Leonardo Villar Garra e Paixão GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO RESPEITO POR VOCÊ Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo   Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira   Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey Cultura Fundação Padre Anchieta Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Mauro Garcia Coleção Aplauso Perfil   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico  e Editoração Carlos Cirne Assistente Operacional Andressa Veronesi Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Leonardo Villar Garra e Paixão por Nydia Licia CULTURA FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA IMPRENSA OFICIAL SÃO PAULO – 2005 IMPRENSA OFICIAL 2005 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação elaborados pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Licia, Nydia Leonardo Villar : Garra e paixão / por Nydia Licia. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005. 248p.: il. – (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 85-7060-233-2 (Obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-403-3 (Imprensa Oficial) 1. Atores e atrizes cinematográficos – Brasil 2.Atores e atrizes de teatro – Brasil 3. Atores e atrizes de televisão – Brasil 4. Villar, Leonardo – Biografia I. Ewald Filho, Rubens II. Título. III. Série. CDD 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia : Representações públicas : Artes 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Introdução    Maio de 1962   Um bando de brasileiros chega à Côte d´Azur na expectativa de participar do Festival de Cinema mais famoso do mundo, o de Cannes, também muito conhecido no Brasil, por causa das reportagens de Justino Martins, que cobria o Festival desde a primeira edição para a revista Manchete, então o órgão de imprensa mais popular do país (diziam as más línguas que todo o prestígio de Justino era porque tinha sido namorado da chefe da Assessoria de Imprensa). De qualquer forma, a expectativa era muito baixa. Lá estavam o produtor Oswaldo Massaini, o diretor Anselmo Duarte, os atores principais Glória Menezes e Leonardo Villar e, diretamente de Roma, onde já estava morando, cheia de valises, Norma Bengell, que fazia um papel secundário. O filme O Pagador de Promessas (ou, em francês, La Parole Donnée) - que, como era moda naquele ano, era baseado numa peça teatral de Dias Gomes - não tinha muita fama e por isso foi programado para uma sessão secundária. Só que, na exibição para a imprensa, houve aplausos entusiasmados liderados pelo então crítico mais famoso da França (escrevia para a revista Cahiers du Cinema, e havia estreado no ano anterior, com o premiado Os Incompreendidos / Les 400 Coups), que este ano fazia parte do júri. Seu nome era François Truffaut. E junto com ele, no júri, estavam outros nomes conhecidos como o ator Mel Ferrer (então marido de Audrey Hepburn), o escritor e futuro diretor Romain Gary (futuro marido de Jean Seberg), a atriz francesa Sophie Demarests, o diretor polonês Jerzy Kawalerowicz, o italiano Mario Soldati e o presidente do júri, que era um japonês, Tetsuro Furukaki. Reza a lenda que foi Truffaut quem virou o jogo. Havia outros filmes mais famosos concorrendo naquele ano: O Eclipse, de Antonioni e O Processo de Joanna D´Arc, de Robert Bresson (ambos levaram o Prêmio Especial do Júri). Chegaram a falar em Leonardo Villar, o astro de O Pagador, como um possível vencedor do prêmio de melhor ator do Festival. Mas naquele ano o júri também quis ser diferente, dando prêmios coletivos para o elenco completo de Longa Jornada Noite Adentro (peça de Eugene O‘Neill, filmada por Sidney Lumet), composto por Sir Ralph Richardson, os então jovens Dean Stockwell e Bradford Dillman, e Katharine Hepburn. E também para a dupla central de Um Gosto de Mel / A Taste of Honey (outra peça teatral, de Shelagh Delaney, dirigida por Tony Richardson), Murray Melvin e Rita Tushingham. Maior surpresa ainda foi a Palma de Ouro, que foi dada pela primeira e única vez (até hoje) a um filme brasileiro, justamente O Pagador de Promessas. Um resultado que teve tanta repercussão no Brasil que, quando chegaram de viagem, Anselmo chegou a desfilar pelas ruas de São Paulo como se fosse vencedor da Copa do Mundo de Futebol. Era nosso maior orgulho, e era também a porta aberta para uma carreira internacional de seus intérpretes. Norma retornou à Itália, onde teria uma bem-sucedida temporada (e eventualmente se casaria com um galã local, Gabriele Tinti, que havia sido o grande amor da vida de Anna Magnani). Glória ficou no Brasil para se tornar, junto com o marido Tarcísio Meira, uma das maiores glórias da televisão brasileira. E Leonardo Villar, que como Zé do Burro havia comovido multidões, com a inesquecível cena onde, pregado na cruz, é levado pela multidão para dentro da Igreja? Retomou sua carreira como se nada houvesse. Continuou a mesma vida simples de antes, com dignidade, fazendo belos trabalhos, em momento algum tomado pelo estrelismo. Modesto. Um pouco de poucas palavras e nenhuma vaidade. Como você vai confirmar nesta biografia escrita por sua amiga de longa data Nydia Licia. Posso imaginar a dificuldade para extrair dele comentários mais extensos, sendo uma pessoa que não gosta de falar mal de ninguém e tem uma memória péssima para aquilo que não apreciou. Mas como o leitor vai comprovar, Leonardo é uma pessoa que não podia faltar na Coleção Aplauso, que procura justamente resgatar pessoas de sua importância e que não têm a divulgação e respeito que merecem. Comprovando que um grande ator também pode ser uma grande pessoa.   Rubens Ewald Filho Meu Amigo Leonardo Villar Existem jovens atores, recém-saídos da escola, de quem todo mundo diz: “É o ator que eu gostaria de ter na minha companhia”. Passam os anos, ele se torna um primeiro ator e todo mundo fala: “É um ator em cuja companhia eu gostaria de trabalhar”. Esse ator é Leonardo Villar. Ele possui qualidades raras: educação, profissionalismo, seriedade, coleguismo, é gentil com todos, não participa de fofocas, é pontual. Benquisto pelos colegas, respeitado pelos diretores, desenvolveu uma carreira invejável de sucessos merecidos. Ganhou dezenas de prêmios – de muitos ele nem se lembra – tanto em teatro como em cinema e televisão. Nada disso afetou seu caráter. Continua, aos 83 anos, tão simples e natural como era quando, ainda menino, corria descalço pelo mato, catando frutas. Nem o sucesso no Festival de Cannes, onde o filme O Pagador de Promessas ganhou a Palma de Ouro, nem o reconhecimento dos fãs de teatro e de televisão que o cumprimentam nas ruas causaram qualquer mudança nele. Ao conversar com Leo hoje em dia, reencontro o mesmo companheiro que em início de carreira foi com Sérgio e comigo até o Rio para trabalhar na Companhia Dramática Nacional, do Ministério de Educação e Cultura, uma aventura cujo êxito desconhecíamos. Nunca se queixou das dificuldades causadas pelos atrasos de pagamentos que tornaram nossas vidas bem complicadas na então capital da República. Tirou o máximo proveito da temporada teatral, retornando a São Paulo amadurecido profissionalmente. O convívio diário criou entre nós uma camaradagem que rapidamente se transformou em amizade profunda e duradoura. Tornou-se nosso compadre, padrinho de nossa filha Sylvia, quando ela tinha dois anos de idade e corria pela igreja, quase entrando na clausura dos padres. A carreira de Leonardo Villar deslanchou no Teatro Brasileiro de Comédia, conforme ele planejou ao sair da Escola de Arte Dramática de Alfredo Mesquita. Soube esperar e lutar para realização de seu sonho. O cinema e a televisão foram dois outros caminhos para o sucesso. Em ambos destacou-se como ator talentoso, interpretando as mais diferentes personagens. O Pagador de Promessas e A Hora e a Vez de Augusto Matraga, no cinema , e Laços de Família, na televisão, são a prova de seu grande talento. Tem, hoje, a serenidade da pessoa que percorreu a meta traçada, sem esmorecer e sem jamais prejudicar alguém. Nydia Licia Leonardo Villar pertence àquela primeira turma de alunos da EAD que permanece, ainda hoje, como exemplo incomparável de dedicação, de espírito de sacrifício e de amor ao teatro: rapazes e moças muitas vezes de origem modesta que, com seus talentos e esforços, tornaram possível a primeira experiência didática, séria e orgânica do teatro nacional.   Ruggero Jacobbi (Folha da Noite, São Paulo 6/7/1953 – Crítica da Razão Teatral, de Alessandra Vannucci - Ed. Perspectiva) Aos meus sobrinhos - os filhos que não tive. Leonardo Villar Capítulo I Leonardo Meu nome é Leonildo Motta. Não gosto do meu nome. Quando resolvi fazer teatro mudei-o para Leonardo Villar. Nasci em Piracicaba, interior de São Paulo, no dia 25 de julho de 1923. Sou filho de imigrantes espanhóis, de Málaga, da província de Estepona. Meu pai se chamava Antonio Motta e minha mãe Conceição Fernandez. Meu pai era cantor flamenco, sempre chamado para se apresentar em festas ou cantinas, pois era o melhor cantor da sua terra. Mas, naquela época, cantor flamenco para sobreviver precisava trabalhar, ter outra profissão e não só cantar. Casou-se com 27 anos e minha mãe com 21, numa época em que todos casavam cedo, as mulheres com 14, 15 anos. Mas minha mãe havia recusado o pedido de casamento do homem escolhido pela família. Fincou o pé e disse: Não! Apanhou da minha avó, mas estava decidida a somente se casar com aquele que ela escolhesse. Ela nem saiu da casa da mãe vestida de noiva. Saiu da casa da patroa onde trabalhava de doméstica há vários anos, e a patroa gostava muito dela. Saiu de lá para a igreja, para casar com quem ela queria. Era uma mulher fantástica, uma líder! Já meu pai era mais boêmio; afinal era um cantor, mas uma pessoa muito boa, alegre, extrovertida. De vez em quando gostava de beber. Não era um alcoólatra, nem era irresponsável, mas uma vez ou outra, amarrava um porre e minha mãe ficava louca da vida, porque ele não podia beber por causa do estômago. Ela ficava furiosa e brigavam por causa disso. Mais tarde ela tomou a liderança – com oito filhos! Meus pais vieram para cá no começo do século 20, pouco antes da Primeira Guerra, já com um filho e com outro a caminho, que nasceu oito meses depois. E aqui eles tiveram mais seis filhos. Eu sou o último dessa... ninhada. O mais velho tinha 14 anos mais do que eu. Eu sei que quando a filha dele nasceu eu tinha 5 anos; portanto, minha sobrinha mais velha é quase da minha idade, 5 anos de diferença. Fomos criados juntos. Eu nunca tive filhos; em compensação meus irmãos me deram 35 sobrinhos e 70 sobrinhos-netos. Capítulo II A Infância Fui criado numa fazenda, naquela vida de lavrador pobre, bem pobre mesmo. Quando era criança gostava de ir para o mato armar arapuca, pegar passarinho, nadar no rio – esse tipo de brincadeira de subir em árvore, de catar fruta... Andava no mato até descobrir algum pé de fruta. Quando eu era pequeno tinha ainda muita mata virgem naquela região e, para uma criança, aquilo era fantástico. Eram esses os brinquedos de que eu gostava, não tinha outra coisa para criança na roça. Era uma delícia. Tinha uma irmã, Cláudia, que era quatro anos mais velha do que eu. Ela era um moleque! Mais moleque do que nós, meninos – e ela vivia para cima e para baixo comigo e com meu irmão que tinha dois anos mais do que eu. Vivíamos praticamente juntos; eu era o caçula que eles sempre carregavam consigo. Ela catava boizinho xucro no pasto e montava na garupa. Ele a derrubava e ela subia outra vez, feito peão mesmo. Era esse tipo de brincadeira que a gente vivia – de garoto da roça mesmo. Fui à escola no grupo escolar lá da roça. As professoras vinham de trem de Piracicaba pra dar aula numa vilazinha chamada Mombuca e eu tinha que andar três quilômetros a pé para assistir às aulas. Descalço. Com sol, com chuva, com frio, era assim. E lá eu fiz a minha escolinha. Com dez anos eu já comecei a trabalhar. Na vilazinha, só tinha uma rua. Numa ponta um alfaiate e na outra um sapateiro. Então meu pai, que não queria que eu e meu irmão, os dois menores, fôssemos trabalhar na roça, decidiu: “Vocês vão – vai um no sapateiro e outro no alfaiate; se ficarem os dois juntos, brigam” (nós dois brigávamos muito). Fomos. Ele decidiu: “Você fica aqui no alfaiate, e você fica ali no sapateiro”. E meu irmão foi sapateiro a vida inteira e eu fui alfaiate até a época em que vocês me conheceram... Depois, com 12 anos, eu vim para São Paulo. A família toda se mudou para cá e fomos morar no Brás. Lá continuei como ajudante de alfaiate, pois a família toda precisava trabalhar. Aprendi bem a profissão, me tornei alfaiate e, quando já estava adulto, achei importante me especializar também em roupas de mulher. Então fui trabalhar na Madame Rosita, que era uma das melhores casas de moda da época. Trabalhei lá durante quatro ou cinco anos, até que Madame Rosita me despediu porque me surpreendeu estudando meus textos de teatro e deixando a alta-costura para o segundo plano. Ela agiu certo, fez muito bem em me demitir. Então fui trabalhar na Vogue, outra casa finíssima e de grande prestígio na cidade. Quando saí de lá foi para abrir o meu próprio ateliê. Já tinha me especializado em roupa de mulher também, então sabia as duas coisas igualmente bem e era muito requisitado. Como era hábito na época, a gente trabalhava ouvindo rádio o dia inteiro. E havia programas bons de música. Eu, ainda menino, me apaixonei por ópera. Adorava ouvir cantores bons: Beniamino Gigli, Tito Schipa, Enrico Caruso, e cantava junto com eles. Só mais tarde, com 15 ou 16 anos, comecei a freqüentar cinema e também revistas no Teatro Colombo, lá no Brás. Mas fui só poucas vezes. Aí me apaixonei por operetas e filmes cantados principalmente por Janette Mac Donald e Nelson Eddy, a dupla de cantores mais famosa do cinema americano. Sempre que tínhamos uma folguinha, pegávamos o trem e íamos até Piracicaba, nem que fosse pra ficar só dois dias. A saudade era muito grande. Eu namorava uma moça de lá, Isabel, que foi minha eterna namorada. Ela morava perto da casa de minha irmã, onde eu costumava me hospedar. Foi justamente numa das visitas à cidade que um médico, amigo de minha irmã, me examinou, porque Cláudia estranhou eu estar sempre com pigarro. Ele me auscultou e mandou que eu tirasse uma radiografia e procurasse um especialista em São Paulo. Foi o que eu fiz. O médico encontrou uma manchinha no meu pulmão e diagnosticou tuberculose. Imagine o meu pavor! Eu havia trabalhado durante alguns meses com um velho alfaiate que tossia o dia inteiro e escarrava sangue. Nós tínhamos no ateliê um bebedouro com um único copo, que todos nós usávamos, foi fácil pegar a infecção. Felizmente estava só no começo. Aí, não sei por que cargas d‘água, não me lembro, o Dr. Alípio Correia Neto, que era um médico maravilhoso, decidiu fazer uma toracoplastia, garantindo que em 15 dias eu estaria bom. E tirou três costelas. Eu fico louco quando me lembro disso. Sofro seqüelas dessa minha falta de costelas até hoje. Bom, eu fiquei de licença no INPS uns meses e foi quando descobri a Escola de Arte Dramática pelo jornal O Estado de S. Paulo. Eu estava em Piracicaba, inclusive; tinha ido lá para namorar e estava lendo o Estadão quando vi “Fundação da Escola de Arte Dramática”, e falava em Alfredo Mesquita. Eu me perguntei: ”Engraçado, o que será?” Aquilo me chamou a atenção, mas eu nunca ia a teatro, eu não conhecia teatro. Era leigo totalmente. De vez em quando ia assistir a um festival de música espanhola, cantores de passagem pela cidade ou peças de circo. Agora, freqüentar teatro, nunca, nem passava pela minha cabeça. Eu tinha outro ambiente, era o ambiente do pessoal de bairro – sempre morei no Brás, era aquela vidinha de Brás, entende? – de ir dançar nos bailes nos fins de semana; a nossa diversão era essa. Capitulo III A Escola de Arte Dramática Ela ficava no prédio do TBC, instalada no segundo andar. Eu subi, era muito tímido, nem falava direito, falava errado como todo suburbano fala. Mal sabia ler e escrever; ler até que ia bem, mas não sabia escrever corretamente, era semi-alfabetizado... Subi e perguntei: “É aqui que funciona uma escola?” Acho que era a Ilka Bramini, a secretária que me atendeu. Ela disse: “É, sim, essas são as salas de aula”. E Cacilda Becker estava dando aula foi a primeira vez que eu vi a Cacilda, e perguntei pra ela: “Como é que a gente faz pra freqüentar esta escola?” Ela me explicou: ”Você tem que fazer um teste; tem que ler uma cena, que eles vão te dar na hora; você fica um tempo lendo, depois apresenta para eles dando a sua interpretação. E você tem que trazer uma cena de uma peça, já pronta, que preparou em sua casa“. Eu não conhecia peça alguma. “Onde é que a gente encontra isso?” Ela me orientou: “Vá na Livraria Jaraguá que lá você deve encontrar alguma coisa”. Fui na Livraria Jaraguá, e sabe a peça que eles me recomendaram? Deus e a Natureza, do repertório de Vicente Celestino!... Eu escolhi uma cena bem melodramática, que eu achava bonita, decorei e fiz. Na banca, quem analisava era: Cacilda, Alfredo, Décio de Almeida Prado, Chinita Ullman e Vera Janacópulos. Eu li a tal cena, em seguida fiz a cena deles e fui aprovado. O susto veio depois: o nível era todo universitário, elas davam História do Teatro, Mitologia Greco-Romana, Português, Francês, que era matéria eliminatória. Eu mal sabia Português, imagine então, Francês!! Estética Teatral também era matéria eliminatória; Dr. Alfredo era muito rigoroso, não perdoava, não passava mesmo. E eu fazia o possível, lia aqueles livros todos, comprava outros e não entendia nada. Se você não tem cultura, você não entende – um volume sobre Mitologia Greco-Romana, você vai entender?! Meu Deus do céu, quase fiquei maluco; daí eu comecei a pedir socorro para uma colega: Celeste Jardim – lembra da Celeste? – era um amor de pessoa, e ela começou a me dar várias aulas. Eu ia na casa dela, ela me explicava a matéria, esclarecia as dúvidas, aí foi clareando um pouco. Quando chegava a época de exame – todo mês tinha sabatina, prova escrita, meu Deus do céu! – e a prova, o Décio tinha a mania de ler na classe, lia a prova de todo mundo, com todo mundo presente. Por isso, nos dias em que tinha correção de prova, eu não ia, porque eu não indo, ele não lia a minha; eu nunca ia... Eu sei que consegui fazer o curso e consegui estudar; o que não tinha estudado antes, eu estudei depois – porque aos poucos as coisas começaram a clarear, eu comecei a ler muito e estudava na própria escola, em casa e (como já contei) até no trabalho. Além de Português, aprendi um pouco de Francês, de História do Teatro; era muito esforçado. Consegui ficar com um conhecimento bastante razoável – depois, quando você começa a ler bastante você fica um pouco autodidata, não é? E quando entra para o Teatro, cada peça é um estudo que você faz. Principalmente no TBC: os nossos ensaios eram maravilhosos, os ensaios de mesa eram fantásticos. Então foi assim o meu início de carreira. Terminei a Escola, não repeti um ano – as notas eram as mais baixas, mas eu ia em frente – eles eram bastante condescendentes comigo, porque a rigor eu não passaria, mas como eu acho que eles notaram que eu tinha possibilidades como ator – e a finalidade da Escola é formar atores – me deixavam passar. Nota baixa, mas sempre passava. Até que terminei o curso. Eu estava fazendo a Escola de Arte Dramática quando meu pai morreu. Alfredo Mesquita sempre contava para os alunos: ”Leonardo Villar deixou o pai dele lá no velório, veio para a aula e voltou para o velório“, ele falava pra todo mundo, pois era verdade mesmo. A gente levava a sério a escola, gostava dela, ia com amor. Eu então! A escola me abriu um mundo novo. Totalmente diferente. Acho uma escola de arte dramática imprescindível para qualquer ator. Aconselho sinceramente a todos os jovens que querem seguir a carreira, que freqüentem a escola, que façam o curso completo para ter uma base cultural, conhecer o arcabouço teatral, ter um contato inicial com o palco. Eu estava para casar. Já estava com tudo armado para casar, quando entrei para a Escola de Arte Dramática. Isabel não quis. “Não dá, não dá, eu não sou desse meio, eu não vou me dar bem, você vai ter uma vida noturna, não é? Não. Tenho outra criação. Vamos pensar, vamos pensar bem.” Não desmanchamos, mas ela propôs: ”Durante um ano você experimente, faça um teste; daqui a um ano, a gente fala nisso outra vez. Vamos deixar como está. Daqui a um ano a gente conversa se continua ou não. Se você der para o teatro, você continua e nós terminamos. E se você não der, nós casamos e pronto, você já tira isso da cabeça”. Nós terminamos no camarim do TBC, no exame da Escola de Arte Dramática. Ela foi assistir e disse: ”Olha, eu vou assistir teu exame, eu vou ser teu juiz”. E nós terminamos lá. Ela falou: “Você vai ser um ator, não há dúvida; mas você tem certeza de que gosta disso?” Eu respondi: “Gosto, faço com prazer”. “Então continue, porque talento você está demonstrando que tem; portanto vai fazer carreira. Se você gosta mais de teatro do que da sua profissão de alfaiate, não tenha dúvida”. E ela não casou até hoje. A gente conversa por telefone quase sempre. Ela assistiu a todas as novelas que eu fiz, a todos os filmes; vinha ver as peças, no TBC. Muitas vezes vinha de Piracicaba, assistia e voltava. Depois, houve o Festival de Cannes, aquela badalação. A notícia chegou em Piracicaba. Ela lecionava num colégio da cidade e as alunas todas comentavam O Pagador de Promessas. Ela falava: ”Esse ator, Leonardo Villar, foi meu noivo!” Ninguém acreditava! Uma sobrinha-neta minha, que era sua aluna, me contou: “Você não sabe o que a Isabel passou quando ela disse que tinha sido sua noiva! Diziam que era louca! Coitada da Isabel, uma pessoa maravilhosa!” E a gente se dá muito bem até hoje, se telefona – mas faz muito tempo que eu não a vejo... Ela torce por mim, tem recortes de críticas – as sobrinhas dela também são noveleiras, vão lhe contar tudo o que eu faço. Ela ficou como eu, assim, agregada à família. Durante o curso, assistíamos aos ensaios do TBC, a gente saía da Escola e ia assistir o final das peças, não saía do TBC, e como a Cacilda era professora nossa, tínhamos acesso ao teatro. Cacilda era uma pessoa maravilhosa – explosiva, briguenta, mas de uma humanidade incrível. Quando terminou a Escola, Alfredo Mesquita formou uma companhia com aquele primeiro grupo de alunos formados: Monah Delacy, Celeste Jardim, Armando Paschoal, Odilon Nogueira, Xandó Batista, Francisco Arisa e José Renato. Eu seria o oitavo. Mas eu disse: ”Eu não quero ficar”. “Não quer ficar? É companhia semiprofissional, companhia permanente. Você não quer ficar?” “Não. Eu quero fazer o melhor teatro que existe no Brasil, vou ficar fazendo figuração no TBC”. Fui fazer figuração em Seis Personagens à Procura de um Autor. Foi a minha estréia no TBC. Comecei fazendo figuração, depois pontinha e mais pontinha, assistindo a todos os ensaios – quer dizer, eu continuei uma escola, eu continuei a Escola e melhorada, inclusive: escola na prática. 1951: Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello, foi o meu primeiro espetáculo. Dirigido por Adolfo Celi, com Cacilda Becker, Sérgio Cardoso e Paulo Autran nos papéis principais e todo o elenco permanente fazendo papéis secundários e até pontas. Apreendi muito só de olhar o trabalho dos atores. Prestava atenção a pequenas mudanças de tom, a pausas diferentes... Observava tudo. Em seguida, recebi um pequeno papel no espetáculo de terceiro aniversário do TBC, A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas, dirigida por Luciano Salce no Teatro Municipal. Com Cacilda, Maurício Barroso e Paulo Autran nos papéis principais. Eu fazia o médico. Montagem deslumbrante. Como eu ainda tinha o ateliê de costura, fiz todo o guarda-roupa de Cacilda e de Cleyde Yaconis, aquelas saias de 20 ou 30 metros de tecidos, desenhadas pelo cenógrafo Aldo Calvo. Em seguida, fiz o vestido de noite da Elisabeth Henreid em Convite ao Baile, de Jean Anouilh. Só vendi meu ateliê quando fui contratado pelo TBC. Durante essa época entrei em algumas peças dirigidas por Ruggero Jacobbi, que tinha saído do TBC e estava trabalhando com outras companhias. Lembro de Um Pedacinho de Gente, de Dário Niccodemi, com Vera Nunes. Em 1952 voltei ao TBC para participar de Antigone, de Sófocles. Direção de Adolfo Celi. Fazia parte do coro dos Tebanos. Éramos oito atores, escondidos debaixo de máscaras enormes e mantos compridos: Maurício Barroso, Ruy Affonso, Luís Calderaro, Fredy Kleeman, Benedito Corsi, Rubens de Falco, Carlos Vergueiro e eu. Foi um espetáculo belíssimo e um grande aprendizado. Ensaiamos durante mais de seis meses, gesto por gesto, inflexão por inflexão. Paulo Autran, Ziembinsky, Sérgio, Nydia e Elisabeth Henreid trabalhavam na peça. Ficamos quatro meses em cartaz, sendo que, no final, fazíamos duas sessões de Sófocles por noite. Capítulo IV A Companhia Dramática Nacional Logo depois, em 1953, Nydia e Sérgio saíram do TBC para encabeçar a Companhia Dramática Nacional, do Ministério de Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, dirigida pelo escritor Henrique Pongetti. Graças ao Sérgio, que me levou para lá e me indicou para ótimos papéis, minha carreira tomou um impulso muito grande. No TBC eu já estava progredindo, mas com minha ida ao Rio fui fazendo o segundo papel das peças. E eram papéis excelentes. Ao todo eram três peças: A Falecida, de Nelson Rodrigues, em que fiz o papel de Pimentel, dirigida por José Maria Monteiro, um jovem saído do Teatro do Estudante do Brasil, de Paschoal Carlos Magno. Ele passou anos de barba preta e cerrada, esperando o papel de Otelo, de Shakespeare, que Paschoal tinha lhe prometido montar. Com Sérgio Cardoso e SSSônia Oiticica, em A Falecida A segunda peça era A Raposa e as Uvas, de Guilherme Figueiredo, dirigida por Bibi Ferreira, maravilhosamente; uma grande diretora, com quem me dei muito bem. Eu fazia Xantós, um filósofo prepotente e burro. E A Canção Dentro do Pão, de Raymundo Magalhães Jr., vivendo o Finot, um velhinho metido a conquistador. Foi a primeira direção do Sérgio. Ele tinha um humor sensacional. Foi superagradável trabalhar com ele. Muito acessível, muito moderno, muito aberto. Trazia uma concepção que mudava durante os ensaios, não era uma coisa rígida, fechada. Dez dias de mesa lendo o texto, discutindo. Depois ia para o palco fazer marcação – as marcas já eram definidas, apesar de, às vezes, alguém poder sugerir alguma coisa. Foram três sucessos, tanto no Rio de Janeiro como nas outras cidades em que nos apresentamos pelo Brasil afora. Foi maravilhoso ser ovacionado no fim de um espetáculo. Tanto que ganhei o prêmio Revelação de Ator. No Rio fui muito bem tratado, apesar de nós passarmos o que passamos lá com a falta de dinheiro, pois a Companhia não pagava. Foram meses duros. Eu almoçava sempre na casa do Procópio, e a Bibi foi como uma irmã. Ela me dava dinheiro para pagar o quarto em que eu morava, porque eu não tinha... Ela dava, ela não emprestava, ela dava mesmo. No fim eles acabaram pagando, acho que só depois da estréia. Coisas da burocracia; mas eu sei que até lá a gente andava de bonde cargueiro. Lembro de que uma vez fomos de taioba – chama taioba aquilo –, no meio de uma porção de móveis, mas eu curti muito, era uma aventura maravilhosa. Valeu a pena. Bibi veio para São Paulo representar A Herdeira, de Henry James, e me convidou para trabalhar com ela. Foi logo depois da Companhia Dramática Nacional. E fizemos também Pedacinho de Gente. Eu já tinha feito com a Vera Nunes primeiro e depois fiz com Bibi. Então, quando voltei para o TBC, já voltei em outra situação; eles me ofereceram papéis bem melhores. Foi quando começamos a ensaiar Casa de Boneca, de Ibsen, que foi prometido pelo Zampari. A peça já estava pronta quando tudo mudou. Ziembinski queria fazer o papel de Helmer (que era eu) e não o do vilão. E era ele quem dirigia; ele tanto encheu a cabeça do Zampari e da Cacilda, que acabaram suspendendo a peça. A gente ia fazer um belíssimo espetáculo – inclusive ele ia fazer o Krogstad que era o vilão, muitíssimo melhor – o Helmer ele não podia fazer. O Helmer era um galãzão, entende? E ele não tinha mais idade. Foi uma pena. Capítulo V Teatro Brasileiro de Comédia Em 1954 me chamaram de novo no TBC para participar de Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias. Era o espetáculo comemorativo do IV Centenário da criação da Cidade de São Paulo. Direção de Celi, com Cleyde Yaconis e Paulo Autran nos papéis principais. Eu fiz o papel do velho Alcoforado, pai do Sérgio (ele também tinha sido convidado). Engraçado que ninguém acreditava muito na peça; no entanto, foi um sucesso de crítica e público. Teve uma segunda montagem, em 1956. Paulo estava fazendo um espetáculo no Rio; era a época em que a gente se revezava entre as duas cidades. O TBC precisou montar uma peça nacional. Lembra daquela lei? A cada duas peças estrangeiras tinha que entrar uma brasileira. Então Ziembinski remontou Leonor de Mendonça e eu fiz o papel do Duque, que tinha sido do Paulo na primeira montagem, e ganhei o prêmio Saci, do jornal O Estado de S. Paulo, como Melhor Ator. Trabalhei muitíssimo porque minha preocupação era não fazer nada parecido com o que o Paulo tinha feito; não ser uma cópia. Em seguida fizemos um espetáculo independente, oferecido à cidade pela colônia italiana: A Filha de Yorio, de Gabriele D’Annunzio, no Teatro de Cultura Artística. Direção de Ruggero Jacobbi, com Cacilda, Sérgio, Nydia, Dina Lisboa, Carlos Zara, Jorge Chaia e grande elenco, coral e tudo. Foi só durante alguns dias, mas foi um espetáculo muito bonito. Também em 1954, vocês fundaram a Companhia Nydia Licia-Sérgio Cardoso, e eu fui com vocês para o Teatro Leopoldo Fróes, que não existe mais. Foi posto abaixo para a Prefeitura construir um melhor – o que nunca aconteceu. Era lá na pracinha da Rua General Jardim, em Higienópolis. Fiz o sapateiro, marido de Maria Bonita, em Lampião, de Raquel de Queiroz, dirigido por Sérgio. Minha mulher era Araçari de Oliveira, mulher do cineasta Lima Barreto, em sua estréia no teatro. No elenco estavam: Rubens de Falco, Jorge Chaia, Carlos Zara, Edison Leite, e o cenário era de autoria do pintor Aldemir Martins. Em seguida fiz o gaúcho Anésio em Sinhá Moça Chorou, de Ernani Fornari, também direção do Sérgio. Era um papel completamente diferente. Passava-se no Rio Grande do Sul, durante a Guerra dos Farrapos. Além da Nydia, estavam no elenco Dinah Lisboa, Carlos Zara, Jorge Chaia, Nieta Junqueira, Edison Leite e Zaíde Hassel. Em 1955, eu já estava contratado pelo TBC e estreei em Santa Marta Fabril, de Abílio Pereira de Almeida, no papel de Clóvis. Um sucesso, como todas as peças do Abílio. Também tinha a Cleyde, Célia Biar, Margarida Rey, Dina Lisboa, Walmor Chagas, Fredi Kleeman, Waldemar Wey, Odete Lara, Elisabeth Henreid. Um grande elenco! E o tema mexeu com muita gente conhecida na cidade, pois tratava dos que aderiram ao Getúlio, depois da Revolução de 32. Muito casal, na platéia, se levantou e saiu no meio do espetáculo... Foi uma das últimas direções de Adolfo Celi, no TBC. A essa altura, mais gente tinha deixado o teatro da Rua Major Diogo. Celi, Paulo Autran e Tônia Carrero tinham fundado a Companhia Tonia–Celi-Autran e se mudado para o Rio de Janeiro. Em seguida fiz o Juiz em Volpone, de Ben Jonson, dirigido por Ziembinski, e ganhei o prêmio de Melhor Coadjuvante, apesar de aparecer só em duas cenas. Décio de Almeida Prado, em sua crítica no jornal O Estado de S. Paulo, escreveu: “... Igualmente perfeitos, estão Elizabeth Henreid e Leo Villar, hábeis em transformar em objeto e motivo de escárnio o espetáculo da inocência tola ou da estupidez senil”. Durante a temporada da peça aconteceu um fato doloroso que me fez lembrar meu tempo da Escola de Arte Dramática, quando o meu pai morreu. Foi a vez de nosso colega Waldemar Wey perder o pai. Era um sábado, dia de duas sessões, e ele foi obrigado a sair do velório direto para o palco para representar o papel, porque não havia ninguém que pudesse substituí-lo. Ele representou chorando, principalmente na cena em que se debruçava sobre o Ziembinski/Volpone, que se fingia de morto, e Waldemar tinha que descrevê-lo: “Como está amarelo! Cadavérico!!!” Ficou tão traumatizado que desistiu de fazer teatro e, quando seu contrato expirou, voltou à profissão de advogado. Contracenei com Cleyde e Cacilda em Maria Stuart, de Schiller, no papel de William Cecil. O texto foi magnificamente traduzido por Manuel Bandeira, direção de Ziembinski. Foram duas grandes interpretações das rainhas se degladiando em cena. Atuavam também Walmor Chagas, Fredi Kleeman, Luis Linhares, Jorge Chaia. Houve também uma remontagem de Os Filhos de Eduardo, comedinha de Sauvajon, em que fiz um dos três filhos de Cacilda: Walter Davert Stuart. Foi muito gratificante contracenar com Cacilda. Ela sempre dava apoio aos colegas, era muito generosa em cena. Trabalhei com ela em 1956, em Divórcio para Três, vivendo Clavignac, e depois com Cleyde e Walmor Chagas em Eurydice, de Anouilh, primeira direção do novo diretor contratado, Gianni Ratto. Maurice Vanneau dirigiu Gata em Teto de Zinco Quente, de Tennessee Williams, com Cacilda, Walmor e Ziembinski, no trio principal, e eu fazendo o irmão Cooper. Lembro que o Ziembinski foi escolhido pela crítica como Melhor Coadjuvante, mas ele recusou o prêmio, afirmando que era um Primeiro Ator e não aceitava ser classificado como coadjuvante, por menor que fosse seu papel. Cacilda foi muito minha amiga. O primeiro apartamento que eu comprei – um apartamentinho na Rua 13 de Maio – comprei graças à Cacilda. Eu não tinha o dinheiro. Todas as noites a gente ficava conversando em seu camarim, enquanto ela se maquiava. Cacilda adorava que ficasse todo mundo lá, ao redor dela. Uma noite eu mencionei que queria muito comprar um apartamento pequeno para morar, porque era muito cansativo ir toda noite até o Belém, que já tinha sido assaltado uma vez; que era longe e perigoso. E ela: “Quanto você ganha?” Eu: “O que eu ganho já não dá mais, eu vendi o meu ateliê e não me arrependo; eu vivo só com o salário daqui que mal dá, não é suficiente para comprar um apartamento, e eu queria comprar um, nem que fosse na planta, e ir pagando aos poucos”. Ela falou: “Então procure um e me diga de quanto mais você precisa por mês para pagá-lo”. Fui ver esse da 13 de Maio, um quarto-e-sala, mas os apartamentos eram enormes naquela época: sala, quarto, cozinha, banheiro pra empregada, era maravilhoso. Eu contei o que tinha achado e ela declarou: ”Então pode comprar que eu vou assinar um contrato com você, para o nosso o Teleteatro, e você vai ter um salário mensal até terminar de pagar”. E eu comprei meu primeiro apartamento. Depois meu salário também melhorou, não precisei tanto de ajuda. Mas, se não fosse por ela, não teria comprado. Ela era fantástica. Outra coisa que fazia, me levava para sua casa depois das matinês: “Vamos jantar lá em casa, eu vou comer rapidinho, vamos, vamos”. Chegávamos no apartamento da Rua Santo Amaro, Alzirão (era o apelido da sua mãe) já estava com a janta pronta, comida maravilhosa, a gente comia e voltava. Cleyde também fez muito isso comigo, com o Corsi, com vários colegas, elas eram muito boas amigas. Cacilda era muito generosa. Ainda fiz uma peça com Cacilda, em 1957: Adorável Julia, de Marc-Gilbert Sauvajon, dirigida por Ziembinski. Eu fazia o Barão Weill-Amaury. Além de Walmor e Ziembinski, estavam no elenco Zilka Salaberry, Célia Biar – a atriz mais elegante do TBC – Jorge Chaia e Helena Barreto Leite. Em seguida, foi a vez de a própria Cacilda deixar o TBC. Saiu e levou junto Cleyde, Ziembinski, Walmor, Fredi Kleeman. Com a saída de todos eles, Nathalia Timberg e eu nos tornamos Primeiros Atores do teatro e passamos a ganhar papéis de protagonistas. Em 1958, Alberto D’Aversa dirigiu A Muito Curiosa História da Virtuosa Matrona de Éfeso, de Guilherme Figueiredo, o mesmo autor de A Raposa e as Uvas, que fiz com tanto sucesso na Companhia Dramática Nacional. Aqui eu vivi o papel triplo de Júpiter / Elomante / Sentinela. Mas a peça não alcançou o mesmo sucesso, apesar do ótimo elenco: Nathalia, Fernanda Montenegro, Francisco Cuoco, Sérgio Britto, Fernando Torres e Carminha Brandão. Em seguida foi a vez de um grande espetáculo, com uma direção inspirada de D’Aversa: Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller. Eu tive a sorte de pegar o papel de Eddie Carbone, que foi o meu passaporte para o estrelato. O espetáculo foi um estouro. Ganhei todos os prêmios de Melhor Ator, tanto em São Paulo como no Rio. D’Aversa me deu a peça, eu li e fiquei a-lu-ci-na-do pelo papel, alucinado; era uma coisa que me pegava da cabeça aos pés. Eu tremia, vibrava – sabe um personagem quando baixa o santo? – eu não acredito que baixou, pois sabia o que estava fazendo, mas era como se o personagem me pegasse e eu estivesse ao lado me policiando. Entende? Sabia perfeitamente conduzir aquela emoção, mas era uma emoção que não era normal em mim – era uma emoção do personagem, mesmo. Terminado o espetáculo, eu sentava na coxia, e ficava sentado ali uns dez minutos, para me recompor, porque saía de cena tremendo. E eu não sou assim – você me conhece, eu não sou assim. Foi o único personagem que me pegou dessa maneira. Os outros eu sentia, realmente, mas desse eu saia cansado, mas tão cansado que parecia que eu estivera numa sessão espírita e que estava com Exu. E o sucesso que fez, então? Já na estréia foi uma coisa assim que... Meu Deus do céu – acontecer aquilo pra mim no TBC, que era o melhor teatro da época! Lembro que fui aplaudido três vezes em cena aberta. No final, o pessoal gritava meu nome, os colegas me empurravam pra frente, tinha aquela emoção de grande sucesso, mesmo. E o elenco era maravilhoso: Nathalia Timberg, Egydio Eccio, Sérgio Britto, Elizabeth Henreid... Fernando Torres tinha sido escalado para fazer um dos estivadores e a Fernanda Montenegro estava designada para uma peça no Rio. Mas ela não queria separar-se do marido e pediu para entrar na peça “nem que fosse para fazer figuração”. E acabou fazendo mesmo. Ela, Ítalo Rossi e Francisco Cuoco eram todos figurantes. Figuração de luxo! Não sei se eles ficaram até o fim da temporada, mas representaram por bastante tempo. Depois foram substituídos e foram para o Rio de Janeiro. Porque nós ficamos um ano no TBC, com o Panorama, e depois fomos para o Rio e ficamos mais um ano lá. Só paramos porque eu estava com água no joelho. Eu caía toda noite no joelho, no final da peça, caía no joelho para amortizar a queda depois da facada, entende? E dois anos caindo em cima do joelho (só tinha folga um dia por semana; no sábado havia duas sessões e, no domingo, mais duas). Calcule você! E a Nathalia, que apoiava a minha queda, ela apoiava com o cotovelo, então ela ficou com água no cotovelo e eu com água no joelho! No Rio, a gente podia ter ficado mais com a peça – mas quisemos sair porque não agüentávamos mais. Apesar disso fizemos ainda umas excursões rápidas para Porto Alegre e Curitiba, acho que foram só esses dois lugares. Bem, o papel tem muito a ver, não com o imigrante legalizado, mas com o imigrante clandestino nos Estados Unidos, que vivia no Brooklyn e era acobertado pelos parentes e conterrâneos para poder sobreviver. Eddie Carbone acobertava os outros italianos que chegavam clandestinos, tanto que esse sobrinho que ele recebe – sobrinho da mulher dele – eles o acobertam, o recebem, ele fica morando junto com eles. É aquela luta de imigrantes, de todos trabalhando, todos se juntarem, morarem em casas pequenas, morarem todos juntos. E eu já passei por isso também. No meu caso não se tratava de imigração, mas de migração do interior para São Paulo e de passar essa vida, de morar em lugar pequeno, de dormirmos vários num quarto, na sala. Minha irmã, que era solteira, dormia na sala, os rapazes dormiam no quarto e um dormia no quarto dos meus pais; quer dizer, essa coisa tinha um pouco a ver comigo. E o temperamento, também. Embora eu aparente ser muito calmo, eu não sou calmo, sou controlado: aprendi a me controlar. Tive que aprender a me controlar justamente porque sou explosivo. Eu só me lembro de ter explodido uma vez, mas bastou pra aprender, porque percebi quanto era perigoso. Quem é muito fechado, muito para dentro, quando explode é um perigo. E eu sou assim. Também senti certa afinidade com essa coisa de família, entende? Da comida em família, da macarronada, daquela coisa bem, bem de pobre, de classe média baixa; era uma coisa que eu sentia muito. E a violência da paixão contida que o personagem ignorava! Ele amava aquela sobrinha e não sabia que amava. Ele tinha ciúmes do outro e não sabia que era porque amava a sobrinha. Entendi tão bem o personagem – porque nem sempre a gente entende tudo do personagem, sempre escapa alguma coisa, mas o Ed Carbone eu entendi muito – e à medida que a gente ia ensaiando – e o D’Aversa, nesse ponto, era um grande professor – à medida que a gente ia ensaiando, que as cenas iam acontecendo, que eu começava a sentir que eu já estava vibrando com aquilo, então os sentimentos afloravam, era uma coisa maravilhosa. Os papéis bem escritos trazem a emoção, trazem tudo, e o papel de Eddie Carbone foi o grande papel da minha carreira, mais do que o Zé do Burro de O Pagador de Promessas, que me deu prêmios e sucesso lá em Cannes e do qual também gostava muito, me emocionava. Mas nem sombra de O Panorama Visto da Ponte. Nem sombra. Há papéis que marcam um ator para o resto da vida. Eu acredito que para a Cacilda tenha sido o Pega Fogo, para o Sérgio, o Hamlet ou talvez o Esopo. Também, Sérgio era mais emotivo do que eu, ele se dava mais. Eu sou um pouco duro; quando me entrego é porque não me agüento mais mesmo. Talvez a causa seja eu ser muito crítico – e é difícil o personagem entrar quando você é muito crítico. Você não dá brechas para ele, fica sempre se policiando. Eu sou muito cauteloso nos primeiros ensaios: começo do zero, lendo que pareço um analfabeto, e vou indo aos poucos, bem lentamente. Começo a acrescentar idéias, sentimentos, o personagem vem crescendo, até eu sentir que ele está se formando e mexendo comigo. Isso é que é o gostoso no teatro. Por isso, hoje em dia recuso tanta peça! Pra eu fazer teatro agora, tem que ser alguma coisa que valha a pena, que me dê satisfação – porque eu sei que dinheiro não vai dar, principalmente se for um texto sério. Se não for uma comédia ”avacalhada”, não dá dinheiro. E um bom texto é para um público limitado, não dá lucro. Hoje em dia os atores trabalham a porcentagem. Tiradas as despesas, não sobra nada. Então, só aceito se gostar muito do papel, da direção e, principalmente, das pessoas que vão trabalhar comigo. Em 1958, para comemorar o décimo aniversário do TBC foi escolhida Pedreira das Almas, de Jorge Andrade, dirigida por D’Aversa, que proporcionou bons papéis para mim e para Fernanda Montenegro (Mariana e Gabriel), mas a peça não fez muito sucesso, nem artístico nem comercial. Era muito densa, pesada mesmo. Além do mais, teve de enfrentar a primeira grande crise econômica do Teatro, que ameaçou fechar as portas, em vista do afastamento de Franco Zampari, que sofrera um espasmo cerebral. Mas, graças à intervenção de personalidades ligadas ao meio teatral e à sociedade paulista, a peça continuou. A direção artística, provisoriamente, foi entregue a Alfredo Mesquita e o governador Carvalho Pinto autorizou um empréstimo de 10 milhões de cruzeiros. Nesses últimos anos o TBC tinha se expandido. Viajávamos com as peças para o Rio de Janeiro, geralmente para o Teatro Ginástico e, às vezes, o Zampari alugava outro teatro em São Paulo, de maneira que havia de duas a três peças em cartaz ao mesmo tempo. Em 1960 levamos – acho que foi no Teatro Maria Della Costa – O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams, dirigido por Benedito Corsi, ex-colega da Escola de Arte Dramática e grande amigo. Contracenei com Nathalia Timberg. O papel era bem diferente dos dois anteriores. Fazia o jovem irreverente que se tornava um médico sério e ajuizado. Voltei ao TBC com um enorme sucesso: O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, dirigido por Flavio Rangel, que me proporcionou três grandes prêmios: o Sacy, o Governador do Estado e a Medalha da APCT. Flávio gostava do meu trabalho; disse numa entrevista que: “No início do terceiro ato, você via a força da interpretação do Leonardo Villar. Porque o teatro realmente é a arte do ator. Ele ficava num canto, o palco todo ocupado com uma festa, que era brilhante, era viva, muita música, muita cor. E o Leo no cantinho, sozinho, pequenininho e o público só olhava para ele.” O papel de Zé do Burro, o caipirão que carrega a cruz nos ombros para pagar uma promessa a Santa Bárbara, que salvou seu burro de estimação e de trabalho, despertou o interesse de Anselmo Duarte, que quis filmar a história. Ele ia assistir à peça todas as noites, mas demorou para falar comigo. Ele me achava muito gordo para fazer o papel no cinema e com cara de toureiro espanhol. Não tive dúvida: emagreci 12 quilos em um mês. E fiz o filme. Deixei a peça no teatro e fui fazer no cinema. Capítulo VI Cinema Foi o maior acontecimento da minha vida. O primeiro filme que eu fiz ser escolhido para representar o Brasil no Festival de Cannes, na França! Foi também minha primeira viagem para fora do país. Chegamos em Cannes e fomos recebidos muito bem. Claro que éramos uns ilustres desconhecidos, o que teve suas vantagens. Podíamos circular tranqüilamente no meio do povo, sem sermos reconhecidos por ninguém. Ficamos hospedados no mesmo hotel de todas as celebridades de outros países. Circulávamos no meio da Loren, Mônica Vitti, Jeanne Moreau, Marcello Mastroianni, Alain Delon e dezenas de atores famosos. Assistíamos aos filmes de todas as delegações. Todas as noites havia um coquetel ou um jantar oferecido por alguma delas. O Festival durava 15 dias. Nosso Pagador foi exibido três dias antes do encerramento. Ficamos todos no grande camarote no fundo do teatro, o povo todo nos olhando. Quinze minutos depois de iniciado o filme, o primeiro aplauso do público; seguiram-se mais três durante a exibição. Começamos a ficar nervosos, trêmulos, tensos, segurando as mãos uns dos outros. Ao terminar fomos cercados por centenas de jornalistas e fotógrafos, tanto que acabamos nos perdendo uns dos outros. E o povo nos aplaudindo nas ruas. Quando eles gostam fazem uma festa. Também se não gostam fazem questão de demonstrar o descontentamento aos gritos. A coitada da Mônica Vitti que o diga! Seu filme não agradou e ela foi vaiada sem piedade. Chegou o dia da premiação. Nós todos ficamos no hotel, no quarto do Oswaldo Massaini, aguardando o resultado, até que chegou o Jean Luc Descaves, que atuava um pouco como nosso cicerone, aos gritos: “Brasil! Palma de Ouro”! E atrás dele fotógrafos, jornalistas, povo... Massaini ficou doente. Eu fiquei mudo, estatelado. Também não falava francês... À noite, fomos receber o prêmio. Subimos a escadaria enfeitada com tapete vermelho, debaixo de aplausos. Subimos ao palco, onde foi tocado o Hino Nacional, a bandeira do Brasil hasteada. Quem é que agüenta? Estávamos emocionadíssimos. A Palma de Ouro foi nos entregue por Edwige Feuillere, grande atriz de teatro e cinema francês. Quando conseguimos nos livrar de todo o cerimonial, corremos para a praia, rindo, cantando, brincando com o troféu, descarregando a emoção. No dia seguinte eu embarquei de volta para casa. Os outros ficaram ainda alguns dias, mas eu não tinha dinheiro, e voltei. No aeroporto de São Paulo havia muita gente me esperando, mas o tempo fechou no Rio de Janeiro e tive de pernoitar lá. Vim na manhã seguinte. Em Congonhas, me esperavam Lola Brah e mais alguns cineastas. À noite havia a entrega do Prêmio Saci; e antes de começar a cerimônia fizeram uma grande homenagem a mim. Foi maravilhoso! Durante uma semana fiquei meio fora de ar. Minha mãe perguntava: “Leo, o que é que você tem?” E eu: “Nada mãe, nada”. No dia em que chegaram os outros, um carro de bombeiros nos esperava e desfilamos pelas ruas de São Paulo – Anselmo segurando o troféu – e o povo nos ovacionando. Uma coisa importante é lembrar a quantidade de prêmios que O Pagador de Promessas ganhou. Impressionante! Prêmios internacionais: • Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, em 1962; • Festival Internacional de São Francisco, nos Estados Unidos; • Prêmio Sapatos Viejos, Festival de Cartagena, Colômbia; • Prêmio Cabeza de Palanque em Acapulco, no México; • Prêmio Especial de Bucarest, Romênia; • Prêmio Critic’s Award, em Edimburgo, na Escócia; • Menção Honrosa, Festival de Sestri-Levante, na Itália; • Menção Especial no Festival de Locarno, na Suíça; • Menção Honrosa, Festival de Toronto, Canadá; • Menção Honrosa, Festival de Karlovy-Vary, Tchecoslováquia; • Menção Especial, Festival de Moscou, Rússia. No Brasil, ganhamos todos os prêmios de Diretor, Ator, Produtor e Argumento, em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. O filme também foi exibido na Casa Branca e aplaudido pelo presidente John Kennedy, diplomatas e jornalistas. Anselmo penou com a inveja geral que seus prêmios despertaram, mas ele não deixa por menos; em toda entrevista ele faz questão de mencionar: “A única Palma de Ouro, O Pagador de Promessas”. E é verdade. Você vê o filme, é de uma direção simples, bem acadêmica, mas tem um ritmo, tem vida, não envelheceu. Você vê os filmes da Vera Cruz, a maioria já envelheceu. Tem uma técnica muito boa, mas a representação, a direção... Fica tudo um pouco teatral, não é? Voltando ao TBC, ainda fiz a peça do Gianfrancesco Guarnieri, A Semente, dirigida por Flávio Rangel. Um texto extraordinário que a censura proibiu na véspera da estréia. Todos nós, atores e técnicos, acampados no teatro, recebíamos a solidariedade dos colegas de outras companhias. Organizamos uma passeata pelas ruas de São Paulo, junto com a classe teatral, e o espetáculo acabou sendo liberado. Foi muito importante a interferência de intelectuais e artistas que formaram uma comissão de sete membros para opinar sobre o texto. Mas a decisão final era da censura. Contentaram-se com uns pequenos cortes feitos “expontaneamente” pelo autor e o espetáculo pôde estrear. Estavam na peça: Cleyde Yaconis, Nathalia Timberg, Stênio Garcia, além do próprio Guarnieri, Juca de Oliveira e Flávio Migliaccio, atores oriundos do Teatro de Arena. Eu fazia Argileu Carraro. Em 1962 participei de A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, também dirigida por Flávio. Eu fazia Biff, o filho de Willy Loman, pois não tinha idade para viver o pai, que foi entregue a Dionísio Azevedo, que o interpretou muito bem. No elenco, Cleyde, Juca, Stênio, Silney Siqueira e Ruthinéia de Moraes. Depois da repercussão do filme O Pagador de Promessas comecei a ser muito procurado para fazer outros filmes. Em 1964 fiz Procura-se uma Rosa, dirigido por Jece Valadão, filme baseado numa peça de Pedro Bloch. Era um filme sério, sobre um homem pobre que, para dar uma vida melhor à esposa (Tereza Raquel), se envolve com um ladrão de automóveis e acaba sendo julgado injustamente pelo assassinato da mulher. No mesmo ano o produtor Oswaldo Massaini tentou repetir o sucesso de O Pagador de Promessas, e quis reunir a mesma equipe e elenco, só que com a direção de Carlos Coimbra, realizando Lampião, Rei do Cangaço. Um filme de muita ação e crítica social. Eu interpretava o célebre Virgulino, que comandou o bando de cangaceiros que aterrorizou o Nordeste brasileiro, tentando impôr justiça por sua própria conta. No filme estavam, além de Glória Menezes, Vanja Orico e Milton Ribeiro, os dois intérpretes de O Cangaceiro, dirigido por Lima Barreto, na Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nos anos 50. O filme foi grande sucesso de bilheteria e teve críticas muito favoráveis. Em 1965 participei de Amor e Desamor, dirigido por Gerson Tavares. Trabalhei com Leina Krespi e uma muito jovem Betty Faria, num filme de apenas três personagens. Ficou conhecido por ter sido o primeiro filme de ficção rodado em Brasília. No mesmo ano participei de Samba, direção de Rafael Gil; um filme com atores estrangeiros. Contracenei com Sarita Montiel, considerada uma das atrizes mais lindas do cinema latino-americano, e Fosco Giachetti, ator italiano que trabalhou em um sem-número de filmes. Além deles, estava também o nosso Grande Otelo. Em 1966, A Hora e a Vez de Augusto Matraga, dirigido por Roberto Santos, um diretor maravilhoso. O Matraga eu considero o meu melhor filme. É o de que eu gosto mais, tanto da história quanto da direção e do meu trabalho. Geralmente não fico satisfeito com o meu desempenho, sempre gostaria de refazer alguma coisa. E no Matraga não, o Matraga foi um trabalho de uma felicidade total, tanto do Roberto como da equipe e dos atores. Tivemos uma dificuldade muito grande por falta de dinheiro, lá em Diamantina; o filme quase parou, mas todo mundo topou ficar sem ganhar nada, e terminamos as filmagens. Eu andava descalço o dia inteiro naquele chão que não tem terra, é só pedregulho, cascalho de cristal, de minério, a sola do meu pé ficou um couro. Mas eu fazia com uma felicidade muito grande, porque era um papel que me deu possibilidade de mostrar meu trabalho, entende? Várias facetas do meu trabalho, com um diretor fantástico e que era meu amigo. Nos meses que antecederam o início das filmagens, eu ia à casa dele todas as noites e nós pegávamos o roteiro, ensaiávamos cena por cena, falávamos sobre a cena, eu lia para ele, ele lia os outros papéis, eu repetia; se eu tinha dúvida, perguntava, ele fazia sugestões, e nós fizemos esse trabalho durante três meses. Quando iniciamos a filmagem, eu já estava com o roteiro inteiro de cor, só de ensaiar. Não foi uma coisa premeditada, mas veio a calhar, porque eu terminava o filme com uma barba imensa – e, em cinema, você botar barba implantada, principalmente há trinta e poucos anos atrás, ficava falso. Então eu deixei a barba crescer e morria de barba grande. Como eu iniciava o filme sem barba, então nós começamos a filmar do fim para o começo. Imagine, se eu não estivesse por dentro da história, a dificuldade que teria pra encontrar minha emoção, para ligar a história de trás pra diante... Quando é seguido, você vai seguindo a tua emoção. Agora, quando você começa já no auge, pra ir regredindo e dando aquela dosagem... O trabalho que dá!!! O negócio era ficar concentrado no papel, ficar com o Roberto. Eu perguntava: “Roberto, qual é a cena que veio antes?” A gente passava aquela cena, rememorava, eu ficava lá me concentrando, e “Vamos ensaiar?”, a gente começava a ensaiar eu já estava mais ou menos no clima, a gente ia ensaiando até que parecia que baixava o santo! Era uma coisa incrível. Isso é que me deixava entusiasmado. Só me acontecera no teatro, em O Panorama Visto da Ponte. Lá também “baixava” o estivador que era uma coisa impressionante. Décio de Almeida Prado até escreveu uma crítica muito bonita a respeito: “Jamais esqueceremos o ar confuso e obstinado que o Leo Villar empresta a essa figura ao mesmo tempo abrutalhada e patética, o seu olhar de animal enfurecido e inocente, que ataca porque julga que está sendo atacado, implorando a nossa compreensão e compreendendo tão pouco”. Mas o Matraga era um negócio que arrepiava; ele me arrepiava, me comovia: eu chorava de verdade, sentia um nó na garganta, eu vivia totalmente o papel, sem frescura, porque em geral a gente sabe representar sem demonstrar que está representando, mas há papéis como esse, que te agarram com uma força incontrolável. Foi assim em Panorama, e também numa novela: Laços de Família, bem mais adiante. Em 1966 fiz um filme delicioso: O Santo Milagroso, direção de Carlos Coimbra, baseada na peça teatral de Lauro César Muniz, que havia feito grande sucesso no teatro, dirigida por Walmor Chagas, com Jorge Chaia e Ruy Affonso. A história se desenrola numa pacata cidade do interior, onde um padre católico – Dionísio Azevedo – e um pastor protestante – eu – descobrem que são os únicos jogadores de xadrez da região. Como vivem brigando publicamente na disputa de fiéis, têm que se encontrar às escondidas na igreja do padre, para poder jogar. Um dia, quase são surpreendidos pela chegada de um casal de namorados que também se encontra às escondidas: a irmã do pastor (Vanja Orico) e o sacristão da igreja (Geraldo Del Rey). Para não ser descoberto, o pastor se esconde sob o manto de uma imagem de santo. Durante a conversa do padre com o casal, ele tem uma reação e faz um barulho qualquer. A voz parece vir do além. Aí a cidade toda acha que foi o Santo que falou, que foi um milagre. O filme, que enfoca a intolerância religiosa entre católicos e protestantes, foi dirigido com humor e senso crítico e fez bastante sucesso. No mesmo ano trabalhei em A Grande Cidade, direção de Cacá Diegues, diretor carioca – envolvido no chamado Cinema Novo – no papel de Jasão, um pobre nordestino, pacato, que vai para a cidade grande tentar vencer na vida. Não consegue e se transforma num marginal. Sua noiva vai atrás dele e, ingenuamente, na tentativa de salvá-lo, o entrega à polícia, que o mata encurralado. No elenco: Anecy Rocha, Pitanga, Zé Ketty, Hugo Carvana e Maria Lúcia Dahl. Foi considerado o melhor filme de Cacá Diegues. Em 1957, uma aventura: Jogo Perigoso / Juego Peligroso, dois episódios dirigidos por Luís Alcoriza e Arturo Ripstein. Eu fazia Homero Olmos, o galã, era o único brasileiro do meu episódio, que se chamava H.O. Era uma produção mexicana, eles vieram para cá com toda a equipe, alguns atores e os diretores. Um horror! Nem cópia eu tenho. Em 1968 me reencontrei com Leila Diniz, já na condição de estrela, em A Madona de Cedro, nova direção do Coimbra. Uma produção luxuosa de Massaini. Trabalhavam Sérgio Cardoso, Cleyde Yaconis, Ziembinsky, Jofre Soares e Johnny Herbert. Era baseado num livro de Antônio Callado e foi todo filmado em Congonhas do Campo. Tratava de contrabando de peças sacras. Muito, muito bonito. Eu era Delfino Montiel. E mais uma vez morria e era carregado em cima de uma cruz. Mais recentemente, em 2000, teve Brava Gente Brasileira, dirigido por Lúcia Murat, rodado no Mato Grosso. Tirando o galã, que era um ator português, Diogo Infante, (acho que era uma co-produção com Portugal) e Sérgio Mamberti, a quase totalidade dos atores era de índios de uma tribo mato-grossense. No começo das filmagens eles estavam meio desconfiados, mas rapidamente se assenhoraram da maneira de representar e se tornaram atores fantásticos. Principalmente as crianças. Havia um menino que engolia todos nas cenas em que aparecia. Era de uma naturalidade impressionante, chegávamos a ficar comovidos. A Lúcia Murat tinha muita paciência com eles. Explicava tudo de uma maneira meio ingênua, numa linguagem simplificada: “Eles chegaram aqui para fazer isso e isso e vocês vão ficar com muita raiva deles e vão bater o pé, não vão aceitar o que eles querem”, etc. Eles entendiam direitinho e interpretavam que era uma beleza. Só que o filme acabou ficando enorme e teve de ser cortado. Acabou meio confuso. Em 1982 fiz Amor de Perdição, direção de Alfredo Sternheim, com Norma Blum. O último filme que fiz foi Ação entre Amigos, em 1998, no papel do Correia, direção de Beto Brandt. É a história de uns amigos da época da revolução que foram presos e torturados. Quando começa o filme, havia se passado mais de 20 anos; eles continuam amigos e continuam se encontrando. Estão num bar bebendo e recordando aqueles tempos e brincando até quando, de repente, um deles vê no jornal a fotografia de uma rinha de galos. Na platéia, assistindo, ele se depara com uma fisionomia conhecida: “Esta cara aqui não é estranha: este aqui não é o Correia?” Os outros brincam “Não, não, imagine”. Ele insiste: “Este aqui é o Correia”. E ele começa a batalhar, até descobrir onde é que está esse Correia. Está numa cidadezinha do interior, morando num sítio e criando galos de briga. E eles, então, decidem ir até lá. Tem uma série de flashbacks, do Correia torturando-os e pegando o filho de um dos presos e fazendo-o delatar, porque, ao ver o pai sendo torturado, o rapaz conta tudo que sabe e acabam todos presos e alguns morrem. Eles resolvem fazer justiça, se vingarem. Encontram o Correia numa rinha de galo – uma cena linda, por sinal – e eles, depois que termina a briga, o seguem, para ver onde ele mora. No dia seguinte, voltam na hora em que ele sai com a caminhonete, vão atrás, fecham ele na estrada, o agarram e o arrastam para o mato. “Você é o Correia!”– Correia era o nome de guerra que ele usava na época em que era torturador. Ele nega: “Vocês estão enganados”. Arrastam-no para o meio do mato, o amarram e começam a perguntar, ameaçando-o: ”Você vai morrer”. Ele fala: “Está bem, vocês podem me matar, mas saibam que quem delatou foi Fulano” – que era um deles. O acusado grita indignado: “É mentira!”, e fala: ”Eu não agüento ouvir isso! Espero vocês na Rodoviária”, e vai embora. E um dos amigos sai correndo atrás dele: “Vou matar esse desgraçado!” E daí quando os outros dois, depois de matarem o Correia, vêm voltando, um começa a chorar e diz : ”Eu tenho que te contar, não foi o fulano que delatou, fui eu! Mas vamos depressa, antes que seja tarde demais”. Porém, quando eles chegam no lugar do encontro, o outro já tinha matado o companheiro! E termina o filme. Ao todo, fiquei uns dez anos fazendo cinema. Fiz, acho, uns 15 filmes. Capítulo VII Teatro Mas não deixei de fazer teatro em todos aqueles anos, principalmente no Rio de Janeiro. Não lembro de todas as peças que fiz, porque foram muitas. Vou falar das que me recordo: A Ratoeira, de Agatha Christie; O Preço, de Arthur Miller, 1969. Fiz o médico e O Inspetor Geral, de Gogol. O detetive. Rastro Atrás, do Jorge Andrade, no Rio de Janeiro, dirigido por Gianni Ratto, com Isabel Ribeiro, Rodolfo Arena e Iracema de Alencar; era um espetáculo belíssimo, fez um bruta dum sucesso. Adorei. Fiz, inclusive uma peça israelense, Gente Difícil, de Yossef Bar Yossef, em 1975. Quem empresou foi a Beyla Genauer. A Beyla traduziu a peça e depois chamou o diretor que dirigiu lá em Israel, pois ela assistiu lá e adorou o espetáculo. Trouxe o diretor e ele dirigiu aqui – ele não falava uma palavra de português. Éramos eu, o Ítalo Rossi e ela, três personagens. E olha, foi uma coisa fantástica; a peça não fez sucesso nenhum, a colônia não prestigiou, mas eu adorei fazê-la porque era um papel que não tinha nada a ver comigo. Eu era um judeu vindo da Europa para casar com uma solteirona e tinha problemas, e houve um entrosamento tão grande entre o diretor e mim, apesar dele não entender português e eu não entendê-lo. Beyla ficava no meio dos dois, traduzindo. Mas, aos poucos, fui entendendo o que ele queria, sem precisar mais de tradução. Eu ganhei o prêmio de Melhor Ator no Rio de Janeiro com a peça. Ele, quando soube da premiação, lá em Israel, mandou dizer por intermédio de Beyla que eu era muito melhor do que o ator israelense. O enredo tratava de três judeus, um casal de irmãos que já estava aqui e um terceiro que chegava para casar com a moça. O casamento já estava combinado, mas, ao chegar, eles descobrem que não têm nada a ver um com o outro, ela louca para casar, uma solteirona, e ele, um cara que tinha problemas – não era um débil mental, mas era um cara um pouco retardado e ansioso, nervoso. No fim, ele ia embora e não casavam. É bonito, o texto é bom. E os papéis principais eram da Beyla e do Ítalo. Tenho uma grande admiração pelo Ítalo, além de muita amizade. Amizade antiga. Quando nos encontramos é uma alegria. É um grande ator e uma pessoa admirável. Quando está num coquetel e alguém insiste para que ele tome um uísque, recusa educadamente e diz com toda a franqueza: ”Obrigado, mas não posso beber, sou alcoólatra”. Acho isso admirável. Tem tanta gente por aí que não pode e não deve beber, mas não tem a coragem de confessar publicamente e prejudica sua saúde. Ele está muito bem, eu fiz uma novela com ele, adorei reencontrá-lo. Porque são pessoas da nossa época, com quem a gente sempre se deu bem, aquela nossa geração se dava muito bem, eu trabalhei com ele no TBC, vi trabalhos dele no grupo dele e da Carla, depois vi trabalhos dele no Teatro dos Quatro. Quando nos reencontramos, principalmente trabalhando, é uma maravilha, a gente passa horas conversando, horas. A gente vai almoçar junto, volta junto, fica junto, tem cena junto, é muito gostoso – e depois, de noite, falamos no telefone também, porque ele não sai de casa e eu também não saio, e ele telefona pra todo mundo; eu não sou de telefonar, mas o Ítalo é de ligar para todo mundo – continua com aquele gênio engraçado e bom. Fiz Mary, Mary, de Joan Kerr, em 1964, direção de Adolfo Celi, com a Fernanda Montenegro, no Teatro Copacabana, na companhia de Oscar Ornstein; e depois também no Teatro Bela Vista, com Teresa Rachel e Lílian Lemmertz. Detestei fazer o papel. Foi a única vez em que realmente não consegui realizar o personagem. Sabia como ele era e como devia se portar, mas simplesmente não saiu a contento. Não fiquei satisfeito. Outros Trabalhos Os Campeões do Mundo, de Dias Gomes. O Grande Amor de Nossas Vidas, de Consuelo de Castro, direção de Flávio Rangel, com Miriam Mehler, em que passava a peça inteira numa cadeira de rodas. Motel Paradiso, de Juca de Oliveira, direção do José Renato, com a Companhia de Maria Della Costa, um texto que fiz com muito prazer. A Mala, peça com a qual viajei pelo Brasil com Maria Della Costa, grande companheira. Maria da Ponte, de Guilherme de Figueiredo. Outra Vez, de Ronald Harwood. Sábado, Domingo e Segunda, de Edoardo De Filippo, direção de Maurice Vanneau em 1987. Senhorita Júlia, de Strindberg. O Sistema Fabrizzi, de Albert Husson. Rastro Atrás, de Jorge Andrade, dirigida por Gianni Ratto e Ao Lado Meu na Imensidão, em 1993. A Moratória eu fiz agora, há três anos. Era uma peça que eu tinha muita vontade de fazer, mas o que eu queria fazer mesmo era a Morte do Caixeiro Viajante. Eu estava na idade agora, para fazer, e quem acabou fazendo, não sei se foi o Dória, ou... Mauro Mendonça, sei lá – pronto, acabou – agora não tem mais peça para mim. E depois o Edmundo Lippi, que tem um grupo já há muito tempo – eles levam principalmente Molière –, me convidou para fazer A Moratória, direção de Sidney Cruz. Perguntou se eu queria fazer. Falei: “Só quero!“ Depois eles contrataram a Teresa Amayo e a Amélia Bittencourt. Apesar da Amélia ser bem mais moça do que eu, ela convencia muito bem no papel de minha mulher. Não foi um grande espetáculo. Felizmente nós tivemos críticas razoáveis – eu, pessoalmente, tive críticas excelentes – a não ser da Bárbara Heliodora, que detestou quase tudo. A respeito da Amélia Bittencourt, ela disse: “Amélia faz o papel razoavelmente”. E, no entanto, Amélia estava muito bem. “E o Leonardo Villar, a direção era tão ruim que ele não conseguiu mostrar o que ele podia fazer nesse papel.” Livrou a minha cara. Mas as outras críticas foram maravilhosas, me botaram lá nas alturas, graças a Deus. “Felizmente trouxeram Leonardo de volta”, etc. Então matei minha vontade de fazer o Caixeiro Viajante, vivendo o fazendeiro de A Moratória. Capítulo VIII Televisão Eu fiz muita televisão. Só no Teatro Cacilda Becker, na TV Record, era uma peça por semana. Textos maravilhosos que a gente decorava com prazer. Fiz também com você alguns Teatro das Segundas-Feiras, na TV Tupi de São Paulo, e com o Sérgio Britto, no Rio de Janeiro. Novelas e séries foram muitas. A Cor da Sua Pele (Dudu) na TV Tupi, direção de Wanda Kosmo, em 1965. Os Miseráveis (Jean Valjean), foi um seriado na TV Bandeirantes, direção de Adhemar Guerra, em 1967. Acorrentados (Rodrigo), seriado, em 1969. Happy End, na TV Cultura, direção de Fernando Pacheco Jordão, em 1969. Primeiro Amor (professor Luciano), 1972. TV Globo, substituindo Sérgio Cardoso após seu falecimento. Novela dirigida por Régis Cardoso. Logo após a morte de Sérgio, a Globo procurava um substituto, pois a novela não iria parar. Fui escolhido, não só como ator, mas também pelo fato de ser compadre de Sérgio e você, e padrinho de batismo de Sylvia, sua filha. Foi terrível para mim, gostaria de poder recusar, mas não havia como. A primeira cena foi emocionante. Sérgio tinha terminado sua participação, tirando os óculos e colocando-os em cima da mesa. Então a câmara abriu a minha cena inicial focalizando os óculos em primeiro plano e minha mão entrando em quadro, pegando os óculos e colocando-os. O elenco todo foi extremamente colaborador. Apesar da emoção, Rosamaria Murtinho, Marcos Nanini e todos os atores me aceitaram imediatamente e continuamos a gravação da novela. Uma Rosa com Amor (Frazão), TV Globo, direção de Regis Cardoso, com Tônia Carrero, Marília Pêra, em 1972. Os Ossos do Barão (Miguel), TV Globo, novela baseada na peça teatral de Jorge Andrade, levada no TBC, em 1973. O Crime de Zé Bigorna (Miguel Fará), com Lima Duarte, TV Globo – especial, durava uma hora, em 1974. Escalada (Alberto Silveira), novela que durou um ano. Era dividida em duas partes; eu entrei na segunda, que durou seis meses. Havia uma passagem de tempo, em 1975. O Grito (Edgar), de Jorge Andrade. Todas as novelas dele eram fantásticas. Podiam até não fazer sucesso de público, mas eram tão boas quanto suas peças. Na TV Globo, em 1975. Estúpido Cupido (Guima), TV Globo, com Maria Della Costa. O casal jovem era vivido por Françoise Fourton e Ricardo Blat. Estavam também Ney Latorraca e Djenane Machado, todos garotos ainda. E mais: Vic Militello e Soninha de Paula, em 1976. Coração Alado (França), 1980. É uma novela de que não me lembro muito, só que fazia um médico, mas não gostava do papel; e quando não gosto, não lembro... O Fiel e a Pedra, de Osman Lins, 1981. Era um especial. Toda semana havia especiais, além das novelas. Eram histórias com começo, meio e fim. Fiz tantos que não lembro mais. De vez em quando faço uma limpeza em casa e jogo fora uma porção de papéis. É tanta coisa guardada... No Rio de Janeiro, os artistas juntam todos os recortes de jornal, programas e fotografias e mandam para o Sindicato dos Artistas, que os encaminha para um museu de memória dos artistas. Um dia eu vou fazer isso também, porque senão acaba se perdendo tudo. Além do mais, na hora em que eu morrer, minha família vai jogar tudo fora... Que é que eles vão fazer com aquilo? Eles não são deste meio. O Duelo, de Guimarães Rosa, 1981, com Lima Duarte. Especial, também. O Homem Proibido (Dário), novela, em 1982. Voltei pra Você (Rubens), novela, em 1983. Marquesa de Santos (José Bonifácio), minissérie com Maité Proença. Adorava fazer o José Bonifácio. Foi na Manchete, em 1984. Santa Marta Fabril, minissérie na Manchete, direção de Geraldo Vietri, adaptada da peça de Abílio Pereira de Almeida, levada no TBC, em 1984. Tudo em Cima (Robert Kraus), novela, em 1985. Mania de Querer (João), novela da Globo, em 1986. Desejo (Rodrigues), minissérie na TV Globo com Tarcísio e Vera Fisher. Era a vida de Euclydes da Cunha, em 1990. Barriga de Aluguel (Ezequiel Ribeiro), novela, TV Globo, em 1990. Amazônia (Peçanha), na Manchete, em 1991. Tocaia Grande (Elias Daltro), na Manchete, em 1995. Os Ossos do Barão (Antenor), no SBT, 1997, com Cleyde Yaconis, Elisabeth Henreid e Ana Paula Arósio. Elizabeth continua a mesma gracinha de sempre, educadinha, gentil. E ficou uma velhinha tão gostosinha, não é? Adora filhos e netos; a filha mora no Sul, e quando a manda chamar ela vai correndo. E tomou conta do Ruy Affonso – embora morassem separados – ela tomou conta dele até o fim. O Desafio de Elias, minissérie na TV Bandeirantes, dirigida por Nilton Travesso, em 1997. Serras Azuis (Ignácio O’Neill), novela na TV Bandeirantes, em 1998. Laços de Família (Pascoal Lima), TV Globo, em 2000 e Coração de Estudante (Ronaldo Rosa), novela, em 2002. Laços de Família foi uma das últimas novelas que eu fiz na TV Globo. Tinha cenas em que eu precisava parar – não conseguia falar, ficava com a voz embargada. Era esse envolvimento entre pais e filhos, coisa que eu não tive – filhos – entende?... Não sei se era a falta de filhos, a vontade que eu tenho de ter tido filhos que me pegava, ou o que era. São papéis bem escritos, essa é que é a verdade; e os papéis bem escritos trazem consigo a emoção, trazem tudo. E o papel era tão emocionante, que havia cenas em que dava um nó na garganta e eu acabava chorando, fazendo a cena aos prantos. E o diretor se empolgava: ”Deixa! Deixa! Solta! Vai soltando”. Era um papel que me comovia profundamente. Houve um capítulo em que meus óculos caiam no chão e o personagem vivido pelo ator Henrique Pagnoscellis pisava neles de propósito. Era terrível! Logo depois, tinha uma cena com a Giovanna Antonelli, nós dois voltando para casa, e eu falava: “Não, não quero que sua mãe me veja assim. Vamos dar um tempo”. E entrávamos no apartamento da Vera Fisher. Ficavam as duas, ela e a Vera do meu lado, e eu estava tão triste que a Vera achava melhor levar a minha filha para dentro e me deixar sozinho. E eu começava com um soluço e desabava num choro alto, de desespero e humilhação. O estúdio todo chorou junto. Foi mais um papel bem escrito, com cenas bem armadas e uma direção que respeitava a emoção do ator. Quando tudo acontece na hora certa, então você vai até o seu limite. Daí em diante queriam que eu chorasse sempre, mas eu me recusei: “Não vamos fazer um velho chorão!” Eu tinha o meu núcleo, que era maravilhoso: a Giovanna, que é uma pessoa doce, a Walderez de Barros, ótima atriz, o menino, filho da Capitu, a Vera, fantástica, um amor de pessoa e um pé-de-boi pra trabalhar. Sempre com o texto de cor – e muito texto, que ela entrava em todas as cenas. Adorava fazer a novela; foi um sucesso enorme. O autor, Manoel Carlos, meu Deus do Céu! Ele me mandava presentes. A cada cena que eu fazia, me telefonava. Ele ficou satisfeitíssimo. Mas nunca mais me chamou! Não me chamou mais. Eu sei que eles têm o grupo deles, com quem gostam de trabalhar, e há pessoas desempregadas que vão sempre lá pedir para serem escaladas, telefonam para os autores e, praticamente, são os autores que escalam. Eu sou incapaz de pedir um papel; tudo que eu fiz em minha carreira foi porque me escolheram e me convidaram. Aliás, Laços de Família nem era eu que ia fazer, era o Paulo José. Eu fui a segunda opção. Eles têm uma lista: Fulano, segunda opção. Cicrano, terceira opção. E o Paulo era contratado da casa; em geral eles botam os contratados primeiro. Mas parece que ele estava fazendo outra coisa. Ele tem um cursinho dentro da Globo, para preparar atores mais novos. Além do mais, o papel da novela não era para ser tão importante. Foi o Manoel Carlos que começou a me incluir em quase todas as cenas. Eu acho que a televisão progrediu muito nos últimos anos e prejudicou muito o teatro; tirou muito público do teatro. O poder financeiro do brasileiro caiu, então ele prefere ficar em casa vendo televisão, que não tem que pagar e vai ao teatro uma vez cada dois, três meses e às vezes nem vai. Em matéria de espetáculos – eu não sei se pelo fato de ser ator, eu sou muito crítico – tenho visto tão pouca coisa que tenha me agradado... Confesso que esses espetáculos muito modernos a que você assiste e acaba não entendendo nada, não fazem o meu gênero. Eu gosto de assistir a um bom texto – muitos jovens chamam de “teatrão” – mas eu gosto de um bom texto, um espetáculo do qual você leve alguma coisa pra casa, alguma mensagem, enfim aprenda um pouco, acrescente alguma coisa à sua cultura. Ou então uma comédia bem engendrada, que encerre uma crítica política, que seja uma crítica da situação atual – eu gosto muito do Juca de Oliveira. O Juca de Oliveira escreve sempre sobre a política do momento e o faz com inteligência e humor. Desse tipo de peça eu gosto. Agora, essas coisas malucas de que você não entende nada, em que só ficam os atores fazendo bobagens no palco, disso daí eu não gosto, não. E vou muito pouco a teatro porque eu escolho bem os espetáculos a que vou assistir, e só vou quando sei que vai ter um bom texto, com bons atores, boa direção. Às vezes, as peças são recomendadas por pessoas que já assistiram e elogiam. Tanto faz se são atores novos ou antigos, o importante é que sejam bons. Caso contrário, eu fico em casa: não sou crítico de teatro, não tenho que ir por obrigação. E, por falar em “teatrão”, eu estava com Elizabeth e Cleyde durante uma gravação de Os Ossos do Barão, no SBT, quando um ator se meteu a falar mal do TBC, chamando-o de “Teatrão”. Pra quê!!! Cleyde ficou furiosa, disse tantas coisas pra ele: “Vocês deviam dar graças a Deus por ter existido o TBC, senão vocês não existiriam. Você sabe o que o TBC fez?” Ele respondeu que não era coisa que interessasse. E Cleyde: “Pois é coisa que devia te interessar, porque isso que você faz, isso é que não interessa a ninguém. O que o TBC fez ficou, ficou na história; você não vai ficar na história de ninguém!!!” Mas falou tanto, ficou tão nervosa, que pensei fosse agredi-lo fisicamente. Ele não respondeu, ficou paralisado, olhando para ela. Acho que é um cara tão alienado que nem sabe que todos nós tínhamos sido do TBC, desde o início. A nossa turma toda. Cleyde pode ser meio agressiva, mas defende suas opiniões com muita força. Com cinema acontece o mesmo que com o teatro, a mesma coisa: escolho muito os filmes a que vou assistir. Em geral não gosto muito de comédias. Graças a Deus tenho três cinemas perto da minha casa, que tem sempre filmes novos, posso escolher. E eu assisto ali boas fitas. Veja os filmes que ganham prêmio... Que fazem grande sucesso. Você viu O Pianista? É uma coisa simples, não é? Não tem nada de extraordinário, de espetaculoso... E A Lista de Schindler? Que coisa maravilhosa! Esse tipo de filme não tem quem não entenda, que não goste. Você não vai sair de lá e pensar: “Ah, o que foi isso? Que quis dizer aquilo?” É cinema pra todo mundo; não é só pra intelectuais, desses que andam com livrinho embaixo do braço. É pra todo o mundo, a pessoa mais simples senta, assiste e se comove. Outro dia eu assisti de novo A Lista de Schindler. Eu estava na chácara com meus sobrinhos e eles levaram o vídeo para assistirmos; inclusive eles convidaram a família do caseiro. Você precisava ver: gente simples que não tem acesso a cinema – lá não tem cinema – assistiram eletrizados, emocionados; então isso é cinema. Isto é arte. É fazer uma coisa que pegue todo mundo. Então... Tanto o teatro como o cinema, têm que ter coisas boas, simples, que tenham conteúdo, que digam alguma coisa, que mexam com você, que te ensinem algo... Capítulo IX Família Eu tenho uma família maravilhosa. Se eu não senti tanto a falta de um filho, foi por causa disso, porque nós somos muito unidos e eles preencheram todo esse vazio. Por eles, estaria morando em São Paulo, eles queriam que eu voltasse para cá e ficasse aqui. Mas eu gosto mais de viver no Rio de Janeiro. Só vou vir para cá quando estiver já de bengala, para eles tomarem conta... Tenho minha casa lá e meus amigos também. Lembra do Edison Silva? Trabalhamos juntos no Teatro Leopoldo Fróes. Tem o Enéas, que não é de teatro, que é do tempo do TBC e... Só. Com alguns perdi contato, outros se foram. Quando faço uma novela, encontro todo mundo da televisão, mas acaba ali. Alguns anos atrás tive um problema no coração. Queriam iniciar um tratamento a longo prazo, mas eu disse que não ia ficar esperando, que me operassem logo. Pois você acredita que dez sobrinhos meus foram até o Rio para doar sangue, com medo que eu recebesse sangue infectado? Foram de manhã, fizeram a doação e voltaram para São Paulo. Quem ficou comigo até eu me restabelecer foi minha irmã Cláudia. Minha querida Cláudia. Quando eu ia fazer 80 anos, meu sobrinho Mauro insistiu para que eu viesse para São Paulo, passar meu aniversário com eles. Tanto insistiu, que concordei. Nunca liguei pra aniversários, sempre passei sozinho, no Rio, mas foi difícil recusar. Cheguei na sexta-feira e ele combinou que fôssemos no sábado para a chácara, com a mulher dele, Cecília, que é também sobrinha. Eu gosto de ir para a chácara. Quando chegamos lá estava tudo calmo, não havia nenhum carro. Eu fui entrando – e ele mudo – quando cheguei ao fundo, fui direto para a churrasqueira, que é o lugar onde a gente fica mais, e descubro uma faixa Seja Bem-vindo Tio Léo. Fiquei surpreso, quem teria posto a faixa? E de repente surgem 35 pessoas entre família e amigos. Eu chorei! Quem é que agüenta? Foi uma emoção, uma coisa impressionante. E eles cantando Parabéns pra você. Fizeram um almoço que durou a tarde inteira. Mais de 25 pessoas ficaram para dormir. Levaram colchonetes no carro, lençóis e travesseiros e dormiram na sala, no chão. A garotada principalmente ficou na sala assim, ou em barracas no gramado. Eles adoraram. Os adultos nos beliches e camas. Coube todo mundo. A festa durou até tarde. De noite veio gente de Sorocaba, que é perto de lá. Trouxeram barris de chope. Foi maravilhoso! Como eu contei pra você, eu sou de uma família de oito irmãos. Eram três moças e cinco rapazes. A quarta irmã era Maria. E a Maria tinha 15 anos quando o fazendeiro José do Amaral, de 27 anos, a pediu em casamento. Ele era irmão de Tarsila do Amaral, essa pintora maravilhosa. Dos cinco irmãos da Tarsila, foi o único que não quis estudar; os outros todos se formaram, eram todos de uma família abastada, de intelectuais. José nem completou o ginásio. Disse: “Eu quero ficar aqui” e, quando estava com 15 anos, o pai falou: “Você quer, então fique!” E deixou-o lá, tomando conta da fazenda. Na verdade, de início, quem tomava conta era um administrador; ele só ficava lá se divertindo, era um playboy, playboy da roça. Adorava os colonos, aquela gente, aquela vida simples. Vivia no casarão da fazenda, onde ficava toda a família, quando ia para lá. A mãe dele, Dona Lídia, foi uma grande pianista que nunca se exibiu, mas ela tocava piano e fazia composições estupendas. Só que ninguém sabia. Quando ela faleceu, foram mexer nas coisas dela e acharam as composições. O maestro Souza Lima, que era casado com uma sobrinha de meu cunhado, orquestrou tudo e fez um programa na Rádio Gazeta só de composições dela. Coisas maravilhosas! Mas, voltando ao José: ele tomava conta da fazenda e estava já com 27 anos. Não estudou, mas lia muito e se tornou um autodidata. Ele não ia casar com uma moça da cidade, não era um cara da cidade, não ia dar certo. Ele foi criado praticamente na fazenda. Começou a se engraçar para o lado da minha irmã, a Maria, que ia fazer 16 anos. Ele tinha promovido um bailinho na colônia, e mandara convidar todo mundo, todas as moças e rapazes. Era a única diversão que eles tinham lá; chamavam um sanfoneiro e faziam os bailinhos. Eu mesmo aproveitei muito quando, já mais velho, voltava pra lá. E num desses bailinhos, ele foi tirar a Maria para dançar; ele quase nunca tirava as moças, só ficava bebendo e conversando com os homens, porque elas eram muito tímidas – ele era o fazendeiro – então quase nenhuma conversava com ele. Tinha fama de farrista e as moças da roça tinham um pouco de medo dele. E ele tirou a Maria para dançar e falou: “Maria, eu estou gostando de você, estou pensando em casar. Eu queria falar com seu pai para namorar você, você aceita?” E não conversaram mais. Ela chegou em casa naquela noite, o meu pai já estava dormindo, e ela o acordou. E ele falou: “Deus que me livre, está querendo aproveitar de você, e depois não vai casar nada, nós vamos fugir desta fazenda. Qualquer noite, a gente vai embora dessa fazenda”. E ficou assim nesse suspense. E aí, não sei o que é que deu na Maria, uns dois ou três dias depois, ela falou para o meu pai: “Eu vou namorar ele. Eu quero namorar ele”. Ele falou: “Você está louca?” Ela respondeu: “Eu quero namorar”. “Bom, você que sabe, mas depois você...” – aquelas coisas de pai. No bailinho seguinte ela disse ao José: “Está bem, você pode falar com meu pai”. E ele foi falar. Começaram a namorar, só de sábado e domingo; ele pegava a lanterna de noite e vinha até em casa. Tínhamos uma mesa comprida, ele ficava numa ponta, Maria no meio da mesa e mamãe na outra ponta, fazendo crochê. José era muito inteligente, sabe? – começou conversando com a minha mãe; puxava prosa da família dela da Espanha e depois perguntava alguma coisa para a Maria e aos poucos ele foi conseguindo conversar com a Maria. Eles casaram quatro meses depois. Ele trouxe a família dele, Dr. Juca e Dona Lídia, foram lá em casa pra conhecer oficialmente a família, que já estavam cansados de conhecer. Na nossa casa só tinha aquela mesa, um banco de cada lado, uma cantoneira com um pote e uma caneca de alumínio, onde todo mundo pegava água para beber, e duas ou três cadeiras, mais nada. E tinha um quadro do Rei da Espanha, que eu acho que era uma folhinha que eles mandaram enquadrar. Não tinha mais nada – nem cortina; a cozinha era toda devassada, entende? - casa de pobre, pobre mesmo. E ele levou os pais dele lá. O Dr. Juca, professor de Direito, e Dona Lídia sentaram, conversaram. Dona Lídia era uma mulher muito inteligente, muito culta, conversaram em espanhol com a minha mãe – a Tarsila conversava horas com a minha mãe num castelhano perfeito, ela morou em Barcelona muito tempo. E então, marcaram o casamento. Meu pai avisou ao José: “Eu não posso comprar nada para o enxoval, nada”. “O senhor não vai gastar nem um tostão. Nós vamos fazer uma festa só para as duas famílias. Aqui na sua casa. Vai ser aqui. Vai ser um almoço aqui na sua casa com os meus irmãos, os meus pais, os meus sobrinhos, vêm todos aqui”. E acrescentou: “Vamos casar na fazenda, vem o padre de Capivari, casamos aqui na capela da fazenda”. E assim foi feito. Ele, antes, mandou vir de São Paulo – foi a mãe dele evidentemente – mandou vir de São Paulo uma senhora para ser uma dama de companhia, uma professora, para ensinar Maria a falar, a comer, se comportar, enfim: Dona Custódia. O enxoval da Maria veio todo de São Paulo. Cada vestido! Os móveis também. Você precisava ver, os móveis... Estão com os filhos dela até hoje. O enxoval, então, era uma festa! Quando começaram a chegar aquelas arcas, cheias de roupa – roupa de cama, tinha quilos! – A gente nem abria, olhava só, era tudo dobrado: lençóis de linho, colchas de seda adamascada com franja. E os vestidos dela – levaram as medidas e vieram os vestidos – tudo de fazenda importada. Chapéus! Para ela que só tinha usado chapéu de palha para ir na roça! Meu pai não deixava cortar o cabelo, o cabelo dela vinha até a cintura, ela tinha um cabelo lindo; e ela fazia aquele coque, aliás, a Tarsila usava também. E ela fazia aquele coque, puxava aquele birote, punha grampos, entende? Uma mocinha de 15 ou 16 anos! Quando José ia embora, a caipirada ia toda lá, fuçava tudo, louca de curiosidade. Maria era muito engraçada, era uma palhaça. Se fosse atriz, seria uma comediante fantástica. Ela contava as coisas com muita graça, representando, imitando as pessoas – a minha mãe era igual. Maria botava os chapéus, “Imagine se eu vou usar isso, parece um penico”, no tempo em que se usava um chapeuzinho enterrado. Os vestidos dela eram as coisas mais lindas que se pode imaginar. O vestido de noiva era de cetim, uma seda linda – e a grinalda parecia uma coroa, mas era um casquete, o véu era uma manta de seda, lindo, maravilhoso. E o casamento foi na capela. Tarsila e todos foram ao almoço lá em casa. Então misturou a caipirada e elas que estavam todas enchapeladas, e nós estávamos todos lá misturados – eu, não tinha nem sapato. Nem sapato. E o casamento foi feito lá, na maior simplicidade. Eles estavam à vontade, nós é que ficamos um pouco inibidos, mas eles estavam à vontade, conversando, procurando conversa com todos – não eram novos-ricos, eles nasceram ricos, entende? – os novos-ricos é que são metidos, e eles, todos eles eram fantásticos. Tarsila estava no auge da beleza. Eu me lembro, tenho uma imagem de Tarsila gravada na memória: eu ia de manhã cedo na casa da fazenda – quando minha irmã já estava casada – eu ia lá buscar leite e passava pelo portão de trás que ia direto ao curral. Eu passava de manhã e via aquela figura de mulher na janela, escovando aquele cabelo comprido, ela era muito bonita, tinha um rosto forte. Uma figura bonita e aquilo ficou gravado na minha memória; incrível, como eu lembro até hoje. Então, o dia depois do casamento, José chamou o barbeiro e zac, cortou o cabelo da Maria. Ele tinha comprado a montaria dela e saíram a cavalo os dois, ela com o cabelo cortado, à la garçonne, e foram na roça ver o meu pai e os meus irmãos. Quando meu pai viu, ficou azul, mas não disse nada. Acabou, agora quem mandava nela era o José. E ela ficou uma gracinha; não era a mais bonita das minhas irmãs, mas tinha uma coisa diferente, irradiava uma coisa bonita, ela tinha um rosto redondo, um olho muito vivo, preto, sabe, aquele cabelo preto, bem de espanhola. Ela não sabia ler nem escrever, ele alfabetizou-a. Dona Custódia ensinou a Maria a servir uma mesa, a sentar, a comer, usar garfo, faca, enfim, a civilizou – e ela era muito inteligente e foi pegando o domínio da casa e se tornou uma grande mulher na mão dele. Tanto que ele dependeu da Maria a vida inteira, até para os negócios. Ficou amiga das cunhadas, a Tarsila a adorava, porque o pai da Tarsila morreu na casa da Maria, na mão dela. Ela que tratava do velho; ele teve gangrena numa perna, teve que amputar, e meu cunhado levou-o para lá a pedido dela: “Traz aqui para casa que eu cuido dele”. E ele morreu mais tarde na casa dela. E Tarsila, disse: “É uma coisa que eu não vou esquecer nunca. Isso, eu é que tinha a obrigação de fazer, e não ela”. E Maria fez isso de uma maneira brilhante. Era uma pessoa boa. E eles todos a amavam; Maria não era uma intelectual, mas estava no meio deles como se fosse. Eles tinham Maria como uma irmã. Assim, quando vinha para São Paulo, ela queria ficar em nossa casa, mas as cunhadas não deixavam: “Não, não, fica aqui com a gente”. E ficava lá com elas, porém Maria ia quase todo dia em casa e Tarsila acompanhou a nossa vida. Quando eu tinha 9 anos, o meu cunhado queria que eu e meus irmãos solteiros – éramos 4 – fôssemos para São Paulo, estudar. Ele queria me internar no Colégio Sagrado Coração de Jesus, que foi o colégio onde todos eles estudaram, e eu não quis. Não quis de jeito nenhum; então meu pai decidiu: “Não vou forçar”. E continuei na profissão de alfaiate, aprendendo a ser alfaiate. Eu não tive contato com Tarsila durante esse tempo; só depois que eu entrei para a Escola de Arte Dramática. Tinha mais contato com os irmãos dela, quando íamos para a fazenda, porque a Maria e o José ficaram morando na fazenda o tempo todo; criaram os filhos lá. Depois eles tiveram também uma casa na cidade. Quando a gente ia pra fazenda, se encontrava às vezes com os irmãos dele, mas aqui em São Paulo, não. Quando eu entrei para a Escola de Arte Dramática correu o boato lá na roça: “Olha, tem um cunhado de vocês que acho que vai ser artista”, e ficou naquele negócio. Quando eu me formei, e entrei para o TBC, eles freqüentavam o teatro, principalmente Dona Liloca e Helena, sobrinha de meu cunhado, que foi namorada do Maurício Barroso, que era meu colega. E elas iam muito ao TBC, ela e a mãe dela. E quando eu comecei a me destacar no TBC, elas iam sempre lá embaixo, nos camarins, me cumprimentar. Elas não deixavam de ir. Quando eu fiz o Panorama, fiz o Pagador, fui premiado, eles - nossa, eles fizeram uma festa. Tarsila - eu sabia dela pela Dulce, filha dela, que fez figuração na Dama das Camélias. Nós conversávamos muito sobre Tarsila, eu recebia recados, mandava recados para ela, porque a gente nunca tinha tempo de se encontrar, e ela já estava na cadeira de rodas naquela época. Tarsila chegou a ver meus filmes, chegou a me ver no teatro, eu não sei em qual peça, talvez no Panorama, eu sei que ela foi uma vez assistir em cadeira de rodas. Ela tinha uma admiração tão grande por mim que falou assim: “É impressionante como a vida nos dá cada surpresa maravilhosa, aquele menino de pé no chão que eu via lá...” Minha irmã tinha quadros da Tarsila, jóias que a Tarsila deu para ela, cada jóia linda, que ela foi distribuindo as coisas dela aos poucos e Maria ganhou algumas jóias – que foram muito úteis em momentos difíceis – e quadros, ela pintou dois quadros para a Maria lá na fazenda. Mas tudo isso passou. Quando Maria morreu com 50 e poucos anos, José não resistiu. Não sabia viver sem ela. Até na hora de se vestir, era ela que preparava a roupa, os sapatos, organizava os compromissos dele. Ele ficou perdido. Foi definhando aos poucos e seis meses depois, faleceu. Os filhos venderam quase tudo que havia dela. Foi o fim de uma época. Hoje, estou com 82 anos. Os meus irmãos foram morrendo, mas tenho esses sobrinhos maravilhosos. Por isso, ainda tenho um apartamento em São Paulo. Não é mais o apartamento de 200 m2 que eu tinha na Rua Major Sertório, não. É bem menor: sala, quarto, banheiro e cozinha, mas é ótimo porque é uma sala boa, grande, um quarto bom, cozinha ampla, área, banheiro de empregada, tudo muito bom. E tem uma vista maravilhosa, tem uma floresta ali na Caio Prado, onde era o Colégio Des Oiseaux. Há uma faculdade ali que dá frente para a Rua da Consolação, mas a floresta é tombada, ninguém pode tirar. Assim mesmo já fizeram um rombo, um estacionamento do lado da Augusta. Lá tem tudo quanto é pássaro. O apartamento está muito bem arrumado, ficou uma gracinha. Só o uso por poucos dias, quando venho a São Paulo. Está aí para quando eu ficar mais velho. Está decorado com tapeçarias minhas, aliás, o do Rio também. É um hobby meu. Faço isso automaticamente. Trabalhei muitos anos costurando. Então, se estou vendo televisão, fico fazendo tapeçaria. É não é em tela pintada, não, eu tenho gráfico, tem cruzinhas, tracinhos, cada um representa uma cor. Então eu vou contando e vou enchendo. Eu pego a tela limpa e vou enchendo-a. Faço tapetes de até 3 x 4 m para a sala e outros menores, de 2 x 1,20 m para as paredes. Os de parede são todos de desenhos meus, os de chão são reproduções. Vou fazendo devagar, às vezes demoro meses. Não tem pressa. É uma coisa que faço há anos, sem compromisso. Como tenho prática, faço automaticamente. É relaxante ver o desenho crescer, ficar bonito; é gostoso. Agora tem tempo que não faço por causa da posição, que mexe muito com a minha cervical que não está boa. Minha família toda tem tapeçarias. Outro dia, um sobrinho meu me levou até em casa, e eu tinha quatro tapetes enrolados, que tinham vindo do apartamento antigo e não sabia o que fazer com eles. Perguntei se sabia de alguém que quisesse e ele ficou feliz em levar todos para a filha que vai casar. Hoje em dia eu posso olhar para trás e concluir que sou um cara de sorte. Um cara privilegiado. Nasci na roça e acabei sendo um alfaiate das melhores casas de moda de São Paulo. Fiz a Escola de Arte Dramática sem ter condições de fazer, graças aos professores que reconheceram meu esforço e vislumbraram minhas possibilidades. Quis entrar no TBC e acabei ficando nove anos, em contato com os melhores diretores e os melhores atores do Brasil. Tivemos uma temporada no Rio, na Cia. Dramática Nacional, que foi maravilhosa. O primeiro filme que fiz ganhou todos os prêmios, a começar pelo Festival de Cannes. Trabalhei em todas as Televisões e contracenei com todos os grandes atores. Tenho uma família que me ama. Tenho uma vida tranqüila e a consciência em paz. Que mais pedir a Deus? Cronologia Televisão • Teatro Cacilda Becker, TV Record - SP • Teatro das 2as Feiras, TV Tupi - SP • Grande Teatro, de Sérgio Britto, TV Tupi – Rio Novelas 1965 • A Cor da Sua Pele, TV Tupi - SP 1969 • Acorrentados 1972 • O Primeiro Amor, TV Globo • Uma Rosa Com Amor, TV Globo 1973 • Os Ossos do Barão, TV Globo 1975 • Escalada, TV Globo • O Grito, TV Globo 1976 • Estúpido Cupido, TV Globo 1980 • Coração Alado, TV Globo 1982 • O Homem Proibido, TV Globo 1983 • Voltei Para Você, TV Globo 1985 • Tudo em Cima, TV Globo 1986 • Mania de Querer, TV Globo 1990 • Barriga de Aluguel, TV Globo 1991 • Amazônia, TV Manchete 1995 • Tocaia Grande, TV Manchete 1997 • Os Ossos do Barão, SBT • O Desafio de Elias, TV Bandeirantes 1998 • Serras Azuis, TV Bandeirantes 2000 • Laços de Família, TV Globo 2002 • Coração de Estudante, TV Globo Minisséries 1967 • Os Miseráveis, TV Bandeirantes 1984 • A Marquesa de Santos, TV Manchete • Santa Marta Fabril, TV Manchete 1990 • Desejo, TV Globo Casos Especiais 1969 • Happy End, TV Cultura - SP 1974 • O Crime de Zé Bigorna, TV Globo 1981 • O Fiel e a Pedra, TV Globo • O Duelo, TV Globo dentre inúmeros outros. Teatro Várias peças na Escola de Arte Dramática. TBC 1951 • Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello • A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas F° 1952 • Antígone, de Sófocles Companhia Vera Nunes 1952 • Pedacinho de Gente, de Dário Niccodemi Companhia Dramática Nacional 1953 • A Falecida, de Nelson Rodrigues • A Raposa e as Uvas, de Guilherme Figueiredo • A Canção Dentro do Pão, de Raymundo Magalhães Jr. Companhia Bibi Ferreira 1954 • A Herdeira, de Henry James • Pedacinho de Gente, de Dário Niccodemi TBC 1954 • Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias • A Filha de Yorio, de Gabriele D’Annunzio (espetáculo da Coletividade Italiana) Companhia Nydia Licia-Sérgio Cardoso 1954 • Lampião, de Raquel de Queiroz • Sinhá Moça Chorou, de Ernani Fornari TBC 1955 • Santa Marta Fabril, de Abílio Pereira de Almeida • Volpone, de Ben Jonson • Maria Stuart, de Friedrich von Schiller • Os Filhos de Eduardo, de Marc Gilbert Sauvajon 1956 • Divórcio para Três, de Victorien Sardou • Gata em Teto de Zinco Quente, de Tennessee Williams • Eurydice, de Jean Anouilh 1957 • As Provas de Amor, de João Bethencourt • A Rainha e os Rebeldes, de Ugo Betti • Adorável Júlia, de Marc Gilbert Sauvajon 1958 • A Muito Curiosa História da Virtuosa Matrona de Éfeso, de Guilherme Figueiredo • Pedreira das Almas, de Jorge Andrade 1960 • O Anjo de Pedra, de Tennessee Williams • O Pagador de Promessas, de Dias Gomes 1961 • A Semente, de Gianfrancesco Guarnieri 1962 • A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller Peças Avulsas • A Ratoeira, de Agatha Christie • O Preço, de Arthur Miller • O Inspetor Geral, de Nicholai Gogol • Rastro Atrás, de Jorge Andrade • Gente Difícil, de Yossef Bar Yossef • Mary, Mary, de John Kerr • Motel Paradiso, de Juca de Oliveira • A Mala, com Maria Della Costa • Os Campeões do Mundo, de Dias Gomes • O Grande Amor de Nossas Vidas, de Consuelo de Castro • Maria da Ponte, de Guilherme Figueiredo • Outra Vez, de Ronald Harwood • Sábado, Domingo e Segunda, de Edoardo De Filippo • Senhorita Júlia, de August Strindberg • O Sistema Fabrizzi, de Albert Husson • Ao Lado Meu na Imensidão • A Moratória, de Jorge Andrade Cinema 1962 • O Pagador de Promessas, direção de Anselmo Duarte 1963 • Lampião, Rei do Cangaço, direção de Carlos Coimbra 1964 • Procura-se uma Rosa, direção de Jece Valladão 1965 • Amor e Desamor, direção de Gerson Tavares • Samba, direção de Rafael Gil 1966 • A Hora e a Vez de Augusto Matraga, direção de Roberto Santos • O Santo Milagroso, direção de Carlos Coimbra • A Grande Cidade, direção de Cacá Diegues 1967 • Juego Peligroso, direção de Luis Alcoriza e Arturo Ripstein 1968 • A Madona de Cedro, direção de Carlos Coimbra 1982 • Amor de Perdição, direção Alfredo Sternheim 1996 • Enigma de um Dia, curta 1998 • Ação entre Amigos, direção de Beto Brant 2000 • Brava Gente Brasileira, direção de Lúcia Murat Índice Apresentação - Hubert Alquéres 05 Introdução - Rubens Ewald Filho 13 Meu Amigo Leonardo Villar - Nydia Licia 19 Leonardo 27 A Infância 31 A Escola de Arte Dramática 41 A Companhia Dramática Nacional 59 Teatro Brasileiro de Comédia 69 Cinema 105 Teatro 173 Televisão 185 Família 203 Cronologia 227 Créditos das fotografias Revista Sétimo Céu 26 P. Fabrega 34 Fredi Kleeman 45 D. Ramos 55, 58 Carlos/Rio 60, 63 Chico Vizzoni 62 J.B. Campos F° 73 Ítalo Sani/Revista Cartaz 186 Manchete 192 Bik Press 193 SBT 194 Agradecemos à cessão de material dos acervos pessoais de Anselmo Duarte, Carlos Coimbra, Nydia Licia, Paulo Duarte e à Cinemateca Brasileira. Demais fotografias: acervo pessoal de Leonardo Villar. Coleção Aplauso Perfil Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Aracy Balabanian - Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Bete Mendes - O Cão e a Rosa Rogério Menezes Carla Camurati - Luz Natural Carlos Alberto Mattos Carlos Coimbra - Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach - O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra Cleyde Yaconis - Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso - Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Djalma Limongi Batista - Livre Pensador Marcel Nadale Etty Fraser - Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri - Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça Ilka Soares - A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache - Caçadora de Emoções Tania Carvalho João Batista de Andrade - Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano John Herbert - Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont - Do Cordel às Telas Klecius Henrique Niza de Castro Tank - Niza Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti - Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo Goulart e Nicette Bruno - Tudo Em Família Elaine Guerrini Paulo José - Memórias Substantivas Tania Carvalho Reginaldo Faria - O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi - Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte - Contestador por Índole Eliana Pace Rodolfo Nanni - Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Rolando Boldrin - Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho - Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco - Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza - Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst - Um Ator de Cinema Maximo Barro Sérgio Viotti - O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Sonia Oiticica - Uma Atriz Rodrigueana? 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