Ozualdo Candeias Pedras e Sonhos no Cineboca Ozualdo Candeias Pedras e Sonhos no Cineboca Moura Reis Imprensa Oficial São Paulo, 2010 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador Alberto Goldman Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho No Passado Está a História do Futuro A Imprensa Oficial muito tem contribuído com a sociedade no papel que lhe cabe: a democratização de conhecimento por meio da leitura. A Coleção Aplauso, lançada em 2004, é um exemplo bem-sucedido desse intento. Os temas nela abordados, como biografias de atores, diretores e dramaturgos, são garantia de que um fragmento da memória cultural do país será preservado. Por meio de conversas informais com jornalistas, a história dos artistas é transcrita em primeira pessoa, o que confere grande fluidez ao texto, conquistando mais e mais leitores. Assim, muitas dessas figuras que tiveram importância fundamental para as artes cênicas brasileiras têm sido resgatadas do esquecimento. Mesmo o nome daqueles que já partiram são frequentemente evocados pela voz de seus companheiros de palco ou de seus biógrafos. Ou seja, nessas histórias que se cruzam, verdadeiros mitos são redescobertos e imortalizados. E não só o público tem reconhecido a importância e a qualidade da Aplauso. Em 2008, a Coleção foi laureada com o mais importante prêmio da área editorial do Brasil: o Jabuti. Concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a edição especial sobre Raul Cortez ganhou na categoria biografia. Mas o que começou modestamente tomou vulto e novos temas passaram a integrar a Coleção ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso inclui inúmeros outros temas correlatos como a história das pioneiras TVs brasileiras, companhias de dança, roteiros de filmes, peças de teatro e uma parte dedicada à música, com biografias de compositores, cantores, maestros, etc. Para o final deste ano de 2010, está previsto o lançamento de 80 títulos, que se juntarão aos 220 já lançados até aqui. Destes, a maioria foi disponibilizada em acervo digital que pode ser acessado pela internet gratuitamente. Sem dúvida, essa ação constitui grande passo para difusão da nossa cultura entre estudantes, pesquisadores e leitores simplesmente interessados nas histórias. Com tudo isso, a Coleção Aplauso passa a fazer parte ela própria de uma história na qual personagens ficcionais se misturam à daqueles que os criaram, e que por sua vez compõe algumas páginas de outra muito maior: a história do Brasil. Boa leitura. Alberto Goldman Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo culturalparaesse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Introdução Filmes verdadeiros como pedras, livres como sonhos compõem, na opinião do crítico francês André Bazin (1918-1958), a obra do austríaco Eric von Stroheim (1885-1957), diretor e roteirista que Hollywood aprendeu a odiar ainda nos tempos do cinema mudo e amaldiçoou no início dos anos 1930. Banido como diretor, Stroheim sobreviveu como ator e habita a memória dos cinéfilos, sobretudo, como o mordomo-motorista apaixonado que reassume sua postura de cineasta e ordena luz, câmera, ação à enlouquecida Norma Desmond de Gloria Swanson na seqüência final do clássico Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), de Billy Wilder. Em comentários publicados no final dos anos 1940, Bazin observou que a obra de Stroheim é daquelas que pertencem legitimamente aos críticos e cineastas, pois é muito mal conhecida por todos os que não viveram com atenção o tempo muito breve em que circulou nas salas de cinema. Seus filmes são dos mais difíceis de rever; essa obra relativamente curta e fulgurante quase que só existe na memória dos que ela deslumbra e provoca respeitosa admiração, assinalou Bazin nos comentários, reunidos por François Truffaut no livro Le Cinéma de la Cruauté. Editado na França em 1975, o livro foi lançado no Brasil em 1989 com a tradução literal de O Cinema da Crueldade. Nas asas da universalidade do cinema e da qualidade dos escritos que superam as barreiras do tempo, as diferenças culturais e econômicas e as distâncias entre países e povos, esses conceitos do crítico francês – para muitos, o mais importante de seu tempo – sobre o austríaco autor de nove filmes realizados em Hollywood de 1918 a 1933, entre os quais o mítico Ouro e Maldição (Greed, 1923), definem, com extraordinária precisão, a obra do brasileiro Ozualdo Candeias. Autor, coincidentemente, de nove filmes de longa-metragem realizados na Boca do Lixo, em São Paulo, de 1967 a 1992, tem como principal referência o igualmente mítico A Margem, forte, fantástica e pungente crônica de vida e morte na Marginal do Tietê. O extraordinário da precisão com que os conceitos de Bazin sobre a obra de Stroheim se aplicam à de Candeias – que inclui três médias-metragens, um episódio e dezenas de documentários – decorre também do fato de que, personalidades muito diferentes, os filmes de cada um foram feitos, mais do que em tempos e continentes distintos, em condições diametralmente opostas. Considerado gênio por muita gente boa, como Vinicius de Moraes, Stroheim era visto por outros tantos como impostor, pois se apresentava como oficial prussiano descendente de nobres da corte de Viena quando, na verdade, era filho de judeus pobres. Foi odiado pelos grandes estúdios americanos por suas extravagâncias caríssimas. Memórias do cinema que se tornaram quase lendas de Hollywood registram que ele chegou a torrar mais de 1 milhão de dólares, no início dos anos 1920, na construção de cenário que reproduzia a fachada de um palácio europeu. Truffaut o definiu no prefácio aos comentários de Bazin como o cineasta menos elíptico do mundo pois fazia durar 50 minutos as duas ou três tradicionais cenas de introdução que seus colegas liquidavam em menos de 10. Sua versão de Greed tinha oito horas e foi, como a maioria de seus filmes, literalmente picotada pelos executivos hollywoodianos. Banido pelos estúdios da função de diretor, ganhou a definição de maldito e passou o resto da vida interpretando, quase sempre, vilões. Sargento da Aeronáutica nos tempos da Segunda Guerra Mundial e depois caminhoneiro, Ozualdo Ribeiro Candeias morreu em fevereiro de 2007 sem saber ao certo quando nem onde nasceu. Registrado em 1922 em Cajobi, cidade paulista da região de São José do Rio Preto, revelou nos depoimentos para este capítulo da Coleção Aplauso que supunha, com base em conversas com sua mãe, ter nascido logo depois da Primeira Guerra Mundial, talvez em 1918 em algum lugar do Estado de São Paulo ou de Mato Grosso. Esse lugar, acreditava, dificilmente seria a Cajobi onde foi registrado. Com franqueza contagiante, contou que só concluiu o curso secundário e trabalhou como office-boy para custear aulas de perito contador, datilografia e taquigrafia. E que se interessou pelo cinema após comprar uma câmera com o firme propósito de registrar a passagem ou pouso de discos voadores em alguma estrada que percorria, solitário, na boleia de seu caminhão, no final dos anos 1940 e início dos 1950. Fez filmes sem nenhum glamour. As produções eram quase sempre tão paupérrimas que o obrigavam a filmar uma única vez a maioria das cenas, pois só dispunha de pontas e sobras de filmes virgens. Apesar dessa penúria, seus filmes entusiasmaram críticos e plateias especiais de cinéfilos pela originalidade, criatividade, experimentação, olhar crítico, visão política e sentido poético. Sob o rigor da censura do regime militar, Candeias foi estigmatizado pelos circuitos de exibição comercial. Ganhou a definição de marginal, ou o mais marginal dos diretores da Boca do Lixo, o peculiar e ativo ciclo de produção de filmes em São Paulo, que se estendeu do início dos anos 1960 a meados dos 1990 e que teve seu epicentro na Rua do Triunfo, no bairro de Santa Ifigênia. Um artista instintivo e impetuoso, o talento à flor da pele, portador de um sentido poético perfeitamente raro, escreveu o crítico Antonio Moniz Vianna – um dos mais respeitados de seu tempo – ao comentar A Margem em abril de 1968 no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, na época, um dos mais influentes jornais brasileiros. Moniz Vianna considerou o filme ponto de afirmação do cinema nacional e indiscutivelmente o melhor produzido no País em 1967, pela audácia do realizador que, partindo do plano realista mais brutal, às vezes necessariamente sórdido, não vacila em ascender de repente a um plano surrealista. Os aplausos ao filme de estreia de Candeias na direção de longas se estenderam e se estendem até hoje a outras obras marcantes do diretor, especialmente A Herança, de 1971, ousada, original e muito simples transposição de Hamlet de Shakespeare para o interior do Estado de São Paulo da primeira metade do século XX. Fiel à trama shakespeariana, o filme se distingue de outras adaptações cinematográficas, como a clássica de Laurence Olivier, de 1948, ou suntuosas como a de Franco Zefirelli, de 1990, com Mel Gibson, ao substituir os diálogos por sons brasileiríssimos – canto de pássaros, rosnadura de animais, acordes de viola. Uma ousadia, considerando-se a origem teatral e, acima de tudo, o texto de uma divindade da estatura do inglês William Shakespeare. Mas uma ousadia que não agride, inclusive ao incluir legendas como nos filmes mudos e avançar a narrativa cantada por violeiro. Aliás, a única voz do filme, o que, de certa forma, remete a Tempos Modernos, de Charles Chaplin, de 1936. Não faltam aplausos também para Aopção ou as Rosas da Estrada, de 1981, sofrida crônica de mulheres boias-frias que se prostituem nas beiradas de rodovias movimentadas, embaladas no sonho de embarcar num caminhão que as leve para a grande cidade onde, fatalmente, se transformarão em manchetes de jornais populares. Ainda hoje se cobrem de elogios seus médiasmetragens Zézero, de 1974, e Candinho, de 1976, antecessores de Aopção na abordagem política do tema da sofrida migração dos pobres em busca do sonho de felicidade na grande cidade. Reverencia-se Senhor Pauer, filmado em Curitiba em 1988, crônica igualmente política sobre as desigualdades sociais durante uma greve de ônibus. Aplausos também não faltaram a vários títulos de sua extensa lista de documentários e curtas-metragens, entre os quais A Visita do Velho Senhor, de 1976, instigante e original narrativa de brutal visita de um homem a uma prostituta, e Lady Vaselina, de 1990, adaptação em vídeo de texto de Tennessee Williams sobre o conflito de uma prostituta e um escritor decadentes com a locatária. É, no mínimo, inteligente, senão brilhante, exercício de linguagem. São filmes, aplicando-se as definições de André Bazin em relação à Stroheim, verdadeiros como pedras, pois rasgam fundo a condição humana, ou desumana, dos sufocados pela pobreza extrema e pela violência e crueldade sem misericórdia. Mas são igualmente filmes livres como sonhos por externarem atmosfera fantástica envolta, não raro, em lirismo. A Margem, por exemplo, foca prostituta negra que batalha pela vida na miséria dominante da Marginal do Tietê e que, em determinado momento, cruza com pequeno séquito de casamento. Candeias capta seu olhar de encantamento, revelador de sonhos de pureza simbolizada na brancura do vestido de noiva. E seu sonho será concretizado por um homem silencioso, de terno e gravata – trajes que indicam origem social e econômica superior ao ambiente mas se transformam paulatinamente em andrajos. Compartilham o vagar na Marginal com um louco que colhe flores nos monturos em volta para oferecer à mulher amada, prostituta loura a quem a grande cidade, quase sempre vislumbrada ao fundo, trata com absoluta crueldade. Os quatro personagens serão passageiros de barco fantasmagórico conduzido por bela mulher. Imagens que, na análise de Moniz Vianna, remetem ao mito de Caronte, o velho e pálido barqueiro do Rio Aqueronte que transportava as almas penadas para o portal do inferno da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Em meio a sorrisos indicativos de satisfação pelos elogios, Candeias me afirmou que nunca pensou na obra de Dante quando escreveu o roteiro do filme. Deixou, com tocante honestidade, de se apropriar de auréola intelectual. Não precisou dessa auréola como não necessitou de palavras para expressar a pureza dos deserdados com o lirismo das flores ou traduzir em imagens brutais a poesia da dor, a fúria e a violência humanas. Seus filmes se caracterizam pela quase ausência de diálogos e pela expressividade do olhar dos personagens. Em Meu Nome é Tonho mesclou ternura e violência num drama de incesto e vingança. Chamou de Rosas da Estrada as prostitutas que em meio à pobreza, agressões e desprezo, não perdem a capacidade de sonhar em embarcar num caminhão para alcançar o imaginado paraíso da grande cidade. Externam esse sonho, sobretudo, no olhar. O cinema é, numa definição clássica, a linguagem do olhar. Candeias expressa essa linguagem com extraordinária simplicidade. Reconhecido por sua criatividade, Candeias se distingue no universo da Boca do Lixo, ou até mesmo muito além das fronteiras do cinema brasileiro, pelo ecletismo no sentido do faz tudo ou pau pra toda obra. O site americano IMDB (Internet Movie Data Base), por exemplo, lista 14 funções exercidas – diretor, roteirista, produtor, ator, diretor de fotografia, cinegrafista, editor, diretor e gerente de produção, desenhista (de cenários e de roupas), diretor de segunda unidade, fotógrafo de cena e assistente de direção. O site só erra ao incluir esta última função. Candeias me disse que nunca foi assistente de direção, mas quebrou galhos para ajudar amigos em situações as mais diversas durante filmagens, desde acertos técnicos de movimentação de gruas e câmeras, a desenhos de cenários e de roupas, iluminação, montagem e tarefas na área administrativa. Com isso, sua filmografia situa-se entre as mais extensas do tempo e universo, considerando-se seus filmes de longa, média e curta-metragem e as variadas contribuições em obras de outros diretores, inclusive as não creditadas. Ao mesmo tempo, Candeias preencheu como poucos a condição de autodidata. Com a mesma ênfase com que dispensou amplitudes intelectuais, discordou dos que o definiram como intuitivo e insistiu que se esforçou muito para aprender a fazer filmes, que estudou o máximo possível e executou cada tarefa com absoluta dedicação. E como escreveu Bazin em relação a Stroheim, a obra relativamente curta e fulgurante de Candeias pertence a círculos restritos dos cultores de cinema. Seus filmes tiveram lançamento comercial muito limitado e alguns nunca foram exibidos fora dos circuitos especiais, cinematecas, universidades e cineclubes. São, portanto, raridades. A Margem, por exemplo, compartilha com o mitológico Limite (1931), única obra de Mário Peixoto, a condição quase unanimidade dos que amam e cultuam o cinema, mas que poucos, muito poucos, assistiram e raros têm condições de ver ou rever. Aliás, ver ou rever os filmes de Candeias transformou-se em uma das principais dificuldades para a conclusão deste item da Coleção Aplauso. Repórter no dia a dia e crítico eventual do Correio da Manhã, vi A Margem em 1968, no Rio, contagiado pelo entusiasmo do mestre Moniz Vianna. Deslumbrei-me com a cáustica beleza das imagens que em alguns instantes se aproximam do sublime Que Viva México, do deus russo Sergei Eisenstein, e a beleza das composições claro-escuro dos semideuses mexicanos Emílio Fernandez e Gabriel Figueroa. Quase 40 anos depois revivi o deslumbramento em peculiar projeção numa parede da Associação Brasileira de Colecionadores de Filmes de 16 mm, no Ipiranga, por bondade e solidariedade cinéfila de Archimedes Lombardi e Antonio Leão. Revi-o, e a outros filmes de Candeias, algumas semanas depois, em vídeo, na Cinemateca, por deferência de então diretora Sylvia Bahiense Naves. O filme continua, não importa a precariedade da produção, das cópias ou das projeções, verdadeiro como pedras, livre como sonhos e um momento sublime do cinema brasileiro. A obra, uma vez criada, foge ao domínio de seu criador, ganha vida própria, afirmou o crítico Paulo Perdigão em ensaio sobre Shane (Os Brutos Também Amam, 1952) e entrevista com George Stevens, na qual o diretor discordou de algumas interpretações sobre o filme. Apesar da posição do autor, Perdigão manteve seus pontos de vista e definiu como apropriação muito pessoal de um filme a liberdade de cada espectador para vê-lo e senti-lo à sua maneira. Com todo o respeito à memória de Ozualdo Candeias e, sobretudo, ao privilégio concedido por ele ao dedicar-me algumas horas de convívio, compartilho o ponto de vista de Moniz Vianna e aproprio-me da barqueira de A Margem como maravilhosa concepção cinematográfica do mito de Caronte da Divina Comédia e da fusão do Aqueronte com o Tietê, em imagens marcantes da cidade de São Paulo dos anos 1960. Felizmente, a obra curta e fulgurante de Candeias pode deixar de ser raridade de difícil acesso e chegar, finalmente, às locadoras de vídeo. Eugênio Puppo, da Heco Produções, batalha para lançar em DVD, no segundo semestre deste 2010, alguns dos filmes de Candeias, primeira parte do projeto que tem como objetivo a digitalização de toda a obra do cineasta. Puppo promoveu, em 2002, a mais importante retrospectiva de Candeias. Realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, a mostra reuniu, pela primeira vez, seus nove longasmetragens e criteriosa seleção de médias e curtas-metragens de ficção e não ficção e de documentários realizados em película e vídeo. Teve uma segunda edição no Rio de Janeiro em 2008 que, como a primeira, reuniu algumas centenas dos muitos admiradores do cáustico, autêntico, difícil, lírico, pobre, criativo, inovador e sempre fascinante cinema de Ozualdo Ribeiro Candeias. A Rua do Triumpho e o Bar do Teixeira Os seis encontros com Candeias foram todos, por sua escolha e decisão, em fins de tarde, no Bar do Teixeira, na Rua do Triunfo, ou Triumpho como preservam as placas antigas que continuam cravadas nas paredes. Paralela à Santa Ifigênia, é uma rua pequena, de apenas três quarteirões, que começa a poucos metros da Avenida Ipiranga e se funde com o Largo General Osório, na esquina dominada pelo prédio reformado e transformado na Escola de Música do Estado de São Paulo Tom Jobim. De construções modestas, a maioria desbotada, algumas caindo aos pedaços, nada lembra os tempos em que a rua foi o agitado epicentro da produção paulistana de filmes batizado de Boca do Lixo, ou Cineboca na carinhosa definição de Candeias. Dos bem cuidados bancos e jardim do pequeno largo, pode-se admirar a nobreza avermelhada da imensa construção de trinta janelas em arco, outrora a sombria sede estadual do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), agora a bela Estação Pinacoteca, vizinha da Estação Júlio Prestes da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, redesenhada internamente para se tornar a majestosa Sala São Paulo. Dos tempos do Cineboca sobrevivem inteiros apenas o Hotel Piratininga, que teve pouca relação com o ciclo de filmes, e o Edifício Soberano, prédio de escritórios cuja denominação remete ao mais concorrido restaurante-bar, pois ponto de encontro dos produtores, diretores, estrelas, distribuidores e até de sonhadores figurantes. Ao lado, funciona há mais de 20 anos uma locadora de vídeos pornôs que, curiosamente, não dispunha, no início deste ano de 2010, de nenhum título da antiga produção local. As demais construções – a maioria sobrados – passaram a abrigar escritórios administrativos ou depósitos de algumas das centenas de lojas de equipamentos eletroeletrônicos e de informática que se tornaram a principal característica da Rua Santa Ifigênia e seu entorno. Perto dali, na esquina das avenidas Rio Branco e Duque de Caixas, Candeias morou nos seus últimos anos e conservou o hábito de caminhar alguns quarteirões até o Bar do Teixeira, no número 137 da Rua Triunfo, agora endereço de depósito de equipamentos eletrônicos. Uma porta larga acessava o pequeno bar, espaço suficiente para o balcão capaz de abrigar três banquinhos e área onde cabiam quatro pequenas mesas e diminuta sinuca. Os seis encontros com Candeias – espaçados irregularmente ao longo do período de maio a outubro de 2004 – se desenvolveram sob a sonoplastia de animadas discussões de torcedores de diferentes times de futebol, conjugadas aos baques secos das bolas da sinuca, seguidos sempre por gritos de satisfação ou palavrões de descontentamento, indicativos, uns e outros, de acertos ou erros na caçapa. Cabelos brancos desalinhados, camisa colorida aberta na correspondência dos dois botões superiores, óculos escuros, Ozualdo Ribeiro Candeias, aproximava-se dos 82 anos, segundo crachá funcional de cinegrafista baseado na Certidão de Nascimento expedida em Cajobi, ou dos 86, de acordo com suas suspeitas acatadas em documentos expedidos pela Aeronáutica e Prefeitura de São Paulo. Tranquilo, espirituoso, falou de cinema com entusiasmo e paixão comoventes. Frequentemente era interrompido pela entrada vagarosa de contemporâneos dos tempos agitados do Cineboca. Identificava alguns e confessava baixinho que não se lembrava da maioria. Respondia aos cumprimentos de velhas senhoras com o tratamento de querida. Esta era muito bonita. Não lembro o nome. Tinha uma bunda que era uma beleza, mas não virou estrela. Só fez algumas pontinhas, revelou em voz de segredo após acompanhar em silêncio a retirada vagarosa de uma senhora de cabelos ralos, excesso de pintura no rosto enrugado, ombros curvados ao peso de uma sacola de frutas e verduras. E continuava cheio de planos, sobretudo de documentários, apesar da consciência de que dificilmente conseguiria dinheiro para realizálos. Não escondeu a nostalgia dos tempos do Cineboca, do qual foi um dos precursores (fez seu primeiro curta, Tambaú, Cidade dos Milagres, em 1955 com o apoio de distribuidores locais), um dos mais emblemáticos realizadores e destacado cultor. Ao longo dos anos do ciclo da produção de filmes, Candeias teve a compulsão de fotografar personagens e ambientes, precioso registro que transformou em dois documentários e um livro com o mesmo título: Uma Rua Chamada Triumpho. Os dois documentários, com fotos de 1969/70 e 1970/71, formam um quadro da realidade ao mesmo tempo pobre, impulsiva e sobretudo criativa e dos personagens ilustres e anônimos do Cineboca. Em dezembro de 1976, Candeias teve a ideia de promover a festa de fim de ano na Rua do Triunfo. Ganhou a adesão da maioria dos personagens do peculiar universo do Cineboca. Na hora da festa, felizmente, a alma de documentarista falou mais alto e, em vez do copo de chope, Candeias empunhou uma câmera. Com a maestria dos poetas, captou a alma dos participantes da comemoração, especialmente a animada premiação dos melhores do ano, como se fosse a hollywoodiana festa do Oscar transposta para as exatas dimensões da Boca do Lixo. Compôs, em imagens soberbas, sonata cinematográfica de 35 minutos a que deu o título de BocadoLixoCinema ou Festa na Boca. Um primor que exala por inteiro a essência humana que povoou a Rua do Triunfo nos tempos do Cineboca e comprova o talento à flor da pele de um excelente diretor de cinema, pois atravessou o tempo e continua impregnado dos muitos cantos, risos, lágrimas e poros da cidade de São Paulo, do Brasil, da América Latina e da enorme porção deste planeta azul a que na época se convencionou chamar de Terceiro Mundo. O livro expressa a criatividade de Candeias, pois ganhou a forma de original álbum de textoslegenda: sobre as fotos ou montagens com personagens ilustres ou anônimos, ele colou os pequenos textos datilografados que se transformaram, a um só tempo, em informativas legendas e em tópicos que contam a história, com observações, comentários, críticas e exaltação ao Cineboca. As atribuições e atribulações do jornalismo – somadas a problemas os mais variados – conspiraram de forma a estender o tempo de edição deste título da Coleção Aplauso. A publicação se faz, lamentavelmente, depois da morte de Ozualdo Candeias, ocorrida em São Paulo no dia 8 de fevereiro de 2007, enquanto percorria o terceiro mês depois do 5 de novembro de seus 84 ou 88 anos. Moura Reis Depoimento de Ozualdo Candeias I – Discos Voadores No momento em que eu tinha caminhão, lá pelo final dos anos 1940 e começo dos 1950, e viajava pelo interior de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, por aí, era também o momento em que estava pintando muito disco voador por aqui. Pelo menos era o que dizia a mídia. Achava aquilo tudo fabuloso porque desde que estava no secundário eu me interessava por Astronomia e imaginava que poderia haver outras civilizações em alguns dos milhões de galáxias do Universo. E passei a imaginar que poderia dar de cara com um disco voador no meio da estrada. E numa dessas viagens, pensei: preciso me preparar porque se flagrar uns caras de outro planeta qualquer dia desses, tenho que ter provas porque, senão, ninguém vai acreditar. Então fui comprar uma máquina fotográfica, pois até aquela altura eu nunca tinha documentado coisa nenhuma. Mas, na hora, resolvi comprar uma maquinazinha de filmar da marca McSonic, de objetiva muito simples, de 16 milímetros. Não era de foco fixo nem nada, só pegava 30 metros. O cara que me vendeu expli cou: Põe isto aqui assim, põe aquilo lá, ajeita o foco que vai dar certo. Em pouco tempo vi que dava certo. Passei a viajar com a maquineta no caminhão e andei filmando as estradas, as cidades, a família, os amigos. Naturalmente nunca encontrei nenhum disco voador, mas descobri o prazer de filmar. Aí, um belo dia, resolvi contar uma história. Juntei um grupo de amigos e saímos pra filmar. Os companheiros acharam muito bom porque eles contavam para a câmera as histórias que eu lhes tinha narrado. Mandei revelar e, quando vi, o filme não era nada do que imaginei. Minha história era uma merda, não servia para nada, tanto que botei tudo no lixo. Aí pensei: preciso ver como é que é isto. Deste jeito não está certo e a coisa é muito mais complicada do que eu estou pensando. Então resolvi estudar e aprender como fazer a coisa direito. Fui na Rua Conselheiro Crispiniano, onde na época estavam as óticas, e numa delas comprei o livro Cine Câmera e sua Técnica, bem didático, sobre filmagens. No livrinho comecei a aprender o que era diafragma, fotômetro, quadro, essas coisas todas. Adquiri muitas outras obras sobre técnica de cinema, perto de uns cinquenta, acho, alguns sobre diretores russos, como Pudovkin, Eisenstein e outros mais. Tudo em tradução espanhola, porque pra mim essa língua é mais ou menos como o português. Engoli um bocado dessas coisas todas e só parei de comprar livros sobre técnica de cinema quando já tinha feito minha primeira fita de longametragem, em 1967, que foi A Margem. E percebi o seguinte: pra fotografar eu precisava descobrir primeiro o que a máquina fotografa, o que posso esperar dela. Então tinha que saber um bocado de coisas sobre a máquina e sua técnica, como poderia fazer uma fotografia tecnicamente boa. Então logo vi o que era a câmera, a montagem e vai por aí afora. São essas coisas técnicas. Procurei aprender tudo isso. Depois comprei um projetor de 16 mm e passei a ver filmes em casa. Alugava aqui na Boca do Lixo, pois a maioria das distribuidoras de filmes já estava aqui. E foi como passei a conhecer pessoas ligadas ao cinema. Vi muitas fitas brasileiras, como Rio Quarenta Graus, do Nelson Pereira dos Santos, que me surpreendeu pela maneira de narrar, e Matar ou Correr, uma gozação do Carlos Manga em cima dos filmes de faroeste americanos, muito benfeita. Então, acho que em 1955, por aí, aconteceu aquela história do padre Donizetti que fazia milagres na cidade de Tambaú, perto de Ribeirão Pre-to. A história se espalhou e a cidade virou centro de romaria. Procurei o pessoal da Polifilmes, aqui na Rua do Triunfo, que distribuía filmes em 16 mm e que eu conhecia, pois alugava fitas deles, e dei a ideia de filmar os milagres do padre de Tambaú. Disse que poderia ir lá e registrar tudo. Então algumas pessoas acreditaram que eu era capaz de fazer um filme documentário e decidiram investir em mim. O Ricardo Paulo Dimbério topou entrar com o negativo e o laboratório. E fui pra Tambaú com minha Multi Maker. Filmei as bênçãos do padre milagreiro, os romeiros, o mercado de venda de santinhos e até o comércio de água-benta. Filmei muito num limpa trilho e dependurado num vagão, para pegar as laterais. Fiz tudo sozinho e as cenas ficaram bonitas. E Tambaú, Cidades dos Milagres, meu primeiro documentário em 16 mm, foi processado e finalizado aqui na Boca com a ajuda do Ivo d’Oliveira, que fez a narração. O filme foi exibido num bocado de cidades do interior e deu um troco pra Polifilmes e pra mim também. Mesmo assim, não me liguei ao trabalho no cinema. Continuei com meu caminhão e no emprego na Prefeitura de São Paulo, que eu tinha conseguido por ter servido durante a guerra. Alguns meses depois do lançamento de Tambaú, o Eliseu Fernandes me falou de um seminário de cinema que estava sendo organizado pelo Pietro Maria Bardi e pelo Plínio Sanches no Museu de Arte de São Paulo, o Masp. Fui lá e me matriculei. O seminário começou com mais de 300 alunos, mas só uns sessenta e tantos passaram na primeira prova. Eu fui um deles. Todos os professores eram profissionais de cinema. Rodolfo Nanni deu aulas de direção; Ruy Santos, de fotografia; Alfredo Palácios, de produção; José Canizares, de montagem. A professora de argumento e roteiro era a Nelly Dutra, uma gaúcha, mulher do Alberto Ruschel, e tinha trabalhado na Vera Cruz, me parece que no departamento de argumentos e roteiros, e ensinava literatura brasileira. Foi a melhor professora do curso. Aprendi muito com ela e, principalmente, comecei a me interessar por literatura brasileira e latino-americana, pois até aquela época eu só tinha lido livros de auto-res estrangeiros, como Dostoievski, Voltaire, Sartre, Freud e até Platão, naturalmente. Passei a ler autores brasileiros, mexicanos, cubanos. Li um bocado. Os Sertões, de Euclides da Cunha, muita coisa de Guimarães Rosa, que é muito bom e descreve um caboclismo mineiro, mas um mineiro de Montes Claros pra cima, mais pra perto da fronteira com a Bahia. Um caboclismo diferente do que eu conheço, que é mais pra baixo, do sul de Minas com São Paulo e Mato Grosso do Sul. Acho Grande Sertão: Veredas muito bom e, pra mim, Riobaldo é o próprio Guimarães Rosa. Andei lendo também Mário Palmério, mas achei muito ruim. Fazendo uma comparação com os filmes de bangue-bangue, diria que o Guimarães Rosa é o bangue-bangue americano legítimo, e o Palmério é o bangue-bangue italiano. Li também uns trinta livros de contos, entre eles os Contos Gauchescos de Simões Lopes Neto, um cara muito bom, do final do século XIX, que fala da fronteira em linguagem regionalista do Rio Grande do Sul. A literatura dele é diferente, por exemplo, da de Jorge Luiz Borges, mas é muito boa. Pensei depois, durante muito tempo, filmar um dos contos dele, Os Cabelos da China, que se passa durante a Guerra dos Farrapos e conta a história de um soldado matador do seu comandante, um capitão, pois este seduzira a filha dele, a china de longos cabelos pretos. Depois que mata o capitão, o soldado faz um par de rédeas com as tranças da filha e dá de presente pro amigo dele, o soldado que conta a história. É bom pra caramba, mas nunca consegui fazer o filme. E gosto muito de Jorge Luiz Borges. Guardo um jornal que publicou um conto dele sobre as origens do tango, que não nasceu na Argentina. É muito bom. Não gosto do Gabriel García Márquez. Na minha opinião Cem Anos de Solidão é cópia do Cândido ou O Otimismo de Voltaire. Voltando ao seminário de cinema do Masp: só 27 terminaram. Fiquei em sétimo lugar. Pra mim foi muito bom. Aprendi mais um pouco de montagem, de iluminação e até de direção. As últimas aulas – dadas na Faap – foram na verdade o começo do curso superior de cinema que funciona lá até hoje. Uns tempos depois do seminário conheci um cinegrafista chamado George Ballardie, filho de pai inglês e mãe italiana. Eles tinham plantação de chá na Índia. O pai morreu, sobrou um troco e ele veio com a mãe para o Brasil. Como falavam italiano, ficou muito fácil aprenderem português. O Ballardie participava como diretor de fotografia de um filme que deveria se chamar Mulheres Modernas, se não me engano, e me disse que precisava de alguém para transportar o equipamento. Entrei na equipe com meu caminhão. Um dia o diretor do filme, que não lembro o nome, me pediu para substituir um assistente que faltou. Ele gostou e no dia seguinte me perguntou se eu era capaz de fazer o trabalho do fotógrafo de cena, que também não apareceu. Respondi afirmativamente e me deram uma Rolleiflex. Gostaram das fotos e me pagaram para continuar até o fim. E foi assim que virei fotógrafo de cena e comecei a trabalhar no cinema. Mas o filme, que contava a história da formação de um time de futebol feminino no Bixiga, parece que nunca foi finalizado. O Ballardie era também repórter cinematográfico. Um dia ele deveria fazer uma matéria, meio sem importância, mas como tinha encontro com a namorada, perguntou se eu podia fazer o serviço no lugar dele. Eu disse que não, porque nunca fizera nada com câmera de 35 mm, que só andei com 16 mm na mão, que o caso do padre Donizeti eu tinha filmado em 16. Mas ele disse: você pode fazer, é só querer e você faz. E eu disse: então me ensina como fazer. Aí ele trouxe a máquina, uma Arreflex, e me explicou como carregá-la, as diferenças da de 16 mm e me deu um rolinho de filme, acho que de 30 metros, que dava um minuto de reportagem. Os produtores não davam nada mais e tinha que se fazer um minuto de reportagem. E me deu a máquina e disse: cuida bem dela. Então foi Ballardie quem me deu pela primeira vez uma máquina de 35 mm. Eu fiz a reportagem. Ele mandou para o laboratório e os caras da revelação gostaram do resultado, disseram que a luz estava equilibrada, pois eu já entendia do negócio do fotômetro, e que o negativo também estava muito bom. Os produtores viram e também gostaram. E daí é que eu vendi o caminhão e virei repórter cinematográfico. Quando saía para fazer reportagem eu experimentava coisas novas, já tentava certo vanguardismo na linguagem. De vez em quando os caras que iam fazer a montagem diziam; tá tudo errado, isto não se faz e que não conseguiam montar. Então eu montava. Outras vezes o responsável pelo texto dizia: com estas tomadas não dá pra fazer um texto. Então eu escrevia também. E passei a fazer tudo: filmava, montava e escrevia o texto da narração. E vai por aí afora. Eu sempre experimentei. Aprendia e depois não me satisfazia em fazer apenas o ensinado, que estava na minha frente, que todos realizavam. Na época só havia a zoom de cinema, muito grande, de cinemascope. Anos depois eu fiz cinemascope, mas naquele momento não sabia nada e decidi aprender. Como não tinha zoom nas câmeras, eu fazia na mão. Andava e fazia uma série de movimentos. Acabei sendo tido como muito bom de câmera na mão porque fazia um bocado de coisas e ficava bonito. As pessoas me diziam que havia algo dentro de mim que talvez transcenda um pouco o técnico. Esta coisa é conhecida como talento para o negócio, sensibilidade, ou seja lá o que for. Diziam que tinha tudo isso porque eu era intuitivo, o que não é tão correto, pois aprendi toda essa coisa de cinema lendo muito, fazendo e tentando melhorar. E descobri que tinha uma certa capacidade pra inventar. Diziam que minhas composições de imagens eram bonitas, que as valorizava muito. Acho que sou um dos poucos caras que perceberam que cada objetiva tem uma razão dramática e que para se usar cada uma delas, seja a grande angular, por exemplo, a grande tela, ou a normal, que em cinema é a de 50 mm, deve haver uma razão dramática. Descobri isso há muito tempo e uso até hoje. Nos anos seguintes trabalhei para um bocado de produtoras de cinejornais de São Paulo, como a Campos Filmes, Primo Carbonari, World Press, Espiral, Linx Filmes, Bandeirantes da Tela, e de outros Estados, como o Notícias Catarinenses e uns de Goiás. Prestei serviços também para o Michel Saddi, um cara de Mato Grosso que inventou a série Marcha para o Oeste só pra ganhar dinheiro. Fiz umas reportagens pra ele – filmava, montava, entregava tudo pronto – mas o filho da puta era duro pra pagar. Os produtores desses cinejornais se aproveitavam de uma lei que obrigava as salas a passar um curta no começo de cada sessão e a pagar nove poltronas por exibição. Com essa garantia, levantavam dinheiro nas cidades e as reportagens viravam matéria paga. Fiz um monte dessas picaretagens, de um minuto, um minuto e meio. Muitas vezes eu escrevia, filmava e montava o cinejornal inteiro. Passei a fazer isso com muita facilidade. Entregava tudo pronto, eles me pagavam e ficava tudo bem. Aprendi a disfarçar a picaretagem, a fazer umas coisas bonitas, a montar o negativo e a fazer a narração direta para o ótico. Com isso, fui aprendendo um bocado sobre montagem e outras coisas mais. Foi uma puta escola. Fiz também reportagens mesmo, de acontecimentos, que não eram matéria paga. Uma vez fui fazer uma matéria para o cinejornal Bandeirantes da Tela, que era do governo do Estado de São Paulo, com o Jânio Quadros, o governador. Ele foi inaugurar uma obra no interior, não me lembro onde, e depois teve uma churrascada e cervejada pros caras da obra. Jânio gostava de tomar umas cervejas e já estava meio alto, à vontade, todo desabotoado, andando pra lá e pra cá no meio dos peões, que puxavam ele pra todo lado dizendo olha aqui governador, vem cá governador. Eu filmei tudo isso. Os caras abriam as cervejas, tomavam um gole e quebravam as garrafas. Pegavam o espeto de churrasco, comiam um pedaço e jogavam fora o espeto quase inteiro. Era bronca deles nunca terem bebido cerveja ou comido churrasco. Tempos depois fui ver Viridiana, do Buñuel, uma de suas melhores fitas, que mostra a filha de uma família rica que ficou com pena dos pobres que passavam fome e resolveu fazer um banquete pra eles. Os caras comeram, beberam e quebraram a louça. Não sobrou nada. A mesma merda que a peãozada fez na churrascada do Jânio Quadros. Por essa época, quando era repórter cinematográfico e estava trabalhando também para algumas agências de publicidade como fotógrafo e modelo, o Banco do Estado de São Paulo mandou uma diretoria pra tomar conta da Vera Cruz, que tinha quebrado e passou a ser de propriedade do banco. A diretoria decidiu contratar alguém que entendesse de equipamentos de cinema. Então me convidaram. Saí de onde estava e fui pra lá pra ser assessor da diretoria da Vera Cruz. Fiquei por lá por uns quatro ou cinco meses vendo os equipamentos e dizendo pra diretoria o estado de cada um deles e pra que servia. Tinha coisas muito boas. Depois fiz também documentários de curta e média-metragem. Não me lembro quantos. Devo ter feito uns 40 e alguns fizeram um sucesso danado, como o da criação da polícia feminina. Foi realizado para o Governo do Estado de São Paulo, agradou e está por aí até hoje. Polícia Feminina é um negócio interessante porque não tem mais nada parecido. Eu encenei como era feita a formação e qual era a obrigação das policiais femininas. Não era só andar de revolverzinho por aí. Elas davam assistência às mulheres e às crianças, às pessoas que estavam meio perigando. Depois mostrava a instrução militar, aquela coisa toda. Fiz outros documentários sobre a criação de institutos, de escolas industriais, de inauguração de estradas e por aí afora. E andei ganhando um bocado de prêmios. Acho que por esses curtas e pelos longas que eu fiz depois, tenho mais ou menos uns 30 prêmios daqui do Brasil e de outros países. Por essa mesma época, viajei com uma turma de uma firma de cinema pela América do Sul. Eles me chamaram porque eu era bom motorista de caminhão e entendia de mecânica. Fomos para a Argentina e subimos os Andes até o Peru. Eu dirigia o caminhão, tomava conta do dinheiro e ainda consegui fazer uns documentários em 16 mm. Quando ainda era cinegrafista, conheci o José Mojica Marins e depois o Augusto Sobrado. No final da década de 1950, se não me engano, eles fizeram Sina de Aventureiro dirigido pelo Mojica e, me parece, com a participação do Luiz Sérgio Person no roteiro, mas ele não quis que seu nome aparecesse nos créditos. Ajudei na produção. Lembro que uma vez até arrumei um gerador pra trabalhar à noite toda, sem pagar. E Sina de Aventureiro deu um bom troco. Relançaram a fita uns tempos depois e ganharam mais dinheiro. E como estavam com recursos sobrando decidiram fazer Meu Destino em Tuas Mãos, que tinha um menino que cantava. O roteiro era do Mojica e do Acácio de Lima, um cara de Ribeirão Preto que fazia parte do grupo de Mojica desde os tempos da Sinagoga, a escola de cinema que eles abriram no Brás. Então o Augusto Sobrado me chamou para ver os locais para as filmagens e preparar a produção. Fiz de graça toda a produção. Só me deram uns cafezinhos. Aceitei fazer tudo de gentileza porque queria aprender a fazer longametragem. E andei até acertando o roteiro de Meu Destino em Tuas Mãos, que o Mojica dirigiu. Depois fiz também a produção de À Meia-Noite Levarei Sua Alma. Preparei a casa do Zé do Caixão com todas aquelas coisas, pedaços de membros humanos, que aparecem na fita. De vez em quando me perguntam se eu fui assistente de direção do Mojica e eu respondo que não. Só organizei a produção, nunca fui assistente de direção de ninguém. Trabalhei em outras produções, como a de O Quarto, para o Rubem Biáfora, e do episódio do Antonio Lima para As Libertinas, um filme em episódios dirigidos também pelo João Callegaro e pelo Carlão Reichenbach. Só fiz porque gostava muito do Antonio Lima, que trabalhava no O Estado de S.Paulo, vinha sempre aqui na Boca e era o único dos três diretores que não estudou em escola de cinema. Nos anos seguintes, depois que já tinha dirigido meus primeiros longas-metragens, continuei fazendo iluminação e câmera noutras fitas aqui da Boca. Lembro de uma de submundo, A Noite do Desejo, dirigida pelo Fauzi Mansur, com quem tinha trabalhado como ator em Sinal Vermelho as Fêmeas. Fiz também a iluminação e câmera de Maria... Sempre Maria, para o Eduardo Llorente, que depois coloquei como ator em Candinho. Fiz outras coisas, ajudei no roteiro e até na direção de outras fitas aqui na Boca, mas não lembro com quem. II – A Margem Quando decidi fazer um filme de longa-metragem não estava a fim de ir atrás de contos de outros só porque tinha lido muitos autores brasileiros e latino-americanos – mexicanos, cubanos, argentinos e outros – depois do curso no Masp. Resolvi então fazer um filme sobre uma realidade nossa, principalmente paulistana, que era o que estava mais perto de mim, coisas que tinha visto e achava que seria importante levar para conhecimento de outros segmentos, de outros estratos sociais. Eu conhecia a Marginal do Tietê, pois morei na Vila Guilherme quando vim de Mato Grosso. Passava pelas pontes do Tietê, pelos cortiços, pelas beiradas do rio e via um bocado de gente andando pra lá e pra cá e fui ver o que esse pessoal fazia. Achei aquilo um pouco curioso. E juntei aquela realidade à dos nossos negros, pois conhecia um bocado de gente que não gostava de negro ou que achava que negro não é bonito. Não acho que isso seja preconceito nem racismo. Ninguém é obrigado a gostar de negro ou de japonês. Não gosta de branco com negrona ou negrão com branca? Tudo bem. Acho que há razões históricas para os problemas de certas etnias no Brasil, como a negra. Quando eles chegaram ao Brasil, boa parte era quase tribal, mas os brancos que já estavam aqui e traziam uma cultura de perto de 8 mil anos, passaram por servos, por escravos, até se tornarem senhores. Então era um povo que tinha muito mais cultura e experiência, transmitidas de geração para geração e eles queriam viver bem. Os negros, que nunca foram ricos em suas origens, chegaram aqui já como escravos, sem direito a nada. E ficaram assim durante séculos. Quando houve a libertação dos cativos, os brancos nada fizeram para que os negros tivessem condições de conquistar a verdadeira liberdade, além da independência formal, oficial. Os negros então tiveram que assimilar o modo de vida e a cultura dos brancos e passaram a acreditar que a única maneira de viver bem era viver como brancos. Alguns fizeram umas tentativas meio engraçadas, como no Rio de Janeiro, onde alguns libertos da escravidão e com vocação pra cômicos andavam de smoking, cartola e bengala e outras coisas, à moda dos brancos. Mas como eram quase todos analfabetos, apenas imitar os brancos não dava em nada. Se fossem todos doutores isto poderia ter sido corrigido e teria dado certo, mas como não eram, os negros, mesmo libertos, ficaram na ponta extrema dos menos privilegiados, num país onde a distribuição de renda é meio dramática. Isso, que atinge também muitos brancos, retardou e continua retardando a verdadeira libertação dos negros, embora aos poucos, nos últimos anos, a situação esteja se modificando. Hoje eu tenho notado que mudou aquela postura do passado em que o negro adolescente tinha certo complexo de inferioridade. Eles são inteligentes, tanto que estão disputando o mercado de trabalho de igual pra igual, provando que não são inferiores, que não precisam deste negócio de cotas pra entrar na universidade, uma coisa que eu acho meio chata porque dá a impressão de que os negros têm um QI pior, o que não é verdade. Mas se isso dá resultado, vai lá e não vou entrar nesta discussão. Então, foi por razões históricas e da presença e importância do negro na formação do Brasil que resolvi botar uma negra na minha primeira fita, A Margem. Inventei a história da prostituta negra que sonha casar de véu e grinalda. Escrevi o roteiro a partir do que vi nas beiradas do rio e li nos jornais. E coloquei um branco com a negra, um burguês que deve ter tido um trauma muito grande na vida e resolveu ir embora para a margem. Só que ele ainda não tinha se libertado da vocação e origem burguesas e ainda andava de paletó e gravata. E completei os quatro personagens principais com um cara meio louco apaixonado por uma mulher branca. Minha proposta na fita era de que todo esse tipo de personagem marginalizado, por vontade ou não, que a gente vê muito por aí, tem tanta dignidade quanto qualquer outra pessoa. Eles agem mais ou menos dentro daquela postura filosófica sartriana, existencialista, de que existem e querem existir, mas não sacrificam a sua maneira de viver, que lhes dá certa satisfação, pelo amanhã. Eles não investem no amanhã, têm os pensamentos no hoje. Eles não querem correr para o amanhã para ser burgueses, ricos, aquela coisa toda. Eles desejam ser felizes hoje. É um negócio inventado por mim e que é meio complicado do ponto de vista da psicologia, mas que foi perfeitamente entendido. Quer dizer, bota-se no mesmo ambiente, com religião no meio, a mulher negra, o burguês, um cara tido como imbecilizado, a mulher bonita que tem que trabalhar e depois vai parar na zona. Mas todos eles com dignidade de gente. E aquela coisa que eu acho muito importante: a relação homem-mulher que cria um tipo de amor, independentemente de suas condições de origem e da cor da pele. Isso eu deixo claro. Eles morrem por causa disto. E como são todos mais ou menos iguais, eles embarcam no mesmo barco. Isso não tem nada a ver com o mito de Caronte e sua barca que leva as almas penadas pro inferno. Aquela história da Divina Comédia de Dante, que alguns críticos andaram falando. Nunca pensei nisso. Naturalmente eu tinha que botar os personagens indo pra algum lugar. Se estivessem numa estrada, poderiam embarcar no mesmo caminhão. Mas estavam na beira de um rio, onde tem barco. E como todo mundo, eles embarcam para algum lugar que, esperam, seja melhor que a beirada do Tietê. Quer dizer, eles vão em busca de dias melhores, atrás de um sonho, porque todos eles sonham e acreditam em seus sonhos: a mulher negra e seu vestido de noiva, o homem que morre para transformar em realidade o sonho do vestido branco, a mulher branca que quer viver, mas vai parar na zona, o louco que lhe dá flores e até o cara que veste um saco de estopa e acredita que é padre. Então eu fiz a fita numa linguagem que ainda não vi no cinema, que é sempre de tomadas subjetivas, não tem tomadas objetivas. Por exemplo: a cena do homem sentado esperando a mulher. Ele está olhando para o chão. De repente, a câmera levanta, e vem a mulher. Aí eu corto, sem mostrá-la mais. E focalizo o homem que vem se levantando e indo ao encontro dela. Depois eu faço um corte e mostro as mãos deles se segurando, as duas mãos andando. Quando ambos aparecem, entram em cena o terceiro e o quarto personagens. Isso é duro de fazer. É pior do que você filmar com uma câmera totalmente invertida, mas eu fiz isto até o fim da fita. No final, quando todos eles aparecem, eu mostro a barqueira que vem com visão de tudo quanto é lado. Mas não é a mesma coisa de outras fitas que costumam chamar de câmarapersonagem, as imagens mostradas do ponto de vista da câmara, pois quando a barqueira aparece, é alguém que está vendo. Um cara chamado Berlamindo Manccini, o Neno, que era cinegrafista da TV Bandeirantes, foi trabalhar comigo, mas quando ele não podia ir porque estava na televisão, eu mesmo fazia a câmera. Botei o nome dele nos créditos, mas eu mesmo fiz a maior parte da fotografia. Quando estava no meio das filmagens, acabou o dinheiro e tive que arranjar um novo sócio. Consegui um troco com as distribuidoras de filmes estrangeiros aqui da Boca, o que ajudou na finalização, no laboratório. Fiz a fita já tentando um certo vanguardismo na temática, na composição dos personagens, na linguagem e na montagem, com metáforas e simbologias. Fez um sucesso danado de crítica, ganhou prêmios. Era uma coisa que ninguém esperava e começaram a me chamar de intuitivo, primitivo, marginal, essas coisas. Numa conversa com um crítico ele me disse que achava a fita espírita e eu respondi que ele estava enganado, pois nunca pensei em espiritismo, mas apenas em contar uma história com uma proposta um pouco mística. Mas ele insistiu no espiritismo. Achei engraçado porque eu sou laico, não tenho nada de espírita, mas se alguém acha que fiz um filme espírita e gosta da fita, tudo bem. Mas também teve muita gente que não gostou. Umas pessoas chegavam pra mim e diziam: o Brasil tem tanta coisa bonita pra mostrar e você faz uma merda destas! Isto não leva a nada. E até hoje eu ouço isto. Reconheço que meus filmes não são bonitos nem engraçados e não me interessa fazer fitas que as pessoas vão ver pra rir, chorar ou levantar o pinto. Eu procuro outro tipo de reação em outro tipo de plateia. Depois da Margem veio a Trilogia do Terror, onde eu entrei só como diretor de um dos episódios. Aconteceu o seguinte: como o Mojica ficou meio na moda naquela época como o Zé do Caixão de Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, com os elogios de todos os lados, disseram que até do Glauber Rocha, dois produtores, um cara do Rio de Janeiro e outro aqui de São Paulo, resolveram fazer um filme em episódios com três argumentos dele, que ia dirigir um dos episódios. Então me chamaram e ao Luis Sérgio Person para dirigir os outros dois. Depois que peguei o roteiro do meu, vi que não tinha nada a ver comigo, com o que eu escrevia. Então eu disse: não vou fazer, isto aqui não tem nada a ver comigo. Mas depois ficou tudo bem. Aceitei reescrever o roteiro respeitando a ideia do argumento do Mojica, de alguma coisa fantástica. Aí inventei O Acordo, a história da mulher com uma filha virgem e faz um acordo com o diabo: pra não ficar velha, ela dá a filha pro diabo. Como tinha que ser um pouco extravagante, eu fiz algumas coisas como mulherada de peito de fora e uns caras grandões maquiados como se fossem mulheres. Inventei um monte de situações de terror fantástico, de sexo, violência, religião, mas com coisas nossas. Acho que deu certo. Logo depois do lançamento do filme eu fui a uma boate, encontrei o Mauro Rosas e ele me apresentou à Cacilda Becker e ao Walmor Chagas como o diretor caipira expressionista do cinema brasileiro. Achei engraçado mas não disse nada. Depois fiz Meu Nome é Tonho, que teve problemas com distribuidores e exibidores. O primeiro, pelo que me lembro, foi em Belo Horizonte. Na metade da primeira sessão do primeiro dia de exibição, o dono do cinema mandou parar, dispensou todo mundo e devolveu o dinheiro das entradas. Mandou a fita pra Brasília com uma carta perguntando se a censura tinha visto aquilo e dando um recado: não é possível passar uma fita destas. Em Curitiba uns caras foram ao secretário de Segurança e disseram que tinha uma fita brasileira que era bom tirar do cinema porque era uma merda. O secretário mandou ver se possuía certificado da censura e, como a resposta foi afirmativa, deixou passar. Também me contaram que no Rio Grande do Sul um dono de cinema do interior passou na distribuidora, em Porto Alegre, numa sexta-feira e disse que precisava de uma fita nacional no fim de semana para cumprir a lei da obrigatoriedade. O distribuidor mandou Meu Nome é Tonho. Quando chegou segunda-feira, o cara voltou furioso, ameaçando todo mundo: vocês estão brincando comigo? me mandam uma fita dessas, isso é uma safadeza, minha cidade é de gente séria, não posso passar uma merda dessas. E devolveu a fita, sem passar na cidade dele. Todos diziam que a fita era erótica e a minha imagem ficou meio pesada. Mas Meu Nome é Tonho não tem nada de erótico. Há cena do bandidão com mulher – uma hora a mulher está em cima dele, outra hora ele está em cima dela, mas os dois estão vestidos. Ele está até de bota e esporas. Acho que o problema é que a fita trata de vingança e incesto. Conto a história de um bando que invade a casa de uma família de sitiantes, rouba tudo, mata, leva uma menina na garupa, mas o moleque da família consegue fugir. Lá pra frente na fita, em determinado momento, aparece um rapaz que ganha uma carreira de cavalos dos mesmos bandidos. Ele vai numa casa de mulheres – eu mostro um cabaré de cidade do interior na época e acho que as cenas ficaram muito bonitas – e conhece uma mocinha que era a preferida do chefe do bando. Ela olhou pra ele e foram pro quarto. Depois que treparam e o rapaz estava pondo a roupa pra sair, ela perguntou o nome dele: Meu nome é Tonho, respondeu. Ela disse: Eu tinha um irmão que se chamava Tonho. Ele perguntou a idade desse irmão. Ela disse: não sei, foram uns caras lá em casa, mataram meus pais, meu irmão fugiu e nunca mais o vi. Tonho sabia que era ele. Então, ali estava o incesto caracterizado. Ele fica com raiva e sai matando para se vingar dos bandidos que tinham destruído sua família. E entra aquele negócio do maniqueísmo. Tonho deve encarar o chefão da quadrilha. Chega a cavalo atirando e mata o bandidão. E mostro cenas de violência: ele pega um dos comparsas, dá porrada no cara, deixa-o só de cueca. Quando se prepara para ir embora, a mocinha corre pra ele pedindo me leva, me leva. Mas ele pega o cavalo e vai embora. A mocinha corre atrás dele, a saia levanta e eu mostro ela de frente, sem calcinha. A fita ficou meio pesada pra época. Eu mostrei pros exibidores aqui na Boca e foi uma gritaria. Uns caras foram ao Dops e andaram dizendo que eu era subversivo porque estava criticando o governo. Um bocado de gente disse que aquilo era uma safadeza. O produtor da fita, o Augusto Cervantes, me disse: você vai me pôr na cadeia.E ficou com tanto medo de buscar a fita em Brasília na censura que arrumou um advogado pra ir junto. O chefe da censura disse pra ele: você vai encontrar o Candeias? Então fala pra ele que os últimos tiros da fita eu dedico a ele. Mas no final não houve nada, ficou tudo bem. Eles liberaram. E Meu Nome é Tonho passou em Brasília por um grande distribuidor-exibidor, dono dos melhores cinemas. Não lembro o nome dele nem da companhia, mas sei que ele ganhou um dinheiro desgraçado, pois a fita foi muito bem. Uns tempos depois passei por Brasília vendendo outro filme que estava fazendo e esse mesmo exibidor mandou me chamar. Eu disse pro cara que estava comigo: Oba! Vamos lá, vamos vender esta outra fita. Achei que estavam querendo lançar outra fita minha. Chegamos na empresa, o cara saiu da sala dele e no corredor me disse: Você é o Candeias? Olha: eu exibi Meu Nome é Tonho, mas nunca mais vou passar outra fita tua porque, por esta fita, você deveria estar na cadeia. Nos meus cinemas filme teu não passa nunca mais. E bateu a porta na minha cara sem dizer até logo. E nunca mais quis passar outro filme meu. Uma tarde, acho que antes desse caso em Brasília, fui a um cinema em Guarulhos que estava passando Meu Nome é Tonho e fiquei por ali observando. Depois que começou a sessão algumas mulheres saíram. No final, grande parte das mulheres que estavam acompanhadas tinha saído do cinema para esperar os maridos do lado de fora. Eu não disse nada, não fui saber o porquê. Acho a fita muito bonita. As imagens têm certo peso que dão um quê de realidade. E de repente começa a parecer que aquilo tudo é verdade e as pessoas se envolvem. Parece que algumas se chocam. Não sei, mas acho isto muito bom. A fita fez um puta sucesso de bilheteria porque tem ritmo, movimento, coisas do bangue-bangue italiano com cavalgadas bem brasileiras. Filmei tudo nos cerrados de Vargem Grande, onde foi realizado O Cangaceiro, do Lima Barreto. III – Hamlet caipira Então tive a ideia de fazer uma adaptação de Hamlet de Shakespeare. E escrevi A Herança, uma adaptação bem rigorosa da peça, mas diferente das outras feitas pelo cinema americano e pelo europeu, que são todas iguais. Eu peguei a história e levei para outra latitude e longitude e cultura diversa, o mundo caipira. Eu quis mostrar que não tem nada disso de que ser caipira é ser bocó. Você pega, por exemplo, o Mazzaropi, que pra mim não é nada. Não se pode chamar aquilo de caipira, é uma besteirada, uma caricatura muito vagabunda. Mas se você pegar o Cornélio Pires você encontra caipirismo, como ele se veste, como come, como fala e age no seu meio. Mazzaropi não tem nada disto, embora quando ele começou na Vera Cruz a turma adaptou o caipirismo dele a determinada angelicalidade, certa inocência do sujeito do interior que chega à cidade grande. Quando ele fez Candinho, no começo dos anos 1950, como o interiorano com seu jeito de falar e de andar, que não estava acostumado com as coisas da Capital, ele foi muito bem. Mas depois o Mazzaropi adaptou o tipo caipira a seu modo. Ele cantava, fazia lá as coisas dele que alguns podem até achar engraçado, mas do ponto de vista da informação geográfica e cultural não vale absolutamente nada. Então peguei o Hamlet, um personagem da corte de uma monarquia europeia na Idade Média, e coloquei numa fazenda no interior de São Paulo nos tempos modernos. Em Shakespeare é um rei que tem um filho. Na minha adaptação é um fazendeiro rico com um filho, Omeleto, que ele manda pra São Paulo pra fazer Direito. Isso acontece sempre pelo Interior: os ricos mandam os filhos estudar na Capital e voltar doutor. Então surgem todos aqueles problemas da peça de Shakespeare: o pai é morto, o tio toma conta de tudo. O filho volta e encontra a mãe com o tio. E vai por aí afora até o final, igual a Shakespeare, quando ele morre no duelo. Só que o meu é um duelo caipira do século 20. Na mesma época em que meu roteiro ficou pronto, acho que no começo de 1969, o Governo do Estado de São Paulo abriu um concurso para financiar quatro roteiros. Entrei com A Herança e ganhei. Não me lembro dos outros três que também venceram. Mas o presidente da comissão julgadora decidiu premiar mais seis roteiros e fazer os dez filmes com o mesmo dinheiro que era para fazer quatro. Então ficou difícil, porque em vez de receber, sei lá, não lembro bem, 80 mil, 100 mil, recebi 20 mil, por aí, o que não dava pra fazer a fita. E saí à busca de sócios aqui mesmo na Boca. Fui conversar com o pessoal da Orwo, distribuidora de fitas russas e que eu conhecera numa festa de cinema. Todos gostaram da ideia e decidiram me ajudar. Entraram com filme virgem, a matéria-prima de que eu precisava e que valia um monte de dinheiro. E o David Cardoso, que já estava acertado pra fazer o Omeleto, me apresentou ao Agnaldo Rayol, que morava numa chácara em Itapecerica da Serra. E eu agradeci, pois com o aval do Agnaldo pude filmar nos locais que eu queria. E ainda teve comida da melhor qualidade pra todo mundo. O Agnaldo então pediu pra fazer um papel e eu dei a ele o do Fortimbrás. E o Agnaldo está muito bem. Então eu botei na fita a nossa questão social da terra: antes do duelo com o tio, Omeleto passa toda a sua herança para quem trabalha na terra. Aí eu mostro os beneficiários. Quando o tio chega, ele já deu as terras. O tio fica puto da vida e chega na orelha dele e grita: filho da puta. Você lê na boca dele. Isso não tem no original, é claro, mas eu botei na fita, no meu Shakespeare caipira, interiorano, tanto no sentido geográfico quanto cultural. Quando viram A Herança, meu Hamlet caipira, uns caras disseram que eu tinha avacalhado a peça de Shakespeare. Então falei: vocês estão muito enganados. O Hamlet pra mim é um puta babaca, se visto no lado social, e eu dei uma dignidade para a morte dele. Antes de morrer, pegou as terras dele e deu para aquele pessoal que trabalha. E o pessoal que trabalha, os caras que eu botei como essas pessoas, são os mais fodidos possíveis. Então o que eu fiz foi livrar a cara do Hamlet e vocês ainda vêm aqui me encher o saco? Acho que aquilo impressionou todo mundo, tanto quenuncamais ninguémme criticou,em Porto Alegre, aqui em São Paulo ounoutros lugares, dizendo que eu tinha avacalhado Shakespeare por ter feito de Hamlet um caipira do interior de São Paulo. E eu gosto da fita também porque acrescentei coisas, vanguardismos. Botei a Ofélia negra, tirei todos os diálogos – você não ouve o que os personagens falam – e coloquei relincho de cavalo, canto de pássaros e outros sons, inclusive cantoria de violeiro. Como tinha feito o enterro da Ofélia carregada numa rede, pensei em colocar o Omeleto num carro de boi. Mas uns caras queriam 200 cruzeiros ou cruzados, sei lá, o dinheiro da época, pelo aluguel dos bois, e eu só tinha 20. Então decidi: vai sem bois. Consegui uma carreta emprestada e fui ver como fazer sem os bois. A gente tinha umas vinte pessoas pra fazer os acompanhantes do enterro, mas vi que estavam muito arrumadinhos. Não era aquilo que eu queria. Então escolhi quatro caboclos para puxar a carreta, o que não dava pra fazer com aquelas roupas. E enquanto eles se ajeitavam, tiravam os paletós, ficavam só de calças, eu fui ver como filmar o enterro. Encontrei uma subida e aguardei a posição do sol. Botamos o Omeleto em cima do carro. O David Cardoso ficou assim meio caído, de braços abertos, e eu peguei um contraluz muito bonito e filmei os quatro caras puxando a carretinha, caminhando contra o sol. E foi então que tive a ideia de botar uma legenda no final: e o resto é silêncio. Achei melhor colocar outras legendas pra facilitar a exibição. A fita passou em cinema de arte aqui em São Paulo e em outros lugares, acho que inclusive no Rio Grande do Sul. Andei ganhando uns prêmios, até da Air France e da Dinamarca, como melhor adaptação da peça de Shakespeare. Mas umas pessoas criticaram dizendo que o final foi muito elaborado. E não foi nada disto, mas por falta de dinheiro. É assim que eu faço: penso numa coisa. Deu pra fazer, tudo bem; caso contrário, vou ajeitando e vamos tocando. Na Margem também teve isto. Para a cena do enterro da mulher loura, eu tinha umas cinquenta pessoas pra acompanhar e carregar o caixão. A gente estava em Guarulhos, a putanhada foi beber uma cachaça e ninguém voltou. O caixão ficou lá, no chão, e eu resolvi filmar com o que tinha: o Bentinho, que faz o doidinho apaixonado pela loura, e um negrão que era assistente de coveiro e entendia de defunto. E até achei melhor porque não tive que pagar almoço para aquele pessoal todo. Depois do Hamlet caipira fiz Caçada Sangrenta, um filme de ação passada quase toda em Mato Grosso com o David Cardoso, que é também o produtor. Disseram que era fita de encomenda e que foi feita do jeito que o David queria, o que não é verdade. Ele me convidou para dirigir, aceitei e fiz do meu jeito. Ele me disse que o governo de Mato Grosso tinha interesse e entrava com o dinheiro. Então inventei a história do homem que rouba uns dólares de uma mulher que depois é assassinada e ele se torna o principal suspeito. Foge e é perseguido. Quando fiz o roteiro já botei a perseguição em vários locais do interior de Mato Grosso. Filmamos tudo em cores num monte de lugares de Campo Grande, Aquidauana e Corumbá, pois naquele tempo Mato Grosso era um só Estado. A fita deu um bom dinheiro e todo mundo ficou satisfeito. Foi a mesma coisa uns anos depois com A Freira e a Tortura, com o David Cardoso, que também produziu e que eu adaptei da peça O Milagre da Cela, de Jorge de Andrade. O David foi buscar a Vera Gimenez, muito boa e bastante profissional. Foi muito bom trabalhar com ela. Não tenho do que reclamar, como não me queixo de ninguém, pois coloquei minhas metáforas pra contar a perseguição de um delegado a uma freira durante o regime militar. O delegado entra numa favela e um cara pega uma malinha e sai correndo. Depois a freira tira um negócio da bolsa, entrega pra um cara e vai embora. O policial desconfia e diz: olha, você se diz freira, eu acho que você não é nada disso. Eu quero saber o que anda fazendo porque está muito bonita pra ser freira e eu não estou acreditando nessa. E diz que subversivo é igual a relógio: gosta de trabalhar de graça. Depois o delegado bota a freira na cadeia e começa a interrogar. E faz as torturas, o tal do telefone. E acontece a ligação amorosa entre eles, até que um dia ele morre e depois ela morre também e eu faço outra metáfora. No final os dois estão correndo pelados e muito contentes, porque são eles mesmos e vão embora. Não importa se estão em direção a alguma coisa. É a mesma situação da Margem: todo mundo contente, indo pra algum lugar. É claro que é uma metáfora que eu uso pra dar a ideia de que as pessoas não são exatamente aquilo que a roupa lhes parece. Como o padre pode não ser religioso, a freira também não é bem isso, e o delegado passa longe daquilo que aparenta. São simbologias e isso agradou a um bocado de gente. E teve muitos planos difíceis de fazer, mas que ficaram muito bons. Por exemplo: quando o delegado vai com a mulher em casa e ela vai tomar banho, a câmera segue pela casa toda até mostrá-la se enxugando. Isso tudo, na mão. E tem uma cena em que uma mulher está dançando e a câmera acompanha todos os movimentos. Acho que também ficou bem feita, muito boa, de maneira que o filme tem essas coisas. A fita ficou um tempão para ser liberada pela censura em Brasília porque critica o governo militar. Acho que foi a única fita aqui da Boca a tocar no assunto da tortura. Nunca vi nenhuma outra por aqui. O pessoal não era politizado e tinha muito medo. Antes da Freira e a Tortura, eu fiz, nos anos 1970, três médias-metragem criticando o governo militar por determinadas atitudes que havia tomado e que eu não concordava, pois acho que foram decisões que prejudicaram o povo: Zézero, Candinho e Senhor Pauer. Fiz tudo com a câmera nas costas e dei o título de Trilogia Proibida. São metáforas sobre os explorados, como o catador de papel, o operário de obra, os caras que põem o dedo pra receber o salário porque não sabem escrever, assinar o nome, que têm armas pra reagir, mas ficam com medo. Zézero deixou a família e veio para a cidade grande como operário de obra. O governo inventou a Loteria Esportiva. E muitos caras deixaram de comer pra jogar na loteca, como já tentavam a sorte no jogo do bicho e compravam carnês do Baú da Felicidade. Todo mundo dizia que ele nunca ia ganhar, mas um dia ganhou. E correu e comprou carro, radinho de pilha e óculos escuros. Mas a família já tinha morrido de fome. E tem lá uma Cassandra meio violenta que o iludiu e levou para a cidade grande. É a crítica que eu faço seriamente ao regime militar que inventou a loteca. Mostro na fita o sonho da cidade grande, da riqueza, a questão da exploração do sexo e do dinheiro, da violência, de toda uma sociedade burguesa que toma o dinheiro de quem trabalha. Como coloquei na trilha sonora a música das campanhas do Baú da Felicidade, muita gente pensou que o Silvio Santos tinha subvencionado, o que é engraçado, pois ele nunca iria colocar dinheiro em um filme daqueles. Candinho é um doidinho expulso da fazenda onde mora, que vai para a cidade grande à procura de Jesus Cristo. Eu coloco o poder do fazendeiro e da religião, um falso Cristo e mostro todos eles unidos para explorar as pessoas. Eu botei um diretor de cinema no papel do personagem e ele está muito bem. O Eduardo Llorente tinha feito um sucesso danado com Coração de Luto, com Teixeirinha, e mostrou no meu Candinho que é um ator muito bom. Eu só tive de dar uma cortada no cabelo dele. No começo ele não queria, mas depois viu que ficou muito bom. O último média-metragem da trilogia – Senhor Pauer – se passa em Curitiba durante uma greve de ônibus. Tem um catador de papel e depois um cara burguês, de chapéu, de classe média e até umas vistas bonitas de Curitiba, pois o filme é colorido. Mas é tudo metáfora, simbologias. Muitos não entenderam, por exemplo, a simbologia da metralhadora pendurada na cruz no começo e no fim de Candinho. Como eram fitas de média-metragem ninguém se interessou em exibir e eu nem mandei para a censura. Achei que não valia a pena, pois não iam liberar mesmo e podia me criar problemas. Andei passando por aí, principalmente em universidades, às vezes os três juntos. Uns gostaram mais ou menos, outros xingaram. Um dia me convidaram pra passar as três fitas num debate numa universidade, acho que em Campinas. Cheguei lá e tinha um grupo de direita e outro de esquerda e o pau quebrou. Então me disseram vai embora com tuas fitas. E eu fui embora. Outra vez eu estava numa faculdade em Guarulhos e tinha mais de mil pessoas pra ver meus filmes. Quando eu ia passar Zézero chegou alguém e me disse: tira rápido esta bobina e guarda porque vamos passar outra coisa. E passaram um desenho. Acontecia todas estas coisas. Uma vez fui na USP falar de meus filmes e participar de um debate com alunos do Paulo Emílio Salles Gomes. Assim que entrei, o Paulo Emílio me apresentou e disse que eu ia falar de meus filmes. Então um cara grandão, fortão, se levantou e disse: professor, dá licença, mas eu preciso falar uma coisa. E virou pra mim e disse: olha, eu detesto os teus filmes, são só porcaria e em sinal de protesto em vou embora porque não estou a fim de te ouvir, pois você só vai falar besteira. E foi embora. Mas os outros ficaram. E então passamos um filme que eu não lembro mais qual foi. E depois começou o debate, mas quando faziam perguntas meio políticas, alguém da mesa dizia: muda a pergunta, esta não está boa. Eu percebi que havia um medo do que eu respondesse e não ia dar certo. Alguns eram muito visados naquela época. Mas uns gostaram do filme e do debate, outros não. Tempos depois fui procurado por um grupo de frades franciscanos. Eles me pediram emprestada uma cópia de Candinho pra mostrarem pro bispo deles e discutir o papel social que deviam cumprir. Disseram que queriam que o bispo se conscientizasse da obrigação da Igreja e que não era bem o que estavam fazendo naquele momento. Naturalmente emprestei a fita, mas nunca soube qual foi a reação do bispo. Mais ou menos por essa época, no começo dos anos 1970, se não me engano, fui fazer televisão. O Walter George Durst e o Ody Fraga trabalhavam na TV Cultura e me convidaram para fazer o Teatro 2. Aceitei e fiz O Desconhecido, com a Joana Fomm. Tive liberdade e inventei a história do matador que vai na zona e come uma prostituta. Depois ele acha que é filha dele, fica puto da vida e sai matando quem maltrata mulher. Mais ou menos retomo a situação de Meu Nome é Tonho: quando o cara descobre que praticou incesto fica puto da vida e sai matando. Foi uma experiência muito boa e eu me lembrei de tudo isso porque um dia desses cruzei na rua, aqui perto, com uma moça que andava por aqui na Boca tentando ser estrela. Conversei com ela algumas vezes e dei a ela um papel no Desconhecido. Ela se deu bem com o pessoal da TV, entrou em outros programas e defendeu um troquinho. Chamavam ela de Cigana. Não era muito bonita, mas uma pessoa agradável e ficou muito cotada na televisão. Deveria participar de outros programas, mas sumiu. Isso já tem mais de 30 anos. Outro dia eu a vi na rua, mas ela baixou a cabeça e fez que não me viu. Ela estava empurrando uma cadeira de rodas com um cara muito velho, todo fodido. Sabe o que eu acho? Que numa dessas ela casou com um cara bem mais velho pra garantir casa, comida, segurança, uma vida confortável. Agora o cara está pifando na curva de chegada, que é a curva inevitável. Acho interessante ela ainda estar cuidando do cara, mas como fingiu que não me viu, acho que ela é dessas pessoas que quando acontece algo ruim na vida, não gosta que os outros fiquem sabendo. Eu estou contando isso pra mostrar como a tal da life às vezes é meio filha da puta. Vamos voltar a falar de meus filmes. Eu vou falando à medida que me lembro das coisas. E agora me recordei que no começo dos anos 1980 fiz Aopção ou as Rosas da Estrada. Comecei a fazer a fita por minha conta, máquina nas costas. Na época eu trabalhava também em comerciais, dirigindo ou como modelo – também fiz publicidade, dirigi e fui modelo de comerciais para a televisão – e me pagavam uma parte em filme virgem. Como já era tempo do colorido, as produtoras tinham muito filme virgem em preto e branco estocado e que só era usado no laboratório para a montagem da parte do copião que eles chamam de silêncio. Filmei boa parte da minha fita com as latas e pontas de filme que recebi do pessoal dos comerciais. Mas foi difícil. O dinheiro estava curto e tive até que fazer um dos personagens, o chofer de caminhão que dá comida pra prostituta, porque não dava mais pra buscar outro ator. Ai então consegui um troco da Embra pra finalizar a fita. Mas como eu não tinha firma registrada, fui obrigado a colocar um cara como sócio, que não vou dizer o nome, e o filho da puta me roubou a maior parte do dinheiro. Eram três parcelas da Embra e ele ficou com duas. Mas consegui finalizar. É uma fita toda fragmentada, não tem tomadas longas. Muitos anos depois, fui rever O Encouraçado Potemkin, do Eisenstein. E descobri algumas coisas. O personagem principal nesse filme, na minha visão, é o encouraçado e a fita é toda fragmentada. Em Aopção ou as Rosas da Estrada a personagem principal é a estrada e a fita é toda fragmentada também, mas eu não copiei nada do Eisenstein. Nem lembrei do filme dele quando fiz minha fita. Essa linguagem pra mim era muito mais econômica. E, naturalmente, como sei montar filmes, não tinha problema nenhum. Mas como era em preto e branco ninguém quis lançar. Prometeram que a fita iria representar o Brasil num festival internacional de cineclubes, mas me boicotaram e não mandaram. Mesmo assim, ganhei o prêmio do Júri do Festival de Locarno. Disseram que iam me mandar um troféu e um prêmio em dólares. Nunca vi o dinheiro, mas recebi o troféu, o Leopardo de Bronze. Então retomei de novo o tema e os cenários de Meu Nome é Tonho e fiz Manelão, o Caçador de Orelhas, a história de um bocó analfabeto que sai matando os outros porque precisa de dinheiro. Ele faz esse tipo de serviço porque não sabe fazer mais nada e se alguém lhe dá um troco, continua matando. Não é nem valente tipo Dioguinho ou outros personagens da região. É um cara safado porque só mata pelo troco. Mas isto é de certa forma uma tradição da região dele – cabocla, caipira –, pois caboclo e caipira são a mesma coisa em São Paulo e em Minas Gerais, pois têm raízes na época dos Bandeirantes. Em Meu Nome é Tonho é um cara que se vinga do grupo que mata sua família e toma a terra e tudo mais. Coisas assim bastante comuns no Estado de São Paulo e em parte de Minas. Mas com Manelão, o Caçador de Orelhas mostro o outro lado, o cara que matou pela primeira vez porque precisava curar uma gonorreia. E alguém disse pra ele que o livrava desse mal se ele fizesse um servicinho: matar o cara que comeu a filha dele e não casou. E ele matou. E como aprendeu a matar e outro cara lhe deu uma carabina, continuou o serviço pra ganhar um troco. Esse era um matador safado. E tinha aquele negócio de trazer a orelha como comprovante e vai por ai afora. E abordo também o problema do dono de fazenda com uma população masculina um pouco grande. O fazendeiro manda um jagunço buscar uma mulher na zona da cidade e dizer que casou com ela. Mas como ninguém sabe se é verdade mesmo, a mulher passa a trepar com todo mundo porque, naturalmente, a fazenda onde trabalhava a peãozada ficava meio longe da zona da cidade. Então, com isso, a mulher vai quebrando o galho de todo mundo e o gigolozão, o cafetão, fica por ali, dando uma de marido e ganhando o dele. É uma situação que eu conheci muito bem: o filho da puta que não é de nada, nem de tiro é muito bom, arranja uma mulher bonita e deixa ela dar pra todo mundo e vai vivendo disso. Acho que a fita agradou porque é toda baseada em situações que eu vivenciei, de muita coisa da literatura brasileira que li e de minhas preocupações políticas e até filosóficas. Depois vieram A Freira e a Tortura, de que já falei, e As Belas de Billings, outra fita que eu fiz para a Embra mais para o final dos anos 1980. Eu quis mostrar personagens aqui da Boca e me inspirei num sujeito que conheci aqui, que era quase analfabeto, mas andava com um monte de livros debaixo do braço. Ele tinha livro de Platão, de Sócrates, que ele chamava de Socrátes, e até do Paulo Emílio Sales Gomes. Então criei a história baseada nesse sujeito. Ele tinha duas irmãs. Uma dava pra todo mundo, mas a a mãe segurava a outra porque era virgem e ela achava que para casar bem tinha que ter virgindade. Depois mostro que todo mundo andava almoçando e jantando bem pra caramba. E mostro de onde estava vindo a comida: a mãe ia pros restaurantes de luxo e pedia a sobra de comida, dizendo que era pra dar pros cachorros. Mas trazia pra casa e todos comiam como se fosse banquete. Então mostro que uns comem bem e outros ficam com os restos, o que é uma metáfora. Mas nem todo mundo entendeu e a maior parte da imprensa, da crítica, não gostou. Muitos acharam que eu estava fazendo demagogia. Não era nada disso. Mas não tinha como sair explicando. Eu tinha decidido montar um elenco conhecido para ver se ajudava na bilheteria. Convidei o Almir Sater, já conhecido como cantor, e deilhe um dos papeis principais, do cara que é um entendido, aquele que soluciona seus problemas econômicos resolvendo os problemas sexuais dos outros. O Mojica fez muito bem o papel do pregador. Chamei a Claudete Joubert e o Mário Benvenutti, que tinha feito A Margem. Mas não adiantou. Uns caras sacanearam na estreia. A fita chegou a ser programada, mas cancelaram. Nunca consegui lançar em lugar nenhum. Depois inventei a história do cara do interior que vem tentar a sorte na Capital, mas só consegue emprego de vigilante. Vê tanta barbaridade que a cidade grande acaba criando mais um matador. Mandei o roteiro de O Vigilante para a Embrafilme e foi selecionado. Mas então fecharam a Embra e foi aquela merda. Eu tinha uma parte do financiamento do governo do Estado de São Paulo, que eu não podia devolver. E fui atrás de mais dinheiro pra fazer a fita. Organizei um grupo de atores que topou participar sem receber, mas como todo mundo trabalhava, eu só podia filmar nos fins de semana. As locações eram em favelas de Guarulhos e aqui da Capital. Levei um ano e meio pra terminar a fita do jeito que eu queria, com minha visão da decadência social. Passou no Festival de Cinema de Brasília e me deram um prêmio. Mas os distribuidores me sacanearam e a fita também nunca foi lançada. Depois do Vigilante, ainda nos anos 1990, eu fiz outro filme, mas não assinei. Escrevi o argumento, o roteiro, dirigi a fita toda e fiz a montagem. Não vou dizer que fita é porque vai estragar, vai ficar chato pro cara que assinou. Ele acertou comigo a produção e fomos fazer juntos. Ele só deveria ensaiar os figurantes, mas ficava pedindo pra eu fazer coisas que eu não queria fazer e não me deixava fazer o que desejava. E eu tinha exigências. Consegui filmar tudo e montar do meu jeito. Então ele me escanteou e não me pagou. Tentou montar a fita três vezes e jogou as três cópias fora. Usou a que eu montei. O elenco, o iluminador, o câmera, todo mundo da equipe sabe que ele assinou a fita que eu dirigi e montei. IV – Trabalhando um pouco O certo é que andei trabalhando um pouco e algumas pessoas gostaram do que fiz. E passaram a me chamar de muita coisa. Disseram que eu era intuitivo, o que não é bem assim, porque tudo o que fiz, aprendi fazendo, tentando fazer melhor. E fiz quase tudo em cinema. Fui câmera, iluminador, fotógrafo de cena, fiz direção de produção e a parte administrativa, tomando conta do dinheiro, fiz montagem. Montei uns filmes rodados por outros diretores e ninguém conseguia terminar. Escrevi roteiros que nunca foram feitos e outros filmados por outros diretores. Um deles é A Noite de Iemanjá, dirigido pelo Maurice Capovilla e que eu deveria ter feito. Um caso meio curioso. No começo dos anos 1970, se não me engano, o Rubem Biáfora e o Astolfo Araújo resolveram produzir uma fita chamada Aquela que Vem do Mar e me chamaram pra dirigir. O roteiro tinha sido escrito pela Ida Laura, crítica de cinema do Estado de S.Paulo. E tinha um pedido do crítico Moniz Viana, do Rio de Janeiro, de dar o papel principal, de Iemanjá, para a mulher dele, atriz de teatro. Li o roteiro e disse pro Biáfora que eu precisava reescrever pra ficar à minha maneira, pois do jeito que estava não tinha nada a ver comigo. Pedi pra ele falar com a Ida e ela topou. Então eu mudei o roteiro: em vez de contar a lenda de Iemanjá, inventei a história da filha de uma cafetina de Santos que mete na cabeça que é Iemanjá. Na minha opinião ficou muito bom, mas parece que o pessoal do Rio não gostou, achou meio pesado. Depois o Capovilla reescreveu o roteiro como Noites de Iemanjá e filmou com a Joana Fomm. A Ida Laura ficou como autora da história, do argumento, Como ator eu fiz uma ponta em O Bandido da Luz Vermelha, do Rogério Sganzerla. Apareci como receptador. Depois fiz papéis maiores em outras fitas aqui da Boca: Ritual dos Sádicos, dirigida pelo Mojica; Orgia ou o Homem que deu Cria, pelo João Silvério Trevisan; Dezenove Mulheres e um Homem, que o David Cardoso dirigiu. Trabalhei num papel meio principal em Sinal Vermelho, as Fêmeas, dirigida pelo Fauzi Mansur, a estreia no cinema da Vera Fischer. O David Cardoso contracenava com a Vera e eu com a Marlene França. Mas o papel que marcou mesmo foi o meu. Eu fazia o bravo, o bandidão. Mas não tive nada a ver com a fita. Participei só como ator. Chegava lá vestidinho como mandavam e ficava meio escondido, enquanto preparavam as cenas, pra ninguém me chamar pra fazer outras coisas. Tempos depois revi a fita e achei que estava bem como ator. Acho também que Sinal Vermelho, as Fêmeas é a melhor fita do Mansur e uma das que foram mais bem realizadas aqui da Boca. Por tudo isso, acho esta história de intuitivo uma grande bobagem. Como é que só com intuição você vai fazer alguma coisa no cinema? Você pode até chamar um pintor, um cara que pega um pincelzinho e sai rabiscando, de primitivo, mas em cinema não dá. Pra realizar essa arte tem que ter um monte de equipamento: câmera, moviola, ilha de montagem. Você tem que saber como usar a câmera e a duração da tomada. É o que eu sempre digo: você pode aprender na escola, na universidade, como fazer uma boa fotografia, até como revelar essa foto. Mas pra fazer aquela fotografia que extrapola, que todos dizem oooohhhh!!!!!!, já é outra coisa. Agora, se pra fazer essa fotografia é bom você saber tudo, no cinema deve-se conhecer muito mais, pois irá utilizar uma linguagem, uma câmera que faz 24 fotogramas por segundo e depois você vai juntar cada pedaço para organizar uma ideia. Todos os filmes que dirigi também escrevi o roteiro do jeito que eu queria e imaginei os espaços para filmar. Depois fui procurar esses locais. Se encontrava o que queria, por exemplo, na Praça da Sé, era lá que filmaria. Então era ver como fazer, porque filmar na rua às vezes é complicado ou acontecem coisas engraçadas. Quando estava rodando umas cenas de Zézero na Rodoviária, chamei os atores num canto e estava dizendo pra eles como fazer, quando uns caras desconfiaram, achando que éramos ladrões planejando alguma coisa, um assalto, sei lá, e chamaram a polícia. Então eu tive que explicar pra todo mundo que era uma filmagem, mostrei a câmera, que os caras que estavam comigo eram atores e que eu precisava dizer o que eles deviam fazer. Um guarda não acreditou e mandou parar tudo. Mas apareceu um jornalista do Estadão, o Enio Squeff, me perguntou o que estava acontecendo, eu expliquei e ele conseguiu acalmar o guarda e os outros caras, dizendo que era mesmo uma filmagem, que me conhecia. Mas o guarda continuou desconfiado porque só tinha uns caras feios na filmagem. Outra vez eu estava na beirada do Tietê filmando Candinho. Era uma cena com o Eduardo Llorente, de cabelo cortado, com uma garrafa de cachaça, como se estivesse bêbado, Então parou um carro e saíram uns caras, não sei se eram policiais, perguntando por que estávamos filmando a miséria. É aquilo que já falei: muita gente acha que não se deve mostrar a miséria num país tão bonito como o Brasil, mas só mostrar lugares e pessoas bonitas porque exibir pobreza é coisa de subversivo. Por isso muitas vezes fui chamado de subversivo. Então naquele dia das filmagens de Candinho eu decidi enrolar os caras e disse que estava filmando um comercial, publicidade. Publicidade de quê?, um cara perguntou. De cachaça, respondi. Como, de cachaça? Você vai fazer propaganda da cachaça que um bêbado destes bebe? E continuei enrolando os caras; Não, estamos filmando esta cachaça e este cara bêbado, mas é o fabricante de outra cachaça que está me pagando. O texto do comercial vai dizer: se você beber a nova cachaça X, você não vai ficar igual a este que bebeu a cachaça Y. Eles caíram na conversa e foram embora. Outra vez eu estava procurando um viaduto pra filmar quando vi uma mulher esmolando, com quatro ou cinco filhos. Resolvi tirar umas fotos dela e depois filmar, quando apareceu uma mulher elegante, mandona, perguntando por que eu estava fazendo fotos daqueles pobres. Porque ela pediu e eu vou dar a ela as fotos que ela não pode comprar. Então a mulher elegante perguntou para a pobre: você pediu para ele fazer as fotos? A pobre respondeu: pedi. A mulher elegante foi embora com raiva. A mesma coisa eu sempre faço na escolha dos atores para cada personagem dos meus filmes. Quando encontro um cara que eu acho que pode ser o personagem, olho pra ele, pode ser ator ou não, e eu digo: esse cara vai bem no papel, pelo seu biótipo; agora, vamos ver se ele vai dar certo como ator. E começo a pensar se quer ser ator mesmo, se ele já fez essas escolas mobrálicas que têm por aí e se é capaz de aguentar a chateação. Agora, se já é ator ou atriz, eu falo com cada um: olha, o personagem é meu, não adianta você inventar nada, que não vai dar certo, presta atenção no que eu falo. E não complico, nem mostro o roteiro. Sempre tem dado certo e em um bocado de vezes as coisas saíram melhor do que tinha imaginado. Por exemplo: em Meu Nome é Tonho tinha um cara sem nenhum recurso como ator, mas com uma pinta boa pra ser chefe de bando. Em cima do cavalo, com um lenço no pescoço, era uma beleza. E nem pensei em querer que ele mostrasse reações ou emoções, porque ele não saberia. O Almeida Sales, um grande poeta, gostava do personagem. E na Margem a Valéria Vidal, que era modelo, só com sua aparência, cobria quase tudo o que eu tinha imaginado para a personagem da negra. Então levei tudo dentro dos limites do que ela podia e saiu melhor do que eu esperava. Uma coisa que nunca entendi é por que ela não fez carreira no cinema. Fez pontinhas em umas três fitas e depois não foi mais chamada para nada. O Almir Sater fez comigo seu primeiro trabalho como ator nas Belas da Billings. Como a origem dele é do interior, lá dos lados de Mato Grosso, e já era violeiro, foi fazer esta experiência comigo antes de aparecer na televisão na novela Pantanal. Tem um QI muito bom, não me deu trabalho. Em três ou quatro dias em que a gente estava filmando, ele mostrou que era melhor do que o personagem que eu tinha pensado. Quando pedi pra ele tocar uma guarânia, e ele detesta esse tipo de música, e disse mas, poxa. Então eu troquei a letra, tirei os palavrões e disse a ele: não é tu que está aqui, é o personagem. Ele entendeu e foi tudo muito bem. V – Filmes e público Meu público tem um tipo de preocupação e exigência, pelo menos é o que eu acho. Sempre procurei levar a eles filmes com uma proposta política e social, não simplesmente contar uma história acocôzada ou assafadada. Nunca tive medo da censura ou compromisso com a bilheteria, mas com esse público. E quando esse tipo de espectador vai ver um filme meu, me sinto recompensado porque todos esses filmes fiz porque quis. Achei que deveriam ser feitos. Acreditei que era importante realizá-los, não importa se os outros achassem isto ou não. Continuo acreditando que foi muito melhor dirigir os filmes com o que tinha e como eu podia fazer, do que deixar de fazê-los. Não acho uns melhores do que os outros. Certos filmes só podem ser muito benfeitos, ou não fazem sentido. Mas outros não. Simplesmente precisam ser feitos. Há muitas fitas benfeitinhas, tudo muito bonitinho, mas que não propõem praticamente nada. Simplesmente são espetáculos cinematográficos que o público está acostumado a ver. E há superproduções que são uma merda. Claro que há outros filmes muito bem produzidos e que são muito bons. As minhas películas são quase todas produções de baixo custo que se apoiam na proposta e num certo vanguardismo. Não são fitas agradáveis nem de fácil leitura e fico satisfeito porque algumas pessoas continuam gostando. Outro dia me convidaram para ir a Belo Horizonte fazer uma palestra. Tinha um monte de gente que me aplaudiu de tal maneira que se eu tivesse graça ia ficar sem graça. Tinha lá um cara que estava fazendo mestrado em cinema e que falou dos meus bangue-bangues e disse que nunca tinha visto nada tão bom. Falou de Meu Nome é Tonho e de Manelão. No meio daquilo tudo eu virei pra ele e disse: poxa, eu não sabia que era tão bom. VI – Família Vou falar da minha família. Minha mãe, Alice Souza Ribeiro, tinha uns 16 ou 17 irmãos. Meus avós maternos eram meio fazendeirinhos aqui pelo Estado de São Paulo, para o lado de Olímpia e Rio Preto. O meu pai, Antonio Ribeiro Candeias, era imigrante português e os pais dele, meus avós paternos, se instalaram primeiro no sul de Minas, onde tiveram hotel, depois fazenda, depois sítio, depois perderam tudo e foram morar na casa de um dos meus tios, um dos sete irmãos do meu pai. Eu tive tio pra caramba. Acho que ainda vivem por aí uns quarenta e tantos primos de primeiro grau. De vez enquanto pinta um por aqui. Quando meu pai se casou, andou querendo ficar rico e ficou rodando por aí. Foi para Mato Grosso e depois voltou para São Paulo. Fui registrado em Cajobí, na região de São José do Rio Preto, como tendo nascido em 5 de novembro de 1922, mas tenho a impressão, pelo que minha mãe me dizia, que nasci antes. Pode ter sido em 1918, logo depois da Primeira Guerra Mundial, em algum lugar do Estado de São Paulo ou de Mato Grosso, que na época era um Estado só. O certo é que não sei exatamente quando nem onde nasci nem por que fui registrado em Cajobi. Esta é a minha origem, mas também tenho a impressão de que do lado de meu pai há antepassados árabes ou ciganos, pois guardo na memória acentuadas algumas imagens, como se fossem lembranças genéticas. A primeira vez que ouvi música flamenca, eu me senti por al-guns décimos de segundo dançando dentro da roda de homens e mulheres, mas não sei se eu era um ou outra. Acredito que nestas lembranças genéticas tanto faz ser homem ou mulher. Tenho outra imagem de um casal e um cavalo. Sei que sou um destes personagens, mas não sei se o homem ou a mulher ou o equino. Às vezes até me divirto ao pensar nesta outra possibilidade: e se eu for o cavalo? Acho isso muito curioso, pois eu tenho muito acentuadas estas lembranças genéticas. Vejo certas paisagens, certas ruínas, e eu me sinto um pouco dentro delas. Isso deve ter alguma coisa a ver, creio eu, com paranormalidade. Passei a infância em Olímpia, onde fiz o primário e parte do secundário, pois quando estava no 3° ano meu pai me tirou da escola e viemos para São Paulo. E eu voltei para o 2º ano, onde conseguiram me matricular. Meu pai trabalhava como motorista de praça, minha mãe costurava. Depois que consegui terminar o secundário, como tinha os irmãos menores, fui trabalhar como office-boy para dar meu troquinho em casa. Ganhava 120 mil réis e 100 eu dava em casa. Só ficava com 20. Depois tive que arranjar uns extras para pagar o curso de perito contador. Fiz também curso de taquigrafia e datilografia e entrei na equipe de remo do Clube Tietê. Com 17 para 18 anos já estava competindo e andei ganhando umas provas de 100, 200 e 400 metros. Depois fui embora sozinho pra Mato Grosso e sentei praça no Exército como voluntário, não esperei ser convocado. Cheguei lá, fiz uns cursos e depois de seis, sete meses já ganhava 550 mil réis e podia mandar um troquinho maior pro meu pai e minha mãe. Fiquei uns tempos lá, fiz mais uns cursos. E depois saí do Exército e voltei para São Paulo. Mas pra não ficar levando bronca do meu pai, porque não trabalhava, fui embora pro Rio de Janeiro, com a cara e a coragem. Só ganhei a passagem de trem. Foi quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial e consegui entrar na Aeronáutica, como voluntário. Fiz mais uns cursos de especialização em metralhadoras. Fui mandado para a Base Aérea de Recife e depois para a de Natal. Cheguei a sargento e servi durante o resto do tempo da guerra no grupo comandando pelo brigadeiro Eduardo Gomes. Participei do patrulhamento da costa e de outras operações de guerra e era bom no que eu fazia. Fiquei uns cinco anos na Aeronáutica, mas me enchi e pedi pra me mandarem embora, já que eu não tinha mais comportamento pra ficar. Dava muita alteração. Aí voltei pra São Paulo. Como servi no Atlântico Sul durante a guerra, tinha direito de ser funcionário público em qualquer lugar, independentemente de concurso, e contar em dobro o tempo de serviço militar, para efeito de aposentadoria. Aí aproveitei a chance que apareceu de um negócio meio moleza e entrei pra Prefeitura de São Paulo. Fiquei uns tempos lá. E foi tudo muito bom porque esperei pra me aposentar mais tarde, pra ter um troquinho maior. E foi nesse meio tempo que eu comprei o caminhão. Transportei muita areia para a Companhia City no Butantã, fiz entrega de oxigênio no Rio. E quando passei a viajar pelo interior de São Paulo, Minas, Mato Grosso e Paraná veio aquela história, que já contei, de disco voador. Então fui comprar a máquina para filmar os caras. Como disse no começo da con-versa, nunca vi nenhum disco voador, mas entrei para o cinema e gosto do que faço. Mais ou menos por essa época casei pela primeira vez. Depois descasei e casei outras duas vezes. Tenho quatro filhos. Levo uma vidinha meio barata, sem muitas exigências, que dá para ir tocando, quase sem terra. Teto, eu tenho. Comprei esse teto trabalhando em uma fita americana. Não lembro o título nem o nome dos caras que vieram filmar no Brasil e tinham que contratar certo número de técnicos brasileiros. Entrei como câmera, iluminador e outras coisas mais, contratado por dez semanas. Eles foram me pagando por semana e no final juntei um troco, não me lembro se 40 mil ou 60 mil na moeda da época, e comprei um mocó aqui perto, na Rio Branco com Duque de Caxias. Gosto de morar no Centro, que tem uma arquitetura muito bonita. Andei residindo na Bela Vista e em Guarulhos e há mais de dez anos estou aqui no Centro. Como cidade, eu gosto de São Paulo mais que qualquer outra. Passei aqui a maior parte da vida. É claro que o Rio de Janeiro é mais bonito, não por causa do homo, mas graças à natureza, do mar, das montanhas e tudo mais. E a mais bonita como cidade planejada e construída, com um projeto de arquitetura, urbanização e arborização, é Brasília, com aquelas avenidas com árvores e grama e o azul do céu que é uma beleza. Mas, para morar, é São Paulo. E gosto do Centro, daqui da Boca e deste boteco. Conheço o Teixeira há muitos anos e venho sempre aqui. Gosto da vizinhança. Converso com as pessoas. Outro dia, no mercado aqui perto, disse para a moça do caixa que não sabia se tinha dinheiro para pagar as compras, mas que, se não tivesse, voltaria no dia seguinte, depois de pegar dinheiro no banco, à noite. Ela perguntou por que eu só iria à noite e eu disse que precisava levar ferramentas e demorava algumas horas para pegar o dinheiro. Ela riu e disse que eu estava muito velhinho pra fazer isso. E perguntou quantos anos eu tenho. Respondi que só 85. Então ela me olhou, sorriu e disse que eu estou um gato. Aprendi que a vida é feita de erros e acertos, verdades e mentiras, de momentos bons e maus e é isso que cria esse ritmo. Por exemplo, pra saber que uma coisa é salgada, precisa ter conhecimento de como é um doce. Se você gosta de uma mulher e ela cansa e se manda, pode encontrar outra tão boa quanto ela. A vida é constituída dessas coisas, de erros e acertos. Ela não é linear, é feita de pedaços. Então a gente não tem que se aborrecer com cada pedaço desses quando não nos agrada. Um cara, que está bem dentro do seu universo, começa a ficar com inveja de quem está no universo que lhe parece melhor ou maior. Por exemplo, eu me encontro aqui, nesta Boca do Lixo e estou bem como cineasta, sou um dos bons aqui. Por que vou ficar com inveja dos que moram nos Estados Unidos? Eu quero que eles se danem. Aqui é o meu universo e tenho que tirar partido é disto. Agora, tem gente que se perde um pouco porque não chega a entender que esse é o melhor comportamento. Mas não é por isso que você vai deixar de estar sempre se aventurando. O homem precisa ser combativo e competitivo e ele caminha pra frente exatamente por causa disso. Agora, eu acho que aqui tem umas certas mulheres, umas Marlenes, umas Claudetes, umas coisas bonitas, que são colírio para os meus olhos. E é por isso que eu não preciso de uma Catherine Deneuve, Brigitte Bardot e sei lá mais quem, porque acham que são os melhores colírios. Não são, não. Aqui nós temos bundas muito bonitas. E quem não gosta de bunda? A bunda tem que ser benfeita, precisa estar dentro daquela geometria e bem dividida. Aquelas bundas em que a divisão da polpa, das bochechas, começa a cair, também não têm mais graça. Como todo mundo, eu também acho que tem aí umas caras meio desbundadas que são uma barbaridade. Mas, para existir o belo, deve haver o feio. E eu acho que todas elas podem ser bonitas. Quando vejo mulher que acho horrorosa, é sob meu ponto de vista. A opinião de outro cara pode ser diferente. Eu fiz aquele meu primeiro filme, A Margem, com uma visão subjetiva, e tenho vontade de realizar outro que, além disso, cada um veja as coisas à sua maneira. Um cara está com uma mulher e outro acha-a horrorosa. Mas o primeiro vê nela aquela beleza. Sempre ouvi falar que Deus fez isso, fez aquilo e que Darwin acabou destruindo esse Deus com a teoria da evolução das espécies. Eu acho isso uma besteira. Deus pode até existir – eu não tenho como provar se existe ou não – e simplesmente não ser nada do que o homem pintou com base no que pensam que Ele é. Quando os humanos escreveram a Bíblia e os regulamentos para as igrejas, fizeram segundo as informações que tinham ou achavam que possuíam. E decidiram que o homem tem que adorar Deus e rezar pra Ele, mas tenho a impressão que Deus não precisa de nada disso. Mas tenho todo o respeito a Deus e à Igreja, pois me considero salvo por três milagres. O primeiro, eu tinha um ano e estava morrendo. Até encomendaram um caixão. Minha mãe fez uma promessa à Nossa Senhora Aparecida e não morri, pelo menos até agora. No segundo milagre, estava nadando em Copacabana e a água me levou para o fundo. Aí pedi com muita vontade que Deus me salvasse. Em seguida, uma onda me jogou pra cima e pra frente, pra areia. No terceiro, eu arrumei uma briga desgraçada. Levei e dei tanta porrada que no fim sabia que os caras iam me matar. Eram uns três ou quatro mais fortes e eu já não tinha forças nem pra me levantar de tanta bolacha que eu tinha levado. Então pensei em Deus e em seguida os caras me largaram, saíram correndo, foram embora. Não sei como fiz isso, mas que eu apelei a Deus eu apelei. E deu certo. Estou contando isso porque eu digo pra todo mundo que sou laico, que não me preocupo nem falo muito em Deus. Nunca digo Deus me livre, graças a Deus, Deus lhe pague. Quando alguém me diz Deus lhe pague, respondo: pague você e deixe Deus fora disto. Não é que eu não seja respeitoso com Deus, mas é a minha maneira de ser e é honesta. Eu não acho isso nem bom, nem mau, mas ando vivendo assim e não tenho do que me queixar. Tem gente que pensa que um filho aleijado é um castigo de Deus para os pais. O que tem o filho a ver com isso? Um das primeiras coisas que lembro da infância é de minha mãe dizendo pra mim: fica bonzinho porque se não no Natal o Papai Noel não te trará o presente. Eu já pensava: o menino vizinho aqui do lado é bom, mas é pobre e assim Papai Noel não vai trazer nem um sanduíche pra ele. É isto o que tenho a dizer de minha família, minha infância, o passado. Alguns passados – pra mim – são saudade. Outros, eu deletei. O passado não leva a nada. Se bem que o presente é feito exatamente dos ensinamentos do passado. E vamos ficar por aqui. Não gosto de falar de mim mesmo, do que eu acho, do que penso, estas coisas. Gosto de falar de cinema, dos meus filmes, da Boca, do Cineboca. Então vamos falar do Cineboca. VII – Cineboca O mercado de exibição de filmes no Brasil sempre foi dominado pelas distribuidoras estrangeiras, principalmente americanas, que nunca deixavam espaço para produção nacional e criavam todo tipo de dificuldade para nossas fitas. Criaram uma mentalidade de que filme brasileiro não prestava, que tudo era uma merda. Por exemplo: quando consegui lançar A Margem muita gente me contou que na as bilheteiras avisavam a quem queria comprar o ingresso: é fita brasileira, tem certeza que quer entrar?. Era o mesmo que perguntar: tem certeza que quer ver porcaria? Pra mudar essa situação, os governos tentaram criar incentivos à produção e obrigar a exibição das fitas nacionais, mas o cinema brasileiro nunca teve um público fiel nem regras de proteção. O governo de Juscelino baixou uma lei muito inteligente de incentivo à produção de filmes no Brasil. Criou um imposto sobre a remessa da renda das produções estrangeiras, com uma alternativa: as empresas poderiam optar pela aplicação de 40% do imposto na coprodução de filmes no Brasil. Dessa forma, elas seriam coprodutoras de filmes brasileiros e teriam interesse no lançamento dessas fitas. E não precisava de mais nada para se fazer cinema no Brasil, porque tudo é muito simples: só é preciso que as fitas sejam exibidas e que o dinheiro da bilheteria volte pra se fazer mais fitas. Mas ninguém cumpria essa lei. Então vieram os militares e criaram o Instituto Nacional do Cinema, acho que em 1966. O INC decidiu que todos os cinemas do País eram obrigados a exibir filmes brasileiros durante determinado número de dias por ano. Um dos líderes do grupo que criou o INC, o Flávio Tambellini, garantiu que o instituto ia promover a aplicação da lei do tempo de Juscelino, que permitia que parte do imposto sobre a renda dos filmes estrangeiros fosse aplicada em coproduções e que a sala de cinema que não passasse fita brasileira seria multada ou fechada. E com essas duas garantias começamos a fazer fitas aqui na Boca do Lixo, porque as distribuidoras estavam aqui. A Boca do Lixo não ganhou o nome por causa do cinema, mas o cinema é que ganhou o nome da Boca. Era o cinema da Boca do Lixo, ou o Cineboca como eu gosto de chamar e que muitos passaram a chamar de pornochanchada. Mas que deu certo, porque as distribuidoras e exibidoras perceberam que se coproduzissem passariam a ganhar mais, pois se tornariam também donas das fitas, com maior participação na renda. E um bocado de filmes passou a ser feito com parte do capital vindo das distribuidoras estrangeiras e dos próprios donos dos cinemas. Poucos anos depois o governo militar acabou com o INC e criou a Embrafilme. O Durval Garcia, que era presidente do INC, virou superintendente da estatal. E a Embra passou a tomar conta de todo o movimento do cinema no Brasil, da produção aos festivais. Então aquele dinheiro que era negociado direto com o distribuidor e com o exibidor ficou na Embra, que passou a fazer a coprodução. Mas, para aprovar a coprodução, era exigido do interessado o roteiro e o seu currículo. Então ele devia ter pelo menos um longa-metragem, senão não iam aceitar. Mas, se tivesse sido três vezes assistente de direção de outros filmes, poderia concorrer e se achassem que ele tinha condição de dirigir, aprovavam a coprodução. Eram mais ou menos essas as exigências e naturalmente eles tinham que organizar o esquema de produção. Então começaram a chamar isso de panela, pois se chegava um cara que tinha um nomezinho porque escreveu um livro, fazia um roteiro que era uma barbaridade e se não conseguia aprovação, saia xingando nos jornais, dizendo que a Embrafilme era uma merda. Alguns conseguiram aprovar seus roteiros e fizeram fitas que eram uma porcaria. É claro que tinha no Rio de Janeiro um bocado de gente com certos privilégios, todos eles ligados aos militares, mas no Brasil tem isso mesmo. Apesar de tudo isso, acho que a Embrafilme, com seus efeitos e defeitos, era uma coisa necessária e relativamente competente e honesta, mesmo com os certos privilégios. Quando o Celso Amorim entrou como diretorgeral da Embrafilme e levou daqui de São Paulo o Machado Calil para assessorá-lo, pois não era um homem de cinema, o dinheiro passou a ser mais bem distribuído. Eles conseguiram mudar o sistema – muito concentrado no Rio de Janeiro –, o que não era fácil, pois tinha muita gente influente e ligada aos militares. Pingou um pouco de dinheiro aqui em São Paulo. Tanto que aqui na Boca chegou a se fazer mais de 50 fitas por ano, que conseguiram de 1 milhão a 1,5 milhão de espectadores. Está no meu livro Uma Rua Chamada Triumpho: a participação dos filmes brasileiros na arrecadação total passou de 14,1% em 1971 para 32,7% em 1982. Eu peguei os números na Embrafilme: a renda total dos filmes nacionais, que era de 10 milhões de dólares em 1971, passou para mais de 43 milhões de dólares em 1982. Cresceu pra burro em 11 anos porque havia a obrigatoriedade de exibição das fitas brasileiras, que chegou a 114 dias por ano com especificação de sábados, domingos e feriados. Os cinemas não podiam trocar de programação no fim de semana. Tirar o filme brasileiro e botar um estrangeiro. E as distribuidoras estrangeiras viram que ganhavam mais participando da produção, pois ficavam sócias das fitas brasileiras. No começo, nem 10% dos filmes da Boca eram pornochanchadas e os outros mais de 90% eram produções de ideias, criativas, feitas na rua, filmes de autor, como definiram os de Godard, por exemplo. Aqui nunca teve estúdio. Alguns caras, como o Toni Vieira, alugavam salas pra reunir as equipes. O David Cardoso comprou uma casa, que virou também escritório. A casa está lá até hoje, mas virou pensão. O Oswaldo Massaini, que nunca foi do Cineboca, instalou a Cinedistri aqui na Rua do Triunfo muito tempo antes, com as distribuidoras de filmes estrangeiros. Realizei meus filmes sem alugar sala, coisa nenhuma. Ficava na rua, conversava com as pessoas nos restaurantes, como o Soberano, armava a produção e ia com a câmera nas costas. Nas mesas do Soberano eu acertei os detalhes de vários projetos de curtas e longas. A maioria fazia assim. E dava certo. Outros chegavam, se instalavam em uma, duas salas. Uma vez uns boiadeiros que tinham dinheiro decidiram investir em cinema. Chegaram, alugaram sala, contrataram um diretor de produção que organizou tudo, chamou diretor, iluminador e montou a equipe inteira. Eu fui lá e conversei com eles. Fizeram duas fitas e deu tudo certo. Outro cara, empreiteiro de obras, andou por aqui tentando dirigir, não deu certo e foi embora. A coisa era assim e funcionou. Surgiram até estrelas, como a Vera Fischer, a Marlene França, a Claudete Joubert. Tem um bocado de coisas pra se ver a respeito do Cineboca. Uma delas é que pelo menos uns 20% dos filmes feitos aqui tiveram certa influência naquilo que se chama de revolução sexual ou de costumes dos anos 1960 e 1970. Os de temas acentuadamente eróticos seguiram a proposta de certos filmes europeus de gente como Godard e até Buñuel, e também alguns americanos, de expor a sexualidade feminina. Os brasileiros, principalmente aqueles da pequena burguesia pra baixo, sempre foram mais ou menos ignorantes em relação à sexualidade das mulheres. Ninguém falava de orgasmo feminino. As mulheres na nossa sociedade, e na nossa moral, estavam aí pra ser donas de casa, pra trepar com o marido, pra parir, não pra gozar. Sonegavam-se as informações de que as mulheres gozam. Elas mesmas não sabiam. Conheci várias mulheres que não sabiam que podiam ter prazer sexual. O prazer era coisa para os homens, que não estavam muito a fim de pensar ou se preocupar se suas mulheres gozavam ou não. O cinema americano sempre teve temas eróticos, mas tudo muito velado. Havia aqueles beijos longos, de ou sem língua, e mesmo se os personagens fossem casados não apareciam cenas de cama. A música insinuava tudo. Se o casal estava na praia, mostravam-se as ondas batendo com violência nas pedras, indicando que estava trepando. E isso não era censura, mas tabus, pois a sociedade não aceitava que se mostrassem as coisas abertamente. Então eu acho que o cinema, o teatro e a literatura ajudaram a mudar tudo isso, numa revolução da própria sociedade. E o Cineboca tem sua importância nessa mudança no Brasil, ao tratar do orgasmo feminino. Mas depois vieram os filmes de sexo explícito, os pornográficos – que existem há muito tempo, mas eram restritos – que chegaram à televisão e ao vídeo e banalizaram tudo. Pois nada tem a ver com afeição, paixão. Mas voltando ao final dos anos 1970: os filmes brasileiros, por lei, deviam ocupar 114 dias por ano em cada cinema. O Jack Valenti, que era na época o chefão de Hollywood, veio ao Brasil e ameaçou: ou vocês diminuem a obrigatoriedade e proíbem os cinemas de passar filmes que já cumpriram a lei, ou nós vamos parar de comprar sapato, de comprar soja e de emprestar dinheiro. Muita gente sabe disso, mas poucos admitem que a Embrafilme, com o apoio dos militares, teve a coragem de encarar os americanos e com isso continuamos fazendo filmes, que foram lançados nos cinemas e deram boa bilheteria. Mas no começo dos anos 1980 começaram os problemas da diminuição de espectadores nos cinemas. Os produtores aqui da Boca, e de quase todo o Brasil, não perceberam que as fitas de temas eróticos – que saíram da pornochanchada e foram para o pornô explícito – já estavam cansando. E em vez de mudar, de procurar novos temas e talvez investir mais na produção para melhorar as fitas e segurar o público, fizeram o contrário: não mudaram nada e diminuíram os custos da produção. As fitas ficaram piores e os espectadores sumiram mais ainda. O Cineboca começou a adernar. Quando entrou o Figueiredo, houve um afrouxamento do regime militar na questão da fiscalização. Quando veio o outro governo, do Sarney, ninguém mais ligava para o cumprimento da exibição obrigatória nem para a coprodução e tudo foi pra merda. Então veio o Collor, fechou a Embrafilme e fodeu tudo. Hoje não existe mais nada. Nem a Boca do Lixo é mais a Boca do Lixo que nasceu antes do Cineboca. Mais ou menos no começo dos anos 1950 criou-se uma marginalidade aqui a partir da prosituição, que se chamou de lato-latrocínio por causa das estações ferroviária e rodoviária por onde as distribuidoras mandavam as latas de filmes para exibição no interior. Um bocado dessas empresas distribuidoras, americanas e europeias, se instalou aqui por causa das estações por onde também começaram a chegar fazendeiros e empreiteiros com muito troco no bolso. E apareceram mulheres e foi o início do ponto de prostituição. Os fazendeiros pagavam as mulheres e atraíram primeiro o ladrãozinho, o batedor de carteira. Mas não é fácil ser punguista. E aí apareceu o vigarista do tipo que vendia o Martinelli pra fazendeiro otário e vai por aí afora. Tinha um tipo de ladrão que roubava só nos bailes. Uns entravam pelos telhados, outros pelas janelas. Em determinado momento inventaram as trombadas e depois o gogó: um bandido dava a trombada. O segundo abraçava a vítima e dava o gogó. O primeiro pegava o dinheiro e dava o fora. Então chegou muita gente de outros Estados, principalmente do Nordeste. Esses caras sem emprego não tinham habilidade pra aprender a ser ladrão e viravam mendigos. Então virou Boca do Lixo porque passou a ser fim de carreira para prostitutas e ladrões. Agora, isso tudo já mudou. A prostituição é mínima, se encontram poucos travecos na rua. O eletroeletrônico e a informática tomaram conta de tudo. Ninguém sabe nada da Boca e do Cineboca. Ouve-se falar do cinema da Boca do Lixo como do Cinema Novo, coisas do passado. Não sabem nada de muitos caras que passaram por aqui e fizeram montes de filmes. Conhecem um pouco o Carlão Reichenbach, falam do Rogério Sganzerla, um pouco de mim e de meus filmes e fica tudo por isso mesmo. Não sabem que aqui se faziam 50 fitas por ano, com capital privado. Desconhecem que os militares encararam os americanos. E pra explicar fica um pouco difícil porque não entendem que a produção daqui da Boca se pagava com o nosso público. O cinema brasileiro deu certo com isto. O dono da casa exibidora começou a produzir e os filmes enriqueceram muita gente que chegou aqui com a mão na bunda, assim meio parecido comigo ou pior, só que eles estão muito melhor do que eu. O David Cardoso ficou rico, o Galante ficou rico. Hoje não existe mais nada disso. O atual governo diz que recriou a obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros e que criou subsídios, incentivos, essas coisas.. Mas isso não funciona pra mim. Eu fui conversar com uns caras pra arrumar esses subsídios e vi que no caminho entre o dono do subsídio e o cara que estava me assessorando já ficava mais de 50% do dinheiro. Assim não dá pra fazer fita nenhuma porque se vai custar, por exemplo, 500 mil, você precisa de 1 milhão. A não ser que você fique naquele jogo de fazer uma parte e depois voltar e dizer que precisa de mais dinheiro pra terminar a fita, pra fazer publicidade e pra lançar. E consegue mais subsídio, que é dinheiro do bolso do povo, e vai deixando mais comissão. A brabeza do negócio está nisto. Poucos conseguem fazer, por exemplo, uma fita como Central do Brasil, que eu acho razoável e que fez um relativo sucesso, mas não sei quantos milhões custou porque tinha subsídio, tinha o Unibanco, pra fazer publicidade. Outras que são tecnicamente benfeitas, como proposta deixam muito a desejar. Carlota Joaquina, por exemplo, agradou a muita gente e teve um bom resultado de bilheteria, mas comete uma safadeza com D. João VI e presta um desserviço à nossa História. D. João VI não era nada daquilo como está descrito na fita. Um exemplo é o caso do filho de D. Pedro com uma atriz francesa. O que está no filme é que D. João VI e D. Pedro não deram a menor atenção à francesa e seu filho. A verdade é exatamente o contrário. Quando soube que D. Pedro queria se casar com a atriz francesa, D. João VI chamou o filho e disse: não pode; você tem compromisso com a Nação e tem que se casar com uma princesa. Mas como a francesa já estava grávida, D. João VI arrumou um militar para casar com ela, para que a mãe de seu neto não ficasse mãe solteira, e mandou o casal pra Recife, se não me engano. A criança nasceu amparada, mas morreu poucos meses depois e a mãe continuou protegida. E D. João VI concordou que D. Pedro mandasse buscar o corpo embalsamado da criança, sua filha, para ser enterrado no Rio de Janeiro. Estou dizendo isso porque li em livros e a história verdadeira é esta. Fui ao cinema ver a fita e não tem nada disso, mas só gozação e reações do público às gozações. Quando Carlota grita cornuto, cornuto todo mundo ri. Mas acho um desserviço à nossa História. Esta é minha opinião. Raquel de Queiroz escreveu um artigo dizendo a mesma coisa. Estou falando isso para dizer que estou por dentro da coisa toda e porque estou no trem da História, mas não na privada, nem no restaurante, nem estou dormindo. Estou na plataforma e às vezes vou para o limpa-trilho. VIII – Projetos Estou planejando uns documentários em vídeo. É muito trabalhoso, precisa de muita pesquisa, mas o custo é mínimo porque eu faço quase tudo. Tenho câmera e penso em comprar uma ilha pra poder montar esses documentários e não andar atrás deste pessoal de vídeo, que não gosta de ajudar. Eles sabem que eu vou chegar lá e decidir. Não tem nada que explicar, esse letreiro está aqui, quero tirar daqui e pôr ali. Os caras dizem que é difícil, mas eu respondo que não adianta falar que não pode. Eu já trabalhei com ilhas, mas eram analógicas. A digital precisa de computador e complica muito a coisa pra mim. E então eu preciso pôr a mão no bolso e gastar parte do troquinho que eu tenho ganhado quando vou falar sobre cinema. Sempre me pagam. Outras vezes vou trabalhar com não sei quem, fazer fotografias e me pagam. Mas também tenho trabalhado de graça pra caramba. Mas vou levando. Pretendo fazer um documentário sobre a fundação de São Paulo. É um assunto pra lá de batido, mas ainda tem coisas muito curiosas pra se mostrar e debater. Vou fazer baseado só em fotografias. Já tenho uma parte toda fotografada. Pesquisei e vou começar com Santo Inácio de Loyola. É o seguinte: Santo Inácio de Loyola e o padre Manoel de Nóbrega são os personagens mais importantes na fundação de São Paulo. Depois é que se chega ao Anchieta. Pensei em fazer um longa, mas iria custar uns R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões. Como não tenho este dinheiro e não vou sair atrás de incentivo, resolvi fazer um curta em vídeo com base em fotografias de estátuas e pinturas. Vou contar curiosidades sobre a fundação da cidade, como, por exemplo, a ligação de São Paulo com a Companhia de Jesus, criada por Santo Inácio de Loyola. Pois foi pela Companhia de Jesus que Nóbrega chegou ao Brasil e depois Anchieta fundou São Paulo. É claro que a cidade poderia ter sido fundada por outro ou de maneira diferente, mas o fato é que a História escreveu desse jeito. Não vou discutir a questão do fatalismo, determinismo, nem do livre-arbítrio, estas coisas, mas a História. E acho que é sempre bom pensar que a gente é dono da nossa História. Por causa de um problema de coluna eu andei parando um pouco. Naturalmente a coisa não estimula muito, mas a pesquisa, toda ela, está pronta. E também acho que devo falar dos bandeirantes que levaram essa fundação da cidade um pouco mais à frente, como Paschoal Moreira e Raposo Tavares. Tenho um problema muito sério com o texto porque há muita coisa para ser dita. Mas como sinto também certa facilidade, estou refazendo o texto. Agora mesmo, baseado numa pesquisa sobre o Anchieta que peguei no museu, escrevi umas vinte linhas. E já tenho umas cinquenta e tantas fotos prontas de estátuas e pinturas. Naturalmente, como minha linguagem é um pouco diferente, me parece que posso acrescentar alguma coisa, de forma bem didática, que fique bom para as escolas e para qualquer pessoa entender. É o que me parece. Mas é aquela história: pretensão e água-benta não custam nada. E estou fazendo um documentário sobre a ação dos grafiteiros em São Paulo. Minha ideia é partir da frase de René Descard penso, logo êxito para discutir o sentido e o papel da grafitagem. Pretendo começar mostrando as pinturas rupestres da Serra da Capivara, no sul do Piaui, como precursoras do grafite. Depois de mostrar a selva, a serra e as pinturas rupestres, passo para São Paulo e mostro as paredes todas cheias de grafite. E termino assim: grafito, logo existo. Já mostrei parte deste documentário numa mostra de vídeo no Rio de Janeiro e os grafiteiros ficaram entusiasmados. A ideia é mostrar que o grafite existe há muito tempo, desde as pinturas rupestres e que é uma forma do humano dizer que existe. A ação dos grafiteiros é um tipo de comunicação e de registro da cada época. Vou mostrar grafites muito bonitas, muito benfeitas, que retratam nosso tempo e que os artistas realizaram este registro como eu faço filmes, alguns escrevem, outros compõem: mostrar que pensam, logo existem. Tenho um projeto mais complicado de fazer que é um documentário sobre a ocupação das Américas, no qual coloco também as pinturas da Serra da Capivara. Vou começar com o Homo sapiens há 1 milhão de anos, quando se espalharam pela África, Europa e Ásia. Então dou um salto no tempo para 20, 30 mil anos atrás, quando os chamados mongoloides – termo antropológico que define o grupo humano que se fixou na Ásia – subiram o continente e o Pacífico até o Estreito de Bering, desceram pela América do Norte e criaram uma civilização, a asteca, que estava bem desenvolvida, quase como a europeia, quando foi destruída pelos conquistadores espanhóis. E mostro os maias, que não foi Cortez que dizimou. Quando ele chegou esse povo já não existia, só as ruínas, as pirâmides. E descendo o continente mostro a criação há pouco mais de mil anos do Império Incaico, destruído pelo Pizarro. Mostro como os mongoloides chegaram aos Andes, depois à Amazônia e às regiões vizinhas. E quero mostrar como os habitantes do norte do continente e dos Andes tiveram que trabalhar e desenvolver tecnologia para sobreviver, para continuar a existir porque a comida era escassa e por que eles ficaram baixinhos. E como os descendentes dos mongoloides que se fixaram na Amazônia e nas regiões vizinhas, ou seja, os nossos índios, ficaram grandões e bonitos. Mas, tudo na base do come e dorme: tinham boa alimentação e saúde boa e só não se desenvolveram porque não houve necessidade de trabalhar para poder existir. A natureza lhes deu tudo. E vou para o sítio arqueológico da Serra da Capivara, no Piauí, com suas pinturas rupestres e restos de fogueiras de uma civilização de mais de 20 mil ou 30 mil anos e que acabou. Quero discutir esta política paternalista com os índios que continuam no come e dorme, não fazem porra nenhuma e acusam o branco de tomar a terra deles. Seus antepassados devem ter tomado as terras de alguém, como mostram as pinturas rupestres da Serra da Capivara. Tenho tudo estruturado, a pesquisa já está pronta, mas não possuo recursos para fazer. Pensei em participar de um concurso da Petrobras, mas vi que o dinheiro não dava para fazer direito e pensei: se ganho esta merda, vou ter que fazer porcaria. Então não vou fazer. Acho que vai ficar como outro projeto de uma fita que queria fazer para contrariar a teoria de Darwin, mas não deu pra fazer. Era a história de viajantes de outros cantos do Universo que vieram pra cá exilados, porque tinha havido uma revolução lá pros lados deles. Quando eles bateram aqui, há uns 2 ou 3 milhões de anos, encontraram gorilões e gorilonas. Acabaram se acertando e começou a nascer mestiço de gorila cabeludo com uns caras sem cabelo, vindos de outros planetas. E é por isso que estamos assim até hoje, meio cabeludos ou com pouco cabelo. E penso também em longas. Tenho um roteiro pronto, O Capanga de Gravata e outros dois vainão-vai, pois ainda estou rabiscando algumas ideias: A Mulher de Branco e O Viajante que não Morreu. O Capanga de Gravata é sobre um matador profissional que cobra caro pra caramba e viaja pelo Brasil todo. Penso numa fita meio turística. Começa no Uruguai, em Colônia do Sacramento, com o matador envolvido com uma fotógrafa de moda que vai para a região das Missões fazer fotos de modelos com roupas típicas gaúchas. O matador acompanha as mulheres bonitas a São Luiz Gonzaga, onde ainda existem as ruínas de uma igreja dos tempos das Missões. Eu crio uns conflitos entre o capanga de gravata e o assistente da fotógrafa, um cara musculoso que alguns dizem que foi garoto de programa. E vou passando por vários pontos do Brasil, com aquelas mulheres bonitas posando com as roupas típicas da região. Passam por Valença, na Bahia, uma cidade antiga e muito bonita onde eu crio um incidente em que o matador distribui bombinhas pra molecada soltar e despistar a polícia enquanto ele executa um cara. É bombinha pra todo lado, as modelos com roupas de época e da região. E vai por aí afora. Em determinado momento levo todas para uma tribo de índios e fica todo mundo pelado. Mas nunca vou fazer nada disso. Arrumar dinheiro para bancar uma fita destas não é nada fácil, nem mesmo em vídeo, que é mais barato. Eu não tenho como arrumar dinheiro pra isto. Filmografia 1955 • Tambaú, Cidade dos Milagres, P&B, 14 min. Filmado em 16mm, registra de forma sensível e crítica a peregrinação de católicos a Tambaú, na região de Ribeirão Preto, em busca de curas milagrosas atribuídas ao pároco da pequena cidade, padre Doinizetti Tavares de Lima (18821961). Trabalhando sozinho, Candeias filmou os romeiros pobres, doentes, tristes, ao redor de fogueiras na rua durante a noite ou amontoados em albergues desconfortáveis, à espera da bênção matinal e dos milagres do padre. Registrou o movimentado comércio de santinhos, livretos sobre os milagres do padre e até de água-benta, a coleta de dinheiro dos fiéis e a bênção do padre, sob chuvas de pétalas e comoção da multidão. Direção, roteiro, fotografia e montagem: Ozualdo Candeias; produção da Polifilmers, narração de Ivo d’Oliveira. 1967 • A Margem, P&B, 96 min. Candeias foi, na melhor acepção do conceito, o autor de seus filmes: escreveu os roteiros, ou inventou as histórias como costumava dizer, produziu e dirigiu com liberdade só limitada pela escassez de dinheiro. Na maioria das vezes assumiu a direção de fotografia, operou a câmera e se responsabilizou pela montagem e até pela cenografia e figurinos. Nas ocasiões em que aceitou convites para dirigir produções de outros, ou encomendas como alguns definem, escreveu ou reescreveu cada roteiro, manteve o controle integral e exercitou sempre sua criatividade. Quando realizou este seu primeiro longa-metragem já era um veterano com mais de 10 anos de experiência em múltiplas funções, desde cinegrafista de reportagens para cinejornais, roteirista, diretor, fotógrafo e editor de dezenas de documentários e, sobretudo, dedicado e atento participante na organização de produções de longas. A Margem é inegavelmente referência na história do cinema brasileiro, no mínimo como um dos mais representativos do ciclo marginal ou udigrudi, na bem-humorada tradução fonética para o underground dos países ricos: um cinema pobre, não subordinado totalmente às exigências comerciais, de bilheteria, mas instigante, pois essencialmente criativo. Ao seguir os passos lentos, olhares tristes e longos silêncios de seus quatro principais personagens nas favelas e monturos da Marginal do Tietê, Candeias expressa, ao mesmo tempo, a dura vida dos deserdados e a dignidade, até o lirismo desses seres humanos. A negra que sonha com a pureza do vestido de noiva; o homem silencioso que se marginalizou de paletó e gravata, indicação de condição social econômica superior, e que se sacrifica pelo sonho do véu e grinalda; a vendedora ambulante de café em escritórios (ofício existente na época) durante o dia e prostituta à noite; e o louco apaixonado que colhe flores, compõem fascinante microcosmo. A linguagem ousada de enquadramentos subversivos e da câmera subjetiva sublima o clima surrealista, expresso, sobretudo, pelo barco conduzido por bela mulher. E permite instigante ilação, apesar da discordância do próprio Candeias, com o barqueiro do rio Aqueronte da Divina Comédia, de Dante. Mas que navega na direção contrária ao portal do inferno do velho e pálido Caronte: certamente a algum Nirvana distante do sombrio Tietê. Essas qualidades foram reconhecidas pela maioria dos críticos e das plateias especiais e premiadas com a Coruja de Ouro de direção, atriz coadjuvante e música; menção honrosa para atriz e música no Festival de Brasília de 1967. E com as estatuetas Governador do Estado de São Paulo para melhor diretor, atriz e música. Recebeu no ano seguinte o adicional de qualidade do então INC (Instituto Nacional do Cinema). Direção, produção, roteiro, eventual operação de câmera e montagem de Candeias; direção de fotografia de Belarmino Mancini. Música: Zimbo Trio e Luiz Chaves; elenco: Mário Benvenutti, Valéria Vidal, Bentinho, Lucy Rangel, Telé, Paula Ramos, Ana Mendonça, Paulo Gaeta e Nelson Gasparini. 1968 • O Acordo, P&B, 42 min. Com o compromisso de manter o clima fantástico, ou fantasmagórico, dos filmes de José Mojica Marins, Candeias elaborou um drama estranho para este episódio de Trilogia do Terror: mulher faz pacto com o diabo e promete sua filha virgem em troca da permanência da juventude. Algumas situações remetem ao surrealismo de A Margem e outras a ideias que Candeias expandiria em filmes posteriores, especialmente Meu Nome é Tonho. Direção e roteiro de Candeias com base em argumento de José Mojica Marins; produção de Antonio P. Galante; direção de fotografia de Peter Overbeck; montagem de Silvio Renoldi; música de Damiano Cozella; elenco: Lucy Rangel, Regina Célia, Alex Ronay, Durvalino de Souza, Luiz Humberto, Ubirajara Gama, Nádia Tell, Henrique Borges. 1969 • Meu Nome é Tonho, P&B, 95 min. Com mudança de ambiente e de temática – troca a periferia da grande cidade pela zona rural da região Sudeste –, Candeias mantém o mesmo estilo criativo, provocativo e instigante ao ingressar num universo dominado pela violência. Autêntico bangue-bangue brasileiro, logicamente sem o estereótipo do cangaceiro nordestino, mas parente próximo do melhor spaghetti-western italiano daqueles tempos, convida à imaginação do que seria se feito com mais recursos técnicos e financeiros. Candeias tinha uma câmera e um jeep para filmar as movimentadas cavalgadas e tiroteios na história de um homem chamado Tonho que, quando criança, conseguiu fugir dos bandidos que invadiram o sítio da família e mataram seus pais. Adulto, conhece num prostíbulo bela mulher que lhe conta que fora sequestrada, quando criança, por ciganos acompanhados de bandidos que invadiram o sítio da família e mataram seus pais, mas o irmão conseguiu fugir. Evidentemente o irmão se chamava Tonho e os sequestradores são os mesmos bandidos que dominam a região e frequentam o mesmo prostíbulo. Consciente do incesto, Tonho parte para implacável vingança. Dinâmico no melhor estilo do gênero, denso, brutal, mas ao mesmo tempo impregnado de humanismo e até de certos momentos de lirismo, Meu Nome é Tonho, carreou para Candeias certamente seu prêmio mais emblemático: menção honrosa como autor do filme mais brasileiro do Festival do Cinema Brasileiro de São Carlos, em novembro de 1969. Candeias já ganhara, naquele mesmo ano, o prêmio de melhor diretor no Festival de Cinema de Marília. Direção e roteiro de Candeias; produção de Miguel Augusto Servantes e Nilza de Lima; direção de fotografia de Peter Overbeck; montagem de Luiz Elias; música de Paulinho Nogueira; elenco: Jorge Karan, Bibi Vogel, Nivaldo Lima, Edio Smaio, Walter Portella, Toni Cardi, Cláudio Vianna, Aluísio de Castro, Jose Ferreira e Mário Lima. 1971 • A Herança, P&B, 90 min. O terceiro longa-metragem de Candeias reflete nova ousadia: adaptação de Hamlet, de Shakespeare, transpondo a ação para o interior de São Paulo da segunda década do século 20. Estudante de Direito, filho de rica família de fazendeiros, retorna ao interior depois da morte de seu pai e encontra a mãe preparando novo casamento com o próprio cunhado. O fantasma do pai lhe aparece e revela que fora assassinado pelo casal de amantes e pede vingança. O Hamlet caipira, que Candeias traduziu como Homeleto, parte para a sangrenta vingança contra a mãe e o tio sob o impacto da decisão de distribuir suas terras para as famílias pobres que nelas trabalham. A manifestação política de Candeias ao transformar seu Hamlet caipira numa espécie de precursor de hipotética reforma agrária de iniciativa privada no Brasil, completa criativas e originais ousadias na construção do filme, que vão da supressão dos diálogos, substituídos por sons de aves e outros animais nativos, à inclusão de canto de violeiro e letreiros típicos do cinema mudo. Sob aplausos, mais uma vez, de críticos e cinéfilos, sem correspondência de exibidores e grandes plateias, Candeias recebeu os prêmios Air France e Governador do Estado de São Paulo de melhor diretor de cinema brasileiro de 1971. Direção, adaptação, fotografia, cenografia e vestuário de Candeias; produção: Cleuza Rillo, Antonio Alves Cury, Otávio Fernandes e Virgílio Roveda; montagem: Luiz Elias; música: Fernando Lona e Vidal França; elenco: David Cardoso, Bárbara Fazio, Agnaldo Rayol, Zuleica Maria, Túlio de Lemos, Américo Taricano, Antonio Lima, João Batista de Andrade, Rubens Ewald Filho, Jean Garret e Rosalvo Caçador. 1969/70 • Uma Rua Chamada Triumpho, P&B, 11 min; e 1970/71, P&B, 9 min. Dois documentários com fotos de pessoas, locais e fatos da intensa atividade cinematográfica do epicentro do Cineboca. Direção, texto e seleção de fotos de Candeias; produção de Jorge Alberto Teixeira, Antonio Roberto de Godoy e Cesário Felfiti; montagem de Luiz Elias; música de Vidal França, 1972 • O Desconhecido, P&B, 50 min. Convidado a participar do Teatro 2, programa da TV Cultura, Candeias desenvolveu roteiro que retoma a situação do básica de Meu Nome é Tonho: supondo-se pai incestuoso de mulher que conhece em prostíbulo de cidade do interior, pistoleiro misterioso e silencioso executa todos aqueles que a maltrataram. Em obediência às normas do veículo e da época, a violência se desenvolve de forma implícita, por meio de sons. Direção e roteiro de Candeias; produção de Antonio Ghigo Neto; direção de TV de Arruda Neto, Ítalo Morelli e Sérgio Mattar; elenco: Joana Fomm, Edio Smanio, Estevão Melo, Paulo Hesse, Zé Risonho, Ondina Maciel, Carlos Castilho, Helma Maria, Tereza Bianchi, Ricardo Zambão e Luiz Gonzaga. 1974 • Zézero, P&B, 31 min. Primeiro dos dois médias-metragens e um curta concebidos por Candeias como partes de um longa jamais lançado e que, por esta razão, se uniram apenas no título particular de Trilogia Proibida. O tema se tornaria um dos recorrentes na filmografia de Candeias: a tragédia da migração de moradores pobres da área rural para a cidade grande. Antecessor, portanto, de Aopção ou as Rosas da Estrada e O Vigilante, Zézero é um camponês paupérrimo que se torna operário da construção civil e naufraga no sonho de ganhar na loteria esportiva. Crítica aos slogans do Brasil Grande da propaganda do regime militar e da ilusão da riqueza fácil por meio da loteria. Direção, roteiro, produção e fotografia de Candeias; montagem: Luiz Elias; música: Vidal França; elenco: Milton Pereira, Isabel Antinópolis, Maria Gizélia, Palmira Balbina de Almeida, Carlos Biondi e Arnaldo Galvão. • Caçada Sangrenta, cor, 90 min. Considerado apenas um filme de encomenda financiado pelo governo de Mato Grosso (antes da divisão territorial) é mais uma demonstração do talento de Candeias, num filme policial movimentado e tecnicamente benfeito. Como afirmou em seu depoimento, teve liberdade para escrever o roteiro e dirigir sem imposições do produtor e ator David Cardoso, mas com a consciência de que não deveria desagradar os patrocinadores. E exercitou competente objetividade no desenvolvimento da trama: transferiu de São Paulo para Mato Grosso a perseguição da polícia a homem acusado de roubar dólares e assassinar mulher integrante de rede de prostituição do crime organizado. Logicamente para atender às peculiaridades comerciais do projeto, Candeias distribuiu a ação em correrias e perseguições de carros por locais turísticos das principais cidades do Estado. Numa demonstração do aprendizado nos seus tempos de cinegrafista-diretor-editor de documentários promocionais, levou perseguido e perseguidores a um cinema no exato momento da exibição de elogioso cinejornal sobre obras do governo estadual. Disfarçando com simplicidade o que ele próprio reconhecia como picaretagem, Candeias exercita com competência suas qualidades de encenador. Direção e roteiro de Candeias em produção de David Cardoso, José Eduardo Rolim e Gilberto Adrien; fotografia: Virgílio Roveda; montagem: Luiz Elias; música: Ronaldo Larck; elenco: David Cardoso, Marlene Franca, Walter Portella, Fátima Antunes, Heitor Gaiotti, Carmem Angélica, Leon Cakoff, Renato Petri, Evelize Olivier e Muniz Razuk. 1976 • Candinho, P&B, 33 min. Após longa e sofrida procura, lavrador louco, expulso da fazenda onde morou toda a vida, acredita ter encontrado Jesus Cristo. Metafórica e contundente crítica aos falsos propagadores da crença religiosa e da política econômica do regime militar. Candeias ampliou as polêmicas com o simbolismo de tiros de metralhadora pen durada numa cruz no início e no final instigantes e provocantes deste seu pequeno grande filme. De forma absolutamente inesperada, Candinho recebeu um dos prêmios Governador do Estado de São Paulo, 1976 Direção, roteiro, produção, fotografia e montagem: Ozualdo Candeias; música: Ozualdo Candeias e Belmiro; elenco: Eduardo Llorente, Shirley Grechi, Ivani Ross, Antonio Gonçalves Cury, Alfredo Almeida, José da Conceição, Maria de Jesus, Ubaldo Candeias, Maria Silva e José Lopes. • A Visita do Velho Senhor, P&B, 13 min. Curta-metragem de ficção, adaptação de conto gráfico de Poty Lazaroto sobre a visita de um homem a uma prostituta, desenvolvido em clima surrealista e violento. Direção, roteiro e fotografia de Candeias; produção de Valêncio Xavier; elenco: José Maria Santos e Marlene Araújo. 1977 • Boca do LixoCinema ou Festa na Boca, P&B, 35 min. Documentário sobre a festa de final do ano de 1976, promovida na Rua do Triunfo. Com a sensibilidade do repórter cinematográfico e documentarista, desenvolvida nos primeiros anos de seu envolvimento com o cinema, Candeias capta um momento peculiar, mas que reflete a alma do mundo que ele conheceu, amou e definiu como Cineboca. A espontaneidade contagiante do heterogêneo universo da Boca do Lixo amplia as dimensões e a alegria própria das comemorações coletivas, como as festas de fim de ano. A situação especifica da festa que reúne na rua heterogênea multidão dos que espalham seus sonhos e ambições numa atividade e ambiente muito peculiares, gera um clima muito especial, captado com maestria. 1979 • História da Arte no Brasil, cor. Série de documentários realizados para a TV Cultura a partir de projeto desenvolvido pela Secretaria Estadual da Cultura com objetivo marcadamente didático. Candeias demonstrou competência e profissionalismo ao seguir as normas do projeto na captação das belas imagens, sobretudo de obras de arte – quadros, esculturas, imagens sacras – e de prédios, igrejas e museus integrantes do nosso patrimônio histórico e cultural. Candeias participou de 11 dos 21 programas, realizados sob a coordenação geral de Walter George Durst. 1981 • Aopção ou As Rosas da Estrada, P&B, 87 min. A partir de sua vivência de caminhoneiro, Candeias lança olhar crítico e lírico no universo das pousadas e prostíbulos de beira de estradas, marcadas pelo sonhos das mulheres de embarcar num caminhão que as leve à grande cidade. No centro de uma realidade brutal, dominada pela pobreza, pelo sexo sem ternura, consequentemente sem prazer, Candeias convida à mesma reflexão sobre marginalizados de seu primeiro filme longo. Mais uma fez compõe um filme forte, pobre, feio, dolorido, que alguns estudiosos consideram obra-prima de humanismo dilacerante no ritmo da montagem fragmentada, na economia de diálogos, na multiplicidade de sentimentos que exalam dos olhares e até das cruéis sequências de sexo. Candeias revelou nos depoimentos que foi um de seus filmes mais difíceis de realizar pela precariedade de recursos. Contrariando seu comportamento tradicional, ele se viu obrigado inclusive a interpretar um dos personagens – o do caminhoneiro que oferece comida a uma das mulheres – por absoluta falta de dinheiro para convocar mais um ator. Mas seus esforços foram compensados com o Leopardo de Bronze do Festival de Cinema de Locarno, na Itália, dos muitos aplausos da crítica e das plateias de exibições especiais. Direção, roteiro, produção, fotografia, operação de câmera e montagem de Candeias; elenco: Carmem Angélica, Alan Fontaine, Cristina Gondinho, Carmem Ortega, Virgílio Roveda, Lair Norton, Júlia Veloso, Zé Risonho, Cláudio Camargo e Candeias. 1982 • Manelão, o Caçador de Orelhas, cor, 81 min. Na mesma trilha de Meu Nome é Tonho, a violência no meio rural do Sudeste brasileiro, Candeias centra a ação num camponês pobre, portador de doença venérea, que aceita proposta para matar desafeto do médico que o atende em troca do tratamento de que precisa. Torna-se rapidamente matador profissional a serviço de fazendeiros, que adota como hábito cortar as orelhas das vítimas para comprovar o efetiva execução do trabalho. Em seu estilo econômico nos diálogos e na montagem dinâmica, Candeias retorna ao meio rural, que conheceu bem, com visão crítica do poder feudal de latifundiários e da covardia dos matadores de aluguel. Não há vestígio de heroísmo ou de coragem no silencioso matador de aluguel, como nos estereótipos do cinema comercial. Mas Candeias não excluiu certo lirismo – há momento de terna troca de olhares – ao retratar como pano de fundo o cinismo, o machismo e a crueldade do sexo em comunidade rural com população majoritária masculina. Direção, roteiro, produção, fotografia, câmera e montagem de Candeias; música de Brandão e Zé Barqueiro; elenco: Nabor Rodrigues, Daniel Santos, Jack Barbosa, Laura Boaventura, Vânia Bonier, Índia Rúbia, Laura Goulart, Durvalino Souza e Alaor Norton. 1983 • A Freira e a Tortura, cor, 85 min. Corajosa abordagem da questão da tortura nos tempos do regime militar. Adaptação da peça O Milagre da Cela, de Jorge de Andrade, narra o envolvimento, conflituoso no início e depois amoroso, entre uma freira e um policial. Suspeita de subversão em decorrência de trabalho com favelados, a freira é presa e torturada pela polícia política. Mas o delegado que comanda a investigação e a tortura se apaixona por ela. Candeias convida à reflexão sobre a dualidade das pessoas que, não raro, desempenham papéis profissionais diferentes de suas personalidades. Além da abordagem da resistência ao regime militar e da violência da polícia política, o diretor imprime atmosfera fantástica ao final do filme – a morte liberta os dois personagens que correm nus para um destino supostamente melhor – o que remete ao final de A Margem. Direção, roteiro, fotografia e seleção musical de Candeias; produção de David Cardoso; montagem de Jair Garcia Duarte; elenco: David Cardoso, Vera Gimenez, Sérgio Hingst, Cláudia Alencar, Sônia Garcia, Edio Smaio, Elizaberth de Luis, Lígia de Paula, Nestor Lima e Luis Vargas. 1987 • As Belas da Billings, cor, 90 min. Marginalizados vagam pelas ruas de São Paulo: mulheres recolhem sobras de comida em restaurantes de bairros elegantes sob a alegação de que darão para cachorros quando, na realidade, alimentarão a família; cantor de música sertaneja se envolve com semianalfabeto que carrega livros e se apresenta como intelectual. Crônica política áspera, metafórica e irônica sobre os contrastes sociais e econômicos da cidade grande, com personagens inspirados em marginais que Candeias observou vagando no centro de São Paulo. O filme lançou igualmente um olhar nostálgico e premonitório sobre a Boca do Lixo e o Cineboca. Em sequência filmada na Rua do Triunfo, que reúne Candeias, Jairo Ferreira, Carlos Reichenbach e Ody Fraga na porta do bar Soberano, com trecho da música de A Margem ao fundo, o carregador de livros observa para o cantor que a Boca não é mais aquela. Apesar de suas inegáveis qualidades, do elenco de nomes conhecidos, como Mário Benvenutti, José Mojica Marins e o cantor Almir Sater em sua estreia no cinema, de verbas da Embrafilme e da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, o filme não teve lançamento comercial. Direção, roteiro, produção, fotografia e montagem de Candeias; música de Almir Sater; elenco: Carlos Ribeiro, Mário Benvenutti, Almir Sater José Mojica Marins, Claudete Joubert, Sílvia Gles. 1988 • Senhor Pauer, cor, 15 min. Durante greve de ônibus em Curitiba, homem bem-vestido torna-se passageiro da carroça de casal de catadores de papel. É o início de um jogo de exploração e humilhações e da contundência de Candeias ao abordar a divisão social que marca a sociedade brasileira. As ideias desta terceira e última parte do pretendido, mas jamais formulado, longa-metragem nasceram durante curso de cinema ministrado por Candeias na Cinemateca de Curitiba e deveria fechar o projeto da Trilogia Proibida. Direção, roteiro, fotografia, montagem de Candeias; argumento de Vaêncio Xavier; produção de Francisco Alves; elenco: alunos do curso de cinema da Cinemateca de Curitiba. 1990 • Lady Vaselina, cor, 15 min. Os conflitos de uma prostituta e um professor com a senhoria do prédio onde vivem. Adaptação de texto de Tennessee Williams. Direção e roteiro: Ozualdo Candeias; produção: Eduardo Borges e Maria Lúcia Oliveira; elenco: Maria Lúcia Oliveira, Roberto Brant e Vilma Ferreira 1992 • O Vigilante, cor, 77 min. Retorno ao tema da migração dos pobres do campo para a cidade grande em busca do sonho de vida melhor. No caso, um camponês violeiro cheio de sonhos e esperanças que só consegue emprego de vigilante que não o levará para fora dos limites das favelas tão ou mais miseráveis que suas origens. Conhece a violência dos traficantes e se transforma em justiceiro, ou seja, matador profissional. Em sua característica linguagem fílmica – montagem fragmentada, enquadramentos ousados, economia de diálogos –, Candeias mantém, neste que é oficialmente seu último longa-metragem, a visão crítica dos desequilíbrios sociais que levam inexoravelmente à violência. Produção paupérrima, ganhou o prêmio especial do júri do Festival de Brasília de 1992, mas também não teve lançamento comercial. Direção, roteiro, produção e fotografia de Candeias; montagem de Máximo Barro; música de Edu Roque; elenco: Ariela Goldmann, Bárbara Fazio, Mara Prado, Marly Gonçalves, Margareth Abrão, Rogério Costa, Sidney Góes, Solange Abre, Jairo Ferreira, Rajá. Participações em filmes de outros diretores 1958 • Mulheres Modernas, de Alberto Cunha (filme inacabado), fotógrafo de cena 1963 • Meu Destino em tuas Mãos, de José Mojica Marins, corroteirista 1964 • À Meia-Noite Levarei sua Alma, de José Mojica Marins, cenografia 1968 • O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, ator • O Quarto, de Rubem Biáfora, gerente de produção (não creditado) • Angélica, de Antonio Lima (episódio de As Libertinas), gerente de produção (não creditado) 1969 • O Agnaldo, Perigo a Vista, de Reynaldo Paes de Barros, gerente de produção; 1970 • O Ritual dos Sádicos, de José Mojica Marins, ator • Orgia ou o Homem que deu Cria, de João Silvério Trevisan, ator; 1971 • O Macabro Dr. Schiavo, de Rosalvo Caçador e Raul Calhado, ator 1972 • Sinal Vermelho, as Fêmeas, de Fauzi Mansur, ator • As Mulheres do Sexo Violento, de Francisco Cavalcanti, codiretor (não creditado) 1973 • A Noite do Desejo, de Fauzi Mansur – codiretor de fotografia com Antonio Meliande • Com a Cama na Cabeça, de Mozael Silveira, co-diretor de fotografia com Afonso Vianna e Henze Roland • Maria... Sempre Maria, de Eduardo Lourente, diretor de fotografia e operador de câmera 1975 • Um Intruso no Paraíso, de Heron Rhodes-Grivas, codiretor de fotografia com Antonio Meliande 1977 • Dezenove Mulheres e um Homem, de David Cardoso, ator 1978 • Ninfas Diabólicas, de John Doo, diretor de fotografia • Desejo Violento, de Roberto Mauro, corroteirista, com Luiz Castelani e Roberto Mauro 1980 • O Cangaceiro do Diabo, de Tião Valadares, diretor de fotografia e operador de câmara 1982 • Desejos Sexuais de Elza, de Tony Vieira, diretor de fotografia 1984 • Volúpia de Mulher, de John Doo, fotógrafo de cena 1985 • Senta no Meu que eu Entro na Tua, de Ody Fraga, fotógrafo de cena • O Unicórnio, de Ody Fraga, fotógrafo de cena • A Boca Aberta, de Alberto Salvá, fotógrafo de cena Índice No Passado Está a História do Futuro – Alberto Goldman 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Introdução – Moura Reis 11 Depoimento de Ozualdo Candeias 49 Filmografia 173 Crédito das Fotografias Todas as fotos foram fornecidas pelos filhos de Ozualdo Candeias e pertencem ao acervo familiar. As da Rua do Triunfo são, na maioria – páginas 17, 28, 29, 30, 33 (inferior da página), 34, 36 37, 40, 41, 43, 44, 46, 47 (inferior da página), 154, 155, 156, 157 e 182 – de autoria do próprio Candeias. A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro Alfredo Sternheim – Um Insólito Destino Alfredo Sternheim O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Luiz Villaça, Mariana Veríssimo, Maurício Arruda e José Roberto Torero Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Luiz Antonio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Feliz Natal Roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Francisco Ramalho Jr. – Éramos Apenas Paulistas Celso Sabadin Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Máximo Barro – Talento e Altruísmo Alfredo Sternheim Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sergio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Vlado – 30 Anos Depois Roteiro de João Batista de Andrade Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis De Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Música Rogério Duprat – Ecletismo Musical Máximo Barro Wagner Tiso – Som, Imagem, Ação Beatriz Coelho Silva Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico Garcia Lorca – Pequeno Poema Infinito Antonio Gilberto e José Mauro Brant Ilo Krugli – Poesia Rasgada Ieda de Abreu João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat José Renato – Energia Eterna Hersch Basbaum Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Abílio Pereira de Almeida Abílio Pereira de Almeida O Teatro de Alberto Guzik Alberto Guzik O Teatro de Antonio Rocco Antonio Rocco O Teatro de Cordel de Chico de Assis Chico de Assis O Teatro de Emílio Boechat Emílio Boechat O Teatro de Germano Pereira – Reescrevendo Clássicos Germano Pereira O Teatro de José Saffioti Filho José Saffioti Filho O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek O Teatro de Sérgio Roveri Sérgio Roveri Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Berta Zemel – A Alma das Pedras Rodrigo Antunes Corrêa Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Débora Duarte – Filha da Televisão Laura Malin Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Fernando Peixoto – Em Cena Aberta Marília Balbi Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Isolda Cresta – Zozô Vulcão Luis Sérgio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert Jorge Loredo – O Perigote do Brasil Cláudio Fragata José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Naum Alves de Souza: Imagem, Cena, Palavra Alberto Guzik Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silnei Siqueira – A Palavra em Cena Ieda de Abreu Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodriguiana? Maria Thereza Vargas Stênio Garcia – Força da Natureza Wagner Assis Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Theresa Amayo – Ficção e Realidade Theresa Amayo Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Umberto Magnani – Um Rio de Memórias Adélia Nicolete Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Walter George Durst – Doce Guerreiro Nilu Lebert Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Av. Paulista, 900 – a História da TV Gazeta Elmo Francfort Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Charles Möeller e Claudio Botelho – Os Reis dos Musicais Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Mazzaropi – Uma Antologia de Risos Paulo Duarte Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Odorico Paraguaçu: O Bem-amado de Dias Gomes – História de um personagem larapista e maquiavelento José Dias Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero – Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista © 2010 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Reis, Moura Ozualdo Candeias: pedras e sonhos no cineboca / Moura Reis. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010. 228p. : il. – (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 978-85-7060-887-1 1. Cinema – Produtores e Diretores 2. Cinema – Brasil – história 3. Cineastas – Brasil 4. Candeias, Ozualdo Ribeiro, 1922 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título III.Série. CDD 791.430 981 Índice para catálogo sistemático: 1. Cineastas brasileiros : Biografia 791.430 981 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2010 Todos os direitos reservados. 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