Vida Alves Sem Medo de Viver Nelson Natalino São Paulo, 2013 Prefácio Sem Medo de Viver Um pequeno prefácio para um grande livro – parece encomenda complicada, mas no caso fica até fácil – dada a excelência do material em pauta: nada menos que autobiografia autorizada de uma grande personagem nas mãos competentíssimas do biógrafo Nelson Natalino. A biografada que na verdade nem precisaria de prefácio, ou nem mesmo de apresentação é a velha (mas sempre jovem) amiga de muitos anos. O livro fala também de nada menos que a época moderna da sempre presente televisão. Nelson Natalino usou o seu próprio talento e grande conhecimento de causa na sua escrita, quase diria estilo, à incomum história quase histórica da importantíssima presença da senhora Televisão no cotidiano de todos nós. O curioso e guloso leitor de qualquer idade já adivinha que o objeto desta biografia é ninguém menos (ou mais) que a nossa companheira de tantas horas de lazer e prazer Vida Alves. Desde o nascimento de uma criancinha minúscula que o pai poeta teve a bela e maiúscula ideia e grande coragem de batizar com o nome de Vida. Parênteses: em português ou em qualquer outro idioma de meu conhecimento não existe o nome próprio Vida – a não ser em hebraico que é Hai e que por sinal era o nome hebraico de Clarisse Lispector – Haia – curioso, não é? A longa história da nossa biografada parece curta na leitura fascinante deste pequeno tomo – maior por dentro do que por fora. E não vou entrar em detalhes a não ser sem deixar de me referir ao pequeno gigante, o famoso Assis Chateaubriand – o Chatô – e a relação importantíssima da biografada desde pequena com o radionovelas, rádio novelas e tudo mais que diz respeito a palcos e emissoras e comunicação com o grande público em geral. E, quando finalmente tudo isso chega a televisão, acontece o inevitável: o primeiro beijo à vista de todo o público devidamente escandalizado – beijo na boca, gente! Momento inesquecível que continua se repetindo não mais tão inesquecível, mas imensamente popular... Embarquem logo, caros leitores, nessa aventura tão interessante que é o mergulho nesta leitura. Mas na verdade esse pequeno prefácio não termina aqui. Bastaria dar uma lida no sumário que por si próprio já fala em inúmeros altos e baixos e toda a sorte de acontescências com as quais se constrói a trajetória multicolorida de qualquer pessoa, que dizer de uma personagem tão fora do comum como a nossa querida bigrafada. Porém, se eu for seguir o sumário o que sobrará para o leitor desse livro tão rico e variado? Mas sobrará muito. Sobrará porque se trata de um, digamos, também essencial relato sobre as aventuras, técnicas, práticas, comerciais e outras complicações, etc., até a dramática chegada da televisão que trazia no bucho, quem diria, nada menos que a nossa biografada! E, agora sim, deixo nas mãos dos leitores o prazer garantido da aventura no mundo quase fantástico da Vida, sem medo de viver. Tatiana Belinky Introdução Vida Alves: Sem medo de viver. O título, não poderia cair melhor a uma obra. Assim que vamos trilhando os dias da vida dessa mulher guerreira, percebemos que ela foi vivida sempre no fio da navalha e que nunca, em momento algum, deixou de ser intensa, deixou de ser impetuosa. Ela sempre entrou no jogo de corpo e alma, entre-gando-se ao trabalho de forma árdua, constante, objetiva e arrojada. Simplesmente sem medo. De errar, de ir para a luta ou de viver. Dos 6 aos 83 anos, quando demos por encerrado o trabalho de entrevistas e levantamento de informações, Vida levou a vida assim, lutando por um ideal. A partir dos 6 anos? Você me perguntará. Sim, eu explico: Normalmente, quando lemos um livro biográfico, a infância da personalidade é contada en passant, pois história começa a ser contada mesmo em sua vida adulta. Pois Vida Alves, contrariando as regras, nos mostra a importância da sua infância no transcorrer de toda a sua vida, pois foi lá atrás, ainda menina, aos 6 anos, que optou pelos palcos, pelos microfones e pela vida artística. E pautou toda a sua vida nessa decisão tomada, ainda pequenina, com o apoio da sua mãe, a quem sempre ajudou, agradecida. Uma carreira brilhante, que contamos nesse livro, mostrando que o sucesso se faz, não só de glórias, mas à custa de muito empenho, trabalho, dedicação, tristezas, decepções e renúncias; tudo feito, porém, com muito amor e extremado esmero, acima de tudo. Quem trabalha e convive com Vida (Elmo Francfort, mais à frente, a meu pedido, nos falará a esse respeito, complementando esta introdução), sabe do seu rigor na busca da qualidade por tudo aquilo que decide fazer. Sabe também que quando se propõe a fazer, fará. Percorrendo os mais árduos caminhos, removendo pedras e montanhas, tropeçando, caindo e levantando, ela fará acontecer. Esse é o espírito do livro que escrevemos juntos, eu e Vida, passando longas horas conversando sobre cada momento recôndito de sua existência – desde o seu nascimento, contando a saída de Minas Gerais, da cidade de Itanhandu, com a morte de seu pai e a luta de Dona Amélia, sua mãe, para criar os filhos em São Paulo. Registramos seus primeiros passos na arte, o primeiro palco montado na mesa da vovó, a investida na rádio com a irmã, as primeiras novelas de rádio ainda criança, seu ingresso na Rádio Tupi e a chegada da televisão no Brasil. Por fim, a explosão da carreira na TV trabalhando nas principais emissoras de São Paulo e do Brasil, suas maiores glórias e as grandes desilusões, que culminaram com o abandono da carreira, para dedicar sua vida à TV, de fora da TV, com a Pró-TV – Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira, com o sonho e objetivo maior: a realização do Museu da Televisão Brasileira. O livro é intenso, pois registra uma vida intensa, repleta de boas histórias que reunidas contam grande parte da história da TV no Brasil e de como se fez para desenvolvê-la tornando-a uma das mais importantes do mundo. Tudo isso, ilustrado com belíssimas fotos, em grande parte inéditas, documentando os momentos e fatos narrados. Quero dizer aqui da minha felicidade ao concluir esse trabalho, pois embora tenha três livros publicados, participação em quatro coletâneas de contos, crônicas e dramaturgia, além de ter escrito algumas peças de teatro e roteiros para TV, esta é a minha primeira incursão num livro biográfico. Neste ponto, quero agradecer do fundo do coração a Rubens Ewald Filho pela confiança em mim depositada, sem a qual seria impossível a execução desta obra. Encontrei enorme dificuldade no seu desenvolvimento, pois queria levar ao leitor esta história tão rica, de forma fiel e verdadeira, buscando os fatos não só na memória da minha biografada, mas também em pesquisa desenvolvida ao longo desses dois anos em que escrevi Vida Alves: Sem medo de viver! Gostaria, ainda, de agradecer publicamente todo o carinho que Vida Alves me dispensou desde que nos conhecemos há dez anos, inclusive por ter prefaciado meu último livro, por todos os trabalhos que a mim confiou nesse período e principalmente por ter me dado a honra de escrever essa importante obra que registra para a posteridade a sua própria vida. Espero ter sido digno dessa confiança. Nelson Natalino São Paulo, janeiro de 2013 A Senhora Televisão Quando recebi o convite de Nelson Natalino para complementar a introdução deste livro, prestando essa homenagem à Vida Alves, eu fiquei muito feliz. A proposta sugerida é justamente falar sobre ela, não só na visão dos pesquisadores de TV, mas representando também seus funcionários e colaboradores – categorias nas quais me incluo. Conviver com ela é a cada dia um aprendizado, uma descoberta. Desde 2001 a acompanho nessa luta de preservar a história da TV brasileira, ou melhor, de nossa radiodifusão. Isso porque Vida Alves faz questão de preservar não apenas a memória da televisão, mas também das outras mídias, como o rádio – de onde vieram os pioneiros – e das mais novas, como a TV digital. Destaco e registro um fato importante, que a distingue de todos os outros pioneiros. Ela é o único brasileiro a participar dos três grandes momentos da televisão brasileira. Primeiro nos bastidores da inauguração da televisão, na fase ao vivo e em preto e branco, acompanhando cada momento do TV na Taba – show inaugural da TV Tupi de São Paulo, em 18 de setembro de 1950. Num segundo momento, ao apresentar o Vida em Movimento (TV Gazeta), em 14 de março de 1972, que se tornou a partir dali o primeiro programa regularmente em cores. Seu terceiro momento único e histórico foi participar da transmissão inaugural da TV digital, em 2 de dezembro de 2007. Lembro-me do dia que chegou o convite para a solenidade de inauguração da TV Digital lá na Pró-TV. Ela foi convidada pelo então presidente da Fundação Padre Anchieta, Paulo Markun, em nome de todas as outras emissoras. Falou por dias de que iria à Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes, participar da solenidade. Quando Vida repete muito algo sabemos que é porque está radiante ou determinada a batalhar pela causa do ânimo. Foi assim. No caso estava radiante. E aí, no dia seguinte, a vi toda feliz comentando sobre a festividade. Que o presidente Lula falou bonito e ao final apertou o botão dando start na TV digital simbolicamente, que a então ministra-chefe da Casa Civil discursou e que a achou uma moça muito inteligente, com futuro (será que previu que anos depois Dilma Rousseff se tornaria a primeira presidenta do Brasil?), que o ministro das Comunicações Hélio Costa também estava lá e que no palco da Sala São Paulo cada emissora tinha um representante na bancada que apresentou a solenidade (menos Gazeta e MTV, que o Fórum de TV Digital deixou de fora – fato até hoje sem explicação)... Diria Monteiro Lobato, que ela falou pelos cotovelos. Vida Alves estava radiante como uma criança que tinha ganhado um brinquedo novo. Sabia que tinha vivido um momento histórico. Por causa de sua carreira e de seu trabalho pela memória da televisão, foi cumprimentada por todos, ovacionada pelos colegas da comunicação. Sim, nossa Vidinha virou sinônimo de televisão, de história, de memória. Como ela já brincou inúmeras vezes, inclusive em palestras e festividades: Sou um animal em extinção. Aproveitem enquanto estou viva para me perguntarem sobre o que eu vivi. Hoje está com mais de 80 anos, numa lucidez profunda, uma vivacidade que não dá para reconhecer sua verdadeira idade. Felizmente a terceira idade, nos dias atuais, são outros 80. As pessoas estão vivendo mais e rejuvenescendo. A defesa da terceira idade é outra causa que ela sempre defendeu junto de sua irmã, a jornalista Helle Alves, uma das redatoras da Lei do Idoso. Mas voltando àquele momento, de 2007, Vida jamais imaginou que era a única pioneira ali presente na festividade e, junto disso, nunca pensou que tinha virado única por ter participado desses três momentos históricos de nossa televisão. Ela vai muito além da mulher que deu o primeiro beijo. Fez a primeira novela, o primeiro programa interativo, foi uma das pioneiras do videoteipe e em tempos mais modernos fez ainda participação na primeira webnovela interativa do país, Umas & Outras, na AllTV, ao participar do debate promovido junto ao chat no segundo programa da novela virtual – em 16 de setembro de 2005, junto do pesquisador da USP e consultor da Globo, Mauro Alencar. Se eu começar a falar de cada fato pioneiro que ela fez parte, ficaremos o dia todo aqui. Conforme Vida sempre me disse: Por que tenho que fazer igual aos outros? Quero ser diferente, fazer algo novo. Tenho certeza que é esse espírito que a fez andar na vida, na carreira, assumir projetos inusitados e fazer com que acontecessem. Foi no passado com sua escola ART – Academia de Rádio e Televisão e é hoje com a Pró-TV, por exemplo. Ousadia, sem medo de viver. Por outro ângulo, ela é criteriosa, exigente, como profissional e como pessoa. Há quem a interprete mal, mas quem a conhece bem sabe que isso é apenas marca de seu estilo determinado de ser (existe alguma personalidade marcada pela persistência ou pelo empenho, que não tivesse gênio forte? Impossível! Thomas Edison, Santos Dumont, todos assim... Grandes nomes, grandes causas). Mas voltando à Vida, ela quer o melhor para si, mas quer também o melhor para os outros. Tem um senso de humor que aos poucos se aflora peculiarmente, sendo capaz de julgar como errada uma atitude que teve anteriormente, analisando da seguinte forma: Desculpe, fui ciumenta, mas já passou! Ela tem um coração enorme. Sabe que se, por exemplo, estiver sozinha numa tarde de domingo está apenas fisicamente, porque estão todos sempre com ela. Outra marca é a ligação que tem com os funcionários. São quase filhos, netos. Quer vê-los crescer, mas que estejam sempre por perto, como uma mãe zelosa. Com os mais próximos ela sofre quando sente que estão se distanciando, mas sabe que na verdade nenhum deles se distanciará totalmente. Sim, ela não é uma patroa. É uma mãe-troa ou vó-troa. Sempre estimulou que todos estudassem, progredissem, até mesmo cuidassem de sua saúde e de suas famílias. Às vezes a proximidade até causa desgastes, porque tudo vira uma casa, um clima familiar, com atritos, cujas barreiras às vezes são um pouco necessárias entre empresa e família, patrão e funcionário. Só que isso são ossos do ofício, porque esse ambiente cria uma liga, cujas dificuldades financeiras de uma empresa são parcialmente superadas pela força que se cria entre as pessoas que ali trabalham. Um exército Brancaleone, de poucos, mas invejado por muitos. Eu mesmo posso dizer algo particularmente sobre essa ligação. Digo a todos sempre que ela é minha madrinha profissional, mas, além disso, tornou-se também minha madrinha de casamento. Hoje trabalho com ela, mas sou também afilhado. Ah! Também irmão gêmeo, como eu já explicarei! Vou contar uma história a vocês sobre eu e Vida Alves. Eu sou de uma família de pioneiros da TV, sou radialista, e sempre gostei muito da história da comunicação, principalmente no que diz respeito à memória da televisão brasileira. Em 2001, fui num evento da Pró-TV, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, no Bom Retiro. Lá conheci a Vida e me simpatizei por aquela figura. No mesmo dia me tornei sócio da Pró-TV. Menos de um ano depois, no início de 2002, Vida Alves teve um problema de saúde, precisou colocar até um stent no peito, e determinada disse que iria ao lançamento do seu primeiro livro (Vida...Uma Mulher!) mesmo que tivesse que levar o médico a tiracolo. Aliás, ela fez isso! Determinada como sempre, dito e feito. Lá estava ela, no lançamento do livro no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Lotado de gente. Ela estava um pouco debilitada, fazendo pequenas pausas entre uma série de autógrafos e outras, mas feliz porque estava lá, como planejou. Era 15 de abril de 2002, data em que completei meus 20 anos, e pedi à minha mãe que fosse comigo no lançamento como presente de aniversário. Vida me autografou o livro e falei para ela: Essa luta não é só sua, é nossa. Nunca imaginei o que significaria aquele dia na minha vida, nem essa frase. O tempo determinou os passos que se seguiram. Passei a ajudar primeiro reativando o site do Museu da TV, depois catalogando seu acervo, em seguida auxiliando Vida Alves em pesquisas e em livros, posteriormente dirigindo-a em especiais e programas (tivemos na Rede NGT, por seis anos, o TV História, apresentado por ela, dirigido por mim), virei funcionário, escrevemos e formatamos jornais e projetos juntos, organizamos grandes eventos com superlotação de público, viajamos para todos os cantos do Estado de São Paulo com exposições da Secretaria da Cultura e depois o Brasil todo com a mostra em parceria com a Rede Globo, a exposição 60 Anos da Telenovela Brasileira, de minha curadoria e sua supervisão. Viramos grandes amigos, grandes colegas. Junto de nós, principalmente a Lu Bandeira, que entrou menina para trabalhar com ela, em meados dos anos 1990 (ela possui a mesma idade que eu – é jovem, como todos que Vida Alves gosta de trabalhar, porque diz que trazemos ideias novas, de tempos mais modernos e ela aprende – ensinamos até ela a escrever no computador, local onde ela redige por dia quatro biografias, somando-se hoje mais de 3 mil radialistas biografados). Sobre a nossa relação, minha e da Lu com ela, Vida brinca que somos um o seu braço direto e o outro o esquerdo. Depois entraram Élida e Nelson – sem esquecer a Ednalva que está há séculos cozinhando e cuidando da Vida Alves. É uma equipe pequena, mas que muitos dizem que surpreende nos resultados. Um espírito que a própria Vida Alves plantou na gente, de que é preciso saber fazer um pouco de tudo, como no início da televisão. Eram poucos, mas que produziam e criavam muito, sempre com garra. Estamos e estaremos sempre juntos com ela. Curiosamente, naquele já distante ano de 2002, descobri que era aniversário também da Vida e que ela comemorava 60 anos de carreira. Nós dois às vezes brigamos feio. Isso porque em muita coisa somos parecidos. Até mesmo em metas, em projetos, em vontade de fazer acontecer... Ao mesmo tempo queremos juntos resgatar a memória dos nossos colegas da radiodifusão, parte da história do Brasil. Temos liberdade para conversar sobre tudo, de assuntos altamente culturais até os costumes mais banais ou sobre o que aconteceu na televisão no dia anterior. Há papos que mereciam até um gravador para registrá-los. Ela é uma fonte de cultura e vivência impressionante. Lê todo dia seu jornal, vê televisão, observa o seu entorno quando está se locomovendo pelas cidades dentro de um carro. Boa de observar, boa de analisar. Se numerologia explica algo, somos irmãos gêmeos de alma, porque a soma dos números é totalmente igual. Isso porque ela nasceu em 15/04/1928 e eu em 15/04/1982. A soma de 1+5+4+1+9+8+2 é igual a 30; portanto, na numerologia somos o 3 (3+0). Para matar a curiosidade de vocês, vejam o perfil do 3: Comunicador – Uma pessoa cheia de ideias. Com mente fértil e inteligente, analisa os fatos com objetividade. Tem muitos interesses e busca informações nos vários campos do conhecimento. Enxerga a vida como um espaço de possibilidades para realizações de suas ideias, procurando sempre o novo. Simpática e extrovertida, gosta de vida social. Possui geralmente senso de humor e é cativante, com seus sorrisos e palavras. Além da fala, busca outros caminhos de expressão, como as comunicações e artes em geral. Está quase sempre ligada a profissões que utilizam a comunicação. Preciso dizer que está certo? No caso de Vida Alves não falta uma vírgula. Ela conquista a todos com seu jeito, fala com uma maestria em público que todos se sentem em casa, numa conversa informal. Ela se dirige a todos, mas como se estivesse falando pessoalmente com cada um. Sabe fazer uso da palavra como ninguém (em seus textos também). Vida sabe conquistar sempre os outros e luta para conquistar o que pretende. Prova desse espírito está numa das frases que mais repete (e que mais gosta): Sonho que se sonha só, é sonho. Sonho que se sonha junto é realidade. Eu me orgulho de sonhar junto e defender para sempre essa bandeira, essa luta – às vezes inglória, mas nunca um desprazer – de preservar a memória da nossa classe de comunicadores. Quando ela estiver em outro plano (o que espero que demore a acontecer porque queremos curti-la bastante por aqui) com certeza ela ainda estará conosco nessa luta. Isso porque Vida Alves já deixou de ser apenas uma pessoa, já virou celebridade e símbolo da causa, virou símbolo de um meio, de uma categoria de profissionais da comunicação e das artes. Ela vai dizer que a última frase é grande, mas não maior que a importância do trabalho que realiza, cujos méritos e raízes são só dela. Vida Alves juntou pioneiros e profissionais mais novos, só que sempre esteve à frente do timão, enfrentando todos os desafios que a Pró-TV possa ter. Plantou. Agora precisamos que colha logo tudo isso, por merecimento. Ela virou espontaneamente referência. Hoje, Vida Alves é a Senhora Televisão. Um dos momentos mais emocionantes que vivi a seu lado foi na festa dos 90 Anos do Rádio (2012), realizada pela Fundação Cásper Líbero e Rádio Gazeta AM, no conhecido Edifício Gazeta, da Avenida Paulista. Eu estava na organização do evento, representando o Centro de Memória Cásper Líbero, do qual sou coordenador. De surpresa fui chamado para homenageá-la. A emoção veio, mas seguindo os conselhos da madrinha, que ensinou e ensina sempre a cada dia, deixei informalmente que as palavras viessem para esta homenagem por sua presença no rádio e pelos seus 70 anos de carreira. O menino cresceu, virou profissional, foi trilhar outros caminhos, mas sem deixá-la nunca sozinha. A sua luta eu já herdei. Lembro-me bem do que disse no palco: Ela me ensinou que não devemos chamar os radialistas de ‘senhor’ ou de ‘senhora’, porque somos todos nós... com o espírito determinado, criativo, com um ritmo só nosso... Somos os radialistas, ou melhor, sempre seremos como ela... eternamente jovens!. Para encerrar, uma última recordação. Certa vez, após fazermos os dois a leitura da prova final de seu livro TV Tupi: Uma Linda História de Amor (da Coleção Aplauso), ela resolveu salientar que as informações importantes foram lembradas e registradas por ela. Ironizando-me, Vida disse: Eu é que devo constar como pesquisadora ou consultora histórica do livro.... Aí eu prontamente respondi: Não, Vida. Existe uma grande diferença entre nós. Eu sou o pesquisador, o consultor histórico... VOCÊ É A HISTÓRIA. Elmo Francfort* * Elmo Francfort é pesquisador de TV e responsável pela curadoria do acervo da Pró-TV/Museu da Televisão Brasileira. É radialista e escritor de diversas obras sobre a área, entre elas os livros Rede Manchete: Aconteceu, Virou História e Av. Paulista, 900: A História da TV Gazeta, ambos da Coleção Aplauso. Colaborou com diversas publicações, entre elas os livros Gloria in Excelsior e TV Tupi: Uma Linda História de Amor, também desta coleção. Atualmente é curador do projeto “60 Anos da Telenovela Brasileira”, da Rede Globo e Pró-TV, e gerente do “Centro de Memória Cásper Líbero”, da Fundação de mesmo nome. Capítulo I Itanhandu Eu nasci no dia 15 de abril de 1928 em Itanhandu. Essa pequena cidade serrana de Minas Gerais acolhera meu pai, que viera do Rio de Janeiro, após se formar em engenharia civil e elétrica, em 1921, por ordem médica, em busca dos ares da Mantiqueira, para aplacar a tuberculose da qual fora acometido. Por essa época, no eixo Rio – São Paulo, sentia-se borbulhar na atmosfera o clima efervescente da cultura que iria culminar no ano de 1922, com o advento da Semana de Arte Moderna na capital paulista, da qual participariam com destaque alguns de seus amigos. Meu pai abandonara tudo em busca da saúde. Era um jovem, formado em engenharia elétrica, mas acima de tudo era um poeta, que trazia em sua mala muitos sonhos e uma enorme disposição de lutar pela vida e vencer. Mas numa cidadezinha interiorana não eram muitas, tampouco grandes, as oportunidades de emprego, de forma que quando conseguiu a colocação de professor, aceitou-a incontinenti. Acabara de chegar à cidade, sequer havia se alojado e já estava empregado. Em Itanhandu começava o tratamento e uma nova vida, distante da efervescência sociocultural do Rio de Janeiro, que tanto o seduzia. Sua melhora de saúde se deu de forma gradual, porém rapidamente a fama do novo professor correu pela cidade. Entre outras coisas, meu pai organizou o laboratório de química, adotou filmes para ilustrar aulas e publicou a revista Elétrica, que tinha colaboração de Carlos Drummond de Andrade. Mas o que chamava a atenção de todos na cidade não era isso. A princípio a boca pequena, mas logo às escâncaras, comentava-se por toda a cidade que o professor Heitor permitia que os alunos fumassem em classe, que convencera o diretor a derrubar o muro que separava meninos e meninas na escola e que promovia concursos de beleza entre as alunas. Um escândalo! Em seus passeios pela cidade, comumente era alvo de olhares admirados e de comentários que maldavam ou abonavam suas atitudes, dividindo as opiniões. Com isso, o professor Heitor Moreira Alves, de forma involuntária, se tornou o centro das atenções e o assunto corrente na cidade de Itanhandu. Talvez isso tenha contribuído de forma significativa para que chamasse a atenção também daquela mocinha faceira, com a qual trocara olhares no passeio dominical, na praça central da cidade. Depois vieram os poemas, que fizeram com que a conquistasse definitivamente. Apaixonaram-se. A impetuosidade de Heitor o conduziria rapidamente a pedir a mão daquela que viria a ser sua esposa. Desenhou o que seria o seu vestido de casamento e prometeu que, como ela, também vestiria branco. De família mineira tradicional, Amélia Scarpa Guedes, a filha de Chico Guedes, respondeu que tinha certeza que o pai jamais permitiria seu casamento com o homem que havia se tornado o escândalo da cidade e que por vezes fora o assunto e motivo de reprovação na mesa de refeição da família. Ledo engano. Heitor havia aprendido a vencer e transpor barreiras. Dobrou Chico Guedes, conquistou a todos da família e levou Amélia para o altar. Ambos de branco. Ela com o vestido confeccionado de acordo com o modelo desenhado por ele. Os rebentos não tardaram a chegar e, com eles, mais uma excentricidade de meu pai – os nomes dos filhos. À primeira filha, quis dar o nome de L. Simplesmente L. Uma única letra identificaria a criança. L – de Liberdade. L – de Literatura. L – de Liderança. Essa era a ideia. Depois de muita discussão, como o escrivão se mantivesse irredutível, não permitindo que o nome da criança fosse registrado com apenas uma consoante, meu pai cedeu, concordando fosse grafado Helle, do grego, o que foneticamente atenderia sua vontade. Quando eu nasci, as controvérsias sobre o meu nome começaram em casa: Mas Heitor! Que nome! Lindo, não? Vai causar furor. Pode escrever o que lhe digo, Amélia... Esta pequena, com o nome de Vida vai causar furor! Preste atenção, Amélia.. O que é vida? Vida é tudo... Em tudo há um pouco de vida! Eu olho nos olhos dela e vejo... Só pode ser vida! O vento batendo no rosto... É vida.. A chuva molhando seus pés... É vida! O calor do sol é vida... O ar, as cachoeiras... O céu... O mar... Florestas... Até uma única e pequenina flor... É vida... Assim como esta pequenina flor há de ser chamada de vida! Vida... Já ouviu coisa melhor? Vai se chamar Vida e pronto! Vou correndo agora mesmo para o cartório. E quando você se levantar dessa cama, vamos levar nossa pequena Helle para apresentar Vida para toda a cidade! Imagino, primeiramente, minha mãe olhando ternamente para o meu pai, enquanto ele saía porta afora com sua alegria contagiante e depois conversando comigo, guardando ainda muita ternura no olhar. – Meu poeta... Meu doce poeta Heitor Moreira Alves... Vida, minha filha... Não sei se este nome vai agradar... Mas a partir de agora serás Vida, por toda a tua vida, para que nunca te esqueças que teu pai é um poeta... E que teu nome será sempre uma prova de que você fez parte da poesia da vida dele... Registrou-me Vida Amélia. Nos anos subsequentes, a cada novo registro, o escrivão foi se acostumando com a originalidade dos nomes escolhidos pelo professor para os seus outros filhos: Homem, Poema e Ritmo. Cinco filhos. Cinco nomes escolhidos criteriosamente pelo doutor Heitor, como era chamado. Éramos uma família feliz. Vivíamos afortunadamente naquela casa, planejada e construída com carinho por meu pai. Uma casa feita por um engenheiro, com algum capricho estético, capricho que se resumia a ter um jardim, um espaço para nossa escolinha, com direito a quadro-negro, a ter um pequeno tanque, onde nadávamos, a ter, enfim, uma série de coisas que outras casas mineiras não tinham e que talvez não tivesse grande valor comercial, mas tinha sim um valor estético e um valor funcional para uma família moderninha. Nós éramos uma família moderninha para a época. Éramos uma família feliz. O tempo pingava, se arrastando durante todo o dia, até o momento mais esperado por todos: o retorno de papai. Quando ele irrompia pela porta, uma lufada de alegria se alastrava pelo ambiente, contagiando a todos. Empurrava os móveis e se atirava ao chão no meio de todos nós e voltava a ser criança, pulando, gritando, correndo. A brincadeira só era interrompida no momento em que mamãe nos chamava à mesa para o jantar. Gosto de lembrar e falar de meus pais, pois entendo que deles herdei a forma guerreira de encarar a vida de frente. Se em minha história ousei enfrentar de peito aberto os desafios que encontrei pelo caminho, acredito piamente que isso tenha sido pautado pelos genes dominantes dos dois em mim. De minha mãe herdei o destemor, a coragem. De meu pai a audácia, o lirismo e fundamentalmente um infinito amor pela arte... Capítulo II A Ponte Rio-São Paulo Éramos uma família feliz. Até o dia em que, ao tossir, papai manchou de vermelho o tricoline branco do lenço, que levara à boca. Hemoptise. A partir desse dia, sem que soubéssemos por que, papai se afastou de nós e mantinha uma distância segura de todos na casa. Inclusive de mamãe, na medida do possível. Talheres, roupas, utensílios, tudo o que papai usava era separado e cuidadosamente esterilizado. Com tristeza no peito, acompanhamos o seu martírio. Vimos como definhava, dia a dia. O sorriso largo sumiu. A alegria esmaeceu. A pele, rosada, cinzou-se. Nossa vida cinzou-se também. Mamãe e papai foram para o Rio de Janeiro. Minha mãe ficou na casa de minha avó paterna, cuidando de papai. Os cinco filhos foram distribuídos nas casas de parentes, ainda em Itanhandu. Eu fui destacada para a casa de uma tia, da família de minha mãe. Não tenho boas lembranças dessa época. Me recordo que ela me forçava a tomar um café com leite, com sabor muito desagradável. O leite tinha nata e eu tinha verdadeiro horror àquele desjejum, mas era a única refeição que ganhava na parte da manhã. Um café horrível, leite com nata e pão. Sem manteiga. Aqui, gostaria de abrir um parêntesis. Note o leitor que, curiosamente, as minhas lembranças estão sempre marcadas por um sabor, por um alimento, pelo paladar. Será por que um dia passei fome? Certo dia, por fim, mamãe veio nos buscar, já no finalzinho da vida de meu pai. Foi-nos dada a felicidade de nos reencontrarmos na casa de vovó, para uma visita. A dois metros de distância, papai falou com cada um de nós. Palavras de carinho, declarações de amor. Ficamos todos felizes em revê-lo. Uma felicidade falsa, passageira. Uma mentira de nossa mãe, que encobria uma verdade cruel da vida. Naquele dia, quando minha mãe saiu do quarto, amparada pelo médico, chorando, eu contava apenas seis anos de vida. Papai acabava de morrer, ainda jovem, aos trinta e sete, deixando-nos sozinhos. Para minha mãe, ali começava um calvário. Tudo o que tínhamos em Itanhandu foi colocado à venda. Exceto a máquina de costura, pois nela mamãe depositava toda a esperança de receita para o sustento da prole. A casa, reduto da nossa felicidade, foi considerada foco maligno e consumida pelo fogo ateado por alguém, temeroso de que a semente da tísica, ali plantada por meu pai, se alastrasse pela cidade. Logo após a morte de papai, deixamos o Rio de Janeiro e fomos para São Paulo, para a casa de minha avó materna, que também enviuvara havia pouco tempo e morava com meus tios numa casa grande da Rua Francisca Miquelina, no Bixiga, na capital. Era uma casa ampla, porém já era dividida entre vovó e os meus dez tios, ainda solteiros, irmãos de minha mãe. Ao todo quinze pessoas. Conosco, seríamos vinte e um na casa. Nos coube ficar com o porão, que era alto e onde iríamos dividir duas camas entre nós seis. Fora a melhor forma que vovó encontrara para acolher-nos. A princípio, dormiríamos três em cada cama, até que Deus nos provesse de melhores condições. Mamãe, desde que saímos do Rio de Janeiro, guardava luto fechado. Na casa de vovó, ela nos trazia a rédeas curtas, para que não reclamássemos de nada. Estávamos ali de favor. Por dá cá aquela palha nos chamava a atenção e dizia: Não esqueçam. Vocês são órfãos. Não chorava mais, mas trazia a dor estampada no rosto e a roupa negra retraía e atribuía um tom grave à sua beleza. Eu não gostava de vê-la vestida de preto. Suas palavras então soavam mais sisudas, tristes e austeras. Pareciam vestir luto como ela. Tão logo nos instalamos, mamãe tratou de buscar uma escola onde matricular-nos para o ano letivo e tentar obter um emprego que permitisse ajudar nas despesas da casa. Fora orientada a procurar o Palácio do Governo, onde poderia conseguir uma coisa ou outra. Com um pouco de sorte, as duas, disseram-lhe. No dia seguinte, logo cedo, ao primeiro trinar dos pardais, eu e Helle saímos com mamãe, de mãos dadas, com destino ao bairro de Campos Elísios, onde ficava a sede do governo paulista. Aproveitamos o passeio para conhecer as ruas da nova cidade. Estátuas, homens de terno e gravata bem apessoados e apressados, senhoras elegantemente vestidas, lojas, bondes, automóveis, semáforos, jardins, tudo era novidade. Ao chegarmos ao nosso destino, a surpresa maior. O Palácio do Governo era uma construção imponente. Olhamos com espanto aquele prédio suntuoso e suas dependências com dimensões magníficas. Fomos encaminhadas para um enorme salão, onde pessoas aguardavam atendimento, assentadas em grandes bancos. Depois de algum tempo de espera, fomos atendidas no balcão por uma senhora de ar circunspecto que parecia haver brigado com o mundo, tal a aparente má vontade e pouco caso com que ouvia a história de mamãe. Ao nosso lado eram atendidas duas freiras. Uma delas prestava muita atenção a tudo o que mamãe dizia. Mamãe foi convidada a preencher uma ficha e ouviu da atendente a promessa de que conseguiria um emprego; entretanto, alegava que seria praticamente impossível matricular-nos em uma escola municipal ou estadual, pois as vagas já haviam sido preenchidas e a fila de espera por desistências era enorme. A fisionomia de mamãe demonstrou sua enorme decepção e tristeza. Quando nos tomou pela mão para irmos embora, a freira dirigiu-nos um olhar piedoso e interpelou mamãe. Acenou com a possibilidade de colocar-nos numa instituição, onde seríamos matriculadas como alunas regulares. Entretanto, alguns problemas poderiam impedir que mamãe aceitasse a oferta: seríamos matriculadas em regime de internato. E o pior: no Rio de Janeiro. Mamãe titubeou. A freira concedeu um prazo para que ela refletisse. Iriam partir em uma semana e a procurariam em casa. Que aprontasse as malas e as crianças, caso resolvesse aceitar a generosa oferta. Eu voltei para casa chorando, ante a possibilidade de separar-me de mamãe. A Helle sempre calada. Foram dias de angústia à espera da decisão de mamãe. Não ousávamos perguntar, temerosas de sua resposta. Mas ela veio, amarga, no dia em que acordamos e deparamos com nossas malinhas prontas ao lado da cama e mamãe com os olhos vermelhos de tanto chorar. Helle parecia conformada, porém eu acreditava que não iria suportar viver longe da minha mãe. Tentei argumentar, mas mamãe justificou que isso seria o melhor para todos nós, pois vivíamos ali amontoados, e, em tom de elogio, disse que nós duas éramos as mais velhas, mocinhas, que já éramos grandes e que saberíamos suportar a separação. Eu aleguei que não queria ser grande, que preferia viver amontoada com ela. Mas ela estava irredutível, vestida de preto e com aquele tom seco de luto nas palavras. Não tardou para que as freiras nos tomassem pelas mãos e nos arrastassem rua afora, sem se importar com o nosso olhar lacrimoso, perdido em direção de mamãe, que acenava na frente da casa, e que foi, cada vez mais, ficando para trás, pequenina, pequenina, até esvair-se das nossas vistas. Rio de Janeiro. Jacarepaguá. Eu e Helle atravessamos o enorme portal cinza de mãos dadas e muito assustadas. A angústia que sentíamos era justificada e se estendeu a cada dia de nossa permanência naquela instituição. Banhos gelados de camisola – a nudez era pecado –, fome, regime austero e pessoas severas. O tempo todo eu sentia medo e saudade. Sempre que podíamos nos abraçávamos, para provar a existência do amor em nossas vidas. Eu lastimava a minha sorte, chorava, mas sempre tentava me fortalecer, orando e alimentando a esperança de voltar para o lado de mamãe, com o firme propósito de ajudá-la em tudo o que pudesse fazer. Por sorte, minha cama era ao lado da cama de minha irmã. Eu e Helle éramos inseparáveis. (Ela me chamava de carrapato.) Ela era a única coisa boa com que eu contava naquele lugar. Porque o resto era duro. As refeições eram muito simples. Lembro-me muito bem da repetição de uma coisa que até hoje me causa um pouquinho de aflição ao lembrar: arroz, feijão e inhame. O inhame é um tubérculo que deve até fazer bem, mas tem o gosto meio insosso, uma cor estranhamente esverdeada e aquilo repetido todo dia me dava vontade de chorar um pouco. Mas eu não chorava e comia. Eu sentia falta de comer um doce. Recordava que em nossa casa, mesmo pobrezinha, uma vez por semana, nos era servido um pedaço de goiabada, de marmelada, doce de leite, enfim algo que adoçasse um pouco aquela vida difícil. Mas lá só serviam inhame. Certa noite decidi assaltar a despensa da cozinha do orfanato. Elaborei o plano e convoquei uma amiguinha, que concordou e me seguiu. Cautelosamente, nas pontas dos pés, encobertas pelas sombras, nos esgueiramos pelos corredores. Depois de uma longa busca, logramos conseguir um naco de goiabada, que foi repartido em dois pedaços iguais. Sentamos no chão e com as mãos na boca rimos baixinho, vitoriosas, por termos conseguido o nosso intento. Entretanto, o nosso sorriso se apagou e nossa alma gelou, quando a luz da cozinha acendeu, revelando a enorme imagem da madre superiora olhando lá do alto, por sobre os aros de tartaruga dos óculos, severa e repreensiva. Inutilmente, tentamos explicar que sentíamos fome. Ela nos chamou de ladras. Disse que estávamos transgredindo um dos dez mandamentos e que isso era imperdoável para um cristão. Tomou-nos a goiabada das mãos e castigou-nos. Uma semana inteira recheada de castigos. Helle ralhou comigo, reprovando minha atitude. A madre superiora separou-nos. Raras vezes podíamos nos falar, a partir de então. O tempo se arrastava muito mais triste e lento agora. A saudade crescia. Eu estava muito triste. A separação da minha irmã, a falta de comida e principalmente a falta da minha mãe. Resolvi então escrever para ela, contando tudo o que acontecera. Não queria que ela soubesse dos fatos por outras pessoas. Minha única diversão, a partir de então, passou a ser o desfile de piolhos. Dentro daquela sujeira toda, aconteceu. Não sei se aconteceu a todos. Mas comigo aconteceu. Peguei piolho. Então, tirei parte disso para me divertir. Eu pegava os piolhinhos, colocava um a um em cima da carteira e brincava de fazer fila. Desfile de piolho na minha carteira. Isso acontecia quase todos os dias, e eu não sei por que ninguém me repreendeu por isso. Acredito que nem tenham percebido. Seis meses se passaram, quando nos foi anunciada a visita de mamãe. Ela já nos aguardava no pátio. Meu coração pulava feliz, parecendo querer saltar pela boca, numa arritmia desmedida. Helle veio correndo, com um sorriso enorme estampado no rosto, tomou da minha mão e saímos em desabalada carreira, em direção ao pátio. Mamãe estava linda. Permitira que uma enorme gola branca de renda quebrasse a rigidez do luto que ainda vestia. Tomou-nos em seus braços e, chorando muito, beijou-nos incessantemente, crivando-nos de perguntas. Horrorizou-se com as histórias que vivêramos ali dentro, não suportou o fato de que passávamos fome. Por fim, ao acariciar-me os cabelos, notou a presença dos piolhos. Isso foi a gota d’água. Virou um bicho. Parecia cuspir fogo. A bem da verdade, tão logo chegara, mamãe já percebera que havia sido enganada. O local, não era uma instituição de ensino, conforme lhe fora dito. Era um orfanato mantido pelo Juizado de Menores. Incontinenti, saiu pisando duro à procura dos dirigentes da entidade e tomou providências para que saíssemos de lá e fôssemos embora com ela, naquele mesmo dia. Nesse período em que estivemos fora, sua clientela na arte da costura havia aumentado, o que já credenciava nossa volta a São Paulo. Eu e Helle, mais felizes que nunca, corremos para juntar nossos cacaréus. Antes de sairmos do alojamento, em silêncio agradeci a Deus por ouvir minhas preces. A viagem de volta, de trem, foi longa e eu não consegui pregar os olhos um só instante. Estava muito excitada com a reconquista da liberdade. Chegamos. Quando entramos na Rua Francisca Miquelina, vimos a tia Lourdes varrendo a calçada. Ao seu lado, Murilo, o noivo, que era bonito e que eu já amava, pois quando fomos para o Rio, ele nos levou duas maçãs – uma para mim e outra para Helle – Quer presente melhor para uma garotinha pobre e eternamente esfomeada e que por obra do destino jamais havia provado o sabor de uma maçã? Tia Lourdes e Murilo nos encheram de beijos, enquanto minha mãe repetia incessantemente que nunca mais, por vontade própria, se separaria de suas filhas, nunca mais! A felicidade retornou ao meu coração. Capítulo III A Arte Manda Sinais Retomamos nossa vida em família. Dedicávamos nosso tempo a cuidar de nossos irmãos e brincar muito no espaço infinito da casa. Reinventávamos a vida diariamente. Foi num desses dias, em que buscávamos novos entretenimentos, que aconteceu algo que mais tarde me fez refletir e crer que a vida nos manda sinais nos quais devemos acreditar. Brincávamos na sala, quando Helle se deteve defronte à grande e robusta mesa de jantar da minha avó e se pôs a examiná-la detalhadamente, medindo-a com seus passos e observando-a de longe, com o olhar sério e enigmático. Depois de algum tempo, examinando criteriosamente o móvel, decretou que aquele seria, a partir daquela data, nosso palco, onde apresentaríamos o teatrinho, em que ela, além de atuar, iria escrever e dirigir. Lembrei a ela que o nosso palco era a mesa da sala de jantar da vovó e que ela jamais permitiria que a utilizássemos com essa finalidade. Mas Helle não se deu por vencida, estava empolgada e buscou argumentos para persuadi-la. Iríamos convidar os vizinhos, cobrar ingresso e com isso ajudaríamos nas despesas de casa. Dito e feito. Convencemos vovó. Certamente mais pelo dinheiro, que pudéssemos arrecadar com nosso empreendimento, do que pela iniciativa artística. O dinheiro nos era escasso e qualquer quantia, que se pudesse angariar, seria muito bem-vinda. Éramos verdadeiramente pobres. Realmente, conseguimos por algum tempo levar a efeito nosso teatrinho. Em torno disso, movimentamos toda a família. Saíamos pelas ruas vendendo ingressos para os vizinhos, mamãe costurava os figurinos com retalhos de tecidos, eu e Helle cuidávamos dos cenários (cenários?... ora, ora... alguma colcha, algum lençol...) e dos ensaios. E o nosso público respondia ao chamado. Compareciam todos com seu ingresso na mão e tomavam assento para assistir-nos. Aqui, vou abrir um parêntesis para contar uma passagem interessante. Nessa mesma época, mamãe havia nos encarregado, a mim e a Helle, de uma tarefa. Talvez mais que uma simples tarefa, um desafio: conseguir, com nosso carisma infantil, um emprego para ela. No dia seguinte, então, desacompanhadas, Helle e eu fomos para o centro da cidade com esse mister. Eu, atrevida, talvez me sentindo importante, vaidosa ou adulta, sorrateiramente, peguei emprestado o batom de mamãe. Tão logo ganhamos a rua, tratei de aplicá-lo, realçando os lábios. Helle observou franzindo a testa e depois, zangada, tomou de seu lencinho e imediatamente removeu a maquiagem, ralhando comigo. Depois, ainda de cara feia, saiu, pisando duro, à frente. Eu estanquei assustada e aprendi: ela não era a mãe, mas bancava o pai. E a mim, cabia obedecer. Corri atrás dela até alcançá-la. Eu estava com sete anos e Helle com oito anos e meio. Nessa empreitada, visitamos o Palácio do Governo e o Quartel-General do II Exército. No primeiro conhecemos Dona Leonor Mendes de Barros, com quem tivemos uma longa conversa, que se estendeu enquanto caminhávamos pelas dependências do palácio, até chegarmos aos seus aposentos, onde ela, sentada na banqueta da penteadeira, prosseguiu animadamente a conversa conosco, enquanto retocava sua maquiagem. Afundadas numa poltrona confortabilíssima, ouvimos dela a promessa de tentar conseguir um emprego para mamãe. De lá, felizes com a promessa, seguimos para o Quartel-General, que ficava na Rua Conselheiro Crispiniano, onde fomos recebidas pelo coman dante do quartel. E pasmem. Vendemos a ele um ingresso e ele foi, naquela mesma semana, assistir ao nosso teatrinho de mesa. Tenho cá para mim que foi ele quem conseguiu a colocação para mamãe como funcionária da Prefeitura de São Paulo. Assim, nós cumprimos nossa obrigação, vencemos esse desafio e ganhamos um espectador. Mas na hora de sentar... General, por favor, pode sentar aqui neste caixotinho? Não temos cadeiras... por enquanto. Mas da próxima vez que o senhor voltar... Depois de tanto trabalho, por fim nossas apresentações. O palco. Os aplausos. E tudo isso se transformava em um fluido do bem, que penetrava através de cada parte do corpo, de cada um dos poros e inundava a nossa alma, para nunca mais nos deixar. Depois de cada espetáculo, jogávamos as moedinhas arrecadadas ao chão e contávamos com alegria, por estarmos ajudando a manter a casa. Nesses momentos, algumas vezes, eu recordava tudo o que havia passado no orfanato e agradecia a Deus o fato de ter me permitido voltar para perto de minha mãe. Éramos uma família pobre, sim. Muito pobre. Mas unida. Muito unida. Hoje, tantos anos depois, guardo no meu coração a certeza de que ali, naqueles momentos, eu descobria o quanto gostava de atuar e executar tarefas ligadas à criação, montagem, direção e execução de um evento artístico. Foi ali, naquela mesa transformada em palco, que dei os primeiros e acanhados passos, naquilo que um dia seria a minha profissão. Ali, também, descobri que sabia mandar. Mais do que isso. Sabia comandar. Será que sabia? Capítulo IV Descobrindo a Magia do Rádio Momento sagrado. Nos horários em que a rádio começava a transmitir a novela, nos era proibida a entrada na sala onde vovó ouvia atenta o desenrolar das tramas de histórias de amores impossíveis, paixões tórridas, desavenças, fugas, heróis, vilões e principalmente galãs, que com suas vozes aveludadas arrancavam suspiros das ouvintes ao sussurrar para a mocinha, sob um fundo musical envolvente: Eu te amo! Vim buscá-la para vivermos juntos por toda a eternidade... Nem a morte há de nos separar... Nossas brincadeiras, então, deveriam ir para o lado de fora da casa, preferencialmente para a rua, onde os gritos, ou até mesmo um simples burburinho, não pudessem interferir na sagrada audição dos capítulos diários das novelas. Essa magia exercida pelo rádio foi nos chamando a atenção. Afinal de contas, o que era uma novela senão um teatrinho feito apenas com vozes, que interpretavam as falas da história e com ruídos que davam ideia do que estava acontecendo em cada cena? Por outro lado, sabíamos que ali, bem pertinho de casa, na Rua Jaceguay, estava instalada a principal fábrica de sonho. Era a Rádio São Paulo. E eu já me considerava uma atriz, com toda a experiência acumulada nas apresentações do nosso teatrinho de mesa. Pedimos à mamãe que nos levasse para fazer um teste, convencendo-a de que certamente precisavam de atores mirins para os papéis infantis. E nosso melhor argumento era que afinal, mesmo para atores mirins, deveriam pagar alguma coisa. – afinal, dinheiro, ou melhor, a falta dele era o que eternamente rondava a cabeça de minha mãe. – Mamãe concordou e gostou da ideia. Helle não quis ir. Tinha outros planos. Fomos eu e a Poema, três anos mais nova que eu. Em instantes estávamos de banho tomado, cabelos penteados e com nossa roupa mais apresentável, a caminho da rádio. Fomos recebidas por Oduvaldo Vianna, o chefão. Um dos mais famosos e competentes diretores de rádio – um homem oriundo do cinema e que fora o responsável pelo lançamento do radioteatro no Brasil. Ele nos aplicou um teste e aprovou apenas Poema, a mais engraçadinha e menorzinha, que precisava subir num banquinho para alcançar o microfone. Com seu encanto pueril, conquistou e foi paparicada por todos nos estúdios. E como ela ainda não sabia ler, tinha que decorar todas as falas. A mim, prometeram chamar quando precisassem. Cá entre nós: me esqueceram. Mas a nossa voluntariedade havia rendido frutos, pois Poema recebia cachês, que iam ajudando nas despesas. Não sei se por compaixão ou se para dar felicidade, mamãe, minha fiel empresária, me levou a outras rádios e outros programas. Quando efetivamente enfrentei um microfone pela primeira vez, foi num programa de Nicolau Tuma. Uma entrevista. Gostaria de lembrar e deixar aqui registrado que Nicolau foi o criador do termo radialista que, a partir de então, viria a identificar os profissionais de rádio em todo o Brasil. Depois do programa do Nicolau, me apresentei no Programa da Tia Chiquinha na Rádio Tupi. A personagem Tia Chiquinha era representada por Silvia Autuori. Enquanto me apresentava, meus olhos buscavam mamãe e eu percebia que ela se sentia muito feliz e vaidosa, ao me ver cantando músicas de Carmen Miranda. Ela também ficava maravilhada ao cruzar pelos corredores da rádio com celebridades como Silvio Caldas, Aracy de Almeida e tantos outros importantes nomes da época. Com tudo isso, eu também me sentia muito feliz. Agora, eu dava muito mais atenção àquela caixa falante, que ficava na sala de casa. Quando o rádio não estava sendo usado por ninguém, eu sentava ao seu lado e me punha a girar o dial para sintonizar as emissoras que estavam no ar. Foi assim que certo dia, chafurdando o pão numa caneca de café com leite enquanto sintonizava as rádios, captei as ondas da Rádio Difusora, no momento em que era transmitido o programa Clube do Papai Noel, apresentado por Homero Silva. Era um programa dedicado a talentos infantis. Enxerguei ali uma nova oportunidade. Alguns dias depois, estávamos frente a frente com Homero Silva, conduzidas pelas mãos de mamãe. Ele conversou conosco e mamãe apresentou a ele o jornal A Gazeta, onde haviam sido publicados alguns poemas de Helle, que Homero Silva examinou com muito carinho. Depois falaram de mim. A guria canta? – perguntou. Imita a Carmen Miranda – respondeu mamãe, orgulhosa. Homero recomendou-nos, então, procurar pelo maestro Chico Dorce. A mim, especificamente, aconselhou ensaiar incansavelmente. Vou escalá-la para o programa de domingo – prometeu. E assim foi. Pela primeira vez senti o calor de um programa com auditório. Que felicidade! Foi realmente uma infância venturosa. Pobre, mas feliz. Depois de muitas tentativas, aos treze anos, enfim, eu também consegui levar meu cachê (zinho) para ajudar nas despesas. Fui escalada para a novela A Vingança do Judeu para representar o papel do menino Raul. Enfim, estava sob a direção de Oduvaldo Viana, na Rádio São Paulo. O radioteatro era a coqueluche do momento e eu agora era radioatriz, na mesma Rádio São Paulo, que a princípio havia me preterido. Com o sucesso da novela, veio o mico que tive que pagar junto aos coleguinhas da escola e da vizinhança. Era só eu passar, que já ouvia os gracejos atrás de mim: Ô Raul! Raulzinho! – Nossa, que menino jeitoso! – Caçoavam de mim, esquecendo que a voz de uma menina aos treze anos se parece muito com a voz de um menino de dez. E para mim, o que era mais importante é que a cada vez que era escalada para emprestar minha voz ao Raul, eu levava para casa um cachê de dez mil réis. Era o menor cachê, mas eu gostava tanto... Agarrei essa oportunidade com unhas e dentes e a partir de então comecei a ser escalada para as novelas e permaneci na Rádio São Paulo por mais um tempo. O teatro continuava fazendo parte da nossa vida. Eu e Helle integrávamos o elenco de Sagramour de Scuvero, que apresentava semanalmente peças infantis no teatro do Centro do Professorado Paulista, para uma grande plateia – mais de mil pessoas. Eu representava pequenos papéis e isso efetivamente não me satisfazia nem um pouco. Resoluta, fui ter com Sagramour e pedi a ela que me permitisse dirigir as crianças, que poderiam se apresentar depois da peça, para dançar e cantar num showzinho musical. Ela ficou por instantes me olhando, sem dizer nada, mas por fim concordou. E eu provei que era capaz. E mais uma vez me senti feliz. Organizando, dirigindo. Dando ordens e sendo obedecida. Eram os meus primeiros passos em direção, mas eu nem sabia disso. No final das apresentações e dos ensaios, Sagramour convidava algumas crianças para o almoço. Poema sempre era convidada. Eu nunca fui, pois o carro dela estava sempre lotado. Não cabia mais ninguém. Eu, resignada, voltava para casa com a Helle, caminhando, com fome e pensando... Ai, como eu sempre pensava em comida... Capítulo V Alçando Voo Em 1942 Oduvaldo Viana, em sociedade com o novelista e publicitário Júlio Cozzi, comprou a Rádio Panamericana, uma emissora recém-nascida, que ficava à Rua São Bento, no centro de São Paulo. A ideia era implantar um forte núcleo de radionovelas, para fazer concorrência à Rádio São Paulo. Durante quase dois anos fizeram as reformas necessárias, que incluíam um grande auditório para quase trezentas pessoas com um grande palco. Do lado direito do palco, uma janela de vidro o separava do estúdio, onde ficava a técnica, que nós chamávamos de aquário. Inauguraram essa nova estrutura em 1944 e conseguiram transformar a Rádio Panamericana numa rádio moderna, à frente de sua época. Não pouparam esforços para contratar um elenco de peso, que contava com nomes como o maestro Marcelo Tupinambá, o ator e compositor Mário Lago, Nélio Pinheiro, Sonia Maria, Dionísio Azevedo, Ênio Rocha, César Monteclaro, Dias Gomes, Túlio de Lemos e outros importantes nomes de rádio entre técnicos e artistas de São Paulo e alguns do Rio de Janeiro. E foi deles que recebi, aos quinze anos, com muita felicidade, um convite para assinar meu primeiro contrato como radioatriz. Minha mãe teve que ir até o juizado de menores solicitar uma autorização para que eu pudesse assinar o contrato. Um contrato para fazer parte do maravilhoso cast da Rádio Panamericana, dirigido pelo Oduvaldo Viana, que era um diretor atuante. Ele próprio dirigia todas as novelas. Comandava e ensaiava todas. Foi um crescimento gradativo. No começo uma novela, depois duas, três, meia dúzia. E elas foram tomando conta de todos os horários. Eram escritas principalmente por Dias Gomes, Mário Lago, Túlio de Lemos, Agostinho Aguiar dos Santos e outros. Havia mais colaboradores escrevendo, mas hoje, infelizmente, já não me lembro exatamente de todos os nomes. Eu atuava orgulhosamente ao lado de Ênio Rocha, de Cesar Monteclaro, de Dionísio Azevedo. Obviamente, me davam papéis menores, algumas vezes papéis românticos e muitas vezes papéis de orelha, ou seja, aquela personagem que dentro da estória se presta apenas a escutar e servir de escada para a protagonista, que ora contava seus romances ou chorava suas mágoas, ora descarregava sua ira, fazia suas lamentações ou demonstrava seu desprezo. Mas eu estava muito feliz com isso; afinal, estava trabalhando ao lado dos monstros sagrados das radionovelas. Nossos ensaios eram realizados numa mesa enorme, onde sentávamo-nos frente a frente, sempre tendo na cabeceira da mesa o exigente Oduvaldo Viana a comandar com pulso forte o ensaio. Ele interferia, corrigia, lapidava, orientando cada um dos participantes. Depois do ensaio de mesa, fazíamos um segundo ensaio, defronte aos grandes microfones coletivos presos ao teto. Formávamos grupos de quatro ou cinco atores para cada microfone. Num canto do estúdio ficava o contrarregra, que tinha em torno de si uma parafernália de bugigangas barulhentas, que davam ao ouvinte a nítida sensação de estar escutando uma tempestade, o ranger de uma porta ou o galope de um cavalo. Eram ruídos gerados pelo contrarregra com folhas de zinco, cascas de coco, bacias cheias d’água, pequenas portinholas e outros variados apetrechos. Outros sons mais sofisticados eram gerados pelo sonoplasta, na técnica. Este segundo ensaio era sempre para valer. Nele, Oduvaldo, perfeccionista, permanecia no aquário e o capítulo transcorria inteiro, como se estivesse indo para o ar, obedecendo rigorosamente atuações, contrarregra e sonoplastia. E cada um de nós sabia que não poderia haver falha alguma nesse ensaio. Relembro aqui um episódio engraçado envolvendo essa situação. Um dia, depois de iniciado o segundo ensaio, um dos nossos sonoplastas, chamado Arlindo Cocciuffo, percebeu que havia esquecido de pegar um disco que continha a gravação do canto de um pássaro, que deveria ser ouvido diversas vezes durante o capítulo. Ele sabia que o Oduvaldo, que ficava andando de um lado para o outro na técnica, acompanhando página a página o ensaio, não poderia ficar sabendo que o seu sonoplasta cometera esse erro, sob pena de tomar uma descompostura. Ora, Arlindo não teve dúvidas. Assobiou, durante todo o ensaio, imitando o canto do passarinho e com isso ludibriou o diretor. Mas essa façanha poucos conseguiam. Terminado o ensaio, o clima ficava tenso. Oduvaldo saía do aquário e entrando no estúdio, olhos nos olhos, convocava algumas pessoas para um terceiro ensaio. Os demais eram liberados e saíam do estúdio, aliviados, pois este novo ensaio era na sala particular do diretor e só para aqueles que haviam errado no ensaio com técnica. Eu era sempre incluída nesse terceiro round. É claro que ia chorando e continuava chorando durante todo o tempo que permanecia na sala do Oduvaldo. Lembro-me perfeitamente até hoje da sua voz seca e autoritária, me fazendo repetir a cena e dizendo: Dei para a senhorita uma cena de amor e parece que a senhorita está comendo um sanduíche de mortadela. E sua voz ora é fina, ora é grossa... Nunca vou me esquecer disso. Mas pensando bem, era apenas uma bronquinha. Nunca passava disso. Mas mesmo assim, depois dela, invariavelmente eu continuava chorando. Então, tão logo encerrava esse último ensaio, ele sempre me dava um bombom, para adoçar a situação e obter em troca um leve sorriso. E eu aceitava sempre de bom grado e lhe pagava com o sorriso. Até hoje quando estou nervosa, quando estou aflita ou quando eu sei que errei, vou atrás de um bombom, para adoçar a situação. A isso eu dou o nome de Síndrome de Oduvaldo. Como vocês podem ver, conforme disse anteriormente, minhas lembranças estão sempre ligadas ao paladar, a algum gosto especial, algum sabor específico. E essa era a época dos bombons. Minha mãe dizia: Não entendo como é que a Vidinha – como ela me chamava – está trabalhando, está estudando e mesmo assim está engordando – Eu sabia. Eram os meus erros que me mantinham sempre mais gordinha. Porque nos ensaios eu errava todas as vezes. Curiosamente, quando a coisa era para valer, quando o capítulo ia ao ar, eu não errava. Me pergunto hoje se isso é mérito meu, ou dos três ensaios do meu diretor. Sei lá. Mas ainda bem, porque senão estaria desempregada. Capítulo VI Uma Foto, uma Desilusão e uma Morte Abandonada Da Panamericana guardo doces lembranças. Certa vez, Mário Lago me deu uma foto dele, muito linda – ele era um galã trintão, charmoso, com cabelo meio loiro, ondulado – e escreveu no verso uma dedicatória, que dizia: Vidinha, guarda pra mim um lugar, quando tu fores célebre. A dedicatória, carinhosa, vinda de um artista consagrado e importante como ele, era um grande incentivo ao meu sucesso e à minha carreira. Uma foto de um colega, que todo o Brasil ainda iria consagrar e reverenciar, não só como ator, mas como autor, escritor, poeta e compositor. Quem numa roda de samba, não se lembra de Amélia – a mulher de verdade? Pois o autor era o Mário Lago. Outro colega inesquecível era o Cesar Monte-claro. Ele era magrinho, feinho, mas um galanteador. Principalmente por telefone. Aliás, só conseguia mesmo grandes conquistas pelo telefone. Cá entre nós: andou arrastando sua asinha para o meu lado por um tempo... Mas eu tinha olhos para outras pessoas... Havia, inclusive, um dos irmãos Corte-Real, se não me engano de nome Dirceu, irmão mais novo do Roberto, que constantemente me abordava jurando estar apaixonado por mim, fazendo as coisas mais extravagantes para provar isso: Vida, você quer ver como eu te amo? Eu dizia: Como é que se vê? E ele: Assim, por exemplo. Você não está com as unhas pintadas de vermelho? – Me olhava por instantes e sem mais palavras saía e depois de alguns instantes aparecia com suas unhas pintadas de vermelho. Veja, Vida, eu pinto as minhas unhas também, para provar o meu amor por você! Eu ria e achava ridícula essa e outras atitudes dele para me conquistar. Ah! Que saudade dos irmãos Corte-Real. Roberto, Renato e Dirceu, que era o mais novo deles e que morreu tão cedo. Também chorei. Vivíamos todos assim, num ambiente alegre e descontraído. Até que um dia, em meados de 1946, recebemos uma visita importante na Panamericana. A notícia da inesperada chegada de Paulo Machado de Carvalho e seus três filhos, jovens, simpáticos e brincalhões, causou um alvoroço entre os funcionários, pois corria à boca pequena pelos corredores que a rádio andava mal das pernas. O menor deles, o Tuta, ainda tinha calças curtas. Na verdade, administrativamente, as coisas não corriam muito bem na rádio, pois Oduvaldo, que se mostrara um excelente profissional na área artística, não demonstrara os mesmos dons na condução da empresa, o que o levou a considerar e aceitar a boa oferta de Paulo Machado de Carvalho pela sua parte na rádio. A negociação foi rápida e logo fomos comunicados que tínhamos um novo patrão e que a ideia dele era transformar a rádio em uma emissora dedicada essencialmente ao esporte, o que, entre outras coisas, significava o fim das novelas e consequentemente a extinção do cast de atores. Os profissionais cariocas como Mario Lago e Dias Gomes, o Louzada, a Alair Nazaré, a Luiza Nazaré, e outros, voltaram para o Rio de Janeiro. Oduvaldo Viana recebeu um convite para assumir a direção da Rádio Difusora e levou consigo parte do cast da Panamericana. Eu não estava entre os artistas convidados por ele. Sobrei. Começava novamente o martírio de lutar pela manutenção do meu salário, tão importante para a nossa subsistência em casa. Recebi uma proposta para permanecer na empresa, mas como locutora. Até então, eu nunca havia trabalhado em locução, nem podia, com minha voz, ora fina, ora grossa, mas agarrei-me a essa proposta. Uma coisa horrorosa, porque eu não sabia fazer e nem tinha competência para aquele cargo, mas era o que iria me manter empregada ali por um tempo. Desse período, guardo a lembrança de uma passagem, no mínimo pitoresca. Também se deu com o Arlindo Cocciuffo, o sonoplasta do passarinho. Nesse período em que fiquei locutora e muito triste, eu fui escalada para fazer um programa que abria as atividades da rádio todos os dias. Eu ia a pé, de casa, na Rua Francisca Miquelina até a Rua São Bento, onde ficava o estúdio da rádio e fazia esse trajeto aceleradamente, porque sempre acordava um pouco tarde. O meu trabalho era simples: anunciar o nome das músicas que iriam para o ar e na abertura do programa e vez por outra, dar a hora certa. Então, ao abrir o programa, minha frase era sempre esta: Em São Paulo, precisamente, sete horas. Entrava a primeira música do dia e seguia o programa. Entediante. Num certo domingo, atrasei mais do que o costume e sai correndo pelas ruas desertas do centro de São Paulo. Quando cheguei à rádio, sem fôlego, Arlindo estava lá na porta desesperado, olhando para o relógio. Subi as escadas correndo, sufocada. Ainda sentindo falta de ar, cheguei ao microfone e falei: Em São Paulo precisamente sete horas. Arlindo soltou a música e depois abriu a porta do aquário, gordinho, com aquele seu ar amigão, simpático falou: Vida, você errou. São oito horas e você falou sete! Eu respondi: Mas você é besta! É domingo. Ninguém tá acordado a esta hora, nem os donos da rádio! Ninguém em São Paulo! Só nós dois! Então deixa eu falar a hora que eu quiser! Passamos o resto do programa rindo dessa hora certa. Essa vida se arrastou ainda por um ano. Um belo dia fui chamada pelo gerente-geral da rádio, o Sr. Santoro, à sala dele. O Sr. Santoro era um homem simpático, sério, daquelas pessoas que parecem não errar nunca. Me olhou em silêncio por alguns instantes, e depois sentenciou: Vida, nós vamos ter que despedir você. Fiquei sem chão. Aquilo era um balde de água fria sobre a minha cabeça. Em instantes começaram a desfilar no meu subconsciente todas as consequências que essa demissão poderia causar. Eu sabia a falta que o meu salário iria fazer, pois ainda estávamos numa fase muito difícil e todos ainda tínhamos que colaborar no orçamento familiar – nas despesas de comida, de aluguel, que minha mãe pagava para minha avó. Ainda bem que não pagávamos o colégio, pois minha mãe havia conseguido bolsas no Instituto de Ciências e Letras, do professor Alfredo Pucca, e que ficava perto da Avenida Tiradentes. Essa era mais uma caminhada que fazíamos sempre a pé. Nós nunca gastamos dinheiro em ônibus, nem mesmo quando colocaram um ônibus circular que nos serviria. Fazíamos sempre tudo a pé, para economizar. E agora, a minha colaboração iria ser interrompida. Eu não podia ser dispensada. O Sr. Santoro deve ter percebido o meu mal-estar, pois ao me entregar o envelope com o salário se prontificou a me levar até em casa. Recusei. Peguei o envelope, me despedi dos poucos amigos que encontrei pelos corredores e saí. Cabeça na lua, perdida. Pensava em como iria justificar lá em casa o bilhete azul, como eles diziam. Bilhete azul. Que vergonha! Olhei no fim da rua para o Largo São Bento. A Igreja de São Bento bem à frente, com anjos martelando o sino anunciando quatro horas da tarde. À esquerda o Viaduto do Chá. Pensei: Chego no viaduto, pulo e me mato. Pronto. Pulo, morro e tudo se resolve. Estava decidido. Me condenei à morte por uma boa causa. Saí a passos largos, em direção ao viaduto. Acontece que, no meio do caminho, havia uma confeitaria, onde um frapê de coco sempre me atormentava, me chamando, e um doce, um sonho de creme, que era outra tentação. Ora, eu estava com dinheiro, ia morrer dali a instantes, sempre namorei aquelas delícias, então... Concedi o último desejo do corpo àquela alma condenada, que era eu mesma. Entrei na confeitaria, sentei, cruzei as pernas e me fartei com aquele saboroso banquete de sacarose. Enquanto me deliciava com aquilo, pensava em como era boa a vida. Quando me levantei dali, estava muito confusa comigo mesma. Retomei a guerreira que havia adormecido por instantes e fui para casa, enfrentar a situação. Distanciei-me do viaduto e fui embora toda feliz. E me esqueci de morrer. Capítulo VII 1947 – Um Ano Importante Sempre quando as coisas parecem estar perdidas, um furacão dentro de mim entra em erupção e me faz levantar, sacudir a poeira e partir para a briga, correr atrás do lucro e transformar chumbo em ouro. Logo após a demissão da Panamericana, fui à luta e consegui um pequeno contrato com a Standart Propaganda, que estava fazendo uma série sobre Tarzan. Não me lembro o papel que fiz, mas seguramente não representei Chita, nem tampouco Jane. Mas o mais importante é que financeiramente não deixei a peteca cair. Ganhei ali algum dinheiro. Logo em seguida fui para a Rádio Cruzeiro do Sul, onde, entre outras pessoas, trabalhava Ivani Ribeiro, autora de novelas. Fiquei por pouco tempo ali, porque recebi um convite do dono da Rádio Cosmos, Nicolau Scarpa, que era primo em segundo grau da minha mãe Amélia Scarpa, para integrar o elenco daquela emissora. Ali permaneci por alguns meses, até ir para a Rádio Cultura, que pertencia aos irmãos Olavo e Dirceu Fontoura, que também eram donos do Biotônico Fontoura. Nessa época eu tinha aproximadamente dezessete anos, tinha a beleza e o frescor da juventude, que por certo chamaram a atenção do Sr. Dirceu. Não se falava naquela época em assédio sexual. O termo é novo, mas a prática, como você pode imaginar, era antiga. O engraçado é que na época, a gente acabava não contando para a mãe nem para a polícia, achando que a culpa disso, caso acontecesse, seria considerada nossa. E com isso, a gente tinha era medo. Mas como eu não queria perder o emprego, fiquei pensando em soluções. Acho que foi por isso que nessa época resolvi fazer a faculdade de direito. Não foi por interesse pelas ciências jurídicas. Achei que seria bom eu estar sempre ocupada, e não parar muito nos corredores das emissoras. Mais uma vez me impus um objetivo de difícil acesso e isso me obrigou a dedicar-me com afinco aos estudos. Eu, que depois da saída da Panamericana, havia aprendido a comer bombons e a flanar pelas ruas do centro, trabalhando em uma emissora ou em outra, agora dormia poucas horas por noite e dedicava aos livros todo o meu tempo livre. Eu já estava terminando o clássico, como era denominado o segundo grau, naquela época. E resolvi tentar a USP, a melhor faculdade de São Paulo. Mas é claro que não sairia incólume dessa história de fazer faculdade. Algum vexame teria que passar. Talvez a palavra constrangimento identifique mais essa passagem. Quando fui fazer minha inscrição para os exames, fiquei sabendo que para isso teria que pagar uma taxa. Era uma taxa mínima, mas eu não tinha o dinheiro. Chorei, regateei, conversei, até que fiquei sabendo que, se conseguisse um atestado de pobreza, poderia fazer a inscrição sem o pagamento da taxa. Atestado de pobreza! Mas isso foi fácil. Afinal, eu era mesmo pobre. De forma que consegui o atestado na delegacia de polícia. Voltei ao Largo São Francisco e fiz minha inscrição. Redobrei os estudos até as últimas horas antes das provas e fui aprovada. Quando fui ver os resultados, fui sozinha. Meu nome estava lá, num daqueles últimos papéis fixados na parede da faculdade, em ordem alfabética. Estava aprovada! Que felicidade! Saí apressada, saltitando, e do lado de fora alguns rapazes já me esperavam para aquilo que seria o meu trote. Um trote engraçadinho. Nessa época, apesar da minha idade, eu já era um pouco conhecida, afinal era de rádio e já saía em reportagens de jornais constantemente. Então, já na rua, defronte à faculdade, essa turma fez uma roda em volta de mim, de tal forma que interromperam a passagem de um bonde que por ali trafegava naquele momento. Eu fiquei ali, no centro daquela roda, perto do bonde e eles fazendo algazarra, pois eram muitos, jovens e certamente gostavam de farra, bagunça. Um deles começou a cantar uma música e logo foi seguido pelos outros e até pelos passageiros do bonde. A música era mais ou menos assim: Ser bonita é um direito, por isso, ninguém a acusa, mas ser boa desse jeito, perdão Vida, você abusa. Foi difícil sair do meio daquela gente toda, mas consegui, no meio de uma gritaria e de uma bagunça que jamais esquecerei. Aqueles seriam meus colegas na faculdade. Com esse trotezinho, iniciei minha vida acadêmica. Agora, mais do que nunca, eu precisava trabalhar. Ufa! Voltei a procurar pelos amigos e fui indicada por J. Antonio D’Ávila, que eu já conhecia da Rádio Cruzeiro e depois da Cultura, para ir para a Tupi, onde o diretor responsável nessa época era o Walter Forster. Mais uma vez minha mãe me acompanhou, pois a Tupi era uma emissora que ficava longe do centro. Ficava no bairro do Sumaré, que era um bairro residencial, distante, ainda pouco habitado, no comecinho da Zona Oeste da cidade. Pegamos um ônibus na Praça do Patriarca, descemos na frente da garagem de ônibus, onde depois foi construída a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, andamos uns dois ou três quarteirões e chegamos enfim à Rádio Tupi. Entramos num corredor comprido e chegamos num estúdio, onde me deram um papel para fazer um teste. O sonoplasta responsável pelo meu teste me olhou meio de soslaio. Depois vim a saber o nome dele. Ariclenes Venâncio Martins. O ilustre sonoplasta que seria depois mais conhecido pelo seu nome artístico: Lima Duarte. O grande ator Lima Duarte. Mas naquela época, começo de carreira, ele era apenas o sonoplasta, moreninho e baixinho e que, antes do teste, me olhou esquisito. E eu pensei: será que ele não gostou de mim? Fiz o teste e fui aprovada para estrelar a novela de Walter Forster, que iria começar na semana seguinte. Enfim, um contrato que prometia ser duradouro. Um porto seguro. Capítulo VIII As Emissoras Associadas As Emissoras Associadas, de Assis Chateaubriand, formavam um conglomerado de empresas voltado à comunicação, abrigando os jornais Diário de São Paulo e Diário da Noite e as emissoras de rádio Tupi e Difusora. Mais tarde, em 1950, juntar-se-ia também ao grupo a TV Tupi, mas disso vamos falar mais tarde. As rádios Tupi e Difusora funcionavam no mesmo prédio, tinham seus estúdios separados, a programação separada, mas fisicamente tudo funcionava de forma conjunta. Inclusive os funcionários. Embora alguns fossem contratados pela Tupi e outros o fossem pela Difusora, todos trabalhavam nas duas, mas preferencialmente para aquela pela qual fora contratado. Poderíamos dizer que eram empresas solidárias. Por isso, nosso elenco era enorme. Nós só não trabalhávamos nos jornais. Mas havia profissionais, que eram contratados pelos jornais e faziam trabalhos na Rádio Difusora, na Rádio Tupi e depois também o fizeram na TV Tupi, mas eram poucos, como por exemplo o Ayrton Rodrigues. As instalações das emissoras, ao contrário do que se possa pensar, eram modestas. Nosso camarim, por exemplo, não tinha mais do que quatro metros por quatro, para todas as moças. Tínhamos armários de madeira, daqueles altos, um para cada pessoa, um único espelho para todas e uma senhora para zelar por tudo, a Dona Nina. Um único banheiro para mulheres distava dez metros dali. Eram condições bem simples mesmo, motivo até de chacota entre nós. Mas nós também éramos todos pessoas bem simples. Emprestávamos maquiagens e roupas umas para as outras, assim como pedíamos, em casos de necessidade, para que uma cobrisse a escala da outra em seriados avulsos, onde se permitia que isso fosse feito. Por isso todos os que participaram da Tupi dizem que aquilo era realmente uma família. Hoje em dia, eles ficam uma família durante uma novela. Depois de oito ou nove meses, tempo de duração da novela, ficam sem conviver, sem se relacionar durante longo tempo. E ali nós nos víamos todos os dias. Como eu fiquei 22 anos na Tupi, foi realmente uma coisa grande, uma amizade grande, uma coisa maravilhosa. Tínhamos como nosso ponto de encontro diário o Bar do Jordão. O Jordão era um descendente de italianos que fazia aquela comida mais tradicional, mais prato-feito possível. E que agradava a todos: gregos e troianos. O bar ficava dentro das dependências da Tupi. Tinha mesas que comportavam aproximadamente trinta pessoas e estava sempre lotado. Tomar um cafezinho no Bar do Jordão era o passeio predileto e obrigatório de todos. Principalmente dos moços, quando queriam cantar as moças. Para elas também era o lugar do footing. Não mais que de repente, um participante de uma rodinha de bate-papo uma pessoa de passagem ou na saída de um estúdio, sempre alguém sugeria: vamos tomar um café no Bar do Jordão? A resposta invariavelmente era afirmativa. E para lá seguiam todos animados. Nesse lugar eu me lembro de ter visto do mais importante diretor ao mais humilde funcionário. Todos juntos. Não havia separação por classe, nome, por importância, cargo, ou por atividade; esse é escritor, aquela é estrela, esta é cantora... Não! Eram todos juntos. O Jordão, por sua vez, era aquela pessoa simplória, que realmente conseguia amenizar e possibilitar esse convívio amigo. O Bar do Jordão era a cozinha da família Tupi. Uma família formada por artistas e técnicos do mais alto gabarito, que viviam em harmonia em torno de um objetivo comum. Nesse povo todo, havia gente de muita importância para o rádio na época, como Dionísio de Azevedo, ator dos bons e que logo passou também a escrever a Lia de Aguiar que era a estrela máxima da época e que se tornou mais tarde minha comadre, batizando minha filha Thais; a Zilda de Lemos, que começou na Difusora e que veio a se casar depois com o Heitor de Andrade, que era ator e apresentador; a Janete Clair que naquela época era apenas uma atriz e que posteriormente seria aclamada como uma das melhores escritoras de novelas de todos os tempos. Gostaria de citar também Lolita Rodrigues, atriz e depois apresentadora, que se casou mais tarde com Ayrton Rodrigues; a Hebe Camargo, que era cantora e que depois se tornou apresentadora; o próprio Walter Forster, ator, escritor e diretor, o Cesar Monteclaro, a Yara Lins, Walter George Durst, Cassiano Gabus Mendes, enfim, era um time de primeira linha. Desculpem os não citados, mas era tanta gente boa, que, se fôssemos enumerar todos, utilizaríamos metade deste livro. Quero lembrar que a única distinção que havia entre a Tupi e a Difusora era que nesta segunda havia novelas de maior importância, porque a Rádio Difusora tinha como objetivo a concorrência direta com a Rádio São Paulo e para isso contratara para direção Oduvaldo Viana, aquele mesmo linha dura da Panamericana, que citei capítulos atrás. A Rádio Tupi, por sua vez, era dirigida por Otávio Gabus Mendes, um homem à frente do seu tempo, avançado. Criou o Cinema em Casa, programa que posteriormente daria origem ao famoso TV de Vanguarda, criou ainda diversos programas de auditório e outros tantos, que chegou apenas a registrar em papel e sem nunca vê-los levados ao ar, porque morreu cedo, aos quarenta anos. Deixou, entretanto, como herança para a Tupi, diversos scripts e seu filho Cassiano Gabus Mendes. Devo explicar que, no meu tempo, isto é, quando entrei, Otávio Gabus Mendes já havia falecido e o diretor em seu lugar era o Walter Forster, que foi quem me contratou. Cassiano, então, cercou-se de gente competente, chamando para integrar o seu grupo nomes como Walter George Durst, Álvaro de Moya, Silas Roberg e Túlio de Lemos e, tendo por escola o trabalho incontestável de Otávio Gabus Mendes, passou a fazer uma programação moderna, aproveitando os scripts deixados pelo pai como legado. Nessa época eu fazia novelas na Rádio Difusora e além dos grandes teatros na Rádio Tupi, também era convidada pelo Durst para fazer o Cinema em Casa, que era a adaptação dos grandes filmes da época para o rádio. Eram grandes programas. Paralelamente, não podemos esquecer, fazia a faculdade de direito. Mesmo assim, eu queria mais. Queria também escrever para o rádio. Então me enchi de coragem e procurei o Cassiano e lhe perguntei se ele me permitiria escrever para um programa que se chamava Encontro das Cinco e Meia. Era um programa de apenas 15 minutos, um daqueles legados do Otávio Gabus Mendes, e que era o xodó do Cassiano. O programa versava sobre o encontro de dois namorados quaisquer, contando suas peripécias, venturas e desventuras. Esse programa foi certamente o balão de ensaio de um sucesso que mais tarde iria explodir sob a batuta de Cassiano: O programa Alô Doçura estrelado então por John Herbert e Eva Wilma. O Cassiano concordou que eu escrevesse, mas me lembrou que, embora fosse um programa pequeno, era uma herança do pai e ele tinha muito orgulho dele, portanto se ele lesse e não gostasse meu script não iria para o ar. Agora, de posse desse novo desafio, só precisava conseguir tempo para escrever. Mas isso foi fácil. Roubei tempo nas aulas da faculdade. Algumas aulas eram monótonas, outras pomposas e algumas difíceis demais. As salas da faculdade de Direito do Largo São Francisco eram grandes. Eram anfiteatros para trezentas, quatrocentas pessoas. Desta forma, enquanto aquele velho e cansado professor lá na frente falava grosso, pausado, de forma lenta e enfadonha, eu deixava folhas em branco camufladinhas sob a minha apostila e ia escrevendo meu script. Cassiano leu, gostou e a partir de então passei muitas aulas nas famosas arcadas do Largo de São Francisco, escrevendo roteiros para o Encontro das Cinco e Meia, o que me serviria de base para escrever outros programas no futuro. Na Tupi, ainda, dei também meus primeiros passos rumo à minha militância política, pois aqueles encontros no Bar do Jordão rendiam sempre discussões com esse teor. Eu, apesar da minha idade, ainda era menor, quando entrei, tinha uma posição política forte e muito marcante. Acho que os jovens daquele tempo eram mais politizados que os jovens de hoje, que me parece estão mais consumistas e interessados apenas no seu crescimento pessoal. Muito individualistas. É claro que temos exceções, mas via de regra é assim. Nós, ao contrário, tínhamos uma preocupação social muito grande. Quase todos nós, também, é lógico, com suas exceções. Então, aqueles encontros no Bar do Jordão estendiam-se por horas, em discussões acaloradas sobre os rumos da humanidade e principalmente do Brasil, da sua situação político-social. Era um assunto que me interessava muito e do qual participava com muita convicção. Eu achava injusto que houvesse tanta diferença. Como acho até hoje. E essa minha convicção cresceu e ganhou pujança ali mesmo no Bar do Jordão. Eu me considerava uma comunista ferrenha, mesmo que sem me filiar ao partido, nem assinar nada, nem ficha, nem coisa nenhuma. Nunca assinei nada. Tanto que me dispus, ao lado de minha irmã Helle, também comunistinha como eu, a ajudar uma senhora, muito respeitosa e inteligente, que havia morado na China Comunista, a vender, distribuir e pegar assinaturas do jornal Hoje, uma publicação do Partido Comunista do Brasil. Também participei de encontros de intelectuais esquerdistas. Me lembro muito bem de uma reunião interessante na casa de Miguel Arraes. Lá conheci entre outras celebridades Candido Portinari e Jorge Amado. Nunca me esqueço, que nessa reunião, em determinado momento alguém falou: Dori! Toque pra nós. – Dori era ninguém menos que Dorival Caymmi. Ele pegou seu violão e naquela sala de vinte metros quadrados, de classe média, na Vila Mariana, recheada de gente importante, cantou Marina, fechando os olhinhos, tocou Maracangalha sacudindo os ombros, cantou Dora e outras tantas composições do seu repertório, com aquele seu jeito malemolente, todo baiano de cantar e dançar. Ali, não ouvi nenhum discurso inflamado. Nenhuma ordem de quebrar ou matar, fazer ou acontecer. Nada. Eram encontros meramente intelectuais. Essa minha militância também me rendeu momentos de tensão. Certa vez, depois de um dia normal de trabalho na rádio, ao chegar, por volta de sete da noite, deparei com um carro de polícia parado em frente de casa. Policiais aguardavam minha chegada para levarem a mim e a minha irmã Helle para o DOPS. Era a policia política. Um dos meus tios nos acompanhou. Não nos colocaram em nenhuma cela, pois eu era menor de idade, mas passamos a noite toda sentadas naquele corredor frio. Minha mãe não fez escândalo algum, não era do seu temperamento. Mas como era do seu feitio, agiu prontamente. Procurou o Oduvaldo Viana, e já de madrugada esteve com Dermival Costalima e com o Homero Silva, com quem ela chegou lá no DOPS, pessoas a quem sou grata até hoje, pois, depois de extensa negociação, eles conseguiram colocar em liberdade as duas mocinhas vermelhas... Capítulo IX A TV Tupi Além do Bar do Jordão, havia outro lugar onde a turma se reunia constantemente, enquanto cada um aguardava seu horário de entrada no estúdio. Esses horários eram intercalados diversas vezes ao dia. Perto da torre da rádio, nos fundos do prédio, ficava uma piscina, onde se armazenava a água que abastecia o resfriamento da torre. Ao lado, um gramado, muito bem cuidado, que nós utilizávamos, nesses intervalos, para prática de esporte. Não, não era futebol, nem tampouco voleibol. Não me pergunte por quê, mas nós praticávamos peteca. O jogo de peteca não era tão concorrido como as mesas do Bar do Jordão, mas tinha lá seus adeptos assíduos. Eu não estava entre eles, mas gostava de ir até lá para me divertir, conversar e esporadicamente até me atrever a jogar peteca. Nesse dia eu estava lá. Assistia a uma partida, onde um dos jogadores era o Walter Forster, nosso diretor artístico. De repente, apareceu por lá um grupo de pessoas, entre as quais se encontrava o nosso patrão: Assis Chateaubriand. O Walter, é claro, apressou-se em receber aquele baixinho que estava chegando ali, com seu impecável terno de casimira e chapéu. Nós, de longe, apenas observávamos. O grupo, agora acrescido de Walter Forster, conversava incessante e empolgadamente. Apontavam para um lado, gesticulavam para o outro, falavam, olhavam com atenção, andavam de lá para cá, mediam, marcavam o chão, sempre sob o comando de Chateaubriand. Depois de algum tempo e muita conversa, Chateaubriand nos acenou de longe, despedindo-se e se foi. O Walter voltou. E veio com novidades. A partir de hoje vamos encerrar nosso jogo, porque daqui para a frente eles vão modificar toda a emissora, e aqui, neste local onde estamos, começa a ser instalado, a partir de amanhã, um estúdio de televisão. Espanto geral. Televisão? O que é isso? Não vamos mais jogar peteca? O quê? Mas como? A princípio, houve uma indignação pela perda. Como é que o baixinho vem, dá uma ordem, nos deixa decepcionadíssimos, tira nosso esporte e vai embora? Vamos protestar! Vamos fazer greve! É claro que não se chegou a tanto, mas pensamos em tom revoltoso que aquilo era uma indignidade, tirar nosso espaço de lazer para montar uma televisão! Mas alguns instantes depois, quando resignados caminhávamos de volta aos estúdios, a principal pergunta não queria calar na cabeça da grande maioria: Mas, o que é televisão? Ninguém sabia. Essa é a verdade. Nenhum de nós tinha ideia. E uma coisa que eu acho curiosíssima é que Chateaubriand mandou apenas duas pessoas aos Estados Unidos para entender o funcionamento de uma emissora de televisão e comprar o material. Um engenheiro (Mario Alderighi) e um diretor técnico (Jorge Edo). Me parece que da área artística foi convidado o Oduvaldo Viana, mas ele era contra a ideia da implementação da televisão, pois seu projeto era fazer cinema. Nessa época ele já havia feito dois filmes, para a Tupi e outros, quando ainda morava no Rio. Oduvaldo defendia a ideia de que o caminho era o cinema e não a televisão. Chateaubriand, que não tinha paciência de ficar sentado durante duas horas para ver um filme, fora convencido por ele, anteriormente, para fazer um documentário com os astros e estrelas das rádios Tupi e Difusora, para que as pessoas conhecessem os donos das vozes que estavam acostumadas a ouvir pelas rádios. Foi autorizado e rodou em 16 milímetros o curta-metragem Chuva de Estrelas, que foi exibido em diversos cinemas, antecedendo a exibição do filme em cartaz, principalmente nas salas de projeção do interior, onde as radionovelas eram incontestavelmente uma febre. Eu estava em Chuva de Estrelas juntamente com Lolita Rodrigues, Túlio de Lemos, Walter George Durst, Lia de Aguiar, Wilma Bentivegna, Pagano Sobrinho, Hebe Camargo, entre tantos outros. Com o grande sucesso do documentário, Oduvaldo conseguiu convencer Chateaubriand a rodar um longa em 35 milímetros, chamado Quase no Céu, estrelado por Lia de Aguiar e João Carillo, com participação de três meninos-prodígio: Erlon Chaves e Walter Avancini, ambos nessa época com 8 anos de idade e também com Régis Cardoso, então com 13 anos. Eu fazia, ao lado de Homero Silva, o segundo par romântico. E no filme houve a cena do casamento entre nós, que foi filmada numa pequenina e linda igreja do Embu. O sucesso foi tanto que, em 1948, o jornalzinho interno das Emissoras Associadas, O Sumaré, publicou uma matéria, creditando oficialmente o filme Quase no Céu aos Estúdios Cinematográficos Tupi, uma nova empresa que acabava de surgir, com a direção de Oduvaldo Viana. Mas a Tupi não estava fadada a ser um estúdio cinematográfico. Na verdade, Chateaubriand, nessa época, já havia negociado com a direção da RCA, e até pago antecipadamente, a compra dos equipamentos para a implementação da televisão no Brasil. O interesse de Chateaubriand pela televisão começou em 1944, quando de sua visita aos Estados Unidos, para uma apresentação dos avanços tecnológicos de radiodifusão da RCA Victor. Nessa visita, teve pela primeira vez contato com uma transmissão de TV no Rockefeller Center, em Manhattan, e recebeu uma explanação do processo de funcionamento de uma emissora de televisão. Demonstrou interesse em trazer para o Brasil essa novidade e foi orientado a aguardar o término da guerra, para começar a operar. Voltou então ao Brasil, trazendo em sua bagagem a ideia do que seria o embrião da televisão pioneira da América Latina. Imediatamente começou a procurar parceiros dispostos a investir nessa nova empreitada. E foi aos poucos conseguindo adeptos. Primeiro a Cia. Antarctica, depois Baby Pignatari, proprietário da Organização Francisco Pignatari, e por fim, em 1946, já com o final da guerra, a parceria seria completada com o apoio do Moinho Santista e da Cia. Sul América de Seguros. A todos os patrocinadores foi concedido um crédito, no valor dos seus investimentos, para, no decorrer dos anos posteriores à inauguração, usarem em forma de publicidade, na primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina. Em 1947, Chateaubriand efetivou a encomenda junto à RCA Victor. A confirmação da remessa dos equipamentos se daria apenas dois anos depois, quando então nossa partida de peteca fora interrompida por Chateaubriand. Transcorria o ano de 1949. A monotonia dos corredores, estúdios e instalações das rádios, agora, era quebrada pelo frenesi dos profissionais empenhados em montar a TV Tupi a toque de caixa. Era um vai e vem sem fim de operários, que trabalhavam diuturnamente para cumprir os prazos estabelecidos por Chateaubriand. E explique-se: quanto à técnica, quase ninguém de fora foi contratado. Era a mesma equipe das rádios, que tinha que se desdobrar. Nas rodinhas, a conversa invariavelmente destilava conjecturas sobre o novo meio de comunicação. O que acontece? Ah! Se vê... É um rádio grande, com imagem... Com imagem? É... se vê tudo o que a gente faz? E se a gente vai ao banheiro também se vê? O quê? Se vê o banheiro das moças? Ai meu Deus! Como é que eu faço? E ríamos. Mas preocupadas, pois não sabíamos nada. Éramos um bando de jovens meninas curiosas e bobonas, com total desconhecimento do assunto. Mas a televisão era novidade no mundo inteiro e até as pessoas intelectualizadas, cultivavam e partilhavam conosco as mesmas dúvidas. Só nos restava esperar para ver. Pouca gente foi contratada, como já disse, mas foi contratado um italiano bonitão, indicado pelo Jorge Edo. O nome dele era Gianni Gasparinetti. Ele veio para o Brasil, tendo participado da II Guerra e fugido de uma possível terceira grande guerra, assunto que se comentava no mundo. Na Europa era dono de uma loja que vendia caixas acústicas, rádios e material elétrico. Essa contratação mudou a minha vida, pois começamos a namorar logo após nos conhecermos. As modificações que estavam acontecendo nas Emissoras Associadas passaram para segundo plano. Eu tinha contrato com a rádio, o que garantia o meu emprego e naquele momento, para mim, era isso que importava. O Gianni vinha de uma cultura totalmente diferente da minha. Eu, cheia de escrúpulos e limites, e ele trazia em sua bagagem cinco anos de guerra e uma filosofia de vida europeia. Namoramos e noivamos em curto espaço de tempo. Convidamos Dionisio Azevedo, Norah Fontes e Sarita Campos e um professor da faculdade para padrinhos e no último dia de dezembro de 1949 já estávamos casados. Afinal, eu gostava de tudo nele. Bem, quase tudo... Na guerra, ele aprendeu a beber e isso me aborrecia, pois sempre fui abstêmia. Então, tive um casamento com algumas dificuldades, por conta disso. Mas isso não impediu que ele fosse o queridinho da família toda – da minha mãe principalmente. Eu sempre brincava dizendo que eu era a artista, mas ele era a estrela. Gianni era um homem bom. Correto. Construímos uma bela casa, na Rua Vargem do Cedro, no bairro do Sumaré. Tínhamos nossa casa de campo, um pequeno iate na represa Guarapiranga, casa na praia. Tudo comprado com o nosso trabalho. Bem, mas disso volto a falar um pouco mais, depois. Enquanto eu ainda me preparava para o meu casamento, as obras no Sumaré não paravam. Os estúdios A (primeiro estúdio de televisão da América do Sul) e B (um estúdio pequeno onde cabiam apenas uma mesa, a câmera e o cameraman), foram erguidos em poucos meses. Ambos eram ligados à mesma técnica, que ficava no centro, permitindo servir os dois estúdios, de um lado o estúdio A e de outro o estúdio B. Aguardava-se para qualquer momento um comunicado da RCA, o que aconteceu somente no final de dezembro de 1949, noticiando que os equipamentos já estavam encaixotados, apenas aguardando ordem de embarque na Filadélfia. Em janeiro de 1950, enfim, atracou em Santos o navio que trazia os equipamentos. Assis Chateaubriand e sua pequena comitiva foram recepcionados no porto de Santos pelo presidente e diretores da RCA do Brasil, que ofereceram um coquetel a bordo do navio. Os equipamentos, entretanto, só foram liberados pela alfândega dois meses depois, em março. Afinal, essa era a primeira carga do gênero que desembarcava no Brasil. Houve um grande frisson em todo o elenco, pois se comentava a boca pequena que Sarita Campos, esposa de Dermival Costalima, estava convidando as pessoas que iriam compor a caravana que iria a Santos, para a festa e depois para acompanhar o translado dos equipamentos de Santos até São Paulo. Prometia ser um grande evento. Confesso que fiquei um pouco ansiosa e depois de nariz virado, porque não fui convidada. Mas me refiz rapidamente, pois afinal ainda estava curtindo a minha lua de mel com Gianni, e já me encontrava grávida. Os escolhidos desceram a serra em caravana e foram em festa acompanhar o desembarque do equipamento. Os caminhões vieram com faixas alusivas, onde se lia: Está chegando a televisão em São Paulo. Os caminhões subiram e seguiram pelas ruas de São Paulo, alardeando com as suas buzinas para chamar a atenção de todos para as faixas. Hoje a gente entende que isso deveria ter sido um pouco mais comemorado. Deveria ter sido um pouco mais divulgado. Não houve sequer um grande lançamento nos jornais, que era uma mídia que poderia ter sido muito explorada; afinal, o Chateaubriand era proprietário do principal grupo jornalístico brasileiro. Não podemos esquecer ainda que a esse grupo também pertenciam as rádios, que poderiam também ter sido utilizadas com essa finalidade. Mas, analisando hoje, parece que havia certa insegurança... Eu acho que eles estavam ainda trêmulos com aquela coisa grandiosa, que nem eles sabiam que viria a ser tão magnífica. Era um passo no escuro. Foi um momento histórico, que na ocasião não foi devidamente considerado. Pensando bem, toda a preparação para a inauguração da TV Tupi foi completamente maluca e rápida. A torre de transmissão foi entregue na Rua 7 de Abril, onde foi montada, a princípio para testes, no andar térreo . Eram 18 metros de comprimento divididos em três seções de 6 metros cada. Ficou definido que ela seria instalada efetivamente no prédio que era considerado o mais alto de São Paulo, escolhido também, por ser topograficamente, o ponto mais elevado no centro da cidade. Era o prédio do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), localizado no início da Av. São João, na Praça Antonio Prado. Buscando informações sobre essa edificação hoje, sessenta anos depois, constatamos que, com quarenta andares acima do solo, continua sendo o 3º prédio mais alto da cidade de São Paulo e o 4º do Brasil, passando a se tornar respectivamente o 4º e 5º somente no final de 2010. O que espanta ainda mais é que, quando os caminhões chegaram ao prédio, a equipe designada para subir com todo o material, inclusive com pesadas barras de ferro destinadas à montagem da torre de transmissão, era a mesma equipe de técnicos e funcionários da Rádio Tupi, comandados por Nelson de Matos. Não foi contratada empresa especializada, nem tampouco mais homens para a equipe. E esse transporte foi feito no ombro! É claro que uma parte do material foi transportada pelo elevador, mas a parte mais difícil foi mesmo dos componentes da torre, que subiu por fora do prédio. Para construção do andaime para erguer a torre, foram comprados cinco caminhões de vigotas de peroba de 4 metros, que foram transportados pelo vão da escada, andar por andar, até o topo do prédio, onde o transmissor de 5kW, com saída amplificada para 20kW de potência, foi finalmente montado pela equipe de Jorge Edo, liderada por Nelson de Matos. O resto do material foi destinado aos estúdios do Sumaré, sendo composto de um conjunto de telecine com 2 projetores de 16mm, projetor de transparências, graytelop, gerador de sincronismo de cinco níveis, material de iluminação, switcher, mesas de som, boom com microfones unidirecionais, três câmeras RCA e um caminhão de externas, que veio montado em um veículo próprio e equipado. Pouco tempo depois, houve a primeira transmissão interna, em circuito fechado. Era um projeto financiado pelos Laboratórios Squibb Indústria Farmacêutica. Foi realizado no Hospital das Clínicas, tendo por engenheiro responsável Hélio Bittencourt, da GE, empresa que forneceu todo o material para realização do projeto, que tinha como objetivo a transmissão de cirurgias realizadas no hospital. A primeira transmissão exclusivamente artística, ainda nesse sistema de circuito fechado da GE, aconteceu em 15 de junho de 1950. Participaram Homero Silva, o palhaço Arrelia, a cantora Elsa Laranjeira, Marly Bueno e Miriam Simone, que acabou se casando com o Hélio Bittencourt, com quem permanece casada até hoje. As Emissoras Associadas realizaram seu mais importante teste, também em circuito fechado, em 4 de julho de 1950, utilizando então o material comprado por Assis Chateaubriand nos Estados Unidos, junto à RCA Victor. Os testes foram realizados no próprio prédio dos Diários Associados, na Rua 7 de Abril, com a presença dos apresentadores Homero Silva e Walter Forster, tendo como destaque especial o Frei José Mojica, que também era cantor e que interpretou o bolero Besame mucho. A próxima transmissão seria para valer. Ela já estava marcada para o dia 18 de setembro de 1950, nos estúdios da Tupi. Carlos Jachieri, o primeiro cenógrafo da televisão brasileira, conta que dias antes da transmissão alguém perguntou quem assistiria à transmissão, já que no Brasil não havia televisores. A pergunta correu a boca pequena e Assis Chateaubriand apressou-se e providenciou a importação de vinte televisores a toque de caixa. Dizem até que foi ele mesmo quem pegou um avião e foi até os Estados Unidos comprá-los. Capítulo X 18 de Setembro de 1950 Eu estava no meu oitavo mês de gestação e com uma gravidez assim, tão volumosa, antiestética e já próxima de gozar o benefício da minha licença-maternidade, só estava fazendo rádio, certamente não iria participar da primeira transmissão de televisão aberta da América Latina. Na época minha aparência era considerada antiestética. Entretanto, fiz questão de comparecer ao estúdio, pois, além da curiosidade e de querer xeretar um pouco, queria principalmente dar apoio às minhas amigas, ajudar alguém a se maquiar, em-105 prestar algum colar, algum batom, uma roupa, um apoio moral talvez. Afinal, estavam todas nervosas e despreparadas. Dizem até que, se houvesse moscas no estúdio, até elas estariam tontas, porque na verdade esse lançamento era uma loucura, uma coisa completamente extravagante para os nossos costumes. Nas horas que antecederam a transmissão, os técnicos alvoroçados testavam os equipamentos para que nada desse errado na hora da transmissão, switchers, booms, luminárias, cabos, enfim, todos os detalhes. As câmeras, como já citamos, eram apenas três – Uma delas (foto na página seguinte) faz parte hoje do acervo da Pró-TV. Os sinais de ajuste e padrão da emissora começaram a ser enviados ao ar às 16 horas, sendo recebidos pelos televisores comprados por Chateaubriand e espalhados por toda a cidade em locais especiais como o Jockey Clube, o saguão dos Diários Associados, na Rua 7 de Abril, as lojas da Cassio Muniz e do Mappin que era uma das principais e maiores lojas do centro de São Paulo, na Praça Ramos de Azevedo, defronte ao Teatro Municipal. Os demais aparelhos foram distribuídos em outros pontos estratégicos de São Paulo. As pessoas se acotovelavam na frente dos aparelhos, curiosas para ver a novidade. A solenidade inaugural da TV ocorreu às 17 horas, tendo como apresentador oficial Homero Silva e como cameraman, operando a câmera nº 1 Walter Tasca, que registrou a imagem. Assis Chateaubriand quando foi chamado à frente, sob aplausos e também da bênção do bispo auxiliar de São Paulo, D. Rolim Loureiro, além do registro de convidados ilustres, entre políticos, empresários e membros da sociedade paulista. A madrinha da TV, a poetisa Rosalina Coelho Lisboa Larragoiti, foi apresentada por Lya de Aguiar e fez um discurso poético. Finalizando a cerimônia, Assis Chateaubriand discursou e prometeu para as 21 horas o início da apresentação artística. Depois disso Chateaubriand seguiu com seus convidados para o Jockey Club, onde iriam jantar e acompanhar a transmissão artística. A TV Tupi após a solenidade permaneceu no ar, transmitindo o sinal padrão. Enquanto isso, na cidade do rádio era preparado com rapidez o programa que iria ao ar às 21 horas, que se chamaria: TV na Taba. O que me espanta hoje é que esse primeiro programa já mostrou quase tudo que a televisão mantém até os dias atuais. Houve esporte, com uma crônica sobre futebol, apresentada por Aurélio Campos; houve jornalismo, Maurício Loureiro Gama apresentou a crônica Em dia com política; houve Música Popular com Wilma Bentivegna, Osny Silva, Rayto Del Sol, Os quatro amigos, Rosa Pardini e Marcos Ayala. Lolita Rodrigues por sua vez, cantou o Hino da Televisão; houve música clássica, com a Grande Orquestra Tupi, regida pelo maestro Georges Henry, e um solo de piano com o maestro Rafael Puglieli; houve dança clássica com a bailarina Lia Marques; houve dramaturgia com o quadro Ministério das Relações Domésticas, apresentado por Walter Forster, Lia de Aguiar e Vitória Almeida; houve humorismo, com a primeira escolinha da televisão: a Escolinha do Ciccilo, escrita e dirigida por Paulo 109 Leblon, com vários artistas, entre eles Simplício, Xisto Guzzi e Walter Avancini; um quadro com Pagano Sobrinho e ainda o Rancho Alegre com Mazzaropi, João Restiffe e Geni Prado. Houve reportagem, com um filme apresentando as dependências da TV no Sumaré, os Diários Associados, o edifício do Banespa, com a torre de televisão e panoramas da cidade de São Paulo, mas isso foi no dia seguinte, 19 de setembro. A transmissão começou no estúdio B, com a pequena Sonia Maria Dorce, então com 5 anos, vestida de indiozinho com um cocar de uma pena só, dizendo: Está no ar a televisão do Brasil! Em seguida, Yara Lins, no estúdio A, em close, falou o nome das emissoras das Rádios Associadas que iriam retransmitir a programação, e eram mais de trinta. Tudo de cor. Em seguida apareceu Homero Silva que recebia duas atrizes que faziam o papel de convidadas – Miriam Simone e Helenita Sanches – e lhes dizia um script simples, assim como: Vocês nunca viram televisão? Eu vou mostrar pra vocês! Venham comigo. Como os estúdios eram relativamente pequenos, as pessoas entravam, faziam sua cena, saíam e davam lugar para outras. As visitantes fingiam que estavam andando num grande espaço, mas na verdade entravam e saíam sempre da mesma sala e o Homero apresentava o quadro seguinte. Foi nessa ocasião que aconteceu a famosa pane em uma das três câmeras. O Jorge Edo percebeu no switcher que uma das câmeras não estava funcionando. Foi ao estúdio e disse ao Walter Tasca, que era um dos cameramen: Você seria capaz de levar a sua câmera do estúdio A para o estúdio B, o pequeno, assim em fração de segundos? O Walter respondeu que sim e realmente fez isso, porque tudo havia sido marcado com giz no chão para três câmeras e de repente ficaram só duas. Então, para suprir a necessidade do equipamento avariado, a câmera do Walter ia e voltava. Não é verdade que o Chateaubriand quebrou a câmera com uma garrafa na inauguração, isso foi gozação de alguém, foi brincadeira do Lima Duarte, que criou essa lenda ,que acabou virando história. O programa transcorreu normalmente e ninguém percebeu a falta da câmera quebrada. A transmissão foi encerrada com a música Acalanto, de Dorival Caymmi. Chateaubriand ligou para Dermival Costalima, parabenizando a equipe e dando ordens para que Dermival levasse todos para a Cantina do Romeu, na Rua Pamplona, onde seria oferecido um jantar de comemoração. Nessa noite, festiva, eufórica, 111 todos brincavam, como crianças que conseguem uma proeza muito grande. Pois, no fundo, era isso mesmo. Fazer um programa de televisão sem ninguém jogar pedra era realmente uma proeza. As pessoas, pelo contrário ligavam, parabenizando. Estavam vendo, estavam assistindo, pois além daqueles aparelhos distribuídos pela cidade, algumas pessoas de classe alta, sabedoras do lançamento no Brasil, trataram de trazer aparelhos da Europa ou dos Estados Unidos. O jantar prosseguiu noite adentro com todos alegres, bebendo, festejando. Eu estava meio calada, pois Gianni, ao meu lado, parecia um pouco zangado, já querendo ir embora, mas enfim, estava ali porque também era funcionário da Tupi e tinha que aguardar a chegada do chefão, Chateaubriand, que talvez viesse ainda para discursar e agradecer a cada um dos funcionários. Mas Chateaubriand não veio. Próximo de nós estava o Cassiano Gabus Mendes. Eu vi quando se aproximou do Lima Duarte e perguntou: E amanhã? Qual é a programação? E começou ali mesmo um alvoroço com essa pauta, porque na verdade ninguém havia pensado na programação do dia seguinte. Então, o Lima, o Helio Tozzi, o Durst e outros combinaram de ir logo cedo, no dia seguinte, aos consulados e às faculdades para conseguir filmes, pois todo consulado tem filmes sobre o seu país e as faculdades filmes científicos, mostrando como se vivia no Cazaquistão, como se dava a reprodução das minhocas, enfim, qualquer coisa que preenchesse os horários, com um locutor de cabine e exibição dos filmes. E assim foi. Chateaubriand realizava, desta forma, um sonho acalentado por diversos anos. Estava inaugurada a TV Tupi. Gostaria de acrescentar uma coisa mais sobre ele. Acho que o Chateaubriand tinha um faro não só jornalístico. Ele era quase um futurologista, um vidente. Não é que ele presenteou com um daqueles vinte televisores que comprou ninguém menos que Roberto Marinho – o homem que se tornaria o dono de um império chamado Rede Globo de Televisão, uma das maiores, mais destacadas e pujantes emissoras do mundo? E que certamente, de certo modo, o completou, na propagação e na vitória mais tarde da televisão brasileira? Chateaubriand, um profeta. Capítulo XI O Trabalho na Rádio Continua Três meses após o nascimento do meu primogênito, Heitor, regressei às minhas atividades normais na rádio. Agora, minha vida estava dividida entre ser mãe, estudante de direito (teimosa, prometi a mim mesma que iria continuar na faculdade de direito até me formar) e o meu trabalho na rádio, onde continuava escrevendo o Encontro da Cinco e Meia e atuando como atriz, de acordo com a escala. Paralelamente, eu acompanhava o progresso da TV, que através de seus diretores Dermival Cos-115 talima e Cassiano Gabus Mendes, assessorados competentemente pelos seus fiéis escudeiros Walter George Durst, Lima Duarte, Luiz Gallon, Túlio de Lemos, Dionísio Azevedo, Walter Forster, Ribeiro Filho e Jota Silvestre, continuavam a levar ao ar uma programação diária, recheada de atrações, onde excetuando-se os filmes e alguns números musicais registrados em película, era transmitida ao vivo, com programas jornalísticos, de humor, musicais e aquilo que seria no futuro o grande filão da TV brasileira: a teledramaturgia. Da cabeça desses homens é que se formou a programação da nossa televisão, absolutamente sem referência alguma às programações de ou tros países. Conforme já citamos anteriormente, ninguém da área artística foi aos Estados Unidos aprender a fazer televisão. Aprenderam na raça, com criatividade e competência. A TV brasileira criou a sua própria forma de trabalho, sua própria identidade. Eu via a evolução do trabalho dessa equipe bem de perto e aguardava uma oportunidade de fazer parte também do cast da televisão. Nessa época, fui chamada por Theóphilo de Barros em sua sala. Tenho que anotar aqui que o diretor Dermival Costalima havia se transferido para a Rádio Nacional e a TV Paulista e o novo diretor era o Theóphilo de Barros Filho. Ele tinha uma ideia e gostaria de contar comigo para desenvolvê-la e viabilizá-la. Seria a representação de um tribunal, com toda a sua composição, ou seja, réus, advogados de defesa, promotores, júris e juízes. Pela faculdade, eu era obrigada a assistir a alguns júris. E sempre que comparecia e acompanhava um julgamento, eu fazia uma analogia: O júri é um teatro. Um espetáculo real, de verdade, mas é um teatro. Tem um ritual meio marcado, muito sério, cada qual com sua fala, muito mar-cada, também muito séria e com atores. No meu entender, tanto o promotor como o advogado de defesa são atores. E precisam ser bons atores. Com base nas leis, eles estudam o caso que estão acusando ou defendendo e, devidamente fundamentados, planejam seus papéis e conseguem desenvolver suas cenas, com a finalidade de convencer o seu público: os jurados. Eu adorava ir a júris. Em verdade, aquilo era emocionante e bonito. Então, quando Theóphilo de Barros me apresentou a ideia, eu a comprei de imediato. O plano era fazer com que os ouvintes mandassem cartas contando casos verídicos, que seriam apresentados em forma de tribunal, indo a julgamento. O Theóphilo sabendo que eu cursava a faculdade de direito, depois de discutir comigo os aspectos relevantes para a realização do projeto, me delegou também a redação e direção do programa, que recebeu o nome de Tribunal do Coração. O sucesso foi imediato. A resposta do público foi fantástica. As cartas começaram a chover na produção. Então, depois dos primeiros programas fui obrigada a contratar uma secretária. Na verdade, depois de dispensar duas secretárias, acertei mesmo quando contratei um secretário. Ele superou as expectativas. Recebia as cartas, lia, separava aquelas cujos assuntos eram mais interessantes, atraentes e curiosos, grifando e destacando os trechos mais importantes, para que eu pudesse depois ler e selecionar aquelas que iriam para o ar. O Tribunal do Coração ia ao ar uma vez por semana. Era uma correria, pois, além de escrever, tinha que dirigir e produzir o programa. Ufa! Mas eu ainda era jovenzinha, tinha bastante gás e principalmente garra! Capítulo XII Na TV – O Primeiro Beijo O Walter Forster gostava de fazer pequenos programas. Programas íntimos. Quadros com diálogos apenas, sem grandes movimentos, sem grandes cenas de tragédia, nada disso. A dramaturgia na TV, então, se resumia aos teleteatros, Grande Teatro Tupi, que começou com adaptação de filmes americanos, mas depois, apresentado às segundas–feiras, trazia as grandes companhias de teatro, que tinham folga naquele dia e apresentavam seus espetáculos pela 121 televisão, e tinha também o TV de Vanguarda, que ia ao ar quinzenalmente, exibindo peças consagradas da dramaturgia mundial e que era, então, a menina dos olhos da emissora. Foi então, com base na dramaturgia, que o Walter teve uma ideia. Fazer estórias em capítulos, ou seja, levar a novela, que já era uma realidade e um sucesso no rádio, para a televisão. Walter apresentou o projeto para o Dermival Costalima e para o Cassiano Gabus Mendes. Já tinha em mente toda a trama, do que seria e de como se desenvolveria a trama. Imaginou casos conjugais, onde o amor, as brigas e o diálogo íntimo fossem o ponto alto. Depois de explanar sua ideia, complementou: Quero que vocês confiem em mim, porque vai dar certo, porque vai ser bom. Eu acho que a novela em capítulos, o seriado nessa forma, que sempre deu certo em rádio, vai dar certo também na televisão. Penso em terminar os capítulos sempre com ganchos, de tal forma que o público fique sempre com vontade de ver a sequência... Em sua concepção, entretanto, Walter pretendia ousar. Depois de apresentar toda a ideia, acrescentou que trazia uma inovação para a TV. Um gran-finale: Um beijo entre o galã e a estrela da novela. Na boca. Os dois diretores trocaram olhares, calados, ressabiados. Dermival aceitou a ideia da novela, mas rejeitou o beijo. Afinal a televisão chegava aos lares e reunia em torno do aparelho receptor toda a família. Crianças, senhoras... Um beijo poderia ser um escândalo. Uma faca de dois gumes. Beijo, não. Liberou o estúdio duas vezes por semana, às oito da noite, onde caberiam apenas dois cenários, no máximo três pequenos. Os capítulos teriam duração máxima de vinte minutos e consequentemente poucos atores. Sem beijo. Walter não se deu por vencido. Afinal, o beijo era uma necessidade, seria um chamariz, já que o trabalho com o que lhe havia sido oferecido 123 seria tão pobre em matéria de estúdio, de atores, de visual, de tudo, enfim. Eu quero que haja o beijo – insistiu. Dermival balançou: Não sei, não sei... Quem você acha faria uma coisa dessas? Pensei na Vida Alves – respondeu Walter. Como ela teve bebê e teve poucas atuações este ano, em função da maternidade, afinal ela está mais voltada para o filhinho, pensei em lançá-la na TV nessa novela. Acho que vai ser bom. Recebeu então sinal verde. Foi assim que a novela, que hoje é, digamos, o principal produto das emissoras de televisão, nasceu. Pequenina, escondida, quase uma vielazinha. Não era uma estrada, não tinha espaço para ser uma estrada, porque os estúdios, que já não eram grandes, e ainda eram poucos, eram ocupados continuamente pelos grandes teatros. A recomendação, imagine, era que fosse um produto lançado sem incomodar a programação geral. Então, a novela entrou assim numa brecha. Num cantinho. E sem grandes despesas. Mesmo assim, ela aconteceu. Estava ali o embrião do que seria a primeira novela da TV brasileira e, penso eu, até da TV mundial. O título da novela seria Sua Vida me Pertence. Depois de acordado com a direção geral, Walter mandou me chamar. Estava muito empolgado com o projeto. Vida – disse ele –, estou formando o elenco para uma novela na televisão. Já convidei o José Pari-si, a Lia de Aguiar, o Lima Duarte e gostaria de contar também com você. Aquele convite caía do céu. Aceitei sem pestanejar; afinal, era a oportunidade que eu tanto esperava para começar efetivamente na TV. Até então tinha feito apenas pequenas participações aqui e acolá. O Walter, então, começou a me colocar a par dos detalhes do projeto. Por fim, esclareceu o que estava pensando para a cena do último capítulo e encerrou, dizendo: Um beijo. Conversa lá com o italiano, seu marido. Porque quem vai dar o beijo é você. Jogou a bomba, virou-se e saiu. Eu fiquei ali, parada, pasma, vendo aquele homenzarrão indo embora e pensando... pensando como pessoa, como mulher... como mulher casada. Mas, ainda que confusa, eu sabia que queria fazer esse trabalho. Afinal... eu era uma atriz... Hoje, tantos anos depois, ao relembrar tudo isso, fico imaginando que, com o passar do tempo, você tem seus altos e baixos, você se aprimora, você envelhece, cai, levanta, mas a sua estrutura, o seu ego, o seu ânimo, aquilo que tem dentro, o seu ser interior, não muda. Eu nunca fui uma pessoa medrosa e nunca fui uma pessoa de grandes dúvidas. Para mim, isso é certo ou isso é errado. É para fazer ou não é para fazer. Como atriz, como profissional, eu sabia que deveria aceitar o trabalho; entretanto, logicamente, por ser uma mulher casada e por se tratar de uma cena com um beijo, que nunca havia acontecido na televisão, eu deveria antes de aceitar, conforme o próprio Walter havia sugerido, conversar com o Gianni Gasparinetti. Muita gente durante todos esses anos me perguntou como foi essa conversa. Meu marido era capitão do Exército italiano. Lá, recebeu condecorações pelos cinco anos de guerra defendendo seu país. Não era um homem preconceituoso. Também, pudera, vivera toda a sua vida na Europa, onde seu contato com a arte era constante, gostava muito de cinema, onde certamente na Itália vira muitas cenas com beijos, sem contar os quadros e as ruas onde se deparava com estátuas nuas, muitas delas em cenas amorosas seladas com um beijo eterno. Dessa forma, minha conversa com ele foi de certa forma tranquila. Gianni entendeu e não colocou nenhum impedimento. E eu garanti: Será um beijo técnico. Como de fato, foi. Nessa época, curiosamente no Brasil reproduziram o David de Michelangelo e colocaram folhas de parreira, para tapar o sexo, porque mostrá-lo, mesmo em pedra e artisticamente, era vergonhoso. Para mim não era. Como o beijo, que na opinião de muitos poderia ser escandaloso, para mim não tinha essa conotação. E fizemos a novela. O primeiro dos vinte capítulos foi ao ar em 21 de dezembro de 1951. Era uma produção pobre, comparativamente 127 ao que se vê hoje, com cenas externas, cidades cenográficas, tomadas internacionais, pois fazer novela com apenas dois a três cenários requeria muita criatividade, por ser simples. Tínhamos um escritório, uma rua, uma frente de casa e só. Apenas isso. E os capítulos tinham no final, vinte minutos de arte. Então, foi assim, pequena, acanhada, que começou a novela. Por isso a chamei de viela. Porque os grandes teatros, especialmente o TV de Vanguarda, tinham entre duas e três horas de duração. E a novela, aquela coisinha mínima, aquela coisinha pouca, contando uma estória de escritório, patrão, chefe e secretária e dois amores. Quando enfim chegou o dia do capítulo final, o Walter, todo cheio de dedos, me orientou como seria o beijo técnico: Vida, você vira o rosto assim, fecha os olhos, entreabre ligeiramente os lábios, espera eu chegar, fica paradinha. Eu me comporto, etcetera e tal. Não houve ensaio, pois senão seriam dois beijos. Então a coisa aconteceu assim, de chofre. A cena rolou e aconteceu o beijo. Não foi um selinho, mas também não chegou a ser um beijo cinematográfico. Um beijo romântico, delicado, simples. Mas a ideia que se tinha do escândalo aconteceu. A começar pelo fotógrafo. Chico Vizzoni era o profissional destacado pelos Diários Associados para registrar em foto os principais acontecimentos da Tupi. Depois de encerrado o capítulo final da novela, correram todos em direção ao Chico para encomendar uma cópia da foto do beijo, que seria a grande notícia artística no dia seguinte. Não é possível. Não fotografei. Não podia fotografar uma coisa dessas... Quem iria publicar? O Chico não havia fotografado o beijo. Ele tinha diversas imagens do capítulo final, menos do beijo. Afinal, como ele próprio afirmou, quem iria querer ver? Quem iria querer publicar uma coisa dessas? Mas a cena final com um beijo deu o que falar. Nisso o Walter tinha razão. Foi marcante. Tanto que até hoje, sessenta anos depois, inacreditavelmente ainda me apresentam como a mulher do primeiro beijo. Até hoje esse é o fato mais importante de toda a minha carreira. Certamente porque, como o Walter acreditava, quebrou um paradigma. Eu posso dizer que fiz aquilo com convicção. E pudor. Me espantei um pouco com a repercussão, mas fiz à mineira. Fechei o bico, evitei entrevistas e não comentei muito com ninguém, para que a coisa, pelo menos junto a mim, não chegasse muito forte. Se falaram ou não falaram, ficou para lá. Como atriz, tirei de letra. Como mulher casada, tirei de letra. O Gianni aceitou, nem sei se assistiu e pronto. Passou. A segunda novela foi escrita pelo José Castelar e chamava-se Um Beijo na Sombra. A terceira era de J. Silvestre: Uma Semana de Vida. E assim foi. A televisão nunca mais deixou de ter novelas em sua programação. Portanto, não se pense que a novela foi inaugurada em 1963, 1964 com aquela novela diária. Não. A novela nasceu vielinha – pobre, duas vezes por semana. O que houve de importante foi essa mudança. A novela passou a ser apresentada todos os dias e se tornou essa potência que é hoje. Capítulo XIII As Oportunidades e os Novos Desafios Eu tinha que saber administrar muito bem o meu tempo, porque não podia deixar a peteca cair em casa, com o marido, o filhinho, na rádio, na TV, na faculdade, onde estava prestes a me formar. Mas, de repente, um novo desafio se apresentou. Um convite. Será que eu teria condições de administrar mais uma atividade? A verdade é que eu nunca soube fugir de desafios, muito pelo contrário, quando eles apareceram sempre tive gana de enfrentá-los. Então... 133 Desta vez era o cinema. Paixão Tempestuosa. Um longa-metragem de Antonio Tibiriçá, que me convidava a estrelar o filme ao lado do galã Jardel Filho, ator alto, loiro, muito bonito, que despontava com enorme sucesso no Rio de Janeiro. O filme abordava um tema que ainda era um tabu para a sociedade brasileira: o divórcio. Recordo que na trama eu roubava o marido da outra. A paixão tempestuosa certamente era entre a minha personagem e a de Jardel. Foi uma produção da Íris Filmes, típica das produções cinematográficas nacionais da época, ou seja, pouco dinheiro, pouca gente, pouco recur so. Tanto isso é verdade que vou contar uma curiosidade que aconteceu nessas filmagens. Havia uma cena em que, por um motivo qualquer, acontecia uma luta, envolvendo o galã da história. Pois bem, na hora de gravar a cena não havia um ator para contracenar com Jardel. Sabem quem acabou atuando nessa cena? Ninguém menos que o Gianni, meu marido, que havia me levado para o set de filmagens e estava lá sentado, acompanhando o desenvolvimento dos trabalhos. Resultado: ganhou a cena de presente. Ainda em 1952, o filme entrou em cartaz, com 137 distribuição nacional pela Cinedestri. Na faculdade, final de ano letivo e formatura. Até que enfim, essa obrigação iria sair das minhas costas. E eu vencera. Que bom! As festividades de formatura aconteceram, com toda a pompa merecida, no Teatro Municipal de São Paulo. Afinal de contas, graduar-se em direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que forneceu ao Brasil vários presidentes da República, grandes poetas, diversas personalidades enfim, era uma láurea considerável. E eu tenho esse orgulho. Lá no Municipal, recebi meu diploma, que fiz questão de entregar nas mãos de minha mãe, como se fosse um troféu. E realmente era. Depois disso, uma pequena festinha em casa e só. O diploma foi para um quadro e para a parede. Nunca mais saiu de lá. Alguns amigos da faculdade, como Claudio de Luna, Renato Consorte e Alfredo Borba, voltei a encontrar várias vezes trabalhando, mas nunca no Fórum. Eles também eram artistas. Outros colegas, apenas encontrei na missa e na festa de formatura. Aliás, só nas festas de aniversário de formatura. O diploma na parede ficou aguardando, quem sabe um dia, em que eu resolvesse 139 retornar ao direito. Pura ilusão. Eu acho que não tinha vocação. Encerrei definitivamente minha carreira de advogada, antes mesmo de iniciá-la e regressei à minha vida artística. Agora com mais tempo disponível. Ufa. Mas pensar que por isso tudo ficaria mais calmo na minha vida, era um grande engano; engravidei! Novamente em janeiro, e novamente teria meu novo neném em outubro. A diferença entre meus filhos seria de três anos. Exatamente três anos. E assim passei a me preparar para receber a criança, que eu queria que fosse mulher, e que eu queria que se chamasse Thaís. E ela chegou. No último dia de outubro. Linda. A mais linda das lindas. Enquanto isso, a TV Tupi lentamente ganhava espaço e as pessoas começavam timidamente a ver o aparelho de televisão como um sonho de consumo, posto que os preços ainda eram proibitivos. A programação, que começara com duas horas diárias de transmissão noturna, se manteve assim durante algum tempo. O seu crescimento foi gradativo, de acordo com a aceitação cada vez maior do público. Foi então tomando outros horários noturnos e abrindo espaços para novos profissionais e artistas, arregimentando-os em outras áreas como o rádio, o circo, o cinema e o teatro. O horário da tarde demorou um pouco a acontecer e começou com o programa Revista Feminina, que entrava no ar logo após o jornal, que iniciava ao meio-dia e meia, terminando por volta das treze horas, faixa de horário em que se mantém na maioria das emissoras, até hoje. Com o tempo, também a programação da tarde se estendeu, emendando com a programação noturna. O horário da manhã só aconteceu depois de alguns anos. Esse crescimento foi fundamental para a minha carreira na televisão, permitindo que minha participação crescesse concomitantemente. O Tribunal do Coração permanecia no ar na Rádio Tupi, com sucesso estrondoso. Montanhas de cartas chegavam semanalmente. Isso chamava a atenção de todos na TV Tupi. Afinal de contas, por que um programa desses ainda não está na TV? Essa era a pergunta. A princípio, quando da minha primeira conversa com Theóphilo de Barros, em que me foi apresentada a ideia do programa, pensei sinceramente que seria um programa para televisão, pois possuía todos os ingredientes necessários para aquele veículo. Mas Theóphilo queria primeiro fazer um balão de ensaio na rádio e depois, mais tarde, quem sabe, no momento certo lançar o programa na televisão. Pois bem. Em 1954 o momento chegou. Theóphilo, que substituíra Dermival Costalima, como já disse, na direção geral da Tupi, me chamou novamente, me autorizando a tomar todas as providências necessárias para que o Tribunal do Coração fizesse sua estreia na TV. Novamente deixou a meu cargo o roteiro, a produção e a direção do programa. Vibrei. Estava sedenta por desafios, a mola propulsora da minha vida. Agora na verdade eu teria que escrever, dirigir e produzir dois programas semanais, pois o Tribunal continuaria na Rádio Tupi, uma vez por semana e na TV uma, cada um deles com uma hora e meia de duração. As regras do programa eram as mesmas da rádio, ou seja, recebíamos as cartas dos telespectadores e selecionávamos dentre elas a que iria ao ar. Isso tornou o Tribunal do Coração o primeiro programa interativo da televisão brasileira. As principais novidades da TV, em relação à rádio, como não poderia deixar de ser, eram visuais. Defini com o cenógrafo como seria o cenário, representando o júri e também os figurinos. Os personagens seriam os mesmos da rádio. O juiz, o promotor, o advogado de defesa, o meirinho, guardas e os sete jurados. A votação dos jurados seria feita através de uma tabuleta, onde de um lado estava escrita a palavra culpado e do outro a palavra inocente. A princípio, excetuando-se os jurados que eram convidados, os demais participantes eram todos atores. Dionísio de Azevedo foi o ator que escolhi para representar o papel de juiz. Ao vestir a toga, óculos na ponta do nariz, 145 Dionísio incorporava tão bem a personagem que certamente convenceria qualquer tribunal em que se apresentasse. Os advogados, a princípio, também eram atores, desta forma eu era obrigada a escrever o texto de cada um deles. Depois de algum tempo, passamos a convidar advogados mesmo. Entregávamos a pauta para eles antes, e dávamos o tempo para que cada um desenvolvesse sua parte. Os casos a serem enfocados na TV seriam mais sérios, casos graves. Mas sempre com fundo emocional, focando dramas com conflitos de caráter sentimental, objetivando atingir os corações dos telespectadores. A exemplo da rádio, os casos apresentados eram sempre verídicos, baseados nas histórias enviadas por cartas. Tínhamos trinta ou quarenta minutos de encenação e trinta ou quarenta minutos de debate e julgamento. Os advogados se empolgavam bastante, havia um clima de briga, por muitas vezes beirando a histeria, onde eles efetivamente rodavam a baiana defendendo seus pontos de vista nos casos. Muitas vezes várias pessoas saíam chorando do programa. Até o réu, que era ator, por vezes se envolvia, tomava partido e chegava a se emocionar de verdade. No final, contava-se o voto dos jurados, definindo se o réu era culpado ou inocente. O juiz então proferia seu veredicto. Pontuados por uma música de fundo, a voz grave de Dionísio de Azevedo e seu semblante insigne tornavam marcante esse momento. Se o réu era considerado inocente, recebia palavras confortáveis, de exaltação, de elogio e era apresentado como exemplo para os telespectadores. Quando era declarado culpado, recebia uma pena socioeducativa, como, por exemplo, fazer alguma doação, ou demonstrar altruísmo pedindo perdão em público ou, de alguma forma, corrigindo o erro cometido. O réu era ainda admoestado, sempre com tom emocional, de forma a tocar o coração dos telespectadores. Por várias vezes, no final do programa, as discussões continuavam sérias, originadas quase sempre pelo inconformismo dos advogados com a derrota, julgando-se prejudicados, chegando até mesmo às vias de fato, em alguns casos. Na verdade, o programa era mesmo quente. No Tribunal do Coração ainda tive a felicidade de escalar uma atriz, que se firmaria como uma das melhores atrizes no cenário nacional, para participar pela primeira vez de um programa de televisão: Laura Cardoso! Essa excelente atriz vinha da Rádio Cultura e chegava contratada pela Tupi, ao lado de seu marido, Fernando Baleroni. Somos amigas e nos estimamos até hoje, por causa dessa fase bastante sincera, bastante verdadeira. O Tribunal do Coração na TV permaneceu no ar durante sete anos, em duas fases, alcançando o mesmo sucesso da rádio, quem sabe até superando-o. A interatividade com o público no Tribunal do Coração encorajou-me a criar outro programa com esse perfil. Você é o Autor. A ideia era a seguinte: eu escreveria o primeiro capítulo de uma novela que iria ao ar. O público mandaria cartas com sugestões para continuidade da história. Com a ideia embaixo do braço, procurei o Cassiano que, a princípio, relutou um pouco em aceitá-la, argumentando que esse formato daria muito trabalho. Por fim, cedeu à minha insistência e o programa semanal foi ao ar com grande sucesso. E durante os poucos meses em que permaneceu, senti o peso que Cassiano tanto temia. Realmente era complicado receber as cartas, analisar as melhores situações para continuidade do roteiro e escrever os capítulos. A ideia era boa, mas tive que dar a mão à palmatória, quando fui chamada por Cassiano para conversar sobre a descontinuidade do programa. Era realmente muito difícil. Afinal de contas, nesse mesmo período, minha prole havia crescido com o nascimento de Thaís e eu ainda achava tempo para escrever novelas para a rádio. Então, embora resignada, tive que aceitar os argumentos do Cassiano e tirar o programa do ar. A TV, com a maciça aceitação do público, estendia seus tentáculos, ganhando a cada dia mais tempo no ar. Com isso, principalmente o horário vespertino dilatava seu espaço na TV Tupi, chegando até as 17 ou 18 horas. Nos corredores comentava-se que seria interessante uma programação dedicada ao público infanto-juvenil nesse horário. Eu, como sempre, ligadíssima em tudo o que acontecia e nas oportunidades que se ofereciam, ouvi e assimilei o recado que pairava pelos corredores. Comecei a pensar seriamente na possibilidade de criar alguma coisa que atraísse esse público específico. Era uma oportunidade, um grande estímulo para quem, como eu, embora sofrendo alguns reveses, era despojada de medo, não temia novos desafios e colocava sempre a criatividade a serviço da televisão. O fato é que eu acreditava em mim, achava que tinha capacidade. Talvez fosse um pouco cara de pau em achar isso, talvez fosse insensatez, mas a verdade é que eu sempre aproveitava as circunstâncias e a coisa acabava dando certo. E não foi diferente com o horário vespertino. Imaginei então um programa seriado, onde os protagonistas eram crianças de dez a treze anos, fazendo suas estripulias, em casa, na rua, na escola. A cada novo capítulo, eles se reuniam para brincar, conversar, fazer bolo, jogar amarelinha, fazer lição de casa e a coisa acabava sempre em bagunça. Mesclei a isso um time de apoio, composto por atores adultos. E voilà! Mais trabalho! Batizei o programa com um nome bem sugestivo: Ciranda-Cirandinha. E a receita deu certo! O Ciranda-Cirandinha também revelou talentos que permanecem atuando até hoje, como por exemplo a filha do Lima Duarte e da Marisa Sanches, Débora Duarte, que fez seu primeiro papel na televisão nesse programa. Outros nomes que fizeram parte desse programa foram Sonia Maria 151 Dorce, Adriano Stuart e David José, que depois faria muito sucesso interpretando o primeiro Pedrinho, do Sítio do Pica-pau Amarelo. O Ciranda-Cirandinha ficou dois anos no ar e voltou depois de um ano, para mais uma temporada, com elenco renovado, com o nome de Prosa em Miniatura. Algumas crianças que fizeram o Ciranda-Cirandinha já estavam crescidinhas, então tivemos que selecionar um novo grupo de crianças para o elenco. Entre elas estava também a segunda filha do casal Lima e Marina, a Mônica, que hoje é uma conhecida e competente advogada. Nessa seleção de elenco para a segunda fase, eu me encantei com um garotinho de cabelo vermelho, bem vermelho, um vermelho fogo, um vermelho extraordinário, que o Túlio de Lemos jocosamente adjetivou como quase uma hemorragia. O meu faro de autora logo enxergou naquela figura o que poderia ser o protagonista da nova série. O nome dele era Flamínio Fávero. Ele devia ter 14 anos, mas era miúdo. A principal qualidade para um ator ir bem quando menino é ter mais idade e parecer menos. Com aquela carinha de sapeca, eu o considerei perfeito. O nome para o personagem me veio na hora. Foguinho. Depois de selecionar o resto do elenco, chamei o Flamínio e tive uma conversa com ele. Expus minha ideia de tê-lo como astro principal do seriado, mas queria e obtive dele o comprometimento de que levaria o trabalho a sério, pois todo o seriado seria escrito calcado em cima do personagem Foguinho. Foguinho passou a ser também o apelido de Flamínio. Rapidamente todos passaram a chamá-lo pelo nome do personagem. Definido o elenco, escrevi o programa e convoquei os ensaios. Chamo a atenção do amigo leitor para que não esqueça que naquela época toda a programação era feita ao vivo, o que nos exigia muito ensaio, o máximo que o tempo disponível nos permitisse. Como sempre acontece em trabalhos assim, os dias passaram rapidamente e, por fim, vivíamos a expectativa do dia da estreia. O programa estava marcado para as dezoito e trinta. Marquei então o último ensaio para as quatorze horas. Ensaiamos até as dezesseis horas. Tudo pronto. Era só aguardar a hora do programa, entrar em cena e torcer para que tudo desse certo. Como a maioria do elenco morava próximo dos estúdios, foram dispensados para que retornassem no horário combinado. Resolvi permanecer por lá para fazer os últimos ajustes de cenário, posicionamento de câmeras, enfim deixar a casa em ordem. De repente, uma voz meio rouca me interpelou: Dona Vida... Olhei. O que foi Foguinho? Eu vim avisar que eu estou doente e que eu não vou vir hoje à noite. Um balde de água gelada desabou sobre a minha cabeça naquele momento. O que é que você disse? – perguntei, incrédula. Não venho. Sabe, eu pensei melhor, a gente não tem que sair de casa de noite, então eu não venho. Franzi o cenho, demonstrando meu descontentamento e o desafiei com severidade: Repita. O menino me olhou desconcertado. Tremia. Acho que, naquele momento, eu já tremia mais que ele. Gaguejou, balbuciando alguma resposta que não se conciliava. Um rápido silêncio e olhares cruzados emprestaram ao ambiente, momentos de total constrangimento. Eu não podia perder as rédeas a duas horas de ir para o ar. Como eu me sairia daquilo? Era o lançamento de um programa! De um horário. De uma faixa. De um esquema novo da televisão. O menino engoliu seco e disse que iria para casa. Apelei: Não faz mal. Vá. Eu mando te buscar. E avise para seu pai e para sua mãe que às cinco e meia a polícia vai estar na sua porta. Ouviu? 155 Você vem no carro da polícia. Compreendeu? De repente a voz dele ficou boa. Não, Dona Vida. Não precisa não. Ele foi para casa trêmulo, quase desmaiado. E veio na hora certa! Mas eu fiquei lá, também tremendo o tempo todo, até o momento em que ele chegou. Respirei aliviada e o recebi com um beijo na bochecha enferrujada. Ufa! O programa foi ao ar e tudo correu muito bem. E a Vida Alves atriz, a quantas andava? A teledramaturgia seguia de vento em popa e por diversas vezes fui convidada a participar do Grande Teatro Tupi e do TV de Vanguarda. Nesse programa entre outros papéis importantes, interpretei Madame Butterfly, na obra de mesmo nome; fui também Margarida, em A Dama das Camélias, participei de Moeda Cor rente no País e outras peças importantes como: O Delator, Eugenia Grandet, Cartas Venenosas, O Aventureiro, Os 39 Degraus, Fim de Semana no Campo, Os Três Mosqueteiros, O Pimpinela Escarlate e tantos outros. De todas as participações que tive em Grande Teatro, uma se destaca. Uma foi especial. Eu e a minha grande amiga Geórgia Gomide fomos escaladas para os papéis principais de uma peça chamada Calúnia. O texto em três atos, escrito originalmente por Lilian Helmann, contava a história de duas moças que dirigiam um colégio para meninas. Uma delas, maldosamente, espalha o boato de que as diretoras eram lésbicas e 157 amantes. A mentira se alastrou como pólvora, virando notícia de jornal e chegando até ao conhecimento dos pais que, profundamente aborrecidos e indignados, começam a tirar as filhas do colégio, iniciando uma debandada geral. Então, as duas mulheres amigas, trabalhadoras, empreendedoras, de repente ficam tão isoladas, tão tristes que percebem, afinal, que só têm uma à outra. Uma delas se atreve a dizer isso. E há um olhar. E mais que um olhar: uma descoberta. E acontece um beijo. Um beijo pacato, de respeito, mas um beijo homossexual. E mais uma vez eu protagonizei um primeiro beijo na TV. Desta vez. Esse beijo homossexual, acontecido nesse trabalho na TV Tupi de São Paulo, em parceria com minha grande amiga Geórgia Gomide. Eu, outra vez. Eu. Posteriormente, no TV de Comédia participei de Inimigos Íntimos, Chica Boa, O Marido da Deputada, O Outro André e Bombonzinho. No seriado Grandes Amores, criado por Péricles Leal, interpretei Cleópatra em Cesar e Cleópatra. Enfim... tantos papéis... Atuando em novelas, estrelei Sozinho no Mundo – uma novela em que interpretei a mãe de um rapazinho, que hoje é um nome importante na televisão: Guto Franco, filho de Moacir Franco. Fiz também Nascida para o Mal, onde vivi o papel de irmã de Glória Menezes. Eu era a irmã boazinha e Glória a malvada. Lembrando de nomes que hoje são importantes, não posso deixar de citar outro menino, que logo chamou a atenção pelo olhar vivo e o jeitinho simpático que até hoje o acompanha: Toni Ramos, que também foi meu filho em uma novela do Geraldo Vietri, na qual eu fazia par com Juca de Oliveira e era a mãe de Toni. Integrei ainda o elenco de outras novelas, em papéis de destaque tais como: Agostina em Moulin Rouge, a Vida de Toulouse-Lautrec, Paula em A Gata, Gabriela em O Mestiço, Laura em O Amor Tem Cara de Mulher e a baronesa Catherine em Meu Filho, Minha Vida. Capítulo XIV O Jornalismo e o AI-5 O jornalismo entrou em minha vida assim, meio sem querer. O tempo passava e a TV já ganhava espaço cativo no lar do brasileiro. Transcorria o ano de 1964 e o Brasil vivia um momento político conturbado. Particularmente, eu desfrutava um momento feliz, de multiplicidade profissional. Dirigia, atuava e escrevia seriados, programas infantis e me aventurei até a escrever grandes teatros. Especificamente nesse momento, comandava também um programa pequeno, curtinho, apresentado depois do telejornal Edição Extra, 165 chamado Tribuna da Mulher, onde eu escrevia e apresentava uma crônica diária com a duração aproximada de 4 minutos, falando sobre temas importantes da cidade, da sociedade, costumes e coisas do gênero sob a ótica feminina. Criei esse programa abordando essa temática, pois eu não gostava dos programas que punham a mulher só na cozinha, no tanque ou tão somente falando de beleza e estética, isso não entrava na minha cabeça. Um dia, enquanto a Tribuna da Mulher ia ao ar, notei uma presença ilustre, de cabelos grisalhos no estúdio, atrás das câmeras. Era Maurício Loureiro Gama, o âncora do Edição Extra, que ia ao ar do meio-dia e meia até uma hora, um horário que ficou famoso e tornou-se eterno. Todas as emissoras usam esse horário criado pelo Maurício, até hoje. Ele foi o titular desse telejornal pioneiro. Titular só, não. Produtor, redator e apresentador. Como todos nós, ele também era obrigado a jogar em todas as posições. Batia o escanteio e corria para cabecear. E acreditem, fazia o gol. Nessa época, ele tinha como colega na apresentação do Edição Extra o então já famoso repórter José Carlos Moraes, o Tico-Tico, que ao seu lado comentava, discutia e opinava sobre as notícias do dia. Eu não sabia, mas era isso que o trazia ao estúdio. Maurício viera exclusivamente para falar comigo. O assunto? Um convite. Tão logo encerramos o programa ele se dirigiu a mim e disse: Vida, eu vou perder a companhia do Tico-Tico e quero você ao meu lado. Você deixa a Tribuna e vem fazer o Edição Extra comigo. Topa? Aquilo era para mim um espanto, porque eu não era jornalista, minha formação era em direito. Era escritora sim, mas de scripts românticos, de programas de variedades, enfim... mas jornal? Talvez o que me houvesse qualificado, aos olhos desse fantástico jornalista, tenham sido as crônicas diárias que escrevia para a Tribuna da Mulher. A proposta era que eu continuasse fazendo no Edição Extra basicamente o que fazia no Tribuna da Mulher, ou seja, escrevendo e lendo crônicas, mas também substituiria Tico-Tico, com opiniões e comentários, considerando sempre o ponto de vista feminino sobre o assunto em pauta. Confesso que o convite me chacoalhou. Hesitei, mas topei! Aceitei o novo desafio. Nova rotina. Tínhamos que escrever o programa logo cedo, enviar o script para a Central de Jornalismo na sede dos Diários Associados, na Rua 7 de Abril e ele voltava, por volta do meio-dia, eventualmente com alguma pequena correção 167 ou sugestão, mas na maioria das vezes intacto. Era o texto que leríamos no telejornal. Naquele tempo não havia teleprompter, nenhum tipo de ponto eletrônico e nem dália. Nem se decorava. Na verdade, tudo era lido. Você abaixava a cabeça lia, levantava, olhava para a câmera, abaixava a cabeça, lia e levantava novamente. Atualmente o progresso tecnológico ajuda a todos. Então, com o teleprompter todos conseguem fingir que sabem de cor. Nós não, nós não sabíamos mesmo e então literalmente líamos! E quer saber? Nós nos saíamos muito bem assim mesmo. As pessoas gostavam assim mesmo. O telejornal já possuía uma força que até então eu desconhecia. Falando nisso, nesse poder do telejornal, vou contar uma passagem interessante, da qual nunca me esqueci, que me deu provas concretas disso. Eu tinha um hábito: todos os dias depois de apresentar o jornal, ia para casa almoçar e depois recostava-me na cama para um cochilo rápido. Uma sesta. Um belo dia, mal havia acabado de recostar, o telefone tocou. Do outro lado da linha , após confirmar se era eu mesma que havia atendido o telefone, uma voz falou: Dona Vida, já estão retirando o poste que a senhora disse que está atrapalhando no meio da sua rua. Eu havia citado o tal poste, meia hora antes no telejornal, ou seja, tínhamos audiência qualificada realmente. E eu era respeitada! O jornal dava provas de ser muito importante e de que tudo aquilo que ali era noticiado ou discutido repercutia muito. Permaneci no Edição Extra por quatro anos, até 1968. A situação política no Brasil, então, estava cada vez mais séria, mas isso não impedia que eu fizesse os comentários que julgasse importante fazer. Aparentemente eu começava a incomodar. Não sei a quem, nem por quê. Mas incomodava. Tanto que, um dia, fui procurada por duas senhoras que me disseram: Vida, tome cuidado com as suas opiniões, porque a coisa está feia. Não entre nesses assuntos, não. É perigoso. Mas esse era o meu jeito. Não queria falar de moda, nem de culinária. Não falava, não gostava, não me interessava. Na verdade, todos nós sabíamos, principalmente eu, afinada com esses temas, que a censura e o movimento ditatorial no Brasil estavam apertando. Foi então que a coisa esquentou para o meu lado. Tudo começou assim: No dia 2 de setembro de 1968, o então deputado federal Marcio Moreira Alves foi à tribuna da Câmara dos Deputados e proferiu um curto, porém inflamado, discurso incitando um boicote às comemorações de Sete de Setembro. Acho importante reproduzir aqui a íntegra do discurso: Senhor presidente, senhores deputados, Todos reconhecem ou dizem reconhecer que a maioria das forças armadas não compactua com a cúpula militarista que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão. Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à polícia. No entanto, isto não basta. É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa, por parte das mulheres parlamentares da Arena, o boicote ao militarismo. Vem aí o 7 de setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile. Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo em seu nome. Creia-me senhor presidente, que é possível resolver esta farsa, esta democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares deve cessar, porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia. Só assim conseguiremos fazer com que os silenciosos que não compactuam com os desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús que tiveram a coragem e a hombridade de, publicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário dos seus superiores. Esse discurso empolgado, contundente e audaz, me arrebatou. Vi nele um prato cheio para minha crônica diária, já que – ancorado pelo teor da peça Lisístrata, que Ruth Escobar acabara de montar em SP, onde as mulheres de Atenas se recusam a estar com os seus maridos, enquanto eles não lutassem contra Esparta, o deputado em sua oratória incitava as mulheres brasileiras a insurgirem-se contra os homens que então colocavam em risco a democracia no país. Ora, como seu discurso fora diretamente dirigido às mulheres, isso vinha de encontro à minha 173 participação no telejornal. Não tive dúvidas, escrevi minha crônica do dia 3 de setembro – uma terça-feira – falando vigorosamente sobre isso. Depois, como todos os dias, mandei a crônica para revisão na Central de Jornalismo. Ao meio-dia minha crônica voltou. Desta vez não estava liberada integralmente. Na verdade, nem parcialmente. Voltou com um carimbo que eu vi pela primeira vez em um texto meu: CENSURADO. Naquele momento me vi sem chão. Não acreditei. Procurei o Maurício, mas ele nada podia fazer. Falei com um e com outro, mas só ouvia sugestões para pegar mais leve. O que eles queriam? Que eu também falasse sobre moda, beleza e desse receitas de bolo? Eu terminantemente me negava a isso. Essa foi a única censura que recebi. Mas eu sou sincera. Tenho certeza, me foi dito e eu acredito que foi uma censura interna e não externa. Não sei quem, na Central de Jornalismo supervisionava meus scripts e por certo, para me defender, me proteger, não quis que eu falasse sobre aquele assunto. A partir daquele momento, percebi que ou eu realmente falaria coisas leves e tolas ou não falaria nada. Então decidi que não faria mais o jornal. Hoje penso que talvez quem censurou minha crônica tivesse razão, pois o discurso do deputado foi o estopim para a promulgação do Ato Institucional número 5 do governo – o AI-5, em represália à decisão da Câmara dos Deputados, que se negara a conceder licença para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado pelo discurso. O governo determinou, então, o fechamento (recesso) da Câmara e os deputados tiveram que se retirar atravessando uma ameaçadora e humilhante fileira de soldados. Marcio Moreira Alves fugiu, exilando-se. Após 4 anos, naquele dia, me afastei do programa. Foi ali, que encerrei minha carreira jornalística na Tupi. Só voltaria a fazer jornalismo alguns anos depois na TV Record, mas naquele ano, na Tupi, era impossível. Capítulo XV O Jogo da Verdade, uma Verdade e a Saída da Tupi Deixei o telejornalismo e continuei apresentando um programa de entrevistas na parte da tarde, chamado Vida Convida. Mas esse era um programa mais leve, variado, embora sério. Nele coloquei assuntos , como: divórcio, equiparação salarial entre os gêneros, cinema brasileiro, etc. Era um programa importante da televisão e eu me firmava como apresentadora. O programa ficou muitos anos no ar. E tinha patrocínio da Light. Eu, porém, depois de quatro anos vivendo diariamente a seriedade do jornalismo, sentia necessidade de apresentar algo mais consistente, desafiador e ousado. Propus, então, um programa fora dos padrões normais, que se chamaria: O Jogo da Verdade. Não tinha roteiro. Não tinha um assunto definido até o momento do programa, quando eu começava um bate-papo com quatro ou cinco pessoas convidadas, que invariavelmente também nada tinham a ver umas com as outras. O grupo podia ser formado por um cantor, um jogador de futebol, uma freira, uma atriz e um político, ou até uma dona de casa, um gari, uma cabeleireira, gente, enfim. Eu entrevistava, cruzando assuntos, insisto, sem dália, sem roteiro, sem produção, sem nada, intercalando o assunto de um com o assunto do outro. Uma loucura. Quem me auxiliava na época era minha irmã Helle Alves, jornalista, e que em verdade sempre me auxiliou em todos os meus programas. Ela bolou uma coisa interessante para aquela época. Ela ficava na sala de técnica, no switcher e eventualmente fazia perguntas pertinentes, somente em áudio, que ia ao ar como se fosse uma voz do além. Era novidade. Ela era minha voz auxiliar. E funcionou. Suas intervenções eram sempre oportunas e importantes e enriqueciam sobremaneira o debate. Com tudo isso, o programa era interessante e tinha ótima audiência. Tive convidados interessantes, como Mazzaropi, Padre Charboneaux, Deputado Esmeraldo Tarquinio e tantos outros nomes importantes, mesclados sempre com gente do povo. Tudo ia muito bem, até que um belo dia, não sei por que cargas d’água, o diretor artístico, Cassiano Gabus Mendes, resolveu mudar o programa de horário. Saímos da parte da tarde e fomos para o horário das oito da noite. E com uma agravante: o programa passou a ser feito com a participação de um auditório. Essas mudanças fizeram com que o programa perdesse toda a sua informalidade. Tudo começou a ir mal. Passei a não me sentir tão à vontade no comando do programa. A mim parecia que ele havia ficado mais rígido, sem jogo de cintura. Não fluía com a naturalidade que lhe era tão marcante anteriormente. Talvez isso tivesse me enfraquecido. Até hoje não consigo entender exatamente o que aconteceu. Mas, hoje, penso que o formato do programa exigia muito de mim. Porque encarar diversos convidados, entremeando seus assuntos, já era um desafio. Com a mudança, tinha que me empenhar mais, para encarar os convidados e o auditório. Acho que não dei conta. Não tenho certeza. O que sei é que na verdade, na época, fiquei muito aborrecida com tudo isso. E o programa, que começara forte, perdeu sua força, definhou, até por fim ser tirado da programação. Achei que não tinha tido o devido prestígio do Cassiano, que não me deu ninguém para me apoiar nessa produção e então acabei até me zangando com ele. A verdade é que isso foi apenas a gota d’água. Outras coisas com o passar do tempo já vinham me aborrecendo muito. Depois de 22 anos de casa, nada me contrariava mais do que não ser devidamente valorizada, principalmente em relação às novas contratações. Nos últimos anos todas as pessoas contratadas para as novelas ou para os grandes teatros estavam vindo de teatro, eram grandes atores. Mas o mais difícil de engolir para todos nós, os da casa, é que vinham com um salário bem maior. Eu não achava justo ter que decorar tanto quanto o galã, que era meu partner, numa determinada peça e ganhar bem menos. Isso se aplicava a quase todos os atores antigos, mas a mim, particularmente, essa história vinha causando indignação há algum tempo. Talvez isso tenha sido o estopim do meu desentendimento com a direção da emissora. Sei que falei e repeti várias vezes que a Tupi era um lugar de amizades. Éramos todos amigos. Mas os amigos também se atritam e finalmente eu acabei me atritando com o Cassiano. E por quê? Porque ele, no afã de melhorar o prestígio da televisão no meio artístico, fez isso. Começou a chamar atores de teatro. Abriu as portas decidida e definitivamente para o pessoal de teatro, o que era bom, mas desprestigiar a prata da casa... eu não achava certo. Isso nos revoltava por um motivo apenas: vieram com salários dez vezes maiores que os nossos. Isso era um absurdo, que a cada dia foi me corroendo e me amargurando. Por que nós menos? Quando tive minha primeira conversa séria com o Cassiano, mostrando o meu descontentamento, ele alegou que nós os antigos, tínhamos estabilidade e se comprometeu a me pagar mais se, na ocasião, eu traduzisse uma novela. Foi então que eu traduzi O Amor Tem Cara de Mulher, do original espanhol. Esse foi um seriado que na Argentina fez muito sucesso, mas no Brasil não tanto. Era, entretanto, uma novela de horário nobre, exigindo muito cuidado e dedicação em sua tradução, ou seja, sempre muito mais trabalho, por uma remuneração um pouco melhor. Mas, mesmo assim, os meus proventos ainda eram muito menores que os dos grandes nomes de teatro. Aquilo foi me machucando pouco a pouco. Mas fui levando em banho-maria, pois gostava do trabalho que vinha desenvolvendo . Agora, com o fim do Jogo da Verdade, também, tudo vinha à tona de forma desarvorada e contundente. A mágoa, o sentimento de injustiça e de desdém chegavam como uma avalanche, um verdadeiro tsunami de emoções danosas. Isso me levou a ter um daqueles siricoticos que a gente tem na vida em várias situações de angústia e de aborrecimento, que nos cegam momentaneamente para todo o mais que não seja defender o nosso ponto de vista a qualquer preço. Em outras palavras: eu queria briga! Entrei na sala do Cassiano pisando duro e senhora da situação. Ele era um amigo antigo, que me conhecia desde menino e que sempre tratei com carinho e respeito. Mas nesse dia, nesse momento, tudo isso ficou de lado. Devo ter sido muito grossa com ele. Grossa e firme. Disse que queria sair. Pedi um atestado liberatório. Ele sentiu que desta vez não conseguiria me convencer com seus argumentos. Percebeu que eu estava irredutível, e então me deu o atestado. E carimbou. Cassiano Gabus Mendes – diretor. Eu peguei o papel e depois de ler rapidamente o teor que confirmava minha liberação de contrato, virei as costas e saí, pisando duro, como havia entrado. Bati a porta e respirei fundo, decerto ainda ran-183 gendo os dentes. Aos poucos fui voltando ao normal e comecei a olhar tudo em volta. Tudo aquilo que durante vinte e dois anos tinha sido minha razão de viver. Os corredores, as pessoas, os estúdios, os cenários, tudo agora parecia ir saindo de dentro de mim e deixando de me pertencer, dilacerando meu peito. Toda aquela cólera, aquela zanga, parecia ter ficado atrás da porta da sala do Cassiano e se transformado agora num imenso vazio dentro de mim. Com o olhar distante, caminhei lentamente pelos corredores. Embora o tempo já tenha passado tanto, me lembro do momento em que eu escrevi um pe queno bilhete e coloquei na lousa de avisos: Eu estou indo embora, com o coração triste, pois sempre amei todos vocês. Vida Alves. E fui-me embora, em verdade, sem o coração. É uma sensação incrível. De repente eu achava que eu estava vazia, que tinha perdido o coração num atalho mal direcionado da vida. É claro que eu ainda respirava, que eu ainda pulsava, que eu ainda existia. Eu ainda pensava. Aliás, naquele momento, minha mente era um grande mar revolto de pensamentos e lembranças. Afinal eu havia entrado por aquela porta uma garota, eu saía então uma mulher já de quarenta anos. Isso para mim, naquele momento, era uma idade imensa... quarenta anos! E agora? Como recomeçar quarentona, como fazer? Como ir para outro bairro? Outro trabalho, outra emissora, como? Não conseguia sequer pensar. Profunda depressão. Eu me achava velhíssima... Muito embora tudo tenha ocorrido por exigência minha, ao sair de lá com o atestado liberatório, eu desabei. Precisava de um ombro amigo para dividir essa mágoa descomunal. Não vou esquecer nunca que, ainda aos prantos, corri para a casa daquela que eu considerava a grande amiga a quem poderia pedir o ombro para aplacar minha angústia: Laura Cardoso. Afortunadamente, ela morava mais ou menos próxima a mim e à própria Tupi, no bairro do Sumaré. Mas para meu desespero, quando bati à sua porta, fiquei sabendo de sua ausência. Minha aparência devia estar péssima, estampando todo o meu sofrimento, pois o Fernando Balerone, esposo de Laura, me atendeu prontamente, todo cheio de carinho, insistindo para que eu entrasse. Depois de um copo de água com açúcar, contei a ele, ainda entre curtos e espaçados soluços, tudo o que havia acontecido. O Balerone, então, com aquela sua calma tradicional e uma boa conversa, recheada de palavras de consolo, me acalmou e por fim, prometeu: Eu vou conversar com a Ivani Ribeiro, que está 185 escrevendo uma nova novela e eu tenho certeza que ela vai achar um papel pra você, em Os Estranhos, que vai começar na TV Excelsior de São Paulo. Parei de chorar. O carinho de Fernando Balerone realmente me tranquilizou. A TV Excelsior, então, com a promessa dele, era possivelmente uma porta que se abriria. Mas isso é outra história que vamos ver mais pra frente. A Tupi, ao contrário, era a porta que eu mesma havia fechado atrás de mim, deixando lá um grande pedaço da minha vida, repleto de momentos bons e ruins, mas certamente inesquecíveis e efetivamente importantes na minha caminhada profissional e pessoal. Quando naquele dia, eu coloquei os pés na rua, saindo da casa de Laura Cardoso e Fernando Balerone, iniciava uma nova caminhada, com uma única certeza: a Tupi agora era passado. Continuei a vida. Claro que labutei, estive em outras emissoras, mas jamais esse buraco que eu mesma escavei dentro de mim foi totalmente preenchido. A Tupi, até hoje, é um buraco em meu coração. Que saudade! Capítulo XVI TV Excelsior Uma semana depois de deixar a Tupi, já estava assinando contrato com a Excelsior. Eu não sabia, mas na verdade estava pulando numa canoa furada. Até o final deste capítulo, caro leitor, você verá que esta foi a verdade. Conforme havia me prometido, o Fernando Balerone fez o contato com Ivani Ribeiro, que então respondia pela direção do departamento de telenovelas da emissora, e eu ganhei um papel para viver Irene na novela Os Estranhos. 187 Em 1960, quando a Excelsior inaugurou a sua emissora, a importância da telenovela na Tupi era enorme, mas ainda assim não estava classificada como carro-chefe da emissora. A partir de 1963, a Excelsior, com outra mentalidade, optou por fazer da novela seu produto principal, e lançou 2-5499 Ocupado, a primeira telenovela da emissora e também a primeira a ser exibida diariamente na televisão brasileira, estrelada por Glória Menezes e Tarcísio Meira. Quando fui contratada, em 1969, a Excelsior já tinha feito dezenas de novelas de grande suces so, como por exemplo: A Outra Face de Anita, A Indomável, Vidas Cruzadas, A Deusa Vencida, O Caminho das Estrelas, A Grande Viagem, Redenção, As Minas de Prata, O Morro dos Ventos Uivantes, O Tempo e o Vento, A Muralha, Sangue do Meu Sangue, entre tantas outras. Os estúdios da TV Excelsior funcionavam na Vila Guilherme e eu, que estava acostumada a trabalhar na Tupi a 500 metros de casa, em função disso, tive que mudar substancialmente meus hábitos e horários. Está certo que eu tinha carro e dirigia, mas eu não fazia a mínima ideia de como chegar à Vila Guilherme. Gianni, meu marido, foi quem me ensinou o caminho a primeira vez. Na segunda foi até a metade do trajeto e eu não consegui completar a outra metade. E assim foi, uma meia dúzia de vezes até, desmiolada, que eu aprendesse o caminho. Naquela época ainda não tínhamos o tal do GPS. Começamos as gravações de Os Estranhos, que foi a primeira novela de ficção científica da TV brasileira. Contava a história de um grupo de extraterrestres do planeta Gama Y-12, que ganham de seus superiores uma viagem de estudos na terra e se envolvem nos dramas pessoais dos terráqueos. Gravávamos todos os dias, obedecendo a sequência do script, o que muitas vezes fazia com que ficássemos muito tempo esperando nossa vez de entrar em cena. Por causa disso, em pouco tempo fiz muitas amizades novas, inclusive com Pelé, que, curiosamente, fazia parte do elenco, participando pela primeira vez de uma novela como ator. Ele vinha todos os dias de Santos, chegava sempre no horário e se empenhava bastante, demonstrando muito profissionalismo, interpretando o papel do escritor Plínio Pompeu. Tínhamos um grande elenco que contava ainda com nomes como: Rosamaria Murtinho, Carlos Zara, Cláudio Corrêa e Castro, Regina Duarte, Gianfrancesco Guarnieri, Stênio Garcia, Márcia de Windsor, Márcia Real, Átila Iório, Osmar Prado, Silvio de Abreu (então como ator), João José Pompeo, entre outros nomes. Trabalhei na novela, mas não fiquei satisfeita. Estava acostumada a trabalhar muito, a ser exigida, ter desafios. Isso me movia na Tupi. E saí de lá porque queria ganhar mais. Na Excelsior estava ganhando mais. Mas sou sincera: achei que ganhei um papel muito pequeno. Não gostei, porque eu nunca tinha feito um papel menor e percebi então uma coisa ruim em mim. Eu era viciada em papéis grandes, que me 191 tomavam bastante atenção e exigiam muito mais de mim, para os quais eu tinha que me dedicar bastante. Esses, eu me matava e fazia. Quando o papel era pequeno, eu desligava, esquecia o texto, ficava desconcentrada, enfim, acabava atuando mal. Isso ficou muito marcado nesse meu primeiro trabalho na Excelsior. Nesse período, recebi uma intimação para responder a um processo trabalhista movido pela TV Tupi contra mim. No princípio não entendi. Afinal, eu tinha o atestado liberatório, que me fora dado pelo Cassiano Gabus Mendes. Mas quem movia a ação era o diretor administrativo geral das Emissoras Associadas, que era mais graduado, e que, não sabedor do atestado liberatório do Cassiano, entrou com esse processo, tão logo viu minha imagem num trailer da novela na Excelsior. Ele entendeu que eu estava quebrando o contrato que tinha com a Tupi, ao permitir que fosse exibida minha imagem em outra emissora. Foi um processo longo, como sempre são longos os processos trabalhistas ou criminais, mas enfim o feitiço virou contra o feiticeiro e acabei ganhando a causa, pois o juiz ouviu meus argumentos relativos à equiparação salarial. Analisou um extenso material que levei, onde eu discriminava todos os trabalhos que havia feito, fotos, propagandas em jornais, publicidade, chamadas, scripts, e por comparação entendeu que eu tinha razão no que pedia. Só de papeis principais, nos TVs de Vanguarda, nos TVs de Comédia, nos Grandes Teatros Tupi e em novelas, relacionei 50 papéis principais. De acordo com seu julgamento, o juiz condenou a Tupi a me ressarcir todo o valor devido, inerente à equiparação com os atores contratados depois e com quem eu contracenava em papéis iguais, em todos os programas que fazia. A sentença ainda me concedia o direito de ser readmitida com os valores ajustados. Eu não quis. Recebi o que a lei achava correto e estava agora sim, legal e devidamente desligada da Tupi. Só que esse processo levou tanto tempo para ser concluído. Quase oito anos. Mas eu ganhei. E fiquei feliz. Voltando à fase da Excelsior, fui escalada para trabalhar numa segunda novela da Ivani Ribeiro, com direção de Gianfrancesco Guarnieri: Dez Vidas. Dessa vez, ao invés de me darem um papel, me deram dois. Dois papéis pequenos. Em um deles, tinha como parceira a Ruthinéa de Moraes. Fazíamos duas costureiras fofoqueiras. Detestei o papel. Que feio falar assim, mas enfim... Novamente não me dei bem com a situação e fiz 193 um juramento, que não quebrei até hoje: É até vergonhoso falar isso, mas na verdade eu fiz um juramento inquebrantável, de nunca, nunca mais aceitar papel pequeno. Isso era contra a minha natureza. É feio dizer isso? Sei lá... Prefiro tocar o barco para a frente... sempre... mas do meu jeito. Foi então que decidi procurar o Carlos Zara, que era diretor artístico da Excelsior nessa fase e pedi a ele para voltar a apresentar programas de entrevistas e variedades. A princípio fiz um programa nos moldes do Vida Convida, que era apresentado à tarde, e que se chamaria: Vida em Movimento. Logo depois, o Zara veio com uma proposta muito interessante para mim. O Ferreira Neto tinha um programa forte, chamado A Hora e a Vez, onde ele ficava no meio do estúdio de pé, cercado por vários convidados e que era apresentado à meia-noite. A proposta era que eu fizesse um programa com as mesmas características, e o apresentasse também à meia-noite, uma vez por semana. Aceitei. O programa chamava-se A Hora e a Vez da Mulher. Era um programa polêmico. O horário permitia que se tratasse de assuntos fortes, pesados para a época, como homossexualismo, prostituição e outros. Eu levava representantes da classe que seria enfocada e ao mesmo tempo duas ou três psicólogas, ou o que eu quisesse, para rebater. Cito como exemplo um dos programas que teve como tema o O terceiro sexo. Eu pessoalmente, naquela semana de preparação desse tema, procurei vinte e três psicólogas. Vinte e três. Telefonei e fui aos consultórios e com muita dificuldade acabei achando três. Do outro lado, coloquei homossexuais, travestis. Me lembro de ter encontrado uma mulher, um homem aliás, que havia feito implante de seios, talvez o primeiro a fazer isso no Brasil. Estive também no La Licorne, que era uma casa, de garotas de programa bonitas e selecionei pessoas devidamente abertas para o tema e fomos fazer esse debate. A coisa pegou fogo! Eu apresentava, mediava e tinha uma pequena equipe de entrevistadoras convidadas. Isso tinha a minha cara. Isso eu gostava muito de fazer. Tanto que nem mesmo ligava para o horário maluco que tinha que enfrentar. O programa, ao vivo, é claro, ia ao ar sempre depois da meia-noite. Terminava entre uma e meia e duas horas da manhã. Saindo do estúdio, eu levava uma de minhas entrevistadoras convidadas, para casa, no bairro da Penha e depois voltava pela Marginal do Pinheiros correndo, para a minha casa, já quase às três horas da manhã, sozinha. Por isso afirmo que gostava muito de fazer isso. 195 O programa foi muito bem. Quem não estava muito bem nessa época era a própria TV Excelsior. Ela começava a declinar... Por isso vou revelar um fato importante, que até agora não citei. Até então, quase um ano e meio depois de contratada, recebera apenas dois meses de salários. Depois disso, não havia recebido mais nenhum centavo sequer da emissora. Quase dezesseis meses sem receber. A produção de Dez Vidas já começou pobre. Era uma novela de época, exigia figurinos específicos mas a produção já dava sinais de que a emissora estava mal das pernas. Durante a novela, os atores e técnicos foram abandonando o projeto e até Regina Duarte, uma das protagonistas, deixou o elenco, sendo substituída por Leila Diniz. A novela foi minguando no ar. Alvaro de Moya, em seu livro Gloria in Excelsior, conta a história da emissora, destaca uma situação que descreve bem essa decadência, com uma citação de Gianfrancesco Guarnieri: ... A gente já estava em crise absoluta, não tinha dinheiro para nada... Nós fizemos uma parada militar com dez pessoas, focando os pés. Os atores corriam por trás da câmera e entravam de novo na fila e a câmera continuava apenas mostrando os pés. Depois, fazia alguns closes de rostos, evitando planos gerais e dando ideia de muitos soldados... E a TV Excelsior faliu numa situação assim, terrível. Falência de qualquer coisa é uma palavra pesada. Mas falência de uma emissora de televisão é uma palavra explosivamente pesada. Há quem chore, há quem brigue, há quem se jogue não sei de onde, há quem se separe do marido, há quem fuja, há de tudo e mais um pouco. Há quem morra... Há quem se coloque na rua, como eu me lembro que a Leila Diniz se pôs, perto da emissora, pedindo esmola. Estendia lá um pano e dizia: dê uma esmolinha para uma atriz que não tem o que comer... Isto era a televisão Excelsior naquele tempo. Resistíamos por amor. Sempre. Eu acabei ficando até o último dia, até o dia em que tiraram o cristal da emissora. Tirar o cristal significa sufocar, mais do que isso, não sei, dar um tiro no coração, uma coisa assim, dramática. Tiraram o cristal. Eu não sei exatamente como é o cristal, mas sei que é uma peça fundamental. E que uma vez retirado... E foi assim. Tiraram o cristal e a televisão Excelsior fechou. Os salários? Ninguém recebeu. A canoa furou. Capítulo XVII A TV Gazeta Depois de tanto drama, de tanta confusão, nós ainda entramos juntos com uma ação contra a TV Excelsior, tentando receber judicialmente. A exemplo do que houvera acontecido comigo na Tupi, contra a Excelsior também ganhamos a causa, só que, nesse caso, não levamos. Eu, pelo menos, nada recebi. Os Simonsen, donos da emissora, faliram e eu não recebi um centavo sequer dos dezesseis meses de salários que eles me deviam. Será que alguém conseguiu receber? Acho que não. A realidade é que eu estava novamente sem trabalho e isso para mim era o pior que poderia acontecer. Outra vez. São situações em que você se encontra num dilema e ali fica. Ou mais uma vez você volta e se refaz ou nada feito. Desta feita eu me refiz indo para uma emissora bem menor, a caçulinha TV Gazeta, da Fundação Cásper Líbero, que acabava de ser inaugurada. Foi muito interessante, porque após a primeira conversa e a primeira demonstração de interesse por parte deles, houve um acontecimento que eu até hoje considero fundamental para a minha mudança estrutural, algo que na época, para mim, foi um choque brutal. Há coisas que a princípio nos soam negativas, mas que depois, ao vivenciá-las, acabam por nos fazer crescer. E essa foi uma delas. Junto comigo estavam sendo contratados também o jornalista Tavares de Miranda, que era colunista social da Folha de S. Paulo, e a Clarisse Amaral, que faria um programa de entrevistas chamado Programa Clarisse Amaral, que posteriormente passou a se chamar Clarisse Amaral em Desfile e que deu origem anos mais tarde ao programa Mulheres em Desfile, apresentado por Claudete Troiano e Ione Borges por um longo período. Na época, nós éramos considerados como os apresentadores mais importantes que a TV Gazeta estava contratando. A Clarisse para fazer o programa da tarde, eu para o horário nobre e o Tavares de Miranda faria outro horário, próximo ao telejornal do final da tarde. Tão logo chegamos à Gazeta fomos chamados, os três em conjunto, antes mesmo da assinatura dos contratos, para uma primeira reunião com o diretor principal da emissora, Marco Aurélio Rodrigues da Costa, um homem muito jovem e bastante inteligente. Cheio de sorrisos afáveis, Marco Aurélio recebeu-nos muito bem e, após apresentar o diretor comercial Carlos Lemos, deu-nos suas boas-vindas. Falou sobre os equipamentos da Gazeta, da aparelhagem que era superior às das demais emissoras, sobre a imagem perfeita que era gerada e por fim fez uma breve explanação institucional sobre a Fundação Cásper Líbero. Como todos deviam saber, disse ao encerrar, por ser uma fundação, não tinha, nem poderia ter, fins lucrativos, portanto, não tinha dinheiro. E completou então, com uma frase inesperada: Ninguém fica aqui sem pagar. Ponto e fim. Silêncio. Do outro lado da mesa, nos entreolhamos e por instantes perdemos a fala. Ora, tínhamos ido para lá para ganhar, não para pagar – foi certamente o que nos dissemos naquela muda troca de olhares. Depois, voltamos os olhares novamente para ele, certamente com sorrisos amarelos estampados no rosto e aquele enorme ponto de interrogação na testa: Que brincadeira de mau gosto era aquela? A grande surpresa era essa. Marco Aurélio não estava brincando. Seu semblante estava sério, assim como o de Carlos Lemos, que balançava a cabeça afirmativamente, apoiando suas palavras. Ora, pensei comigo, alguma coisa está mudando no mundo, pois acabo de sair de uma emissora onde fiquei sem receber um longo período e agora entro em outra onde terei que pagar? Algo estava errado, fora do contexto. Resolvi argumentar, quebrando aquele instante de silêncio, já que meus colegas estarrecidos permaneciam mudos. Essa era exatamente a deixa que Marco Aurélio estava esperando. Todos queremos ganhar – disse. Mas também, aqui na Gazeta, todos têm uma responsabilidade maior. Quem é dono de um programa, também tem que ajudar a vender. Aí a coisa pegou fogo. Como ajudar a vender se somos artistas? Só faltava essa. Além de correr para escrever, produzir e apresentar, agora também vender? – argumentamos. Então Marco Aurélio concluiu: É claro que eu sei que vocês não são vendedores. Mas são a chave-mestra da venda. Façam uma lista de empresas que possam ter interesse em patrocínio, com as quais vocês tiveram relacionamento. Façam um primeiro contato, agendem uma reunião e passem para o Carlos Lemos. Vocês nos acompanham na primeira reunião e o resto fica por nossa conta. Vocês nos ajudam a ganhar e ganham também, pois serão comissionados por esses contratos. Aí, então, caiu a ficha. Era uma forma inteligente de captação de recursos. Evidentemente as empresas que relacionássemos já teriam afinidade conosco, portanto permitiriam uma negociação muito mais tranquila e evidentemente com enorme probabilidade de êxito. E foi assim que aconteceu. Logicamente, como eu havia tido programas importantes nas outras emissoras, o rol de empresas e seus diretores era enorme, de forma que isso acendeu uma chama imediata em mim e, tão logo saí da reunião, fiz minha lista e entreguei ao Carlos Lemos. Saímos à cata dos patrocínios e evidentemente, em curto espaço de tempo, conseguimos o nosso intento. Confesso que foi uma fase emocionante, porque eu ganhei bem mais do que ganhava nas outras emissoras e pude com esse dinheiro até comprar um pequeno apartamento para cada um dos meus dois filhos, que ainda estavam começando suas vidas. Levamos então ao ar pela TV Gazeta o programa semanal de entrevistas Vida em Movimento, com produção de Valentino Guzzo, no horário das 20 horas, sem problemas de ordem financeira. Um fato marcante desse programa foi que, no dia 14 de março de 1972, ele foi o primeiro programa a ser transmitido em cores em rede aberta. O programa caminhava muito bem, e foi escolhido pela diretoria da emissora para essa transmissão. Na verdade, ficamos na expectativa, pois o pessoal técnico trabalhava noite e dia para que a TV Gazeta se tornasse a primeira emissora no mundo a colocar no ar as imagens coloridas num tempo recorde: 8 dias, desde a chegada dos equipamentos, Ampex, Marconi e RCA, até o instante em que as primeiras imagens do programa Vida em Movimento foram colocadas no ar. Isso para mim foi uma coisa marcante, pois a partir dali começaria uma nova era na televisão brasileira. Nós, artistas, estávamos acostumados com a TV em preto e branco. Tínhamos muito cuidado ao escolher as roupas. Tínhamos que evitar qualquer roupa branca. O preto também não era bem-vindo. Utilizávamos muito o azul-claro e o rosa, e abusávamos do cinza, usando cinza-claro, médio e escuro. Mas a partir da próxima transmissão do Vida em Movimento todo esse conceito cairia por terra. O rosa seria visto rosa e o azul seria visto azul e o branco e o preto já não seriam tão marginalizados. Pela primeira vez tingi meu cabelo de loiro e minha mãe confeccionou um lindo vestido azul, com faixas na cor bordô. Quando entrei no estúdio aquela noite, o clima era de expectativa e de festa e quando o programa foi ao ar, eu falei, de improviso: Se o céu é azul, se o rosto de uma criança é rosa ou negra, se a mata é verde e os passarinhos são de todas as cores, por que a televisão há de ser em preto e branco? Vamos invadir o mundo das cores também! Por deferência especial do Ministro das Comunicações Higino Corsetti, a TV Gazeta e o programa Vida em Movimento, neste dia 14 de março de 1972, orgulhosamente participam deste fato histórico. A primeira trans missão a cores... A partir de hoje, vocês, os espectadores da TV Gazeta terão o privilégio de ver a vida em cores, sempre no Vida em Movimento. Esta foi a minha frase na abertura do programa. Acho que todos gostaram, pois o jornal, quando saiu no dia seguinte, repetiu a mesma frase. Me recordo que me disseram que eu era a rainha da noite, a rainha das cores. E foi assim que me senti por um dia. A exemplo da inauguração da TV Tupi, entretanto, poucos foram os receptores que puderam nessa noite transmitir o programa em cores. Mas eu, ao apresentar o programa essa noite, uma vez mais era pioneira na televisão. Tivemos 207 como convidados os cantores Noite Ilustrada e Sergio Reis, o publicitário Jorge Adib e a jornalista Lyba Friedman e mais outros tantos... Cabe dizer aqui que os equipamentos importados pela Gazeta, que custaram mais de um milhão de dólares, eram de tamanha qualidade, que logo foram alugados à Rede Globo, para a transmissão do Primeiro Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1. Detalhe: foi através dos testes realizados entre a edição do dia 14 e a da semana seguinte, junto à TV Gazeta, que o Ministério das Comunicações definiu qual seria a modulação correta para o sinal colorido (incluindo contraste e nitidez). Sem este programa regular, que se estendeu até 1976, jamais poderíamos inaugurar oficialmente a TV em cores no dia 31 de março de 1972. Eu acho curioso esse oficialmente, porque, se já havia um programa sendo exibido regularmente, então a coisa não foi tão oficial assim. Essa data valeu apenas do ponto de vista técnico, legal e político: foi no 31 de março que o presidente da época, general Emílio Garrastazu Médici, e o ministro das Comunicações, Higino Corsetti, discursaram em rede nacional, passando a valer oficialmente o cronograma de implantação da TV em cores no país e deram autorização para operar em cores todas as emissoras de São Paulo (cidade que inicialmente recebeu o sinal colorido, assim como foi também no start da TV Digital em 2007). Por coincidência, o 31 de março era o aniversário do Golpe de 1964, que levou os militares ao poder. Portanto, passou para a imprensa de época que Vida em Movimento entrou em cores apenas como teste, assim como outros programas fizeram antes, da mesma forma como houve transmissões experimentais (sem regularidade), a exemplo da Festa da Uva de Caxias do Sul (em janeiro de 1972), que ficaram marcadas na história. Era conveniente para o Governo Federal autorizar um programa regular antes da data regulamentada, em um canal como a TV Gazeta naquele tempo. A TV Gazeta, mesmo tendo os melhores equipamentos em cores de sua época, tinha apenas alcance em São Paulo e cidades próximas. Era uma emissora ainda sem grande expressão, apenas com dois anos de existência. Além disso, por razões políticas, não valia a pena para a Gazeta comprar uma briga com o Governo Federal e imprensa, alegando este pioneirismo. Por ter os melhores equipamentos, como já disse, fez toda a infraestrutura para a transmissão do 31 de março, levando equipe e equipamentos para Brasília naquele dia. Acabou fazendo coproduções e alugando seu equipamento para 209 as demais emissoras, inclusive, como já citei, para a líder Rede Globo, a partir daí. Com isso, a TV brasileira deve muito à TV Gazeta, porque ajudou a todas na implantação das cores. Da mesma forma como Vida em Movimento foi crucial neste processo. Os equipamentos da TV Gazeta me permitiram fazer, entre outras coisas, externas. Não era fácil, não. Nem simples. Tínhamos que sair com um caminhão de externa e com uma equipe técnica grande, além da equipe de produção que era de cinco pessoas. Dessa forma, as externas eram onerosas, o que nos obrigava a gravar matérias para pelo menos dois programas cada vez que saíamos. Na Casa de Detenção, por exemplo, com autorização do Coronel Fernão Guedes, diretor na época, passamos três dias inteiros e gravamos três programas, mostrando os pavilhões, as salas que eram destinadas aos cultos de diversas religiões, as oficinas onde eles trabalhavam confeccionando diversos produtos. Ganhei peças de artesanato de presente. E fizemos lindas matérias que foram apresentadas no programa. Depois disso , mandei 200 livros para a biblioteca da Casa de Detenção do Carandiru, que foi implodida depois de 46 anos de existência, em 8 de dezembro de 2002, dando espaço hoje ao lindo Parque da Juventude. O lugar para onde antes eram encaminhados homens para ser encarcerados, hoje recebe jovens que celebram a liberdade. Outra curiosidade do Vida em Movimento foi um dia em que eu juntei num desfile, dentro de um mesmo programa, gravado no Buffet Vips, os costureiros: Clodovil Hernandes, Denner, Hugo Castelanni, Amalfi, Aparício, Fernando José e Antonio Carlos. Figurinistas, que, se não eram desafetos, eram ferrenhos antagonistas, brigando pela primazia de vestir a alta sociedade brasileira. Fui obrigada a fazer um sorteio para determinar a ordem de apresentação e principalmente para definir quem se sentaria ao lado de Dona Zilda Natel, a primeira-dama do Estado de São Paulo, minha principal convidada. Curiosamente, após o sorteio, ela ficou sentada entre Denner e Clodovil. Ufa! Denner todo de preto, com seus lacinhos, seu jeito de príncipe e Clodovil todo de branco, como o desafiante. E deu tudo certo. Uff! Nesse mesmo período, no ano de 1973, fui convidada a integrar o elenco do filme A Pequena Órfã, baseado na novela homônima da extinta TV Excelsior. Com direção de Clery Cunha, o filme, de 71 minutos , utilizou basicamente o mesmo elenco da novela, com Dionísio Azevedo, Bárbara Aires, Xandó Batista, Percy Aires, Waldemar Batista e Patrícia Aires, que era a pequena órfã. Vida em Movimento ficou no ar até 1974, quando encerrei meu período na Rede Gazeta de Televisão. Hoje, quando me perguntam o motivo pelo qual eu saí de lá, realmente não sei responder com convicção. Mas talvez algo subjetivo tenha contribuído sobremaneira para essa decisão. Explico. Meu IBOPE particular, aquele que media minha popularidade, sempre foi o meu corpo a corpo com as pessoas nas ruas da cidade. E o período em que eu me encontrava na Gazeta foi marcado por uma pergunta que invariavelmente eu ouvia desse meu IBOPE, nas ruas: Ué, Vida, você não está mais fazendo televisão? Acho que essa constatação das pessoas se devia pelo fato de ser a Gazeta uma emissora nova e por ter nascido quando as outras já se encontravam há alguns anos no ar. Estava ainda engatinhando e amealhando tão somente o público telespectador que sobrava da audiência das outras emissoras. Acho que eu não quis, ou não tive paciência de esperar que ela consolidasse seu público. Mas de lá guardo talvez uma das mais importantes lições da minha carreira: aquela primeira reunião, em que Marco Aurélio Rodrigues da Costa nos intimou a conseguir patrocínio, me modificou. Tenho a impressão de que, quando ouvi aquilo, me assustei à beça, mas foi uma coisa salvadora. Tornou-me uma pessoa mais forte, mais firme e decidida em minha postura profissional. Aprendi que se tenho determinado interesse, se desejo determinada coisa, tenho responsabilidade por isso. Tenho que responder por isso. E nesse sentido a Gazeta me ensinou o caminho das pedras. No fim, o feitiço virou contra o feiticeiro. Utilizando-me desse aprendizado, tracei meu futuro, que determinou minha saída da emissora. Um dia convidei minha filha Thaís para almoçar e lhe propus uma sociedade. Eu sairia da Gazeta e iríamos juntas para a Record, não como funcionárias, mas como uma empresa jurídica – A 215 Vida Produções. Nossa empresa. Uma novidade. Um desafio. Uma nova etapa. Thaís topou. Eu pedi demissão e virei a página. Da Gazeta guardei grandes e eternos amigos... Capítulo XVIII Em Transição – Outros Rumos... Eu não sabia, mas a minha saída da Gazeta marcaria o início de um período de transição da minha vida. Como já disse no capítulo anterior, até hoje não sei precisar o motivo que me fez sair de lá, porque eu me dava bem e gostava daquela emissora, embora ela não tivesse crescido como eu esperava que crescesse. Mas saí e fui para a Rede Record, onde, posso dizer, nada de marcante ocorreu. Talvez tenha marcado sim, como vamos ver, a minha saída definitiva como profissional do veículo televisão, embora até hoje nunca tenha me desligado afetivamente dele, me permitindo até hoje alguns flashs aqui e acolá. E as entrevistas que me fazem são tantas... Na TV Record, tive uma rápida e fraca passagem. Lá, fizemos um programa nos moldes da Hora e a Vez da Mulher, que eu havia apresentado na TV Excelsior. Era um programa de variedades chamado Viagem para a Vida, em que eu distribuía alguns prêmios, fornecidos por patrocinadores. Foi um programa sem muito elã, marcado também e principalmente pelo declínio acentuado da emissora. Pouco tempo depois a TV Record pegou fogo, sofreu muito. Todos nós sofremos também. Com minha empresa, porém, trabalhando por conta própria, não podia deixar a peteca cair. Então rapidamente negociei uma parceria com a Rádio Mulher, que ficava na Granja Julieta. Um projeto ambicioso, pois eu teria um programa de quatro horas, das 14 às 18 horas diariamente. Como boa aluna que sempre fui, com as aulas que tive na Gazeta com Marco Aurélio Rodrigues da Costa e com o Carlos Lemos, negociei bem o contrato com a Rádio Mulher, ficando acertado que eu teria minutos nos intervalos comerciais, que poderia vender pela Vida Produções, e o restante era comercializado normalmente pela rádio. Com isso eu pagava a produção do programa e ganhava ainda um bom dinheiro. Por falar em produção, na rádio eu tinha uma equipe bem jovem e afinada: Thaís Alves, Márcia Alves, minha sobrinha, o bom diretor musical Mario Tadeu, que depois foi produtor do programa Hebe Camargo no SBT e a Bethinha, minha produtora. A Bethinha é ninguém menos do que Beth Carmona, que mais tarde foi Diretora da TV Cultura, Presidente da TVE do Rio de Janeiro, Gerente de Programação da Walt Disney para o Brasil e Diretora de Programação da Discovery para a América Latina... Ufa, como foi longe essa menina! Eu sei por quê. Com ela tudo corria certinho. Naquela época, já era o símbolo da competência e galgou esses degraus, eu sei e tenho certeza, merecidamente. O programa era um programa diferente. Apresentava de tudo: radionovela, entrevistas, música, quadros especiais. Naquela época, as gravadoras estavam em alta e nos mandavam seus artistas para ser entrevistados e divulgar o lançamento dos seus discos e Thaís sempre era recebida para entrevistas com grandes nomes da música popular brasileira, como Caetano Veloso, Rita Lee, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Vinícius de Moraes, Simone, Toquinho, entre tantos outros. Ela gravava as entrevistas fazendo as perguntas, que depois eram editadas com a minha voz e assim grandes entrevistas iam para o ar. O programa foi um grande sucesso da Rádio Mulher, por três anos. Esse foi o tempo que mantive o contrato. Resolvi parar, quando aconteceu repentina e precocemente a morte de Gianni Gasparinetti, meu marido, aos 57 anos. Foi muito sofrimento. Eu senti que precisava dar um tempo para minha mente, para o meu corpo e, principalmente, para a minha alma. Mas saí da Rádio Mulher sem sentir a angústia que havia me tomado nas rescisões anteriores. Foi simplesmente o encerramento de um contrato e que chegara ao fim. Bom para ambas as partes. Cheguei a pensar que a arte de representar e de apresentar não me satisfazia mais. Que chegara a hora de parar. Mas essa descoberta naquele momento, não revelei a ninguém, mesmo porque não tinha certeza disso, era apenas um pressentimento, que com o passar do tempo viria a se confirmar. Mas naquele momento eu novamente precisava agir, pois o nosso empreendimento não poderia acabar assim, num único negócio. Eu e Thaís, então, arregaçamos as mangas e demos continuidade ao nosso projeto. Achei interessante registrar esse fato, pois sempre acabo esquecendo de contar essa parte da minha história, que foi uma experiência verdadeiramente interessante. Capítulo XIX À Procura de Novos Rumos Como sempre acontece quando uma pessoa que trabalha muito, tem uma folga, um passeio é o primeiro pensamento. Comigo não foi diferente. Fiz várias viagens internacionais. Verdade que já as tinha começado a fazer, quando era bem mais jovem. Minha primeira viagem de navio foi em 1958, numa caravana de deputados e políticos, junto com minha irmã Helle, que era assessora de im prensa da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Ficamos três meses viajando. Foi maravilhoso. Visitamos mais de 12 países, incluindo Rússia, Polônia, Alemanha, etc, etc, etc. Mas, quando estava precisando esfriar a cabeça e resolver a continuidade de minha carreira artística, resolvi coisa ainda melhor. Não mais só Europa. Inclui na viagem a Ásia e até a África. A verdade é que, somando tudo, visitei quatro continentes. Só nunca pisei na Oceania. De resto vi um pouco de tudo. Minha irmã Helle quase sempre comigo, mas também minha irmã Poema, minha filha Thais, enfim, uma família passeadeira. Conheci ao todo 48 países, ou 50, não sei bem. Mas também fiz cursos. Estudei inglês... (Jesus! Que língua mais difícil!). Fiz curso de oratória, pois como vou falar daqui a pouco passei a dar aulas de Comunicação e Oratória. E era então necessário. Voltei a estudar italiano, o que já tinha feito, quando minha sogra e meu sogro vieram morar comigo e não falavam uma palavra de português e estudei ainda espanhol. E só. E foi assim, viajando, que esfriei a cabeça e toquei a vida pra frente... Capítulo XX A Igreja Messiânica Ela entrou na minha vida, assim, meio que sem querer. A perda de entes próximos é uma provação que sempre nos sensibiliza a alma na busca do entendimento que faz aflorar a fé, a crença. Eu estava num momento assim, em virtude da morte de Gianni. Eu tinha, nessa época, uma vizinha que pertencia à Igreja Messiânica e que sempre me presenteava 229 com alguns livrinhos escritos por Mokiti Okada, fundador da doutrina. Comecei uma leitura despretensiosa dos primeiros que ganhei, mas depois, quando os recebia, ficava sempre ansiosa por lê-los. Eu ficara muito impressionada com a profundidade das mensagens neles contidas, transmitida de forma tão simples, objetiva e clara. Isso me chamou a atenção e eu tinha comigo a vontade de conhecer um pouco mais de perto a filosofia dessa igreja. Senti que aquela era a hora. Procurei minha vizinha e fui apresentada por ela à Igreja Messiânica. A primeira coisa que fiz foi receber o Johrei, que é um gesto, uma oração messiânica com a impostação das mãos, na pessoa que o recebe. É uma prática altruísta, já que você não pede por você. Você intercede pelo próximo. Ou seja, há uma inversão da direção da sua prece, do seu desejo, do seu pedido. Isso, que aparentemente é fácil, se constitui numa mudança de atitude muito profunda do seu desejo, do seu pedido. O Johrei me reconfortou e tudo o mais que vi e senti na Igreja Messiânica foi me envolvendo e me levando a crer que encontrara o caminho que nos conduz ao bem-estar espiritual, ao sagrado. Lá na Messiânica, aprendi também a me doar de uma forma mais integral, de corpo e alma para ajudar ao próximo, repassando um pouco do que a vida sempre me concedera gratuita e afortunadamente. Uma prática da Igreja Messiânica que colaborou sobremaneira para o meu crescimento pessoal e espiritual foi a de receber dez obrigados por dia. Preste atenção nisso. Eu disse receber e não dizer: dez obrigados por dia. Você agradecer, falar muito obrigado dez vezes, é fácil. Você fala até sem prestar atenção. Mas para receber dez agradecimentos, você tem que se esforçar. Você tem que fazer por merecer. Por exemplo. Você tem sede. Eu me disponho a buscar um copo de água e lhe servir. Você sacia a sua sede e me diz, ao devolver o copo: Obrigado. – Pronto. Você acaba de me presentear com um agradecimento. No dia, eu tenho que contabilizar isso dez vezes. Não é tão fácil como parece. Mas é uma prática enriquecedora. Uma prática de doação. Foi assim que resolvi me doar um pouco para a igreja, ou melhor, me dedicar, que é a palavra lá utilizada para serviços assistenciais gratuitos. Comecei me dedicando à anotação e redação para apresentação de testemunhos de fé. Posteriormente no Jornal Messiânico, atuei como repórter, redatora e diretora. Depois disso, ainda criei um curso, de comunicação, que foi aprova-231 do pelo ministro Fujitani, o reverendo, para ser aplicado na Igreja Messiânica. O curso, chamado de A Arte da Comunicação, era basicamente um curso de português, redação e, principalmente, de oratória, onde se aprendia a arte de falar em público e de escrever corretamente. Iniciamos o projeto ministrando o curso para o pessoal de jornal. Depois do sucesso absoluto dessa empreitada, o curso foi aberto e ministrado, gratuitamente, é claro, para os demais membros da igreja que tivessem interesse de participar do curso. Foram quase dez anos de dedicação nessa igreja, que me mostrou que se importa muito com o comportamento intrínseco do ser humano. O que é muito construtivo. Como o foi para mim, extremamente construtivo. Basta dizer que antes de colocar meus pés no solo da Igreja Messiânica eu era agnóstica (confesso que ainda sou um pouco, quando vejo que Deus permite que aconteça tanta coisa, como no Haití, no Japão... Será que ele comanda tudo e deixa acontecer coisas assim?). Mas de verdade, mesmo, depois da Igreja Messiânica, do trabalho que foi feito comigo através de livros, através da profunda dedicação, que aprendi a ter e efetivamente tive, eu nunca mais serei agnóstica. Tudo isso me ajudou muito a crescer como ser humano. Hoje, se me perguntam a minha religião, respondo que sou messiânica, afinal, foram tantos anos de dedicação integral... Acredito, pois, que nunca mais deixarei de ser messiânica, pois não tenho como tirar de dentro de mim ensinamentos que foram tão profundos. Mokiti Okada, sofrendo as agruras da Segunda Grande Guerra, conseguiu fazer a junção do Cristianismo e do Budismo, criando uma religião moderna e com intenso poder de sublimação. Hoje, me encontro fisicamente afastada da Igreja Messiânica, mas guardo seus ensinamentos e ainda preservo a medalha que chamamos de Luz Divina. Até hoje a conservo pendurada no meu peito. Ou seja, sou messiânica. Capítulo XXI Cursos Vida Alves de Comunicação 1982. A experiência na Igreja Messiânica foi tão gratificante que resolvi adaptá-la e trazê-la para fora, com a ideia de aplicá-la em clubes e empresas. Era um novo empreendimento, em que eu novamente iria precisar dos préstimos da minha fiel escudeira Thaís. Ela se formara em artes plásticas e, com sua aptidão, concebeu toda a parte visual e criativa do curso, concedendo-lhe um tom de modernidade. Enquanto isso, eu cuidava da parte intelectual, com o know-how adquirido nos cursos aplicados na Messiânica e 235 nos meus estudos. Thais também havia feito um curso de sensibilização e dava aulas na Igreja Messiânica, o que de certa forma serviria de laboratório para esse nosso novo trabalho. Depois de termos definido a concepção básica do que seria o curso, fundamos e registramos nossa empresa e saímos à luta buscando alguém que comprasse a ideia inovadora. Oferecemos o curso para clubes de São Paulo, como o Clube Paulistano e o Clube Pinheiros, onde começamos a aplicá-lo. Concomitantemente, iniciamos o contato com grandes empresas, entre elas a Arno, fabricante de eletrodomésticos. Lá conhecemos um homem com muita visão, diretor da empresa, senhor Piero Fioravanti, que inteligentemente enxergou no curso a possibilidade de permitir com ele o crescimento pessoal e profissional dos empregados da Arno. Foi um projeto ambicioso. Chegamos a ministrar 200 cursos por ano. Começamos ministrando o curso para demonstradoras e promotoras da própria empresa, que depois foi estendido para vendedores e gerentes de lojas revendedoras dos seus produtos em todo o país. Percorremos o Brasil de Norte a Sul, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, Oiapoque ao Chuí, não só nas capitais, mas também em várias cidades do interior, principalmente do interior de São Paulo, de Minas e Rio de Janeiro. Treinamos aproximadamente 20.000 pessoas. Quando, alguns anos depois, terminou o nosso contrato com a Arno, o curso foi dado em outras grandes empresas como ABN Amro Bank, Embraer, Philips, Grupo Pão de Açucar, entre outras. Ao todo o curso foi ministrado a 30 mil pessoas. Um sucesso! O crescimento do curso me obrigou a fazer uma reforma na casa para abrigá-lo. Durante vinte anos o mantivemos com enorme sucesso. Até que por motivos de saúde, tive que fazer uma opção. Já há algum tempo eu, com o meu empreendedorismo exacerbado, vinha tocando em paralelo o curso e a Apite (Associação dos Pioneiros da TV, que vamos abordar no próximo capítulo). De repente, meu coração resolveu me repreender por constantemente estar ultrapassando os limites. O susto me custou uma também reprimenda dos meus filhos, que me deram um ultimato: Parar com tudo! Negociei. Eles foram duros na negociação, mas por fim cederam um pouco. Mas eu deveria optar: continuaria com os cursos Vida Alves de Comunicação, ou com a Apite, que então já se chamava PRÓ-TV. Foi uma escolha difícil. Fiquei muito dividida, mas resolvi passar o bastão do curso para a Thaís e assumir tão somente a PRÓ-TV. Acredito que foi a decisão correta. Sem dúvida: a certa. Capítulo XXII Novos Sinais No dia 18 de agosto de 1993, um infarto tiraria de cena um dos mais completos artistas da nossa história televisiva. Cassiano Gabus Mendes, o homem que à frente da TV Tupi, com toda a sua versatilidade, ajudou a criar a TV brasileira, nos deixava órfãos. Muito embora eu já houvesse deixado a TV há quinze anos, nesse dia novamente me senti órfã. Um mar de lembranças me prendia a ele. Cassiano foi meu diretor, meu amigo, meu conselheiro. 241 Com ele comemorei sucessos, com ele chorei fracassos, ri, me emocionei, briguei. Agora, de repente eu o estava olhando pela última vez. Era uma segunda despedida, quinze anos depois. Desta vez com a dor da perda irreversível de um grande amigo. De um grande companheiro. Em seu funeral estavam presentes todos os grandes nomes da TV brasileira. Todos queriam se despedir do amigo e do brilhante e versátil profissional. Eu olhava aqueles rostos e recordava que alguns já havia revisto alguns meses antes, em dezembro de 1992, por ocasião da morte de outro grande colega da Tupi, José Parisi. Mas a grande maioria eu não via desde que deixara a TV. Tanto tempo se passara e ao vê-los parecia que transcorrera apenas uma noite. Uma longa noite em que deixei de ser artista. Eu olhava todos e a cada um. Relembrava tudo o que haviam feito, um por um. E grande parte do trabalho de todos fora desenvolvido sob a direção e orientação daquele que nos deixava: Cassiano. Aproximei-me pela última vez dele. Toquei suas mãos e orei. Em seguida, me retirei, confesso, até com certo mal-estar. Ansiedade. Inquietação. Caminhei até o lado de fora e sentei-me, apoiando a cabeça entre as mãos, que suavam geladas. Sentia-me um tanto zonza, mas estava perfeitamente lúcida. Então ouvi uma voz, dizendo em claro e bom tom: Vida, olhe a escalação. Numa fração de segundos, ergui rapidamente a cabeça e corri os olhos à minha volta. Ninguém por perto. Senti-me momentaneamente espantada, aturdida e completamente arrepiada, pois eu conhecia muito bem aquela voz. Era de Cassiano. Reagi, então, respondendo prontamente: Mas eu não trabalho mais na televisão, Cassiano. Fiquei aguardando uma resposta, que não veio. Voltei ao estado normal e notei que ninguém me olhava. Ninguém notara. Agora eu me sentia bem. Revigorada, mas muito intrigada com o que acabara de acontecer comigo. Acompanhei o féretro até o túmulo e a descida do corpo ao jazigo, pensando sem parar no que poderia ter acontecido. O que era aquilo? Um sonho? Um devaneio? Loucura? Uma mudança de estado, em que você fica transida pelo acontecimento ou um curto período de mediunidade ou coisa parecida, onde uma mensagem me era transmitida? Essa última opção martelava insistentemente em minha cabeça. Eu tinha plena consciência de que estava lúcida e que 243 realmente ouvira as palavras. O que queria dizer aquilo? Olhei para os lados e estava cercada de amigos. Me lembrei da união que havia no elenco da Tupi. Me lembrei dos nossos encontros no Bar do Jordão. Talvez essa fosse a mensagem. Eu não trabalhava mais na televisão, mas ainda podia trabalhar pela televisão e pela reunião de tantos colegas pioneiros, que agora estavam dispersos e encontravam-se eventualmente e como se dera nesse encontro, nem sempre em momentos agradáveis. Coloquei um ramalhete de flores sobre o túmulo e saí de lá, agora acompanhada por Luiz Gallon, Walter Forster, Ana Maria Neumann e Walter Ribeiro dos Santos. Caminhando do meu lado direito, depois de colocar o braço sobre o meu ombro, Walter Forster arriscou: Vida... Você não vai voltar mesmo? Você faz muita falta ao nosso lado... Não... – respondi – Mas hoje descobri que tenho uma missão... Sinto a importância de estarmos juntos, reunir nosso grupo e fazermos alguma coisa pela memória de todas essas pessoas que dedicaram sua vida, seu trabalho, seu suor e seu amor, à arte de fazer arte. Nós sempre sonhamos. Isso não pode morrer nunca. Luiz Gallon, que me ouvia atentamente, concordou e sugeriu a criação de uma associação que reunisse todos os pioneiros. Todos em volta aprovaram imediatamente a ideia. Seguimos caminhando conversando sobre ela, até nos separar e seguirmos, cada qual para o seu canto, mas agora, com uma semente de união lançada na mente de cada um. Essa conversa de alguns minutos fora fundamental para o início de um grande projeto. Lançáramos ali, naquele dia, o embrião do que seria um dia a PRÓ-TV. Capítulo XXIII Nasce a APITE – Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira O ano de 1994 foi um ano de estudos, discussões e coleta de opiniões, visando dar continuidade ao projeto de instauração da nossa associação. Confesso que, até com um pouco de resistência da minha parte, fiz apenas esporadicamente algumas reuniões, pois estava sentindo que toda a organização do projeto e também da implementação da nossa futura associação iria recair sobre os meus ombros. Foi por isso que 245 prolongamos por mais de um ano a elaboração do nosso estatuto, o que só veio a ser concluído mesmo em 1995. Nessa época, temi um pouco pelo sucesso dessa empreitada, pois nas primeiras reuniões só pude contar com a assiduidade de Luiz Gallon, Lia de Aguiar, Walter Forster, Walter Ribeiro (meu cunhado) e Ana Maria Neumann. Os demais compareciam apenas em uma ou outra reunião. O que veio fortalecer sobremaneira nosso grupo inicial foram as fortes adesões de Blota Jr., Cyro Del Nero, Alvaro de Moya, Sonia Maria Dorce, que já chegaram participando ativamente. Resolvemos então organizar uma festa e convidar todos os nossos amigos. Onde? Na minha casa, é claro. Havia espaço de sobra para acomodar a todos. A ideia deu certo. Presença maciça. Foi então que pudemos expor a todos os resultados das nossas últimas reuniões e apresentar o esboço que desenvolvemos, do que seria o nosso estatuto. Ainda em 1995, no emblemático dia 18 de setembro, realizamos outra grande festa para a comemoração dos 45 anos da TV, que desta vez aconteceu no Clube Piratininga, na Alameda Barros, em São Paulo. Um baile. Perto de 400 pioneiros compareceram. Eu começava a sentir que a ideia da associação estava sendo assimilada pelos velhos amigos e que finalmente fadava a dar certo. A fim de que essa integração não esmaecesse, passamos a nos ver maior frequência e a pro mover novas reuniões. Criamos então, agora oficialmente, nossa entidade, com o principal objetivo de resguardar a memória da TV brasileira e servir de ponto de encontro dos pioneiros e dos profissionais da televisão. O nome escolhido? Associação dos Pioneiros da Televisão. Por sugestão de Walter Ribeiro dos Santos. Ele achou interessante a sigla APITE. Ele achou, recomendou e nós adotamos. No mesmo ano elegemos nossa primeira diretoria oficial. Realizamos a eleição na sede da Lemos Brito Congressos e Feiras, que ofereceu graciosamente as suas instalações, à Rua 13 de Maio, no então badalado bairro da Bela Vista. Fui eleita presidente e o grande apresentador Blota Jr. primeiro vice-presidente. Fundamos, então, nossa primeira sede, localizada na Rua Homem de Mello, no Sumaré, bairro que por tantos anos abrigou a nossa querida e inesquecível TV Tupi. Realizamos encontros, coquetéis e jantares. Pela primeira vez fizemos um grande show no auditório do Memorial da América Latina, intitulado Noite de Gala apresentado pelo então vice-presidente Blota Jr., destacando as presenças marcantes de Hebe Camargo, Consuelo Leandro, Laura Cardoso e Lima Duarte, entre tantos outros artistas. Nossas reuniões agora eram realizadas periodicamente e contavam sempre com um público maior e cada vez mais interessado na continuidade da Associação, pois isso possibilitava o reencontro de velhos amigos com muitas histórias para contar, muitos fatos a relembrar e, principalmente, pelo congraçamento cada vez maior entre os artistas e técnicos, que foram os grandes pioneiros da televisão brasileira. Discutíamos ideias, projetos e objetivos. Entre eles, surgiu um, que se destacou em meio aos outros e fez brilhar os olhos de todos. A criação do Museu da Televisão Brasileira Ora, se eu havia recebido uma missão de fazer algo pela televisão brasileira, certamente esse era o maior objetivo dessa missão. Deixar para a posteridade um legado do que foi o desenvolvimento da TV brasileira através dos tempos, que graças à reunião dos pioneiros poderia ser contado desde o seu início, coligindo-se figurinos, fotos, equipamentos, enfim, um sem número de itens que poderiam compor o acervo do nosso museu e que pertenciam em grande parte aos nossos próprios associados. O primeiro passo para isso foi registrar o depoimento dos pioneiros em vídeo. Iniciamos em 249 1997 esse processo, afinal, a matéria-prima para esse produto estava bem ali, à nossa disposição e todos dispostos a deixar seu depoimento para as novas gerações. O registro de fatos notáveis da história da TV brasileira, narrados de viva-voz por quem os viveu. Os dez primeiros depoimentos mereceram até uma festa de comemoração, que realizamos em nossa sede. Começamos também a fazer exposições. A primeira, comemorativa aos 47 anos da TV brasileira, foi a maravilhosa exposição cenográfica do nosso saudoso amigo Cyro Del Nero, realizada no Edifício Gazeta com estrondoso sucesso de visitação. No ano seguinte iniciamos as exposições de fotografias com nosso imenso acervo. A de maior sucesso aconteceu no Shopping Raposo Tavares, que contabilizou o expressivo número de 3.000 visitantes. A APITE seguia de vento em popa. Mas sua sigla não. Não havia uma única reunião ou encontro, onde ela não fosse comentada negativamente. E isso iria gerar ainda alguma polêmica, principalmente depois que a Lia de Aguiar, solícita, nos trouxe de presente uma placa de ferro com a sigla da associação. Não demoramos a descobrir a origem da placa. Pertencera a uma estrada de ferro e era utilizada próxima à estação para avisar o maquinista para acionar o apito da locomotiva. Aí, de uma vez por todas, a sigla virou motivo de piadas e chacotas. Com isso resolvemos mudar o nome e convocamos uma assembleia geral, onde o nome foi discutido, visando incluir os profissionais e também os simpatizantes da TV, aumentando assim o leque de pessoas que poderiam se associar à nossa organização. Mas o interessante é que o objetivo principal dessa mudança, que seria mudar a sigla, acabou não acontecendo. Sim, ela foi reconfigurada com o novo nome, mas, foneticamente, continuava a mesma, porque decidimos nessa assembleia que o nome mudaria para Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira. Incluímos os profissionais e os simpatizantes ou incentiva-dores, conforme fora discutido. Mas com isso só mudamos a sigla de APITE para APPITE. Essa sigla resistiu ainda por algum tempo. Mas durou apenas até a investida de Mauro Salles, um importante homem de propaganda, mas que deu muitos passos na televisão, onde foi diretor da TV Tupi e da Rede Globo e também entre outras coisas benemérito colaborador da APPITE. Depois de se reunir com sua equipe para discutir e chegar a um novo nome, o trouxe e sugeriu em assembleia: PRÓ-TV. Foi aceito por aclamação geral. Afinal, acho que ninguém gostava mesmo de APPITE. Fosse com dois ou com um só p, ninguém gostava. Passamos a ser PRÓ-TV. A entidade que reúne todos aqueles que são pró, ou seja, a favor ou em favor da televisão. Em 1999 comemoramos os 49 anos da TV no Theatro São Pedro, apresentando um belíssimo musical com as grandes vozes de pioneiros, com destaque para Wilma Bentivegna, Sidney Moraes e Alda Perdigão, mas passamos a maior parte do ano planejando e preparando a grande comemoração dos 50 anos da TV, que se estenderia durante todo o ano seguinte. E o ano de 2000 foi verdadeiramente grandioso, afinal de contas, nele, comemorava-se o cinquentenário da TV brasileira. Fico aqui pensando com os meus botões que, se fosse um casamento, seriam comemoradas bodas de ouro. E cá entre nós: não foi um casamento? Um casamento feliz entre a televisão e o povo brasileiro? Foi. Meio século! Todos os dias um novo encontro, com confidências, com sorrisos, lágrimas, jantar em família. A TV está sempre junto de nós. E os 50 anos da TV só poderiam ser comemorados de forma grandiosa. Em 2000, a PRÓ-TV mais do que nunca estava em festa. Trabalhamos incessantemente para realizarmos ao todo vinte e nove eventos naquele ano. Foram 10 exposições de fotos, onde se destacaram: a do Espaço Cultural da Caixa Econômica Federal, na Praça da Sé, que apresentou também figurinos, scripts, joias e outras peças do acervo do nosso museu; a exposição na Avenida Pau-lista, com back-lights, organizada e comandada por Cyro Del Nero; a expofotos do Teatro Municipal, onde realizamos uma noite especial de música erudita ,com orquestra comandada pelo maestro Júlio Medaglia e várias outras festas. Não podemos esquecer da expofotos na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, onde, além da exposição, houve a cerimônia de comemoração do cinquentenário da TV, em homenagem aos pioneiros, presidida pelo Deputado Federal Afanásio Jazadji, onde também se instituiu oficialmente o dia 18 de setembro como o dia da TV em São Paulo. Estiveram presentes nessa importante cerimônia: Lima Duarte, Fernando Chateaubriand (neto de Assis Chateaubriand), Mauro Salles, Tatiana Belinky, Enéas Machado de Assis, Murilo Antunes Alves, Lolita Rodrigues, Alda Perdigão, Carlos Miranda, Marcos Lázaro, Jane Batista, Nicolau Tuma, Antonio Rago, Cesar Monteclaro, Etty Fraser, Norma Avian, maestro Osmar Milani, Paulo Planet Buarque, Marcos Plonka, Mario Fanuchi, Sônia Maria Dorce, Tito Bianchini, Olívia Camargo, Wilma Bentivegna, Regis Cardoso, Inesita Barroso, Abelardo Figueiredo, Ayres Campos – o Capitão 7, Borges de Barros, Clarice Amaral, Cláudio de Luna, João Restiffe, Helio Souto, Luiz Gallon, entre outros 300 pioneiros da TV, que estiveram por lá. Foi uma cerimônia belíssima, onde todos fomos agraciados com uma placa comemorativa e uma medalha com um brasão alusivo ao evento. Toda a festividade foi registrada em vídeo e complementada com diversos depoimentos colhidos durante o coquetel que nos foi oferecido. Esse vídeo faz parte, hoje, do acervo da PRÓ-TV. Essas exposições permaneceram por todo o mês de setembro nos locais, recebendo uma visitação fantástica. Mais dois shows musicais foram realizados, sendo o primeiro no aconchegante Theatro São Pedro, com a presença do Grupo do Maestro Luiz Torres e o segundo no Memorial da América Latina, organizado e comandado pelo produtor musical Abelardo Figueiredo. Participamos ainda de diversas mesas-redondas e palestras. Tivemos exibições de filmes, relacionados à história da TV e de depoimentos dos pioneiros em diversos lugares. Realizamos os lançamentos dos livros Tupi – Pioneira da Televisão, de autoria de Almeida Castro, que conta com riqueza de detalhes toda a trajetória da emissora e também de 50/50, de autoria de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Curiosamente, esse livro foi uma sugestão minha ao Boni, para que elaborasse essa edição comemorativa, reunindo o depoimento de 50 pioneiros, cada qual representando um ano de vida da TV brasileira. O Boni aceitou a sugestão e elaborou essa obra maravilhosa, com 50 depoimentos. Se vocês lerem esse livro vão ver que, entre eles, está também o meu depoimento. Participamos ainda da elaboração de séries especiais sobre a data, Como TV Ano 50 da Rede Globo e dos debates dos 50 Anos de TV na Rede Cultura. Fechando o leque das comemorações com chave de ouro, realizamos na Sala São Paulo, com apresentação de Hebe Camargo e Lima Duarte, o show Noite de Gala: 50 Anos de TV, que teve o apoio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, na gestão do Secretário da Cultura Marcos Mendonça. Estiveram presentes neste evento, mais de 1.500 convidados, entre eles 400 renomados artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. A TV Cultura gravou e retransmitiu a festa. Nessa festividade, todos os pioneiros da televisão foram agraciados com um diploma, assinado pelo então Governador do Estado de São Paulo, Mário Covas. Fomos procurados por jornais e por emissoras de rádio e televisão que faziam questão absoluta de se unirem à PRÓ-TV para participar desse movimento de exaltação e agradecimento aos pioneiros. A repercussão foi tão grande que fiz questão de contratar, pela entidade, uma empresa de clipping que registrou nada menos do que 980 reportagens sobre as festividades durante o ano, em todo o território brasileiro. Um sucesso retumbante. O ano de 2001 foi um pouco mais tranquilo. Tivemos o lançamento do livro de Almeida Castro no MIS e fizemos também uma linda exposição, contando a história da TV brasileira no Departamento Cultural da Dana Albarus, que aconteceu, porque, durante as festividades do cinquentenário, fui procurada pelo diretor de comunicação e Marketing da Dana, Luciano Pires, que me propôs ser a curadora dessa exposição. Realizamos ainda o show comemorativo dos cinquenta e um anos da televisão brasileira, novamente no nosso querido Theatro São Pedro, que teve a brilhante participação de Inesita Barroso. Quero recordar aqui que, embora sem nenhuma comemoração em especial nem lembrança pelos meios de comunicação, em 2001, o primeiro beijo também completou seus 50 anos. Puxa! Houve, ainda, uma conquista especial que marcou esse ano. Conseguimos, enfim, que a data de 18 de setembro fosse instituída como Dia Nacional da TV Brasileira. Isso foi possível graças ao apoio de um importante deputado federal por São Paulo: Duílio Pisaneschi, o homem que acreditou em nossa causa, apresentou o Projeto de lei 2.249, na Câmara Federal e conseguiu sua aprovação em âmbito nacional. Uma comitiva foi até a Câmara dos Deputados me acompanhando, composta por Paulo Cabral de Araújo, presidente dos Diários Associados, Paulo Machado de Carvalho Neto, presidente da ABERT, além da caravana artística e convidados, como: Geórgia Gomide, Marcos Plonka, Mauro Salles,Thaís Alves, Heitor Gasparinetti, Homero Silva Filho, maestro Júlio Medaglia, Sônia Maria Dorce. Foram todos para a cerimônia em Brasília. Um dia feliz! Fomos recebidos na residência de Aécio Neves, após a parte oficial, realizada na Câmara dos Deputados de Brasília. E lá, nos brindaram com um coquetel festivo. Foi uma data marcante e cheia de emoção. Em 2002, uma crise assolava o mundo, originada pelo ataque às torres gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos. Mesmo assim, uma semana depois do atentado, realizamos a 259 nossa festa de 52 anos da TV, desta vez homenageando a programação infantil da TV, com a presença dos pioneiros que trabalharam no entretenimento do público infantil, entre eles: Tatiana Belinky, que ao lado do seu marido, doutor Júlio Gouveia, idealizou e adaptou o talvez mais importante programa infantil brasileiro de todos os tempos: Sítio do Pica-pau Amarelo. Contamos também com Carlos Miranda, que interpretou a série Vigilante Rodoviário, Ayres Campos o nosso super-herói Capitão 7 e Sônia Maria Dorce, a primeira apresentadora-mirim da televisão brasileira e pequena-grande atriz , nossa Shirley Temple. Em 2003, entramos efetivamente na era digital. Elmo Francfort desenvolveu o Portal PRO_TV, que já havia sido inaugurado anos antes , mas precisava de remodelação. O nosso endereço na internet (www.museudatv.com.br) foi prestigiado. Em 18 de setembro homenageamos os profissionais que fizeram a história do telejornalismo brasileiro, com o show TV, Música e Notícia. Com direção de Marco Beatriz, roteiro de Nelson Natalino e apresentação de Thais Alves e Cláudio de Luna, entregamos o Troféu PRÓ-TV a importantes jornalistas, como José Carlos de Moraes, Hélio Ansaldo, Carlos Spera, Kalil Filho e Roberto Corte Real (in memoriam), Maurício Loureiro Gama, Murilo Antunes Alves, Nicolau Tuma, Saulo Gomes, Afanásio Jazadji, José Paulo de Andrade, Helle Alves, Arlindo Silva, Armando Nogueira, Mauro Salles e Arley Pereira, entre outros. Nessa festa, relembramos os velhos comerciais, que o grande público chamava de reclame, nas vozes de Ricardo Corte Real e sua linda esposa Virginia Rietmann. A noite ainda teve a participação musical dos Três do Rio, Elza Aguiar, Tony Angeli, Santo Morales, Quarteto de ontem e de hoje, Cláudia e Sergio Reis. Uma linda festa. Em 2004, instituímos o prêmio PRÓ-TV, que passou a premiar pessoas que contribuíram com a televisão brasileira de forma relevante. O primeiro premiado foi o apresentador Francisco Gothilfe, que foi homenageado em noite de gala no Clube Nacional em São Paulo. Francisco Gothilfe é produtor e apresentador do programa Mosaico na TV, que está até no Guinness Book como o programa semanal mais antigo da TV brasileira, sem deixar de ser apresentado sequer uma semana. Ainda nesse mesmo ano, receberam o prêmio o violonista Antonio Rago e o produtor Abelardo Figueiredo. Por volta de fevereiro, quando estávamos nos reunindo para discutir sobre o tema que iríamos abordar na festa de 54 anos da TV, fomos procurados por Antonio Vituzzo, o criador do Museu do Cinema Brasileiro. Ele queria nos propor uma parceria. Gostaria de instituir um prêmio, cujo troféu levaria o nome dos irmãos Villas-Boas. Da parte dele, ele gostaria que fosse entregue a nomes importantes do cinema brasileiro e a pessoas que tivessem prestado serviços relevantes à paz. Ele nos apresentaria uma lista de nomes e nós a complementaríamos com os nomes que julgássemos importantes incluir na premiação, por parte da PRÓ-TV. Essa proposta fugia aos padrões estabelecidos, pois teríamos que abrir mão de premiar somente nomes ligados à televisão, propósito primeiro da entidade. Mas Antonio Vituzzo era um homem tão educado, doce, humilde e altruista, que nos foi impossível lhe negar a parceria. Começamos a trabalhar nesse evento, que seria levado a efeito em 11 de setembro, fazendo parte da comemoração do dia da TV. Logo Antonio Vituzzo nos trouxe uma notícia importante: o troféu a ser entregue aos premiados seria uma escultura assinada por Arcangelo Ianelli. Convidado, não quis interferir na produção do evento. Limitou-se a discutir comigo a sua lista de premiados, que era enorme e que fomos obrigados a reduzir. Depois disso apenas acompanhava nossos trabalhos, sem, em momento algum, discordar de qualquer decisão. Seus olhinhos pequenos brilhavam, pois ele já vislumbrava a grandiosidade do evento. Mais do que isso, Vituzzo estava muito feliz, pois com essa festa iria realizar dois sonhos: homenagear seus amigos, os irmãos Villas-Boas, e o cinema brasileiro, a quem dedicou toda a sua vida. Acontece que por um desses caprichos do destino, na reta final dos preparativos, em julho, no dia 24, praticamente um mês antes do evento, recebemos uma notícia inesperada: Vituzzo nos deixara. Morrera sem ver a beleza do evento que ele próprio idealizara e tanto queria realizar. Choramos. Sentimos muito sua morte. Mas concluímos, após longo debate, que a decisão mais certa seria a continuidade do projeto. E assim foi feito. Na noite de 11 de setembro, novamente o Theatro São Pedro abre suas portas para a PRÓ-TV, desta vez, em parceria com o Museu do Cinema Brasileiro, para a entrega do Prêmio Irmãos Villas-Boas – Humanitas, uma noite de celebração pela paz. Realmente foi uma noite inesquecível. Thiago de Mello, poeta amazonense, autorizou Nelson Natalino a utilizar o belíssimo poema Estatutos do Homem como mote do roteiro e novamente com direção de Marco Beatriz, apresentação de Cláudio de Luna e Thaís Alves, tivemos um espetáculo memorável. Não vou citar aqui todos os premiados, mas alguns nomes devem ser destacados: Dorina Nowill, Antonio Goulart, Aníbal Massaini, Doutores da Alegria, Fundação Zerbini – Yvone 263 Capuano, Marcos Mendonça, Marina Villas-Boas, Milú Vilela, Monja Coen, Padre Julio Lancelotti, Projeto Canguru, Ricardo Montoro, Thomas Farkas (fotógrafo, professor, produtor e diretor de cinema), Viviane Senna, Zilda Arns, Lu Alckmin, Augusto Canô (Projeto Luz das Estrelas) e Salomão Esper, entre outros. Abrilhantaram a noite com seus shows o Grupo Arrasta-lata, o grupo instrumental Violinos Internacionais e o coral do Colégio Salesiano. Foi uma festa linda e comovente. Todos os anos a PRÓ-TV comemora o dia 18 de setembro com uma festa especial. Não quero me estender mais, lembrando-os um a um. Foram diversas comemorações, exposições e projetos esses anos todos. Tivemos uma importante parceria com o Grupo Memoriarte, que era formado por Rita Okamura, Dan La Laina Sene e Roseli Biage, para a realização de grandiosos eventos no Espaço Sabina, da prefeitura de Santo André, no ABCD paulista. Ali fizemos várias exposições, tais como O Mundo dos Bonecos, Bonecos do Mundo, exposição que apresentou bonecos de sombra, bonecos-robô, marionetes, fantoches e bonecos de vara, mostrando as diferentes técnicas usadas para criar personagens que fascinam crianças e adultos há mais de três mil anos e que levou ao Espaço Sabina mais de 110.000 visitantes. A exposição De Olho na Terra, visando a conscientização dos visitantes para os problemas que a terra está passando, como o aquecimento global, escassez de água e poluição. E depois a exposição: Música e Educação, com a apresentação de vários instrumentos musicais antigos. Em 2010, para comemorar os 60 anos da inauguração da TV no Brasil, e mais precisamente em São Paulo, realizamos aquela que foi considerada a melhor festa da PRÓ-TV. Foi no Memorial da América Latina, com apresentação de Marcelo Tas e Thaís Alves. Em alto estilo, levamos aos palcos, pois ali existem dois palcos interligados, nada menos que 50 artistas do maior gabarito do Brasil. Pioneiros importantes, como Hebe Camargo, Lima Duarte, Eva Wilma, Regina Duarte, Elias Gleiser, Ana Rosa, Wanderléa, Silvio de Abreu, Vicente Sesso, Márcia Real, Raul Gil, Nicete Bruno, Paulo Goulart, Carlos Nascimento, Cid Moreira, Antonio Abujamra, Ronnie Von, Goulart de Andrade, Laura Cardoso, Jane Batista, Lolita Rodrigues, Inezita Barroso, Silvia Popovic, a cantora Cláudia, o cantor Agnaldo Rayol, a cantora Wilma Bentivegna, o cantor Sidney Morales, Rita Okamura e outros. Da nova geração de artistas, estavam Gabriela Duarte, filha da também pioneira Regina Duarte, Cassio Gabus Mendes, representando seu pai, Cassiano Gabus Mendes, a cantora Tiê, neta de Vida Alves, representando a 3ª geração, além do balê de Maria Pia Finocchio. Compareceram também políticos, como o prefeito Gilberto Kassab, o governador Alberto Goldman e o secretário da Cultura de São Paulo, Andrea Matarazzo, o ex-deputado federal Duílio Pisaneschi, que conseguiu a aprovação em nível nacional do dia 18 de setembro como Dia Nacional da Televisão. A direção de tudo foi do pioneiro Nilton Travesso. Foram mais de quatro horas ininterruptas de show, depoimentos e declarações de amor à televisão brasileira. A PRÓ-TV teve ainda outras importantes conquistas, nesta minha gestão, que eu gostaria de deixar registradas, aqui. Tivemos: O registro da PRÓ-TV pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional, o IPHAN, órgão do Ministério da Cultura do Governo Federal. Com isso, o nosso tão sonhado Museu 267 da Televisão Brasileira passa a ser considerado órgão museológico, abrindo o caminho para a realização do nosso sonho maior. Depois de muita luta da PRÓ-TV, em 29 de maio de 2008, o Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, aprovou a Lei 14.756 que cria o Museu do Rádio, da Televisão e Novas Mídias. Ideia que partiu do projeto de lei do Vereador Dr. Farhat. Em 28 de outubro de 2009, a PRÓ-TV se tornou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), se enquadrando nas novas leis de ONGs. Mas parece que houve alguma compli cação com os papéis para esse registro e fomos desqualificados como OSCIP (por enquanto). Ao longo dos anos, a PRÓ-TV produziu 280 programas Encontro com os Artistas, que foram ao ar pela TV Comunitária de São Paulo, Belo Horizonte e do Distrito Federal. Levamos ao ar, pela Rede NGT, 150 programas TV História, que exibia os depoimentos de pioneiros, gravados para o acervo do Museu da Televisão, além de especiais com séries temáticas como Vozes do Futebol, com depoimentos de Walter Abraão e Silvio Luiz, tivemos também o Alô Doçura falando sobre o seriado romântico de maior sucesso da TV Tupi, com depoimento dos protagonistas John Herbert e Eva Wilma e um especial de Natal falando sobre o início da teledramaturgia na TV brasileira, com um trecho do especial Studium 4 da TV Tupi. Nele, Cleyde Yáconis interpreta a história de Uma Vida por um Fio, com depoimento de Lia de Aguiar que protagonizou o original da TV Tupi e que tive o prazer de entrevistar para o programa. Ainda pelo TV História, em 2006, apresentei um especial com os pioneiros da TV Paulista que comemoraria 55 anos de existência aquele ano. Entre os pioneiros estavam Vera Nunes, Paulo Goulart Filho, Jane Batista, Wilma Bentivegna, entre outros. A PRÓ-TV segue trabalhando arduamente, mantendo os objetivos traçados e vamos com isso deixando, além de tudo o que já descrevemos, um rastro de atividades ao longo do tempo, tais como: Edição e distribuição mensal de 1200 números do Jornal PRÓ-TV, que agora se tornou a revista PRÓ-TV, que pode ser acessada via internet. E que já está no número 92. Preparação, edição e publicação via internet de mais de 2200 biografias no site do museu (www. museudatv.com.br) Entrega de 150 diplomas de honra a personali-269 dades que de alguma forma colaboraram com a PRÓ-TV. Entrega de 48 placas de prata a elementos de diversas categorias da televisão (como: jornalistas, cronistas esportivos, redatores e atores de programas infantis, maestros, etc). Entrega de 48 Prêmios PRÓ-TV, pelo conjunto da obra, a vários nomes importantes da televisão como: Lima Duarte, Eva Wilma, Boni, Glória Menezes, Regina Duarte, Tatiana Belinky, Fernando Faro, Rolando Boldrin, Márcia Real, Geórgia Gomide, Nicolau Tuma, Paulo Goulart, Vera Nunes, Laura Cardoso, Rita Okamura, Eva Wilma, Luiz Gallon, Sonia Maria Dorce, Yara Lins, Maurício Loureiro Gama, Vida Alves, Lolita Rodrigues, além de Francisco Gotthilf (Mosaico na TV), Antônio Rago e Abelardo Figueiredo, já citados anteriormente. Preparamos em parceria com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, o documentário em DVD de 55anos da TV no Brasil. Realizamos mais de 70 exposições de fotos, objetos e figurinos, cerca de 50 palestras, shows, reuniões e almoços de confraternização, 18 cerimônias oficiais, missas, bailes, exposições temáticas, totalizando mais de 300 atividades. Lançamos ou colaboramos na elaboração de vários livros sobre televisão, como: TV Tupi, de Vida Alves; Rede Manchete, de Elmo Francfort; A Queridinha do Meu Bairro, de Sonia Maria Dorce; Glória in Excelsior, de Álvaro de Moya; 50 / 50, de Boni; De Noite Tem..., de Eurico Neiva e Mauro Gianfrancesco; Tupi: Pioneira da Televisão no Brasil, de Almeida Castro; e Pioneiros do Rádio e da TV, de David José. Tudo isso, sem deixar de falar um dia sequer do nosso Museu da Televisão Brasileira. Por diversas vezes, sendo a última em 2010, na festa de 60 anos da TV Brasileira, ouvi de políticos, de empresários, de proeminentes dirigentes de redes de TV, enfim de um sem número de pessoas importantes, promessas de liberação de verbas, de disponibilização de locais, de parcerias e de engajamento na nossa causa do museu. Até hoje recebi todas essas promessas com alegria e esperança, com crédito e desvelo, por quem me prometia o que quer que fosse. As tentativas até hoje, malsucedidas, prefiro esquecer, porque isso é da vida. Continuo acreditando nas pessoas, continuo acreditando no meu sonho e sei que um dia ele se realizará e o nosso museu será erguido, para que todos no futuro se lembrem de nós e saibam do que fomos capazes de realizar. Como vocês puderam ver, durante esses anos todos, em que estive à frente da PRÓ-TV, trabalhei bastante pela televisão. Talvez tenha sido essa a missão que recebi em agosto de 1993, quando ouvi a voz de Cassiano, me intimando: Vida, olhe a escalação! Ouvi, interpretei e obedeci. Foram, até agora, 18 anos de realizações e muito trabalho. Hoje, quando este livro é concluído para publicação, com 83 anos de idade, vou levando a vida até onde ela me permita ser levada, sempre com muita luta, pois foi assim que Deus me concebeu: guerreira e sem medo de viver. Ah, espere! Estou encerrando este livro, em que vou contando aos poucos e desordenadamente minha história, ao meu amigo e diretor da PRÓ-TV, Nelson Natalino, que é também escritor e meu biógrafo nesta obra, mas acho que antes de dar por encerrados nossos trabalhos, preciso acrescentar algo, que é muito importante, posso mesmo dizer, importantíssimo: no mês de agosto de 2011, assinei dois contratos de trabalho, que estão nos levando um pouco mais longe, se não até o museu, o tão sonhado museu, sem dúvida, em sua direção. Vejam: Em 19 de setembro de 2011, fazendo parte das festividades de comemoração de 61 anos da TV brasileira, inauguramos a Cidade da TV, na cidade de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Por que nesse local? Porque lá aconteceu, há muitos anos, a montagem da primeira cidade cenográfica do Brasil, para as gravações da novela Redenção, da TV Excelsior. Depois, nesse mesmo local, o parque Cidade da Criança foi montado e fez um sucesso enorme. Todas as crianças do ABCD paulista, bem como as da capital, lá iam se divertir. Mas o parque foi aos poucos decaindo, e fechou. Pois ele acaba de reabrir, e o Sr. Anael Fael, o novo empresário que assinou contrato com a prefeitura da cidade de São Bernardo para reerguê-la, me convidou e montamos ali a Cidade da TV. Profundamente lúdica, interativa, alegre, voltada aos olhos da família em geral, e das crianças em particular, abriu para visitação pública, em 19 de setembro de 2011. Uma verdadeira festa! Não é uma notícia sensacional? O segundo contrato que assinei, é uma parceria Rede Globo-PRÓ-TV, essa poderosa rede de televisão, para realizarmos juntas exposições comemorativas dos 60 anos da telenovela brasileira. Essa exposição, que estreou no dia 16 de setembro de 2011, em São Paulo, na sede da TV Globo, excursionou pelo Brasil, contando os fatos principais desse produto que conquistou o coração de todos os brasileiros, e que começou pequenina em São Paulo, na TV Tupi, com a novela: Sua Vida me Pertence, em que houve o primeiro beijo da televisão brasileira, que abordamos no Capítulo XII deste livro. Foram mais de 300 mil visitantes e 14 cidades visitadas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Santos, Recife, Teresina, Vitória, Belém, Manaus, Londrina, Curitiba, Porto Alegre e Florianópolis, até 14 de janeiro de 2013, quando encerramos esse ciclo de exposições. As novelas hoje são internacionalmente conhecidas e prestigiadas, pois são feitas com o capricho e a perfeição, que só a TV brasileira sabe ter. Amigo, amiga, você que está lendo este livro e que agora sabe bastante sobre minha vida, não está concluindo comigo? Viver é bom demais e não há por que ter medo de viver. Vamos em frente... sempre! Pois sempre alguma coisa boa estará à nossa espera. Eu acredito nisso. Acredite você também. Só assim vale a pena viver. Referências Bibliográficas 1. Tupi – A Pioneira da Televisão Brasileira. J. Almeida Castro – Fundação Assis Chateaubriand 1. Gloria in Excelsior. Álvaro de Moya – Imprensa Oficial 2. TV Tupi – Uma Linda História de Amor. Vida Alves – imprensa Oficial 3. Vida – uma Mulher. Vida Alves – Totalidade Editora 4. A Minha Missão! A Luta de Vida Alves para Erguer o Museu da Televisão Brasileira. Vida Alves Índice Prefácio – Vida, sem Medo de Viver 5 Introdução 9 A Senhora Televisão 13 Itanhandu 25 A Ponte Rio-São Paulo 33 A Arte Manda Sinais 45 Descobrindo a Magia do Rádio 51 Alçando Voo 57 Uma Foto, uma Desilusão e uma Morte Abandonada 63 1947 – Um Ano Importante 71 As Emissoras Associadas 77 A TV Tupi 87 18 de Setembro de 1950 105 O Trabalho na Rádio Continua 115 Na TV – O Primeiro Beijo 121 As Oportunidades e os Novos Desafios 133 O Jornalismo e o AI-5 165 O Jogo da Verdade, uma Verdade e a Saída da Tupi 177 TV Excelsior 187 A TV Gazeta 199 Em Transição – Outros Rumos... 217 À Procura de Novos Rumos 223 A Igreja Messiânica 229 Cursos Vida Alves de Comunicação 235 Novos Sinais 241 Nasce a APITE Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira 245 Referências Bibliográficas 282 Crédito das Fotografias Arquivo pessoal Vida Alves Arquivos PRÓ-TV A Editora agradece quaisquer informações sobre os detentores dos direitos das imagens não creditadas neste livro, bem como de pessoas não identificadas nas fotografias, apesar dos esforços envidados para obtê-las. © Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2013 Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Natalino, Nelson Vida Alves : sem medo de viver / Nelson Natalino – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2013. 288 p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-631-0 1. Alves, Vida, 1928 – Brasil – Biografia 2. Atores e atrizes de teatro – Brasil – Biografia 3. Atores e atrizes de televisão – Brasil – Biografia. II. Ewald Filho, Rubens. III. Título. IV. Série. CDD 791.092 Índice para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia 791.092 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do organizador e dos editores Direitos reservados e protegidos (lei nº 9.610 de 19/02/1998) Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009 Impresso no Brasil 2013 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP sac 0800 01234 01 sac@imprensaoficial.com.br livros@imprensaoficial.com.br www.imprensaoficial.com.br/livraria GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Edson Aparecido Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Marcos Antonio Monteiro Coleção Aplauso Série Perfil Coordenador geral Rubens Ewald Filho Projeto gráfico Carlos Cirne Editoração Selma Brisolla Tratamento de imagens José Carlos da Silva Revisão Wilson Ryoji Imoto CTP, impressão e acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Formato 12 x 18cm Tipologia Frutiger Papel capa triplex 250g/m2 Papel miolo offset 90g/m2 Número de páginas 288