pela contramão de nossa expectativa: através do olhar de um menino que sofre com o distanciamento de seus pais, ao mesmo tempo em que se angustia com sua entrada numa nova comunidade e com a participação do Brasil na Copa do Mundo. Havia muitas bolas no ar, mas todas mirando para um único gol. Apesar de várias vertentes aparentemente disparatadas, todas se apresentavam da mesma forma. Apresentavam-se como uma espécie de deslocamento das tensões históricas do momento, que se manifestavam no roteiro através de opções mais simbólicas ou metafóricas do que de maneira explícita. Os efeitos do terror da ditadura apareciam no drama doméstico e íntimo de Mauro, cuja posição de goleiro no time de bairro traduzia sua dor da incerteza e da espera. Esperar no gol, esperar os pais, esperar pela vitória do Brasil. Mauro era um menino de mãos atadas, vítima da situação política ameaçadora e cruel. Essa era uma maneira de se tratar o início dos anos 70 com muito frescor, como eu jamais havia visto em nosso cinema. O assunto político, contundente por excelência, estava traduzido na intimidade e subjetividade de um menino. Da mesma maneira, tais efeitos avassaladores se disseminavam pela comunidade judaica do bairro que se dividia entre ajudá-lo ou não, às vezes por questões religiosas e outras vezes por razões políticas. O dilema também era tratado com humor e otimismo, algo corajoso num país onde o patrulhamento ideológico das artes ainda parece reinar. Além disso, era intrigante como a trajetória de Mauro, de certa forma, refletia e sintetizava a questão da diáspora judaica, num âmbito menor, mas não menos doloroso. Por causa de uma perseguição (no caso, política), Mauro fora afastado de seus pais e agora passava pela incerteza do desmantelamento e iminente colapso de sua família, tendo que descobrir uma nova maneira de enfrentar a vida. A ironia, e talvez riqueza desse roteiro, estava no fato de Mauro reproduzir um drama de contexto político brasileiro ao mesmo tempo em que reproduzia um drama maior étnico, que diz respeito a uma história universal. Ao fim e ao cabo, as histórias que pareciam díspares confluíam para um único vetor dramático. Mauro era vítima de várias ditaduras... Da ditadura política à ditadura do próprio Shlomo, sua trajetória como protagonista poderia se dar em um outro momento da história onde há deslocamentos impostos e em qualquer lugar. Ciente de tudo isso, Cao sabia que tinha em suas mãos muitos elementos para serem orquestrados. Também não queria perder o potencial dessas histórias, mesmo sabendo que teria de optar por um viés mais claro. A entrada de outros roteiristas ao longo do processo criativo potencializou, aos poucos, aspectos específicos da trama. Questões judaicas ganharam vida no roteiro, no dia-a-dia entre Mauro e Shlomo. Num dado momento, Mauro virou gói, aumentando seu conflito de aceitação dentro do Bom Retiro. Como um paradoxo poético, Mauro enfrentava, por não ser judeu, aquilo que seus ancestrais judeus, os pais de seu pai, haviam enfrentado. E além de uma história mais específica da comunidade judaica no Brasil, o esforço foi também em manter a proposta inicial do roteiro, a de retratar uma comunidade de imigrantes, como outra em qualquer parte do mundo, onde há aproximações e distanciamentos culturais de várias ordens. Ali também conviviam italianos, gregos e mais tarde, coreanos. O próximo desafio seria combinar a ansiedade e vibração causada pela Copa do Mundo com o compasso de espera em que vivia Mauro. Seu mundo melancólico pessoal era rodeado por vitórias no futebol que funcionavam de forma utópica, já que entravam em contradição com a mais dura realidade brasileira da época. O roteiro foi evoluindo e algo que era desconectado da trama até então – os jogos da Copa – e que aparecia como um episódio do terceiro ato, ganhou força e dramaticidade ao se dissolver ao longo do roteiro: cada jogo da Copa pas-sou a representar a distância dos pais. O futebol passou a significar o abandono, em certo sentido, ou, o efeito cruel da ditadura na vida do menino até então inocente. Se seu sonho era ver o Brasil tricampeão, a Copa revelava a impossibilidade de completude de alegria em Mauro. O dia da vitória passou a ser o seu dia de maior tristeza, da descoberta da queda de uma família idealizada. A família traduzida no nosso País de então. A montagem de Daniel Rezende fez com que os minutos finais do filme ganhassem o significado buscado ao longo do processo de roteirização: a mistura aparentemente improvável entre futebol e ditadura. Não me lembro de algo mais melancólico do que a contradição entre a comemoração da vitória do Brasil nos anos 70 e a tristeza de Mauro caminhando solitário pelas ruas. Esse era o Brasil em que vivíamos. Aí estava a impossibilidade de se acreditar na propaganda ideológica do sucesso político brasileiro através do futebol. Drama e trama resolvidos, a nova questão seria encontrar o tom do filme. E Cao nunca desistiu de alcançar o equilíbrio que queria: tratar um assunto já estigmatizado por nossa história através de uma abordagem nova. A pegada do roteiro era retratar a ditadura pelo ponto de vista não só de Mauro, mas da maioria das pessoas que viveram aquela época, gente como a gente, que mesmo à margem da história, sofria conseqüências. Era o drama político pela vida privada. O tema já era forte o suficiente e as pinceladas teriam de ser leves e respeitosas. Além de tudo isso, o ano da vida desse menino também se revelou autobiográfico para muitos quarentões que participaram do desenvolvimento do roteiro, o que dificultava ainda mais a descoberta desse tom mais sutil. Depois de mais de dez tratamentos, o roteiro conseguiu, com maestria, aliar sutileza à profundidade. E isso se deve à colaboração de todos os envolvidos nesse processo, cada um com seu talento e com sua preocupação, acrescentando detalhes imprescindíveis ao roteiro final. Com a estrutura amarrada, o ritmo mais acertado, com o encaixe dos jogos da Copa na trama, os conflitos entre os personagens principais mais definidos e maiores questões ideológicas esclarecidas, estava na hora de partir para mais uma etapa. O roteiro estava pronto para receber a colaboração do time criativo e dos atores durante a filmagem. O resultado harmonioso do processo pôde ser visto na fluidez e beleza dessa história nas telas. Christiane Riera Pequena Nota Sobre a Versão Publicada Esta versão do roteiro foi utilizada para as filmagens. Compará-la com o filme acabado mostrará como o processo de realização de um filme é dinâmico e vivo. Para efeito de publicação, o roteiro teve sua formatação original ligeiramente alterada. Roteiro EXT. TÚNEL DE ESTÁDIO DE FUTEBOL – DIA (FLASHBACK – 1969) MÃO DE HOMEM ADULTO segura MÃO DE CRIANÇA: pai e filho de mãos dadas enquanto caminham pelo túnel que dá acesso às arquibancadas do estádio. Burburinho de VOZES. TORCEDORES passam a caminho das arquibancadas. Todos vestidos com a camisa do uniforme do time do Santos. Aos poucos, revelam-se os “donos” das mãos: MAURO – menino branco e franzino, de 10, 11 anos – olha para seu pai, DANIEL – 30 e poucos anos – enquanto andam em direção à saída no túnel, na contraluz. INT. SALA DE JANTAR, CASA DE MAURO / ARQUIVO – JOGO MONTAGEM ALTERNA: ARQUIVO – SANTOS VERSUS VASCO DA GAMA (MARACANÃ, 1969) O ESTÁDIO DO MARACANÃ está lotado. Closes de CHUTEIRAS disputando jogadas e dos torcedores. PELÉ entra na grande área e é derrubado. O JUIZ marca pênalti. Euforia da torcida. MAURO (V.O.) O maior jogador de todos os tempos pode estar prestes a marcar seu milésimo gol. Os jogadores do Santos se dirigem para o meiode-campo. NA MESA DE JANTAR – A MÃO de MAURO reproduz a cena que acontece no estádio, num jogo de futebol de botão. NO MARACANÃ – Pelé apanha a bola e a posiciona na marca do pênalti. Mauro narra as ações do jogo com grande emoção. NA MESA DE JANTAR – MAURO (V.O.) Pelé vai bater o pênalti! Mauro coloca o botão de Pelé na posição para bater o pênalti. NO MARACANÃ – O juiz apita. Pelé corre, dá sua famosa paradinha, e chuta para dentro do gol. MAURO (V.O.) É goooooooooool! NA MESA DE JANTAR – ForteRUíDOdotelefonebatendonoganchodistrai Mauro. Ele vacila no controle da PALHETA quando dispara o botão de Pelé em direção à bola. A pequena BOLINHA DE PLÁSTICO passa por cima do gol. MíRIAM (30) – a mãe de Mauro – com cara de preocupada, junto ao telefone, fala em tom bem sério com o filho. MíRIAM Vamos ter que viajar... MAURO Agora? MíRIAM Agora. MAURO Mas e o papai? MíRIAM Pra variar está sempre atrasado. Míriam está apreensiva: ouve um SOM DE CARRO. Vai até a – JANELA – Míriam espia pela janela e vê – JANELA – P.V. DE MíRIAM Um FUSCA AZUL estaciona diante da casa. JUNTO À JANELA – Míriam suspira aliviada. PELA PORTA – DANIEL, pai de Mauro, entra aflito na sala. DANIEL Pega suas coisas. Nós vamos sair de férias! Mauro fica perplexo e animado ao mesmo tempo, e começa a recolher seus botões e a colocálos em sacos. MAURO Como férias? Amanhã tem aula. Enquanto Mauro guarda os botões, os pais carregando roupas e objetos pessoais. MíRIAM Anda Mauro! Mauro pega os sacos com botões e caminha em direção à porta. Pára. Volta para mesa. Coloca os sacos com os botões sobre a mesa. Mauro se abaixa e pega, sob a mesa, uma BOLA DE FUTEBOL. Daniel volta à sala carregando as malas. DANIEL Não ouviu o que a sua mãe tá dizendo? Isso aqui não é brincadeira! Vamos embora! Na pressa, Mauro se atrapalha ao recolher os sacos de botões que estão sobre a mesa. Daniel volta e puxa o filho pelo braço. Mauro vai com o pai, deixando para trás um dos sacos com os botões. I/E. ESTRADA / FUSCA AZUL – FIM DE TARDE NA ESTRADA – O fusca da família de Mauro segue por uma estrada asfaltada. Entram CRÉDITOS PRINCIPAIS em sobreposição. DENTRO DO CARRO, NO BANCO DA FRENTE – Daniel dirige, tenso. Míriam vai ao lado. O RÁDIO transmite um programa esportivo. COMENTARISTA (V.O.) A grande dúvida é se Pelé e Tostão podem jogar juntos... A tensão dos pais permanece a mesma ao longo de toda a viagem. NO BANCO DE TRÁS– Mauro olha a paisagem e masca chicletes. NA ESTRADA – FUSCA AZUL desliza pela estrada. DENTRO DO CARRO – Daniel está tenso. Míriam acende um cigarro e passa para Daniel. Os dois fumam o mesmo cigarro. Míriam abre a sua janela. O vento invade o carro, “despenteando” os cabelos dos três. Míriam e Daniel fumam sem dizer nada. Por um tempo, o único som que se escuta no carro é o da ventania. Mauro masca chiclete enquanto olha a paisa-gem, com o vento forte batendo na cara dele. NA ESTRADA – O fusca azul corre em alta velocidade pela estrada vazia. PASSAGEM DE TEMPO – DENTRO DO CARRO – Mauro está entediado, olhando pelo vidro traseiro. MAURO Quero fazer xixi. MíRIAM Segura mais um pouco, tá bom? MAURO Tá chegando? MíRIAM Mais um pouquinho. NO VOLANTE – DANIEL Vem cá... Esquisito... Esse marcador de gasolina tá funcionando direito? MíRIAM Às vezes. DANIEL Como, às vezes? MíRIAM Às vezes. DANIEL Mas como eu vou saber se tem ou não gasolina? MíRIAM Tem. DANIEL Como você sabe? MíRIAM Eu pus ontem. PASSAGEM DE TEMPO – Mauro se apóia entre os dois bancos da frente. PELO PÁRA-BRISA – Ele vê um fusca ultrapassando o carro. MAURO FUSCA! Quatro a um pra mim! MíRIAM Assim cê vai ganhar, hein, filho! Daniel está absorto, desconectado da conversa. MAURO Paiê! Quatro a 1 pra mim! DANIEL Parabéns, filhão! Parabéns! PELO PÁRA-BRISA – Mauro vê um CAMINHÃO DO EXÉRCITO, parado no acostamento, mais à frente. Ele aponta na direção do caminhão. MAURO Olha! DANIEL Putz! O semblante de Daniel fica sério. Míriam e Daniel se entreolham preocupados. A tensão aumenta à medida que – PELO PÁRA-BRISA – O caminhão do exército fica cada vez mais e mais próximo. Míriam olha para Daniel, que segura tenso o volante, enquanto o fusca passa pelo caminhão parado no acostamento. NA ESTRADA – O fusca azul segue sozinho. O caminhão do exército fica para trás. DENTRO DO CARRO – Daniel e Míriam se olham aliviados. NA ESTRADA – O fusca passa por um OUTDOOR com a famosa frase que caracterizou o espírito da ditadura militar: BRASIL, AME-O OU DEIXE-O. FIM DOS CRÉDITOS. INT. FUSCA AZUL – FIM DE TARDE ((CENA OPCIONAL)) NO BANCO DE TRÁS – Mauro dorme, deitado no colo de Míriam. Daniel continua ao volante. DANIEL Estamos chegando. Já vou parar, filhão. EXT. MOTEL DE BEIRA DE ESTRADA – FIM DE TARDE O fusca azul pára diante de um motel de beira de estrada. INT. QUARTO DO MOTEL – NOITE Mauro, Míriam e Daniel entram no frio quarto do motel. Daniel logo se deita na cama. Míriam abre a mala. Mauro, cansado, observa o pai. DANIEL Puta dor nas costas... MíRIAM Quer tomar um remédio? Míriam se volta para Mauro. MíRIAM Vai tomar banho. MAURO O quê? Míriam dá uma toalha para Mauro. MíRIAM Agora, vai tomar banho. MAURO Banho? Ah, mãe! Já tomei banho ontem. MíRIAM Nem vem, Mauro! Vai tomar banho agora! Mauro vai pro banheiro. Enquanto Míriam dá o remédio para Daniel. INT. QUARTO DO MOTEL – MAIS TARDE Míriam, Daniel e Mauro dormem, os três, na mesma cama. Silêncio. Tempo. Sem abrir o olho, Mauro fala: MAURO Pai... DANIEL Humm? MAURO Não consigo dormir. Tempo. DANIEL Também não. Mauro se mexe na cama. EM UM CANTO DO QUARTO – Um ESCORPIÃO se move lentamente. I/E. FUSCA AZUL / RUAS DE SÃO PAULO – DIA Míriam agora dirige o carro. Daniel vai no banco do carona. NO BANCO DE TRÁS – Mauro dorme, deitado no banco. Ele abre os olhos. Olha pelo vidro e se impressiona com o que vê – PELO VIDRO TRASEIRO – Os EDIFíCIOS de São Paulo. NO RETROVISOR DO CARRO – Uma AMBULÂNCIA se aproxima do fusca em alta velocidade. Daniel vê a ambulância passar. EXT. RUAS DA CIDADE – DIA A AMBULÂNCIA cruza ruas da cidade em alta velocidade. EXT. PRÉDIO RESIDENCIAL – MAIS TARDE A mesma ambulância passa agora diante de um modesto prédio de apartamentos. E assim que ela sai de cena, surge – JUNTO À CALÇADA DIANTE DO PRÉDIO – O FUSCA AZUL dos pais de Mauro está estacionado diante da entrada do prédio. NA CALÇADA – Míriam ajeita a roupa de Mauro, acerta o cabelo dele com a mão, como se estivesse passando um pente, e dá um beijo no rosto do filho. Daniel tira a mala de Mauro do carro apressadamente. Ele pára um instante e olha para – O PRÉDIO, diante dele. O olhar de Daniel é de nostalgia: ele reconhece o lugar. MAURO Mãe, eu não quero ficar. MíRIAM Mauro, a gente já falou, não falou? MAURO Mas eu não quero ficar. Daniel traz a mala para junto de Mauro. DANIEL Meu pai tá te esperando. MíRIAM Filho, entende, a gente não tá indo porque a gente quer. MAURO Por que, então? Míriam não sabe o que responder. Ela abraça Mauro. JUNTO AO CARRO – Daniel retira do porta-malas uma BOLA DE FUTEBOL. MAURO Quando vocês vão voltar? MíRIAM A gente não sabe direito. Daniel entrega a bola para o filho e improvisa uma resposta, fala sem pensar. DANIEL Na Copa. MAURO Mas falta muito para a Copa chegar... Daniel abraça Mauro. Os olhos dele estão marejados. DANIEL Vai dar tudo certo. A gente volta na Copa. Mauro se controla para segurar o choro. MAURO E se o vovô não tiver chegado? Daniel caminha em direção ao carro. DANIEL Mauro, seu avô não atrasa nem morto. Vamos embora Míriam! MíRIAM Vamos! Daniel e Míriam entram no carro. Míriam fecha a porta. O fusca azul arranca. Mauro fica sozinho na calçada: a bola, debaixo do braço; a mala, aos pés dele. MONTAGEM ALTERNA – DE MAURO– O carro se afasta. DE MíRIAM– Mauro vai ficando para trás. MAURO (V.O.) Começou tão mal que eu já estava ficando preocupado com o futuro do Brasil... Na Copa do Mundo, é claro. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO TÉRREO – DIA Mauro caminha pelo longo corredor, carregando a bola e a mala. Do meio do corredor, Mauro vira-se para trás, como se esperasse ver o fusca azul parado ali. Suspira resignado, como se já tivesse passado antes por essa situação. Segue em frente. No final do corredor, Mauro se depara com um ELEVADOR ANTIGO. Antes que alcance a porta, ela é aberta pelo lado de dentro. Do elevador saem – RUTH (35) e sua filha HANNA (13), apenas um pouco mais alta que Mauro. Ambas olham de passagem para ele. Mauro mal devolve o olhar: parece assustado com a violência com que a PORTA PANTOGRÁFICA do elevador fechou-se atrás delas. Encara a porta por uns poucos segundos, chega a tocar sua estrutura metálica, hesita. Prefere não abri-la. INT. PRÉDIO, ESCADARIA – DIA Mauro sobe o primeiro lance de escadas, do térreo para o primeiro andar, puxando a mala desajeitadamente. Enquanto sobe, Mauro ouve VOZES de diferentes pessoas, em conversas, reclamações, risadas. São vozes estranhas, que falam um idioma que ele não reconhece: IíDICHE. Ele sussurra bem baixinho para si mesmo, como se tivesse medo de ser descoberto. MAURO Puta que pariu! Será que eu não tô mais no Brasil? No primeiro andar, Mauro cruza com um morador do prédio. Mauro checa os números dos apartamentos e retoma a subida pela escada do primeiro para o segundo andar. E continua subindo, subindo, subindo até chegar ao – INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Mauro pára na frente dos apartamentos geminados 70 e 71. Coloca a mala e a bola no chão. Tira do bolso um pedaço de papel e confere o número do apartamento. Toca a campainha. Aguarda um pouco. Toca novamente. Ninguém responde. FUSÃO PARA: MAIS TARDE – Mauro esperaem frente à porta, sentado com a bola. Ele levanta, vai até a janela e volta a se sentar. FUSÃO PARA: MAIS TARDE – Mauro joga botão no chão, a mala está aberta e revirada. As vozes em iídiche ainda podem ser ouvidas pelo vão da escada. Às vezes, músicas tradicionais judaicas se intercalam às vozes. FUSÃO PARA: INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – NOITE Mauro dorme com o rosto colado na porta. SOM DE ELEVADOR EM MOVIMENTO ecoa pelo corredor. BARULHO DA PORTA PANTOGRÁFICA se abrindo. Mauro desperta. As PERNAS de um homem com calças pretas saem do elevador e caminham em sua direção. Mauro esfrega os olhos para enxergar melhor. P.V. DE MAURO – A figura vestida de preto (a roupa está molhada) cresce em sua direção, fora de foco. JUNTO À PORTA – Mauro esfrega os olhos. P.V. DE MAURO – Mauro enxerga melhor agora. Ele vê a figura de um velho – SHLOMO, 70 –, vestido com roupas típicas de um judeu religioso. JUNTO À PORTA – Mauro se levanta devagar. MAURO Vô? Por alguns segundos, um olha para o outro. Shlomo não reconhece Mauro. Mauro percebe que aquele não é seu avô. Shlomo tira um chaveiro repleto de chaves do bolso, olha os jogadores de botão de Mauro espalhados no chão. Ele fala com Mauro em iídiche, num tom enérgico. SHLOMO (EM IíDICHE) Aqui não é lugar pra brincar! Mauro recua, sem compreender o que Shlomo diz. Contrariado, Shlomo abre a porta do apartamento ao lado, entra, e fecha a porta atrás dele. Mauro se levanta e volta a tocar a campainha do apartamento do avô enquanto chuta, violentamente, a porta. A porta do apartamento ao lado se abre. Shlomo sai de lá aos berros. SHLOMO (CONT.) Shrai nit! Shequet! Mauro vira o rosto de lado e sussurra para si mesmo. MAURO Chereque é a sua mãe! Shlomo fala em português, com um sotaque não muito carregado. SHLOMO O quê? Mauro finge não ter dito nada. MAURO Nada. Shlomo olha desconfiado. Por um instante, o velho e o menino se encaram sem dizer nada. Shlomo quebra o silêncio, novamente em português. SHLOMO Quem é você? Mauro olha para baixo, em silêncio. Shlomo insiste. SHLOMO (CONT.) Como você se chama? MAURO Mauro... SHLOMO O que você está fazendo aqui? Mauro fica quieto. SHLOMO (CONT.) Núú? Perdeu a língua? MAURO Eu vim ficar com meu avô... SHLOMO Que avô? MAURO O Mótel. SHLOMO O barbeiro? Mauro acena que sim com a cabeça. SHLOMO (CONT.) Onde está sua mãe? Mauro permanece calado fitando o chão. SHLOMO (CONT.) E seu pai? Você está sozinho? Os olhos de Mauro abandonam o chão para fitar os de Shlomo, que suspira num lamento. SHLOMO (CONT.) Hoy vei... Meshiguene velt... Shlomo amassa a cara inteira dentro da concha da mão. Soa um TROVÃO. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, SALA – NOITE Mauro dorme no sofá de Shlomo. Shlomo – soturno, abalado – observa o menino dormir, enquanto escuta a chuva, que parece soar como uma triste melodia. EXT. CEMITÉRIO ISRAELITA – DIA Mauro acompanha o cortejo fúnebre do avô. Shlomo vai ao lado de Mauro. Atrás, seguem as PESSOAS da comunidade judaica e da vizinhança. EXT. CEMITÉRIO ISRAELITA – DIA RABINO SAMUEL (60) conduz a cerimônia religiosa, rezando em hebraico. RABINO SAMUEL (Oração em hebraico que é ouvida ao longo de toda a cena.) Mauro, a única criança presente, está ao lado de Shlomo. Shlomo apanha um SOLIDÉU da mão de Mauro e o arruma sobre a cabeça do menino. Mauro olha para cima, para Shlomo, e o solidéu cai no chão. Atrás dele, RAQUEL BEREZOVSKI (47) apanha o solidéu e, com o auxílio de um grampo, prende-o nos cabelos de Mauro. MUITAS PESSOAS assistem à cerimônia fúnebre. Entre elas, moradores do prédio onde morava o avô: as irmãs RAQUEL, IDA (45) e ESTER BEREZOVSKI (49); SEU MACHADO (58) e DONA ROSA (50); DONA EIDEL (85); ISAAC ROSENBLITZ (80), com aspecto ultra-ortodoxo; ANATOL (55), figura que chama a atenção de Mauro pelo seu aspecto sinistro e mal-encarado, que inclui uma barba por fazer e um CURATIVO NO PESCOÇO. Ruth, a mãe de Hanna, que cruzou com Mauro no elevador do prédio, também está presente. As primeiras pás de terra começam a recobrir o caixão. Todos olham muito para Mauro, com uma mistura de pena e curiosidade. Mauro percebe e fica meio sem jeito. PASSAGEM DE TEMPO – As pessoas fazem uma fila para cumprimentar Mauro e expressar seus pêsames. Mauro, parado, vai tomando contato com os membros da comunidade judaica que passam por ele. RAQUEL Puxa, menino, você é a cara do seu avô! Meus pêsames, viu? ESTER Força, filhinho! Seu avô ia gostar muito de ver você aqui. IDA Meus pêsames. Mauro está em estado de choque. MAURO (V.O.) Demorou um tempo até eu entender o que é que tinha acontecido com o meu vô... FUSÃO PARA: INT. FACULDADE, SALA DE ANATOL – DIA (FLASHBACK) Um RELÓGIO DE BOLSO enche a tela. Os PONTEIROS andam para trás. Os ponteiros param quando o relógio marca: 10 MINUTOS PARA AS 9. JUNTO A UMA MESA, CHEIA DE LIVROS Anatol, o tipo mal-encarado que chamou a atenção de Mauro no enterro, deixa o relógio sobre a mesa. Ele tem a BARBA POR FAZER, mas não tem o curativo no pescoço como no enterro. Anatol organiza os livros e objetos que estão sobre a mesa. Anatol se levanta, guarda o relógio, que acertou, no bolso e caminha em direção à porta. FUSÃO PARA: INT. BARBEARIA – DIA (FLASHBACK) O RELÓGIO ANTIGO em uma parede da barbearia marca 9 HORAS. PELA PORTA – Anatol entra pela porta da barbearia. FUSÃO PARA: EXT. MOTEL / POSTO DE GASOLINA – DIA Um RELÓGIO DE PAREDE marca 9 HORAS E 5 MINUTOS. JUNTO A UM ORELHÃO – Daniel, tenso, preocupado, disca um número no telefone. NO POSTO, JUNTO AO MOTEL – O fusca azul parado. Míriam está na direção e Mauro, no banco de trás. Um funcionário do posto calibra os pneus do carro. NO ORELHÃO – Daniel fala ao telefone. DANIEL Tá combinado. Então, em duas horas a gente tá aí. Tudo bem... (despede-se com uma palavra em polonês) Daniel desliga o telefone. INT. BARBEARIA – DIA (FLASHBACK) MÓTEL, um senhor de aproximadamente 70 anos, vestido com avental de barbeiro, desliga o telefone com semblante muito preocupado. Olha para o relógio de parede, que marca 9H15. Mótel caminha até a porta e vira a placa de FECHADO em direção à rua. MAURO (V.O.) Meu avô ficou um tempão sem falar com meu pai... Mótel, trêmulo, coloca um avental em Anatol e começa a lhe fazer a barba. MAURO (V.O.) (CONT.) Minha mãe dizia que ele implicava com o meu pai só porque eles eram muito diferentes. Mótel passa a navalha na altura do pescoço de Anatol. MAURO (V.O.) (CONT.) Mas que um dia eles iam se entender... De repente, a navalha corta a pele do pescoço de Anatol, fazendo o sangue escorrer. MAURO (V.O.) (CONT.) Não deu tempo. Anatol move-se instintivamente para trás, levantando as mãos assustado e deixando cair seu RELÓGIO DE BOLSO, ao mesmo tempo em que Mótel cai desacordado no chão. AVANÇO DE ÁUDIO: SOM DE SIRENE DE AMBULÂNCIA faz transição para: EXT. PRÉDIO RESIDENCIAL – DIA (FLASHBACK) A ambulância passa diante do prédio de Mótel. Ao sair de quadro, revela a mesma situação da despedida de Mauro e os pais dele. MAURO (V.O.) Minha mãe tinha razão: meu avô não atrasava nem morto. A mesma cena vista anteriormente, mas de um ponto de vista mais afastado e acelerada (edição com elipses), chegando rapidamente ao momento em que – Fusca azul arranca. Mauro fica sozinho com a mala e a bola de futebol. CORTA PARA: EXT. PRÉDIO RESIDENCIAL – DIA Mauro pisca ao SOM DE UMA PORTA DE CARRO BATENDO. Shlomo despede-se do motorista com um aceno de mão. O carro parte. Eles estão vestidos com as mesmas roupas do enterro. Mauro ainda tem o solidéu na cabeça. Sozinhos na calçada, à frente da entrada do prédio, Shlomo e Mauro estão visivelmente embaraçados com a situação. SHLOMO (EM IíDICHE) Eu não vou demorar... Mauro claramente não entende o que Shlomo diz. Shlomo dá alguns passos, vira-se para Mauro que permanece imóvel. Shlomo pára, volta até Mauro, retira uma CHAVE DO CHAVEIRO e a estende em sua direção. Mauro apanha a chave. SHLOMO (CONT.) Pode subir. Eu já volto. Shlomo vai embora. Mauro permanece parado na frente do prédio. O prédio é alto, a cidade é grande e Mauro está totalmente sozinho com uma chave na mão. Sentada na porta do edifício está Hanna, centro das atenções de um bando de GAROTOS. Todos falam com ela ao mesmo tempo. Mauro troca olhares com Hanna enquanto caminha em direção à entrada do edifício. Ele fica envergonhado com o solidéu que está usando, e o arranca rapidamente. Mauro entra no prédio. Hanna entra logo em seguida. Os garotos vão embora. A entrada do prédio fica vazia. EXT. SINAGOGA – DIA Shlomo entra na sinagoga. INT. SINAGOGA, CÂMARA PRINCIPAL – DIA Shlomo cruza a câmara principal e cumprimenta a MULHER DA FAXINA, que está enxugando o chão molhado com uns panos. SHLOMO Por que tá limpando com essa pano? Já disse pra usar aqueles velhos. Shlomo olha para o teto, depois para uns baldes cheios de água, colocados em diferentes partes. O rabino Samuel se aproxima de Shlomo e inspeciona as goteiras no teto. Os diálogos são em iídiche com legendas em português. RABINO SAMUEL Choveu demais ontem à noite... Shlomo olha para o teto. SHLOMO Ió... RABINO SAMUEL Quanto eles pediram? SHLOMO Quarenta e cinco cruzeiros. RABINO SAMUEL Pra consertar umas goteiras?! SHLOMO Ainda tô vendo, ainda tô vendo... Shlomo suspira desanimado. RABINO SAMUEL E o menino? Shlomo se irrita. SHLOMO Eu é que pergunto... E o menino? RABINO SAMUEL Que menino? SHLOMO (EXASPERADO) O menino tá na minha casa! Mas onde ele vai ficar? RABINO SAMUEL Cadê os pais dele? SHLOMO Nem aqui, nem ali... O rabino tenta se esquivar do problema. RABINO SAMUEL Um pouco de paciência. SHLOMO Como paciência? Eu quero saber quem vai ficar com o menino? O TELEFONE TOCA. RABINO SAMUEL Pode atender você. O rabino se afasta. SHLOMO (INCONFORMADO) Rabino... RABINO SAMUEL Eu vou falar com as pessoas. Todo mundo vai ajudar. Shlomo faz cara de descrente. RABINO Fica tranqüilo. Os pais vão ligar. RABINO sai. Shlomo fica parado, em estado de choque. O telefone toca, toca, toca. Shlomo caminha em direção ao – INT. SINAGOGA, ESCRITÓRIO DE SHLOMO – DIA Shlomo coloca o terno na poltrona e, de birra, não atende o telefone. INT. APARTAMENTO DE SHLOMO, SALA – DIA A capa do ÁLBUM DE FIGURINHAS da Copa do Mundo de 1970. SOM DE TELEFONE que toca. O álbum é abaixado, revelando – O rosto de Mauro, que escuta o telefone tocar. Mauro se levanta e vai até a janela. Ele percebe que o telefone que está tocando é o do apartamento de seu avô. Mauro sai correndo. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Corredor vazio, SOM DE TELEFONE tocando. Mauro abre a porta do apartamento de Shlomo, aflito com o SOM DO TELEFONE que não pára de tocar. Mauro corre até a porta do apartamento de Mótel. Cola a orelha na porta e se certifica que é de lá que vem o som da campainha do telefone. Fica ansioso. Bate na porta. Força a maçaneta da porta, sem sucesso. Mauro volta correndo para o apartamento de Shlomo deixando a porta aberta. EXT. AP. DE SHLOMO / AP. DE MÓTEL, ÁREAS DE SERVIÇO – DIA Da pequena varanda, Mauro pode ver, bem ao lado, a varanda do apartamento do avô. O TELEFONE CONTINUA TOCANDO. Mauro pula a grade, fica do lado de fora, tentando alcançar a varanda do avô. MAIS ACIMA, EM OUTRA VARANDA Hanna, da área de serviço do apartamento dela, observa Mauro e logo sai. DE VOLTA A MAURO – Que continua tentando chegar à varanda do avô. Um PEDAÇO DE CIMENTO em que ele pisa cede, precipitando-se sete andares para baixo. Mauro se assusta. Agarra-se à grade, paralisado de medo. Olha para baixo e vê – Seu Machado, o zelador que estava no enterro, no pátio interno do prédio, de vassoura em punho, olhando atônito para cima. Hanna surge na varanda do apartamento de Shlomo. HANNA Eeeeeei! Surpreso com a presença de alguém, Mauro toma impulso conseguindo voltar para dentro da varanda. Desaba ofegante no chão. O TELEFONE PÁRA DE TOCAR. HANNA (CONT.) Onde é que você pensa que vai? MAURO Não é da tua conta! Hanna fala em tom de provocação. HANNA Eu aposto que vai ser da conta do Shlomo. MAURO Eu preciso entrar na casa do meu avô. HANNA (IRôNICA) Você já ouviu falar numa coisa chamada... porta? MAURO Muito engraçado. HANNA O que é que tem lá de tão importante? Mauro fica em silêncio. NA JANELA DO APARTAMENTO DE HANNA – Ruth – a mãe de Hanna – grita o nome da filha. RUTH Hanna! Hannale! NA VARANDA DE SHLOMO – HANNA (GRITANDO) Já vou! (para Mauro) Fala com o seu Machado. Ele tem a chave de todos os apartamentos. Hanna sai correndo. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Hanna sai do apartamento de Shlomo. Seu Machado vem subindo as escadas correndo, completamente sem fôlego. HANNA Oi, seu Machado! Hanna sobe as escadas enquanto Mauro sai do apartamento atrás dela. Seu Machado chega muito ofegante. Procura falar com Mauro, mas não consegue. Parece à beira de um colapso. Curva-se com as mãos nos joelhos e encosta-se na parede. MAURO (PREOCUPADO) O senhor tá se sentindo bem? INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – DIA Seu Machado abre a porta do apartamento. Mauro entra cautelosamente, sozinho. Tudo está fechado, úmido. Morto. Mauro entra com cuidado e medo, observa a poeira, as janelas fechadas, ouve o som de uma torneira que pinga. Maurose comportacomoseestivesse na tumbados seus antepassados, cheio de receio e respeito. PASSAGEM DE TEMPO – DEDO de Mauro disca um número. JUNTO AO TELEFONE – Mauro, em pé, segura o fone junto à orelha. Escuta atentamente. O telefone chama. Ninguém atende. Mauro pega uma cadeira e se senta ao lado do telefone, ainda escutando o ruído de chamada. INT. CASA DE MAURO, SALA – DIA A sala está intacta, tal como foi deixada por Mauro e seus pais no dia em que partiram. O telefone toca. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Shlomo sai do elevador. A porta entreaberta do apartamento de Mótel chama a sua atenção. Aproxima-se dela com cuidado, troca olhares com seu Machado, que está na soleira da porta. SHLOMO (PREOCUPADO) Que foi, seu Machado? Seu Machado aponta para dentro. Shlomo vê Mauro de pernas cruzadas, ao lado do telefone. Shlomo entra no apartamento. Seu Machado vai embora. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Shlomo se aproxima de Mauro, que olha para o velho com raiva. MAURO O telefone tocou. Mas o apartamento tava trancado. Shlomo não responde. Ele vai até o quarto de Mótel. Mauro olha de soslaio. Shlomo volta para a sala com LENÇÓIS na mão e começa a cobrir, um a um, os ESPELHOS da casa. Mauro olha para Shlomo sem entender. INT. AP. DE MÓTEL / CORREDOR / AP. DE SHLOMO – NOITE Onde antes estava o telefone há agora apenas o FIO DO TELEFONE que emerge da parede da sala. O fio segue por toda extensão do apartamento até – CORREDOR – O FIO sai por debaixo da porta do apartamento de Mótel, corre pelo corredor e entra por debaixo da porta do – APARTAMENTO DE SHLOMO – O FIO segue pelo interior do apartamento de Shlomo, passa pela – COZINHA – FIO segue pela cozinha até entrar na – SALA – FIO corre pela sala, até, finalmente, encontrar o APARELHO DE TELEFONE ao pé de um sofá que funciona como cama improvisada, onde Mauro dorme. INT. APTO DE SHLOMO, SALA / QUARTO – DIA Um MURMÚRIO monocórdio perturba o sono de Mauro. Mauro se levanta. Cuidadosamente, caminha pela sala até uma porta que está apenas encostada e sob a qual se pode entrever uma pálida LUZ. O murmúrio se torna mais audível: é a voz de Shlomo. Mauro empurra a porta, que se abre com um leve ranger e revela– P.V. DE MAURO – Shlomo reza em hebraico. Ele veste um TÁLIT, traje religioso. Shlomo percebe a presença de Mauro. Faz cara de bravo e bate a porta, que se fecha a poucos centímetros do nariz de Mauro. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, SALA – DIA Mauro está com vontade de fazer xixi. Ouve um som de CANTORIA. Ele se aproxima da porta do banheiro: está trancada. Descobre que é do banheiro que vem a cantoria. SHLOMO (O.S.) [Canta em iídiche.] MAURO (V.O.) O Shlomo era um velho cheio de manias engraçadas... INT. APARTAMENTO DE SHLOMO, BANHEIRO / SALA – NOITE (FLASHBACK) Shlomo conserta a luminária na mesa da sala. Mauro sai do banheiro e deixa a LUZ ACESA e a porta aberta. Shlomo, com jeito rabugento, vai até o banheiro, apaga a luz e fecha a porta. MAURO (V.O.) (CONT.) Não gostava de luz acesa e nem de porta aberta... INT. APARTAMENTO DE SHLOMO, COZINHA / SALA – DIA (FLASHBACK) Shlomo chega com uma jarra com água e rega uma ÁRVORE DA FELICIDADE, que está num vaso, enquanto conversa com a planta, em iídiche. SHLOMO (EM IíDICHE) Como estamos nesta manhã, abençoada por Deus? MAURO (V.O.) Ele conversava mais com aquela planta dele do que comigo... Mauro está na cozinha espiando Shlomo. Os dois se cruzam quando Shlomo vai para a cozinha. VOLTA PARA: INT. APARTAMENTO DE SHLOMO – DIA JUNTO À PORTA DO BANHEIRO – Mauro escuta Shlomo cantar alegremente. MAURO (V.O.) E só ficava contente quando cantava no banheiro. E como cantava aquele velho... Mauro não agüenta mais segurar o xixi. Ele corre pelo apartamento, à procura de um lugar para urinar – NA COZINHA – Considera a pia, mas desiste. NA ÁREA DE SERVIÇO – O tanque está cheio de roupas. Mauro volta para a – SALA – E então percebe a – ÁRVORE DA FELICIDADE – E faz xixi no vaso. Nesse exato momento – A porta do banheiro se abre. Shlomo sai, de roupão. Ele se aproxima de Mauro, pronto para dar o flagrante. Shlomo olha na direção do pênis de Mauro e leva as mãos à cabeça, gritando desesperadamente. SHLOMO (EM IíDICHE) Oh, Deus! Que criança é esta? DO PONTO DE VISTA DE MAURO – A figura de Shlomo é gigantesca e assustadora. Mauro olha sério para Shlomo. MAURO Desculpa, não deu para esperar. SHLOMO O bris! Você não fez o bris! Mauro não entende. MAURO Mas é que eu tava muito apertado. SHLOMO Você não é judeu! Você é gói! Mauro fica perplexo. Olha para o próprio pênis. MAURO Eu não. Eu sou mineiro. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, COZINHA – DIA ShlomoeMaurotomamcafédamanhãemcompleto silêncio. Há um certo constrangimento no ar. Shlomo serve café preto nas duas xícaras. Já estão na mesa o matzá (pão ázimo) e uma pequena porção de arenque em conserva. Enquanto Shlomo se serve, Mauro pega um pedaço de matzá como se aquilo não fosse comida, molha no café, e morde um pedaço. Mauro faz uma careta: não gostou. MAURO Tem leite? Shlomo, irritado, se levanta e pega uma garrafa de leite na geladeira. Coloca-a na frente de Mauro e senta-se novamente. MAURO (CONT.) Frio? Shlomo não responde. MAURO (CONT.) Você come peixe de manhã? Shlomo serve um pouco do peixe para Mauro. SHLOMO Come. Faz bem pra cabeça. Mauro empurra o peixe para o lado de Shlomo, que se ofende. Mauro se levanta da mesa sem comer. Shlomo levanta as mãos para o alto, se dirigindo a Deus. SHLOMO (CONT.) (em iídiche) Por que, meu Deus? Por que comigo? INT. APARTAMENTO DE SHLOMO, SALA – DIA Shlomo caminha na sala empunhando uma pasta. Sem querer, ele pisa nos botões do Mauro. MAURO Cuidado! Mauro se aproxima dos botões e vê que um deles está QUEBRADO. MAURO (CONT.) Você quebrou meu botão! Shlomo olha irado para Mauro, que se encolhe de medo. Shlomo pega suas coisas e sai sem dar tchau. Mauro fica sozinho no apartamento. Ele espia os objetos de Shlomo: máquina de escrever, livros, objetos religiosos. PASSAGEM DE TEMPO. Mauro joga botão sozinho. Escuta as VOZES das crianças brincando do lado de fora. Ele se levanta, vai até a janela e espia – P.V. DE MAURO – PELA VARANDA, O PÁTIO CRIANÇAS brincam com uma bola no pátio. Hanna está entre elas. As crianças olham para cima e vêem Mauro na – VARANDA – Mauro se esconde dos olhares das crianças. PASSAGEM DE TEMPO. Com um ar maroto, Mauro caminha em direção à porta que Shlomo fechou na cara dele. Abre a porta lentamente. Espia o interior do – QUARTO – Onde vê, sobre uma cadeira, o TÁLIT de Shlomo. INT. PRÉDIO, ELEVADOR – DIA Shlomo está no elevador que sobe. Ele ouve um BARULHO DE BOLA QUICANDO e a VOZ de Mauro, progressivamente mais altos. MAURO (O.S.) (imita locutor esportivo) Tostão dribla o marcador, passa para Pelé que devolve para Tostão... A torcida delira... INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Shlomo sai do elevador, com a pasta na mão, e vê – Mauro joga bola, trajando o seu TÁLIT, como se fora o uniforme de um time de futebol. Mauro não se importa com a presença de Shlomo. Avança com a bola na direção dele, e avança com a bola. MAURO (imita locutor esportivo) Tostão está cara a cara com o goleiro, vai chutar, vai chutar, vai ser no meio das pernas... Mauro chega bem perto de Shlomo, para chutar a bola no meio das pernas de Shlomo SHLOMO (GRITA) O que é isso? Mauro pára de jogar. Shlomo desfere um TAPA no rosto de Mauro. Mauro fica paralisado, como que anestesiado, com o olhar fixo em Shlomo. Após um instante de silêncio constrangedor, Shlomo arranca o tálit do corpo do menino. SHLOMO (CONT.) Você não tem respeito? Mauro fica catatônico, sai fugindo pelas escadas. INT. SINAGOGA – NOITE Os MORADORES judeus do prédio e outros JUDEUS da comunidade do Bom Retiro estão em uma espécie de assembléia com Shlomo e o rabino Samuel. Shlomo está colérico. Raquel e Ester Berezovski indignadas. Alguns dos presentes fazem gestos que revelam apoio à atitude de Shlomo. COLUNA – Hanna espia a reunião escondida atrás da coluna. NA ASSEMBLÉIA – O rabino Samuel fica impassível. E até BOCEJA. Os diálogos são em iídiche, com legendas em português. SHLOMO Eu não sou da família dele e não tenho culpa se os pais não ligam pro filho. Isaac Rosenblitz defende Shlomo. ISAAC ROSENBLITZ Conta a verdade pra eles, Shlomo. Conta o que você viu. As irmãs Berezovski protestam em coro, vaiando o velho. EIDEL Que verdade? ISAAC ROSENBLITZ A criança é gói! Todos reagem chocados. ESTER BEREZOVSKI Mas a mãe dele não é judia? ISAAC ROSENBLITZ Não! Só o pai é! Shlomo dá de ombros, dando a entender que aquele é o menor dos problemas. ISAAC ROSENBLITZ (CONT.) Manda pro orfanato! SHLOMO Que orfanato? Shlomo fica pensativo com cara de quem gostou da idéia. EIDEL O que que é isso?! Ele é neto do Mótel! ISAAC Se você acha que é fácil, por que você não convida ele pra ficar na sua casa? EIDEL (APAVORADA) O quê? Isaac aponta sucessivamente para todos que o criticam. ISAAC (CONT.) E você? Ou você? A senhora? Ninguém quer ficar com o menino, né? VOZES fazem um coro de protesto, que logo se transforma num bate-boca cacofônico. Calmamente, o rabino Samuel se levanta e faz um gesto que todos entendem: ficam quietos. RABINO SAMUEL O problema não é o menino. O problema é saber por que os pais dele não voltam. Shlomo faz cara de preocupado. SHLOMO (MAL-HUMORADO) Do que você está falando? RABINO SAMUEL Shlomo, Shlomo... Onde você pensa que está morando? Vocês não ouvem falar das coisas que andam acontecendo? Todos ficam em silêncio, pensando em como responder à pergunta do rabino. Até que – ISAAC O rabino acha que eles tão metidos com política? Shlomo bate na testa, como se fizesse uma grande descoberta. RAQUEL Já que vocês tão falando, eu vou dizer: tá todo mundo dizendo que o Daniel Stein virou comunista! IDA Comunista? O Dan? RAQUEL Comunista, sim. E vocês sabiam que é muito perigoso ficar com um menino nessa situação? ISAAC Comunista! Meu Deus, para que terra desgraçada o Senhor me enviou! Silêncio. Constrangimento. Shlomo fica exasperado. RABINO SAMUEL Comunista!? Meu Deus! Agora vocês estão passando dos limites. O Daniel, filho do nosso querido Mótel Stein, avisou que está de férias, todos entenderam? Férias! RAQUEL Certo. Férias! O rabino se dirige a Shlomo. RABINO SAMUEL Shlomo, se Deus deixou esse menino na sua porta, ele deve ter as razões d’Ele. Ninguém pode fugir às responsabilidades que Deus nos dá. Ou você esqueceu da história de Moishe Rabeinu? Ester Berezovski leva a mão à boca, num gesto de piedade. ESTER BEREZOVSKI Ai, pobre Moishale – Shlomo faz cara de quem está contrariado. ATRÁS DA COLUNA – Hanna continua a observar com interesse. INT. PRÉDIO, HALL DE ENTRADA – NOITE Shlomo volta pra casa exaurido, vitimado. En-contra seu Machado, também cansado. SHLOMO Boa noite. SEU MACHADO Boa noite. Seu Machado abre a porta pantográfica para Shlomo, que suspira. SEU MACHADO (CONT.) Menino dá trabalho, hein? Shlomo suspira forte, com ar de vítima, e entra. INT. APARTAMENTO DE SHLOMO – NOITE Shlomo abre a porta. O apartamento está escuro. Shlomo sai procurando por Mauro pelos cômodos do apartamento. SHLOMO Moishale! Acende luzes em todos os cômodos, vai ficando tenso. Procura as coisas de Mauro, não acha nada. Nem a mala. Shlomo vê que o fio do telefone não está. Shlomo olha pela janela para o apartamento de Mótel e sai. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – NOITE Mauro está trancado no sombrio apartamento do avô, sentado junto à mesa, com uma navalha de barbeiro nas mãos. Ele risca a mesa com raiva. SHLOMO (O.S.) Moishale! Moishale! Abre a porta, menino! Mauro não se mexe. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – NOITE Shlomo bate mais algumas vezes na porta. SHLOMO Moishale, vem dormir! SILÊNCIO. Shlomo desiste e volta para o seu apartamento. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – NOITE Mauro percebe que Shlomo foi embora. SILÊNCIO. Mauro começa a chorar baixinho, sentado no chão, encostado em sua mala, que está encostada em uma POLTRONA iluminada pela luz de um ABAJUR. Exceto por essa luz, o apartamento está todo às escuras. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO – NOITE MONTAGEM – Noite de culpa de Shlomo: Shlomo olha para o sofá onde Mauro dormiu. Passeia pelo apartamento e apaga uma a uma as luzes de todos os cômodos. Entra no seu quarto. Suspira. Senta para fazer seu ritual de reza. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – NOITE MONTAGEM – Noite de medo de Mauro: Mauro, deitado na sofá, não consegue dormir. Ouve baixinho a reza (O.S.) de Shlomo. Acende as luzes da sala. Volta a se deitar no sofá, de olhos abertos. Mauro se levanta, vai até a janela, e vê – P.V. DE MAURO – PELA JANELA – RUA íTALO – jovem estudante universitário, de barba e cabelos longos – pichar um muro com a frase: ABAixO A DiTADURA. EXT. FACHADA DO PRÉDIO RESIDENCIAL – NOITE O prédio imenso, com quase todas as luzes apagadas. Exceto pelo apartamento de Mótel, onde a luz da sala está acesa e Mauro, pequenininho, espia a rua pela janela. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, QUARTO / SALA – MANHÃ Mauro dorme na cama do avô. Ele ouve BATIDAS NA PORTA. Por um instante, ele se anima. Corre até a porta da sala e ouve a voz que vem do outro lado da porta. SHLOMO (O.S.) Menino – Mauro faz cara de ódio. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – MANHÃ Shlomo encosta o ouvido na porta, esperando uma resposta de Mauro, enquanto – INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – MANHÃ Do outro lado da porta, Mauro faz o mesmo gesto: cola o ouvido à porta e fica em compasso de espera. Ele ouve o SOM DE PASSOS. Em seguida, ouve – O ELEVADOR subir. A porta PANTOGRÁFICA sendo aberta e em seguida fechada. O ELEVADOR descer. Mauro corre até o quarto. Abre a JANELA. A luz que entra revela poeira no cômodo. EXT. APARTAMENTO DO MÓTEL, VARANDA / RUA – MANHÃ Mauro vê Shlomo sair contrariado do prédio. Shlomo encontra Ruth na calçada e conversa com ela. Em volta deles, as janelas e lojas estão decoradas com bandeiras do Brasil e enfeites em verdeamarelo. A certa altura ele aponta para a janela de Mótel, onde está Mauro. Shlomo e Ruth confabulam. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, QUARTO – DIA Mauro abre o armário e encontra um CHAPÉU e um PAR DE LUVAS de couro envelhecidas. Ele põe o chapéu e calça as luvas. Na frente do espelho, Mauro brinca com o chapéu e o par de luvas do avô. Mauro continua vasculhando o apartamento até que encontra um punhado de NOTAS de dinheiro. Feliz, guarda-as no bolso. MAURO Putz! Som de BATIDAS NA PORTA. Mauro fica quieto, sem se mexer. HANNA (O.S.) Ei, garoto! Você não vai almoçar lá em casa, hein? Mauro fica imóvel. HANNA (O.S.) (CONT.) Mauro? MAURO Não tô com fome. Ruído de elevador. MAURO (V.O.) (CONT.) Meus pais me abandonaram, meu avô morreu, o vizinho me batendo, quem é que vai pensar em comida numa hora dessas? INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, COZINHA – DIA Mauro está em pé sobre uma cadeira que permite que ele alcance um armário sobre a pia. Ele vê uma PILHA DE PANELAS que tem como base uma FRIGIDEIRA COM CABO DE FERRO. Apressado, puxa a frigideira pelo cabo enquanto tenta manter equilibradas as panelas. Quando ele finalmente consegue arrancar a frigideira da base da pilha, as panelas caem todas sobre ele, e ele quase cai da cadeira. PASSAGEM DE TEMPO. A frigideira está sobre uma das bocas do fogão. Mauro acende um fósforo, abre o gás e leva o fósforo até uma boca de gás sob a frigideira. Nada acontece. Ele move o nariz no gesto de cheirar e percebe que está tentando acender a boca errada. Rapidamente, leva o fósforo até outra boca, que se ACENDE imediatamente, produzindo por um instante uma GRANDE LABAREDA. Mauro se assusta. Rapidamente, coloca a frigideira sobre a boca que se acendeu, como se quisesse baixar o fogo. CORTA PARA: A porta da GELADEIRA se abre. O interior está quase vazio: um pote de manteiga quase no fim, uma garrafa de água e DOIS OVOS. Mauro pega os ovos. CORTA PARA: Muito desajeitado, quebra um dos ovos na beirada da pia. Uma parte acaba no chão, outra na frigideira, junto com vários pedaços de casca. Mauro quebra o segundo ovo com mais jeito, e consegue aproveitar todo o conteúdo, que vai para a frigideira. Sem óleo, os ovos começam a queimar, produzindo muita fumaça. Mauro desliga apressadamente o gás. A fumaça continua. Confuso, Mauro agarra o CABO DE FERRO da frigideira para tirá-la do fogo. O cabo está quente, e ele queima a mão. Estabanado e sentindo muita dor, Mauro pega um copo de água da torneira e joga sobre os ovos na frigideira. CORTA PARA: Mauro, com um garfo numa das mãos e um pano enrolado na outra, come o ovo frito encharcado e queimado. INT. AP. DE SHLOMO / AP. DE MÓTEL, SALAS – NOITE Shlomo está em seu apartamento, falando ao telefone. SHLOMO Mas 30 cruzeiros ele não vai pagar! A telha é nova? Vê, então, a gente se fala. Shlomo desliga o telefone e levanta-se suspirando. Vai até sua janela e fica tentando observar Mauro no apartamento de Mótel. Mauro percebe e fecha a cortina. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, QUARTO – DIA Lentamente, Mauro começa a tirar do armário uma profusão de roupas e objetos. Entre os objetos que encontra, chamam a atenção de Mauro um ESTOJO COM ANTIGOS INSTRUMENTOS DE BARBEIRO, LIVROS COM CARACTERES HEBRAICOS, FOTOS DO PAI PEQUENO, ADOLESCENTE E ADULTO, AO LADO DA MÃE – e, sobretudo, uma série de CARTÕES-POSTAIS da década de 50, exibindo MULHERES NUAS. Ele pega os postais e vai para – INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Mauro, com a mão queimada enrolada num pano, está sentado na poltrona, olhando para as mulheres nuas dos postais. BARULHO DE PORTA se abrindo. Hanna, vestindo uniforme escolar, entra pela cozinha carregando um embrulho. HANNA Oi! MAURO Oi. Ao vê-la, Mauro rapidamente esconde os postais sob a almofada do sofá. Hanna não percebe a manobra. Sua atenção está concentrada na bagunça da sala: lençóis no chão, álbum de fotografias aberto, fotos espalhadas, jogo de botões armado sobre a mesa. Hanna coloca o embrulho sobre a mesa. HANNA Linda essa sua decoração, hein? MAURO Como é que você entrou aqui? HANNA Mágica... Hanna mostra o molho de chaves de seu Machado e segue para a cozinha, volta trazendo alguns talheres. Hanna abre o embrulho: é uma BUREKA (massa folhada recheada). HANNA (CONT.) Vem comer a bureka que minha mãe fez, que tá uma delícia. Mauro se levanta, olha para a bureka tentando disfarçar a fome. MAURO Não tô com fome. Mauro se senta no sofá. HANNA Você nunca sai daqui? MAURO Não. HANNA Nunca? Mauro não responde. Hanna vai até o sofá e se senta ao lado de Mauro. Hanna percebe o “curativo” de Mauro. HANNA (CONT.) O que é isso na sua mão? MAURO Nada... HANNA Deixa eu ver? Hanna se senta ao lado de Mauro no sofá. Então, pega a mão machucada de Mauro, desenrola o pano que está amarrado e olha surpresa. HANNA (CONT.) Queimadura. Como você fez isso? Mauro não responde. HANNA (CONT. IRôNICA) Nossa! Tá feio. Coitadinho... Mauro sorri satisfeito: gosta de ser mimado. HANNA (CONT.) Vem cá. Há quanto tempo você não to-ma banho? MAURO Pô, você tá chata, hein! Mauro se levanta e vai para a varanda. Silêncio. Hanna se apresenta: HANNA Meu nome é Hanna. MAURO Eu sei. HANNA Como você sabe? INSERT – FLASHBACK Fim da cena em que Mauro tenta pular da varanda de Shlomo para a de Mótel. A mãe de Hanna chama por ela, da janela mais acima. RUTH (O.S.) Hanna! Hannale! DE VOLTA A MAURO E HANNA – HANNA Bom, preciso ir. Hoje tem prova de matemática. Tchau. MAURO Tchau. Hanna sai apressada. Mauro a segue até a porta. NA COZINHA – MAURO (CONT.) Hanna, Hanna! Faz um favor pra mim? HANNA Fala! MAURO Compra uns 20 pacotinhos de figurinhas do álbum da Copa do Mundo? A única que falta pra mim é a do Everaldo... Mauro retira algumas notas de seu bolso. HANNA Pra você e pra todo mundo, cara-pálida! Acho que esqueceram de fazer a figurinha dele... Mauro dá as notas para Hanna, que conta o dinheiro. MAURO (V.O.) Hanna era uma mulher de negócios. Hanna pega mais uma nota das mãos de Mauro. MAURO (V.O.) (CONT.) A mais durona que eu já conheci... Hanna abre a porta e sai. NO CORREDOR – Mauro coloca a cabeça para fora e olha em direção à porta do apartamento de Shlomo. Hanna já está subindo pela escada – HANNA Ele foi pra sinagoga. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, QUARTO – DIA NO CHÃO – A MALA de Mauro está aberta. As roupas dele, reviradas. NO PORTA-RETRATO – Uma foto do avô Mótel de chapéu abraçado ao filho Daniel. Na foto, Daniel aparenta ter menos de 20 anos. Eles são muito parecidos. Outra foto da mesma seqüência, onde pai e filho brincam e o chapéu de Motel está na cabeça de Daniel. Mauro com o chapéu do avô se olha no espelho. NO TELEFONE – Mauro disca novamente um número. INT. CASA DE MAURO, SALA – DIA A casa está intacta. O telefone toca. Ninguém atende. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – NOITE Mauro assiste à TV: NACIONAL KID. Shlomo entra na sala, e Mauro leva um susto. Sente-se invadido. Os dois se olham em silêncio. SHLOMO Vamos, Moishale! MAURO Meu nome é Mauro! Mauro! SHLOMO Não está com fome? Mauro cruza os braços e olha para a TV em silêncio. Shlomo vê a mesa toda riscada. SHLOMO (CONT.) (em iídiche) O que é isso, menino? (em português) Estragando a mesa? MAURO A mesa é minha. É do meu avô. Eu faço o que quiser com ela. SHLOMO Se você quer ficar... Então fica. MAURO (V.O.) Eu achei que o apartamento era do meu avô, mas na verdade... Shlomo sai e deixa a porta aberta. Mauro levanta, fecha a porta e passa o trinco. Ele ouve os ruídos de Shlomo abrindo a porta. Em segundos, Mauro ouve a VOZ de Shlomo rezando em hebraico. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Hanna olha para a foto de Mótel que está em cima do piano enquanto Mauro joga futebol de botão na mesa. MAURO Esse é meu avô. Ele lutou na Segunda Guerra Mundial. HANNA E na primeira? MAURO Não sei. HANNA Você sabe jogar futebol? MAURO Claro. Quer ver? Mauro faz um passe de futebol de botão. HANNA Não esse... O de verdade! MAURO Sei! HANNA Mas você joga bem? Mauro não consegue disfarçar que mente. MAURO Sou da seleção da escola! HANNA Que escola? MAURO (ORGULHOSO) Escola Estadual Arcelino de Menezes. HANNA (DEBOCHADA) Só se for... MAURO (IRRITADO) Só se for o quê? HANNA Eu nunca ouvi falar dessa escola. MAURO Ah é? Você vai ver! Mauro se levanta, apanha a bola no quarto, volta, e, meio desajeitado, faz umas cinco embaixadas desajeitadas antes de deixá-la cair no chão. Cheio de si, apanha a bola. HANNA (IRôNICA) Puxa! Você é bom mesmo! Hanna olha para o relógio de parede e percebe que está atrasada. HANNA (CONT.) Eu tenho que ir. Quer vir comigo? Mauro olha o telefone dentro do apartamento do avô; depois volta-se para Hanna. MAURO Não posso... HANNA Por quê? MAURO Eu tô muito ocupado. HANNA Tá bom. Fica aí! Hanna faz uma cara irônica, e sai pela cozinha; Mauro fica sozinho. Olha pra o telefone e senta na poltrona. EXT. RUA – DIA Mauro e Hanna andam altivamente pelas ruas. Mauro respira fundo. MAURO (V.O.) Era a primeira vez que eu saía de casa desde o enterro do meu avô... Um grupo de JUDEUS HASSíDICOS passa por eles. Mauro os observa atentamente, como se visse seres de outro planeta. Hanna retoma a conversa. HANNA E os seus pais? MAURO Que que tem? HANNA Pra onde eles foram viajar? MAURO Hamm? Nesse exato momento, Mauro e Hanna passam por uma – BANCA DE JORNAL – Mauro olha as manchetes ali estampadas. P.V. DE MAURO – JORNAL Manchete de a Gazeta Esportiva: BRASiL já ESTá nO MéxiCO VOLTA PARA MAURO E HANNA– Mauro dispara a resposta no improviso... MAURO (CONT.) ...pro México. HANNA Pro México!? Uau! Eles foram ver a Copa do Mundo e não te levaram? MAURO (AFLITO) É que eles foram trabalhar. HANNA Mas eles não estavam de férias? MAURO Não... Quer dizer. Eles vão voltar pra ver a Copa... aqui... Comigo! HANNA Ah, então eles vão voltar logo! MAURO É! Mauro leva um tremendo susto quando DOIS CÃES FURIOSOS começam a latir atrás do portão de uma casa. Ele sai correndo. Hanna balança a cabeça sorrindo e sai correndo atrás dele. EXT. BECO – DIA Mauro e Hanna chegam na frente de uma PORTA DE FERRO onde se encontram três garotos: BÓRIS, CACO e DUDA, todos mais ou menos da idade de Mauro. HANNA Oi, gente! Este aqui é meu amigo Mauro. Mauro, estes são meus fregueses favoritos, o Caco, o Duda e o Bóris. DUDA Ah, eu já ouvi falar. CACO Não é você que é gói? Mauro não responde. BÓRIS É verdade que seu pai sumiu? DUDA Não, Bóris! Ele tá preso! Mauro fica chocado e trava, sem conseguir responder nada, enquanto Hanna corta o papo, protegendo Mauro. HANNA E aí, gente, tem alguma coisa pra mim? Sob o olhar atônito de Mauro, os três garotos, um a um, passam notas de dinheiro e moedas para ela. Com uma chave que retira do bolso, Hanna abre, com cuidado, a porta. HANNA (CONT.) Entra, Mauro. Mauro não se move. BÓRIS Que foi, tá com medo? MAURO Não! HANNA Vem. A primeira vez é de graça! Mauro fica ainda mais assustado. Relutante, acaba entrando com os outros. A porta fecha-se atrás deles. INT. DEPÓSITO – DIA Na penumbra, cada um dos três garotos retira um pedaço de papel numerado da mão de Hanna. Caco mostra o seu pedaço de papel. CACO Dois! Duda mostra o papel dele. DUDA Um! Bóris aperta as pálpebras uma contra a outra tentando ler o número no papel. Caco dá uma cotovelada em Bóris. CACO Três BÓRIS Três! HANNA Vocês já sabem. Cada um por si, Deus por todos. Eu não devolvo dinheiro. SOM DE UMA CORTINA DE CORRER SENDO ABERTA. Os três saem correndo, tomando posição, atrás de uma DIVISÓRIA DE EUCATEX. Seus lugares estão determinados por números, de um a três, escritos com giz na divisória. Desajeitado, Bóris saca os óculos do bolso da camisa e os ajeita no rosto. Caco, Duda e Bóris espreitam por minúsculos buracos. Bóris fica animado – P.V. DE BÓRIS. Uma JOVEM ATRAENTE na entrada do provador. Parece que ela vai entrar. Porém, a jovem abre caminho para uma mulher com idade para ser sua avó: Ida Berezovski. De costas, ela começa a tirar a roupa. VOLTA PARA BÓRIS – Bóris, decepcionado, fecha os olhos atrás dos óculos. MAURO (V.O.) Duda e Caco não tiveram sorte também... P.V. DE CACO. Raquel Berezovski tira a blusa. P.V. DE DUDA. Ester Berezovski experimenta um vestido. MAURO (V.O.) (CONT.) Para azar dos três, as irmãs Berezovski tinham decidido fazer compras justo naquele dia. EXT. BECO – DIA Caco, Duda e Bóris partem contrariados. MAURO (V.O.) Aquele era um negócio muito lucrativo para Hanna... Hanna despede-se deles na porta de ferro. DUDA Quero meu dinheiro de volta! Hanna acena com o dinheiro na mão. HANNA Eu avisei que não tem devolução! RUTH (O.S.) Hanna! Hannale! HANNA Xi... Minha mãe! Tenho que ir! Hanna volta pra dentro do depósito. Duda, Caco e Bóris saem correndo. Mauro fica parado. DUDA Vem, Mauro! Mauro se espanta com o convite e sai correndo atrás dos meninos, feliz. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – DIA Os meninos saem correndo pelas ruas do Bom Retiro. Mauro corre atrás feliz. Mas logo os meninos o sacaneiam, correndo muito rápido, virando esquinas misteriosas e fazendo Mauro suar a camisa, quase no limite. De repente eles somem do mapa. Mauro pára, ofegante e perdido. Os meninos estão escondidos atrás de uma banca. Mauro fica confuso. MAURO Duda!? Os meninos aparecem e saem correndo de novo. DUDA Vem, Mauro, vem! Mauro, sentindo-se ao mesmo tempo meio sacaneado e meio feliz, volta a correr. MAURO Ei, me espera! DUDA Que espera! Corre! MAURO Onde vocês estão indo? BÓRIS Descobre, ué! Os meninos entram correndo na – INT. LANCHONETE SKORPIOS – DIA Os garotos entram correndo na lanchonete e se escondem atrás de uma mesa. Mauro entra bufando atrás. Procura pelos meninos, mas eles saem da lanchonete escondidos, sem que Mauro perceba. IANIS (50) – o dono da lanchonete – instala uma TELEVISÃO NOVA. Mauro observa os fregueses – ROBSON (25), CARLÃO (21), ALFREDO (29) e FARIAS (30), que acompanham atentos Ianis tentando ligar a TV. Outro que observa a cena é ítalo – o mesmo jovem que Mauro viu antes, pichando a frase Abaixo a ditadura. A aparência de ítalo destoa da dos demais fregueses: enquanto os outros têm um jeito proletário, ítalo está vestido como um estudante universitário, tem barba e cabelos longos. ROBSON Bonita, hein? Quanto cê pagou nela? SEU IANIS E eu vou dizer? A TV não funciona. ROBSON Viu se o botão tá pra 110 ou 220? Mauro observa. Atrás do balcão, IRENE (19), muito bonita e sexy, lava louça e serve os clientes. SEU IANIS Consegui! A TV funciona. Na TV, comentaristas esportivos debatem sobre a possível escalação do time titular do Brasil na Copa do Mundo que se aproxima e a demissão do técnico João Saldanha. ROBSON Já vai é tarde! CARLÃO Você acha que o Zagalo é melhor do que ele?! ROBSON O Saldanha é um bosta! ALFREDO E comunista! Mauro percebe que ítalo olha para Alfredo com uma expressão de desconfiança. ROBSON Eu tô pouco ligando se ele é comunista, Alfredo! O que me preocupa é a seleção entrando em campo amanhã nessa indefinição! IANIS Pelo menos a TV tá boa! Todos riem. A atenção de Mauro é interrompida por uma voz suave, bem ao lado dele. IRENE (CONT.) Quer alguma coisa? Mauro vira-se e dá de cara com Irene. Mauro fica mudo, com o olhar fixo no DECOTE de Irene. MAURO Você viu meus amigos? IRENE Acho que eles já foram embora. Quer tomar um refrigerante? Mauro levanta a cabeça, envergonhado. MAURO Coca-Cola. Irene vai buscar a Coca-Cola. SEU IANIS (EM GREGO) Filha! Você viu os meus óculos? IRENE (EM GREGO E DE SACO CHEIO) Em cima da cabeça, papai! Ianis leva a mão à cabeça e encontra os óculos; balança a cabeça sem jeito. Os fregueses continuam discutindo futebol. Um deles interpela Irene. ROBSON Irene, ajuda a gente a resolver esse problema: o Carlão, aqui, acha que o Pelé não pode jogar no mesmo time que o Tostão. O Robson acha que o Carlão não fala coisa com coisa... O que é que você acha? IRENE Eu lá entendo de futebol? MAURO Eu acho que o Carlão não fala coisa com coisa... Todos riem. Irene traz uma Coca-Cola para Mauro. IRENE Você mora por aqui? Mauro faz que sim com a cabeça. IRENE (CONT.) Onde? MAURO Você sabe onde mora o Mótel? Eu sou o neto dele. ítalo se aproxima. íTALO Ah, você é que é o filho do Daniel Stein? MAURO Sou. íTALO Eu sou amigo do seu pai. MAURO Ele tá de férias. íTALO Ah, eu ouvi dizer. Bom se precisar de alguma coisa... MAURO Legal. IRENE Tá tudo bem com você, Mauro? MAURO Eu não sei voltar pra casa. Irene vai tirando o avental. Faz um telefonema rápido, sob o olhar de Mauro. Vai até o pai, atrás do balcão. IRENE O garoto tá perdido. Eu vou levar ele pra casa. Ianis faz uma cara feia IANIS Volta logo. Irene joga um beijo para ítalo. Mauro e Irene saem. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – FIM DE TARDE Irene leva Mauro pra casa. Ela é linda e ele está se sentindo o máximo. Outros HOMENS na rua olham para Irene. Eles passam por PESSOAS que estão preparando DECORAÇÃO DE COPA DO MUNDO. Os dois caminham lado a lado. Irene está com a cabeça em outro lugar. Mauro, ao contrário, quer falar algo, mas não consegue. Eles caminham sem dizer nada, por um tempo, até que Irene quebra o silêncio – IRENE Você vem assistir aos jogos aqui com a gente? MAURO A Copa já vai começar, né? IRENE Semana que vem! MAURO É... Não sei se vai dar pra eu ver jogos aqui... Meus pais vão chegar. IRENE Tá gostando do Bom Retiro? MAURO Tô. Mauro olha para Irene, animado. MAURO (CONT.) O Bom Retiro é muito legal! Uma sensualidade no ar. Irene pára diante da – LOJA DE ROUPAS DE RUTH. Ela observa um vestido lindo que está na vitrine. EXT. PRÉDIO – FIM DE TARDE Irene e Mauro caminham pela calçada e chegam à frente do prédio, onde estão sentados Hanna, Caco, Duda e Bóris batendo figurinha. IRENE Oi, Bóris. Oi, Hanna. BÓRIS (ENTUSIASMADO) Oi, Irene! Hanna cumprimenta Irene com má-vontade, com uma ponta de ciúmes. HANNA Oi, Irene... (para Mauro) Ei, aonde você foi? Mauro faz pose, bota banca. MAURO Fui dar uma volta... Caco e Bóris arregalam os olhos. Hanna dá de ombros. Altivo, surge EDGAR na sua MOTO, sempre usando capacete e luvas. Fica parado. Irene olha para ele e se despede de Mauro. Irene se abaixa de maneira que o rosto dela fica bem próximo ao de Mauro. IRENE Vem ver um jogo na lanchonete, Mauro! Irene despede-se dele com um beijo, monta na garupa de Edgar e parte. A moto se afasta. Hanna dá de ombros. Os garotos observam A BUNDA de Irene, que é realmente sexy. Mauro está triunfal. Irene vira-se para trás. IRENE (CONT.) Hanna! Avisa tua mãe que depois eu vou lá ver aqueles vestidos! Os garotos se entreolham com cumplicidade, não conseguem disfarçar a animação. No fundo da cena, Anatol entra no prédio. ANATOL (MAL-HUMORADO) Dá licença! INT. PRÉDIO, ESCADARIA / CORREDOR DO TÉRREO – FIM DE TARDE Mauro entra no prédio, felicíssimo. Cumprimenta seu Machado, que está varrendo a entrada. MAURO Oi, seu Machado. Mauro caminha até o elevador. Quando vai entrar, Anatol – que está lá dentro – fecha a porta na cara dele, fazendo um barulhão que assusta Mauro. Ele fica parado. O elevador sobe. Seu Machado vê o que acontece e consola Mauro. SEU MACHADO O Anatol não gosta de criança. Mauro fica paralisado. Seu Machado entrega uma pilha de cartas para o menino. SEU MACHADO (CONT.) Aproveita e leva isso pro Shlomo, faz favor? Mauro pega as cartas e sobe as escadas. INT. CORREDOR SÉTIMO ANDAR – FIM DE TARDE Mauro chega no sétimo andar pelas escadas. Pára na frente do apartamento de Shlomo e enfia as cartas bem vagarosamente sob a porta. Em seguida, entra no apartamento de Mótel. Shlomo sai do apartamento dele, mas já não vê Mauro. Pela porta aberta, soa o programa de notícias do governo federal: a Hora do Brasil. LOCUTOR DE RÁDIO (V.O.) A primeira etapa do programa de integração nacional será constituída pela construção imediata das rodovias Cuiabá – Santarém e Transamazônica. Shlomo olha para os dois lados do corredor, com a correspondência na mão. Ele vai até o apartamento de Mótel e bate na porta. SHLOMO Tá com fome, Moishale? Mauro não responde. Shlomo volta para seu apartamento. Tempo. Mauro abre a porta e vai até o apartamento de Shlomo, bate na porta e entra. INT. APARTAMENTO DE SHLOMO, COZINHA – NOITE Vagarosamente, Shlomo põe um prato de sopa sobre a mesa. O RÁDIO transmite a Hora do Brasil. Mauro e Shlomo tomam sopa, em silêncio. Quando termina, Mauro se levanta, decidido. MAURO Vou tomar banho. Onde tem toalha? INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, BANHEIRO / SALA – NOITE Mauro tira a roupa. Liga o chuveiro. MAURO Essa água tá fria. Ele sai do chuveiro, pingando, abre a porta do banheiro. MAURO (CONT.) A água tá fria! NA SALA – Shlomo está consertando a luminária. SHLOMO É bom pra não pegar resfriado. NO BANHEIRO – Mauro toma um bom de um banho gelado. Solta gritinhos, treme. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Shlomo abre a porta empunhando sua mala e pega o elevador. MAURO (V.O.) O tempo passou, a Copa já tava chegando e nada dos meus pais ligarem. Eu continuava a sofrer todo o dia com o café da manhã e o jantar na casa do Shlomo. Porta se abre novamente, Mauro sai, empunhando o telefone. MAURO (CONT.) Mas pelo menos agora, o almoço era cada dia numa casa diferente. Mauro vai pra escada deixando atrás de si um rabo de FIO DO TELEFONE. INT. APARTAMENTO DAS IRMÃS BEREZOVSKI – DIA A decoração e os objetos de cena são típicos de classe média dos anos 70. O apartamento se parece com um mostruário do Mappin. Raquel, Ida e Ester Berezovski colocam a mesa para Mauro comer. Elas fingem naturalidade. Falam todas ao mesmo tempo, sem deixar tempo para Mauro responder. IDA Tá gostando do Bom Retiro? RAQUEL E sua mãe? Como ela foi deixar você aqui sozinho? Coitadinho. ESTER Sabia que você é a cara do seu pai quando ele tinha seu tamanho? Não é Ida? Ele não é a cara do Dan? IDA Igualzinho! Só que tá muito magrinho. Não tá magrinho? RAQUEL Pára gente, deixa o menino! ESTER Deixa nada, ele tem que comer, não tem? Pra ficar forte, engordar um pouco, coitadinho... Mauro adora ser mimado. As comidas são todas decoradas com enfeites, conferindo-lhes uma aparência mais kitsch do que sofisticada. Disfarçadamente, Mauro cospe a comida dentro do guardanapo. INT. APARTAMENTO DE DONA EIDEL – DIA Mauro está sentado na mesa de dona Eidel, esperando a comida. Dona Eidel vem da cozinha trazendo um generoso pedaço de torta para Mauro. Distraída, coloca-o sobre a mesa em vez de servi-lo no prato. Enquanto ela se serve, Mauro põe a torta no prato, sem que ela perceba. Sorridente, dona Eidel observa Mauro comer: DONA EIDEL Moishale, Moishale... MAURO O que é esse Moishale que vocês tanto falam? DONA EIDEL Moishale era um bebê de apenas três meses. Os assassinos do faraó queriam matá-lo. Então sua mãe o colocou num cestinho e o deixou ser levado pelas águas de um rio muito grande, o Nilo. MAURO Eu sei. Já aprendi. DONA EIDEL Mas o que seria uma morte certa não foi. Deus quis que Moishale fosse resgatado das águas pela própria filha do faraó. E assim ele foi salvo, até um dia reencontrar sua mãe verdadeira. Dona Eidel pega a jarra de água e começa a vertêla. Mauro evita que ela inunde a mesa, empurrando o copo para debaixo do fluxo da água. APARTAMENTO DE SHLOMO, COZINHA – NOITE Shlomo e Mauro tomam sopa. Mauro imita o barulho que Shlomo faz quando toma sopa. MAURO Se eu sou Moishale, você é a filha do faraó? Os dois riem. INT. APARTAMENTO DE SEU MACHADO – DIA Mauro almoça com seu Machado e dona Rosa. Nos pratos, o tradicional arroz e feijão. Mauro está feliz da vida. INT. APARTAMENTO DE SHLOMO – NOITE Mauro dorme no sofá. Shlomo passa por ele, abre a porta e sai. INT. PRÉDIO, CORREDOR / APARTAMENTO ANATOL – NOITE Shlomo bate na porta de Anatol. Anatol abre. Lá dentro vê-se muita fumaça. Luz baixa: várias pessoas estão reunidas na sala. Entre elas, o jovem ítalo. Shlomo entra. Anatol espia o corredor. Não há ninguém por perto. Ele fecha a porta. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA MONTAGEM – Mauro coloca a tabela da Copa na parede, ao lado do pôster da seleção. Mauro arruma a bagunça que tinha feito no apartamento do avô. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – DIA MONTAGEM – Comerciantes fecham as lojas, decoram os carros e as janelas com motivos brasileiros. As ruas estão enfeitadas. Muitos estabelecimentos comerciais estão com as portas fechadas ou sendo fechadas. INSERT – JORNAL DA ÉPOCA Primeira página de jornal da época com MANCHETE que anuncia o primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo de 1970. MAURO (V.O.) Até que não demorou tanto assim. E o grande dia tinha chegado. INT. APARTAMENTO DO RABINO SAMUEL, SALA – FIM DE TARDE Rabino Samuel mexe nos controles da TV, tentando, sem muito sucesso, melhorar a imagem cheia de chuviscos. MAURO (V.O.) O Brasil parou pra ver o jogo. INT. APARTAMENTO DO SEU MACHADO – FIM DE TARDE Dona Rosa e seu Machado penduram uma bandeira do Brasil na janela. EXT. MURO – FIM DE TARDE Frase pichada por ítalo: ABAixO A DiTADURA – FUNDE PARA: BANDEIRA DO BRASIL pintada no mesmo muro. INT. APARTAMENTO DE DONA EIDEL – ANOITECER Dona Eidel passa pelo FILHO, sintonizando a TV, enquanto os NETOS, crianças pequenas, fazem a maior bagunça pela casa. Ela entra pela porta da cozinha. Dona Eidel volta para a sala trazendo uma torta. Ela se aproxima do Filho e serve um pedaço da torta em cima do CINZEIRO onde repousa um cigarro aceso. INT. FACULDADE DE ODONTOLOGIA, CENTRO ACADÊMICO – NOITE ítalo está junto com outros ESTUDANTES DE ESQUERDA – muitos deles barbudos, todos diante de uma TV desligada. íTALO Se a Tchecoslováquia ganha, é uma vitória socialista. Os estudantes aplaudem. MAURO (V.O.) Todo mundo estava esperando o grande momento. E eu estava o esperando o grande momento e os meus pais! INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, QUARTO – NOITE Mauro, de banho tomado, veste roupa da seleção brasileira. Olha-se no espelho e penteia o cabelo. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – NOITE O apartamento já está organizado. Mauro está vestido com o uniforme da seleção. Ele liga a TV. Hanna entra sem bater. NA SOLEIRA DA PORTA – HANNA Vamos pra lanchonete? MAURO Não posso. Meus pais vão chegar hoje. HANNA Deixa um bilhete. Mauro olha para o telefone. MAURO Não posso. HANNA Deixa um bilhete! Mauro grita, irritado. MAURO NÃO POSSO! Mauro vai até a janela e vê – P.V. DE MAURO – CALÇADA DIANTE DO PRÉDIO Hanna, Caco, Duda e Bóris indo assistir ao jogo. DE VOLTA A MAURO – O jogo vai começar. Mauro se senta na poltrona. Shlomo chega. SHLOMO Já testou a TV? Mauro olha para Shlomo, enquanto ele se senta no sofá. Shlomo lê jornal e não dá a mínima para o que acontece na TV – A seleção perfilada ouve o Hino Nacional. Mauro levanta e olha na janela. As ruas estão vazias. Começa o jogo. Mauro está nervoso. EXT. PRÉDIO, PÁTIO INTERNO – NOITE Nervoso com o desempenho da seleção, seu Machado não consegue ver o jogo e fica andando sozinho no pátio, feito um leão enjaulado. INT. LANCHONETE SKORPIOS – NOITE NA TV – O primeiro gol do Brasil. EM VOLTA DA TV – Ianis, Irene, Hanna, os garotos e OUTROS CLIENTES que formam uma pequena torcida vibram de alegria. MONTAGEM ALTERNA – NA TV – Lances do jogo, com áudio dos comentaristas esportivos. EM VOLTA DA TV – Os torcedores reagem às jogadas. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – NOITE Mauro vibra com o último gol. Shlomo olha para ele como se o menino fosse um ET. O jogo está terminando. Mais uma vez, Mauro vai para janela. DA JANELA – Mauro vê as ruas do Bom Retiro vazias e enfeitadas. A cara de Mauro na janela. A VOZ do comentarista de TV anunciando o fim da partida e o 4 a 1 para o Brasil soa ao fundo. MAURO (V.O.) E assim foi o primeiro jogo do Brasil na Copa. Um gol atrás do outro: 4 x 1 contra a Tchecoslováquia. E daí? INT. LANCHONETE SKORPIOS – NOITE Todos na lanchonete vibram com o final da partida, aos gritos de BRASIL, BRASIL! EXT. RUA DO PRÉDIO – NOITE Da VARANDA, Mauro observa a rua – P.V. DE MAURO – CARROS passam com bandeiras e tocam suas BUZINAS. TORCEDORES pulam e cantam. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – NOITE SONS das BUZINAS, GRITOS e CANTORIA invadem a sala. Mauro, em silêncio, triste, entra na sala e desliga a TV. Ele pega seu álbum da copa e marca o placar do jogo: 4x1. Mauro fecha o álbum, triste e decepcionado. INT. AP. DE SHLOMO, QUARTO DOS FUNDOS / SALA – NOITE Sério, Shlomo pega a cama de armar no quarto dos fundos, e leva-a até a sala. Escolhe um lugar, e monta a cama. Shlomo olha para Mauro, preocupado. Nenhum dos dois diz nada. Shlomo pega uma mala e vai para o quarto. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, QUARTO – NOITE Sempre com a cara fechada, Shlomo arruma uma mala pequena. Ele se vira e percebe que Mauro o observa. SHLOMO Eu vou viajar. Mauro não diz nada. SHLOMO (CONT.) Eu vou viajar. Seu Machado vai ficar aqui com você, enquanto eu estiver fora, tá bom? Mauro olha para Shlomo, desolado. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, SALA – NOITE Mauro pega o telefone e disca. INT. CASA DE MAURO, BH – NOITE O telefone toca, toca, toca. A casa não é mais a mesma. Foi vasculhada e parcialmente destruída: móveis quebrados, objetos e roupas espalhados pelo chão. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, SALA – NOITE Mauro, deitado na sua nova cama de armar, olha o teto. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, QUARTO – NOITE Shlomo, deitado na sua cama, olha o teto. INT. APARTAMENTO DE HANNA – DIA Mauro, desolado, está sentado à mesa com Ruth e Hanna. Ele não toca na comida do almoço. RUTH Come, filho. MAURO Não tô com fome. HANNA (IMITANDO SHLOMO) Não fica assim, Moishale. MAURO Moishale é você! Ruth ri docemente. RUTH Come filho, seus pais vão chegar logo. Eles não disseram que iam chegar no pri meiro jogo, disseram? Mauro balança a cabeça negativamente. RUTH (CONT.) Então... A Copa é grande. Come, agora co me, senão você fica doente, não é Hanna? HANNA Posso comer mais feijão? EXT. ARQUIVO, JOGO DA COPA DE 70 O goleiro inglês BANKS faz uma grande defesa na partida do Brasil contra a Inglaterra. INT. LANCHONETE SKORPIOS – DIA Os torcedores berram ao ver a defesa de Banks. Mauro agora acompanha a partida pela TV da lanchonete, junto com os fregueses que assistiram ali ao primeiro jogo. Mauro nota um JOVEM NEGRO, que troca olhares disfarçadamente com Irene. Hanna, Caco, Duda e Bóris também estão lá. Os torcedores berram ao ver a defesa de Banks. Mauro fica maravilhado. INSERT NA TV – ARQUIVO Gol do Tostão. NA LANCHONETE – Mauro e os outros torcedores comemoram o gol. INT. CENTRO ACADÊMICO – DIA ítalo assiste ao jogo com os colegas universitários. Todos agora torcem entusiasmados pelo Brasil. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL – DIA Mauro escreve o resultado do jogo na tabela: BRASIL 1 X 0 INGLATERRA EXT. CAMPINHO – DIA Caco, Duda, Bóris, Hanna e Mauro estão jogando futebol, inspirados na Copa do Mundo. Mauro é meio ruim de bola. Os garotos se entreolham. Subitamente, o jogo esquenta: Bóris pega a bola e passa para Mauro, que se atrapalha. DUDA Ah, assim não dá! HANNA O que que não dá? BÓRIS Hanna, faz tempo que a gente tá precisando de um goleiro, certo? Hanna pára e olha para Mauro. Mauro não aceita o desafio, abandona o campo e senta no banco, com cara de mau humor. O jogo continua. Hanna é boa de bola. Mauro observa Hanna jogar e vai ficando boquiaberto com o excelente desempenho dela. Irene passa pelo campinho na garupa da moto de Edgar, com o rosto sempre oculto pelo capacete, causando comoção entre os meninos, que a saúdam em coro: MENINOS Oi, Irene! EXT. BECO – DIA Diante da porta do depósito, MUITOS GAROTOS aguardam Hanna, ansiosos. MAURO (V.O.) Aquele dia a Hanna deve ter ficado rica. Tinha tanto menino que parecia até final de campeonato. Hanna surge, retira uma CHAVE do bolso e abre cuidadosamente a porta. INT. DEPÓSITO / LOJA DA RUTH, PROVADORES – DIA A mão de Hanna abre espalmada, revelando três PEDAÇOS DE PAPEL DOBRADOS. Cada garoto apanha um deles. Conferem seus números: CACO Dois! Bóris aperta as pálpebras uma contra a outra tentando ler o número no papel. BÓRIS Um! Mauro vê na mão dele o PAPEL com o número 3. SOM DE UMA CORTINA DE CORRER SENDO ABERTA. Caco e Bóris correm até as posições marcadas com números escritos com giz em uma DIVISÓRIA DE EUCATEX. Mauro os imita, indo até a posição de número 3. HANNA Nada de fazer barulho, hein! Eu vou ajudar minha mãe e já volto. Hanna sai. Desajeitado, Bóris saca os óculos do bolso da camisa e os ajeita no rosto. Caco e Bóris espreitam por minúsculos buracos. Mais uma vez, Mauro os imita. MONTAGEM alterna CLOSES dos garotos que espiam pelos buracos a – P.V. DOS GAROTOS – PROVADORES Bóris fica animado com a presença de uma JOVEM ATRAENTE, na entrada do provador. Seu entusiasmo, no entanto, transforma-se em desespero quando vê que se trata de – Dona Eidel, de costas. Ela tira a roupa. Bóris fecha os olhos atrás dos óculos. Caco se frustra ao ver – DONA TERUKO, uma senhora japonesa magricela, tirar a blusa. O provador que Mauro espia está vazio. Mauro tira o olho do buraco e percebe, com estranheza, que Caco e Bóris estão com as calças abaixadas. RUTH (O.S.) Oi, Irene! Que bom que você veio. Eu já trago o vestido pra você. Caco e Bóris se aproximam do buraco de Mauro, mas ele imediatamente coloca o olho no buraco e firma os pés no chão. Em franco desespero, Bóris faz menção de se juntar a Mauro para espiar com ele. Ao ensaiar os primeiros passos, Bóris tropeça na calça ao redor dos tornozelos e vai ao chão. INT. LOJA DA RUTH – DIA Ruth dá o vestido para Irene. Irene caminha, em slow motion, em direção aos provadores. INT. DEPÓSITO – DIA Mauro está com os olhos grudados na divisória de Eucatex. DE MAURO – PROVADOR Irene segue caminhando em slow motion, com o vestido na mão, em direção ao provador observado por Mauro. Irene entra no provador em que Mauro espia. NO DEPÓSITO – Sem tirar o olho do buraco, Mauro ergue, em silêncio, os braços pra cima. DE MAURO – PROVADOR Irene começa a se despir, de costas. Fica apenas de calcinha. Ao virar-se para apanhar o vestido, pendurado num gancho, seus seios ficam à vista. Por pouquíssimo tempo, pois – INT. LOJA DA RUTH, PROVADOR – DIA Hanna irrompe no provador, colocando-se propositalmente à frente do orifício por onde Mauro espia. Irene leva um susto. IRENE Oi, Hanna! HANNA Oi, Irene! INT. DEPÓSITO – DIA Mauro não acredita no que está acontecendo. A única coisa que consegue ver é o tecido do vestido de Hanna. MAURO (SUSSURRANDO) Sai da frente, Hanna! INT. LOJA DA RUTH, PROVADOR – DIA Hanna, com um sorriso maroto, fala alto para Mauro ouvir. HANNA Puxa, Irene, você tem o corpo tão bonito! Irene agradece o elogio com um sorriso. De repente – Um BARULHO SECO e RECORRENTE, vindo de trás da divisória onde se encontra Hanna, chama a atenção de Irene. IRENE Nossa! O que é isso? HANNA Nada não, Irene... Tão consertando umas coisas no fundo da loja... INT. DEPÓSITO, FUNDOS – DIA Mauro bate com a cabeça, repetidas vezes, contra a divisória de Eucatex. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO TÉRREO – FIM DE TARDE Mauro entra no prédio e segue pelo corredor bastante contrariado. Abre a porta de madeira do elevador, depois a porta pantográfica e ENTRA. MAURO (V.O.) Eu decidi que, a partir daquele dia, eu não ia ter mais medo de enfrentar ninguém: nem a chata da Hanna, nem aquela porta idiota... INT. ELEVADOR – FIM DE TARDE Mauro aperta o botão do sétimo andar. Quando o elevador está prestes a subir, a porta pantográfica se abre. Mauro olha. Quem entra é Anatol e logo fecha a porta pantográfica, sem dar tempo de Mauro sair. Mauro morre de medo de Anatol. ANATOL Menino, qual é seu nome? Mauro demora um tempo para responder. MAURO (NERVOSO) Milton! Mauro aperta o botão do primeiro andar. O elevador pára, Mauro abre a porta e desce rapidamente. Anatol fecha a porta e o elevador sai. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, SALA – NOITE Mauro entra e vê Shlomo sentado. MAURO Oi. Mauro percebe um SACO DE BOTÕES sobre a mesa. É o mesmo saco de botões que tinha ficado para trás quando ele e seus pais saíram correndo de casa, em Belo Horizonte. MAURO (CONT.) Foi você que trouxe? Mauro derrama os botões e os examina. Percebe que algo está faltando. MAURO (CONT.) Você esqueceu os goleiros. SHLOMO E seus pais não ensinaram você a dizer obrigado? MAURO Você encontrou com eles? SHLOMO Vem cá. Senta aqui, Moishale. Shlomo aponta para o sofá. Os dois se sentam lado a lado. EXT. APARTAMENTO DE SHLOMO, JANELA DA SALA – NOITE Através da janela, a distância, Shlomo fala seriamente com Mauro, que presta muita atenção. Ouvem-se os poucos RUíDOS que vêm da rua. EXT. PRÉDIO RESIDENCIAL – DIA Mauro e Shlomo cruzam com Hanna na calçada. Mauro olha para ela com raiva, de soslaio, não a cumprimenta. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – DIA Mauro e Shlomo caminham pelas ruas do bairro, enfeitadas de verde e amarelo. COMERCIANTES fecham as portas. É dia de jogo do Brasil. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – DIA Mauro e Shlomo caminham na calçada. Quando vai atravessar a rua, Mauro levanta suavemente uma mão e pega na mão de Shlomo. Shlomo estranha um pouco, mas não solta a mão. Mauro e Shlomo cruzam a rua de mãos dadas. Quando chegam à outra calçada, Shlomo solta a mão de Mauro. Eles entram no restaurante italiano Cantina Del Poppoli. INT. CANTINA DEL POPPOLI – DIA GARÇONS instalam uma TV no restaurante decorado para a Copa do Mundo com bandeiras e cores do Brasil e da Itália. DINO (60), o dono do restaurante, supervisiona o trabalho até ver que Shlomo entrou no restaurante. DINO Shlomo, mio! Cosa fa qui? SHLOMO Oi, Dino, como está? Dino fala português com forte sotaque italiano. DINO Tutto bene. E contigo? É tuo bambino? SHLOMO Não, não. É neto do Mótel Stein. DINO Ah si.. Bon giorno, piccolo! Cosa voi? SHLOMO Eu estou precisando falar com o ítalo. DINO ítalo? Dio mio! Non stá qui neste horário. Deve essere en la facultá. Andato lá? EXT. RUAS DO BOM RETIRO / FACULDADE DE ODONTOLOGIA – DIA Mauro e Shlomo caminham pelas ruas, até a faculdade de odontologia. INT. FACULDADE DE ODONTOLOGIA – DIA Mauro e Shlomo caminham dentro da faculdade de odontologia, passando por muros pichados e jovens de tendências variadas, especialmente barbudos. A figura de Shlomo contrasta com o cenário. Chegam ao Centro Acadêmico. INT. FACULDADE DE ODONTOLOGIA, CENTRO ACADÊMICO – DIA Mauro e Shlomo entram no Centro Acadêmico. ítalo os vê e caminha até eles. íTALO Quem vem lá! ítalo bate mãos com Mauro. Shlomo olha. SHLOMO Vocês se conhecem? íTALO A gente se conheceu outro dia, não foi, Mário? MAURO Mauro. íTALO Isso. Mauro. Eu sou amigo do pai dele. SHLOMO Certo. íTALO Vieram ver o jogo com a gente? MAURO Posso? íTALO Claro. Tá começando. Shlomo olha para ítalo, querendo dizer alguma coisa. Mauro senta na frente da TV. Os comentaristas já começaram seu bate-bola. COMENTARISTA 1 É, mas hoje o Brasil tem que ir com calma, porque esse time da Romênia... ítalo vai com Shlomo para um canto. Mauro observa de longe. Shlomo tira um envelope do bolso e entrega para ítalo que sem olhar guarda em seu próprio bolso. Eles continuam a conversa. Um TIPO SUSPEITO observa dissimuladamente a conversa. íTALO O senhor não deveria vir aqui. SHLOMO Eu não sei mais onde procurar os pais desse menino. Mauro se aproxima de ítalo e Shlomo. MAURO O jogo vai começar! Mauro sai. SHLOMO É muito difícil saber? íTALO Calma, calma, o senhor tem que esperar. O juiz apita. Começa o jogo. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA / ARQUIVO – DIA MONTAGEM ALTERNA – Mauro preenche sua tabela da Copa. INSERTS de cenas de arquivos dos jogos da Copa de 70 cujos resultados são marcados por Mauro na tabela da competição. As imagens dos jogos e o preenchimento da tabela sinalizam passagem de tempo. BRASIL 3 X 2 ROMÊNIA ITÁLIA 0 X 0 ISRAEL AVANÇO DE ÁUDIO: SONS DE ROJÃO. EXT. CAMPO DE FUTEBOL DE VÁRZEA – DIA As PESSOAS vão chegando e lotando as arquibancadas. A batucada de um GRUPO DE JOVENS dá o tom festivo. Continua o som de ROJÕES. MAURO (V.O.) Enquanto na Copa do Mundo o jogo Itália versus Israel terminava num empate sem gols, no Bom Retiro o clássico judeus versus italianos esquentava as torcidas... De um lado, forma-se a TORCIDA DOS JUDEUS. Entre os torcedores, há vários membros da comunidade que já apareceram antes. O mais empolgado é o Rabino Samuel. E o mais resmungão é Isaac Rosenblitz, o mesmo rabugento que, na reunião da sinagoga, queria que Mauro fosse para o orfanato. PERTO DE UMA DAS TRAVES – Mauro, ao lado de Hanna, observa as arquibancadas. EM OUTRA PARTE DA ARQUIBANCADA – Vai se formando a TORCIDA DOS ITALIANOS. O TIME DOS ITALIANOS faz aquecimento e bate bola próximo da arquibancada. Um dos jogadores é ítalo. DO LADO JUDEU – Chega Irene. Ela cumprimenta a todos. MAURO (V.O.) (CONT.) A Irene era grega, mas eu logo ia descobrir que ela tinha um bom motivo para torcer pelos judeus... Shlomo chega logo em seguida. Vai até Irene e conversa com ela, sem que Mauro possa ouvir o que eles dizem. Irene aponta para alguém no meio do time dos italianos. Sob o olhar atento de Mauro, Shlomo sai da arquibancada dos judeus e caminha até a – ARQUIBANCADA DOS ITALIANOS – Junto à qual estão os jogadores italianos. Shlomo chama ítalo de lado. Eles conversam com expressões sérias no rosto. JUNTO à TRAVE – Mauro observa intrigado. P.V. DE MAURO– ítalo ouve atentamente o que Shlomo diz. Um RUíDO DE MOTO desvia a atenção de Mauro para – Uma MOTO que se aproxima do campo, vindo para o lado da torcida judaica, que vibra como se alguém tivesse marcado um gol. É a mesma moto que leva Irene na garupa, pilotada pelo mesmo misterioso motoqueiro, cujo rosto está sempre oculto pelo capacete. Irene fica ansiosa. Mauro olha atentamente para Irene e para o motoqueiro. MAURO (V.O.) (CONT.) Os italianos tinham mais craques no time deles. Mas a gente tinha uma arma secreta... A moto chega em alta velocidade. Com um cava-lo-de-pau ousado, pára atrás da trave onde estão Mauro e Hanna. O motoqueiro desce da moto e, finalmente, ele tira o capacete. Mauro vê a cara dele: é o mesmo negro que trocou olhares com Irene na lanchonete: Edgar. Novamente, Irene e Edgar trocam olhares. PASSAGEM DE TEMPO. O JUIZ apita. O jogo começa. Em poucas jogadas, Mauro percebe que o time dos italianos está massacrando o time da casa. Mas o goleiro Edgar defende tudo. De soco, de mão trocada, com os pés, com a cabeça... A torcida está apreensiva. Mauro, maravilhado. MAURO (V.O.) (CONT.) Eu sempre quis jogar no ataque, como todo mundo. Mas nunca fui muito bom. Até que aquele jogo mudou a minha vida... Seguem-se cenas entrecortadas do jogo até que um pênalti é assinalado. O atacante prepara-se para cobrá-lo contra o gol de Edgar. Edgar faz o sinal da cruz. Da arquibancada, Mauro imita o gesto lentamente. O Rabino Samuel, sentado atrás dele, lhe desfere um tapa na cabeça. O ATACANTE cobra o pênalti. A bola está prestes a entrar na gaveta quando Edgar, numa belíssima defesa, evita o gol. A torcida delira. Mauro fica pensativo e esboça um sorriso. MAURO (V.O.) (CONT.) E de repente eu descobri o que eu queria ser. Eu queria ser negro e voador.. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL – DIA NO QUARTO – Mauro coloca as LUVAS DO AVô. Em seguida, sobe na cama e treina pulos de goleiro, usando um uniforme improvisado e as luvas do avô. Ele joga a bola na parede e pula na cama para agarrá-la. Mauro agarra a bola. Ele se empolga, rola a bola no chão e sai jogando. Num movimento contínuo, seguimos Mauro até o – CORREDOR – Onde conduz a bola num jogo imaginário, do qual é protagonista. Sussurrando, narra sua própria jogada e imita os torcedores vibrando. MAURO Lá vai Mauro, carregando a pelota... Hóóóóóóóóó... INSERT – ARQUIVO – MONTAGEM Imagens de arquivo de lances dos jogos do Brasil sinalizam passagem de tempo. INT. LANCHONETE SKORPIOS – DIA MONTAGEM ALTERNA– LANCHONETE SKORPIOS – A habitual torcida da lanchonete Skorpios comemora gols em diferentes jogos do Brasil, enquanto na – SALA DO APARTAMENTO DE MÓTEL – Mauro marca os resultados dos jogos em sua tabela da Copa: Jogo 4 – Brasil 4 x 2 Peru (14/06) Jogo 5 – Brasil 3 x 1 Uruguai (17/06) INT. IGREJA CATÓLICA – DIA Shlomo conversa com um PADRE. A conversa é inaudível. EXT. IGREJA CATÓLICA – DIA Mauro está sentado nas escadarias da porta da igreja, cansado de esperar. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Mauro ganha a sala e dribla as cadeiras, perde e recupera a bola de um adversário imaginário. MAURO (CONT.) O temmmpo paaaassa, torcida brasileira... 44 do segundo tempo. Agora é tudo ou nada! Mauro cruza a sala driblando, um a um, os “jogadores adversários” imaginários. MAURO (CONT.) E deu a louca no goleiro do Santos. Mauro sai driblando todo o time do Palmeiras! Olé! Oolééé! Oooolééééé! Mauro pára na frente de uma CRISTALEIRA, talvez o único móvel de algum valor na casa de Mótel. Mauro trata sua imagem refletida no espelho da cristaleira como se fosse um adversário. Ginga de um lado para o outro. MAURO (CONT.) O juiz olha para o relógio! Vai apitar o final da partida! Mauro finta pra direita, pra esquerda, se livra do marcador, vai chutar... PÉ de Mauro dá um BICO NA BOLA. Mauro grita empolgado: MAURO (CONT.) É goooool! Mauro fecha os olhos ao ouvir o BARULHO DO VIDRO ESTILHAÇANDO. MAURO (V.O.) (CONT.) Eu devia saber. Goleiro não pode sair da área. EXT. RUA DO PRÉDIO – DIA Mauro, vestido de goleiro, passa pela banca de jornais e vê, em um JORNAL PENDURADO, a MANCHETE: Brasil derrota o Uruguai e está na final da Copa. MAURO (V.O.) O Brasil ganhou do Uruguai e foi para a final. EXT. CAMPINHO IMPROVISADO – DIA Mauro, com as luvas do avô e um uniforme de goleiro improvisado, está sob a trave, muito atento ao jogo. Ele imita os movimentos dos goleiros profissionais. MAURO (V.O.) Atacar é fácil... Difícil é ficar se defendendo o tempo todo... Ali onde a grama não cresce... A bola chega rolando até ele. Mauro se abaixa e segura a bola. Mauro lança a bola para o – MEIO DO CAMPINHO – Onde Hanna, Bóris, Caco e outros garotos estão jogando contra um time de outra vizinhança. Hanna dribla alguns adversários e faz um excelente passe. NO GOL – Mauro se movimenta de forma garbosa, segura. Mauro dá uns passos para frente. MAURO (V.O.) (CONT.) O goleiro é o único jogador que pode pegar a bola com a mão. Se estiver adiantado, gol por cobertura. Mauro recua rapidamente até a linha do gol. MAURO (V.O.) (CONT.) Se estiver muito recuado, gol nos cantos. Mauro avança dois passos. MAURO (V.O.) (CONT.) Ser goleiro não é fácil... Tem que ficar ligado no jogo o tempo todo. Se vacilar... O time adversário ataca. A atenção de Mauro é desviada para – NA RUA, ATRÁS DO GOL ADVERSÁRIO – Um FUSCA AZUL, idêntico ao dos pais de Mauro, passa bem devagar. MAURO (V.O.) (CONT.) ... a jogada que ele mais espera acontece na hora que ele menos espera... NO CAMPINHO – A BOLA é chutada em direção ao gol de Mauro. HANNA Mauro! Olha pra bola! SOM de Hanna e dos garotos some. O BARULHO DO MOTOR DO FUSCA “toma conta” da cena. Mauro sai do gol e começa a correr em direção ao fusca azul. A BOLA passa perto de Mauro, e entra no gol. Mauro continua a correr, passando por entre os outros jogadores. Todos olham para ele, alguns rindo, outros bravos. Hanna passa uma RASTEIRA em Mauro, que cai no chão e rola. Por um instante, Mauro fica perplexo. Um GAROTO do time adversário se aproxima de Mauro. GAROTO ADVERSÁRIO Tinha que ser judeu. Hanna parte para cima do garoto. HANNA Que que cê falou aí? Hanna empurra o garoto, que a empurra de volta. Ela dá um SOCO na cara dele. Em um instante, todos os garotos estão trocando socos e pontapés. Alheio à briga, Mauro se levanta e corre rumo ao fusca azul, que se afasta lentamente do campinho. EXT. RUA DO BOM RETIRO – DIA Mauro corre atrás do fusca. P.V. DE MAURO – Ele pode ver, através do vidro traseiro, que há MALAS no interior do fusca. NA RUA – Mauro se anima. Ganha velocidade. O fusca segue devagar e – Vira em uma ESQUINA. Mauro aumenta o ritmo da corrida e logo – Vira a ESQUINA– A tempo de ver o fusca que – Vira outra esquina. O quarteirão parece longuíssimo, mas Mauro não se cansa. Continua a correr, agora com lágrimas nos olhos. MAURO (GRITA) Pai! Espera! Mauro vira a esquina e vê – O fusca estaciona quase em frente ao prédio do apartamento de Mótel, porém, na calçada oposta. Mauro corre mais, corre, corre e vê – A porta do fusca se abrir. Uma MULHER começa a sair do fusca. Mauro acelera, com LÁGRIMAS nos olhos. MAURO (CONT.) (GRITA) Mãe! Mauro se aproxima do fusca e vê que a mulher que sai dele é COREANA. Mauro diminui o ritmo pouco a pouco. Ele pára próximo ao fusca e vê – AO VOLANTE– Um JOVEM COREANO. NO BANCO DE TRÁS – Um MENINO (7) e uma MENINA (4), também coreanos. Mauro volta pra casa, desconsolado. INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – DIA Mauro está apoiado na mesa da sala, olhando o JOGO DE BOTÕES armado, parado: uma partida inacabada. Ele está usando o CHAPÉU DO AVô. Está deprimido, sem vontade de jogar. Ele recoloca mecanicamente a bolinha e o jogador do time dele na mesma posição em que chutou a gol antes. Mauro afasta um pouco o goleiro adversário para o lado, de modo a tornar mais fácil seu intento de marcar o gol. Quando vai bater a falta, Mauro decide afastar o goleiro um pouco mais. Faz mira para chutar. Desiste. Afasta o goleiro ainda mais um pouco para o lado. Mauro afasta o goleiro para o lado uma última vez. Com o gol escancarado, os olhos molhados, Mauro se prepara para chutar a gol, porém – Alguém bate na porta. Mauro larga a palheta, vai até a porta e a abre. É Hanna. Ela entrega para Mauro a figurinha que faltava para completar o álbum: Everaldo. Mauro olha, incrédulo. MAURO O Everaldo! Hanna sorri. MAURO (CONT.) Quanto custa? HANNA É de graça.... Hanna acena que sim com a cabeça. HANNA (CONT.) Feliz aniversário. MAURO Meu aniversário é em outubro... Hanna dá de ombros e sorri com ternura. Shlomo entra. Olha para a roupa de Mauro com uma expressão de reprovação. SHLOMO Vamos Moishale, tá na hora. INT. SINAGOGA – DIA A sinagoga se ilumina ao som da – Voz do hazan, que canta uma MÚSICA RELIGIOSA JUDAICA. O HAZAN (cantor que ajuda na condução do serviço religioso) canta no altar, ao lado do rabino Samuel, que veste trajes cerimoniais. Enquanto o hazan canta, o habino Samuel retira um VIDRO DE ANTIÁCIDO do bolso e toma, furtivamente, uns goles. NA PRIMEIRA FILA – Ao lado de Shlomo, Mauro observa o ritual com olhos muito atentos, mas com um ar de revolta. Mauro está chique com solidéu. Entre as pessoas que chegam para a cerimônia, aparecem Ruth e Hanna, de cabelo preso num laço, vestido e sapatos de festa. Mauro se surpreende por vê-la vestida daquela forma. Enquanto Ruth cumprimenta Shlomo, Hanna quebra o gelo, do jeito dela. HANNA Se você fizer alguma gracinha, eu te mato! Hanna parte e senta com a mãe. Mauro ri. O CORO irrompe por toda a sinagoga lotada de FIÉIS, surpreendendo e encantando Mauro. INT. SINAGOGA, HALL DE ENTRADA – DIA As pessoas começam a sair da sinagoga. Mauro está postado à porta, ao lado de uma CAIXA DE GRATIFICAÇÕES e de Shlomo, para quem ele olha com uma certa ternura. MAURO (V.O.) (CONT.) As festas religiosas eram a grande realização do Shlomo... A maioria dos que se despedem de Shlomo deixa algum dinheiro na caixa de gratificações. MAURO (CONT.) Além do mais, agora, ele tinha uma arma secreta: EU! Todos que deixam a gratificação olham piedosamente para Mauro, que, por sua vez, capricha na cara de coitadinho. Um FIEL acaba de colocar DINHEIRO na caixa. FIEL (PARA SHLOMO) Ficou muito bom o telhado! Shlomo sorri satisfeito. FIEL vai saindo e vê Mauro. Tira mais DINHEIRO do bolso e o coloca na caixa. Mauro sorri satisfeito. As pessoas passam por ele e o cumprimentam carinhosamente. MAURO (V.O.) Finalmente eu estava conseguindo pagar a dívida do aluguel... Surge mais um conhecido: ítalo, com um lenço na cabeça (na falta de um quipá). Ele deposita uma nota na caixa de gratificações e passa, discretamente, um BILHETE para Shlomo. Mauro percebe o que acaba de acontecer e fica intrigado. INT. SINAGOGA, SALÃO DE FESTAS – DIA Baile com músicas pop da época. Mauro, Duda, Caco, Bóris e outros garotos e garotas dançam de maneira comportada, contidos. Mauro percebe que Hanna não está dançando e, de repente, começa a “avacalhar”, movendo o corpo de maneira engraçada e desinibida. Hanna percebe a brincadeira e também começa a dançar de modo louco. Todo mundo entra na dança louca. Caco aparece numa janela e chama os amigos. CACO Ei! Vamos... Mauro, Hanna, Duda e Bóris saem da festa e seguem Caco. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – DIA Hanna, Mauro, Duda, Bóris e Caco correm pela rua quando, subitamente – Um SOM GRAVE, uma espécie de ESTRONDO contínuo chama a atenção dos garotos. PERTO DALI – PATAS DE CAVALO cavalgam pelo asfalto. Os garotos ficam em silêncio. Olham assustados para a – ESQUINA – A rua está vazia. O som das PATAS DE CAVALO que batem no asfalto vai ficando mais alto, mais alto, mais alto até que – Surge a CAVALARIA DA TROPA DE CHOQUE, seguida de um CAMINHÃO ABERTO, cheio de SOLDADOS com capacetes, escudos e cassetetes. Eles percorrem a rua e passam pelos garotos, que se entreolham, e, sem dizer nada, saem correndo atrás dos cavalos. EXT. RUA – DIA Mauro, Hanna, Caco e Bóris correm pela rua, seguindo o caminho da cavalaria. Chegam até a – ENTRADA DA FACULDADE DE ODONTOLOGIA – O prédio está cercado por um BATALHÃO DA POLíCIA MILITAR. Caco e Bóris saem correndo, apavorados. Hanna puxa Mauro pelo braço. HANNA Vamo embora, Mauro. Mauro não ouve. Ele se aproxima da confusão, deixando Hanna para trás. Guardando certa distância, Mauro vê ESTUDANTES serem presos e colocados no interior de VIATURAS. Contrastando com o uniforme trajado pelos policiais, um DELEGADO, à paisana, parece exercer certo comando junto aos soldados. Em seguida, Mauro vê um dos estudantes, amigo de ítalo, ser algemado por um SOLDADO DA PM. Atendendo a um comando do Delegado, o PM coloca o Estudante no interior de uma viatura. De repente, SOLDADOS DA PM MONTADOS A CAVALO passam rente a Mauro, assustando-o. Um BRAÇO envolve Mauro, puxando-o para trás. Mauro olha para cima e vê que é Edgar quem o protege. Ao olhar novamente para frente, Mauro vê os cavalos passarem diante dele, a galope, depois se distanciarem cada vez mais. MAURO Eles apareceram de repente.. (pausa) Eram cavalos gigantes... (pausa) Eram muitos cavalos... EXT. RUA DO PRÉDIO – NOITE A rua está quase deserta. Mauro chega na garupa da moto pilotada por Edgar. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – NOITE A porta pantográfica se abre e Mauro sai do elevador. O corredor está um pouco escuro. Mauro caminha até a porta do apartamento de Shlomo quando ouve – UM RUíDO DE RESPIRAÇÃO OFEGANTE. A primeira reação no rosto e nos gestos de Mauro é de medo. Ele chega a dar alguns passos rumo ao elevador, pronto para fugir, mas não vai até o fim. Corajosamente, Mauro caminha até a escada que liga o sétimo ao sexto andar. Mais uma vez se assusta ao ver – NA ESCADA – Um VULTO MASCULINO que se esconde na penumbra. MAURO Quem taí? VULTO MASCULINO Shhhhh! Subitamente, a expressão de Mauro passa a ser de expectativa: MAURO Pai? Mauro desce alguns degraus, com grande expectativa. Quando chega perto do vulto masculino, percebe que é ítalo quem está ali. E vê que a cabeça dele está ensangüentada MAURO (CONT.) Puta que pariu! Cê levou um tiro? ítalo leva a mão à cabeça. íTALO Tiro não, uma cacetada. MAURO Tá doendo? ítalo faz que sim com a cabeça. MAURO (CONT.) Quer que eu chame um médico? íTALO Não, não! INT. APARTAMENTO DO MÓTEL, SALA – NOITE A porta se abre e a luz se acende. Mauro entra, seguido de perto por ítalo, que mal consegue se manter em pé. MAURO Fica escondido aqui. Exaurido, ítalo entra no apartamento e se deita no sofá, tremendo. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – NOITE Mauro sai correndo do apartamento de Mótel e bate a porta. Em seguida, abre a porta do apartamento de Shlomo e entra correndo. O corredor fica vazio. Mauro sai do apartamento. Shlomo sai em seguida, bate a porta atrás de si. Os dois entram no apartamento de Mótel e batem a porta. EXT. FACHADA DO PRÉDIO – NOITE Shlomo fecha as cortinas da sala do apartamento de Mótel. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Mauro entra na sala e olha para o sofá, onde ítalo dorme. Mauro vê a bolsa de ítalo no chão. Vai até ela. Pega a bolsa, abre-a, e encontra dentro dela uma LATA DE TINTA spray. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, QUARTO – DIA Mauro usa a lata de tinta spray para desenhar uma trave na parede. PASSAGEM DE TEMPO – Mauro treina pulos de goleiro junto à trave desenhada. ítalo entra no quarto, com cara de quem acabou de acordar, e vê o “treino” de Mauro. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, BANHEIRO – DIA ítalo escova os dentes com o dedo. Examina o ferimento na cabeça, olhando-se no espelho. Lava o ferimento. MAURO Quanto você vai ficar? íTALO Não sei. MAURO Se você quiser pode ficar morando aqui. íTALO Obrigado. MAURO Tá com fome? íTALO Um pouco... INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, COZINHA – DIA ítalo se surpreende ao ver – SOBRE A MESA – Suco de laranja, arenque defumado e outros ingredientes de um café da manhã judaico. Mauro mostra o ARENQUE para ítalo, que ainda está meio grogue de sono. ítalo se surpreende com a desenvoltura de Mauro na cozinha. íTALO Isso aqui é peixe? MAURO É. Come que faz bem pra cabeça. ítalo experimenta o arenque. íTALO Erghhh! Mauro se aproxima com o café. MAURO Toma esse café que eu acabei de coar... ítalo toma o café e começa a comer. Mauro observa. MAURO (CONT.) Você sabe jogar botão? íTALO Eu não tô com cabeça pra isso, Mauro... MAURO (PROVOCANDO) Tá com medo? INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA ítalo vai até a mesa de botão. MAURO Pode ficar com o Santos. Eu fico com o Brasil. íTALO E em que time o Pelé vai jogar? MAURO No meu, ué! ítalo ri e posiciona os jogadores do Santos. Mauro, os do Brasil. MAURO (CONT.) Eu começo! Mauro se posiciona para começar o jogo. Meio desanimado, ítalo tenta se concentrar na partida. Mauro está pronto para tentar o gol. MAURO (CONT.) Vai pro gol. ítalo posiciona cuidadosamente o goleiro. íTALO Chuta. Mauro capricha na pose. Faz cara de satisfação, como se o gol fosse certo. Chuta e – A bola toca no GOLEIRO de ítalo. íTALO (COMEMORANDO) Grande defesa. MAURO Não vale! Cê mexeu. íTALO Mexi nada. MAURO Mexeu, sim. Cê não sabe jogar. ítalo se cansa da brincadeira e se senta no sofá. Mauro senta ao lado de ítalo e o interpela, num ímpeto: MAURO (CONT.) Você sabe alguma coisa da minha mãe e do meu pai? ítalo engole seco. MAURO (CONT.) Onde eles estão, ítalo? ítalo tenta falar num tom paternal. íTALO Eles estão de férias. MAURO (IRôNICO) Tá bom... Estão de férias... íTALO Tem muita gente de férias igual a eles. MAURO Eles vão voltar, ítalo? íTALO Claro que vão. Eles vão voltar. Silêncio. Mauro respira. MAURO Meu pai tá sempre atrasado. Nesse momento, BATEM À PORTA. Mauro e ítalo ficam assustados. ítalo se esconde, em pânico. íTALO (SUSSURRANDO) Abre. Mauro fica com medo. íTALO (CONT.) E não fala que eu tô aqui. Mauro vai até a porta e abre apenas um pouco. DO OUTRO LADO DA PORTA – DOIS HOMENS de óculos escuros tentam espiar o que acontece dentro do apartamento. HOMEM 1 O Geromo tá aí? MAURO Quem? HOMEM 2 É Cheromo. MAURO Shlomo? HOMEM 1 Ele tá aí? MAURO Aqui é a casa do Mótel. Desconfiado, o HOMEM 1 tenta espreitar pela porta. O HOMEM 2 o cutuca no ombro. HOMEM 2 Deve ser aqui do lado. Eles vão até a porta do apartamento de Shlomo. Mauro fecha a porta, nervoso e vê – ítalo treme de medo. íTALO Eles estão atrás de mim. MAURO Não. Eles falaram Shlomo. ítalo e Mauro conversam sussurrando. íTALO Fala baixo, Mauro. Esses caras são da polícia. Acabou a brincadeira, cê tá entendendo? MAURO E o que eles vão fazer com o Shlomo? ítalo não responde. Apenas abaixa a cabeça, desolado. MAURO (CONT.) Você não vai ajudar ele? íTALO Eu não posso ajudar! ítalo está muito nervoso. Mauro sai correndo até – E/I. AP. DE MÓTEL / AP. DE SHLOMO, VARANDAS / SALA – DIA Mauro sai na varanda. No pátio lá embaixo, seu Machado varre o chão. Mauro toma coragem e pula rapidamente para o apartamento de Shlomo, demonstrando muita habilidade. Ele se aproxima da janela que dá para a sala de Shlomo e vê – P.V. DE MAURO – SALA DE SHLOMO Shlomo conversa com os DOIS HOMENS. Mauro não consegue ouvir o que eles dizem. Calmamente, Shlomo abre a porta para os dois. Eles saem. Shlomo sai atrás. Discretamente, olha na direção de Mauro. NA VARANDA– Mauro tenta abrir a janela, mas não consegue. Salta de volta para a varanda do apartamento de Mótel e entra no – INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Mauro entra ofegante na sala e fala com ítalo desesperadamente. MAURO ítalo! Eles levaram o Shlomo! Mauro corre até a – JANELA – Por onde vê – P.V. DE MAURO – RUA Shlomo entra num CARRO PRETO, seguido pelos homens que o levaram. DE VOLTA À SALA – Mauro se vira assustado. Não vê ítalo. MAURO (CONT.) ítalo? Mauro vê que a porta que dá para o corredor está aberta. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO TÉRREO – DIA Mauro sai do elevador a toda velocidade, mas pára ao ver – NA PORTA DE ENTRADA – Anatol, com a barba bem grande, que o torna ainda mais sinistro. Ele caminha ao encontro de Mauro. Mauro olha para trás e vê – A porta do elevador. Mauro olha para a frente – Anatol se aproxima. Mauro ganha coragem, caminha ao encontro de Anatol e quando estão bem próximos ele faz um movimento de corpo como num drible de futebol. Anatol fica confuso, Mauro passa por ele, e sai correndo. EXT. RUA DO BOM RETIRO – DIA Mauro corre pela rua. MAURO (V.O.) Não dava mais pra ter medo. Nem pra ficar parado, esperando. INT. SINAGOGA – DIA Mauro irrompe esbaforido. MAURO Rabino! Rabino! RABINO SAMUEL Moishale? MAURO O Shlomo... RABINO SAMUEL Respira fundo, Moishale. MAURO Prenderam o Shlomo. O rabino Samuel arregala os olhos, preocupado. RABINO SAMUEL Volta pra casa. Eu vou cuidar disso. MAURO A gente tem que ir atrás dele agora. Se não, ele não volta mais. RABINO SAMUEL Moishale, você ainda é muito pequeno. Volta pra casa. Mauro não se move. Está inconformado. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, SALA – DIA Mauro rega a árvore da felicidade, imitando o jeito de Shlomo. MAURO Não se preocupa, não, planta. O Shlomo vai voltar. Ele só saiu de férias, tá? INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, COZINHA – DIA Mauro lava cuidadosamente a louça. INT. APARTAMENTO DE SHLOMO, BANHEIRO – NOITE A luz do banheiro está acesa. Mauro anda até a porta do banheiro e, como o próprio Shlomo teria feito, apaga a luz. INT. DELEGACIA POLíTICA – DIA Shlomo está sentado num banco apertado e desconfortável. A delegacia tem muito movimento. PESSOAS passam por ele indo de um lado para outro. ESCRIVÃES trabalham diante de máquinas de escrever. O Delegado – que apareceu antes, na Faculdade de Odontologia – se aproxima de Shlomo com uma FICHA nas mãos. DELEGADO O senhor deve ser o tal do judeu comunista. Shlomo encara o Delegado com um olhar de desafio. DELEGADO (CONT.) A moça é parente sua? Shlomo balança a cabeça, em sinal de negativa. I/E. APARTAMENTO DE MÓTEL / RUA, MURO – NOITE As luzes do apartamento estão apagadas. No sofá, dorme seu Machado. Ronca muito. Mauro vai até a janela e contempla – P.V. DE MAURO – O bairro escuro e quieto. O silêncio da noite é quebrado apenas pelo ronco de seu Machado. DA JANELA – Mauro olha para baixo e vê – NA RUA, JUNTO AO MURO – ítalo usa a lata de tinta spray para pichar o muro, onde já se lê: ABAIXO A DITADU ítalo chacoalha a lata, tenta escrever o resto da palavra, mas não há mais tinta na lata. ítalo olha para cima, na direção da – JANELA DO APARTAMENTO DE MÓTEL – Mauro se esconde, envergonhado. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – DIA As ruas estão coloridas, enfeitadas. Muitos estabelecimentos comerciais estão com as portas fechadas ou sendo fechadas. MAURO (V.O.) Tudo acontecia tão depressa... De repente, o grande dia tinha chegado... INT. APARTAMENTO DO RABINO SAMUEL, SALA – DIA Rabino Samuel toma um antiácido na frente da TV. INT. APARTAMENTO DO SEU MACHADO – DIA Seu Machado anda pelo apartamento, nervoso, enquanto dona Rosa varre a casa. INT. APARTAMENTO DAS IRMÃS BEREZOVSKI – DIA Raquel, Ida e Ester fazem a corte para DOIS HOMENS e Anatol, vestidos de terno. Raquel serve uns petiscos muito exóticos, envoltos num papel brilhante. Os dois homens fazem um esforço sobrenatural para conseguir engolir a comida. Anatol gosta da comida. INT. APARTAMENTO DE DONA EIDEL – DIA Dona Eidel e seus familiares se preparam para assistir ao jogo. INT. FACULDADE DE ODONTOLOGIA, CENTRO ACADÊMICO – DIA Centro Acadêmico vazio, destruído. MAURO (V.O.) Todo mundo estava esperando o grande momento. Inclusive eu... EXT. PRÉDIO RESIDENCIAL – DIA Mauro, sozinho na entrada do prédio, olha para o lado de onde vêm os carros. Quando o sinal vai abrir, Mauro fecha os olhos e repete baixinho. MAURO (CONT.) (BAIXINHO PARA SI) Fusca azul, fusca azul, fusca azul... O sinal se abre e nenhum fusca azul dobra a esquina. A rua já está vazia. Mauro agora caminha até a esquina. Hanna sai correndo do prédio. HANNA (O.S.) (GRITANDO) Vem, MAUROoooo! Mauro vira-se na direção de Hanna. HANNA (CONT.) O jogo tá começando! Hanna e Mauro saem correndo. INT. LANCHONETE SKORPIOS – DIA NA TV, INSERT ARQUIVO – Os jogadores da seleção brasileira, perfilados, ouvem o Hino Nacional. EM VOLTA DA TV – A lanchonete está lotada. NA TV, INSERT ARQUIVO – O juiz apita. MONTAGEM ALTERNA – Torcedores na lanchonete reagem a – Momentos mais emocionantes do jogo na TV: o Brasil faz um gol. A Itália empata. Os torcedores vão da alegria histérica ao desespero. EM UM CANTO – Mauro assiste ao jogo, meio retraído, sozinho. Hanna, ao contrário, está entrosada e animadíssima. Mauro olha para Hanna com um certo desdém. Irene está com o vestido novo – o mesmo que experimentou na loja de Ruth. Edgar está com ela, de mãos dadas, fora do alcance da visão de Ianis. Irene percebe a solidão de Mauro e se aproxima dele. IRENE E aí, Mauro? MAURO Oi, Irene. IRENE Não tá gostando do jogo? MAURO Tô. IRENE Muito ou pouco? Hanna percebe que Irene se aproximou de Mauro. MAURO Mais ou menos. Hanna observa os dois. Irene abraça Mauro maternalmente. Ele, no entanto, recebe o afago com entusiasmo. Hanna vê – NA RUA – Passa um TÁXI, que leva Shlomo no banco de trás. NA LANCHONETE – Hanna grita. HANNA Mauro! O Shlomo! Mauro vai até a porta olhar, mas não vê nada. Volta e indaga Hanna. MAURO Tem certeza? HANNA Tenho. NA TV – Uma jogada sensacional culmina com o segundo gol do Brasil. EM VOLTA DA TV – A torcida vibra. TODOS Gooooool! Mauro assiste ao gol, volta até a porta da lanchonete, olha para rua, mas não vê nada. Hesita um pouco. Acaba saindo. EXT. RUAS DO BOM RETIRO – DIA Mauro sai andando, apreensivo, pelas ruas vazias. De repente, ouve-se comemoração em off. Mais um gol do Brasil. EXT. PRÉDIO RESIDENCIAL – DIA O táxi pára diante do prédio. Shlomo salta, dá a volta e abre a outra porta traseira para mais alguém sair. EXT. LANCHONETE SKORPIOS – DIA NA TV – O terceiro gol do Brasil. EM VOLTA – Os torcedores vibram de alegria. Hanna olha em volta, à procura de Mauro, mas não o encontra. INT. PRÉDIO, CORREDOR – DIA Mauro entra no corredor. Seu Machado está varrendo, nervoso com o jogo. MAURO É verdade que o Shlomo chegou? SEU MACHADO Não sei. Eu tava vendo o jogo. INT. APARTAMENTO DO SHLOMO, SALA – DIA A porta do apartamento se abre. Mauro en-contra Shlomo, com cara de cansado, comendo pão. Os dois se olham demoradamente. Shlomo se levanta. MAURO O Brasil tá ganhando... Mauro caminha até Shlomo e o abraça. Shlomo, um pouco atrapalhado, retribui o abraço, moderadamente. SHLOMO Que bom, Moishale. Ficam assim por alguns instantes. Até que Shlomo rompe o abraço e coloca as mãos sobre os ombros de Mauro. SHLOMO (CONT.) Vem comigo.... INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Shlomo e Mauro saem do apartamento de Shlomo e entram no apartamento de Mótel. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Mauro e Shlomo entram no apartamento. Na sala, DR. DOITCH – estetoscópio pendurado no pescoço – assiste à TV sem som, nervoso com o jogo. Mauro atravessa a sala guiado por Shlomo, sob o olhar curioso do médico. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, QUARTO – DIA A porta se abre e Mauro vê uma mulher deitada na cama do avô. Vagarosamente, ele se aproxima da cama e descobre que quem está ali é Míriam, a mãe dele. Ela está com um cabelo diferente. NO CRIADO MUDO – Caixas de remédios e uma jarra com água. Mauro olha para Shlomo, que sorri para Mauro e faz um sinal com o dedo para que o menino não acorde Míriam. Mauro, emocionado e ao mesmo tempo cerimonioso, toca na mãe, nos cabelos, na mão dela. Míriam acorda. Os dois se abraçam. E choram. Shlomo sai do quarto e, nesse mesmo instante – Soam os GRITOS DE GOL, que vêm da rua e dos apartamentos vizinhos. MíRIAM Que saudades.. MAURO Por que vocês demoraram tanto? Míriam fica em silêncio, com o semblante sério. MAURO (CONT.) Cadê o papai? Míriam continua em silêncio, tentando conter o choro. MAURO (CONT.) Por que ele não voltou com você? MíRIAM Ele vive atrasado. ROJÕES estouram. Míriam se assusta e chora mais. MAURO É o Brasil, mãe! Míriam chora mais. Mauro a consola. MAURO (CONT.) Não fica assim... É o Brasil, mãe. É a Copa... INSERT – ARQUIVO O replay do quarto gol do Brasil contra a Itália. E/I. LOCAÇÕES DIVERSAS – DIA MONTAGEM – Comemoração da vitória do Brasil – Nas RUAS. Na LANCHONETE SKORPIOS. Nos apartamentos de – Rabino Samuel. Seu Machado. Dona Eidel. Irmãs Berezovski. NAS RUAS DO BOM RETIRO – Chove papel picado nas ruas. ARQUIVO – FINAL DA COPA Ao som da música-tema da seleção de 1970, entra uma montagem de imagens de arquivo com – Outros lances e GOLS do jogo. Comentaristas esportivos. Balbúrdia no campo. Carlos Alberto, capitão do time, beija o troféu Jules Rimet. Comemorações nas ruas do Brasil. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, QUARTO – NOITE Míriam acaba de arrumar a mala. Mauro olha pelo vidro da janela. Vemos em seu rosto o reflexo dos fogos de artifício da comemoração. Míriam se aproxima dele. MAURO (V.O.) E assim foi o ano de 1970: o Brasil virou tricampeão mundial por 4 x 1 em cima da Itália... Shlomo observa os dois da porta e sai. EXT. JARDIM DA LUZ – DIA Shlomo e Mauro andam lado a lado pelo par-que até chegarem junto a um fotógrafo lambelambe. O fotógrafo se prepara para tirar a foto, mas tem que parar, pois Mauro faz caretas. O fotógrafo perde a paciência. FOTÓGRAFO Pára com isso, menino! Shlomo olha a cena compadecido. Esboça um sorriso. O fotógrafo desiste. Shlomo chama a atenção de Mauro carinhosamente SHLOMO Moishale... Mauro e Shlomo se olham por alguns instantes. O olhar é de cumplicidade, carinho, respeito e entendimento. Mauro finalmente se posiciona diante da câmera e, muito sério, faz pose para a foto. Shlomo agora se junta a Mauro. SHLOMO (CONT.) Essa para retrato. Shlomo e Mauro, lado a lado, se olham e, no momento em que o fotógrafo bate a foto, os dois produzem caretas malucas. INT. AP. DE MÓTEL / AP. DE SHLOMO, SALAS – NOITE MESA com vários tipos de tortas e quitutes judaicos. À PORTA – Chegam as irmãs Berezovski, dona Eidel e Ruth, que carrega um bolo de papoula. Míriam pega o bolo. MíRIAM Não precisava – JUNTO À MESA – Mauro e Hanna comem. O clima é de despedida. Mauro vê – PELA JANELA – Que uma luz se acende. NA SALA DO APARTAMENTO DE SHLOMO – Shlomo observa a luminária que finalmente conseguiu consertar. NA SALA DO APARTAMENTO DE MÓTEL – Mauro vai até a janela. PELAS JANELAS DOS RESPECTIVOS APARTAMENTOS – Mauro e Shlomo se olham. INT. APARTAMENTO DE MÓTEL, SALA – DIA Junto à mesa de jantar, Mauro recolhe seus jogadores de botão. Míriam entra na sala. MíRIAM Vamos, Mauro! JUNTO À PORTA – Shlomo observa a mãe e o filho, algo angustiado. Míriam se aproxima da porta. MíRIAM (CONT.) Vamos filho! SHLOMO Moishale! Mauro vai até a porta. MAURO Esqueci uma coisa! Mauro volta, pega o chapéu do avô e sai. Shlomo fecha a porta. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO SÉTIMO ANDAR – DIA Mauro e Míriam saem do apartamento abraçados. Mauro usa o chapéu de Mótel. Shlomo vem logo atrás, carregando as malas. O silêncio impera. Mauro educadamente abre a porta do elevador para Míriam e Shlomo entrarem. Mauro entra em seguida. INT. PRÉDIO, CORREDOR DO TÉRREO – DIA A porta do elevador se abre. Mauro, Míriam e Shlomo saem e passam por seu Machado, que varre o chão. Quando vê Mauro, seu Machado abre um sorriso. SEU MACHADO Eta... menino.. Vai embora! Mauro sorri amarelo. SEU MACHADO (CONT.) Dá aqui um abraço no velho... Vai fazer falta, sabia? Seu Machado olha para Shlomo, que desvia o olhar. EXT. PRÉDIO – DIA Mauro e Míriam, de mãos dadas saem do prédio com Shlomo. Na rua, um táxi já os aguarda. Shlomo fica cada vez mais triste. Mauro, também. Os três param antes do portão. Mauro pega as malas e as entrega para o TAXISTA. Míriam e Shlomo se abraçam desajeitadamente. MíRIAM Muito obrigado. SHLOMO O seu filho é um garoto muito esperto. Mauro já está junto do táxi. MAURO Vem mãe! Míriam anda até o táxi. Mauro volta até Shlomo. Mauro e Shlomo se abraçam. E, então; Mauro vai até o táxi, e entra desolado. Shlomo acena para Mauro, despedindo-se. O táxi arranca e se afasta, deixando para trás o velho Shlomo, profundamente emocionado. INT. TÁXI – DIA Mauro e Míriam vão em silêncio, no banco de trás. MAURO (V.O.) ...E mesmo sem querer, nem entender direito, eu acabei virando uma coisa chamada exilado. Eu acho que exilado quer dizer quem tem um pai tão atrasado, mas tão atrasado que acaba nunca mais voltando pra casa. PELA JANELA DO TÁXI – Mauro vê o campinho onde Hanna joga futebol com os outros garotos. MAURO (CONT.) Pára! O taxista olha para Míriam. MíRIAM Pode parar. O táxi pára. EXT. CAMPINHO – DIA Mauro salta do táxi. Ele vê que a bola dele está com Hanna. MAURO Minha bola! Hanna põe a bola no chão. Mauro olha. Eles se entreolham. Hanna toma distância e chuta pra valer. Mauro agarra a bola em uma belíssima defesa. A IMAGEM CONGELA. FIM Ficha Técnica Gullane Filmes, Caos Produções, Miravista, Globo Filmes e Petrobras apresentam O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Um filme de Cao Hamburger Produção Gullane Filmes, Caos Produções e Miravista CoProdução Globo Filmes, Lereby, Teleimage e Locall Distribuição Buena Vista International Ficha Técnica Direção – Cao Hamburger Produção – Caio Gullane, Cao Hamburger e Fabiano Gullane Coprodução – Daniel Filho e Fernando Meirelles História Original – Cao Hamburger e Cláudio Galperin Roteiro – Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Fotografia – Adriano Goldman Direção de Arte – Cássio Amarante Montagem – Daniel Rezende Trilha Sonora – Beto Villares Colaboração no Roteiro – Adriana Falcão Dramaturgia – Chris Riera Figurino – Cristina Camargo Maquiagem – Anna Van Steen Cenografia – Fábio Goldfarb Som Direto – Romeu Quinto Desenho de Som – Alessandro Laroca Mixagem – Armando Torres Jr. Produção de Elenco – Patrícia Faria Preparação de Elenco – Laís Correa Coordenação de PósProdução – Alessandra Casolari Coordenação de Lançamento – Manuela Mandler Direção de Produção – André Montenegro Produção Executiva – Caio Gullane, Fabiano Gullane, Sônia Hamburger Produtores Associados – Débora Ivanov, Paulo Ribeiro e Patrick Siaretta CoProdução – Globo Filmes, Lereby, Teleimage e Locall Uma Produção – Gullane Filmes, Caos Produções e Miravista Distribuição – Buena Vista International Elenco SHLOMO – Germano Haiut BIA – Simone Spoladore íTALO – Caio Blat DANIEL – Eduardo Moreira IRENE – Liliana Castro EDGAR – Rodrigo dos Santos Participação especial – Paulo Autran como MÓTEL Apresentando: Michel Joelsas como MAURO e Daniela Piepszyk como HANNA Prêmios e Festivais Do Roteiro • Prêmio ACIE 2007 (Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira) Melhor Roteiro Melhor Filme Melhor Filme – Público • Festival de Lima 2007 Melhor Roteiro • Prêmio APCA 2006 (Associação de Críticos de São Paulo) • Prêmio Contigo do Cinema Nacional (2007) Melhor Roteiro Do Filme • 57o Festival de Berlim 2007 Competição oficial • Tribeca Film Festival 2007 Competição oficial • Festival do Rio 2006 Melhor Filme – Público • 30a Mostra Internacional de São Paulo 2006 Melhor Filme – Público Menção Especial do Júri • 3o Prêmio Fiesp/Sesi Award – São Paulo 2007 Melhor Filme Melhor Diretor Melhor Atriz Coadjuvante: Daniela Piepszyk Melhor Ator Coadjuvante: Germano Haiut • Prêmio Contigo do Cinema Nacional 2007 Melhor Filme Júri Oficial Melhor Diretor Júri Oficial • Prêmio ABC de Cinematografia 2007 Melhor Direção de Arte Melhor Direção de Fotografia Melhor Montagem Melhor Som • Festival Sesc – Melhores Filmes de 2006 Melhor Filme – Público Melhor Diretor • Festival de Biarritz - França 2007 Filme de abertura Competição • Festival Internacional de Guadalajara 2007 Convidado especial Filme de abertura • Festival de Lima - Peru 2007 Melhor Filme – Público • Jerusalem Film Festival 2007 Competição • Shangai Film Festival 2007 Sessão Panorama • • Festival de Santiago 2007 Competição Prêmio SIGNIS Reconhecimento da Academia • • Festival do Cinema Brasileiro em Israel 2007 Filme de abertura Melhor Filme – Público • Toronto Jewish Film Festival 2007 Filme de abertura • Festival do Cinema Brasileiro em Paris 2007 Filme de abertura • Festival Internacional de Cine para Niños y Jóvenes, DIVERCINE 2007 Unicef Award Melhor Longa de Ficção Menção Especial • International Film Festival for Children and Youth - Czech Republic 2007 Sessão Informativa • Festival de Amazonas 2006 Filme de abertura Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Introdução – Cao Hamburger 11 Um Ano Incomum – Christiane Riera 17 Pequena Nota Sobre a Versão Publicada 23 Roteiro 25 Ficha Técnica 203 Prêmios e Festivais 207 Crédito das Fotografias Divulgação: Fotos de Beatriz Lefevre e Lucia Maria Lorb. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Batismo de Sangue Roteiro de Helvécio Ratton e Dani Patarra Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis CabraCega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos irmãos naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Mauricio Zacharias, Karim Aïnouz e Felipe Bragança Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Paulo Morelli e Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Claudio Yosida e Ricardo Elias Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito joão Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos josé Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de imprensa – O Cinema de intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A imagem Crítica Carlos Alberto Mattos não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo narradores de javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Pedro jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho intacto Rosane Pavam VivaVoz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebracabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior joão Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides nogueira – Trilogia: Ópera joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Emiliano Queiroz – na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira john Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa josé Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, o Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini niza de Castro Tank – niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo josé – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – no Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – imagens de Sua Arte Nydia Licia TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 228 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo O ano em que meus pais saíram de férias / Cláudio Galperin... et al. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. 228p. : il. – (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-572-6 1. Cinema – Roteiros 2. Cinema – Brasil 3. O ano em que meus pais saíram de férias (Filme cinematográfico) I. Galperin, Cláudio. II. Mantovani, Bráulio. III. Muylaert, Anna IV. Hamburger, Cao. V. Ewald Filho, Rubens. VI.Título. VII. Série. CDD 791.437 098 1 índices para catálogo sistemático: 1. Filmes cinematográficos brasileiros : Roteiros 791.437 098 1 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria