Bivar O Explorador de Sensações Peregrinas Bivar O Explorador de Sensações Peregrinas Maria Lucia Dahl Imprensa Oficial São Paulo, 2010 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador Alberto Goldman Imprensa Oficial Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho No Passado Está a História do Futuro A Imprensa Oficial muito tem contribuído com a sociedade no papel que lhe cabe: a democratização de conhecimento por meio da leitura. A Coleção Aplauso, lançada em 2004, é um exemplo bem-sucedido desse intento. Os temas nela abordados, como biografias de atores, diretores e dramaturgos, são garantia de que um fragmento da memória cultural do país será preservado. Por meio de conversas informais com jornalistas, a história dos artistas é transcrita em primeira pessoa, o que confere grande fluidez ao texto, conquistando mais e mais leitores. Assim, muitas dessas figuras que tiveram importância fundamental para as artes cênicas brasileiras têm sido resgatadas do esquecimento. Mesmo o nome daqueles que já partiram são frequentemente evocados pela voz de seus companheiros de palco ou de seus biógrafos. Ou seja, nessas histórias que se cruzam, verdadeiros mitos são redescobertos e imortalizados. E não só o público tem reconhecido a importância e a qualidade da Aplauso. Em 2008, a Coleção foi laureada com o mais importante prêmio da área editorial do Brasil: o Jabuti. Concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a edição especial sobre Raul Cortez ganhou na categoria biografia. Mas o que começou modestamente tomou vulto e novos temas passaram a integrar a Coleção ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso inclui inúmeros outros temas correlatos como a história das pioneiras TVs brasileiras, companhias de dança, roteiros de filmes, peças de teatro e uma parte dedicada à música, com biografias de compositores, cantores, maestros, etc. Para o final deste ano de 2010, está previsto o lançamento de 80 títulos, que se juntarão aos 220 já lançados até aqui. Destes, a maioria foi disponibilizada em acervo digital que pode ser acessado pela internet gratuitamente. Sem dúvida, essa ação constitui grande passo para difusão da nossa cultura entre estudantes, pesquisadores e leitores simplesmente interessados nas histórias. Com tudo isso, a Coleção Aplauso passa a fazer parte ela própria de uma história na qual personagens ficcionais se misturam à daqueles que os criaram, e que por sua vez compõe algumas páginas de outra muito maior: a história do Brasil. Boa leitura. Alberto Goldman Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Apresentação Conheci o Bivar por intermédio de Maria Regina, atriz que morou com ele e o José Vicente, em São Paulo, em 1969, quando ela ensaiava a peça Hair. Era a época da ditadura e Marcos Medeiros, meu namorado e líder estudantil, na época, depois marido e pai da minha filha, estava preso. Marcello Alencar, seu advogado, conseguiu enganar os policiais, dizendo que tinha de levá-lo a uma audiência. Marcello ligou pra mim e pra mãe do Marcos, a Dot, dizendo pra irmos encontrar com eles na porta do tribunal. Cheguei com a Dot, ao mesmo tempo em que eles chegavam pelo outro lado. Marcello nos chamou, puxou Marcos pelo braço, e disse: – Você está com seu passaporte aí? Dot respondeu que estava com ela. Então Marcello puxou Marcos e disse: – Foge!... Pega o passaporte e foge pra Argentina. Marcos olhou pra ele, perplexo, e Marcello continuou: – Para o primeiro ônibus que passar, vai até a rodoviária, de lá pra São Paulo e some direto pra Argentina. Anda, vai. Não se despede de ninguém. Marcos, em estado de choque, com os cabelos pintados de negro (os dele eram louros) e o passaporte falso na mão, fez o que Marcello dizia; Dot e eu pegamos o carro e fomos rapidamente embora. Sem querer, eu tinha juntado a fome com a vontade de comer: Marcos, um guerrilheiro que lutava contra a ditadura; Regina, completamente hippie, o que era outra forma de combater a repressão; Zé Vicente e Bivar, premiados autores de teatro absolutamente sintonizados com o espírito contestador da época, este último, autor de Cordélia Brasil, que tínhamos visto, Marcos e eu, e nos apaixonado, perdidamente, pela peça, texto, autor, atores, uma Norma Bengell sensacional, e um Luiz Jasmim no auge de sua beleza e charme. A peça fez tanto sucesso que algumas frases viraram moda: O começo é sempre difícil, Cordélia Brasil, vamos tentar outra vez. Isso passou a ser dito a torto e a direito. Teve críticas e comentários maravilhosos, na época, com Fausto Wolf dizendo que Bivar possuía uma força poética extraordinária e uma contundência poucas vezes vista entre os nossos autores. Pra mim, Bivar era uma espécie de Ionesco – surpreendente, cheio de humor, nonsense, beleza e cor. O autor que necessitávamos pra definir a década singular em que vivíamos, tendo o sonho como cenário, em todos os sentidos, e uma ditadura preta e branca que tentava nos prender a uma realidade imposta pela censura, prisão, tortura, ali, debaixo das Dunas da Gal, o que acabou por nos fazer optar por outros cenários tão bonitos quanto, em suas diferenças absolutas, em busca da liberdade, nossa meta principal. Mas, voltando à passagem do Marcos por São Paulo, conta Maria Regina: – O Bivar tinha ganhado um vidro de ácidos (LSD) de um conjunto americano, o The Sound of San Francisco em temporada por São Paulo e mais um livro do Castañeda, The Teachings of Don Juan. Num desses dias que tínhamos tomado ácido, e já estávamos viajando, toca a campainha e era o Marcos Medeiros, com os cabelos pintados de negro tal qual Viva Zapata, além do passaporte falso, dizendo que ia pra Argentina, fugido da polícia. Enfiei-lhe um ácido goela abaixo. O Marcos achou que era Mandrix (remédio pra dormir, que se tomava pra curtir) e engoliu. Depois eu falei que era ácido, mas não tinha mais jeito e resolvemos sair pela Rua Augusta: Marcos, Zé Vicente, Bivar e eu. Paramos na porta de um cabeleireiro e quando vimos aquelas mulheres de bobs no cabelo, debaixo dos secadores, aquilo parecia uma coisa de Marte e rimos tanto que botei chiclete na boca pra parar de rir e acabei perdendo um dente que ficou pregado no chiclete, e continuei às gargalhadas, com o dente na mão! – Depois dessa história do cabeleireiro, bobs e secadores – conta Bivar – levei o Marcos pro MASP Museu de Arte de São Paulo (MASP) e ficamos vendo O Menino Estudante do Van Gogh se mexendo na tela e comunicando seu desespero pra gente. Foi uma sensação inesquecível e lembro que Marcos também ficou muito tocado e angustiado com o sofrimento do menino amarelo do Van Gogh. Não sei quanto tempo Marcos ficou em São Paulo. Só fui encontrá-lo, já grávida, um pouco depois, em Paris. Lá vivia a turma da política. Em Londres, a dos hippies, e, novamente, encontrei Bivar na Inglaterra, na casa do Gilberto Gil, onde ácidos, baseados e Tropicália rolavam soltos entre um grupo variado de artistas hippies, como o Jorge Mautner e a Ruth, Caetano e Dedé, Rogério Sganzerla, Helena Ignez e Júlio Bressane, que me ensinaram a palavra careta. Tudo era careta. Uma vez Helena Ignez me viu dar mamadeira pra minha filha de seis meses e gritou apavorada: – Está dando veneno pra criança! Está dando veneno pra criança! Quase tive um troço até saber que o veneno a que ela se referia era o leite, na época totalmente rejeitado pela macrobiótica vigente. Maria Lucia Dahl Capítulo I Com a Palavra Bivar Optei por ser hippie no final da década de 1960. Eu era um autor muito criticado por ser popanarquista, quando o politicamente correto era ser carrancudo e engajado sob as amarras do teatro do oprimido. Barba e bolsa, segundo Telmo Martino. No ano anterior, na estreia de Abre a Janela, depois do espetáculo, Plínio Marcos esbravejava: Enquanto estamos lutando pelo arroz e feijão, lá vem o Bivar trazendo a sobremesa! Eu era um autor premiado, já tinha escrito e encenado no Rio um happening teatral, em 1967, em parceria com Carlos Aquino, que se chamava: Simone de Beauvoir, Pare de Fumar, Siga o Exemplo de Gildinha Saraiva e Comece a Trabalhar, crítica à Geração Paissandu (a geração do Cinema Novo que frequentava o Cinema Paissandu, no Rio e depois ia para os bares discutir sobre o filme que haviam visto), fez o maior sucesso, a começar por seu título quilométrico. Depois veio Cordélia Brasil, em 1968, com Norma Bengell no papel principal, que também fez muito sucesso, e outra peça que escrevi, dirigida pelo Fauzi Arap, com Maria Della Costa e que se chamava Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã. Com a peça ganhei o Molière, um prêmio de viagem à Euro-pa concedido pela Air France. Apesar de todas as críticas maravilhosas e do público que enchia os teatros, minhas peças eram consideradas de uma amoralidade sem precedentes na história da dramaturgia brasileira. Fui bastante perseguido pela ditadura militar por causa delas e em pouco tempo estava proibido de ser encenado. Então, como esse prêmio tivesse vindo a calhar, na hora exata em que vários artistas daquela geração, forçados ou voluntariamente, se exilaram, também fui para o exterior. Escolhi a Inglaterra por ser, então, o paraíso da contracultura. Mesmo exilado, foi o ano mais feliz da minha vida. Jamais me sentira tão livre. Era o clímax de uma nova utopia, talvez. Os anos de 1970 e de 1971, presumivelmente, foram os últimos do Sonho... Capítulo II A Era Hippie Conheci Gil através da Anecy Rocha – que era amiga dele – e Caetano. Ela me apresentou aos dois recém-chegados da Bahia que foram se enturmando com o Cinema Novo... Cheguei a Londres com pouquíssimo dinheiro, fui procurar um hotel barato, mas estavam todos ocupados e depois de ouvir sempre a mesma resposta, que a casa estava lotada, resolvi ligar pro Gil, que ainda não conhecia pessoalmente. Por sorte atendeu meu amigo Johnny Howard, que, de passagem pela casa dos baianos, me convidou a ficar em sua casa e de sua mulher, a Mariana, moça da alta sociedade paulistana. Estava salvo, por ora, e o espírito que comandava a atmosfera evoluía rumo à plenitude do Sonho. O bordão the dream is over nem tinha passado ainda pela cabeça do John Lennon. A casa do Johnny e da Mariana era badaladíssima e lá conheci gente de toda espécie. Aonde ia ficava amigo de gente que se largava na movimentação hip, head and freak, além das pessoas que já eram amigas do Brasil e estavam autoexiladas ou a trabalho, como o Guilherme Araújo, empresário de Caetano e Gil. Guilherme dava festas maravilhosas. Tudo para mim era novidade e nunca me senti tão feliz quando vi neve caindo pela primeira vez através da janela da sala do Johnny. Desci feito bala a escadaria para sentir na pele os flocos fofos e gelados. Desde a minha mais tenra infância, passada numa chácara nas bandas da Água Fria (Cantareira), em São Paulo – onde vivi o Éden dos meus verdes anos –, pode-se dizer que o nome do lugar, Água Fria, fez de mim, aos 11 meses, um apaixonado por água... e fria. Minha mãe sempre contava que eu sumia e iam me encontrar no quintal, debaixo de um chuveiro estragado, com um fio de água que corria sem parar, sentadinho no chão com os pingos molhando a minha cabeça. Eu tinha 11 meses e já andava sozinho. Outra vez, ainda na casa do Johnny e Mariana, eu estava com a Sheila Shalders, uma carioca, ex-aeromoça da Pan Am e, agora, mística e vidente, que foi feito bala pra Londres depois de ter recebido uma mensagem telepática dizendo que o George Harrison estava correndo perigo de vida e só ela poderia salvá-lo, e passava os dias procurando o beatle, o que não era fácil. Então, assim que ela saiu atrás do seu ídolo, chegou uma italiana, Grazia, com seu filho de 4 anos, trazendo um bolo para o Johnny e a Mariana. Achei coincidência alguém aparecer com um bolo, pois era meu aniversário de 31 anos, em-bora eu não tivesse contado a ninguém. Grazia, achando que seria ridículo ficar esperando os donos da casa pra comer o bolo, sugeriu que o comêssemos e disse que era um bolo especial, feito de chocolate e haxixe que ela mesma preparara. Então ela cortou o bolo em fatias, que comemos juntos, inclusive o seu filho de 4 anos, o que me fez ficar aflito. Depois entreguei a Deus, já que sua própria mãe lhe dera o pedaço. Aí fomos dar uma volta de carro e o bolo bateu enquanto o filho de Grazia comentava sobre tudo e todos que passavam. Então, um dia, Johnny e Mariana resolveram se mudar do apartamento e eu aluguei um quarto, em Chelsea, na King’s Road, esquina com a Old Church Street. Era a rua do Thomas Morus, e eu, utópico por natureza, nem imaginava que a Utopia tinha sido inventada ali. Com certeza estava sendo guiado por anjos lá do alto. Naquela época a gente acreditava nessas coisas (e até hoje acredito). O quarto era tipo o famoso quarto do Van Gogh, na cobertura de um velho edifício vitoriano. Era começo de julho, verão em toda a Europa e nossos amigos deixavam Londres em busca de outros paraísos. Então, depois de ir para a Lapônia, de bicicleta, com David Linger, flautista americano radicado em Londres, que tocava com Gil e Caetano – hoje Linger é professor de arte na universidade de Berkeley, na Califórnia –, peguei o pouco dinheiro que tinha, a mochila, o saco de dormir, encontrei um conhecido, o ator Rodrigo Santiago, e juntos fomos conhecer um pouco mais da Inglaterra, subindo de carona até a Escócia. Na manhã seguinte, já estávamos na boleia de um pequeno caminhão que transportava repolhos. O motorista adorava futebol. E como o Brasil estava na crista por ter vencido a Copa, essa e todas as caronas ficaram fáceis pro Rodrigo e eu. E foram muitas caronas até a Escócia... Oxford foi nossa primeira parada, uma cidade vazia, quase fantasmagórica. Eram férias escolares. Andando pelo bosque universitário vimos de repente um velho nu, depois vários deles, como num clube masculino, havendo inclusive crianças, todo mundo nu curtindo os últimos raios de sol. A princípio a visão nos deixou perplexos. À noitinha deixamos a cidade e ali perto num campo de mostarda beirando a rodovia nos enfiamos nos nossos sacos de dormir, sob uma fina garoa. Manhã seguinte pegamos carona no carro de um piloto que conhecia e gostava do Brasil. Passamos por Woodstock, uma pequena cidade, o piloto nos apontou uma casa onde, segundo ele, nascera Winston Churchill. Então fomos até Stratford-upon-Avon, que estava cheia de turistas e hippies que nos ofereceram um baseado. À noite fomos ao teatro curtir Hamlet. O teatro estava superlotado com gente em pé, já que se dizia ser uma montagem revolucionária, o ator [Alan Howard] que fazia Hamlet mostrava a bunda à plateia. Uma bela bunda, mas sua exibição nos pareceu fora de contexto. Depois da aparição da bunda, no fim do segundo ato, fomos embora. Voltando à estrada, no dia seguinte, quase fomos atropelados por um BMW vermelho e reluzente de tão novo. O dono abriu a porta nos convidando a entrar. Entramos e ele ordenou que colocássemos o cinto de segurança. Em todas as caronas até essa, todos ignoraram cinto de segurança, de modo que totalmente descontraídos no barato da erva, que fora presenteada ainda em Londres por Rogério e Helena Ignez, caímos na real e a princípio ficamos tensos. Cinto de segurança nos pareceu camisa de força. O dono do carro era o tipo do rapaz que antigamente se usava chamar de almofadinha. Quando soube que éramos brasileiros sentiu-se na última moda e nos pediu autógrafo por causa da Copa de 1970 que o Brasil vencera. E o bendito título nos salvou em Preston, quando a barra pesou pro nosso lado. Estávamos num gramado na entrada da cidade com o mapa estendido decidindo se íamos para Liverpool ou Lancaster, ou se era uma boa explorar York, ou desviar para Leeds, quando demos de cara com um bando de skinheads, que era o novo modelo de juventude rebelde vinda do proletariado. Tinham um uniforme: coturnos, jeans de barra dobrada na canela, suspensórios e camisa social de tecido sintético em cores neutras. Corte de cabelo quase careca, daí o nome de skinheads. Idade média: 16 anos. Sádicos, arrogantes e temidos por todos, os hippies eram suas principais vítimas. Já estamos indo embora – disse Rodrigo com voz trêmula. Só estamos olhando o mapa pra ver que... – eu ia acrescentando, quando um dos skins torceu o braço de Rodrigo, que deu um grito de dor meio teatral. Perguntaram a nossa nacionalidade e respondi que éramos brasileiros. Brasileiro não existe – disse outro skin. Por aqui nunca passou brasileiro. Mas nós somos brasileiros! – eu disse, convicto. Então digam os nomes dos jogadores da seleção do seu país – ordenou o que torcera o braço do Rodrigo. O nome de Pelé já estava na ponta da minha língua, mas e o resto? Futebol nunca fora o meu forte. Liguei-me num rápido brainstorm e os nomes foram saindo entre uma e outra pausa de suspense: – Pelé, Tostão... Jairzinho, né? Rivelino, Carlos Alberto... Ia tentando me lembrar dos outros cinco, mas nem foi preciso. Aqueles nomes mágicos serviram para que os skinheads não só ficassem de bem como ainda nos ajudaram a procurar a estrada no mapa. E, sorrindo, fizeram questão de nos levar a ela. O que é o futebol!, pensei, aliviado. Depois dessa e outro tanto, finalmente chegamos à Escócia. Em Glasgow fizemos muita farra com as garotas do elenco do Hair itinerante. Em Edimburgo pegamos o rabo do festival. E depois de curtir todas que nos foram servidas voltamos de trem para Londres. Em Londres esperava-me uma carta do José Vicente, meu melhor amigo e rival teatral. Na carta o Zé avisava que estava chegando, depois do sucesso de sua peça O Assalto, pela qual recebera o Molière no Rio. Enquanto o aguardava ansiosamente não fiz mais nada. Vez por outra, da janela do quarto na King’s Road via passar a Joan Collins (repetindo a mesma roupa em dias diferentes), Pete Townshend (The Who), Mick Jagger... Só celebridades e gente fashion... Zé Vicente chegou, levei-o ao Soho, Notting Hill e High Street Kensington... Logo ele já ia saindo sozinho e colhendo suas próprias impressões. Não se mostrou tão fascinado quanto eu pelos ingleses e sentia mais afinidade com os latinos, brasileiros em especial, e também queria viajar pela Europa. Mas em poucos dias abandonou a pressa de partir. Londres de algum modo também o conquistara. Nosso quarto ficava lotado de estudantes, hippies, artistas, modelos e socialites. Alguém sempre vinha com maconha ou haxixe. Tentávamos disfarçar o cheiro através de incensos perfumosos. Uma noite por semana, Zé, Rodrigo Santiago e eu discutíamos O Banquete, de Platão. Outras noites, Zé Vicente lia William Burroughs, que ele achava exquisite. E por falar em exquisite, fomos passear pela Portobello Road, e o Zé parou num drugstore para comprar um batom Mary Quant vermelhoameixa. E ali mesmo, defronte do espelho, pas-sou o batom nos lábios. Gert, um amigo alemão que estava conosco, e eu, morrendo de inveja, pedimos o batom emprestado, nos pintamos também, e, completamente exquisites, fomos pegar o metrô. Capítulo III Ilha de Wight Era a última segunda-feira de agosto. Londres estava completamente colorida de hippies, milhares deles, todos indo em direção à Ilha de Wight, inclusive Zé e eu, de mochila e saco de dormir, tentar a estrada e seguir os andarilhos que iam todos assistir ao The Doors, Jimi Hendrix, The Who, Miles Davis, Ten Years After, Joan Baez, Black Widow e dezenas de outros tão famosos quanto. Logo conseguimos carona na boleia de uma caminhonete, junto com outro hippie que vinha da Escócia. Quando o motorista nos deixou já era noite, depois de Guildford, num lugar que no escuro nos parecia ser um bosque. Entramos nele, catamos gravetos, fizemos uma fogueira e o escocês, morto de cansaço, se enfiou no seu saco de dormir dizendo-se exausto. O Zé também aproveitou pra cair duro. Sem sono, fiquei curtindo o mistério, quando, repentinamente, vi cinco faróis avançando em nossa direção. Eram cinco policiais fardados e armados, inclusive uma mulher, acompanhados de cães também policiais. Faróis em nossas caras, pediram nossos documentos. Alegaram que aquela era uma propriedade privada e que se quiséssemos dormir teríamos de caminhar mais cinco milhas até o acampamento permitido aos que iam para o festival. Blackie, o escocês, fez cara de quem ia morrer de cansaço, pois vinha caminhando e pegando carona desde a Escócia. Os policiais pediram nossos documentos. Aleguei ser distraído e ter esquecido os meus em Londres, mas que era brasileiro, jornalista, e em trabalho de cobertura do festival. Um dos policiais disse aos outros, como que a me provocar: – Com certeza ele irá escrever falando mal da polícia inglesa! Outro policial mandou que esvaziássemos nossas mochilas e com os faróis vistoriaram o conteúdo, certamente procurando drogas, os cães também farejando nossas coisas. Entre as coisas de Blackie, um dos guardas achou uma latinha contendo um pó verde-musgo. Ao cheirar para ver o que era o policial foi imediatamente acometido por um acesso de espirros. Era rapé! E foram embora deixando-nos ouvir um ou outro atchim!, enquanto caminhávamos até o camping oficial onde pernoitamos. Na manhã orvalhada, ao despertar constatamos que tínhamos dormido debaixo de uma enorme macieira carregada de maçãs maduras e suculentas. Um homem que morava em Portsmouth nos deu carona, corremos e ainda conseguimos pegar o ferryboat para a Ilha de Wight. Chegamos ao local do festival no fundo de uma vasta fazenda. Havia muitas barracas armadas e outras sendo feitas. Ouvia-se o som de mil martelos, serras, serrotes, latas de zinco e gente de faca na mão inventando cabanas dentro dos próprios arbustos. A meio caminho do topo do morro podia-se ver, lá embaixo, o imenso palco. Em torno dele, construía-se um muro alto, de zinco. Seriam necessários bilhetes pra se entrar naquela área. José e eu já tínhamos comprado os nossos, em Londres, mas se quiséssemos, podíamos ver tudo dali, tanto o festival quanto tudo o que estava acontecendo: hippies dormindo ao sol do meio-dia, mais adiante um bairro rico, feito de arbustos inteiros, com avarandado e cortinas de tendas ricas; outro bairro classe média, nouveau-riche, e junto a uma cerca que separava um campo de ervilhas do festival, uma enorme bandeira do Brasil desfraldada ao vento que eu já conhecia de outros festivais; eram as tendas dos irmãos Prado. Fomos imediatamente para lá e encontramos todo mundo. O festival dava a impressão de bem organizado. Havia até áreas de sanitários, privadas com assento de tábua, mas, sem portas! Uma ao lado da outra. Podia-se ver os que cagavam. Achei pirante, mas depois pensei que podia ser uma jogada de liberação para que as pessoas perdessem a antiga inibição e o tradicional recato que cercam essas necessidades fisiológicas. Na noite do dia seguinte, numa das duas barracas, Gilberto Gil e um grupo improvisavam um som do qual quem quisesse poderia participar, bastava ter um instrumento à mão ou cordas vocais soltando bebops. Cláudio Prado gravou uma fita de rolo, foi à organização do festival e contou que se tratava de músicos muito conhecidos no Brasil, como Gil, Caetano e outros artistas exilados na Inglaterra e que eles gostariam de dar uma canja. A organização ofereceu o dia de quinta-feira pro nosso grupo. Caetano Veloso cantava enquanto Gal Costa, chegada do Rio e em férias, tocava um reco-reco enquanto eu tocava outro. Caetano ao violão e Zé Vicente aos prantos, emocionado, lembrava nomes de nossos companheiros que não estavam ali conosco no palco da Ilha de Wight! Gil cantou nas línguas que sabia e nas que improvisou na hora. Martine Barrat usava um indescritível traje vermelho-hemorragia, de plástico, cheio de pernas e braços, como uma centopeia onde cabiam 12 pessoas dentro. No meio do show saíram nus da centopeia de Martine. Nossa apresentação terminou com Gil cantando Aquele Abraço. A plateia, realmente surpresa, pedia more, more, mais, mais. Nos bastidores os descobridores de talento assediavam Cláudio Prado. Os homens da CBS queriam contratar todo o grupo, mas Guilherme Araújo chegou de Londres e deu um não definitivo. Gil e Caetano deviam continuar em carreira solo. Mas valeu termos aberto o segundo dia do festival. Aproximadamente 600 mil pessoas vibravam mais com o Ten Years After que com o jazz fusion que Miles Davis tocou entre baseados de haxixe, os quais rolavam fraternalmente de mão em mão. Depois veio o trio Emerson, Lake and Palmer tocando um rock progressivo reforçado por tiros de canhão, o que quase matou todo mundo de susto. Mas sucesso mesmo fez o The Doors, grupo de Los Angeles com o enigmático Jim Morrison, lenda viva no seu próprio tempo. E todos se sentiram revitalizados pela descarga de energia do The Who, com direito à destruição da guitarra do Pete Townshend. Era a nossa penúltima noite no festival. Nas tendas dormíamos nos nossos sacos junto com umas 20 pessoas e seu excesso de calor humano. Gente respirando, arfando, espirrando, tossindo, roncando, peidando, sonhando. Alguns casais trouxeram sacos duplos e faziam amor dentro deles. Ouviam-se os gemidos, os suspiros e até os orgasmos de alguns e algumas, como o famoso cantor com a top model. Fazia uma semana que ninguém tomava banho e ninguém se fez de rogado quando foi descoberta uma cachoeira do outro lado da colina. Nus sob a cachoeira e tomando sabonete de outros, Caetano, Gal, Helena e Rogério, eu e tantos outros. Helena Ignez e eu fomos passear nus entre os Hell’s Angels, também pelados. Nessa época só os Hell’s Angels eram tatuados. Descemos o morro ao som dos Everly Brothers, o rock caipira que tanto gostáramos na adolescência e que fora grande influência na formação dos Beatles, e depois Joan Baez com suas canções de protesto, antes do final que foi, para milhares, a maior atração do festival de Wight 1970: Jimi Hendrix. Em sua última apresentação antes da morte, cerca de um mês depois. O muro que separava os de dentro dos de fora foi posto abaixo pelos neoanarquistas franceses. Os sanitários já se encontravam incagáveis e a área das bicas era um lamaçal. No jornal Rolling Stone, americano, que chegou em Londres, saiu uma grande matéria sobre o festival. A matéria fala mal de tudo e todos e diz que a única novidade foi a aparição do grupo brasileiro destacando Caetano e Gil e falando dos adolescentes, meninos e meninas, que surgiram nus de dentro da centopeia de plástico vermelho-hemorragia, criação da francesa nossa amiga Martine Barrat. Quanto à Ilha de Wight, imagina, que aquela que veio a ser minha companheira de 15 anos (de 1993, quando nos conhecemos, a 2008, quando ela faleceu), a editora inglesa Jenny Thompson, em 1998 me levou à Ilha de Wight onde tinha uma casa de quatro andares. Jenny me levou ao lugar onde acontecera o festival, a fazenda em Freshwater. Só então entendi que Wight é uma ilha até bem grande, com capital [Newport] e várias cidades. Com Jenny em 1998 conheci a fazenda da família Boswell, amigos dela. A fazenda tem uma butique só de produtos com alho. Dizem que é o melhor alho da Europa. E o aspargo da fazenda, uma coisa! Em 2001, noutra visita à ilha, encontrei de novo o poeta David Gascoyne, já bem velho – foi ele quem, com Roland Penrose, levou o surrealismo à Inglaterra, com a presença de Salvador Dalí, Max Ernst e outros. Isso na década de 1930, se não me engano. Gascoyne e a mulher, Judy, uns amores. E também Edward Upward com 100 anos e lúcido. Upward fez parte da turma do Christopher Isherwood, de cujos romances autobiográficos sobre a Berlim dos anos que precederam a ascensão do nazismo, livros dos quais foi extraído o plot do filme Cabaret, que tanto ruído fez nos anos 1970, com a Liza Minelli, a Marisa Berenson, o Joel Grey e todo aquele pessoal. Upward foi o melhor amigo de Isherwood. E eu o conhecendo ali, tanto tempo depois, na Ilha de Wight, recentemente viúvo, morando sozinho numa casa linda cercada por um jardim generosamente inglês, como ele, Edward Upward. Imagina que outro dia meu sobrinho Rafael Marquese, que é historiador e detentor da cadeira de Sergio Buarque de Holanda na USP, em missão em universidade americana hospedou-se na casa do escritor irlandês Dennis O´Hearne, autor do livro sobre Bobby Sands, do IRA, que morreu na prisão durante a greve de fome e virou filme – Hunger – muito exibido nos festivais. Na casa do autor do livro, meu sobrinho encontrou um documentário da BBC sobre o Festival de Wight de 1970 e me descobriu tocando reco-reco; e além de Caetano e Gil, aparece também o Zé Vicente e a Martine Barrat com a centopeia vermelha e o momento em que os 11 adolescentes saem nus. Esse mundo é realmente todo interligado, e mágico, de algum modo... Bem, retomando, depois de voltar a Londres, ainda fui até Salisbury com o Zé Vicente para continuarmos escrevendo o nosso musical a quatro mãos, inspirado no festival de Wight. Mas Zé não aguentou Salisbury, sentiu espíritos contrários na atmosfera e resolveu pegar de novo a estrada e ir pra Paris, ou pra onde fosse. Deixei-o na estação de ônibus e nos despedimos. Sozinho, sentado num banco molhado de chuva no gramado da catedral medieval, pensava no que fazer da vida: se entrar num outro ônibus ou ficar em Salisbury. Optei por continuar em Salisbury. E ali perto de Stonehenge, enquanto refletia sobre a minha vida e cavoucava um buraco à beira do Rio Avon para enterrar o texto inacabado do musical que estivera escrevendo com Zé Vicente, questionei-me sobre o sentido de estar tão distante da minha terra, dos meus amigos, da minha língua e concluí que na verdade eu era apolítico, aventureiro, vagabundo, sonhador, um explorador de sensações peregrinas, um híbrido, um incorrigível. Mergulhei nas raízes lembrando-me de meus antepassados genealógicos: de Bill Walpp (ou Whelp) meu tatataravô inglês, da suposta linhagem alemã, que além de ter Niemeyer no nome, também lutara com certo sucesso pela Prússia contra Napoleão, pensei na parte espanhola ligada a Don Rodrigo Diaz de Bivar, herói da cavalaria andante que vencera os mouros e entrara para a lenda como El Cid, o Campeador, pensei nos portugueses, como Violante Ataliba Ximenez de Bivar e Velasco, filha do conselheiro imperial Diogo de Bivar (que veio de Portugal na corte de Dom João VI), editora, no século 19, do primeiro jornal feminino inteiramente redigido por mulheres, O Jornal das Senhoras, no Rio. Violante de Bivar foi considerada pelo amigo escritor Joaquim Manuel de Macedo a primeira jornalista brasileira. Isso do lado paterno; do materno, 50% do meu sangue era italiano do norte, oriundo do Vêneto. Entendi ser, no fundo, um europeu ali na Inglaterra, England, terra dos anjos, ou seja, Eng, arcaico de Anjo e land, de terra: Eng+land = terra de anjo. Então relaxei e sai dali achando que os anjos tinham me levado onde eu estava e que Deus me mostraria aonde ir, pois, por mais longe que se vá, aonde quer que se vá, o indivíduo estará sempre ligado às suas raízes. Meu tatataravô, William Walpp, que no século 19, jovem e solteiro, deixara Liverpool pela aventura da fortuna no Brasil estabelecendose como fabricante de navios em São João da Barra, Estado do Rio, onde conhecera e casara com minha tatataravó, Clarinda Dias; então, se o homem tem raízes, parte das minhas estavam em Liverpool. Gostaria de achar a casa do meu tatataravô ou mesmo sua ruína, mas como isso era impossível, fiquei passeando e pensando nos Beatles, que eram de Liverpool, quem sabe eu não era aparentado com algum deles? De volta a Londres encontrei [Antonio] Abujamra, o diretor teatral, em plena turnê cultural pela Europa antes de voar para Nova York. Ele pagou minha passagem para Nova York e lá pretendia discutir comigo um projeto de montar uma de minhas peças. Em Nova York, graças ao meu amigo Jorge Mautner, fiquei dois meses hospedado de graça no Hotel Chelsea, um hotel lendário desde Mark Twain, que morou nele. Os beats moraram lá também (Ginsberg, Bur-roughs, Corso). Arthur Miller lá escreveu Depois da Queda, sobre a morte de Marilyn; Arthur C. Clark escreveu 2001 [Uma Odisseia no Espaço] e toda a turma do Andy Warhol morou ou passou pelo Chelsea; nesse hotel ele filmou Chelsea Girls, com a Nico e um monte de superstars. Viva, uma dessas superstars warholianas, mora no Chelsea até hoje. E em outubro de 1978, o Sid Vicious (da banda punk Sex Pistols) matou a namorada Nancy Spungen, no quarto núme ro 100 do hotel. De modo que o Chelsea é um hotel forte. Ali conheci muita gente e subi o elevador com a Jane Fonda que, em dezembro de 1970, estava em missão politicamente correta (pra ela) defendendo índios e panteras negras. Tudo isso graças ao amigo Jorge Mautner que, com a mulher, Ruth, morava e cuidava de duas suítes nesse hotel. Mautner era protegé de um milionário paraplégico dono de duas suítes do hotel. Lembro-me da festa de arromba que Mautner deu na suíte dele e, imagina, Maria Lúcia, que até a Isabella Rosselini foi. Ela começava a carreira, aos 19 anos, fazendo parte do elenco de apoio de Orlando Furioso, que foi da Itália se apresentar numa tenda no Central Park. Isso foi muito antes de ela estourar como modelo exclusivo da Lancôme e estrelar Blue Velvet. Mas, voltando ao Abujamra, ele queria encenar minha peça O Cão Siamês de Alzira Porra-Louca, que eu escrevera há algum tempo e que fez um sucesso underground na temporada passada em São Paulo. Abujamra pretendia encenar a peça no Rio, na temporada de verão, com Yolanda Cardoso e como a peça original era muito curta, o diretor queria que eu a aumentasse uns 15 minutos. A primeira coisa que fiz foi mudar o nome da peça para Alzira Power já que o porra-louca não passaria na censura. O Power do título pas sou então a ser uma homenagem a todos os powers do momento: o Black Power, o Gay Power, o Power to The People Right Now e, sobretudo, o Women Power. Enfim, Alzira atualizava-se com os movimentos do dia e entrava neles, de peito aberto, liberada e sem sutiã. Abujamra adorou as mudanças e voltou para o Brasil com o novo texto na bagagem. Quanto a mim, dois meses de Nova York foram suficientes e fui passar o ano novo na Irlanda. Só com a passagem da Aer Lingus, mochila, US$ 50 e uma câmera Super-8. Rodei 15 dias pela Irlanda do Sul, e de Dublin fui num barco de bêbados para Liverpool. De Liverpool, no meio da neve, de trem para Londres onde, sem teto, fui acolhido por Sandra e Gilberto Gil na casinha deles, num mews, em Notting Hill. Desse tempo, devo muito à generosidade baiana em Londres. Sandra me disse que uma amiga nossa, a Naná, estava com um quarto disponível no apartamento dela a um quarteirão dali e mudei-me pra lá. Do outro lado da rua [Elgin Crescent] ficava o apartamento de Caetano e Dedé. Daí, uma manhã, depois de to-mar o meu leite com sucrilho, peguei o metrô e fui ao centro onde ficava a espaçosa e elegante agência da Varig, numa transversal da Regent Street. A agência da Varig era, no começo de 1971, o único lugar em Londres onde se podia ler os jornais brasileiros. E lá estava, na primeira página do Jornal do Brasil a chamada para a crítica de Yan Michalski sobre a estreia de Alzira Power no Rio: Entre dois momentos de força há sempre um intervalo em que Bivar quase se limita a fazer charme. Mas cada um desses momentos de força que aparecem de vez em quando revela o talento absolutamente sui generis de Bivar, que maneja, como nenhum outro autor brasileiro, os recursos da fantasia e que tem um senso de humor inteiramente pessoal, inimitável. E esses momentos fortes são suficientemente numerosos, e de suficiente qualidade para que o autor acabe nos dando o seu recado: uma visão do mundo amarga, perplexa, rebelde, traumatizada, ainda que um pouco festiva. Podemos ou não entrar nessa visão de Bivar, mas dificilmente podemos resistir à graça com a qual ele nos mostra esta visão. O fascinante personagem de Alzira, multifacetado e escorregadio nos surpreende e comunica a sua força vital até a última réplica. Yolanda Cardoso encontrou, nesse personagem, o papel de sua vida ao qual se agarra com verdade, carinho e uma vitalidade admirável. Marcelo Picchi sustenta inteligentemente o menos brilhante dos papéis. A direção de Abujamra é precisa, nervosa, mordaz e sua mão firme pode ser percebida no trabalho dos dois intérpretes. Disfarçadamente arranquei a página do jornal e, contentíssimo, fui fazer uma chamada internacional a cobrar para a SBAT solicitando US$ 300 por conta dos royalties. Nessa época, do Brasil só se podia receber essa quantia por mês. E, com a crítica de Yan no bolso, feliz da vida fui perambular pelas cercanias de Piccadilly. Capítulo IV Infância e Mocidade Na verdade nasci sob o signo de Touro em 1939 e nunca fui de parar na vida desde os 11 meses, quando corria, em Água Fria, na fazenda de minha família. Gostava mesmo era de fazer amigos e influenciar pessoas. Quando tinha dois anos minha família se mudou pro interior. Da guerra que acontecia do outro lado do mundo não me lembro de ter ouvido aviões nem bombas, exceto algumas imagens repelentes dos campos de concentração publicadas nas revistas. Cinco filhos, três meninas e dois meninos, eu, o filho do meio. Papai era homem culto, exímio saxofonista, empreendedor da alta cultura no pedaço. Mamãe, alem das prendas domésticas, era uma mulher atualizada, prática e batalhadora. Entre mergulhos nos rios, os frutos dos pomares, os canaviais, as trilhas e os companheiros fui menino relativamente arteiro, adorava revistas, livros, música e cinema. Cinema em 16 mm, uma vez por semana no clube. Devia ter uns nove anos quando vi meu primeiro filme, um filme de guerra, com um ator que fazia um soldado ferido com uma bala na perna e entrincheirado num fosso lamacento. O filme era A Patrulha de Bataan e o ator, Lee Bowman. A seguir foram filmes da Republic, da MGM, Tarzan, faroeste, filmes noir, e, claro, Margaret O’Brien, Esther Williams em Technicolor, rumba, Xavier Cugat & Lina Romay. E, sem dúvida, Carmen Miranda. Depois cresci e mudamos pra cidade grande onde a vida ficou menor, mas sempre com muitos atrativos. Durante o dia trabalhava como garoto de entregas numa loja de departamentos, rodando a cidade de bicicleta e fazendo entrega de mercadoria. À noite fazia o ginasial. O ensino era deficiente e eu, mau aluno, geralmente matava aula pelo cinema. Senso, de Luchino Visconti, foi o primeiro filme proibido para menores que assisti. Dos livros, mal aprendera a ler – aos cinco anos – e já era subvertido pelos paradoxos geniais de Oscar Wilde. Na estante lá de casa, tinha Dickens, Thomas Hardy, Clarice Lispector (difícil), Dinah Silveira de Queiroz (fácil), Berta Ruck, Érico Veríssimo e companhia. Na adolescência vieram Françoise Sagan e os existencialistas. Descobri Simone de Beauvoir, mas achei Sartre muito pra minha cabeça. Aquela coisa de o inferno ser os outros não me convencia. Achava ridícula essa ideia, mas hoje vejo que Sartre estava certo. Aos 18 anos comecei a ler Kerouac e a Beat Generation. Na vitrola portátil, Chuck Berry e Pat Boone, Gerry Mulligan e Chet Baker, João Gilberto e Julie London. Maysa na vitrola das garotas vizinhas. Aprendia inglês com os missionários mórmons (americanos), que me batizaram (para desespero de minha mãe e vovô Fioravanti). Maria Lúcia, acredite, cheguei a ser sacerdote mórmon de pregar no púlpito! Tenho saudade da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Havia um lado moralista fortíssimo. Imagina, Maria Lúcia, que era proibido café (tinha cafeína), Coca-Cola (tinha cola e cocaína) e cigarro (pela nicotina), e também se cobrava um rigor comportamental que me fascinava. E me fascina até hoje. Considero um saudável equilíbrio na balança da sobrevivência. Estava eu em Londres em 2009 quando tive uma recaída mórmon e frequentei a igreja que fica ao lado do Victoria e Albert Museum. Na igreja mórmon em Ribeirão Preto conheci gente ótima. A vivíssima Dileta Montefeltro, as deliciosas irmãs Passaglia – eram fanáticas por Elvis Presley; havia uma missionária americana, Sister Burke, que era só pôr o Elvis na vitrola e ela se descabelava toda. As noites de sábado eram ótimas. Fazíamos teatro, dançávamos o rock. Na igreja conheci algumas das pessoas mais influentes na minha formação desse tempo. Um deles era Alcyr Ribeiro Costa (futuro dermatologista). Ele não era membro da igreja, mas a frequentava aos sábados. Alcyr me apresentou os escritores existencialistas e foi influente na minha decisão de seguir a carreira teatral. Recentemente minha irmã Maria Guilhermina encontrou uma carta que um missionário mórmon americano, Elder Hibbert, me escreveu em 1959, depois de ser transferido para São Paulo. É a carta mais antiga que me escreveram e o ape-lido de Castor é porque a pronuncia de Bivar é parecida com Beaver (castor em inglês). A carta, que é longa, está editada (sem mudar nada): Dear Castor Flor da Idade Lima, Enquanto estava sentado no banco hoje na Escola Dominical me entregaram sua última correspondência. Sendo que você foi tão pronto em responder, vou tomar você como exemplo e escrever agora. Elder Hartsfield voltou ontem de Iguaçu (Quedas do). Foi lá com Elders Mickel e Shirley. Divertiram-se bastante até que Elder E, o qual tem só duas semanas para terminar a missão dele, está completamente incapaz de continuar seu cargo de missionário. Só pensa em voltar [para os EUA] e namorar. Quando você vem pra cá? Temos tanta coisa para conversar e precisamos conversar sobre tudo. Pelos seus pensamentos no assunto de felicidade parece que você virou filósofo. É bom. Eu atualmente estou estudando Hegel e Santayana, sendo principalmente interessado nas suas teorias de arte. Quando eu ficar bem conhecido como arquiteto e escritor vou escrever minha própria filosofia de arte, a qual está se formando agora, aliás desde a idade de 17 anos. Falando de eu ser escritor, quero que você saiba que sou primeiro arquiteto e depois autor. Há muitas coisas que tenho a dizer e a única maneira é escrever. Não fica desanimado, mas se eu escrever romance, primeiramente será de tema mórmon e provavelmente de experiências missionárias. Porque eu, como a maioria, escrevo melhor sobre o que conheço. E também porque eu creio que o mundo da literatura está cansado de obras negativas e reformadoras de que consiste a maioria da literatura dos 30 anos passados, e se eu conseguir escrever o que eu quero e da maneira que quero (isto é, coisa positiva, toda grande arte é positiva) sei que fará sucesso. Meu escritor predileto não é Sagan nem Dickens, é Dostoievsky. Não agüento Hemingway e nem os que o imitam (Sagan, por exemplo, apesar de ela ser francesa). (...) Espero ansiosamente por sua próxima carta e especialmente sua visita. Tchau bacalhau, ou melhor, sardinha, E assinou J – inicial de seu primeiro nome. Foi Elder Hibbert quem me fotografou no dia do Juramento à Bandeira, quando terminei o Tiro de Guerra aos 19 anos, em 1958. Aos 21 anos deixei Ribeirão Preto e fui pro Rio de Janeiro estudar teatro. Primeiro com a Dulcina, na Fundação Brasileira de Teatro e depois, até a formatura, no Conservatório Nacional de Teatro. Foi nessa época que conheci Luiz Carlos Góes, outra amizade marcante. Acredita, Maria Lúcia, que cheguei a levar Luiz Carlos à igreja mórmon que ficava em Ipanema, na Rua Rainha Elizabeth e ele foi batizado no arpoador! Mas como Luiz Carlos era de formação comunista-anarquista, o mormonismo dele não foi além do batismo pelos missionários nas águas do Arpoador. Mas, também, ele tinha 16 anos! Quanto ao José Vicente, conheci-o anos depois, numa das férias quando fui a Ribeirão Preto ficar com a família. Foi em 1967. Quem nos apresentou foi meu irmão mais velho, o artista plástico Leopoldo Lima. Leopoldo disse: Bivar, vou te apresentar um novo amigo que, tenho certeza, você vai gostar muito dele. Vocês são muito parecidos. E foi aquele coup de foudre, como dizem os franceses. Bivar levou José Vicente para o Rio, levou-o ao teatro para ver a Fernanda e Ziembinski fazendo Volta ao Lar, de Pinter, e Zé Vi cente apaixonou-se pelo teatro. Bivar também o apresentou a Gilda Grillo e Fauzi Arap, e, como Bivar já estava escrevendo peças, José Vicente, mais jovem seis anos, influenciado pela carreira do amigo escreveu O Assalto, que levado à cena no Teatro Ipanema em 1969, com Rubens Correa e Ivan de Albuquerque, dirigido por Fauzi, foi aclamado pela crítica e pela classe teatral e José Vicente considerado o maior talento da dramaturgia brasileira desde Nelson Rodrigues. Mas Bivar também lembra que seu pai e o pai de José Vicente, ambos exímios músicos em outras eras, tornaram-se amigos. Seu Lima (pai de Bivar) ia sempre papear com Seu Pedro (pai de Zé Vicente) no bar do último, entre um gole e outro. O Rio foi decisivo na minha formação. Morava na Rua Barão da Torre, de frente para a casa do Tom Jobim, quando ele e Vinícius fizeram Garota de Ipanema, no Bar Veloso. Uma noite, numa reunião do pessoal da Bossa, Vinícius me fez um sanduíche de galinha, pois eu estava morto de fome e o poeta sentiu. Nessa época fiz alguns trabalhos como ator, em teatro. Estreei como ator em 1963, em Esperando Godot, de Samuel Beckett, fazendo o Estragon, dirigido por Maurice Perpignan. Era uma montagem amadora da Faculdade de Engenharia, levada no Teatro Jovem, e eu fui considerado uma das cinco revelações masculinas daquele ano, por Fausto Wolff (no jornal Tribuna da Imprensa). Em 1964, Maria Clara Machado me convidou a entrar para o Tablado. Com ela fiz, em 1964, Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare. Eu fazia Lisandro, um dos galãs. E fiz outras coisinhas, sabe? Até ascensorista do Hotel Quitandinha em Nudista à Força, uma chanchada com Costinha e Darlene Glória, e em 1966, acredite, Maria Lúcia (tenho até o programa como prova), participei do balé Giselle no Municipal, com Nureyev e Margot Fonteyn! Tudo isso e mais um tanto, levado pelos professores do conservatório. Eu fazia parte dos alunos favoritos de Nelly Laport, Maria Clara, Sady Cabral, Bárbara Heliodora, Gianni Ratto, Gustavo Dória... E eles sempre me empurravam para montagens de todo o tipo onde eu pudesse treinar e ganhar experiência, mas no último ano de faculdade eu já estava escrevendo a peça Cordélia Brasil. Mas fiquei conhecido mesmo, durante o boom psicodélico e da pop art, através de Simone de Beauvoir, Pare de Fumar... A primeira pessoa a me entrevistar foi Fernando Gabeira, que era repórter do Jornal do Brasil. A entrevista foi num bar de calçada no Posto 4, em Copacabana. Em 1968 estreei pra valer como dramaturgo em Cordélia Brasil. Eu era entrevistado o tempo todo. No jornal O Globo saiu o meu perfil, por Marisa Raja Gabaglia e ela me descrevia assim: Magro, os cabelos desgrenhados, os gestos nervosos, à medida que ele vai falando percebo, através do seu raciocínio anárquico, um Bivar romântico e um menino terno. Ao voltar de um ano na Europa fui entrevistado no talk show da Bibi Ferreira na TV Tupi. Falei tão bem da Inglaterra e dos ingleses que, dias depois, recebia um convite do embaixador para uma festa na embaixada. Mas continuava duro, apesar do sucesso de minhas peças, já que o combinado com a SBAT tinha sido eu não receber um tostão enquanto não saldasse a dívida. Daí minha amiga Odete Lara perguntou se eu tinha recebido o dinheiro do Pasquim pra onde mandei matérias de Londres e Nova York. Respondi que achava que essas matérias não seriam pagas, mas Odete ligou pro Jaguar, um dos donos do jornal, e ele disse que havia dois cheques em meu nome, há meses, no departamento pessoal. A essa altura eu procurava lugar para morar em Ipanema onde tinha vivido nos meus dez primeiros anos de Rio. Então fui parar na Rua Farme de Amoedo em um apartamento onde moravam três dos meus primeiros conhecidos: Rubens de Araújo, que era ator; Poty, que trabalhava na Cinemateca; e Luiz Carlos Góes, futuro escritor. E Luiz Carlos Góes conta: Conheci o Antonio (eu não o chamava de Bivar. Só mais tarde quando ficou comprovado mesmo seu parentesco com El Cid, é claro que não estou me referindo ao ator Charlton Heston, mas, sim, ao El Cid verdadeiro, que nós, por reverência, começamos a chamá-lo de Bivar). Estávamos pegando jacaré no Arpoador e fomos enrolados num grande caixote que parecia que tínhamos morrido. Olhamo-nos cheios de areia e comprovamos que ainda estávamos vivos. Isso para nós bastou: começou ali uma ótima amizade. Começamos por nos encontrar nos fins de semana e depois quase todos os dias. Eu morava ali perto do Bar Vinte numa casa de três andares. E a gente falava, ria, a gente ria muito mesmo e comentávamos, criticávamos, julgávamos, e, às vezes, condenávamos a humanidade. Bivar virou da nossa família. Quando eu ficava de castigo ele ficava também. Ele era um pouco mais velho do que eu e sabia tudo! Sempre estava lendo uma publicação estrangeira, sempre com uma foto misteriosa de alguma estrela francesa. Sabia de todas as tendências que aconteciam no mundo! Conhecia todos os movimentos alternativos do planeta! Foi ele que me apresentou a Chet Baker, tinha um disco de Robert Mitchum cantando calipso e contou que o Robert Mitchum tinha sido preso por carregar uma quantidade, digamos, excessiva, de maconha, em 1948! Abriu-me para o mundo do jazz, a nova literatura americana e francesa, foi a primeira pessoa a me falar do Nouveau Roman. Nas matinês domingueiras íamos muito ao Beco das Garrafas e começamos a fazer poesias concretas que não sei se, talvez por serem concretas demais, irritavam minha mãe! Quando ela nos pegava declamando o concreto me colocava por três dias sem ir ao cinema. Bivar, por solidariedade, me dava uma força também se pondo de castigo. Foi o primeiro da turma que escreveu e logo fez sucesso. Com Gildinha Saraiva. Eu, pessoalmente, o considero o pai, no Brasil, desse teatro louco que acabou sendo chamado, por ignorância, de besteirol. Eu comecei a escrever depois de Bivar. De competição. De inveja. De despeito. Tem muita coisa que eu posso falar sobre o Bivar, mas tem uma que acho a mais importante: Bivar, eu te amo. Na verdade, Luiz Carlos foi meu primeiro amigo no Rio, ele tinha 15 anos e eu, 21, mas éramos tipo almas gêmeas. Luiz Carlos nasceu genial. Foi ele quem me introduziu ao mundo do blues de Bessie Smith. E, generosíssimo, nunca me deixou passar fome, me levava sempre para almoçar e jantar na casa dos pais. O ator Rubens Araújo foi outro grande amigo dos meus primeiros tempos de Rio. As famílias de Rubens e Luiz Carlos eram vizinhas. Capítulo V O Desbunde – O Teatro Na praia de Ipanema entre as Ruas Teixeira de Melo e Farme de Amoedo, havia um píer inacabado e aos pedaços frequentado pela vanguarda do desbunde e que recebera o nome de Dunas da Gal, por ser também frequentado pela cantora e musa. Garotas faziam topless e rapazes usavam sungas mínimas, de crochê. Era um alegre hedonismo regado a maconha e LSD. Todo mundo se exibindo, se beijando, se abraçando, sorrindo e se despedindo com os dedos em sinal de paz. No Teatro Gláucio Gil, Alzira Power, que tinha sido o sucesso teatral do verão, estava agora em final de carreira numa temporada popular com gente saindo pelo ladrão. Yolanda Cardoso levava a plateia ao delírio com sua verve de comediante e Marcelo Picchi encantava as mulheres com o seu nu frontal. O ritual de nudismo de Picchi foi inventado pelo Abujamra. – Estranho o que acontecia comigo – continua Bivar –, os aplausos, lógico, me deixavam feliz, mas, depois do exílio e de ter vivido num outro mundo, passando pela transcendência, eu voltara transformado. Já não estava mais nessa de porra-louquice nem muito entusiasmado com o teatro, embora estivesse em pleno sucesso nesse campo. Mas queria ficar sozinho e acabar de escrever o livro que começara em Nova York Longe Daqui, Aqui Mesmo onde contara as experiências do ano mais feliz da minha vida desde que eu tinha 15 anos de idade. Mas, antes, eu precisava ganhar dinheiro. Pra isso eu procurava um produtor, que me apareceu na figura de Paulo Sack, um garoto de 17 anos, filho de milionário, que namorava a Odete Lara, e que resolveu montar a peça no Opinião. Abujamra topou dirigir a peça; Anísio Medeiros como cenógrafo e figurinista; Paulo Sack no pa-pel do adolescente. Como atriz principal, já que a Odete Lara não queria fazê-lo porque tinha virado fotógrafa, pensei na Nélia Paula, que tinha feito sucesso como vedete nos anos 1950. E enquanto Odete Lara cuidava do visual da Nélia, fomos avisados de que a Censura Federal enviara de Brasília um cabograma avisando que Longe Daqui seria interditada. Ter que convencer a censura a liberar minhas peças tornara-se uma rotina aborrecida. Desta vez, tendo que ir até Brasília, pois a Censura Federal era sediada lá, reforçava a minha gana de abandonar o teatro. Resolvi ir a Brasília, mas antes passei por São Paulo onde Alzira Power fazia sucesso no Teatro Oficina. Então dei uma entrevista ao José Márcio Penido, da Veja. Era um número que abordava as drogas e o comportamento do momento, Caetano nas páginas amarelas, e de mim José Márcio escreveu: Ele tem o raro poder de transmitir sua grande paz a quem dele se aproxima. E durante horas de conversa, essa paz resiste aos pequenos tormentos de um homem que não proclama verdades absolutas e esbarra em enormes probleminhas de ordem prática: como ir para Brasília discutir com a censura se sou cabeludo, barbudo, não tenho blazer nem gravata? Finalmente vou para Brasília. Minhas idas à Censura Federal eram diárias e sempre em dois turnos: nas manhãs e após o almoço. O Sr. Queiroz, o subchefe, é um homem por quem senti imediata simpatia e ele me diz que segundo o parecer do casal escalado para julgar, a peça vai mesmo ser interditada. Mas que não devo desistir de dialogar com o casal. E lá fui eu conversar com a mulher (caretíssima), que me disse: A peça é pornográfica e atenta contra a moral e os bons costumes, além de passar uma mensagem pessimista. E que se depender deles, o tal casal, ela não será liberada. O Sr. Queiroz disse que tinha conversado com outro casal e que eles disseram que a peça seria liberada se eu concordasse em escrever um final com mensagem moralista. Sozinho no meu hotel, de saco cheio de Brasília e sem a menor inspiração, escrevi qualquer final só pra agradar à censura que liberou a peça e que eu poderia encená-la no Rio, dependendo, é claro, do parecer da sucursal carioca, que assistirá, em pessoa, ao ensaio geral. A imprensa estava conosco e todos os dias ganhávamos espaços generosos nos jornais. Abujamra resolveu ignorar o final que eu escrevera para que a peça fosse liberada. Agora o final seria um banquete. O palco do Teatro Opinião era uma arena com a plateia aos pés. Seria fácil para o público participar. Anísio Medeiros bolou uma enorme mesa contornando toda a arena para que, surpresa, quando a mesa descesse do teto, a toalha que a cobria iria se soltando em babados e o público da primeira fila teria só que levantar pra se servir no self-service, e com um fundo musical que musicaria as minhas letras com a participação de músicos que estivessem na plateia e quisessem contribuir com a canja. Anos depois, Evandro Mesquita, Roberto de Carvalho e Lulu Santos me disseram que deram muitas canjas ali quando eram apenas adolescentes. Além do Jorginho Fernando, diretor de teatro, me contar que foi ali, naquela peça, que ele resolveu fazer teatro. Perguntei ao Abujamra: Por que um banquete? Por que o povo tem fome – respondeu. E quem vai ao teatro só pensa em comer. A produção conseguiu uma permuta com a cantina Fiorentina, que fornecia a comida todas as noites, de terça a domingo e nas matinês. Na antevéspera da estreia teve o ensaio geral pra censura local. E o espetáculo foi passado corrido paras duas censoras simpáticas que lá apareceram. Uma delas disse: Vamos ver o que o Bivar nos preparou agora. A censora chefe disse que o texto estava muito diferente do que ela recebera da censura em Brasília, cheio de palavrões, os personagens agora falavam porra o tempo todo. Que era melhor tirar. Então o Abu perguntou: Tira a porra e põe o quê, o caralho? A censora chefe riu de nervosa e disse: O Abujamra é impossível! E a peça foi liberada para maiores de 18 anos. Na madrugada da estreia fiquei com o artista plástico Roberto Franco, fazendo o imenso painel psicodélico com o nome da peça e os créditos. O triplo da lotação do Opinião do lado de fora aguardava abrir a porta e fiquei arrasado quando soube que a Nara Leão não tinha conseguido entrar. O resultado foi o esperado: o público rolava de rir, aplaudia em cena aberta, se comovia às lágrimas, e depois avançava no banquete. E os atores diziam as últimas falas com a boca farfalhada de alface. A noite em que Leila Diniz e Vera Barreto Leite foram ver a peça fiquei apavorado que Leila, nos últimos dias de gravidez, desse a luz ali mesmo, de tanto que ela ria. No dia seguinte, na primeira página do Correio da Manhã, a manchete É ESSE O NOVO TEATRO? E dentro duas páginas inteiras com fotos do espetáculo, uma página inteira comigo entrevistado e na outra uma entrevista com Abujamra, que dizia: A nossa preocupação é fazer um espetáculo coletivo e diário de criação geral, exatamente como deve ser o teatro moderno. O trabalho tem que ser feito com o diretor, autor e atores modificando a peça a cada ensaio até um ponto considerado bom, porque o autor de escrivaninha acabou de vez. Hoje o autor tem que ficar nos ensaios, tentando colocar as coisas que ele quer dizer, através de um trabalho coletivo de criação. E tudo isso apoiado numa interpretação que procuramos descobrir como brasileira. Desenvolver um trabalho que faça o espectador sentir o texto do Bivar. O espectador percebe um pano de fundo por trás do texto e não sabe onde vai chegar a anarquia dele. Tem dois tipos de teatro, atualmente, no Brasil: um é este que estamos fazendo, o outro está nas gavetas e tem de esperar não se sabe quanto tempo para ser encenado. Do jeito que está a Censura, decididamente não adianta fazer teatro para ficar na gaveta. Nós recebemos informações do mundo inteiro, mas é claro que vamos aproveitando essas informações, mas tendo sempre que fazer um teatro brasileiro. E o repórter Carlos João, que estivera na estreia, continua: O teatro estava lotado e muita gente ficou do lado de fora. Na plateia, a maioria é de jovens, cabelos longos, roupas coloridas. O público gosta, aplaude e no final o sucesso. A impressão geral é que essa é a melhor peça de Bivar. Nessa época, Grande Otelo tinha um programa diário na TV Globo, e depois da matéria do Correio da Manhã ele foi ao teatro pra me conhecer e me cumprimentar. Segurou minhas mãos e disse: Você é mágico! O que você fez por tanta gente (citou nomes), o que você fez por Nélia Paula! Longe Daqui tornou-se o must jovem da temporada teatral até meses depois da estreia de Hoje é Dia de Rock, que, então, ficou um ano em cartaz. Parecia que metade da plateia tinha cadeira cativa, isto é, voltava sempre. Em Longe Daqui o elenco tinha que improvisar novidades todo dia. Durante a ditadura era proibido dizer, a plena voz, várias coisas no teatro. E como não constasse nenhuma cláusula proibindo o cochicho, inventei uma cena em que os atores saíam do palco, escolhiam algumas pessoas na plateia e lhes comunicavam uma mensagem, cochichando apenas nos ouvidos de poucos, fazendo a plateia ficar eriçada sentindo um arrepio de subversão. Dali a um mês e meio, segundo o calendário hippie, seria o pré-início da Era de Aquário. Nesse dia eu estaria longe daqui, no Sul, escrevendo o meu livro. Combinei com as pessoas do elenco que, na hora do cochicho, dissessem que tal dia e tal hora estava marcado um encontro mágico no Parque Lage. Falei com o Zé Vicente e pedi pra que ele fizesse o mesmo no seu espetáculo (Hoje é Dia de Rock estava para estrear no Teatro Ipanema) e a coisa foi levada em frente. A essa altura, a luta armada agonizava. As Forças Armadas e o Esquadrão da Morte já tinham dado um jeito de minimizar o movimento, de modo que, fora os torturadores, os mortos e os presos, uma quantidade relevante estava fora do Brasil. Os líderes Marighella e Lamarca, certos de que estavam com os dias contados, avisaram aos remanescentes que caíssem fora. Nessa época dois cartazes do governo apareciam lado a lado em tudo que era lugar: um, com a foto de Jimi Hendrix e Janis Joplin, vítimas das drogas, e o outro, com os procurados subversivos, perigosíssimos, com suas fotos estampadas. E lá estava uma amiga minha, a Carmen Monteiro (com os nomes de guerra pelos quais era procurada). Então Fauzi Arap ligou dizendo que teríamos que ajudá-la a fugir fazendo uma vaquinha pra ela viajar. Combinei o encontro no Teatro Opinião onde Odete Lara ia fotografar a turma. E lá estávamos, inclusive o companheiro de Nélia Paula, que era do Esquadrão da Morte. Quando a Carmen chegou, Odete pediu que todos se abraçassem. Carmen abraçou o companheiro de Nélia, sem que nem ela nem ele soubessem quem era quem. Combinei com Carmen viajarmos juntos para o Sul. E como naquela época os ônibus paravam muito por causa das subversões e eram muito policiados, exibindo os dois cartazes descritos acima, convenci minha amiga a se disfarçar e se fantasiar de hippie com colares, brincos, pingentes, numa alegoria psicodélica e nas mãos um livro grosso de título Tratado Geral de Magia Prática. E nos separamos no Sul, cada um seguindo o seu caminho. Semanas depois quando fui conhecer Buenos Aires comprei revistas e jornais brasileiros e fui lê-los no gramado de um parque central. A re-vista Manchete trazia matéria sobre o encontro da Era de Aquário no Parque Lage. Dava para sentir que minha ideia resultara em sucesso: umas 3 mil pessoas, número bem razoável, já que a mídia não divulgara nada e tudo acontecera no boca a boca. Todo mundo ali era hippie – cabelos compridos, batas indianas, flores no cabelo... Ninguém sabia quem promovera aquele evento nem com que finalidade. Questionados respondiam: É um encontro mágico; Ouvimos o chamado; Fomos transportados; Hoje é o início da Era de Aquário, o dia da unificação de todos os seres do universo. Passei três dias em Buenos Aires. Liguei pra minha amiga Mercedes Robirosa (que conhecera entre os de nossa turma em Londres) e ela me levou a um antipsiquiatra amigo e seguidor das teorias praticadas por David Cooper. Enquanto ele atendia uma paciente, Mercedes e eu púnhamos em dia nossas paranoias e falávamos tão alto que Martin teve de interromper sua anticonsulta dizendo, com voz sussurrante, que a nossa conversa alta parecia tambores na selva. Tomei um ônibus pra Joinville, e, de lá, outro pra São Francisco do Sul, simpática cidade costeira fundada em 1504 por um capitão francês, Paulmier de Gonneville. O povo da cidadezinha era simpático, mas minha figura hippie hype chamava a atenção... de modo que os policiais, cismando com a minha cara, perguntavam, dia sim, dia não, quando é que eu ia embora, temendo minha má influência sobre a juventude local. No dia em que amigos recém-feitos iam me levar à Praia dos Sambaquis, a 16 quilômetros, uma viatura com policiais nos deu uma blitz e nos levou para a delegacia. Lá, liberaram os rapazes da cidade e eu, forasteiro, fui mandado para averiguações aguardando o delegado. O escrivão, moço novo e ligado, aproveitou uma saidinha do vigia e veio me aconselhar: Esconde tudo de feio que você possa ter, e só mostre o bonito. Documentos. Como sempre, deixara os documentos no hotel apesar do meu bolso direito estar inflado com o pacote de maconha que ganhara de um hippie argentino no ônibus de volta de Buenos Aires a Porto Alegre. – Mas o senhor pode acreditar, sou escritor e fui recebido com honras pelo prefeito de Blumenau com foto na primeira página e tudo! Então mandaram procurar meus documentos no hotel, vieram com uma ficha por mim preenchida e me deixaram ir embora. Tomei o ônibus e parei em São Paulo. Quando cheguei ao Hotel Amália, Gustavo, o recepcionista que já me conhecia, disse que José Vicente também estava no hotel. De novo estávamos sob o mesmo teto, embora em andares diferentes. Zé e eu éramos os melhores amigos e nesse reencontro só nos separávamos quando tínhamos de atender aos diversos compromissos. Uma noite, andando pela rua, Zé e eu fomos presos e encanados em uma das delegacias de São Paulo. Cela pequena, umas 36 pessoas amontoadas. A maioria canta e conta piadas. Forte cheiro de urina. O vaso sanitário era dentro da cela mesmo. O chão da cela todo urinado. Um exexpedicionário canta canções da velha-guarda. Zé Vicente me mostra uma foto minha na revista Intervalo e um pequeno texto onde eu pergunto: Como entender a incoerência humana? Fomos soltos na manhã seguinte e numa padaria nosso desjejum foi pão com manteiga na chapa e café com leite. Uma experiência sem nenhuma revelação a não ser a de que até então, eu que já havia sido preso cinco vezes, todas por motivos absurdos, jurei a mim mesmo que aquela seria a última. Alzira Power continuava em cartaz no Teatro Oficina e fazendo boa carreira. Enquanto isso Zé Vicente preparava sua próxima peça. Mas o Zé estava enfastiado com o sucesso. Estava decidido a desistir de tudo por outra coisa. Para completar sua missão teatral, segundo ele, só faltava um texto que não fosse demolidor como O Assalto, nem edificante como Hoje é Dia de Rock... Que foi, pelo menos uma parte, escrito na minha casa em Paris, lembra, Bivar? Vocês ficaram lá um tempo na época em que eu morava na Rue de la Pompe... Claro que lembro, meu Deus, Maria Lúcia, não digo como esse mundo é pequeno? Ele escreveu uma parte em Paris e outra em Formentera (Ilhas Baleares). Mas conta, você estava falando do Zé Vicente e sua nova peça depois de Hoje é Dia de Rock... Pois é. O Zé queria, naquele momento, escrever um antitexto, um espetáculo que por si se demolisse e, por tabela, demolisse o autor. Algo pro público detestar e a crítica arrasar. Em uma noite escreveu A Última Peça. Estava ansioso para estrear e viajar pro Peru. Encontramo-nos por acaso na entrada da Biblioteca Municipal e o Zé me levou ao jornaleiro e me mostrou o jornal O Globo com chamada de primeira página: JOSÉ VICENTE ABANDONA O TEATRO PELO MISTICISMO. No meio teatral éramos os dois, sem dúvida, os reis do hype. Calculei minha viagem de São Paulo ao Rio, para, direto da rodoviária, chegar ao Teatro Opinião de mochila nas costas, onde minha peça Longe Daqui Aqui Mesmo entrava em fim de carreira. Cartas de vários países, amigos em trânsito. Uma das cartas era de Norma Bengell. Assim como tantos outros artistas brasileiros cuja postura antiditadura os forçara ao exílio, Norma e Gilda Grillo, que no Brasil tinham um grupo teatral, tiveram que se mudar pra Paris, onde continuavam fazendo teatro. No momento, se programavam para montar no ano seguinte Os Convalescentes, de José Vicente, que Gilda dirigira, no Rio, em 1970. E querendo dar continuidade a esse tipo de trabalho lá fora, Norma pedia que eu lhe enviasse duas peças minhas agora interditadas no Brasil, Cordélia Brasil (peça que ela protagonizara e pela qual fui várias vezes premiado como melhor autor do ano, em 1968, até ser interditada) e A Passagem da Rainha, inédita e também vetada por tempo indefinido. Enquanto isso, nesses tempos de exílio, uns iam, outros voltavam. Caetano e Gil estavam para voltar definitivamente ao Brasil. No Rio surgia uma imprensa alternativa cobrindo o underground. No jornal Presença, um artigo de José Macedo dizia: Já não é preciso ser milionário pra dar a volta ao mundo. Já existe toda uma geração que está viajando no dedo. Com uma mochila nas costas e muito pouco dinheiro no bolso. A estrada é uma linguagem tão importante quanto qualquer das linguagens que vêm sendo experimentadas pela nossa geração. No Rio é que não dava para continuar. Numa tarde de sábado, um grupo de jovens viajando de ácido e do qual fazia parte a Maria Regina, levou-me com eles a um passeio de carro pela Estrada das Canoas, Alto da Boa Vista e caminho do Corcovado. Num lugar de vista aprazível, estacionamos para apreciar a paisagem deslumbrante quando Maria Regina com expressão de quem perdeu a fala apontou para dois cadáveres já verdes, abraçados. Saímos de lá apavorados. Liguei pra Odete Lara e ela ligou pros jornais. No dia seguinte, ficamos sabendo que se tratava de mais dois eliminados pelo Esquadrão da Morte. Resolvi correr e preparar minha volta à Inglaterra; lá, na minha terra mágica, onde o verão é curto, o inverno longo, a primavera inenarrável e o outono de beleza não menos indescritível. Lá, onde fora transfigurado por visões da eternidade. E já que ficaria bastante tempo, resolvi passar o último mês de Brasil em Ribeirão Preto, na casa dos meus pais, onde, único solteiro de cinco filhos, tinha meu quarto. A maior parte do tempo me trancava no meu quarto furiosamente, datilografando meu livro com as memórias do ano anterior no exílio, Verdes Vales do Fim do Mundo, que só seria publicado 13 anos depois. A casa vivia cheia de sobrinhos e preguei na porta do meu quarto um aviso: NÃO INSISTAM. ESTOU TRABALHANDO. Mas Nor, um sobrinho que ainda não tinha 5 anos, e, portanto não compreendia a ordem expressa, pulava a janela e se divertia com a minha cara de bravo, puxava assunto, e eu acabava amolecendo saindo a passear com ele. José Vicente ainda não tinha chegado de sua viagem ao Peru ou se chegara, não dera notícias. E chegou o meu dia de embarcar. Já estava em Santos, pronto para o embarque, o calor fazia-me sentir o próprio Robert Mitchum no filme Macau. Vou à telefônica, ligo pro Roberto Franco, no Rio, e o Zé Vicente está lá. E eles me contam que a crítica teatral, na véspera, me elegera o melhor autor do ano, prêmio Governador do Estado, dinheiro que, na certa, ajudaria a me segurar nos três primeiros meses, quando voltasse, dali um ano, milionário de experiências e sem um tostão furado. Eu realmente estava na moda (constatei vendo o jornal com a minha foto maior que as dos outros premiados). O buque Cabo São Vicente, da Ybarra, e seu irmão, Cabo São Roque, eram popularíssimos entre a geração cabeça, por serem os mais baratos. Navio sempre demora a sair. E na espera a gente sobe deque, desce deque, explora cantos e recantos... até que estou na proa e me vejo assediado por dois garotos pouco mais que adolescentes. – Oi, Bivar! Você por aqui? Que barato! Convidaram-me a fumar um baseado e não recusei. A viagem seria maravilhosa, durante e inesquecível depois. Os dois garotos me tomaram por íntimo e me contaram que estavam levando 4 quilos de maconha escondidos em sacos de café. Era para o sustento deles nos primeiros tempos de Europa. Dividia minha cabine com dois velhos (um português de bem com a vida e um espanhol de mal com a mesma) e um noviço espanhol. Na primeira noite salto do beliche antes do amanhecer porque sabia que o buque passaria pelas águas de Ipanema com o sol nascendo, e por nada eu perderia o visual. Depois do lauto desjejum, estávamos todos lá espalhados pelo convés, pelos deques e promenades, realmente maravilhados com aquele cartão-postal maior que a vida. No porto na Praça Mauá me esperavam Odete Lara, Zé Vicente e Roberto Franco. Delícia reencontrar amigos. Odete me fotografou entre cordas no convés. O alto-falante anuncia a partida e pede às visitas que se retirem. Meus amigos se vão e fico tristíssimo. Dali pra frente o desconhecido, entre calmarias e tormentas. O navio singra e minha alma sangra. Dois dias e duas noites ao largo do litoral navegando entre Rio e Salvador e eu já não queria outra vida. Viajar de navio era estar num paraíso flutuante. O navio atracou no porto de Salvador. Teríamos duas horas para passear pela cidade. Os dois garotos da maconha já conheciam Salvador e me convidaram a ir com eles até o Largo de São Francisco onde conheciam uma ótima boca de fumo. Catei os cruzeiros que me sobravam e fomos caminhando do porto até lá para experimentar a santa erva que era servida na Bahia. Chegamos num botequim no largo e no mesmo instante surgiu o transeiro. Mal ele pegou nosso dinheiro e saiu pra buscar a erva, levamos uma blitz de três policiais à paisana. Os garotos entregaram os documentos e foram soltos, mas eu, pra variar, estava sem os meus e o policial falou: Ah, então você não vai viajar, não. Se o senhor não se importar – eu disse – podemos ir até o navio pegar meu passaporte. Tentei convencer o guarda, que no princípio não queria, mas acabou me liberando no último segundo. Na corrida de volta ao navio encontrei no caminho a linda Renata Souza Dantas, jovem socialite paulista que, agora hippie, morava em Arembepe. Uma noite em que todos dormiam, menos eu, despertou-me a sede, pois excedera no fumo e no vinho. Garganta seca, saltei do beliche dire-to para a pia sem acender a luz, a fim de não despertar os companheiros de cabine. Tateando, no escuro, encontrei um copo sobre a pia e o enchi de água. Quando já estava na metade, caiu na minha boca um objeto estranhíssimo. Era a dentadura do señor Carlos, o espanhol mal-humorado. Fiquei frio, devolvi a dentadura ao copo, enxaguei as mãos e a boca. Adormeci achando graça no incidente, louco para contar, no café, que quase engolira a dentadura do Sr. Carlos. Das melhores coisas do navio eram os meus momentos de solidão na proa. A proa era o meu recanto favorito. Havia uma placa proibindo o acesso de passageiros nela, por isso nunca ninguém ia lá, exceto alguns de nossa turma, quando o mar estava calmo. Ali fumávamos o nosso baseado à luz da lua e sonhávamos acordados vendo golfinhos e espertos peixes voadores de asas transparentes e luminosas. Mas eu voltava ali sozinho dia e noite, mesmo o mar estando revolto. Em noites sem lua, mas de céu estrelado, e o oceano calmo, nas águas de um azul profundo resplandeciam focos fosforescentes e misteriosos. Em noite de mar bravo, antes da borrasca, o navio (feito um cutelo), subindo e descendo, cortando sem piedade ondas imensas e tormentosas, os elementos, como se atracando em luta titânica, eu, fascinado, ali permanecia, na proa, mãos grudadas no parapeito. Em Tenerife, nas Ilhas Canárias, vários passageiros deixaram o navio e outros entraram. O próximo porto seria Vigo, na Espanha. O navio pernoitava em Vigo e segui um bando que ia para a zona, ladeira acima na região portuária. Luz vermelha em salas e quartos e as putas espanholas em roupas coloridas; mas se as cores eram quentes, o tédio a tudo vencia. De modo que voltamos ao navio, mil vezes mais animado. Na manhã seguinte fui ruar e tendo o hábito de sempre cantarolar sozinho me peguei cantando uma antiga rumba de Ernesto Lecuona, Para Vigo me Voy... Na cabine agora só restava eu e Seu Manoel, o animado velhote português. No dia seguinte Lisboa e fim de uma viagem por mar que durou 14 dias. Ali também saltaria Seu Manoel depois de décadas de Brasil onde criara filhos, netos, bisnetos, padarias e agora, aposentado, voltava para a terrinha para ficar. Na despedida me presenteou com uma simpática relíquia, um velho relógio de algibeira, dizendo: – Já não funciona, é pra você guardar de lembrança. Lisboa me parece uma cidade parada, apesar de limpa, bonita e bem tratada, mas também, com o Salazar no poder há tanto tempo! Os jovens ou iam pras guerras nas colônias, por exemplo, em Angola, ou escapam do serviço militar indo trabalhar em serviços pesados na França e na Alemanha. Agora escrevo da cabine do trem que peguei de Lisboa para Paris. Acendo um baseado olhando Portugal pela janela cheio de capinzais, olivais, vindimas, flores silvestres, pinheiros, camponeses, velhas de preto e muitos castelinhos. A primavera está chegando. Tive que escancarar as janelas da cabine por causa do cheiro forte do baseado, por que se a polícia me flagra estou frito. Então o sono me pegou de jeito e resolvi fechar a cortina por causa do sol. Fiz isso do lado esquerdo e melhorou. Mas ainda assim continuava entrando luz pela porta, do lado direito. Avistei uma maçaneta em cima da porta tão convidativa, que, no ímpeto das últimas forças, fui até lá e puxei o que pensava ser uma cortina. Mal puxei a maçaneta dela se desprendeu uma peça soldada, que ao bater no assoalho emitiu um som de estanho. Levantei os olhos pra ver de onde o chumbo se deslocara e foi aí que me dei conta de ter puxado o alarme! O trem, numa brusquidez solavancada brecou instantaneamente. A multidão de operários portugueses atravancando o corredor do vagão estava toda com as cabeças fora das janelas num zumbido de enxame na certeza de que fora sabotagem. Nessa época o terrorismo corria solto na Europa. Em instantes os policiais entraram na minha cabine pegando a peça de chumbo no chão. Minha intenção fora puxar a cortina – expliquei com doçura, ao que eles perguntaram: O senhor não viu escrito A-L-A-R-M-E? – perguntou um policial. As coisas não vão ficar assim – disse outro. Tive de pagar multa, os guardas foram embora e o trem seguiu trilho. Mas o incidente me transformou em atração e tive de explicar aos operários que puxara o alarme por pura distração. Eles riram muito e me fizeram contar toda a minha vida. O trem atravessou Portugal e terras de Espanha, parou em Salamanca e finalmente chegou a Paris. Era tomar a primeira condução que me levasse até outra gare onde tomar o trem para Dieppe. Hora de pico. A fila de táxi era quilométrica. Mas a Providência Divina me faz enxergar um rosto na multidão: minha amiga Glorinha, que em São Paulo fora administradora de teatro e que, envolvida na militância de oposição, tivera que cair fora do Brasil. Glorinha agora estava fardada de guarda de trânsito na estação de Austerlitz. Ela passou-me à frente de todo mundo e me enfiou no primeiro táxi, dando ao motorista a direção. Eu já estava ajeitado em Londres quando chegou José Vicente, vindo ele também de navio, só que navio italiano, o Eugênio C. Les Convalescents, a peça dele, estreava em Paris. Mas José, em Londres, preferiu não ir à estreia. – Zé! Quantas pessoas não gostariam de estar no seu lugar! E você não vai à estreia! – falei – Gilda deve estar magoadíssima com você. Afinal foi ela quem batalhou produtor, foi ela que se virou pra conseguir o transporte do cenário do Marcos Flaksman, pesadíssimo! Foi Gilda quem descolou o teatro, o envolvimento de Simone de Beauvoir (que escreveu o texto do programa). Zé riu da supervalorização que eu dava à sua presença na estreia e respondeu: – Não faço a menor falta! A estrela do espetáculo é Norma Bengell e como exilada política está recebendo cobertura completa, tanto da direita quanto da esquerda e da liberal-central interessada nos passos da esquerda. Norma é reconhecida em Paris como estrela do Cinema Novo e também pelo seu passado no cinema italiano. Consta até que lhe será atribuída a Légion d´Honneur. Mas José Vicente não foi. Então resolvemos, Zé e eu, alugar uma penthouse no bairro de Acton, para nos afastarmos temporariamente da badalação e trabalhar em quietude. A penthouse parecia uma cabana no céu. Zé ficava trancado no quarto dele escrevendo As Chaves das Minas, que ainda não sabia se seria romance ou peça e eu, no meu quarto, escrevendo cartas e contos. Tenho certeza de que nessa cobertura em Acton, José e eu fomos muito felizes. Foi um período de crescimento espiritual, de concentração e de trabalhar pelo simples prazer de trabalhar, mas também um período de intenso humor e convivência social com outra gente. O solar que habitávamos era feito de matéria delicada, portanto, se o casal abaixo do quarto de Zé Vicente fazia sexo, a casa era toda sacudida; portas abertas de quartos, armários, guarda-roupas batiam com tal fúria que éramos obrigados a ir correndo fechá-las. Quando quem trepava era o casal do porão, a impressão é de que a coisa vinha do fundo da terra, mas, ainda assim, sacudia a casa inteira e até o galo de vento no pináculo. O amor ainda existia e havia quem o praticava a gosto, o que para nós era ótimo, já que não precisávamos fazer o mesmo. Capítulo VI Avalon E lá fomos nós, eu e Zé, como nos velhos tempos, de carona de Londres até Bath, de lá a Shepton Mallet e dali a Glastonbury, onde minha amiga Ângela Dodkins nos esperava numa casa de chá pra nos levar até sua moradia, um trailer. Eram três trailers sem rodas e desativados. Os últimos ciganos os abandonaram. O do meio era o de Ângela e Bruce. Bruce estava fora, em Portugal, aprendendo a língua e traduzindo o copião de meu livro Verdes Vales do Fim do Mundo. O trailer era pequeno, mas puro conforto. Tinha fogão a gás, pia, guarda-roupa, duas camas, colchões para eventuais visitas, janelinhas, livros, um rádio e até aquecedor, já que à noite nevava, com temperatura abaixo de zero. A luz era de lampião ou velas. Durante nossa visita, Ângela ficou na cama dela e José com a outra. Oferecime para dormir no colchão no chão, pois sinto mais conforto sabendo que os outros estão mais confortáveis que eu. Esta é uma das marcas mais características da minha natureza franciscana. Tudo era limpo e simples. A mesma pia utilizada pra lavar verduras, legumes e frutas, louça e panelas servia também pra lavarmos o rosto de manhã. A água tinha de ser buscada numa fazenda cuja entrada distava uns 800 metros. Para mim era um prazer ir buscá-la, usando para o transporte um carrinho de bebê com espaço para dois galões. O passeio era delicioso. A estradinha curva, raramente passava algum veículo, eu ia assobiando, trauteando, filosofando, fosse dia nublado com garoa ou dia claro de sol primaveril. Durante o dia, Ângela trabalhava numa loja de calçados em um vilarejo próximo. Nas manhãs, depois do desjejum, José e eu a acompanhávamos pela estrada até o trecho aonde ela ia para um lado e nós para outro. José e eu nos separávamos. Cada dia um ia para um marco místico diferente. O vasto pasto fechado e todo gramado com carvalhos gigantescos distantes, as ruínas da abadia medieval, o suposto túmulo do Rei Arthur ou a colina de Tor (a torre). Um dos quadros que mais admirávamos no caminho era um rapaz em roupas rudes, ele próprio rude, ordenhando vacas, com um aparelho de sucção. Acenávamos pra ele que respondia sorrindo e com um gesto amigo. Este quadro, ao mesmo tempo em que nos dava um prazer admirativo, deixava-nos frustrados por não trabalhar como ele num serviço de macho, ordenhando vacas numa fazenda, mesmo sem aparelho de sucção. Tão tranquilamente animadas as noites no trailer que nem cogitávamos ir à cidade visitar os amigos de Ângela. E com visita ou sem visita no trailer dormíamos cedo por que éramos daqueles que seguiam o preceito: ... quem cedo madruga... Até a polícia uma noite apareceu. Dois jovens fardados e educados. Souberam que havia dois novos estrangeiros na cidade e vieram conhecêlos. Depois do chá, se despediram, levando uma boa impressão. Na noite seguinte aconteceu um episódio engraçado. Ângela, Zé e eu estávamos jogando con-versa fora; eu mostrava o relógio de bolso que Seu Manuel me dera no navio, e não sei por que motivo levara com minhas poucas coisas, quando do lado de fora, uma voz clara de homem nos saúda. Sem esperar resposta ao seu pedido de com licença, entra no trailer. Pensei que fosse algum conhecido de Ângela, pois nem José nem eu o tínhamos visto. Mas, pela cara de surpresa de Ângela, ela pensava o mesmo. Belo e elegante como que vestido pra um casamento, terno com colete sob o paletó, gravata, sapato lustrado, sorridente, ofereceu-nos um de seus cigarros mentolados tratando-nos como se fôssemos velhos conhecidos. Ângela, Zé e eu nos olhamos sem entender nada. O rapaz se apresentou: Tom. E enquanto acendia os cigarros que, perplexos, aceitamos, ia contando, com uma segurança no sorriso, que todas as tardes, pontualmente, às 5 horas, José e eu passávamos por ele, e uma hora depois passava Ângela. Então matamos a charada: Tom era o rapaz que ordenhava as vacas. Assim, tão elegante, mal dava pra reconhecê-lo. Tom era também um solitário e sua visita de surpresa era uma espécie de proposta de amizade. Cavalheiro, vestiu-se para a ocasião. Vendo-me segurar o relógio de Seu Manoel, elogiou-o. Avisei que o relógio não funcionava, mas dei o relógio pra ele. Na quinta-feira, 11 de maio, dia da Ascensão do Senhor, Zé Vicente decidiu voltar para Londres. Permaneci mais alguns dias com Ângela no trailer. De volta à penthouse em Acton um monte de cartas me esperava. A maioria cartas da família. Papai me enviara a crítica sobre a montagem paulista de Longe Daqui Aqui Mesmo, crítica de Mariângela Alves de Lima publicada no jornal O Estado de S. Paulo. Eis um trecho: Aspirações, angústias e atitude da chamada geração dos anos 1960. Grande parte dessa geração atravessou o limiar dos anos 1970 consumindo aceleradamente sexo, drogas e rock and roll. Outras coisas aconteceram na face da terra, mas não estão incluídas na história de Bivar, perme ada de sinceridade e uma poesia por vezes fácil. Mas, para aqueles que ainda não desacreditam no diálogo, a peça de Bivar funciona como um verdadeiro arsenal de informações. A confusão não é só de Bivar. Ela é nossa também, já que tão difundida. A presença de Nélia Paula no papel de Estrela funciona como um contraponto humano e simpático, equilibrando o espetáculo, atenuando o tom deliberadamente frio das outras interpretações. A direção de Antonio Abujamra procura conservar o caráter de depoimento da peça. É preciso considerar que o texto de Longe Daqui Aqui Mesmo não é simplesmente uma história de meninos perdidos. Esses meninos sabem que estão perdidos. Mas perdidos em que sentido? Não era muito cedo pra classificar os personagens de Longe Daqui, e eu, entre eles? Não seria a crítica ainda muito jovem e pouco vivida para tão cruel veredicto? A meu ver, esses meninos não se encontravam perdidos, mas em trânsito... Nessa época havia reencontrado Andrew Love-lock que conhecera há dois anos na comunidade em Salisbury e ele me convidou pra ir à casa de seus pais num vilarejo perto. Ao chegarmos, James Lovelock, pai de Andrew, parou de podar a cerca viva e disse, sorrindo: – Alô, Bivar, prazer em conhecê-lo. Andrew fala muito de você. Mais tarde fiquei sabendo sobre James Lovelock, pela imprensa internacional, sobre sua Hipótese Gaia (de que a Terra tem vida para 80 milhões de anos). Cientista, inventor, artista, poeta, autor de best-sellers, sonhador, realista e otimista, James Lovelock em 1961 foi convidado pela NASA, na pessoa de Abe Silverstein, para fazer experiências na primeira missão lunar instrumentada. Em 1974, a NASA o incumbiu da invenção da aparelhagem para a detecção da possibilidade de haver vida em Marte. Lovelock já tinha certeza de que não havia vida no planeta, embora Carl Sagan achasse que talvez sim. Lovelock escreveu o livro The Greening of Mars, bem recebido pela comunidade científica. No livro ele levanta a hipótese de que é possível levar vida a Marte. Numa viagem a Cardiff, País de Gales, Andrew, que dirigia a van, me olhou com uma expressão divertida e disse que eu tinha uma expressão curiosa e ligeiramente desconcertante. – Tuas peças teatrais são desconcertantes? – perguntou. Respondi que sim e que o absurdo era a principal tônica delas. Mas que ultimamente me preocupava o fato de estar cada vez mais me deixando levar pelo nonsense, o que muito desagradava à crítica engajada. Essa noite dormi na casa da família Lovelock. Na manhã seguinte fui com Andrew até Salisbury. Fiz meu passeio solitário à beira do Rio Avon onde as musas sempre despertavam em mim o espírito poético e me fazendo sentir enorme prazer em falar sozinho. Apreender e deixar escapar. Dia de sol, pássaros canoros, flores harmoniosas, maçãs ainda verdes, cisnes flanando nas águas cristalinas... Avon chama. E sempre me chamará. Se chamou Shakespeare!... Mas voltando ao assunto Brasil, se a situação lá nos fosse favorável, por certo, não estaríamos nos dissipando em Londres. Capítulo VII Glamour Rock e Divina Decadência Agora devo narrar uma explosão no zeitgeist acontecida nos meses em que morávamos em Acton: o surgimento de movimento em oposição agressiva ao prevalecente. O consumo musical jovem, desde os anos 1950, era Rock and Roll. Em 1963, o rock parecia agonizar, foi retomado com energia nunca vista, com o advento dos Beatles, dos Stones e um monte de bandas inglesas e americanas até a explosão do psicodelismo nos festivais onde a tônica era paz e amor. A década de 1960 chegou ao fim e John Lennon como porta-voz chamou a atenção de todos para o fato de que o sonho acabara. Depois do sonho, no segundo ano da década de 1970, explodiu o Glamour Rock. Agudamente teatral e explícito, o movimento contava com talentos desde os anos 1960 assumidamente em oposição ao que achavam babaca, aquela de paz e amor. David Bowie, Lou Reed e Roxy Music (Bryan Ferry e Brian Eno) entre outros. A tônica era pós-moderna diretamente de fontes recentes: Hollywood e o star system, Andy Warhol e Pop Art e companhia. Era a masquerade, a ambissexualidade declarada. A nova ordem era confundir. Era a divina decadência, cinismo e deboche em pose chique. No espírito da época o cinema também colaborava nessa tintura. Cabaré, o musical estrelado por Liza Minelli, era passado numa Berlim durante a ascensão de Hitler. Ainda na onda neodecadente, Bertolucci lançava O Último Tango em Paris, com Marlon Brando e Maria Schneider e manteiga como lubrificante. Laranja Mecânica preparava para o punk que viria dali a cinco anos, e Morte em Veneza também se inseria no glamour. Os quatro LPs que tínhamos em nossa penthouse, até então dera pro gasto, mas, agora, com a urgência da nova onda, não podíamos esperar que os discos de Bowie e Reed chegassem ao sebo e saímos feito bala a comprar os que existiam no mercado negro. Na capa de seu LP, Hunky Dory, nenhum desavisado diria que Bowie era homem. Parecia Lauren Bacall. Em Ziggy Stardust, com os cabelos tintados de henna, sobrancelha depilada, Bowie na capa da frente aparece com uniforme de guerrilheiro estilizado, e na contracapa com o mesmo uniforme, só que em pose de puta. Lou Reed passava o humor sinistro das criaturas da noite de Nova York, onde morava, chamando a todos para take a walk on the wild side... Fomos assisti-lo em seu primeiro show em Londres, num cinema pulguento, onde ele suava em bicas sob o make-up, misto de Theda Bara e Boris Karloff. Vi em Lou Reed um artista de gênio, o lado sombrio do glam rock. Bowie queria reformar o mundo (no espírito ditatorial assumidamente fascista) enquanto Reed pouco se lixava... que o mundo se fodesse. Melhor que todos era o Roxy Music. Naqueles dias, tendo recebido um adiantamento da SBAT, paguei o que devia ao Zé, paguei o aluguel e tratei de comprar meu ingresso para um evento muito especial que ia acontecer no sábado: os primeiros nomes da primeiríssima geração do rock, todos americanos, iam se apresentar no maior revival jamais acontecido até então: Bill Halley e alguns cometas, Little Richard, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, The Platters, Bo Didley, Fats Domino e alguns outros. Era uma chance única de ver ao mesmo tempo todos os meus ídolos do rock que tinham feito a alegria dos meus 15 anos. Ao chegar ao Estádio de Wembley ainda pude ver Chuck Berry acabando de descer de um carro, sendo recebido por um pequeno fã-clube à entrada dos artistas. O show foi maravilhoso, como maravilhosa foi a tarde em que eu e Zé passamos inteira na National Gallery. Lá chegando cada um foi pro seu lado. Depois de percorrer várias salas de Van Gogh, Seurat, Ingres, Rubens, Tintoretto... Encontro Zé Vicente na livraria do museu comprando uma reprodução da Toalete da Vênus de Velazquez. Fascinado com as nádegas da Vênus, José comprou o pôster para pendurá-lo na parede do seu quarto. A mim nem passava pela cabeça pendurar pôster na parede. Já estava feliz com o quadro vivo que era a minha janela virada pros quintais. Parar de vez em quando a escrita e voltar os olhos para o gramado onde todas as brincadeiras acontecem entre adolescentes e crianças. A visita e o cartão-postal de Gilda Grillo significavam que nossos dias de Inglaterra estavam contados. A França nos exigia. Adiamos nossa partida por mais algum tempo. Zé esperava os direitos de sua peça O Assalto, que seria radiofonizada em Helsinque, enquanto eu, nada em vista, ainda estava devendo à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Ainda assim a SBAT adiantou-me os US$ 300 de praxe – era o máximo que se podia receber mensalmente do Brasil, então. Mas nada era problema porque minha maior qualidade era viver praticamente de brisa e ser feliz. Gilda telefonara e me disse que de todos os textos teatrais brasileiros modernos lidos por uma tradutora do núcleo que ela ia formando para dar continuidade ao projeto de encenar o censurado teatro brasileiro em Paris, o que despertou nela (a tradutora) mais entusiasmo foi A passagem da Rainha e que eu precisava me mudar pra Paris imediatamente a fim de ajudar na tradução pro francês e que Zé Vicente também devia ir, já que tivera ali um bom começo com Les Convalescents não fazia três meses. Chegando lá minha primeira constatação foi que em Paris o espírito latino era forte. Havia muito brasileiro e brasileiro político de esquerda, o que tornava cansativa a insistência do discurso. E sendo Paris uma cidade que continuava mexendo com cultura, nela, agora, para dizer a verdade, eu estava, por assim dizer, desconfortavelmente metido em camisa de força e saia justa. A esta altura, pouco me interessava o teatro fechado dentro de um teatro. Só me dava tesão o não teatro, a rua, pessoas comuns que eram, não representavam. A vida é que era espetacular. O teatro tornara-se pequeno e era um sacrifício ter que ir em frente com ele. Mas não havia parti-pris que resistisse depois de eu ter conhecido a tradutora, Jeanine Worms. Mulher esperta, riquíssima (voilà o Worms do sobrenome) e de raciocínio ágil, Jeanine me fazia objetivar suas dúvidas sobre as reais intenções de minha lógica absurda e, entendendo tudo, ainda no meio de minha explanação, ela me editava tirando de letra. Minha peça sendo um absurdo e Jeanine, ela própria sendo autora de teatro do absurdo, amiga de Ionesco e Samuel Beckett, claro, nos demos muito bem. Eu, que nunca vestira a carapuça de autor maldito, tive que apelar pra uma concentração tão violenta, que, tomado pela persuasão da tradutora, escrevi uma das passagens mais estranhas de toda a história do teatro universal. A cena ficou a cara da Jeanine e ela adorou. É lógico que gosto de ver a peça no palco, os aplausos, as escapadas que os royalties proporcionam, mas, até então, nada me dera prazer maior que a aventura de escrever a peça, começar sem saber de onde, deixar os personagens livres para eles me surpreenderem com seus próprios atos. Com a versão francesa de A Passagem da Rainha senti-me como que empurrado a fazer o que eu jamais pensara. Mas liguei a chave e a coisa saiu, surpreendendo a todos. Norma, agora muito solicitada pela Holanda, desde que primeiro saíra seu perfil na revista Avenue, tinha que ir a Haia participar de um debate com estudantes sobre a ditadura militar no Brasil e suas consequências – a prova viva era Norma estar exilada. Norma convidou a Isabel Câmara e a mim, para irmos com ela. Para o evento viajou também o deputado Márcio Moreira Alves, cassado e exilado em Paris. Norma e o deputado foram de primeira classe enquanto Isabel e eu ficamos na segunda, junto a centenas de migrantes espanhóis que deixavam seu país ainda sob Franco para, mão de obra barata, trabalhar nas indústrias da chamada Europa bem de vida. Eles nos ofereceram vinho no gargalo e seus cigarros mata-ratos, seus sorrisos escancarados de humanidade. Com eles, Isabel e eu estávamos comovidos. Éramos também tão pobres quanto eles e, como eles, alegres, inocentes e esperançosos. Chegamos à primeira parada do nosso destino: Amsterdã. Constatei uma coisa que me deixou bastante chocado: toda a alegria que os operários extravasavam durante a viagem foi reprimida assim que desceram do trem. Ali os aguardavam os feitores que os conduziriam aos seus destinos. Então eles me pareceram escravos. Constatei que a escravidão é uma condição eterna. Em Haia, o anfiteatro estava repleto de estudantes, aos quais eu e Isabel nos juntamos, enquanto, sentados no palco estavam Norma, o deputado, o padre dominicano, uma virago e o presidente do diretório acadêmico. Os estudantes, sérios, bombardeavam os da mesa com perguntas agressivas num verdadeiro arrocho inquisitorial. De Haia tomamos o trem para Roterdã onde fomos hóspedes do padre dominicano que morava em um mosteiro franciscano. Rimos, bebemos, comemos, o padre preparou um guisado, ouvimos Isaurinha Garcia no toca-discos, fumamos haxixe (o padre tinha o hábito) e cada um deitou num colchão no chão (o padre ofereceu sua cama para Norma, mas esta, lembrando-o que estava num mosteiro franciscano, disse preferir fazer voto de pobreza e dormir no chão mesmo). E com a luz apagada conversamos até a chegada do sono. No dia seguinte Norma foi para Munique e Isabel e eu fomos de trem para Amsterdã, passeamos pela cidade e logo tomamos o trem de volta a Paris. Gilda tinha acabado de chegar de Nova Iorque contando que o movimento feminista fervia por lá. Um dia chegou o cineasta Paulo Cezar Saraceni trazendo seu filme A Casa Assassinada para o qual Gilda descolou sessões de projeções privadas para exibidores, distribuidores, e estrelas de renome, como Jean-Claude Brially e Jacques Charrier. Saraceni era visto, no Brasil, como um jovem Visconti e um de seus filmes chegou a ser capa do Cahiers du Cinéma em matéria sobre o Cinema Novo. Estávamos assistindo à sessão quando, durante a sequência do velório, a personagem de Norma Bengell no caixão e o povo em volta, uma mosca pousa no pé esquerdo de Norma e esta mexe o pé. Os franceses ficaram horrorizados com o faux pas de Saraceni. Foi o maior constrangimento quando as luzes se acenderam: – Mas o filme não é uma tragédia? Como deixar que aquilo (a morta mexer o pé onde a mosca pousara) acontecesse?! Capítulo VIII Formentera Pintou um filme pra Norma fazer, Le Soleil de Palicorna, a ser filmado em Formentera, umas das ilhas baleares, no Mediterrâneo. Convocado pela estrela, o entourage rapidinho se formou. Em 1972, a droga ainda abundava entre nômades dos últimos dias. Mas a vida na ilha já não era tão barata quanto praticamente de graça o fora, não fazia muito tempo, o tempo do tranquilo refúgio hippie. Uma noite, Norma chegou revoltada do trabalho. Tinha brigado com o diretor. Chorou copiosamente e disse que no dia seguinte não iria filmar. Nisso, começou a cair uma tempestade amazônica que durou vários dias, e lógico, a filmagem parou, já que 90% das tomadas eram externas. Depois o sol voltou e as filmagens retornaram, mas Norma teve dois dias de folga do filme e resolveu viajar. De todos os cinco o único que concordou em viajar com ela fui eu. Contudo, viajar de ácido foi coisa que sempre levei muito a sério. Aprendera, nos anos 1960, com um especialista, que o LSD queimava células que jamais seriam repostas, de modo que, queimá-las à toa, por mera curtição, era estupidez. Por isso, nessa viagem, por conta das vibrações alheias e interferentes, procurava me isolar um pouco para ter as minhas revelações sagradas, acrescentar dados valiosos e lições definitivas ao crescimento espiritual e intelectual. Sozinho à beira daquela água tão azul, uma melancolia gostosa tomou conta de mim e comecei a chorar, as lágrimas jorravam aos borbotões, descendo rosto abaixo, indo juntar-se às águas do mar. Repentinamente tive a primeira iluminação: o mar era formado de lágrimas, lágrimas do sofrimento de toda a humanidade. A dor no peito era profunda. Nisso meu transe foi interrompido por uma voz dizendo: – Bivar, você está lindo! Assustado, levantei o rosto banhado em lágrimas. Era Norma. E ouvi o clique. Era Gilda me fotografando. Fiquei com ódio. Mas depois passou e continuamos. De volta a Paris, recebi uma carta da Leilah Assunção contando que tinha percorrido o Brasil inteiro de carona com um amigo só de caminhão. De verduras, de frangos, de colchões de mola. Os motoristas são maravilhosos – contava Leilah. Têm mais medo da gente que a gente deles. Numa dessas caronas o caminhoneiro tinha cara de mau. O Dieter, que viajava comigo, já ia mandar parar, quando o mastodonte entrou por um atalho escuro e aterrado. No fim do atalho tinha uma gruta. E nela uma Madona. O homem se ajoelhou e acendeu uma vela. Assim também fizemos envergonhados por antes tê-lo julgado mal. Você soube da estreia da minha peça (Fala Baixo, Senão Eu Grito) em Bruxelas? Só dois meses depois é que eu soube, pelo Maurice Vaneau, que é belga e esteve lá. Já começo a receber pedidos do mundo inteiro! Estou confusa! A crítica belga me chamou de fada pra cima! A Passagem da Rainha, em sua tradução francesa, recebeu o nome de Zé Quouine, ou seja, a versão fonética da pronúncia francesa de the queen. No apartamento de Jeanine Worms, apenas ela e eu no seu gabinete de trabalho, a tradutora perguntou quem eu imaginava no papel que ambos considerávamos o mais brilhante da peça, o de Bia Ritz, a matriarca chique, cínica e devassa. Pensei em Danielle Darrieux, mas como ela estava em Nova York fazendo Coco [Chanel] na Broadway, pensei em Micheline Presle, que assim como Danielle, era grande amiga da tradutora. Na manhã seguinte, depois de um banho de banheira na casa de Norma e Gilda vesti minha roupa melhorzinha, tomei o metrô e desci no Odeon, a estação mais próxima da residência da atriz. Toquei a campainha e a filha dela abriu, pegou o texto e me despachou. Na manhã seguinte, Gilda era despertada por um telefonema de Micheline Presle dizendo que tinha adorado o texto e que estaria disponível para quando Gilda quisesse começar a ensaiar. Quanto a mim, emocionado com a notícia, foi a primeira vez em Paris que fui transportado ao mágico e rememorei tudo o que sabia de Micheline. Na minha pré-adolescência, vivendo em uma usina de açúcar no interior do estado de São Paulo, assistindo a um filme projetado em uma tela num depósito de sacas de açúcar – ideia do meu pai, o animador cultural da fazenda – Micheline Presle me impressionara em um film noir americano com John Garfield, Vingança do Destino, Under my Skin. Não vi todos os filmes dela, não chegaram a ser exibidos lá nos cafundós, mas, acompanhando a sua carreira pelas revistas, sabia que ela fizera o principal papel feminino em filmes com Tyrone Power, Errol Flynn e outros. O filme que a lançou, ao lado de Gerard Philippe, só fui ver uma eternidade depois, num cinema de arte: Adúltera. Ou, no original francês, Le Diable au Corps, do romance de Raymond Radiguet. Sartre, seu admirador, escreveu um papel pra ela no filme Les Jeux Sont Faits. Anos depois filmou com Joseph Losey. Só este seu pequeno currículo e ela agora ensaiando peça minha reforçava minha crença em conto de fada. A essa altura Zé Vicente recebeu um comunicado do Rio lembrando-o de que estava chegando a data da entrega do prêmio Molière e que seria bom ele ir pra receber o dele, melhor autor do ano por Hoje é Dia de Rock . José e eu nos despedimos em Orly. Mesmo que ultimamente não nos víssemos muito, agora sem a presença de meu amigo e rival, Paris se fazia ainda mais triste. A essa altura, em nossa busca de tudo o que fosse preciso para encenar a peça, teatro e patrocínio, Gilda, Micheline, Norma, eu e Jeanine Worms jantávamos ostras e champanhe em restaurantes finos, que, por minha condição, neles jamais teria entrado. Num desses jantares, o ministro da Cultura, amigo de Micheline, prometeu olhar com carinho nosso projeto. A certa altura da leveza provida pelo champanhe, Micheline tomou minha mão direita, e, segurando-a entre as suas, seus olhos brilhantes de confiança nos meus olhos perplexos, convidou-me a um pacto que achei um pouco longe demais: eu escrever um texto em inglês pra ela estrelar na Broadway! Como Yan Michalski me comunicara por carta, fomos procurados pela sucursal do Jornal do Bra sil para uma entrevista sobre a montagem de Zé Quouine. O local da entrevista foi o apartamento de Micheline Presle, um espaçoso loft no Odeon, pé-direito alto e uma piscina de um tamanho assustador, aos pés da enorme cama de casal da atriz. Arnal, o marido, não estava na entrevista. E aí, na sofisticação espaçosa de seu loft, Micheline explicava à senhorita Chabrol, a jornalista, que, no ilógico de meu texto, havia toda uma lógica tropical. Isso era o que mais a fascinava na peça. E os críticos começaram a chegar. Primeiro, o Sábato Magaldi, em férias, acompanhado da bailarina Marilena Ansaldi, com quem estava casado, nos encontramos no La Coupole para jantar: Sábato, Marilena, Norma, Gilda e eu. Sábato disse que gostaria de conhecer Micheline Presle: – Ela foi um dos ídolos da minha juventude – confessou. Na semana seguinte chega outro crítico: Yan Michalski com a mulher, Maria José. Yan ficou decepcionado por Zé Quouine não ter ainda passado da fase de leituras. Mas teatro é mesmo uma luta insana. Yan devia saber. E com Gilda na direção, fomos passar (Norma e eu) uns dias na propriedade rural de Alexandra Stewart (uma das estrelas da Nouvelle Vague e casada com o industrial Alain Aptikman, que entrara com dinheiro na produção de Les Convalescents, mas não faria o mesmo com Zé Quouine). A fazenda era mesmo coisa de gente rica. Um château de três andares nem sei de que período. À sua frente, uma réplica do Jardim de Versailles com um lago retangular no centro e cercado de estátuas de nus femininos em tamanho natural. Escolhi para meu quarto a mansarda voltada para o norte; Gilda e Norma, o quarto do casal proprietário, que dava para o sul. Explorando o chatô, descobri, na ala leste, um quarto mais que peculiar. Estilo den chinês. Era o quarto de Pierre Kast, cineasta menor da Nouvelle Vague e o mais querido amigo de Alexandra. No criado-mudo encontrei uma latinha com um pedaço de haxixe. Perguntei à Gilda se podia fumar um pouquinho e ela permitiu desde que eu não fumasse tudo, deixando um tanto para o dono, sequioso, encontrar, quando ele voltasse. E nessa atmosfera bucólica e rural, que delícia, que melancolia gostosa, sob o efeito ligeiramente opiácio do haxixe, ficar no balcão de meu quarto aspirando o ar gelado e avistar feno, moinhos, o gado pastando na imensidão a perder de vista, uma paisagem linda de puro impressionismo, que, contemplando-a, embevecido, tomei uma decisão: retornar ao Brasil o mais breve possível. Já tinha cumprido a minha parte, como autor que fora, de escrever a peça e ter colaborado na sua versão para o francês. Gilda e Norma, repentinamente desinteressadas de teatro, começavam a se concentrar no movimento feminista que crescia assustadoramente. Então ficou vagamente combinado que eu iria tentar alguma coisa no Brasil, juntaria um dinheiro e voltaria a Paris para continuar aguardando eventos. Mas no fundo todos – inclusive Micheline – sabíamos que a montagem de Zé Quouine era página virada. Capítulo IX O Drama de Bethânia e Outros Shows Era março de 1973. José Vicente continuava morando com Claire Paine e Isabel Câmara na vila da Rua Aníbal de Mendonça. Quando cheguei só estava o Zé Vicente em casa e convenci-o a ir dar um mergulho comigo. E lá fomos nós. Os anos passavam, a densidade demográfica aumentava assustadoramente, Ipanema se descaracterizava com os espigões de arquitetura agressiva, mas o mar continuava no mesmo tom verdelimonada como conhecera há 14 anos. E por ser sábado, pleno verão, sol a pino, a praia estava abarrotada. Antes de acendermos o baseado, um mergulho para descarregar todo o peso de minha temporada francesa. Era o meu primeiro mergulho desde o último agosto em Formentera. O Brasil continuava sob as rédeas da ditadura. Tocava-se o barco. Zé Vicente estava com duas peças novas em plano de montagem – História General das Índias – que o Teatro Ipanema ia montar e Ensaio Selvagem que, dirigida por Hélio Eichbauer, ia inaugurar um café-teatro em São Paulo. Eu estava sem nada de novo para oferecer aos produtores. Isabel Câmara me contava da ideia que tinha de fazer uma peça só com moças – usando no título um termo que já estava na boca do pessoal. Dentro do feminismo crescente, as sapatas eram uma nova tribo safista fazendo vista na sociedade. Moças destemidas, independentes, engraçadas, glamurosas, sibaritas, amazonas modernas com o pisar determinado. Daí que Isabel, poeta dessa tribo, nas férias em Petrópolis anotara ideias para uma peça que já tinha até título: Viva Sapatas. Isabel estava animada! Foi a Anecy Rocha, junto com a [Maria] Bethânia que inventaram o termo sapatão. Você viu o sapato que ela estava usando?! Poxa! Que sapatão, hein! Uma olhava pra outra e comentava sobre alguém: E a outra respondia, rindo: Daí começou essa onda de sapata... Uma noitinha estávamos Isabel e eu na sala trocando figurinhas quando, de surpresa, chega Maria Bethânia! Carro e motorista dela esperan do lá fora, Bethânia veio convidar Isabel e a mim para dirigirmos seu próximo show, baseado no novo LP, Drama. – Mas nós não somos diretores! – dissemos. Mas Bethânia estava decidida e estava com pressa. Tempo nenhum a perder. Convidou-nos a jantar com ela no Helsingor, um restaurante norueguês no Leblon e fomos. Eu, descalço, sem sapato, do jeito que estava em casa, tamanha era a pressa. O jantar foi uma celebração! Maria Bethânia, uma das grandes cantoras e intérpretes brasileiras de todos os tempos, vivia uma das fases mais felizes e de maior sucesso de sua carreira, iniciada havia quase uma década, quando, ainda mocinha, veio da Bahia substituir Nara Leão em Opinião, show teatral com músicas e textos de protesto, espetáculo que fizera enorme sucesso. Depois de lançada, Bethânia foi corajosa assumindo gostar de praticamente todos os outros gêneros musicais e de não ter o menor preconceito quanto a cantar para grãfinos em boates. Desde o começo só fez o que quis e acreditou. Seu último show, de 1972, o arrebatador Rosa dos Ventos, direção de Fauzi Arap, firmou-a, definitivamente, como estrela para o grande público. Nosso trabalho, meu e de Isabel, no show, continua Bivar, seria adicionar ideias e lampejos condizentes ao de Bethânia. A pedido de Bethânia, Clarice Lispector ficara de lhe dar um texto inédito, enquanto chegavam textos de outros autores. Os textos curtos serviam como vinhetas expressivas introdutórias às canções. Tratava-se de um show temático, dividido em cinco partes, uma delas voltada à sua infância em Santo Amaro da Purificação, memórias de idas ao circo e das canções que fizeram sucesso naquela época. Sem preconceitos, Bethânia cantava de tudo. Joselito, Cascatinha e Inhana, Carmen Miranda, Nelson Gonçalves... A Tropicália não era como a Bossa Nova, que era ótima, mas um tanto elitista, zona sul. Não desmerecendo, é claro, adoro Astrud, Sérgio Mendes... Bethânia nos contava lembranças de infância e, a seu pedido, escrevi um texto para ela dizer como introdução à Estrela-do-mar (um pequenino grão de areia, que era um pobre sonhador, olhou pro céu, viu uma estrela, imaginou coisas de amor... – marcha-rancho, sucesso de Dalva de Oliveira). Meu texto era assim: Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora: eu queria ser trapezista. Minha paixão era o trapézio. Me atirar lá do alto na certeza que alguém segurava a minha mão, não me deixando cair. Era lindo, mas eu morria de medo. Eu tinha medo de tudo, quase. Circo, ciganos, aquela gente encantada que chegava e seguia. Era disso o que tinha medo: do que não ficava para sempre. Era outra vez, outro circo, era uma tarde sonho e corri até lá. Os artistas se preparavam para começar o espetáculo. Entrei no meio deles, me apresentei e falei que queria ser trapezista. Veio falar comigo uma moça, a domadora, uma moça bonita, moça forte, uma MOÇONA mesmo. Ela me olhou, riu um pouco, disse que era muito difícil, mas que nada era impossível. Depois veio o palhaço, o dono do circo, o trapezista Dieter Langer, que parecia um príncipe, as crianças, o público. De repente apareceu uma luz lá no alto e todo mundo ficou olhando. A lona do circo tinha sumido e o que eu via era a estrela-d’alva no céu aberto. Quando cansei de ficar olhando pro alto, e fui olhar para as pessoas, só aí eu vi que estava sozinha. (Esse texto, ainda hoje, mais de três décadas depois, é um texto cult, estimado por cada nova geração de moças e rapazes que reverenciam Maria Bethânia.) Márcia Mendes dava toques de bom gosto no show. Duda Cavalcanti aparecia nos ensaios, Gal Costa... Clarice Lispector veio uma vez. As mulheres (fãs) eram apaixonadas por Bethânia, e deixavam pra ela carros novinhos em folha, com chaves dentro e tudo. Bethânia dava para os pobres as montanhas de presentes que recebia das fãs no aniversário. E depois desse show, que foi o maior sucesso, a Rita Lee me chamou para dirigi-la em São Paulo, e eu fui. Então a Bethânia me disse, furiosa, no camarim diante do espelho enquanto se maquiava: – Sim senhor, senhor Antonio Bivar! Depois de dirigir uma estrela do MEU NÍVEL foi dirigir dona Rita Lee? Em Drama, Bethânia interpretou a toada Mãe Menininha, que Dorival Caymmi compôs para ela gravar no disco em dupla com a Gal, uma homenagem à mãe de santo Menininha do Gantois a quem Bethânia fora apresentada por Vinícius de Moraes e de quem se tornara devota. Quanto à gravação ao vivo do show, o disco tornar-se-ia um dos favoritos do público da artista. Drama foi um grande sucesso e a afluência de público ainda maior. Pra mim foi um trabalho prazeroso. Isabel e eu recebíamos 5% da renda bruta, o que permitiu que eu logo saldasse minha enorme dívida pelos adiantamentos da SBAT enquanto me mantivera em Paris por conta de Zé Quouine, Norma e Micheline. Isabel e eu íamos para o teatro de bicicleta, eu pedalando e ela na garupa. Nossa casa ficava a 2 km do Teatro da Praia. Geralmente no caminho almoçávamos na pensão de nossa amiga Creusa Carvalho e sua sócia Lúcia Shibuya. Os comensais pertenciam à vanguarda artística e contracultural. Comida saudável e caseira num ambiente familiar. Creusa, atriz formada pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo, depois de anos de aprendizado em Nova Iorque – morava no Village – voltara com o intuito comunitário de, já que alguém tinha que tomar conta dos amigos e outros desgarrados, que fosse ela a mãe. Somos amigos desde sempre. E graças à sua pensão em Ipanema todos sobrevivíamos bem alimentados. E foi na pensão da Creusa que, por exemplo, anos depois aconteceu a noite de autógrafos do primeiro livro de memórias de Odete Lara, Eu Nua, publicado pela Editora Civilização Brasileira. Texto de Odete Lara Houve um tempo nos anos de paz e amor, em que convivíamos muito, em São Paulo ou aqui, no Rio, quando ao voltar de Londres, para onde vai todos os anos, participar de uma sociedade de estudos voltada para Virginia Woolf e o grupo de Bloomsbury, ele se fixou, por uma temporada, no apartamento de um ator amigo (Rubens Araújo) em Ipanema. Apesar de nossa grande amizade e ser ele um talentoso dramaturgo nunca atuei como atriz em alguma peça sua tão voltada eu vivia para o cinema. Em sua peça Longe Daqui Aqui Mesmo, montada no palco do famoso Teatro Opinião em Copacabana fui convidada para fazer [Estrela] a personagem central feminina, mas nessa ocasião eu já havia decidido deixar o teatro e só assumir compromisso com o cinema. Participei na peça então, mas como fotógrafa, pois estava estudando fotografia. Há fotos de todo o elenco dirigido pelo excelente diretor Antonio Abujamra. Longe Daqui foi mais um grande sucesso de Antonio Bivar. Maria Bethânia e Rita Lee são estrelas maiores, cada uma no seu direito de carisma, talento e conquista internacional. E, com o tempo, embora de pouco ou quase nenhum convívio, de longe passaram a se admirar mutuamente. Bethânia adora Rita e esta considera Bethânia a nossa rainha. Considero-me sortudo por ter trabalhado com as duas. Com Bethânia, foi ela quem me convidou, e veja só, Maria Lúcia, foi Bethânia quem ME LANÇOU como diretor de shows! E com Rita, no princípio, não convidado por ela, mas por sua (então) manager, Mônica Lisboa. Mas foi com Rita Lee, a partir de então, e sempre a convite dela, na década de 1980 e começo da década de 1990, que iríamos formar uma espécie de dupla bissexta. Fui como seu diretor no primeiro Rock in Rio e no Festival de Viña Del Mar, no Chile. Em 1986 fui o escrevinhador e selecionador de músicas em seu programa Rádio Amador, na Rádio 89, em São Paulo e na capital, no Rio. Em 1991, fui o roteirista de seu programa TVLee-Zão, na MTV. Experiências maravilhosas. Além de roteirista eu criava alguns dos personagens que Rita interpretava com uma genialidade de atriz brilhante que é. Rita também tinha os personagens criados por ela – a Gungun, o Aníbal, a Gininha... Eu criei a empregada Mabel, a colunista social Adelaide Adams... E outros, delas e meus. Nesses programas eu, como roteirista, era totalmente livre para pôr o que me desse na veneta. E Rita pegava aquilo como um presentão interpretando genialmente. Textos que mexiam com tudo, dadaísmo, existencialismo, iluminismo, anarquismo, monarquismo... Com certeza os 13 programas que fizemos na MTV são pérolas raras no arquivo da emissora. E tínhamos na equipe jovens maravilhosos esbanjando criatividade: Paulo Von Poser, Vic Meirelles, Goldman (o diretor), Suely Aguiar na produção, Conrado Segretto nos figurinos... Com Rita e Roberto também compus algumas músicas, e Roberto de Carvalho foi o coautor das músicas de minha peça Alice, que Delícia! Que Maria Della Costa estrelou em 1987, com Ênio Gonçalves, Christine Nazareth e Renato Modesto. Direção de Odavlas Petti, cenários e figurinos maravilhosos de Patrício Bisso. Anos antes, ainda na década de 1970, Gente Fina é Outra Coisa, que escrevi com o Dr. Alcyr Costa, meu amigo do tempo dos mórmons em Ribeirão Preto. A montagem no Teatro de Arena teve a direção de Paulo Villaça, que descolou Clodovil para os figurinos de Yolanda Cardoso. Nesse mesmo ano, 1977, Bivar foi convidado por Ziembinski a escrever a peça com a qual o mestre comemoraria seus 50 anos de teatro. Conta Bivar: Ziembinski tinha visto os filmes de Andy Warhol e ficara encantado com Joe Dalessandro. E pediu para eu escrever uma cena em que Roberto Pirilo ficasse nu uns 15 minutos. Como voyeur e participando não só como diretor, mas como ator do espetáculo, Zimba estava encantado com Pirilo e, mui respeitosamente, queria contracenar com ele nu, claro, na condição de voyeur. A peça tinha a cantora Marlene, um verdadeiro dínamo em cena, e a jovem Louise Cardoso, na plenitude de seus 18 anos – Louise fazia a namorada de Ziembinski. Escrevi a peça seguindo as orientações de Ziembinski, inclusive enredo e personagens. Quando botei final feliz (eu sempre fui pelo final feliz, hélas), Zimba ficou uma arara: De jeito nenhum – disse ele. A peça tem que terminar com um arranca-rabo. Maria Lúcia, você não queira saber, foi um desastre! Quero dizer, a peça até que estava boa, mas o zeitgeist era totalmente contrário, a crítica ainda dominada pelo espírito do teatro do oprimido demoliu. E Quarteto tinha tudo, menos opressão. Apesar do arranca-rabo final. Dirigi também o show que lançou Simone em grande estilo, Face a Face, 1978. Simone, vinda do basquete, era meio travada e levei-a a tomar aulas de dança do ventre com Ivaldo Bertazzo. E convidei a lendária Barbara Hulanicki (criadora da famosa Biba de Londres e grande amiga da Twiggy), que estava refugiada em São Paulo, para criar o figurino de Simone. Nem é preciso dizer que, com essa produção, Simone estourou. Anos depois, e sempre convidado, dirigi Tempo ral de Amor, no enorme Olímpia, com a dupla sertaneja Leandro e Leonardo. Nessa época, Maria Lúcia, os sertanejos estavam vendendo mais disco que o pessoal da MPB. Revoltados, Marisa Monte ficou uma arara e Nelson Motta até mudou pra Nova York. E o que é que eu podia criar de novo num show como esse. Lembrei-me que em 1959 quando Marlene Dietrich se apresentou no Brasil escolhera para cantar em português o Luar do Sertão, música sertaneja clássica. Eu tinha a gravação e botei a dupla para cantar com a Dietrich. A dupla, a princípio, que nunca ouvira falar dela, recusou: Essa mulher não canta nada! Mas Pedro Ivo, o diretor musical, comprou a ideia e exigiu que Leandro e Leonardo cantassem Luar do Sertão com a Dietrich e, ao fundo, um telão de 13 metros com a cara da Marlene Dietrich pintada por Mário Monteiro, cenógrafo do show, e foi uma coisa! Eu ficava arrepiado durante toda a temporada de Temporal do Amor. A cena me fez constatar que era puro expressionismo alemão com tintura sertaneja tupiniquim. Ano seguinte, quando Madonna homenageou Dietrich em seu show, soube que o Leonardo disse: Nós que inventamos a Marlene Dietrich. No ano seguinte fui convidado a dirigir o grande show anual de Fábio Jr. Capítulo X São Paulo e o Mundo Morando em São Paulo, sonhava com um lugar ideal para deixar a caótica cidade e pendurar o coturno, o converse e até as havaianas e ficar para sempre descalço para viver livremente. Nem que depois de cinco anos eu comece a me entediar. Daí passo para outra ideia. Nasci em São Paulo, mas naquele tempo até a Cantareira era outra coisa, bucólica e campestre. E depois da vida interiorana paradisíaca e em fazendas, e um pouco de Ribeirão Preto, minha formação de juventude foi toda no Rio. Outro dia na cama pensei e contei: morei em 37 lugares diferentes, no Rio. Um dos lugares, exatamente a águafurtada de frente para a casa de Tom Jobim, na Barão da Torre. Meu colchão ficava sobre a caixa d’água do prédio de três andares. E você se lembra, Maria Lúcia, como faltava água no Rio nos anos 1960! Quando eu estava dormindo e a água voltava à caixa, o borbulhar me despertava e o bem- estar nesse despertar hidráulico era total: finalmente eu ia tomar uma chuveirada fria. Eu e Jenny [Thompson], minha companheira inglesa, desde 1993, quando nos conhecemos, até 2008 quando morreu, tínhamos decidido ir morar em Visconde de Mauá e manter um pied-à-terre em Londres. Ou Águas da Prata, ou Itanhaém... qualquer lugar aprazível e que tivesse muita água. Jenny, dois anos mais velha, era uma mulher sofisticada, mas não tinha problema de pegar ônibus, metrô, e, comigo, caminhar léguas. Ela entrou na minha porque a minha já era a dela. Ela tinha um lado visionário e disse que éramos feitos um para o outro, n’importe quoi. No começo não foi fácil me convencer. Ela falava usando cinco línguas – inglês, italiano (seu primeiro marido, Nino Spallone, italiano, pintor e pai de seus dois filhos, um casal), francês (vivera na Riviera e conhecia tudo ali), espanhol (tinha uma amiga argentina, Maria Carreras) e ao me conhecer e me fisgar, e depois do divórcio do segundo marido, Peter Thompson, um rico financista, divórcio ocorrido a pedido dele, pois estava abandonado em Londres, enquanto ela permanecia em São Paulo meses a fio. De formação familiar católica eu não aceitava o adultério. Quero dizer, até que aceitava, nos outros, mas não comigo. Foi complicada essa fase do meu convívio com Jenny. Com o divórcio ela perdeu quase tudo (para os filhos dele), mas o marido ainda a deixou bem, uma casa geminada, eles que moravam numa mansão de quatro andares, uma pensão, fora a pensão dela como editora aposentada. E assim ela estava sempre me levan do para viagens, para que eu completasse minha educação de viajante. Natal na Sicília, ano-novo em Capri, epifania em Roma. E França, Espanha, América do Sul. Em Port Stanley, capital das Malvinas (Falkland), um tsunami nos obrigou a dormir com centenas de outros passageiros de um navio no chão do salão paroquial, envoltos nos cobertores que haviam servido aos soldados na guerra contra a Argentina em 1982. Quando viajávamos pelo Brasil, Jenny levava a trena para medir o espaço e ver o que fazer para melhorálo, caso decidíssemos morar ali. Foram 15 anos deliciosos viajando pelo mundo, da Ilha de Wight (onde ela tinha casa) aos confins da Patagônia e deserto de Atacama. Estávamos em Nice, onde ela tinha casa de amiga, íamos de trem almoçar na Itália. Manhã em Saint-Tropez, jantar em Cannes, dia seguinte em Saint-Paul de Vence e duas ou três espairecidas em Antibes. Na Provence, como membros da sociedade inglesa de Virginia Woolf, percorremos, de Marseille a Aix, todos os lugares por onde deixaram marcas os membros originais do grupo Bloomsbury. Conheci Jenny como uma das participantes no curso de literatura sobre Virginia Woolf e seu grupo. O curso era na casa da fazenda onde vivera Vanessa Bell, irmã de Virginia, com a comunidade modernista inglesa desde 1916, da qual, entre muitos outros, participaram o economista Maynard Keynes e o pintor Duncan Grant. A fazenda continua dedicada aos estudos desse grupo de artistas e escritores e tem festivais e cursos literários todo ano. Foi nessa fazenda onde realmente desenvolvi minha vocação para a escrita e o desenho. Participo desde 1993, quando conheci Jenny, e a última vez foi em 2006. Foram 13 anos sempre lá e com eles, aprendendo. Presenças variadas, des-de Susan Sontag, Alain de Botton, Harold Pinter, entre pesos-pesados, e os da casa, e tantos outros como Iris Murdoch e a maioria dos escritores ingleses modernos, etc. Meu deslanche em letras devo muito à Fazenda Charleston. E, com certeza, fui parar lá graças a Virginia Woolf. E foi por Virginia Woolf que Jenny e eu nos conhecemos. Eu fui fisgado pela literatura de Woolf quando, em 1973, li As Ondas. Desde aí me tornei um woolfiano. Vinte anos depois conheci Jenny. Ambos com mais de 50 anos. Basta dizer que logo no primeiro ano em Charleston eu e Quentin Bell, sobrinho e primeiro biógrafo de Virginia, nos tornamos amigos de muitos encontros e dezenas de cartas. Ele e Anne Olivier Bell, sua mulher e editora dos cinco volumes dos diários de Virginia Woolf. Bem, sobre todos esses anos e a aventura de estar imiscuído neles e com quem, escrevi um livro, Bivar na Corte de Bloomsbury, de 2006, muito bem recebido pela crítica, mas ainda não devidamente descoberto pelos leitores. Sempre adorei desenhar. Aprendi perspectiva com o artista e amigo Frederico Geissler, que também morava chez Clare. E com Alain de Bot-ton a afinidade de que, em viagens, é melhor desenhar que fotografar as impressões. Mesmo que o desenho não saia bom. E na Fazenda Charleston aprendi aquarela, guache, pintar cúpulas de abajur, fazer cerâmica e queimar no forno de Quentin Bell. E, nas viagens, na falta de tinta pintava os desenhos com flores. Pintar com flor, o resultado é imprevisível. Você pinta com rosa amarela e sai preto. Na Espanha, ao sul de Granada, na Serra Nevada ou nos picos de Alpujarra, em Yegen, Jenny e eu fomos descobrir a casa onde o jovem Gerald Brenan havia se retirado com dois mil livros na década de 1920, e onde recebeu a visita de Leonard e Virginia Woolf. Ali perto, outra amiga de Jenny tinha casa de férias onde nos hospedamos. Jenny dirigia na mão contrária à inglesa e tirava cada fina nos precipícios Será que meu sentimento de felicidade está ligado a essa peregrinação? Um pouco, mas também outro tanto, como taurino ascendente de capricórnio cultivo o sonho de uma casinha no campo e ficar lá quieto, pomar ao fundo, canteiro de verduras, jardinzinho que não dê muita mão de obra, um chuveiro ao ar livre, um riacho de águas límpidas a poucos metros... Não. Se eu encontrar um lugar ideal eu posso ficar para sempre. Mas, voltando ao velho peregrino, há dois anos, para fugir do carnaval e da Ivete Sangalo, peguei um ônibus e fui conhecer Assunción, no Paraguai. E sabe que gostei? Nunca vi tanta manga na vida. As praças e ruas cobertas de mangas. Ninguém tava olhando, eu catava, limpava a manga na barra da bermuda e chupava. Só pela fartura de mangas adorei Assunção. Aprendi a dirigir aos 50 anos e comprei a Brasília de meu sobrinho Rafael. Que delícia pegar a estrada! Mas era tão bom que acabava dormindo. Muitos desastres aconteceram, mas protegido dos anjos, não feri nem matei ninguém. Mas, uma vez, durante uma tempestade, a Brasília se desgovernou e rompeu três cercas de um haras! Os cavalos todos, éguas e potrinhos vieram para a rodovia! E imagina que eu dei carona a Danuza Leão na minha Brasília, na noite em que ela lançou a primeiríssima edição de Na Sala com Danuza, em São Paulo. Foi em um jantar sentado no fabuloso apartamento de Jorge Elias. Danuza chegou quando todos já tinham ido embora. Era madrugada e me ofereci a levá-la pro hotel. Danuza aceitou e lá fomos nós. Eu estava começando a dirigir a Brasília, ainda me sentia de mãos atadas quanto ao manejo de marchas, etc. Foi uma aventura. Danuza, elegantíssima, feliz com o sucesso da noite, mas tensa comigo na direção. Daí, para acalmá-la, falei: Danuza, fique zen. E ela: Que é que você quer dizer com ‘fique zen’? Eu não soube explicar, e depois que o carro morreu na subida vertical que levava ao hotel, e que consegui – e até hoje não sei como – fazer o carro retomar a marcha e deixar Danuza na entrada do hotel, aliviadíssima, chegando em casa escrevi a crônica Na minha Brasília com Danuza, publicada domingo no Caderno 2 do Estadão, onde durante um tempo, entre 1993 e 1995, tive minhas crônicas domingueiras. Se em 2008, quando Sophie, filha de Jenny, veio com as tias da Inglaterra trazer as cinzas de Jenny para espalhá-las num lugar que ela adorava, à beira de um riacho vindo da montanha na mata atlântica, e a praia semivazia que ela amava, entre Ubatuba e Parati, vi que as inglesas, dirigindo pela primeira vez em ruas e estradas brasileiras um carro alugado, guiavam destramente pela Rio-Santos. Morri de vergonha por não poder revezar com elas. Assim que esparzimos as cinzas e elas voltaram à Inglaterra, resolvi voltar à autoescola para reaprender a dirigir. Quem sabe um dia morando num luga rejo eu precise de um fusca? Sim, para ir fazer compra no supermercado da cidadezinha maior e mais próxima. E teve a vez que fui atropelado por um ônibus em São Paulo. Foi na Avenida Consolação, em 2003, às dez da manhã. Ia atravessar a rua quando um ônibus me pegou de frente. Fui levado para a Santa Casa pelo resgate do Corpo de Bombeiros. Um dos bombeiros era meu conhecido de festivais punk que eu ajudava a organizar. Bira, o bombeiro, era da banda Autogestão. Uma dessas coincidências que só as estrelas explicam. Raios-X e tudo e os ossos quebrados, mas sobrevivi. O ortopedista chefe queria abrir minha cabeça e encher de pinos. Mas minha querida amiga, a fotógrafa Vânia Toledo, num insight achou que antes de ser pinado eu devia levar as chapas para nosso amigo – e ex-marido de Vânia – Dr. Luiz Sérgio de Toledo. Luiz Sérgio (hoje em Dubai) examinou as chapas e disse, com humor cúmplice de velhos amigos: Você não precisa de pino. Se o zigomático e os outros ossos quebrados na cara não colarem, eu te faço um nariz igual ao da Mitzy Gaynor... Mas não precisou, graças a Deus. Ainda sobre o pós-atropelamento do ônibus, eu participei de uma mesa na celebração dos 60 anos da Editora Brasiliense e dessa mesma mesa participaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o jurista Dalmo Dallari. Todos palestraram a sério, mas eu contei do atropelamento, do amigo bombeiro que me resgatou, da possibilidade de um nariz à Mitzy Gaynor, etc. Foi um sucesso. Até Fernando Henrique riu muito. E, no final do evento, a Casa de Portugal com umas mil pessoas, todas vinham cumprimentar e falar do Bira, o bombeiro, que virara uma espécie de herói. Depois do atropelamento e aconselhado pela amiga Maria Adelaide Amaral, escrevi em três meses as 420 páginas de Yolanda, a biografia de Yolanda Penteado, para ser lançada coincidindo com a minissérie Um Só Coração, sobre o mesmo personagem. A série foi sucesso e o livro um best seller. Mas voltando ao punk, em 1982, idealizei o festival punk O Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompeia, em São Paulo. De volta de mais um ano na Inglaterra, encontrei em São Paulo um único acontecimento digno de nota: o movimento Punk. Virei amigo de todo o movimento e abracei a causa. E na troca de ideias nas manhãs de sábado na Galeria do Rock, com amigos punks, Meire Martins, Callegari, Clemente, Mingau – o João Gordo começava a aparecer e logo entraria para o conjunto Ratos de Porão – fomos ao Sesc falar com a diretoria e a ideia do festival punk foi instantaneamente aceita e realizada, no mais perfeito faça você mesmo. No festival lancei o livro O que é Punk (editora Brasiliense), tornado cartilha e bíblia de punks e não punks, e com várias edições. O festival arrepiou a galera e telespectadores do Fantástico da TV Globo. Fernando Gabeira esteve lá e o festival foi coberto por jornais internacionais, desde o Washington Post a jornal do Japão. O punk paulistano foi colocado no mapa-múndi punk. Virei correspondente anos do fanzine MAXIMUMROCKNROLL, de San Francisco, Califórnia. Do qual Jello Biafra, dos Dead Kennedys, era colaborador. Os punks odiavam os hippies, mas experiente em contracultura, vi neles o outro lado da mesma moeda. E deu certo desde então, somos amigos para sempre. Foi um punk, o Hélio, da banda Condutores de Cadáver, quem, 15 anos depois, me iniciou no computador. E ainda me apresentou minha primeira agente, Dra. Fátima Pena Pires, que cuida de tudo referente a direito de peças e livros. Capítulo XI Jornalista Comecei ainda garoto escrevendo sobre cinema em um jornal de Ribeirão Preto, O Diário. No começo dos anos 1960. Em 1968, a revista O Cruzeiro, já decadente, abriu um espaço para os novos, e éramos Nelson Motta, Isabel Câmara, Clara Maduro (pseudônimo de Clare Paine), eu e outros. Tim Maia tinha uma coluna de música. Essas páginas tinham por título O Cruzeiro dá o Recado. Depois, nos anos hippies, tivemos a imprensa alternativa. Também escrevi na Flor do Mal (publicado pelo Pasquim) e no Presença, entre outros. Entre 1971 e 1976 escrevia sempre a convite de Samuel Wainer, onde ele estivesse atuando como editor. Aprendi muito da escrita jornalística com Samuel Wainer, que dava toques ótimos e libertadores. Escrevi na Vogue Homem, a convite de Daniel Más. Nessa revista eu tinha uma seção com a fotógrafa Vânia Toledo, minha amiga: O Zoo de Antonio Bivar e o Zoom de Vânia Toledo, era o título. Trabalhava na Interview quando fui chamado a editar a Gallery-Around, que no princípio era o house organ do privé Gallery e que depois, com Joyce Pascowitch de editora proprietária, com o nome simplificado para Around e depois A-Z, uma das revistas mais influentes da década de 1980, da qual, do primeiro ao último número durante os dez anos em que foi publicada, fui o editor de estilo. Nessa revista trabalhou e colaborou tanta gente boa que encheria páginas. Dos editores que por ela passaram, de Caio Fernando Abreu a Paula Dip, entre outros notáveis, nela colaboraram Rubens Ewald Filho, Dulce Damasceno de Brito, Ruy Castro, Reinaldo Moraes, tanta gente que nem é bom começar. Durante dez anos fui editor de estilo e Joyce permitia que todos escrevessem ou fizessem do visual da revista tudo o que suas imaginações ditassem. Foi outro aprendizado fantástico. E para não ir longe com a história, continuo com Joyce em 2010, a convite dela, escrevendo mensalmente em suas excelentes revistas. Mas, como eu contava, fui o segundo na imprensa mundial a usar o título de editor de estilo, e isso em 1982! Agora você pega todas as revistas e acha editor de estilo nos créditos. O primeiro editor de estilo da história foi Peter York, na Harper’s & Queen inglesa, no começo dos 1980. Aprendi muito de jornalismo elegante in loco, frequentando de curioso a redação da Harper’s & Queen, assim como a mais influente revista de música, moda e estilo da década, a THE FACE. O que aprendi em mais um ano inteiro em Londres, 1981, valeu para toda a década. Foi uma total reciclada, um verdadeiro up grade. Me senti novamente adolescente, aprendendo por paixão. E sempre convocado, escrevi para os principais jornais e revistas do País e tive uma temporada viajando e escrevendo para a revista de bordo da Varig, a Ícaro. Para a Ícaro, nos anos 1990, fiz matérias com os alfaiates sob medida da tradicional Savile Row, famosa pela elegância masculina desde o século 18, com o Belo Brummell (1778-1840), até as roupas de reis e príncipes e estrelas de Hollywood como Fred Astaire e Cary Grant, os Beatles, etc. Cobri leilões da Sotheby’s e da Christie’s, conheci a Baixa Califórnia do lado mexicano, o pantanal mato-grossense, etc. E sempre enviado pela Ícaro, para escrever a respeito. E como repórter de viagens não parei de viajar durante muito tempo. Por conta própria, há dois anos viajei até Aracataca, onde nasceu García Márquez, na Colômbia. Você não imagina o que é aquilo. Macondo foi inspirada em Aracataca, você sabe. E Cem Anos de Solidão é um cabedal. Tanto quanto viajar adoro escrever e ler. Livros, escrevi um monte. É como disse outro Quentin amigo meu, o Quentin Crisp: Livro é para ser escrito, não para ser lido. É verdade. Livro não precisa ser lido, ao contrário de peça de teatro, que só ganha vida se encenada. Continuo mais pobre do que era antes de escrevê-los, mas continuo escrevendo. Agora mesmo escrevi um, de contos, Contos Atrevidos, imediatamente publicado pela Prumo (da Rocco). Mas escrevi um único romance, Chic-A-Boom. Na quarta capa da segunda edição de 2005 (a primeira foi de 1991) escreveu Leo Gilson Ribeiro, no Jornal da Tarde: Que delícia! A estreia de Antonio Bivar no romance é o sopro mais vivificante da literatura camp já surgido no Brasil. Seu talento elétrico, psicodélico, espalha-se gostosamente pela área da prosa rápida, multicor, deste hilariante, lírico, agilíssimo Chic-A-Boom. Capítulo XII O Método na Escrita Quando perguntam a minha profissão, respondo: escritor. Porque estou sempre a escrever. Peças, ensaios, memórias, romance, biografias, diário, contos, crônicas, colunas, resenhas, perfis, cartas e e-mails. Como escrevo, porque escrevo, quais foram as escolas, os mestres, as influências... Escrevo desde menino. Comecei por diversão. A matéria vinha do ambiente familiar, a parentada toda, a criadagem, vizinhos, a molecada, amigos e desconhecidos. Anos depois, embora como escritor tenha ficado mais conhecido como dramaturgo, ou seja, escrevendo peças teatrais, a influência maior, creio, foi o cinema. Isso porque onde vivi a infância e adolescência não havia teatro. Havia, claro, geralmente no fim do ano, as pecinhas montadas por alguma professora com os alunos mais apresentados. Nasci em São Paulo, mas minha família voltou para o interior antes que eu completasse dois anos. De modo que os meus verdes anos foram decididamente campestres. Cresci em fazendas e numa usina de açúcar. Meu pai deu de educar a comunidade onde vivíamos com cinema uma vez por semana. Era o finzinho da década de 1940 e começo dos anos 1950, mas os filmes em 16 mm podiam ser até dos anos 1930. Ainda criança tive a oportunidade de ter uma rica intimidade com a Hollywood das grandes estrelas e bons filmes, dos grandes diretores e roteiristas, a maioria europeus fugidos da guerra. Por exemplo: aos 11 anos, espírito irônico tendente à sofisticação, eu já sabia quem era Maria Ouspenkaia e Jean Negulesco. Via os filmes e depois tomava a iniciativa de juntar outras crianças e brincar de teatrinho imitando cenas cômicas ou musicais. Creio que aí germinava a semente do que eu, sem o saber, seria no futuro. Depois, a literatura, a palavra impressa. Os livros da nossa estante, histórias em quadrinhos, revistas, romances. Tudo foi escola. Mas escola maior era ouvir e assistir aos mais velhos – tias, primas, primos, vizinhos, conversando. As diferentes entonações, a elocução requintada dos mais bem providos, o sotaque italianado, os forasteiros, o jeito caipira de uns e o sotaque nordestino de outros, tudo tinha seu atrativo para o menino atento ao lado teatral do povo local. Mas eu não era de me adiantar, no sentido de ainda cedo dizer vou ser isso ou aquilo. Havia, entre os meninos, os que queriam ser maquinistas de trem, ou médico, ou jogador de futebol, soldado na guerra, aviador, mas eu não me lembro de ter querido ser o que quer que fosse. Na verdade eu queria mesmo era continuar criança, porque infância e puberdade do jeito que estavam já estava ótimo. Meu método não tem mistério, ainda que o resultado possa parecer misterioso. Quando, aos 28 anos, impulsionado a escrever uma peça para ser encenada profissionalmente, O Começo É Sempre Difícil, Cordélia Brasil, Vamos Tentar Outra Vez, o fiz porque já estava quase concluindo meus estudos no Conservatório Nacional de Teatro, RJ, onde tive excelentes professores e colegas. Como estudante de teatro havia vis-to muitas peças e até, como ator, atuado em algumas delas. Samuel Beckett, Shakespeare, Machado de Assis, Giacoponi da Todi, Albert Camus, Cervantes, Pinter, Nelson Rodrigues, Martins Penna, Joe Orton, Albee, Tennessee Williams. Aluno de arte dramática me exercitara em todos eles. Passei meses ensaiando o papel de Estragon em Esperando Godot. Achei esse texto tão absurdamente fácil que, se escrevesse uma peça tão mitológica quanto aquilo – uma peça onde nada acontece duas vezes, como escreveu um crítico inglês –, então eu já estava mais do que pronto para desistir da carreira de ator (era tímido e não me identificava com a maioria dos personagens) e me decidir pela carreira de autor, optando por criar meus próprios personagens e situações. Bagagem para tanto eu tinha. A primeira experiência no campo, como já contei algures, foi uma brincadeira, um happening (coisa muito em voga na época, 1967, com o boom da arte pop), uma provocação extremamente cínica, naïve e juvenil. Convidado por Carlos Aquino, um jornalista, a escrever uma peça a quatro mãos e cético quanto ao resultado, antes de começar, como que acreditando mais no título que no resultado, inventei um título para épater colunistas, leitores e seguidores do modismo prafrentex: Simone de Beauvoir, Pare de Fumar, Siga o Exemplo de Gildinha Saraiva e Comece a Trabalhar – um título quilométrico e sem dúvida de apelo anarquista, um inconsciente coup de théatre que serviu para me lançar como celebridade instantânea, dar a minha primeira entrevista (para Fernando Gabeira, no Jornal do Brasil) e ser citado nas colunas de, entre outros, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto). Na verdade, a peça em si não era bem uma peça e, sim, uma colcha de sketches mal-ajambrada. Mas por sermos jovens e atrevidos causamos certo ruído e a crítica disse que apesar de tanto barulho por nada tínhamos um humor novo e nada desprezível. A segunda peça, esta sim uma verdadeira peça teatral, O Começo É Sempre Difícil, Cordélia Brasil, Vamos Tentar Outra Vez, já era coisa mi nha, só minha e, conforme o espírito vigente na época, se tratava de uma tragicomédia. Comecei a escrevê-la em um caderno, à noite, no escuro, numa viagem de ônibus do Rio a São Paulo. Tive a interessante inspiração de começar pelo final, pelo desfecho, pela última cena. Já tendo o final pronto, o resto veio com uma facilidade impressionante. E funcionou tanto que, ao ser encenada, recebi dois dos três prêmios importantes em São Paulo: o da Associação Paulista de Críticos de Arte e o Governador do Estado como o melhor autor de 1968. E olha que 1968 foi um ano explosivo nos dois lados do Atlântico. O tema de Cordélia Brasil, como eu disse, estava de acordo com o zeitgeist. A vida amesquinhada de um casal da pequena classe média boêmia da zona sul carioca. Mas não era só isso. A peça tinha apelo universal, os três personagens tanto podiam ser brasileiros como de qualquer outro lugar. Oduvaldo Viana Filho, Antonio Callado, Tônia Carrero, Dinah Silveira de Queiroz, Antonio Houaiss, Luisa Barreto Leite são alguns dos nomes do teatro e da literatura que me confessaram encantados com Cordélia Brasil. Foi outra revelação da nova dramaturgia brasileira como pouco antes havia sido Plínio Marcos e depois José Vicente e Leilah Assunção, entre outros. No Rio, no Teatro Mesbla, não gostei da encenação. Estava cheia de coisas que nada tinham a ver com o universo da peça, desde o bonito, porém pouco funcional cenário de Joel de Carvalho até as árias de óperas usadas na trilha sonora (ideia de Gilda Grillo, produtora com Vianinha). Quando fomos para o Teatro de Arena em São Paulo meti o bedelho: fiz Norma Bengell tirar partido de certas falas e exigi que Emilio di Biasi, o diretor, eliminasse a ópera da trilha sonora e aceitasse a minha escolha musical que eu tinha a certeza era a dos personagens. Coloquei na trilha sonora – e pela primeira vez no Brasil e quiçá no mundo – o novo rock, ou seja, Jim Morrison naquele berro primal de When the Music is Over dos Doors, no suicídio de Cordélia; Donovan na cena mais lúdica e Dalva de Oliveira de Que Será da Minha Vida Sem o Teu Amor, cantada na privada por Norma Bengell. E Frank Zappa & The Mothers of Invention na cena em que Cordélia convidava o público a dançar com ela. Entre outras. E funcionou que foi uma coisa. Anos depois Coppola usaria Jim Morrison & The Doors (The End) na trilha sonora de Apocalipse Now. Não era à toa que o crítico Yan Michalski me considerava o pensamento mais moderno do teatro brasileiro. Eu tinha a certeza de estar certo e saber o que estava fazendo. O resultado foi na mosca. Como é que um autor tão jovem podia saber de tantas coisas? Vivência de rua, eu diria. Curiosidade, esperteza. Aos 28 anos, com grande quilometragem e ainda assim superfamília, só faltava eu não saber dos fatos da vida. Minha peça a seguir – e a de que gosto mais dessa fase (embora seja talvez o único a dela gostar esse tanto) foi Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã. Com esta peça embarquei no meu verdadeiro universo, o da fantasia. O mesmo Yan Michalski diria: Bivar, como nenhum outro autor, domina o universo da fantasia. Era a delícia do diálogo, da conversação, mais que do enredo em si. O extremado contraste das esferas sociais, duas personagens, uma burguesa e uma pobretona confinadas numa cela de prisão numa ilha longe de tudo – e só as duas nessa prisão, condenadas à prisão perpétua por conta dos muitos crimes que praticaram, cada uma no seu ambiente. A narrativa desses crimes, entre verdadeiros e fictícios, ajuda a sustentar a passagem do tempo, que é o que menos passa no confinamento. A grã-fina Heloneida e a casca-grossa Geny Porreta; o carcereiro galante e amante de ambas, até que o encanto é quebrado quando o galante vai pra guerra e é substituído por uma carcereira tirânica e machona que atende pelo nome de Azevedo e chega para acabar com o eterno feminino das prisioneiras. Seria um drama existencial se a tônica não fosse a da alta comédia. Ao optar pela dramaturgia, certamente a minha formação ao mesmo tempo campestre e sofisticada cuidou para que eu optasse pela alta comédia, ainda que às vezes um tanto noir. Pela imprevisibilidade dos diálogos e situações, pela determinação espontânea em sempre surpreender o espectador. Penso que o espectador merece surpresas, e de preferência surpresas agradáveis, apesar das necessárias interferências de arrepios. Na estreia lembro-me de Plínio Marcos, na saída, dizendo em sinal de protesto: Enquanto estamos lutando pelo arroz e feijão, lá vem Bivar trazendo a sobremesa! Risos. Adorei essa tirada do Plínio, tanto que não a esqueci. Mas era isso mesmo, e por que não a sobremesa? Sobremesa fina. Por que só o teatro do oprimido? Estávamos sob as rédeas curtas da ditadura, é histórico, mas e eu com isso? Eu não era de briga, não era de guerra, não era de grupo e estava mais para anarquista independente. Teatro para mim era diversão, entretenimento; e crítica, claro. Não o teatro boulevard nem a simples comédia de costumes, nada contra, mas um teatro novo, original e único. Escrevi Abre a Janela no Rio, numa casa de fun-dos em Ipanema. Fauzi Arap leu o primeiro ato e adorou. Convidado por Sandro Polloni a dirigir a próxima peça com Maria Della Costa, Fauzi arrancou-me da mão o primeiro ato e começou a ensaiá-lo. Me levou para o enorme apartamento da família na Avenida Paulista, São Paulo, e me trancou no quarto mais distante para que eu escrevesse o segundo ato. Às vezes eu descia para dar uma caminhada na avenida e parava para ler as manchetes na banca de jornal: Andy Warhol havia sido baleado em Nova York por Valerie Solanas; Bob Kennedy havia sido assassinado. E eu voltava ao quarto para continuar escrevendo a peça que, não muito longe dali, estava sendo ensaiada. Maria Della Costa no papel de Heloneida; Thelma Reston como Geny Porreta; Jonas Mello como o carcereiro; e Yolanda Cardoso como a carcereira Azevedo. O cenário um tanto despropositado de Sara Feres, que entendeu a prisão como um hospício hiper- realista não me agradou nem um pouco. Mas Sara, ideia fixa, não abriu mão. No ensaio geral, a cenógrafa desmaiou ao finalmente se dar conta de seu equívoco e que o autor tinha razão. Mas aí já era tarde, o cenário já estava montado e a estreia marcada para o dia seguinte... se a censura liberasse. A excelente direção de Fauzi Arap, o brilho dos atores na perfeita representação dos personagens de um texto encantador salvaram a montagem. Por Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã recebi o prêmio Molière 1968 como o melhor autor do ano: um busto em mármore do comediógrafo francês e passagem aérea à Europa pela Air France. Graças às peças Cordélia Brasil e Abre a Janela recebi todos os prêmios de melhor autor de 1968 em São Paulo. Eu era, enfim, a novidade (revelação) do ano. Duas peças em cartaz na cidade e com duas grandes estrelas: Norma Bengell (recém-chegada de temporada no cinema europeu) e Maria Della Costa, que dispensa comentário. Ainda em 1968 a Rainha Elizabeth II da Inglaterra fez sua primeira e única visita ao Brasil. Vimo-la da sacada do Hotel Amália, na Rua Xavier de Toledo, onde Norma e equipe se hospedavam. Vi e chamei a atenção de todos para um detalhe: o Rolls Royce conversível, a rainha no banco de trás ao lado direito do duque, seu marido, estava descalça! O calor de agosto era tal que, para arejar, Sua Majestade tirara os sapatos. E naquele instante tive a ideia de escrever A Passagem da Rainha. As ruas por onde passavam realeza e séquito, ruas geralmente imundas, agora estavam limpíssimas; deram sumiço nas prostitutas, marginais e mendigos, para que Sua Majestade visse uma cidade irrepreensível. Então peguei a ideia a partir daí. A peça misturava uma família da burguesia local (parte do séquito da rainha) com marginalizados em quiproquós anarcogenetianos onde novamente o brilho irreverente dos diálogos e situações insólitas fazia com que a coisa terminasse realmente mal para uns e em vantagem para outros. Lembro-me de Cleyde Yáconis encantar-se com o texto e querer montá-lo. Mas a censura federal proibiu terminantemente a encenação da peça por mais de década. O que seria um dos motivos para que eu voluntariamente me exilasse em Londres. A Passagem da Rainha em 1970 foi traduzida para o inglês por Terence Lewis e em 1972 ganhou versão francesa por Jeanine Worms. Sua encenação foi considerada pelo Abbey Theatre em Dublin, pelo La Mama em Nova York, em Londres pelo Theatre Workshop de Joan Littlewood. Em Paris, 1972, chegou a ser entusiasticamente ensaiada, tendo Micheline Presle e Maurice Garrel encabeçado o elenco dirigido por Gilda Grillo. Infelizmente diversas circunstâncias não permitiram que fosse levada à cena. Com certeza teria sido uma réussite total. Micheline estava brilhante no papel de Bia Ritz, a matriarca grã-fina e devassa. Irônica, anárquica, imoral e tensa, a peça foi finalmente mutilada e encenada em São Paulo, 15 anos depois de escrita, em 1984, com Nilda Maria muito bem no papel da matriarca, dirigida por Álvaro Guimarães num pequeno teatro na Bela Vista. Fracasso de público e de crítica. Sábato Magaldi no Jornal da Tarde a considerou um mito desfeito. Foi um fim melancólico para uma peça que teria sido um estouro se montada no momento em que fora escrita, ou em Paris, com Micheline Presle. De todas as minhas peças a pièce de résistance é Alzira Power. Embora não seja a que eu mais goste, Alzirona, sem dúvida, já faz parte do moderno repertório da dramaturgia nacional. Com Alzira Power você passa a representar um instante histórico do teatro brasileiro, disse-me a grande Fernanda. E de onde veio essa personagem? Já contei a história mil vezes, mas vou repeti-la. Tinha ido ao correio enviar algumas cartas e a vendedora de selos em seu guichê fisgou minha atenção pelo jeito brusco e bastante másculo de ser simpática e falante na plenitude de uma evidente meia-idade ativa. Em minutos a mulher imprimiu em mim tal vibração que de volta ao meu apartamento no Arpoador na mesma noite escrevi a peça. Direta, reta, curta e grossa. Dois personagens: uma doidona aposentada dos correios e telégrafos que num surto de porra-louquice resolve chutar o balde e pôr os pingos nos is. Podia ser um monólogo, mas Alzira precisava de um saco de pancadas careta para nele se vingar de tudo o que a vida lhe negara e outro tanto. E o coitado do Ernesto, jovem pai de família e vendedor carros usados na amesquinhada batalha pela sobrevivência, cai nas malhas de Alzira. Que faz dele gato e sapato. E o resultado espantoso é que a plateia em peso torce por ela! Inaugurando uma arena incrustada num canto do aglomerado Ruth Escobar, O Cão Siamês de Alzira Porra-Louca (o título original de Alzira Power) era um pega pra capar entre a vulcânica Yolanda Cardoso e o jovem Antonio Fagundes dirigidos por Emílio di Biasi. De tão curta, a peça tinha intervalo 20 minutos depois de começada e o mesmo tanto depois do intervalo. Foi sucesso underground numa temporada em que a contracultura também logo daria continuidade com o musical Hair. No ano seguinte, já em Londres, fui procurado na casa de Gilberto Gil por Antonio Abujamra de passagem pela cidade. Abujamra estava decidido a montar Alzira no Rio de Janeiro desde que eu aumentasse a peça. E pagou minha passagem de Londres a Nova York para que lá eu escrevesse o que era preciso e lhe entregasse o texto antes de sua volta a São Paulo. Em Nova York, Jorge Mautner me hospedou numa suíte vaga e da qual dispunha no lendário Hotel Chelsea. Ali, insuflado por Abujamra e instigado pela cena nova-iorquina, impregnei Alzira de toda a voluptuosidade dos movimentos políticos em plantão permanente, em especial o movimento feminista e todos os outros reivindicatórios em moda. E seduzido pelos nomes esdrúxulos das superstars warholescas mudei o título da peça para Alzira Power. Power, por causa do poder jovem em plena vigência e também uma homenagem ao Tyrone Power, um dos ídolos de minha infância cinematográfica. Alzira Power estreou no Teatro Gláucio Gil em Copacabana e foi o estouro da temporada. Cheguei de viagem e ainda peguei a última semana, com Yolanda Cardoso arrebentando e Marcelo Picchi em nu frontal (ideia de Abujamra) e o mulherio afoito saindo pelo ladrão, como se dizia. Desde então Alzira Power não mais parou de ser encenada por alzirófilos e alzirófilas em montagens alternativas pelo mundo afora. Eu soube (recebi o programa) que foi levada até na Serra Pelada durante a corrida pelo ouro. Foi feita até por um lendário travesti, Brigitte Búzios, com o aval da direção de Amir Haddad. Em Buenos Aires; duas montagens em Londres, uma na década de 1980 e outra em 2006; outras duas em Lisboa; e por todo o Brasil, montagens sempre pipocando no cult circuit pelas capitais e pelo hinterland. Mas voltando ao target deste capítulo, o método na criação da(s) peça(s), o maior dos prazeres e o de melhor resultado foi sem dúvida escrever com Celso Luiz Paulini a trilogia teatral sobre a História do Brasil. Paulini dizia gostar do meu teatro e convidou-me a escrever com ele uma peça. Erudito, professor, poeta, engraçado, dez anos mais velho que eu, senti que aprenderia muito de nossa história escrevendo com Celso. Seu conhecimento histórico somado ao gosto por personagens não dessemelhante do meu, tudo contribuía pra que desse samba. E deu. Àquela altura, 1982, quando começamos esse trabalho, meu domínio da carpintaria teatral faiscava. Pensávamos que o trabalho levasse um ano. Em conversa com o diretor Antunes Filho, este me disse que com certeza levaríamos muito mais tempo. E levamos. Quase dez anos. E trabalhávamos todos os dias, inclusive nos fins de semana, cinco horas à noite, em regime de metodologia tirânica, um controlando pra que o outro não fugisse do dever e vice-versa. Ambiente espartano de café e biscoito água e sal. O trabalho era sério e rigoroso nos mínimos detalhes, entretanto nunca nos divertíramos tanto. E o resultado continua dando provas de ter valido o esforço. Celso era hipertenso e morreu em 1992 de uma síncope cardíaca quando começávamos a quarta das peças. Não chegou a assistir outra encenação que a do grupo Tapa, um ano em cartaz em 1990/1991 (a terceira das peças, As Raposas do Café, sobre a Primeira República), mas as peças de nossa trilogia Histórias do Brasil continuam a ser encenadas, e o que é ótimo, por gente nova que faz teatro con amore. A trilogia histórica consta de Enfim o Paraíso (Brasil Colônia), Uma Coroa nos Trópicos (Brasil Império) e As Raposas do Café (Primeira República). Creio ser a trilogia de uma brasilidade sem precedentes na dramaturgia brasileira. Centenas de personagens interpretados por, no mínimo, 21 atores (vi encenações com mais de 40 atores). Ao escrever a trilogia eu e Paulini fizemos uso de todas as escolas teatrais desde Gil Vicente até os intimistas modernos, sem desprezar o teatro de revista nem o espírito escola de samba. É teatro total escrito para grande elenco e independe de muita parafernália de cenário e figurino, dando asas à imaginação do diretor e participantes. Daí que essas peças são geralmente encenadas com entusiasmo por grupos jovens e semiamadores, escolas, e com muito sucesso de estima. É a nossa história bem contada por uma professora aloprada às suas alunas adolescentes irrequietas em interação com centenas de personagens míticos ou anônimos. De Pero Vaz de Caminha a Oswald de Andrade, o cast de personagens históricos que ganham vida em cena é assombroso. E se eu tiver que aconselhar às escolas alguma de minhas obras para estudo e exercício aconselho, minha e de Paulini, a trilogia Histórias do Brasil para Teatro (em um volume publicado pela editora Novo Século, 2007). Escrever essa trilogia foi a maior das minhas experiências teatrais e tenho a certeza de que ela é útil aos interessados em teatro e em nossa história. Com humor, sempre, mas também com pura emoção. No fluxo do inconsciente, do instinto e da intuição minha honra e meu orgulho teatrais maiores estão aí. Teatro não é fácil e o autor não raro pensa em desistir do ofício quando suas peças são encenadas em total desacordo com sua ideia original, fazendo com que ele não só não reconheça a obra como se sinta constrangido e arrasado por vê-la destituída de tudo aquilo que sua fértil imaginação criara. Daí que, salvo exceções verdadeiramente compensatórias, benzam os Deuses do teatro, o prazer maior, mesmo, está em escrever e imaginar a obra encenada. Mas ainda que encenada erroneamente, é preferível que seja montada do que ficar para sempre na gaveta ou ser jogada no limbo do lixo. Neste sentido posso até dizer que tive alguma sorte. Peças engavetadas não devo ter mais que duas. Uma delas com certeza é De Repente Num Rom pante. Lida não faz tempo em um ciclo de leitura de peças no Centro Cultural Banco do Brasil, SP, com a deliciosa Denise Fraga no elenco, só a leitura já foi gratificante. A outra peça, escrita em 2005, é Falação e Cantoria, minha homenagem àquilo que pejorativamente a classe teatral chama de festinha de colégio. Falação e Cantoria é propositalmente um texto conceitual em cima do lado positivo da festinha de colégio. Nela os seis personagens estão não à procura de um autor, mas em busca de outra coisa. Que no final se concretiza. Seis personagens de idades várias, de um casal de velhos a uma criança, um menino, passando pela mocinha e o mocinho, e por uma botinuda de meia-idade que no final também acaba se dando bem. Os seis personagens se cruzam e se trombam numa pracinha e acabam se enturmando num resultado singelo-mágico. A linguagem vai desde o portunhol desbocado da mocinha candidata a um papel em filme fronteiriço até a cantoria da solteirona botinuda que é quem acaba ganhando o papel. O mocinho, disfarçado, é o diretor do filme. E a mocinha, para compensar, não ganha o papel, mas ganha o diretor. E o casal de velhos está ali para incrementar a ação, enquanto que o menino ali participa da trama e aprende os fatos da vida. E, fazendo jus à cantoria do título, todos cantam clássicos do cancioneiro popular à capela. Mas nenhum produtor se deu por convencido e Falação e Cantoria continua engavetada, ou melhor, está salva no arquivo de documentos, no computador. Se levada (a sério) Falação e Cantoria certamente faria o público se divertir e se emocionar às lágrimas. Tal qual nas festinhas de colégio. Não que eu tenha parado, é que ninguém encena minhas peças mais recentes. Só querem saber das antigas. Então, escrever para ficar engavetado não dá pé. Tanto que perdi o gosto, prefiro escrever livros, artigos e trabalhar com as mãos. Mas na década de 1980, depois do envolvimento com o movimento punk, um poeta conhecido meu, dez anos mais velho, o professor Celso Luiz Paulini, a quem eu fora apresentado pelo amigo comum, o pintor Frederico Geissler em casa de Edmar de Almeida, considerado pelo arcebispo da igreja ortodoxa grega residente em Londres, o maior iconógrafo brasileiro e proprietário de uma fazenda de sonho em Uberlândia, fazenda que, em outras eras, Lina Bo Bardi ia se oxigenar e remexer ideias para projetos mirabolantes no campo da arquitetura e do design. Pois bem, na residência de Edmar, Frederico me apresentou ao Celso e este se dizendo admirador de meu teatro convidou-me a escrever uma peça com ele. Celso era pelo círculo considerado grande poeta, autor teatral frustrado (até então) e excelente professor do ensino secundário. Eu, como não havia concluído a contento o secundário, topei, contrapropondo: Desde que seja uma peça sobre a História do Brasil. Não era bem o que Celso queria, mas topou, já que eu topava escrever com ele. E passamos qua-se dez anos mergulhados na História do Brasil entre bolacha de água e sal e cafezinho. E foi saindo. Ganhamos, para continuar nosso homérico projeto, a disputada bolsa Vitae, criada por José Mindlin, um bom dinheiro pro sustento e que nos permitiu respirar fundo durante o trabalho. Celso tinha extraordinária tarimba de professor – já que seria um trabalho inescapável ao didático, já que sobre a História do Brasil – e eu era destro em carpintaria teatral. Saiu uma trilogia: Enfim o Paraíso (Brasil Colônia), Uma Coroa nos Trópicos (Brasil Império) e As Raposas do Café (Primeira República). A terceira foi encenada em 1990 pelo grupo TAPA, direção de Eduardo Tolentino. Por ela recebemos o Molière e outros prêmios pelo melhor texto do ano. Mas Celso morreu vitimado por um aneurisma fulminante enquanto passava férias com a família em Jaú. As outras peças só foram encenadas por escolas. A Escola Waldorf Rudolf Steiner encenou duas das peças e, brilhantemente, com os formandos do colegial; e a primeira delas teve uma montagem excelente em 2009 pelo grupo Paideia. Além de várias outras encenações amadoras, duas no Rio, uma ligada ao Programa Comunidade Solidária, sob a supervisão geral de Zezé Mota, com 51 jovens de 14 a 25 anos, e outra, por uma escola no Arpoador, com crianças do Pavãozinho, do Cantagalo e Vidigal. Assisti também à apresentação desta e fiquei comovido: crianças de 9 aos 13 anos decorando monólogos imensos! Mas no fundo sempre gostei de teatro como brincadeira, festinha de colégio (como se diz no meio, desmerecendo quando o resultado é amador). Sim, mas brincar com amor e capricho. De modo que teatro, para mim, acabou virando essa prática bissexta. E gosto que seja assim. Não toma muito do meu tempo e me deixa com tempo para fazer outras coisas que gosto. De sonhar, por exemplo. E realizar alguns desses sonhos. Que é uma das sublimes aventuras humanas. E fazer com humor. Capítulo XIII A Família Sempre fui e sou ligado à família – irmãos, sobrinhos e sobrinhos-netos – e fiel às amizades. Perdi meu pai aos 81 anos, em 1981, quando eu passava mais um ano em Londres; e minha mãe, aos 92, em 2000. Eu e duas irmãs estávamos ao lado dela, quando morreu. – A perda da mãe – Bivar me conta – foi a perda maior entre tantas e grandes perdas ao longo da vida. Sobre a morte de minha mãe, escrevi nos seus últimos dias e o texto foi transcrito em Bivar na Corte de Bloomsbury. Sérgio Mota, ensaísta e professor de Comunicação Social da PUC-Rio, escreveu no JB (17.12.2005): Além de um impressionante mergulho na obra de Virginia, Bivar é capaz de provocar interesse até em quem nunca ouviu falar em Virginia Woolf. E é com um frio na espinha que se lê, por exemplo, a descrição da morte da mãe de Bivar que irrompe no meio da narrativa. A passagem vale o livro porque é de uma sinceridade poucas vezes vista em histórias do gênero. Tenho amigos espalhados pelo mundo e de algum modo sempre contatados. Christine Nazareth, em Los Angeles; David Linger, em Berkeley; Ugo Romiti, em Nova York. Na Inglaterra, Andrew Lovelock, em Bristol; Ângela Dodkins (e família) e Bruce Garrard (já avô), em Glastonbury; Sebastião Seixas e Cida de Assis, em Londres; em Londres, também amigos e familiares de Jenny. Ainda em Londres e pelos condados, familiares de Virginia Woolf e membros de sua sociedade; na Holanda, Gert Volkmer; e no Brasil, espalhados, Frederico, em Juiz de Fora; Edmar, em Uberlândia; Eliane Lage, em Pirenópolis (GO); Maria Della Costa, em Parati. Em São Paulo, Joyce Pascowitch, Malu Hurt, Vânia Toledo, Olga Amorim, Naná Sayanes, Hélio e Mena, na Cantareira, os irmãos de José Vicente – especialmente a Maria Antonia e Paula Dip, Cláudia Cavalcanti, Dr. Alcyr Costa, Gil Veloso, Clóvis França, Paulo Von Poser, Attilio e Gregório, Samuel Sales de Oliveira, Maria Adelaide Amaral. Com Rita e Roberto faz tempo que não falo. Rita é uma grande estrela e, como toda grande estrela, é bastante Greta Garbo no querer to be alone. É um côté que respeito por entender o motivo e porque eu mesmo também sou muito assim. Mas eu e Vivi (Virginia, irmã de Rita) estamos sempre nos comunicando. No Rio, os amigos de adolescência, juventude e primeiros passos teatrais: Luiz Carlos Góes, Rubens Araújo, Thaís Portinho, Thelma Reston, Jacqueline Laurence. Os reencontros são menos constantes do que se gostaria, mas quando acontecem são sempre regados pelo senso de humor, que em nós é marca registrada. Capítulo XIV O Fim E pergunto: Bivar, como você gostaria que eu terminasse a tua biografia? E ele responde com um pedido: Você pode terminar contando uma mentirinha simpática. Vamos ver. E termino: Bivar agora está retirado em uma casinha modesta, mas muito simpática e acolhedora (inclusive um quarto para hóspedes), em Areal, perto de Petrópolis. Ao fundo, além do pequeno quintal com árvores frutíferas, um córrego de águas límpidas, onde nas manhãs e tardes quentes o escritor costuma se refrescar. À frente da casa um pequeno jardim (para não dar muito trabalho e ele mesmo cuidar). Alimenta os pássaros e briga com as formigas que devoram o roseiral. Que lindo, Maria Lúcia, é a minha cara! E, de vez em quando, desce ao Rio para estar com amigos e, sempre que pode, viaja, viaja, viaja... FIM Cronologia Nascido em São Paulo, 1939. Aos 2 anos a família muda-se para o interior. Aos 21 anos transfere-se para o Rio de Janeiro. Em 1967, forma-se em arte dramática pelo Conservatório Nacional de Teatro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Peças: 1967 • Simone de Beauvoir, Pare de Fumar, Siga o exemplo de Gildinha Saraiva e Comece a Trabalhar, em parceria com Carlos Aquino; direção de Álvaro Guimarães, Teatro Miguel Lemos, RJ, com Tânia Scher, Ênio Gonçalves, Perry Salles, Esther Mellinger, Margot Baird e Mário Petraglia. 1968 • Cordélia Brasil, com Norma Bengell, Luiz Jasmim e Paulo Bianco; direção de Emílio Di Biasi, Teatro Mesbla, RJ. 1968 • Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã, com Maria Della Costa, Thelma Reston, Yolanda Cardoso e Jonas Mello. Cenário e figurinos de Sarah Feres. Teatro Maria Della Costa, SP, direção de Fauzi Arap. 1969 • Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã, com Célia Biar, Rosita Tomaz Lopes, Maria Gladys e Roberto Bonfim; cenário e figurinos de Joel de Carvalho, direção de Emílio Di Biasi, Teatro Gláucio Gil, RJ. 1969 • O Cão Siamês de Alzira Porra-Louca, com Yolanda Cardoso e Antônio Fagundes; direção de Emílio Di Biasi, Teatro Ruth Escobar, SP. 1970 • Alzira Power (nova versão de O Cão Siamês de Alzira Porra-Louca); cenário e figurinos por Napoleão Moniz Freire; direção de Antonio Abujamra, com Yolanda Cardoso e Marcelo Picchi, Teatro Gláucio Gil, RJ. 1971 • Longe Daqui Aqui Mesmo, no Teatro Opinião, RJ; cenário e figurinos por Anísio Medeiros; direção de Antonio Abujamra, com Nélia Paula, Rubens Araújo, Paulo Sacks, Leda Zeppelin, José Caldas e Mário Petraglia. 1976 • Gente Fina É Outra Coisa, em coautoria com Alcyr Costa; Teatro de Arena, SP; com Yolanda Cardoso, Paulo Villaça, Ângela Rodrigues e Eduardo. Cenário, Clóvis Bueno; figurinos por Clodovil; direção de Paulo Villaça. 1976 • O Quarteto, com Ziembinski, Marlene, Louise Cardoso e Roberto Pirillo. Cenário, Clóvis Bueno; figurinos, Stênio Pereira; produção, João Vieitas, Direção: Ziembinski. Teatro Ipanema, Rio de Janeiro. 1983 • Começa a escrever, em parceria com Celso Luiz Paulini, a trilogia teatral sobre a História do Brasil. 1984 • A Passagem da Rainha, com Nilda Maria, Roberto Orozco, Tadeu Aguiar e Bronie. Cenário de Osmar Rosan Filho; figurinos, Ney Galvão; direção, Guimarães. Teatro Cezar, SP. 1987 • Alice, que Delícia! –, com Maria Della Costa, Christine Nazareth, Ênio Gonçalves e Renato Modesto, cenários e figurinos de Patrício Bisso, direção de Odavlas Petti. Teatro Maria Della Costa, SP. 1990 • As Raposas do Café, da trilogia Histórias do Brasil para Teatro é encenada pelo Grupo TAPA; cenário de J.C. Serroni, figurinos por Lola Tolentino, direção de Eduardo Tolentino. 1998 • Convidado pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de Santo André para criar o texto da ópera punk Existe Alguém + Punk do que Eu? Teatro Municipal de Santo André, SP. 1998 • Enfim, o Paraíso, da trilogia Histórias do Brasil para Teatro é encenada pelos Alunos do 11º Ano da Escola Waldorf Rudolf Steiner, direção de Amauri Falsetti. 2008 • Nova montagem, pela Casa da Gávea, RJ, da peça Alzira Power dirigida por Gustavo Paso, com Cristina Pereira e Sidnei Sampaio. 2008 • Nova montagem celebrando 40 anos de Cordélia Brasil. Com Maria Padilha, Cadu Fávero e George Salma; direção de Gilberto Gavronski, Teatro Sesc Paulista, SP. 2009 • Enfim, o Paraíso, da trilogia Histórias do Brasil para Teatro, pela Cia. Jovem Paideia de Teatro, direção de Amauri Falsetti e Camila Amorim, SP. Prêmios de Melhor Autor: 1968 • Prêmio Molière por Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã. • Prêmio Governador do Estado (SP) por Cordélia Brasil. • Prêmio APCA por Cordélia Brasil. 1970 • Prêmio Governador do Estado (Rio) por Alzira Power. 1990 • Prêmio Molière por As Raposas do Café. • Prêmio APCA por As Raposas do Café. No Exterior: 1976 • Alzira Power, com Delma Ricci, Buenos Aires, Argentina. 1981 • Alzira Power, no Institute of Contemporary Arts, Londres, com Glaucia Hinchliffe e José Prado; direção de Brian Stirner. 1981 • Cordélia Brasil, com Suzana Campos e Rudy Carrie, Buenos Aires, Argentina. 1982 • Cordélia Brasil, com Suzana Campos, Madri, Espanha. 1989 • Alzira Power, com três elencos, direção de Águeda Sena, Teatro Espaço, Lisboa. 2006 • Alzira Power, com Ruth Posner e Ian Keir Attard, direção Franko Figueiredo, grupo StoneCrabs, no evento Theatre of Resistence from Brazil, na Canning House, Belgrave Square, Londres, Inglaterra. Bolsa: 1989 • Bolsa VITAE de teatro para escrever, com Celso Luiz Paulini, a trilogia sobre a História do Brasil: Enfim, o Paraíso (o período do Brasil Colônia), Uma Coroa nos Trópicos (Brasil Império) e As Raposas do Café (Primeira República). Sociedade Literária: Desde 1993, como convidado, é um dos participantes dos festivais literários na Fazenda Charleston, Sussex, Inglaterra, assim como um dos primeiros cem membros (e o único latino -americano até então) de The Virginia Woolf Society of Great Britain. Livros: 1982 • O que é Punk – coleção Primeiros Passos, editora Brasiliense (seis edições, a mais recente em 2006). 1983 • James Dean – O Moço da Capa, Editora Brasiliense. Segunda edição, 2002. 1984 • Cotradutor, com Eduardo Bueno, de On the Road (Pé na Estrada) de Jack Kerouac, editora Brasiliense. 1985 • Verdes Vales do Fim do Mundo, memórias do exílio. Editora L&PM. Novas edições em 2001 e 2006, L&PM Pocket. 1991 • Chicabum, romance, editora Siciliano – um dos três romances premiados no Concurso do Centenário de Oswald de Andrade da Secretaria do Estado da Cultura, SP. Nova edição revisada como Chic-A-Boom, editora A Girafa, 2006. 1995 • Longe Daqui Aqui Mesmo, segundo volume de memórias. Editora Best Seller (Círculo do Livro). Segunda edição em 2006, L&PM Pocket. 2002 • As Três Primeiras Peças, editoras Atritoart/ Azougue. 2004 • Yolanda (biografia de Yolanda Penteado), editora A Girafa. 2004 • Jack Kerouac – O Rei dos Beatniks, editora Brasiliense. • Bivar na Corte de Bloomsbury, editora A Girafa. • HistóriasdoBrasilparaTeatro,editoraNovoSéculo. 2005 2007 2007 • Escreve seis longos prefácios para as novas edições de A Viagem, Entre os Atos, Noite e Dia, O Quarto de Jacob, As Ondas e Os Anos, romances de Virginia Woolf, editora Novo Século. • ContosAtrevidos (contos), editoraPrumo(Rocco). 2009 Outras Mídias: 1973 • Dirige (com Isabel Câmara) o show Drama, de Maria Bethânia, Teatro da Praia, RJ. 1973 • Dirige Rita Lee em seu primeiro show em carreira solo, Atrás do porto tem uma cidade, Teatro Ruth Escobar, SP. 1978 • Dirige Simone no show Face a Face, MAM, RJ. 1982 • Idealizador do primeiro festival punk no Brasil, O Começo do Fim do Mundo, no Sesc Pompeia. 1986 • Roteirista e DJ do programa de Rita Lee, Rádio Amador, na 89FM, SP. 1990 • Roteirista do programa TVLeeZão, com Rita Lee, na MTV. 1992 • Diretor do show Temporal de Amor, com Leandro e Leonardo. Olympia, SP. 1993 • Diretor de Desejos, show de Fábio Jr., no Imperator, RJ, e Olympia, SP. 2001 • Colabora no festival punk A um Passo do Fim do Mundo, no Tendal da Lapa, durante a Semana Jovem da Prefeitura de São Paulo. Workshops & Oficinas: Entre 1994 e 2000 deu oficinas de dramaturgia e literatura para a Secretaria Municipal de Cultura (SP), Secretaria do Estado de Cultura (SP e interior). Em 2007 e 2008 deu curso de cinco aulas sobre Culltura Punk e três aulas sobre Virginia Woolf e o Grupo de Bloomsbury, na Casa do Saber, SP. Jornalismo: 1969 a 2010 • Colabora na grande imprensa e na alternativa nas funções de repórter, ensaísta, colunista, cronista e resenhista. Quando solicitado, escreve resenhas literárias para jornais e revistas. Escreveu para O Cruzeiro, Manchete, O Pasquim, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Vogue, Interview, Veja, Around, O Estado de S. Paulo, Mag!, etc. Atualmente é colunista das revistas Joyce Pascowitch e Modo de Vida. Índice No Passado Está a História do Futuro – Alberto Goldman 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Introdução – Maria Lucia Dahl 11 Com a Palavra Bivar 19 A Era Hippie 23 Ilha de Wight 37 Infância e Mocidade 63 O Desbunde – O Teatro 81 Avalon 107 Glamour Rock e Divina Decadência 115 Formentera 125 O Drama de Bethânia e Outros Shows 133 São Paulo e o Mundo 153 Jornalista 175 O Método na Escrita 183 A Família 205 O Fim 209 Cronologia 211 Crédito das Fotografias Demais fotografias pertencem ao acervo pessoal de Antonio Bivar Ary Brandi 177 Bob Wolfenson 144 Cezar Sepúlveda 150, 151 Clóvis Bueno 21 Gilda Grillo 122 Jenny Thompson 50, 158, 220 Laura Devaney 163 Linda Conde 176 Man Ray 161 Miro 36 Ruth Toledo 76, Sue Sullins 221 Ugo Romiti 173 Vânia Toledo 74, 147, 148, 194, 210, 214, 216 A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro Alfredo Sternheim – Um Insólito Destino Alfredo Sternheim O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Luiz Villaça, Mariana Veríssimo, Maurício Arruda e José Roberto Torero Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Luiz Antonio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Feliz Natal Roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Francisco Ramalho Jr. – Éramos Apenas Paulistas Celso Sabadin Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Máximo Barro – Talento e Altruísmo Alfredo Sternheim Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Olhos Azuis Argumento de José Joffily e Jorge Duran Roteiro de Jorge Duran e Melanie Dimantas Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sergio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Vlado – 30 Anos Depois Roteiro de João Batista de Andrade Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis De Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Música Maestro Diogo Pacheco – Um Maestro para Todos Alfredo Sternheim Rogério Duprat – Ecletismo Musical Máximo Barro Sérgio Ricardo – Canto Vadio Eliana Pace Wagner Tiso – Som, Imagem, Ação Beatriz Coelho Silva Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico Garcia Lorca – Pequeno Poema Infinito Antonio Gilberto e José Mauro Brant Ilo Krugli – Poesia Rasgada Ieda de Abreu João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat José Renato – Energia Eterna Hersch Basbaum Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Abílio Pereira de Almeida Abílio Pereira de Almeida O Teatro de Aimar Labaki Aimar Labaki O Teatro de Alberto Guzik Alberto Guzik O Teatro de Antonio Rocco Antonio Rocco O Teatro de Cordel de Chico de Assis Chico de Assis O Teatro de Emílio Boechat Emílio Boechat O Teatro de Germano Pereira – Reescrevendo Clássicos Germano Pereira O Teatro de José Saffioti Filho José Saffioti Filho O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek O Teatro de Sérgio Roveri Sérgio Roveri Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Analy Alvarez – De Corpo e Alma Nicolau Radamés Creti Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Berta Zemel – A Alma das Pedras Rodrigo Antunes Corrêa Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Débora Duarte – Filha da Televisão Laura Malin Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Emilio Di Biasi – O Tempo e a Vida de um Aprendiz Erika Riedel Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Fernando Peixoto – Em Cena Aberta Marília Balbi Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Isolda Cresta – Zozô Vulcão Luis Sérgio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert Jorge Loredo – O Perigote do Brasil Cláudio Fragata José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Naum Alves de Souza: Imagem, Cena, Palavra Alberto Guzik Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Paulo Hesse – A Vida Fez de Mim um Livro e Eu Não Sei Ler Eliana Pace Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silnei Siqueira – A Palavra em Cena Ieda de Abreu Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodriguiana? Maria Thereza Vargas Stênio Garcia – Força da Natureza Wagner Assis Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Theresa Amayo – Ficção e Realidade Theresa Amayo Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Umberto Magnani – Um Rio de Memórias Adélia Nicolete Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Walter George Durst – Doce Guerreiro Nilu Lebert Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Av. Paulista, 900 – a História da TV Gazeta Elmo Francfort Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Célia Helena – Uma Atriz Visceral Nydia Licia Charles Möeller e Claudio Botelho – Os Reis dos Musicais Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Mazzaropi – Uma Antologia de Risos Paulo Duarte Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Odorico Paraguaçu: O Bem-amado de Dias Gomes – História de um Personagem Larapista e Maquiavelento José Dias Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero – Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista © 2010 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dahl, Maria Lucia Bivar: o explorador de sensações peregrinas / Maria Lucia Dahl – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010. 260p. il. – (Coleção Aplauso. Série Teatro / Coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 978-85-7060-896-3 1. Dramaturgos brasileiros 2. Escritores brasileiros 3. Teatro – Brasil – História 4. Bivar, Antonio, 1939. I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.430 981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : cinema : História e crítica 791.430 981 2. Literatura brasileira 869 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2010 Todos os direitos reservados. 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