Irene Stefania Arte e psicoterapia Germano Pereira Imprensa Oficial São Paulo, 2006 Governador Cláudio Lembo Secretário Chefe da Casa Civil Rubens Lara Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira Coleção Aplauso Perfil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Carlos Cirne Assistência Operacional Andressa Veronesi Editoração Aline Navarro Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Revisão de texto Heleusa Angélica Teixeira Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O caso dos irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dedico este texto a meus pais, Ubiraci e Marisa, às minhas irmãs, Elisa e Elaine, e a todos os budas e bodisatvas. Germano Pereira Dois olhos azuis Quando falei para a Irene Stefania que a Imprensa Oficial, por meio da indicação de Rubens Ewald Filho, queria fazer uma biografia de sua vida, ela não acreditou. Ficou calada durante alguns segundos. Depois de uma semana veio me dizer que não queria, estava agradecida, mas preferia recusar. Olhando para o seu rosto sardento (por sinal, não muito diferente do meu), que emoldurava os seus profundos olhos azuis que protagonizaram filmes como Lance Maior, O Mundo Alegre de Helô, Cléo e Daniel, senti-me no dever de convencê-la. Afinal, eu sabia, pelas pesquisas que fiz, que Irene foi por uns poucos anos uma unanimidade nacional. Uma raridade: uma autêntica estrela de nosso cinema (não de televisão), de que todo mundo gostava, admirava, premiava. E que no auge da carreira, por razões até então misteriosas, tinha dado uma de Greta Garbo e abandonado a vida artística. Por que razão? Qual o mistério que se escondia por trás daqueles fascinantes olhos azuis? Não digo que foi fácil convencê-la. Reclamei seu lugar na história de nosso cinema, argumentando o fato de que este é um país sem memória, de que ela tinha muito a contar, que seus admiradores nunca a esqueceram. Que ela foi o primeiro amor de muito jovem dos anos 70. Não sei o que a fez mudar de idéia, qual foi a minha persuasão. Lembrome de dar um forte abraço e selarmos nosso novo trabalho juntos. Conheço Irene desde 2001. Trabalhamos juntos em Antígona, de Sófocles, numa montagem do Grupo Os Satyros, dirigido por Rodolfo Garcia Vazquez, onde ela interpretava a Mãe Eurídice. Mas foi só no começo de 2006, quando estávamos atuando novamente juntos em De Profundis, texto de Ivam Cabral, a partir da obra de Oscar Wilde, direção também do Rodolfo, em cartaz no Espaço do Satyros, que aconteceu este livro. Foi um processo muito instigante para mim. Não se esqueçam que Irene como psicoterapeuta profissional está mais acostumada a ouvir do que falar. Tem ouvidos superapurados, treinados. A gente se reunia na sala de sua casa, ocasionalmente na cozinha, num bairro arborizado de São Paulo. Era sempre no começo da tarde e o ritual começava com café e bolachas. Sempre que fazia uma pergunta mais séria, ela ficava um tempo pensando. E respondia com a maior seriedade e lucidez. Quase como se estivesse se analisando. Não como atriz, fazendo pose ou cena, mas como um ser humano interessado em se conhecer melhor, se aperfeiçoar. Foi assim que pude me aproximar mais de seu trabalho e de sua trajetória. Por vezes como espectador/contemplador. Depois, quando chegou a hora de rever o material digitado, Irene foi de extremo rigor. Sempre com delicadeza, procurava a palavra exata, a expressão correta para cada situação. Outro momento marcante foi quando, com a ajuda de sua filha, Irene foi selecionando as fotos de sua vida (um momento que não esqueço foi algo que ela me contou: o pedido da filha, que colocássemos uma foto de Irene lendo o jornal. Era para representar uma faceta dela. Irene é uma leitora voraz de jornais. Motivo de brincadeiras na família e até do Toco, o cachorro deles). Irene é uma pessoa fascinante. Defino sua trajetória como uma ou várias buscas do essencial. Ela, tanto na arte como na psicoterapia, atravessa aquilo que aparece como obstáculo aparente e vai em busca de algo primordial. Não foi à toa que deixou o cinema quando estava no seu auge. A pornochanchada tinha tomado muito espaço no cinema brasileiro e Irene não queria protagonizar esses filmes. Isso não quer dizer que havia um preconceito nesta sua postura. Não. Porém, além de não lhe apetecer, queria algo mais estimulante para o ser. Estava preocupada com questionamentos mais sérios, mais humanos e num âmbito universal. Precisava encontrar a Psicologia. Irene queria apreender si própria, o outro e o mundo. Esta biografia não é apenas um relato de acontecimentos históricos de sua vida. Ela é também uma reformulação de todo o seu passado, através de um olhar vivo e presente. Significados atribuídos por experiências já atravessadas tomam maior valor com a sabedoria adquirida. Isso era muito consciente no seu posicionamento, em cada pergunta minha, buscava, não somente no arquivo do passado, aquela situação específica, mas também o que sentia, intuía e pensava atualmente sobre os diversos fatos. Acredito que somos duplamente beneficiados. No primeiro momento, ela nos dá o relato das experiências no seu sentido factual; num segundo momento, ela nos dá a análise pormenorizada e fenomenológica de como atribui valores a esses fatos subjetivos. Isto é visto sem divisão alguma, mas como um todo. Sua análise de se autobiografar se aproxima, guardadas as suas devidas proporções, de um aforismo de Nietzsche, O fato em si não existe, tudo é interpretação. Irene mensura-se numa perspectiva ampla: É a atriz, é a psicoterapeuta. Mas ela não é só isso, arte e psicoterapia, que são as formas de dois veículos que utiliza para trafegar neste mundo. Irene transcende seus próprios rótulos. Antes de qualquer coisa é uma pessoa que está preocupada com o mundo, quer entendê-lo, busca uma expansão do ser. O cinema, por um momento, ficou sem uma estrela, mas Irene se tornou um ser humano muito mais completo, realizado, pleno. E como uma estrela brilha por muitas eras, Irene ressurgiu no teatro, no cinema e nos oferta, restabelece o seu encanto. Germano Pereira setembro de 2006 Aos meus queridos filhos, Rodrigo e Sandra Irene Stefania Começo de Conversa Eu sou uma pessoa que não gosta de falar muito. Enfim, sei que tenho que falar sobre mim, sobre a minha vida, minha carreira. Porém, não me atenho muito aos detalhes das situações, não fico presa a eles e, às vezes, nem me lembro exatamente como aconteceram. Claro que isso não é um problema de memória, porque não tenho dificuldades de decorar textos, e também na minha vida particular a memória não me escapa. O que exatamente acontece, já que vamos fazer uma biografia minha, é que esses fatos que marcaram a minha vida no passado, e que acabaram por me formar, servem de base para eu fazer uma análise de como os enxergo neste momento presente. Isso que é interessante para mim, assim torno este trabalho uma coisa viva e não simplesmente o relato pormenorizado da experiência X ou Y. Vamos fazer uma biografia, então, quero acrescentar a esse passado algo de novo, que é exatamente esta Irene Stefania que existe neste instante. Capítulo I Minha Infância Você pode não acreditar, mas a verdade é que eu era muito sapeca quando criança. Acho que me conhecendo hoje as pessoas não imaginam isso. Meu lado sapeca está escondido em atividades que revigoram meu astral e me fazem sentir um estado de liberdade comigo mesma. É meu lado sapeca que me acompanha por toda a minha vida, como uma renovação. Até os meus oito anos de idade eu morei em Cubatão, no litoral paulista. Meu pai era gerente de uma firma. Uma fábrica de produtos químicos, como anilina e outros componentes que não me lembro mais exatamente quais; eram muitos. Ele veio da Alemanha justamente para ser gerente dessa fábrica. Eu nasci em São Paulo, mas em Cubatão, morávamos numa casa supergostosa, com piscina, jardim, um ar maravilhoso. Assim, eu tinha toda a liberdade do mundo, brincava solta. Adorava brincar com os moleques na rua. Foi uma infância bem gostosa. Eu não era filha única, tinha um irmão, que faleceu em 2005, e uma irmã, mas eles eram muito distantes. A diferença de idade era grande. Meu irmão era oito anos mais velho e minha irmã era seis anos mais moça do que eu. Crescemos praticamente como se fôssemos três filhos únicos. Enquanto um estava vivendo uma determinada fase da vida, o outro já estava em outra etapa. Ou seja, essa distância de tempo impossibilitava que compartilhássemos os mesmos momentos porque cada um, psicológica e afetivamente, estava determinado a buscar situações diferentes. Isso não tirava o carinho que tínhamos um pelo outro. O afeto que tivemos e temos é marcante pra mim. O nosso lar era muito gostoso e ao mesmo tempo divertido. Eu me lembro que senti uma enorme diferença quando com oito anos nos mudamos de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Como minha infância em Cubatão tinha sido muito boa, aquele novo ambiente do Rio de Janeiro me deixou, nos primeiros momentos, ressabiada. Acho que toda mudança traz consigo um pequeno silêncio da insegurança do que está por vir. Ficamos mais alerta nesses momentos e tudo nos marca. Com oito anos de idade, no Rio de Janeiro, esse universo espetacular, me incitava a continuar meio sapeca. Deixei o modo ressabiado de lado e agora pressentia que tempos bons estavam por vir. O que mais podia ser? Estava no Rio de Janeiro, com aquele sol todo, ou seja, acho que não há maneira de uma criança ficar recolhida e introvertida, há? Até as menos desfavorecidas financeiramente têm a oportunidade de desfrutar uma paisagem deslumbrante todo dia. Então, toda aquela natureza, contato direto com a beleza de uma cidade maravilhosa, só fazia com que eu ficasse ainda mais viva e sapeca. Lá no Rio eu morava na Rua Bogari, travessa da Rua Fonte da Saudade, no bairro Lagoa Rodrigo de Freitas. Enfim, uma localização perfeita, que tinha lugares ótimos para se divertir, descansar e brincar. A Rua Bogari era uma ladeira maravilhosa para as crianças descerem de patins, patinetes, bicicletas. Eu acabava aprontando muito, caía no chão, me machucava, jogava Queimada na rua. Resumindo, era uma moleca. Queimada era aquele jogo com bola. Um tem que jogar a bola no outro. Não pode deixar a bola cair. Por exemplo, quando alguém jogar a bola ou você a segura ou você a deixa passar sem te encostar. Se encostar em você e cair no chão, adeus. Acho que em cada cidade eles chamam este jogo com um nome diferente, ouvi uma vez que podia ser chamado de Mata Soldado. Na verdade, era tudo o mesmo. A minha mãe não brigava muito comigo. Ela era muito liberal. Aceitava facilmente minhas traquinagens. Meu pai era alemão, um pouco mais severo. Minha mãe era brasileira, mas também descendente de alemão e tcheco. Meu pai era uma pessoa mais autoritária do que a minha mãe. Mas nem por isso eu não tinha as minhas liberdades. Ele me deixava fazer muita coisa. Eu me lembro uma vez, isso foi em... Bem, não vou lembrar a data agora. Eu tinha seis, sete anos. Estava junto com uma prima, em um restaurante que nós tínhamos ido com a empregada para pegar comida. Daí eu falei pra minha prima, vamos nos esconder da empregada. Ela topou na hora. Então, eu disse, vamos nos esconder e depois a gente dá um susto nela. Só que a gente se distraiu, coisa de criança. Ficamos fazendo um monte de coisas na rua e quando vimos ela já tinha passado, ido embora. Ela não viu a gente e simplesmente voltou para casa. Eu e minha prima ficamos esperando, esperando. O pior foi chegar em casa e ver os meus pais aflitos. O meu pai falava assim para minha mãe: Bate nelas, e minha mãe dizia: Eu não bato, bate você, e meu pai insistia e minha mãe também. Ficava um impasse que não dava em nada. O que era engraçado, e confortador ao mesmo tempo. Será que não era melhor ter apanhado um pouquinho? Brincadeira. Eles eram uns fofos. Meu pai também, mesmo sendo alemão severo, disciplinado, gostava das coisas todas certinhas, acabava que era um mestre na educação. Os dois ensinavam pra mim e pra minha prima o que era certo ou não fazer. O melhor, sem bater, só na palavra. Capítulo II A Minha Liberdade O meu pai passava uma imagem muito formal com todos aqueles detalhes e ordens. Mais tarde, quando já tínhamos aquela oportunidade de opinar sobre nossas vontades, essa característica de meu pai veio a refletir de maneira específica em minha personalidade. Queria ser exatamente o oposto dessa formalidade que meu pai ensinava. Por isso que não gosto muito de coisas formais. Talvez porque nessas coisas formais eu me sinta um pouco aprisionada. Uma sensação de estar fechada nesse universo. Nessa situação é como se eu precisasse me comportar direitinho para estar em paz com todo o mundo. Mas essa reação não era e não é a minha verdade. A minha verdade é ser muito livre, é ser uma pessoa, ter uma liberdade de ação e de pensamento que a formalidade não permite. A minha liberdade transcende a minha formalidade. Posso ir até um limite com ela, depois sou obrigada a ser livre. Isso não quer dizer que eu seja uma fera louca. Não nesse sentido. Eu sou muito comportada. É uma liberdade que encontro no meu universo. Só meu. Muito particular e eu gosto de respeitá-lo. A Lagoa Depois da Rua Bogari a gente se mudou para Ipanema. A minha referência no Rio de Janeiro é a Lagoa. Eu morava perto da Lagoa, na Rua Bogari, ia todo dia passear na Lagoa, perto da igreja de Santa Margarida Maria, supergostoso. E mudei para Ipanema, na Rua Nascimento Silva, que porventura também era bem pertinho da Lagoa. Então, mais uma vez a Lagoa. A Lagoa da minha vida, do meu coração. Minha formação. Quando mudei para Ipanema eu ainda estava morando com meus pais, só depois quando eles vieram para São Paulo que fui morar sozinha. Eu continuei no Rio. Aí foi que comecei a fazer os filmes, quando estava sozinha. Falo sobre isso um pouco mais adiante. Fui criada para estar no palco Eu propriamente não me via na minha mãe, quer dizer, do jeito que ela era. Por isso não tinha vontade de usar o batom, o vestido, o sapato dela. Agora, como brincadeira, como personagem, desde pequena gostava disso. Aliás, eu fazia muita coisa de personagem. Criava espontaneamente o meu teatro quando era pequena. Eu adorava, montava as cenas, brincava de números e não tinha vergonha, senso de ridículo, censura, essas coisas que muitas vezes nos bloqueiam e não nos deixam ser. Minha prima também não tinha vergonha nenhuma. Nós duas fazíamos sempre teatrinhos. Um teatro engraçado em que a gente improvisava tudo, dançava, cantava. Fazia pecinhas, inventava esquetes. Era um verdadeiro teatro criativo e nós nem sabíamos. O melhor de tudo é que não apresentávamos somente para nossos pais, não, o negócio era maior. Vinha toda a vizinhança, os amigos da minha mãe, os nossos amigos. Um monte de gente. Íamos apresentando assim para o público mais informal. Agora eu me lembro uma vez que eu fui fazer uma peça, a gente leu numa revistinha uma historinha de uma patroa com uma empregada. Só que estava lá no livrinho que a empregada era negra. As duas eram brancas, portanto precisávamos tomar uma providência. Minha prima tomou a dianteira e foi fazer a empregada. Qual foi o jeito que a gente deu pra ela ficar preta? Pegamos uma rolha queimada e ela se pintou toda, não só o rosto, mas o corpo todo. Eu não vi o processo dela se maquiar. Estava treinando minha dança, porque eu ia apresentar outra coisa. Quando começou a cena da empregada e que eu vi a cara dela toda preta... Ela com um olhão brancão grandão. Tinha um olho enorme e com aquela tinta toda que estava só o branco aparecendo. Olhei pra ela e caí na risada. Não conseguia mais parar de rir. Não consegui mais fazer a cena, e foi uma catástrofe porque ela olhava brava para mim, como se dissesse: Você tem que fazer o personagem, tem que levar a sério, senão vai estragar tudo. O público que estava lá ficava batendo palmas, querendo que continuássemos, que tivesse a cena de fato. Eu tive um ataque de riso e não conseguia parar mais porque era muito engraçado. Eu tenho a característica de ser meio introvertida, mas quando era novinha, fazer teatro era uma coisa natural, a timidez nem passava pela minha cabeça. Eu já estava acostumada a me apresentar. Fazia apresentações de balé, de piano. Acabei me acostumado com o público. Era uma coisa que fazia parte da minha vida. O meu pai é que não gostava muito, porque a cada apresentação era uma nova fantasia, cada vez mais extravagante e cara. No fim, ele tinha que pagar, é claro. Eu adorava aquelas apresentações que a gente fazia todo ano lá no Rio, no Teatro João Caetano.Era uma mescla de teatro com dança. Quando era pequena, na verdade, eu queria ser bailarina. Era miudinha, meio inexpressiva, mas quando me apresentava eu me lembro que as pessoas gostavam muito. Era interessante essa transformação. Eu, Irene, sem graça, me transformava no palco. Balé, Bach e Beethoven Quero falar um pouco da experiência da minha adolescência e das mil coisas que fazia. Nesta fase eu já era muito mais comportada. Fazia muitas coisas, tinha muitas tarefas. Adorava dançar balé. Era uma boa bailarina. Apesar de balé ser um trabalho bem formal. Minha mãe era fascinada por música. Inclusive, tinha uma coisa bem interessante que ela não deixava de fazer: ela gostava de reunir os amigos para ouvir Bach e Beethoven. Gostava daquele universo. Por isso queria que eu estudasse um instrumento e fui fazer piano. Fiz formação inteira de piano, até o último ano do conservatório. Eu também gostava de piano, mas não tenho um grande talento musical. Eu tocava bem, estudava bastante, era dedicada, mas eu não tenho essa inclinação, talento para a música. Foi interessante na minha vida conhecer esse universo. Eu gostava de tocar Bach, descobrir os temas das músicas nas entrelinhas delas. Buscar onde estava o tema, porque Bach varia muito, uma hora põe um tema aqui, outra hora põe o tema ali. Tinha que ficar caçando-o. E o tema é posto em pontos diferentes, por exemplo, ora na mão esquerda ora na mão direita, depois volta para a esquerda. Isso em um jogo de intensidade, mais volume, menos volume, brilho. Era isso que eu gostava de descobrir nas músicas. Na adolescência eu era uma excelente aluna, uma das primeiras da classe. Eu me lembro de ter tirado o primeiro lugar no ginásio, em todos os anos. Tinha muita disciplina. Ela é necessária para conseguirmos o que queremos na vida. É claro que essa disciplina teve duas fases distintas. No começo eu gostava de estudar, de ser aplicada, mas depois eu já comecei a gostar de outras coisas, no colegial já comecei a freqüentar festas e tal. Não era mais tão dedicada. A disciplina tinha sumido, não posso mentir. Veio o namorado, isso na adolescência me desvirtuou de toda aquela vida regrada que tinha, tenho que confessar. Gosto pela interpretação musical Fiz nove anos de piano. O meu professor era o Guilherme Mignone, irmão do compositor Francisco Mignone. Ele me fazia tocar bem direitinho, não podia errar nunca. Acabou que era um pouco tenso para mim, ainda mais que eu não tinha uma vocação natural para a música. Eu me esforçava porque eu gostava era de trabalhar a interpretação da música. O universo musical não era o meu universo. Não me sentia um peixe dentro da água. Quando tocava em conjunto de câmara – um conjuntinho, com violino, violoncelo, piano – era muito instigante, porém, eu percebia que todo mundo tinha muita facilidade com ritmos, com som, em perceber notas erradas e eu, ao contrário, não tinha esta facilidade. Acabava me frustrando. O que me tirava o peso da frustração era a facilidade que eu tinha para interpretar. Segundo meus professores, eles gostavam muito da minha interpretação da música no piano. A importância da atividade física em todas as idades Do balé eu sempre gostei, gosto até hoje. Só não faço mais, mas eu gosto de fazer meus alongamentos, de fazer minha ginástica. Ir para a academia. Duas vezes por semana, quando dá tempo, eu faço um pouco de musculação que é para não perder a musculatura. De vez em quando eu ponho uma música no rádio e fico dançando. Pode ser em qualquer lugar e com quem estiver do meu lado. Com a família, amigos, amigas, até sozinha eu danço, quando dá vontade. Nas festas de carnaval Ah, o carnaval. Eu adorava me fantasiar nesta época, aliás, eu adorava o carnaval quando era pequena. Hoje em dia não gosto mais. Quer dizer, não é que não goste, é que eu prefiro aproveitar os dias de carnaval para ir para a praia, para algum lugar, como no campo, num lugar mais deserto, com bastante tranqüilidade. E o carnaval acaba sendo uma época boa para curtir isto. Por falar no carnaval e minha paixão por ele, acho que gostava mesmo era do grande teatro que era o carnaval. Sabe, tinha que ir fantasiada, com um personagem, essa coisa do não-cotidiano, do não-corriqueiro. Isso é o que me fascinava no carnaval, onde todo mundo se tornava diferente, onde todo o mundo era um personagem, você podia brincar à vontade, não tinha a seriedade. Romper laços Depois da fase da disciplina, da indisciplina, teve a terceira fase, a de ser mais transgressora, de não fazer a vontade dos meus pais. O que eles queriam é que eu achasse um namorado, que fosse bonitinho, ficasse noiva e me casasse. O que é que eu fui fazer? Fui ser atriz. Imagine ser atriz naquela época – ainda não era uma coisa muito aceitável pela sociedade e por minha família que era um pouco conservadora. Tudo lutava contra, é claro. Foi um pouco difícil convencer os meus pais que eu queria fazer teatro, mas eu era um pouco rebelde. Assim, fui fazer aquilo que eu queria. Eu sou muito acessível, muito cordata. Faço muito o jogo do outro, desde que eu não esteja fazendo só a vontade do outro. Eu sigo aquilo que é o meu desejo, não importa se meu pai quer, se minha mãe não quer, ou sei lá quem quer. Na realidade, os meus pais não chegaram a negar a profissão de atriz. Eles só não gostavam muito. Eu acho que especialmente minha mãe não ficou muito contente, afinal, até então tinha seguido os seus desejos, projeções. Eu não sei se um dia eu tive que parar para conversar com eles, olha vou fazer isso porque isso e aquilo. Eu conversava bastante, discutia, colocava meus pontos de vista, não era uma coisa assim de eu fazer e pronto. Eu sempre tentei me relacionar bem com eles. A psicoterapia Desde cedo eu gostava de ouvir os outros. É isso que faço na psicoterapia. É ouvir os outros o tempo todo, estar muito aberta. Você tem que deixar o terreno livre, criar um terreno propício, para que o psicoterapeuta e o paciente descubram juntos qual é o melhor caminho para o paciente. Não é impor nenhum valor seu. O psicoterapeuta tem que ser o mais isento possível. Eu sempre fui de gostar de conversar com as pessoas. Deixo elas se colocarem e acabo me posicionando em cima de suas perspectivas. Nesses embates, eu sinto que, às vezes, as pessoas mentem com o inconsciente, para elas próprias. Mas claro que isso se dá de maneira obscura. Isso me incomoda, eu também faço estas coisas que a sociedade exige, mas me incomoda um pouco. Sabe aquela história de que a gente tem que ser assim ou assado, e acabamos nos comprometendo com aquele conceito: Ah, não vou falar isso porque vai incomodar o outro. Não, eu acho que devemos lutar e estarmos alertas. Às vezes, eu gosto de falar e acho que incomodo. Porém, de certa maneira, no meu trabalho eu tenho que falar porque o processo da análise exige. Tem pessoas, por exemplo, como o Rodolfo Vázquez, diretor dos Satyros com Ivam Cabral, que diz que eu sou muito tranqüila e, de repente, tenho um negócio, um siricotico. Concordo com ele e com outras pessoas que dizem a mesma coisa. É normal. No meu processo é assim, às vezes, não falo nada e, de uma hora para outra, destrambelho num falatório infindável. O meu silêncio Eu, de certa maneira, nas entrevistas para a imprensa, sempre quis manter minha personalidade e chegava ao extremo de, às vezes, não querer falar nada com os jornalistas. Se eu tivesse vontade de falar, falava, senão ficava calada. Agora por outro lado, quando as entrevistas têm um intuito sério, eu não vejo problema. Como neste trabalho de fazer uma biografia. Ele é um processo de escrever a própria vida. Ele pode se tornar como um projetor revelador do próprio eu. De estar me vendo, me sondando, me reformulando ou vendo o meu passado de outra forma, outra perspectiva ainda não pensada. Como é que eu me enxergo hoje neste trabalho mútuo, nessa improvisação da vida. É uma forma de eu me olhar no espelho e enxergar de dentro pra fora. É como se a cada momento em que formulamos minha biografia, isso não fosse simplesmente uma reformulação dos acontecimentos marcantes que tive no passado, mas algo a mais. É essa importância de reformular o passado com o que penso hoje que tem valor. E as situações específicas, que aconteceram em minha vida, não têm importância no quesito da descrição pormenorizada dos detalhes de como e onde se deram. Tudo fez parte da minha vida mas, enfim, já passou. Não fico chorando o leite derramado. O que importa é o que eu apreendi com aquele acontecimento, o que está marcado em mim daquela situação passada. O acontecimento em si é mero objeto de reflexão. Na verdade, há uma transcendência deste em busca do presente para assim acontecer um aprimoramento. Então penso e me posiciono de determinada maneira. Como é que aquilo foi uma etapa da minha evolução para chegar onde estou agora. Como isso ecoa na reflexão de minha trajetória? Essas reflexões são interessantes. O gosto pelo real Eu não gostava muito de brincar de boneca. Como era rebelde, gostava de coisas muito vivas, muito dinâmicas, corporais. Jogar bola e fazer comida de verdade. Não de mentirinha, eu gostava do real, da coisa que desse um resultado. Eu me lembro que eu ganhei um fogãozinho, daí foi uma festa. Toda hora eu estava lá cozinhando de verdade. Afinal, comida de verdade dava para comer de verdade, ao contrário, comida de mentira fazia com que mentíssemos na brincadeira até no ato de comer. Optava sempre pelo real. Engraçado isso. Não é que eu não tivesse interesse por brincadeira de criança. É que eu já era tão fantasiosa que essa postura me colocava um pouco com os pés no chão, ou seja, a fantasia tinha que ser prática para ter uma utilidade real. Eu tinha que ter uma coisa bem viva, fazendo ou criando alguma coisa que tivesse um resultado muito presente. A comida era de verdade, ora bolas. Eu era muito introvertida, então eu precisava de coisas concretas. Jogar bola. Interagir com o outro. Eu necessitava disso. Desde criança eu tinha um universo muito meu, muito voltado para a percepção e a imaginação. Por isso, necessitava me ancorar no mundo real, limitado, porém, concreto. Minha mãe A minha mãe era bastante compreensiva, me entendia bem e respeitava minha maneira de ser. Ela seguia a Rosacruz, depois participava dos encontros com Humberto Rohden, que escreveu vários livros. Tinha uma necessidade de ficar sempre evoluindo. Usava a religião para isso. Quando criança, eu achava minha mãe bem liberal. Deixava a gente fazer as coisas, experimentar. Menos quando eu quis seguir a minha carreira, a arte. Ela foi resistente. Percebi o quanto ela era conservadora, queria mesmo que eu casasse, que tivesse filhos e construísse uma vida muito certinha. Meu pai falava pouco alemão em casa, praticamente só nas refeições. A gente conseguia entender algumas coisas. Alemão é uma língua bem difícil. Quando os meus pais queriam falar entre eles, não precisavam se preocupar porque falavam em alemão. Só falavam um pouco mais rápido do que o normal porque daí sabiam que a gente não ia entender nada mesmo. Na realidade eu tinha um pouco de rejeição com relação ao alemão porque eu nasci durante a 2ª Guerra Mundial. Aliás, meu nome tem um significado que meus pais me deram por causa daquela época turbulenta. Irene significa Paz. Meu nome é símbolo da paz. Irene é um nome grego. Eu nasci em 1944, um pouco antes da guerra acabar, então por isso sofri o eco daquela fase nefasta. Daí a indisposição em aprender a língua alemã. O meu pai não veio fugido da Alemanha. Veio convidado de um cargo de engenheiro e porque queria conhecer o país. Na Alemanha eu não sei exatamente onde ele trabalhava. Meu pai não era nazista. Digo isso até porque na época de apogeu deste movimento, em que a maioria dos alemães incentivava Hitler, meu pai já morava no Brasil. Ele veio para cá por volta de 1933, 35. Portanto, não fez parte daquela onda pró-Hitler, mas com certeza teve problemas por ser alemão. Quando fui para a Alemanha, em 1970, senti que os alemães jovens se sentiam muito culpados perante o mundo, e eu, por tabela, também. Eu, quando pequena, não gostava de ser filha de alemão, achava ruim, não gostava. Sardas, branquela, olhos azuis Eu morei no Rio de Janeiro, e o Rio de Janeiro tem um padrão. O carioca é muito bairrista. Tem um padrão e ponto final. Quem não pertence a ele, cai fora. Talvez esse meu jeito de não gostar de rótulos é um pouco do que eu vivi. No Rio eu era um peixe fora d’água. E eu tinha um tipo muito diferente deles. Eu não estou falando que eu me sentia rejeitada. Eu era entrosada, tinha muitos amigos. Mas eu sentia que tinha uns rótulos no Rio. O de ser morena, por exemplo. Se você está um pouquinho mais branca, diziam: Vai para a praia, você está muito branquela. Como eu era muito branca e vivia no sol, acabei ficando com um monte de sardas, e estragando bastante a minha pele. São Paulo, ao contrário, tem uma diversidade muito grande. Esse tipo de coisa eu gosto. Eu nunca fui apaixonada por São Paulo, eu sentia muita falta do Rio. Hoje já gosto de São Paulo e não sinto tanta falta do Rio de Janeiro. Mas como amei o Rio! Ele fez parte do período mais importante da minha vida. Minha matriz de identidade é o Rio de Janeiro. Quando eu sonho, sonho com o Rio de Janeiro, a Lagoa, com todos aqueles pontos que fizeram parte da minha vida. Esses lugares estão calcados profundamente dentro de mim. Pra mim, São Paulo tem outro significado. Todo o Rio de Janeiro era minha casa. Em qualquer lugar que estivesse me sentia à vontade. São Paulo não, o único lugar que me sentia realmente à vontade era em minha casa. Não penso em voltar a morar lá. Agora eu estou feliz, satisfeita aqui em São Paulo, mas o Rio fez parte fortemente da minha vida. Eu fiquei lá dos 8 até os 32 anos de idade, mas que foram decisivos para a minha vida, para a minha personalidade. Foi uma fase de formação. Filosofia na USP Fiz filosofia lá na PUC do Rio de Janeiro e um pouco na USP, em São Paulo também. Porém, quando me mudei para São Paulo, para estudar filosofia, eu estranhei a cidade, as pessoas, e me sentia desamparada afetivamente, sem a turma do Rio. Naquela época não queria estudar aquela teoria abstrata da filosofia. Isso tirou minha concentração e me fez ficar ligada apenas na minha vontade e nos meus desejos, que diziam não à filosofia. Foi exatamente isso, hoje enxergo com clareza, na época não sabemos exatamente o que nos move. Lá no Rio eu estava acostumada. Na USP era tão teórico, mas tão teórico, que era desconfortável naquele momento. Daí que eu voltei para o meu eixo, a psicologia. A filosofia, apesar de hoje eu respeitar e ter vontade de estudá-la novamente, não estava me acrescentando coisa alguma. Eu vi que as pessoas eram reais, que sentiam, choravam, cheiravam, olhavam. Eram pessoas de verdade. Na filosofia eu não tinha contato, era tudo muito intelectual, demais da conta, eu fiquei meio perdida por causa disso, aí eu voltei para o Rio. Na época, psicologia estava muito concorrido, e acabei fazendo a segunda opção, filosofia. Depois que consegui entrar no curso de psicologia introverti-me um pouco mais, talvez por causa da reflexão profunda que se exige do objeto dos sentimentos. E quando estava com os meus filhos achei que era mais interessante e adequado para a situação financeira estabilizar-me na carreira de psicoterapeuta, já que a artística era muito instável. Assim podia cuidar dos meus filhos de maneira segura. Arte e o acaso A arte sempre me puxou para esse mundo dela. Não podia negar. Ela também me dava milhões de alimentos que sentia falta. No entanto, a arte, o cinema, aconteceram por acaso. Eu já tinha feito teatro em São Paulo e um belo dia estava em casa sem fazer nada, meio perdida mesmo no meu projeto de vida, e um amigo me ligou dizendo: Vamos levar uma menina lá, pra fazer um teste, lá na Urca... Você está sem fazer nada, vamos passear um pouco?. A gente foi, chegamos lá, me olharam de cima a baixo e falaram: Não quer fazer o teste também? E aí eles fizeram um teste comigo também. A meni na era linda, mas era muito novinha para o pa-pel, e tinha perfil de modelo, que não era muito o tipo para a personagem. Fizemos um teste fotográfico e eu me lembro que foi decisiva a opinião da atriz Glauce Rocha quando o Carlos Alberto de Souza Barros perguntou: Qual dessas você acha a melhor? E a Glauce falou: É essa aqui. E apontou para mim. Ela foi bastante responsável para eu começar a minha carreira de atriz profissionalmente. O teatro como a vida Até então eu tinha feito pouco tempo de teatro num cursinho. Mas eu sabia que aquele breve período tinha servido de base para eu dirigir o meu destino. Quando eu fui fazer o meu primeiro filme, O Mundo Alegre de Helô, é que eu tive noção do que era ser atriz. Eu me lembro uma vez que tive dificuldade em uma cena e reclamei: Eu não quero ser atriz. Eu não estava preparada e fui logo de cara fazendo o papel principal. Foi uma avalanche de responsabilidade na minha vida, assim, de repente. Era uma quantidade grande de novas experiências, que mal dava tempo de digeri-las. Podia dizer que eu, praticamente, não tinha experiência nenhuma. Tive que aprender diretamente na prática com a ajuda de várias pessoas que cooperaram para isso acontecer. Fui aprendendo principalmente com o diretor Carlos Alberto de Souza Barros, que foi me instruindo de forma direta e objetiva. Na verdade, o cinema não é muito difícil, tanto é que qualquer amador pode ser um bom ator, dependendo do papel, é só ser expressivo. Então, no fim, eu acho que foi fácil. Mas a sensação inicial foi assustadora. A câmera como aliada Para mim foi assim em O Mundo Alegre de Helô. O personagem certo na hora certa. Era um papel que eu tinha facilidade para representar na vida, mais exatamente para a câmera. Às vezes, a câmera atrapalha bastante algumas pessoas. Para mim não. Logo de cara, tive intimidade com ela, esse olho que escuta e vê tudo, cada movimento, cada sentimento nosso. Eu gosto da câmera, tenho empatia por ela, é minha aliada e não a transformo num bicho-de-sete-cabeças. É algo simples, que está ali na sua frente, e que faz parte de toda a situação. Eu me expresso bem quando vem a câmera, me dôo para ela. Às vezes, eu sou uma pessoa introvertida, tímida, mas se você põe a câmera na minha frente algo dentro de mim se mostra. Os diretores é que falavam, põe a câmera em cima da Irene e ela se revela. Então, tem um pouco disso, tanto é que eu me lembro que tinha uma pessoa que foi fazer teste comigo e ela dizia assim: Eu não imaginava que a Irene pudesse fazer um filme, pudesse ficar tão bem, ela é assim, tão nada. Não falaram tão nada, mas falaram com essa conotação. Não ia contar quem disse isso, mas não tem problema, foi o assistente de direção do Carlos Alberto de Souza Barros. Ele ficou espantado de ver, no final, o resultado e disse diretamente para mim: Irene, a gente não imagina que colocando a câmera na frente de você vai surtir um efeito completamente diferente do que a gente vê na realidade. Situações propícias Na verdade, não acredito muito na dificuldade de atuar no cinema. É claro que se não estivermos dentro da situação, do personagem, fica muito difícil ser verdadeiro. Eu ainda não tinha noção de todos esses esquemas estruturais da partitura do ator. Ainda bem, naquele momento só me atrapalharia. Era um talento natural, uma facilidade. Não é que era fácil. Também não me acho assim tão poderosa, mas eu fui educada dessa forma, as coisas na minha vida foram aparecendo de maneira espontânea. E era para eu ser artista de alguma forma. O ator que funciona É engraçado, mas existe um tipo de ator que, quando está ensaiando, não se percebe o que ele vai ser na hora do palco. Eu devo ser uma atriz que no ensaio as coisas não se mostram. É que aparece de forma menos intensa, desajeitada, não harmônica. O vigor toma forma completa, exatamente na hora em que estou em cena, quando é pra valer. Pra mim é normal esse tipo de entrega porque eu gosto mais de estar 100% só na hora, é uma tendência minha. Os diretores podem reclamar, mas essa inclinação faz parte da minha naturalidade. O grande amparo O Mundo Alegre de Helô era baseado na peça Rua São Luiz, 27 – 8º andar, de Abílio Pereira de Almeida, famoso dramaturgo do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC. O roteiro foi do diretor e de Nelson Rodrigues. Trabalhava diretamente com o diretor Carlos Alberto de Souza Barros. Meu parceiro era um jovem ator de São Paulo, Luiz Pellegrini. Ele fazia Nando, estudante de arquitetura, que conhece a filha de uma amiga de sua mãe, Helô. O romance é ameaçado por intrigas e a descoberta da gravidez da moça, que vem a morrer de aborto. Eu achei superdivertido filmar. Era um trabalho em que a gente se divertia ganhando dinheiro. Apesar de eu não ter tido a formação para ser atriz, às vezes, até era fácil. Fazia e dava certo, então foi bom, não tinha nada do que reclamar. Quem também estava no filme no começo da carreira era a minha futura amiga Leila Diniz. Pelo filme eu ganhei o prêmio revelação feminina no Festival de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Cléo e Daniel Eu me lembro quando, numa locação, deram para mim um livro que se chamava Cléo e Daniel, do psiquiatra Roberto Freire. Recordo ter gostado tanto que acabei lendo o livro todo ali no set de filmagem. Depois, o Roberto me convidou para fazer o filme. As coisas realmente não estavam acontecendo por acaso, havia uma sintonia no que eu estava sentindo e todo o resto que estava à minha volta. Mas não ocorreu tudo assim tranqüilo. Teve um dia – foi em O Mundo Alegre de Helô – em que eu achei que tinham me dado uma cena difícil demais, não conseguia fazer, fiquei bem nervosa. O Renato Machado deu uma grande força. Ele me disse algumas coisas que definitivamente me ajudaram. Não me lembro exatamente o quê, mas era aquele tipo de discurso que no momento certo nos impulsiona a resolver a questão. Mas infelizmente o filme não encontrou seu público. Para meu parceiro, foi escolhido o fotógrafo Chico Aragão, outro que não prosseguiu carreira. Por coincidência, no elenco, havia também outra iniciante, que logo iria virar estrela, Sônia Braga. Cléo era uma personagem bonita de classe média alta, que namorava o Daniel, que era uma pessoa de classe média baixa, não tinha muito dinheiro, era muito problemático, com mil problemas psicológicos, e precisava fazer terapia para ficar um pouco melhor. Aliás, ele fazia terapia e a família considerava muito alto o valor das sessões, pelas posses que tinham, então acabavam se perturbando um pouco com isso. Eles namoraram e tiveram aquele romance bem de adolescente, vão para uma cachoeira, tomam banho pelados, e assim vai. Mas o personagem dele tem um processo tão destrutivo que, no final do filme, ela embarca na dele, e os dois acabam morrendo, se suicidando. Fluência Depois que peguei fluência, fui gostando da profissão, para se ver como tudo é relativo e como os nossos conceitos e sentimentos dependem diretamente do exato momento que estamos vivendo aquelas determinadas coisas. E me lembro do Renato Machado em O Mundo Alegre de Helô, que na época era ator – hoje é repórter e apresentador da Rede Globo –, também ter me dado uma grande força numa cena em que eu tinha que ficar brava. Ele ficava do meu lado fazendo um movimento com a mão, como dizendo para que eu crescesse na cena. Ficava orquestrando. Dependendo da minha reação mexia mais ou mexia menos com o braço. Dizem que o Glauber Rocha fazia isso também, principalmente em Terra em Transe. É fenomenal, ajuda muito. E no meu caso, ele fazia cada vez mais com o braço, cresce, cresce, cresce, cresce, até o momento que minha razão não dominava mais e estava completamente entregue àquele sentimento de raiva, necessário naquele momento. A participação dos colegas no meu trabalho também foi fundamental, me senti completamente amparada por eles. Arte versus comércio Eu só me lembro assim, que esse filme, Garota de Ipanema, tinha muita expectativa gerada em torno dele, porque era a Garota de Ipanema e tal e o próprio filme tinha uma pretensão comercial muito grande. A minha visão é que Leon Hirszman, por conta disso, estava muito inseguro, por isso é que ele convidava tanta gente para falar, para dar palpite, para falar sobre o filme: o que achavam, qual era a visão do filme, isso e aquilo. Não foi um filme marcante na carreira do Leon, não, eu acho que era como se estivesse querendo fazer o cinema novo virar comercial. E não conseguiu, ou mesmo não deu certo, essa proposta. Acabou ficando num meio-termo. O processo de criação, de formação de persona-gens quem fez foi o João das Neves e, também, o Luiz Carlos Maciel. A formação do personagem a gente fazia lá no Teatro Opinião, que era o nosso Teatro Arena aqui de São Paulo. Fizemos as oficinas durante pouco tempo. A oficina que a gente fez com o Roberto Freire foi bem mais longa, dois meses fazendo laboratório, expressão corporal, trabalho de voz. A Márcia Rodrigues foi descoberta nesse filme, com esse papel que era o perfil do personagem. A Márcia é uma mulher bem interessante, inteligente, articulada. Era a Garota de Ipanema mesmo. Nesse filme tinha um monte de gente, Chico Buarque inclusive. Ele fazia uma participação. E me lembro que eu tinha uma ceninha com o Chico e que eu falava num terraço, falávamos alguma coisa que não me lembro exatamente o quê, mas era assim, breves diálogos e o que prevalecia era a bela fotografia. O filme não tinha uma história, era mais a apresentação de várias pessoas, como se fossem aparições de personagens ilustres. Mas, antes de tudo, é um registro, um cartão-postal da cidade. Minha brancura Aliás, o meu perfil sempre foi um problema, pelo menos dentro de mim, porque os diretores e as pessoas que faziam casting (seleção de elenco) nunca me falaram isso objetivamente. Era mais uma sensação. E acabou sendo uma coisa muito difícil na minha vida profissional, porque eu era muito branca no Rio de Janeiro, onde a maioria da população é parda, bronzeada, morena. Eu destoava muito e essa coisa me incomodava demais. Isso na minha cabeça. Enfim, mesmo assim eu não ia sustentar uma Garota de Ipanema porque ela deve ser basicamente morena. Isso mesmo, morena, dourada de sol, bronzeada de sol, com marquinha branca do biquíni. E, além do mais, não tinha jeito mesmo, por mais que ficasse no sol, tostando, não bronzeava. Podia ficar vermelha, mas, na verdade, ficava mesmo é pintada. Até que um dia o dermatologista falou: Olha, pára de tomar sol, porque você já tomou sol pra vida inteira. Minha pele ficou muito estragada porque eu morava em Ipanema, ali perto da praia, e ia todo dia. As pessoas iam à praia das 10 horas da manhã até as 4 horas da tarde. Eu queria ver as pessoas, e ia nesse horário, mas minha pele nunca foi preparada para isso. E logo depois que o dermatologista me alertou, veio também o meu pai: Você definitivamente não pode ficar nesse sol de 40°. Eu, rebelde que era, jovem, queria mais é estar com as pessoas. E mesmo com todos aqueles dias de praia eu não conseguia me igualar aos outros. Nelson Pereira Foi aí que surgiu o Nelson Pereira dos Santos e o filme Fome de Amor. Quem me convidou para fazer o filme foi o Paulo Porto. Ele chamou a Leila também; na verdade, não foi o Nelson quem escolheu, era uma produção do Paulo Porto, e nós duas fomos convidadas. Assim, Leila e eu fomos levadas pelo Paulo Porto para o Nelson, mas ele, ao mesmo tempo, era uma pessoa que se dava bem com todo mundo. Vivendo mais próximo do Nelson pude perceber que era uma pessoa que conseguia integrar tudo, de uma maneira tão natural, tão espontânea. As coisas iam acontecendo de uma forma mágica com ele. E apesar de não ter escolhido a gente, Leila e eu, era como se ele tivesse escolhido, porque nos integrou no filme totalmente. O interessante é que ele aproveitava tudo o que a gente trazia para fazer as cenas do filme. Fome de Amor é uma história do Guilherme de Figueiredo, que era irmão do então futuro presidente João Figueiredo. Originalmente, era um roteiro meio quadradinho, até meio pobre. O Nelson fez uma coisa muito diferente, ele ia pegando os elementos do set, que iam acontecendo no dia-a-dia, nas improvisações, até nos momentos de distrações nossos, e aproveitava tudo. O Nelson era um cara que ficava lá no set mesmo, ajudando os atores, coordenando. E com tudo isso, acabou bolando um filme completamente diferente da história original. Tentou adaptar para os dias daquela época, inclusive, politicamente. Por isso saiu bastante diferente do modelo. A gente pegava um barco em Angra dos Reis e ia para essa locação onde estava sendo rodado o filme. Era uma casa, numa prainha isolada de tudo. Um lugar adorável. O Nelson tomava café e ficava escrevendo o roteiro. Ele ficava olhando tudo o que a gente fazia, ficava criando em cima. E enquanto ele trabalhava no roteiro, a gente aproveitava para se distrair em alguns momentos livres. E até isso era conteúdo para o trabalho do Nelson. Isso que dava o nosso passe livre para passear nas filmagens. Por exemplo, um dia eu fui passear de barco, o barco virou e as pessoas ficaram nadando. Como o barco estava virado, eu fiquei em cima do barco remando, então, isso deu para o Nelson outra conotação para o personagem. Não me lembro exatamente qual, ele disse na época, não registrei, acho que estava mais preocupada em me salvar. Eu me lembro que nesse filme a gente dizia: Mas como é bom em vez de trabalhar no escritório ir de barco para o trabalho, que coisa boa, não é? Naquela época o cinema estava em alta, bem forte. Era a época do Cinema Novo, onde se faziam filmes muito políticos. É engraçado, porque as pessoas me dizem que eu fazia parte do Cinema Novo, mas eu não fiz parte do Cinema Novo, propriamente. A gente estava vivendo num período massacrante da ditadura, foi em 1968, com o famoso AI–5. Aquela época agitada e que as pessoas estavam direcionadas para os temas sociais, para o engajamento político, para a liberdade, e tudo isso era feito para a própria burguesia, porque pobre não ia ao cinema. Hoje, aliás, continua a mesma coisa, quem não tem dinheiro, e são muitos, não vai às salas de cinema. Eu não me considero do Cinema Novo, apesar de ter feito filme com o Nelson Pereira dos Santos. Pornochanchada e o meu fim A fase da pornochanchada começou a partir do filme Os Paqueras que o Reginaldo Faria fez, como diretor e ator. Esse filme não era propriamente uma pornochanchada, mas a partir daí é que se começou a se fazer esse tipo de filme. Porque se inspiraram no que Reginaldo tinha feito. Com uma acentuação maior no erotismo, na sexualidade, o cinema brasileiro poderia ser popular e bastante rentável. Foi por isso que eu parei de fazer filmes, pois a pornochanchada tomou forma e proporções cada vez maiores. Preferi fazer psicologia. Meu fim. Meu fim na arte. Pelo menos naquela época. Uma chuva me salvou Na época em que eu fiz o filme com o Nelson Pereira dos Santos, apesar de ele falar tudo por metáforas, havia algumas coisas perturbadoras com relação ao atrevimento do filme. Se você assistir a Fome de Amor, tudo aquilo é uma metáfora, tudo é representado, a parte social do filme é toda feita de forma alegórica, nada é dito claramente. Na época, as pessoas estavam treinadas para decifrar aqueles símbolos que o Nelson estava colocando, e que boa parte dos engajados utilizava para lutar contra a opressão. Só para contar um pouco do pavor que dava em fazer parte da resistência, mesmo não intencionalmente, vou contar uma história que me deixou por algum tempo apavorada. Um dia eu fui chamada na Polícia Estadual, na verdade, convidada para ir até lá. Isso porque eu morava com pessoas que eram ativas politicamente. Todos nós ficávamos juntos numa república. Várias pessoas. Nada mais natural naquela época. Bem, um dia eu me lembro que estava voltando da faculdade, era noite, e na época eu não tinha carro. Estava esperando o ônibus para voltar para casa, chovia, mas chovia torrencialmente. Não passava um ônibus, todos os ônibus que passavam iam direto para a garagem. Foi justamente aquela chuva e a falta de ônibus daquele dia que me salvaram, porque quando cheguei em casa estava tudo revirado, todas as coisas fora de lugar. Não tinha ninguém em casa – e a nossa casa era sempre cheia de gente, todo mundo tocando violão, cantando. Era uma casa alegre, cheia de pessoas, jornalistas, artistas, atores, músicos. Não eram universitários, mas sim profissionais da arte. Na verdade, atriz, acho que era só eu. Naquela noite, cheguei em casa e falei: Dançamos... O que eu vou fazer agora? Estou com medo de sair na rua. Se saísse, eles podiam me pegar na rua. Tranquei todas as portas e dormi com meu quarto todo trancado. Ficava com medo que alguém aparecesse e me levasse junto. No dia seguinte não apareceu ninguém. Fiquei muito preocupada com meus amigos – o que estavam sofrendo, se estavam sendo torturados, era um horror esse silêncio. Justamente porque naquela época eu estava fazendo um trabalho para a faculdade sobre Marx e revirei, revirei, procurei por todos os lados, mas tinham levado todos os meus livros de Marx. Todos os meus livros da aula de sociologia – fazia matéria de sociologia na faculdade – e também um trabalho que tinha feito para entregar para o professor de sociologia. Qual era o assunto do meu trabalho? Marx. No dia seguinte, fui para a casa de um amigo e expliquei tudo. Só que naquela época era complicado, as pessoas já intuíam do que se tratava. Ou ajudavam e se arriscavam ou não ajudavam e podiam perder um amigo em desespero. Ninguém queria ficar com as pessoas que estavam sendo perseguidas. Eu me lembro que fiquei paranóica, andava na rua olhando para ver se não tinha camburão, achava que iam me pegar a qualquer momento. Só depois de um mês eu recebi um comunicado dizendo que eu tinha que ir lá na Polícia Estadual. Tinha que comparecer. Fui com meu namorado, eu estava morrendo de medo. Mas ele foi me acompanhando, graças a Deus. Na hora que eu entrei eles começaram a fazer mil perguntas: se eu conhecia fulano, sicrano, quem era esse, quem era aquele fulano, quem era não sei o quê. Queriam saber também coisas mais íntimas da vida da gente na comunidade. Eu não falava muita coisa, estava muito desconfortável. Teve um momento em que eles foram encrespando. Os dois que estavam me entrevistando disseram: Você é a única mulher aqui, você não quer servir a gente? Aí eu pensei: Agora eu estou ferrada. Eu comecei a tremer tanto, mas tremer tanto, que o cafezinho caía pelas bordas da xícara. Pensei novamente: Ai, meu Deus, os caras vão me sacanear agora. Depois que acabei de servi-los e derrubar café na mesa, no chão, pensei desesperada: Meu Deus, o que vai acontecer agora? Não aconteceu nada, teve um longo silêncio. Daí, eles de repente perguntaram: Está nervosa?, com aquele tom irônico. Eu falei: Estou, estou muito nervosa. Replicaram: Por que você está nervosa? Automaticamente, sem pensar, disse, meio ríspida: Olha, não estou acostumada a vir aqui na PE. Bom, eu sei que, no final das contas, não aconteceu nada, eles realmente foram gentis, eu pessoalmente tive sorte com o azar dos outros. Na verdade, não houve nada de grave comigo porque estavam cheios de dedos, porque muito pouco tempo antes tinha morrido o filho de um general que eles mataram por engano. Então não estavam mais tão barrapesada. Eles não deixaram de dar conselho pra mim, dizendo: Irene Stefania, metida com essa gente, não. Olha, acho melhor você se cuidar, você com toda essa fama se deixar enrolar por esse bando de gente. É melhor você se cuidar. Eu falei: Pode deixar, eu vou me cuidar. Saí de lá e pronto, foi um alívio muito grande. Mas fiquei com isso preso na minha garganta. Fiquei um pouco paranóica com essa história, porque tudo já tinha sido sanado, mas psiquicamente não. Ficou profundamente marcado dentro de mim. Então eu ficava meio ligada em tudo que acontecia, como se não dormisse, não descansasse nunca. Nunca mais contei esta história para ninguém. Os meus amigos com o tempo foram soltos, porém teve gente que ficou lá mais tempo. Mas eu não quero contar o resto porque teve um deles que sumiu. Dois casamentos Meu primeiro filho nasceu no Rio de Janeiro. Não me casei muito cedo não. Foram muitos anos de casada. Fiquei quatro anos com uma pessoa e os outros 15 com outra. Nunca me casei na igreja. Eu me lembro que a família do Ricardo, com quem tive meus filhos, queria que eu me casasse. Achavam que era mais formal, até porque tinha os filhos. Concordei. Fui ao cartório para registrar, para fazer o casamento. Disseram que tinha que trocar o meu nome. Respondi: Eu não quero, não quero trocar de nome. Na verdade, eu tinha tido um trabalho danado de me acostumar com o meu nome. Ele era muito diferente. Quando estava na escola respondia chamada, Stephan. Tinha que repetir, o meu nome é Stephan. Era muito difícil, tinha que soletrar para todo mundo. Toda hora, até para os professores. Como é que se soletra? S.t.e.p.h.a.n. Não, não é com m no final, é Stephan com n no final. Era muito chato chamar Stephan. Mas aí eu fui aprendendo a gostar do meu nome. Ele fez parte de mim, da minha individualidade. Disseram que eu tinha que trocar de nome, botar o sobrenome do marido. Não vou mudar de nome. Daí eu disse a frase célebre ... Não, eu não quero e não vou trocar de nome. Então, não vou casar também. Não casei formalmente com ele, com o Ricardo, mas moramos juntos durante 15 anos. O Ricardo fazia psicologia junto comigo. Na verdade, a gente se conheceu no cursinho de psicologia. Ele entendia muito de matemática e foi dar aula para mim. E começamos a namorar. Depois a gente teve dois filhos, o Rodrigo, que nasceu no Rio, e a Sandra. Naquela época a gente morava do lado do Parque Lage, na Rua Maria Angélica. Nossa janela, ou melhor, a janela do quarto do Rodrigo dava para o Parque Lage, onde tinha uma mangueira enorme e linda. A gente pegava uma varinha com uma latinha para acertar nas mangas e depois comê-las. Nós dizíamos que o quintal da nossa casa era o Parque Lage. A gente veio para São Paulo por vários motivos. Um deles foi porque meus pais moravam aqui. E com o meu trabalho eu queria deixar o Rodrigo na casa de alguém. Então, podia deixá-lo na casa de meus pais. Era uma época muito difícil porque o marido ia trabalhar e fazer as coisas dele e eu as minhas. Lembro que falei assim: Eu quero viver junto com meus pais. Assim não tem condições. Preciso de ajuda. Fiquei muito feliz porque meus pais foram tão bons comigo. Como pais, foram solícitos, prestativos e dedicados. Eram avós excepcionais. Também deu certo porque eu queria fazer em São Paulo formação em psicodrama. Essas foram as principais causas que me deslocaram da Cidade Maravilhosa. Como o meu filho precisava de cuidados e afetividade que eu não podia dar sozinha no Rio e como também precisava cuidar de mim, das minhas vontades, precisei unir o útil ao agradável. O Ricardo topou a idéia. Ainda bem. Disse que podia ir para São Paulo e tentar trabalhar em empresas. Deu certo. O que foi ótimo. E no final de semana íamos para o sítio com meus pais. Foi um tempo de vida em família. Dou muito valor a essas vivências. Isso foi a partir de 1977. Nesses quatro anos fora das telas, fiz a formação em psicodrama. É claro que uma coisa ou outra no campo da arte rolava. Não houve um desligamento absoluto. As outras coisas que fazia eram aqueles programas da TV Cultura. Eram aulas que precisavam da participação de atores. Ficava o professor falando e depois aparecia uma ceninha, hoje tem muito disso. Naquela época era novidade ainda. Eu me lembro que participei das aulas de português, inglês e literatura. A busca da psicologia Depois que me separei do Ricardo, as coisas ficaram mais difíceis, porque tinha que fazer exatamente o que era necessário. Tinha que cuidar de meus filhos e tratar de montar um consultório. Então, ficou mais viável eu ser psicóloga. Fora que eu gostava também. Assim, acabei tendo duas profissões, a arte e a psicologia, como dois filhos, e dois amores. Tive outros namorados também. Principalmente, entre um casamento e outro. Que se marcou pela minha viagem à Europa. A separação do primeiro casamento aconteceu, mais exatamente, quando senti que a relação já tinha acabado; foi duro. Você sabe disso, sente, mas, às vezes, não toma iniciativa nenhuma. Eu tomei. Eu tinha aquela paixão no começo, mas um dia eu olhei profundamente para o que estava vivendo e pensei bem: Será que é isso realmente que eu quero? Tanto é que a gente nunca pensou em ter filhos juntos, acho que a gente já sabia que não ia ficar junto para sempre. Eu gostava bastante dele. Da mesma forma que você senteaquela segurança da atitude a se tomar, bate uma tristeza que faz com que não entendamos por que a relação termina. A gente nem sabe direito por que acaba. Depois fica tentando descobrir por que acabou. Gosta tanto da pessoa numa hora e depois some, é meio complicado. É uma pena que as coisas acabem assim. Mas tem certas coisas que temos que fazer. Tem uma hora em que internamente você sente: acabou. Eu me lembro que uma vez o Ricardo falou assim: Quando a gente for velhinho, a gente vai fazer não sei o quê, aí eu pensei: Será que eu quero ser velhinha do lado dele? Eu acho que não quero, não. Esse insight apareceu naquele momento e depois continuou reverberando dentro de mim. Assim, eu fiz o que tive que fazer, apesar da dor e do remorso que isso podia gerar. Tonico Os meus filhos são do segundo casamento, do Ricardo. O primeiro marido se chamava Tonico. Com ele tive uma relação bem solta, livre e alegre. Nos encontrávamos em bar muitas vezes e lá gostávamos de ficar de papo com amigos. O Tonico era economista e quando ficava um tempo sem trabalhar, ia lá me visitar nas filmagens. Viajávamos, éramos bem aventureiros. Como ele gostava também de sair, de ver os amigos, de ser bem sociável, ficou fácil administrar nossa relação junto com a minha profissão, que exigia isso. Tonico era do Rio, uma pessoa de Ipanema, conhecia todo mundo. Tivemos uma vida bem gostosa que durou quatro anos. A processo da separação É um processo de morte. Que advém muito de você enxergar o presente de fato e não o passado. Não aquilo que sentíamos, mas aquilo que sentimos. Temos que perguntar a todo momento o que é que sentimos. A partir disso, comecei a guiar a vida. As coisas por si só são perenes. Hoje eu tenho bem essa sensação. Tudo é muito passageiro. Não adianta você reter as coisas, querer tê-las. Isso é um aprendizado difícil. Eu sinto que para mim foi muito sofrida a separação do Ricardo, principalmente porque eu tinha dois filhos com ele e foi pesado ficar com essa carga toda. E também achava que eu não era corajosa o suficiente para me separar. Além disso, tenho essa coisa de gostar do casamento, como a minha mãe tinha, e de ter uma vida tranqüila, pacata. Eu tinha escolhido ele para ser pai dos meus filhos e de repente não podia deixar de realizar aquela coisa que para mim era tão importante. Meus filhos tinham um pai em casa, e quebrar isso foi dolorido, é claro que quando os meus pais morreram também foi muito triste, mas de certa forma você espera. Apesar de o meu pai ter morrido de câncer, você já vai se preparando para a morte. O que não tira o peso também. São duas situações difíceis, mas distintas. Acho que, no começo, quem detonou mesmo, quem teve a ousadia de ir embora, foi o Ricardo; se dependesse de mim, não teria acontecido. Depois ele até tentou voltar comigo, mas daí eu não queria mais. Já tinha se quebrado para mim. Eu me lembro até que ele disse: Você era um cristal para mim. E eu retruquei: Mas um cristal quebrado não dá para você arrumar. O meu negócio agora era transcender os meus próprios medos e enfrentar aquilo que sentia de verdade e que até então não tinha admitido. Mas isso já passou. Foi uma fase difícil e agora está tudo bem. Esse fim de semana o Ricardo estava aqui, com a família toda. Existe nossa amizade. O desapego da realidade – O velho e a criança, uma comunhão necessária É demais. Eu sei que as coisas não são como a gente sonhou, imaginou. Que a realidade é mais forte e vai nos mostrando dia após dia sua nova verdade. E que a gente não pode se apropriar dos momentos com as pessoas. Tudo sofre uma transição, tudo é condição para outra coisa. Eu adoro ver como uma criança se apropria de uma realidade, ela faz com que aquilo seja dela, naquele momento. Então, essa intensidade de vida eu também acho superimportante. De vez em quando eu tenho uns lances assim de criança. Falo que isso é meu e eu vou me apropriando daquele momento. Enxergo aquilo como se fosse realmente uma coisa minha, como se fosse um momento de vivência de eternidade naquela posse. Isso é vida também. Não só ter a sensação do velho, o velho com sua sabedoria, que sabe que a vida é uma sucessão de fatos e de acontecimentos. Mas ter também essa sensação da criança, que vive intensamente aquele momento, que tudo é dela naquele momento. Ter essa criança dentro de você, essa química perfeita entre ela e o velho. A espontaneidade e o sentido da impermanência das coisas. Esse é um estado de espírito aparentemente meio paradoxal, porque, ao mesmo tempo que você não se apega, você se apropria daquele momento de vigor, de vida. A importância da amizade Luiz Pellegrini, que era da EAD, e eu ficamos bem amigos no filme O Mundo Alegre de Helô. Aliás, eu não posso me queixar das pessoas com quem eu trabalhei. Eu acho que tive sorte com quase toda a classe artística, foram todos muito legais. Porém, a gente acaba ficando amigo, criando uma relação, um vínculo e tal, mas depois a vida vai passando, rumos diferentes se traçam e algo separa a gente. Enquanto a gente está filmando, eu não posso me queixar não, nunca peguei algum antipático pela frente, que tivesse graves problemas comigo. Sempre foi uma relação de cooperação. Uma relação de amizade. Com o Luiz foi a mesma coisa, a gente não se viu mais depois do trabalho. Só depois o vi em São Paulo, quando fui comprar um livro na livraria dele. Nem sabia que era dele. Nosso reencontro foi ao acaso. Ele tinha uma livraria de assuntos esotéricos, que rima com o acaso. Hoje Pellegrini é editor da revista Planeta e não quer saber de representar. Leila Diniz e eu – Uma revelação humana Eu trabalhei com a Leila Diniz em O Mundo Alegre de Helô. A gente tinha poucas cenas juntas. Encontrávamos-nos bastante nas festas e nos eventos. Não tivemos uma ligação muito profunda nessa época, ficamos mais ligadas quando rodamos Fome de Amor, que tinha praticamente quatro personagens. E como a gente ficava fechada numa ilha, ficamos muito amigas. Eu acho que foi interessante ver o outro lado da Leila. Ela era bastante alegre, mas não era o tempo inteiro daquele jeito que as pessoas conheciam. Tive o privilégio de conhecê-la como uma pessoa normal, que gostava, às vezes, de ficar sozinha, ficar pensando, simplesmente sozinha. A Leila tinha momentos de introspecção, mas em geral era uma pessoa esfuziante, animada, com uma energia estarrecedora, isso que todo mundo já conhece. É tudo verdadeiro. Mas como já conhecia esse lado, quando pude avistar a face da moeda, amei. Ela era muito humana, com suas fragilidades e sensibilidades. Eu me lembro que um dia, na gravação, quando todo mundo falava, ria, ela ficava quieta. Alguém perguntou, quando todos pararam por um momento e olharam para ela espantados por estar tão quieta: Leila, aconteceu alguma coisa? Ela disse: Quando está todo mundo quieto eu fico esfuziante, alegre, apareço, falo palavrões. Quando está todo mundo falando, eu fico quieta. Só isso. Todos riram e pensaram provavelmente: Esta é a Leila imprevisível. Era o seu jeito de estar no mundo, sempre viva, notada por todos até nos seus silêncios. Foi interessante a gente também conhecer que ela era também uma pessoa normal, que tinha esse outro lado. Momentos onde ela gostava de ficar com ela mesma, onde dizia: É muito bom ter vários homens, mas o que eu gosto mesmo é de transar com uma pessoa. Transar com quem eu de fato gosto. Ela era sempre autêntica, mas além de tudo tinha um discurso de uma pessoa normal. O que ela queria mesmo era ter um namorado de quem gostasse muito, não precisava transar de mil formas, diferentes e acrobáticas, mas ser verdadeira. Isso era adorável. Mais adorável ainda foi quando ficamos bastante tempo juntas, numa viagem que fizemos pela França. Off-Cannes Fizemos juntas, Leila e eu, Fome de Amor e O Azyllo muito Louco, também do Nelson Pereira dos Santos, e depois o filme do Bigode, o Luiz Carlos Lacerda, Mãos Vazias. Fomos para Cannes juntas. Fui para lá porque tinha direito a uma passagem que recebi com o Prêmio Molière (Air France) de melhor atriz pela atuação em Fome de Amor e Lance Maior. Quando ganhei a passagem, não sabia o que fazer com ela, então pensei: Vou para o Festival de Cannes. Aproveitar que três filmes meus estavam passando no festival, na mostra paralela, não na oficial. E aí eu fui de alegre, por conta própria, com a passagem que eu tinha ganhado. Em Cannes, alugamos um carro e viajamos em cinco pessoas, Leila, eu, o filho do Nelson, Nelsinho, o Roberto Farias e o César Thedim. O César era o produtor, casado com a Tônia Carrero, produtor do Simonal também. Lá foi meio curtição, eu não estava tão ligada no festival, estava mais ligada na farra, com as pessoas. Não sou muito ligada nessa coisa formal do cinema, de ficar vendo as pessoas ilustres. Eu gosto das coisas um pouco mais marginais, não no sentido negativo, mas que ficam fora do normal, do padronizado, que não é aquela coisa do convencional, do tapete vermelho, todo mundo entrando. Não gosto muito dessas coisas não. Gosto mais do que rola paralelamente. As pessoas que eu conhecia, com quem a gente se dava, os filmes que a gente via, que não eram os mais concorridos porque estavam na mostra paralela, que era o melhor de tudo para mim. Depois a gente teve a idéia de pegar o carro e viajar pela Europa, o que foi divino. Passamos pelo sul da França, fomos à Suíça, vimos aquela quantidade enorme de relógios. Em todo lugar tinha relógio. Viajamos pelas cidades lindas do sul da França até finalmente chegarmos a Paris. Depois nos separamos. A Leila teve que voltar para o Rio de Janeiro e eu continuei o meu rumo, agora à Inglaterra. Fui com o Nelsinho. Mas antes de ir para lá, me lembro que um cineasta aventou a possibilidade de fazer um filme comigo. Então, eu disse espontaneamente para ele: ... Mas eu não estou trabalhando, estou de férias. Caetano, Gil, um choro em Paris Eu fui para Londres com o Nelsinho, e um dia a gente andava por lá, procurando casa para morar, pensão, uma coisa assim, e aí encontramos uma pessoa que o Nelsinho conhecia. Essa pessoa olha para mim e diz: Mas você não é a Irene? Eu disse: E você não é o Luiz Eduardo?, a gente se conhecia lá do Rio de Janeiro, tínhamos sido namoradinhos por volta dos 15 anos de idade. Imagina, e a gente se encontra na rua, em Londres, no meio de um monte de gente, no lugar menos provável do mundo. Muito engraçado. E conversa vai, conversa vem, ele fala: Vocês estão procurando lugar para morar? Vamos lá para casa; foi quando a gente foi para a casa dele, que era bem afastada da cidade. Era a última estação do metrô. Eu me lembro que a gente também ia para a casa do Caetano e do Gil, que moravam lá em Londres também. Aquela época foi em 1970. Foi num jogo da Copa. Assisti aos jogos da casa deles. Bom, não é que eu os conhecia, era amiga do Luiz Eduardo, que era amigo deles. Fiquei amiga por tabela. O Caetano era ótimo porque cantava bastante. Eu me lembro de ter ido com o Gil, marcado com ele para irmos a um restaurante natural. Éramos natureba. Tenho essas lembranças ótimas dessa fase. Era gostoso. Mas depois nunca mais os vi. Foi bem gostoso, eram muito amigos, todos bem acolhedores, bem baianos, com aquele jeito gostoso de vem cá comigo. Lembro que lá em Londres eu sentia a falta de estudar psicologia. O Luiz Eduardo sem hesitar falou: Vamos lá na faculdade, vamos ver se dá para você fazer o curso aqui. Não tinha pensado nisso. Fomos lá e achei tudo tão lúgubre, tão sinistro que me lembrou da época que eu fazia filosofia em São Paulo. O que não era legal. Daí eu pensei, quero voltar para o Rio de Janeiro. Quero ir embora o mais rápido possível, não quero fazer faculdade nenhuma aqui, eu vou fazer lá no Rio. Bom, antes voltei para a França, depois fui ver meu pai que estava na Alemanha. Ele estava passando um tempo lá, com a irmã, com os irmãos, com todos os parentes. Fiquei com eles em Koplens e depois retornei a Paris. Queria encontrar os meus amigos, acabei não achando ninguém. Lembro que me sentei num banco da praça pública, botei as malas no vizinho e fiquei sozinha durante um bom tempo. Chorei tanto, mas tanto, até que uma hora eu falei pra mim mesma: Meu Deus, eu estou sozinha aqui nessa terra, o que é que eu faço? Depois de tanto chorar na praça, me dei conta que eu devia voltar para o Rio. Não tinha mais por que ficar ali, tão solitária. De Londres à psicologia Quando voltei de Londres, fui imediatamente procurar um cursinho pré-vestibular. Fiquei, no total, dois meses fora do Brasil, não era muito, mas minha ânsia e vontade de fazer as coisas estavam em alta. Pensava que ia ficar bastante tempo na Europa, mas precisava fazer psicologia urgentemente. E quando cheguei foi tudo tão repentino. As coisas foram se encaixando. Como eu queria fazer psicologia, e era a minha grande pretensão, acabei o curso todo do princípio ao fim, com muita vontade e determinação. Eu só me dedico mesmo àquilo que eu acho que é importante, essencial, que é legal. É assim, quando eu entro numa coisa é para valer, agora, enquanto eu não for entrando me permito sair, entendeu? Eu não sou assim tão volúvel não, aliás, hoje em dia eu sou menos volúvel do que eu era antigamente. Hoje sou bem mais disciplinada, ordenada, dedicada, embora disciplinada eu sempre tenha sido. Se me proponho a fazer uma coisa, eu faço mesmo. De maneira geral, não gosto muito de me abrir. Eu me lembro da vez em que ganhei um prêmio em Brasília por unanimidade. Era pra ser uma coisa boa e tal, pelo menos a maioria deve pensar assim e se expressar de maneira condizente com isso. Eu, não necessariamente. Sei que nessa vez os repórteres perguntaram: E aí Irene, o que você acha de receber um prêmio por unanimidade?, eu respondi: Ah, bem legal. Daí perguntaram novamente: E o que mais?. Repliquei: Não, bem legal. Daí quando viram que não ia falar nada mesmo continuaram: E quais são os teus planos para o futuro? Dei um banho de água fria neles: Não tenho nenhum projeto. Eu não gosto muito de ficar falando para repórteres. Essa coisa assim é um lado negativo de trabalhar com arte, pelo menos é um lado que me incomodava muito. Eu gostava muito de trabalhar, de estar com as pessoas. Era ótimo fazer filmes, gostava de tudo, sem restrição. As coisas ruins das filmagens a gente incorporava. Mas os repórteres não batiam comigo, ficavam quase sempre meio atravessados. Não era pânico o que eu sentia, eu saberia dizer sobre isso atualmente, mas é simplesmente que eu não gostava, era avessa, arredia aos jornalistas paparazzi. Não estou falando de uma entrevista séria, que visa à comunicação do conteúdo do trabalho, daquilo que queremos dizer com aquele filme ou tal peça. Eu me lembro que uma vez estava indo para um grupo de estudos de psicologia e na Avenida Nossa Senhora de Copacabana – atrasada para chegar no meu compromisso, por isso meio ansiosa e correndo – me deparei com um bando de gente que me cercou e disse: Mas e aí, o seu personagem (estava fazendo novela na Globo naquela época), o que ele vai fazer? Olha, faz o seguinte, deixa isso. E eu me atrasando para ir para o meu grupo de estudos porque as pessoas queriam saber do meu personagem, fiquei muito indignada, eu falei pra mim mesma: Não, eu não sirvo para este mundo, não. Não sei se isso é um absurdo ou não, mas o fato é que eu não gostava. Ainda mais quando sou assim tão dis creta. Falar com pessoas que você conhece tudo bem, mas com pessoas que te abordam na rua até de maneira abrupta e meio rude fica difícil. Para mim não tem como estabelecer um diálogo legal, abrir as portas. Outro caso foi quando num outro dia eu estava atravessando a Nossa Senhora de Copacabana, ali perto da Siqueira Campos. Eu estava de um lado da rua e, do outro lado, na minha frente, vinha um outro cara que falou: Grande Irene Stefania. Nisso, abriu os braços e a gente se abraçou no meio da rua, no meio da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. E, depois, o que aconteceu? Fomos embora, eu para um lado e ele para o outro, sem falar mais um ai. Só ficou o eco daquilo que seria grande Irene Stefânia de um lado e do outro lado o meu estranhamento. Nunca soube quem era o cara, mas foi um calor tão bom, uma coisa tão gostosa que não me perturbei, apesar de achar estranho. Eu não tinha como não gostar, também não sou louca, não é? Isso realmente me acrescentou. Não aqueles grudes de paparazzi e tal. Não, definitivamente isso de ficar querendo me pegar para perguntar, para falar, dar opinião, não gosto. Isso não, não faz o meu feitio. Primeiras incursões no cinema A forma como eu rodava as cenas nesse filme, O Mundo Alegre de Helô, e em quase todos os outros, era espontânea e de deixar a câmera rolar sem me preocupar. A gente, aliás, fazia a cena sem muita direção nesse sentido de ensaio, de fazer isso, aquilo. Tanto é que na primeira cena do filme que eu fiz com o Sylvio Back foi engraçado porque ele chegava e tinha que estar tudo decoradinho, certinho, depois queria ensaiar várias vezes, deixar tudo preparado para rodar. Eu não estava muito acostumada a fazer isso. Todos os filmes que eu tinha feito até então, mesmo com o Nelson, a câmera ficava livre e não tinham ensaios, eram apenas algumas dicas a priori e deixavam ver o que acontecia. Então, com o Sylvio não foi assim. Logo no começo da filmagem ele disse pra mim: Bom, você não sabe ainda o texto? Eu disse: Não, mas espera aí que eu decoro. Foi engraçado. Eu era jovem, decorava rápido, ainda decoro rápido. Ele mesmo se espantou com isso e até disse: Agora põe a câmera na frente, põe ela em cima da Irene que daí ela resolve. Ela não precisa ensaiar muito mais, é isso mesmo. E por falar em ensaio, aliás, eu não gostava muito não. Achava que tirava a espontaneidade, aquela emoção do original, que você faz numa primeira cena. Por isso que é diferente você fazer cinema de teatro. O cinema você tem que conservar aquela emoção, é como quando você vai transar, a primeira vez você está com tudo, a segunda é diferente, você já não está mais tão ávido em fazer a cena. No cinema, cada cena eu gostava de estar nesse estado virgem, sem ensaios, grandes ensaios. Porque, ao invés de ajudar, atrapalhava. Além disso, me lembro de uma vez em que o Roberto Freire fazia tudo bem certinho, ele gostava de fazer tudo bem ensaiado, e por isso, fez laboratório com a gente durante dois meses. Eu já tinha esta idéia que ensaio atrapalhava. Bom, teve um embate entre a gente porque a sensação que eu tinha era a de que quanto mais eu sabia do personagem, de onde é que ele veio, para onde é que ele vai, para onde é que ele não sei o quê, mais o personagem escapava pela minha mão. Eu o perdia. E o tesão de fazer aquilo não existia mais, daí eu tinha vontade de dirigir porque eu já sabia tudo do personagem. E falava: Então agora vou dirigir, não vou mais ser aquele personagem. Isso apenas me confundia. Acho que a análise é a do diretor. O ator deve ter em mente toda a estrutura do roteiro e dos personagens para poder concebê-los e depois deixar fluir as emoções. O ator trabalha mais intuitivamente. Assim ele consegue conservar aquele frescor e se torna um amante interessado em fazer aquilo naquele momento. É importante o encanto, a magia. Descobrir emotivamente as coisas, os detalhes, enquanto está fazendo, e não saber tudo dos personagens antes de adentrar o campo das emoções que eles proporcionam. O Azyllo, ou O Alienista O que me encantava no processo de filmagem com o Nelson Pereira dos Santos era ele deixar os atores simplesmente serem. Inclusive falando no Nelson, essa coisa do bem à vontade, o Nelson, no Azyllo muito Louco, me convidou para fazer o filme de forma bem bizarra. A história foi a seguinte: eu estava num bar no Rio de Janeiro, com algumas pessoas, e lembrome que a Aninha Magalhães, que estava comigo, falou que tinha que ir a Parati; eu falei: A gente te leva para lá, estava com meu jipe. Então, saímos do bar e fomos direto. E lá acabei por passar o fim de semana. A idéia era passar o fim de semana somente, mas o Nelson disse: Fica mais uns dias, você vai ser escalada para o filme, e aí eu fiquei mais uns dias e depois, nada de ser escalada; eu disse: Obrigada e tal, mas vou embora. Era para eu ir embora, mas o Nelson disse novamente: Não, não, fica mais uns dias, eu vou arrumar um personagem para você, aí eu fui ficando e nada de o Nelson arrumar um personagem para mim. Depois de um mês de estada em Parati, sem fazer nada e naquelas condições, eu falei; Nelson, agora definitivamente eu vou embora para o Rio, vocês continuem com a filmagem, foi muito bom estar aqui com vocês, foi um barato eu ficar só de curtição aqui em Parati, com a turma, mas agora não tem mais cabimento. E o Nelson com aquela voz, naturalmente disse: Mas agora definitivamente eu arrumei um personagem para você. O definitivamente que foi engraçado. Eu tinha saído do Rio para levar minha amiga a Parati, acabei ficando um mês lá e agora não ia voltar para o Rio, já que o Nelson depois de exatamente 30 dias, dessa maneira veloz, tinha definitivamente arrumado um personagem para mim. Foi aí que entrei no filme Azyllo muito Louco. O processo foi muito divertido. Lembro-me que ele pediu para eu criar o texto de uma cena, e aí eu fui fazer o texto, depois, quando ele viu, modificou algumas coisas. Foi ótimo porque a gente colaborava com o roteiro, com o que o personagem queria dizer. Uma vez ele juntou o elenco para falarmos o que estávamos entendendo do filme. Foi engraçado porque estava todo mundo entendendo as coisas mais disparatadas e diversas. Cada um via diferente do que era realmente o filme e isso foi o sinal de que estava todo mundo louco, ou seja, estava tudo certo. Também, aquelas coisas só podiam deixar o ator meio assim mesmo. Por exemplo, ele botava todo mundo para comer capim, para fazer não sei o quê, e os atores iam fazendo. Ator – é um pouco isso – vai obedecendo, não tem muito que saber qual era a idéia do diretor. Pelo menos nesse filme tinha que ser assim, todos deviam se entregar, afinal, era um Azyllo muito Louco. Tínhamos que obedecer e obedecíamos porque era uma grande curtição. Trabalhar com o Nelson, fazer essas coisas extravagantes e insanas, era divino. Ficou, definitivamente, marcado na minha vida. Lance Maior O engraçado é que os outros filmes que eu fiz fluíram de uma maneira muito boa. Lance Maior, que rodei com o Sylvio Back, foi assim. Ele mesmo foi falar comigo. Um detalhe que caracteriza bem o Sylvio é que ele é bem democrático. Ele é bem legal nesse sentido. Eu propus ganhar um tanto, e ele falou: Tá bom. Depois de um tempo ele retornou: Olha, a Regina está ganhando X. Tipo assim, você mil e quinhentos, e a Regina está ganhando três mil..., ou seja, a Regina Duarte estava ganhando o dobro do que eu tinha pedido. Então ele falou: Vou te dar a mesma quantia. Eu nunca tinha visto isso. Achei fantástico. Ficou muito marcado, ainda mais no mundo em que vivemos. Alguém fazer isso é o máximo. Define uma pessoa especial, já de começo. Além do mais, quando se vê um filme do Sylvio, percebe-se que ele põe todo mundo nos créditos, sem restrições, chofer, a família do chofer, e por aí vai. É uma lista enorme das pessoas que participaram do filme. E está certíssimo. Imagina a alegria dessas pessoas que trabalham, dão duro e, muitas vezes, quando se sentam para ver o filme que fizeram e não tem nenhuma menção a eles ficam tristes. Apesar de algumas pessoas acharem ele meio raivoso, por causa até de algumas atuações dele em alguns festivais, isso não define o doce de pessoa que é Sylvio Back. Ele é, além de tudo, uma pessoa de uma prática democrática. Responsabilidade Agora, o Sylvio Back, no começo das gravações do Lance Maior, me colocou em confronto com a realidade da minha profissão, mais no sentido de responsabilidades. Eu não era profissional, de carteira, ou carreirista, nesse sentido de fazer carreira. Eu tinha na cabeça que queria fazer cinema e ia lá e estudava o meu personagem, e as coisas foram acontecendo assim, fui dando conta delas, mas não tinha um projeto aprimorado das coisas. Isso não quer dizer, no entanto, que eu não era responsável, isso não. As pessoas sabem que eu falava: Olha, podem contar comigo, no horário certo, trabalho quantas horas forem necessárias. Na prática, eu sou bastante prestativa, não deixo ninguém na mão, muito menos ficar me esperando num encontro marcado. O que estou querendo dizer é que, em termos profissionais, eu nunca fiz um projeto para meu futuro como atriz. Até com os personagens que eu fazia, não os estudava muito, ao contrário, os intuía. Como já disse, era uma coisa bem mais espontânea, que ia acontecendo. Sou uma pessoa bastante intuitiva. Introjeto o personagem e faço aquilo que eu acho. Então, é um processo bem natural, intuitivo. Gosto de entender o mundo, compreender este lugar que habitamos dessa forma. O tiro no pé O personagem do Reginaldo Faria, em Lance Maior, era uma pessoa que queria vencer na vida, e para isso ele precisava arrumar uma namorada rica. Ele conseguiu a Regina Duarte, mas ele gostava mesmo era da Neusa, que era o meu personagem. Tinha excitação pela Neusa, mas queria se casar com a Regina. Ficou meio assim por um tempo nesse embate, aí, me lembro que minha personagem ficava se sentindo meio traída por ele porque tinha outra mulher e também queria que ele a tratasse melhor por conta disso. No final das contas não fiquei com ninguém. E o Reginaldo muito menos, nem comigo nem com a Regina. Acaba o filme com ele bêbado e desconsolado jogando boliche. No último arremesso da bola, cai duro no chão e não levanta mais. Um mestre sedutor O Roberto Freire era uma pessoa interessantíssima quando começava a falar. A gente ficava muito ligada. Ele podia ficar falando a noite toda, o dia inteiro e ficávamos interessados porque ele tinha sempre um assunto curioso para contar, para dialogar. Acho que se não tivesse escolhido psicologia no meu curso secundário o Roberto Freire teria me convencido. De qualquer forma, tinha feito humanidades no Colégio Jacobina, no Rio, que não tinha matemática nem física nem química, só as cadeiras de humanas, ou seja, para fazer o vestibular eu não sabia nada de matemática, por isso escolhi filosofia. Era mais direto e fácil de ser aprovada na época. Quando percebi que não estava certa e que deveria estudar matemática para entrar na psicologia que era o meu sonho, assim o fiz. Uma tribo Teve um jornalista, certa vez, que veio nos entrevistar e brincamos com ele o tempo todo. Ele deve ter sentido que o grupo era muito coeso, mas, ao mesmo tempo, ele não conseguia entrar na nossa conversa porque as pessoas ficavam falando a mesma língua inacessível. Esse tipo de comunicação teve início com o filme do Nelson, em Azyllo muito Louco. As pessoas começavam a falar numa língua de slam, de bram, vram, shumbriques, frotifrates e por aí vai, que tinha por característica não se dizer nada. A gente inventava tudo isso para não dizer nada, mas para mostrar para os outros que nos entendíamos perfeitamente. Nos entendíamos independentemente da palavra. Essa não era importante, a forma não era importante, o mais importante era você estar de bem com as pessoas, se comunicar, sem se importar com o que se dizia. O Bigode que instituía estes slams, sbrans, brams, que depois virou regra geral. Fomos perceber mais profundamente depois que isso era uma exclusão muito ferrenha que a gente fazia com os outros. A gente queria isso, excluir o resto das pessoas, mas não de forma maldosa. Queríamos mostrar que éramos um grupo diferenciado, coeso, principalmente com uma identidade própria. Tinha um cara que era um artista lá de Parati e sentia que era um grupo muito fechado, até que um dia disse que se sentia marginalizado por causa disso. Na verdade não era, mas ele se sentia como tal. Daí que comecei a ver esta perspectiva também porque logo em seguida teve um fotógrafo do Rio que disse que éramos um grupo fechado em si mesmo, o que não era legal. Não estávamos abertos para os outros. Estávamos errados. Estávamos sendo excludentes. Por falar em tribo nesta tribo gerada espontaneamente por nós e de modo sem querer, no cinema, existia, e talvez ainda exista isto. Eu freqüentava os lugares, as festas, tinham muitas festas na época onde as pessoas se reuniam, nesse sentido eu estava mais junto com as pessoas, por isso dentro da tribo. Talvez se não estivesse naquelas festas não estaria naqueles filmes porque precisava ter uma postura característica àquele movimento. Ser da galera. Assim é praticamente em tudo. Eu me lembro que tinha um apartamento em Copacabana onde sempre as festas aconteciam. Era a casa da Marília, não a Marília Pêra, e sim uma jornalista, e mais algumas pessoas que não sei quem exatamente. Peréio ia a todas as festas, a figura dele eu me lembro bem, com aquele espírito crítico, gozador. Aulas e gravações Eu trabalhei na Globo e tinha muito texto para decorar, então, nas aulas da faculdade que eram muito chatas e que eu não gostava, ficava decorando o texto sem culpa alguma. Ia lá para o fun-do da sala e fazia o que tinha que fazer, de manhã eu estava lá na televisão com o texto decorado. Claro que escolhia para fazer isso, principalmente, as aulas de estatística, de que não gostava. Meus personagens Os personagens que fazia e os que faço agora não têm muito a minha participação porque geralmente sou convidada para fazer determinados papéis. As pessoas me vêem de determinada forma e me convidam em cima disso. Quando era moça, eu fazia papéis de pessoas ingênuas. Fiz O Mundo Alegre de Helô justamente porque era ingênua, mas também tinha muita força interna, braveza, revolta, qualquer coisa assim, ou seja, não era só porque era ingênua, e sim uma mistura de todos esses componentes. Porém, eu tinha essa coisa de ser “a” moça ingênua. Aquelas que as pessoas ficam apaixonadas e querem ter para cuidar. Hoje em dia os diretores têm me convidado para fazer personagens que tenham dor, sofrimento – a mãe que sofre tragédias, a alma que chora. E igualmente eu gosto de interpretá-las. Na verdade, gosto de qualquer coisa, o que vale é o processo, a atuação, estar presente na arte. Poder modificar coisas, descobrir, trabalhar em grupos, mesmo porque fico muito sozinha, o trabalho de terapeuta exige isso, apesar de você estar com o outro. Num grupo você faz um trabalho de colaboração, o que é interessante, porque você também depende do outro, o que me fascina. Energias que numa mesma direção trabalham para construir uma obra única. Antígona Fazer Antígona no palco foi apaixonante, no espetáculo com a Companhia de Teatro Os Satyros, em 2003, em São Paulo. Foi meu primeiro espetáculo com eles, depois desse, fiz mais dois, Kaspar Hauser e De Profundis. O que é emocionante para mim. Minha cena em Antígona é muito curta, dura alguns minutos, mas a carga de dramaticidade que o personagem carrega é imensa. O personagem que eu fazia era a rainha Eurídice, mulher do tirano Creonte. O que leva Eurídice à loucura, no clímax da tragédia, é uma sucessão de catástrofes que acontece na sua família, decorrente da intolerância de seu marido Creonte, diante das leis do Estado e das leis divinas. Em determinado momento, Creonte corre ao túmulo de Antígona para evitar desgraça maior. Inútil. Lá, encontra Antígona morta e vê seu filho Hémon matar-se diante de seus olhos. No palácio a rainha ouvira rumores inquietantes. Sai e indaga pelas notícias. Ouve a descrição da morte de Hémon, seu filho. Não diz uma única palavra. Depois de um longo silêncio, volta ao palácio. Suicida-se em seguida. Seu silêncio anunciava o ato, como pressentira o Corifeu. Era um momento interessante. Ele dizia: Silêncios excessivos me parecem tão graves quanto o exagerado, inútil pranto. Na verdade, acho que o espectador, como o Corifeu, teme aquele silêncio carregado, aterrador. Eles acreditam na intensa e insuportável dor daquela mulher. Acho que o silêncio em cena sempre é difícil de sustentar. Demanda emoção. Claro que lanço mão também de técnica, uma vez que a emoção nem sempre vem com a mesma intensidade. Mas só técnica não sustenta. Melhor fazer todos de verdade, com a energia própria de cada personagem. O curioso também é que a duração da cena dependia da platéia. Por exemplo, quando o público era de adolescentes, o silêncio da personagem era mais curto. Eles não tinham paciência para acompanhar aquele mergulho na dor. O que é diferente de um público mais experimentado, calejado. O filme mais marcante Claro que todos os filmes foram um marco profundo na minha vida, mas se pudesse escolher um, o mais marcante para mim, diria que foi o Fome de Amor, não só porque foi rodado em Angra dos Reis, junto com meus amigos Arduíno, Leila Diniz e Paulo Porto, dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Mas também por ter sido um filme bem interessante. Fora que a filmagem foi uma delícia também. Trabalhar passeando nos barcos, um privilégio. E vi o filme depois de pronto e me surpreendi: Nossa, esse foi o filme que fizemos? Principalmente filmar com o Nelson, que é muito imprevisível. Ele faz o negócio do jeito dele, e modifica muita coisa. Ficou uma obra completamente diferente do que a gente esperava. O meu personagem era uma musicista, que criava músicas estranhas, bem concretas, com sons bem esquisitos. Não só a música era esquisita como eu também era esquisita, quer dizer, meu personagem. Ele tinha que ser esquisito como a música que eu compunha. Era uma pessoa idealista, que tinha vindo para o Brasil, com sonhos revolucionários de aspectos sociais. Sem falar nas trocas de casais. Era assim: a Leila era casada com o Paulo Porto, que era surdo-mudo, cheio de problemas e não conseguia enxergar a realidade, e no filme o personagem da Leila tem um caso com Arduíno, que era o meu marido na trama. Trocamos os casais. Ficam guardadas na lembrança imagens de nós passeando de barco, com uma fala que dizia assim: E o povo, cadê o povo? Como se quisessem fazer a revolução com um povo que era pescador, da praia, e que não tinha nenhuma conexão com a revolução. Ou seja, um projeto fracassado de revolução, uma ilusão na cabeça do personagem. E, no final, meu personagem, junto ao do Paulo Porto, sozinho na praia, dizendo um texto revolucionário do Che Guevara para exatamente ninguém. Os pseudo-revolucionários lutando numa ilha deserta. O filme é todo cheio de simbologias, principalmente a parte política, e se você for ver o filme com esses olhos, com essas leituras, vai observar muita coisa. Hoje não sei se essa geração está acostumada com esse universo de simbolismos, mas naquela época as pessoas estavam muito treinadas para perceber nas entrelinhas. Toda essa simbologia estava a serviço de se poder driblar a censura que, naquela época de ditadura, era brava. Podíamos dizer que era uma censura que já estava dentro do próprio filme, o Nelson era craque em manipular a censura, aliás, todos os cineastas da época tornaram-se espertos nisso. O filme tinha um subtítulo interessante, Já tomou banho de sol inteiramente nua?, que era uma fala da Leila. Ela dizia pra mim: Você já tomou banho de sol inteiramente nua?, explicitamente me convidando para ir com ela tomar banho de sol inteiramente nua. O personagem da Leila era bem esfuziante, alegre, naturalista, e o meu não, vinha dos Estados Unidos, mais urbano. Nua eu não fiquei no filme, inclusive o figurinista me colocava umas roupas estranhíssimas, uns maiôs horríveis, o cabelo para trás, era estranhíssimo. O que me define Eu não sou uma pessoa que gosta de rótulos, estereótipos, definições, principalmente, porque considero que são prisões e que a gente tem essa liberdade de ir, de pensar, reconstruir tudo novamente. E fica mais difícil desvencilhar-se quando a gente rotula e solidifica alguma coisa. Assim, estamos delimitando e limitando as coisas. Isso por um lado pode ser bom porque você expressa de alguma forma um conteúdo, por meio das palavras, mais especificamente desse rótulo, mas, ao mesmo tempo, aquilo que você formatou pode virar uma conserva. Nessa conserva fica rigidamente estipulada que aquilo é aquilo, daquela determinada forma. Você pode perder a riqueza de nuances interiores, mais profundas de você mesmo. Por isso eu gosto dessa liberdade de poder não ter definições, não ter rótulos, não ter compromissos com imagens pré-formadas, pré-fabricadas. Nesse sentido não gosto de falar e me defino nesse viés como uma pessoa meio indefinida, que não tem muitos rótulos. Mas me considero uma pessoa que tem idéias muito próprias, muito minhas, e ao mesmo tempo aberta ao universo, às coisas que me cercam. Porão escondido O ator é um ser que tem que estar muito aberto aos personagens e, para isso, ele precisa ser muito flexível para ser moldado naquele determinado personagem. Eu me sinto um pouco assim, de me despir da minha personalidade para entrar em outra personalidade, outra realidade, outros universos. Desde pequena eu gostava de grupos diferentes, de experiências diferentes, de grupos contraditórios, um que pensasse de um jeito com outro que pensasse de modo completamente diferente. Grupos de pensamento contraditórios que me estimulavam a apreender realidades novas, inteiramente diferentes. O que forçava eu me comportar em cada grupo de um jeito diferente. O que já é a base de um trabalho de ator. É claro que mesmo tendo que me portar de forma diferente em cada situação tinha características que eram constantes, a minha personalidade não submergia à multiplicidade de papéis. Enfim, eu gostava dessa brincadeira, de ter um personagem distinto em cada grupo, para você apreender bem uma situação e poder imergir nela. O movimento do psicoterapeuta O psicoterapeuta tem que fazer esse mesmo movimento, tem que se despir dele mesmo, sair da sua própria personalidade para entrar na do paciente, que é um universo único, singular – não existem duas pessoas iguais. Então, não adianta você ter rótulos, ter parâmetros teóricos tão rígidos, tem que ter uns para você se situar, é claro, mas tem horas em que você tem que se despir dos próprios conceitos para entrar realmente na singularidade de cada paciente. Por exemplo, mesmo pessoas que têm o mesmo rótulo são, às vezes, muito diferentes entre si, têm vivências diferenciadas, têm um passado, uma história, componentes que no todo se refletem de forma dissonante uma da outra. Mesmo dois irmãos que viveram na mesma família são completamente diferentes. O caminho do psicoterapeuta é respeitar esse universo, essas idiossincrasias do outro. Na realidade, isso me fascina demais. Por isso, nesse sentido eu me defino como uma pessoa que está muito disponível para as coisas que acontecem, para o meio ambiente, para o externo, para o outro. Aí você diz: Então você é uma pessoa que age conforme o meio externo, aí eu te respondo: Não, também não sou assim, eu sou igual ao ator, que precisa estar dentro, mas ao mesmo tempo tem que estar fora para ter o sentido crítico daquilo que está analisando, para ter uma posição daquilo. Porque se ele fosse só emoção daquele ator, daquele personagem, ele estaria perdido, faria uma caca em cena, por exemplo. Então você tem que ter um distanciamento mesmo quando está atuando, você tem que ter essa nuance. Ter o centro de enfoque, aliás, para você poder fazer isso, para poder emergir em outro personagem, para você não se perder como pessoa. Para elaborar melhor os personagens e para melhor entender o outro, precisa se ter um eixo. Essa característica de estar dentro e fora ao mesmo tempo é importante tanto para o ator como para o psicoterapeuta. Como me alimento Eu me alimento no silêncio, que é para mim uma coisa de estar me sentindo viva, acordada comigo mesma, recebendo o universo de uma forma que não dá para explicar muito. Acho que sem conceitos, uma coisa bem gostosa. Não que não tenha reflexões, tenho reflexões, mas não posso dizer que são de ordem lógica. E isso acontece no cotidiano, lavando louça, às vezes andando, outras, fazendo alguma tarefa caseira. E quando em alguns momentos vêm os pensamentos mais formais, deixo esses pensamentos virem. Faço uma elaboraçãozinha, às vezes, mas logo depois eles vão embora e não me apego mais. É um processo bastante intuitivo de apreensão do universo. A gente vive num universo muito patriarcal, hoje os objetivos predominam, a lógica, as coisas concretas, eu gosto de viver num universo mais meu, mais interno, matriarcal. Por isso, que até nesse universo patriarcal a minha apreensão é mais intuitiva. Gosto também das coisas intelectuais, adoro ver como é que as pessoas elaboram os seus processos mentais, embora eu incorpore esse conhecimento ou experiência de uma forma mais intuitiva. Posso dizer que é uma forma não intelectualizada de absorção e incorporação. Para, posteriormente, devolver para o universo como uma forma de conhecimento, não de informação, mas de um conhecimento já digerido por meio da arte, por meio de um trabalho psicoterápico. Minha apreensão do universo é Ying (feminina, segundo os orientais). Patriarcalismo x matriarcalismo Este lado mais patriarcal, acabo transitando nele também, só não me expresso dessa maneira, esse que é o ponto da questão. A gente sempre precisa do patriarcalismo, desse universo da palavra, dos rótulos, porque são importantes também. Temos referências a partir deles. Só que o universo interno, subjetivo, de apreensões mais imediatas da realidade, realiza-se nesse campo que estou falando, o matriarcal. A fala, num certo sentido, possui um limite de expressão. Certas situações você tenta falar aquilo que sente e não consegue. Os sentimentos fogem do universo da palavra. Ao mesmo tempo que a fala revela coisas ela também oculta. É dúbia nesse sentido, de ocultar os verdadeiros sentimentos, coisas que são invisíveis ao próprio olho de quem fala. Coisas que não dão para traduzir em palavras. A arte pode fazer isso, talvez, nas suas revelações expressivas. Nessa linguagem que é construída tanto pela poesia, pelo teatro, cinema, como pela música e afins. Esses são processos que pertencem mais ao lado direito do cérebro. E eu me sinto um peixe dentro d’água quando vou neste lado do cérebro, o direito. Esse jeito intuitivo de ser me acompanha também nas minhas leituras. Por exemplo, eu não leio livros inteiros – claro que isso acontece também – mas eu gosto de ler trechinhos e ficar pensando, deixar aquilo ecoando na minha vida, no meu pensamento, relacionando assim com meus conhecimentos e percepções já adquiridas. Por isso, às vezes, antes de o paciente chegar ao consultório, pego um trechinho de algum livro de psicologia, fico fazendo relações com os pacientes, e assim formulo ou entendo alguns questionamentos deles. Defino esse tipo de leitura como um processo de digestão. Mesmo porque realmente eu não sou muito voraz. Não tenho ansiedade em terminar um livro, correndo, não é muito meu feitio não. Elaborar pedacinho por pedacinho é o caminho. Minha religião foi uma invenção minha Quando eu era jovem gostava de fazer ioga, estudar budismo, taoísmo, espiritualismo em geral. Mas nunca me senti pertencente a nenhuma religião. Gosto quando me sinto aberta à forma livre do pensamento. Quando estou liberta. Agora, quando tem que rotular que eu sou budista ou sou taoísta etc., eu pulo fora, não gosto muito. Essas coisas existem para contribuir com o meu conhecimento, a minha percepção de mundo. Então a religião, nesse sentido, funcionaria como uma coisa muito delimitada. Assim, não gostaria de pertencer a nenhuma religião, apesar de ser formada na religião católica e ter estudado em colégio católico. Gostava muito das aulas de religião, não tanto pela história pragmática, mas pela minha vivência nela, ou seja, o que aquela religião contribuía para me fazer uma pessoa melhor, para eu entender o mundo melhor, como ela poderia formar o caráter das pessoas. Volto a dizer: a religião, porém, é muito limitante, define muito as coisas, os critérios e os paradigmas e você fica, às vezes, muito limitado. Se você perguntar se eu sou uma pessoa religiosa eu diria que, no sentido de ela nos ajudar a sermos seres humanos mais completos, sim; agora, no sentido de religiosa praticante, não. Por isso, se a religião tiver o sentido grego de religação com o seu eu, com o outro e com o cosmos, energias mais sutis, isso tudo eu acho interessante, mas não como definição também de uma prática regrada. Por exemplo, esse mês tem essas práticas e tal e precisam ser seguidas, não, isso não sigo. As práticas de religação são úteis desde que não sejam vistas de formas doutrinárias, dogmáticas. Eu acho também que cada um tem um método de chegar a uma verdade, a um conhecimento de qualquer coisa, porém, muitas vezes as religiões atam, tiram a individualidade das pessoas, enquadram todas em padrões, métodos idênticos para todos. Algo importante a se notar é que tem um determinado limite de evolução que eu acho que não dá para ter métodos. Quando a gente é criança, tem métodos mais gerais de desenvolvimento da personalidade, mas eu acho que a partir de determinado momento você tem que fugir dessas normas, dessas regras. Não é à toa que tem a adolescência para transgredir e ver quem você é. Agora, se você precisa de uma prática religiosa no início da sua vida, sem sombra de dúvidas, você tem que ir fundo. Mas depois eu acho interessante se desvencilhar disso para você próprio descobrir quais são as suas idéias, como é que você cria, como é que você inventa a forma de chegar a um determinado nível de meditação, de compreensão das coisas e tal. Isso é liberdade. A liberdade de pensamento, nesse estado de religação consigo mesmo, seria exatamente esse poder de ser quem eu sou, da forma que eu quero, verificar o que eu posso ou não posso fazer, por intermédio das minhas próprias características, limitações e transgressões. Enfim, minhas verdades. Cada um tem um caminho, um percurso diferente, e é isso que me fascina. Como cada um tem um caminho diferente, temos que respeitar esse percurso individual e aprender com isso; é um barato. Atribuir valores As coisas não são por acaso, você vai vivendo a vida e determinando-a, assim os momentos vão acontecendo para você. Qual o sentido dessas coisas em tua vida? Como é que você lida com isso? Como você atribui o valor a esses acontecimentos? Nada está aí por acaso. Tudo faz sentido quando você está aberto ao vir-a-ser. Existe o livre-arbítrio então. Há a opção de negação dessas novas possibilidades, porque até inconscientemente você procura sentido no que está acontecendo na tua vida. De certa forma você direciona, com teu inconsciente, com teu desejo, com as tuas vontades, os objetivos que você muitas vezes até desconhece. Uma coisa que pode parecer um absurdo quando surge à primeira vista para você, tal como se caísse um negócio na sua cabeça, há um susto, mas depois percebe o sentido daquilo. Assim, nossos rumos são modificados, consciente ou inconscientemente. É interessante, dessa forma, ficar aberto aos sinais que te acontecem, com a tua vida, com a existência em si. Isso me lembra uma frase da filosofia de Sartre que diz: A existência precede a essência do ser. Nesse sentido sou bem um produto da década de 70, onde as coisas aconteciam, os hippies mostravam uma transgressão desapegada. Gostava justamente dessa coisa de estar fora, de não fazer parte de um esquema rígido, convencional. Não gosto das coisas convencionais. Apesar de eu ser um pouco formal, talvez por timidez, não gosto de nada convencional. Gosto das coisas informais, sem critérios preestabelecidos. E posso dizer que o momento mais evidente, que aconteceu esta metáfora de cair uma pedrada na cabeça e isso ser o símbolo de que algo tem que mudar na minha vida, foi quando eu decidi fazer psicologia, que foi em Londres. Arte e psicoterapia Queria falar um pouco dessas duas áreas que trabalham com o mesmo conteúdo: o humano. Porém, de formas diferentes. Não sei se posso dizer se o terapeuta tem uma visão mais trabalhada do ser humano do que a visão do artista. O psicoterapeuta sabe lidar com o ser humano, pode ter uma visão fantástica de mundo, das pessoas, mas não sabe transformar esse conhecimento em arte, necessariamente. Do outro lado, tem muito artista que não tem o conhecimento formal que um psicoterapeuta tem, desta complexidade estrutural do ser humano, não é um teórico na área, mas, com a ferramenta da intuição e da criatividade, ele identifica também questionamentos essenciais da alma humana. Ou seja, dois caminhos diferentes com o mesmo conteúdo, o ser humano. O psicoterapeuta, como o artista, está alerta sempre quando atua. O psicoterapeuta tem que estar muito aberto ao momento porque cada instante que ele tem pela frente é um novo aspecto que se apresenta de seu paciente, então não pode estar preso no que aquele determinado paciente passou dias atrás. A isso também, mas atento aos novos jogos que ele traz. A essa nova postura, esse novo pensamento, a esse próximo vir a ser do paciente. Não existe muito esta coisa de se programar para atender um paciente. Claro que temos uma elaboração sobre a estrutura psíquica do paciente, de sua dinâmica básica, quais são suas diretrizes. O ser humano, mesmo com todos os dados de suas condutas expostos, mesmo assim, é imprevisível. Cada momento é um momento diferente, por isso que no nível terapêutico temos que estar ligados, alertas. Não adianta você dizer assim: Bom, hoje eu vou atender fulano, vou dizer isso, isso e aquilo. Não, você tem que ver primeiro o que ele traz e, conforme o que ele traz, a gente vai correndo atrás. Por isso o terapeuta tem que ser muito ágil. O cineasta também tem que ser muito ágil. O cineasta, o artista em geral, da mesma forma que o psicoterapeuta, tem que estar muito aberto para o novo, para cada momento da criação, cada dado extra, diferente. O artista pode ter o conhecimento que ele tiver, mas se ele não souber expressar isso esteticamente não vale muito, ou melhor, a obra de arte não se concretiza. O terapeuta tem que ter o conhecimento e a habilidade necessária para o manuseio com os psicologismos do seu paciente. Os dois têm que ter embutida neles esta arte de saber lidar com o ser humano, mas não necessariamente tem que fazer disso uma obra de arte, a não ser, como já disse, no caso do artista, que necessariamente precisa transformar todo este mundo colossal que o cerca em produto estético. No caso do psicoterapeuta não existe um produto como o do artista. O produto daquele seria a cura, se assim pudéssemos dizer. Esse tem um produto claro e objetivo, que é a arte. O psicoterapeuta está ligado, o tempo todo, no outro, analisando-o, com o intuito da cura. Por isso, este objeto que o psicoterapeuta trabalha é o da transformação do outro, utilizando todo o seu conhecimento, suas verdades, intuição, background para entender o outro e assim ajudá-lo na sua mutação. Um verdadeiro catalisador que assessora a transformação psíquica. O que não deixa de ser o papel de um artista, este de ser um catalisador. Por isso, o fio que divide os dois terrenos é tênue, quando muito não se entrecruzam em vários pontos. O ator é catalisador das energias do universo, um diretor é catalisador da energia dos atores e do universo também. Mas não adianta o diretor chegar e dizer assim para o ator: Olha, você tem que fazer isso, assim, assim, e assado. Não. O diretor tem que ver como funciona cada ator, o desenvolvimento desse no todo, enfim, o conjunto da obra. Ele não vem com o produto pronto, vai, ao contrário, fomentando, gerenciando conforme a dinâmica, a personalidade dos atores. Assim, vai criando em cima disso. A arte não precisa necessariamente trabalhar com a verdade, mas por trás dela, sempre há o universo dos significados que transcendem o que é certo ou errado, que são por si só, sem julgamentos. Portanto, a arte se imiscui também do que é verdadeiro e do que não é verdadeiro. Por exemplo, se você vai representar um personagem que eticamente não é correto para os padrões sociais, pois é destrutivo não só para si, mas também para diversas pessoas, você não deixa de representá-lo com verdade e dignidade no teatro ou no cinema, como os da vida. Os comportamentos que não são condizentes com aquilo que você acha certo ou não, como no caso de Ricardo III, que mata os irmãos para tomar posse da coroa, do reinado, ou seja, que não há o compromisso dessa personalidade com a ética, ainda sim, não nos importa em princípio na arte. Importamos-nos a posteriori. Comportamento que mostra por que Ricardo III, ao mesmo tempo que é tão instigante, sarcástico e manipulador, também está fora daqueles comportamentos padronizados como saudáveis. Assim, a arte faz o seu papel social, em mostrar para o público o que existe sem prejulgamentos. Na psicoterapia, a revelação é um processo quando o paciente se expõe, mas nesse caso, a partir do momento que identificamos o paciente como um assassino ou um suicida, tentamos conduzi-lo para o padrão de uma ética social. Não no sentido de formatá-lo com tais e tais atitudes, torná-lo rebanho, mas, sim, de fazê-lo compreender a dinâmica interna de seu psiquismo, para que ele possa mudá-la e assim ser uma pessoa mais saudável e feliz. Na arte lidamos não com realidades em si, mas realidades alegóricas, que fazem alusões explicativas a nossas consciências individuais e sociais. Tudo gerado através do plano imaginário. Assim, uma representação da verdade. Por isto que esta verdade que estamos falando, tanto da arte como da psicoterapia, não cai estritamente no campo da moral. Porque assim como a arte, a psicoterapia é bem livre, e tende a entender: aquilo que eu acho que é verdade, daquilo que o outro acha que é verdade. Há a flexibilidade e a preservação das individualidades. Mesmo porque tudo é verdadeiro, cada um tem sua verdade. Na arte, na apresentação de uma peça, por exemplo, cada personagem tem o seu projeto, a sua intenção, sentimento e verdade. Somente no campo do preconceito que uma verdade anula a outra, mas na realidade todas essas verdades podem permanecer coexistentes. O paciente que faz psicoterapia pode não se dar conta do que vai acontecendo com ele, mas à medida que o processo psicoterápico avança, vêm à tona os conteúdos inconscientes dele, permitindo com isso que se faça uma elaboração desses conteúdos, integrando-os à personalidade de forma mais saudável. Cada um tem uma verdade, tem umas pessoas que acham que se adaptar à realidade é fazer o que todo o mundo faz, é ter um trabalho, é viver bem. Tem outras pessoas que acham que não, acham que é melhor ficar sozinhas e se realizam dessa forma, ficam quietas e continuam no seu mundo, solitárias. Cada um tem um determinado padrão de vivência que, às vezes, para uma pessoa é certo e para a outra não é. Ou seja, essa coisa de adaptar uma realidade para determinada pessoa é meio perigosa. O terapeuta tem que preservar as qualidades intrínsecas do paciente; senão, todo mundo ia ser igualzinho, igualzinho, fato que não existe, dada a diversidade da natureza, povos e cultura. A psicologia abrange várias linhas e, inclusive, sou formada em psicodrama. Não sou psicanalista, sou formada em psicodrama e tenho algumas aproximações com Carl Gustav Jung. Acho que aqui fiz um breve esboço destes dois territórios que trabalho, a psicoterapia e a arte. Encontrei algumas similaridades na forma que ambos se inserem no seu ofício e outras tantas diferenças que os separam, distinguindo assim o que é um e outro. Na arte me deleito no que é belo e criativo sem fronteiras para a imaginação. Na psicoterapia assessoro vários seres humanos no âmbito da comunicação e entendimento de si próprios e do mundo, de forma objetiva, dentro de suas subjetividades características. Na infância Desde pequena leio jornal. O que é um problema até para o meu cachorro, que acha que faço mais carinho no jornal do que nele. Bom, estava vendo meu álbum de fotos com minha filha, até para selecionar alguma coisa para o livro. E minha filha viu uma foto em que eu estava lendo jornal. Menina e já lendo jornal. É uma foto feia, estou feia na foto e eu falei: Não, não vou pôr esta não, e aí ela disse: Esta você vai botar. Esta é você escrita, desde pequena você ficava lendo jornal. Minha filha implicava desde pequenininha que eu vivia lendo jornal. Então, esta é uma imagem muito forte para ela. Eu sempre gostei muito de ler jornal e acho que desde pequena. Minha filha falava: Mãe, pára, chega, não é para ler mais. Você só sabe ler jornal? Claro que não é bem assim. Posso ficar um tempo lendo o jornal, leio política, depois a arte, caderno ilustrado, caderno cultural, são as folhas que mais me interessam. Alguma coisa de cidades, para saber o que está acontecendo por aqui, e o caderno com artigos filosóficos, claro que esse quando estou livre porque exige mais tempo. Esse caderno tem um problema, porque quando me ligo a lê-lo e ninguém me incomoda, perco quase o domingo inteiro. O que não é exatamente um problema para mim, mas, como já disse, para os outros, para o cachorro etc. Fitas no cabelo Tirava muita foto com roupas cheias de babadinhos, de rendinhas. Não usava necessariamente estas roupas o tempo todo, mas para sair e tirar fotos era inevitável. Minha mãe tinha a mania de me colocar muita fita no cabelo. É engraçado. Era gordinha, era uma criança mais ou menos gordinha. E eu vivia muito assim, descalça, só de maiô. Era uma liberdade total na casa de meus pais em Cubatão. Era uma casa grande, tinha um quintal enorme. Meu pai, ele era um homem bonito. E minha mãe, sempre penteada e arrumada, tinha uma postura meio aristocrática. Ela era bem cuidada. Podia até estar na cozinha, mas parecia uma rainha, com suas jóias. Andava sempre caprichada. O maior desgosto dela é eu não ter sido uma menina assim, toda coquete. Cronologia TV Novelas 1982 • Música ao Longe (Clemência) De Mário Prata, baseada em livro de Érico Veríssimo. Com José Lewgoy, Maria Célia Camargo, Sylvia Borges. 1974 • Supermanoela (Laurita) De Walter Negrão. Direção de Gonzaga Blota, Reinaldo Boury. Com Marilia Pêra, Rubens de Falco, Carlos Alberto Riccelli, Carmen Monegal. 1972 • Tempo de Viver De Péricles Leal. Direção de Jece Valadão, Marcos Andreucci. Com Isabel Ribeiro, Adriana Prieto, Reginaldo Faria. Teatro 2005 • A Verdadeira História do Astronauta, sua mãe e o Carrasco, de Jarbas Capusso Filho, direção de Waterloo Gregório 2001 • Playground, de Dema de Francisco; direção, Djalma Limongi Batista Grupo Satyros 2006 • De Profundis, de Ivam Cabral 2004 • Kaspar Hauser, de Herzog 2003 • Antígona, de Sófocles Cinema 2006 • Sob o Signo da Cidade Direção de Carlos Alberto Riccelli. Com Bruna Lombardi. 1987 • Anjos do Arrabalde (Carmo) Direção de Carlos Reichenbach. Com Betty Faria, Clarice Abujamra, Nicole Puzzi, José de Abreu, Emilio de Biasi. 1978 • Damas do Prazer Direção de Antonio Meliande. Com Bárbara Fazzio, Nicole Puzzi, Francisco Curcio, Fátima Porto. 1974 • Amor e Medo (Olívia) Direção de José Rubens Siqueira. Com José Wilker, Maria Alice Vergueiro, Renata Fronzi. 1971 • O Doce Esporte do Sexo Episódio O Apartamento – Direção de Zelito Vianna. Com Chico Anysio, Isabel Ribeiro, Otávio Augusto, Nelson Dantas. • Mãos Vazias Direção de Luiz Carlos Lacerda. Com Arduíno Colassanti, Leila Diniz, Nildo Parente, Hélio Fernando. 1970 • Azyllo muito Louco (amante de Porfírio) Direção de Nelson Pereira dos Santos. Com Leila Diniz, Isabel Ribeiro, Nildo Parente, Arduíno Colassanti. • Cléo e Daniel (Cléo) Direção de Roberto Freire. Com Chico Aragão, Sonia Braga, John Herbert, Miriam Muniz, Lélia Abramo, Silvio Rocha, Beatriz Segall. • O Donzelo Direção de Stephan Wohl. Com Flávio Migliaccio, Grande Otelo, Leila Diniz, Marisa Urban, Plínio Marcos, Marilia Pêra. • É Simonal (Ana Cristina) Direção de Domingos de Oliveira. Com Wilson Simonal, Marilia Pêra, Ziembinski, Jorge Dória, Oduvaldo Vianna Filho. 1969 • As Armas Direção de Astolfo Araújo. Com Pedro Stepanenko, Mario Benvenutti, Francisco Curcio, Ewerton de Castro, Sergio Hingst. • A Cama ao Alcance de Todos (a freira) Episódio. Direção de Alberto Salvá. Com Agildo Ribeiro, Irma Alvarez, Isabella, Miriam Muller. • Os Paqueras (Margarete) Direção de Reginaldo Faria. Com Leila Diniz, Reginaldo Faria, Darlene Glória, Milton Gonçalves, Rita Lee, Ary Fontoura. 1968 • Lance Maior (Neusa) Direção de Sylvio Back. Com Reginaldo Faria, Regina Duarte, Isabel Ribeiro, Edison D´Ávila, Sergio Bianchi. • Fome de Amor (Mariana) Direção de Nelson Pereira dos Santos. Com Leila Diniz, Arduino Colasanti, Paulo Porto. • A Doce Mulher Amada (Carolina) Direção de Rui Santos. com Arduíno Colassanti, Irma Alvarez, Grande Otelo. 1967 • O Mundo Alegre de Helô (Helô) Direção de Carlos Alberto de Souza Barros. Com Luiz Pellegrini, Leila Diniz, Jorge Dória, Cláudio Marzo, Renato Machado, Etty Fraser, Kalma Murtinho. • Garota de Ipanema (Regina) Direção de Leon Hirszman. Com Márcia Rodrigues, Adriano Reys, Arduíno Colasanti, Chico Buarque de Holanda, Marisa Urban, Nara Leão, Ronnie Von. Índice Apresentação -Hubert Alquéres 5 Dois olhos azuis -Germano Pereira 13 Começo de Conversa 21 Minha Infância 23 A Minha Liberdade 31 Cronologia 135 Créditos das fotografias Hans D. Bolliger 68, 72, 74 Escalada 106 Demais fotografias: acervo Irene Stefania Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Anselmo Duarte O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Carlos Reichenbach e Daniel Chaia Braz Chediak Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis CabraCega Roteiro de DiMoretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Vittorio Capellaro comentado por Maximo Barro Carlos Coimbra Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra Casa de Meninas Inácio Araújo Cinema Digital Luiz Gonzaga Assis de Luca Como Fazer um Filme de Amor José Roberto Torero Críticas Edmar Pereira Razão e sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas Jairo Ferreira Críticas de invenção: os anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas L. G. Miranda Leão Org. Aurora Miranda Leão De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Djalma Limongi Batista Livre Pensador Marcel Nadale Dois Córregos Carlos Reichenbach Fernando Meirelles Biografia prematura Maria do Rosario Caetano Fome de Bola Cinema e futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado Um cineasta cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça Jeferson De Dogma feijoada o cinema negro brasileiro Jeferson De João Batista de Andrade Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky O homem com a câmera Carlos Alberto Mattos Narradores de Javé Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu O Caso dos Irmãos Naves Luis Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade por Ariane Abdallah e Newton Cannito Pedro Jorge de Castro O calor da tela Rogério Menezes Rodolfo Nanni Um Realizador Persistente Neusa Barbosa VivaVoz roteiro Márcio Alemão Ugo Giorgetti O Sonho Intacto Rosane Pavam Zuzu Angel roteiro Sergio Rezende e Marcos Bernstein Série Cinema Bastidores Um outro lado do cinema Elaine Guerini Série Teatro Brasil Antenor Pimenta e o Circo Teatro Danielle Pimenta Trilogia Alcides Nogueira ÓperaJoyce Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso Pólvora e Poesia Alcides Nogueira Samir Yazbek O teatro de Samir Yazbek Samir Yazbek Críticas Maria Lucia Candeias Duas tábuas e uma paixão Org. José Simoes de Almeida Júnior Críticas Clóvis Garcia A crítica como oficio Org. 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Maria Thereza Vargas Suely Franco A alegria de representar Alfredo Sternheim Walderez de Barros Voz e Silêncios Rogério Menezes Leonardo Villar Garra e paixão Nydia Licia Carla Camurati Luz Natural Carlos Alberto Mattos Zezé Motta Muito prazer Rodrigo Murat Tony Ramos No tempo da delicadeza Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel O samba e o fado Tania Carvalho Vera Holtz O gosto da Vera Analu Ribeiro Série Crônicas Autobiográficas Maria Lucia Dahl O quebracabeças Especial Cinema da Boca Alfredo Sternheim Dina Sfat Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Maria Della Costa Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca Uma Celebração Tania Carvalho Sérgio Cardoso Imagens de Sua Arte Nydia Licia Gloria in Excelsior Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 156 Tiragem: 1.500 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Pereira, Germano Irene Stefania : arte e psicoterapia / Germano Pereira – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. 156p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 85-7060-233-2 (Obra completa) (Imprensa Oficial). ISBN 85-7060-510-2 1. Atores e atrizes cinematográficos – Biografia 2. Cinema – Brasil 3. Stefania, Irene I. Ewald Filho, Rubens. II.Título. III. Série. CDD 791.430 981 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia : Crítica e interpretação : Representações públicas : Artes 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP T 00 55 11 6099 9800 F 00 55 11 6099 9674 www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 6099 9725 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual