Rodolfo Nanni Um Realizador Persistente por Neusa Barbosa Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro e Administrativo Alexandre Alves Schneider Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey Fundação Padre Anchieta Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Rita Okamura Coleção Aplauso Cinema Brasil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Revisão e Editoração Carlos Cirne Rodolfo Nanni Um Realizador Persistente por Neusa Barbosa Cultura Fundação Padre Anchieta Imprensa Oficial São Paulo, 2004 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Barbosa, Neusa Rodolfo Nanni: um realizador persistente/por Neusa Barbosa. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura - Fundação Padre Anchieta, 2004. – 160p. : il. - (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 85-7060-233-2 (obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-281-2 (Imprensa Oficial) 1.Cineastas – Brasil 2. Cinema – Brasil – História 3. Nanni, Rodolfo – Crítica e interpretação I. Ewald Filho, Rubens . II. Título. II. Série. 04-5155 CDD 791.430981 Índices para catálogo sistemático: 1. Cineastas brasileiros : Apreciação crítica 791.430981 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 À memória de meu filho Pedro. Rodolfo Nanni Ao Luiz, por estar sempre junto, no trabalho e na vida. Neusa Barbosa Introdução A trajetória deste livro começa em agosto de 2003, quando o Museu da Imagem e do Som, reabrindo suas portas sob a direção do jornalista Amir Labaki, decidiu homenagear os 50 anos de um filme mítico do cinema brasileiro: O Saci, de Rodolfo Nanni. Confesso que, até então, eu não sabia muito nem sobre o filme, pioneiro do cinema infantil brasileiro e um marco na produção independente paulista, muito menos sobre seu realizador, um quase octagenário alto, esguio, cuja voz não traía de modo algum sua idade, constituindo ela mesma o primeiro indício de um coração e uma disposição de criar que nunca esmoreceram. Pesquisando sobre o filme, realizado em 1953, fui cada vez mais cativada pela idéia de reconstituir o caminho de sua realização, que conduzia ao tortuoso labirinto que envolveu sempre toda e qualquer tentativa de produção independente sólida, bem como – até agora – de implantação de uma indústria cinematográfica no Brasil. A primeira imagem de Rodolfo Nanni que se formou então para mim foi a de um caubói solitário que, no ano de 1953, talvez sem nem mesmo se dar conta disso, conduziu uma das experiências mais ambiciosas – no sentido da procura da qualidade – da produção paulista e brasileira, como uma onda dentro da grande maré criadora que produzira estúdios como a Vera Cruz e a Maristela Filmes. Assunto fascinante para um livro, ainda mais que a biografia do realizador não se esgotava nessa experiência inicial. Nunca longe do cinema, sua grande paixão, embora tivesse outros talentos, Nanni enveredou por outra experiência na ficção, Cordélia, Cordélia (1971) – este um trabalho pelo qual o próprio realizador não nutre o mesmo grande amor que por sua obra inaugural, mas, ainda assim, registra desempenho memorável da atriz Lilian Lemmertz –, além de diversas incursões pelo documentário, bem antes que o gênero se transformasse na tendência que inundou as telas dos anos 1990. Desde o começo de nossos contatos, Nanni mostrou-se nitidamente dividido pela minha intenção de dedicar-lhe um livro. Se de um lado não escondeu um certo lisonjeio pela lembrança de seu nome neste país que dilapida sua memória com rara ingratidão, por outro nunca deixou de compartilhar comigo seu desconcerto diante do meu objetivo. “Confesso que não entendi muito bem até hoje porque você está fazendo este livro sobre mim”, repetiu-me reiteradas vezes, mesmo quando já iam adiantadas nossas conversas para escrever o texto. A esta altura do meu conhecimento da personalidade de Nanni, posso dizer sem medo de errar que ele não estava fazendo tipo nem afetou falsa modéstia ao dizer isso. Meu instinto, forjado ao longo de 24 anos de experiência como jornalista, sempre me garantiu que Rodolfo estava sendo profundamente sincero. Mergulhando numa espécie de autocrítica permanente – resquício, quem sabe, da militância comunista de sua juventude –, ele se assume não como realizador bissexto, um termo atribuído por alguém, e diz que foi até menos do que bissexto, porque grande parte dos filmes que pretendeu fazer não passaram de sonhos. Ficaram pelo caminho os projetos de uma produção liderada por Alberto Cavalcanti, Mistérios de São Paulo, a partir do livro homônimo de Afonso Schmidt; a adaptação de Mar Morto, de Jorge Amado, cujos direitos o produtor italiano Carlo Ponti comprou para filmar com Sophia Loren e Paul Newman, mas nunca concretizou; Pureza, uma outra história de Afonso Schmidt; e A Travessia, recontando a façanha de Amyr Klink a bordo de um barco a remo cruzando o Atlântico, um projeto premiado pela Embrafilme e fulminado, como tantos outros, pelo intempestivo fechamento da empresa pelo então presidente Fernando Collor, em 1990. Por conta desses desvarios que tantas vezes entravam a produção cinematográfica no Brasil, ficaram na gaveta todos estes planos do Rodolfo Nanni premiado na promissora estréia por O Saci – filme que ainda acumulou o mérito de ter revelado o talento de Nelson Pereira dos Santos, assistente de direção, e Alex Vianny, gerente de produção, ambos expoentes máximos do Cinema Novo que incendiaria os anos 1960. O cinema brasileiro certamente ficou mais pobre por não ter visto à luz nenhum daqueles filmes projetados por Nanni, um desperdício imenso de um artista com a sua cultura e formação, que cresceu numa grande casa da Rua Oscar Freire, num jardim decorado por esculturas do primo Victor Brecheret e freqüentado pelos modernistas Mennotti del Picchia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Anita Malfatti – futura professora de pintura do jovem Rodolfo, que antes de cineasta tentou seriamente a pintura. Impedido de realizar plenamente sua vocação maior no cinema de ficção, Rodolfo Nanni não perdeu seu tempo lamentando-se atrás das portas. Acendeu inúmeras velas para driblar a permanente ameaça de escuridão. Exerceu, assim, o cinema por todas as vias que estiveram ao seu alcance, realizando documentários como o premiado O Drama das Secas (1959), que deveria ser parte de um projeto internacional capitaneado pelo italiano Cesare Zavattini – o inesquecível roteirista de 26 filmes de Vittorio De Sica –, mas que ficou restrito ao filme brasileiro, encomendado por Josué de Castro quando dirigente da FAO (órgão da ONU ligado ao combate da fome). Depois viriam Os Vencedores, registro da crescente visibilidade internacional do cinema brasileiro, destacando filmes e realizadores nacionais premiados em festivais pelo mundo afora e exibido no Festival de Veneza de 1968; diversos retratos da cidade de São Paulo, como Bela Vista, testemunho da destruição acelerada de um dos bairros mais típicos da herança italiana da capital paulista, e Avenida Paulista, um passeio pela história da avenida mais celebrada da Paulicéia, que recebeu o Prêmio Humberto Mauro da Embrafilme, em 1977. Assessor cultural do governo paulista nos anos 1990, o cineasta descobriu nos reservados corredores dos palácios oficiais outras formas de desempenhar sua vocação, ao mesmo tempo que colaborava para a divulgação de tesouros culturais escondidos. Como o acervo artístico do Palácio Bandeirantes, que reunia naquela altura 13 quadros de Tarsila do Amaral, entre eles os fundamentais Operários e o retrato de Oswald de Andrade. Desse mergulho na obra de Tarsila, emergiram um videodocumentário e o projeto de um novo longa de ficção contemplando a musa modernista – um dos roteiros que Nanni ainda luta para realizar, bem como a retomada de O Drama das Secas, 45 anos depois da via-gem original. O que será, sem dúvida, uma façanha poucas vezes igualada por qualquer cineasta do mundo. Pioneiro como realizador, Nanni também abriu caminhos no ensino de cinema do País. Depois de ensaiar seus primeiros passos como professor do Seminário de Cinema que funcionava junto ao MASP, ainda na antiga sede da rua 7 de abril, fundou a Escola de Cinema da FAAP, em 1969, passo fundamental para a profissionalização numa atividade sempre muito marcada pelo romantismo e a improvisação. De suas classes saíram nomes de ponta da nova geração de realizadores brasileiros, caso de Beto Brant, Laís Bodanzky e Mara Mourão, cuja diferença de estilos é um exemplo cristalino da riqueza e diversidade que distinguem a promissora produção cinematográfica atual. Artista dos sete instrumentos, incapaz de olhar numa só direção, Nanni começou a experimentar seu talento na pintura, entre 1943 e 1949, que estudou entre São Paulo, com Anita Malfatti, no Rio de Janeiro, com Cândido Portinari e o austríaco Axl Leskosceck, e em Paris, com Arpad Zsenès. Paris assistiu também à guinada da pintura para o cinema, quando Rodolfo, seguindo por instinto a pista lançada num cartaz no metrô, acabou nos bancos do IDEC – Institut des Hautes Études Cinématographiques, uma das principais escolas de cinema do mundo. Foi também na capital francesa que deu seus primeiros passos como militante comunista, ao lado dos pintores Otávio Araújo, Carlos Scliar, Mário Gruber, além do escritor Jorge Amado. Uma militância que continuou brevemente depois de sua volta ao Brasil, em 1950, e que foi fundamental para cultivar um olhar atento para as mazelas sociais e para a busca de uma arte profundamente enraizada no País, ainda que o engajamento partidário tenha há muito se esgotado. As alamedas do Bois de Boulogne foram o endereço de seu primeiro grande e quase cinematográfico romance, depois transformado em casamento, com a pintora Thereza Nicolau, cuja família burguesa e influente não via com bons olhos seu relacionamento com o futuro cineasta – que por isso chegou a ser jogado numa apertada cela pela polícia de Filinto Müller, ainda no Rio de Janeiro. Se a história de amor entre Thereza e Rodolfo foi muito curta, não deixou de ser marcada inclusive pela tragédia. Desse breve casamento, nasceu o único filho de Rodolfo, o cenógrafo e cineasta Pedro Nanni, que morreu aos 38 anos, um episódio que constitui confessadamente o maior drama na vida do pai. No amor, Rodolfo teve uma nova chance e que ele é o primeiro a celebrar: seu encontro, há 36 anos, com a cantora e pesquisadora musical Anna Maria Kieffer. Posso dizer que, se houve um presente neste meu envolvimento com o livro-depoimento de Rodolfo – e foram muitos – um dos maiores foi certamente poder desfrutar da estimulante companhia não só dele como de Anna, pessoa inteligentíssima, sensível, criativa e, como o marido, inteiramente despojada do menor sinal de pedantismo. Rodolfo e Anna, aliás, são de uma inteligência e elegância exemplares. Privei de sua intimidade e paciência di-versos dias no seu confortável apartamento no Morumbi, naquela aconchegante sala de estar em que um piano e partituras de Anna convivem com esculturas de Brecheret em cima da mesa e quadros, alguns do próprio Rodolfo, nas paredes. Nunca esquecerei como foram agradáveis nossas conversas, sobre o livro e os projetos musicais belíssimos de Anna, não raro diante de um acolhedor café com bolo. Um dos exemplos mais típicos, para mim, do tipo de pessoas que são Anna e Rodolfo aconteceu num dia em que cheguei lá pela manhã. Anna havia saído para fazer um sacolão. Chamou-me a atenção o fato de que uma cantora e pesquisadora tão sofisticada, que naquele momento conduzia um projeto belíssimo sobre a música de 15 grupos de imigrantes na cidade de São Paulo – o Cancioneiro dos Imigrantes – e havia acabado de apresentar-se em dois recitais multimídia ao lado do compositor belga Leo Kupper, encontrasse tempo para coisas tão prosaicas. Um pouco depois, também Rodolfo teve de interromper a nossa conversa para ir buscar sua afilhada de cinco anos, Mariana, na escolinha ao lado do prédio. Esse tipo de comportamento cotidiano dos dois dá bem a medida da modéstia dessa gente, que ergue pontes e pilares para a cultura brasileira existir. A esta altura, não me resta muito mais a dizer, exceto discordar da classificação de Nanni como realizador bissexto. Para mim, o termo exato é realizador inacabado, porque o cineasta nele nunca deixou de estar em processo, em movimento. Além do mais, cabe-me destacar o traço que a meu ver mais distingue este criador – a persistência. Mesmo diante dos obstáculos sucessivos para a realização de seus projetos cinematográficos, Nanni sempre seguiu adiante, ainda que por vias paralelas: o magistério, o teatro, a produção musical, onde ele tantas vezes exerceu o talento que o cinema pouco permitiu. Azar nosso, azar do cinema brasileiro que esse cineasta extremamente culto e sensível não tenha realizado mais sonhos. E tomara que ele possa realizar em breve os que ainda procura. Neusa Barbosa Capítulo I A Infância entre os Modernistas Nasci em São Paulo numa manhã do dia 29 de novembro de 1924. Curiosamente, nasci em casa, pelas mãos de um tia parteira. Naquela época, nem todas as crianças faziam ouvir seu primeiro choro em maternidades. Eu já vivia há nove meses no ventre de minha mãe, num enorme casarão, local de algumas das melhores lembranças da minha vida. Foram quase 50 anos! Pare-cia uma casa de fazenda em plena Rua Oscar Freire, na época um grande descampado. Meus pais eram italianos: Enrico Nanni, nome que no Brasil foi mudado para Henrique. Minha mãe era Teresa, a menina mais linda de Farnese, onde ambos nasceram, uma pequena cidade, na Maremma, região encastoada entre a Toscana, a Úmbria e o Lazio. Região que, séculos atrás, foi habitada pelos etruscos. Nela ainda há sítios arqueológicos em exploração. Quando criança, meu pai que havia sido um pequeno agricultor na Itália, me contava uma história muito curiosa: lembrava que, às vezes, cavando a terra para plantar, encontrava pequenos objetos, estatuetas que, depois, soube serem etruscas. Na sua então ignorância, desprezava as pequenas peças. Nada foi guardado, tudo se perdeu. Ou talvez estejam em alguma vitrine do Museu Arqueológico de Florença. Muito tempo depois, o bom Enrico tomou consciência do absurdo de sua ingênua atitude. Tornou-se um apaixonado por arte, sobretudo por escultura. Um dia me confidenciou que, em determinado momento da vida, já no Brasil, teve um ímpeto de largar tudo, trabalho, família, ir para algum canto e dedicarse totalmente à arte. Não teve coragem de abandonar sua linda Teresa e seus filhos pequenos. Enterrou o sonho. Viveram na Avenida Rebouças, perto da Paulista, e acabaram abrindo um armazém. Posteriormente, esse armazém mudou-se para a Rua Teodoro Sampaio. Era o Armazém Nanni – Secos e Molhados. Tinha feijão, arroz, vinho, bacalhau, pinga.... Eram os supermercados da época. O de meus pais até que era grande. Nessa ocasião da mudança para a Teodoro Sampaio, meu pai comprou um terreno com duas casas geminadas na Rua Oscar Freire, muito grande, parece que do pai do Oswald de Andrade. Os Andrades, na época, eram donos de toda a baixada que ia até Pinheiros. Essas casas foram aos poucos sendo transformadas numa só e o grande terreno, num jardim que acabou ficando realmente belíssimo. Tudo muito à vontade, sem canteirinhos de flores. Possuía uma certa magia. Pena não existir mais. Muito simples, mas com sofisticação em todo o seu entorno, o jardim com várias esculturas espalhadas, do Victor Brecheret, que era meu primo. Brecheret era bem mais velho do que eu. Nessa época da minha infância, ele passava muito tempo em Paris. Mas vinha ao Brasil uma vez por ano, ou a cada dois anos. Havia o quarto dele em nossa casa. Meu pai acabou construindo um grande ateliê para ele, com um pédireito de dez metros, uma construção quadrada, enorme. Passei praticamente toda a minha infância vendo meu primo moldando a creta (barro especial) ou lapidando mármore e granito. Era uma sensação quase de magia ver surgirem as belas formas criadas ali, diante de meus olhos. Quando chega àquela época em que começamos a desfilar para nós mesmos os desejos ou os futuros sonhos profissionais, houve um verdadeiro suceder de anseios, desde a medicina, passando pela música (queria ser clarinetista) e a literatura. Pensei também em ser ator. Uma coisa é certa: a influência daquele meu invejável cotidiano deve ter sido definitiva. As artes, sob alguma forma, deveriam estar no meu caminho. Lembro quando, bem pequeno, conheci todo o pessoal da Semana de Arte Moderna, que aconteceu dois anos antes de eu nascer. Vinham lá em casa para visitar o Brecheret, ver o que ele estava fazendo e muito comumente também ficavam para comer o fantástico macarrão de minha mãe. Era um processo longo, ela mesma fazia a massa, usando as mãos e depois, com um grande rolo de madeira, esticava-a. Em seguida, enrolava o lençol da massa e cortava em forma de largos tagliatelle. Havia um terração enorme, uma mesa imensa, e todos esses artistas comiam ali a macarronada saborosa da minha mãe. Até hoje tenho a lembrança do gosto desse inesquecível macarrão. Entre os filantes, lembro do Mennotti del Picchia, cliente freqüente, do Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, de quem anos depois fui aluno de desenho. Sabia que eram todos artistas, mas eu só os via como bons glutões. Na minha juventude os reencontrei e pude, então, cultivá-los de outra maneira. Na época em que havia resolvido ser pintor. Tive uma infância não de menino rico, mas com razoável conforto. Tenho alguns amigos artistas que chegaram a passar fome. Eu nunca passei por esse drama. Éramos quatro irmãos, todos homens. Dois italianos, Hugo e Antonio, dois brasileiros, Fulvio e eu, o caçula. Meus irmãos mais velhos vieram para cá bem pequenos. Os dois trabalhavam com meu pai no armazém. O primeiro irmão brasileiro, Fulvio, foi também o primeiro a estudar, a fazer curso superior. Surgiu em minha vida a primeira escola: um externato, perto de casa, na Rua Teodoro Sampaio. Depois meu irmão Fulvio levou-me para a Escola Americana do Mackenzie, onde estudava. Ainda pequeno, lembro da Oscar Freire, sem calçamento. Nossa casa ficava entre a Rua Arthur de Azevedo e a Avenida Rebouças. Não existiam ruas asfaltadas em São Paulo, naquela época. Eram todas pavimentadas com paralelepípedos. A Oscar Freire foi uma das primeiras a receber esse piso moderno. Foi direto da terra para o asfalto. Tenho ainda uma lembrança bem viva do leito de pedregulhos que era feito para receber essa camada de massa cinza escura, ainda na época dos lampiões de gás. Todo fim de tarde, passava um estranho ser com uma espécie de vara mágica, uma tocha na ponta, dando luz aos lampiões. Corria a rua toda, iluminando, lampião por lampião. Lembro-me também daquelas máquinas estranhíssimas, com grandes rolos de ferro, aplainando a massa cinza, como minha mãe aplainava a sua massa de macarrão. Eu costumava subir nos caminhões de rodas finas e altas com uma corneta do lado de fora. Mais tar-de, já estudando no Mackenzie, subia até a Teodoro Sampaio, pegava o bonde apinhado, cheio de gente no estribo. Outra lembrança daquela época: quando chegava algum navio de turistas em Santos, havia uma visita obrigatória ao Instituto Butantã. Da porta do armazém de meu pai, via passarem verdadeiros cortejos de carros abertos, cheios de turistas vestidos de branco, chapéus de caçador. As mulheres, igualmente de branco, chapéus de grandes abas e lenços esvoaçantes nos pescoços. Eram levados pelo misterioso apelo do mundo das serpentes. Outra lembrança muito forte da minha infância é a da época de São João. Os céus de São Paulo ficavam absolutamente repletos de balões multicoloridos, tanto de dia como à noite, quando as luzes das tochas competiam com as estrelas. Era um espetáculo deslumbrante para nós crianças. Eu mesmo fiz muitos balões, al-guns deles, enormes. Meu irmão Antonio era nosso mestre na arte de fabricar e soltar balões. Fazíamos cola com farinha de trigo para colar as folhas coloridas de papel de seda. Tínhamos vários modelos: pião, bola, mexerica. Às vezes colocávamos prêmios neles. Antonio, meu segundo irmão italiano, foi o grande companheiro adulto da minha primeira infância. Outra lembrança: o carnaval com o corso da Avenida Paulista. Uma grande farra, que me permitia ficar acordado até tarde. Meus irmãos tinham um grande amigo, Remo Gattai – irmão mais velho da Zélia Gattai. Eles moravam na Alameda Santos. O pai deles era seu Ernesto, mecânico de automóveis. Por isso, o Remo sempre tinha um carrão à disposição. O corso era um desfile interminável de automóveis, com a capota de lona abaixada. A avenida ficava repleta de carros abertos, as pessoas sentadas nas capotas dobradas, com os pés em cima dos bancos, jogando confetes, serpentinas e espirrando lança-perfumes. Os carros praticamente não andavam, paravam a cada metro, com as pessoas cantando as marchinhas de cada carnaval. Mas uma, que a Chiquinha Gonzaga havia composto em 1900, a marchinha Ô Abre Alas, era um hit, mais de 30 anos depois. Eu gostava de cinema desde criança. Quando menino, recortava imagens de artistas, fazia álbuns. A capa do álbum era um retrato da Shirley Temple. Eu colecionava revistas de figurinhas com retratos de artistas e me divertia olhando as fotos em A Cena Muda que meus irmãos compravam. Também íamos ao cinema todos os domingos à noite, eu e meus pais, na sessão das 6 ou das 8 horas no Cine Paulista. Era um cinema que ficava na esquina da Rua Augusta com a Oscar Freire. Íamos e voltávamos a pé, na meia dúzia de quarteirões que separava o cinema de nossa casa. Havia também as idas ao cinema segurando vela para uma prima minha, Titina. Certa vez fomos a um cinema célebre na época, o Alhambra, na Rua Direita. Ainda cinema mudo, pouquíssimos filmes falados. Mas uma cena ficou gravada em minha memória: era um filme de guerra. Lá pelas tantas, havia um pelotão de fuzilamento e ouviam-se os tiros. Que sensação estranha! Freqüentei também o luxuoso Rosário. Ficava no térreo do prédio Martinelli, era todo de mármore, as poltronas e paredes forradas de veludo vermelho. Foi o cinema escolhido pelo Walt Disney para lançar Fantasia. Depois virou agência de banco. Desses primeiros filmes que vi, lembro-me de Cracatoa – O Inferno de Java, sobre um vulcão. Na primeira juventude, assisti muitos musicais americanos. Lembro-me de grande parte de filmes que fizeram sucesso, como E As Chuvas Chegaram ambientado na Índia. Quando eu conheci a turma do Paulo Emílio Salles Gomes, nós saíamos às vezes para ver filmes e depois comentar. Uma noite, fomos ao Brás ver Como Era Verde o Meu Vale, de John Ford. Fomos de bonde como sempre, o Paulo Emílio liderando. Depois, evidentemente, vi todos esses grandes chavões: E o Vento Levou, O Morro dos Ventos Uivantes, os musicais americanos, os filmes do William Wyler e do Douglas Sirk, diretor daquelas rasgadas fitas românticas que tiravam lágrimas das meninas. Capítulo II Entre Telas e Pincéis, na Companhia de Anita Apesar de gostar bastante de cinema, minha primeira vocação foi a pintura. Provavelmente pelo contato cotidiano de toda a minha infância com Victor Brecheret e seus amigos que freqüentavam nossa casa. É difícil escapar dessa influência quando se tem um contato muito grande com intelectuais, sobretudo do nível dos que realizaram a Semana de Arte Moderna. Os participantes eram bem jovens: Oswald, Mário, Menotti, Villa-Lobos, Brecheret, Anita... Eu tenho uma vaga lembrança dessa época, desse pessoal todo reunido lá em casa. Sem ter percebido, provavelmente tenha acontecido naquele tempo a minha inclinação por alguma forma de arte. Gostava muito de literatura, lia muito. Bem jovem, li a obra completa de Machado de Assis. Tudo isso vai formando um lastro de cultura. Tinha facilidade para escrever. Minhas melhores notas eram geralmente naquilo que as professoras chamavam de descrição – ou seja, elaborar um texto. A música também fazia parte do meu cotidiano. Sempre gostei de escrever ouvindo música, apesar de não ter aprendido a tocar nenhum instrumento. Temos um piano em casa e não toco. Fui me inclinando mais para as artes plásticas. Comecei então a me dedicar mais à pintura, ao mesmo tempo em que terminava o colegial. Isso foi na época em que o Brasil entrou na II Guerra Mundial. Naquele tempo, as formaturas eram muito badaladas, com bailes e traje a rigor. Eu tinha mandado fazer um smoking para o meu baile. Tudo foi cancelado. A entrada do Brasil na guerra contra a Alemanha e a Itália nos deixou todos em estado de perplexidade. Meus pais eram italianos, meus irmãos mais velhos também. Era uma situação estranha, apesar de nunca ter havido qualquer ligação da minha família com o fascismo. Até então, sobretudo aqui em São Paulo e na colônia italiana, havia um certo encantamento pela ideologia fascista, que era vista como o retrato da Itália naquele momento. Havia entre muitos italianos uma certa admiração. Muitos deles aderiram, apoiando abertamente Mussollini. Meus pais, entretanto, nunca foram ligados à política. Eu era um adolescente ainda quando o Brasil entrou na guerra. Perturbavame um pouco esse clima adesista que havia na colônia italiana. Meu pai era muito alheio a tudo isso. Ele tinha vindo para o Brasil, ficou aqui, desligou-se completamente de sua terra natal. Largou tudo lá, a propriedade no campo, a casa, os amigos. Mesmo minha mãe, que já tinha dois filhos, também ficou lá, num primeiro momento. Não sabemos o que aconteceu com as propriedades. Enrico virou Henrique e começou vida nova. Nunca se naturalizou, apesar de se sentir totalmente radicado aqui. Retornou à Itália apenas uma vez, em 1948. Quando voltou, entrando no grande portão de nossa casa, jogou seu chapéu para o alto e exclamou: “Meu lugar é aqui!”. Não se falava italiano em casa. Às vezes, meus pais diziam uma ou outra palavra no dialeto deles, mas a língua do cotidiano era a nossa. Aprendi italiano bem depois, quando fui para a Itália pela primeira vez. Quando o Brasil entrou na guerra, todos nós, meus colegas e amigos, nos posicionamos, com uma consciência maior contra o fascismo e o nazismo. Todos, de uma certa forma, nos sentimos mais seguros no momento em que os Estados Unidos entraram na guerra, contra os regimes expansionistas da Itália, da Alemanha e do Japão. A entrada do Brasil na guerra afetou também a vida cotidiana dos brasileiros. A pior conseqüência foi o envio de jovens para combater na Itália. Muitos não voltaram. Sua memória está resguardada no cemitério italiano de Pistoia. Não havia mais gasolina, que era, na época, totalmente importada. Inventaram um sistema muito esdrúxulo para movimentar os carros: o gasogênio. Esse combustível era produzido em tambores enormes que eram adaptados na parte traseira dos automóveis. Às vezes, os carros carregavam dois desses verdadeiros trambolhos, que eram feitos todos de metal, muito altos, parecidos com aquecedores de água. Outro artigo de primeira necessidade que faltava era o trigo. Passamos a comer um estranho pão escuro, feito com farinha de segunda. Vivíamos com uma sensação de estranheza, de total desconforto. O Brasil entrou na guerra a contragosto. A contragosto político do governo e a contragosto evidentemente dos jovens, que não queriam ir para a guerra. Morrer em batalhas na Europa? Essa pergunta ficava amarrada na garganta. Por outro lado, o Brasil também fez bons negócios durante a guerra: forneceu matérias-primas e muito café, nosso mais importante produto exportável. Vivíamos num perigoso regime agrícola de monocultura. Já na crise mundial de 1929, havíamos passado um péssimo momento. Toneladas de café foram queimadas. Em 1945 a guerra terminou. Que herança legou à humanidade? Milhões de jovens mortos em batalhas, milhares de mortos civis em bombardeios, os seis milhões de judeus martirizados e mortos nos campos de concentração e a negra lembrança da bomba atômica, aniquilando, em segundos, duas cidades do Japão com toda a sua população civil. Parte do mundo desmantelado. Eu tinha então 19 anos. Como andavam meus sonhos, diante de tudo isso? A pintura passou a ser o meu caminho. Não havia nenhuma pressão familiar do gênero tem que fazer um curso superior. Curso superior, na verdade, é o do caminho que decidimos tomar. Não é um banco de escola que faz um homem. E eu ainda contava com meu pai, uma pessoa muito compreensiva, aceitava minhas decisões. Você quer estudar pintura? Tudo bem. Nunca houve nenhuma pressão contrária nesse sentido. Então, estudei desenho por um tempo com Anita Malfatti. Fazia parte de um pequeno grupo de alunos que ia à casa dela ter aulas de desenho. Tenho uma bonita lembrança dessa época. Foi praticamente só com Anita que estudei aqui em São Paulo. Mas eu também ia muito à Pinacoteca. Existia ali uma escola de Belas Artes onde eu ia desenhar cópias de estátuas gregas de gesso. Até hoje guardo alguns daqueles desenhos. Logo comecei a trabalhar de uma forma mais solta, deixando o academicismo de lado. O entusiasmo de Anita com essa minha fase me deu novas forças. Em 1947, fui para o Rio de Janeiro estudar pintura com Cândido Portinari. Brecheret fez a ponte. Quando cheguei ao Rio, Portinari me deu a péssima notícia de que estava se exilando do país. Mas, antes de ir, ele me apresentou Axl Leskoscek, excelente gravurista austríaco. Fui estudar com Leskoscek. Dava aulas numa casa simples, no bairro da Glória, um sobrado com um jardim onde as plantas e o mato se misturavam. Dos poucos alunos, uma se distinguia pelo seu talento: Thereza Nicolau. Trabalhávamos bastante com guache sobre pa-pel, técnica na qual Thereza mostrou sua sensibilidade. Nessa época começou uma amizade entre nós. No Rio de Janeiro, tive um bom contato com vários artistas da minha geração. Passei a freqüentar os lugares onde os jovens artistas se encontravam. Havia um bar no centro, na Rua Araújo Porto Alegre, ao lado da Biblioteca Nacional e da Escola Nacional de Belas Artes, o Vermelhinho. Havia também o Amarelinho, do outro lado da Avenida Rio Branco. O Vermelhinho era freqüentado por um grupo de jovens artistas plásticos. Muitas vezes eu ia também desenhar no Jardim Botânico. Quando cheguei ao Rio, fui morar num pequeno quarto, na casa de uma senhora, em Copacabana. Depois mudeime para um maior, num casarão na Praia de Botafogo, onde ficava o ateliê de Di Cavalcanti, então ocupado por Athos Bulcão. Entrei em contato com muitos jovens da minha idade, tive algumas namoradas. O primeiro encantamento foi por Ligia, que era bailarina e sobrinha do Lúcio Costa. E a amizade com Thereza virou namoro. Quando o namoro começou a ficar sério, a família de Thereza deu um basta. Seu pai, um célebre pediatra, era médico dos netos de Getúlio Vargas, sinônimo de poder. Eu fui simplesmente seqüestrado pela polícia do Rio de Janeiro e, depois de passar uma noite numa minúscula cela, onde só dava para ficar de cócoras ou sentar no chão, com as pernas encolhidas, fui despachado para São Paulo, com a ameaça de que me fariam desaparecer se voltasse ao Rio antes de dois anos. Trouxeram-me uma folha de papel rosa para escrever uma carta de despedida à minha namorada. Dois anos foi o tempo estabelecido para matar nosso amor. Thereza foi enviada para a Europa, para a Côte d’Azur, onde havia uma família amiga. Mas, antes de ela embarcar, eu fui ao Rio para me despedir. Mandei às favas aquela estúpida proibição de não ir ao Rio antes de dois anos. Quando nos encontramos, percebemos que estávamos sendo seguidos. Iniciamos uma fuga rocambolesca, entramos num Cadillac preto com um motorista esperando seu patrão e o convencemos a nos levar até o aeroporto. Nos despedimos, com a certeza de que nos reencontraríamos. Quando ela saiu do aeroporto, apareceram dois policiais e me prenderam. Aí aconteceu uma situação inusitada. Um deles saiu, o outro ficou sentado comigo. Eu reuni toda a calma possível e falei: “Olha, eu estou embarcando, vim me despedir da minha namorada, estou com a minha ficha de embarque”. O sujeito olhou firme para mim e respondeu: “Olha, eu entendo teu problema porque eu passei por uma situação parecida, aconteceu também comigo”. Eu logo pensei: “Arranjei um colega”. E o cara, solidário, me disse: “Eu vou deixar você ir embora”. Sou muito calmo nessas horas. Não fiquei apavorado, apesar das ameaças que me haviam feito, coisas que a polícia do Filinto Müller não hesitava muito para pôr em prática. Que sorte, meu Deus, encontrei um tira irmão! Uma voz fanhosa deu o chamado de embarque. Thereza na Europa, nos escrevíamos todos os dias. Resolvi ir encontrá-la. Comuniquei a meu pai, no porão de casa, onde ele mantinha seus tonéis do vinho que fazia todos os anos. A reação dele, na sua sabedoria, foi quase a mesma que se eu dissesse que ia ao cinema. Ele sabia que o amor é sempre mais forte. Deve ter lembrado da fonte, na sua Farnese, atrás da qual ia namorar a sua Teresa. Ele não resistiu quando lhe disse que minha namorada também se chamava Thereza e fazia aniversário no mesmo dia que minha mãe, 8 de fevereiro. Daí, para tirar meu primeiro passaporte, foi um pulo, embora não soubesse bem como ia fazer para viajar. Dias depois, me telefonam da polícia e dizem: “Olha, parece que o seu passaporte saiu com defeito, com um engano. Será que o senhor não pode vir aqui para corrigirmos?”. Desconfiei na hora.“Aí tem coisa”. Naquela época, eu tinha alguns amigos que eram da turma do Paulo Emílio: Décio de Almeida Prado, Almeida Salles, Antonio Cândido. Freqüentávamos a simpática livraria Jaraguá, do Alfredo Mesquita, na Rua Marconi. Eu havia feito, tempos antes, uma experiência teatral, como ator, no Grupo de Teatro Experimental, criado pelo Alfredo Mesquita e que foi, de uma certa forma, a semente para a criação do Curso de Teatro da Universidade de São Paulo e do Teatro Brasileiro de Comédia. A peça foi A Sombra do Mal, de Lenormand, dramaturgo francês. Estreamos no Teatro Municipal. Faziam parte do elenco Abílio Pereira de Almeida, Carlos Vergueiro, Marina Freire, Paulo Mendonça, Mercês da Silva Telles, Barros Pinto, Peter Prado. Francisco Luiz de Almeida Salles, então respeitado crítico de cinema do jornal O Estado de S. Paulo, também trabalhava na Assembléia Legislativa. Contei-lhe todo meu problema com o passaporte e ele se propôs a ajudar. Procurou Luiz Lopes Coelho, que era um grande advogado e também muito amigo nosso. Luiz Lopes foi comigo à polícia e desafiou: “Vocês têm alguma coisa contra esse moço?”. Diante da resposta negativa, ameaçou mover uma ação contra a polícia, se não me deixassem em paz. Era preciso muita determinação, pois estávamos em plena ditadura. Funcionou, não mexeram mais comigo. Arrumei um dinheiro e fui pesquisar a forma mais econômica de ir para a Europa. Descobri uma companhia aérea, a British South American Airways, que mantinha um vôo semanal que saía de Santiago do Chile, passava por Buenos Aires, depois São Paulo, na base aérea de Cumbica, indo depois direto para a base aérea de Natal, construída pelos americanos, durante a II Guerra. Comprei passagem, embarquei. A despedida do Brasil foi meio cinematográfica. Eu tinha um grupo muito grande de amigos, que alugou um ônibus e foi até Cumbica para se despedir de mim. Foi um momento inesquecível. Subi no avião e, quando ele estava acelerando na pista para levantar vôo, vi aquele grupo de amigos em terra, todos acenando para mim com lenços brancos. Parecia cena de um filme. Uma hora depois, estava sobrevoando o Rio de Janeiro. Era uma bonita tarde de verão, o pôr-do-sol espalhando tonalidades vermelhas sobre a baía de Guanabara, com reflexos prateados do mar. Uma sensação onde poder e medo se misturaram, ao mesmo tempo que me via envolvido por toda aquela beleza. Chegando à noite em Natal, dormimos em terra na base aérea, nos alojamentos que foram construídos para os soldados americanos durante a guerra. Foi uma noite de inquietudes. Às seis horas da manhã, nos chamaram, embarcamos e fizemos a travessia do Atlântico. Era um avião de asas altas, com duas fileiras de um só um banco de cada lado. Parecia um bombardeiro adaptado. A bordo, só estávamos eu e um outro sujeito que ia para a Inglaterra, um homem forte, careca e que trazia uma mala amarrada com uma corrente no braço. O que poderia ser? Depois da travessia do Atlântico, fizemos escala de uma hora em Dacar. O aeroporto era bastante precário. Havia um salão onde fizemos uma refeição, servida por senegaleses muito altos, com longas túnicas. Em Dacar, embarcou outro passageiro, um árabe. Em vários momentos, durante o vôo, ele se ajoelhava no corredor do avião e se curvava até o chão, fazendo orações. Tudo muito estranho! Durante a noite, atravessamos o deserto do Saara e chegamos de madrugada a Lisboa. Era bem cedo, havia umas mulheres lavando o chão do aeroporto. Eu havia escrito uma carta para a minha família durante a viagem: “Tem correio aqui?”. E uma dessas senhoras respondeu: “Taim!”, com aquele sotaque forte, aquele a bem aberto no lugar do e. Parecia um sino tocando. A primeira voz que ouvi, em território português, foi a daquela saudável trabalhadora. Saímos de Lisboa de manhã, chegando à tarde, várias horas depois, em Londres. No inverno europeu, quando são cinco horas, já está escurecendo. E havia muita névoa. Em Londres, ainda existia o célebre fog. Levaram-me para um hotel, em Knightsbridge. Deixei minha mala no quarto e desci, pela escada de madeira, com uma passadeira art nouveau meio surrada. Perguntei se havia algum restaurante perto. Só havia uma casa de chá. Embaixo da escada, encontrei uma moça de boina, tipicamente francesa. Arrisquei convidá-la para o chá. Parecia desgostosa por algum motivo e só repetia: C’est une sale de ville! Parecia detestar Londres, achava-a uma cidade suja, desagradável. Haviam me avisado que me buscariam na manhã seguinte, para embarcar num outro aeroporto, agora em avião da British European Airways. Acontece que no dia seguinte começaria o horário de inverno. Nunca tinha ouvido falar disso. Desconfiei da pontualidade inglesa. Desembarquei em Paris no aeroporto Le Bourget. Thereza estava me esperando. Ela já estudava pintura com Arpad Zsenès, marido de Maria Helena Vieira da Silva, a grande pintora portuguesa. Começamos a vida parisiense. Assim que cheguei, Thereza escreveu aos pais comunicando que eu estava lá. Se quisessem dar autorização para nosso casamento, tudo bem. Para nós, isso não fazia diferença. A autorização chegou em pouco tempo. Nos casamos na Mairie du 16ème Arrondissement. Antes de eu chegar, Thereza já tinha conseguido um estúdio, na rue de l’Assomption. Essa rua dava no Bois de Boulogne. Era um luxo para dois jovens estudantes apaixonados. Pela primeira vez eu tomei contato com a neve. Nem sentia frio, andava de mocassim e camisa com as mangas arregaçadas. Nessa rua havia também um cineminha chamado Caméra, onde víamos muitos filmes franceses. Era só atravessar a rua. Com a chegada da primavera, alugávamos uns barquinhos a remo para passear no lago do Bois. Formamos um grupo de amigos : Mário Gruber, Otávio Araújo, Luís Ventura, Carlos Scliar, Jorge Amado, Enrico Camerini e sua namorada, Mina, a maioria estudantes de pintura. Nós nos organizamos com outros artistas latino-americanos e fundamos a Associação Latino-Americana, que promovia palestras e conferências, quase sempre sobre política. Vinham dar essas palestras Pablo Neruda, Nicolás Guillén, poeta cubano, Jules Supervielle, escritor franco-uruguaio, e o próprio Jorge Amado. Organizávamos também exposições de pintura, com nossos trabalhos. Thereza e eu participamos de duas exposições coletivas de pintores latino-americanos, com quadros que havíamos acabado de pintar. Ficamos muito ligados não só aos brasileiros como aos latino-americanos, a grande maioria de esquerda. Alguns brasileiros tinham se exilado em Paris por motivos políticos – caso de Jorge Amado, que fora eleito deputado constituinte e acabara de ser cassado. Nesse momento, 1948, o Partido Comunista era ilegal no Brasil. Mas lá não havia nenhum tipo de repressão. Alguns desses artistas, inclusive o Carlos Scliar, moravam num hotel muito simples na Rue Cujas, o Hotel Saint Michel, bem perto da Sorbonne. Vivia em Paris também Joris Ivens, um dos maiores documentaristas na época. Era holandês, comunista e tinha feito filmes da maior importância na China, bem como um importantíssimo sobre os mineiros na Bélgica. Ele tinha realizado também o célebre Zuyderzee, quando a Holanda resolveu invadir o mar para aumentar o seu território, construindo uma grande barreira. Ivens tinha uma forte personalidade, com a simplicidade de quem é realmente importante. Um grande cineasta, uma bela figura humana, olhos puxados, quase orientais, cabelo caído na testa. Freqüentou algumas vezes nosso estúdio. Alguns anos depois, veio ao Brasil e ficou hospedado conosco, na casa da Oscar Freire. Em Paris, nosso grupo mantinha uma certa militância política. Nos encontrávamos, discutíamos, estudávamos política. Existia uma enorme influência da União Soviética, com seu realismo socialista, que a nosso ver, com a nossa formação e com o que fazíamos, era uma grande contradição, gerando alguma perturbação em alguns de nós. O realismo socialista pregava um tipo de arte totalmente retrógrado e isso criava alguns paradoxos. De um lado, Carlos Scliar, por exemplo, elogiava o realismo socialista e, de outro, fazia uma arte que não tinha nada a ver com aquilo. Mesmo assim, num certo momento nós passamos a fazer alguns trabalhos nessa linha. Lembro-me de que tinha acontecido aqui no Brasil uma greve de mulheres, creio que em Tupã, em que elas se postaram diante dos trens, para pará-los. Houve também um início de luta de lavradores. Fizemos uma série de gravuras inspiradas nesses temas, que chegavam ao nosso conhecimento pelos jornais que nos vinham do Brasil. Nós utilizávamos muito o linóleo, um material mais simples de trabalhar. Fizemos gravuras que foram expostas na Associação Latino-Americana. Fora das influências políticas, nós mantínhamos um comportamento muito ligado à liberdade. Era uma situação controversa: de um lado defendíamos a política de esquerda de influência soviética, de outro éramos essencialmente democratas na nossa maneira de viver. As prisões e assassinatos políticos praticados por Stálin, não chegavam até nós. Jovens, livres, curtíamos a vida e o que fazíamos. Nenhum de nós tinha muito dinheiro, mas conseguíamos viver com algum conforto. Era tudo muito barato. Esta convivência de política e, ao mesmo tempo, de amizade foi bastante intensa. Nessa ocasião o Nelson Pereira dos Santos passou por lá, teve um contato efêmero com o grupo e depois voltou ao Brasil. Posteriormente é que nos reencontramos aqui para filmar aquela que seria nossa primeira experiência em cinema, O Saci. Essa consciência política foi uma coisa que aconteceu de um momento para o outro na minha vida, como geralmente se passam as coisas na juventude. A influência do Carlos Scliar foi muito forte. Ele era alguns anos mais velho, um doutrinador nato e um apaixonado pela política. Scliar olhava aqueles quadros do realismo socialista em que pintavam Stálin com uma farda branca, cheia de condecorações e o achava lindo. Eu realmente não conseguia entender essa dicotomia entre o que nós éramos e o que estávamos fazendo. Ao mesmo tempo, havia a questão da França na Guerra da Indochina. Então, da mesma forma que nós estávamos nos enquadrando dentro da doutrina socialista, nós nos insurgíamos contra a França que estava guerreando com a Indochina. Mesmo assim, acabei entrando para um grupo de estudos do Partido Comunista Francês. Freqüentava reuniões semanais, onde havia uma programação doutrinária. Nós comprávamos os livros dos teóricos comunistas. Tínhamos O Capital, de Karl Marx, e o Livro Vermelho, de Mao. Na verdade, não me entusiasmava com essas leituras. A situação mais preocupante era a da problemática da injustiça social. Essa sim era uma questão que mexia conosco. Foi sob este pris-ma que, voltando para o Brasil, em 1950, passamos a ter uma convivência maior. Fomos recebidos por membros influentes do partido. Cheguei a participar de algumas reuniões altamente ilegais, com membros da direção partidária. Lembro-me de uma reunião que era dirigida pelo Pedro Pomar, na casa do arquiteto Vilanova Artigas, onde estavam presentes uma série de intelectuais. Nessas reuniões ficávamos um, dois, três dias dentro da mesma casa, discutindo assuntos políticos. Em nosso apartamento, numa certa ocasião, houve também uma reunião com membros do partido. Ficava num edifício, na rampa do túnel da Avenida Nove de Julho. Já estava casado com Thereza e meu filho, Pedro, havia nascido. Dessa vez o dirigente presente foi Jacob Gorender. E assim, entre encantamentos e desencantamentos, essa militância foi esmaecendo. Embora tenha ficado um sentimento muito forte e que existe até hoje do problema da realidade social do nosso País. Uma problemática cuja solução não é para os nossos dias, infelizmente. Capítulo III Dos Bancos do IDHEC a O Saci Em Paris tomou conta de mim uma outra paixão: o cinema. Eu estudava pintura com Arpad Zsenès quando um dia entrei no metrô e vi um cartaz na estação, sobre uma escola de cinema. Fui me informar. Foi então que descobri o IDHEC – Institut des Hautes Études Cinématographiques. Em poucos dias já tinho ido conhecer o instituto e já sabia que poderia me matricular como estudante estrangeiro. A partir daí, envolvi-me totalmente, porque tinha aulas de manhã e à tarde. Parei de pintar. Na parte da manhã, tínhamos aulas teóricas, em Saint German des Près. À tarde, íamos para Saint Cloud, fora do centro de Paris, onde existia um estúdio e uma grande sala de projeção. Lá, assistíamos às aulas de História do Cinema e de filmagem. Havia umas câmeras antigas, mas com as restrições do pós-guerra, não havia filme virgem. Era uma situação inusitada: filmávamos sem ter negativo na câmera. As aulas de História do Cinema já eram mais sofisticadas, com projeções de filmes, e o professor era ninguém menos que Georges Sadoul. Sadoul também convidava al-guns realizadores de renome, para workshops com os alunos, como o Jean Mitry, que falou sobre o seu documentário Pacific 231, com música de Honneger. Certa vez, René Clair pas-sou uma tarde falando sobre o seu célebre filme História de um Chapéu de Palha, de 1927. Havia um grupo de alunos bastante heterogêneo, muitos franceses e muitos estrangeiros, de várias partes do mundo: americanos, gregos, italianos e seis brasileiros: Moysés Gurovitz, Bartolomeu de Andrade, os irmãos Santos Pereira, Eros Martin Gonçalves, que se dedicava à cenografia, e eu mesmo. Duas viagens: a primeira, no verão, até a Normandia e Bretanha. Dinan, onde se encontra o castelo de Anne de Bretagne, depois o célebre Mont Saint Michel, que fica isolado do continente durante a maré alta. Consta que várias pessoas distraídas foram pegas pela alta da maré, enquanto faziam a travessia, sem saber nadar. O monte já era um lugar turístico naquela época. Há uma ruela em espiral, com lojinhas que vendem lembranças, no gênero Aparecida do Norte. Há também pequenos antiquários. No alto, há uma igreja. Lá de cima, vê-se campos enormes com plantações de maçãs e de cidre, uma pequena maçã verde, usada para fazer uma bebida. A segunda: aproveitando feriados, fomos a Londres. Eu queria encontrar Alberto Cavalcanti para tentar trabalhar com ele. Mas, infelizmente, ele estava de partida para o Brasil, convidado pela Vera Cruz. Viagem de trem até o norte da França, onde se tomava um barco para a travessia do Canal da Mancha, região que, poucos anos antes, fora palco do desembarque aliado, o famoso Dia D. Em Londres, encontramos a jovem atriz Maria Fernanda, filha de Cecília Meireles. Mais do que a França, a Inglaterra ainda sentia as feridas abertas pela guerra. Boas lembranças: com Maria Fernanda, fizemos um passeio a Oxford, com seu belo museu Ashmolean, além da Universidade. Duas peças de teatro inesquecíveis: A Streetcar Named Desire, com a Vivien Leigh, e Hamlet, com Michael Redgrave, pai de Vanessa. Foi meu primeiro contato com a cidade em que tinha vontade de viver. Freqüentei o IDHEC durante dois anos. Nessa época, a França estava em guerra com o Vietnã. Thereza e eu pintamos uma faixa “Paix au Vietnam” e tivemos a ousadia de desfilar na célebre marcha da Republique à Bastille, junto de vietnamitas que viviam em Paris. Saiu uma foto nossa desse desfile, num jornal do Rio de Janeiro. Estávamos literalmente fritos. Nessa ocasião, o Plano Marshall encheu a França de dólares, como ajuda no pós-guerra. Mas aí a Guerra Fria já estava esquentando. O cerco começou a apertar. Os Estados Unidos cobraram a conta. Naquele momento, a França da “Liberté, Égalité, Fraternité” adquiriu uma nova cara, repressiva. Alguns amigos foram literalmente despejados em fronteiras de países vizinhos. Houve pressão de nossas famílias para voltarmos. Nós sabíamos que passávamos a correr perigo. Não houve outra saída senão voltar. Nessa época, já vivíamos em outro endereço, na Rue de Passy, 48. Para nós, foi uma decisão forçada, mas muito difícil. Adorávamos aquela nossa vida repleta de liberdade, de entusiasmo, olhando para o futuro com otimismo. Iríamos sentir falta de nossas reuniões com os amigos pintores, Scliar, Gruber, Otávio Araujo, Luizinho Ventura, Camerini e Mina. O adeus aos meus colegas de cinema: Robert Enrico, Gui Perol, Henri Lanoe, Serge Witta, Jacqueline Moreau, François de Lamothe, Jacques Krier, Jacques Saulnier e a bela belga Annette Wadement, os mais chegados. A maioria deles fez importantes carreiras. Adeus aos museus e exposições, à Cinemateca, aos livreiros das margens do Sena, Saint Germain, Saint Michel, ao “celeri remoulade”, às endívias e às alcachofras bretãs, à torre Eiffel vista de longe, às baguettes, às Tuilleries, às estações de metrô, às castanhas quentes e à neve no inverno, às flores da primavera e às folhas vermelhas do outono. Não ouviríamos mais os poemas do Neruda, recitados pela sua voz rouca e profunda na Canción Desesperada: Emerge tu recuerdo de la noche en que estoy. El rio anuda al mar su lamento obstinado. Abandonado como los muelles en el alba. Es la hora de partir, oh abandonado! Sobre mi corazón llueven frias corolas. Oh sentina de escombros, feroz cueva de náufragos! En ti se acumularon las guerras y los vuelos. De ti alzaron las alas los pájaros del canto. Todo te lo tragaste, como la lejanía. Como el mar, como el tiempo. Todo en ti fue naufragio! Ansiedad de piloto, furia de buso ciego, turbia embriaguez de amor, todo en ti fue naufragio! En la infancia de niebla mi alma alada y herida. Descubridor perdido, todo en ti fue naufragio! Te ceñiste al dolor, te agarraste al deseo, Te tumbó la tristeza, todo en ti fue naufragio! O velho trem nos levou até o Havre. Scliar juntou-se a nós. Um enorme casco negro, uma escada estreita e sem fim. Na proa o nome: SS Alcântara, da Royal Mail. Tínhamos uma cabine na segunda classe. Scliar estava na terceira. Nossa bagagem pesava uma tonelada. Todos os nossos quadros encaixotados, até uma pesada prensa para gravura. Nos encontrávamos com Scliar no convés, olhando o mar, sangrando o mar, sangrando saudade. Fechou-se um capítulo em nossas vidas. O IDHEC tem publicado a cada dez anos o livro Les Anciens Élèves de L´IDHEC (Os antigos alunos do IDHEC). O instituto tem procurado manter, na medida do possível, contato com todos os ex-alunos, atualizando seus endereços e currículos profissionais. Foi por intermédio desse livro que reencontrei diversos ex-colegas há poucos anos. Havia ido visitar a FEMIS, atual nome do IDHEC. É agora uma escola gigantesca, aparelhada com os equipamentos mais modernos. Por coincidência, estava justamente saindo uma nova edição atualizada do livro dos antigos alunos. No mesmo dia comecei a telefonar aos velhos colegas franceses. Nunca mais tínhamos nos comunicado, há mais de 40 anos. Eu me lembrava deles e todos se lembravam de mim. Organizamos um grande jantar, foi uma festa! Eles mesmos disseram: “Precisou você vir do Brasil para nós nos reencontrarmos”. Um momento de rara camaradagem. Com Thereza, em Paris, 1949 A primeira imagem do Brasil foi a dos rochedos de Fernando de Noronha, escuros e solitários, vistos de longe. Depois a chegada ao Rio. Fomos recebidos no cais da Praça Mauá, pelos pais de Thereza e a irmã Gilda. O Dr. Nicolau havia relutado em ir. Soubemos depois que seu grande amigo, então ministro da Fazenda Oswaldo Aranha, teria dito: “Se vocês não forem, vou eu”. Falou a voz da amizade e do poder. D. Helena, mãe de Thereza e grande dama, havia preparado um almoço, servido no pátio interior da bela casa. No fim da tarde, voltamos ao navio rumo a Santos. O Scliar foi recebido por alguns amigos, entre eles o fotógrafo de cinema, Ruy Santos. Ruy estava fazendo um filme: Aglaia, cuja protagonista era Roberta, filha do compositor Radamés Gnatalli. Estava também no elenco Ruth de Souza, ainda mocinha. O ator chamava-se Antonio Pereira e o assistente era um garoto cujo apelido era Peixinho. Era Fernando Torres que, anos depois, casou-se com Fernanda Montenegro. As filmagens eram na ilha da Jipóia, perto de Angra dos Reis. Ruy me perguntou se eu não que-ria trabalhar no filme. Foi um susto, nem me conheciam. Pensei: “O Brasil é mesmo um país de doidos”. Lembrei do meu professor de direção no IDHEC que nunca tinha dirigido, não tinha sequer passado de assistente. Aceitei, claro. Chegamos a Santos no dia seguinte de manhã. Não conseguira dormir, relembrando a chegada ao Rio, o almoço na casa de Thereza e o convite do Ruy. Agora era a vez de meus pais. O desembarque, a romântica subida da Serra do Mar, com seus manacás floridos. A chegada à casa da Rua Oscar Freire. Havia sido providenciado um quarto para nós e, naturalmente, um belo almoço, preparado por minha mãe. Tudo era novidade para Thereza, apesar de que já havia conhecido meus pais em Roma. Senti, desde o início, que não era a intenção dela ficar morando na mesma casa com minha família. Ela tinha razão. Mas, naquele primeiro momento, não dava para ser diferente. Poucos dias depois já voltávamos para o Rio e, em seguida, para as filmagens, na ilha. Ficávamos hospedados num pequeno hotel em Angra e todas as manhãs íamos de lancha para a ilha. Ruy Santos era o diretor e diretor de fotografia do filme. Jorge Ileli era diretor de produção e Alex Vianny, diretor de diálogos. Eu achava estranho porque todos eram diretores de alguma coisa. O fato é que precisavam de uma pessoa para fazer a continuidade. Torneime o continuísta e estava achando ótimo. Infelizmente, o filme não foi concluído, apesar de estar quase todo filmado. Problemas de verba. Pensei: “Então aqui é assim?”. Comecei a ficar preocupado, depois da euforia inicial. Quando voltei a São Paulo, conheci o editor Artur Neves, sócio de Caio Prado Jr. na Editora Brasiliense. Neves acalentava o sonho de fazer um filme baseado nas histórias do Monteiro Lobato, que era editado pela Brasiliense. Perguntou-me se eu não queria dirigir o filme. Eu pensei: “Outro doido. Chego aqui, me convidam para trabalhar num filme que não é terminado, depois outro já me convida para dirigir. Eu não acredito, é uma loucura”. Logo começou o processo todo de levantar dinheiro. O Neves mesmo escreveu o argumento, pinçando um pouco de cada história do Lobato, mantendo o Saci como personagem central. A partir desse argumento eu escrevi o roteiro. À mão. Depois consegui uma máquina de escrever, mas não sabia escrever nela. Fui tentando, com um dedo só, o que, aliás, faço até hoje. Dessa época, eu guardo vários manuscritos, inclusive roteiros. Comecei a trabalhar no roteiro e organizar a produção. Mas eu não tinha experiência e ainda não contava com um diretor de produção. O Neves era o produtor do filme mas ele estava o tempo todo na Brasiliense e não tinha experiência alguma com cinema. Então, resolvi convidar o Ruy Santos para fazer a fotografia e o Alex Vianny para ser o gerente de produção, como se dizia naquele tempo. E assim fomos formando a equipe, que era bem pequena. Quem deveria ser meu assistente de direção era o Bráulio Pedroso, que depois escreveu a novela Beto Rockfeller. Infelizmente, quando iniciávamos nossos trabalhos, Bráulio teve problemas de saúde. E aí reapareceu o Nelson Pereira dos Santos. Ele tinha acabado de formar-se em Direito, aos 22 anos. Eu o conhecera rapidamente em Paris e nos reencontramos aqui em São Paulo. Felizmente, foi ótimo tanto para mim quanto para ele, porque ele desencadeou uma formidável carreira a partir de O Saci. O Nelson teve a decisão sábia de ir morar no Rio. Tudo em cinema acontecia no Rio. Lembro-me bem dele no set, sempre usando bermuda e uma boina. O contra-regra foi o Walter Avancini, bem garoto. Ficava batendo cocos para imitar o som de cavalos trotando. Comecei a me ocupar da escolha do elenco, a fazer testes com os atores. Entrevistei dezenas de crianças. Escolhido o elenco infantil, ensaiei com eles durante três meses aqui em São Paulo. Achei importante esse trabalho, porque nunca tinham atuado antes. Como resultado desses ensaios, as crianças estavam afiadíssimas, na hora de filmar. Daí a naturalidade na interpretação, principalmente em Pedrinho (Lívio Nanni), Narizinho (Aristéia Paula Souza) e Emília (Olga Maria Amâncio). O Saci (Paulo Matosinho) foi excepcional. A maioria do elenco adulto também não tinha experiência anterior, exceto Maria Rosa Ribeiro, que interpretou D. Benta. Tia Anastácia (Benedita Rodrigues), que já morreu, era ex-cozinheira do próprio Monteiro Lobato. Para o papel do Tio Barnabé, convidei Otávio Araújo, grande pintor, meu amigo desde Paris. Quem interpretou a Cuca foi um homem, Mário Meneghelli. O papel exigia que fosse alguém muito feio, então convidamos Mário, que era da própria cidade e estava trabalhando na equipe como maquinista. O produtor, Artur Neves, havia nascido em Ribeirão Bonito. Como ele tinha ligações na cidade, decidiu filmar O Saci na região. Conseguimos um barracão enorme, de uma fábrica que havia fechado. Lá, instalamos nosso estúdio. Montamos todo o interior da casa do Sítio do Picapau Amarelo. Conseguimos móveis antigos, objetos, utensílios, enfim, tudo o que precisávamos. Os equipamentos foram alugados da Cinematográfica Maristela: câmera, refletores, até um gerador para iluminar as cenas noturnas na mata, quando acontece a reunião da sacizada ou a aparição da Iara. Às vezes, também em cenas diurnas usávamos refletores, como na caverna da Cuca. Freqüentemente, éramos obrigados a recorrer à nossa criatividade. Ruy Santos fotografou árvores e mandou fazer grandes ampliações, que ficavam do lado de fora das janelas para dar a impressão do pomar da casa. Todos os interiores foram filmados nessa casa. Thereza realizou com perfeição a cenografia do filme. Ela nunca havia feito cenografia antes, mas tinha talento para isso. A escultura da Narizinho em pedra foi feita por mim mesmo. Outros recursos absolutamente empíricos, como o do rodamoinho, ou do Saci dentro da garrafa – eram uma diversão para nós. Nessa região de Ribeirão Bonito, ha-via também boas locações, matas muito bonitas, todo tipo de cenário natural. Encontramos uma pedreira no alto de um morro onde tinha uma gruta, que ficou sendo a caverna da Cuca. Tinha uma cachoeirinha, usada como o lugar de aparição da Iara. A Iara, aliás, chamava-se mesmo Iara von Tressler. Era uma jovem bailarina e, por coincidência, anos depois se tornaria mãe da cineasta Mara Mourão, que foi minha aluna no curso de cinema da FAAP. Algumas vozes foram dubladas por atores de radionovelas. Por exemplo, quem fez as vozes do Saci e do Tio Barnabé foi Erlon Chaves, que na época trabalhava na Rádio Tupi. A voz da Narizinho e da Emília foi dublada pela Vilma Bentivegna. As filmagens foram longas porque o Pedrinho, que estava em cena praticamente o filme todo, sofreu uma fratura no braço, jogando futebol. Tivemos que interromper as filmagens por um mês, justamente numa fase em que estavam planejadas várias tomadas com ele. A única outra interrupção de O Saci foi o nascimento de Pedro, meu filho. Thereza deu à luz quando estávamos em plena filmagem. Ela era carioca, quis que nosso filho nascesse no Rio, onde contava com a presença da mãe. Mas ficou trabalhando nas filmagens muito ativamente, até os últimos dias de gravidez. E esse filho que nós sempre achamos que ia se chamar Marco, talvez por influência do filme acabou se chamando Pedro. Pedro fez Artes Plásticas e foi um dos primeiros artistas a criar for-mas com néon. Depois se tornou cenógrafo e diretor de arte. Trabalhou muito como cenógrafo da Globo. Dirigiu um curta-metragem, Mal-Estar, em que a atriz foi Julia Lemmertz, a filha da Lilian, que em 1971 filmaria comigo Cordélia, Cordélia. Ele estava trabalhando muito como diretor de arte, não só de longas-metragens como de publicidade também. Infelizmente, Pedro morreu num acidente de carro, no Rio de Janeiro, quando tinha 38 anos. Era realmente uma figura incrível. Tinha uma força interior muito grande. Era muito bonito. Casou-se com Maria Alves de Lima. Formavam um belíssimo casal. Tiveram uma filha, Joana, minha única neta. Pedro viveu muito intensamente, nos seus 38 anos. Infelizmente, nos deixou muito cedo. Essa foi e ainda é a maior tristeza da minha vida. Por causa do nascimento de Pedro e do problema com o braço do Pedrinho, ficamos três meses lá em Ribeirão Bonito, um mês a mais do que o necessário. O Saci foi uma produção independente, feita na época em que a Vera Cruz estava a pleno vapor. O Cangaceiro foi filmado na mesma ocasião. Apesar de todo o empirismo, de todas as dificuldades, sobretudo de dinheiro, tudo isso foi suplantado pela incrível dedicação, criatividade e talento de uma turminha que nunca havia filmado e onde eu destaco Nelson, Thereza e Ruy Santos, o único experiente entre nós. Na pós-produção, contei com a experiência do montador José Cañizares e o som de Roberto Nicot. Cláudio Santoro, grande compositor e excelente companheiro, compôs uma primorosa trilha sonora. Nessa época, Cláudio vivia em São Paulo, na Rua Alves Guimarães, numa casa que era de meu pai. Conduzindo uma orquestra bastante grande, regeu a gravação, no estúdio da Maristela. Nessa orquestra, atuaram como instrumentistas os irmãos Rogério e Régis Duprat. Capítulo IV A Trajetória Internacional de O Saci O filme ficou pronto, a duras penas, e teve um lançamento no Festival Internacional do IV Centenário da Cidade de São Paulo, em 1954. Foi um grande festival, vieram diretores e atores importantes da Europa e dos Estados Unidos. Ficaram todos hospedados no Hotel Esplanada, na época o mais importante da cidade, e as sessões foram realizadas no Cine Marrocos, recéminaugurado. A organização do festival construiu então uma passarela iluminada com refletores que ia do hotel até o Marrocos, passando por trás do Teatro Municipal. Era uma estranha visão acompanhar todas as noites os artistas e cineastas convidados desfilando, os homens de smoking e as mulheres de longo. Houve uma sessão especial de O Saci durante o festival. Depois o filme foi lançado no próprio circuito do Cine Marrocos. Henri Langlois, diretor da Cinemateca Francesa, e Sonika Bo, a diretora do Cineclube Cendrillon, participavam do festival. O Cendrillon funcionava como um anexo da Cinemateca Francesa para filmes infantis. Sonika ficou apaixonada pelo filme, pediu que lhe enviássemos uma cópia para exibições em Paris. Fizemos uma cópia com legendas em francês e mandamos para lá. Algum tempo depois, recebi de Sonika uma carta entusiasmada, assinada por dezenas de crianças francesas que tinham visto o filme. Infelizmente, essa cópia foi destruída no incêndio sofrido pela Cinemateca Francesa. Consegui guardar praticamente todo o material de imprensa que saiu sobre o filme, bem como uma quantidade enorme de negativos de fotos feitas na época, durante a filmagem. O Saci foi lançado em salas de todo o país . Ganhamos o Troféu Saci, do jornal O Estado de S. Paulo, o prêmio Governador do Estado e vários outros. Dinheiro, não ganhamos. Na época, não havia nenhum sistema governamental de apoio ao cinema. O Instituto Nacional de Cinema foi criado muito depois, a Embrafilme também. No mesmo ano de seu lançamento aqui O Saci foi para o Festival de Veneza. Quem cuidou da remessa foi o Ministério das Relações Exteriores. Problemas burocráticos do Itamaraty inviabilizaram a chegada do filme a tempo de participar da seção do festival dedicada a filmes para público infantil. Quando cheguei ao Lido de Veneza, o presidente do festival me disse: “É uma pena não ter chegado a tempo, mas vou abrir uma exceção: exibiremos seu filme no domingo à tarde, junto ao grande festival, mas, infelizmente, sem poder concorrer a prêmios”. Foi incrível, porque foi superaplaudido e teve críticas excelentes. Uma crítica do The Times de Londres dizia: “Este filme é um exemplo para a Inglaterra”. O crítico do jornal L’Unità escreveu que certamente teria sido premiado se tivesse chegado a tempo. Imaginem como fiquei feliz. Podia ter sido o primeiro prêmio internacional do cinema brasileiro, antes mesmo de O Canga ceiro, premiado no Festival de Cannes e de Edimburgo. Exatamente nessa época Thereza e eu estávamos nos separando. Foi um momento muito difícil, doloroso. A separação coincidiu com o meu embarque para Veneza no aeroporto de Congonhas. Foi desconcertante essa dicotomia entre a alegria de levar meu filme para Veneza e o momento profundamente decepcionante na minha vida privada. Para coroar esse clima estranho, embarquei na noite do dia 24 de agosto de 1954 – o dia em que Getúlio Vargas se suicidou. Havia um estremecimento geral no país. O aeroporto do Galeão estava repleto de soldados. O festival me hospedou no Hotel des Bains, onde Luchino Visconti filmou Morte em Veneza. Uma das grandes atrações foi a noite de exibição do célebre Sedução da Carne, de Visconti, com Alida Valli, Farley Granger e a novata Marcella Mariani, misse Itália, de quem fiquei amigo e fiz muitas fotos. Lucia Bosè, que também havia sido misse Itália, estava iniciando a carreira no cinema. Lucia era uma mulher lindíssima. Estava com Luchino, depois da projeção. No hall do Hotel Excelsior, encontrei os dois. Aproximei-me. Na verdade, não sei se queria falar com Visconti ou chegar perto de Lucia. Ela era toda rosa, a pele, o vestido longo e as luvas que cobriam quase todo o braço. Cheguei perto deles e soltei num italiano incipiente:”Lei ha portato in alto il cinema italiano” (o senhor elevou o cinema italiano). Visconti agradeceu gentilmente, pediu desculpas e foi sentar-se num sofá com Lucia. Acabei ficando amigo da Lucia, durante a filmagem, na Lombardia, de Os Revoltosos, do jovem diretor Francesco Maselli, onde atuava, como ator, o argentino Fernando Birri, o brasileiro Antonio de Teffé (na Itália, Anthony Stephen), Prando Visconti (sobrinho de Lucchino) e Emmanuella Castelbarco (neta de Toscanini). As filmagens, que retrataram o período da Resistência italiana, foram realizadas numa fazenda que pertenceu ao grande regente. Mais tarde, voltei a encontrar Lucia Bosé em Roma, no seu belo apartamento em Monte Mario, uma das sete colinas da cidade, onde conheci Bernardo Bertolucci, ainda bem jovem. Nessa época estava na Itália também César Memolo, que depois fundou aqui uma grande firma de cinema publicitário, a Lynxfilm. César estudava no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma, e tinha ido a Veneza em seu carrinho conversível. Terminado o festival, fomos de Veneza a Roma pela costa do Adriático, passando por cidades históricas, como Urbino, terra natal do pintor Rafael. Em Roma, fiquei algum tempo na casa de uma tia minha, irmã de minha mãe, tia Zelinda. Ela tinha dois filhos, Marcello e Giacinto. Resolvi ficar por lá algum tempo, porque eu queria reorganizar minha vida depois da separação. Não sabia naquela época que poderia obter a nacionalidade italiana. Isso teria facilitado muito a possibilidade de trabalhar lá. Foi quando fiz meu primeiro contato com Farnese, a terra natal de meus pais. Fui visitá-la, com meu primo Marcello. Ele tinha um Topolino, um Fiat minúsculo. Conheci a capela de pedra, onde meus pais se casaram. E uma fonte da cidade onde, contam, os dois iam namorar. Depois tentei trabalhar em Roma. Arranjei um local para viver e ganhei algum dinheiro fazendo pequenos trabalhos ligados a cinema. Nessa época, recebi a notícia de que O Saci havia ganho o Prêmio Saci, do Estadão. Era uma escultura criada por Brecheret. Ao mesmo tempo, chegou uma carta da Thereza dizendo que o Pedrinho estava sentindo minha falta. Não resisti e voltei. Tinha ficado amigo do gerente da Panair, onde costumava ler os jornais do Brasil. Consegui uma passagem “para pagar depois”. Não existiam cartões de crédito e eu estava absolutamente duro. O Saci teve uma carreira comercial no Brasil. Fora, só passou em festivais. Não pensávamos em lançar o filme no exterior. O primeiro que rompeu essa barreira foi O Cangaceiro, com a distribuição da Columbia. Em 1998, houve a Expo 98 em Lisboa. Telefonaram-me de Brasília, informando-me da organização de uma mostra do cinema brasileiro e queriam abri-la com O Saci, com a minha presença. Seria no dia 10 de julho. Eu já estava com viagem marcada no dia 8 de julho para a Europa, com destino a Bruxelas. Eu chegaria no dia 9 à tarde. Ficou acertado que eu tomaria outro avião para Lisboa, onde cheguei de madrugada. No dia seguinte, começaria a mostra na Cinemateca Portuguesa. Os organizadores da mostra haviam pedido a cópia de O Saci à Cinemateca Brasileira. Simplesmente o filme não foi enviado. Fiquei na desagradável situação de estar diante de um auditório lotado de jovens, o presidente da Cinemateca presente, e eu não tinha meu filme para mostrar. Foi constrangedor. Para agravar, uma circunstância infeliz. Sofri a recaída de um acidente na coluna. Comecei a ter dificuldade para me locomover. Voltei para Bruxelas em 12 de julho, o dia em que o Brasil perdeu a Copa do Mundo na França. Dois dias depois, estava sendo operado da coluna num hospital em Bruxelas. Uma das maiores homenagens que O Saci recebeu foi na comemoração de seu cinqüentenário, em 2003, quando fomos convidados para exibilo na reabertura do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo. Foi comovente o reencontro de vários dos participantes do filme que nunca mais haviam se encontrado, desde as filmagens: Pedrinho (Lívio Nanni), Narizinho (Aristéia Paula Souza), Emília (Olga Maria Amâncio), Tio Barnabé (Otávio Araújo), Iara (Iara Tressler) e Nelson Pereira dos Santos. Curiosamente, nenhum desses atores infantis do filme seguiu carreira artística. Lívio Nanni é médico na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Olga Maria é nutricionista na Escola Paulista de Medicina. Aristéia Paula Souza é professora no bairro do Capão Redondo, em São Paulo. Infelizmente, vários atores do elenco já não estão mais entre nós, como o Saci, Paulo Matozinho. Capítulo V Projetos Inacabados e a Descoberta dos Documentários Depois de O Saci, entrei num período de incertezas, numa série de projetos de filmes que, afinal, não aconteceram. Um deles seria em parceria com Alberto Cavalcanti. No Brasil, quando ele já havia assumido a Vera Cruz, tivemos muitos contatos. Posteriormente, ele deixou a Vera Cruz, porque se desentendeu com Franco Zampari, dono da companhia. Vale recordar meu episódio com esse senhor: com O Saci elogiado e premiado, procurei Zampari para me candidatar a dirigir nesses megaestúdios de São Bernardo. Ele foi curto e grosso: disse que o meu talento era o de fazer filmes para crianças e que a Vera Cruz não estava a fim de produzir filmes desse gênero. Saindo da Vera Cruz, Cavalcanti fundou a Kinofilmes, que funcionaria nos estúdios da Maristela, então fechada. Nessa ocasião, ele me convidou para dirigir o terceiro filme da Kino, depois dos dois primeiros que ele realizou, Simão, o Caolho (1952) e O Canto do Mar (195354). Esse meu filme seria uma comédia satírica baseada no livro do escritor Afonso Schmidt, Mistérios de São Paulo. Fiz a adaptação e escrevi o roteiro. Estávamos em fase de pré-produção quando a Kino deixou de existir. O grupo carioca que estava por trás da companhia, na verdade, estava usando o nome do Cavalcanti para tentar armar seu negócio. Adeus Kino. Os mistérios não eram de São Paulo. Pobre Cavalcanti. Não deixava transparecer sua decepção, mas tenho certeza de que devia pensar: “Por que saí da Inglaterra?”. Afonso Schmidt era um escritor bem interessante, extremamente modesto. Morava na Freguesia do Ó, numa pequena casa. Dono de uma razoável bibliografia, nunca chegou a ter o sucesso merecido. Fiz, em outra ocasião, a adaptação para cinema do seu romance Pureza, outro projeto irrealizado. Aconteceu o mesmo com a adaptação de Mar Morto, de Jorge Amado, com quem mantinha uma razoável camaradagem, nascida na época de Paris. Prova do meu então respeito por sua obra foi meu primeiro trabalho de roteiro no IDHEC: uma adaptação de Capitães da Areia. Já no Brasil, Jorge vendeu-me os direitos de Mar Morto pela quantia simbólica de 1 mil réis, que seria hoje o equivalente a R$ 1,00. Comecei a trabalhar no roteiro. Um dia, roteiro terminado, abro um jornal, leio uma pequena nota: “Jorge Amado vende os direitos de Mar Morto para Carlo Ponti, por 6 mil dólares”. Conheci Carlo Ponti, num vôo de Madri para Roma. Em Madri, eu havia estado nos estúdios onde filmavam El Cid, com Charlton Heston e Sophia Loren. Ponti tinha ido visitar Sophia, sua mulher. Ele me disse que continuava com planos de filmar Mar Morto e pensava convidar Paul Newman, para o papel de Guma, e Sophia para encarnar Lívia. Contei-lhe que já tinha o roteiro pronto. Pediu-me para lhe enviar o roteiro, em italiano. Eu, doido ou ingênuo (ou os dois), chegando ao Brasil, traduzi o roteiro e enviei ao Ponti. Morreu aí. Ponti nunca me respondeu, nunca realizou o filme, com aquela idéia maluca de transformar Newman e Sophia em dois autênticos baianos. Outro roteiro que não consegui realizar, este mais recentemente, foi A Travessia, projeto de um filme sobre a viagem do Amyr Klink, a travessia do Oceano Atlântico, da Namíbia à Bahia, num barco a remo. Na ocasião, li o livro do Amyr, depois o procurei. Fui encontrá-lo em seu apartamento, na Avenida Paulista. Estava muito interessado em ver o barco da grande aventura. Amyr respondeu: “Está aqui embaixo do prédio, na garagem”. Não deixava de ser estranho: do Oceano Atlântico para uma garagem na Paulista! Entrei no barco por uma portinhola mínima que dava acesso à cabine, não conseguia mais sair. Era necessário todo um exercício de contorcionismo. Durante um tempo, li, reli, esquadrinhei todo o livro do Amyr, com quem tinha, também, longas conversas. Então brotou o roteiro. Ganhei um prêmio da Embrafilme e o projeto foi escolhido para financiamento dire-to. Então aconteceu o pior: Fernando Collor foi eleito presidente da República. Provavelmente, somente um cineasta teria votado nele. Foi contratado para fechar a Embrafilme. Houve um período em que realizei uma série de documentários. O primeiro deles foi O Drama das Secas, em 1959. Alguns cineastas, na Itália, planejavam realizar um filme baseado no livro Geografia da Fome, de Josué de Castro. Um deles foi Roberto Rossellini. Ele chegou a vir ao Brasil, esteve em Pernambuco. Seria um grande documentário, com segmentos filmados em di-versos países onde havia o problema da fome na sua forma mais aguda. Essa ligação dos cineastas italianos com Josué de Castro tinha uma razão de ser: na ocasião, 108 Josué era presidente da FAO, organização ligada à ONU que trata do problema da fome no mundo e cuja sede é em Roma. Outro interessado no projeto foi Cesare Zavattini, roteirista de uma série de sucessos, a maioria deles dirigidos por Vittorio de Sica: Milagre em Milão, Umberto D, Ladrões de Bicicletas, da fase áurea do neorealismo italiano. A idéia de Zavattini era articular um projeto em diferentes nações do mundo, onde o problema da fome era crucial, como um grande painel sobre a crueldade da fome. Em cada uma das regiões, o filme deveria ser dirigido por um cineasta do país. Da coincidência de um encontro com Josué, surgiu o convite para dirigir a parte brasileira. Havia um complicador: eu não conhecia o Nordeste. “Que diabo, então você precisa conhecer!”, frase que saltou cortante da boca de Josué. Organizamos imediatamente a viagem. Como Josué era presidente da Ascofam (Associação Mundial de Luta contra a Fome), levantou uma verba para a via-gem. Não perdi tempo: com o dinheiro, comprei umas latas de negativo 35 mm, consegui, não sei como, uma câmera e convidei Ruy Santos e José Cañizares para a aventura. Embarcamos para o Nordeste onde Josué nos conseguiu dois jipes do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra as Secas). Percorremos cerca de 4 mil quilômetros pelo Nordeste, por estradas de terra, comendo poeira vermelha. Tínhamos só um roteiro preliminar de viagem. Saímos do Recife, passamos por Caruaru, onde encontrei Mestre Vitalino, que retratava o Nordeste em figuras e animais em cerâmica, num trabalho primoroso. Vitalino estava numa praça, como muitos outros ceramistas, vendendo suas pequenas esculturas espalhadas 112 pelo chão. Encomendei a ele um touro. Não sei por quê, pedi que o fizesse pintado de vermelho. “Na volta eu venho buscar”, disse a ele. Desviamo-nos para o norte, em direção ao Ceará, onde estava em construção a barragem de Orós. Estivemos em Icó, capital do Ceará por um curto tempo, mas com um interessante planejamento urbanístico. Lá, filmamos um movimento de trabalhadores da terra, que iam em direção à cidade reclamar melhores condições de trabalho. Eram centenas de trabalhadores com enxadas nas costas. Seria um pré-MST? O resultado da viagem de pesquisa acabou se transformando no documentário O Drama das Secas. Drama de toda uma população vivendo no limite da irracionalidade, crianças morrendo de fome, ou condenadas a um desenvolvimento físico e intelectual deficiente e irrecuperável. Foi uma grande viagem, cheia de desesperos. E a minha, a nossa revolta, em face da total falta de solução de um problema que tem a ver com todos nós, mas, sobretudo, e, de forma gritante, com nossos governos. Nesse filme, não fiz entrevistas com as pessoas filmadas. Não havia necessidade de palavras. Quando passamos novamente por Caruaru, fui encontrar Vitalino. E lá estava o meu touro, mas laranja. Reclamei: “Vitalino, eu pedi vermelho.” Respondeu: “Pois é vermelho!” Eu lhe mostrei o que era vermelho. Respondeu: “Ah! Isso é encarnado!” Voltando para São Paulo, montamos todo esse material filmado. Procurei fazer uma edição caprichada, com música de Villa-Lobos na trilha sonora. Como pano de fundo dos letreiros, usei os quadros de Portinari da série Os Retirantes. Quando Josué viu o material, ficou entusiasmado e quis acrescentar uma apresentação. Conseguimos um espaço num dos estúdios da Vera Cruz e filmamos Josué fazendo a apresentação do filme, falando do problema da fome não só no Brasil, mas no mundo. No ano em que foi exibido pela primeira vez, em 1960, O Drama ganhou vários prêmios, inclusive o Saci, do jornal O Estado de S. Paulo, e o Governador do Estado. O projeto maior, do Zavattini, não aconteceu. O Drama das Secas foi bastante exibido na Europa. Anos depois, tomei conhecimento de uma versão italiana e outra francesa, onde, nos letreiros iniciais, descobri que mudaram meu nome para “Roberto Nanni”. Interessante é que hoje, 45 anos depois da sua realização, nasceu a possibilidade de se filmar uma continuação. Descobri a existência do Centro Josué de Castro no Recife e acabei conhecendo seus diretores, Márcia Andrade e Natan Maranhão. Quando telefonei ao Natan, me iden 116 tificando, ele me perguntou surpreso: “Mas você ainda está vivo?”. Imediatamente nasceu a idéia de se retomar o projeto, realizando o Drama II. O que terá mudado? Sabemos que muito pouco. Provavelmente, no lugar da terra vermelha, o asfalto, esburacado. Vamos ver e registrar. Agora quero ouvir as pessoas e quero que o mundo veja e ouça. Em 1968, o Instituto Nacional de Cinema contratou-me para filmar um documentário sobre filmes e diretores brasileiros que tinham recebido prêmios internacionais. Chamou-se Os Vencedores. Havia uma série deles: Lima Barreto, Tom Payne, Anselmo Duarte. Filmei os diretores e incluía depois um trecho dos filmes premiados. A idéia era formar uma documentação sobre eles todos. Foi importante na época porque marcou essa maior visibilidade que o cinema brasileiro estava conseguindo no exterior. Infelizmente o então diretor do Instituto, Moniz Viana, era anti-Glauber. Eu não me conformei, procurei Glauber com a disposição absoluta de filmá-lo, comprando uma bela briga. Mas aí foi o Glauber que não quis me criar problemas e pediu para não filmá-lo. Provavelmente ele sabia quanto seria respeitado depois. Em todo caso, meu filme ficou capenga. Tive outra experiência muito interessante realizando filmes sobre São Paulo para a Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), em 1976. Estavam sendo feitas obras que produziram um 118 impacto no centro da cidade, os calçadões. Nesse ano, aconteceu uma grande alegria em minha vida: o nascimento de minha neta Joana, com quem tenho um maravilhoso vínculo de querer bem e grande carinho. Querida neta e companheira de viagens, das muitas que fizemos, minha mulher, Anna, ela e eu. Viagens onde a busca pela cultura fazia parte do nosso cotidiano e onde Joana revelou seu conhecimento e seu rigor estético. Lembro, por exemplo, de sua atitude, parada por muito tempo diante de uma tela de Paolo Uccello, na Galeria degli Uffizzi, em Florença, a curtição no Museu Picasso, em Paris, ou uma retrospectiva de Andy Warhol em Bruxelas. Joana é designer. 1976. Na mesma época, foi feita a última reformulação na Avenida Paulista. Esse meu filme, também chamado Avenida Paulista, ganhou o Prêmio Humberto Mauro da Embrafilme, em 1977. Filmei as fases da transformação, ao mesmo tempo em que o texto contava a história da avenida tendo sido concebida como iniciativa privada e realizada por Joaquim Eugênio de Lima, inspirada nos grandes bulevares que vira na Europa. Na verdade, um bom negócio: foram vendi dos lotes de terrenos onde foram construídas grandes residências da burguesia paulistana, com o slogan de que ali se encontraria o ar mais puro da cidade. A região onde foi construída era cortada por um vale. Foi então necessário fazer um gran de aterro, com o único recurso disponível na época, carrocinhas puxadas a burros transpor tando terra, para se conseguir o nosso bulevar reto e plano, de onde se via o que existia de cidade, em todos os pontos cardeais. Anos 120 depois, esse aterro foi perfurado para dar pas sagem à Avenida 9 de Julho. Em 1978, filmei Bela Vista. Um retrato do que havia sobrado da destruição urbanística que o interessante bairro havia sofrido. Filmei o que ainda existia e o que havia sido destruído. Tive oportunidade de encontrar ainda alguns dos velhos moradores italianos. Essa região, que havia servido de refúgio a escravos, muitos anos depois, passou a ser um bairro italiano, posteriormente mesclado com a chegada de nordestinos. Surgiram inúmeros cortiços que existem até hoje. Na época em que estava filmando, emergia a face cultural do Bexiga: bares, restaurantes, teatros e, posteriormente, uma feira dominical de antiguidades foram tomando espaços. A importância desses filmes é que documentam parte da memória da cidade. Um mínimo, diante de tudo que se perdeu. As situações do irrecuperável levam em seu bojo a sensação de um desconcertante vazio. Todos esses trabalhos, Bela Vista, Avenida Paulista, Ruas para Pedrestres e um outro que fiz na mesma época, São Paulo Centro, receberam o Certificado de Categoria Especial da Embrafilme e do Concine. Eu os apresentei na Universidade de Stanford, por ocasião de minha participação em um simpósio sobre a “Crise no Desenvolvimento Urbano”, comparando Manchester, na Inglaterra, no início do século 20 e São Paulo hoje. A Emurb continua exibindo-os, inclusive fora do Brasil. Realizei um filme na Finlândia, em 1977. Tudo começou com um documentário industrial, que eu faria para a Valmet, fábrica de tratores. Fui convidado para filmar suas instalações aqui no Brasil e lá na Finlândia. A idéia era mostrar todo o potencial da empre sa no seu país de origem, onde produz não só tratores, mas um número enorme de produtos: aviões, automóveis, máquinas de fabricar papel, processamento de madeira, aparelhos de preci são. Filmei a fábrica brasileira, bem como algu mas regiões do Brasil, onde se produz trigo, no 122 Rio Grande do Sul, e cana, no interior de São Paulo. Na Finlândia, a Valmet nos forneceu dois carros para as filmagens. Usamos equipamento de 35 mm. Além das filmagens para o documentário, fui filmando cenas da vida desse singular país. Viajamos até o norte da Finlândia, deixando para trás o Círculo Polar Ártico, e fomos até Kilpisjervi, no extremo norte (“jervi” quer dizer lago em finlandês). Falar em território na Finlândia chega a ser força de expressão. O mapa geográfico do país possui mais água do que terra, tamanha a quantidade de lagos que existem. A Finlândia não chega até o Oceano Ártico porque a Noruega faz uma pequena moldura por cima do território finlandês. Não podíamos deixar de ir até o Oceano Ártico. Atravessamos a fronteira e fomos até esse mar gelado, cuja praia é toda de pedregulhos. Essa viagem-trabalho daria para escrever um livro. Quando voltei, tinha um material muito grande além do filme institucional. Fiz uma montagem, preparei a trilha sonora com música do compositor finlandês Sibelius e batizei o filme de Finlândia, País Quente, referindo-me ao calor humano que encontrei nesse país de rigoroso frio. Finlândia recebeu um Diploma de Mérito no X Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Mais recentemente, entre 1993 e 1994, realizei uma série de documentários para o governo de São Paulo, sobre os acervos culturais existentes nos palácios. Meu foco foram as pinturas guardadas no Palácio dos Bandeirantes e no outro palácio, em Campos do Jordão. Nessa época, trabalhava como assessor cultural do governador Franco Montoro. Foi criado um serviço para cuidar do acervo artístico dos palácios. 124 Organizamos as obras como num museu, com orientação de Radha Abramo. O artista plástico Fernando Lemos também fazia parte da equipe. Acervo Artístico do Palácio Bandeirantes, Percurso da Modernidade da Arte Brasileira, em Campos do Jordão, foram os dois primeiros filmes. Depois, filmei outro sobre a capela São Pedro Apóstolo, projeto de Paulo Mendes da Rocha, uma capela moderníssima ao lado do lúgubre palácio, de um estilo que poderíamos chamar de neo-alemão, construído por Adhemar de Barros. Havia no palácio uma sala com 13 quadros importantes de Tarsila do Amaral, inclusive o célebre Operários e os retratos de Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Resolvi fazer um documentário sobre a vida de Tarsila, em vídeo, tendo como fio condutor aqueles 13 quadros. Esse documentário foi a fagulha para um projeto mais ambicioso: um longa-metragem ficcional sobre Tarsila, durante a época áurea de sua produção. No momento, vivo, ou sofro, o drama insuportável da chamada captação. Capítulo VI A Turbulenta Travessia de Cordélia, Cordélia Dezoito anos depois de O Saci, finalmente consegui voltar a realizar um filme de ficção: foi Cordélia, Cordélia (1971). Existia na época o Instituto Nacional de Cinema, cujo diretor era o crítico de cinema de São Paulo, Flávio Tambellini. Tambellini criou uma sistemática em que as distribuidoras estrangeiras deveriam destinar parte de seus lucros ao cinema nacional. Nessa altura, eu estava à procura de argumentos para um novo filme. Estava em cartaz a peça Cordélia Brasil, de Antônio Bivar. Interessei-me de imediato. Comprei os direitos do Bivar e saí à procura de uma distribuidora. Encontrei a Screen Gems, distribuidora de filmes para a televisão que topou bancar o filme. Quando estávamos em pré-produção, a ponto de iniciar a filmagem, a Screen retirou uma boa parte do orçamento disponível, destinando essa fatia ao projeto Pindorama, de Arnaldo Jabor. A partir daí, passei a ter uma enorme dificuldade para realizar o filme, com a verba reduzida à metade. A saída foi conseguir participações. Filmei nos estúdios da Vera Cruz, que pas-sou a ser co-produtora. Consegui o apoio de laboratório da Rex Filmes, que também figurou como co-produtora. Norma Bengell havia criado no teatro o papel de Cordélia e, naturalmente, queria muito fazer o filme. Por situações diversas, não deu certo, ainda que eu a admirasse muito. Parti à procura de uma intérprete. Foi quando encontrei Lilian Lemmertz. Acontece que Lilian não tinha nada a ver fisicamente com a perso nagem da peça e tive, por isso, que alterar o perfil da personagem, o que resultou em mu danças no roteiro. Lilian contracenava com Fran cisco di Franco, Miguel di Pietro, Nadir Fernandes e Pedro Paulo Hatheyer. Um dos papéis do filme foi interpretado por Joe Kantor, proprietário do célebre Nick Bar. Esse bar ficava ao lado do TBC e era onde todos os artistas se reuniam, especialmente o pessoal da 130 Vera Cruz. No filme, Joe faz o papel de um em presário americano. O pintor Wesley Duke Lee interpretou um fotógrafo, referência a um nos- so amigo comum, Otto Stupakof. Uma das seqüências foi filmada no escritório da direção da Ultragaz. Soube depois que a sala na qual filmamos era a de um diretor anticomunista ferrenho. Um dia, saindo de sua casa, foi perseguido e metralhado, no meio de uma feira de rua, perto da Alameda Casabranca. Era o período da luta armada. Logo que iniciei as filmagens, a peça foi proibida pela censura. Claro que o filme também se-ria! Por causa dessa nova situação, fui obrigado também a alterar a história original e mudar o título para Cordélia, Cordélia. Soube que o Bivar ficou bem contrariado, com toda razão. Mas eu não tinha outro jeito. Essas mexidas foram responsáveis pela mudança na história original. De todo jeito, Cordélia... foi bem realizado, com muito capricho na produção, apesar de ter sido feito com um orçamento reduzido. Se de um lado sofistiquei o filme, de outro, inventei uma história quase maluca. Vivíamos o período mais feroz da ditadura militar. Era 1969, depois do AI-5. Mas apesar de ter introduzido detalhes muito charmosos, criei seqüências absurdas para a época. Coloquei no filme uma situação que não existia na peça: o personagem masculino principal, Leônidas (Francisco di Franco), originalmente um vagabundo que vivia às custas da mulher, no filme virou um terrorista. Aparece até montando uma bomba. Mostro uma reunião numa célula esquerdista em que eu mesmo in terpreto um dos papéis, planejando um assalto. Essa situação havia sido inspirada numa história real, na qual dois terroristas morreram pela ex plosão da bomba que levavam em seu carro, quando passavam pela Praça Roosevelt. No fil me, Leônidas sai com um amigo no carro dele e, em frente à Igreja da Consolação, o carro explo de. E a censura, na época, proibiu grande parte das cenas de nudez da Lilian e não percebeu a conotação política que passou incólume.Tenho o certificado da censura até hoje. O texto diz coi sas assim: Cortar a expressão pornofônica merda. 132 Mais adiante, manda cortar cena que detalha os seios de Cordélia. Mas eu deixei, não cortei quase nada. Fui a Brasília. O filme acabou sendo liberado. Olhando para trás, penso hoje nessas cenas enxertadas. Terá sido influência daquela minha época de militância política? Na verdade, uma das profissões que nunca sonhei ter é a de político. Nunca pertenci efetivamente a nenhum partido, nem pretendo pertencer. Sempre digo que o meu partido é o Brasil. Jamais foi e nem será por meio de violência que se conseguirá mudar uma sociedade para melhor. Nem a violência contra o poder estabelecido, nem aquela da repressão. Qualquer regime político cairá de podre se não conseguir realizar os desejos, as necessidades primeiras de seus povos. Só é mais complicado quando os regimes democráticos permitem a eleição de pessoas não qualificadas para o posto que vão exercer. Não é difícil encontrar exemplos disso. Desde menino eu me faço uma pergunta: por que os homens, sendo seres racionais e dotados de inteligência, conseguem, com tanta facilidade, emburrecer e se tornar violentos, a ponto de desencadearem guerras e destruição de vidas, de culturas, de patrimônios da humanidade? Sei, com minha modesta sabedoria, que jamais terei uma resposta satisfatória para essa terrível questão. Os mais variados tipos de violência passaram a fazer parte de nosso cotidiano com tal intensidade que, absurdamente, já não nos afetam mais. Voltando ao mundo desencontrado de Cordélia..., há um fato que me enternece: no filme, há vários flashbacks da infância da protagonista interpretados, em momentos diferentes, por Paula Poyares, minha sobrinha, e pela filha de Lilian, Julinha Lemmertz. Cordélia, Cordélia foi selecionado para concorrer no Festival de Brasília. Mas, infelizmente, não ganhou prêmios. Nesse ano, Nelson Pereira dos Santos ganhou com Como Era Gostoso o Meu Francês. Depois, Cordélia... recebeu o prêmio de qualidade da Embrafilme e Lilian foi premiada 134 com a Coruja de Ouro. Houve uma crítica do Ely Azeredo cujo título era “Lilian, Lilian”, numa alusão ao título do filme. Lilian foi uma profissional exemplar. Cordélia, Cordélia teve uma carreira razoável, foi exibido em todo o Brasil. Não ganhei dinheiro, como sempre. Foi um filme bem-feito, mas não diria ser o filme da minha vida. Ressalto a fotografia muito bonita do Carlos Silveira, que era um jovem estudante da London Film School quando veio fazer meu filme. Depois voltou para a Inglaterra para terminar o curso. Carlinhos usou todo o equipamento da Vera Cruz, foi buscar materiais que estavam guardados e ninguém mais usava, como os refletores chamados duarcs, que funcionavam à base de carvão, como os antigos projetores de cinema, produzindo uma luz azulada, especial para cenas noturnas. Este filme proporcionou o reencontro com Rogério Duprat, que havia tocado na orquestra de Claudio Santoro para O Saci, tantos anos antes. A música de Cordélia, Cordélia é de autoria do Rogério. Quando acabaram as filmagens, eu estava muito preocupado porque queria pagar às pessoas e não tinha dinheiro. Rogério resolveu assim: “Você me dá um violão”. Então, saí um dia com ele, fomos à fábrica de violões Del Vecchio e comprei o violão. Capítulo VII Professor dos Sete Instrumentos Logo que voltei de Paris, conheci um grupo de pessoas, entre elas, Plínio Sanches, com quem partilhei a criação da primeira escola de cinema em São Paulo. Chamava-se Seminário de Cinema e funcionava no Museu de Arte de S. Paulo, ainda na sede da Rua 7 de Abril, junto aos Diários Associados. Chegamos a realizar pequenos filmes com os alunos. Esse curso durou muito tempo, com uma existência de verdadeiros saltimbancos, peregrinando por diversos espaços: no Parque da Água Branca, na antiga FAAP e em salas no prédio onde funcionavam algumas dependências culturais do Estado, na Rua Antônio de Godoy. Na época, recebíamos uma pequena verba da Comissão Estadual de Cinema para a realização dos filmes. Depois, em 1969, fui convidado para organizar a escola de cinema da FAAP. Não havia ainda cursos de cinema autorizados pelo MEC. Começavam a ser criadas as faculda des de comunicação. Existia apenas um curso chamado polivalente. No currículo, havia várias matérias ligadas à comunicação: publicidade, televisão, cinema, direito autoral, jornalismo, relações públicas. Um pouco de cada matéria, num pastiche chamado Comunicação Polivalente e que eu chamava de picadinho cultural. Passei a dar aos títulos das diversas matérias um recorte voltado ao cinema: filme-documentário como veículo de relações públicas, filme publici138 tário como veículo de publicidade, e assim por diante. Aos poucos surgiu um verdadeiro curso de cinema, fazendo parte, inclusive, dos currí culos oficializados pelo MEC. Dediquei grande parte da minha vida ao ensino. Além de chefiar o departamento de cinema da FAAP, fui professor de roteiro e de direção, durante muitos anos, contribuindo para a formação de muitos cineastas. Vários deles fazem sucesso como diretores: Beto Brant, Laís Bodansky, Mara Mourão. Sílvia Prado, proprietária da firma Cinema Animadores, Apoenan Rodrigues, editor de cultura da revista Isto É e tantos outros. Uma vez um diretor da faculdade me disse: “Você devia deixar de lado essa idéia de querer fazer cinema e dedicar-se só ao ensino”. Mas eu nunca desisti de procurar fazer cinema. Finalmente, lecionei mais de 30 anos. Aposentei-me, mas continuei dando aulas. Hoje não mais. Por contingências da vida, acabei exercendo outras atividades: publicidade e relações públicas. Formei uma empresa nessa área que tinha uma ligação muito forte com um grupo do Japão, a International Public Relations. Nosso principal cliente era a Mitsui. Fui ao Japão em 1967, a convite de seu presidente, e realizei, paralelamente, contatos com estúdios japoneses. Nunca contei para a Tizuka Yamazaki, mas com o seu Gaijin ela fez um belo filme que eu queria ter feito muito tempo antes. Cheguei até a escrever um argumento que apresentei nos estúdios da Toho e da Nikkatsu em Tóquio, mas, naquela época, os japoneses não queriam saber de seus compatriotas que haviam emigrado para outros países. Eu havia também comprado os direitos de um livro de Rubens Scavone, Shiroma – a história de uma jovem que tinha sobrevivido à bomba de Hiroshima (Shiroma é um anagrama de Hiroshima). Essa jovem tinha nas costas uma marca resultante da exposição à radiação, em forma de flor de lótus. Na viagem ao Japão, houve um pouso técnico do nosso avião, na pequena ilha Wake, em meio ao Pacífico. Era noite. Momentos depois, via aterrissar um enorme avião militar de transporte. Dele saiu uma grande fila de jovens soldados americanos. Todos, sem exceção, de cabeça baixa, tristeza estampada no rosto. Diziam não saber se voltariam vivos ou talvez aleijados. Era a guerra do Vietnã, no seu auge. Lembro-me de ter falado com dois deles, Kelley e Kerry. Seria o mesmo Kerry? No retorno, lendo um exemplar do Los Angeles Times, deparei com uma 142 pequena notícia: Che Guevara havia sido morto, na Bolívia. Na volta de minha viagem ao Japão, em 1967, conheci a mulher com quem me casaria um ano e meio depois: Anna Maria Kieffer. Eu era amigo de Ana Carolina, ainda uma estudante de cinema que apresentei a Walter Hugo Khouri e que acabou integrando a equipe de produção de seu novo filme, As Amorosas. As primeiras reuniões de produção foram feitas em minha casa, na Rua Oscar Freire. Walter estava à procura de uma nova atriz. Numa tarde de domingo, Ana Carolina convidou uma amiga, jovem cantora, para conhecer Khouri. Era Anna Maria. Foi nosso primeiro contato. Algum tempo depois, voltando do Festival de Veneza, onde havia ido para escrever artigos para A Folha, nos reencontramos. Anna, enquanto completava sua formação de cantora, havia montado uma confecção. Ao ser convidada para integrar o grupo de músicos que criou o Coralusp, fechou o ateliê e pas-sou a dedicar-se totalmente à música. Felizmente, porque acabou se tornando uma artista que vem realizando trabalhos da maior importância, tanto na música contemporânea, como na música brasileira do passado. Anna passou a ser minha grande companheira. Foi um encontro muito raro no qual nós dois, apesar de eu não fazer música, nem ela cinema, nos completamos intelectual e humanamente. 144 Digo que Anna é minha sócia de vida. Não é à toa que nossa firma se chama Akron, nada mais que nossas iniciais. A Akron é uma empresa que produz, basicamente, música e cinema, refletindo as atividades de duas pessoas que se entendem, pensam e agem de forma integrada. Em 30 anos juntos, construímos uma vida de companheirismo e compreensão. Capítulo VIII Um Olhar Teatral e Multimídia Quando eu tinha 19 anos, tentei ser ator. Entrei para o Grupo de Teatro Experimental, que depois deu origem à Escola de Arte Dramática (EAD) da USP e ao Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Atuei como intérprete na peça As Flores do Mal, de Lenormand, em 1943. Desse grupo faziam parte Alfredo Mesquita, Abílio Pereira de Almeida, Carlos Vergueiro, Marina Freire e Paulo Mendonça. Estreamos no Teatro Municipal. Depois, no Teatro Maria Della Costa, tive minha primeira experiência como co-diretor na peça Rosa Tatuada, juntamente com Flaminio Bollini-Cerri , diretor italiano que trabalhou na Vera Cruz e no TBC. Minha trajetória de múltiplas experiências possivelmente tenha prejudicado uma produção mais ampla numa única atividade. Creio hoje que a dedicação a atividades multifacetadas talvez não seja o melhor caminho. É um conselho que daria a um jovem artista que esteja vivendo essa situação. Muitos anos depois, acabei novamente envolvido com o teatro, quando tive a oportunidade de criar e dirigir a Escola Livre de Teatro na FAAP. Esse curso foi muito interessante porque consegui formar um quadro de professores da maior importância na história do teatro paulista e brasileiro: Eugênio Kusnet, Alberto D’Aversa, Sábato Magaldi, Carlos 146 Trafic, Baldur Liesenberg, Clóvis Garcia, Timoshenko Wehbi, Marilena Ansaldi, Lauro César Muniz e Anna Maria Kieffer. Fui também o orientador da construção do Teatro da FAAP, em 1970. A idéia inicial era fazer um centro cultural para ser usado pelos alunos. Durante vários anos, coordenei toda a construção do teatro. Conseguimos importar todo o equipamento de iluminação da Inglaterra. Foi também importado um piano Bekstein de cauda inteira. No começo, montamos espetáculos chamados Supermercados de Som e Imagem, com Jamil Maluf, Anna Maria Kieffer e Rodolfo Coelho de Souza. Foi um dos primeiros espetáculos multimídia realizados no Brasil. Abrangia música, literatura, teatro, cinema, artes plásticas, reunindo manifestações contemporâneas e experimentais. O teatro ainda nem tinha cadeiras. Os estudantes ficavam sentados ou até deitados em colchões espalhados pelo chão. Tratei também da questão acústica. Contratamos o engenheiro acústico Igor Sresnevsky. Como primeiro diretor desse espaço cultural organizei duas semanas de cinema polonês, que na época era muito pouco conhecido aqui. Foi exibido aqui pela primeira vez o célebre filme de Wajda, Cinzas e Diamantes. Depois, fizemos uma semana de Cinema Novo Argentino. Estávamos iniciando esse trabalho cultural, voltado para a comunidade estudantil, quando a direção da FAAP resolveu alugar o teatro para companhias profissionais. Sonho enterrado. Meu Deus, FAAP! Depois de passar 32 anos ligado intimamente a essa instituição, fui tratado com grande descortesia. No entanto, os alunos daquele momento, que sempre mereceram minha dedicação e amizade, escreveram uma comovente carta de apoio que traduz o respeito mútuo que mantínhamos. Camila Nunes, Fred Avellar, Manuela Dellape, Juliana Mesquita, Mariana Fresnot, Mariana Mesquita, Vanessa Lanaro, Caio Zilli, Luiz Carlos Silva, Mariana Sucupira, Felipe Pio, Renata Rudge, Dagoberto Rodrigues, Manuela Ferrari, Fernando Added, 148 Flávia Destro, Suzy Milstein são pessoas que não esquecerei. Assim como duas ex-alunas que se tornaram amigas para toda a vida: Sílvia Prado e Mara Mourão. No último ano do século 20, nasceu Mariana, filha de Maria Lelis, uma pessoa muito ligada a nós, há 20 anos. Mariana é nossa afilhada e nos trouxe também uma grande alegria, no convívio cotidiano que temos com ela, cercado de um grande carinho entre nós. Além de ser bonita, já revela personalidade também bela e marcante inteligência. Capítulo IX Mantendo a Fagulha Acesa Se eu fosse extremamente modesto, confesso que ficaria intrigado com a idéia deste livro sobre mim. Diria não ser uma pessoa sobre quem se deva escrever um livro. Ou diria ser um livro sobre a vida de um sonhador. Mas eu sou um sonhador? Afinal o filme da minha vida não é feito só de sonhos onde, seqüência após seqüência, encontramos uma série considerável de realizações. Realizei tudo que sonhei? Infelizmente, não. Mas, exatamente por isso, continuo na batalha. Chamam-me de diretor bissexto pelo fato de ter realizado poucos filmes, embora esteja, há mais de 50 anos, ligado intimamente ao cinema. Quis escrever, pintar, fazer música, mas nunca aprendi a cantar ou a tocar um instrumento. E fiz cinema. Nunca desejei ser um colecionador de sonhos. Quero tentar realizar concretamente os projetos possíveis. Há 50 anos, participei do 1o Congresso do Cinema Brasileiro. Em dezembro de 2003, participei do Congresso que se realizou em Fortaleza. Lá, em sua fala, o ministro Gilberto Gil lembrou à platéia de cineastas que eu estava nessa batalha há 50 anos, declarando, com sua maneira generosa de um bom barroco baiano:É uma lenda viva!. Disse-lhe depois que não desejava ser lenda, mas apenas uma pessoa que está muito viva e muito ativa. 150 Participo com alegria do trabalho musical de Anna Maria, que é da maior importância, inclusive pela resistência cultural que representa. Estar ao seu lado é um privilégio. Estou desenvolvendo meus projetos de filmes com a consciência da realidade que atravessamos. Vivo e trabalho por mim, pela memória do filho que perdi, por minha neta Joana, que constrói sua vida com integridade e talento, e por nossa afilhada, Mariana, que quero ver crescida e feliz. Nossa casa não é um lugar onde acontece apenas o cotidiano, comer, dormir, ler, conversar. É um espaço que inclui, de forma incisiva, nosso trabalho diuturno. Podemos, às vezes, descansar, olhando os belos quadros ou as imagens antigas, ou ainda ouvir uma boa música. Mas, na verdade, esses momentos são cada vez me-nos freqüentes. Uma grande curtição é a de receber amigos queridos. Confesso que tudo o que pude realizar, em diversas áreas, gostei de tê-lo feito e acredito ter contribuído, de alguma forma, para a afirmação de nossa cultura. A cultura é manifestação da maior importância no retrato falado de um país e no respeito que esse país pode desfrutar diante da comunidade internacional. Falo, no entanto, de um fazer cultural livre e sem autocensura (hoje em dia, econômica) e não de cultura como moeda de troca. Falo de um fazer cultural que propicie ao país avançar no campo do desenvolvimento social, embora essa realidade pareça pertencer, infelizmente, a um tempo que se equilibra no imponderável. Teimo em ser otimista, em acreditar, em construir. Tenho mais de um roteiro, mais de uma história, em estado latente. O tempo não conta, não me interessa. É preciso manter a fagulha acesa. Filmes . O Saci (1953) Roteiro e direção. Filme baseado na obra de Monteiro Lobato. Estréia brasileira: Festival Internacional do IV Centenário da Cidade de São Paulo (1954). Estréia internacional: Festival de Cinema de Veneza (1954). Cópia requisitada pela Cinemateca Francesa (1954). Prêmios: Saci do jornal O Estado de S. Paulo (1954) Governador do Estado de S. Paulo (1954) Curumim do Diário de Notícias do Rio de Janeiro (1954) Índio do Jornal do Cinema (1954) . O Drama das Secas (1959) Direção. Documentário patrocinado pela Ascofam (Associação Mundial da Luta contra a Fome). Filmado no interior dos Estados da Bahia, Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Prêmios: Saci do jornal O Estado de S. Paulo (1960) Governador do Estado de S. Paulo (1960) . Realidade de um Plano (1962) Direção. Documentário institucional sobre plano de governo do governador Carvalho Pinto. Prêmio: Municipalidade de S. Paulo (1962) . Os Vencedores (1968) Roteiro e direção. Documentário realizado para o Instituto Nacional de Cinema, sobre realizadores e filmes brasileiros contemplados em festivais internacionais. Exibido no Festival de Cinema de Veneza (1968). . Cordélia, Cordélia (1971) Produção, roteiro e direção. Longa-metragem de ficção baseado na peça teatral No Começo É Sempre Difícil, Cordélia Brasil, Vamos Tentar Outra Vez, de Antonio Bivar. Prêmio Especial de Qualidade, Instituto Nacional de Cinema (1971) Coruja de Ouro de melhor atriz para Lilian Lemmertz . Avenida Paulista (1976) Produção, roteiro, texto e direção. Documentário sobre a história da avenida da cidade de São Paulo. Recebeu o Certificado de Categoria Especial da Embrafilme e Concine. Prêmio: Humberto Mauro, da Embrafilme . Ruas para Pedestres (1976) Produção, roteiro, texto e direção. Documentário sobre a criação das ruas exclusivas para pedestres na cidade de São Paulo. . S. Paulo Centro (1976) – Produção, roteiro, texto e direção. Documentário sobre as alterações da paisagem do centro paulistano. . Finlândia, País Quente (1977) – Produção, roteiro e direção. Documentário sobre o país. Prêmios: Diploma de Mérito no X Festival de Brasília do Cinema Brasileiro . Bela Vista (1978) Produção, roteiro, texto e direção. Documentário sobre as drásticas mudanças que afetaram o bairro paulistano, um dos mais tradicionais redutos da imigração italiana na cidade. Recebeu o Certificado de Categoria Especial da Embrafilme e Concine. Vídeos . Governadores (1993/94) Produção, pesquisa, roteiro, texto, locução e direção. Documentário. . Acervo Artístico Palácio Bandeirantes (93/94) Produção, pesquisa, roteiro, texto, locução e direção. Documentário. . Capela S. Pedro Apóstolo (1993/94) Produção, pesquisa, roteiro, texto, locução e direção. Documentário. . Percurso da Arte Moderna Brasileira (93/94) Produção, pesquisa, roteiro, texto, locução e direção. Documentário. . Tarsila (1993/94) Produção, pesquisa, roteiro, texto, locução e direção. Documentário sobre a vida e a obra da pintora paulista Tarsila do Amaral. Roteiros não-filmados . Mar Morto Adaptação do romance homônimo de Jorge Amado . Mistérios de São Paulo Adaptação livro homônimo de Afonso Schmidt . A Travessia Adaptação do livro de Amyr Klink sobre a travessia feita pelo navegador, num barco a remo, da África ao Brasil. Roteiro premiado pela Embrafilme e selecionado para financiamento. . Tarsila – O Olhar Antropófago Roteiro original ficcional sobre a vida da pintora Tarsila do Amaral Televisão . Supermercados de Som e Imagem (1971) Direção de uma série de programas focalizando a música desde a Idade Média até a modernidade. TV Cultura. Teatro . As Flores do Mal (1943), de Lenormand Trabalho como ator, ao lado de Alfredo Mesquita, Abílio Pereira de Almeida, Paulo Mendonça, Marina Freire, Carlos Vergueiro. . A Rosa Tatuada (1943) Trabalho como co-diretor (das cenas com intérpre tes infantis), ao lado do diretor Flaminio Bollini-Cerri. Teatro Maria Della Costa. . Fundador e diretor da Escola Livre de Teatro na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) . Orientador na construção do Teatro FAAP e seu primeiro diretor Espetáculos Musicais . Supermercado de Som e Imagem I e II (1970) Co-direção, juntamente com Anna Maria Kieffer, Jamil Maluf e Rodolfo Coelho de Souza, de espetáculos multimídia, incluindo música, teatro, cinema, dança e artes plásticas. Teatro FAAP. . Música Antiga Norte-Americana (1975) Coordenador cênico e iluminador. Teatro FAAP. . Manuel de Falla – Ano 100 (1976) Coordenador cênico e iluminador. Espetáculo em comemoração ao centenário de nascimento do músico espanhol. Teatro FAAP. . Foi Numa Noite Calmosa (1981) Diretor cênico e iluminador. Espetáculo em comemoração ao cinqüentenário da morte do compositor carioca Luciano Gallet. Com Anna Maria Kieffer, Adélia Issa, Achille Picchi e ilustrações de Darcy Penteado. MASP. . Musicamáquina (1982) Produtor. Espetáculo de música vocal e eletroacústica realizado pelo compositor belga Leo Kupper e o Studio de Recherches et Structurations Eletroniques Auditives de Bruxelas e pela cantora Anna Maria Kieffer. Centro Cultural São Paulo. . Prazeres do Baile (1982) Produtor. Espetáculo de música profana brasileira dos séculos 18 e 19 com a Confraria – Conjunto de Música Antiga. Teatro Castro Alves (Salvador). . Prazeres do Baile (1983) Produtor da turnê portuguesa deste espetáculo, com outro, O Amor, a Terra, o Céu, o Mar, durante a XVII Exposição Européia de Arte, Ciência e Cultura. Espetáculos em Lisboa, Porto, Cascais, Figueira da Foz e Leiria. . Mel Nacional (1993) 158 Narrador do espetáculo sobre o centenário de Mário de Andrade, também transformado em CD. Criação e interpretação de Anna Maria Kieffer. Memorial da América Latina. . Espaços Habitados (1994) Participação especial na ópera eletroacústica de Conrado Silva, com texto de Haroldo de Campos (Galáxias) e interpretação de Anna Maria Kieffer. Festival Música Nova, Teatro Sérgio Cardoso. . Caminhos da Voz (2004) Produtor do espetáculo multimeios com Leo Kupper, Anna Maria Kieffer, Eduardo Janho Abumrad. Imagens de Alessandra Galasso, Eduardo Campos e Chico Escher. Direção cênica de Caio Gaiarsa. Sesc Vila Mariana. . Cancioneiro da Imigração (2004) Produtor e coordenador do projeto de pesquisa perante a 15 comunidades de imigrantes da cidade de São Paulo que gerou um CD-livro, exposição e evento. CDs e CDs-livro . Alberto Nepomuceno (1997) Produtor. Interpretação da cantora Anna Maria Kieffer e do pianista Achille Picchi . Teatro do Descobrimento (1999) Produtor. Músicas da época do Descobrimento do Brasil. . Viagem pelo Brasil (2000) Produtor. Música recolhida pelos viajantes estrangeiros no início do século 19, inclusive melodias indígenas. . 1900 – A Virada do Século (2001) Produtor. Canções de Alberto Nepomuceno, Francisco Braga e Chiquinha Gonzaga. . Marília de Dirceu (2001) Produtor. Com liras do inconfidente Tomás Antônio Gonzaga. . Cancioneiro da Imigração (2004) Músicas da memória de 15 comunidades de imigrantes da cidade de São Paulo. Créditos das fotografias: pág.48 - foto de Gregori Warchavchik Demais fotografias do acervo pessoal de Rodolfo Nanni