Raul Cortez Sem Medo de se Expor Nydia Licia IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2007 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO TRABALHANDO POR VOCÊ GOVERNADOR JOSÉ SERRA Imprensa Oficial do Estado de São Paulo   Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Paulo Moreira Leite Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro Clodoaldo Pelissioni Diretora de Gestão Corporativa Lucia Maria Dal Medico Chefe de Gabinete Vera Lúcia Wey Coleção Aplauso Série Especial   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico e Editoração Carlos Cirne Assistente Operacional Felipe Goulart Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Angélica Daraia Revisão Heleusa Angélica Teixeira Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais preexistentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Meus agradecimentos sinceros a todos os colegas que se prontificaram a colaborar nesta tentativa de descrever a trajetória de um grande ator. A Antunes Filho, Etty Fraser, Eva Wilma, Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi, Lígia Cortez, Lulu Librandi, Ruy Cortez, meu abraço mais carinhoso. E um agradecimento muito especial a Maria Thereza Vargas, porto seguro para todos aqueles que procuram informações a respeito do nosso teatro. Nydia Licia Introdução A Coleção Aplauso não podia prescindir de um volume dedicado a Raul Cortez, que faleceu em 18 de julho de 2006, deixando um vácuo muito grande nas fileiras da classe teatral. Pela sua atuação em todos os movimentos políticos e culturais, foi figura de proa. Por três vezes, atuou como presidente da Associação de Produtores de Espetáculos Teatrais (Apetesp), de 1974 a 1980. Liderou reivindicações dos atores; brigou quando era preciso brigar, montou peças difíceis, e até perigosas, em momentos delicados da política do nosso país. Principalmente, não teve medo de arriscar, e isso serviu de exemplo e de estímulo para os mais jovens, e permanecerá em sua memória. Quando ele me pediu que eu fizesse um livro iconográfico sobre sua carreira, pôs à disposição sua vasta coleção de fotografias e, pessoalmente, colaborou na seleção daquelas que considerava mais interessantes e mais representativas de sua trajetória. Devido ao estado adiantado da doença, passamos a trocar idéias pelo telefone, tanto de sua casa, como do hospital, procurando evitar reuniões que o cansassem sobremaneira. Por isso, achei muito importante que, neste livro, falassem dele também sua filha mais velha, Lígia Cortez; a amiga Lulu Librandi; seu diretor predileto, Antunes Filho; Eva Wilma, amiga de juventude e colega de teatro; Ítalo Rossi, o primeiro diretor e o ator que contracenou com ele em sua última novela; Ruy Cortez, seu sobrinho e companheiro de trabalho; Etty Fraser, colega de novelas na Tupi. Eu me baseei nas palestras que ele pronunciou no Teatro Escola Célia Helena, a que assisti, e nas muitas entrevistas que ele concedeu. Foram mais de 20 álbuns de recortes que consultei. Não há acontecimento artístico ou social de que ele participou que não esteja devidamente registrado. Tudo que escrevi foi dito por ele. Procurei manter, da melhor maneira, seu estilo, seu modo de falar e, acima de tudo, sua sinceridade. Na palestra de fevereiro de 2006 – última vez que falou em público –, sua alegria foi sincera, contagiante. Fiz questão de indicar as risadas e os aplausos, para que todos pudessem acompanhar as reações da platéia. Apesar de fragilizado, ele superou o cansaço, a fraqueza, e transmitiu aos alunos o que é ser um Ator, o que significa amar o teatro e dedicar-se a ele com toda a sua alma. Nydia Licia Capítulo I Lígia Cortez fala do pai, na inauguração do Teatro Raul Cortez Acho que a primeira vez que antevi o prazer de ter o pai que tive foi aos 8 anos, quando fui com minha mãe assistir ao desfile da Rhodia, televisionado ao vivo. Em determinado momento, para meu susto, ele me mandou aquela piscada cúmplice, que foi ao ar. No dia seguinte a minha classe inteira comentava que tinha visto meu pai piscar pra mim... Descobri, surpresa, que a repercussão daquilo tinha sido enorme. E foi sempre assim o nosso relacionamento. A partir daí fui conhecendo, seguindo e sendo formada por uma das pessoas mais talentosas e criativas que foi Raul Cortez, meu pai. Logo depois, num almoço na casa da mãe dele, minha avó Conceição, ele e minha mãe conversavam: – Puxa Celinha, 8 anos já faz tudo isso? – É Raul... O tempo passa... – Liginha tem a minha mão, o meu jeito... Balança o pé de nervoso como eu – eu devia estar relaxadíssima. Mas isso ficou marcado na minha memória, porque senti que ali, através do reconhecimento dele, era como se eu ganhasse um novo contorno, um novo olhar sobre mim e sobre ele. Ainda quando garota, ele me convidou pra passear no seu Puma conversível, branco. Estávamos lá na Avenida Santo Amaro, ele feliz, alegre, solto, correndo; eu, retraída, tímida, me sentindo exposta, todo mundo vendo, as pessoas ao lado olhando, a vida dura, ônibus... Aí ele diz: – Posso te fazer uma pergunta? Adorei... Agora vem um assunto, a gente engata uma conversa... – Pode... Ele: É gostoso ter cabelo? Aos 15 anos, minha mãe me deu maioridade: o telefone de um táxi que me levaria e buscaria para ver meu pai, sem a necessidade de intermediação dela ou de ficar esperando que ele viesse me visitar. Foi aí que descobri o Raul ator, e abrimos um caminho enorme para nosso relacionamento. Lá ia eu de táxi assistir a Noite dos Campeões, muitas, muitas vezes. Às vezes íamos jantar depois, às vezes eu ia com meus amigos, mas (a maioria) em geral, ia sozinha ver aquele homem, aquele ator... Observava como era genial a forma como interpretava, como ele ia ficando bêbado no decorrer da peça, como ele (ia construindo) construía aos poucos um personagem enorme (aos poucos)... Virginia Woolf, Teatro Anchieta... Eu não reconhecia meu pai, ele era George; que direção maravilhosa, do Antunes Filho. Última da fase em que ele era terrível – Fumava e freqüentava o Gigetto, palavras dele próprio. Meu pai achava que ele e Antunes tinham uma espécie de telepatia mágica, criativa, que um sabia exatamente o que o outro ia fazer e dizer... E se reencontraram no Teatro Anchieta, em outro trabalho maravilhoso depois, A Hora e a Vez de Augusto Matraga. Todo o seu trabalho, a escolha das peças, vinha de uma enorme necessidade interior. Precisava estar engajado no tempo e na história. Ou ser coerente com seu processo interior. Seguindo o princípio adquirido no Grupo Oficina, com Pequenos Burgueses, a montagem deveria sempre dizer a que veio. Conversávamos sobre teatro, sobre o processo do ator. Aprendi muito com ele, e algumas vezes acho que o ajudei. Aos 17 anos, sugeri que ele fizesse algo mais político. Era fim da década de 70, eu tinha acabado de entrar na USP, invasão da PUC, movimentos estudantis, libelu... Eu achava que ele também podia se colocar politicamente no palco, atuando. Aí ele veio com Rasga Coração (não acreditei; matou a pau!). Quando penso no que ele deixa, talvez este seja seu primeiro legado: estar engajado no seu tempo, fazer agora o que é de agora. Hoje. Assim foi com Rasga Coração, Amadeus, Ah!mérica, Um Certo Olhar, Rei Lear... Por várias vezes trabalhamos juntos. A primeira vez foi em Ah!mérica, onde ele me apresentou a riqueza da cultura latino-americana, paixão que nunca mais parei de aprofundar. Na segunda vez ele me convidou para atuar em Cheque ou Mate, logo depois da morte de minha mãe. Ali ele me estendeu carinhosamente o braço de pai. A terceira e última vez, foi quando chamei o diretor anglo-brasileiro Ron Daniels para trabalhar na escola Célia Helena. Ele ia dar aulas e dirigir uma peça de Shakespeare conosco. Meu pai imediatamente me ligou e disse que gostaria de estar nesse projeto. Mudamos o curso, e montamos Rei Lear. Aí o teatro proporcionou uma nova etapa de nosso relacionamento. Meu papel era Regana, a filha que, depois de receber antecipadamente a sua parte do reino, expulsa o pai (realmente, não recomendo a nenhuma atriz que faça Rei Lear com o próprio pai...). Quando Raul Cortez estava em cena, era tudo verdade mesmo. Ele dizia e ouvia tudo como se fosse verdade. E o meu personagem falava e fazia coisas horríveis com o pai. Eu tinha tanta preocupação com ele, principalmente quando a cena saía boa. Assim que acabava, eu precisava sair correndo atrás dele na coxia, olhar pra ele e dizer, de brincadeira: Era tudo mentirinha, certo? E ele: A cena foi boa, né? Boa cena... Como se precisássemos a toda hora balizar as coisas, evitar qualquer possibilidade de desentendimento, de invasão emocional. Bem, claro que, assim que pôde, ele me tirou da peça. O trabalho ajudou a consolidar entre nós um afeto cada vez mais verdadeiro e presente. Ele dizia sempre que podia conversar comigo sobre tudo. Era verdade. Quando ficou doente, vivemos uma intimidade que não existia antes. Um dia, no quarto do hospital, conversando, deitada no sofazinho ao lado da cama, descalça, pé pra cima, ele disse: Não estou nem acreditando que você está aqui comigo, desse jeito... Parei e perguntei: Eu nunca fiquei assim com você? Ele disse: Nuuuuuunca. Não tinha me dado conta. Houve uma época em que os intelectuais de vanguarda achavam a TV algo menor, sujo, meio corrupto. Meu pai encarou logo um anúncio de mortadela e começou sua carreira de enorme sucesso na TV. Que viria a transformar a noção de qualidade, o critério de interpretação em novela. Cuidou de cada papel, de cada cena, de cada detalhe com a mesma dedicação que tinha ao teatro e ao cinema. Popularidade pra ele era fundamental. E quem o assistiu viu trabalhos marcantes, inesquecíveis. Seus personagens eram conseqüência do que ele era. Vinham de uma pessoa que vivia a vida sem fingir. Meu pai foi inteiro e honesto consigo mesmo e com os outros. Transparente. Talvez, por isso, uma personalidade tão forte: contraditório, impaciente, intransigente, corajoso, generoso, egoísta, egocêntrico, companheiro... Humano. Não quis ser correto, quis ser verdadeiro. Ele não podia deixar de ser o que era. Teve coragem de ser o que era. Talvez esse tenha sido o segundo legado dele: ter a coragem de ser o que se é. Teve coragem também para lutar e gritar por um Brasil melhor. Por condições melhores para o teatro, para a vida. Nunca deixou de se indignar. E gritou sempre que teve oportunidade de ser ouvido. Fosse em entrevistas, fosse na escolha das peças, na construção dos próprios papéis ou simplesmente na forma de agir e de ser. Homem único, ator único. Grande. O maior ator de nossos tempos. Por isso, a noite de hoje é importante. Sinto que estamos conduzindo o nome do meu pai ao único lugar que poderia eternizá-lo, um teatro; essa memória etérea do teatro, que quando nos emociona, como ele nos emocionou, nos deixa totalmente impregnados. E para abrigá-lo direito, não podia ser uma salinha pequena, um espaço experimental. Tinha que ser assim: um teatro grande, moderno, permanente. Este lugar combina com Raul Cortez. Uma lacuna vai ficar pra sempre. Não existem substitutos ou seguidores. Nem eu, que sou sua filha, serei. O lugar de Raul Cortez vai ficar vago, mas a memória dele vai estar aqui. Lígia Cortez Capítulo II Palestra de Raul Cortez Teatro Escola Célia Helena, 7/2/2006 A noite de 7 de fevereiro de 2006 foi muito especial para alunos e professores do Teatro Escola Célia Helena. Estava anunciada uma palestra de Raul Cortez. A euforia de todos era mais do que evidente. Jovens lotavam as arquibancadas ou se espremiam nos tapetes de borracha estendidos no chão, para que coubesse maior número de pessoas. Estavam ansiosos por ouvi-lo e loucos para fazer perguntas... Finalmente, Raul entrou, acompanhado pela filha Lígia Cortez, diretora da Escola, feliz com a presença do pai, recém-restabelecido de uma grave operação (embora frágil e propenso a se emocionar). Foi recebido com palmas calorosas. Lígia cercou-o com atenções e carinho durante a palestra e, principalmente, durante os debates. Oferecia-lhe água e verificava se o encontro não o estava cansando demais. Resumia algumas perguntas, pois, cheios de entusiasmo, os alunos se estendiam algumas vezes, complicando as perguntas. Lígia: É sempre uma grande emoção receber meu pai aqui na escola. Eu, como filha, estou muito emocionada pelo pai que Maria e eu temos (Maria está na platéia). Um pai maravilhoso. Em segundo lugar, pelo ator que ele é; pelo grande artista e sua enorme contribuição na história do teatro brasileiro. Há vários meses ele já esteve aqui com a gente. Volta agora, quando a escola está comemorando 30 anos e esse homem maravilhoso comemora 50 anos... Raul (interrompendo): Epaaa!!! (risos e aplausos) Lígia (rindo): ...50 anos de carreira. Provavelmente vai fazer um bonito curso aqui na escola, para poder passar um pouco da bagagem que ele tem. Vou chamar o Marcão para falar e apresentá-lo... Mas antes vou apresentar os professores maravilhosos que a escola tem, essa equipe extraordinária, que está aqui presente. Em primeiro lugar... (vai apresentando os professores, um por um. Todos são recebidos com aplausos pela platéia). E agora vou chamar então, o professor e diretor Marco Antônio Rodrigues (Marco abraça Raul). Marco Antônio Rodrigues: Eu passei o dia todo preocupado com o encargo que tenho aqui e agora. Primeiro, porque não tenho o costume de estar na frente do palco, meu lugar é quase sempre atrás. E, principalmente, porque devo fazer uma saudação à altura de um artista que, mais do que admirado, é amado por todo o povo. Eu fiquei pensando em cima disso, em como dar a dimensão do excepcional e genial talento dele. Penso que de um lado ele tem a elegância da aristocracia, e de outro uma picardia, uma... Uma sacanagem, que é muito a cara do povo brasileiro. Isso no que diga respeito ao retrato de sua personalidade... De outro lado, coisa que muitos aqui, pela juventude, não tiveram a oportunidade de presenciar; olha, eu já vi ele caminhar por todos os percursos. Desde espetáculos muito difíceis, de comunicação muito difícil, até grandes comédias. Em geral, produzindo seus trabalhos. Recentemente, devido a essas Leis de Renúncia Fiscal, essa coisa das produções serem feitas com recursos públicos – principalmente as comerciais, que não precisam de recursos públicos – seria normal, é a regra, que um artista famoso como ele montasse um caça-níqueis e saísse por aí, confiante. Pois, na contramão disso tudo, engrandecendo todos nós, Raul Cortez montou Rei Lear, de Shakespeare, com um monte de gente, num espetáculo memorável. Raul tem uma história de combater, de correr todos os riscos, da grandeza daquilo que é arte. Sempre foi vinculado com as lutas do seu tempo, recentemente se reunindo incansavelmente com muitos de nós aqui na luta pela criação do Fundo Estadual de Arte e Cultura. Se hoje jovens aspirantes a artistas encontram na profissão condições um pouco mais fáceis, é porque existem artistas-cidadãos como Raul. Então, para completar, me lembrei de uma quadrinha de Brecht que, para mim, talvez seja, ele Brecht, o exemplo de artista maior, na luta política do século XX. Diz assim: Tem homens que lutam um dia e são bons. Tem homens que lutam alguns dias e são muito bons. Tem homens que lutam muitos dias e são muito, muito bons. Mas há homens que lutam a vida toda – esses são imprescindíveis. Muito obrigado Raul Cortez (aplausos). (Raul e Marcos se abraçam. Raul começa a falar.) Raul: Eu devia estar levitando com tanto elogio assim... (gritos) Antes de mais nada, queria pedir desculpas por duas coisas, se por acaso eventualmente acontecerem. Uma é o problema da voz – que ainda estou me recuperando –, a energia às vezes falha um pouco; além disso, tem o problema da idade que pesa um pouco também, em que a gente vai ficando cada vez mais emotivo. Num ator, então, fica quase uma torneira aberta com qualquer coisa que aconteça. Então, por favor, não levem em conta se por acaso isso acontecer. Porque esse encontro é uma coisa que me comove muito, é uma coisa absolutamente extraordinária e significativa para mim, não só pelo momento que estou atravessando, mas principalmente por eu poder dar um tipo de boas-vindas a todas as pessoas que estão começando o curso e aos que já o estão fazendo. Dizer o quão feliz a gente é por ter encontrado essa função e essa profissão na vida. Muito obrigado (aplausos e gritos). Nesse encontro, o que interessa muito é o pacto, que eu espero que exista. É essa troca que a gente tem que fazer, esse papo onde vocês fazem perguntas e através das perguntas a gente fica se conhecendo melhor. Vocês vão me ajudando a lembrar de coisas que às vezes esqueço. São tantas, graças a Deus; a minha história é bem comprida. Então muitas coisas, de repente, vêm à cabeça – coisas até engraçadas, que aconteceram. Mas antes – acho que eu teria de começar do início, – quer dizer, dar meu nome inteiro, quando eu nasci, etc. Eu nasci em Santo Amaro, que era uma cidadezinha do interior, agora é um bairro de São Paulo. Meu nome inteirinho é Raul Cristiano Pinheiro Machado Cortez. Como eu achei que a mídia podia ficar mais satisfeita se eu colocasse todos os nomes, então eu coloco tudo: Raul Cristiano Pinheiro Machado de Amorim Cortez. De qualquer maneira, meu nome todo é muito comprido, então eu escolhi o primeiro e o último: Raul Cortez. Mas, quando fiz meu primeiro papel em teatro – levado por Ruy Affonso – eu assinei como Cristiano Machado. Foi numa companhia alemã de amadores, um grupo muito famoso na época, o Teatro Lotte Sievers, no Teatro Glória (sic), que acho que nem tem mais hoje em dia – acho não, não tem. (aqui houve um pequeno lapso do ator. Não existiu Teatro Glória em São Paulo. Ele estreou em 24 de novembro de 1955 no Teatro Leopoldo Fróes, mais um teatro posto abaixo na cidade). E eu botei Cristiano Machado porque, naquele tempo, teatro era maldito, ter um ator na família era terrível, e assim era uma maneira de eu me esconder do meu pai. Mas quando eu decidi ficar mesmo no teatro, então eu disse: Bom, eu vou ficar, vou fazer, então tem que ser meu nome certo, e daqui em diante eu vou fazer o possível para ser autêntico em todos os momentos da minha vida. É uma coisa muito difícil, mas eu procuro que sempre aconteça. Às vezes eu faço coisas erradas, mas o problema, a necessidade da autenticidade pra mim é uma coisa vital. Então passei a ser Raul Cortez. Eu estreei no teatro, minha estréia mesmo foi no Teatro Paulista de Estudante, com o Gianfrancesco Guarnieri e com o Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha. Um grupo absolutamente extraordinário de teatro amador – e, naquela época, muito importante – que durou até o início do Teatro de Arena. Eu tive a honra e o prazer de começar com esses dois grandes atores e escritores. Portanto, a minha estréia em teatro foi no Teatro de Arena, numa peça chamada O Impetuoso Capitão Tic, de Eugène Labiche. Eu sabia que tinha um barzinho ao lado do TBC, que se chamava Nick Bar, aonde todo mundo ia. Então eu comecei a freqüentar o Nick Bar pra ver se me enturmava com alguém, pra começar a fazer teatro. Conheci um ator chamado Rubens de Falco. Nós ficamos amigos e ele me apresentou a Walmor Chagas e Ítalo Rossi, e o Ítalo resolveu me dar o papel de protagonista da peça do Labiche. As condições em que eu estreei foram inacreditáveis. Em primeiro lugar, eu nunca tinha feito nada – e era no Teatro de Arena!; em segundo lugar, era um super-herói, um supergalã. Eu era mais magro do que estou agora, como resolver isso? Então o Ítalo me encheu o tórax todo de toalhas, me enrolou, fiquei com um corpo maior. E eu estreei assim: com uma farda linda e todas aquelas toalhas enroladas no corpo. Estreei apavorado e quando entrei na arena dei de cara com a minha avó, sentada na primeira fila – foi horrível, dar logo de cara com a família –, e dei com ela rezando o terço. Achei maravilhoso. Estavam reunidos ali o sacro e o profano, já estava tudo junto. Foi assim que eu estreei. Eu fiz várias peças de teatro amador, até a hora em que fui escolhido, mediante de um teste, para ingressar no Teatro Brasileiro de Comédia, numa peça chamada Eurydice, dirigida por Gianni Ratto e protagonizada pela Cleyde Yaconis. Eu fui escolhido por causa da minha voz. Ganhei o teste por isso. O Ratto queria fazer um efeito vocal entre a voz da Cleyde e a minha. Eu lia a carta que a Eurydice deixava ao suicida Orfeu. Eu começava a ler – era comissário de polícia – e a Cleide entrava aos poucos com a voz dela, as vozes se fundiam, e sumia tudo. A carta estava dentro do bolso da capa com que eu entrava. Mas eu estava apavorado, porque era a minha estréia em teatro profissional, e eu havia largado o trabalho numa firma de importações, o segundo ano de Direito em Campinas, tudo. Desde os 17 anos eu me sustentava sozinho, trabalhando. Apesar de minha família ser rica, não aceitava dinheiro de meu pai. Mas, a partir daquele momento eu queria viver só do teatro. Foi um momento muito significativo para mim. A alegria de que eu estava possuído, fazendo aquilo que eu tinha escolhido na minha vida, também era muito grande. Eu entrei em cena com a carta no bolso da capa que eu usava e, logo ao entrar, tinha que tirá-la, mas eu estava tão nervoso que a carta ficou presa no bolso. Eu não conseguia tirar, minha mão tremia e ficou um movimento meio estranho. Eu fiquei fazendo assim (sacudindo a calça). O papel era novo e fazia muito barulho! Nunca odiei tanto um papel na minha vida. Mas finalmente consegui tirar a carta. Tentei falar, comecei a abrir a voz para ler a carta e fiquei Hum... Hum... Hum... E não saía nada, não saía voz nenhuma. Claro que quem leu a carta toda, do início ao fim, foi a Cleyde, sozinha. Essa foi a minha grande estréia. Recebi críticas más, é evidente, e não podia ser de outra maneira. Então, comecei a fazer aquilo que eu achava – e foi – importantíssimo pra mim, da maneira que eu era, claro: comecei do zero, mesmo. Eu fazia figuração, dessa figuração calada mesmo, mas havia os ensaios com os grandes atores e nesses ensaios é que eu ficava o tempo inteiro observando o que os grandes diretores daquela época davam pra eles fazerem; e o que os grandes atores reproduziam daquilo tudo que lhes era dado. Não só aprendia o que eu iria fazer, mas também o que eu queria fazer. Era um momento também de internamento, era uma coisa importantíssima a neurose, tudo isso que era exaltado. Era um movimento muito vivo nesse sentido emocional de exaltação da personalidade. Eu vi grandes atores, convivi com grandes atores, convivi com grandes diretores e isso me enriqueceu muito. Fiquei fazendo figuração durante quatro anos. Não havia meio de me darem um papel melhor. No Rio de Janeiro, quando o TBC levou para lá Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, cheguei até a passar fome. Meu salário era mínimo. Eu estava fazendo uma aparição dessas em que se entra quieto e se sai calado, e ainda por cima com a cabeça coberta, porque eu fazia um carrasco. E minha cara era muito moça, não podia aparecer. E não dizia nem uma palavra! Daí em diante aconteceram várias coisas, viajei com Cacilda Becker – uma mulher extraordinária –, fui para a Europa, e tive o prazer - não é por estar aqui ao lado da Nydia Licia – de trabalhar com ela e com Sérgio Cardoso na versão de Hamlet, no Rio de Janeiro. Sérgio me deu até um livro com dedicatória, que guardo até hoje. Foi uma coisa absolutamente extraordinária, porque é extraordinário quando você vê um colega de grande talento trabalhar ou fazer uma grande criação artística; isso até hoje me dá sempre um prazer enorme. Mesmo se eu, pessoalmente, tenho problemas com esse ator – isso não acontece sempre (risos) –, eu consigo separar uma coisa da outra, porque o prazer de ver um trabalho assim é extraordinário. E eu digo isso como ator, como é minha preferência do teatro a que sempre me dediquei. Aí eu fiz essas viagens até o momento em que eu desisti de fazer teatro. Me sentia rejeitado por problemas com a classe – hoje eu me sinto culpado por ter tido um comportamento excessivo para a minha época; enfim, não se sabe nunca o que acontece, mas eu me sentia completamente rejeitado pela classe teatral. Achava que não era ator também, que esse era um privilégio que eu não merecia. Então resolvi ir embora, sair do teatro. Mas antes aceitei um convite de um grupo amador para ir a Santos, fazer no Hotel Atlântico uma peça chamada Inimigos Íntimos, de Barillet e Grédy, que havia sido feita anteriormente no TBC com a Cacilda Becker e o Maurício Barroso, eu acho. Bem, eu fui pra lá disposto a não fazer mais nada. Até que eu conheci uma pessoa, uma senhora a quem eu devo muito, que me fez voltar para o teatro. Me fez entrar numa análise fantástica. Eu acredito em terapia – desculpe-me quem não acreditar, mas eu acredito, é uma coisa que para mim foi extraordinária. E aí o Antunes Filho me procurou: Raul, estou fazendo tudo para você voltar para o teatro, eu estou no TBC para fazer Yerma, do Garcia Lorca, e as pessoas não estão querendo você. E você resolve não vir, justamente agora que eu vim te convidar e te buscar? Isso mexeu comigo: Como é que é? Ninguém está me querendo lá? Ninguém? Pois agora eu vou (risos). Fui lá, fiz Yerma, graças a Deus ganhei o meu primeiro prêmio e comecei a seguir o meu caminho, que me foi dado, de verdade, pelo José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina, com a peça de Gorki, Pequenos Burgueses. Aí eu ganhei os prêmios todos. Fui apontado como um grande ator e recebi as primeiras louvações, essa coisa toda gostosa que, quando acontece, a gente saboreia demais e se acha até maravilhoso. Mas foi muito bom, foi aí que tudo começou. E eu fiz muito teatro, muito cinema, muita novela e estou aqui depois de todo esse tempo. Foi mais ou menos por aí. Então, acho que vamos começar a trocar umas idéias, trocar idéias e bater um papo. Seria legal. (Os alunos do Teatro Escola Célia Helena passam a fazer perguntas) Qual a diferença de atuar no teatro e no cinema. A diferença, o fato de você estar numa tela enorme? Qual a diferença pra você? Raul: Em primeiro lugar, eu acho que só o fato de você atuar já é alguma coisa. Então, o tipo de ação que você tem que desenvolver (é claro que cinema é uma coisa, televisão é outra): é menos, tudo é menos, no cinema. Eu não tenho tanta experiência assim para falar de cinema, mas no cinema que eu fiz até agora e o que estou fazendo, eu acho que o importante é você trazer tua alma no olho. Não é só pensar como personagem – você faz isso em teatro, ou até na televisão, porque lhe é dado tempo para isso –, mas é principalmente estar num estado de relax, num estado de repouso tão grande, com tanta integração com o universo em que você está atuando, que todas as possibilidades, as dificuldades de concentração são superadas. Porque o cinema é difícil: você passa lá o dia inteiro, mas só o fato de você estar à disposição já ajuda muito. Então, eu acho que você traz a tua alma no olho quando você faz cinema. Mas nada é mais difícil, nada é mais extraordinário do que o teatro. No teatro é você... É você e os outros. É tudo tão lindo no teatro, é tão inexplicável, é tão misterioso, você troca energia com as pessoas. Ele cria esse oito (símbolo do infinito) maravilhoso, que vai, que volta para você, você devolve, o tempo inteiro da peça é assim. Se você faz o protagonista – se tem a sorte de fazer –, com o tempo você vai observando que o espetáculo fica na ponta dos dedos. Você sente, você sente teus colegas, se estão inseguros para trabalhar, ou se, aquela noite, estão totalmente desvinculados do trabalho. Eu sinto certa responsabilidade, eu desejo trazer esse ator, esse colega, para dentro da peça, então muitas vezes eu fui até acusado, injustamente, de provocá-lo – às vezes eu sei uma coisa pessoal, eu posso dizer numa fala aquilo que eu sei, que ele quer esconder –, pra provocar uma reação. Daí ele entra com tudo – às vezes me xingando muito depois –, mas ali ele passa a atuar, por que teatro não é funcionalismo público, não. Cada noite é uma noite, cada noite há uma energia diferente, na noite esse mistério está acontecendo, por que é um mistério! Como é que eu vou explicar o que estou sentindo se eu estou aqui e sinto que tem alguma coisa ali? Uma energia negativa que eu sei como neutralizar; como é que posso saber disso? Como é que eu vou saber que tipo de público eu vou ter na hora em que a cortina abrir? Ou, então, como aconteceu muitas vezes em Rasga Coração, com a cortina fechada, eu dizia para a Sônia Guedes: Hoje o público está assim. Com a cortina fechada, mas eu sentia como estava. Como é que você explica isso? É difícil, não? Então, quanto mais tempo de teatro você tiver, mais você vai saboreando esse outro lado – eu acho extraordinário essa coisa misteriosa que tem. E a televisão? Na televisão, você nunca tem tempo para nada, mal tem tempo para se preparar; às vezes, mal tem tempo para decorar, e há a obrigação de ser natural, não é? Se você é um ator, tem talento, então essa naturalidade é uma coisa legal. Agora, se você simplesmente é um produto, então pode ser tão ridículo! Não é? Não é nada, qualquer um pode ser! Com uma boa imagem, qualquer um pode parecer ator, mas não é mesmo, porque não passa de um produto. Está ali agora, daqui a pouco não existe mais. Eu não gosto quando encontro atores que vêm me procurar porque querem usar o teatro para chegar à televisão, só para isso. Realmente eu não tenho consideração nenhuma por eles, nenhuma vontade de dar conselhos. Eu não posso levar em consideração uma pessoa dessas, porque um artista é um artista, um artista é uma coisa muito importante, é única, não é? Eu tenho umas coisas que separei aqui, que me identificam muito, se vocês me permitem eu gostaria de ler (levanta-se e pega a pasta). É uma coisa que eu também trouxe, que tem tudo a ver. Se calhar, se interessar, é sobre um trabalho que eu estou querendo fazer. São uns textos que eu já colhi para colocar nesse espetáculo. Como vai ser, não vou dizer agora. Mas tem – preciso pegar os óculos –, tem isto aqui que eu encontrei e que a Tita até me ajudou a bater hoje, que eu achei muito, muito interessante. É justamente aquilo que eu acho que um artista, um ator, deve ser. Eu acho que tem, às vezes, um momento muito especial da vida da gente em que precisamos estar preparados para perceber aquilo que está acontecendo e usá-lo. Às vezes está acontecendo aí do seu lado e você não percebe e está deixando escapar. Mas tem certos momentos em que você está mais capacitado a pegar isso. E eu estava preocupado, não só com esse espetáculo que vou fazer, mas também com a palestra que eu ia dar. E, de repente, me caiu nas mãos um livro do poeta Arthur Rimbaud, que encontrei há muitos anos – que nem tem mais, eu procurei, não existe mais –, marcado já por mim, que diz o seguinte – só que em vez de poeta, pensem ator, certo?: Afirmo que é preciso ser vidente, fazer-se vidente. O poeta (ator) se fez vidente por meio de um longo, imenso, irracional desregramento de todos os sentidos. De todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura, buscar em si, esgotar em si mesmo todos os venenos, a fim de só reter a quintessência, inefável tortura para qual se necessita toda fé, toda dor sobre-humana pela qual o poeta (ator) se torna o grande enfermo, o grande criminoso, o grande maldito e o sabedor supremo, pois alcança o insabido. Logo o poeta (ator) é o verdadeiro roubador de fogo, responde pela humanidade, até pelos animais. Deveria fazer com que suas intenções fossem cheiradas, ouvidas, palpadas. Se o que transmite no fundo possui forma, dá-lhe a forma, se é informe, deixe-o informe. Achar uma língua, afinal, em que toda a palavra é a idéia, a linguagem universal que há de chegar um dia. Essa língua será da alma pra alma, resumirá tudo: o perfume, seres, sons, pensamento que se engata ao pensamento e o puxa para fora. O poeta (ator) seria um ditador da quantidade de desconhecido, despertada em seu tempo na alma universal. Daria mais à fórmula de seu pensamento, a anotação de seu avanço no futuro. Enormidade se fazendo norma, absorvida por todos, ele seria verdadeiramente um multiplicador de progresso. Por isso é que eu sempre achei que o teatro é importante, pelo menos o teatro que eu fiz e procuro fazer e acho que, raríssimas vezes, aconteceu de eu não poder fazer. Ele é um agente transformador, ele transforma, ele contribui a várias coisas de mais excelência, responde a tantas perguntas, pode questionar, a ponto de você ficar tão perturbado que necessite de respostas. Então eu acho que esse ator tem que ser modificador. Acho isso importantíssimo. Por isso que eu acho que o teatro ainda bate em cheio a televisão. Até onde um ator pode ser um ativista político e trazer idéias novas? Eu queria ver mais disso nas peças. A gente fica aí com essa poluição, esse calor bárbaro, e nenhum país resolve fazer nada, e aí chega o apocalipse e não vai existir mais ninguém. Até que ponto o ator pode fazer alguma coisa sobre isso? Raul: Em primeiro lugar, o problema é da humanidade inteira. Eu acho que aqui no Brasil a gente está passando por um longo tempo de mediocridade, de salve-se-quem-puder, no sentido de você conseguir pensar, raciocinar de outra forma. Mas, sem ter um pouco de cultura – porque o esvaziamento é absurdo, é total –, a mediocridade bate à tua porta a toda hora, a todo instante, então temos de ser realmente lutadores. Agora, é a tal história: sempre foi assim, você tem de contribuir com a sua parte. Mas o problema é que ninguém questiona mais nada hoje em dia, e eu gostaria de ver peças questionarem as coisas. Raul: Mas existe um teatro que é assim. Existem grupos a que você pode se filiar e que são assim, ainda respondem assim. Houve um momento em que o teatro era político por excelência, isso foi se perdendo por conta da telenovela e de uma série de outras coisas. Mas hoje em dia, acho que você encontra – eu acho mais ainda, acho que, por exemplo, existe uma dificuldade muito grande para quem começa na profissão; você não vai encontrar campo, é muito competitivo. Mas você tem que se juntar a essas pessoas. Não precisa de um cenário, de uma sala, não precisa de móveis, de nada, você pode fazer uma peça acontecer só com duas ou três pessoas e quem estiver sentado, olhando. Você precisa de gente que compartilhe de uma idéia, de um pensamento, que crie uma comunhão tão grande que esse grupo que você formar te dê uma expressão maior. O resto tem que vir, tudo virá. Então, em vez de ficar se desesperando, como eu vejo muitos jovens atores que me procuram, se queixando que não tem espaço, que não tem isso, não tem aquilo – eu acho que tem –, vai ter que entrar numa competição muito grande. Até para participar de um comercial – pôxa –, para ganhar um dinheirinho, tem que apelar para tanta coisa, não é? Unam-se! Naquela época, em que não havia tanta competição, os grandes grupos começaram assim, o Oficina começou assim, o Arena também. Então, sem isso... Não vai acontecer. Agora, há muito espaço hoje em dia que precisa ser cultivado. Talvez seja esse o problema: o excesso de individualismo. O que te atrai numa peça hoje; como ator, o que te atrai? Raul: Depende muito do universo de que trata a peça, de quem vai dirigir e do personagem, claro. Se é protagonista – mas nem precisa ser protagonista. Depende do papel também, não é? Sem isso não tem magia. Qual personagem você acha que te falta fazer? Raul: Eu acho que alguma coisa meio louca, um desafio que seja quase um personagem abstrato, por exemplo. Eu acho incrível, me estimula muito, me estimula demais, demais, aí você consegue atingir outros níveis. Eu gostaria muito, por exemplo, de fazer Hamlet. Acharia incrível, mas representar Hamlet com a minha idade é uma coisa absurda. Porém, fazer uma leitura do Hamlet, um homem de 70 e lá, lá, lá (risos), uma leitura é completamente inédito. Trata-se de uma personagem de uma atualidade absolutamente extraordinária. Ele é representado por gente jovem, é claro, porque ele é jovem, mas essa maturidade toda que tem a personagem, pôxa, podia ser uma coisa interessante. Uma vez, em Roma, eu fui ver um espetáculo lá no Vaticano – não sei se ainda fazem – às 16 horas de um domingo. É todo feito por grandes atores – nem grandes atores, grandes figurantes daquela época, pessoas com 80, 90 anos. É toda uma tradição que vem de muitos anos, de séculos quase. Então, se reúnem às 4 horas de todo sábado ou domingo, para representar Romeu e Julieta, Hamlet, como se tivessem, de fato, 17 anos. É uma coisa absolutamente incrível, é maravilhoso. Adorei ter visto isso... É um pouco patético, até inconcebível, mas ao mesmo tempo tão pungente e muito bonito. Você falou de uma situação sua, não é, que você tinha desistido, não se sentia ainda ator, sentia frio na barriga, ia desistir. Mas eu queria saber quando você se sentiu ator? Raul: Eu acho que eu me senti ator desde que nasci, acho que sim. Não me lembro de ter brincado de outra coisa na minha juventude. Foi um tempo em que eu também tinha uma solidão maravilhosa na minha vida. Eu morava numa casa grande, com quintal grande, eu ia no fundo do fundo do quintal, onde guardava as minhas coisas e ficava lá, recortando as figurinhas dos gibis. Tinha muito caco, tijolo e pedra e construía verdadeiras cidades e colocava nelas toda aquela gente recortada. E trabalhava, criava situações. Eu colocava tudo na Segunda Guerra e, claro, tudo terminava em bombardeio. Eu não sabia, mas já estava fazendo teatro. Eu tinha uma grande irmã, grande amiga, Regina, quase da minha idade, e eu a proibia de ir ao cinema porque eu fazia questão de ir, voltar e contar o filme inteiro para ela – afinal, um ator é um contador de histórias –, e eu reproduzia cena por cena. Ela foi a minha primeira platéia, sentava, ouvia, participava, a gente ria muito. Eu queria encenar tudo. Sempre fui assim. Mas daí até você dizer: tem talento, você tem que ficar, o teu lugar é aí, há uma distância muito grande. Essa resposta demorou muito pra chegar, demorou muito tempo mesmo. Acho que eu realmente acreditei só quando descobri porque era importante fazer teatro. Foi com José Celso que descobri a importância de você transformar as pessoas, qual o peso do teatro político e social no momento em que você leva uma peça – bem feita, é claro – como foi o caso de Pequenos Burgueses. E o sucesso foi muito grande, por isso foi importante. Foi aí que eu tive essa resposta. Mas isso não quer dizer que eu esteja seguro, até hoje existe insegurança e, pra mim, essa insegurança faz parte. O artista que se sente seguro, que está sentado, acomodado, parece que ele não vai ter mais desafio pela frente, não vai se propor altos pulos ou tentar coisa diferente. Isso vai acontecer sempre, esse frio na barriga de que você fala. Agora passou, mas sempre dá. Eu gostaria que você falasse de algum trabalho que você amou fazer e não queria que acabasse, e por quê? E também de um trabalho que você não via a hora que acabasse, e por quê? Boa noite, Raul, eu queria te perguntar... Você falou, no começo, de sua estréia e então, logo em seguida, você começou a observar os grandes atores, os grandes mestres. A partir daí como é que foi o seu processo de criação de personagem até hoje? E se ator, realmente, tem que sofrer? Completando a pergunta, você chegou a fazer uma bicha louca em A Gaiola das Loucas, não foi? Raul: Na Gaiola, não. Pode ser em outro lugar, mas na Gaiola, não. (risos) Eu só queria saber se você fez laboratório para interpretar esse papel? Raul: Eu só quero que o pessoal aí de cima da arquibancada dê um grito se, por acaso, o microfone, quando eu estiver falando, for audível ou não. Se SIM, vocês gritam. Se ficarem quietos...(gritos) Obrigado, hein, obrigado. Tem umas três perguntas diferentes, eu vou começar pela última, que é a das bichas. Eu não fiz A Gaiola das Loucas, eu fiz várias bichas, foram, parece, três. A primeira foi nos Rapazes da Banda, que era uma bicha meio... meio constrangida, saindo do armário, não é, tinha problemas. Foi ótima, diziam coisas maravilhosas da peça. Em cada peça que eu faço acontecem coisas incríveis de coxia, de bastidor, então é sempre muito divertido. Depois eu fiz outra – o que é que era? – Os Monstros, de Denoy de Oliveira, que era um happening. Na verdade, ninguém sabia o que é que era um happening. Foi o Jerôme Savary que veio de Paris para o Teatro Ruth Escobar e montou esse texto, que era a história dos monstros brasileiros dominados pelos estrangeiros. Eu fazia uma bicha reles, chamada Fantoche, sem importância nenhuma, que virava uma bicha fantástica após ser mordida pelo Drácula – era uma bicha vampira. Mas isso aí, na verdade, é a história das multinacionais que estavam entrando no Brasil na época. Até que os militares proibiram a peça e nós tínhamos que trabalhar com uma placa na bilheteria, dizendo que a peça era considerada pornográfica. Imaginem o que seria se vissem o teatro que se faz hoje em dia! Naquela época tinha a Marcha da Família Cristã, o movimento de estudantes, aquela coisa toda. Então as pessoas fugiam disso, e a Ruth Escobar teve um prejuízo muito grande. Eu disse: Ruth, passa a peça para nós – porque a gente também estava sem receber, não é? – que a gente levanta o público. Ela deu a peça para nós, atores, e fomos todos para a Praça da República, lá para a feira hippie, vender ingressos para quem passasse e para os hippies também. Então eu lembro que, no último dia, foi num domingo, a peça começou às 7 horas da noite, às 10 não tinha acabado, e se tentávamos parar a peça, todo mundo dizia os piores palavrões. Todo mundo puxando fumo adoidado, então o espetáculo não tinha jeito de parar. A Ruth estava apavorada; ela falou: Pelo amor de Deus, vamos fechar isso que a polícia vem aí!, e dispensou o público, se não ninguém sairia. Tem um caso muito engraçado – que a Ruth não fique sabendo, hein! –, a produção era muito pobre, no início, por isso eu pedi à Rhodia que me emprestasse algumas peças da coleção deles. E a Rhodia acabou me vestindo com roupas incríveis, eu tinha até um maiô que era da Josephine Baker, com bananas, que eu gostava muito. E tinha uma peruca – usava peruca na época – à la Hebe Camargo. A minha era incrível, cabelo liso, maravilhoso, e a peruca ficava lá, no camarim. Quando acabou a peça eu fui até o camarim, não tinha peruca nenhuma. Tinha desaparecido. Eu teria que pagar uma nota se ela não aparecesse. Fui, sem a Ruth saber, na casa dela, encontrei a peruca num armário, peguei-a escondido e a trouxe de volta. (risos) Ela não ficou sabendo dessa história. Não vão contar pra ela, tá! (risos) Essa foi uma das bichas. A terceira, e também a que eu mais gostei de ter feito, foi com Zé Celso: As Boas, uma adaptação de As Criadas, de Jean Genet. Foi uma criação absolutamente fantástica. Foi o Zé Celso que mandou eu fazer a patroa, a Madame. As outras duas eram ele e Marcelo, que faziam as criadas. Mas como chegar e fazer uma personagem despótica e repressiva? Tudo isso ia ficar só um clichê, mais nada, não é? Então nós começamos a criar várias personagens femininas que, no final, se tornassem uma só; usamos desde a Marília Gabriela, Ruth Escobar, Marlene Dietrich, Rita Hayworth, Vivien Leigh, cada uma no seu momento, e quando acabou ficou de uma personalidade absolutamente fantástica, que não era uma bicha, era uma mulher. Eu ficava me maquiando durante uma hora e meia, aprendi até a fazer isso! Foi muito engraçado, porque eu tinha que me portar como mulher mesmo. Fazer um travesti não interessava, ia ficar uma coisa muito pobre, na minha opinião, e na do Zé também. Então tinha que procurar ser uma mulher – e de salto alto!, tinha de usar um salto enorme. Eu descobri, se alguma mulher tiver o pé grande, saiba que lá em Moema tem uma sapataria chamada Pé Grande, que vai até o tamanho 44. Eu comprei lá uma sandália com salto 10, e pra andar ficava todo desequilibrando. Então, quando eu sentava, meu pé ia lá pra cima. A camareira, Ruth, que estava no teatro, me falou: Tá tudo errado, o senhor não sabe andar, o senhor não sabe sentar, mulher não faz isso. O senhor vai, desfila por aí, e eu vou lhe ensinar a desfilar. Vou ensinar a sentar numa cadeira, como é que põe a perna... Quer dizer, ela me ensinou tudo isso e ficou muito engraçado. E eu aprendi até a correr, e andava, e fazia uma porção de coisas, com salto e tudo. Aí eu comecei a sacar que mulher é uma coisa muito estranha... (risos) Que não adianta, porque quando você vai encontrar com uma mulher numa festa, numa grande festa, é bobagem, porque ela não vai estar lá, lá estará uma grande produção, ela não. (risos) Ela se produz inteira. É tão inconfortável, é tão terrível que, quando acaba, ela criou uma personagem, e ela vai iludir você, porque se acontecer alguma coisa inesperada, ela pode cair da personagem e não vai ficar bem. É uma coisa inacreditável! Pena, que judiação! Deve ser terrível, não? Então foi bom, muito bom ter feito, aprendi muita coisa. (a uma aluna) A sua pergunta? Qual o seu processo de criação da personagem? Ator tem que sofrer? Raul: Ator não tem que sofrer, sofrimento é horrível, não é? Eu acho também que você fazer uma histeria em cena, não leva a nada. O legal é você fazer uma histeria e combinar esse sofrimento, saber levar essa emoção sofrida para esse setor. Tem de ser dono da emoção, sofrer eu acho péssimo em qualquer nível. Também esforço fica uma força jogada fora, não? O processo de criação de uma personagem, cada um tem que descobrir o seu, o seu meio, não é? É como decorar o texto, como estudar o personagem. São formas, são maneiras diferentes; eu tenho a minha e os outros colegas, cada um tem a sua. Uma das coisas mais importantes foi me dada quando eu fiz O Balcão, de Jean Genet, com a direção de Victor Garcia. É uma coisa que eu herdei do Victor Garcia que era um gênio, um gênio realmente, mas de difícil entendimento. Absolutamente incrível. A peça também, por si, era meio difícil, eu não estava compreendendo nada. E ele me disse: Por que você não usa cor? Cor? É, porque você não usa cor? E pronto, comecei a usar, porque eu conclui que devia mesmo usar cor, e uso até hoje, até para televisão. Eu acho que cada cena tem uma cor. Eu divido meu personagem racionalmente, com a cor do personagem, conforme o que está acontecendo, então tal cor para isso, vai amarelo para um, laranja para outro. Isso não só me ajuda a decorar, como principalmente me ajuda a tentear os canais da emoção que conduz, no final, à leitura da personagem. Isso é uma coisa que eu uso. Qual o trabalho que você mais gostou de fazer? Raul: Acho que tem vários papéis que eu gostei muito de fazer. Hoje em dia eu percebo que os papéis que eu mais gostei de fazer foram papéis de peças brasileiras. Gostei muito de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de João Guimarães Rosa. Foi um acontecimento absolutamente maravilhoso na minha vida. Rasga Coração, de Oduvaldo Viana Filho, foi outro também. E toda vez em que surge um autor nacional, para mim é um fator de muita alegria, porque é uma identificação brutal que se estabelece com a obra. Se você me perguntasse há pouco, eu diria que era Rasga Coração, mas agora é A Hora e a Vez de Augusto Matraga. Eu mexi nesse material há pouco tempo e vi como, no mundo, a gente é infeliz, não é? Digo isso porque eu tive que largar o Matraga. Eu tinha dado minha palavra de honra para um empresário, que nem existe mais, para fazer uma peça dele chamada Drácula. Então eu larguei o Matraga para fazer o Drácula, que é uma coisa absurda. Eu não me perdôo até hoje. Por isso que estou dizendo para você que o Matraga é tão presente; foi tão bonito o espetáculo que o Antunes fez. O que eu não gostei? Que eu não gostei... Tenho duas que eu não gostei – três, três que eu não gostei. Pra uma pessoa que fez não sei quantas peças, três não é nada, não é? Uma foi do Edgard da Rocha Miranda, O Estranho, uma bobagem muito, muito grande... De um autor muito, muito chato – desculpe Nydia, se ele é seu amigo, que é do nosso tempo, era no TBC –, mas ele era muito cacete, muito pedante e a peça era muito chata. Eu fiz com o (Paulo César) Peréio, um grande ator, que eu adoro; tenho uma consideração, uma estima extraordinária por ele. Aí teve uma – eu tenho que bater na madeira para falar o nome dela –, era Júlio César, de Shakespeare. Tem toda uma história para falar sobre a peça. A tradução era do Carlos Lacerda, produzida pela Ruth Escobar, e o cartaz era assim: Shakespeare-Lacerda (risos). Como medalhões romanos tinha: Glória Menezes, Lélia Abramo, eu, Aracy Balabanian, tinha Jardel Filho, Juca de Oliveira, tinha o Tatá, Luís Gustavo, e – quem mais? – Emílio de Biasi, Renato Consorte, tinha grandes atores, absolutamente fantástico. Maria Bonomi fazia o figurino. De repente, não sei o que aconteceu, os atores passaram a deliberar sobre os figurinos. O Jardel queria todo branco, parecia um toldo. Aí eu falei: Se ele está de branco eu quero um amarelo gema, pra chamar a atenção, já que cada ator estava usando uma cor diferente. E aí já estava tudo errado. Para o Emílio arranjaram um figurino onde ele ficou parecido com a jogadora de tênis, Maria Ester Bueno. Ele, todo másculo, com aquelas perninhas de fora, era absolutamente ridículo. Eu resolvi fazer o personagem de um jeito que ninguém havia feito antes, imagina só. Acontece que Cássio, o meu personagem, era jovem e gracioso e eu já estava careca, então resolvi que tinha de usar uma peruca. Antes disso, veio o Sadi Cabral, que fazia o Júlio César, me procurar e disse: Raul, o Antunes quer que eu fique nu, de bunda de fora dentro do caixão; (risos) o problema não é estar dentro do caixão, o problema é saber se a minha bunda, na minha idade, como é que fica (risos). E eu falei: Sadi, vá até o camarim tire a roupa e me chame, que eu vou dar uma olhada (risos). Fui lá e disse: Sadi, vai em frente, que sua bunda ainda agüenta close (risos). Então, pra surpresa minha, na estréia, eu entrei no camarim do Sadi e ele estava lá, deitado de bunda para cima nas cadeiras e o Leontij Timochenko, que fazia a maquiagem dos atores, maquiando a bunda do Sadi (risos) toda de cor de rosa. Aí estava tudo preparado, o Sadi com a bunda rosa, o Jardel todo de branco, eu de amarelo, tudo pronto: um grande espetáculo. A platéia lotada com o melhor, o top do top social, político e financeiro. O que existia de melhor em São Paulo na época, a Ruth Escobar colocou dentro do Teatro Municipal. E começou a peça. Quando entrei em cena, eu senti que não ia dar certo. Eu estava de costas para a platéia, o Renato Consorte me olhando de frente, na escadaria enorme, e eu falei assim: Renato, a peruca não deu certo, (risos) isso aqui vai ser uma merda. E ele me respondeu: Imagina! O público está todo aí, pára de falar. Mas eu senti que ia ser uma merda (risos). Bem, foi indo assim, de desastre em desastre. Mas quando abriram o caixão e botaram a bunda do Sadi na frente, aí o público não agüentou, deram aquele Oh! e caíram na gargalhada e numa grande vaia. Começou a ser vaiado, foi a primeira vez que eu vi um espetáculo ser vaiado – e a gente trabalhando nele. Então, quando eu apareci e o Tatá me viu – era eu de um lado, o Juca de Oliveira do outro, era uma cena de espada verbal –, quando o Tatá me viu de peruca, começou a rir que não parava mais. (risos) Não conseguia falar; olha, a história foi um desastre. Aí teve ainda um problema com o protagonista: o fantasma de César tinha de subir umas escadas, o Sadi tropeçou, levou um tombo e quebrou a clavícula. Bem, já no dia seguinte não tinha mais Júlio César, precisou de um substituto. Tínhamos que estrear no Rio de Janeiro. Lá no palco tinha um alçapão, o substituto não viu, levou um tombo... E quebrou a clavícula. É essa coisa, essa maldição do papel que acompanha um personagem. Essa foi talvez a peça mais terrível, mas sempre tem um histórico engraçado que me acompanha. Ah, e tem mais, o Antunes queria receber, e a Ruth não queria pagar, de jeito nenhum, pois o prejuízo para ela foi enorme. Mas ele foi lá na Rua dos Ingleses receber, e a Ruth pegou uma máquina de escrever e saiu correndo atrás dele (risos). Qual era mesmo a pergunta? Lígia: O que você faz para se concentrar antes de entrar em cena? Raul: Bem, é aquilo que disse, cada um tem sua maneira de fazer o personagem, sua maneira de se concentrar. Eu não sei, em primeiro lugar eu tenho que me colocar em sintonia. Eu fazia uma coisa totalmente intuitiva, inconsciente, eu não sabia começar um ensaio sem dar voltas, círculos, andava sempre fazendo círculo, círculo, aquilo ia apertando, apertando, apertando, até que eu estivesse colocado no meio. No meio, eu estava pronto para começar o ensaio, pronto para começar uma peça. Eu acho que quando a peça está em cartaz você tem que chegar uma hora e meia antes – eu chego sempre uma hora e meia antes –, porque você tem que estar preparado; não é preparado pra receber o santo, mas para atuar. Você tem que jogar tua emoção, tem que estar calmo, tem que ser dono dela; então é gostosa essa preparação. Você praticamente tem que se livrar de tudo, vestir outra roupa e vestir outras coisas. Então a concentração tem sempre que vir antes. E quando não vem de jeito nenhum, existem vários exercícios. Por exemplo, você fixar a atenção num ponto e andar, se mexer, sempre observando aquele ponto, até conseguir a necessária concentração. Agora, a inspiração, aí reza pra ela vir, porque bem preparado você tem que estar. Qual a sua opinião a respeito do talento nato? Ele existe? Se existe, você acha que o ator que não o possui, através do trabalho possa vir a ser melhor que aquele que já é bom ator naturalmente? Raul: Acho que você também tem que considerar uma coisa que eu acho importantíssima, que é o dom, o dom que te é dado e muitas vezes é dado pra um e não para outro. Esse, que não o recebeu, se trabalhar bastante, vai se tornar um bom ator, mas aquele que recebeu esse dom, esse chamado específico – o que é absolutamente extraordinário –, vai ter algo a mais, porque está escrito que deve ter. Eu acho. Em algum momento da sua carreira, você se deparou com algum personagem em que você não acreditava? Você não acreditava que o personagem ia ser engraçado, você não acreditava numa piada? Aceitou o papel dessa forma: Não acredito no personagem, mas de qualquer forma, vou fazer. E o que você tem a dizer para uma pessoa que de repente aceita um papel no teatro, numa novela, pois ela tem que encarar a oportunidade, e ela diz: Eu não acredito, não vou conseguir, não vou conseguir trabalhar em cima disso. Quero dizer, você já passou por uma situação parecida? Raul: Eu não me lembro de ter passado por situação assim. Personagem que não gosto, vou embora, não vou fazer. Mas às vezes você é enredado e, então, aí é difícil, você fica rezando para aquilo acabar logo. Eu fiz uma peça, Madame Butterfly, que foi um desastre total, porque havia uma má concepção, embora houvesse uma atuação muito boa do japonês que fazia a Madame Butterfly – era muito bonito o que ele fazia –, mas a concepção estava errada, totalmente errada, então a coisa não andava. Eu não via a hora de terminar, mas eu tinha que acabar a temporada, eram três meses e vamos lá. Você faz não é? Mas foi uma coisa difícil. Isso sempre acontece quando eu resolvo fazer teatro por dinheiro, trabalhar por dinheiro. Acabo não ganhando, é um fracasso e eu me aborreço. Aconteceu dessa vez e mais umas duas, eu acho. E acontece o contrário quando eu acho que vou perder dinheiro, numa peça que é feita somente com fé, como foi o Rei Lear (onde atores importantíssimos diziam pra mim: Não faça, isso é uma loucura. E eu respondia: Todo mundo tem o direito de ser audacioso). De fato era uma loucura: 40 pessoas em cena, mas nós tivemos casa lotada durante um ano e meio, e nunca, nunca houve um problema de coxia, de relacionamento meu com eles ou entre eles. Foi realmente um momento incrível, e eu consegui até ganhar dinheiro. Quando se resolve fazer por dinheiro parece, como dizia Flávio Rangel, que os deuses do teatro não perdoam. Fique rindo deles e eles te castigam: não dá certo, você perde dinheiro e se aborrece profundamente. Como você vê a crítica de teatro no Brasil? (risos) Você acha que, de repente, ela pode contribuir para que as salas estejam cada vez mais vazias? Raul: Acho que para todo ator, todo artista, crítico de teatro no Brasil é muito, muito desagradável. Ser criticado já é desagradável, e você tem que saber receber muito bem. Havia um momento no teatro, muito feliz pra nós, quando existia o Décio de Almeida Prado, um grande crítico; quando o Sábato Magaldi ainda escrevia crítica; quando existia no Rio de Janeiro o Ian Michalski; como tem agora a Mariângela Alves de Lima. São nomes que você tem que citar porque são referências do que seja uma boa crítica, e eu tenho que dizer isso. Eu não posso acreditar em outros críticos, que baseiam suas críticas na simpatia por determinados movimentos, por momentos, por determinados grupos, então acham que politicamente tem que elogiar um grupo que faz uma má encenação, que politicamente interessa no momento. E não criticam alguns atores porque são medalhões. E um teatrão, mesmo quando é um grande teatrão, para favorecer um teatrinho que não tem a menor expressão. Não acho bom exaltar, enaltecer essa gente. Não é só criticar e dizer que não gostou; tem que dizer porque não gostou. Eu só posso dizer é bom crítico se o que ele elogia e porque elogia é também legal. Mas tem que ser uma crítica construtiva. Antes era isso. Existia consciência de que estava se fazendo teatro, se criando um teatro. Agora, eles deviam ter uma consciência maior, pois é uma luta muito grande para se levar uma peça em cena – seja com quem for –, e cada momento desses está contribuindo para melhorar o estado cultural baixo que existe neste país hoje em dia. É preciso ter essa consciência, que parece, muitas vezes, que eles não têm. Isso me deixa, me deixa muito... Puto mesmo. Eu acabei de me formar agora com o Marco Antônio, e há algum tempo ele disse que a nossa profissão era mais um ofício. Pra você está muito claro, porque para você é um ofício. Mas para mim, eu ainda caio na ilusão de que vai dar certo. Também não consigo trabalhar, sabe, com tanta coisa diferente, com pessoas com sonhos diferentes e quando, quando está tudo uma zona, quando está tudo uma merda, o que eu faço para que tudo aconteça? Estou ficando louca. Não estou entendendo o que está acontecendo, porque parece que eu vou rebolar no meio do nada. E vejo você, com tantos anos de carreira, fazendo uma peça de Mário Bortolotto... Pôxa, eu estou reclamando da minha vida, não é? (risos) Raul: Você disse algo muito importante. Você disse louca? Loucura é uma coisa extraordinária, tem de ser cultivada, aos poucos (risos e aplausos). Ser pessoa igual às outras, realmente não vai te trazer nada. Essa cor, isso tudo, essa coisa extraordinária, só os loucos é que fazem. São os criadores. Isso vai existir sempre, desde que você obedeça à sua vocação. Eu ter feito Mário Bortolotto? Fiz porque tenho muita admiração por ele, eu escolhi porque gostava. Eu esperava que a peça fosse diferente, não como encenação ou direção, mas como maneira de história. Eu tinha escolhido um ator parecido comigo porque eu via uma continuação da peça, que não foi escrita – parece que um dos diretores não topou. Para mim, ficou uma coisa inacabada, uma coisa que eu jamais poderia fazer, porque tem uma maneira de ser, de estar em cena que não é a minha. Mas eu tenho uma grande admiração por ele, e essa audácia de ter feito, de ter me envolvido, eu acho legal, acho bom. Deu certo ou não deu certo, acho que só o ter me desafiado já foi legal. Acho que se a proposta é boa, tem que encarar e ir em frente. Num curso de 6 termos (6 semestres), o que é que você acha essencial para ser estudado com o auxílio de uma equipe de professores? Raul: Não sei... Acho que vocês estão aqui para serem atores. Como vai ser feito, é a escola, são os professores que vão decidir. Não seria eu, porque não sou professor... Ainda. Futuramente, talvez eu faça alguma coisa aqui. Agora, não estou preparado para dizer: Tem que ser assim, deve ser assim... Não, isso não. A gente aqui tem 0 anos de carreira, e você tem 50. Então, na sua formação, o que você indicaria para nós? Raul: Ué, quebra a cara, vai fazendo... (risos e aplausos). Como eu fiz; comecei, não fiz escola. Eu fui lá no TBC, passei quatro anos fazendo figuração – que é o tempo do curso que a Escola de Arte Dramática propunha – e acho que aprendi alguma coisa. Mas é ir, é ir, aí parado não dá, é ir! A proposta é esta: Vamos fazer! Se não estou certo, mudo de lado. Quando você não está bem de um lado, vai para outro. É isso aí, a vida é essa. Você já fez uma personagem e, no meio do caminho, achou que tinha que mudar. Já surgiu alguma coisa assim? Raul: Você quer dizer, fazer uma personagem e mudar a linha no meio dos ensaios, é isso? (concordam) Não. Antes de começar a fazer, você tem que ter sintonia total com o diretor. Se não estiver em sintonia, saia da peça, porque não vai acontecer. Você não pode torcer uma direção, o universo, da maneira que você quer e de uma forma totalmente individualista, longe do que está sendo proposto em cena. É bobagem. No seu sentimento, às vezes em função da personagem, você não pensa: Olha, eu não poderia ter feito diferente? Ou não? Você começa numa linha e vai até o fim? Raul: Você escolhe o personagem, não é? Não existe uma linha só para o personagem, existem nuances, tantas sutilezas, mas o principal está ali proposto, está te convidando. Não vou mudar, de repente, de linha; tem um universo todo para estabelecer com os atores. Como eu posso mudar de repente, só de estalo? Não existe. Eu não posso fazer isso. Não me cabe fazer isso. Não me ocorre fazer isso. Eu estou direcionado, estou objetivado para dizer alguma coisa com o meu trabalho, se eu vou dizer outra coisa totalmente diferente, então eu não deveria estar lá, vou embora. Não existe isso! Eu conheço uma pessoa que faz isso e não consegue nada, é totalmente louco, é um caminho tão isolado, tão só, que não dá certo, nunca deu certo, nunca foi feliz, nunca será feliz, não existe isso! O cinema brasileiro está crescendo, mas, para mim, acredito que é difícil conseguir chegar lá. Você acha que cursos de cinema no exterior facilitam nossa chegada ao cinema brasileiro, ou não há necessidade? Como foi o desafio de fazer um romance da terceira idade em Do Outro Lado da Rua, pois é um tema nada convencional? Raul: Por que não é nada convencional? (risos) O encontro de duas pessoas independe da idade. O amor não tem idade, o importante é que num momento como esse, quando há um encontro desse, você mexa com as pessoas e mexa com o preconceito delas. Eu assisti a Chuvas de Verão, feito pelo Jofre Soares e pela Miriam Pires, num cinema de bairro lá em Santo Amaro, e quando havia cena de sexo entre os dois no chão de uma cozinha, os dois pelados, o público todo caiu na gargalhada; foi terrível porque mexeu muito com eles. Então, quando houve essa cena do encontro meu com Fernanda Montenegro num motel, onde a gente teria que se despir pra acontecer aquilo, é muito desagradável realmente. Se você tem 20 anos, tira a roupa em qualquer situação, a qualquer momento você está tirando a roupa, não tem problema nenhum, mas com 60, 70, já pesa, tanto para o homem quanto para a mulher. E para uma grande atriz como ela, era um momento muito delicado também, Fernanda é por excelência muito pudica – no que ela faz muito bem. Então há um encontro delicado, mas isso não é um tabu que tenha que ser quebrado, nem nada. A história é pra ser vivenciada com delicadeza. Qual era a primeira pergunta? Ah, sim: se é importante fazer um curso no exterior? Eu acho que para o ator não. Para um diretor eu acho importante sim, porque ele vai adquirir uma técnica absolutamente extraordinária, que faz falta aqui. Eu acho que o cinema brasileiro já está acontecendo, independente de bilheteria ou de atores globais. É bem feito, com garra, talento, com peito, com o que tem. O cinema brasileiro tem que ser brasileiro, o ator brasileiro tem que ser brasileiro. Não adianta o ator ir para fora, pra quê? Vai ter que competir com tanta gente... Mas, enfim, eu acho que para diretores, para a técnica – você tem toda uma resposta internacional para técnica –, eu acho absolutamente extraordinário. (uma menina pergunta, e Lígia traduz, repetindo) Lígia: Ela quer saber o que meu pai acha dessa história do ator cantar, dançar, interpretar, do ator completo. E de um ator que trabalhou dez anos em teatro e parou durante 12 anos. E, enfim, qual é a melhor forma de retomar? Raul: Acho que o ator, hoje, tem que ser completo. A competitividade é muito grande e o teatro está de uma forma extraordinária; o musical está aí, acontecendo. O ator que canta, que dança, que atua, é muito importante. E muito prazeroso também, não é? Nem é uma obrigação, é um prazer muito grande poder fazer isso tudo. Agora, quanto aos 12 anos de retomada eu acho que é ir embora. Vá em frente. Eu acho que nesses 12 anos, você adquiriu, também, uma certa experiência, não é? E talvez isso se traduza na sua maneira de atuar. (mudando) Estou vendo aqui uma amiga minha, eu falei com ela no telefone e lembrei de um momento que eu vou contar. Quando comecei minha carreira, toda aquela coisa de competição, de querer dizer e achar que era ótimo, eu tive uma grande amiga que ia às minhas estréias e eu combinei com ela o seguinte; quando acabasse a peça era pra ela gritar: Bravo! Bravo! E eu achava ótimo, tudo bem. Daí eu fui fazer Zoo Story, A História do Zoológico, do Edward Albee. E eu, todo James Dean na cabeça, vestido de jeans, com a idade certa e entrando em cena, todo preparado para fazer o grande sucesso. Quando terminou a peça, ela sentada na primeira fila, estava muda e só aplaudiu discretamente, aí eu falei: Pôxa, a gente não tinha combinado de você gritar bravo? Ela me respondeu: Raul, não dava, foi tão ruim que eu não consegui gritar. (risos) Eu fiquei de mal durante anos. Só voltei a falar com ela faz pouco tempo. Alguma vez já te deu um branco histórico? Raul: Já. Deu um branco histórico, como você falou. E o que você fez? Raul: Eu estava fazendo Amadeus, de Peter Schaffer; eu fazia o Salieri e tinha o Mozart. Havia um momento da peça em que eu conversava com o público, como estou conversando com vocês agora, onde dizia o que eu sentia com a música do Mozart, a presença divina na música do Mozart. Era um monólogo lindíssimo e eu comecei a falar. Cortina fechada, eu sozinho no proscênio... De repente eu não sabia mais o que tinha que dizer. Foi aquela coisa: O que é que eu sou? Onde é que eu estou? Não sentia nada e não conseguia pensar em nada. Daí eu olhava para todo o público – e isso em fração de segundos –, então comecei a mexer os lábios como se estivesse balbuciando alguma coisa e toda a primeira fila se esticava (risos) para tentar ouvir. E eu tentando ganhar tempo (aplausos) para lembrar o que tinha de dizer. Foi realmente muito histórico! Com tanta escola de atores, o trabalho de ator tão difícil, tão competitivo, o que você poderia dizer para nós acreditarmos nessa profissão e para que os outros respeitem essa profissão? Porque hoje em dia qualquer um pode ser ator, mesmo sem preparo, e pode tirar a oportunidade de quem estuda e se prepara. Palavras assim de incentivo, para que as outras pessoas respeitem a nossa profissão. Raul: Eu acho a competição muito grande, então você tem de encarar isso numa boa e ir em frente realmente em tudo o que puder. Aparecer na televisão, por exemplo, porque hoje em dia tem que aparecer, mas sendo ator e não só um produto da TV. Existe o artista e o produto e você escolhe o que quer ser. Há uma diferença; os artistas ficam e os produtos são en passant. Você deve lembrar de muita gente que nem se sabe onde está hoje em dia. É muito duro mesmo, hoje é mais difícil do que nunca, mas eu não acho que seja mal vista a profissão, acho que não há respeito por parte das pessoas por causa desses produtos, dessa febre de ser celebridade. Isso realmente existe, temos é que lutar contra isso, lutar contra essa mediocridade. E você ter cada vez mais cultura, mais argumentos pra lutar e se colocar contra o que está acontecendo, se unir com pessoas que pensem como você, com sua idade e formar grupos. Eu acho que é isso que pode e deve acontecer para se ter um resultado mais feliz. Você acha que ainda há preconceito contra o ator negro ou ele está conquistando o seu espaço? Raul: Preconceito existe sim, mas não posso falar porque nunca me confrontei com isso. Eu acho uma cor linda, muito bonita, e acho que hoje em dia a televisão está abrindo espaço para eles. Vejam, as empregadas já estão sendo interpretadas por latino-americanas. Infelizmente, nos países superdesenvolvidos, como os Estados Unidos, continua havendo preconceito. E eu acho que hoje em dia, no Brasil, embora exista menos, continua existindo porque as pessoas de cor não têm a instrução que deveriam ter – e isso me incomoda muito. Eu queria saber como foi pra você participar, como ator, de todos os acontecimentos na ditadura? Raul: Isso é um capítulo enorme e que foi muito importante. Uma época muito difícil, as peças tinham de ser censuradas pouco antes da estréia. Então, produtores, atores, tinham investido todo o seu dinheiro e seu tempo naquela peça... E acabava que muitas vezes ela não era encenada. Mas havia coisas incríveis: dizem que o artista, na repressão, por incrível que pareça, infelizmente, era bem mais criativo. Não só no teatro, mas na música, na literatura, tudo foi muito mais criativo naqueles anos todos. Havia essa compensação. Muitas vezes íamos até Brasília para negociar a liberação da peça, outras vezes nós fazíamos a peça com o censor sentado na platéia com um revólver no bolso para, a qualquer coisa, atirar. Nós éramos o inimigo, e não era só porque éramos mais cultos, mas porque éramos a classe pensante da época e que modificava realmente a platéia que ia nos assistir. E a gente exercitou também a maneira de dizer. A intenção era sempre variável quando se queria dizer algo mais grave. O jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, publicava receitas de bolo, e versos de Camões, para toda a gente saber que a censura não tinha deixado publicar determinada notícia. Nós driblávamos muito, havia leituras proibidas que se faziam nas casas de amigos, ou nos teatros; alguns colegas ficavam nas esquinas para vigiar se não aparecia ninguém do Dops ou do que fosse, para avisar os que estavam ouvindo a leitura. Tudo isso acontecia. No espetáculo Roda Viva a censura acabou por prender os atores, e a Cacilda Becker, que era a grande líder da época, foi até a prisão para tirar os colegas da cadeia. Ela usava seu prestígio pra isso. Toda essa atrocidade existia ao nosso lado. Nós escondemos muita gente, teve colegas que tiveram uma participação mais ativa. Eu participei de muito comício, passeata. Havia também as peças de guerrilha contra a ditadura. É uma história muito grande, há muita coisa para ser contada e com o tempo vai se sabendo um pouco mais. Alexandre Mate: Em decorrência dessa última observação e outras coisas que foram ditas, eu tive a felicidade de vê-lo em vários espetáculos, um deles foi Rasga Coração, do Vianinha, que foi um espetáculo extremamente significativo para a história do teatro brasileiro. Num momento de contraposição direta ao regime militar, você fez o Manguari Pistolão, lembrando que, como você mesmo disse, teve a oportunidade de, em 1955, trabalhar com o Vianinha, que faleceu fazendo essa última peça dele, que é o relato de um tempo muito significativo. Você falou no balde de lágrimas que a idade traz e que a gente passa a se dar o direito de ficar emocionado. Então, como foi pra você fazer Rasga Coração, que é um texto tão importante, trazendo esse depoimento, esse relato de um tempo do Vianinha? O Manguari Pistolão representava o Vianinha e uma luta que você desenvolveu ao longo de sua carreira como ator. Então, a emoção é muito mais forte que o texto? Mais forte que a linguagem? Como dizia Carlos Drumond de Andrade: Nós trazemos conosco o sentimento do mundo. Talvez isso seja o grande diferencial para todos que estão vindo. É mais que emprestar o corpo para decorar as falas e sim tentar trazer consigo o sentimento do mundo. Alguns conseguem, outros ficam no meio do caminho porque é um peso muito grande. Raul: Esse foi um capítulo muito importante na minha vida, naquele momento absolutamente extraordinário da nossa história política. Foi com Rasga Coração que foi liberada a censura no Brasil. Estreou em Curitiba, patrocinada pelo governo do Paraná, que era governo de direita, claro. E deram essa verba para montar, até como pretexto para poder abrir a censura. Mas o que era importante, não era só o lado emocional do Vianinha, pois foi a última peça que ele escreveu, e fez isso no próprio leito de morte, mas sim a história que ele contava. A peça era a história do PC do B. O Manguari Pistolão é justamente o grande militante anônimo, e com essa militância anônima ele faz a peça transcorrer desde a infância de Manguari Pistolão até aquele momento de que a peça tratava. Havia um conflito de geração entre ele – um homem engajado – e o filho, que Manguari esperava seguisse o mesmo engajamento, mas que era voltado totalmente para o movimento hippie da época. Era o grande hiponga. A importância dessa peça era fundamental pela grande homenagem que fazíamos ao Vianinha. Ele era um ator consagradíssimo, respeitadíssimo. Eu o conheci, eu convivi com ele, eu tenho um respeito muito grande pelo Vianinha. Ele nunca fraquejou em nenhum momento da vida dele, nunca mudou de opinião. Foi tão radical, no bom sentido, político e de boa conduta, e foi até o final assim. Então foi feito com muita responsabilidade. E o Rasga Coração – por incrível que pareça –, dentre todos os meus colegas que exerciam a política até mais ativamente do que eu, sempre foi lido por mim. Em todas as leituras que aconteceram, sempre fui chamado para ler o Manguari. No Sindicato, no Teatro Ruth Escobar, com os colegas fiscalizando as esquinas, porque a leitura fora proibida. Quando o José Renato me convidou pra fazer essa peça foi num momento muito especial da minha vida. Eu estava fazendo Virginia Woolf, de Edward Albee, no Teatro Maison de France, com sucesso. Era uma peça americana e eu também estava entrando na Globo, fazendo a novela Água Viva, e estava esperando a chegada da minha segunda filha, Maria. Era um momento muito especial mesmo. Estava profundamente feliz, emotivo, amando uma mulher que eu gostava muito e pronto para começar a ter meu liquidificador, ter uma vida conjugal mais satisfatória. Era uma coisa muito louca, porque de dia eu fazia aquele médico famoso cercado de grandes peruas, grandes viagens, helicópteros e tal. De repente, à noite me convidavam para fazer a figura do comunista. Eu não me achava digno, não quis aceitar quando o Zé Renato me convidou. Eu dizia pra ele que havia pessoas mais poderosas e mais importantes do que eu pra fazer. Ele me perguntou: Então diga qual. Quem? Eu acho que me envolvi também, porque não lembrava de nenhuma (risos). O fato é que acabei fazendo o papel. Mas antes aconteceu algo muito bonito. Porque eu ficava pensando que eu era um homem filho de classe média – dita alta –, meu jeito, tudo, era totalmente contra o Vianinha. Claro, ele sempre me respeitou, nunca houve nada. Mas o que ele iria pensar? Eu, um burguês, fazendo o Manguari Pistolão? Daí, quando nasceu a Maria, a viúva dele foi à maternidade fazer uma visita à minha mulher, mãe de Maria. Na porta do quarto, ela se recusou a entrar e eu perguntei o que havia acontecido, e ela respondeu: Não posso entrar nesse quarto, porque foi nesse quarto que o Vianinha morreu. Então eu senti ali um sinal muito grande e aí eu aceitei o papel e fiz com mais convicção. Às vezes é muito difícil separar o momento do teatro da sua vida. Acho que está tudo tão ligado: quanto melhor pessoa você for, melhor ator você será. Melhor pessoa. Não no sentido do bem e do mal. No sentido de amar a vida, ter mais história, mais material. Nunca separei uma coisa da outra; quando estou em cena, estou defendendo a minha vida e não só o personagem, isso é consciente em mim e é assim mesmo que eu ajo. Se acharem errado, ou se eu for mal interpretado, para mim não importa, eu estou realmente defendendo a minha vida. Minha maneira de ser está ali naquele momento, no teatro. Então, quando fiz Rasga Coração, o importante foi como o público entendeu e recebeu a peça; isso é tão extraordinário para a vida de um ator, que jamais eu vou esquecer. Foi muito importante, muito importante politicamente, historicamente, para o teatro. Foi uma direção muito feliz do Zé Renato, e muito bem vivida pelos outros atores. Foi muito legal, muito importante. O que você acha da falta de mobilização dessa geração diante da crise política que ocorre atualmente? E como você reagiu à quebra da esquerda e o que ela representava na época da ditadura? Raul: Eu acho um momento muito delicado. Não sou politicamente indicado para dar uma resposta dessa. O que eu responderia seria algo totalmente pessoal e acho que nesse momento o pronunciamento do presidente tem uma responsabilidade maior para falar disso. Acho um momento triste, essa quebra de esquerda, foi terrível para todos nós, mas não está em mim falar disso. Essa imobilidade não é de agora, vem de muito antes, desde o militarismo. A pasmaceira começou ali quando inventaram a telenovela. Não tenho nada contra, eu sou contratado, ganho a minha grana, acho muito bom inclusive, mas quando ela surgiu fui totalmente contra porque estava quebrando, roubando atores e autores do teatro. E hoje em dia é isso que acontece, de repente pára todo mundo para ver uma novela. Eu faço novela, mas eu não vejo, não só porque sou contra, mas acho ridículo perder uma hora e meia, duas horas na frente da TV vendo uma receita fácil. Mas não é por isso que eu vou deixar de fazer. Eu faço porque preciso de grana, eu gosto de ganhar dinheiro (aplausos), eu tenho consciência disso. Mas quando eu estou no teatro eu não vou fazer peça caça-níquel, isso não mesmo, me recuso. É perigoso, porque o palco é outra coisa: é qualidade, talento e inteligência. Tudo isso se deve praticar, senão acaba se perdendo. Marco Antônio Rodrigues: Eu quero sublinhar uma coisa, que é a autonomia de pensamento. Isto é: o quanto hoje pela mesmice, pela banalização do pensamento, nós vamos sendo pautado por questões que não nos dizem respeito e que nos levam a pensar de forma homogênea. É muito rico o que o Raul está trazendo, que é a autonomia, a riqueza de personalidade; quero chamar a atenção de quanto isso é importante no ofício do artista, o quanto é importante perceber o que está por debaixo das coisas com olhar pessoal e criativo. O que o Raul está fazendo aqui é, acima de tudo, esclarecer a natureza do processo criativo, a pessoalidade, o quanto é fundamental ter uma opinião e não comprar uma opinião formulada pela mesmice, pela moralidade, pelo bom-mocismo, pelo pensamento único e homogêneo. A autenticidade de opinião do Raul é o mais importante que ele traz aqui hoje, além de seu enorme talento. (aplausos) Raul: (ao rapaz que fez a última pergunta) Você ficou chateado com a resposta que eu dei? (o rapaz nega) As perguntas que você fez, eu fazia também. Uma dica que você daria aos que estão começando agora. Qual é a dica que você dá? Raul: Eu acho que, para quem quer fazer teatro, é procurar o grupo certo, a escola certa. Eu estou aqui no Célia Helena por considerá-la uma escola de peso, de responsabilidade pela qualidade dos professores, de uma certa postura que coloca para os alunos e o ator de: respeite para ser respeitado, de me respeito, pois sou um artista. Acho que há muita religiosidade nisso, porque Deus está em cada um de nós. Você não pode se agredir, não pode faltar com respeito a você mesmo. Ele está ligado ao teu talento, ao teu dom, que te foi dado e que tem de ser exercido por você. Então é esse cuidado que eu acho que esta escola tem. Eu vejo hoje em dia que qualquer um está ensinando teatro, é só abrir o jornal. As pessoas acham que é um chamariz para irem para a Globo. Tem gente até que usa Escola Globe no nome, pra chamar as pessoas para sua escola, ganhar dinheiro. Tem de tomar um cuidado muito grande, ter a resposta em si mesmo: É para isso que eu nasci? É isso mesmo que eu quero fazer? Sem isso eu vou viver bem? Sem isso eu posso morrer? Até que ponto isso é vital? Como diria o Rainer Maria Rilke, em Cartas a um Jovem Poeta: Se questione antes de dormir, lá bem no fundo de você mesmo. (como último comentário, a uma interrupção inaudível) Eu não conseguiria ficar parado. Estou parado hoje em dia obrigatoriamente, mas não vejo a hora de recomeçar, não vejo mesmo. Sinto-me totalmente inútil e estou buscando energia para voltar o mais rápido possível para a cena, porque eu quero atuar. Tem alguma coisa que você considera um diferencial para o ator? Raul: É sempre algo especial, um carisma, uma maneira de ser, não sei explicar. Existe isso. Há pessoas que têm, outras não, mas isso não quer dizer que seja melhor ou pior. É um dom, sei lá, algo que vem desde o início. Fernanda Montenegro tem, Cacilda Becker tinha, mesmo fazendo papéis que aparentemente não seriam para elas. Uma coisa, uma centelha inexplicável, papéis que não eram para elas, mas faziam. Essa é a grande diferença. (Raul Cortez encerra as perguntas e é aplaudido ruidosamente por todos os alunos e professores) Raul: Antes de acabar eu poderia ler uma coisinha do meu próximo espetáculo? (todos concordam) Eu ainda não sei como vai ser, mas vou colocar nele e gostaria de ler para vocês. Vai ser a primeira seqüência dentro do espetáculo, que começa com um poeta jovem de San Salvador (acrescido de um poema de Fernando Pessoa, assinalado). Ele escreveu durante a revolução e eu gostei muito: Ao saber da minha morte não digas o meu nome. Porque me fazes deter a morte e o repouso. Tua voz que eu sigo, cinco sentidos seriam um faro tênue buscado por minha névoa. Ao saber da minha morte, diz sílabas estranhas. Diz flor, abelha, lágrima, dor, tormenta. Não deixes que teus lábios achem minhas onze letras. (Fernando Pessoa) Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços e chama-me teu filho. Eu sou o rei que voluntariamente abandonei meu trono de sonhos e cansaços Minha espada pesada abraça os laços em mãos viris e calmas entreguei E meu cetro e coroa vos deixei na antecâmara feitos em pedaços Minha cota de malha tão inútil, minhas esporas de um tinir tão fútil Deixei-as pela fria escadaria Despi realeza, corpo e alma E regressei à noite antiga e calma, Como a paisagem ao morrer do dia. Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte. O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu. Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também Onde nada está tu habitas. Onde tudo está, eis o teu corpo Toca-me puro como a água e alto como céu Toca-me grande como o sol Para que te possas dourar em mim E toca-me puro como a Lua Para que te possas rezar em mim E toca-me claro como o dia Para que eu te possa ver sempre em mim Embelezar-te e adorar-te Senhor, protege-me e ampara-me Dá-me que eu me sinta seu, Senhor Senhor, livra-me de mim. Fui ver um espetáculo em Lisboa, com Amália Rodrigues e velhos fadistas que cantavam fados antigos, conduzidos por gente jovem, chamado Cabelo Branco é Saudade, e tinha um verso lindo que dizia assim: Tinhas o corpo cansado, A cidade era tão fria E quem dormia ao teu lado Ninguém sabia que amado O teu corpo se acendia Andavas devagarinho pelas ruas de Lisboa Em busca de algum carinho Que te fosse pão e vinho E te desse noite boa Eras triste se sorrias E mais nova se choravas As palavras que dizias tinham dores e alegrias Mas só ternura queixavas Por ti não houve ninguém A quem tu te desses mui Podias ter sido o mar Podias ter sido alguém E foste esquina de rua Eu recebi um jornal sobre quem planta cana, onde há um verso que eu também vou colocar em minha peça – não sei a hora, mas vou botar –, vai ser bom para terminar. Diz assim: Os pais levam um menino de oito anos à igreja. Eles sentam na primeira fila, para que o menino possa apreciar bem a missa, mas menino de oito anos não costuma gostar de igrejas. Principalmente esse. E ele adormece no meio do sermão. O padre nota isso, decide lhe dar um susto e lhe faz uma pergunta direta: - E você menino, diga-me quem foi que criou o céu e a terra? A mãe, pra não passar vergonha, espeta um alfinete na bunda do menino, que acorda de sobressalto e grita: - Meu Deus! O menino volta a dormir, e o padre vê que precisa acordá-lo outra vez, lhe pergunta: - Menino responda-me agora, quem foi o filho de Maria e José? A mãe novamente espeta o menino, que acorda gritando: - Jesus! O padre percebe, mas não pode dizer nada, pois a resposta está correta. O menino cochila mais uma vez, e o padre pergunta: - Então menino, diga agora o que disse Eva para Adão quando eles acordaram no primeiro dia? Mas antes que a mãe lhe espetasse de novo, o menino fala pra ela: - Se você enfiar esse negócio na minha bunda de novo, eu te arrebento! Muito Obrigado! (Raul Cortez encerra a palestra) Debaixo de risadas estrepitosas e de uma ovação espontânea de todos que participaram do encontro, Raul parecia uma criança, transbordando felicidade. Os olhos brilhavam como se ele novamente tivesse 18 anos. Não demonstrava o quanto lhe custara o esforço desprendido naquelas duas horas do encontro. Estava feliz por estar no meio de jovens que o aclamavam e sabia que não teria mais tantas oportunidades de repetir a façanha. Foi a sua despedida; a despedida de um grande ator, cujo domínio no palco era total. A mensagem final que ele nos passou foi de que um ator permanece de pé. Não importa quanto sofra, física ou moralmente, sempre deve oferecer ao público uma imagem de energia, de fé, de felicidade por estar ali naquele momento. Assim Raul Cortez, um grande ator, se despediu de nós. Que sua imagem permaneça gravada na memória de todos os que estiveram presentes e seja uma lição de vida. Cronologia Teatro 1955 • A Cacatua Verde, de Arthur Schnitzler: Teatro Lotte Sievers - Teatro Leopoldo Fróes - Direção: Ruy Affonso • O Impetuoso Capitão Tic, de Eugène Labiche - Teatro Paulista • Dias Felizes, de Claude-André Puget - Teatro de Arena - Direção: José Renato • Está lá Fora o Inspetor, de Priestley - Teatro Paulista do Estudante - Teatro Novos Comediantes - Direção: Raymundo Duprat 1956 • Eurydice, de Jean Anouilh - Teatro Brasileiro de Comédia - Direção: Gianni Ratto • Hamlet, de Shakespeare - Companhia Nydia Licia-Sérgio Cardoso - Theatro Municipal, Rio de Janeiro - Direção: Sérgio Cardoso 1957 • Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias - TBC - Teatro Ginástico Rio de Janeiro - Direção: Zbigniev Ziembinski • As Provas de Amor, de João Bethencourt - TBC - Direção: Maurice Vaneau • A Rainha e os Rebeldes, de Ugo Betti - TBC - Direção: Maurice Vaneau • Rua São Luiz 27, 8o,de Abílio Pereira de Almeida - TBC - Direção: Alberto D’Aversa • Os Interesses Criados, de Jacinto Benavente - TBC - Direção: Alberto D’Aversa • Do Outro Lado da Rua, de Augusto Boal - Teatro Experimental do TBC - Direção: Flávio Rangel 1958 • O Diário de Anne Frank, de Francis Goodrich e Alban Hackett- Pequeno Teatro de Comédia - Teatro Maria Della Costa - Direção: Antunes Filho 1959 • Santa Marta Fabril S/A, de Abílio Pereira de Almeida - Cia. Cacilda Becker -Teatro Leopoldo Fróes - Direção: Ziembinski • Maria Stuart, de Friedrich von Schiller - Teatro Cacilda Becker- Teatro Leopoldo Fróes - Direção: Ziembinski • A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho - Teatro Cacilda Becker – Teatro Guarany, Salvador - Direção: Benedito Corsi • A Compadecida, de Ariano Suassuna - Teatro Cacilda Becker - Teatro Santa Isabel, Recife - Direção: Cacilda Becker • O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna - Teatro Cacilda Becker - Teatro Monumental, Lisboa - Direção: Ziembinski • Os Jograis de São Paulo, de vários autores - Excursão pela Europa e África - Direção: Ruy Affonso 1960 • Código Penal - Artigo 240, de Abílio Pereira de Almeida - Cia. Brasileira de Comédia - Teatro Federação - Direção: Abílio Pereira de Almeida • Exercício para Cinco Dedos, de Peter Shaffer - Cia. Brasileira de Comédia - Teatro Federação - Direção: Ziembinski • Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues - Cia. Brasileira de Comédia - Teatro Federação - Direção: Ziembinski - Interditado pela censura 1961 • O Bezerro de Ouro, de Abílio Pereira de Almeida - Teatro Leopoldo Fróes - Direção: Abílio Pereira de Almeida e Armando Bogus • Inimigos Íntimos, de Barillet e Grédy - Cia. Amadora Santos Hotel Atlântico 1962 • Yerma, de Frederico Garcia Lorca - TBC - Direção: Antunes Filho • Revolução dos Beatos, de Dias Gomes - TBC - Direção: Flávio Rangel • Balanço de Orfeu, de Vinicius de Moraes - Teatro Maria Della Costa - Direção: Luiz Vergueiro • O Pagador de Promessas, de Dias Gomes - TBC - Direção: Flávio Rangel • Tiro e Queda, de Marcel Achard - Cia. Tônia Carrero - TBC - Direção: Antônio do Cabo • A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller - TBC - Direção: Flávio Rangel 1963 • César e Cleópatra, de George Bernard Shaw - Teatro Cacilda Becker - Direção: Ziembinski • Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki - Teatro Oficina - Direção: José Celso Martinez Correa 1964 • Pena que Ela Seja uma Puta, de John Ford - Teatro Oficina - Direção: Zé Celso Martinez Correa - Peça proibida pela censura federal • Vereda da Salvação, de Jorge Andrade - TBC - Direção: Antunes Filho 1965 • A Grande Chantagem, de Clifford Odets - Teatro Oficina - Direção: Antunes Filho • A Conspiração, de Bráulio Pedroso - Centro de Estudos Teatrais Cacilda Becker Walmor Chagas 1966 • Os Físicos, de Friedrich Dürrenmatt - Teatro Copacabana, Rio de janeiro - Direção: Ziembinski • Júlio César, de Shakespeare - Cia. Ruth Escobar - Teatro Municipal São Paulo - Direção: Antunes Filho 1967 • Os Corruptos, de Lílian Hellman - Maison de France - Direção: João Augusto • Blackout, de Frederick Knott - Teatro Aliança Francesa - Direção: Antunes Filho 1969 • Os Monstros, sobre texto de Denoy de Oliveira - Teatro Ruth Escobar - Sala Galpão - Direção: Jerome Savary • O Balcão, de Jean Genet - Teatro Ruth Escobar- Direção: Victor Garcia 1970 • Rapazes da Banda, de Mart Crowley - Teatro Cacilda Becker - Direção: Maurice Vaneau • O Estranho, de Edgard da Rocha Miranda – TBC - Direção: Silney Siqueira • Saldo para o Salto, Festival de Teatro do Oficina • Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, Direção: José Celso Martinez Corrêa • Don Juan, de Molière - Direção: Fernando Peixoto 1971 • Saldo para o Salto, Festival do Oficina - Teatro João Caetano RJ • Galileu Galilei, de Bertolt Brecht - Direção: José Celso Martinez Corrêa • Os Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki - Direção: José Celso Martinez Corrêa 1972 • Gracias Señor, Oficina Brasil - Teatro Ruth Escobar - Direção: coletiva, interrompido pela censura federal 1973 • Hoje é Dia de Rock, de José Vicente - Teatro 13 de Maio - Direção: Emílio di Biasi - Primeira produção de Raul 1974 • Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, de Fernando Mello - Teatro Itália - Direção: Leo Jusi 1976 • Lição de Anatomia, de Carlos Mathus - Auditório Augusta - Direção: Carlos Mathus • A Noite dos Campeões, de Jason Miller - Auditório Augusta - Direção: Cecil Thiré 1978 • Quem tem Medo de Virgínia Woolf?, de Edward Albee - Teatro Anchieta - Direção: Antunes Filho • Chuva, de John Colton e Clemence Randolph, baseado num conto de Somerset Maugham - Teatro Anchieta-SP - Direção: Jorge Takla / Teatro Villa - Lobos-RJ - Direção: José Renato 1982 • Amadeus, de Peter Schaffer - Teatro Maria Della Costa - Direção: Flávio Rangel 1985 • Ah!mérica, vários autores - Roteiro: Raul Cortez - Teatro Domus - Direção: Odavlas Petti 1986 • A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa - Teatro Sesc Anchieta - Direção: Antunes Filho • Drácula, de Hamilton Deane e John L. Balderston, baseado no romance de Brain Stocker - Teatro Procópio Ferreira - Direção: Gianni Ratto 1987 • Lobo de Ray-Ban, de Renato Borghi - Teatro Bibi Ferreira - Direção: José Possi Neto - Participa do Festival Internacional de Teatro em Montevidéu 1990 • M. Butterfly, de David Henry Hwang - Teatro de Arena-RJ - Direção: José Possi Neto 1991 • As Boas, de Jean Genet - Centro Cultural São Paulo – Adaptação e direção: José Celso Martinez Corrêa 1992 • Luar em Branco e Preto, de Lauro César Muniz - Teatro Hilton - Direção: Sérgio Mamberti 1993 • Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, de Fernando Mello - Teatro Cultura Artística Pequeno Auditório - Direção: Wolf Maya 1997 • Cheque ou Mate, de Ricardo Semler - Sala São Luís - Direção: Roberto Lage 1999 • Um Certo Olhar - Pessoa e Lorca, pesquisa, roteiro e produção: Raul Cortez e Teatro Alfa - Teatro Alfa Sala Pequena - Direção: José Possi Neto - Peça levada na Muestra de Teatro Del Mercosul, no Uruguai e em Portugal 2000 • Rei Lear, de William Shakespeare - Teatro Sesc Vila Mariana - Direção: Ron Daniels 2004 • À Meia-Noite, um Solo de Sax na minha Cabeça, Mário Bortolotto - Teatro Faap - Direção: Cibele Forjaz Cinema 1956 • O Pão que o Diabo Amassou - Direção: Maria Basaglia 1964 • Vereda da Salvação (Joaquim) - Direção: Anselmo Duarte - Representando o Brasil no Festival de Berlim e Menção Honrosa do Júri no Festival de Brasília 1966 • Cristo de Lama: a História de Aleijadinho - Direção: Wilson Silva 1967 • Anjo Assassino (Victor) - Autoria e direção: Dionísio Azevedo • Capitu (Escobar) - Direção: Paulo Saraceni • Caso dos Irmãos Naves (Joaquim Naves) - Direção: Luís Sérgio Person • O Homem que Comprou o Mundo (O Homem) - Direção: Eduardo Coutinho 1968 • Dezesperato - Direção: Sérgio Bernardes Filho 1969 • Brasil Ano 2000 (O Homem que protesta) - Direção: Walter Lima • Tempos de Violência - Direção e autoria: Hugo Kusnet 1970 • A Arte de Amar Bem (Ronaldo) - Autoria e direção: Fernando de Barros • Beto Rockfeller - Direção: Olivier Perroy 1971 • Roberto Carlos a 300 km por hora (Rodolfo) - Direção: Roberto Farias • A Infidelidade ao Alcance de Todos – segmento A Tuba - Direção: Olivier Perroy 1972 • Janaína, a Virgem Proibida (Raul também diretor de elenco) - Direção: Olivier Perroy 1977 • O Seminarista - Direção: Geraldo Santos Pereira 1978 • Pecado sem Nome - Autoria e direção: Juan Siringo • Os Trombadinhas - Direção: Anselmo Duarte 1980 • Tensão no Rio - Direção: Gustavo Dahl 1982 • Amor de Perversão - Autoria e direção: Alfredo Sternheim 1983 • Agüenta Coração - Direção: Reginaldo Faria 1987 • Os Trapalhões no Auto da Compadecida (Major) - Direção: Sérgio Toledo • Vera (vereador Eduardo Suplicy) - Autoria e direção: Sérgio Toledo 1988 • Jardim de Alah - Direção: David Neves 1991 • A Grande Arte (Lima Prado) - Direção: Walter Salles Jr. 1995 • Cinema de Lágrimas da América Latina (Rodrigo) - Autoria e direção: Nelson Pereira dos Santos 1996 • Iminentemente Luna - Direção: Maurício Lanzari - curta-metragem 2001 • Lavoura Arcaica (o Pai) - Direção: Luiz Fernando de Carvalho 2003 • O Outro Lado da Rua (Camargo) - Autoria e direção: Marcos Bernstein Televisão - Novelas 1966 • Ninguém Crê em Mim - TV Excelsior - Direção: Dionísio Azevedo • Os Miseráveis - TV Tupi 1972 • Vitória Bonelli - TV Tupi - Autoria e direção: Geraldo Vietri 1973 • A Volta de Beto Rockfeller - TV Tupi - Direção: Oswaldo Loureiro 1976 • Xeque-Mate - TV Tupi - Direção: David Grimberg • Tchan! A Grande Sacada - TV Tupi - Direção: Antônio Moura Mattos 1980 • Água Viva - TV Globo - Direção: Roberto Talma e Paulo Ubiratan 1981 • Baila Comigo - TV Globo - Direção: Roberto Talma e Paulo Ubiratan • Jogo da Vida - TV Globo - Direção: Wolf Maya 1983 • Sabor de Mel - TV Bandeirantes - Direção: Roberto Talma 1984 • Partido Alto - TV Globo - Direção: Carlos Magalhães e Jayme Monjardim 1987 • Brega e Chique - TV Globo - Direção: Jorge Fernando, Carlos Magalhães e Marcelo Barreto • Mandala - TV Globo - Direção: José Carlos Pieri e Ricardo Waddington 1990 • Rainha da Sucata - TV Globo - Direção: Jorge Fernando e Márcio Bandarra 1992 • Perigosas Peruas - TV Globo - Direção: Roberto Talma e Jodele Larcher 1993 • Mulheres de Areia - TV Globo - Direção: Wolf Maya 1996 • Rei do Gado - TV Globo - Direção: Luiz Fernando Carvalho 2001 • As Filhas da Mãe - TV Globo - Direção: Jorge Fernando 2002 • Esperança - TV Globo - Direção: Luiz Fernando Carvalho 2006 • Senhora do Destino - TV Globo - Direção: Wolf Maia Televisão - Minisséries 1983 • Moinhos de Vento - Direção: Walter Avancini 1985 • Esperando Godot - Direção: Flávio Rangel 1990 • A E I O Urca - TV Globo - Direção: Denis Carvalho e Maurício Sherman 1991 • O Sorriso do Lagarto - TV Globo - Direção: Roberto Talma 1992 • Noivas de Copacabana - TV Globo - Direção: Mauro Farias e Roberto Farias 1995 • Uma Mulher Vestida de Sol - TV Globo - Direção: Luís Fernando Carvalho 2006 • JK - TV Globo - Direção: Denise Sarraceni e Denis Carvalho • Vários Casos Especiais na TV Globo • Teatro 2, na TV Cultura - peças completas • Apresentou Você Decide, na TV Globo • Primeiro ator a fazer filme publicitário no Brasil • Momento 68, produção da Rhodia, em turnê pelo Brasil, Portugal, Tailândia e Camboja • Stravaganza, produção da Rhodia • Direção de show da cantora Maysa, em 1973 Discos • Jograis de São Paulo, em Portugal • Gravação com Maysa, pela RCA Apresentador 1966 • Lima Barreto – Trajetória 1989 • Paraty: Mistérios 1997 • Globo de Ouro 1997 / 2000 • Mundo VIP 2001 • Noites Marcianas 2002 • Teatro Segundo Antunes Filho Prêmios - Teatro 1962 • Yerma Melhor Ator Coadjuvante APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) Prêmio Governador do Estado SP 1963 • Pequenos Burgueses Prêmio APCA 1964 • Vereda da Salvação Prêmio Governador do Estado SP Prêmio APCA 1970 • Rapazes da Banda Prêmio Molière Prêmio Jornal do Brasil Prêmio Governador do Estado da Guanabara Prêmio Embaixada Americana para Melhor Ator em espetáculo de autor americano 1974 • Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá Prêmio APCA Prêmio Governador do Estado SP 1976 • A Noite dos Campeões Prêmio Molière Prêmio APCA Prêmio Governador do Estado SP Prêmio Mambembe do Inacem 1978 • Quem tem Medo de Virginia Woolf? Prêmio Molière Prêmio Zimba, da Apetesp Prêmio da Embaixada Americana para Melhor Ator em espetáculo de autor americano 1979 • Rasga Coração Prêmio Molière Prêmio Mambembe 1981 • Amadeus Troféu Roquete Pinto 1987 • Lobo de Ray-Ban Prêmio Molière Prêmio Mambembe SP 1991 • As Boas Prêmio Shell Prêmios - Cinema 1967 • Vereda da Salvação Menção Honrosa de Júri no Festival de Brasília 1967 • Anjo Assassino Prêmio Festival de Cabo Frio • Capitu Prêmio Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Brasília • O Caso dos Irmãos Naves Prêmio do Festival de Moscou Prêmios – Televisão 1996 • O Rei do Gado Melhor Ator Revista Contigo Melhor Destaque Revista Contigo Troféu Imprensa Melhor Ator em Caracas - 1997 Melhor Ator em Montevidéu - 1997 Eva Wilma relembra Raul, seu amigo de juventude Tenho uma excelente recordação, porque eu liguei a última vez em que estive com o Raul – foi no aniversário dele no sítio, numa linda festa com a família, com amigos, e Raul dançou; teve, inclusive, uma das amigas que levou trajes de dança espanhola e dançou um número, e ele participou – eu me remeti ao início do nosso relacionamento, depois de termos nos conhecido por intermédio da minha melhor amiga, a Regina Cortez, a irmã que o Raul adorava. Ela era muito bonita, provavelmente tão talentosa quanto o irmão, e nós nos conhecemos, na verdade, quando eu ia a Itanhaém. O doutor Rui Cortez tinha sido prefeito de Santo Amaro, que era município independente, e a família do doutor Rui tinha uma casa de praia em Itanhaém. Nessa casa de praia, eu me lembro de Regina e eu dormindo juntas e olhando um mosquitinho no teto, e Raul ali. Nós íamos de tamanco para o cinema, e a gente tirava o tamanco e ia descalça também; era uma época onde, provavelmente, nós tínhamos uns 15 para 16 anos. A amizade continua porque, por influência do doutor Rui, nós tínhamos desconto num lugar adorável perto do aeroporto, que era também boate, Moulin Rouge, e lá nós podíamos jantar aos sábados ou às sextas-feiras, conforme a possibilidade e em turma também; e, além de jantar, dançar. E eu tenho uma recordação, não sei se é fantasiosa, mas acho que não é, acho que é verdade, nós dávamos uma canseira em todos. Nós, eu digo, Raul e eu. Porque os outros desistiam e Raul e eu continuávamos até pelas quatro da manhã, dançando valsa, tango, rumba, samba, o que viesse. Então, eu estou ligando essa última vez, no último aniversário dele, com as temporadas em que estou nos vendo dançando com 17 para 18 anos. Depois disso, naquela época, nós provavelmente nem sonhávamos ainda muito. Talvez assim aspirávamos a nos mostrar, não é, dentro dessas habilidades; além de dançar, também representar, falar. E assim nós começamos, Raul por sua vez, eu pela minha, na formação do Teatro de Arena. No cinema, acho que a primeira vez em que eu falei como atriz foi numa figuração, num filme dirigido pelo Luciano Salce. Mas isso não vem ao caso, o que vem ao caso é que Raul também deve ter tido a sua primeira fala. E o muito gostoso é que nós nos reencontramos representando num espetáculo que deu muito o que falar. Raul estreou no Black-out, dirigido pelo Antunes Filho, no Rio de Janeiro. Era um personagem que foi estreado em São Paulo pelo saudoso Ivan de Albuquerque, grande ator e diretor. O Ivan saiu para outro rumo e o Raul estreou no Rio. Aí nós temos uma história deliciosa também. Deliciosa. E também recordações de um período sofrido para todos nós, não é? Um período em que todos nós, atores, artistas em geral, não gostávamos da questão da ditadura militar. Era Rio de Janeiro, era fim de 1969; teve a morte do estudante no Calabouço, ao lado do Teatro Maison de France, onde nós estávamos com o Black-out. Os teatros fizeram greve de três dias e três noites, nas escadarias do Teatro Municipal, não só do Rio como de São Paulo. Todos os atores, por causa da censura. Estavam censurando espetáculos, fechando teatros – não foi o caso do Black-out –, mas nós líamos todas as noites os manifestos escritos, eu me lembro muito bem, escritos pelo Hélio Pelegrino, publicados na primeira página do Jornal do Brasil, e nós líamos em cena antes ou depois do espetáculo. Ivan Cândido, que substituiu na época alguém de São Paulo, dizia que ele conhecia bem vários agentes que estavam vigiando essas nossas lidas de manifestos. O Raul interpretava o antagonista da peça, era um paranóico, o bandido-chefe que lutava de faca com a ceguinha, minha personagem. Era uma peça de suspense fantástico, uma direção primorosa do Antunes, e nós fazíamos com muito prazer. No final, o grand-finale, digamos assim, a ceguinha saia de dentro do quarto engatinhando, porque ela teria conseguido se livrar desse paranóico, mas ele, com a faca na mão – minha personagem se chamava Susy, ele se chamava Skelton –, dizia: Acabou, Susy, a faca está aqui, comigo. Quando o Raul fez isso, com a genialidade e o talento de sempre, a faca escapuliu da mão dele e espetou numa poltrona da primeira fila. Felizmente, vazia. Exatamente. Nós nunca esquecemos desse episódio porque, na hora dos agradecimentos, antes da leitura do manifesto, uma pessoa, um homem com maus olhados, com cara meio brava, devolveu a faca pelo cabo, dizendo: Tomem mais cuidado com isso. Imaginação nossa ou não, pra nós era um agente da repressão. São momentos que nós vivenciamos de muita luta. E de um trabalho muito vitorioso, ao mesmo tempo, não é? Quatro meses. Estreou em janeiro e ficamos os quatro meses mais conturbados, em 1969, em pleno Rio de Janeiro, no centro da cidade, ao lado do Calabouço, com baionetas na porta. A outra parceria com o Raul, acho que uma até anterior a isso, não tenho bem certeza, mas no mesmo ano, foi o filme que nós fizemos juntos: A Arte de Amar Bem, dirigido por Fernando de Barros, altamente sofisticado. E tem uma foto de nós dois; eu, assim, meio caída e ele me segurando, nós éramos dois figuraços. Cinema, no qual nós contracenamos, foi só isso. Além dessa grande parceria no teatro, na televisão a primeira parceria que aconteceu eu acho que foi em O Rei do Gado, se não me engano, eu acho que foi isso... Não, não. Só pra desfazer toda e qualquer confusão – que, assim de improviso, começo a misturar um pouco as coisas – no Rei do Gado nós não contracenamos, apenas participamos das idas pro interior de São Paulo, lá perto de Amparo. Ficávamos ali no campo; e eu me lembro que admirei demais a atuação dele e gostei de fazer esse trabalho também, então eu tenho orgulho de termos estado num trabalho como esse. Agora, na novela Esperança, não só contracenamos, como aí eu tenho uma recordação muito interessante, pois nós fomos marido e mulher. Na primeira fase, o Fernando de Carvalho ousou e conseguiu gravar na Itália, num lugarejo chamado Civita di Bagnoreggio, que é um castelo no alto, bem no alto de uma montanha. E eu tenho memórias absolutamente maravilhosas do nosso convívio, Raul, Walmor (Chagas) e eu. Tenho memória do cansaço que era galgar aquela imensa ladeira lá pra cima: atores, técnicos, câmeras. E de gravar com muita satisfação, cenas altamente poéticas. A lembrança mais poética que eu tenho é que depois, nos estúdios, encerrando essa primeira fase, minha personagem (engraçado, é parecido com o Rei do Gado; também no Rei do Gado a primeira fase terminava com a morte da minha personagem), em Esperança também morre, numa cena junto ao marido, o Raul Cortez. E ele fica conversando, e ela vai deitando a cabeça na mesa, vai deitando a cabeça na mesa e fica quietinha, ele continua falando e falando mais devagar, e mais devagar e percebendo que ela já não está mais lá. É isso. Então eu acho que não só os personagens ficam pra sempre, como essa minha parceria com o Raul dançando, na minha memória, é altamente poética. Acho que o Raul tinha um talento tão diversificado. Ele podia fazer vilões, ele podia fazer heróis, ele podia cantar, dançar e representar com a alegria que só o verdadeiro ator tem. Antunes Filho fala de Raul Cortez Desde o primeiro espetáculo que vi do Raul, no Teatro de Arena, em que ele fazia um aviador – numa peça estranha, tipo Nossa Cidade –, que chegava num lugar, uma coisa de jovens, eu fiquei encantado com o trabalho dele. Aí eu comecei a curtir o Raul e a cultivar nossa amizade. Ele foi tão meu amigo que, quando estava ensaiando com Zé Celso no Oficina, ele largou tudo para fazer Vereda da Salvação comigo. Era um amigo que eu tinha e que me deu muito apoio naquele momento, como eu dava apoio a ele. Mas o Raul sempre tinha essas crises, não? Eu tinha que dizer: Vamos, Raul. Vamos em frente. Eu pegava ele e conversávamos. Espiritualmente a gente tinha muita força, um em relação ao outro. De certa maneira, um conseguia comandar o outro. Tanto que o Juca de Oliveira, outro dia, brincando, falou assim: Alguém falou prá mim que você, Antunes, nunca quis saber de mim. Tudo que você ia fazer, você chamava o Raul e não eu, que era teu amigo. Outro dia até saiu isso no jornal. Saiu impresso: É verdade. Sempre que eu tinha um papel – e eu era amigo do Juca – convidava o Raul. Eu coloquei os dois juntos foi num desastre: foi em Júlio César. Foi um desastre absoluto e completo, que eu fiz e estavam os dois. Por isso eu não podia colocar os dois juntos. Coloquei os dois e mais o Jardel, daí deu... Deu aquilo que deu. Foi uma folia, uma farra. O Raul tinha uma intuição extraordinária – você dava um livro, ele lia algumas páginas e intuía o resto; ele tinha essa capacidade intuitiva. Houve uma época em que eu falava: Raul, você tem que fazer psicanálise. Eu? Vou fazer psicanálise? Vou perder essas coisas que eu tenho por dentro? Não! Isso aí é fundamental para o meu trabalho! Mas, anos mais tarde, ele foi procurar um psicanalista; ele tinha problemas que nunca revelou, mas eu sentia que existiam. Do Raul eu tenho recordações das melhores no mundo a respeito de nosso trabalho em Yerma; gostei muito de sua interpretação. Gostei muito de A Grande Chantagem, e muito de Vereda da Salvação, que ele fez comigo naquele palco maravilhoso do TBC. Fizemos tanta coisa: Virginia Woolf, que eu fiz com ele e a Tônia. Era gostoso trabalhar com ele; a gente se entendia com o olhar sabe? Eu dirigia ele com o olhar, ele já sabia o que eu queria. Fazia um gesto leve para ele e ok, piscava para ele e ele já entendia. Outro olhar e ele sabia, não precisava falar com ele, a gente se entendia, sabe, no olhar. Legal isso. Foi um grande ator, um grande amigo. Augusto Matraga foi um trabalho que fizemos aqui no CPT ( Centro de Pesquisa Teatral). Magnífico o trabalho dele, magnífico. A única coisa que eu tenho pra falar do Raul – e com isso ele ficou brigado comigo algumas vezes – é da atração que ele sentia pela vida social. Eu sempre criticava isso nele; nós brigamos por causa disso, inclusive. Tanto que éramos pra fazer outro espetáculo depois do Matraga, e não fizemos porque ele tinha uma vida social intensa. Eu falava que era uma bobêra dele, que ele tinha que ser artista, e a gente não se entendia. Ele era atraído por uma vida socialite, uma bobagem né, pra ele que era um grande ator. Mas ele gostava. Fazer o quê? Era a sobremesa dele. Eu deixava ele ir nessa sobremesa, mas criticava muito. Muitas e muitas vezes nós dois ficamos sem falar por causa dessa coisa socialite dele. Um dia ele me disse: Eu vou para Nova York! E eu brinquei com ele: Vai para os Estados Unidos, vou morrer de inveja. Eu não sabia que ele ia por problemas de doença. Eu soube que ele estava doente não sei como. E bem mais tarde. Eu telefonava para a casa dele e ninguém me dizia nada. No ano passado telefonei por vários dias para lá e ele não atendia. Não atendeu na primeira vez, na segunda vez. Na terceira falei uns palavrões, xinguei. E ele já estava em coma e eu não sabia. Por isso é que ele não atendeu; por isso não respondia ao telefone. E eu não sabia disso. Sonegaram-me. O que eu posso fazer? Raul fez uma carreira com princípio, meio e fim. Hoje em dia querem começar pelo fim. Fez o princípio, fez o meio inteiro. Um princípio duro, um meio mais ou menos interessante, e o final foi glorioso. Importante era a amizade que havia entre nós. Um olhava pro outro e falava besteira, muita besteira. Você vê a profundidade de uma amizade quando se fala besteiras um para o outro; não tem nenhum formalismo, nada formal. Ele era muito engraçado; pelo menos comigo ele era sempre muito engraçado. Mesmo quando estava fazendo uma coisa séria, olhava para mim e piscava. E as ironias dele! Muito engraçado o Raul. E era bem-humorado, mas quando ficava de mau humor, sai de perto, ficava bufando. Ele era muito ciumento, sentia muito ciúme dos outros. Não se podia dar muita atenção a outra pessoa, que ele já ficava bufando. Então eu tinha que ir perto dele e falar, falar... Aos outros tinha que dar atenção sem que ele percebesse, porque era ciumento. O mal do ciúme! Essa era uma característica dele. Não era raiva, era ciúme só. Uma coisa que era maravilhosa: às vezes ele não acertava uma inflexão (essas coisas de que as pessoas não gostam mais de ouvir falar hoje em dia). Se não acertava a verdade de uma frase, ficava se torturando, mastigando a frase como se fosse chiclete, até encontrar a maneira de poder se sentir bem falando. Ninguém mais faz isso. Hoje em dia as pessoas decoram e falam o que está escrito, e dane-se. Parece que tem ódio da palavra. Eu não consigo fazer teatro se não tiver a palavra, se não tiver o texto. Para mim, fundamental é o texto. Depois o ator. Depois vamos ver se o espetáculo sai legal. Que falta faz um ator como o Raul! Lulu Librandi relembra o amigo Raul Raul Cortez: uma referência que não se pode perder Advertência Não é um texto literário que você vai encontrar aqui, mas um fluxo de consciência, cuja linha condutora é minha amizade de 40 anos com o maior ator brasileiro de teatro: Raul Cortez. Não é uma narração cronológica, sociológica ou historiográfica. Não tive a preocupação de contextualizar os episódios, nem de ser exata. A rigor, não é quase nada. Mas sei que a memória das situações intensas, que vivi com ele, não pode se perder, sob pena das gerações futuras de atores perderem um dos seus maiores exemplos. Rei Leão  Falar de Raul Cortez ainda é muito difícil e doloroso para mim. Foram mais de 40 anos de amizade cotidiana e que só acabou às 19h45 do dia 18 de julho de 2006. Uma amizade que terminou em seu último momento, no quarto do hospital Sírio Libanês. Raul lutou como um leão, o Rei Leão, no sentido de dominar a doença. Às vezes Raul me perguntava se eu achava que ele ia sair dessa. Eu, que sabia da gravidade e iminência da morte, jogava a pergunta de volta para ele. E respondia que tinha muita esperança e acreditava que ficaria bom. Raul lutou até o fim. Não se acovardou diante da doença. Encarava médicos e enfermeiros sem se render a compaixões ou, como ele mesmo dizia, condescendências. Como ele sabia que eu não era dada a lamentações ou compaixões, me chamava e me queria o tempo todo a seu lado. Ligava da UTI no meu celular pedindo a minha presença. Eu o atendia sempre. Eu era dura a seu lado. Como ele também era duro. E assim ele foi embora e, tenho certeza, com um desprezo total pela morte. Pergunto, hoje, porque não falei sobre a morte com ele? Mas a situação era delicada. Ele jamais admitiu a morte. Os Deuses Malditos Em abril de 2006, já sabendo pelos médicos do pouco tempo de vida que lhe restava, fui me refugiar em Paris, na residência de minha amiga Vera Pedrosa, embaixadora em Paris, para ganhar forças e voltar para ajudar o meu amigo nos seus últimos dias. Raul ligava quase diariamente para saber de mim como estava Paris naquela primavera e, principalmente, para eu encontrar uma agenda que ele tanto gostava, da editora Franco Maria Ricci. Revirei Paris, mas essa editora não fez mais a tal da agenda, que era muito bonita. Ele ficou bem triste. Raul fazia planos de voltar ao teatro até o final do ano. Pediu-me várias vezes que entrasse em contato com Danilo Miranda do Sesc. Sua idéia era estrear em janeiro de 2007. Ia fazer Sheakespeare: O Mercador de Veneza. Estava tudo acertado com Ricardo Paes, diretor de teatro português e amigo. Outro plano: Maria Adelaide Amaral iria biografar a vida de Luchino Visconti, o grande diretor de cinema italiano. Raul importou toda a obra de Visconti. Assistíamos juntos em sua casa, seu filme predileto: Os Deuses Malditos. Raul era tão elegante e sofisticado, eu diria, como um Visconti. Acho que isso o fascinava e criava essa identificação. À Meia-noite um Solo de Sax em Minha Cabeça Em 2004, realizamos duas peças do jovem autor Mário Bortolotto: À Meia-noite um Solo de Sax em Minha Cabeça e Fica Frio. Dois textos com dois elencos diferentes. Não fomos felizes nessa empreitada. Eram textos escritos há 20 anos atrás que falavam da amizade. Foi no Teatro FAAP. Uma pré-estréia desastrosa, graças a mim, que resolvi fazer uma noite beneficente. A platéia era só de ricos e grã-finos. Imagine essa platéia assistindo a Raul Cortez, vestido de bebê com chupeta na boca, touca e fralda. Um silêncio tomou conta da platéia. Aplausos poucos e fracos. Odiaram, é claro. Não era para menos. Ninguém mandou a gente se arriscar tanto. Mas este era o Raul. Fazia grandes papéis, e ousava fazer outros que nem sempre caíam no agrado do público tradicional. À Meia-noite um Solo de Sax em Minha Cabeça, com muito esforço, ficou dois meses em cartaz. Ele ficou um tanto decepcionado. Afinal, ele tinha naquele momento decidido se aproximar mais do teatro feito por jovens e para jovens. E nada mais atual e jovem do que Mário Bortolotto. Apostou toda as fichas. Acabou perdendo. As Boas  Noutra ocasião, Raul decidiu dar uma força para Zé Celso Martinez Corrêa, que estava doente, em situação difícil, fora de cena, sem o Teatro Oficina. Chamou-me para ajudá-lo nessa empreitada, também difícil. Ora, pergunto eu: o que é fácil de fazer em teatro? Nos unimos. Com um pouco de dinheiro que eu tinha e ele outro tanto, montamos a peça As Boas (As Criadas, de Molière). Raul fazia a Madame. Zé Celso, que além de dirigir também atuava, e seu companheiro Marcelo Drumond completavam o elenco. Era no Teatro do Centro Cultural Vergueiro, na época um local alternativo. Sem a verba que o teatro do fomento recebe hoje. Um sucesso a tal da Madame. Raul com um enorme vestido de tule e tafetá rosa, luvas compridas, salto altíssimo, boca vermelha de batom. Quando ele entrava no palco, a platéia vinha abaixo! Sua participação durava meia hora, o suficiente para roubar a cena. A outra meia hora era do Zé Celso e do Marcelo. Terminada a participação de Raul, muita gente saía. Zé não agüentou o sucesso da Madame e nos demitiu: eu da administração e Raul do papel de Madame. Foi um baque. Ficamos indignados. Eu cobrei do Zé Celso o dinheiro que havia antecipado. E Zé Celso escreveu um artigo na Folha de S. Paulo dizendo que Raul era o ator de 20% do teatro brasileiro. Isso tudo deixou Raul muito magoado, vindo depois a perdoá-lo, e manteve sempre a mesma admiração e amizade pelo Zé. No teatro é assim. A gente briga, mas depois faz as pazes. Somos poucos e amorosos. Raul cobrava, sim, 20% da renda bruta. No que ele estava certo. O sucesso dos espetáculos quem fazia era ele. Nada mais do que justo. Rei do Gado Raul apoiava sempre os tucanos. Dava a cara para bater de verdade. Eu também. Ia aos comícios das Diretas com Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Lula e todo mundo que desejava a volta da democracia. Era o garoto propaganda do PSDB. E foi o escolhido para fazer a campanha na televisão pela privatização da Vale. Era o início do governo FHC. Consultou-me a respeito. Estava com medo da opinião pública. Toda a esquerda era contra. Sobretudo o PT, uma vez que era o PSDB, governo, quem estava privatizando. Aconselhei-o a aceitar. A Vale dava um enorme prejuízo ao governo. Mal administrada. Cheia, obviamente, de distorções, e cabidão de emprego. Eu não só admitia que ele deveria fazer a campanha como também cobrar um cachê bem alto. Raul aceitou o meu conselho e ainda me colocou como sua empresária na intermediação do negócio. Pedi um cachê altíssimo e o mesmo foi aceito. Fomos para o Rio e ficamos num estúdio por quase 24 horas de gravação. Raul foi de um profissionalismo nunca visto. Fiquei orgulhosa dele. Cachê merecido. A campanha foi ao ar. Ninguém fez nenhum comentário que denegrisse a sua imagem. Ele ganhou seu bom dinheiro. Eu também. E hoje a Vale do Rio Doce, privatizada, dá um lucro excepcional. De volta a São Paulo, quando estávamos a caminho do aeroporto, Raul recebeu um telefonema do diretor-geral da Rede Globo, o Boni. Queria dar um presente a ele pela sua atuação na novela O Rei do Gado. Coincidência ou não, o presente era um cheque no mesmo valor do cachê da Vale. Raul saiu de São Paulo remediado e voltou rico. Caímos na gargalhada. Eu feliz, por ver meu amigo, que conheci ainda muito duro, com enorme dificuldade em pagar a mensalidade da casa própria, sendo reconhecido por seu talento. E a partir daquele dia, garanto, Raul ficou mais seguro na vida. Ele era extremamente inseguro. Não acreditava que pudesse ser, de fato, o maior ator do teatro brasileiro. Raul não era ator técnico. Raul atuava na emoção. Colocava toda a sua intuição a serviço do personagem. E o incorporava como nenhum outro ator. Chuva Em meados dos anos 70, seu amigo, o empresário Aparício Basílio da Silva, dono da Perfumaria Rastro, convidou Raul e Consuelo Leandro para fazer a peça Chuva, de Somerset Maughan. Eu fazia a direção e coordenação de produção. O diretor era um jovem amigo do Aparício, recém-chegado do Teatro La Mama de Nova York, Jorge Takla. Tudo isso era no Sesc Anchieta. Lembro dos atores Serginho Mamberti e Herson Capri, que faziam parte do elenco. Todos ganhavam superbem. Afinal, não é sempre que aparece um mecenas para produzir teatro. Figura rara naqueles tempos. Imaginem alguém tirar dinheiro do seu bolso e aplicar em teatro. Todo mundo da classe teatral falava mal. A inveja rolava solta. E nós nem aí. Fomos, fizemos o espetáculo, ganhamos, e muito bem, da empresa do Aparício. E viva o Aparício, que com sua generosidade produziu um espetáculo sem Leis de Incentivo – que nem existiam naquela época. O jovem diretor, Jorge Takla, foi expulso da peça aos gritos por Raul, que não aceitava a sua direção. Hoje, eu e Takla relembramos o episódio às gargalhadas. Eu sempre tentava acalmar a fera. A peça não foi um grande sucesso. Coisas de teatro... Quem tem Medo de Virginia Woolf? Aparício gostou do brinquedo e resolveu produzir outro espetáculo, dessa vez, Quem tem Medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee. Tudo isso para o Raul, a quem adorava. O diretor foi Antunes Filho, e a Tônia Carrero, a atriz que contracenava com o Raul. O outro casal era a Eugênia Domenico e o Roberto Lopes. Essa peça havia sido encenada com a Cacilda Becker, anos antes. E eu, outra vez, na coordenação de produção. Um espetáculo difícil para o público da época. E difícil de administrar os ânimos. Os bastidores tremiam. Eu procurando amenizar as situações e reconciliar as partes. Foi daí que nasceu uma boa amizade entre Tônia Carrero e eu. Até hoje minha amiga. Raul não gostava muito dessa amizade. Era ciumento. Eu também. Várias brigas entre nós por conta do ciúme. Mas, quem, com gênio forte e de talento, não o é? Fuga para Veneza Raul ia fazer 60 anos. Entrou numa grande crise de idade. Para um homem elegante, vaidoso, e que vivia da imagem, ele realmente estava sofrendo. Era 1990. Eu era comissária do Pavilhão Brasileiro em Veneza. E coincidia com o dia 28 de agosto, dia de seu aniversário. Não deu outra: Raul foi comigo para Veneza. Ninguém deveria saber dos seus 60 anos. Ele tinha uma passagem ganha da Air France, recebida pelo Prêmio Molière. Eu voaria pela Varig, pois meu bilhete era pago pelo Itamaraty. Combinamos de nos encontrar no Aeroporto Charles De Gaulle, em Paris, para depois voarmos juntos na conexão Paris-Veneza. Que fantástico chegarmos juntos a Veneza, tomarmos um táxi-lancha do aeroporto Marco Pólo até a beira do cais de nosso pequeno e simples hotel Al Gazettino, duas estrelas, cujo dono Mario Lazzari é um amigo até hoje. Mario, ao ver Raul, saiu gritando à moda italiana no restaurante do hotel que ali estava hospedado o maior ator brasileiro. Raul ficou tão feliz! Se sentiu em casa. E pôde perceber que era já conhecido na Europa. As telenovelas já circulavam por ali. Contei o grande segredo do aniversário de Raul. Mario preparou uma festa às escondidas. Sem que Raul percebesse, achando ser um simples passeio em noite de verão e lua cheia, conforme combinado, à meia-noite em ponto, a gôndola parou sob a Ponte dos Suspiros e todos estouramos champanhe e cantamos o parabéns em italiano para ele. Uma festa na gôndola. Que felicidade a do Raul, virar os seus 60 anos isolado, numa laguna, com uma enorme lua, ao som dos gondoleiros que passavam ao largo e dos palácios iluminados no Grande Canal. Isso foi em 1992. Compañero Berdinazzi  Noutra ocasião, fui trabalhar em Havana. Outra Bienal Internacional de Artes Plásticas de Cuba. Raul foi junto. Quando avisei, por e-mail, aos organizadores cubanos que Raul Cortez, o Berdinazzi da novela da Globo, que estava passando na televisão local, chegaria comigo, foi uma comoção geral. Eu, paralelamente, organizava um minifestival de filmes brasileiros, ou melhor, paulistas. Encaixei Raul na história e inauguramos o Festival no Cine Chaplin, com 3 mil pessoas presentes. Os organizadores cubanos, e o nosso embaixador à época, o Luciano Martins, chamou-nos ao palco para falarmos. Raul, nervosíssimo, me dizia que não sabia falar em público, mas, diante do inesperado, fez um pequeno discurso elegante num portunhol bem bonitinho. O teatro veio abaixo. Raul era tímido, por incrível que pareça. Morria de medo de falar em público. Nas ruas de Havana, mulheres, crianças pequeninas, vinham atrás dele para abraçá-lo e chamavam-no de Compañero Berdinazzi. Isso foi em 2001. Rei Lear  Raul produziu e atuou no espetáculo Rei Lear, dirigido pelo brasileiro Ron Daniels. O espetáculo estreou no Sesc Vila Mariana. Foi muito boa a direção e com sucesso de público. Corajoso o Raul: colocar em cena um elenco grande, trazer diretor de Londres. A idéia foi de Lígia, sua filha, que também atuava no espetáculo. Ele conseguiu o patrocínio da Volkswagen. No final do espetáculo o rei, o Raul, ficava literalmente nu. Bons tempos aqueles em que ainda se conseguia produzir um espetáculo com tantos atores e técnicos. Trabalho para todo mundo. Hoje, mal dá para produzir um espetáculo com dois atores. Não há verbas, não há mais subvenção como outrora. Solidariedade Certa ocasião me revoltei contra isso. Raul me apoiou nessa luta. Era o ano de 2000, e se falava muito na série de eventos chamada Brasil 500 Anos, que consumiu toda a verba para atividades culturais. Um dos todo-poderosos das comemorações era o então misto de banqueiro e mecenas Edemar Cid Ferreira. Ele estava lá, instalado no Parque do Ibirapuera, em todos os pavilhões. Fez uma enorme exposição, que depois (parte dela) iria viajar pelo mundo. Ninguém ousava desafiá-lo ou criticá-lo. Pois escrevi um artigo para a coluna Tendências-Debates, da Folha de S. Paulo, intitulado justamente A Cultura de Pires na Mão. Atacava os desvios das leis de incentivo fiscais, usadas quase exclusivamente para pagar as contas das festas dos 500 anos do Brasil. Cheguei a ser interpelada juridicamente pelo então presidente do Banco Santos. E onde entra Raul nessa história? Ele não só se solidarizou comigo, como se dispôs a escrever um artigo em minha defesa no mesmo espaço da Folha. A matéria saiu com grande repercussão. No texto, Raul tomava as dores dos atores iniciantes ou que não estão na televisão. Escreveu que ele, ator consagrado nas novelas da Globo, não tinha nenhum problema em conseguir patrocínio por meio das leis de incentivo à cultura, mas e o pobre coitado que ama teatro, é talentoso, faz um trabalho sério de pesquisa de linguagem e não tem nenhum apoio? Boca de Urna  Raul, como disse antes, não tinha opinião política formada, definida. Era um intuitivo e cada vez mais seu interesse se voltava para política, para os governos, para os governantes. Nunca gostou do PT. Chamava os seus militantes de mistificadores. Gostava do Serra, do Alckmin, do Fernando Henrique Cardoso. Fazia grandes festas políticas em sua residência em prol da campanha deles todos. Pena que poucos são os políticos que ao se elegerem dão pouca ou quase nenhuma ênfase à cultura. Paris, Roma Com Raul conheci Paris pela primeira vez. Ele sempre ganhava o Prêmio Molière. E o prêmio era uma passagem de ida e volta a Paris, pela Air France. Muitos atores e diretores que ganhavam o prêmio não podiam viajar. Não tinham dinheiro para hospedagem e alimentação na França. Flávio Império, que também ganhou o Molière, usou a passagem de ida e volta e permaneceu o dia no aeroporto, voltando à noite para o Brasil. Era a da década de 70. Foi uma delícia. Era novembro, inverno, e Raul me levou para ver a Torre Eiffel e ficava olhando para a minha cara para curtir. Que maravilha caminhar por aquela cidade, sempre à noite, é claro, pois Raul realmente dormia até tarde. E passeávamos com um bando de amigos que por lá viviam. Eram tempos difíceis por aqui. Tempos de ditadura e de debandada. O País não vivia lá seus melhores momentos. O teatro sofria grande censura. As pessoas, como dizia Chico Buarque, andavam de lado e olhando pro chão. Muitos anos depois, fui com Raul conhecer Praga. Lá, ele fez várias fotos para a revista Caras. Adoramos a cidade. Vivíamos sob um frio terrível de inverno. Hoje é Dia de Rock Em 1976 Raul resolveu produzir a peça Hoje é Dia de Rock, de José Vicente, que viveu num auto-exílio em Londres. O espetáculo foi feito num espaço da Ruth Escobar na Rua Treze de Maio, onde pouco antes ela havia feito o maravilhoso espetáculo, dirigido por Vitor Garcia, Cemitério de Automóveis. O cenário era um carrossel de verdade. Os atores falavam o texto girando, girando... Eu peguei todas as minhas economias, e dei para o Raul montar o espetáculo. E resolvi que iria morar em Roma. Peguei um navio com minha filhinha de 6 anos e me mandei sem prazo de volta. Estava meio triste com o Brasil. Fui presa pela ditadura militar por estar envolvida com os chamados terroristas, a quem eu admirava profundamente e, às vezes, os escondia. Como constava no processo, eu era uma inocente útil. Em Roma, fiquei por dois anos. Raul foi me visitar, ficou um bom tempo lá em casa e quando fui levá-lo no meu carro ao aeroporto, para seu embarque de volta ao Brasil, ao me despedir dele comecei a chorar. Naquele dia, decidi que era hora de voltar ao Brasil. Lavoura Arcaica Raul era um homem de poucas, mas sinceras, amizades. Uma delas foi Aparício Basílio da Silva, que morreu de forma brutal: assassinado. Ficamos muito tristes. Raul era também muito ligado à sua mãe, a dona Conceição, que morreu um ano antes dele. Era o líder entre seus quatro irmãos e muitos sobrinhos. Era ele quem dava as ordens, o elo entre todos. Muito apegado às filhas, sobretudo à Maria, com quem morava e com quem ele muito se preocupava. Afinal, ela era a mais frágil das duas. Lígia, ele sabia bem, que além de mais velha, era casada, tinha duas filhas e uma escola de teatro, e profissionalmente, como atriz, estava bem resolvida. Lembro-me de uma manhã de sábado, eu no Rio de Janeiro, Raul me ligou aos prantos, avisando da morte da atriz Célia Helena, mãe de sua filha Lígia. Raul tinha paixão pelos seus cães da raça dobermann. Um deles tinha o nome indígena de Tupaqui. O outro chamava-se Hermes. Quando Raul adoeceu, ele também e acabou morrendo. Raul tinha também suas predileções. Na televisão, adorava o diretor Luiz Fernando Carvalho. Foi por ele dirigido em algumas novelas, e no filme Lavoura Arcaica. Nesse filme, lembro-me bem, ele ficou três meses sozinho numa fazenda no interior do Estado do Rio, numa casinha, cercado de bichos. Os únicos que viviam ao lado dele, e com ele conversavam, eram os cachorros e os passarinhos. Foi um duro laboratório. As unhas dele cresciam, a barba e o cabelo. Tudo para fazer o personagem de um duro pai árabe. Raramente me ligava; quando conseguia, pois o acesso era difícil, apenas para ter com quem conversar. Lobo de Ray-Ban  No teatro, era o José Possi Neto seu diretor preferido. Antunes também o foi, até a montagem de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, no CPT, ao lado de iniciantes. Depois, nada mais fizeram juntos. Com Possi, Raul fez O Lobo de Ray-Ban, de Renato Borghi. Viajei todo o Norte e Nordeste com este espetáculo, e era um sucesso. Ao mesmo tempo, nas folgas das viagens, Raul vinha até o Rio de Janeiro filmar A Grande Arte, com direção de Walter Salles, baseado no conto de Rubem Fonseca. Como era uma co-produção brasileira e americana, trabalhava no filme o ator Peter Coyote. Raul era muito sério e cônscio de seus trabalhos. Fossem eles na televisão ou no teatro. Estudava impecavelmente os papéis e sempre chegava no horário. Não era e nunca foi irresponsável. Era um ótimo companheiro das equipes técnicas. Nem sempre bom companheiro de certos atores. Depois dos espetáculos, na viagem, sobretudo, ele tinha arritmias cardíacas. Terminava o espetáculo e eu o levava para o hospital. Ele jamais parou um espetáculo por conta disso. Outro espetáculo que ele amava, também dirigido pelo Possi, foi Um Certo Olhar, de Lorca e Pessoa. Nesse espetáculo ele cantava, dançava e recitava. Fez e tornou a fazer por diversas vezes e tinha vontade de repeti-lo. Mas não deu tempo. Rapazes da Banda  Em 1970 fez enorme temporada com Rapazes da Banda. Uma vez me pediu que fosse ao Rio de Janeiro fazer-lhe companhia, pois não suportava mais o ator Paulo César Pereio, que o importunava durante o espetáculo. Colocava o pé na frente para que ele tropeçasse, dentre outras coisas. Raul ficou de saco cheio e acabou por estapeá-lo em cena. A cortina fechou. Pereio e Raul se reaproximaram e descobriram que se adoravam. Seu último réveillon, de 2005 para 2006, foi na casa de Pereio, que teve pelo Raul a maior admiração. Outro grande amigo de Raul foi o empresário Luiz Osvaldo Pastore. Raul e eles se adoravam. Pastore sofreu muito com sua morte. Era amigo de Raul e financiou Amadeus, dirigido por Flávio Império. Gostava muito também de Ariclê Perez. Ficou triste quando ela morreu. Dois Perdidos Numa Noite Suja Conheci Raul Cortez em 1965, na Livraria Ponto de Encontro, que ficava na Galeria Metrópole, na Avenida São Luís. A livraria era composta de uma loja de livros, discos, galeria de arte e bar. Trabalhava eu com o idealizador do Ponto de Encontro, João Carlos Meirelles, que tinha por objetivo reunir a intelectualidade paulistana que estava dispersa em função do golpe de Estado de 1964. No local do bar eram feitos debates sobre arte, cultura em geral e também optou-se por fazer teatro. A primeira peça foi de Plínio Marcos, Dois Perdidos Numa Noite Suja. Plínio era um dos atores. E eis que de repente Raul aparece pedindo para fazer o espetáculo Zôo Story, de Edward Albee. Foi um encontro meu e dele instantâneo, que gerou toda essa amizade de 40 anos. Ele fazia o personagem Jerry e o encarnava pra valer. Lembro-me bem de uma tarde em que apareceram Cacilda Becker e Walmor Chagas para conhecer o Ponto de Encontro, ou melhor, o palco pequenino do Teatro em Bar, onde Raul se apresentava. Os recebi no bar com o chá da tarde. Que glória para mim, conhecer pessoalmente a dama do teatro brasileiro. Daquela época em diante, Raul e eu nunca mais nos separamos. Ao contrário, eu que sempre gostei de teatro, que freqüentava o Teatro de Arena, agora realizava o meu sonho: trabalhar com Raul Cortez. Raul foi embora para Araguari e integrava o elenco do filme O Caso dos Irmãos Naves; ele era um dos irmãos. Grande filme! Mas, cansado de ficar naquela cidadezinha, ele inventou uma história para o diretor do filme Luiz Sergio Person, para que eu o tirasse de lá. E lá fui eu de ônibus, nove horas de viagem para buscá-lo. E mentir para o Person que tínhamos que fazer o espetáculo Zôo Story. E eu, como sempre, a sua empresária sem ser. Era uma amiga. Vivíamos com pouco dinheiro. Ninguém tinha carro naquela época. Viajávamos de ônibus. Eu era amiga de um gerente do Banco Real, da Praça da República, que nos emprestava dinheiro, naquele tempo a juros baixos. Vivíamos assinando papagaios com o senhor Ênio Flexa. Tornou-se grande amigo nosso, até morrer. Era um banco mineiro. Assim como o senhor Flexa. Arrumei com ele dinheiro para Guarnieri e Boal, para a turnê do Arena Conta Zumbi, grande sucesso à época. Enquanto isso, não sei como, consegui vender o espetáculo Zôo Story para Franca e Uberaba. Já naqueles tempos, o Raul era desejado. À noite, no Rotary Club da cidade de Uberaba, apresentamos o espetáculo. Éramos a primeira companhia de teatro profissional a se apresentar naquela terra de boiadeiros. No meio da cena, onde havia um bife de 15 minutos, Raul deveria contar ao parceiro a história de Jerry e o cachorro. Raul esqueceu o texto! E corria de um lado para o outro, batia na testa e perguntava para o Líbero em que ponto ele estava. Eu, fazendo a iluminação da peça, uma luz que acendia e apagava no final, fiquei lívida, mas finalmente ele recobrou a memória e tudo isso passou desapercebido pelo público. Líbero Ripoli, que trabalhava em um cartório de Santo Amaro, nunca mais pisou no teatro. Sumiu. Isso era 1965. Alguns anos depois repetimos o espetáculo Zôo Story no Teatro Ruth Escobar, na Sala do Meio. Só que o ator era Carlos Vereza. Zôo Story é uma peça que agrada muito e atual até hoje. Mas, como Raul, não vi ninguém interpretá-la. Rede Globo  Muito estranho, tudo. Como a vida mudou. A gente fazia espetáculos sem dinheiro e vivíamos razoavelmente bem. Não tínhamos concorrentes como a televisão, o cinema e, agora, a Internet. Hoje, para se montar um espetáculo é preciso muito dinheiro. Formar elenco tornou-se um verdadeiro problema. Os atores foram para a televisão. Claro, a TV paga bem. Trabalham como loucos e não têm tempo para se dedicar ao teatro. Fazíamos teatro de 3a-feira a domingo, com duas sessões aos sábados e duas aos domingos. Hoje, fazemos apenas três sessões semanais. E quem não tem recursos advindos de patrocínio não consegue fazer nada. Será a morte do teatro? O fim dele? Os grandes atores daquele tempo que ainda sobrevivem estão todos na televisão. Muitos já morreram. Raul, já muito doente, no hospital, me dizia que o câncer que ele teve veio da TV Globo. Lá no fundo do seu íntimo Raul, que veio do teatro, que fez mais de 70 peças durante sua carreira, no cinema 35 filmes mais ou menos, fora as novelas e teleteatro que ele fazia com o Antunes Filho, tinha certa irritação de ficar dias e dias fechado nos estúdios de gravação da Rede Globo, no Rio de Janeiro, fora de sua casa, que era em São Paulo. Raul era um paulistano nato e orgulhoso de ter nascido em Santo Amaro. Sempre morou por aqueles lados. Era um homem de teatro. Mais do que issso, um bicho de teatro. Paulo Autran desistiu para sempre de fazer televisão. Está certo ele. Raul talvez não soubesse parar. Ou tinha compromissos financeiros que o impediam. Viver só de teatro é quase impossível. Não há mais bilheteria que sustente elencos ou produção. Mas, com teatro ou sem teatro; com novela, ou sem novela; o vazio e a dor que Raul deixou não só em mim , meu melhor e grande amigo, são muito fundos. O que dói na gente, além da morte, é claro, que nos priva da companhia dele, é saber que não temos mais projetos, pessoas que se unam em torno de uma causa, e que a levem até o fundo, como Raul Cortez fez com sua carreira. Não existem mais pessoas como uma Ruth Escobar, que apostava em espetáculos grandiosos. Trazia um Arrabal, um Vitor Garcia, um Jean Genet ou Bob Wilson, através de seus festivais que movimentavam a cidade. Raul era fã e defensor árduo de Ruth Escobar. De minha parte fica ainda a vontade e a garra ainda de produzir alguma coisa. Logo após a morte do Raul, de pé e mão quebrados, consegui produzir o espetáculo Pequenos Crimes Conjugais, com Maria Fernanda Cândido, amiga de Raul e parceira de novela, e Petrônio Gontijo. Foi o que me distraiu da dor da perda do meu grande amigo. E dediquei o espetáculo a ele. Raul, que saudades de você. Que saudades de nosso tempo. Que saudades de sua elegância física. Pedi tanto ao governador José Serra que me ajudasse a fazer um enterro digno da grandeza do Raul. Ele me atendeu. No Teatro Muncipal. Com a bandeira das 13 listras; bandeira paulista. Com o Corpo de Bombeiros. E com uma multidão que o aplaudiu enormemente quando o caixão deixou aquele teatro a caminho de sua última morada. Raul jamais acreditou ser tão popular.   E Viva o Raul. E Viva o Teatro. São Paulo, maio de 2007   Maria Luiza, ou Luca – era assim que ele me chamava. Lulu Librandi Quem tem medo de Virginia Woolf? Raul Cortez é quem atinge a plenitude da interpretação ambígua, conseguindo paradoxalmente demonstrar todos os possíveis e complexos sentimentos dos personagens. Uma grande e marcante interpretação. Clóvis Garcia São admiráveis sua intensidade, amargura e domínio lúcido da situação. Sábato Magaldi Rei Lear Montar Rei Lear é um desejo que alimento há muito tempo. Mas ficou mais exacerbado nesse momento. Não sei. É intuição. Não posso explicar. Há momentos em que a gente sente que tem de dizer alguma coisa, então me interesso em fazer um novo trabalho. É sempre intuitivo de minha parte. Raul Cortez Foram mais de uma centena de apresentações de Rei Lear. Assisti a todas não só para acompanhar o espetáculo, mas para ver representar aquele monstro. A cada espetáculo parecia que ele se superava, parecia que ia rasgar, explodir em cena, tamanha era a violência emocional com que se entregava ao ato de representar. Quando o Lear entrava carregando a filha querida morta nos braços, seus gritos e sua dor faziam mesmo calar a abóbada do céu. E quando morria com seu coração arrebentado por tamanha dor, eram raras as vezes em que não me ocorria que devíamos chamar uma ambulância porque acreditava realmente que ele estava tendo um enfarte em cena. Todos os dias o elenco o assistia da coxia. Para o Raul, era sempre a primeira e a última vez. Ele buscava a cada dia a atuação definitiva, a absoluta. O Teatro era realmente sua vida e nele, ao atuar, não tinha medo de morte. Ruy Cortez O espetáculo é obrigatório, e isso é consenso. Maria Lúcia Candeias Vereda da Salvação ...A obra mais ambiciosa do teatro brasileiro na década de 60 afunda num incompreensível fracasso, arrastando consigo as últimas energias do TBC. Alberto Guzik O Balcão O Balcão, de Jean Genet, estreado no findar de 1969, sob a direção de Vitor Garcia, foi talvez, pelo choque provocado, o maior acontecimento do nosso teatro até aquela data. Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas Rasga Coração Como Manguari Pistolão, talvez o personagem mais complexo e comovente que conheço em toda a dramaturgia nacional, Raul Cortez mostra mais uma vez uma prodigiosa capacidade de controle e dosagem de recursos e emoções. Yan Michalski A Hora e a Vez de Augusto Matraga Ele atravessa todo o palco em passo de cavaleiro. Bota, capa larga, chapelão, barba cerrada. Chega e se impõe: Matraga. Jefferson Del Rio As Boas Foi intencional. Eu queria um ator forte no papel. O Raul tem um magnetismo e uma credibilidade que foram fundamentais para o meu retorno ao teatro, já que sempre fui visto como maldito. Raul tem um cuidado extremo com seu trabalho e transforma qualquer personagem em estrela. José Celso Martinez Corrêa Drácula Acho bonita a sua coragem de fazer um teatro tão audacioso como este José Mojica Marins Na TV Tupi Raul brincava muito durante a novela da TV Tupi: Tchan, a Grande Sacada. Eu tinha uma admiração imensa por ele. Nós contracenávamos e ele fazia o meu namorado. Eu nunca tinha sido beijada em cena. Só quem me beijava era o meu marido, Chico. Por isso estava muito nervosa e preocupada. Quando começamos a gravar, ele se virou pro câmara e perguntou: Plano geral ou americano? Americano! Eu pensei: Que maravilha! O Raul pensa em tudo! Então, enquanto me dava o beijo, me beliscou na bunda. Quer dizer, a emoção do primeiro beijo foi um beliscão! E, depois, ele ainda me disse: Você usa uma cinta muito dura. Não dá nem para beliscar direito! Etty Frazer As Boas As Boas era um choque, um acontecimento. Sua atuação era um evento. Uma comoção. O público comprava flores antes de ir para o teatro e quando ele entrava vinha aquela chuva, gritos, adoração... Sua atuação era um trabalho de composição primoroso. Não fazia uma caricatura de mulher. Era uma mulher. Uma homenagem a todas elas. Todas que o haviam tocado, influenciado. Todas que amava, admirava. As atrizes do cinema e teatro, daqui e de acolá, as personalidades políticas e também as suas amigas. As mulheres da família e principalmente a mãe. Quando acabava o espetáculo o teatro vinha abaixo. No mínimo cinco minutos de aplausos compassados para aquela interpretação. Todos pareciam saber estar diante de um raro momento em suas vidas. O Rei do Gado Passei mais de um ano ajudando ele a decorar O Rei do Gado. Acompanhei o nascimento e a morte de Geremias Berdinazzi. Quando estudava, meu tio sofria enquanto não encontrava a verdade de cada cena, de cada fala. Fugia da forma vazia, para ele uma mentira. Buscava incessantemente uma organicidade entre o interior e o exterior. E mais, dizia que o ator tinha que trabalhar a contramão da personagem. Fugir do óbvio. Cavar e encontrar o que está escondido nas profundezas, no que está por baixo, oculto. A humanidade de cada ato, de cada ação. Suas criações eram sempre depoimentos muito íntimos de sua vida, de sua história, de seus valores e ideais e de suas contradições. Criar pra ele era um ato de exposição pessoal, completamente sem disfarces. Como Cacilda Becker, sua amiga, lhe dissera uma vez: Representar é se atirar sem rede de proteção. Ruy Cortez Meu pai tem coisas para falar que ninguém tem. Lígia Cortez Quando você dá amor e não espera receber, a sua energia cresce demais. Não importa se você recebe ou não. Importa se você dá. Célia Helena Raul tem uma história de combater, de correr todos os riscos, da grandeza daquilo que é arte. Sempre foi vinculado com as lutas do seu tempo. Marco Antônio Rodrigues Lavoura Arcaica Joaquim Maranhão, homem bruto, mau e traiçoeiro, foi encarnado com grande força e dignidade por Raul Cortez; e, como uma espécie de encarnação demoníaca, fazia sua primeira entrada em cena montando num touro de bumba-meu-boi, imagem da brutalidade desencadeada contra sua filha Rosa – criada por Tereza Seiblitz em comovente desempenho. Ariano Suassuna O início Quando eu ia dirigir uma peça no Teatro de Arena, no tempo de amador, conheci o Raul. Descobri que ele queria fazer uma peça, então o convidei para interpretar O Intrépido Capitão Tic. E ele se saiu muito bem por sinal. Já apareceu marcando sua presença como ator, nada de amador. Reencontramo-nos no TBC, em Rua São Luiz, 27- 8o, Pedreira das Almas, Vereda da Salvação. Trabalhou bastante no Grande Teatro Tupi, com Fernada Montenegro, Sérgio Britto, e comigo. Na última novela que fizemos juntos, na Globo, Senhora do Destino, ele era o barão e eu o mordomo. Nunca falou de sua doença. Apenas parou de gravar por um tempo dizendo que devia fazer alguns exames, que estava cansado por fazer coisas demais, cinema e TV ao mesmo tempo. Foi operado e voltou para as últimas gravações. Disse estar passando bem, não se queixou de nada. Gravou mais de 40 cenas. Era um homem incrivelmente forte. É triste perder um grande amigo. Ítalo Rossi Índice Apresentação - Hubert Alquéres 5 Introdução - Nydia Licia 11 Capítulo I Lígia Cortez fala do pai, na inauguração do Teatro Raul Cortez 13 Capítulo II Palestra de Raul Cortez Teatro Escola Célia Helena, 7/2/2006 17 Cronologia Teatro 73 Cinema 179 Televisão - Novelas 189 Discos 209 Apresentador 209 Prêmios - Teatro 209 Prêmios - Cinema 211 Prêmios - Televisão 211 Depoimentos 213 Créditos das fotografias Acervo pessoal Raul Cortez 19, 20, 21, 22, 25, 26, 32, 35, 37, 90, 92, 56, 59, 60, 72, 104, 206, 208, 222, 225, 231 Adir Mera/TV Globo 192 Alexandre 24, 28 Anselmo Duarte Produções 178, 238 Arquivo Nacional/Correio da Manhã 116, 118, 119 Ary Brandi 128, 129 Cedoc TV Globo 62, 188, 190, 191, 192 Cinedistri 180, 181 Conceição Almeida 125 Daniel Geller 136 Divulgação 42, 43, 52, 63, 64, 65, 84, 85, 102, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 114, 115, 117, 120, 124, 125, 126, 127, 129, 132, 133, 134, 142, 143, 150, 151, 152, 153, 154, 161, 162, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 207, 235, 238 Emidio Luisi/Fotograma 145, 146, 239 F. Pinto 58 Gabriela de Moura 162, 163 Giulio Trazzi 135 Half Davis/TV Globo 193 Heloísa Bortz 168 João Caldas 16, 170, 171, 174, 175, 176, 177, 236 Joaquim 98 Jorge Baumann/TV Globo 196, 201 José Pinto 144, 145, 147 J. Testa Santos 92 Lenise Pinheiro 164, 165 Linda Conde 46 Luiza Dantas/TV Globo 201 Manchete 71 Marcos Santilli/Ed. Abril 98 marKo 10, 58 Móbile Studio 121, 122 MPA Comunicação 160 Nelson Di Rago/TV Globo 201 Nico 39, 40, 99, 100, 101 Patrícia Alegria 158, 159 Paulo de Carvalho 140, 141 Ruiz Sérgio 57 Thereza Pinheiro 131, 133, 136, 137, 138, 139 TV Bandeirantes 191 Valdir Silva 148, 149, 239 Vânia Toledo 12, 31, 44, 155, 165, 166, 169, 239 Todos os programas reproduzidos são do acervo de Nydia Licia Capa: ilustração a partir de fotografia de João Caldas 4a capa: ilustração a partir de fotografia do Cedoc/TV Globo Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Formato: 23 x 31 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Número de páginas: 256 Tiragem: 1500 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo IMPRENSA OFICIAL 2007 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial Licia, Nydia Raul cortez : sem medo de se expor / Nydia Licia. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. 256p. : il. – (Coleção aplauso. Série especial / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-545-0 (Imprensa Oficial) 1. Atores e atrizes de teatro – Brasil – Crítica e interpretação 2. Cortez. Raul 3. Teatro brasileiro 4. Teatro brasileiro – Crítica e interpretação I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.092 81 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia e obra : Crítica e interpretação : Representações públicas : Artes 791.092 81 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei no 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/loja virtual ctp, impressão e acabamento IMPRENSA OFICIAL Rua da Mooca, 1921 São Paulo SP Fones: 6099-9800 – 0800 0123401 WWW.imprensaoficial.com.br