Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Pesquisa dramatúrgica Luiz Terribele Jr Rosi Luna Imprensa Oficial São Paulo, 2007 Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Paulo Moreira Leite Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro Clodoaldo Pelissioni Diretora de Gestão Corporativa Lucia Maria Dal Medico Chefe de Gabinete Vera Lúcia Wey Coleção Aplauso Série Teatro Brasil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Carlos Cirne Editoração Fernanda Buccelli Marilena Villavoy Assistente Operacional Felipe Goulart Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Revisão Amancio do Vale Dante Pascoal Corradini Sarvio Nogueira Holanda Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais preexistentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Introdução Organizar esse livro não foi tarefa fácil. Sim, porque acompanhar uma pessoa como a Teresa é algo extremamente complexo – tantas histórias, tantos caminhos, tanta experiência vivida e por viver. Como todo artista, Teresa mistura sentimentos, cada lembrança é algo que parece definitivo, único. E ao mesmo tempo remete a outra, semelhante. E assim, entramos num redemoinho, onde as coisas se misturam, fluem, se transformam. Contudo, há sempre pontos fixos, nos quais podemos nos segurar e que nos ajudam a entender o seu percurso: a seriedade, o respeito, a rigidez de princípios. Quem conhece Teresa – ou Teresinha, ou Tatá, como é mais conhecida no meio teatral – entende o que estou falando. Quem ainda não conhece, vai entender depois de ler este livro. Teresa foi minha professora de teatro, depois minha diretora. Comecei no teatro profissional sob sua direção, no espetáculo Liberdade, Liberdade de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, produzido pelo Rotunda em 1984. No mesmo ano nos aventuramos, com outros companheiros, em busca de um espaço novo – nasceram O Circo do Vento Verde e depois o TAO – Teatro de Arte e Ofício. Mas esta e outras histórias serão contadas a partir das próximas páginas. Teresa sempre teve duas vertentes nítidas de atuação – a social e a artística. Várias vezes, essas vertentes se misturaram e uma acabou sendo veículo para a outra – através do teatro, a interferência na sociedade; a atuação social como um espetáculo. Il Faut Dramatizer! Como gosta de dizer a própria Teresa. Numdeterminadoperíodo,aurgência da realidade afastou Teresa dos palcos. Foi durante a criação e os primeiros anos de implantação do Centro Cultural São Sebastião Tem Alma, hoje com 18 anos de existência. Era preciso uma dedicação integral, quase uma devoção ao trabalho árduo e cotidiano de tentar alterar o rumo das coisas no litoral paulista. Mais uma vez, quem conhece o território caiçara e suas especificidades vai me entender. Quem não conhece, infelizmente não conseguirá entender. É preciso um mergulho maior – mas fica o convite para fazê-lo, através do trabalho da própria Teresa na cidade de São Sebastião. Enquanto escrevo esse livro, Teresa prepara um novo espetáculo é um momento delicado, onde as emoções estão à flor da pele, a cabeça a mil, e fica mais difícil desviar sua atenção para outra coisa – no caso, a finalização deste livro! Mas é interessante ver como ela reage no momento tão importante da criação, como as coisas vão se encaixando, se desencaixando, para depois se juntarem novamente. Na verdade, foi assim meu trabalho na organização deste livro. Juntamente com a Rosi Luna, buscamos fragmentos, informações dispersas, lembranças dela e de outros. E espero que tenhamos conseguido passar um pouco da dimensão da trajetória desta mulher-artista-guerreira, que com seu temperamento forte, sua braveza, seu talento, seu humor nem sempre fácil e sua sensibilidade extraordinária, vem construindo uma das carreiras mais diversificadas e importantes no cenário teatral do Estado de São Paulo. Ariane Porto “Depoimentos sobre Teresa...” Teresa Aguiar, chegando do mar É o sinal de todas as amigas Renata Pallottini Theresinha Aguiar foi um belo presente que o Doutor Alfredo Mesquita me deu, na época em que a Escola de Arte Dramática passou para a USP, em 1969. Ela dividiu com o Ademar Guerra a direção dos espetáculos dos formandos daquele ano. Ademar Guerra dirigiu América Hurrah e Theresinha O Rato no Muro, apresentado no Festival Internacional de Teatro de Manizales, na Colômbia e fez um grande sucesso. As belas palavras da Hilda Hilst num espetáculo ao ar livre. Nessa época, assistimos juntos ao espetáculo Topografia de um Desnudo que, não por coincidência, vai virar filme feito por ela, tendo eu no elenco. Theresinha Aguiar me dirigiu na peça infantil O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado. Com essa peça, ganhei meu primeiro prêmio de teatro. Eu acho Theresinha Aguiar uma das personalidades mais fortes do nosso teatro. Ela fez do eixo São PauloInterior, uma passagem do melhor que se pode ter na cena brasileira. Ney Latorraca Um dia eu li no jornal, indo pra escola em Campinas, que o TEC ia fazer naquela noite um teste para uma nova montagem – O Auto da Compadecida, do Ariano Suassuana. Eu passei o dia todo na escola pensando naquilo, entusiasmada. Nessa época eu tinha 14 anos, já estudava declamação e balé, participava de festinhas em escolas, paróquias, tudo quando era movimento eu queria fazer, eu estava metida. Nessa noite eu fui ao teste acompanhada da minha mãe. Era num sotãozinho na Associação Campineira de Imprensa. Estava cheio de gente na sala, umas pessoas muito alegres. Me lembro de uma moça sentada em cima da mesa, e foi um impacto. Nunca na minha vida tinha visto ninguém sentada assim, não se senta em cima de uma mesa. O diretor, que era o Wilson Maux, me pediu pra falar um texto e eu falei uma poesia qualquer. Quando eu terminei ele me chamou e perguntou: “Que idade você tem? Você estuda? O que você gosta de fazer? Por que você está aqui? Estou aqui porque eu gosto, quero fazer teatro, quero ser atriz”. E no final da noite ele disse que ia experimentar comigo o personagem palhaço. E foi assim que eu me iniciei no teatro e no TEC. Eu já tinha ouvido falar do TEC, sabia que existia desde o fim dos anos 40, que tinha parado e retornado com o Ademar (Guerra), a Teresinha (Aguiar) e o (Fernando) Catanni. Nessa época, a Teresinha ficava mais na produção, era a presidente. A gente ensaiava todas as noites. A minha estréia foi com O Auto da Compadecida. A peça foi pra Porto Alegre e eu ganhei o prêmio de atriz revelação. Depois, o prêmio de coadjuvante Governador do Estado, no Festival de Teatro Amador de São Paulo. Eu fiz várias peças no TEC – Rapunzel, A Via-sacra do Ghéon, Natal na Praça, O Tempo e os Coways, já com direções da Teresinha. Eu estava aprendendo com cada espetáculo, pois no TEC a gente passava meses estudando o texto, o autor, os costumes da época, estudava história da vestimenta, sabia tudo do autor, era lindo. Sem isso, não teria segurado essa barra, porque o profissionalismo é uma avalanche, te suga. Se você não tem uma base sólida você dança, você agüenta dois ou três anos e no quarto ano você já... Foi importantíssima essa base. Regina Duarte Teresa, eu lhe anuncio uma grande alegria! O senhor, o deus senhor dos mares, Que lhe fez os grãos de areia Mostra em cada pescador a sua face! Bemaventurada Teresa, que vê a face do criador “o que fizeres a um pescador é a mim que fazeis” “o que fizeres a um índio, um peixe, é a mim que fazeis” Ergue teus cestos trançados, nele: Teus sonhos e desejos. Queima na pira do deus de ternura as tuas mágoas Acrescentando à tua oferenda o incenso do teu amor Não precisa pedir perdão de nada: Apenas oferece! Destampe a ânfora de tuas lágrimas E se manifestará o encoberto. A madrugada que parece tão irreal já se anuncia! Teresa, guerreira de tantas armas, Parece que querem tua guerra acabar... Mas não! Acorda as outras teresas que dormem dentro de ti Muda as armas nada pequeno é justo e bom A guerra deles é tão velha A tua raiva não é boa nem má É apenas força, como a do mar Dá sentido bom, Cria rastros para outros Deus te deu o faro Não deixará secar os teus mares Eu te creio, horas nervosa, horas terna Faz dentro de ti Ou faz com os outros O destino não está na chegada. E o destino está em navegar! Padre Max Teatro do Estudante, Teatro Amador, Teatro Profissional. Mas sempre teatro. Vejam bem, essa não é uma história do teatro. Não tem pretensões científicas, acadêmicas, enfim, não tem pretensão de espécie alguma. É a história do que vivi e estou vivendo. Quando comecei a fazer teatro, havia três classes distintas: o Teatro do Estudante, Amador e Profissional. O Teatro do Estudante – que foi organizado e incentivado nacionalmente pelo Paschoal Carlos Magno – e o Teatro Universitário – onde em São Paulo atuaram nomes como Décio de Almeida Prado e Alfredo Mesquita – eram os teatros do estudante na acepção plena da palavra, de pessoas que eram estudantes de teatro, independentemente do nível. Era um teatro absolutamente descompromissado no sentido material, porque não tinha que ter bilheteria, não tinha que ter sucesso. Tinha sim que aprender, que ousar, que experimentar, que encarar desafios enormes, sem a preocupação em acertar ou errar. A grande preocupação era com a formação e a informação. A época de ouro do Teatro do Estudante teve como expoente máximo os festivais nacionais, que aconteceram com mais força dos anos 50 ao início dos 70. Foi uma época de grande efervescência cultural, em que os protagonistas eram os jovens que se utilizavam do teatro para aprender, ensinar, renovar, romper, sedimentar. A outra “categoria” era a do Teatro Amador. Eram pessoas um pouco mais velhas, mais maduras, a maioria já exercendo outras profissões, e que faziam, com grande seriedade e empenho, teatro de qualidade. Eram realmente os amadores que faziam teatro por amor. Infelizmente, muitas pessoas associam o teatro amador ao teatro de má qualidade; virou, para muitos, um termo pejorativo. Campinas, nos anos 50, 60, teve importantes grupos de teatro amador, como de Carlito Maia, que marcou época com sua montagem de A Paixão de Cristo. Outro exemplo nessa época era o TAP, Teatro Amador de Pernambuco, um grupo excelente formado por advogados, médicos, professoras, que fazia excursões pelo Brasil levando espetáculos de altíssima qualidade. Já no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) nos anos 50 podemos falar de um teatro profissional, onde a figura do produtor assume grande importância em espetáculos cada vez mais requintados, onde a bilheteria era o fluxo de caixa. Não havia espetáculo vendido, o público aderia espontaneamente. Diferentemente da relação presente no teatro amador ou do estudante, aí existiam os contratos, os sindicatos, os contadores, ou seja, tudo que caracteriza a empresa teatral. O TBC, com atores, técnicos e diretores contratados, era uma espécie de globo daqueles tempos, uma coisa hollywodiana para a época, e alguns se portavam como tal. Querem saber de uma coisa? Com toda razão. Depois do TBC, grupos de atores se organizaram em companhias de teatro profissional. Os mais emblemáticos eram as companhias Tônia-Celli-Autran, Nydia Licia-Sérgio Cardoso, Cacilda Becker-Walmor Chagas, Nicette Bruno-Paulo Goulart, Maria Della Costa-Sandro Polloni, em São Paulo. Essas companhias começaram a viajar para o interior, fazendo sempre paradas obrigatórias em Campinas. As companhias ficavam sempre hospedadas no Hotel Pinheiro e os atores faziam suas refeições no restaurante Marreco, na Rua Costa Aguiar, ao lado do Teatro Municipal. Foi numa dessas temporadas da Companhia TôniaCelli-Autran que conheci o Paulo. E por aí, começo minha viagem no tempo, falando daqueles profissionais pelos quais tenho o maior respeito e admiração, a matéria-prima do meu trabalho – os atores. Teresa Aguiar Capítulo I Sobre os atores Eu gosto muito de trabalhar com atores que não têm experiência nenhuma, que não sabem nada, que são uma página em branco. Esses atores vêm puros, sem vícios de representação. Acredito que são reprodutores, são ecos que vão repassando o ensinamento que você deu. Eu gosto das respostas que o meu trabalho me dá com os atores. As pessoas falam muito que eu sou uma diretora de atores, mas acho isso uma bobagem, não existe essa separação – diretor de ator/diretor de espetáculo. Uma coisa não existe sem a outra. Mas claro que trabalhar com atores experientes também é extremamente estimulante. Felizmente, tive e tenho na minha carreira o privilégio de trabalhar com grandes profissionais. Paulo Autran Tive o privilégio de assistir à estréia de Paulo Autran no teatro, que foi com a peça Um Deus Dormiu lá em Casa. Ele realmente era um deus, lindo, carismático. Durante uma época, tive o prazer de conviver com o Paulo em Campinas. Era a época deliciosa do Teatro Municipal, onde as companhias teatrais de São Paulo faziam temporadas dos grandes sucessos e a companhia Tônia-Celli-Autran estava fazendo uma temporada longa com várias peças de seu repertório. O Adolfo Celli era o diretor, a Tônia Carrero, Paulo Autran e outra grande atriz, Margarida Rey, integravam o elenco. Nessa temporada específica, estavam apresentando Entre Quatro Paredes, Natal na Praça, Negócios de Estado e acho que tinha outra peça que não me lembro. Nessa época eu trabalhava no fórum e já fazia parte do Teatro do Estudante, com o Ademar Guerra. Íamos toda noite ao teatro ajudar na bilheteria ou no que fosse preciso, porque o Fernando Catani, nosso companheiro do TEC, era assistente do produtor que levava os espetáculos, o Henrique José Pereira. E o municipal lotava duas, três semanas e foi aí que conhecio Paulo Autran. Eu saía dotrabalho às cinco horas e toda tarde ele ia me esperar na saída do fórum para irmos comer sanduíche no Bar Rosário. Lembro bem que ficávamos desesperados, pois a Tônia, depois do espetáculo, bem tarde da noite, queria café com leite, pão com manteiga! Só que Campinas, até hoje, depois de uma determinada hora não tem onde comer. Eu morava num quarto numa casa de família, Ademar Guerra morava com o pai num hotel, o Catani não sei, mas também não tinha uma grande estrutura. O caso é que não havia como tirar leite, nem das pedras do calçamento! Era um sufoco. O Paulo era, além de lindo, um perfeito lorde inglês. Ele fazia o maior sucesso com as mulheres, tanto que lhe demos o apelido de Paulinho das moças. Até hoje não perco um espetáculo dele e toda vez nosso reencontro é superlegal, muito carinhoso. Quando foi para inaugurar o nosso Teatro de Arte e Ofício (TAO) em Campinas, eu pensei: ”Meu Deus, precisamos fazer uma coisa retumbante!” E claro, convidamos o Paulo Autran. Lembro que ele morava na Avenida 9 de Julho, num desses prédios que hoje, infelizmente, estão abandonados. Passamos lá e fomos para Campinas. E foi uma noite inesquecível! O Paulo batizou nosso palco com trechos de Liberdade, Liberdade do Millôr Fernandes e Flávio Rangel. O momento mais incrível, foi quando Paulo falou o monólogodoMarco AntônionosfuneraisdeCésar. E o teatro, recém-inaugurado, quase veio abaixo! Esse é o Paulo Autran: grande figura, grande ator. Um grande homem. Regina Duarte O TEC – Teatro do Estudante de Campinas, tinha uma sede na Av. Francisco Glicério, no sótão da Associação Campineira de Imprensa. Um dia, estávamos fazendo teste para a montagem de O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna e chegou um casallevandopelamãoumamenininhadeuniforme daEscolaNormal.Amãe,muitoséria,mefalou: Vim trazerminhafilhaparafazerteatrocomvocês.Eram “Seu” Jesus e Dona Dulce, pais da Regina Duarte. Desde sempre os pais da Regina deram uma força extraordinária para ela, acompanhando em todas as viagens do TEC. Sim, porque a Regina, com 13 ou 14 anos, fez o teste e foi escolhida para fazer o personagem do palhaço no Auto da Compadecida. E com esse espetáculo viajamos muito, fomos para o Festival Nacional de Teatro do Estudante do Paschoal em Porto Alegre e nesse festival a Regina levou o prêmio das dez melhores atrizes do festival. Depois, ela ganhou o prêmio Governador do Estado de melhor atriz. Depois da Compadecida, a gente fez A Viasacra do Ghéon. A Regina era muito novinha, e durante os longos ensaios, se cansava de ficar procurando o gestual sacro, a estátua, enfim, aquelas loucuras, e ficava fazendo tricô. Ela levou muita bronca minha por causa disso! Quando comemoramos os 21 anos do TAO (dia 12 de dezembro de 2005) com a participação da Regina, contei isso para o Eduardo, marido dela (aliás, uma pessoa extremamente simpática e agradável) e ele me disse: Pois é, agora é o crochê! Rimos muito e Regina disse que não se lembrava que desde aquela época ela gostava disso e que, realmente, ela adora fazer crochê, pegar um novelo novinho, e depois ver no que se transformou. O tempo passou, mas Regina continua aquela menina doce, de uma simpatia enorme e um talento incontestável. Bom, voltando no tempo, depois fizemos também O Natal na Praça do Ghéon, onde a Regina fazia uma nossa senhora cigana. Havia a casa dos artistas ou casa do ator, não me lembro bem – em São Paulo, que alugava roupas para teatro. Alugamos para Regina usar no espetáculo uma capa comprida, um manto, e eu peguei em casa um xale que tinha umas lantejoulas. E a Regina, com esse figurino, se transformava de uma cigana jovem que dançava, numa nossa senhora que arrebatava platéias. Mas o maior sucesso que Regina fez na época foi com a peça O Tempo e os Conways de Pristley. O público chorava de soluçar com a persona-gem que ela fazia, Carol, a menininha cheia de sonhos, que só queria viver – e que morre no final. A Regina tinha a mesma idade da persona-gem, com aquele sorriso, aquela doçura, aquela alegria. Enfim, era realmente demais da conta! Esse espetáculo foi muito marcante, tanto assim que toda vez que nos encontramos falamos em remontar O Tempo e os Conways e ela diz: Que pena, não posso mais fazer o papel da Carol! Logo depois a Regina fez umas fotos e foi chamada para fazer uma propaganda da Kolynos e acabou tendo que se mudar – com toda a família – para São Paulo. Ainda tenho um programa do TEC em que ela escreveu: Theresinha, prometo não virar só a menina Kolynos! E não é que a danadinha cumpriu a promessa? Luís Otávio Burnier O Luís Otávio era um moleque entre tantos outros que se inscreveram para o curso de teatro do conservatório da Léa Zigiatti, onde a Yolanda Amadei dava expressão corporal, a Milene Pacheco dicção e voz e eu, interpretação. Numa de minhas aulas, dei umas noções super básicas de mímica, na verdade eram mais noções de interpretação através do corpo. Terminamos o exercício, começamos a fazer outro, mas o Luís Otávio continuava vidrado no exercício de mímica. Eu me lembro perfeitamente desse momento – foi a grande descoberta da vida dele. Eu chamava para outras coisas, mas ele não atendia – foi tomado de um encantamento que ficou com ele até o fim da vida. E a partir daí ficamos amigos. Ele foi morar em minha casa em São Paulo, fez exame pra entrar na EAD, entrou, só que não chegou até o fim. Ele era muito jovem, muito louquinho, mas seu caminho já era claro – a mímica. No consulado francês conseguimos uns filmes do mímico Marcel Marceau e ele assistia noite e dia, era uma obsessão. Tanto assim que ele decidiu que iria para a França estudar com o mestre. E todo mundo começou a ajudar para tentar viabilizar o sonho – a Renata Pallottini, eu, os pais – que deram sempre uma grande cobertura, um grande apoio. E ele conseguiu, foi estudar na França. Ele e outros estudantes descobriram um telefone público que estava com defeito, que não marcava o tempo, e com uma moeda só ele ligava para o Brasil e a gente conversava horas, trocava idéias sobre as aulas, sobre tudo. Quando ele voltou, foi seguir carreira na Unicamp. Não sei muito bem como foi essa transição, essa volta, a entrada dele na universidade. Ah, as coincidências da vida – um dia, depois de muito tempo, ele apareceu em São Sebastião no Projeto (São Sebastião tem alma) com o filhinho e passamos o dia inteiro conversando. Ele falava da criação de um método que estava desenvolvendo, de seu trabalho sobre as gueixas, sobre o Oriente. Foi uma conversa gostosa, comprida. Depois percebi – foi uma despedida. Logo depois, ele morreu. O Burnier era uma pessoa assim, iluminada. A todos os atores Realmente, não dá para falar aqui de todos os atores com os quais trabalhei. Foram centenas, todos muito respeitados, queridos, companheiros de um espetáculo, outros de uma vida. Mas sempre companheiros. Ao longo das histórias que aparecerão neste livro, muitos serão citados. Mas aos que não forem, tenham certeza que são sempre lembrados, com muito carinho. A todos vocês, atores queridos, digo com o coração na mão – obrigada por tudo! Capítulo II Influências Para começar, um pouco de família Acho que a Hilda Hilst tinha razão. Ela usava um termo bonito, dizia que a minha obra sempre é permeada por uma coisa assim, entre o medievo e o sacro. Já o Miroel Silveira dizia que o meu teatro tem uma preocupação com a morte. Deve ser porque a morte me incomoda muito. Na verdade, meu primeiro contato com o impacto da representação do sacro sobre as pessoas ocorreu quando eu era criança. Foi um fato bastante interessante e até engraçado, mas que ficou marcado na memória – e para os psiquiatras é um prato cheio! Eu era muito pequena, pequeníssima mesmo, morava em Mogi das Cruzes e saí numa procissão de São Benedito vestida de anjo. Era um anjo verde-água de asas, de coroinha e tudo mais, era uma coisa muito esquisita. No final da procissão, aquela confusão toda, muita gente, eu e outra amiguinha minha, também vestida de anjo, nos perdemos. Começamos a andar de mãos dadas procurando o local onde nossos pais nos mandaram esperar. Saímos andando sem rumo e fomos parar em um beco onde umas pessoas – moradores de rua – bastante alcoolizadas, festejavam São Benedito. Quando viram aqueles dois anjos, fizeram uma roda em volta da gente e falaram: Olha os anjos que caíram do céu, que São Benedito mandou pra gente. E começaram a rezar, ajoelhados à nossa volta, até que nos encontrassem naquela situação, entre os bêbados. Na cabeça deles não sei o que aconteceu, mas acho que devem ter ficado momentaneamente em estado de graça. E nós, de pânico! Ainda criança, numa festa de família, as pessoas me perguntaram o que eu ia ser quando crescesse. Eu me lembro que eu deixei as pessoas muito assustadas porque disse que ia ser advogada – como toda família do meu pai – que ia trabalhar no circo e ia cuidar dos presos. Acho que foi uma premonição. Fui advogada – tive um casamento com muito respeito, mas sem amor com a advocacia por muito tempo. Fiz o circo – quer dizer, o espetáculo, com o qual eu convivo, trabalho e do qual eu me energizo até hoje. E cuidar dos presos é a minha atuação social, que hoje é nosso trabalho com os “povos do mar” a partir do Centro Cultural São Sebastião tem alma. O primeiro contato que eu tive com o espetáculo foi o circo. Eu era muito pequena, devia ter me-nos de sete anos e morava em Sorocaba. Tinha a primeira parte que chamavam “ato variado” – eram os trapezistas, palhaços, etc. – e a segunda parte era o drama. Me lembro que era um dramalhão, uma história muito triste sobre um palhaço que não dava certo. Eu nunca mais me esqueci desse espetáculo, o primeiro espetáculo da minha vida. Em cima da garagem de casa tinha um salãozinho onde eu e minhas amigas brincávamos de escola – e eu, com uma liderança nata, era diretora da escola, dava ordens. Mas começou a ficar chato brincar de escolinha, então tive a idéia de brincar de circo. E nas tesouras do telhado, amarramos umas cordas e as pessoas faziam o “ato variado”, se penduravam e faziam “acrobacias” do nosso jeito. Na parte do drama, montamos um presépio com os elementos que tínhamos: a manjedoura era um caixote, o tapete vermelho e felpudo do carro eram as palhas. Só que a menina menor, que fazia o menino Jesus, era comprida demais e ficava com as pernas penduradas para fora do caixote. E ela achava ruim porque tinha ficar absolutamente imóvel. E tinha como sempre Nossa Senhora, São José, mas só que começamos a inovar, decidindo que tinha que ter uma pastora – porque tinha que ser pastor? Mas aí começaram os problemas da produção: como fazer os bichos? Pegamos uma galinha do quintal da minha casa e a menina que era pastora agarrava a galinha, que, claro, esperneava e gritava o tempo todo. Enfim, esse foi o primeiro espetáculo que eu fiz na minha vida – esse presépio com a galinha berrando e Jesus com as pernas de fora. Mas já tinha ingresso! O público – pais, irmãos, amigos – pagava com palitos de fósforo. O palito, na saída, era trocado por dinheiro. E com esse dinheiro, resultado da “bilheteria”, a gente comprava biscoitos e doces para os presos (meu pai era delegado de polícia em Sorocaba). Depois, seguimos fazendo atos variados. Éramos quatro amigas, e eu era sempre a diretora. Num desses atos variados, decidi que queria ter uma participação diferente, como “atriz”. Cada “atriz”, cantava uma musiquinha sobre as quatro estações do ano e coube a mim o outono. Eu tinha uma cestinha com uva, maçã, banana, sei lá, e cantava assim: Outono é meu nome, das frutas sazonadas, penduro nos pomares cheirosas e douradas. E tinha o refrão que todo mundo cantava: Viva o outono, viva o outono. Evidentemente, quem tem irmão mais velho sabe qual a reação típica – meus dois irmãos caíram na gargalhada quando eu comecei a cantar. Eu tive um acesso de fúria, joguei as frutas no público e fui chorar no colo de não sei quem. E aí acabou a carreira de uma grande atriz que eu poderia ter sido! Meu pai foi promotor, depois passou a ser delegado de polícia, mas pegou uma época muito complicada – a ditadura do Getúlio. Durante todo esse tempo meu pai não foi promovido porque ele jamais aceitou fazer o jogo da ditadura. Eu não entendia bem porque era muito pequena, mas percebia que alguma coisa estava errada porque a família queria que ele arreglasse e fosse promovido, fizesse carreira como todo mundo, mas ele não aceitou nunca. Só que o castigo pra quem não era adepto da política, era a transferência. E assim foi. Moramos um tempo em Itu (quando eu ainda acreditava em Papai Noel e minha mãe pincelava minha garganta com azul de metileno quando eu estava doente), depois moramos pouco tempo em Mogi das Cruzes (de onde só me lembro de quanto achava chato ir para a escola), depois fomos para Sorocaba. Foi lá onde tive contato com o primeiro espetáculo teatral, o primeiro namorado, a primeira turma, e onde fiz amizade com outra forasteira, como eu, vinda de São Paulo, a atriz Maria Alice Vergueiro. E nesse meio-tempo, nas temporadas de férias, sempre teve Ubatuba. Grande parte da minha infância eu passei férias em Ubatuba, no período em que se abria a estrada Rio-Santos. Eu vagava com a minha turma de praia em praia e um dia presenciamos um episódio que me marcou muito. Tem uma praia que hoje em dia é um local top que se chama Domingas Dias. No alto do morro da praia morava uma negra africana, que deveria ser remanescente de algum quilombo, chamada Domingas Dias. E a grande aventura da minha turma naquela época era andar pela praia até a Domingas Dias para ver se encontrávamos aquela mulher misteriosa. E numa manhã, quando estávamos quase chegando na praia, ouvimos uns estampidos. Algumas pessoas passaram pela gente e disseram: Meninos, não vão na Domingas Dias que tá tendo guerra. Ficamos muito assustados e voltamos. Mais tarde, soubemos que tinham matado a Domingas Dias. Depois de adulta, percebi que aquele não foi um fato isolado na abertura da Rio-Santos. Claro que teve caiçara que quis vender sua terra, que depois ficou vagando por aí, mas isso é problema de cada um. Teve também caiçara que trocou sua terra por uma mala de dinheiro sem valor, que foi enganado. Mas teve sim um processo muito violento. Enfim, isso ficou muito marcado dentro de mim e com certeza influenciou muito minha maneira de encarar o papel do teatro na sociedade. Minha relação com o mar também influenciou muito minha obra. Com o mar, assim como com o teatro, tenho uma ligação quase religiosa, permeada por uma espécie de ritual. Não sou capaz de chegar na praia, me lambuzar de bronzeador, usufruir do sol, me banhar e ir embora como cheguei. Assim como não chego nem saio impune de um trabalho teatral. Antes de entrar no mar, peço licença a Iemanjá e a todo povo do mar, entro lentamente, sentindo o contato da água e a energia que vem dela. É uma troca. No teatro, é a mesma coisa, o palco é um lugar sagrado. A relação com os atores é marcada, primeiramente, pelo respeito. É igualmente uma relação de troca que deve ser, antes de mais nada, respeitosa, saudável, produtiva, benéfica. Só assim podemos receber o público. Mas voltemos à infância. Nas temporadas que meu pai passava em Ubatuba, ele organizava a cooperativa dos pescadores – ele queria fazer o que eu estou fazendo hoje com o São Sebastião Tem Alma e o Povos do mar. Até que ele foi proibido de ir para Ubatuba sob alegação de que estava “agitando” os pescadores. E fomos para Casa Branca, que é realmente uma página em branco na minha vida. Me senti arrancada de minha turma, de minhas atividades, tanto assim que eu levei a única bomba da minha vida – bombei em trabalhos manuais! Foi quando deu uma epidemia de meningite em Casa Branca e meu pai, que já estava pra se aposentar, foi transferido de volta pra São Paulo, mas a família foi morar em Campinas. Nessa época (final dos anos 40) ele não agüentou a barra da polícia paulistana. Ele tinha tanto pavor do tratamento brutal que era dado aos presos que chegou um dia e disse: Olha, não quero mais. As pessoas falavam tem que ficar aí até aposentar como “especializado”, falta pouco, o salário é muito melhor. Mas ele não agüentou. E claro que isso também influenciou – e influencia até hoje – minha obra. De meu pai herdei a timidez, o inconformismo perante a injustiça, o espírito de luta. E também um certo desassombro diante de situações limítrofes. Eu me lembro de um episódio de minha infância relacionado a isso. Meu pai era delegado regional de polícia em Sorocaba, e tinha um leprosário lá perto que chamava Pirapitingui. Numa madrugada eu acordei muito assustada, com umas pessoas chamando meu pai para acalmar um levante que os leprosos estavam fazendo. Meu pai se vestiu rapidamente e estava saindo quando as pessoas perguntaram se ele se ele não ia armado. Ele respondeu: Mas eu estou armado, e mostrou o terço que levava no bolso. Me lembro que as pessoas comentarem que ele chegou lá, se meteu no meio dos leprosos e fez uma falação com o terço na mão. Falou sobre generosidade, caridade, sobre Deus, mas também sobre injustiça e sobre necessidade de organização para se conseguir melhorar uma situação ruim. Enfim, ele tinha essa coisa de enfrentar situações complicadas na argumentação, sem violência, bem diferente do perfil tradicional do delegado de polícia. Já de minha mãe herdei o temperamento fechado. Ela era uma mulher quieta, austera, muito responsável. Quando era solteira, muito jovem ainda, ela foi diretora de um pensionato no Palácio dos Azulejos em Campinas (que foi sede da Prefeitura e onde hoje funciona o MIS – Museu de Imagem e Som), cujo mentor era Dom Nery. Nesse pensionato moravam as moças de outras cidades do interior que iam estudar na Escola Normal. A mesma Escola Normal que seria tão importante, muito tempo depois, na minha vida. Sim, por que foi na Escola Normal (hoje Instituto de Educação Carlos Gomes) em Campinas que eu me fiz gente, virei cidadã muito rapidamente. Eu já estava adaptada em Campinas, quando minha família, após a aposentadoria de meu pai, decidiu voltar para São Paulo. Mas eu não queria mais rupturas, já tinha minha turma, meu namorado, eu tinha tudo. Então eu disse: Não, eu vou ficar para terminar o ginásio. E fiquei sozinha, aos 15 anos, morando no Pensionato Santa Cruz. Era um casarão gerenciado pela freiras dominicanas. Às seis da tarde ninguém mais entrava nem saía. A freira que ficava na portaria chamava irmã Santo Humberto. A gente reclamava da comida, do telefone, de não poder sair... Mas ela era surda e só falava que era assim mesmo, que era pra fazer sacrifício. Essa relação com a religião, com a formação dentro da igreja católica, claro que marca muito e acaba ficando. Hoje, ainda mantenho uma relação forte com os santos católicos, apesar de ser completamente diferente da relação que me foi passada pela família dos meus pais. É mais uma relação de irmão, de amizade. Tenho os santos da minha vida que eu nem vou nomear agora porque eu posso esquecer de algum, aí fica chato! Mas a relação não pára nos santos, eu falo com Deus também, falo com Jesus, falo com todo mundo, rezo. Sou uma pessoa que reza, acredito para caramba. Mas não sou católica praticante, não tenho relação com o clero, mas acho que deve haver respeito. Essa relação com o sagrado se mantém presente também na minha relação com a natureza, tan-to que durante um grande momento da vida fui umbandista. E como boa brasileira, tenho as minhas guias, tenho Iemanjá, tenho um oratório com um monte de santos! Mas, enfim, voltando à adolescência, fiquei longe da família, morando num pensionato de freiras. É claro que essa decisão fez com que eu me sentisse sozinha no mundo, mas acabou me dando uma dimensão maior de independência, da necessidade de resolver as questões sozinha, de liderar minha própria vida. E isso, com certeza, eu levei para a minha relação com o teatro. Acabei assumindo de vez uma posição de direção, na qual cabiam as decisões e escolhas. E assumindo as conseqüências, ou seja, os acertos e erros. Mas pensando nas influências, posso dizer que uma figura que marcou muito a minha vida foi o Paschoal Carlos Magno, hoje, infelizmente, esquecido no Brasil e completamente desconhecido pelas novas gerações. Tem uma pequena sala no teatro Sérgio Cardoso em São Paulo chamada sala Paschoal Carlos Magno, o que na realidade devia ser ao contrário, posto que o Sérgio Cardoso é uma cria dele. O momento que eu conheci o Paschoal marcou o norte da minha vida. Eu estava fazendo o ginasial e a figura dele era impressionante – um homem enorme, de uma beleza romana, de uma firmeza e de uma sinceridade! O Juscelino, inteligente que era, manteve o Paschoal como um ministro sem pasta para agitar e intelectualizar a juventude do Brasil. A grande obra de Paschoal foi investir nessa moçada através do Teatro do Estudante do Brasil. Ele acreditava nos espetáculos e acreditava muito nas pessoas. Ele investia nos jovens, elegia as pessoas que tinham uma chama e aí ele enlouquecia. Acho que é uma coisa que herdei dele. Eu primeiro acredito no teatro da comunidade, teatro comunitário, seja ele onde for. Eu poderia ter ido embora de Campinas, de São Sebastião, para me dedicar apenas à minha carreira de “diretora” em São Paulo, “fazer carreira”, como queriam que meu pai fizesse. E eu poderia ter sido uma “diretora muito famosa” porque do meu ramo eu entendo. Mas eu acredito muito mais no resultado e na alteração que você pode fazer na comunidade através do teatro. Assim como Paschoal sempre acreditou. Essa minha maneira de ser, minhas experiências pessoais, minha formação, o modo como encaro o teatro desde o primeiro momento, foram decisivos para os rumos que segui profissionalmente. E foi a partir de Campinas que formamos nossa trincheira em espaços bem definidos – o TEC (Teatro do Estudante de Campinas), o Rotunda e o TAO (Teatro de Arte e Ofício). E nesse caminho já se vão 40 anos! Capítulo III Outras influências Paschoal Carlos Magno Voltando a falar de Paschoal, muito dos atores brasileiros que surgiram na época, moraram em Santa Teresa, na casa dele. Era uma casa enorme, de três andares, que vivia entulhada de pessoas que vinham de todas as partes do Brasil. Ele fa-lava: Olha, nem sei de onde são, pergunta pra eles. Olha, na cozinha deve ter alguma coisa, procura lá. Era muito louco. Eu me lembro de uma vez que eu fui para o Rio de Janeiro para uma reunião preparatória de um Festival Nacional e ia ficar no apartamento de uma amiga. Cheguei à noite no apartamento e a chave não abria a porta. Como eu não conhecia ninguém, voltei para a rodoviária para esperar amanhecer. Ai o varredor falou: Olha moça, é melhor não ficar aqui, agora o movimento começa a cair e é perigoso ficar sozinha. Eu ainda estava carregando uma supervitrolinha Sonata e fiquei com medo de ser roubada. Liguei para o Paschoal e ele falou: Sua louca, venha pra cá imediatamente, pegue um táxi e venha. Só que o cara do táxi deve ter percebido minha cara de assustada e começou a ficar meio engraçado: Ah, paulista, coisa e tal, aquele papo de carioca. Quando a gente começou a subir pra Santa Teresa, o cara foi ficando cada vez mais engraçado e eu mais assustada. De repente, comecei a ouvir uns gritos no meio da noite: Theresinha Aguiar, onde está você! O Paschoal tinha se tocado que era madrugada, ficou preocupado e começou a descer a ladeira de Santa Teresa, de pijama, gritando meu nome. O cara do táxi ficou em pânico com aquele cara enorme, correndo em direção ao carro, gesticulando muito. É meu tio, falei. Esse era o Paschoal, que se despencava do morro de Santa Teresa de madrugada, de pijama, para salvar os caipiras que iam atrás dele. Muitas outras vezes depois eu fui para o Rio nessas reuniões e dormi na casa dele. Ele falava: Vê onde tem lugar aí, e tinha aquelas roupas de cama que todo mundo usava. Ele tinha umas irmãs que eram tão loucas quanto ele, a tia Orlanda e tia Rosa, que viviam no mesmo estilo, no mesmo ritmo. Era uma loucura total. Que saudade dessa loucura que não existe mais! A Fundação Pinheiro Júnior, do Rio de Janeiro, doou para o Paschoal uma fazenda esculhambada, velhíssima, chamada Aldeia de Arcozelo. Ele queria fazer lá um refúgio dos artistas. A Aldeia de Arcozelo era uma coisa mágica, difícil de definir. Quando fui escrever minha tese sobre o Teatro do Estudante, voltei a Arcozelo. Paschoal já tinha morrido, só estava lá tia Orlanda, já muito velha. As portas dos grandes barracões estavam abertas, a chuva tinha inundado a biblioteca. Os figurinos de Romeu e Julieta, de Hamlet, estavam esfarrapados no porão. Tinham portas que não se abriam e não havia como ter acesso a nada mais. Arcozelo tinha acabado absolutamente abandonada. A gente ainda teve a felicidade de participar de dois festivais que ele fez lá – um festival de teatro para criança, para o qual levamos o Tribobó City de Maria Clara Machado pela EAD, e o Festival de Arte Sacra, onde participamos com A Viasacra do Ghéon, com o Rotunda. A Via-sacra Havia um terreno ao lado do casarão que tinha o aspecto de uma arena. O Paschoal mandou colocar umas pedras e o local se tornou um teatro com arquibancadas, como os teatros gregos, absolutamente natural. O local era cercado por árvores enormes, lindas. Para a apresentação da Viasacra resolvemos inverter as coisas, e ao invés de fazer o espetáculo na arena, a gente colocou o público embaixo e fez o espetáculo subindo as escadarias de pedra. Os figurinos eram túnicas e mantos de flanela, compondo as figuras rústicas da Bíblia, tão humanas. A noite veio nas últimas cenas e envolveu o pessoal da dança, da música, os convidados e os colonos, todos juntos conosco, em longos e silenciosos abraços. Era a total perplexidade diante da obra de arte que fazia circular a grande energia que ia aquecendo todos nós. Era fim de tarde e a iluminação pifou. O que foi maravilhoso, pois fizemos o espetáculo iluminado pelos derradeiros raios de sol, entre as árvores. A tarde foi escurecendo, com pesadas nuvens, que faziam a “luz cair em resistência”. Com esse espetáculo reencontrei o ponto de luz perseguido desde os idos de 1948, quando uma réstia de sol iluminou o rosto do Hamlet/Sérgio Cardoso, numa manhã na Escola Normal, no dia em que conheci o Paschoal. Foi, sem sombra de dúvida, o momento mais feliz e mais bem realizado desta trajetória, um belo final para uma história de amor. Mas era também o epílogo. A grande lembrança que guardamos de Arcozelo, dentre tantas outras lembranças tão importantes, foi uma longa conversa com Paschoal, no seu quarto cheio de cartazes, livros e, sobretudo, de esperanças. Ele queria que fizéssemos juntos Romeu e Julieta para apresentar nas ruas de Santa Teresa, nas casas e nas salas de sua própria casa. Estive depois na casa dele para planejarmos a produção da peça. Dizia ele: Nesta sacada, que dá para o pátio interno, faremos a cena do balcão, serão moças e rapazes do Brasil inteiro na grande cena do baile, as cenas de rua vão para as ladeiras deste morro, depois recolhemos o espetáculo para o teatro Duse. Fizeram uma vez, num programa de televisão tipo “essa é sua vida”, uma homenagem ao Paschoal e eu fui chamada pela produção. Ele falou do Teatro do Estudante, eu apareci, a gente se abraçou, se beijou, chorou, foi um momento superemocionante. Saímos para jantar depois do programa – ele já estava bem velho – e falava o tempo todo: Theresinha, vamos fazer pelas ladeiras de Santa Teresa Romeu e Julieta. Você vai dirigir e nós vamos fazer o grande baile na minha casa. Nessa época, eram poucos os que acreditavam no romântico herói de Santa Teresa e muito menos na delirante montagem de Romeu e Julieta. Vendo a Aldeia de Arcozelo em ruínas, eu lembro de uma frase dita por Paschoal, tempos depois, já exilado da sua casa: Os homens públicos são transitórios, mas podem, na sua transitoriedade, fazer todo o mal do mundo. E a Casa de Santa Tereza, que abrigou tanta gente, ele não conseguiu mais administrar. No fim da vida, Paschoal estava morando num apartamento onde eu cheguei a visitá-lo. Mas aí não era mais o Paschoal, já tinha médico, tinha enfermeiro que cuidava dele. Mas ele ainda sonhava em fazer Romeu e Julieta em Santa Teresa. Claro que ninguém acreditava, mas eu falava: Ah, Paschoal, vamos fazer, vai ser lindo. E depois eu não o vi mais. Ele morreu e com ele morreu esse mecenato. Ele era um mecenas, era um louco que acreditava que através da cultura você construía um país. Uma cultura que investia na juventude. Paschoal era um erudito que que-ria popularizar a cultura. Só que a bandeira do Paschoal não conseguimos vender pra nenhum governador, nenhum prefeito. Paschoal Carlos Magno marcou profundamente a vida do teatro nacional, criando o movimento de estudantes que cruzou este país de ponta a ponta, semeando cultura e teatro. Nessa missão, Paschoal Carlos Magno empenhou tudo o que possuía, até a própria vida. Hilda Hilst Fui a primeira pessoa que montou as peças da Hilda Hilst. Nós já éramos amigas, eu freqüentava a chácara dela quase todas as noites. Ela já tinha uma bela produção, mas ninguém montava. Talvez tivessem medo da obra dela, que realmente não é fácil. Mas é belíssima! A primeira peça foi O Rato no Muro, que montei como exame na EAD a convite do dr. Alfredo Mesquita, onde a Ester Góes fez a irmã superiora. Depois, remontei com outra turma da EAD e a Jandira Martini interpretou o personagem que tinha sido da Ester Góes. A Hilda estava ansiosíssima porque ninguém nunca tinha feito o teatro dela, e confesso que nós também estávamos. O texto é complexo, subjetivo, sobre freiras que vivem trancafiadas num convento à espera da chegada de alguém ou algo. Do lado de fora, a ameaça ou a salvação. Bom, uma grande viagem, poética, como não podia deixar de ser. Levamos esse espetáculo para o Festival de Teatro Universitário na Colômbia, e foi um momento incrível. Eu não queria fazer o espetáculo num teatro convencional, então propus que apresentássemos pelas ruas, até chegar à frente da catedral. E saímos com o elenco pelas ruas de Manizales, quando começou aarmarumagrandetempestade. Eaquelasfreirasenlouquecidaspelasruas,cantando, gritando e foi juntando gente, parando pessoas... Chegamos ao lado da catedral antiga e apresentamos o espetáculo sob um céu de fim de tarde, ameaçadoramentelindo,comrelâmpagos faiscando. Quando me lembro, ainda fico arrepiada. Depois, montei da Hilda O Visitante, que é uma peça também super-hermética, difícil. Com o grupo da Faculdade de Arquitetura de São Paulo, fiz O Novo Sistema. Outro desafio. Com O Rato no Muro chegamos a fazer uma temporada em São Paulo no teatro Sesc Anchieta. Na véspera da estréia, varamos a noite ensaiando, montando o cenário do Geraldo Jurgensen que era uma cruz completamente torta, cheia de candelabros esquisitos, com um anjo velho, despedaçado, ao fundo. O espetáculo era tão impactante que quando acabou, o público se manteve uma fração de segundos no mais absoluto silêncio. Aí a Hilda, que era muito louca, disse bem alto: Eu sabia que ia ser uma merda. Quando ela acabou de falar, o teatro veio abaixo, as pessoas aplaudiam, gritavam, foi uma loucura esse O Rato no Muro no Anchieta. Posso dizer que fiz um estágio em minha vida com a Hilda Hilst. Um estágio de sabedoria e loucura, que marcou fundo, para valer. Outra vez, a santa loucura que não existe mais. TBC e Abujamra Logo depois que fizemos as 3.650 Noites do Rotunda em comemoração aos 10 anos do grupo, fui embora para São Sebastião. Estava esgotada, tinha sido um espetáculo maravilhoso, mas muito difícil – tinha me endividado para arcar com a produção e até empenhei minha Variant 79 (que era novinha naquela época e que, felizmente, continua comigo até hoje!). Estava realmente decidida a ficar morando com os caiçaras, olhando para o mar. Até que um dia o Paulo Hesse – que tinha sido meu aluno na EAD – me disse: Você é louca, não vai agüentar ficar aqui, vamos pra São Paulo, o Abujamra está reabrindo o TBC e está precisando de uma pessoa. Eu te apresento pra ele. Estávamos na praia do Guaecá e para falar a verdade, já estava ficando enjoada de ficar sem fazer nada. Fomos para São Paulo e o Paulo Hesse me levou aos subterrâneos do TBC, num porão tenebroso onde ficava a salinha do Abujamra. E com aquela cara de Abujamra que todo mundo conhece ele falou: Senta aí e conta toda sua vida. Aliás, essa é uma frase que incorporei e uso sempre: Conta sua vida. Conversamos um pouco e ele falou: Estou abrindo o TBC e fazendo um espetáculo muito lindo, muito difícil e você vai fazer comigo. É Dona Rosita, a Solteira, do Lorca, lá no teatro da Nicette Bruno, o Paiol. Está aqui o texto, esteja amanhã às 2 horas da tarde para o ensaio. Trabalhar com a Nicette Bruno, para mim, foi uma escola. Uma atriz maravilhosa, de uma competência, de uma disciplina, de uma humanidade imensas. Também foi nesse espetáculo que eu conheci a Márcia Real, com quem trabalhei depois e é também uma atriz impressionantemente disciplinada, competente. Um pouco antes da estréia, o Abujamra foi viajar e me deixou sozinha e, evidentemente, morta de medo. Foi a mesma sensação de quando a Cândida Teixeira, um século antes, me deixou sozinha fazendo A Bruxinha que Era Boa. Eu comandei a estréia e a primeira parte da temporada. Um dia, num espetáculo vendido para escola, começou uma baderna na platéia. A Nicette, que fazia maravilhosamente bem a Dona Rosita, parou o espetáculo e disse: Vocês estão me atrapalhando e atrapalhando o espetáculo, se forem continuar assim, a gente pára aqui. Agora, se vocês quiserem ver o espetáculo que eu estou oferecendo pra vocês, o comportamento tem que ser diferente. Eu vou fechar a cortina, me recompor e recompor o elenco, e a gente retoma o espetáculo. Nesse período, aqueles que quiserem ir embora podem ir. E se retirou para o camarim. Tinha um elenco grande de jovens e ela passou tanta força para todos e impôs tanto respeito perante a platéia, que não se ouvia um mosquito. E foi o espetáculo mais bonito da temporada. Enquanto fazíamos Dona Rosita no Paiol, os trâmites para abertura do TBC seguiam. Havia umas questões jurídicas que precisavam ser resolvidas e levei umas amigas minhas advogadas, a Wilma Laino eaRuthBarbosa, queajudarammuito oAbujamra nessa questão de legalizar o uso do TBC. Depois de aberto o TBC, o Abujamra montou no Assobradado Os Órfãos de Jânio do Millôr Fernandes. Eu continuava a ser sua assistente e posso dizer, sem falsa modéstia, uma assistente muito competente, já que às vezes ele sumia e eu ficava lá, segurando as pontas. Mas eu adorava esse espetáculo, o texto do Millôr. Foi um espetáculo simples, direto, que contava uma história, um espetáculo completamente diferente de Dona Rosita. Tinha no elenco a Clarice Abujamra, outra grande atriz. Depois de Os Órfãos de Jânio fomos fazer um espetáculo sobre a carreira do Hélio Souto. Essa produção acabou não dando certo por problemas internos, mas foi aí que conheci a Ileana Kwasinski, uma das melhores atrizes que já passaram pela minha vida. Ela era uma pessoa especial. O Francarlos Reis, que trabalhava como ator em Os Órfãos de Jânio e fazia a produção executiva para o Abujamra, dizia que se ela jogasse um guardanapo no ombro virava moda, de tão forte que era a personalidade dela, de tão exuberante. E ela era muito engraçada, tinha dias que ela chegava reclamando: Porra, gente, falo que estou com o maior problema e todo mundo começa a dar risada! Por quê? É que ela era muito alto astral. Às vezes a gente se encontrava em São Sebastião, na praia do Guaecá, onde ela tinha uma casa. Trabalhei com ela em outra produção no TBC, do Amadeu Tilli, Walfredo, Meu Anjo do Benê Rodrigues. Nessa peça atuaram também a Bárbara Bruno, que fez um excelente trabalho, a Márcia Real, o Amadeu Tilli e o Dênis Derquian. Infelizmente, a Eliane Kuasinski morreu muito cedo, não sei muito bem como e nem por quê. Era uma pessoa tão vigorosa, tão incrível, tão cheia de vida! Enfim, foram cinco anos de TBC e de Abujamra, onde aprendi muitas coisas. Mas acho que na construção de um espetáculo, sou muito diferente do Abu, ele não sofre tanto, pelo menos não se deixa flagrar sofrendo. Essa é uma característica – ele nunca vai à estréia dos espetáculos. Ele morre de medo. Então ele fica em casa, ligando: Tem gente? Quantas pessoas têm? Tem pipoqueiro? Ah, se o pipoqueiro já chegou, então eu fico mais aliviado. Quando tem pipoqueiro, tem gente! Isso era uma coisa que ele falava. E outra coisa que dizia sempre: Vamos trabalhar pouco e bem. Ele era contra essa fúria de varar a madrugada ensaiando. Nessa época, tinha um bar em frente ao TBC aonde o pessoal ia chegando e se reunindo. E o Abu ficava lá, falando aquelas coisas todas que ele gosta de falar até hoje. Ninguém entendia nada, mas todo mundo ficava fascinado, inclusive eu. O Abu é um diretor muito inspirado, no meio dos ensaios ele tinha uns insights e ajudava muito os atores a encontrarem seus caminhos. Vi ele fazer isso várias vezes, dando pequenas chaves, aparentes descaminhos para os atores, mas que no fim ajudavam construir o personagem ou a cena. De repente, uma coisa bate na cabeça dele e ele põe para fora, desassombradamente. Eu acho que tenho um pouco isso, são momentos em que bate uma luz na cabeça, momentos do espetáculo que não foram programados. Mas por incrível que pareça, o Abujamra é um menino. Um dia, ele estava dirigindo uma novela na Bandeirantes com Carlos Alberto Riccelli e a Bruna Lombardi e foram fazer umas gravações numa cachoeira perto de São Paulo. Para começar, ele não gostava de acordar cedo – no que tem toda razão. Depois, na tal da cachoeira existiam muitos pernilongos, que, claro, picaram todo mundo. Ele saiu da gravação e foi direto para o ensaio. Assim que chegou telefonou para mulher dele, a Belinha, que é uma figura, e falava com voz de coitadinho: Ai, Belinha, os mosquitos morderam minha mão, o que que eu faço? Parecia um menino de sete anos telefonandoparaamãe.Enaseqüênciaelesaíadelá e dava esporroshoméricosnoelenco.Depois, virava para a gente e falava: E aí, será que eu exagerei? Enfim, eu acho o Abujamra uma grande figura, um profissional competente, que sabe das coisas. A passagem pelo TBC e a convivência com o Abu foi numa época muito importante na minha vida. Passagem pelo Sesi Fui durante dez anos ensaiadora teatral do Sesi, em Campinas. Primeiro em uma turma de adultos, mas como era difícil a leitura e compreensão de textos, convidei uma amiga para “ensaiar” leitura em grupo. Alegrinha, coloquei em meus relatórios essa façanha, que não onerava os cofres de ninguém. Veio uma advertência de São Paulo – eu não podia continuar com esse “aquecimento”, porque o Sesi disponibilizava classes especiais para isso. Cheguei a fazer valentemente um espetáculo no Municipal com essa turma A Casa Fechada. Na sequência, comecei a trabalhar com os filhos dos industriários, surgindo assim o grupo do “Sesinho”. Fizemos vários espetáculos, inclusive a indefectível Bruxinha que Era Boa da Maria Clara Machado. Maria Clara, que sempre me dizia ao telefone – faz seu teatrinho, se sobrar um dinheirinho você me manda. Felizmente, bem depois, consegui mandar algum dinheirinho para ela– eviva Tribobó City. Tempos depois, eu trabalhava no cartório e chegou um homem enorme e me disse: Lembra de mim? Oh Teresa, você se esqueceu! Eu sou o bruxo do “Sesinho”. Que bom que ele não se esqueceu. E foi nessa época que o Sesi levou para São Paulo, o Eduardo Curado. Que pena! O mar e sua gente O “cuidar dos presos” – minha primeira declaração de princípios, feita ainda na infância naquela longínqua festa de família – veio concretizar-se já há quase 20 anos através do trabalho sociocultural que faço no Centro Cultural São Sebastião Tem Alma. A ligação com os povos do mar vem da infância em Ubatuba. Porém, meu reencontro com essa paisagem me foi proporcionado pelo teatro, quando meu amigo dos tempos do Teatro do Estudante, Ernesto Vivona, convidou-me para um trabalho que acabou se transformando na “Missão de Teatro” no litoral norte. Ao longo de pelo menos dez anos, a prioridade para mim foi – ” Salvar o Mar para Salvar os Povos”, a partir da cidade de São Sebastião. Claro que essa “salvação” passava pelos traços culturais. Projeto maravilhoso! Mas só “caiu a ficha” quando o mestre Toninho Pequeno negou ser canoeiro. Depois, a confirmação da necessidade de ampliar as ações veio quando tivemos nosso primeiro contato com a comunidade isolada da Ilha da Vitória, mar adentro: Como dançar, cantar, fazer barquinho, se não temos médico, professor, água, nem roça! Esse era Seu Maneco, patriarca da Vitória. E as fichas continuaram a cair – os povos do mar estavam (e continuam) em processo de extinção. Graças a Deus nunca voltei prá casa chorando porque apanhei na rua. Assim, a duríssimas penas, colocamos em ação o Programa SOS – Saúde, Educação, Agricultura e Pesca. Colocamos a seguir, também a duríssimas penas, os mestres artesãos na rede oficial de ensino – saíram de suas tocas e da “clandestinidade” para dar aulas de artesanato, pesca, trançado, rede e objetos de barro. Colocamos a Congada de São Benedito – depois de uma reclusão de várias décadas – na rua. As Folias de Reis e do Divino voltaram a percorrer a cidade. Enfim, lá estamos, desde 1989, não só em São Sebastião mas em todo o litoral brasileiro, numa luta sem tréguas, na qual o “fazer teatral” tem ajudado muito. Fossem o poder público e as empresas que vivem do nosso sangue mais atentos, teríamos o homem do mar produzindo alimentos – bastava que tivéssemos uma política pesqueira séria e permanente. As empresas que querem transformar nossos litorais num “arremedo de Cancún” seriam menos burras se interligassem, na sua fome imobiliária animal, as culturas dos povos do mar, em vez de destruí-las. Até mesmo a legislação ambiental, que veio em boa hora, infelizmente está tão enxovalhada, tão manipulada pelos seus “vigilantes”, que se permite o aterro do mangue para implantação de condomínios e resorts de luxo e pune, com mão pesada, o canoeiro, o artesão, o pescador, o roceiro de mandioca, porque, segundo sua lógica, esses sim são os grandes “destruidores da natureza”. Somos, junto a alguns companheiros, uma das últimas fronteiras, e com nossas armas estamos em guarda com: • Encontros Nacionais e Internacionais dos Povos do Mar, em sua 10a edição. O próximo terá como tema as alterações na legislação ambiental. • A TV Povos do Mar, primeiro exibida na Band Vale, depois na STV, que sem glamour de telenovela mostra a vida dessa gente. • A Rede de Comunicação Povos do Mar não deixa mais ninguém isolado, procurando unir meu povo e torná-lo visível. E viva as mulheres do mar, maiores produtoras de alimento do mundo – pescam e amamentam seus filhos! Capítulo IV Um pouco de história O teatro em Campinas Campinas tem uma tradição teatral dentro do interior do Estado impossível de ser negada. A primeira casa de espetáculos construída na cidade foi o Teatro São Carlos, em 1850, e o primeiro grupo teatral importante – a Companhia Dramática Campineira – nasceu em 1869. Um fato importantíssimo para a vida cultural da cidade foi a apresentação no Teatro São Carlos do espetáculo A Dama das Camélias de Alexandre Dumas, em 1886, com a grande atriz Sarah Bernardt. Dá pra imaginar o que a apresentação dessa artista, acostumada a representar para “príncipes e reis nos cenários mais ricos da Europa”, numa peça falada em francês, significou para Campinas! O velho e bom Teatro São Carlos foi demolido, mas em seu lugar surgiu, em 1930, o belíssimo Teatro Municipal. De 1919 a 1949, atuou na cidade um grupo amador, o Grêmio Artístico Bandeirante, que teve, assim como outros grupos, uma produção importante. Outro grupo que atuou de 1953 até 1971 foi o Teatro de Arte da Prefeitura (TAP). O diretor e principal ator do TAP era o dr. Carlos Maia, o querido Carlito Maia, que emocionava a cidade com sua atuação como Jesus Cristo na Viasacra, que era apresentada todos os anos, na Semana Santa, e que mais tarde faria parte da vida do TEC. Mas a gente pode dizer, sem sombra de dúvidas, que o grande marco moderno para o teatro campineiro foi a chegada em 1948 do Teatro do Estudante do Brasil, do Paschoal Carlos Magno. Capítulo V O Teatro do Estudante O Teatro do Estudante do Brasil O que há de bom no teatro Brasileiro? Eu grito aos brados: fique contrariado quem quiser, o que tem de bom no teatro brasileiro saiu do Teatro do Estudante. O Teatro do Estudante nasceu de minha mais total loucura. Eu tinha vindo da Europa e vi a situação caótica do teatro brasileiro, um teatro sem orientação técnica, representado por atores e atrizes sem a menor preparação. Uma situação melancólica, com uma crescente ausência de público e um número cada vez maior de companhias que multiplicavam seus frágeis esforços, suas energias, sem encontrar eco por parte da platéia e da imprensa. Aí eu me lembrei que todos os movimentos importantes do Brasil tiveram origem no meio estudantil. Então eu os chamei à casa de minha mãe. Havia uma mulher notável, hoje já esquecida por todos, uma das maiores atrizes do Brasil, a Itália Fausta. Fui procurála para dirigir o Teatro do Estudante do Brasil e ela chorou: “Mas eu nunca tive chance de fazer isso!” Ela foi então dirigir Romeu e Julieta. Um espetáculo formidável, que deu de presente ao teatro Brasileiro, numa só noite, a Sônia Oiticica, o Paulo Porto, o Sandro Polônio. Toda a imprensa abriu coluna para eles. E deram uma lição de teatro, pois todos sabiam o texto de cor, falavam português com acento brasileiro. Isso, quando todos ainda usavam o ponto e falavam, no palco, com sotaque lusitano. Um dos maiores atores do Brasil, o Leopoldo Fróes, falava em cena como se fosse um lisboeta. Nós impusemos a língua brasileira no palco. Quando fui a um congresso de língua falada, na Bahia, todos os congressistas, homens ilustres, disseram que o Teatro do Estudante vencera uma batalha, colocando a língua brasileira no palco do Brasil. Paschoal Carlos Magno (in depoimentos ii MEC-DAC-FUNART-SNT, 1977, p 159,160) O Teatro do Estudante atraía jovens de escolas superiores, secundárias, técnicas, normais e aceitava qualquer pessoa que quisesse fazer teatro e fosse menor de 30 anos. Eram todos estudantes... de teatro. Com o tempo, começaram a se multiplicar pequenos teatros pelo Brasil afora, seguindo o modelo e os processos do Teatro do Estudante. Eram grupos de amadores, operários, funcionários públicos de todos os Estados do país que queriam estudar, discutir, experimentar teatro. E claro, inovar. As transformações na arte dramática não vinham isoladas, estavam dentro do movimento geral – criação de grandes indústrias, fundação de Brasília, intensificação da vida política e cultural. Eram as novas forças sociais que surgiam, as novas classes dispostas a participar ativamente do processo. Com o Teatro do Estudante, o espetáculo brasileiro começava a procurar seus próprios caminhos, deixando de lado as influências do teatro francês, italiano e inglês, e os atores começavam a reagir contra a chamada escola portuguesa. As contribuições do Teatro do Estudante do Brasil foram muitas: a implantação da fala brasileira no palco sem acento lusitano, a retirada do “ponto” e o início de uma tradição trágicodramática. Mas claro que as grandes transformações no teatro nacional não podem ser creditadas unicamente às atividades do Teatro do Estudante do Brasil. Durante a década que se aproximava, um teatro cada vez mais local despontaria também da atuação do Teatro Brasileiro de Comédia, do Teatro de Arena e do Teatro Oficina, na criação da EAD. Depois de um certo tempo à frente do Teatro do Estudante, Paschoal, que era diplomata, se afastou do país e chamou para ocupar seu lugar na direção a Maria Jacintha. Ela teve um papel muito importante na história do Teatro Brasileiro, pois foi quem difundiu a idéia de um repertório comprometido com a consciência do público e voltado para a transformação social. E Paschoal voltou da Europa, com uma idéia – maluca, para a época – de encenar no Brasil o Hamlet, de Shakespeare. Apesar de a idéia ter servido de piada – era inconcebível montar o Hamlet no Brasil – Paschoal insistiu, conseguiu uma verba de 80 mil cruzeiros do MEC (a montagem custou mais de 400 mil!) E chamou para dirigir o espetáculo Hoffmann Harnish. Depois de sete meses de ensaios o espetáculo estreou, lançando os estudantes Sérgio Cardoso, Sérgio Britto, Maria Fernanda, Jaci Campos, Fregolente, Luiz Linhares e um novo cenógrafo, o Pernambuco de Oliveira. E a montagem de Hamlet pelo Teatro do Estudante do Brasil, realizada num nível que poderia ser colocado ao lado de importantes montagens internacionais, permitiu sonhar, concretamente, com o projeto de instauração de um teatro verdadeiramente moderno e adulto no Brasil. Uma agitação permeada de orgulho começou a percorrer o país de ponta a ponta. O Hamlet de 1948 era a afirmação, no teatro, da grande confiança que, talvez um pouco ingenuamente, depositávamos em nós mesmos naquele momento. E o mais importante era que essa afirmação vinha também (ou principalmente) do teatro de estudantes. O Hamlet de 48 Eu gostaria de dar um testemunho a esse respeito. Nós viajamos com o Hamlet e sinceramente eu nunca vi nenhum acontecimento teatral comparável a tudo o que aconteceu durante as apresentações. Nem na Europa. Cada apresentação era um ato de amor, de magia, uma coisa incrível. O público vibrava. Os teatros ficavam superlotados. Uma coisa fantástica. Eu gostaria de perguntar ao Paschoal o que aconteceu com o teatro desse tempo para cá: por que ele não é mais aquele ato de alegria? Maria Fernanda (in depoimentos ii MEC-DAC-FUNART-SNT, 1977) Montar Hamlet no Rio de Janeiro em 1948 era tarefa arriscada e só possível para um grupo amador, provavelmente, diante do que seria o custo de uma produção profissional adequada; estou perfeitamente persuadida de que no panorama de falta de tradição de montagem dos clássicos, de extrema juventude e conseqüente inexperiência e limitação técnica do elenco, a linha romântica, alemã, era realmente a mais indicada para a conquista do público. Talvez fosse realmente a única possível. E o que não é possível pôr em dúvida é a importância da montagem do Teatro do Estudante do Brasil naquela época: Hamlet simplesmente tomou conta da cidade, tornouse o tema de todas as conversas, influiu até na moda. Disse Elia Kazan em algum lugar que o fenômeno mais estranho no teatro na noite de estréia, é que todas as noites daí em diante passem a aparecer no teatro exatamente 50 pessoas. O mesmo acontecerá se forem 100 ou 200 ou quantas queiram e, em 1948, foi exatamente isso que aconteceu no Teatro Fênix, de saudosa memória: o teatro estava cheio na noite da estréia e cheio ele permaneceu durante toda a temporada. “Aconteceu” alguma coisa no Rio de Janeiro com aquela estréia; de repente, o teatro passou a ser uma coisa excitante que captou a imaginação coletiva de boa parte da população. Em alguns casos o “clima Hamlet” resultou em atitudes absolutamente fanáticas, com casos comprovados de mocinhas que assistiram literalmente a todas as récitas da temporada! Não saberia dizer se o espetáculo foi bom, ótimo, mau ou péssimo; posso garantir, no entanto, que a inexperiência do elenco era em grande parte superada por uma eletrizante entrega emocional, por uma generosa paixão pelo que se fazia, que os monólogos do príncipe da Dinamarca arrancavam lágrimas e paroxismos de aplausos de um público que se entregava ao espetáculo ao mesmo nível de paixão com que a ele se entregavam os que dele tomavam parte. Posso dizer, também, que não tenho lembrança de haver testemunhado em outro caso algo semelhante à revelação de um talento tão fulgurante quanto o de Sérgio Cardoso no papel que dominou para sempre sua carreira. Claro que ele não era um ator acabado, claro que precisava de disciplina, de amadurecimento, mas naquela linha alucinadamente romântica ele podia atrair de corpo e alma e, com a simples força de seu talento, criar um Hamlet que existia e se comunicava com força memorável. Bárbara Heliodora (in depoimentos ii MEC-DAC-FUNART-SNT, 1977) Hamlet conseguiu um impacto terrível. Durante 50 noites foi representado no Teatro Fênix superlotado, com um calor terrível. O espetáculo mereceu críticas, crônicas e comentários jornalísticos os mais favoráveis. Eu mesmo tenho aqui em casa quatro ou cinco volumes de recortes sobre a presença do Hamlet no teatro brasileiro. Uma promoção cheia de entusiasmo. Inclusive, vou confessar aqui o que raras vezes falei a alguém. Preocupado em firmar o espetáculo entre nós, eu mandava cartas para meus amigos, na Europa, solicitando todo o apoio deles. Uma coisa assim: “John Gielgud, você me faz o favor de me mandar o telegrama que aí vai no texto: – saúdo o Teatro do Estudante. Desejo todo o êxito, John Gielgud”. Fiz isso com muita gente. Com o Vitório Gassmann. E então os jornais ficavam cheios de telegramas e os malditos ainda dizendo que o Paschoal Carlos Magno dá a impressão de que o mundo inteiro vai parar porque ele está apresentando Hamlet. O certo é que fizemos o maior sucesso. Paschoal Carlos Magno (in revista Dyonisios do MEC/FUNDART, 1978) Moças e rapazes de Campinas, esse é Hamlet, e esta é Ofélia. Foi a primeira vez que ouvi a voz de Paschoal Carlos Magno. Eu tinha 14 anos, e junto com outras centenas de estudantes que apinhavam o anfiteatro da Escola Normal, aguardava ansiosa a chegada dos estudantes do Rio de Janeiro, que iam falar sobre o espetáculo que seria apresentado naquela noite no Teatro Municipal – Hamlet de Shakespeare. Seria a primeira vez que eu assistiria a um espetáculo teatral. Antes, só o circo da minha infância. Paschoal Carlos Magno, diretor do Teatro do Estudante do Brasil, acompanhava os atores para uma conversa com os alunos, antes da sessão da noite. E assistimos todos, extasiados, Sérgio Cardoso e Maria Fernanda, iluminados por uma réstia de sol daquela manhã de inverno de 1948, vestidos com roupas normais, representarem trechos de Hamlet. Talvez aquele Sol que entrava pela janela incomodasse os atores. Mas para mim, aquele Sol que batia direto no rosto de Sérgio/Hamlet era a luz ideal, perfeita e eu continuei perseguindo aquele momento por toda a minha vida. A apresentação do Hamlet em Campinas foi programada pela união universitária (composta por estudantes das faculdades de Filosofia, Canto Orfeônico e Ciências Econômicas), que armou uma estratégia para o sucesso do empreendimento. Primeiro, interessou o empresário teatral que trazia os espetáculos de fora, Henrique José Pereira, que usou de seu prestígio junto à sociedade local lotando platéia, frisas e camarotes e reservando aos estudantes o resto do teatro – o que já era muito, já que o velho Municipal de Campinas comportava muitas pessoas. Se para o Rio de Janeiro o impacto do espetáculo foi tão expressivo, imaginem o que significou para cada canto do Brasil onde o Hamlet foi mostrado! Seria impossível catalogar o número de movimentos teatrais surgidos por causa do espetáculo. E assim, o fenômeno Hamlet pode ser considerado um divisor de águas também para a cidade de Campinas. Para mim, menina chegada ontem, tímida e caipira, a voz de Paschoal foi como um chamado, o chamado de um sacerdote para participar de uma cerimônia cotidiana, o encontro com o milagre do teatro. E esse chamado persiste até hoje, mesmo quando o predestinado Paschoal se retirou para sempre, certamente de volta à sua casa de Santa Teresa, do jeito que era antes – sua espécie de Olimpo. O Teatro do Estudante de Campinas Acho sem dúvida que o trabalho do TEC e dos outros grupos ajudaram a transformar Campinas. Mas uma companhia de teatro, um grupo que consiga sobreviver em Campinas é tão raro! Um grupo dar certo. Há quanto tempo que não dá certo nada... Regina Duarte O Teatro do Estudante de Campinas nasceu sob a luz de duas estrelas de dimensões diferentes, mas que de uma forma ou de outra, acabaram por apontar-lhe o caminho a ser seguido: Paschoal Carlos Magno e Alfredo Mesquita. Paschoal Calos Magno, que levou em 1948 os moços do Teatro do Estudante do Brasil para apresentar Hamlet de Shakespeare, nunca mais cortou a ligação profunda que estabeleceu com os jovens locais, deixando a semente do Teatro do Estudante de Campinas. Alfredo Mesquita, em contrapartida, foi o tutor sempre presente e eficaz na sua tarefa de bem educar para o teatro. Não há dúvida de que os princípios que durante um longo período nortearam a formação cultural do grupo, bem como um mais amplo entendimento do que fosse teatro, basearam-se na atuação da Escola de Arte Dramática de São Paulo. Esses princípios eram muito nítidos: a) Intelectual – consciência de não conhecer o suficiente; logo, não improvisar a partir do nada, mas procurar aprender. b) Artístico – procura e preocupação constante do aperfeiçoamento estético da obra teatral concebida como pesquisa e trabalho. c) Político – atuação dentro dos limites para os quais apontava o objetivo primeiro: fazer teatro; mas sempre que foi preciso unir forças, o TEC assumiu o seu papel de entidade atuante na política estudantil. d) Social – interferência constante no circuito social da cidade, em todos os espaços oficiais ou alternativos, centrais ou periféricos. e) Econômico – produzir sempre sem fins lucrativos. f) Humano – paixão exercida com liberdade. Antes mesmo de conhecer o teatro e seu espaço de Peter Brook, o TEC procurava o clímax da celebração. Pura intuição. Sempre foi livre, independente, já que no princípio cortou as cordas que o amarravam às faculdades e nunca mais assumiu outro compromisso que não fosse o ofício do teatro, que exercia com a devoção dos que acreditavam ser possível acontecer o milagre da celebração. Como toda a juventude da época, seus integrantes dispunham de tempo (tempo interior) para elaborar sua proposta de vida. Não havia cobranças a curto prazo. O Teatro do Estudante de Campinas foi o resultado da atitude conseqüente de uma geração que pôde elaborar todo um processo de desenvolvimento cultural, mediante o exercício do livre pensamento. Essa mesma geração, porém, sofreu o afunilamento repressor resultante do Golpe de 64. Qualquer ação conjunta de estudantes passou a ser proibida: umas, ostensivamente, desde que fossem entidades políticas; outras, como agremiações culturais e artísticas, por via indireta. E o grande espaço vazio que deixaram não foi preenchido pela política de produção massificada da cultura. Era o Golpe de 64. O Teatro do Estudante do Brasil visitou Campinas em junho e já em agosto foi realizada a primeira assembléia de estudantes para a aprovação do estatuto para a fundação do Teatro do Estudante de Campinas (TEC). Apesar de serem estudantes da Faculdade de Filosofia (que depois se tornaria a PUCC), o grupo era independente. A idéia de um teatro com base em determinadas exigências de caráter estético, definida tanto na escolha dos textos quanto na opção por um cuidadoso trabalho de montagem, estava presente desde • o primeiro momento. Já em setembro, o TEC consegue uma sede – um dos camarins do Teatro Municipal – e começam as discussões sobre os primeiros projetos do grupo, com orientação do professor George Raeders, da Faculdade de Filosofia. O grupo decide montar, como primeiro espetáculo, As Artimanhas de Scapino, de Molière. A estréia do grupo fez muito sucesso, tanto assim que depois de uma temporada na cidade o espetáculo seguiu para o interior. O segundo espetáculo do grupo foi Flores de Sombra, de Cláudio Souza. Porém, depois da sua segunda temporada em Campinas, o TEC caiu num inexplicável silêncio até 1953, quando então nossas histórias se uniram. Isso aconteceu numa tarde de março de 1953, no mesmo anfiteatro onde, cinco anos antes, o Teatro do Estudante do Brasil tinha desembarcado. E embora a locação fosse a mesma, o ponto de vista da câmera era outro, as personagens eram outras. Eu, sentada no centro da mesa, me preparava para fazer um discurso de posse, já que, numa campanha baseada num feminismo tão desarticulado quanto precoce, fui eleita a primeira presidente mulher da associação normalista Álvares de Azevedo. Ao me levantar para ler meu discurso – escrito em tiras de papel pautado – me lembrei da réstia de Sol que iluminou o rosto daquele Hamlet-Sérgio Cardoso, ponto de luz cravado em minha memória. Senti uma sensação estranha, que alterou profundamente minha “proposta de governo”. E assumi, naquele momento, o compromisso inadiável de fazer renascer o Teatro do Estudante de Campinas. Meu discurso de posse se baseou numa notícia de jornal que fez vibrar a equipe que assumia a direção do Grêmio: líderes juvenis de várias partes do mundo reuniam-se na Grã-Bretanha para estudar o trabalho das organizações estudantis. Desse acontecimento, eu partia para apresentar um programa de realizações concretas, como cimentar o pátio do recreio da escola, promover debates sobre questões políticas e sociais e realizar pelo menos três bailes por ano! Até aí, tudo bem, tudo simples, se não fosse aquele ponto de luz que martelava no inconsciente e iria deflagrar um processo que não teria mais fim – um novo tempo teatral para Campinas. No fim da cerimônia só um dos professores, Norberto de Souza Pinto, fez uso da palavra e me disse: Você não é só un´enfant terrible! Você é uma anarquista. Que bom! Meus opositores, discentes e docentes acharam graça daquelas palavras, mas eu entendi. Um mês depois, em abril de 1953, já estávamos reunidos: Fernando Catani (que participara do início do TEC em 1948), Ademar Guerra (um dos grandes diretores de teatro que o Brasil teve e que naquela época era normalista), alguns outros companheiros e eu. E com a direção do dr. Carlos Maia, grande artista campineiro, o TEC reassumia seu lugar na cidade. Os ensaios aconteciam na biblioteca da Escola Normal e em maio daquele mesmo ano, apresentávamos A Comédia do Coração, de Paulo Gonçalves. O espetáculo foi o ponto alto das comemorações do Cinqüentenário da Escola Normal Carlos Gomes. Em junho do mesmo ano, o TEC participou de uma espécie de gincana com propósitos intelectuais – a Maratona Cultural dos Estudantes. Logo depois, levamos para Campinas o mimodrama O Escriturário, com o Luís de Lima, que estava saindo da Escola de Arte Dramática de São Paulo. Com a intenção de criar na cidade uma política cultural, organizamos o Teatro das Segundasfeiras. O movimento começou muito bem, apresentando o espetáculo Pegafogo, de Jules Renard, com a Cacilda Becker. E o movimento continuou, levando para Campinas por mais de dez anos os mais importantes espetáculos de fora. Ademar Guerra, então presidente do TEC, apresentou uma proposta para o espetáculo de 1954: A Altitude 3.200, de Lucien Luchaire e indicou também três nomes para a direção – Ruggero Jacobbi, José Renato e Ziembinski, só! Enquanto fazíamos os ensaios de A Altitude 3.200, sob a direção do José Renato, acontecia na sede da empresa de eventos artísticos Jussara um curso com aulas ministradas por José Renato, Ruggero Jacobbi, Ziembinski e Francisco Jaquieri. Dá para imaginar o que esse curso significou para todos nós! Nesse período tivemos contato com o avesso do espetáculo – a caixa do palco – e aprendemos a usar os instrumentos que criam a magia do teatro. Manoel Erbolato foi o mestre-artesão que ensinou como lidar com respeito com as coisas do teatro. A gente tinha medo e consideração por ele – era severo, mas muito sábio. Joaquim Fortunato e Luís Langoni foram seus substitutos nessa função. Aprendemos a conviver com cordas, bambolinas, fios de som e luz. Até mesmo com uma resistência de iluminação movida a água e sal dentro de um tambor, onde seu Elias mergulhava fios e produzia maravilhas! Esse período coincidiu com a partida de Ademar Guerra em busca de seu destino maior e a montagem de A Altitude 3.200 não conseguiu vingar. Esse fato levou a um período muito difícil, que acabou atirando o TEC num vazio de projetos. Atravessamos uma fase muito ruim – o TEC e eu. Era um tempo diferente: saíamos da Escola Normal e enfrentávamos os duros primeiros anos da faculdade de direito. Cheguei à vice-presidência do Centro Acadêmico XVI de Abril com a carga ideológica e de atuação do movimento secundarista, o que acabou rendendo alguns problemas e confrontos com a própria reitoria. Mas até que foi bom, paradoxalmente, esse períodoruim,poishouveummomentodefinitivo– o reitor Monsenhor Salim me chamou para um acordo: Vou reativar o Teatro do Estudante, mas preciso de você. Estávamos num gabinete sombrio, em que eu entrava pela segunda vez (na primeira, tinha ido receber uma advertência por ter defendido, em uma aula de religião, o professor Norberto de Souza Pinto, acusado de ser ateu e comunista). Quando o reitor da faculdade me fez o convite, agarrei o TEC com as unhas e o coração, e parti para anarquizar de vez as posturas do teatro campineiro. Começamos a crescer. Na verdade, não fizemos nenhum espetáculo vinculado à PUCC, que, por conta disso, criou o Teatro Universitário. Assumindo os destinos do TEC Este período compreende, sem dúvida, os melhores anos de nossas vidas, a minha e a do TEC. Primeiro, porque éramos ambos jovens, cheios de paixão, de esperança, vigor e obstinação; depois, porque fomos as personagens de muitas peripécias, aventuras maravilhosas – e algumas desventuras. Sofremos muito, mas também fomos muito felizes juntos, ao lado de outros companheiros com os quais marcamos uma época dentro da cidade de contornos tão especiais como Campinas. E o TEC seguiu, independente. Fomos a São Paulo buscar o Sérgio Cardoso no Teatro Bela Vista, e ele foi novamente a Campinas, a 20 de setembro de 1956, para minha posse – dessa vez na presidência do TEC. E no salão nobre do Centro de Ciências, Letras e Artes, Sérgio Cardoso falou sobre “o teatro no Brasil”, doisdias antes darealização do Congresso de Estudantes do qual íamos participar. Oito anos após sua fundação, alguns altos e baixos e já dispersas as primeiras pessoas – aquelas de 1948 – formou-se o grupo do TEC que permaneceria estável por praticamente dez anos consecutivos e que levaria a cabo a tarefa proposta desde o primeiro momento. O projeto básico do TEC era realizar um teatro de estudantes, mas não apenas para estudantes, e construir esse teatro com um nível de qualidade artística capaz de atrair os interesses culturais dos mais variados setores da comunidade. Isso levava o TEC a trabalhar não só no sentido de arregimentar forças de renovação existentes ao redor como a tentar ampliar seu próprio potencial intelectual e artístico. Daí o querer aperfeiçoar-se, procurar alcançar fontes de conhecimento mais atualizadas; desejar sondar todas as possibilidades que a renovação teatral no Brasil oferecia no momento, e até mesmo ambicionar contribuir para essa renovação. Enfim, ser em Campinas um promotor de atualização em matéria de teatro. Foi assim que começou a buscar, onde pudesse, apoio de pessoas e instituições. No final de 56, após a realização de uma grande assembléia de estudantes convocada pela imprensa, fomos pedir socorro ao dr. Alfredo Mesquita, fundador e diretor da Escola de Arte Dramática (EAD). A nova fase do TEC Alfredo Mesquita e Paschoal Carlos Magno A primeira vez que cheguei na EAD, que era na Rua Maranhão na Praça Buenos Aires, encontrei o dr. Alfredo Mesquita, que eu conhecia muito de nome. Ele era um homem de profundos olhos azuis, um bigode diferente do que se usava na época, vestido com paletó, colete, relógio de bolso. Extremamente bem educado, daquele tipo de educação que também não se usava mais na época, uma educação “de berço” dos chamados “bem-nascidos”. Além de bem educado, era extremamente generoso. Essa generosidade se manifestava no trato com as pessoas e no cuidado com os alunos, tanto assim que antes das aulas era servido o “lanchinho do dr. Alfredo”, que era uma sopa e goiabada de sobremesa! Quando a EAD mudou para o prédio do Liceu de Artes e Ofício (onde hoje é a Pinacoteca do Estado), ele manteve a escola por muitos anos, com um corpo docente de excelência. O afastamento de Alfredo Mesquita da direção da escola, quando foi para a USP, deixou uma lacuna que nem mesmo brilhantes sucessores conseguiram preencher. Mas voltando à minha chegada à EAD, falei para o dr. Alfredo que precisávamos de “professores” de teatro no TEC. Depois que contei nossa realidade e expectativa, ele disse que tinha como me ajudar e me levou para o teatrinho da Rua Maranhão. O teatrinho ficava em cima de uma garagem no casarão e tinha um slogan na pare-de escrito por ele: “Teatro é duro”. A idéia era mesmo desestimular as pessoas que iam lá só para passar o tempo. Os alunos do terceiro ano estavam fazendo seu exame público e após a apresentação da peça Somos como Éramos, de Adamov (o primeiro espetáculo do teatro do absurdo que eu assisti), dr. Alfredo me apresentou Cândida Teixeira, que estava se formando. Ciclo Cândida Teixeira Foi em 56 ou 57, não lembro bem a época, mas eu fui para Campinas por um período longo, duas vezes por semana. Era um grupo de estudantes com vontade de fazer teatro, naquela época de transição de vida. Tinha um grupo bastante grande, interessado, e como eram todos bastante novatos, sem experiência, optei por fazer peças bem modernas em que a inexperiência do ator fica mais disfarçada. E tinha que ser várias peças curtas, que dava maior oportunidade para todos que queriam participar. Então fizemos o espetáculo de Jean Tardieu, que era uma espécie mais de uma brincadeira moderna, e foi a primeira vez que ele foi levado aqui no Brasil. Esse foi o primeiro espetáculo e fez bastante sucesso, todo mundo ficou muito animado e com vontade de continuar. Teresinha foi, desde aquele tempo, muito aceita no teatro. Ela nunca deixou de se aperfeiçoar, se apegou a todas as carreiras que o teatro oferece, desde a direção ao magistério. O que ela nunca experimentou foi ser atriz. No Teatro do Estudante, as pessoas estavam num período de transição, num tempo de escolha, de busca. Eram na maioria estudantes secundaristas, eram poucos universitários.” Cândida Teixeira Cândida começou a ir para Campinas trabalhar com o TEC. Entrávamos numa nova fase. Animados pelo trabalho com Cândida e pelo gesto acolhedor de Alfredo Mesquita, nos sentimos confiantes para buscar novos apoios. E fomos em julho ao Rio de Janeiro, ao Palácio do Catete, atrás do Paschoal Carlos Magno. Cheguei na recepção e falei: Eu quero falar com • o Ministro Paschoal Carlos Magno. Acho que as pessoas estranharam um pouco, mas acredite, eu esperei muito menos do que eu espero hoje nas ante-salas. Eu estava com guarda-chuva, bolsa, pasta e na hora que entrei na sala derrubei tudo. E ele falou: Nossa, menina, o que é isso?! Vamos pegar as coisas do chão. E aí eu desatei a falar: Olha, eu tenho o Teatro do Estudante lá em Campinas, onde vocês levaram • o Hamlet, e tá difícil fazer com que isso exista na minha cidade, queria que o senhor fosse lá falar com as pessoas... E ele falou: Calma, eu vou ver aqui o dia que eu posso ir lá e você me telefona, se comunica comigo. Eu vou lá, marca o dia que eu vou lá. É claro que fui embora meio macambúzia, porque eu achava que ele não iria jamais. Mas para surpresa minha, ele foi. Na data marcada eu fiz o agito nas escolas, chamei as autoridades que eu conhecia na prefeitura e ele foi para Campinas de ônibus e no Centro de Ciências, Letras e Artes fez uma palestra – teatro e juventude – que as pessoas que estavam lá não se esquecerão jamais. Foi tão empolgante que ele acabou perdendo a condução de volta. Embarcou no último ônibus e, na passagem inutilizada, deixou a mensagem escrita: Theresinha, para você me devolver na estréia do TEC. Um beijo do Paschoal. Esta estréia realmente aconteceu, em outubro de 1957, com o espetáculo Festival Tardieu, dirigido por Cândida Teixeira. A apresentação compunhase de quatro peças em um ato, todas de Jean Tardieu: Um Gesto por Outro; Osvaldo e Zenaide; Há Recepção no Solar e Senhor Ego. Voltávamos, assim ao Teatro Municipal, com um elenco de 17 pessoas, mais as comissões e os técnicos. Na época, a presença do estudante secundarista em Campinas era da maior importância, tanto que a imprensaestudantilmantinhaquatropublicaçõesde pequenos jornais: o Arauto daUces,o Liberal da República Estudantina Castro Alves eo Normalista da Associação Normalista Álvares de Azevedo, ligados àEscolaNormal(depoisInstitutodeEducaçãoCarlos Gomes); e O Ateneu do Colégio Ateneu Paulista. A UCES(UniãoCampineiradeEstudantesSecundários) via no TEC a sua expressão na área cultural. E foi justamentenovelhocasarãodaAssociaçãoCampineira de Imprensa que o TEC encontrou finalmente sua sede oficial –o sótão, ondeeram tambémrecebidos os elencos do teatro das segundas-feiras. Guiados pelas mãos de Cândida Teixeira entramos no difícil – e estimulante – campo da experiência. E da vanguarda francesa de Jean Tardieu passamos para o exercício do teatro medieval com O Chapéu de Fortunatus e As Esposas Confundidas ou os Maridos Refundidos, textos de autores anônimos recolhidos por Léon Chancerel. Foi também com a Cândida Teixeira que o TEC produziu seu primeiro espetáculo infantil, A Bruxinha que Era Boa de Maria Clara Machado. E foi quando aconteceu uma coisa muito louca! Às vésperas da estréia do espetáculo no Teatro Municipal, a Cândida falou: Agora é com você, porque eu preciso ir embora e não posso voltar até a estréia. Bom, o chão saiu debaixo dos meus pés e eu não sabia o que fazer, perdida naquele palco imenso. Foi quando seu Erbolato, administrador do teatro, me perguntou: A senhora vai querer rotunda de que cor? Eu voei, não sabia nem o que era rotunda. Claro que ele percebeu, mas como era uma pessoa muito humana, foi lá atrás e mostrou aquele pano imenso. Para minha cabeça, na hora, aquilo era uma coisa infinita. A rotunda, enfim, é o pano que limita o fundo do espaço cênico e como o palco do Teatro Municipal era enorme e altíssimo, a rotunda, não quero exagerar, mas para mim tinha um quilômetro. E eu falei, com uma segurança que eu não tinha: Quero uma Rotunda preta. Nascia uma diretora – acho! Quando a gente transformou o Teatro do Estudante num grupo profissional, imediatamente veio na minha cabeça: Vai se chamar Rotunda. E é como se chama há quase 40 anos. Legal, não é? E ainda lá no palco do Teatro Municipal me perguntaram que refletores eu queria, se eu queria calha (que são aquelas lâmpadas em série que iluminam de baixo para cima, de cima para baixo), se eu queria luz lateral com refletores de quantos watts... Parei de novo e pensei: Ou vou embora chorando ou fico e resolvo. Pedi para o seu Elias – iluminador das minhas primeiras – ilusões – ascender os refletores e mandei as bruxinhas e seus caldeirões ficarem nos seus lugares e aí fui começando: Eu quero que ilumine esse lado, quero que ilumine aqui. E tinha uma coisa no teatro (que não se usa mais hoje) que é a ribalta, que são as lâmpadas que ficam no chão na boca de cena, que iluminavam um frontal debaixo para cima, que dá um efeito que gosto muito. Outra novidade que eu encontrei nesse Teatro Municipal, que foi brutalmente posto abaixo, era um buraco na boca de cena, uma espécie de alçapão com uma cadeirinha e uma lampadinha: era o ponto. Lá, naquele buraco escondido por uma pequena cúpula, ficava uma pessoa com o texto na mão e quando os atores esqueciam, passavam perto e o ponto dizia as suas falas. Achei aquilo ótimo! Quando fiz no Teatro Paiol em São Paulo, muito tempo depois, o Festival da Comédia Brasileira com peças de Martins Pena, Gastão Tojeiro, Arthur Azevedo e José Maria Monteiro, coloquei o ponto em cena, como era no começo do século. Só que quem fazia o ponto era o Iacov Hiller, hoje crítico e diretor de teatro. Nessa época descobrimos Maria Clara Machado, não só montando seus textos como também assinando a revista Caderno de Teatro, editada pelo seu Tablado. O TEC passou a assinar também a revista da Sbat, porque os jornais não satisfaziam a fúria de “saber das coisas”. Começamos também a organizar uma biblioteca. O primeiro contato do TEC com a administração pública vem confirmar a veracidade da frase: A história se repete. O TEC e a União Campineira de Estudantes Secundários foram procurados por Salvador Julianelli, em nome da campanha de assistência social aos estudantes do Ministério da Educação e Cultura, a fim de, juntos, conseguirem a doação de um terreno da municipalidade onde seria erguida, pela Cases, uma majestosa construção composta de restaurante, biblioteca, salão para exposições, salão para entidades que venham a administrar a unidade e um teatro. Ficou em nossas mãos, desse projeto, um croqui da “majestosa construção”, da qual nunca mais tivemos notícia. Esse projeto do ministério não deu em nada, pois a prefeitura de Campinas não cedeu o terreno. Aliás, desde aquela época, entra administração, sai administração, seguem dormindo em gavetas pelos gabinetes vários pedidos nossos de cessão de espaço para construção de um teatro! Enfim, mais felizes que o pessoal da UCES – que saiu desse sonho com as mãos vazias – voltamos para o nosso exercício do teatro e apresentamos, em dezembro de 1958, nas escadarias do Teatro Municipal, O Boi e o Burro no Caminho de Belém, de Maria Clara Machado, com o patrocínio da Associação Comercial e Industrial de Campinas. Experimentávamos agora o teatro ao ar livre. Com metros e metros de aniagem fizemos desaparecer as portas do teatro. O largo, em frente, comportava uma multidão e à revelia da Companhia de Tração, Luz e Força, paramos os bondes. A luz dos postes foi desligada clandestinamente. O espetáculo foi apresentado ainda como resultado do trabalho de Cândida Teixeira, desta vez com o apoio ainda jovem, porém já capaz, de Laerte Morrone. Como tínhamos desligado a força, não podíamos ligar o som – uma poderosa vitrolinha Sonata. Para resolver o problema, o Laerte Morrone subiu numa banca de jornal que estava fechada e começou a bater com as mãos na lataria da banca, marcando o ritmo das músicas, enquanto os atores cantavam. Essa foi a primeira vez que usamos escadarias para fazer espetáculos – “cenário” de que gosto muito e que usei outras vezes ao longo de minha carreira. A procura de um espaço cada vez mais diversificado passou a ser preocupação do grupo, que via nisso não só um estímulo para novas propostas de trabalho como também o exercício prático da teorização de Cândida Teixeira a respeito do teatro medieval feito nas praças, ao lado do povo. A saída do espaço convencional foi também muito importante para a conquista de um público diferenciado: o público das ruas, um público que aderia a partir do momento em que se interessava pelo espetáculo. Aquela platéia era livre para ir e vir, já que estava de passagem. Isso era uma novidade, afinal, estávamos em 1958 e anarquizávamos o ritmo normal da vida no centro da cidade com o teatro. Além disso, tinha a possibilidade de ampliar o público – chegamos a ter três mil pessoas nessas apresentações. Foi nesse tempo que assumiu a Secretaria de Educação e Cultura local o padre Ismael Simões, que cria um curso de teatro, fato que o grupo recebeu muito bem. Percebemos, porém, que o TEC era considerado “muito inovador” e que OBoieoBurronoCaminhodeBelém,apresentado no largo do teatro, não foi do agrado da ala conservadora do clero, muito menos do padre Ismael. Mas mesmo assim continuamos nessa linha e trouxemos A Viasacra, de Ghéon, encenada por um grupo ligado à Escola de Arte Dramática dirigido por Cândida Teixeira e do qual faziam parte Laerte Morrone, Juca de Oliveira e Maria Célia Camargo. Com esse espetáculo chegamos ao fim do Ciclo Cândida Teixeira, diretora-professora que nos deixou um nítido caminho a ser seguido para a compreensão do fenômeno teatral. Estávamos conscientes de que teatro era cultura, numa época em que a frase ainda não havia se tornado slogan comum e era levada a sério. Ciclo Eduardo Curado Com a saída de Cândida Teixeira, o grupo voltou sua atenção para o teatro contemporâneo através de textos que enfocavam a problemática da juventude – Alô! ô de Fora, de William Saroya e Os da Mesa Dez, do argentino Osvaldo Dragun. E chamamos para dirigir os espetáculos Eduardo Curado. Curado era um jovem diretor que despontava em São Paulo e, como a família morava em Campinas, se aproximou do TEC no Centro de Ciências, Letras e Artes, onde ensaiávamos. Ele tinha trabalhado com o Teatro do Estudante de Coimbra e no Brasil tinha sido assistente de direção de Adolfo Celi, Luciano Salce e Alberto D’ Aversa, no TBC. Por essa época, o edifício do Teatro Municipal começou a adoecer. As primeiras rachaduras foram detectadas, e o prédio foi fechado para as reformas iniciais em março de 1960. No começo desse ano, porém, o TEC já tinha pronta outra produção que, sem o palco e o público do Municipal, foi colocada no teatrinho do Externato São João. Fazendo as adaptações no local (desde, limpeza até reforma de instalações elétricas), o grupo apresentou Jenny do Pomar, de Charles Thomas, e Viajantes para o Mar, de Jonh M. Synge, com direção de Eduardo Curado. Montagens fortemente poéticas, na primeira dominava uma atmosfera nevoenta – era um “espetáculo de brumas” – enquanto na segunda vivia-se um clima lorqueano de aldeia marítima, onde mulheres rústicas e solitárias esperavam seus homens perdidos na lida com o mar. Nesse teatrinho do Externato São João, encontramos um público diferente, próprio de um bairro encravado na Campinas antiga, e que assistia atento o espetáculo. Organizamos, então, algumas apresentações de Três Peraltas na Praça, com direção de Avelino Lemos Couto, a fim de conquistar as crianças carentes que freqüentavam o externato. O Demorado Adeus, de Tenesse Williams, com tradução de José Renato, foi a montagem seguin te do TEC, num ano em que o grupo não parou um só momento. A busca do espaço alternativo, forçada pela ausência do Municipal, fez com que o espetáculo fosse apresentado no ginásio de esportes do Sesc, sobre um tablado erguido no meio da quadra. Além da encenação, vários estudos foram feitos sobre o teatro norte-americano, culminando com uma palestra do Sábato Magaldi no dia da estréia da peça. O Ciclo Eduardo Curado, marcado por essa variedade de tons e de estilos, se encerrou com A Moratória, de Jorge Andrade, primeira experiência do grupo com o teatro brasileiro contemporâneo. O autor ao alcance da mão era fato inusitado e aproveitando a oportunidade, exaurimos Jorge Andrade, indo a São Paulo várias vezes para demoradas e produtivas reuniões com ele. O Municipal reabriu as portas para comemorar seus 30 anos de existência e para acolher A Moratória. Paralelamente a esses eventos, porém, o Teatro das Segundas-feiras continuava, com a temporada da Companhia Tônia-Celi-Autran. E foi nesse período também, com os espetáculos de Cândida Teixeira e Eduardo Curado, que começamos a participar dos festivais de Teatro do Estudante. Os festivais de Teatro do Estudante Ah! Os Festivais do Estudante! Quando a gente é jovem, qualquer pretexto é válido pra se encontrar. No palco daquele festival eu fazia uma ponta. Era uma peça do Brecht chamada Aquele que Diz Sim, Aquele que Diz Não e eu tinha duas ou três frases, mas de grande atuação. No momento em que entrei em cena, tive certeza que tinha acontecido alguma coisa. Você pode imaginar que eu conheci Pagú nesse festival de Campinas! Inesquecível mulher. A minha referência era aquela mulher, já quebrada, mas tão linda, tão inteira, sentada naquela escada, cheia de jovens o tempo inteiro, desde as 8 horas da manhã querendo conversar com ela. Essa foi a referência dos trabalhos mais importantes da minha vida, o Festival do Paschoal em Porto Alegre e o Festival do Estudante de Campinas. Dina Sfat Eu adorei participar do Festival de Porto Alegre, para mim foi uma experiência de vida. Mesmo hoje acho que a existência dos festivais traz um benefício enorme, é uma troca de estímulos fantástica. Nos festivais você conhece o que o outro está fazendo, como é que você pode aprimorar tuas interpretações. Acho importantíssimo festival. Acho que é uma injeção indispensável a qualquer grupo poder se encontrar com outro, trocar, mostrar. Regina Duarte O maior benefício dos festivais era o entrosamento entre pessoas diferentes. Alguns deles apresentaram autores e atores novos, como o Carlos Queiroz, a Etty Frazer. Todos eles vieram de festivais e são ótimos artistas. Cândida Teixeira Falar dos Festivais de Paschoal – como passaram a ser chamados nas duas décadas seguintes – realmente daria um outro livro. Eram os encontros da inteligência dos moços, como ele costumava dizer. Em julho de 1958, Paschoal Carlos Magno realizou em Recife o 1o Festival Nacional de Teatros do Estudante e nos convidou para participar como observadores. Começamos a perceber, o grupo e eu, que era fundamental mostrar o resultado do trabalho não só para o público local – já que a resposta, embora simpática, não era crítica – mas também para públicos desconhecidos. E essa nossa necessidade era suprida nos Festivais de Paschoal, onde os erros e os acertos eram debatidos por pessoas competentes, num clima onde o que importava era a troca e não a competição. Para o TEC, isso era uma lição de vida. Durante toda a trajetória da retomada do TEC, mantivemos contato estreito com Paschoal. Continuamos a nos comunicar, a escrever cartas, e a partir dessa convivência, ele me designou para organizar no Estado de São Paulo os Festivais de Teatro do Estudante. E finalmente, com a coragem da ignorância, eu fiz dois Festivais Estaduais de Estudante em Campinas, em setembro de 1958 e julho de 1962. O 1o Festival Estadual do Teatro do Estudante, realizado entre os dias 31 de agosto e 7 de setembro de 1958, no Teatro Municipal de Campinas, com apoio da Comissão Estadual de Teatro e do seu presidente Francisco Luiz de Almeida Salles, teve a participação de Paschoal Carlos Magno. A comissão julgadora e debatedora foi composta por Guilherme Figueiredo, Maria José de Carvalho, João Ernesto Coelho e o Dr. Carlos Maia. Durante toda uma semana, foi apresentada uma peça por dia: A Mão do Macaco, de W. Jacobs – Teatro do Estudante de Ituverava. A Dama da Noite sem Fim, de Érico Veríssimo – Teatro do Estudante de Sorocaba O Inimigo das Mulheres, de Osvaldo Rosas – Teatro do Estudante de Casa Branca O Homem da Flor na Boca, de Pirandello e O Pedido de Casamento de Tchekov – Teatro do Estudante da Faculdade de Filosofia da PUC – São Paulo Humulus, o Mudo, de J. Anouilh, e Os Cegos, de Ghelderode – Teatro do Estudante de São José dos Campos do Instituto Técnico de Aeronáutica. OChapéudeFortunatus e AsEsposasConfundidas ou os Maridos Refundidos, de Léon Chancerel e ABruxinhaque Era Boa, deMaria Clara Machado – Teatro do Estudante de Campinas. O Festival se encerrou com O Baile dos Personagens e com a distribuição dos prêmios, quase todos atribuídos ao ITA (Instituto Técnico da Aeronáutica de São José dos Campos) com Humulus, o Mudo. O interessante era que, cada dia, pela manhã, no saguão do Municipal, os espetáculos eram debatidos publicamente. Esses debates faziam parte dos propósitos que constavam das bases da organização do festival – a preocupação de estudar, debater, aperfeiçoar, além de aproximar os grupos de amadores e estudantes. O 2o Festival Nacional de Teatro de Estudantes aconteceu em Santos, em 1959. Para se ter uma idéia de como esses festivais eram importantes para a vida cultural do país, é só citar que aconteceu em Santos – o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, apresentou A Incubadeira, de José Celso Martinez Correia, com direção de Amir Haddad e Etty Frazer como protagonista. Desse espetáculo nasceu o Teatro Oficina de São Paulo. A Universidade do Pará apresentou Édipo Rei, de Sófocles, com direção de Maria Sílvia Nunes, que ganhou bolsa de estudos para Paris e que, ao voltar ao Brasil, convocou Amir Haddad, que com Carlos Moura e Yolanda Amadei, fundaram a Escola de Teatro do Pará. Milton Bacarelli, que participou da montagem Devoção à Cruz, de Caldéron de la Barca, pela EAD, foi convidado para a Escola de Teatro da Universidade Federal de Pernambuco. Wilson Maux, integrante do grupo de Mossoró (Rio Grande do Norte) foi mais tarde trabalhar com o TEC. Esse era o ideal do Paschoal – promover o aprendizadoe ointercâmbio.Mas tudo era feitocommuita seriedade e firmeza. Tanto assim que o grupo de Araraquara, que era ótimo, foi desclassificado – e voltou para casa – porque os integrantes foram à praia no horário das atividades de trabalho! Como dizia o dr. Alfredo Mesquita, teatro é duro! No 2o Festival Paulista do Teatro do Estudante que realizamos em Campinas, o Plínio Marcos participou com um espetáculo de Santos. Foi aí que ele conheceu a Walderez de Barros, que participava com o espetáculo da Filosofia. No final dos festivais, sempre tinha uma festa de confraternização, e nessa um engraçadinho de Campinas começou a mexer com ela, e o Plínio Marcos, assumindo o personagem “machãosantista”, partiu para cima dele. E assim eles se conheceram, namoraram, casaram e fizeram filho. Esses festivais eram espaços muito respeitados de trabalho, momentos importantíssimos para os quais os grupos se preparavam anos. Por exemplo, no Festival Nacional de Teatro do Estudante em Santos teve um grupo do Pará que fazia uma tragédia grega, Édipo Rei, que chegou e se isolou até a estréia, como jogadores de futebol em concentração. Nós, de Campinas, estávamos em pânico por participar daquele festival de talentos. Mas o Plínio Marcos, que já era uma figura, na hora de apresentar o espetáculo do grupo dele no antigo Teatro Municipal de Santos, abriu a cortina e falou para o público: Olha a gente fez o espetáculo na base do agrião (era uma gíria da época que queria dizer de “qualquer jeito”) a gente fez como pôde, não tô nem aí, entendeu. Isso, daquele jeito esculhambado dele! Não preciso nem dizer o choque que foi, porque aquele Festival era um altar em que nós todos íamos nos imolar em nome da arte. Esse era o Plínio Marcos – esculhambado mas legal! Mas continuando – o TEC decide não participar do 3o Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em julho de 1960, em Brasília, para preparar um espetáculo digno de sua primeira participação em um Festival do Teatro Amador de Campinas. A Moratória, de Jorge Andrade, foi encenada então, encerrando o ciclo Eduardo Curado. Mas com o Municipal fechado outra vez para reforma, o ano de 1961 começa com um clima estranho no ar – desgaste do grupo, das pessoas, das associações de classe estudantil, do país. E na tentativa de aliviar o clima, chamamos Wilson Maux, de Mossoró, que conhecemos no Festival Nacional de Teatro do Estudante de Santos, para montarmos o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Só que ao invés de aliviar tensões, o espetáculo cria uma série de polêmicas, outra vez com a ala conservadora da igreja católica – aquela que já não tinha aprovado O Boi e o Burro a Caminho de Belém, que achava os espetáculos “desrespeitosos” para com a religião. Mesmo assim, o espetáculo corre a cidade e acaba por ser inscrito no 4o Festival de Teatro Amador de São Paulo. Regina Duarte, então com 14 anos, que fazia a personagem do “palhaço”, ganha o Prêmio Governador do Estado como a melhor coadjuvante feminina. Neste momento, Jânio Quadros renuncia à Presidência e todos nós paramos. Paschoal Carlos Magno, designado para a embaixada brasileira em Varsóvia, não vai, mas a possibilidade de seu afastamento do País é um susto a mais para nós, estudantes de teatro. Entre sustos e polêmicas, abrimos o ano de 1962 em Porto Alegre, onde a Compadecida participou do 4o Festival Nacional de Teatro de Estudantes. Paschoal Carlos Magno não só não foi para Varsóvia como realizou com grande sucesso o 4o Festival dentrodaUniversidadedoRioGrandedoSul.Desse encontro, ficou um compromisso político-cultural selado pela juventude, que viria a ser a mola mestra do movimento de resistência da área cultural que se desencadearia no futuro próximo. Durante o festival, o grupo de teatro do Mackenzie, de São Paulo, sob a direção de Antônio Ghigonetto, encenou Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, usando canções antifalangistas da revolução espanhola, cantadas por Yara Amaral (a grande revelação) e acompanhadas por uma multidão de estudantes vindos dos quatro cantos do Brasil. Um momento inesquecível! Em realidade, saímos todos sabendo qual o lugar que ocupávamos no Brasil. Como, porém, o festival era um ato público, todos ficaram sabendo disso, e os estudantes foram cada vez mais isolados e impedidos de cantar. Resistimos, e estivemos presentes com nossas armas, isto é, o espetáculo na mão e a palavra de ordem na cabeça: liberdade. Em julho, retomando seu ritmo e sentindo que era chegada a hora, o TEC promoveu o 2o Festival Paulista de Teatro de Estudantes, desta vez conseguindo mobilizar a cidade, reabrir o Municipal, envolver as autoridades e manter durante oito dias o público tão interessado que, mesmo no período da tarde, o teatro lotava. A comissão julgadora era formada por nomes de peso – Bárbara Heliodora, Patrícia Galvão (a Pagú), Moisés Leiner, Francisco Ribeiro e Paschoal Carlos Magno. E se apresentaram grupos significativos do movimento cultural estudantil: O Sr. Leonidas Enfrenta a Reação, de Ion Luca Caragiali – Teatro de Estudante de Campinas, com a presença do ministro da Romênia. A Fome das Almas, de Celso Paulini – Teatro Universitário da Faculdade de Filosofia de São Paulo. O Mistério dos Mistérios, de d. Marcos Barbosa – Teatro do Estudante de Barretos. O Balanço Criação Coletiva – Grupo Experimental da Faculdade de Filosofia de São Paulo. Quando o Pano Sobe, de Eugênio Kusnet e A. C. Carvalho – Grupo Teatral da Faculdade de Medicina de São Paulo. Picnic no Front, de Fernando Arrabal – Grupo Teatral Politécnico de São Paulo. UnsDizemSim,uns DizemNão,deBertoldBrecht – Grupo Teatral Mackenzie. A Quadratura do Círculo, de Valentim Katayeff – Teatro do Estudante da UEE. As Rédeas, de Osvaldo Leituga – Teatro do Estudante da Vanguarda de Santos. Sr. Ego e um Gesto por Outro, de Jean Tardieu – Teatro do Estudante de Americana. DoTamanhodeumDefunto,deMillôrFernandes– Teatro Acadêmico Alexandre de Gusmão da Faculdade de Direito de Santos. A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas e As Cadeiras, de Ionesco – Teatro do Estudante de Ribeirão Preto. Tio Vânia, de Tchecov – Escola de Arte Dramática de São Paulo. Esse festival também revelou outro talento nacional: Dina Sfat. Por sua participação em Uns Dizem Sim, uns Dizem Não, de Brecht, espetáculo dirigido por Emílio de Biasi, Dina ganhou o prêmio de melhor atriz. De tudo que acontecia nos festivais, acho que o mais importante eram mesmo os debates, a crítica fundamentada, que buscava a construção. Agora, esse princípio nem sempre foi bem aceito. Certa vez aconteceu um fato muito engraçado. Quer dizer, engraçado agora, mas que na hora nos colocou num grande apuro. Éramos – Lauro Cézar Muniz, Paschoal Carlos Magno e eu – membros da comissão julgadora do 7o Festival Estadual de Teatro Amador em Ribeirão Preto, que aconteceu em outubro de 1969. Como era costumedoPaschoal,ele nunca participava de um festival para dizer você é o melhor, você é o pior e tchau. Ele sempre insistia nos debates. Assim que o Festival foi aberto ele propôs que, na manhã seguinte de cada apresentação os espetáculos fossem discutidos. No dia seguinte foi feito isso, só que as pessoas detestaram, esvaziaram a sala dizendo que não estavam ali para serem criticadas por ninguém. A partir daí o clima ficou tão ruim para nós que o Paschoal falou assim: O que que nós estamos fazendo aqui? Vamos embora antes do encerramento. Os caras estavam mesmo a fim de meter o pau na gente, não de conversar. E fomos para nossos quartos, pegamos nossas malas e literalmente fugimos de Ribeirão Preto no meu carro – eu, Laurinho e Paschoal. O organizador desse festival, que depois de muitos anos foi Secretário de Cultura de Santos, o Carlos Pinto, não perdoou a gente. Me lembro que chegamos de madrugada em São Paulo, deixei o Paschoal num hotel na Avenida Ipiranga, em cima do Cine Ipiranga, e ele falava olha, somos os fugitivos. E viemos dando risada. Na verdade, tivemos que fugir porque naquela época o pessoal já não queria mais discutir o espetáculo, já eram todos “atores”, já eram “os bons”, não tinham mais aquela sede de conhecer, sede de ouvir uma crítica nem mesmo de uma pessoa como Paschoal, que tinha se despencado do Rio de Janeiro para ver seu espetáculo. Nós ainda participamos do festival que Paschoal organizou no Rio – que é um episódio à parte que depois falaremos. Estávamos na ditadura e há outros episódios interessantes. Mas quem viveu essa época, sabe que os festivais foram fundamentais para a formação cultural e humana da classe artística brasileira, a mesma classe que seria num futuro próximo fundamental para a resistência política nacional. Um homem com o perfil do Paschoal, que animava a juventude intelectual e artística do Brasil, não existe mais. Com o desaparecimento dele, os festivais também desapareceram. E a política cultural do Brasil, dos anos 60 para cá, foi se tornando esse horror, esse descaso que é hoje. Ciclo Teresa Aguiar Eu já era presidente do TEC desde a saída do Ademar Guerra, e após o ciclo de espetáculos dirigidos pelo Curado, assumi definitivamente a direção artística do grupo. Mas foi só após anos de experimentação, estudo e observação das técnicas básicas dotrabalho comatores, queme aventureiaassumir osprimeiros trabalhos de direçãono TEC. Tive oportunidade de ser assistente de bons diretores. Numa ocasião em que o Paschoal foi visitar o TEC – tínhamos um espaço emprestado para trabalhar na sede da Associação Campineira de Imprensa, um sótão onde recebíamos os elencos do Teatro das Segundasfeiras – ele levoudepresente seterefletores e uma rotunda preta. Com isso, nós éramos o grupo maisimportantedomundo:tínhamosindependência de luz e uma rotunda. Era o máximo! E para inaugurar essa nova fase, escolhemos de Henri Ghéon, A Viasacra. Pensando agora, a Hilda Hilst tinha mesmo razão – o sacro já presente no primeiro momento. Mas era também uma maneira do TEC dar continuidade à tradição de comemorar com espetáculos as festas religiosas da cidade, se integrando à vida da comunidade. Como o espetáculo era “portátil”, sem grandes estruturas cênicas, foi colocado em toda parte: igrejas, clubes, agremiações, sindicatos, praças. Na famosa catedral, literalmente tomada, foi um momento especial – o público assistiu ao espetáculo de joelhos, como se fosse uma oração coletiva. Tivemos outros bons momentos com esse espetáculo. Em maio do mesmo ano, Nagib Elchmer, presidente da Comissão Estadual de Teatro de São Paulo, convidou o TEC para apresentar A Viasacra no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo. Fizemos o espetáculo aproveitando os cenários de Depois da Queda, de Arthur Miller, que estava em temporada no teatro. Era um cenário composto de vários níveis, formando uma espécie de grande escadaria. E usamos cada plano do cenário como uma parte da subida do calvário. E foi nesse espaço improvisado, numa segundafeira, para uma platéia lotada, que apresentamos A Viasacra em São Paulo. Nessa mesma linha de preocupações, montamos um texto brasileiro de dois autores pouco conhecidos, Áurea Andrade e Derly Barroso – Natal de Jesus Severino. Era um espetáculo despojado, com forte carga social, no qual o nascimento de Cristo se espelhava no nascimento de cada criança pobre – Jesus nascia na Rodoviária de São Paulo e morria numa oficina mecânica. Começamos a preparar a Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, até que um integrante do grupo foi chamado por “um amigo influente”, que o desaconselhou a montar o texto. Era 1963 e já se percebia que o Brasil começava a adoecer. Montamos então O Tempo e os Conways, de Priestley, que foi um momento de reflexão sobre • o grupo e a necessidade de aprofundar estudos e pesquisas, de preocupações culturais, estéticas. Mas foi também um espetáculo que comoveu platéias, pois é um texto em que o autor, habilmente, manipula o tempo e faz fluir a emoção do público. Ou seja, ele faz o primeiro ato, o terceiro e depois o segundo. Tudo acontece numa festa familiar, com os jovens fazendo mil planos para • o futuro. No segundo ato – que é o fim da história – não deu nada certo, estão todos infelizes. A menina que fazia 15 anos, que era interpretada pela Regina Duarte, tinha um único sonho na vida – viver. Mas ela morre. No terceiro ato – quando a gente já sabe como acaba a história – eles estão novamente naquela festa, alegres, falando sobre o futuro. Mas esse espetáculo me levou para um outro caminho. Me levou para a escola! Animados com o resultado, chamamos Cândida Teixeira para assistir ao espetáculo. Ao final da apresentação ela disse está tudo errado, esse espetáculo está ruim. É um sucesso para Campinas e para vocês. Se você quiser ser um gênio em Campinas, fique. Se você quiser aprender teatro, vá se informar. Dá para imaginar o que isso causou em mim, apesar do sucesso do espetáculo. Mas graças a Deus eu tive esse alerta na minha mais tenra idade teatral e resolvi ir embora estudar teatro – o que eu faço até hoje. Foi quando fui para São Paulo, para a EAD. A partir daí meu olhar para o fato teatral se transformou – não era mais uma autodidata eventual. Continuando na direção artística do TEC, descobrimos o universo brechtiano com a montagem de O Delator, no auditório do Centro de Ciências, Letras e Artes, encenação precedida de um longo tempo de estudos sobre o autor e sua proposta. Fazíamos um espetáculo extremamente didático. Partimos depois para outro Ghéon, O Natal na Praça, que conta a história de Jesus numa comparação com a vida de um grupo de ciganos. Nesse trabalho, nos baseamos no método de Stanislavski e durante o período de ensaios, convivíamos com famílias de ciganos residentes na cidade, para assimilarmos suas atitudes, atividades e até sua filosofia de vida. E depois, com A Lição, de Ionesco e Somos Como Éramos, de Adamov, retomamos os complicados caminhos do “teatro do absurdo”. Não havia barreiras para a experimentação: de Brecht a Stanislaviski, sempre nos dedicando aos estudos e pesquisas. Os livros eram preciosos e em torno deles fazíamos círculos de debates, sempre com alguns convidados. Com isso, crescíamos. A EAD nos alimentando. Queríamos que o público fosse atingido pelas novas produções e para tanto, armamos o esque ma do teatro domicílio, onde o espetáculo era servido “à sobremesa” de jantares que a sociedade se oferecia. Mas como após a apresentação – sempre na linha do “teatro social paupérrimo” – fazíamos questão dos debates, os convites foram rareando e acabamos por apresentar nosso Natal de Jesus Severino onde era possível. Só não foi viável apresentá-lo na rua, como pretendíamos. Era 1964, e o último espetáculo foi feito no sindicato da construção civil. Esse ano iniciou-se com o curso programado pelo grupo e pela EAD e realizado no Centro de Ciências, Letras e Artes. No processo de afunilamento da fala e da expressão que crescia no país, novamente só o teatro infantil parecia não sofrer restrições. Vieram então as montagens de Gifredo, o Anjinho das Reformas, que foi gravado pela TV Excelsior, canal 9, e Rapunzel, peças de Léa Ziggiatti. Nesse período, nós artistas e o público campineiro, sofremos um grande baque – a destruição do Teatro Municipal. Um dia apareceram rachaduras na cúpula, o que foi contornado com a colocação de uma espécie de cobertura de concreto sobreposto. Depois, as rachaduras começaram a aparecer no porão. O teatro passou por várias reformas, que não resolveram nada – eram mais remendos. Em dezembro de 1964 o Teatro Municipal foi fechado para sempre. Só seria reaberto pela violência das pancadas demolidoras. Aí, sem dúvida, falhamos e, conosco, toda a cidade. O Teatro Municipal de Campinas era semelhante ao de São Paulo, só que menor – a mesma pompa e circunstância. Era todinho trabalhado, em alto relevo, com pinturas douradas. O lustre central, quando era arriado para limpeza dos cristais, só era alcançado por grandes escadas. Enfim, era uma preciosidade! Em momentos de festa, era colocado um tablado sobre a platéia e o teatro se transformava num imenso salão de bailes. Aliás, minha formatura foi nesse mágico salão. Outro momento mágico era a “cerimônia” de fechamento das cortinas das entradas laterais e central do saguão para a platéia, com seus porteiros impecavelmente uniformizados. Devíamos ter “ocupado” o Teatro Municipal, chamando a atenção das autoridades e do povo, para impedir o inexplicável episódio. Porém, faltou-nos o desassombro da ação. Assistimos, impotentes, ao desabamento, passo a passo, escrevendo em jornais, brigando, polemizando com uma energia tão grande que teríamos ganho uma guerra... de palavras. Naquele 1964, especialmente, falou-se mais do que nunca. E em vão. E no lugar do majestoso teatro, Campinas assistiu, impassível, a construção de um grande – e triste – estacionamento de uma loja de departamento. Enquanto isso, o país desmoronava também. O ciclo Teresa Aguiar, afinal, encerra-se na aldeia de Arcozelo, onde o TEC se apresentou novamente com A Viasacra de Ghéon, por ocasião do festival de música sacra realizado durante a Semana Santa de 1967 – outro grande momento que o espetáculo nos propiciou. Mas vamos deixar essa história para mais tarde. Porque agora, chegou a vez do Rotunda. Capítulo VI Nasce o Rotunda Esse grupo de moços comandados pelo dinamismo, pela capacidade de trabalho, pela dignidade de ação de Teresa Aguiar, representa um capítulo não só da história do teatro de São Paulo, como da história do teatro brasileiro. Teresa Aguiar, depois de haver levado avante com uma coragem inacreditável o Teatro do Estudante de Campinas, num país onde não há acústica, onde as pessoas não se interessam em ouvir as vozes daqueles que lutam pelos grandes ideais, ela não se fatigou, porque pertence à estirpe dos que não se cansam nunca. Meteuse numa outra aventura: foi aquela de dar o melhor de seu espírito e de seu coração, criando um teatro de verdade – o Rotunda. Isso numa cidade ilustre como Campinas, que abriga talvez a mais importante universidade do Brasil. Deixou a experiência amadorística do Teatro do Estudante e criou o Rotunda. A história do Rotunda é conhecida de todos: disciplinou valores, apresentou um repertório de qualidade, e fez mais do que isso, deu à cidade de Campinas um teatro que merecia e merece a melhor das acolhidas. O Rotunda faz hoje 12 anos. Sou eu um velho combatente que não se fatiga nunca, irmão mais velho de Teresa Aguiar – irmão mais velho de todos os que no Brasil sonham o mesmo sonho de disciplinar a cultura e a inteligência por meio do teatro – que vem dizer com o entusiasmo que não se apaga com o tempo, que não diminui com as desilusões, que não se fatiga porque nunca o compreenderam de fato, que vem dizer aos lutadores do Rotunda que podem ficar descansados: escreveram com o sangue do seu espírito, com o melhor de si próprios, uma página do teatro brasileiro. Campinas, pois, está de parabéns. O Rotunda deve continuar sua marcha, cada vez mais para o alto. Não sei se Campinas tem ainda aquele teatro, que um prefeito numa hora de loucura destruiu, quando o Teatro do Estudante do Brasil foi a Campinas, para criar o Teatro do Estudante de Campinas. Numa das principais praças havia um teatro lindo. Um teatro que um cavalheiro fantasiado de administrador resolveu jogar abaixo. Mas, graças a Deus fui informado de que surgiu outro. Os homens públicos no Brasil, em sua maioria, esqueceram a sua transitoriedade, e as vítimas de sua vaidade são sempre obras como os teatros que derrubam, com uma facilidade impressionante. Mas, como o teatro é uma arte da humildade, é uma arte que dá aos que o realizam a permanência na história de um país, comove a tenacidade dos que com uma Teresa Aguiar à frente criam e mantêm o Rotunda. Essa gente do Rotunda foi, há muitos anos, representar A Viasacra, de Ghéon dentro das árvores da minha Aldeia de Arcozelo. Essa Aldeia de Arcozelo, que embora a má vontade dos governantes e a indiferença dos homens públicos, num país onde não há realmente mecenato, ela há de sobreviver, como o Rotunda sobreviverá. O Rotunda continuará pelos tempos provando que as luzes que acendem destinos são tão luminosas como as estrelas que a gente vê tão perto, que representam luzes que comandam o espaço, há muitos séculos e séculos. Este velho combatente quer dizer aos integrantes do Rotunda que esse pessoal realizou e vem realizando uma obra digna do grande Estado de São Paulo, que eu já disse de uma feita que era um país dentro do continente brasileiro. O Rotunda representa um aspecto admirável de tenacidade, de heroísmo, de perseverança, de idealismo que merece de todos os que abraçam a mesma causa os aplausos mais calorosos. De Santa Teresa, neste Rio de Janeiro, no dia 18 de setembro de 1979, meu mais caloroso e sincero abraço. Paschoal Carlos Magno Num certo momento da vida do TEC, em que éramos todos estudantes – década de 60 a 70 – e tínhamos um elenco permanente, formávamos, de fato, um grupo, como muitos que existiram nessa época. De repente, deixamos de ser estudantes – um se formou advogado, outro foi trabalhar no cartório... ficamos “gente grande”, infelizmente. E aí não tínhamos mais aquela disponibilidade. Começamos então a discutir muito se o TEC deveria se transformar num grupo profissional. A gente se sentia deslocado de fazer Teatro do Estudante, posto que não éramos mais, apesar do Paschoal dizer vocês são eternos estudantes de teatro. Decidimos que o TEC deveria continuar, paralelamente ao Rotunda, e o Amadeu Tilli passou a ser o responsável. E o grupo montou, entre 1966 e 1976, O Cavalinho Azul, O Rapto das Cebolinhas, Pluft, o Fantasminha, O Aprendiz de Feiticeiro, Maroquinhas Frufru, O Boi e o Burro no Caminho de Belém, Obras de Maria Clara Machado, com direção de Amadeu Tilli e Maria Luíza Vasconcellos, além de Sabetudo, O Espião, de Ricardo Gouveia e Libel, A Sapateirinha, de Jurandir Pereira. Foi o último espetáculo do TEC. Uma pena que a gente não soube fazer sucessores. A verdade é que tentamos criar um grupo profissional sem acabar com o TEC, deixando o para as novas gerações. Só que elas já eram outras e o Teatro do Estudante, como alguns previam, acabou. Mas se os estudantes mudaram, é porque o Brasil pós 64 mudou. O acordo MEC/USAID mudou toda a estrutura de ensino, foi uma perda qualitativa enorme. É claro que as novas gerações, que não tiveram a felicidade de ter acesso a uma formação humanística, não seguraram a onda. Embora tenha perdido o título de tequiana, tive a ventura de participar, de alguma forma, dos derradeiros festivais nacionais de teatro de estudantes: 5o Festival da Guanabara, em 1968; o 6o, na Aldeia de Arcozelo e o 7o e último, também realizado na aldeia em 1975. Deste, que era um festival infantil, participamos com a peça Tribobó City, de Maria Machado, com alunos da Escola de Arte Dramática. Enfim, o Rotunda. Eu me lembro que foi no apartamento de uma das integrantes do grupo, a Lucy Mistura (que eu não consegui encontrar mais, uma pessoa maravilhosa, gente finíssima e uma atriz excelente) que era escrevente do cartório, que nós decidimos criar um grupo profissional. A Lucy bateu no liqüidificador um champanhe (que devia ser o mais ordinário possível) com compota de pêssego e foi ao sabor desse coquetel que a gente passou do TEC para o Rotunda, com uma tristeza escondida no coração, mas com uma esperança enorme de fazer um teatro profissional de qualidade. Decidimos fazer teatro profissional, mas não “viver de teatro”, porque tínhamos as nossas profissões. Mas não queríamos mais ser amadores, porque achávamos uma coisa pouco comprometida, queríamos aumentar o ritmo de produção do Teatro do Estudante. Na realidade, isso não ocorreu. Quando éramos estudantes, ensaiávamos todas as noites e quando viramos “gente grande”, cada um passou a ter compromissos familiares, de casamento, de namoro, de tudo. E começou o famoso ah! Não posso, quintafeira não posso, sextafeira tenho não sei o que. O “não posso” até então não fazia parte do nosso vocabulário, pois não tínhamos agendas complicadas. Com a profissionalização e a idade adulta, é claro, a gente começou a ter que gerenciar o tempo. Que horror! O Rotunda, um pouco por força do destino, é um grupo de tripla cidadania. Apesar de ter suas raízes em terras campineiras, estreou em São Carlos e produziu muitos espetáculos em São Paulo. É que na época de estréia de Electra, de Sófocles (primeiro espetáculo do Rotunda, em setembro de 1967), Campinas só dispunha de um pequeno e precário teatro, anexo ao prédio da Secretaria de Cultura, já que o municipal tinha sido demolido. Depois das apresentações no Teatro Municipal de São Carlos, fizemos uma breve temporada em Campinas, no auditório do Convento das Missionárias, na Avenida da Saudade, e seguimos para São Paulo, em 1968, para uma temporada no Teatro Anchieta. Só para se ter uma idéia, depois da demolição do municipal, Campinas teve apenas um precário teatro na Secretaria de Cultura e só em 1970 foi aberto o Teatro Castro Mendes – um grande cinema adaptado, com 880 lugares e um quarteirão de profundidade. Só que o Castro Mendes viveu em reformas até 1975. E em 1976 foi aberto o Teatro do Centro de Convivência e um teatro particular, o Barracão, do Jonas Lemos. Dentro dessas circunstâncias que obrigaram o Rotunda a atuar fora de Campinas, alguns companheiros tiveram que ficar e outros foram entrando no ninho. Uma das diferenças da mudança do Teatro do Estudante para o teatro profissional, foi a realização de temporadas mais longas e continuadas, nas quais podíamos sentir o resultado da repetição para espetáculo, além, é claro, da exposição à crítica especializada e a um público estranho. E ficamos em São Paulo de 1968 até 1971. Estávamos montando a peça O Novo Sistema de Hilda Hilst, para apresentar no Anchieta, quando Miroel Silveira, diretor artístico do teatro, pediu que remontássemos Electra para uma temporada paulistana, para depois entrar com a peça da Hilda. Na verdade, não chegamos a montar O Novo Sistema, pois em plena temporada de Electra, que estava indo muito bem, tivemos que interromper as apresentações porque foi deflagrado o confronto violento entre os estudantes da USP e do Mackenzie, que estavam há dois quarteirões do Anchieta, na Rua Maria Antônia. A situação estava tão pesada, que chegaram a invadir o teatro, e a direção resolveu fechar as portas. Mas um fato engraçado, pensando hoje, foi o José de Abreu, que era o Orestes em Electra, vestido de grego, fazendo discurso inflamado para o público, no palco, no fim do espetáculo, quando recebemos a notícia que tínhamos que encerrar a temporada. Depois, produzimos outros espetáculos: no teatro AnchietaOCavalinhoAzul,deMariaClaraMachado e João Guimarães – Veredas, de Renata Pallottini. Já tínhamos um elenco de futuras estrelas: Ney Latorraca (que ganhou seu primeiro prêmio como melhor ator), Carlos Alberto Ricceli, Maria Eugênia de Domênico, Ariclê Perez (no cavalinho) e Jofre Soares e Nydia Licia (no Guimarães). No Teatro Paiol, fizemos o Festival da Comédia Brasileira composto de quatro peças de um ato de Martins Pena, Gastão Tojeiro, Arthur Azevedo e José Maria Monteiro e dividíamos o teatro com Orlando Senna, que fazia O Desembestado. Em escolas, igrejas e outros locais, apresentávamos A Viasacra, de Ghéon e Vida e Obra de García Lorca, de Renata Pallottini. Aliás, em uma dessas apresentações em escolas, aconteceu uma coisa engraçada. Quem vendia os espetáculos era a Maria Alice Vergueiro, que nem pensava em ser atriz – eu bem que tentei que ela substituísse uma das atrizes que tinha ficado doente mas não teve jeito. E quem coordenava os debates com alunos sobre Lorca após as apresentações era o José Possi Neto. Num dia, num colégio de freiras, uma das alunas perguntou para o Possi quem era o toureiro Inácio, e porque • o Lorca fazia tantos poemas para ele. Diante do embaraço geral, Maria Alice não teve a menor dúvida e respondeu, bem alto e articulado – era • o namorado dele. Dá para imaginar a confusão, com as freiras correndo de um lado para o outro, encerrando os debates e recolhendo as alunas para as salas de aula! Depois de quatro anos de ausência, tão logo foi possível voltamos, em 1972, para Campinas, inaugurando a arena externa do Teatro do Centro de Convivência com Hipólito, espetáculo impressionante que vale um capítulo à parte. A partir daí, alternamos as produções entre São Paulo e Campinas, viajando também com as peças para outras cidades e Estados. Nos anos de 1973 e 1974 realizamos a missão do teatro, em cidades do litoral norte de São Paulo. E assim voltei novamente às minhas origens, retomando o contato com o mar, tão importante na minha infância. Mas vamos deixar para depois, e seguir pelas novas produções, que demonstram bem o caráter que buscávamos imprimir ao grupo. Em 1973, eu já era professora da EAD e, em plena ditadura militar, realizei com os alunos um exercício, baseado em Grotowiski, que chamei de “liberdade em cinco tempos”. Começava com os alunos fazendo uma fila, e quando eram chamados pelo nome, diziam um texto contra a guerra, os campos de concentração, enfim, contra a violência do homem sobre o homem, davam uma cambalhota no ar e caíam na piscina (que era como chamávamos a sala que tinha um declive). Nesse tempo, a USP recebia a ronda da polícia. Como fazíamos o espetáculo com todos os vitrôs abertos, a polícia, a cavalo e armada ostensivamente, ficava do lado de fora da sala, assistindo. Era muito tensa a situação, era uma espécie de confronto silencioso. Sabíamos que a qualquer momento eles podiam entrar lá e acabar com aquela graça. Mas a gente fazia aquilo com uma verdade tão grande que acho que os policiais ficavam até assustados de ver aquela moçada gritando, numa escola de teatro. Esse exercício causou muita polêmica, até mesmo dentro da escola. Chegaram até a fazer uma reunião de professores, pois alguns consideravam o espetáculo brutalizante. Mas sem ligar para as polêmicas, continuei com outra série de exercícios, até que surgiu um espetáculo do Rotunda: A Viasacra Hoje ou Calvário do Zé da Esquina. Foi um espetáculo considerado inovador para a época. Porém, tivemos problemas com a censura, que cortou, com seu temível lápis vermelho, trechos enormes do texto. Foi um momento muito importante para o amadurecimento do grupo, que começava então a adquirir uma consciência cada vez mais clara da dimensão real do papel do ator na vida social. Fizemos carreira pelos colégios religiosos de Campinas e nos apresentamos até no pátio da Cúria Diocesana! O Calvário do Zé da Esquina e As 3.650 Noites do Rotunda foram minhas incursões pela dramaturgia. Na verdade, eram meros roteiros para espetáculos. A partir de 1974, aos poucos o grupo foi voltando para Campinas, com a montagem de Pedro Pedreiro e O Crime da Cabra, de Renata Pallotini. Emboraem1976produzanovamenteemSãoPaulo, é em Campinas que o Rotunda faz a primeira temporada de Laço de Sangue, de Athol Fugard, inaugurando o Teatro Barracão do Jonas Lemos, com Rofran Fernandes e João Acaiabe. Foi um espetáculo muito importante pela sua temática – o apartheid. Mandela estava preso, a situação era extremamente delicada, e o ótimo texto do Athol segurava o jogo dos atores, com pouquíssimos recursos cênicos, abordando os conflitos entre dois irmãos sul-africanos – um branco e um negro – cada qual sofrendo as pressões de uma sociedade dividida. Fizemos, depois de Campinas, uma boa temporada em São Paulo, no Teatro Ruth Escobar, quando Acaiabe recebeu a indicação para o prêmio Molière. No ano seguinte voltamos a Campinas, onde por quatro anos (de 1977 a 1980), montamos vários espetáculos: Romeu e Julieta, de Shakespeare, Olá! Herói, de Neusa Doretto, As 3.650 Noites do Rotunda (texto que escrevi em comemoração ao aniversário de 12 anos do grupo), Bye, Bye Pororoca, de Timochenco Webbi e Mah Lully e Libel, a Sapateirinha, de Jurandir Pereira. Em 1981, o grupo dividiu suas atividades entre São Paulo e Campinas, produzindo Tribobó City, de Maria Clara Machado (que nos emocionou com sua presença durante a temporada) e Fala, Poesia, roteiro de Renata Pallottini com poemas da própria Renata, Ilka Laurito, Neide Archanjo e Olga Savary, no TBC. Em Campinas, montamos A Cantora Careca, de Ionesco com direção de Jonas Lemos, Um Elefantinho Incomoda Muita Gente, de Oscar Von Phful com direção de Amadeu Tilli e O Superpirata Ervadoce, de Jurandir Pereira com direção de Mariluce Lopes. Essa duplicação dos locais de trabalho continuou em 1982, quando montamos Morre o Rei, de Ionesco no teatro da Aliança Francesa em São Paulo, e O Baú da Inspiração Perdida, de Benê Rodrigues com direção de Amadeu Tilli e A Lição, de Ionesco com direção de Jonas Lemos, em Campinas. O Rotunda, mesmo sendo um grupo profissional, seguiu a direção do TEC enquanto projeto estético – repertório variado, preparação dos espetáculos precedida de estudos, preocupação social presente na temática e na exibição e circulação das obras. A condição de dupla cidadania do grupo, no entanto, causou alguns problemas, especialmente na hora de receber apoios institucionais – era um grupo de Campinas ou São Paulo? Desde 1969 o Rotunda tinha deixado de receber ajuda da prefeitura de Campinas, já que também contratava atores e técnicos de São Paulo. Enfim, mais um dos problemas de se tornar “gente grande”! Mas esse amadurecimento teatral não aconteceu apenas com o Rotunda e nem só em Campinas. No interior do Estado, grupos teatrais conscientes de sua importância na sociedade proliferaram – Araraquara, Santos, São José do Rio Preto, são outros exemplos paulistas da nova era teatral que começara. Afinal, por que razão o interior deveria ser reduzido a mero consumidor de espetáculos vindos de São Paulo ou de centros maiores? Os grupos teatrais do interior paulista desse momento deram uma grande contribuição para a criação de um público. E continuamos a produzir espetáculos variados – clássicos, contemporâneos, experimentais, alguns dos quais marcaram fundo e sobre os quais falaremos a seguir. Hoje, começamos a preparar as comemorações dos 40 anos do Rotunda (meu Deus!), com a produção do espetáculo João Guimarães – Veredas de Renata Pallottini, projeto que nos rendeu o prêmio Flávio Rangel de teatro profissional da Secretaria de Estado da Cultura de 2005. Capítulo VII O espetáculo Eu não sei fazer espetáculo por encomenda, por contrato. Quem me conhece já sabe, só produzo o que quero fazer, o que me motiva como diretora. Não sei fazer um trabalho no qual não acredite, que eu não sinto. Quando leio o texto já sinto o espetáculo, vejo tudo pronto. Se isso não acontece logo de cara, posso desistir que nada vai rolar. Todo mundo fala que escolher texto para produzir, para dirigir, é muito difícil e é mesmo. Principalmente a dramaturgia brasileira, que andou em baixa durante um bom tempo. Agora, felizmente, já temos novos e bons autores, bons textos, mas ainda não é suficiente, a demanda é maior. Uma das primeiras coisas que penso é no público, afinal, é para ele que fazemos o espetáculo. Quando penso que as pessoas saem de casa para ver o meu trabalho, sinto que tenho a obrigação de dizer alguma coisa para elas. Claro que teatro é, antes de tudo, entretenimento, mas para mim, cada vez mais, é importante passar um conteúdo, uma mensagem social – sem perder a preocupação estética. Seja qual for o espetáculo, ele só não pode ser chato. E o público é um crítico astuto, que foi lá para se distrair, se divertir, se emocionar. E ele tem esse direito. Eu fico grávida dos textos por anos. Fico com aquele texto que eu ouvi dizer, ou que eu li, ou que vi um dia na vida em algum lugar do mundo. E fico com aquilo na cabeça e vou às últimas conseqüências, me preparo para fazer daquele texto um novo trabalho. Uma coisa que ajuda muito nessa gestação é a música. Durante o processo de criação, fico curtindo uma melodia, um som. No último espetáculo que a gente fez, Prá lá de Bagdá, eu estava ouvindo muito a Nina Simone. Eu ficava em casa em São Sebastião, quieta, ouvindo a música e olhando o mar. Depois, pegava o carro, sozinha, e continuava ouvindo aquelas músicas. E aí o espetáculo começou a vir na minha cabeça. Num domingo, estava tudo quieto em São Sebastião, pensei ah, vou escutar uma Nina Simone eo espetáculo apareceu, fulminante, em mim. Foi a Nina Simone que me levou ao encontro de Prá lá de Bagdá. Ironias do destino. É como as melodias que eu vou colocar no filme Topografia de um Desnudo – os temas dos personagens Russo, Teo, do Boêmio que o Ney Latorraca vai cantar. Na rua, na farmácia, no fruteiro, me pego cantando os temas dos personagens e começo a ver cenas do filme. Na verdade, são processos que não sei direito definir, não controlo. A melodia me preenche. Não tenho nenhuma disciplina para isso, simplesmente o espetáculo me invade. Não dá para falar de todos os trabalhos que fizemos, por isso, vou citar apenas alguns. Electra, de Sófocles Fizemos Electra como segunda opção: o famoso plano B. Queríamos estrear o Rotunda com A Revolução na América do Sul, do Augusto Boal. Mas estávamos passando por uma fase dura no País (1967), chegando às portas do AI-5, e um dos meninos do elenco – que era meu namorado e que fazia estágio numa delegacia – foi chamado por um superior que lhe disse: Olha, nem pensem em fazer isso. Já que a gente não podia fazer um espetáculo politicamente engajado, decidimos nos voltar para as origens – o teatro grego. Eu já tinha um interesse especial pela tragédia grega, tanto assim que depois de Electra eu fiz Hipólito. Optamos por montar o espetáculo o mais fiel possível ao “espírito grego”, ou seja, montamos a tragédia com pouquíssimas adaptações – o que foi um ato bem corajoso! Mas essa é minha posição da qual não abro mão, porque eu tive • o privilégio de conhecer o teatro grego feito na Grécia, o Shakespeare feito na Inglaterra, • o Moliére feito na França. E assisti também os clássicos feitos no Brasil com uma grande seriedade, sem concessões que “aliviam” a tragédia ou “aproximam” os clássicos por meio de gírias, piadas, etc. Os clássicos são clássicos porque se mantêm atuais, universais. Enfim, demos ao espetáculo o mesmo caráter de estudo que estávamos acostumados no TEC. Nossa, o que a gente estudou, o que a gente pesquisou... A equipe era dedicadíssima: Geraldo Jurgensen nos cenários, o escultor Lélio Coluccini nas máscaras, Nilza de Castro Tank na preparação vocal. E como tínhamos um elenco pequeno (a maioria oriunda do TEC), duplicamos o coro com máscaras autônomas, que ficavam em cima de grandes bastões, com os quais os atores do coro jogavam. Na montagem, tivemos preocupação com uma linguagem estética, a partir da harmonia e a força do movimento que os gregos deixaram na sua escultura. A narrativa trágica era colocada como se os atores fizessem reviver alguns frisos da estatuária grega, tanto em solos como no conjunto. Mas evitamos a possível rigidez que essa excessiva plasticidade das figuras poderia sugerir, trabalhando as emoções dos atores para transformá-los nos heróis sofocleanos. E foi com essa peça que o Rotunda estreou, no dia 9 de setembro de 1967, no teatro do vizinho. Isso mesmo, estreamos o grupo campineiro no Teatro Municipal de São Carlos, já que Campinas tinha demolido seu municipal. Mas levamos para lá nosso público – 600 pessoas que lotaram 15 ônibus, organizados pela estratégia militar do major Rodolpho Pettená, do serviço de turismo da Prefeitura. Essa gloriosa excursão, por ironia do destino, saiu do largo do antigo Teatro Municipal. Electra foi mais que um espetáculo, foi um longo ritual. Mas valeu a pena, porque foi muito bem acolhido. A primeira crítica, assinada por Décio de Almeida Prado e publicada em O Estado de S.Paulo, além de favorável, valeu como uma bênção. Sim, porque Décio foi para São Carlos e, depois do espetáculo, reuniu-se com o pessoal para uma longa avaliação do trabalho. O passional João Apolinário também esteve lá e fez uma belíssima crítica no Última Hora. Depois do sucesso em São Carlos, ficamos mais estimulados a mostrar o espetáculo em Campinas – mas onde? A única solução foi colocar o imenso e belíssimo cenário de Geraldo Jurgensen no palco do auditório da Casa das Irmãs Missionárias, na Avenida da Saudade. E foi nessa temporada campineira que dr. Alfredo Mesquita foi assistir o espetáculo e publicou no O Estado de S.Paulo um comentário de meia página, extremamente estimulante. Com a boa repercussão, recebemos um convite de Miroel Silveira, diretor artístico do Teatro Anchieta, para uma temporada paulistana. Em três semanas, o espetáculo foi remontado com algumas substituições: Lourdes de Moraes, José de Abreu e Kito Junqueira. Ariclê Perez vinha da montagem original, assim como Ana Lúcia Vasconcellos, a protagonista, que ganhou com o espetáculo o prêmio “revelação de atriz” de 1968, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Teatro – APCT. A imprensa abriu espaço considerável para o espetáculo, e a crítica foi favorável em sua maioria. Sábato Magaldi publicou no O Estado de S.Paulo: O Teatro Anchieta acabou de apresentar o Teatro da Cidade, grupo profissional de Santo André, e mostra agora o Teatro Rotunda, de Campinas, primeiro conjunto profissional criado no interior do Estado. Ambos testemunham, cada um à sua maneira, que a descentralização teatral pode ser uma realidade, orientada por sólidos modelos. É importante lembrar que o Teatro da Cidade, que mereceu os melhores elogios da crítica, apresentara Jorge Dandin, de Moliére, dirigido por Heleny Guariba, um grande talento, uma companheira da maior valia para a causa do teatro, que desapareceu na avalanche de escuridão e violência que assombrou o país nesse 1968. Também Electra foi suspenso nesse ano, pois as ruas Maria Antonia e Dr. Vila Nova transformaram-se em praça de guerra: Faculdade de Filosofia da USP x Mackenzie. Mas deixou lembranças boas e muita, muita saudade. Hipólito, de Eurípides O arquiteto Fábio Penteado defendia que o tratamento acústico da arena externa do Cen tro de Convivência de Campinas era perfeito. O teatro de arena (como é conhecido) é rodeado por quatro blocos de arquibancadas enormes de cimento e entre uma e outra existe um espaço bastante grande. É rodeado de grandes árvores, plantadas, segundo ele, a partir de um estudo de acústica. Nossa discussão começou porque eu dizia que o local era inadequado por ser uma rótula de trânsito. Ou você fecha o trânsito naquele pedaço do Cambuí, que dá saída e entrada para vários lugares, ou só faz espetáculo quando não tem carros na rua. Quando eu fiz Hipólito ali, inaugurando a arena em 1972, tivemos o privilégio de ter atores com vozes possantes, como a Lourdes de Morais, o Rofran Fernandes e a Selma Pelizon. Mesmo assim, fiz as marcações de forma que as vozes eram jogadas sempre em direção aos blocos de arquibancada, porque se fosse jogada para os intervalos entre uma arquibancada e outra, o som se perdia totalmente. Logo, não existe nenhum tratamento acústico, a prática revelou. Bom, mas vamos falar do espetáculo, que realmente foi impressionante. A gente se preparou muito, ensaiamos durante muitos meses, em contato direto com a natureza, tirando dela toda a força para compor os personagens. Falando desse período de preparação, lembrei de um episódio engraçado. A gente ensaiava na chácara do Amadeu Tilli, e um dia o Rofran Fernandes, que fazia Teseu, ficou tão enlouquecido que arrancou um arbusto e saiu correndo pela chácara, no meio da noite, gritando Hipólito morreu, Hipólito morreu!. Os empregados escutaram aqueles gritos e ficaram tão assustados, que chamaram a polícia! Quisemos levar para o público essa força da natureza. Fizemos uma coisa que hoje seria inconcebível – cobrimos a arena com dez caminhões de areia da praia. O então prefeito Orestes Quércia e o Secretário de Cultura José Alexandre dos Santos Ribeiro, deram toda cobertura necessária para que o espetáculo fosse um grande evento. E assim chegaram os caminhões de areia, que além do efeito cenográfico, ajudou muito a acústica. No dia da estréia, fomos surpreendidos por um fato até então inimaginável: Adilson Wladymir, que fazia o Hipólito, foi gravar uma novela no Guarujá (contra minha vontade) e não chegou em tempo. O público chegando, o elenco aflito, até que decidimos que Amadeu Tilli iria ler o texto de Hipólito. E lá fomos nós. Lourdes de Morais, que fazia Fedra, começava o espetáculo submersa nas areias, respirando por um canudinho. O espetáculo era totalmente iluminado por grandes tocheiros, colocados à volta de toda da arena. Na estréia, a arquibancada estava lotada – 5 mil pessoas. Os atores entraram em cena para acender os tocheiros, e logo o segundo susto: um grupo de alunos da Unicamp, sob o comando do professor Gambini, começou a cantar parabéns pra você. Não preciso nem contar como ficamos – já pensou se a gracinha pega e 5 mil pessoas começam a cantar “parabéns”? Só que a Lourdes de Morais, enterrada na areia, teve uma presença de espírito e uma força admirável. Enfrentando o público, ela levantou do meio da areia e disse eu sou Fedra. Foi incrível, mas as 5 mil pessoas ficaram absolutamente em silêncio! A força daquela atriz salvou o que poderia ter sido umgrande fiasco, e agente conseguiufazero espetáculo até o fim. É que a Lourdes, assim como todo o elenco, estava segura de seu personagem. Afinal, a gente tinha preparado aquele momento durante muito tempo. Todos os trabalhos que faço são assim – gerados, gestados. Não acredito no espetáculo feito do dia para a noite. Eu fico grávida do espetáculo por anos, e quando eles vêem à luz – certos ou errados – é porque estão prontos. E os atores também – para o que der e vier. Esse momento da Lourdes de Morais é um exemplo do ator que respeita seu trabalho e que se faz respeitar. Uma noite, Selma Pelizon cortou o pé em cacos de vidro, o que nos alertou, tardiamente, para a necessidade de vasculhar a areia antes de cada espetáculo. E foi assim que numa noite tivemos uma grande surpresa: no local onde um dos atores caía com o peito nu, em saudação à Afrodite, encontramos um punhal solidamente colocado em posição vertical, apontando uma lâmina de 20 cm para cima. Graças aos deuses, havíamos evitado um acidente de proporções provavelmente terríveis. Com essa montagem, fizemos uma leitura da tragédia grega diametralmente oposta àquela de Electra, de Sófocles. O trabalho do grupo era todo dirigido no sentido de fazer aflorar, de forma vigorosa, a emoção visceral e orgânica de sua sensibilidade, estimulada pelas forças da natureza – tínhamos o mar, o ar, o fogo. Depois, o espetáculo foi levado ao Teatro Municipal de Santo André e para São Paulo, na sala galpão do Teatro Ruth Escobar. O Crime da Cabra, de Renata Pallottini Essa comédia da Renata Pallottini talvez tenha sido, ao lado de Tribobó City, da Maria Clara Machado, um dos espetáculos que eu produzi e dirigi maior número de vezes na minha carreira. Montei em Marília, em São Sebastião, umas três vezes em Campinas... e só numa das montagens é que usamos uma cabra de mentira, sempre era uma cabra de verdade. E é claro que isso dava um trabalho enorme, porque ninguém segura boca de cabra, e elas comiam tudo que achavam pela frente – até textos, peças de figurino, do cenário. Mas o problema era quando a cabra fazia a digestão em cena. Tinha um momento na peça em que um dos personagens entrava pela platéia puxando a cabra, e aconteceu várias vezes da cabra “dejetar” no meio do público. Isso causou vários problemas, especialmente quando apresentamos no Teatro do Centro de Convivência, em Campinas, todo acarpetado. Até arrumamos uma pazinha e uma vassoura para o ator, o Joel Barbosa, que fazia o dono da cabra recolher os “dejetos”. O pessoal do teatro não gostava muito, brigava com a gente, queriam suspender o espetáculo, mas o público adorava! Mas o mais bacana mesmo foi a temporada que fizemos no circo irmãos Almeida, em Campinas. Acho que o circo é uma das manifestações culturais da maior importância. Falo do circo de lona, circo do pau-de-roda, do circo da arquibancada, da pipoca, o circo ingênuo, do palhaço. Comecei no circo, passei pelo circo, fui dona de circo e ainda quero fazer mais alguma coisa no circo. Enfim, viva o circo! Doutor Zote, de Neri Gomes de Maria Numa conversa com um grupo de amigos, entre os quais alguns autores preocupados com a dramaturgia nacional, surgiu a idéia de fazermos um festival do autor nacional. A única montagem que saiu dessa noite do “vamos fazer”, foi o texto inédito do inédito autor Neri Gomes de Maria, Doutor Zote. Com a ajuda generosa da Elzinha (professora Elza Cunha de Vincenzo), enveredei pelos difíceis caminhos do expressionismo. Os cenários –mais umavezdoGeraldoJurgensen – em proporções anormais, eram maquinados sem muita lógica, com uma iluminação criada para resultar em zonas de luz e sombra. Figuras indefinidas que se emaranhavam pelas sombras, criavam um ambiente propício para os delírios do protagonista – bom trabalho de Paulo Hesse. Quando esse lado negro do pesadelo dava uma pausa para a cabeça atormentada do protagonista, era a vez do estilo “história em quadrinhos” o assombrar. Esse espetáculo revelou outro ator – Herson Capri. Fizemos carreira na sala Gil Vicente do Teatro Ruth Escobar, e o espetáculo teve as mais controversas opiniões. Mariângela Alves de Lima disse sobre nossa estranha aventura: O trabalho da direção enfatiza a embriaguez do poder. Os atores constróem as personagens como figuras oníricas que desempenham uma função completamente simbólica. Não há personagem com vida própria. Marginais e empresários se comportam como se existissem apenas para corporificar os recalques e desejos do protagonista. Já Miroel Silveira me disse: você precisa botar a cabeça debaixo de uma torneira de água fria. Tá ficando louca e fazendo os outros ficarem loucos! Ele falou isso muito bravo, mas na verdade, adorei sua opinião! Laço de Sangue, de Athol Fugard Em 1976 o Rotunda surpreende a crítica e o publico com a montagem de Laço de Sangue, de Athol Fugard, sul-africano pouco conhecido no Brasil, que trata das agruras do apartheid a partir da própria vivência do autor. O espetáculo fez carreira no Teatro Ruth Escobar e João Acaiabe foi indicado ao prêmio Molière de melhor ator. A montagem de Laço de Sangue foi um jogo bem-sucedido e bom para nós, que participávamos dele: João Acaiabe, Rofran Fernandes e eu. Apresentar e discutir o problema do preconceito racial, duramente apontado na peça, já teria valido todo o esforço, bem como a participação no Festivafro – mostra de cultura negra que a Fundação Getúlio Vargas realizou naquele ano. A peça fez uma carreira grande de viagens, sempre com acalorados debates ao final, uma vez que Mandela, o líder negro sul-africano estava preso. Além do interior de São Paulo, como Campinas no Teatro Barracão (do Jonas Lemos) fizemos Brasília e Mato Grosso. Esse foi sem dúvida um dos espetáculos importantes do Rotunda. Romeu e Julieta, de Shakespeare Em 1977, para comemorar o décimo aniversário do Rotunda, produzimos, com o patrocínio da prefeitura de Campinas, Romeu e Julieta. Bons tempos aqueles em que, embora já num grupo profissional, podíamos ensaiar fins de semanas a fio! O Barracão do Jonas era nosso quartel general, onde entrávamos na sexta-feira à noite e só saíamos na segunda de madrugada. Mas como nunca fui partidária de “viver em comunidade”, cada um ia dormir, pelo menos algumas horas, em suas próprias casinhas! Apesar da grande carga horária de ensaios, corria uma energia tão boa que nunca chegávamos à exaustão. Fazíamos exercícios de voz, preparação física, trabalhos de mesa, interpretação e esgrima. A preparação física e a resposta imediata aos estímulos era tão grande, que ensaiávamos subindo em várias escadas, dessas em forma de “A”, e nunca tivemos nenhum acidente. Se bem que um dia, quando quase todo o elenco estava em cima de uma dessas escadas, alguém se desequilibrou e, claro, a escada começou a adernar. Mas o elenco era tão ágil, estava tão preparado, que um a um foram pulando e caindo em pé, sob os aplausos da equipe técnica que estava de fora! Mais uma vez, a música me levou ao espetáculo – era Nino Rota. Mas também Fellini me levou pela mão nesse espetáculo, que teve muito forte a presença do circo. O espetáculo abria com o elenco todo fazendo acrobacias, escaladas em cordas, que levavam aos diferentes espaços. O segundo ato abria com todos os meninos lutando esgrima. Os figurinos do querido amigo Fernando Grecco eram, além de muito bonitos, adequados ao elenco de acrobatas e saltimbancos. Uma cortina de tule finíssima, quase invisível, separava o palco da platéia. Através de um sistema complicado de irrigação e captação de água, à medida que a tragédia se aproximava, gotas de água começavam a escorrer pela cortina invisível. Geraldo Jurgensen, cenógrafo de quase todos os meus espetáculos, fazia milagres para apresentar a concretude de meus sonhos. Claro que, para chegar a esse efeito, fizemos ligação com o encanamento do intocável Teatro do Centro de Convivência de Campinas. Quando a gente chegava no teatro o pessoal já se arrepiava, mas eram todos de uma dedicação plena, procurando o melhor resultado, juntos. Gente, era muito lindo! Isso tudo somado ao vigor daquela moçada inesquecível. Uma corrente de energia que brilhava unia elenco, técnica e público. Desde a entrada do teatro, estava contada a história de dez anos de vida, por meio de uma exposição retrospectiva dos espetáculos do Rotunda, com fotos, figurinos, adereços e detalhes que lembravam cada uma das montagens realizadas. A temporada foi tão bem que a prefeitura recuperou todo o investimento só com a bilheteria. Tudo foi realizado com muito amor, e a cidade retribuiu, recebendo e participando dessa festa de aniversário com muito carinho. As 3.650 Noites do Rotunda, de Teresa Aguiar Certa vez assisti, em Bristol, Inglaterra, a um espetáculo que contava a história dos 200 anos do famoso Royal Theatre daquela cidade: o espetáculo chamava-se Sixty Thousand Nights. Fiquei à espera de uma oportunidade para fazer o mesmo em Campinas, o que aconteceu em se tembro de 1979, com a montagem de As 3.650 Noites do Rotunda, um revival caboclo. Mariluce Lopes e eu costuramos as cenas dos espetáculos produzidos pelo Rotunda e criamos um grande show! Nos cenários de Jucan, com escadarias e portas espelhadas que se abriam ao fundo, os atores com fraques prateados e cartolas e as mulheres com longos coloridos, abriam o espetáculo com coreografias do Zeca Ibanhez e preparação corporal da Yara Machado. Depois dessa abertura, cada cena era uma homenagem a um espetáculo, com atores usando figurinos da peça, detalhes cenográficos e trilha própria. Era um espetáculo imenso, um musical elaborado, com dezenas de atores, técnicos e complicados recursos cênicos, tudo preparado para o Teatro do Centro de Convivência. Tanto assim que depois da temporada, o espetáculo não cabia em nenhum outro lugar em Campinas. Na verdade, foi o único “musical” que fiz, uma loucura, que nos fez muito felizes e deixou saudade! Fala, poesia, de Renata Pallottini Em 1981, Renata Pallottini, como dramaturga, soube juntar aos seus poemas os de Ilka Brunhilde Laurito, Neide Archanjo e Olga Savary, e escrever um roteiro no qual a poesia não só resistiu a um tratamento teatral como resultou em um espetáculo com uma proposta maior: mostrar, além da força da poesia em si mesma, a visão da mulherpoeta em face da própria mulher, do poema, do amor, da memória, da morte e do povo. Esse espetáculo procurava revelar as autoras e sua preocupação com o social, o existencial e com o questionamento da própria palavra, ao mesmo tempo que pretendia arrancar a poesia do livro, dando-lhe vida, sentimento, corpo e voz. Isadora de Faria e Danúbia Machado, interpretavam os poemas, que eram interligados pela música popular brasileira, nas vozes de Maricene Costa e Bete Sá, acompanhadas, ao vivo, por Filó e seu conjunto, que nesse momento já fazia sucesso no Boca da Noite em São Paulo. Não era propriamente um show, mas um espetáculo feminino. Em dias e espaços alternativos, às segundas e terças-feiras, no recém-inaugurado assobradado, do Teatro Brasileiro de Comédia, Fala, Poesia cumpriu longa temporada, e foi apresentado posteriormente em colégios, bibliotecas públicas e cidades do interior. Morre o Rei, de Eugene Ionesco Eu fui introduzida ao teatro do absurdo pela Cândida Teixeira, que fez com a gente, no Teatro do Estudante, Tardieu e Adamov. Já no Rotunda, fizemos, de Ionesco A Cantora Careca e A Lição. Mas, falar de Ionesco, para mim, é falar de Morre o Rei. Produzimos esse trabalho em São Paulo, com o Sérgio D’ Antino. Minha cunhada, Laura Vivona, fez uma tradução brilhante. Eu estava tão fascinada pelo texto, que numa de minhas estadas em Paris resolvi procurar o Ionesco. E do mesmo jeito que anos atrás eu tinha invadido os salões do Palácio do Catete no Rio de Janeiro para falar com o Paschoal Carlos Magno, descobri o endereço do Ionesco e fui até lá. Quando cheguei na porta de seu apartamento, onde estava escrito num cartãozinho ao lado da campainha – “messieur Ionesco”, confesso que tive um medo brutal. Mas toquei assim mesmo, ele atendeu e eu falei – sou Teresa, estou chegando do Brasil para falar com você, quero montar Morre o Rei. Ele respondeu oui, e eu ouvi um “pleft” – era o portão de madeira que se abriu. Eu entrei e me vi perdida no mundo naquele pátio grande, que dava entrada para os apartamentos. E com a famosa coragem da ignorância subi as escadarias – era um prédio antigo, sem elevador. Antes de ter tempo de desistir, toquei a campainha e quem abriu a porta foi o próprio Ionesco. Aí eu pensei: bom, Teresa, agora você decide – desmaia, finge que desmaia ou diz a que veio. E no meu pobre francês, tentei me explicar como pude. Ele deve ter achado uma coisa bizarríssima, uma maluca saída do Brasil distante, e falou: Morre o Rei, como toda a minha obra, como todo teatro do absurdo é uma obra aberta, e eu estou muito curioso de ver como você, mulher brasileira, tropical, vai fazer o espetáculo. Eu falei olha, pode ter certeza que você vai na estréia! Já no Brasil, começamos a montagem da peça, que foi produzida pelo Sérgio D’Antino e teve a produção-executiva do eficientíssimo Francarlos Reis. Por intermédio de Luís Contier, casado com uma prima, armei um esquema com o consulado da França, que por sua vez conseguiu adesão da câmara de comércio e indústria franco-brasileira, da casa de cultura francesa, e enfim, depois de muita confusão, trouxemos Ionesco para o Brasil para a estréia de Morre o Rei. Foi um espetáculo muito interessante, com um cenário incrível do Campello Neto. A Kalma Murtinho foi para Campinas, no barracão do Amadeu Tilli onde guardávamos as sobras dos espetáculos. Com o acervo do TEC e do Rotunda, criamos um figurino extraordinário. Na minha opinião, foi o melhor trabalho que o Marcos Caruso, a Jandira Martini e o Francarlos Reis fizeram como atores. Bom, voltando ao Ionesco, fomos ao Rio de Janeiro esperar sua chegada. Assim que ele desembarcou, me abraçou e disse: se eu não gostar do espetáculo, levanto e vou embora. Eu respondi corro o risco. E tive o prazer de assistir ao espetáculo ao lado de Ionesco, que não só não foi embora como, depois, durante o jantar, no meio da conversa, fazia perguntas e comentários, demonstrando interesse pelo processo de criação e concepção. Na hora de ir embora, ele me abraçou e disse: então, eu vim e fiquei até o fim. Você está feliz? Isso lá é pergunta que se faça? Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel Dirigir liberdade em 1984, era um projeto antigo e um grande desafio, visto que a montagem de Flávio Rangel, em seu memorável espetáculo de 1965, parecia definitiva e única. Começamos nosso trabalho a partir do princípio ritualísticodoteatro,resumidoafinalpelasmãoslavadas e o abraço antes de cada ensaio. A partir de um determinadomomento,convencionadopelaprocura dos olhos uns dos outros, estávamos disponíveis para a criação e busca da emoção. Pelo confronto dos contrários, a ação da peça, que percorre todas as vias, da violência ao humor, passando pelo épico e peloromântico, desenvolvia-seum clima de soirée dos “anos dourados”. O elenco usava smokings e vestidos longos, brancos. O resto ficava por conta de uma iluminação que servia ao espetáculo. Não havia cenários, apenas alguns planos elevados. Nessa época não tínhamos ainda o TAO – Teatro de Arte e Ofício. Peregrinamos atrás de datas e espaços, o que me lembrava muito os velhos tempos do Teatro do Estudante. Vencemos algumas batalhas e conseguimos fazer temporada no Teatro do Centro de Convivência e no Castro Mendes em Campinas, além de outras aventuras. Eu gostava muito do espetáculo. Talvez porque marcou um de meus retornos a Campinas. Tínhamos uma banda que tocava e cantava ao vivo, o elenco cantava (mais ou menos) com a Delma Medeiros salvando a pátria já que era cantora. Esse espetáculo revelou Ariane Porto, que hoje além de atriz é produtora de teatro, cinema e televisão, e com bravura e coragem construiu este livro. Para dar um exemplo de como a vida imita o teatro, o Marco Ghilardi um dos atores do elenco me deu flores no dia da estréia com um cartão: apesar de tudo, vivos e eternos neste milagre que é o teatro. Deixou a gente cedo demais. Remontar Liberdade, Liberdade faz parte de meus projetos futuros. Topografia de um Desnudo, de Jorge Diaz Esse texto tem história, e vale a pena contar. Tudo começou em Manizales, na Colômbia, onde estávamos com alunos da EAD apresentando dois espetáculos no Festival de Teatro Universitário: eu estava com minhas alunas fazendo O Rato no Muro, da Hilda Hilst e o Silney Siqueira com os alunos dele fazendo Pedro Pedreiro, de Renata Pallottini. Eu e um grupo de brasileiros – entre eles o Ney Latorraca e a Renata Pallottini – assistimos a um espetáculo apresentado pela Universidade Católica do Chile, e ficamos impressionados. Era o Topografia de um Desnudo, que retratava um fato recente da história do Brasil – a “operação mata-mendigos”. O autor criou um texto denso, brutal, baseado numa notícia de jornal que chegara ao Chile sobre esse episódio vergonhoso de nossa história. Chegamos ao Brasil, Renata Pallottini traduziu o texto e com a ajuda da Universidade Católica do Chile conseguimos contato com Jorge Diaz, que estava na clandestinidade. Nosso contato era super difícil, tínhamos que ligar cada vez para um lugar diferente. Era um momento difícil para eles e para nós – 1972. Tanto assim que logo depois, Jorge Diaz se exilou na Espanha. Depois da autorização do autor, mandamos o texto para a censura federal do Brasil, onde ficou por 15 anos! Em 1985, tentamos novamente concretizar o projeto. E depois de muitas idas e vindas, conseguimos “liberação provisória” para montar o espetáculo. Esse certificado provisório tinha que ser renovado a cada 15 dias, o que envolvia horas de chá de cadeira na polícia federal. Mas estreamos o espetáculo em Campinas, no Teatro do Centro de Convivência. O pessoal do teatro • velho conhecido – dizia com razão: meu Deus, lá vem espetáculo da Tatá (como sou conhecida por muitos companheiros). Nesse trabalho, eles ficaram mais enlouquecidos do que de costume, pois literalmente “desmontei” o palco do teatro • abri o poço da orquestra, coloquei iluminação dentro e o transformei em um “rio”, tiramos as tapadeiras e deixamos as coxias à mostra, tiramos bambolinas e expusemos todos os refletores. Enfim, “desnudamos” o espaço cênico. A partir do ponto de vista do personagem central que está no tênue limite que separa a vida da morte, toda a trama se desenvolve. Instalamos microfones no palco, que serviam para os atores/personagens fazerem seus depoimentos, transformamos o ciclorama numa grande tela na qual projetávamos um filme super-oito que realizamos com o Marcos Craveiro em lixões da cidade, usando atores e moradores do local. Com uma máquina de solda, fazíamos a cena da tortura, em que o ator Márcio Cruz, nu, tomava choques que cortavam, juntamente com seus gritos, o blecaute geral. No cenário de Jucan, vultos se esgueiravam pelo lixão surreal. O elenco? Pobre elenco. Feliz elenco. Foi um trabalho árduo, do ponto de vista profissional e pessoal, com visitas aos lixões e confronto com a dura realidade dos excluídos sociais. Nesse trabalho, usamos de tudo – Stanislawiski, Grotowiski, Brecht, o expressionismo alemão, o realismo fantástico. E mais do que tudo, nossa sensibilidade e solidariedade para com esses nossos compatriotas “desnudos”. Depois do Centro de Convivência, fizemos uma temporada em nosso teatro, o TAO, e seguimos para uma temporada paulistana, no Teatro Ruth Escobar, onde recebemos as melhores críticas. Se fiquei satisfeita? Não, quero mais. E agora estamos na fase final de gestação de outra etapa – o longa metragem Topografia de um Desnudo, que filmamos em 2006. Caminhos que Fazem Darro e o Genil até o Mar, de Renata Pallottini Em 1986, à convite da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o Rotunda participou do evento Garcia Lorca – 50 anos de Eternidade, que relembrava os 50 anos do assassinato do poeta. E fizemos uma temporada, na Sala Paschoal Carlos Magno do Teatro Sérgio Cardoso, do espetáculo de Renata Pallottini Caminhos que Fazem o Darro e o Genil até o Mar. Paula Martins, mestra absoluta das coreografias, danças e palmateios espanhóis, nos deu a honra de trabalhar nossos atores. No elenco, alguns encontros felizes como a atriz Nilda Maria, e outros reencontros também felizes como Carlos Arena – o meu Lorca de 1976 – e Rofran Fernandes de Laço de Sangue. As espanholas natas, Rosa Yagui, cantora, e Elvira Perpinya, percussionista, deram um “toque de legitimidade” ao espetáculo. O texto de Renata Pallottini, como o nome sugere, pontua momentos especiais dos caminhos feitos pelo poeta – de uma vida admirável para uma morte prematura executada pela mão nazifascista do regime de Franco. O espetáculo era despojado e discreto, juntando trechos de peças, poemas, canções, e finalmente mostrando a alma de Lorca viva pelo personagem/duende, interpretado por Ariane Porto. Uma alma inteira, prazerosa, encantando a todos. Caminhos seguiu seu destino, apresentando-se no Centro de Convivência de Campinas. Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa, de Mário Brassini Esse é um exemplo de texto muito bem estruturado, despretensioso, simples. A narrativa flui, enredando duas personagens, cuja amizade atravessou décadas, numa trama cheia de coincidências, que embora previsíveis, não tiram o sabor desse texto, no qual o drama e a ternura se alternam com o cômico. O público se sentia tão envolvido na intimidade das duas velhas amigas que se encontravam para o chá das 5, que resolvemos servir antes do espetáculo um chá com biscoitos para todos. Danúbia Machado e Ariane Porto, duas atrizes tão mais jovens que as personagens, acertaram o tempo do jogo como dificilmente uma dupla acerta. Quartafeira inaugurou o TAO – Teatro de Arte e Ofício e após uma temporada campineira que incluiu o Centro de Convivência, seguiu para São Paulo, onde fez longa temporada no Teatro Câmara de Arte, na Rua augusta. E foi lá que o espetáculo comemorou 150 apresentações e depois seguiu para o interior do Estado. Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare Se eu tivesse que responder à famosa pergunta dos talk shows sobre os “maiores amores de minha vida”, certamente citaria o Sonho de Uma Noite de Verão. Acho que foi o filho com o qual mais sonhei. Assisti a várias montagens do texto, a primeira nos anos 60 em Londres, no Hyde Park, e depois muitas outras, mais ou menos marcantes. Até que nos anos 80 assisti uma montagem escocesa no Festival de Teatro de Edimburgo, e aí disse para mim mesma – agora é minha vez. E realizei meu “sonho” em 1994, fazendo um espetáculo no meio das árvores do Parque Taquaral, em Campinas. O cenário principal era uma enorme figueira no meio do mato, onde o espetáculo abria com todo o elenco subindo pelos seus galhos, cantando a belíssima trilha composta pelo Khá Machado, que também participava do elenco como um fauno que tocava seu violino, acompanhado de outras fadas com suas singelas flautas. Como não havia estrutura nenhuma, adaptamos tudo – do alto de uma torre de metal operávamos a luz, e o público se acomodava numa arquibancada por onde os gambás e outros bichos pequenos se esgueiravam, participando do espetáculo ora como espectadores, ora como atores. Para conduzir o público até o local, colocamos um varal de lâmpadas pelo meio do parque, criando um clima mágico desde a entrada até o local da cena. Mas fazer o espetáculo ao ar livre tem também seus problemas! Justo na noite em que a tradutora do texto e maior autoridade em Shakespeare, a crítica Bárbara Heliodora foi assistir o espetáculo (que medo!), caiu o maior temporal. Mas o público esperou mais de uma hora, e ao final, quando estiou um pouco, apresentamos o espetáculo. Sob uma chuvinha fina, e com um pequeno mas valente público, Bárbara Heliodora e Benito Juarez, então maestro regente da Orquestra Sinfônica de Campinas, assistiram ao espetáculo. Depois, em torno de um carrinho de cachorro quente – única refeição que conseguimos naquele fim de noite molhado – conversamos com Bárbara, que gostou e comentou o espetáculo, prometendo voltar numa noite de lua. Depois dessa memorável temporada no Taquaral, recolhemos o espetáculo para o TAO, onde fizemos mais uma série de apresentações, com direito a cascata no palco e tudo mais. Fizemos uma outra apresentação, igualmente inesquecível, na praia, em São Sebastião. Era uma noite linda, e as fadas saiam do mar, cantando e dançando. O público ficava no meio do espetáculo, que se desenrolou entre coqueiros. Foi realmente um sonho lindo. Quem fez o trabalho ou o assistiu nunca mais vai esquecer! Prá lá de Bagdá, de Ariane Porto Ontem, teve um amanhecer sépia em Bagdá Deus esteve aqui comigo e estava triste, triste Bagdá não vai ter mais. Mas lá, vai estar sempre amanhecendo! Com este trecho de um poema meu – uma de minhas breves incursões pelo amado mundo da poesia, se encerrava o prólogo desse espetáculo, cuja segunda parte era o piquenique no front do Fernando Arrabal. Nesse momento em que estávamos todos – e ainda estamos – chocados com a força bruta do poder que, ao arrepio de todas as convenções internacionais continua a destruir o mundo, nasceu Prá lá de Bagdá. A primeira parte do espetáculo era composta de poemas, músicas e imagens das guerras que vêm destruindo nosso mundo no último século. Para falar sobre a África – tema que me toca particularmente com grande intensidade – pedi a amiga Renata Pallottini que escrevesse algo, e ela nos presenteou com um belíssimo poema, atual, urgente. Os atores sentados, diziam suas falas ao microfone. Nos poemas, valia a emoção. O cenário despojado de Viktor Akkas era baseado em dois andaimes de construção e um praticável em forma de cruz. O papel pintado ostensivamente cobria o fundo da cena e buscava reproduzir a imagem daquela madrugada sépia de Bagdá ainda inteira. Era incrível como o público se incomodava em ver ou rever a realidade. Quando começava O Piquenique no Front, sátira bem-humorada sobre a guerra, o público custava a mudar o clima, e quando estava começando a relaxar, fechávamos o espetáculo voltando à emoção da perda. Etiveumagrandecolaboradoranaconcepçãodesse espetáculo – Nina Simone, que com sua voz me levou a um mergulho num mundo de dor e alerta. João Guimarães – Veredas, de Renata Pallottini Meu primeiro enfrentamento com Guimarães Rosa deu-se no fim de 1969 no Teatro Anchieta, com Nydia Licia, grande dama do teatro brasileiro. Eu tinha também no elenco Emmanuel Cavalcante e nada menos que Jofre Soares, com os quais caminhei de mãos dadas naquele difícil momento de minha carreira. Jofre me disse num desses momentos a grande frase-lição da minha vida: É preciso humanizar o ofício tão pesado do teatro. Os ensaios eram feitos no então Teatro Bela Vista, uma beleza de teatro. Bem, eu tinha “o sertão” ao meu lado, mas Guimarães era um amigo muito novo. Mas por falar em sertão, Sarapalha foi o grande acerto do espetáculo. Depois de décadas, outra vez Guimarães no Teatro de Arte e Ofício, em Campinas. Em 2005, ganhamos o Prêmio Flávio Rangel de Teatro Profissional e montamos João Guimarães – Veredas. Depois da temporada campineira, fizemos algumas viagens pelo interior e depois uma temporada no Teatro Sérgio Cardoso, construído onde era o Teatro Bela Vista. Confesso que chorei. Foi muito estranho, uma saudade gostosa do Jofre. O elenco, dessa vez, foram os “meninos de Campinas”. Assim eu chamo meu atual exército tea tral. Porque quando anuncio que vou fazer esse ou aquele trabalho para alguns “amigos”, sempre ouço: ... mas com os meninos de Campinas?! Sim, meninos de Campinas, brava gente, que com paixão, muito trabalho, mas muito trabalho mesmo, conseguimos fazer um espetáculo que foi muito bem recebido. Não tivemos ainda a “crítica”, o que espero ter em breve, mas e daí?! Gosto de viver perigosamente – quero a crítica de Mariângela Alves de Lima. Essa é das boas. Outro fato que me aproximou muito de Guimarães dessa vez foi o Lima Duarte. Eu nem pensava ainda em reencontrar o espetáculo, aparece o Lima no Rapaterra. Eu passava no hotel para apanhá-lo e irmos ao set de filmagem – e só falávamos de Guimarães. Um dia não pudemos descer do carro quando chegamos – ele disfarçando uma “furtiva lágrima” e eu em prantos. Ele acabava de dizer Soroco, sua mãe, sua filha. Antes de descermos, a bronca: para com isso, que coisa mais boba! Depois sorria: mas é bonito demais, não é mesmo? Agora, licença poética: acho que as lágrimas que derramei, ao som do Lima Duarte dizendo Guimarães, regaram o espetáculo que iria florescer tempos depois. Babaca, mas verdade. DuranteasfilmagensdoDesnudoesse“Guimarães” estava em cartaz, então, meu convívio com Lima – Russo, mendigo Desnudo – foi muito especial. Capítulo VIII Passagens, lugares, pessoas Conservatório Carlos Gomes Um episódio importante na minha vida e que tem suas passagens pitorescas, foi a criação do curso de teatro do Conservatório Carlos Gomes em Campinas. A Léa Zigiatti foi minha colega de classe na Faculdade de Direito da PUC – ela era boa aluna e eu era vice-presidente do Centro Acadêmico, logo, não tinha muito tempo para estudar. E como eu mais fazia teatro do que outra coisa, a Léa me convidou para dar umas aulas para umas crianças do seu conservatório. Eram os menininhos que iam lá tocar instrumento, e que eu chamava de a turma do “firim fim fim”. E começamos a fazer umas experiências de teatro, umas aulinhas para as crianças, mas não deu muito certo, porque na verdade eu achava um pouco chato. Acho que eu não tenho muito jeito para isso. Daí surgiu a idéia de organizar um curso de teatro dentro do conservatório. Chamei a Yolanda Amadei para dar expressão corporal, Milene Pacheco para dar aula de voz – que eram professoras da EAD – e fiquei com a improvisação e interpretação. E o curso pegou. Muitas pessoas que estão na atividade teatral hoje passaram pelo conservatório. Por insistência nossa, a Léa construiu no salão de festas do conservatório uma arquibancada de madeira e uma cabine de luz. Levei para lá a “herança” do Paschoal – os 7 refletores que ele tinha dado para o TEC e a Rotunda – e improvisamos lá o teatrinho da Léa. Era muito gozado, pois a gente disputava aquele espaço com todo o “firim fim fim” dela – afinal, era um conservatório musical! E começamos a to-mar violentamente o espaço. Quando chegava a professora para dar aula de piano, a gente estava ensaiando e ficava lá, não saía de jeito nenhum. E a Léa chegava, gritava, mas a gente não dava a menor importância. Sitiamos o conservatório. Dessa “tomada da bastilha” nasceram espetáculos muito importantes. Fizemos duas peças da Renata Pallottini (Pedro Pedreiro e O Crime da Cabra) e um Brecht, Horrores e Misérias do Terceiro Reich. Para esse espetáculo, transformamos o espaço num campo de concentração, e para isso bolamos uma espécie de tampa redonda, toda tecida em arame farpado, que através de uma corda subia para o teto, já que o pé direito era razoavelmente alto. Quando os atores entravam e começava o espetáculo, aquela grande cúpula descia e prendia os atores lá dentro. No Terceiro Reich tinha um monólogo que chamava A judia e que era feito por uma moça chamada Eva Ilg – ela era muito legal, pena que não fez mais teatro. E claro que, com aquela instalação de luz que Amadeu Tilli e eu fizemos, no meio do monólogo a luz acabou, e ela, uma pessoa absolutamente amadora, continuou o monólogo com o maior vigor no escuro, até que a luz veio. Era bem legal, e isso tudo assim, roubando horas de ensaio, fechando a porta para ninguém entrar. Atormentando a Léa o máximo. E depois fizemos Morre o Rei, do Ionesco. Isso tudo com alunos do conservatório, e o bacana é que para a banca examinadora, eu levava os críticos de São Paulo: Alberto Guzick, Sábato Magaldi. O conservatório foi uma coisa importante, onde fizemos espetáculos memoráveis. Foi um momento muito bom, muito engraçado, muito produtivo, de muita pesquisa, de muito trabalho, de muita loucura. Depois que a Léa mudou o conservatório para perto do viaduto, eu falei Léa não faça isso mas ela insistiu e no auditório do novo espaço botou meu nome – chamava Teatro Teresa Aguiar. Fui lá, teve inauguração com festa e tudo. Mas eu achava esquisito andar na rua e ver um cartaz assim: “no Teatro Teresa Aguiar”. Depois o teatro mudou para o Cambuí e fiquei sabendo que não chamava mais Teresa Aguiar. Fiquei muito brava, não porque “limaram” meu nome, mas porque eu podia ter sido comunicada. Eu soube por acaso, fiquei chateada e a gente não se viu mais. Mas foi uma época muito legal essa do conservatório em Campinas, onde a gente fez bons espetáculos. Quando tinha formaturinha dos meninos do “firim fim fim”, eles não queriam dar a chave para a gente ensaiar à noite. Mas tinha dona Hilda, que era a zeladora e que fazia tudo que a gente queria – e conseguíamos a chave. E então ela falava só até às 10 horas, mas a gente só saia de lá às 3 horas da madrugada. Claro que a Léa sabia, mas fingia que não. O que a Léa não sabe até hoje, é que pulávamos a divisória da secretaria para roubar os docinhos e salgadinhos da festa de formatura! A EAD Depois que a Cândida Teixeira assistiu O Tempo e os Coways e fez aquela crítica terrível, fui para São Paulo fazer a EAD, que funcionava na Avenida Tiradentes, onde hoje é a Pinacoteca do Estado. Mas como eu trabalhava na prefeitura de Campinas, pegava o trem das 17 horas e chegava 18h30 na Estação da Luz e ia para a aula. Depois, pegava o último trem de volta para Campinas, e no dia seguinte levantava cedo para ir trabalhar. Por isso é que eu sempre digo nas minhas palestras – as pessoas precisam se mover, se mexer para aprender, se elucidar, saber das coisas, procurar • o conhecimento. Se eu sou um pouco “sabida” hoje em dia, é porque rodei o mundo atrás de aprender a fazer as coisas. Percorri países, meti a cara, gastei o meu dinheiro, gastei o meu tempo. Me dá muita aflição a moçada que fica olhando para frente achando que é gênio. “Gênio” é uma coisa muito rara, você pode ter talento mas tem que ir atrás do conhecimento. Bom, segui nesse vai-e-vem até que Cândida me chamou para ser assistente dela na cadeira de “improvisação” (na EAD tinha interpretação e improvisação). Foi um estágio muito eficiente. Um dia, doutor Alfredo me chamou para dirigir O Rato no Muro, da Hilda Hilst (de quem eu já era amiga) com a turma que fazia exame. E lá fui eu, morta de medo. Na EAD – Escola de Arte Dramática, fiz duas versões de O Rato no Muro – a primeira para exame, da qual a Estér Góes participou, e a segunda para viajar para a Colômbia, para o Festival de Teatro Universitário de Manizales. Uma turma fazia a peça da Renata Pallottini O Pedro Pedreiro, com o Silney Siqueira, e eu fazia O Rato no Muro com a turma que tinha muita mulher. A segunda montagem de O Rato foi com a Jandira Martini fazendo a freira chefe. Depois montei dois teatros do absurdo – O Mestre, de Ionesco, com o Paulo Hesse, João Acaiabe, e Em Família do Jacques Prevet, no qual a Maria Eugênia de Domenico tirou nota máxima, e depois eu fiz O Visitante, de Hilda Hilst. Nesse período, estávamos com Electra no Teatro Anchieta. Quando a EAD foi para a USP (para o B9) o doutor Alfredo não agüentou. Na Av. Tiradentes, a EAD era a escola do doutor Alfredo onde ele, com muita felicidade e capacidade, formou gerações. Ele tinha um corpo de professores maravilhoso, uma seriedade que dava medo. Os alunos, até se formarem, não podiam sequer declamar um poema em festa de aniversário. Eles só podiam se expor ao público depois de formados. Hoje a moçada do primeiro ano já está fazendo espetáculo, já é “ator profissional”. De todas as pessoas que conheci e trabalhei na EAD, me lembro com muito carinho da Maria José de Carvalho, professora de preparação vocal. Acho que foi a mais competente, engraçada e desvairada (no bom sentido!) que a EAD já teve. Eu freqüentava a casa dela no Ipiranga. No andar de cima tinha uma clarabóia por onde ela tomava banho de lua. Ela ia para Campinas dar aulas para o pessoal do TEC, e para os mais tímidos, ela dizia que tinha uma receita infalível – fazer os exercícios de voz, nus, na praça. Nos primeiros dias de suas aulas, já na USP, ela se colocava ao lado de um piano pequeno, como se estivesse num grande salão, e dizia: para meus amigos, uma chávena de chá. Para meus inimigos, um pinico de mijo. Por força do destino e de algumas línguas desocupadas, quando nós ocupávamos o Teatro Sérgio Cardoso num evento em comemoração aos 50 anos da morte de Lorca (o Rotunda com o espetáculo Caminhos da Renata Pallottini em uma sala e ela em outro espaço), a Maria José rompeu comigo para sempre, sem que eu jamais soubesse o por quê. Para mim, foi uma grande perda. Mas enfim, a EAD. Para o dr. Alfredo, a formação de ator era uma coisa monástica, era como se estivesse se formando para padre, e quando pas-sou para a USP, a soberania do dr. Alfredo caiu. A EAD passou a ser um equipamento estadual, um curso técnico profissionalizante. E veio também a grande força da televisão, que instalou na cabeça dos alunos de teatro esse imediatismo, eu preciso fazer, eu preciso ser ator, eu preciso ir embora. Tanto assim que muitos atores que estão fazendo novela hoje nem acabaram o curso na Escola de Arte Dramática. Não posso dizer se o nível de ensino, depois que saiu da Av. Tiradentes melhorou ou piorou, o que mudou, com certeza, foram as cabeças das pessoas, que não acreditam mais numa escola de teatro. Logo depois que a EAD foi para a USP, a Cândida se retirou e eu fiquei no lugar dela como professora de interpretação. Missão de teatro Na década de 70, o Ernesto Vivona, que tinha feito Teatro do Estudante comigo, me chamou para ir a São Sebastião, onde era delegado de polícia, para fazer um festival de teatro. Foi quando voltei a conviver com os caiçaras. Já no fim dos anos 70, apresentei para a Comissão Estadual de Teatro da Secretaria de Cultura de São Paulo, um projeto chamado “missão de teatro no litoral”, com alguns remanescentes da Escola de Arte Dramática de São Paulo, que foram meus alunos. O projeto consistia em estágios de duas semanas em cada cidade do litoral norte – São Sebastião, Caraguatatuba, Ilhabela e Ubatuba. Apresentávamos uma peça infantil, uma peça para adultos e realizávamos oficinas. O legal dessa experiência foi a resposta que as pessoas mais simples, que não tinham contato com a vida da cidade grande, davam aos nossos apelos. A gente vivia numa verdadeira comunidade, na casa da Hilda Hilst, em Caraguá – cozinhava, limpava a casa, fazia compras. As quatro cidades se envolveram nesse processo e cada qual entrava com uma coisa – a carne vinha de Caraguá, a gasolina era de São Sebastião, as frutas eram de Ubatuba, e por aí afora. Uma noite, um dos meninos do elenco que tinha se anexado recentemente à turma, saiu para comprar cigarro e simplesmente sumiu. Só que no dia seguinte tinha o espetáculo Pluft, o Fantasminha. Que fazer? Não podia suspender o espetáculo, frustrar expectativas, interromper o projeto. Tinha um amigo caiçara em São Sebastião, que fazia teatro comigo, e pensei é ele. Peguei o carro no meio da noite, fui para São Sebastião, acordei • o moleque, levei para Caraguá, ensaiamos à noite inteira e no dia seguinte ele estava fazendo Pluft, • o Fantasminha. Era o contra-pino. Logo, eu não tenho medo de ator, na virada da noite eu faço um espetáculo novo. A gente tem que ter coragem para vencer os empecilhos. O bacana dessa experiência foi que, em algumas cidades, o pessoal deu continuidade aos trabalhos, mesmo depois de nossa saída. Nos anos 80, voltei para São Sebastião e fizemos um trabalho muito bom com o pessoal da cidade, que formou um grupo muito competente – o Saquaritá. Esse trabalho durou muitos anos e foram produzidos bons espetáculos. Infelizmente, com as mudanças políticas – sempre existe aquele prefeito que quer destruir o que o antecessor ajudou a construir – o Saquaritá (e seus filhotes, o Saquaritinho e o Saquatitelho, respectivamente grupos formados por crianças e adolescentes) perdeu todo apoio e desmantelouse. Mas ainda torcemos para que esses grupos possam se reerguer e ter continuidade, especialmente numa cidade tão carente de atividades culturais como é São Sebastião e todo litoral. E como não podia deixar de ser... a censura Quando veio o golpe de 64, estávamos fazendo com o TEC o “teatro domicílio”, onde apresentávamos espetáculos em reuniões e festas particulares. Claro que durou pouco, pois nossos espetáculos não eram propriamente “digestivos” para serem apresentados à sobremesa de jantares da sociedade campineira. Mas em locais mais politizados, dava certo. Lembro que nessa época estávamos fazendo o espetáculo O Natal de Jesus Severino no sindicato da construção civil em Campinas. Era um texto com forte carga social, sobre um menino nordestino que nasce na antiga rodoviária de São Paulo e morre numa oficina mecânica. No meio do espetáculo, chegou um cara esbaforido, dizendo que “os homens” estavam chegando para dar uma geral no sindicato. Saímos todos correndo, carregando o que podíamos de figurinos e adereços, desabalados pela Rua Barão de Jaguara. Foi nosso primeiro choque com a nova realidade política do país. Depois, vieram outros. Como a maioria dos grupos teatrais e artísticos que atuaram nos anos 60 e 70, também tivemos nossas celeumas com a censura. Uma delas, foi incrível! Tribobó City Estávamos apresentando o espetáculo infantil Tribobó City de Maria Clara Machado, no então teatro Anchieta, em São Paulo. A temporada estava indo muito bem, tínhamos um elenco de primeira, de ex-alunos da EAD, entre eles o Edwin Luigi, que assinava também a coreografia, e a Elizabete Savala. O cenário delicioso, que remetia aos filmes de bangue-bangue era do Geraldo Jurgensen, a direção musical do Paulo Herculano, com a trilha original do Murilo Alvarenga. As crianças adoravam, era um espetáculo divertido, como tudo que a Maria Clara propõe. Até que um dia, a Associação Paulista Pré-primária recebeu uma denúncia anônima de que o espetáculo era impróprio para crianças. Essa associação encaminhou a denúncia para a censura federal, que suspendeu o espetáculo até que os censores fizessem nova avaliação. O espetáculo foi novamente avaliado e só seria liberado se tomássemos as seguintes providências: dos revólveres de brinquedos deveriam sair fitas coloridas; a personagem “Joana Charuto” deveria ser “feminilizada”, ou seja, deixasse de ser man-dona e parasse de fumar, pois estaria estimulando o “homossexualismo feminino”; o personagem “prefeito” fosse menos canalha, e que as dançarinas do saloon fossem “menos sensuais”. Até que conseguimos reverter as absurdas condições impostas, incorporando as alterações com bastante humor, fazendo com que se tornassem benéficas ao espetáculo. E seguimos em frente, da maneira que era possível na época. O Calvário do Zé da Esquina O Calvário do Zé da Esquina foi outro espetáculo polêmico, que gerou embates com a censura. Era um roteiro que organizei a partir de exercícios de improvisação sobre cada estação da Via-sacra, retratando o sofrimento do excluído social. Abordávamos a tortura, a guerra, a discriminação racial, todos os temas “complicados” para a época – era 1973. O único material de cena que a gente tinha era um pedaço de tronco de árvore de uns 2 metros ou mais, que voava em cena entre as mãos dos atores. Na hora da crucificação, o Warteloo Gregório, ator negro, era pendurado naquele tronco como se estivesse num “pau-de-arara”. Fizemos o espetáculo na EAD e depois seguimos viagem. Mas claro que a censura “fisgou” o espetáculo. O texto ficou três meses na censura, saiu de lá todo riscado, cortado com o temível lápis vermelho. Mas pior sorte teve Topografia de um Desnudo de Jorge Diaz, que ficou 15 anos na censura! Uma quase tragédia grega Quando eu estava preparando a estréia do Rotunda, que seria Electra de Sófocles, tive a oportunidade de ir para a Europa e, claro, dei um jeito de ir à Grécia. Tinha que conhecer, me preparar, sentir o clima, me inspirar. No dia que eu estava voltando para a Itália, saí para dar uma última volta e tive a sorte de encontrar, numa casa de disco, os monólogos interpretados pela Irene Papas. Comprei o disco e fiquei em estado de graça, andando com ele nas mãos. E nesse clima todo, resolvi visitar pela última vez as ruínas do Parthenon. Entre os turistas, me chamou a atenção uma senhora de óculos escuros, que apesar do calor tórrido, usava um grande capote. Quando passei por ela, sua bolsa caiu no chão, eu peguei e ela agradeceu em inglês, com uma voz profunda e rouca. Mais tarde, no mesmo dia, encontrei essa mesma senhora num museu. Nos cruzamos e ela me cumprimentou. Cheguei em Roma, peguei um taxi – sempre com o disco nas mãos – e segui para o hotel. No caminho, abri um jornal e vi . Era nada mais nada menos que Greta Garbo, que estava visitando a Itália e Grécia!!!! Eu tinha segurado a bolsa do grande ídolo de minha vida! Saí do carro em transe, com o jornal nas mãos, e só quando cheguei ao apartamento percebi que tinha esquecido o disco no taxi. E minha estada toda em Roma foi para recuperar o bendito disco. Fiquei tão enlouquecida que fiz tudo o que se pode imaginar, fui até na polícia. Minha última cartada foi procurar o consulado da Grécia em Roma, onde eu expliquei para o responsável pelas relações culturais toda a minha tragédia. Chorei feito uma louca, falei que o disco era o meu grande trunfo da montagem da minha tragédia, que o espetáculo era a estréia do nosso grupo Rotunda, que eu não me perdoaria jamais por ter esquecido no taxi, que era fundamental para os atores ouvirem a musicalidade da Irene Papas.... Ele ficou tão assustado com meu desespero em conseguir o disco que se comprometeu a procurar outro quando fosse para a Atenas. Eu quis deixar um dinheiro, mas ele pediu apenas o endereço, pois não sabia se ia encontrar. Fui embora, seguindo minha viagem, desanimada da vida. Afinal, tinha trocado um sonho pelo outro – o encontro com a Greta Garbo me fez perder a Irene Papas. Mas para grande surpresa minha, quando cheguei ao Brasil, dois meses depois, já estava na minha casa um embrulho. Era o disco, acompanhado de uma carta muito gentil do funcionário do consulado grego, dizendo que ele tinha a grande honra de poder participar do meu espetáculo com um pequeníssimo presente. Essa foi uma das coisas mais gentis que me fizeram. E o melhor “presente de grego” que alguém já recebeu! Algumas experiências internacionais Na década de 70, Renata Pallottini, Elza Vincenzo e eu fizemos um curso na Sorbonne, composto de vários módulos, e alguns foram muito interessantes, muito valiosos. Nesse mesmo período, por interferência de uma amiga comum, conseguimos acompanhar os ensaios de uma peça do Becket dirigida por um argentino que estava começando a trabalhar em Paris, Laveli. Os ensaios eram num clube noturno, chamado Bataclã. O Laveli tinha ao lado dele o cenógrafo, tinha o diretor musical, o preparador de voz, além, claro, dois assistentes e equipe técnica, que corriam de um lado para outro, o tempo todo. Uma coisa que me chamou muito a atenção foi a importância dada ao preparo físico dos atores. Laveli tinha um preparador físico que ensinava o elenco a jogar futebol americano. Os exercícios eram bem violentos e, às vezes, até assustava. E outra experiência mais recente que eu tive fora, também em Paris, foi quando acompanhamos, Ariane Porto e eu, o ciclo de palestras e cursos le siècle Stanislavski. Foi uma experiência muito rica, pois tivemos contato muito próximo com as várias vertentes de trabalho desenvolvidas a partir do método Stanislavski, em espaços consagrados como o Actor’s Studio nos Estados Unidos (Stela Adler, Lee Straberg), e o Teatro de Arte de Moscou. Num dos cursos, foi dado um exercício pelos professores russos, que para o meu gosto era perigoso demais. Para estimular o reflexo, ele colocava uma caixa de fósforo na boca do palco e, ao seu sinal, as pessoas se jogavam em cima para tentar pegar a caixa, como se fossem cachorros selvagens disputando um pequeno osso. Ele queria demonstrar a importância do preparo físico, da agilidade e da concentração, mas eu ainda acho que a vida é muito mais importante que o teatro. Esse tipo de preparo eu acompanhei também na Inglaterra, quando estagiei em Bristol no Old Vic School, a escola que preparava os atores para o Old Vic Theater. Lá, como na EAD, os alunos tinham aula de esgrima. Eu também considero o preparo físico importante, tão importante quanto o preparo intelectual. O ator tem que ser bem informado, ligado ao cotidiano, ao mundo. Ter a mente aguda e um corpo preparado para responder aos estímulos desse cotidiano. Porém, a sensibilidade também tem que ser estimulada, trabalhada. Enfim, o trabalho do ator é múltiplo e cotidiano. Cabe ao diretor reger o ator, e isso é uma coisa que faço, desde o começo de minha carreira, de forma intuitiva. Eu rejo os atores nos ensaios todos, desde a leitura de mesa e, durante os espetáculos, eu tenho que me segurar para não ficar pulando na frente do palco. Na materialização dessa “regência” tive o prazer de acompanhar em Paris, no Beau Bourg com o grande Tadeus Kantor, que apresentou o espetáculo Je ne Reviendrais Jamais, do qual ele participava ativamente, regendo em cena os atores, com vigor e sensibilidade. Enfim, inesquecível, um espetáculo dentro do outro! Capítulo IX Em busca de um espaço O Circo do Vento Verde O grande problema da minha geração em Campinas era a falta de espaço para trabalhar. A gente “roubava” o espaço do Conservatório Carlos Gomes para poder ensaiar mais, ensaiar o que queria. Além da carência de espaço para ensaiar, evidentemente que havia a carência de locais para apresentações. Até que foram criados dois teatros – • o Centro de Convivência e o Castro Mendes. Mas é claro que o problema não se resolveu, pois continuamos sem ter espaços para amadurecer os espetáculos, tanto no período dos ensaios quanto das apresentações – nunca dava para fazer grandes temporadas. Logo, chegamos à conclusão que teríamos que ter um espaço próprio. Mas como? Nessa época – anos 80 – fazia parte do grupo um ator, o Marco Guillarde, figura bastante controvertida, tipo “ame-o ou deixe-o”. Ele tinha uma chácara perto da lagoa do Taquaral, e resolvemos comprar um circo dos irmãos Almeida e montar nesse espaço, e batizamos de Circo do Vento Verde. Só que com o tempo descobrimos o óbvio – circo é para cirqueiro: chove, venta, faz sol, enfim, uma tragédia para quem não era do ramo, como nós. Mas mesmo assim foi uma experiência incrível. Um dos espetáculos mais bonitos e singelos é ver o circo subir. Ele fica com o pano estendido no chão e o cirqueiro amarra o encordoamento naqueles paus, que ficam deitados – os paus de roda. E de repente, num passe de mágica, o cirqueiro puxa uma corda, que dá início a um verdadeiro balé – os paus vão subindo, um a um, e levantam a lona e em instantes lá está ele, em pé – o circo! Mas infelizmente, não era só colocar o circo em pé e sair fazendo belos espetáculos. Tínhamos que contornar questões burocráticas, tais como – alvará de funcionamento. Como eu tinha sido advogada da Prefeitura de Campinas muito tempo, lá fui eu com a pastinha embaixo do braço falar com o setor competente, sem me apresentar como ex-procuradora, claro. Cheguei na seção e expliquei para um dos advogados que tínhamos um circo, que precisávamos do alvará para fazer espetáculos, etc, etc. De cara, ele já me tratou supermal – fazer teatro no circo? Eu insistia, dizia que tínhamos um teatro de repertório, mas ele ficou irredutível – não tem como. É claro que fui ficando irritada, ele nem olhou a documentação e já disse de cara que não, me despachando com a maior falta de educação. Com a minha insistência, ele foi falando cada vez mais alto – e eu também. Até que uma hora ele pegou o telefone e falou (sei lá se para o segurança): olha, desce aqui e dá um jeito na mulher do circo que eu não agüento mais, ela está me chateando. Quero que a mulher do circo vá embora, tira a mulher do circo daqui. Esse desrespeito pelo circo, uma das artes mais nobres, me irritou de tal maneira que fui até a sala da Secretária dos Negócios Jurídicos, dra. Lísia, que tinha sido minha assistente. Contei o fato, disse que tinha um louco lá embaixo que destratava as pessoas. Na hora ela deu um telefonema para ele – não para liberar o alvará, mas para que se portasse como advogado. Enfim, isso pra dizer que eu já fui chamada de “a mulher do circo” – o que na verdade me encheu de orgulho! Depois de muita confusão, começamos a fazer espetáculos no cair da tarde – porque não tínhamos muita luz. E dava certo, tinha público, coisa muito louca. Num desses dias desesperadores, onde se percebe bem a diferença entre ser ou não do ofício, chovia para caramba e a gente estava fazendo O Crime da Cabra. Mas chovia tanto, tanto que os atores que tinham que esperar a vez para entrar em cena do lado de fora, entravam pingando! E claro que ia água no público, pois não sabíamos desempoçar a água acumulada na lona. Enfim, não era fácil, e desistimos do circo. Mas os problemas não acabaram aí. O que fazer com o circo? O Marco Guilharde não queria mais que ele ficasse na chácara, eu morava em São Paulo, o que fazer? Num momento de loucura, pegamos a lona do circo, colocamos em cima de uma variant 79 (aquela que resgatei do empenho e que tenho até hoje!) e fomos por Campinas afora, com aquela lona amassando o teto do carro, e deixamos por um bom tempo na sala da casa da Vera Porto, mãe da Ariane. Depois, esse circo foi para São Sebastião e ficou lá armado um tempão, até que se deteriorou. Apesar das dificuldades que enfrentamos enquanto donos de circo, sentimos o gostinho de ter um local próprio para fazermos o que desse vontade. E saímos em busca de um novo espaço. E assim nasceu o TAO. Um novo espaço – o Teatro de Arte e Ofício Depois da experiência do circo, começamos a procurar um espaço de alvenaria para ser nossa sede – menos romântico, mas seguro e fácil de controlar. Até que a Vera Porto achou um pequeno barracão que estava para alugar, na Vila Nova (um bairro entre o Taquaral e o Castelo). Fizemos umas poucas adaptações nesse pequeno barracão (Ariane Porto, Marcos Tadeu e eu), e em dezembro de 1984 abrimos as portas do Teatro de Arte e Ofício. Nesse espaço, fizemos temporadas incríveis de nossos espetáculos, até que no ano seguinte vagou um barracão maior ao lado, de 30 x 10 m, e decidimos encarar o desafio. Conseguimos apoio de uma fábrica de blocos (Tatu) e da Lix da Cunha (através do pai de um amigo da Ariane que trabalhava lá, sr. Lacombe) que deu o concreto, com o que construímos o desnível da platéia. Nessa época – estávamos quase terminando as reformas do barracão – encontrei-me com um amigo em São Paulo, numa reunião da Apetesp, o Henrique Suster. Ele estava muito chateado, porque tinha a concessão pelo Estado do estúdio São Pedro (que funcionava com o teatro São Pedro) mas estava com dificuldades para receber as subvenções. Enfim, estava todo chateado, dizendo que iria fechar e com os equipamentos do teatro, faria uma grande fogueira na Praça da Sé. Eu contei que estava construindo um teatro em Campinas, e como ele não conseguiu me dissuadir da idéia, ficamos de fazer uma visita ao São Pedro para ver o que poderia interessar. Depois da visita, combinamos um preço baratinho, ele deu a chave e fomos com um caminhão buscar tudo que tinha lá. Inclua nisso cadeiras, ciclorama, luminárias, refletores, cofre e até uma mesa de luz maravilhosa, que foi importada para a montagem nos anos 50 de My Fair Lady. Claro que foram necessárias várias viagens São Paulo/ Campinas para transportar tudo, mas garanto que valeu a pena. Lembro que, quando chegaram as cadeiras, velhas, sujas, algumas podres, foi a maior festa. Colocamos todas na rua, em frente ao teatro, e a molecada da vizinhança ajudou a lavar. Afinal, a rua toda estava em festa, pois íamos ter um novo teatro. O novo TAO foi inaugurado pelo Paulo Autran, que “batizou” o palco com poemas e um monólogo lindo de Marco Antônio nos funerais de César, parte do espetáculo Liberdade, Liberdade do Millôr Fernandes e Flávio Rangel. Produzimos, para a temporada de estréia, o espetáculo Quartafeira, Sem Falta, lá em Casa de Mário Brassini. E nisso, foram-se mais de 21 anos! Em dezembro de 2005, fizemos uma festa linda para comemorar nossa maioridade, e nosso palco foi “batizado” novamente, desta vez por outra querida e grande atriz – Regina Duarte –, que apresentou poemas de seu espetáculo Coração Bazar. Nesse tempo, seguimos numa batalha sem trégua, lutando para construir e manter um espaço sério, dedicado ao espetáculo de qualidade. Infelizmente, com muito pouca ajuda, pouco financiamento. Mas temos orgulho de nosso espaço. Hoje, o Teatro de Arte e Ofício não é apenas sede do Rotunda. É um espaço aberto para todos, um abrigo para a experimentação, para o novo, para todas as formas de expressão artística. E se depender de nós, vai continuar assim por muitas e muitas décadas! Capítulo X Algumas incursões pelas outras artes A música Além da brevíssima carreira de atriz (uma única e desastrosa apresentação como O Outono, aos 7 anos de idade), tive também uma outra “quase carreira” no mundo das artes – “quase” fui pianista. Quando morei em Sorocaba, estudei no mesmo colégio que Maria Alice Vergueiro (grande atriz!). Era um colégio de freiras alemãs, o Santa Escolástica. E como era costume entre as “famílias de bem”, as meninas tinham que tocar algum instrumento. E lá fomos nós duas para o conservatório do próprio colégio, estudar piano. Eu devia ter no máximo 8 anos de idade. Mas, na verdade, a gente achava aquilo uma chatice. Pudera, era um grande corredor em “L”, com várias “baias” e em cada qual tinha um piano e uma menininha sofredora, que passava horas a fio estudando. E no fim do corredor, pendurado na parede, um grande relógio, que marcava o tempo da sessão de tortura. Lembro bem da sensação: aquelas tardes infinitas, quentes, sonolentas, aquelas musiquinhas enjoadas, mal tocadas, enfim, um horror. E para completar o quadro, tinha uma freira de plantão, que ficava percorrendo aquele corredor, de um lado para o outro. Ficamos lá um tempo, não lembro quanto, mas o suficiente para sermos convidadas para tocar na rádio, a famosa PRD7 de Sorocaba. Eu toquei uma musiquinha chamada My Pole Dance, e todos da família estavam vislumbrando uma grande carreira como concertista. Um dia, eu e Maria Alice combinamos que, quando a freira tivesse desaparecido na ponta do “L”, a gente ia adiantar o relógio para acabar com a aula mais cedo. E quando a freira passou pela nossa “baia”, saímos rapidamente e fomos até o relógio. Como eu era menor que Maria Alice, subi no ombro dela, abri o relógio com dificuldade e, quando estava colocando o “dedinho gordo” pronto para adiantar a hora, a freira voltou e nos flagrou cometendo um grave delito. Fomos as duas expulsas do conservatório e acabou-se a carreira de uma grande concertista. Que perda para o Brasil! O desenho Também eu tive uma incursão por outra arte – mas dessa vez ninguém me expulsou de lugar nenhum – o desenho. Eu já era adolescente, gostava de desenhar e me sentia muito atraída pela dramaticidade das figuras humanas em preto-e-branco, expressões marcadas pelo jogo de luz e sombra. Durante um tempo, me dediquei ao estudo dessas figuras, e cheguei a fazer uma série de desenhos que fizeram um grande sucesso com minhas amigas – todas queriam cópias. Hoje, olhando esses desenhos, percebo que na verdade eram exercícios de iluminação. Eu trabalhava com luz e sombra criando expressões, como faço com os atores, em busca do melhor clima para o personagem. A crítica teatral Eu tenho para mim que a crítica de teatro tem um norte: Décio de Almeida Prado. A pessoa que tiver o cuidado e a oportunidade maravilhosa de ler uma crítica do Décio de Almeida Prado terá uma aula. Não é como a maioria dessas críticas de hoje, incapazes de uma análise mais profunda, cuidadosa, de situar o autor, a época. Quando o Rotunda estreou com Electra, o Décio de Almeida Prado foi até São Carlos e fez uma crítica de meia página no Estadão. Felizmente, ele gostou do espetáculo. Quando levamos a montagem para São Paulo, no Anchieta, tivemos a oportunidade de ter o espetáculo analisado pelo Sábato Magaldi, que também gostou e fez uma crítica muito interessante. É claro que é maravilhoso o fato desses dois críticos conceituados terem gostado, mas, sinceramente, o mais importante foi a possibilidade de diálogo com pessoas como eles, criteriosas e construtivas. Sempre procurei seguir os caminhos propostos pelo Décio no período que (não me lembro bem porque cargas-d´águas) exerci a função de crítica de teatro no jornal Diário do Povo, de Campinas. Nesse tempo, segui também outro exemplo – Paschoal Carlos Magno – e busquei sempre uma conversa com os participantes do espetáculo a ser analisado, discutindo sobre o autor, a época, o estilo, enfim, tornando a crítica um processo de reflexão e, por que não, de aprendizado. Tanto assim que preferi dar à minha coluna o nome “Falando de Teatro”. Foi um momento interessante, um pouco “o avesso do espelho”. Por que para nós, artistas, o “julgamento” de nossa obra é sempre algo esperado e temido, porém, necessário, se feito com competência. A luz e o espetáculo “Seu” Manuel Erbolato e sua esposa, dona Isabel, moravam no Teatro Municipal de Campinas. O teatro era, literal e literariamente falando, a casa dele. Por mais complexo que pudesse ser a estrutura do municipal, seu Erbolato, mágico, conseguia transformar em algo simples, acessível. Tanto assim que foi lá que eu aprendi as técnicas de construção de cenário, de pintura, tudo que envolvia a cenotécnica. E com “seu” Elias, eletricista e iluminador do municipal, entrei no mundo da luz. Hoje olho essas mesas computadorizadas, e lembro do seu Elias. Ele controlava a intensidade de luz com um método incrível. Tinha, ao lado de sua cabine, um barril de água com uma solução à base de sal em que ele mergulhava um fio – que tinha ligação com os outros fios dos refletores – e as luzes subiam e desciam, em resistência. Ele dizia mergulha tudo! e a luz ficava intensa. Depois, ele ia retirando suavemente, sentindo o ritmo da cena, com sensibilidade, e a luz ia diminuindo. Acho que foi aí que me interessei pela iluminação, e até hoje sou eu que concebo a luz de todos os meus espetáculos. E gosto também de operar. Por isso, sou muito exigente com meus sonoplastas e iluminadores. Já vi muitas vezes a técnica derrubar o elenco. Todos devem estar no mesmo clima de concentração, pois acredito demais na ligação entre palco e técnica, na energia que deve rolar, no respeito. Afinal, o espetáculo não acontece só no palco. Somos todos parte de uma só equipe. A poesia Bom, assim como toda torcida do Corínthians, eu também escrevi poemas. Mexendo nas caixas e caixas de papelão em busca de fotos e memórias, achei algumas. Sabe que até que tem umas que acho bacaninhas? Por exemplo: Poema de repartição Mobília entalhada, de estilo Quadros incompreensíveis -Alô? O chefe ainda não chegou, meu senhor. Clipes, lápis, processos, tinta vermelha e azul O chefe da seção de expediente, com sono mórbido, olha Mata-borrão usado e um carimbo de pernas para o ar A escriturária padrão bolha mórbida, com sono Surge uma bandeja repleta de café fraco É o contínuo – preto, gozado, relaxado, escangalhado. Protocolado número 2.320 de 3 do 4 de 56 – “urgente” Requeiro, a bem do serviço público, Sepultura perpétua, para meu último sonho Que morreu na porta da repartição” (anos 50) Rua da infância Como deve ser bom poder evocar a rua primeira, Rua da infância O casarão antigo que foi do avô O cheiro de mofo que foi do avô Quadros, bibelôs, tapetes gastos Cadeira de pau marfim que foi de meu pai Meu pai criança como eu Preta velha constante fazendo coisas, Dizendo coisas Cômoda escura de espelho oval Que guardou para sempre a cara clara Da antiga avó do meu pai De repente, abrimos a porta da rua, Grande, pesada, entalhada E saímos pelas calçadas da Rua da infância Brincando de roda e cantando modinhas Meu pai, meu avô e eu Todos crianças Crianças felizes Sem passado e sem saudade. (anos 50) O bonde O bonde saci-pererê vem descendo a ladeira Devagar, fazendo muxoxo, olho inchado Cara de quem chorou Não olha pros lados, não pisca pra gente Só canta baixinho segredos da tarde Passa rua, passa esquina, passa gente Mas ele continua melancólico e quieto A tarde é bonita, com resto de sol vermelho Com árvores se esparramando pelas calçadas O cheiro é de outono Já descobri, é uma tarde de maio Por isso, o bonde saci-pererê esqueceu as caretas de capeta Não ginga nem dança batuque Ele desce a ladeira devagar Fazendo muxoxo Cantando baixinho segredos de amor. (anos 50) Bagdá Renata Desabrocha do teu casaco de outono Faz um poema. Tento me lembrar das galinhas futuristas Do meu quintal de antes Mas só o mar é que me conforta Seu Maneco, viúvo, queria casar comigo (homem sozinho não tem serventia) Eu tinha um amigo alucinado Que copiava poemas dos outros E era feliz, poeta. Ontem Houve um amanhecer sépia em Bagdá Deus esteve aqui comigo um pouco E estava triste, triste Tenho medo de morrer e não me ver sangrar Pego minhas tábuas, Minha paixão, minha loucura E saio por aí, com as sete mulheres capitais Bagdá não vai ter mais Só que lá vai estar sempre amanhecendo. (anos 2000) Enfim, tentar, bem que tentei. Mas o que ficou mesmo, foi o teatro. E que viva Dionísio! E agora, o cinema ...E agora o cinema, não... E agora a imagem e o som! No Centro Cultural São Sebastião tem Alma, temos mais de centenas de horas gravadas, documentando a vida, tão diversificada e linda dos povos do mar. Parte desse material foi veiculada pela Band Vale, depois pela TVS, como TV Povos do Mar. Na área infantil, começamos com o telefilme Guaiá dos Mares, um embrião do Rapaterra. O Guaiá ainda é, no litoral, um sucesso permanente para crianças pequenas. Na seqüência veio a série televisiva Assembléia dos Bichos, onde animais e mitos da região querem salvar o bicho homem. Projeto tido pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente como uma referência. Isso tudo ainda com uma câmera U-Matic, que na época era um sucesso! Depois, na já era do DVCAM, os documentários A Mulher e o Mar I, II e III, que, com um pouco de exagero, percorrem o mundo! O primeiro documentário dessa série foi finalizado em 35 mm, através de um prêmio da Secretaria de Estado da Cultura. Antes de tudo isso, quando da montagem da peça Topografia de um Desnudo, de Jorge Dias, tivemos experiências muito bem-sucedidas com o velho e bom Super-8. Atores interagiam com as cenas filmadas, projetadas no cenário. Agora sim... o cinema. Meu primeiro contato com o set de filmagem foi em A Ilha do Terrível Rapaterra, com direção de Ariane Porto, onde fiz direção de atores. Aí sim, o bicho pegou. Porque filmar no mato, no mar e na praia, com atores como Lima Duarte, Arlete Salles, Tadeu Mello, Augusto Pompeu e levando “os meninos de Campinas”, mais 12 crianças caiçaras e dois índios de verdade (que saudade deles – Poti e Karay), foi um batismo de fogo. Agora sim – Topografia de um Desnudo, meu primeiro longa. Em 2000, estávamos em Paris, Ariane e eu, na casa de uns amigos. Estávamos trabalhando no projeto do longa-metragem Topografia de um Desnudo e visualizando algumas possibilidades de parcerias internacionais. Estávamos naquela ansiedade de ouvir pessoas, críticas, que avaliassem o projeto, opinassem. Era um roteiro complicado, adaptado de uma peça teatral, que embora fosse baseada em fatos reais, tinha um tratamento um tanto quanto surreal. Já que estávamos em Paris, pensamos por que não procurar logo a melhor opinião? Vamos falar com Jean Claude Carrière. Nosso amigo francês, Vincent, é dialoguista e fã de carteirinha do Carrière. Assim que falamos isso, ele começou a rir. vocês estão brincando! Eu disse não, vamos ligar e ver o que acontece. Ariane conseguiu o telefone – nossos amigos começaram a ficar nervosos – e ligou para a casa dele. Ele mesmo atendeu, ela se identificou, disse que queria uma opinião sobre um roteiro que estava escrevendo, etc, etc. Nesse ponto, nossos amigos tinham-se escondido no quarto, mortos de vergonha pela nossa cara-de-pau. Ele pediu que mandássemos a sinopse, argumento, o que tivéssemos, por fax que depois ele daria retorno. Mandamos, sem botar muita fé que o retorno viria. Era uma quarta-feira. Qual não foi nossa surpresa quando, na sexta-feira, Carrière ligou! Nosso amigo não acreditou, e confesso que eu mesma custei a acreditar. Afinal, essas coisas não acontecem assim, muito menos na França – tem que ter alguém influente que apresente, marcar com uma superantecedência...mas o fato é que ele ligou e marcou um encontro em sua casa para o domingo. Como nosso amigo Vincent trabalha com cinema e tv, falamos para ele ir junto. Mas ele entrou em pânico: Eu, na casa do Carrière, mas nunca, nunca na minha vida, ele é meu ídolo!. E chegou domingo. Compramos uma caixa de bombons e pegamos o metrô, Ariane e eu, com o roteiro embaixo do braço. Não falamos nada durante todo o trajeto até Pigalle. Estava um dia lindo, um domingo radiante, e Guga tinha ganho o torneio de Roland Garros. Pensamos bom, a maré está boa para os brasileiros, vamos em frente! Chegamos finalmente. Tocamos a campainha, o portão de madeira abriu-se e entramos num pátio que dava para vários apartamentos com sacadas. Era um prédio antigo, claro, com um grande pátio central. O pátio era cheio de árvores, flores, com passarinhos cantando. Um lugar especial. Ficamos um instante perdidas sem saber para onde ir, até que vimos Carrière, sentado no jardim em frente a seu apartamento, acenando. E o passarinho cantando foi uma “deixa”: mas você tem um jardim com sol e passarinhos! Falei. Ele riu e disse: esse passarinho canta a hora que eu quiser. E daí começamos a falar de passarinhos e gatos. Sim, porque na sala/escritório em que nos recebeu, tinha uma grande mesa lotada de papéis, livros, caneta, caneca com fim de café e um gato. Quando a Ariane foi entregar os bombons, a caixa caiu e os bombons se espalharam pelo chão. O gato achou que era uma brincadeira e correu atrás dos bombons, enfim, uma confusão. Afinal sentamos e mostramos para ele o argumento, que ele deixou de lado, dizendo: falem. Contem sua história. E com nossos recursos lingüísticos, contamos nossa adaptação de Topografia de um Desnudo, obra de Jorge Diaz que nos acompanha há décadas (primeiro no teatro e agora no cinema). Ao final, ele disse: sim, vocês têm uma história pra contar. Com essa frase/veredicto, sentimos como se ele estivesse abençoando o projeto. E só aí começamos a respirar. Na verdade, existia um ponto no roteiro que não estava bem resolvido, que quando fizemos a adaptação, não ficamos satisfeitas. Então, aproveitamos para trocar idéias, discutir possíveis soluções. E com uma irresistível modéstia ele falou bom, eu contaria isso assim... E pegou uma folha de papel, uma caneta, e numa única página resolveu a questão, escrevendo uma sinopse como se o filme estivesse dentro da cabeça dele, sendo amadurecido há anos. Conversamos por horas – não sei dizer quantas – até que a esposa dele apareceu, disse bonjour com um lindo sorriso e entendemos a senha – era hora de irmos. Afinal, era um domingo lindo, radiante, que merecia ser aproveitado pelo casal. Nos levantamos e ele falou quando vocês estiverem na última versão, que forem filmar, mandem pra mim, se tiver tempo... Claro que não imaginamos que ele terá tempo. Mas o pouco tempo que Carrière dedicou a nos-so projeto, com tanta generosidade, atenção e simpatia, valeu por anos! Câmera...ação! Eu tenho uma ligação muito grande com a Teresa da época da Escola de Arte Dramática, onde ela foi minha professora. As pessoas de quem você gosta, a distância não atrapalha. O que determina é o respeito que eu tenho pelos profissionais. Ariane é uma pessoa de quem eu só ouço falar coisas boas, é super respeitada, e isso corre dentro do meio. Um vai falando pro outro, o Lima Duarte fala, a Joana Fomm fala, e vai formando uma corrente. Eu tenho ligação com Teresinha, eu acredito nisso, nessas coisas dos deuses do teatro, dos deuses do cinema. Para mim o mais importante é a pessoa, antes do roteiro mesmo, e da história vêm Ariane e a Teresinha. O cinema é entrega, ela vai filmar minha alma. Ney Latorraca depoimento ao Correio Popular, Campinas, 2004 É uma história que precisa ser contada, uma história que não quer calar, uma história dos mendigos mortos no rio Guandu e rio da Guarda, no Rio de Janeiro, por volta de 1960. E nós estamos aqui, tratando de contar essa história. Lima Duarte Achei muito bom, uma troca muito boa, Teresinha é ótima diretora. O Ebert, eu conhecia, do filme que fiz muito tempo atrás, O Rei da Vela do Zé Celso. Eu achei o clima do trabalho muito bom, porque a turma toda, inclusive a figuração, vem de oficinas, são estudantes, estagiários. Maria Alice Vergueiro A participação no filme foi maravilhosa. Eu conhecia o texto, desde o comecinho dele, várias etapas, várias mudanças, vários roteiros que foram feitos, eu fui acompanhando, e isso foi muito bom. O roteiro é de uma importância incrível, mesmo porque é tão atual o tema ainda. Eu acho que nós precisamos olhar com mais firmeza para tudo aquilo que o roteiro coloca. Rafaella Puopolo Eu acho que a melhor coisa que existe para um artista é ele conseguir realizar o seu sonho. Foi o que aconteceu aqui. Essa é uma história que eu conheci com a Teresa em 69, no Festival de Teatro de Manizales na Colômbia. Tinha uma peça baseada nesse fato verídico. E nós estamos aqui, rodeados de uma equipe técnica genial, de um excelente roteiro, apostando na inteligência do público. Acho que o melhor espelho para uma cidade e para um país é a cultura. Eu estou muito feliz fazendo este filme. Ney Latorraca Desde a primeira vez, quando elas me deram o roteiro para ler, eu adorei. Fiquei muito feliz da minha queridíssima Teresa Aguiar, minha amiga de tantos anos, me chamar para fazer o filme. Kito Junqueira Estou aqui no lixão, feliz da vida de estar fazendo esse filme, com a Teresa na direção. Acho que a gente tem um grande filme na mão. O povo brasileiro tem que conhecer sua história, e eu acho que essa história contada no filme é muito importante. Gracindo Jr. Eu acho fantástica essa história, acho fantástica! Tudo muito bem colocado, personagens muito claros. Só não vai entender esta história quem não quiser, por que ela é bem reconhecível, em varias situações brasileiras. Nilda Maria A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros nem não se misturam. Eu concordo plenamente com Guimarães Rosa, o sábio. Assim, lembro-me de meu primeiro contato com o cinema. Eu era tão minúscula que via o mundo debaixo para cima. Fui ver um filme com Shirley Temple. Ela sapateava, dançava, tinha cachinhos e covinhas no rosto. Noutro trecho da lembrança, já eram águas da prata onde minha família passava férias. Já não era tão minúscula, mas não entendia muito o cinema, que uma vez por semana projetava filmes nos fundos de um armazém. Às vezes, vinha com a voz desanimada o dono – a grande decepção – o rato roeu outra vez o fio que fala! Depois já vêm as matinês de domingo no cine Caracante em Sorocaba, onde o cinema se confunde com as luzes apagadas e mãos dadas com o primeiro namorado. Apesar do namorado, me lembro de Tarzan com John Weismuller – lindo – Flash Gordon, etc, etc, etc. O caminho da vida no interior era permeado pelo cinema. Não havia teatro, e nós tivemos televisão muito tarde. A televisão não faz parte, nem depois, da minha juventude em Campinas. Nos pensionatos e casas de família onde morei, não havia televisão. A televisão não faz parte da minha história. Como disse, o cinema sim. Tenho até uma lista de meus preferidos, que talvez não mereça as bênçãos do meu amigo Rubens Ewald Filho, e que aqui vai: – No Mundo de 2020 de Richard Fleischer • Onde Sonham as Formigas Verdes de Werner Herzog • Madre Joana dos Anjos de Jerzy Kawalerowicz • Delírio de Amor de Ken Russel • Meu Passado me Condena de Basil Dearden • Zorba o Grego de Michael Cacoyannis • Casablanca de Michael Cacoyannis • M. Butterfly de David Cronenberg Isso, além de tudo que Greta Garbo e Dick Bogard fizeram. Porém, como pretensão e água benta cada um usa o que quer, meu predileto do momento é Topografia de um Desnudo, meu primeiro longa, inédito. Antes disso, alguns super-8, inclusive aquele que projetávamos no cenário da peça do Desnudo, onde atores interagiam com as imagens do lixão real e seus moradores. Depois, fiz durante muito tempo documentários para tv no centro cultural São Sebastião tem alma e até mesmo um telefilme de infantil de média metragem, Guaiá dos Mares, que é um perene sucesso entre a criançada. Topografia de um Desnudo. Desde 1985, temos uma vontade enorme de contar essa história para mais gente, como também de experimentar uma nova linguagem – a magia do cinema. Esse projeto tão antigo me levou a visitar alguns sets de filmagens. Confesso que depois disso qua-se desisti da idéia – aquela multidão e a máquina ali, soberana. Mas enfrentei mesmo o set na filmagem de A Ilha do Terrível Rapaterra de Ariane Porto, rodado em São Sebastião e Caraguatatuba, quando fiz direção de atores. Aí senti na pele o tamanho do drama. A máquina soberana entrelaçando fios, várias equipes das mil e tantas áreas, seus diretores, assistentes e assistentes de assistentes. Responsabilidade final e permanente é do dire-tor, que nesses momentos é estraçalhada como caleidoscópio contra a luz. O Desnudo, para um primeiro longa, foi o verdadeiro batismo de fogo. Como locação tivemos rios, matagais, perseguição de carros, lançamento de corpos no rio (dublês), porões soturnos para cenas de torturas e espancamentos, ambientação em prédios públicos (difícil). Tudo ao estilo do começo dos anos sessenta, com direito a passeata de estudantes com cavalaria quase pisoteando pessoas e câmeras, com mais 100 figurantes. Figurinos para policiais, mendigos, pessoal do palácio, gente comum. Surgia sempre uma voz inoportuna para dizer: gente, mas isso não é dos anos sessenta. Nas filmagens do Rapaterra tinha conhecido Carlos Ebert, que no Desnudo foi o profissional de primeira, trabalhando com o carinho de um amigo muito querido. Desenhou toda a luz, foi ótimo. Só ficava muito bravo, irreconhecível mesmo, quando o sol teimava em se pôr, levando no seu bocejo a “hora mágica” tão esperada. Grande parte das filmagens foi feita em um lixão cinematográfico, enorme, “montanhas” de material de demolição, depois “maquiado” com lixo orgânico – que sumia toda noite! Uma jornalista/atriz que participou do filme, Delma Medeiros, fez uma matéria no Correio Popular de Campinas intitulada “encontro de amigos” referindo-se ao elenco, porque – Ney Latorraca, quando meu aluno na EAD (Tiradentes) viu comigo a peça que deu origem ao filme em Manizales, na Colômbia; José de Abreu ensaiou o Novo Sistema de Hilda Hilst e depois fez Electra de Sófocles no Teatro Anchieta; Kito Junqueira também fez Electra – quando conheceu Ariclê Perez, que tanta falta nos faz; com Nilda Maria fiz um Lorca inesquecível; Maria Alice Vergueiro – minha amiga de infância na longínqua Sorocaba – trabalhou comigo em várias ocasiões, em São Paulo; Rafaella Puopollo – minha aluna EAD-USP é a Lela, amiga de décadas de vários trabalhos; com o Lima Duarte já tinha trabalhado em A Ilha do Terrível Rapaterra... Lima Duarte, parágrafo à parte. A grande expectativa de todos, porque a ele estavam reservadas as mais cruéis cenas do filme: afogado no rio, saindo do rio enlameado e sujo, embaixo d’água – sem respirar por um bom tempo – para fazermos seu rosto de afogado, espancado, correndo por um milharal seco, cheio de abelhas, enfim isso tudo e um pouco mais. Porém, a cara fechada da chegada abria-se em sorriso para toda a equipe. A disponibilidade e a inteireza com que o Lima encarou todos esses percalços foi exemplar. Quando ele chegava ao set, perguntava: O que de pior vocês vão conseguir fazer comigo hoje? E fazia tudo bem. Simplesmente porque é um ator que, apesar da televisão, mantém intacto o seu “drama interior”. Com o Lima eu tinha certas preocupações, mas como foi bom trabalhar com ele! Também era uma covardia. Antes das filmagens falávamos sobre Guimarães Rosa e ele dizia trechos do poeta da jagunçada brava. Que delícia! A grande surpresa do superelenco ocorreu por conta de Gracindo Jr. Todos conheciam seu talento. Disponível com o trabalho, bom ator como todos, porém o último gentleman. Como é bom, de repente, um cavalheiro! Isso sem desmerecer ninguém! Nunca tínhamos trabalhado juntos. Conheci o Gracindo pessoalmente há mais de um ano, antes da filmagem, durante um encontro de elenco que fizemos no Rio. Depois só por telefone. Robson Moreira – o louco do lixão que compunha com Maria Alice Vergueiro o núcleo chamado “feliniano” do filme, foi amor à primeira vista. Assisti o Robson fazendo o “Ovo” (que depois levei para o TAO) e fiquei encantada com seu trabalho. Eu o conhecia como diretor de programação da STV, onde apresentávamos a TV Povos do Mar, coisa formal. Acho que ele deve ter ficado assustado, quando depois do espetáculo, o convidei para fazer um louco poeta no filme que eu ia rodar! Aliás, que elenco disponível, bom e inteiro, porque antes dos ajustes de praxe, veio a adesão ao projeto. Para mim seria desconfortável falar sobre Ariane Porto, porque trabalhamos juntas e somos amigas há muitos anos. Injusto seria silenciar sobre seu comportamento profissional e capaz como atriz, produtora e roteirista. Só! “Os meninos de Campinas” (e meninas) como era chamado meu elenco de apoio (a maior parte fazendo João Guimarães – Veredas) enfrentou o set com galhardia. O mais antigo de todos, Metralhinha – que fez curso comigo quando tinha 15 anos – hoje homem feito, nunca me desapontou. É um ator. O nome dele é Joel Barbosa. Entre os atores campineiros, Tatiana Conde, Dirceu de Carvalho e Jaque Qamar protagonizaram o grupo dos estudantes, liderados pelo jovem e talentoso Germano Pereira, ator de teatro em São Paulo – outra surpresa boa do filme! Mas, voltando aos meninos e meninas de Campinas e à comissão de frente, como era chamada a primeira leva do lixão, conseguimos bons resultados, porque ensaiamos muito tempo, alguns meses e outros quase um ano . A turma de crianças do lixão, bem, essas ficaram por conta de Pedro Molfi. Minha cota esgotou-se no Rapaterra! Fizemos várias oficinas de interpretação para atores em Paulínia, dezenas dos quais foram aproveitados. Agora Paulínia, e porque Paulínia. Devemos a realização do sonho de filmar o Desnudo a um anjo da guarda, um pouco grande demais e barbudo demais para exercer tal função. Mas foi ele – Rubens Ewald Filho. Parceiro do primeiro ao último momento, apresentou o projeto para a Secretária de Cultura de Paulínia – Tatiana Stefanni Quintella – que com o “sim” do prefeito Edson Moura passou à ação. Achar um projeto maravilhoso é fácil, com o elenco que oferecemos, mais fácil ainda. Agora, transformá-lo num filme, é saber fazer. Aí a roda pega. Ou você encara o trabalho de frente e põe literalmente a mão na massa ou nada acontece. E como é difícil encontrar parceiros que se juntem a você para fazer. Enquanto filmávamos, acontecia na cidade um evento gigantesco – Magia do Cinema, com filmes projetados todas as noites para a comunidade, com nosso elenco fazendo uma espécie de actor’s studio com o Rubens, para toda aquela gente. Vamos criar em Paulínia um pólo de produção cinematográfica disse o prefeito Edson Moura. E criou, incentivando a realização do Desnudo. Aos que vierem depois de nós, pensem em nós com bondade. De nossa parte, abrimos um caminho difícil. Não sei se será possível, mas a depender de mim, o filme terá sua cartela inicial assim: Paulínia Magia do Cinema apresenta Topografia de um Desnudo. Agradecemos em seguida o apoio de todos, inclusive a Prefeitura de Campinas que cedeu alguns espaços de Estação Cultura para as filmagens. Mas lá no fundo, eu queria mesmo era fazer o que um amigo meu fazia com o programa de seus espetáculos – listar na tela todas as estatais e empresas que procuradas disseram, por mil motivos “não” – tais e tais empresas não apoiaram esse filme! Tudo fizemos para que o filme desse certo. Nós todos, com nossos erros e acertos, sabemos disso. Uma palavra para os produtores que vão filmar fora do eixo São Paulo – Rio, nas cidades do interior onde existem belas locações. Existem também atores, técnicos, mão-de-obra de qualidade que deve ser convocada, ajudando e muito o pessoal de fora. E a última palavra para os diretores: exijam um período de ensaio com seu elenco e figurantes. Respeite o tempo interior do ator antes de dizer ação e respeite esse mesmo tempo antes de dizer corta. Mesmo que a equipe técnica te olhe com olhos de vamos lá, corta. O drama interior de cada ator tem que ser respeitado por toda a equipe. Ele está tentando entregar para o filme o personagem, obra de arte, criada com sua alma. Tenho muito que aprender. Mas acho que o ator é o foco principal, de todas as nossas lentes. Capítulo XI Resumindo a ópera Um amigo me perguntou qual a sensação de “se ver” ou melhor, “se rever” nas páginas de um livro. Sei lá. Não existe uma sensação, mas um emaranhado delas. Na verdade, tudo começa quando você sabe que vai “virar livro” (como disse um aluno meu), você fica em estado de alerta e se preparando para o que virá – o famoso “agüenta, coração!” Minha dissertação de mestrado na USP, quando analisei a trajetória do Teatro do Estudante de Campinas até o Rotunda, andou um pouco por aí. Só que havia um distanciamento necessário, como convém a um trabalho acadêmico. Desta vez, não. A gente percorre um caminho longo e diversificado e se assusta, quando se vê protagonizando tanta aventura. Eu me confesso em estado de graça. Quanta coisa foi feita, que multidão de pessoas, lugares diametralmente opostos, cada situação e principalmente – quanta coragem, rebeldia e indiganação, abrindo caminho para ações concretas. Isto está no meu teatro, na minha interferência social, política, nos meus tempos de UCES/UNE, nos campos de batalha em que atuei e atuo, nos quais abri mão tranqüilamente de integrar poderes executivos e legislativos. Percebi, ainda muito cedo, que era necessário questionar, se rebelar, dizer não aos poderes instituídos. Isso aconteceu logo no momento em que eu aprendia a ler. Eu morava ainda em Sorocaba e tinha ganho de presente um livro de Monteiro Lobato, Viagem ao Céu. Um belo dia – não, um horrível dia –, os alunos receberam uma ordem – entregar todos os livros de Monteiro Lobato que tivessem em casa. Como minha intuição sempre foi maior do que eu, não queria levar meu livro. Mas tive que levá-lo. Acreditem, foi armada uma imensa fogueira no pátio do colégio, onde devíamos jogar, para fazer arder no fogo do inferno, os livros de Monteiro Lobato (um autor proibido pela Igreja Católica). Claro que resisti o quanto pude, devo ter chorado, não sei. Perguntei o porquê daquilo tudo, disse que não queria jogar meu livro, que ia contra a minha vontade. Até hoje tenho taquicardia quando me lembro da fogueira da inquisição queimando os bruxos do mal, e principalmente, meu livro. Essa rebelião solitária/infantil me rendeu um castigo: durante algumas aulas de aritmética, eu ia para uma sala isolada preencher cadernos de caligrafia! E o pior, com a mão direita (eu, que era canhota, assim como minha avó e minha irmã, fui proibida de escrever com a mão esquerda). O resultado pode ser visto ainda hoje – tenho uma letra péssima e sou ruim para fazer contas. O episódio da fogueira era o espetáculo do horror. Mas era um espetáculo. Só sei que aquela fogueira acendeu em mim uma chama que eu carrego até hoje, abrindo caminho pelo mundo afora, na tentativa de ser livre. Essa atitude tem me colocado, inclusive o meu teatro, na contramão dos ditames da época, dos modismos e do que é “politicamente correto”. Jogar meu livro na fogueira, nunca mais! Talvez por isso tudo não me envergonho nem me arrependo dos espetáculos que fiz, como do resto das minhas ações pela vida afora. Me arrependo sim de algumas coisas que não fiz – talvez por medo da sala solitária, dos cadernos de caligrafia, da fogueira no pátio. Até agora, consegui escapar da fogueira da inquisição. Vai ser difícil me pegar. Sou “peixes com ascendente em peixes”, só que não morro pela boca. Sou caiçara de corpo e alma. Cronologia e fichas técnicas Espetáculos produzidos pelo TEC (1948 a 1976) 1948 As Artimanhas de Scapino De Moliére Elenco: Horácio Righeto, Edgar Antonelli, Eneide Scarboloto, Duílio da Silva, Fernando Catani, Teresinha Dutra, Jamil Chati e Geraldo Alves Côrrea Neto Direção: Georges Readers 1949 Flores de Sombra De Cláudio de Souza Elenco: Edgar Antonelli, Miguel Francisco Carichio, Duílio da Silva, Lenita Habice, Maura Marcondes Machado, Alda Mausback, Eneida Bonzato e Flávia Salete Tomáz de Aquino Direção: Georges Readers 1953 A Comédia do Coração De Paulo Gonçalves Elenco: Maria Luiza Avezani Arruda, Diná Höfling, Nelson Duarte, Jeanette Godoy, Maria Rosa Moreira Ribeiro, Marina Costa Couto, Pedro Paulo, Fernando Catani e Helena Santos Ponto: Paulo Amaral Cenários e figurinos: Freton Vestido: Nieta Junqueira Direção de montagem: Manoel Erbolato Decoração: S. Guimarães Efeitos de luz: José Elias Contra-regra: Amilcar Teixeira Direção: Carlos Maia 1957 Festival “Jean Tardieu” Há Recepção no Solar Senhor Ego Osvaldo e Zenaide Um Gesto por Outro Elenco: José Geraldo Jampaulo, Célia P. Amaral, Maria Aparecida de Paula, Edwiges Pereira, Sérgio Paulo Borges de Moraes, Laura de Barros, Fernando Maris Pinto, José Gustavo Vasconcellos, Maria Aparecida Silveira, Ernesto Vivona, Luiz Gonzaga Toledo, Sérgio Sampaio Laffranchi, Regina de Sequeira, Zaimann de Brito Franco, Carmen Cinira Guimarães, Ângelo Tiziani, Carin Deuber, Marília de Brito Franco e Antônio Celso Macedo Contra-regra: Iraldo Bernardi e Almicar Eletricista: José Elias Maquiagem: Jade Assistente de direção: Teresa Aguiar Direção: Cândida Teixeira 1958 I Festival Paulista de Teatro de Estudantes O Chapéu de Fortunatus Jeu – as Esposas Confundidas ou os Maridos Refundidos A Bruxinha que Era Boa O Chapéu de Fortunatus Elenco: Maria Aparecida Silveira, Miriam Gozzi, Maria Aparecida de Paula e Edwiges Pereira Jeu – as Esposas Confundidas ou os Maridos Refundidos Elenco: José Gustavo Vasconcellos, Antônio Celso Macedo, Maria Aparecida de Paula, Vitória Canelini e Ernesto Alves Vivona A Bruxinha que Era Boa De Maria Clara Machado Elenco: Carmem C. Lacerda Guimarães, Edwiges Pereira, Maria Aparecida de Paula, Miriam Gozzi, Célia Pizza do Amaral, José Gustavo Vasconcellos, Antonio Luiz Januzelli e Antônio Celso Macedo Cenário: Irenio Maquiagem: Jade Luz: Elias Contra-regra: Ernesto Vivona e Maria Helena Som: Luiz/ Mário Stuart Montagem: Erbolato Guarda-roupa: Cândida Teixeira e Mário Stuart Ensaios: Teresa Aguiar Orientação: Cândida Teixeira O Boi e o Burro no Caminho de Belém De Maria Clara Machado Elenco: Tabajara Alves de Oliveira, Edson Geraldo Barbosa, Carmem C. Guimarães, Spencer Puppo Nogueira, Fernando Catani, Ney Pereira, Antonio Luiz Januzelli, Sadao, Edwirges Pereira, Maria Aparecida Silveira, Kimi Ono, Marcia Célia Sicht, Maria José Otranto, Lucy, Lúcia Helena, Edna, Marly e Elizabeth M. Thereza Contra-regra: Luiz G. Soares Som: Mário Stuart Luz: Paulo Liebsman Montagem: Erbolato Diretor de cena: Laerte Morrone Assistente de direção: Teresa Aguiar Direção: Cândida Teixeira 1959 Alô! Ô de Fora De William Saroyan Elenco: Edson Barbosa, Maria José P. Nogueira, Eunice Rodrigues, Tabajara de Oliveira, José Gilberto Jampaulo e Francisco Assis Filho Os da Mesa Dez De Osvaldo Dragun Elenco: Nilza Pegorari, Spencer P. Nogueira, Wanda Penna Firme, Tabajara A. de Oliveira, José Gilberto Jampaulo, Sérgio Piccolotto e Antonio Luiz Januzelli Iluminação: Paulo lieber Contra-regra e sonoplastia: Mário Stuart Cenários: Eduardo M. Curado e Geraldo Jurgensen Execução: Teatro Cultura Artística de São Paulo e Manoel Erbolato Direção: Eduardo Manoel Curado Três Peraltas na Praça De José Valluzzi Elenco: Nicinha França, Edson G. Barbosa, Wanda Penna Firme, Gustavo Vasconcellos e Mário Stuart Maquiagem: Teresa Aguiar Luz e som: Avelino Lemos Couto Contra-regra: Teresa Aguiar Direção: Avelino Lemos Couto 1960 Jenny do Pomar De Charles Thomas Elenco: Affonso Claudio Figueiredo, Wanda Penna Firme, Zezinha Pupo Nogueira e Antonio Luiz Januzelli Viajantes para o Mar De John Synge Elenco: Nilza Pegorari, Eunice Rodrigues, Rosa Camargo, Fernando Catani, Mário Stuart, Edson Barbosa, Clóris Camargo, Alice e Zaim Cenário: Geraldo Jurgensen Montagem: Equipe do TEC sob orientação de Manoel Erbolato Direção: Eduardo Manoel Curado O Demorado Adeus De Tennessee Williams (tradução – José Renato) Elenco: Eduardo Curado; Sérgio Paulo Teixeira Pombo, Mário Maccari Filho, Eunice Rodrigues, Edson G. Barbosa e Mara Silveira Técnica: Fernando Catani e Mário Gustavo Stuart Maquiagem: Teresa Aguiar Direção: Eduardo Manoel da Silva Curado A Moratória De Jorge Andrade Elenco: Zezinha Pupo Nogueira, Mara Silveira, Gracinha Fernandes, Edson G. Barbosa, Sérgio Paulo Teixeira Pombo e Fernando Catani Técnica: Mário Stuart, Mário Maccari Filho, Ronaldo Baroni e Teresa Aguiar Direção: Eduardo Manoel Curado 1961 O Auto da Compadecida De Ariano Suassuna Elenco: Regina Duarte, Edson G. Barbosa, Fábio Ferreira, Mário Sérgio d´Ottaviano, Romeu Zuliani, Ronaldo Baroni, Ariovaldo Afonso Elia, Beatriz Beneti, Mário Maccari Filho, Alexandre P. e Silva Nucci, Fernando Catani, Francisco D. Silva, Arnaldo de Freitas e Zezinha Pupo Nogueira Técnica: Francisco D. Silva e Mário Stuart Maquiagem: Teresa Aguiar Cenários: Geraldo M. Jurgensen Assistente de direção: Edson Barbosa Direção: Fernando Catani 1962 A Viasacra De Henri Ghéon (tradução – D. Marcos Barbosa) Elenco: Sérgio Paulo Teixeira Pombo, Ana Lúcia Teixeira Vasconcellos, Ronaldo Baroni, Regina Duarte e Lucy Mistura Produção: Maria Luiza Vasconcellos Seleção musical: Léa Ziggiatti Luz: Amadeu Tilli Som: Luiz Langoni Cenários e figurinos: Equipe do TEC Montagem: Joaquim Fortunato Assistente de direção: Lucy Mistura Direção: Teresa Aguiar II Festival Paulista de Teatro de Estudantes: O Sr. Leônidas Enfrenta a Reação De Ion Luca Caragiali Elenco: Saulo Fabro, Doroti Aparecida Gouvêia e Silvia Conceição Passos Cenário: Geraldo Jurgensen Música: Sérgio Aranha Técnica: Luiz Langoni, Emílio Peixeiro e Francisco da Silva Assistente de direção: Doroti Aparecida Gouvêia Direção: Fernando Catani 1963 O Tempo e os Conways De J. B. Priestley Elenco: Regina Duarte, Emília Polato, Saulo Fabro, Eunice Rodrigues, Maria Luiza Vasconcellos, Lucy Mistura, Ronaldo Baroni, Ana Lúcia Vasconcellos, Cândido Toledo Leite e Vicente de Paula Conti Cenário: Geraldo Jurgensen Figurinos: Maria Luiza Vasconcellos Som e luz: Luiz Langoni Execução de cenários: Joaquim Fortunato Produção: Mário Stuart Assistente de direção: Saulo Fabro Direção: Teresa Aguiar Natal de Jesus Severino De Áurea Andrade e Derly Barroso Elenco: Sônia Hirsch, Ronaldo Baroni e Vicente Conti Direção: Teresa Aguiar 1964 Gifredo, o Anjinho das Reformas De Léa Maselli Ziggiatti Elenco: Sônia Hirsch, Elizabeth Arruda, José de Oliveira, Nélson L. Faria, Heraldo Curti, Paulo de Tarso Sans, Heloisa Arruda, Mário L. Serra, Altair Perez, Denise O. Lima e Regina Duarte Direção: Teresa Aguiar Rapunzel De adaptação – Léa Ziggiatti Elenco: Regina Duarte, Ana Lúcia Vasconcellos, Antonio Célio, José de Olvera, Sônia Hirsch, Antonio Luiz Januzelli, Joya Elezer, Sandra Palermo Tânia Coelho e Angélica Cardelli Cenário: Geraldo Jurgensen Figurino: Equipe do TEC Direção: Teresa Aguiar O Delator De Bertolt Brecht (tradução – Mário da Silva) Elenco: Ana Lúcia Vasconcellos, Ronaldo Baroni, Paulo Vasconcellos e Elizabeth Arruda Cenários e iluminação: Equipe do TEC com a colaboração de Luiz Langoni e Joaquim Fortunato Direção: Teresa Aguiar Natal na Praça De Henri Ghéon (tradução – D. Marcos Barbosa) Elenco: Lucy Mistura, Sérgio Pombo, Regina Duarte e Amadeu Tilli Produção: Maria Luiza Vasconcellos Assistente de produção: Sônia Hirsch Cenários: Geraldo Jurgensen Som e luz: Luiz Langoni Figurinos: Equipe do TEC Execução dos cenários: Joaquim Fortunato Assistente de direção: Ronaldo Baroni Direção: Teresa Aguiar 1965 A Lição De Eugène Ionesco (tradução – Maria José de Carvalho) Elenco: José de Oliveira, Altair Perez e Lucy Mistura Produção: Maria Luiza Vasconcellos Cenário e figurino: Equipe do TEC Luz e som: Amadeu Tilli Direção: Teresa Aguiar Somos como Éramos De Arthur Adamov (tradução – Margherita Corinaldi) Elenco: Sérgio Paulo Teixeira Pombo, Ana Lúcia Vasconcellos e Lucy Mistura Direção: Teresa Aguiar Pluft, o Fantasminha De Maria Clara Machado Elenco: José Vasconcellos, Nelson Luiz Faria, Paulo Vasconcellos, Amadeu Tilli, Sandra Palermo Isabel Correa Vieira, José de Oliveira, Ronaldo Baroni e Marlene Tilli Produção: Teresa Aguiar Cenário e figurino: Equipe do TEC Luz e som: Mário Serra Direção: Maria Luiza Vasconcellos O Boi e o Burro no Caminho de Belém De Maria Clara Machado Elenco: José Domingos Vasconcellos, Amadeu Tilli, Paulo Vasconcellos, Maria Eugenia de Lima, Rosa Maria Cagliari, Luiz Antônio Laderosa, Teresa Cristina Silva Melo, Cristina de Barros Carvalho, Maria José de Lima, Ana Lúcia F. Costa, Marco Antônio Lucarelli, Rafael Vasconcelos e Marlene Tilli Direção: Amadeu Tilli 1966 O Rapto das Cebolinhas De Maria Clara Machado Elenco: Ronaldo Baroni, Rosa Maria Cagliari, Paulo Vasconcellos, José Domingos Vasconcellos, José de Oliveira, Amadeu Tilli, Altair Perez e Antonio Luiz Januzelli Direção: Ronaldo Baroni 1967 O Cavalinho Azul De Maria Clara Machado Elenco: Abílio Guedes, Amadeu Tilli, Luiz Antônio Iaderosa, Maria José de Lima, João Moreira de Paula, José Domingos Vasconcellos, Nélson Faria, Paulo Vasconcellos, Alice Dedecca, Marise A. Cruz, Antonio Guedes Pinto, Eliana Penido, Carlos Mota, Marlene Tilli, Rafael Vasconcelos e Marco Antônio Lucarelli Direção: Maria Luiza Vasconcellos 1972 A Viasacra Hoje De Teresa Aguiar Elenco: Nanci Torres, Valderez Borges, Manuel Antualpe, Ricardo Nunes, Luiz Otávio Burnier, Marilce B. Santos, Cristina Silva Melo, Elza Had-dad, Suzelei, Beto Vieira, Atabaque e Hamilton Direção: Teresa Aguiar 1973 O Aprendiz de Feiticeiro De Maria Clara Machado Elenco: Edgar Rizzo, Amadeu Tilli, Heloisa Arruda, Fernando Roberto, Ricardo Nunes e Márcia Coelho Cenários e adereços: Geraldo Jurgensen Sonoplastia: Elaine Zanatta Iluminação: Jota Oliveira Contra-regra: Mônica Almeida Assistente de direção: Edgar Rizzo Direção: Amadeu Tilli Sabetudo, o Espião De Ricardo Gouvêia Elenco: Alberto Camareiro, Amadeu Tilli, Arlinete Vicentini, George Otto, Maria do Carmo Breda, Beto Fray, Maria Helena Cruz e Fernando Grecco Cenários e figurinos: Alberto Camareiro Direção: Abílio Guedes 1974 Maroquinhas Frufru De Maria Clara Machado Elenco: Edgar Rizzo, José de Oliveira, Marilene Lopes, Arlinete Vicentini, Roberto Fray, Márcia Regis, Adilson Ribeiro, Fernando Roberto, Maria Helena Cruz, Valderez Gomes, Maria do Carmo Breda, Marco Ghiliardi e Abílio Guedes Músicas: Raul do Valle Coreografia: Yolanda Amadei Orientação vocal: Milene Pacheco Figurinos: Fernando Roberto Execução: João Pinheiro Direção musical: Vilma Brandenburgo Arranjos florais: Hilda Fagnani Assistente de direção: Elza de Oliveira Direção: Amadeu Tilli 1976 Libel, a Sapateirinha De Jurandir Pereira Elenco: Amadeu Tilli, Mariluce Lopes e Marilce B. Santos Direção: Amadeu Tilli Espetáculos produzidos pelo Rotunda (1967 a 2007) São Paulo/Campinas 1967 Electra De Sófocles (tradução – Mário da Gama Kury) Elenco Protagonistas: José de Oliveira, Sérgio Pombo, Sérgio Grimaldi, Ana Lúcia Vasconcellos, Cristina Mello, Cecília Penteado, Silvia Sampaio, Ronaldo Baroni e Ariclê Perez Coro: Ana Lúcia Dacosta: Elza Haddad, Elza Pinheiro, Maria José de Lima, Maria Luiza Vasconcellos e Rosamaria Gagliari Produção: Titi Conti Cenários: Geraldo Jurgensen Execução de cenários: Joaquim Fortunato Montagem: Gianni Figurinos: Ana Lúcia Vasconcellos Confecão de figurinos: Madame Selica Iluminação: Amadeu Tilli Máscaras: Lélio Coluccini Seleção de músicas: Teresa Aguiar Preparação de voz: Nilza de Castro Tank Perucas: Elvis Cartazes: Edgar Francisco Direção: Teresa Aguiar Montagem de São Paulo (alterações no elenco): Kito Junqueira, José de Abreu e Lourdes de Moraes 1969 O Cavalinho Azul De Maria Clara Machado Elenco: Ney Latorraca, Carlos Alberto Ricceli, Ariclê Perez, Júlio César, Waldirez Bruno, Amilton Monteiro, Carlos Silveira, José Luiz Rodi, Irene Tereza, Vicente de Luca, Maria Eugênia de Domênico, Ana Lúcia Vasconcellos, Célia Olga, Ronaldo Baroni e Maria Alice Faria Direção: Teresa Aguiar João Guimarães – Veredas De Renata Pallottini Elenco: Jofre Soares, Nydia Licia, Otávio Marinho, Petrúcio de Araújo, Alceu Nunes, Emanuel Cavalcanti, Alexandre Dressler, José Marinho, Neri Vitor, Affonso Cláudio e Sônia Samaia Cenário, slides e fotos: Maureen Bissiliat Filme incidental: Roberto Santos Música e orientação musical: Emanuel Cavalcanti Direção: Teresa Aguiar O Novo Sistema De Hilda Hilst Direção: Teresa Aguiar 1970 Festival da Comédia Brasileira Uma Comédia sem Título, Martins Penna O Oráculo, Arthur Azevedo Uma Vendedora de Recursos, Gastão Tojeiro A Primadona, José Maria Monteiro Elenco:CarlosSilveira,FabioCamargo,MauraArantes, Jacob Hitler, Maraia Morais e Leonardo Neto Direção: Teresa Aguiar Pedro Macaco, o Repórter Infernal De Armando Couto Elenco: Fábio Camargo, Maraia Morais, Leonardo Neto, Carlos Silveira e Maura Arantes Cenário: Geraldo Jurgensen Figurino: Fábio Camargo Som: Jacob Hitler Assistente de direção: Carlos Silveira Direção: Teresa Aguiar 1971 A Viasacra De Henri Ghéon (tradução – D. Marcos Barbosa) Elenco: Ana Lúcia Vasconcellos, Célia Olga, Ronaldo Baroni e Carlos Arena Direção: Teresa Aguiar Vida e Obra de Garcia Lorca De Renata Pallottini Elenco: Carlos Arena, Célia Olga, Adilson Wladymir e Ana Lúcia Vasconcellos Direção: Teresa Aguiar 1972 Hipólito De Eurípides (tradução – Eudinyr Fraga) Elenco Protagonistas: Lourdes de Moraes, Rofran Fernandes, Adilson Wladymir, Alexandre Dressler, Selma Pelizon, Fernando Roberto e Marilce Baltazar Coro: Ana Medici, Elcita Cascelli, Heloisa Arruda, Márcia Rodrigues, Márcia Régis, Marilce Baltazar, Mônica Normanha, Amadeu Tilli, Fernando Roberto Grecco, George Matthes, Rene Leitão, Roberto Fray, Romeu Montaldi, Nélia Puccini, Cintia Carvalho e Moacir Souza Coreografia: Yolanda Amadei Preparação vocal: Milene Pacheco Figurinos, tocheiros, bilhas: Geraldo Jurgensen Produção: Lourdes de Moraes e Teresa Aguiar Direção: Teresa Aguiar O Rato no Muro De Hilda Hilst Direção: Teresa Aguiar 1973 Os Perigos da Bondade De Chico de Assis Elenco: Ângela Rodrigues, George Otto, Rosalina de Moraes Fiusa, Osnir Santiago, Reinaldo Santana e Luiz Freire Direção: Teresa Aguiar Pluft, o Fantasminha De Maria Clara Machado Elenco: Ângela Rodrigues, Osnir Santiago, George Otto, Rosalina de Moraes Fiusa, Reinaldo Santana e Luiz Freire Direção: Teresa Aguiar O Calvário do Zé da Esquina De Teresa Aguiar Elenco: Ângela Rodrigues, Lúcio Navarro, Benê Rodrigues, Robson Lustosa, Mauro de Almeida, Rosalina de Moraes Fiusa, Waterloo Gregório, Magali Santos, Osnir Santiago e Nélia Puccini Direção: Teresa Aguiar 1974 Tribobó City De Maria Clara Machado Elenco: Edwin Luisi (depois Eurico Martins), Mauro Almeida, Lucélia Machiaveli, Maria Vasco, Lenah Ferreira, Nélia Puccini (depois Miriam), Claúdio Lucchesi, Ângela Rodrigues, Lilita de Oliveira Lima (depois Benê Rodrigues), Lúcio Navarro (depois Robson Lustosa), Magali Santos Silva, Marília Reis e Wanderley Martins Músicas: Murillo Alvarenga Direção musical: Paulo Herculano Cenários: Geraldo Jurgensen Figurinos: Cláudio Lucchesi Coreografia: Edwin Luisi Direção: Teresa Aguiar Pedro Pedreiro De Renata Pallottini Elenco: Roberto Vieira, Rosa d´Poggetti, Mário Sérgio Farci, Joel Barbosa, Gracinda Matos, Fernando Grecco, José Barbosa, Rivaldo Machado, Ricardo João, José Mauro Padovani, José de Oliveira, Nélson Braga e Mariluce Lopes Cenografia: Geraldo Jurgensen Costuras: Hilda Fagnani Assistentes: José Mauro Padovani e Elza de Oliveira Iluminação: Amadeu Tilli e Nelton Lopes Direção: Teresa Aguiar O Crime da Cabra, o Circo, o TAO De Renata Pallottini Elenco: Joel Barbosa, Ricardo Nunes, Marcos Tadeu, Ariane Porto, Rubens Cavalheiro, Rose Aimèe Temperani, Beto Fray, Arthur Rodrigues, Carlos Molf, Lúcia Chirieleison, Irani Medeiros, Mário Serra, Delma Medeiros, Sara Lopes, José de Oliveira, Geraldo Franco, Cristina Direção: Teresa Aguiar 1975 Doutor Zote De Neri Gomes de Maria Elenco: Paulo Hesse, Rofran Fernandes, Armando Azzari, João Batista Acaibe, Marlene Marques, Angela Rodrigues, Ademilton José e Herson Capri Figurinos: Claúdio Lucchesi Cenário: Geraldo Jurgensen Coreografia: Júlio Vilan Iluminação: Fausto Fuser Assistente de direção: Gileno del Santoro Direção: Teresa Aguiar 1976 Laço de Sangue De Athol Fugard (tradução – Rofran Fernandes) Elenco: João Acaiabe e Rofran Fernandes Cenários e figurinos: Geraldo Jurgensen Iluminação: Chico Pardal Cenotécnico: Joaquim Fortunato Assistente de direção: Benê Rodrigues Direção: Teresa Aguiar O Crime da Cabra De Renata Pallottini Elenco: Zezé Lima, João Lauria, José Barbosa, Ronaldi Moreno, Mauro Voigt, Alfredo Ribeiro, Joel Barbosa, Ricardo Nunes, José de Oliveira, José Mauro Padovani, Mário Sérgio Farci, Lúcia Martini, Giselle Gallant e Adilson Miagrus Cenários: Geraldo Jurgensen Assistente de direção: Mariluce Lopes Direção: Teresa Aguiar Pedro Pedreiro De Renata Pallottini Direção: Teresa Aguiar 1977 Romeu e Julieta De William Shakespeare (tradução – Onestaldo de Pennafort) Elenco: Lúcia Maritini, Joel Barbosa, José de Oliveira, Mariluce Lopes, Jonas Lemos, Ricardo Nunes, Marco Ghiliardi, Roberto Rossi, Adilson Miagrus, Zezé de Lima, João Lauria, Ronaldi Moreno, Mauro Voigt, Jorge Ruy, Alfredo Ribeiro, Jucan, Bob Orsolano, Marcos de Almeida, Helena Bearzotti e Silmer Gonçalves Cenários: Geraldo Jurgensen Figurinos e adereços: Fernando Grecco Estilo: Yolanda Amadei Expressão corporal: Yara Machado Esgrima: András Károly Vörös Preparação física: Jonas Lemos Assistente de direção: Edgar Rizzo Direção: Teresa Aguiar 1978 Olá! Herói De Neusa Doretto Elenco: Lúcia Maritini, Mauro Voigt, Neusa Doretto, Adilson Miagrus e Giselle Gallant Cenários e figurinos: Jucan Som, luz e maquiagem: Amadeu Tilli Direção: Teresa Aguiar A Cantora Careca De Eugène Ionesco Elenco: Mariluce Lopes, Zezé Lima, Lúcia Martini, Marco Ghilardi, João Lauria, Jota de Oliveira, Zeza Amaral e Joel Barbosa Direção: Jonas Lemos 1979 Libel, a Sapateirinha De Jurandir Pereira Elenco: Amadeu Tilli, Mariluce Lopes e Zezé Lima Direção: Amadeu Tilli Dindi De Fernando Limoeiro Elenco: Marlene Fortuna, Indalécio Santana e Paulo Adloff Direção: Teresa Aguiar As 3.650 Noites do Rotunda De Teresa Aguiar Elenco: Adilson Miagrus, Alfredo Ribeiro, Amadeu Tilli, Ana Mello, Antonio Edson, Belkis, Beto Terra Nova, Carlos Lima, Fabiana Britto, Fernando Grecco, Giselle Gallant, Iara Salles, Jêsus Seda, Joel Barbosa, José Roberto Ibanhez, Jucan,JuremaGuijen, Kinda, Laércio Campos, Lúcia Martini, Mariluce Lopes, Marcus de Almeida, Mário Farci, MauroVoigt, Ruth Elizabeth, Veloso, Zezé de Lima e Zezé Fassina Direção musical: Paulo Herculano Preparação musical: Lúcia Martini Expressão corporal: Yara Machado Coreografia: José Roberto Ibanhez Cenografia e figurinos: Jucan Adereços: Fernando Grecco e Jucan Assistente de cenografia: Jêsus Seda Preparação vocal: Mariluce Lopes Assistente de direção: Mariluce Lopes Administração: Ana Mello Direção: Teresa Aguiar 1980 Bye Bye, Pororoca De Timochenco Webbi e Mab Lully Elenco:ZezéLima,AdilsonMiagrus,Rosad´Poggetti, Joel Barbosa, Ana de Mello e Mariluce Lopes Coreografia: Zeca Ibanhez Cenários e figurinos: Jucan Supervisão: Teresa Aguiar Direção: Zeca Ibanhez Um Elefantinho Incomoda Muita Gente De Oscar Von Phful Elenco: Jêsus Seda, Amadeu Tilli, Jerônimo Lima, Ruth Elisabeth, João Lauria, Maria do Carmo Breda e Paulo Sérgio Pires Iara Sales Direção: Amadeu Tilli A Lição De Eugène Ionesco Elenco: Mariluce Lopes, Marco Ghilardi, Ruth Elzabeth Direção: Jonas Lemos 1981 O Superpirata Ervadoce De Jurandir Pereira Elenco: Marcos Almeida, João Lauria, Valdo de Mattos e Valéria Ceschi Direção: Mariluce Lopes Fala, Poesia Poemas de: Ilka Brunbilde Laurino, Neide Archanjo, Olga Savary e Renata Pallottini Roteiro Renata Pallottini Elenco Atrizes: Danúbia Machado e Isadora de Faria Cantoras: Bete Sá e Marilene Costa Direção musical: Filó Direção geral: Teresa Aguiar 1982 Tribobó City De Maria Clara Machado Elenco: Ariel Moshe, Barbara Thiré, Celso Batista, Ceres Vittori, Gustav Lang, Julian Gomes, Nereides Bonamigo, Noemi Gerbelli, Sérgio Buck, Ricardo Mello, Rafaela Puopolo, Tadeu Aguiar e Teresa Convá Direção: Teresa Aguiar Morre o Rei De Ionesco (tradução – Laura Amélia Vivona) Elenco: Jandira Martini, Francarlos Reis, Marcos Caruso, Noemi Gerbelli, Danúbia Machado e Ariel Moshe Cenários: Campello Neto Figurinos: Kalma Murtinho Sonoplastia: Fávia Calabi Assistente de direção: Zeca Ibanhez Direção: Teresa Aguiar O Baú da Inspiração Perdida De Benê Rodrigues Elenco: Amadeu Tilli, Joel Dornellas, Paulo Bearzote, Beto Regina, Maria do Carmo Breda, Paulo S. Pires, Gerônimo de Lima, Valéria Ceschi, João Lauria, Irau de Lima, Renata Urbach, Eli Galvani Ferraz e Flávia Urbach Direção: Amadeu Tilli 1984 Liberdade, Liberdade De Millôr Fernandes e Flávio Rangel Elenco: Marco Ghilardi, José de Oliveira, Delma Medeiros e Ariane Porto Músicas e coro: José Henrique, Hacib Hamdan, Flávio de Figueiredo, Isa Taube, Irani Medeiros, Joel Barbosa e Simoni Boer Cenografia: Thomaz Perina Direção musical: Marcos Tadeu Direção: Teresa Aguiar O Crime da Cabra De Renata Pallottini Elenco: Joel Barbosa, Ricardo Nunes, Marcos Tadeu, Ariane Porto, Rubens Carvalheiro, Rose Aimèe Temperani, Beto Fray, Arthur Rodrigues, Carlos Molf, Lúcia Chirieleison, Irani Medeiros, Mário Serra, Delma Medeiros, Sara Lopes, José de Oliveira, Geraldo Franco, Cristina Direção: Teresa Aguiar 1985 Ah! Se Todos Cantassem de Manhã De Zaga Ribeiro Elenco:LúciaChirieleison,RubensCarvalheiro,Geraldo Franco, Wagner Teixeira e Eduardo Bearzotti Direção: Marcos Tadeu Poema Recheado De Humberto de Almeida e Helio Lette Elenco: Arthur Rodrigues, Carla Grama, Marisa Buzon, Delma Medeiros e Ariane Porto Direção: Ariane Porto 5 Noites de Violão, Cachaça e Poesia Coordenação: Teresa Aguiar Topografia de um Desnudo De Jorge Diaz (tradução – Renata Pallottini) Elenco: Ariane Porto, Carla Grama, Arthur Rodrigues,MárcioCruz,RenatoFerreira,DelmaMedeiros, Malu Pimenta, Isval de Pinto e Flávio de Castro Alterações no elenco – temporada São Paulo: Mariluce Lopes e Valdo de Mattos Cenários e figurinos: Jucan Músicas: Wladimir Capella Filme: Marcos Craveiro e André Ciolfi Preparação corporal: Mário Cruz Assistente de direção: Ariane Porto Direção: Teresa Aguiar Maria Minhoca De Maria Clara Machado Direção: Teresa Aguiar 1986 Tobi, o Viralata De Marcos Tadeu Elenco: Marcos Tadeu, Wagner Teixeira, Helena Lima e Wilson Silva Direção: Marcos Tadeu Caminhos que Fazem o Darro e o Genil até o Mar De Renata Pallottini Elenco: Carlos Arena, Nilda Maria, Rofran Fernandes, Ariane Porto, Renato Ferreira, Márcio Cruz e Arthur Rodrigues Cantoras: Rosa Yagüi e Elvira Perpinya Direção: Teresa Aguiar 1987 Artigo 59 De Carlos Áureo Elenco: Edmilson Ortolan, Luís Sigrist e Nilson Barbosa Coro: Dora Lima, Helena Lima e Marcos Tadeu Músicos: Marcos Tade, Siriri e Zeca de Souza Preparação vocal: Mariluce Lopes Direção: Marcos Tadeu Quartafeira sem Falta, lá em Casa De Mário Brasini Elenco: Danúbia Machado e Ariane Porto Cenário: Geraldo Jurgensen Figurinos: Danúbia Machado Assessor de maquiagem: Alberto Camareiro Direção: Teresa Aguiar 1988 Pingo d´água De Pedro Molfi Elenco : Henrique Dutra, Pedro Molfi, Fabrício Rocha, Natália Kwast, Lurdes Rodrigues Cenário: J. Roverato Figurino: Carmem Castanho Adereços: Jésus Sêda Arte: Marco Martinez Coreografia: Ramiro Lopes Música Original: César D’Avinha Técnica: Rose D’Pogetti Direção: Pedro Molfi 1989 Zum ou Zois De Carlos Meceni e José Mauro Padovani Elenco: Valdo de Mattos, Rosana Bernardo Figurinos: Fernando Grecco Som e Luz: Eduardo Vasconcellos Trilha Sonora: Amadeu Tilli Arte Gráfica: Adriana Justi Direção: Malú Lopes 1994 Sonho de uma Noite de Verão De W. Shakespeare Tradução Bárbara Heliodora Elenco: Ariane Porto, Arlineti Vicentini, Júlio Moretto, Alessandro Marson, Khá Machado, Ramiro Lopes, Marcos de Almeida, Beto Regina, Fernando Silvestre, Elidalvani Ferraz, Renata Cristóvam, Isval do Pinho, Jaqueline, Yeda Bocaletto, Tânia Laura, Angela Rocha e Juliana Schiel Ambientação: Teresa Aguiar Figurinos: Arthur Rodrigues Trilha sonora: Khá Machado Adereços: Jêsus Seda Iluminação: Miromar Santos e Eduardo Schiavone Produção executiva: Ariane Porto Direção: Teresa Aguiar 1996 A Cantora Careca De Eugène Ionesco Direção: Teresa Aguiar Picnic no Front / Cantora Careca De Fernando Arrabal / Eugène Ionesco Direção: Teresa Aguiar 2004 Prá lá de Bagdá De Ariane Porto Ficha técnica Elenco: Fabrício Rocha, Pedro Molfi, Rafael Belletti, Ariane Porto, Tatiana Conde, Caue Nunes e Pedro Struchi Produção: Rosi Luna Programação visual: Kid Cenário: Victor Akkas Figurino e trilha sonora: Teresa Aguiar Montagem, produção e operação de slide: Pedro Struchi Iluminação: Teresa Aguiar Montagem da iluminação: Fabrício Rocha Operação de luz: Prata Operação de som: Rose d`Poggetti Picnic no Front De Fernando Arrabal Direção: Teresa Aguiar 2006 João Guimarães – Veredas De Renata Pallottini Produção executiva: Ariane Porto Assistente de produção: Luiza Pasim Fotos: Isval Marques de Pinho e Ronaldo Oyafuso Administração e pesquisa: Reginaldo Menegazzo Gerente do espetáculo: Luiz Terribele Jr. Cenário e adereços: Victor Ackkas Concepção de iluminação: Carlos Ebert Música de cena: Kha Machado e Nelson Pinton Maquiagem: Luis Galdino Elenco: Pedro Molfi, Joel Barbosa, Jackeline Qamar, Silvio Favaro, Sérgio Ferreira, Cláudia Menezes, Luis Galdino, Ramiro Lopes, Isval Marques de Pinho, Marcelo Andrade, Ronaldo Oyafuso e Luiz Terribele Jr. Assistente de direção: Pedro Molfi Direção geral: Teresa Aguiar 2007 Cadê o Saci De Ariane Porto Produção Executiva: Ariane Porto Assistente de Produção: Reginaldo Menegazzo Elenco: Claudio Menezes, Jackeline Qamar, Ronaldo Oyafuso, Luiz Terribele Jr Cenário e Figurino: Helô Cardoso Concepção de Luz: Silvio Favaro Trilha Sonora: Gustavo Rimoli Direção: Pedro Molfi Coordenação Geral: Teresa Aguiar * (Depoimentos gravados para Teresa Aguiar para dissertação de mestrado defendida na ECA/USP em 1983) Índice Apresentação -Hubert Alquéres 5 Introdução -Ariane Porto 11 Depoimentos sobre Teresa... 15 Teatro do Estudante, Teatro Amador, Teatro Profissional. Mas sempre teatro. 21 Sobre os atores 25 Paulo Autran 25 Regina Duarte 28 Luís Otávio Burnier 31 A todos os atores 32 Influências -para começar, um pouco de família 35 Outras influências 51 Paschoal Carlos Magno 51 A Via-sacra 53 Hilda Hilst 58 TBC e Abujamra 61 Passagem pelo Sesi 67 O mar e sua gente 70 Um pouco de história -O teatro em Campinas 77 O Teatro do Estudante 79 O Teatro do Estudante do Brasil 79 O Hamlet de 48 83 O Teatro do Estudante de Campinas 89 Assumindo os destinos do TEC 99 A nova fase do TEC – Alfredo Mesquita e Paschoal Carlos Magno 102 Ciclo Cândida Teixeira 103 Ciclo Eduardo Curado 114 Os festivais de Teatro do Estudante 120 Ciclo Teresa Aguiar 139 Nasce o Rotunda 149 O espetáculo 165 Electra, de Sófocles 167 Hipólito, de Eurípides 173 O Crime da Cabra, de Renata Pallottini 181 Doutor Zote, de Neri Gomes de Maria 182 Laço de Sangue, de Athol Fugard 184 Romeu e Julieta, de Shakespeare 186 Fala, Poesia, de Renata Pallottini 194 Morre o Rei, de Eugene Ionesco 196 Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel 200 Topografia de um Desnudo, de Jorge Diaz 203 Caminhos que Fazem Darro e o Genil até o Mar, de Renata Pallottini 208 Quartafeira, sem Falta, lá em Casa de Mário Brassini 210 Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare 213 Prá lá de Bagdá, de Ariane Porto 216 João Guimarães – Veredas, de Renata Pallottini 219 Passagens, lugares, pessoas 223 Conservatório Carlos Gomes 223 A EAD 227 Missão de teatro 231 Tribobó City 234 O Calvário do Zé da Esquina 237 Uma quase tragédia grega 255 Algumas experiências internacionais 257 Em busca de um espaço 263 O circo do vento verde 263 Um novo espaço – o Teatro de Arte e Ofício 267 Algumas incursões pelas outras artes 275 A música 275 O desenho 276 A crítica teatral 283 A luz e o espetáculo 296 A poesia 298 E agora, o cinema 201 Câmera...ação! 310 Agora Paulínia, e porque Paulínia. 320 Resumindo a ópera 323 Cronologia e fichas técnicas 327 Crédito das fotografias Todas asfotografiasutilizadasnestevolume pertencem ao acervo de Teresa Aguiar. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida Sérgio Rodrigo Reis CabraCega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam VivaVoz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebracabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 376 Tiragem: 1.500 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2007 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Porto, Ariane Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda: quatro décadas em cena /Ariane Porto. -São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. 376p. : il. – (Coleção aplauso. Série teatro Brasil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-533-7 (Imprensa Oficial) 1. Dramaturgos brasileiros 2. Teatro – Brasil – São Paulo – História 3. Aguiar, Teresa I. Ewald Filho, Rubens. II.Título. III. Série. CDD 792.092 81 Índices para catálogo sistemático: 1. Teatro brasileiro : história 869.920 9 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria