Charles Möeller e Claudio Botelho Os Reis dos Musicais Tania Carvalho Imprensa Oficial São Paulo, 2009 Governo do Estado de São Paulo Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo dirigindo e interpretando obras primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras doTeatro,TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José serra Governador do Estado de São Paulo O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Sumário Apresentação José Serra 7 Coleção Aplauso Hubert Alquéres 8 Introdução Tania Carvalho 15 Charles Möeller 19 Claudio Botelho 47 A Dupla 67 Os Espetáculos da Dupla 77 Cronologi a 187 “Dedico à minha família e ao querido amigo Almir Telles, que me apresentou o teatro e mudou minha vida.” Claudio Botelho “Dedico esse livro a todos os meus elencos, músicos, técnicos, assistentes e produtores por tudo que fizeram, fazem e ainda farão por mim!” Charles Möeller “Para Maria Ignez T. França, que também ama Fred Astaire, Gene Kelly e grandes musicais”. Tania Carvalho Introdução Charles Möeller e Claudio Botelho formam a dupla mais famosa do teatro brasileiro. São eles os responsáveis pelo revigoramento de um gênero, que parecia esquecido. Ou que talvez nunca tivesse sido levado tão a sério – nem pelo meio teatral ou pelo público. Eles são, definitivamente, os reis dos musicais. Por isso a escolha do título não foi difícil. E mesmo que pareça clichê, é inevitável. Eles começaram devagarzinho, com uma montagem que virou cult no Rio de Janeiro – As Malvadas – feita com amigas no elenco, amigos na produção, gente que acreditava nos projetos fantásticos dos dois; deram mais um passo em Cole Porter – Ele Nunca Disse que me Amava, que consolidou o nome da dupla; ousaram em trazer para o Brasil um mito novaiorquino, Stephen Sondheim, na montagem de Company. Hoje são responsáveis por grandes montagens de nível internacional, como A Noviça Rebelde. Tudo feito com muita petulância, arrogância, como gostam de dizer, e, especialmente talento e competência. Fazer este livro foi tarefa simples, amena, divertida e afetuosa. Charles Möeller e Claudio Botelho estiveram abertos a todas as propostas. Começamos a trabalhar em janeiro de 2009. O esquema foi armado assim: primeiro conversaria com cada um para contar a trajetória individual – Charles começou como ator; Claudio como músico –, depois com os dois para que fosse contada a gênese da dupla e as dores e as delícias do trabalho em parceria. E ainda em dupla, eles falariam sobre cada um dos espetáculos. E tudo correu conforme o previsto. Organizadíssimos, eles encontraram espaço na atribulada agenda para nossos encontros, mesmo envolvidos com várias montagens – A Noviça Rebelde, 7 O Musical e Beatles em um Céu de Diamantes em São Paulo, a estreia de Avenida Q no Rio de Janeiro e os primeiros momentos da produção do novo musical da dupla, O Despertar da Primavera. Nossos encontros duraram seis agradáveis e divertidos meses, entre entrevistas e revisões do texto – e só foi tanto por um contratempo meu, que quebrei o dedo no meio do trabalho, o que me deixou off alguns dias, mas mesmo isso teve a compreensão, carinho e profissionalismo da dupla. Mais trabalhoso foi selecionar as fotos, especialmente porque Claudio não guarda quase recordação alguma de infância, enquanto Charles tem dezenas de registros do menino lourinho e bonitinho que foi – e continua sendo. Depois não foi também tão simples juntar o material sobre os espetáculos e os pesquisadores Alan Diniz e Leonardo Ladeira penaram um pouquinho, buscando material com as atrizes, insistindo com Claudio para que ele remexesse seus arquivos e correndo atrás dos inúmeros fotógrafos que documentaram a dupla. E o trabalho foi se alongando por mais alguns meses, o que exigiu a atualização do material: Beatles bombou na França; O Despertar da Primavera virou cult instantaneamente e Charles e Claudio começaram seu primeiro trabalho conjunto para televisão: os números musicais da minissérie de Maria Adelaide Amaral, dirigida por Dennis Carvalho, Dalva e Herivelto. Isso rendeu novos encontros em outubro de 2009, novas risadas, novas juras de amizade eterna. Charles e Claudio são uma dupla afinada, cujo diapasão é a diferença. Charles é de Santos, mais solar, menino de praia, apaixonado pelo que faz, passional, engraçado, sofredor quando algo não dá certo, que conta sua vida com detalhes histriônicos e dramáticos deliciosos. Como ele mesmo diz, tem certa vocação para ser a alegria da festa. “Acho que fui mais bobo da corte até me tornar senhor do castelo”. Não chegou a ser um menino prodígio, mas quase. Estreou muito jovem em O Noviço com o grupo de Neyde Veneziano em Santos, rompeu as fronteiras da cidade, foi do grupo de Antunes Filho – ou pelo menos tentou ser em anos de sofrimento –, protagonizou novela, fez muitos clássicos, como A Gaivota até encontrar seu norte: os musicais. Claudio é mineiro, mais contido, ferino em algumas críticas, seco, certeiro e destemido em suas opiniões, coisa de quem não tem problema algum em compartilhá-las. Não é de muito falar, ou pelo menos não parece ter paciência com longas explicações, assim como não tem para textos teatrais muito compridos, fazer a mesma peça todos os dias, entre tantas coisas. Sua paixão é e sempre será a música – quer seja de Roberto Carlos, o único artista que conhecia quando era garoto e morava em Uberlândia; Chico Buarque, que mudou sua vida; ou dos grandes compositores de musicais: Cole Porter, Gershwin, Sondheim, Rodgers e Hammerstein, Kander e Ebb, entre tantos outros, que despertam uma paixão quase obsessiva. Claudio começou como músico e logo o teatro levou-o a ser ator. Hoje une as duas coisas: é compositor premiado, versionista aclamado e ator consagrado, embora bissexto. Os dois têm muitos pontos em comum. Pra começar moram na mesma pacata Rua do Leblon, em apartamentos no primeiro andar, o 101, em prédios distantes cem metros. Os dois são felizes donos de bulldogs franceses -Claudio tem três fêmeas; Charles, três machos – cachorros com um charme todo especial. Quer irritar os dois? Basta dizer que os bulldogs são feios, como saiu em uma revista de circulação nacional. Mas o que mais aproxima a dupla é a loucura por musicais – embora um confesse que o que mais o interessa é a possibilidade do enredo; o outro, garante, ser a paixão pelo compositor e pela música. É nesse jogo de semelhanças e diferenças que os dois crescem e produzem cada vez com mais competência. E prazer, fundamental para ambos. Suas opiniões são complementares, quase nunca díspares. Por isso mesmo há a proposta de um jogo neste livro. Nos primeiros depoimentos estão identificadas as opiniões de um e de outro. A partir do momento em que falam da dupla, esta identificação quase desaparece, ficando apenas com um sutil detalhe – um negrito para as declarações de um dos dois. Garanto, porém, que é possível saber exatamente quem é quem nesta dupla de talento, o que cada um faz, mas também o quanto eles se misturam em busca do que já é uma griffe de qualidade: um espetáculo Charles Möeller & Claudio Botelho, como assinam todas as suas montagens. E, garanto ainda, que depois de ler e ver as fotos deste livro será impossível discordar que eles são realmente os reis dos musicais. Tania Carvalho outubro de 2009 CHARLES MÖELLER Nasci em Santos, fui criado em São Vicente, morei em São Paulo e hoje minha casa é no Rio de Janeiro. Tenho boas lembranças de Santos, mas não sou aquele bom filho que à casa torna. Foi no Sesc de Santos que fiz meu primeiro curso de teatro, quando tinha somente 12 anos; que estreei em O Noviço no grupo de Neyde Veneziano; que fiz minha licenciatura de artes cênicas e artes musicais na faculdade do Carmo, na Ponta da Praia. Foi em Santos que vi grandes montagens teatrais – muitas produções estreavam lá, porque era perto de São Paulo, mas não tinha crítica especializada. Havia muitas pessoas bacanas em Santos e a gente se espelhava muito naqueles que se tinham dado bem fora: Rubens Ewald Filho, Ney Latorraca, Nuno Leal Maia. Ao sair de Santos, porém, ela ficou para trás. Acho que sempre senti um grande inconformismo com a cidade. Uma amiga ficou furiosa quando decidi ir para São Paulo, me acusou de estar traindo Santos. E arrematou: Você está pensando o quê? Que vai pra São Paulo, logo participar de uma grande companhia de teatro, aí a Globo vai ver, você entrará em uma novela e ficar famoso? Foi exatamente isso que aconteceu. Eu sabia que Santos representava um período curto na minha vida, não tive a garra, a força de ficar. Sou o caçula de uma família de oito filhos, aquele que foi criado por todos. Desde pequeno sempre soube que ia ser ator. Nunca tive outra opção para a minha vida. Meus pais? Bem, meu pai estranhou um pouco que eu quisesse ter a arte como profissão e não como hobby, mas jamais me proibiu coisa alguma. Minha mãe deixou claro sempre que eu devia ser o que quisesse e me apoiou em todos os momentos. Quando decidi fazer o curso no Sesc, todos aceitaram. Era longe, de noite, eu ia de ônibus, voltava depois da meia noite, e a conclusão era a montagem de Morte e Vida Severina,um musical de Chico Buarque e João Cabral de Melo Neto. Essa época entrávamos noite adentro ensaiando e só pude participar da peça por causa da minha irmã mais velha, Cristina, que se comprometeu a me acompanhar em todos os ensaios, no maior bom humor e torcida, e assim meus pais me deixaram participar. Para mim sempre foi um caminho sem volta e sem dúvidas, essa certeza do que eu queria foi conformando a minha família, que hoje é absolutamente entregue. Houve apenas uma objeção, em determinado momento. Aos 16 anos eu ia prestar vestibular e não havia curso de artes cênicas em Santos. Meu pai me convenceu que eu era muito novo para morar sozinho em uma cidade grande e pediu que eu considerasse fazer outra faculdade, pelo menos até completar 18 anos. De certa forma, espertamente ele estava tentando me tapear, mas foi zeloso. Imagino o que era na cabeça de um militar, herói na 2a Guerra, que lutou com todas as adversidades para construir uma família, de repente um filho caçula e temporão insistir numa carreira tão pouco concreta como a de teatro. Prestei exame para arquitetura, passei muito bem e resolvi cursar, com total apoio do meu pai. O primeiro ano foi ótimo, eu adorava a turma, mas logo ficou muito clara a minha frustração com relação à minha profissão. Gostava do ambiente, das festas, mas voltava para casa amargurado. Quando completei 18 anos decidi que não queria mais. Abri o jornal, vi que o Conservatório de Artes e Música havia virado faculdade de artes cênicas, fiz o vestibular sem avisar ao meu pai. Minha mãe sabia, é claro, e sempre foi minha maior aliada, uma presença crucial na minha vida e tão importante na minha permanência nessa carreira, pois jamais permitiu que eu fraquejasse. Pois bem, passei e comecei realmente a ter prazer em estudar. Lá eu entendia tudo o que era dito, tudo era muito querido. Depois de dois anos, era possível optar pela carreira de ator, diretor ou professor. Eu ia tentar a carreira de ator, de diretor, com certeza, mas optei por ter um diploma de professor, caso nada desse muito certo. Eu já sabia que a faculdade era um pontapé para conseguir chegar a São Paulo. O que ambicionávamos mesmo era a Escola de Arte Dramática, a EAD. Minha turma toda prestou exame para EAD e só um passou: Marcos Azevedo, meu melhor amigo de infância, nossas mães ficaram grávidas na mesma época e nascemos com 20 dias de diferença e sempre estivemos juntos na escola, no teatro na faculdade, até aí. Isso me bateu como um fracasso pessoal enorme. Fiquei muito frustrado, voltei para Santos e houve um período sem nada para fazer. Eu já não tinha vínculo com a cidade, nem com as pessoas, e estava decidido a ir embora. Um dia fiquei sabendo que o Ulisses Cruz estava escalando atores para O Despertar da Primavera, consegui o telefone dele, pedi que ele fizesse um teste comigo. Ele foi supergentil, disse que se lembrava de mim em O Noviço, que tinha adorado meu trabalho, que eu tinha tudo para fazer a peça e me pediu para que eu aparecesse no Centro Cultural Vergueiro, onde ele estava ensaiando. Fui lá, fiquei horas, ninguém sabia me informar onde estava Ulisses. Lá estava eu sem EAD, sem colegas e também sem Ulisses. Resolvi visitar meu melhor amigo, ate hoje, João Fonseca, que se tornou um diretor incrível e tenho o maior orgulho da trajetória brilhante que ele tem tido! O João morava do lado do Sesc Vila Nova. Quando cheguei na porta do seu prédio vi uma fila enorme que dobrava a esquina. Descobri que era um teste para a companhia de Antunes Filho. Fiquei louco, descobri onde pegava a ficha de inscrição, preenchi, tirei uma foto em uma maquininha, corri na casa do João e implorei para ele fazer o teste comigo, pois precisava apresentar uma cena de um minuto de um clássico ou de uma peça contemporânea brasileira. João disse que eu estava maluco, que as pessoas estavam se preparando há meses para essa audição. Pelo amor de Deus, vamos decorar alguma coisa – supliquei e ele aceitou. Ele tinha acabado de comprar o livro Um Beijo, um Abraço, um Aperto de Mão, do Naum Alves de Souza, decoramos uma cena, marcamos e fomos para a fila com o livro, para continuar memorizando. Chegou a nossa vez! Saíram umas 15 pessoas chorando. Eu, estranhamente, estava calmíssimo. Fizemos a cena e me avisaram que Antunes havia pedido para eu esperar. João foi embora na última triagem.Sobraram no palco diversas pessoas e umas foram ficando e outras saindo. E eu lá, ficando. A última fase era o clássico! Fiz a mesma cena que eu havia preparado pra EAD, o monólogo do Mercúcio (de Romeu e Julieta). Era um arroubo meu juvenil, nunca faria isso hoje, pois é roubada total, um personagem louco no limite da emoção e com milhões de devaneios. Na minha versão da EAD era totalmente show off, quase aquele Diabo da Tasmânia do desenho animado. Mas vendo as pessoas que eram derrubadas no teste ou as que eram interrompidas nos primeiros segundos resolvi mudar tudo e fiz uma espécie de antiteste. Na verdade, não fiz nada, só sentei na beira do palco e falei calmamente palavra por palavra, só pensava o momento em que ele (Antunes) ia me interromper, quase não sabia o que estava dizendo, só pensava em acabar com calma e quando acabei, eu sabia que havia entrado no CPT! Ao passar pela banca, um dos monitores veio atrás de mim e me disse: Bem vindo ao Centro de Pesquisa Teatral, você está dentro!” Acho que foi um dos dias mais felizes da minha vida! No final não eram nem 10 atores no palco, Antunes, muito bravo, sério, fascinante, perguntou se estávamos preparados, porque a nossa vida de fora tinha terminado naquele momento e quem não estivesse preparado para essa mudança, não precisaria nem voltar pois ali não era brincadeira. E não era mesmo, mas só ia descobrir depois que o que me deu imensa felicidade naquele momento me daria enorme desprazer. Quando já estava saindo perguntei a um dos monitores quando começava. Segunda feira – foi a resposta. Quando ele soube que eu morava em Santos, disse: ou você se muda ou não vai poder ficar, porque os ensaios começam às oito da manhã e não têm hora para acabar. Voltei para São Vicente, avisei meus pais que ia me mudar para São Paulo no dia seguinte, minha mãe ligou para meu irmão que morava lá, avisou que eu iria ficar um tempo com ele, fiz minhas malas sem nem saber o que colocar dentro. Meu pai me disse que ia me dar a mesma mesada, mas que eu teria que aprender a me virar. Na segunda-feira eu estava no Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho, o famoso e cobiçado CPT. Lá passei três anos num misto de horror e prazer. Pensando bem, sempre as coisas mais importantes da minha vida foram decididas sem gestação, foram na pressão mesmo, sempre na base do agora ou nunca! Nos primeiros meses foi só facada, facada, facada. Nós não tínhamos contato com Antunes, nossa relação era com os monitores.Todos os dias entrávamos às 8 horas da manhã e começávamos uma técnica desenvolvida pelo Antunes, chamada desequilíbrio, que consistia em ficar em pé, jogar o corpo levemente para a frente e... aprender a andar. Segundo ele, o ator é cheio de personas e o desequilíbrio, que havia desenvolvido por meio da observação do butô, fazia com que o ator tirasse suas máscaras. Era uma concentração, como um mantra, só que físico, você tinha que relaxar e aí, em determinado momento, deixava seu queixo pender, o corpo pesar e você se projetava para a frente tentando dar os passos. Todos os dias a mesma coisa. Imagina a tortura que era para um jovem ansioso de 19 anos! Aí os monitores diziam: está tudo errado. E recomeçávamos. Eu queria acreditar muito, dizia para mim mesmo que era cheio de máscaras, lia todos os livros que eles me mandavam ler – dezenas por mês e não podia pegar na biblioteca, tinha de comprar para riscar, rabiscar, viver com ele até entender. Meu sonho de entrar em uma companhia de teatro e fazer personagens maravilhosos ficava cada vez mais longínquo. De vez em quando os monitores sugeriam que fizéssemos uma peça, ficção científica, por exemplo. Uma coisa Eu, Robô, do Asimov. Escrevíamos as cenas, dirigíamos, na esperança do nosso brilhante trabalho ser mostrado para Antunes. Ele dizia: isso não vai dar em nada. E começávamos outra, sobre Borges, que também não dava em nada. Eu me lembro de uma fase longa de um núcleo chamado Erótica, uma adaptação de dezenas de livros eróticos, fomos de Mil e Uma Noites a Lolita de Nabokov, de Bocage a Genet. Fiquei tantas vezes pelado que me esquecia e ia ao bebedouro sem roupa e tomava minha aguinha na maior! Hoje não vejo tanta finalidade naquilo, acredito que era só para manter o povo ocupado. Sábado era dia de naturalismo. Você escolhia uma cena, chegava lá no CPT e estava lá o Antunes e todos os monitores assistindo. Você não podia representar, tinha de fazer naturalmente: se comia um pão, tinha de comer o pão exatamente como faz na vida, com todas as pausas. Eles diziam que quando o ator representava, ele o faz artificialmente, copia daTV, do cinema. O que se buscava no CPT era a verdade. Porque a partir do momento que se encontra a verdade, no tempo da vida, que é um tempo diferente da interpretação, o ator tem de lidar consigo mesmo. Eu lembro que no meu primeiro naturalismo, fiquei tão nervoso que a minha boca grudou. Acabou o meu naturalismo e Antunes me destruiu na frente da Cia. inteira.E fui assim passando por períodos sistemáticos de destruição e humilhações. Eu estava acostumado a ser considerado um bom ator pelos diretores / professores com quem tinha trabalhado e, de repente, eu era nada, péssimo, sem talento algum. Mas eu era beato. Entrei no CPT acreditando. E, curioso, enquanto acreditei só apanhei. No segundo ano comecei a desacreditar. Eu havia me aproximado do J.C. Serroni que era cenógrafo do grupo e precisava de assistente. Como tinha dois anos de arquitetura comecei a trabalhar com ele, meu tempo lá dentro dobrou, mas eu achava que valia a pena, pois começava a me aproximar da companhia principal. Nesse momento o mito Antunes começou a ser quebrado. Ele passou a ser alguém que existia, uma pessoa, não uma figura que passava de cachimbo. Passei a ter menos medo dele – embora tenha medo até hoje. Um dia eu tinha trabalhado numa maquete com o Serroni até tarde e às 8 horas da manhã tinha de fazer desequilíbrio no palco. Fiquei com tanta raiva, que não me concentrei, não respirei e comecei a fingir que estava fazendo. Uma hora o monitor interrompe o trabalho e diz: Charles você pode fazer pra todo mundo ver? Pensei que ele ia acabar comigo, mas fiz. Ele pediu para eu repetir. Aí se virou para o grupo e disse: vocês estão vendo,um desequilíbrio real, sem mascaras, sem persona! Um desequilíbrio perfeito, Charles. Então eu vi que tinha de mentir. E a partir desse momento, eu mentia todos os dias. Não sei se foi por isso, ou se havia chegado o meu momento de ser aceito pelos outros membros da seita – porque o CPT é uma religião – mas a partir daí comecei a crescer lá dentro. Todo mundo me elogiava no naturalismo aos sábados, ganhei grupo para monitorar, mas isso não me fez mais feliz. Eu via as pessoas lá dentro se transformando. Entravam doces e adoráveis, e pouco a pouco iam emagrecendo, ficando macilentas, se sentindo perseguidas, passavam a acusar – o Charles não está lendo a dialética, o Charles estava de conversa com a fulaninha em vez de ler Rousseau. Pessoas que eram amigas passavam a ser as que te apontavam. Não podíamos ter amizades, nem namoros, e a pior de todas as regras: as risadas. Ninguém podia rir e nem gargalhar, os intervalos eram eternos pois tínhamos que ficar em silêncio ou ficar (fingindo que estávamos) lendo. Eu pelo menos sempre fingi! Aquilo começou a me fazer muito mal. Ao mesmo tempo não te davam um centavo de ajuda de custo e não te liberavam para nada. A minha vida era fazer comercial de televisão no pouco tempo que me restava. Eu era inscrito em todas as agências paulistas e tinha muita sorte de ser escalado para diversos comerciais, fotos, campanhas, que foi o que segurou a minha onda.Teve um momento que comecei a mentir que estava doente, arrumava atestado médico para levar para o CPT. Tudo isso porque precisava ganhar dinheiro e pagar as minhas contas. Uma situação para lá de absurda. Eu estava cada vez mais próximo da cenografia. O Serroni foi realmente o maior oásis no meio daquele deserto. Entrei no CPT pra ser ator e trabalhar com Antunes Filho, mas sai de lá cenógrafo /figurinista por ter tido a sorte de trabalhar com o J.C. Serroni. Ele foi tão generoso comigo que começou a me chamar para ser assistente de suas outras produções fora do CPT, e aí o teatro se tornou finalmente profissional pra mim. Nessa época conheci as melhores e mais importantes pessoas para minha formação, como o pessoal do Royal Bexiga, o amado Marcos Caruso, Jandira Martini, Francarlos Reis, Ileana Kwasinski, Zé Renato, Fagundes, Abujamra, e acabei convivendo com todas aquelas lendárias figuras da classe teatral paulista com seus jantares no Gigetto e suas histórias maravilhosas. Reecontrei as risadas tão comuns nessa profissão. O hábito de jantar depois dos espetáculos e ensaios em restaurantes que viram a nossa segunda casa é uma rotina que levo a seriíssimo até hoje. Em determinado momento, Serroni foi convidado para fazer um estande dentro da 20a Bienal de São Paulo, e como teve que viajar com o CPT para uma turnê no Japão, me deixou encarregado da montagem. Quando me vi na Bienal, no meio daquela efervescência cultural, me dei conta de que não podia mais ficar preso no CPT. Nesses dias de Bienal encontrei o Gabriel Vilella que já conhecia de festivais de teatro amador. Gabriel era um jovem genial e não havia dúvida de que seria o diretor brilhante que se tornou. Ele sempre foi muito sedutor e com uma capacidade de persuasão anormal. Contei para ele minhas desventuras do CPT e ele imediatamente me convidou para fazer um espetáculo com ele. Era o que eu precisava. Quando disse no CPT que ia sair, um dos monitores me disse que Antunes tinha muitos planos para mim. Mas três anos já tinham se passado. Era hora mesmo de mudar e acreditar que a felicidade existia. Sei que tenho uma enorme dívida com esse período, o amor e respeito que tenho aos meus colegas e à minha profissão e a disciplina que adquiri me foram dadas pelo Antunes e pelo CPT.Tenho uma eterna admiração por ele e sei que ele nem sabe da minha existência, pois nem éramos diretor e ator. Eu era mais um membro de uma seita patriarcal e autoritária. Mas isso me ensinou como tratar meu elenco bem diferente do tratamento que recebi lá. Com amor e amizade e sempre reverenciando as escolhas individuais. A vida passou a ter uma velocidade enorme quando fui para o porão do Centro Cultural Vergueiro – aliás, era lá que o Ulisses Cruz ensaiara e por isso não o encontrei naquele dia. A peça com o Gabriel Vilela era o Concílio do Amor, de Oscar Panizza, que falava da sífilis na Idade Média. Gabriel teve a idéia brilhante de colocar muitos jovens no elenco. Era o auge da epidemia de aids e a peça medieval tinha tudo a ver com o momento. Ensaiamos por seis meses: o grupo era, além de muito jovem, muito bonito, muito disposto, muito bacana, muito tudo. Eu trabalhava como ator e, por causa da minha experiência com Serroni, Gabriel me chamou também para ajudar nos figurinos e cenários da peça. O sucesso foi estrondoso. Além disso, ganhei todos os prêmios de cenografia e figurinos do ano: Mambembe, Shell, Apetesp e Associação Paulista de Críticos de Artes – APCA. Eu amava todos os dias fazer O Concílio do Amor. Foi um marco pra quem passou por lá. Era uma coqueluche em São Paulo com filas de dobrar o quarteirão e ingressos esgotados. Com menos de três meses da peça em cartaz recebo um telefonema da TV Globo. Emílio di Biasi tinha me visto em cena e estava me chamando para um teste para a novela das 7. Vim para o Rio de Janeiro sem avisar meus pais, nunca havia vindo sozinho ao Rio, fui para os estúdios errados da Globo, mas acabei encontrando o certo, troquei duas palavras com o Dennis Carvalho, que foi gentilíssimo, me deu o texto, fiz a cena e quando saí, ele disse: parabéns a cena foi ótima, a gente vai te ligar. Voltei para São Paulo, cheguei em cima da hora do espetáculo e nem falei nada para o meu grupo. O teste foi no sábado, na terça-feira me ligaram para dizer que eu havia conseguido o papel. Eu não tinha a menor fantasia quanto a trabalhar na Globo. Vinha de uma formação completamente pseudo-radical de grupo de teatro paulista (pseudo porque até os mais radicais eu já vi fazendo coisas inacreditáveis na TV anos depois). Ouvi durante anos que novela era a morte do ator. E por ser imaturo, achava até que os atores de novela eram meio displicentes. Naquele momento, então, estava tão apaixonado por São Paulo, pelo trabalho com o Gabriel, pelo grupo, meus melhores amigos estavam lá, vivia uma catarse após os anos de sofrimento com Antunes que parar tudo seria muito triste. Fiquei bastante confuso, ao mesmo tempo, me perguntava: se eu não queria fazer novela por que aceitara fazer o teste? Além disso, sabia que a televisão era uma oportunidade de pela primeira vez ganhar dinheiro. Decidi conversar mais uma vez com Dennis Carvalho e dizer que gostaria de conciliar a novela com o teatro. Dennis me explicou como seria a novela, me avisou que eu teria de sair em 30 dias da peça e me disse quanto seria o meu salário. Levei um susto. Ele continuou sendo muito objetivo: pede substituição, vem fazer a novela por nove meses, fica conhecido e quando voltar para o grupo terá um nome mais forte e uma bagagem de uma novela nas costas. Ele me convenceu, mas foi tão doloroso me despedir de O Concílio de Amor. No último dia meus olhos nem abriam de tanto que chorava. Era novamente tempo de mudar, mas desta vez de algo que amava muito para o desconhecido. Cheguei ao Rio em dezembro, fazia um calor imenso, aluguei um apartamento de temporada – horrível, cheio de pombos na janela – e comecei a novela muito tristonho. Mico Preto era uma novela esquisita, um pouco Almodóvar, experimental, que nunca pegou. Eu comecei em televisão em um navio quase naufragando, mas com uma tripulação bacana. O elenco era adorável e Dennis e Denise Saraceni foram sempre queridos comigo. Meu núcleo era divertido, Miguel Falabella era meu pai, o que decididamente alterou o meu destino. Ele estava dirigindo Ítalo Rossi num espetáculo de poesias e tinha um rapaz que tocava violão – era o Claudio Botelho. Foi aí que começamos a ficar amigos. A primeira noite que saí com Miguel, Ítalo e Claudio foi a mais divertida da minha vida. Claudio com seu humor ácido, cortante como uma navalha, derrubava tudo: Ih, grupo de teatro já sei, um bando de gente descalça, andando de um lado pro outro e falando frases sem sentido. Eu, às gargalhadas. Naquela noite mesmo começamos a falar de musicais e foi muito confortante para mim, porque eu era um admirador do gênero, mas enrustido. Bom, mas isso é uma história para bem adiante. Assim que entrei na novela, fui fazer uma peça, Outra Vez, com direção de Sérgio Viotti ao lado de Edwin Luisi, Vanda Lacerda, Leonardo Villar e Marta Overbeck. Que elenco! No primeiro ato eu fazia o personagem do Edwin na juventude e, no segundo ato, seu filho. Essa relação de pai e filho permanece. Na peça o chamava de Papi e assim que eu o chamo ate hoje. Dividíamos o camarim: eu sou a pessoa mais bagunceira do mundo e ninguém é mais organizado que o Edwin, levei-o à loucura! Mas nos divertíamos tanto também. Outra vez desde sua primeira leitura foi um choque pra mim, todo o processo era novo. Era um teatro que eu nunca havia feito ou pensado em fazer: cenários realistas, atores ganhando salários, ensaios com hora para começar e acabar. E eu via aqueles monstros sagrados lendo com velocidade e inteligência incríveis. Fiquei três anos desequilibrando, mas ninguém me ensinou a ler um texto à primeira vista, ou andar, ou armar um personagem. Li muita dialética, mas esquecia de respirar entre os pontos. Portanto ali o dia a dia com aqueles atores preciosos e experientes foi um mestrado! Quando acabou a temporada de três meses, Antonio Mercado me chamou para o meu primeiro papel de protagonista: Master Harold e os Meninos, a primeira montagem de um autor sul-africano no Brasil, Athol Fugard, com Milton Gonçalves e Maurício Gonçalves nos outros dois personagens, uma peça deslumbrante sobre o apartheid. O papel era fortíssimo, começava como um anjo adolescente e no final se mostrava um monstro com direito a cusparadas e tapas. Foi uma aula estar ao lado do Milton Gonçalves todas as noites. Milton é o Sidney Poitier dos trópicos! Esses dois papéis superimportantes consegui por causa da novela. Foi a partir de Mico Preto (que nem teve tanta audiência assim), que deixei de ser apenas o Charles do CPT, Charles do grupo Boi Voador, para ser conhecido por Charles Möeller. Contracenar com essas pessoas foi uma maravilha e minha verdadeira escola, e foram esses dois elencos que me fizeram indivíduo, eu deixei de ser um coletivo! Meu primeiro ano de Rio de Janeiro me deu essa felicidade. Quando meu contrato com a Globo estava para terminar, comecei a ficar preocupado. Era dezembro de novo, eu tive dengue e o dinheiro estava acabando – a peça depois de duas temporadas ótimas entrou no circuito Sesc, e não ia ninguém. E como eu vivia do porcentual, 100% de ninguém é igual a zero. Começou a me dar aquele desespero de voltar derrotado para a casa dos pais. Naquela época, Pantanal era uma sombra que atormentava a direção da TV Globo. Os atores, porém, estavam em polvorosa porque a Manchete estava contratando todo mundo. Decidi ir lá, procurei a Márcia Ítalo, responsável pelo elenco, ela me recebeu maravilhosamente bem e, quando já estava desesperado sem saber o que ia fazer da vida, fui salvo nos 45 minutos do 2o tempo. Fui chamado pela Manchete para fazer Ana Raio e Zé Trovão com o Jayme Monjardim. Meu personagem era o mocinho tirolês Werner. E entraria no ar na semana seguinte, berrei de felicidade. Mas eu precisaria embarcar imediatamente para a locação, longe do Rio, e berrei de tristeza.Tinha que dizer sim ou não e ir viajar para uma micro-cidade chamada Treze Tílias, no interior de Santa Catarina. Era muito longe, pega um avião, depois um carro de boi, uma lancha, uma bicicleta, e ainda assim a gente não chega nunca. Eu precisaria ficar dois meses sem intervalo gravando dentro de uma colônia tirolesa. Resultado: larguei a peça de um dia para o outro, Milton ficou supertriste comigo, com toda razão, mas eu não tinha opção. A peça faltava completar ainda uma cidade no circuito Sesc, no máximo duraria mais um mês, e a novela estava me oferecendo um ano de um ótimo contrato. Eu já não tinha dinheiro nem para ir de ônibus para o teatro. E tive de decidir. Cheguei na cidadezinha, de 3.000 habitantes, fiz prova de roupa de madrugada, colei as folhas dos capítulos nas paredes do meu cenário de locação para ir decorando ao mesmo tempo em que gravava. Uma loucura. A primeira cena que tinha de gravar era um beijo. Entrei no set, cumprimentei a Micaela Góes, que não conhecia, e tasquei-lhe um beijo. Esse foi o prenúncio de um tempo de muita felicidade. Entrei no tom certo do personagem, um rapaz de origem tirolesa, com aquela bermudinha ridícula, aquele chapeuzinho com uma pena e adorei tudo. Micaela foi generosa. Henrique Martins e Jayme Monjardim, os diretores, foram delicadíssimos comigo. Entrei para fazer uma participação e fiquei um ano, meu personagem não saiu nunca mais da história. Um pouco antes de começar a gravar a novela, Claudio me mostrou umas versões que tinha feito de Gershwin e fiquei maluco. Ele queria se juntar com Cláudia Netto e fazer um espetáculo. Enquanto eu viajava pelo Brasil com a novela, ia sabendo mais notícias, que eles tinham conseguido o Teatro Ipanema, que o Marco Nanini aceitara dirigir, mas o problema era arranjar dinheiro. Ninguém tinha um tostão, mas foram em frente assim mesmo e eles começaram a ensaiar sem mim. Quando a novela acabou e finalmente voltei para o Rio de Janeiro, Hello Gershwin já estava montado. E iam pouquíssimas pessoas assistir, sempre mais convidados do que pagantes. Mas eu intuía que alguma coisa ainda surgiria dali. Meu pai era um apaixonado por cinema, sabia tudo de Hollywood e eu me apaixonei pelos musicais da Metro ainda criança. Era apaixonado por aquela estética, fascinado por aquilo que todos consideram cafona – eu estou conversando com você e começo a cantar. Sempre me intrigou como eles conseguiam fazer essas passagens. Achava lindos os cenários, os figurinos, a iluminação. Enfim, tudo que eu queria fazer quando voltei de Ana Raio e Zé Trovão estava ali na minha frente. Quando Claudio e Cláudia foram fazer o espetáculo em São Paulo, Nanini resolveu mexer um pouco na estética do show e me chamou. Fiz os cenários, os figurinos, estreamos em São Paulo e foi um sucesso no pequeno teatro do Crowne Plaza, um espaço super cult na época, no início dos anos 90. Embora tenha me envolvido com mais espetáculos, fazendo cenários e figurinos – Dorotéia, de Nelson Rodrigues, direção de Carlos Augusto Strazzer e O Alienista, de Machado de Assis, direção de Almir Telles –, estava cada vez mais próximo de Claudio e começamos a pensar no próximo projeto: as canções de Irving Berlin em um espetáculo chamado De Rosto Colado. Seria um passo além do Hello Gershwin, mais cenários, figurinos, um fio condutor, meio vaudeville – um casal que se conhece dentro de um teatro, forma uma dupla, viaja, amadurece, casa, separa e no final volta. Tudo isso contando com palpites e sugestões do Nanini, que se tornara um grande amigo e iria dirigir também esse segundo espetáculo. Eu estava disposto a desenhar cenários e figurinos arrojados e criativos, embora estivéssemos sem dinheiro algum. No meio de tudo isso, fui para São Paulo fazer os cenários e figurinos de O Médico e o Monstro, com direção do Nanini e com o Ney Latorraca (a pessoa mais engraçada de todo o teatro brasileiro); fiz como ator uma peça dirigida pelo Marcos Alvisi, Colombo, onde tive o prazer de contracenar mais uma vez com um monstro sagrado: Rubens Corrêa. Poucas vezes vi um ator com tamanha capacidade de entrega. Ele era enorme em todos os sentidos. De Rosto Colado finalmente estreou noTeatro Rival, no Rio de Janeiro. O espetáculo era encantador, uma caixinha de música, tinha romance, comédia, nevava em cena, tudo bonitinho, embora pobrinho. Foi nesse momento que começamos a conquistar um público. As pessoas ficavam loucas com o espetáculo, indicavam para os amigos, tivemos ótimas críticas e posso dizer que esse foi o começo de uma nova vida para mim. Nada foi simples. Já estávamos pensando em novos voos quando Nanini foi fazer outras coisas, teve um problema com a produção, não ficou satisfeito e nos afastamos. Não houve uma rusga comigo, mas resultou numa cisão. Isso deu uma esfriada grande nos novos projetos, porque ele era o nosso pilar. E cada um partiu para batalhar outros trabalhos. Eu havia me mudado do Leblon para Copacabana. E durante um ano em que morei no bairro fiquei desempregado. Não moro mais em Copacabana nem que me deem uma cobertura com piscina! Para mim virou um símbolo do desemprego. Eu dividia o apartamento com Emílio de Mello e ele ia se casar. Decidi me mudar para Botafogo e tudo começou a mudar. Tinha realmente um bode preto naquele apartamento de Copacabana. Jorge Takla, que havia me convidado para fazer uma peça, mas eu não tinha podido aceitar, me chamou para fazer os cenários e figurinos de uma ópera, Cavalleria Rusticana em São Paulo. Ganhei um dinheirinho bom, porque ópera paga bem. Fiquei muito amigo do Jorge no processo. E ele me convenceu de que deveria viajar pra Europa com ele logo após a término da ópera. Que Londres, Paris e NovaYork eram obrigatórias na vida de qualquer artista. Decidi guardar a metade e viajar com o resto. Era a primeira vez que eu saía do Brasil, e em companhia do Takla, que sabe tudo de Paris e Londres, e me mostrou o caminho das pedras. Ele foi fundamental na minha vida e carreira, viu em mim um talento como cenógrafo e figurinista e também como ator, que nem eu sabia que tinha. E se estive em alguns lugares inesquecíveis e vi coisas que na época nem imaginava existir, isso eu devo a ele! Fiquei louco em Londres e Paris – só tinha dinheiro para tomar cerveja e café com leite, andava pelas ruas extasiado, entrava em todos os museus, foi realmente muito impactante. Em Londres fui ver Crazy ForYou, que já conhecia as músicas por causa das versões do Claudio. Sentei no teatro, o pano subiu e quando a orquestra atacou, fiquei em um estado de arrepio, que nunca havia sentido. A cenografia, os atores, aquela magia, não lembro de ter sentido excitação maior em toda a minha vida. É isso que quero fazer pelo resto da minha vida – pensei. Fiquei tão maluco que queria assistir todos os dias para não perder o nível de prazer que havia sentido. Eu me lembro que saí do teatro, peguei todas as moedas do pouco dinheiro que tinha e liguei de um orelhão para o Claudio. Só ouvia as moedinhas caindo numa rapidez vertiginosa e eu, aos berros, dizendo para Claudio tudo que havia sentido. A partir daquele dia passei 15 dias vendo todas as matinês dos musicais – uns abomináveis como Cats, outros cafonas e pesados como O Fantasma da Ópera. De Londres fui para Nova York – naquele tempo era possível com metade do dinheiro que ganhei. Claudio e Nanini foram para lá e passamos uma temporada só vendo musicais e falando sobre isso. Quase uma obsessão. Quando voltei, precisava trabalhar, fiz uma participação rápida como ator em uma peça dirigida pelo Abujamra e tivemos uma conexão imediata, ele é o homem das frases e máximas. Amo tudo no Abu, seu humor e a falta dele. O Abu é meu mestre com carinho. Um dia recebo um telefonema do Jayme Monjardim me convidando para fazer uma novela na Band, A Idade da Loba. Era uma novela experimental do Alcides Nogueira e gravávamos em um estúdio que nem ar condicionado tinha. Botavam uns ventiladores na cara da gente para a maquiagem da Betty Faria não derreter. Eu lembro que tinha um cabelo enorme na época e aquilo era um cobertor em cima de mim. Eu transpirava tanto, que a maquiadora passava o tempo todo atrás de mim com um papelzinho para passar no meu rosto, o papel grudava, ela tirava com a unha, um horror. Foi uma novela custosa de se fazer, de uma infelicidade absoluta. Nesse momento duro da minha vida, novamente Jorge Takla surge e me convida para fazer o papel principal de A Gaivota. Eu já havia feito um espetáculo com ele, bem pequenininho, que ficou três meses em cartaz chamado Lago 22. Agora era para fazer o papel principal de uma peça que amo. Eu estava com o cabelo muito comprido e precisava cortar para o personagem, uma coisa meio russa, um chanel básico horroroso. Mas o que fazer com a continuidade da novela? Abri o jogo com Jayme Monjardim, pedi que ele colocasse meu personagem para viajar, porque ele já tinha dado o que tinha de dar, e porque eu precisava muito fazer a peça. Ele ficou chateado comigo, diretor odeia que se faça isso, mas concordou. E me enfiei de cabeça em A Gaivota. Estreamos, foi bem de crítica, mas ninguém foi ver. Em alguns dias tinha mais gente no palco do que na platéia. Foi uma decepção enorme. A melhor lembrança de A Gaivota foi ter dividido o palco com Walderez de Barros, que fazia Arkadina, minha mãe na peça. Cresci vendo Walderez e sempre achei-a uma deusa e estar ali todas as noites com ela com personagens tão intensos foi inesquecível. Wal é das maiores atrizes do mundo para mim. Um dia ainda arrasto-a para um musical. Quem produziu A Gaivota foi um amigo de infância em Santos, Beto Bellini. Ele conhecia leis de incentivo, captação de patrocínio, essas coisas, e conseguiu dinheiro para que montássemos Os Fantástikos, um musical pequenino que está há 40 e poucos anos em cartaz na off-broadway, e que era uma grande paixão do Claudio. Chamamos o Elias Andreatto para ser o diretor e fizemos nossa primeira audição para musical. Até então eu não me imaginava dirigindo, achava que ia fazer cenários, figurinos, direção de arte e palpitando nas outras coisas, porque ia continuar com a minha carreira de ator. Não nos musicais, porque esse era o lugar do Claudio, que cantava. Eu ia continuar na minha trajetória de Shakespeare, de Tchecov, Ibsen entre tantos que eu sonhei na minha vida acadêmica, até chegar com sorte a concorrer a um prêmio em Ricardo III e fazer Rei Lear no fim da minha carreira. É isso que todo mundo sonha, né? Os Fantástikos foi o primeiro musical em que nós nos metemos em tudo. Eu e Claudio palpitamos o tempo todo na direção – deve ter sido um inferno para o Elias. Quando estreou, embora não tenha sido um grande sucesso, percebi, comparando com os espetáculos que vinha fazendo, que ali existia uma fatia do bolo que estava sendo pouco explorada. Mesmo não tendo ido muito bem de público, fez com que nos aquecêssemos. Antes de pensar em novo projeto, me veio uma vontade enorme de fazer um outro potencial fracasso com a montagem de À Margem da Vida deTennessee Williams. Beto Bellini, novamente, começou a se mexer, procurar patrocínio. Nesse momento pintou outro marco da minha vida: Xica da Silva, novela que marcava a volta da TV Manchete, com direção de Walter Avancini. E de um momento para o outro retornei aos tempos do Antunes. A novela foi bem de audiência, mas eu voltei para o inferno com o Avancini. Trabalhar com medo, tensão no estúdio, horror. A mim pelo menos ele cumprimentava, mas tinha uma relação horrível com as pessoas a meu lado. Gravávamos em Maricá, um calor horrível, roupas de veludo, peruca, tínhamos de comer usando as mãos no primeiro mês na hora das refeições de cena -e também fora dela, pois funcionava como um laboratório, porque não se usava garfo e faca na época, uma coisa horrorosa! Um dia, na volta de Maricá, sofremos um acidente de carro, quebrei a clavícula em dois lugares e passei a gravar a novela com colete de tração. Era muito difícil pois sentia dor 24 horas por dia, os remédios pra dor me dopavam e me prejudicavam para fazer as cenas – então optei por não tomá-los, o que tornava a dor quase insuportável. A novela era um sucesso e esticou duas vezes, ficamos um ano gravando e me lembro exatamente do dia do final das gravações. Cheguei em casa e tinha recado na minha secretária eletrônica dizendo que uma sequência eterna dentro de uma caverna real, onde eu havia passado os últimos dez dias com morcegos e bichos em Maricá teria que ser toda regravada porque o Avancini não tinha gostado do figurino. Sentei na cadeira e comecei a chorar. Não quero mais ser ator – constatei. Para somar às minhas intempéries na época, descobrimos que os direitos de À Margem da Vida já tinham sido comprados. Que amadores! A primeira coisa que um produtor faz é ver se os direitos estão disponíveis. Bom, o resultado é que tínhamos um patrocínio, mas não tínhamos a peça. Então, obra do destino, decidi escrever eu mesmo uma peça para ficar no lugar do projeto, salvar a pátria. Quando estava com ¼ escrito, dei para o Claudio ler e ele, que sempre é muito crítico, adorou. Se ele gosta de alguma coisa eu já fico achando que está no lugar certo! Continuei escrevendo, ele me ajudou colocando canções de diversos autores e transformando aquilo num musical. Batizamos a peça de As Malvadas e começamos a pensar em um nome para dirigir. E eu ficava dizendo para o Claudio tudo que tínhamos de explicar para o diretor. Se você acha que tem tanta coisa para explicar, por que você não dirige? – ele me perguntou. Acho que posso – decidi na mesma hora. Nesse momento nasceu aquilo que hoje atende pelo nome de “a dupla Charles Möeller e Claudio Botelho”. Minha carreira como cenógrafo e figurinista deu mais alguns frutos: O Jovem Torless, de Robert Musil; Futuro do Pretérito, de Regiana Antonini; Na Bagunça do Teu Coração, de João Máximo e Luiz Fernando Vianna, com direção de Bibi Ferreira; Amor de Poeta, de Tiago Santiago, direção de André Mauro.Com o grupo Os Fodidos Privilegiados, trabalhei com Antônio Abujamra e João Fonseca em Exorbitâncias, uma Farândula Teatral,e O Casamento, que me deu o Prêmio Shell pelo figurino; fiz com eles ainda Auto da Compadecida e Os Libertinos. Com Ana Kfouri fiz Volúpia e Gula. A minha carreira de ator? Foi uma opção cruel abandonar este meu lado. Minha vida como ator foi muito dinâmica, mas ao mesmo tempo muito solitária. Uma vida em que se tem de lidar o tempo inteiro com a solidão do desemprego. Novelas acabam, peças se encerram e o ator lida com a despedida o tempo todo. Sou uma pessoa com uma dificuldade imensa de lidar com a despedida, com a saudade, isso sempre acaba me violentando. Além do mais o eterno voltar para a fila é muito desgastante. Ninguém gosta disso. E ser ator é estar voltando constantemente para a fila. Nunca tive dificuldade de arrumar trabalho – exceto o período do bode em Copacabana – e sou muito agradecido a todos que me deram oportunidades incríveis. Mas não é fácil acreditar em um projeto e este falir como faliram minhas tentativas de trabalhar em grandes papéis em teatro. Foi importante descobrir que queria fazer outra coisa na vida. Não poderia ser longe do teatro, que esse é um caminho sem volta. Passei anos da minha vida sem saber meu tamanho, um pouco Alice no País das Maravilhas. Não sabia se a sala era pequena ou enorme. Às vezes pedia favor, quando tinha de mandar. Às vezes mandava quando precisava pedir favor. Agora eu sei. Ou pelo menos eu acho que sei. CLAUDIO BOTELHO Um das primeiras palavras que falei foi “rádio”. Eu adorava ouvir rádio e ficava louco quando via passar a banda na minha rua. Fui criança nos anos 70, no interior de Minas Gerais, e bandas de música passavam, vez por outra embaixo das janelas da gente. Minha infância foi muito ligada à música. Minha avó Raúla, mãe de minha mãe, era violinista e chegou a tocar em cinemas na época em que as sessões tinham música ao vivo. Meu avô Nenê, pai de meu pai, tocava acordeom. Com certeza, os genes me ajudaram. Nasci em Araguari, Minas Gerais, mas fui criado em Uberlândia. Meu pai trabalhava no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, era desenhista, uma profissão que nem existe mais – ele desenhava as pontes que iriam ser colocadas nas estradas, tudo a mão, com letrinhas feitas no normógrafo (um aparelho que suponho que seja peça de museu hoje em dia). Minha mãe era professora. Era uma família modesta, mas a minha paixão por música era tão forte que num Natal meus pais fizeram um esforço e me deram uma bateria. Fiz tanto barulho que eles devolveram a bateria dois dias depois. Que frustração! O consolo foi ir estudar violão, essas aulas que as crianças fazem, que não são de música, mas sim de aprender a tocar uma música. Nunca fui um apaixonado por violão, mas aprendi a tocar e cantar e era o “rei” das festinhas. Na minha família eu era aquele que gostava de música, o que herdara o talento dos avós. Minha irmã também era muito talentosa, chegou a cantar um pouco, mas enveredou por outros caminhos, estudou Direito e hoje é Assessora Jurídica na Câmara dos Deputados em Brasília – sem nenhum nepotismo, ela entrou lá por concurso. Teatro? Eu nem sabia que existia. Não havia teatro em Uberlândia na década de 1970. O grande acontecimento cultural na cidade era o show anual do Roberto Carlos, em um estádio em frente à minha casa. Eu sempre ia e adorava. Minha ligação com Roberto Carlos era muito forte. E também com Os Incríveis, uma banda que eu acho que desapareceu. Ah, na época a gente falava ‘conjunto’, banda era aquela que passava embaixo da minha janela mesmo. Lá pelo fim dos anos 1970 alguém me obrigou a ouvir Chico Buarque. O disco era Meus Caros Amigos, de 1976. Meu primeiro susto foi a voz do Chico. Estava acostumado a ouvir Sílvio Caldas e Nélson Gonçalves, que eram os favoritos na minha casa, e aparece um cara com uma voz que não é extraordinária, e isso não me bateu bem. Atrás da Porta, para mim que estava com 12 anos, me pareceu uma música de sacanagem – me agarrar nos teus cabelos, nos teus pelos, teu pijama --, uma coisa proibida. Pouco a pouco fui ouvindo, reouvindo, comecei a prestar atenção nas letras –VaiTrabalhar Vagabundo me enlouqueceu. O que havia achado esquisito no começo, em apenas um mês tinha se tornado um caminho: Chico Buarque rapidamente se tornara o meu ídolo. Por algum motivo, Uberlândia me dava a sensação de ser pequena para mim. Sentia certa angústia de estar naquele lugar. Não que fosse um freak, gostava de carrinhos, jogava futebol, fazia bagunça, mas o outro lado meu, que gostava de música, de Chico Buarque, de poesia, de Cecília Meirelles, de Olavo Bilac, de Alphonsus de Guimaraens (ih, acho que eu era meio freak sim!!!) parecia muito distante da realidade de todos com quem convivia. Mas a vida deu uma guinada radical. Em 1978, minha mãe foi convidada para ser a coordenadora do Colégio Sacré Coeur de Marie no Rio de Janeiro. E a família inteira se mudou. Viemos em um fusquinha nós quatro, as malas e um cachorro pequinês e fomos morar em Copacabana. O piano entrou na minha vida no Rio: minha tia Maria Helena, que morava aqui e se tornara o anjo de guarda de toda a família imigrante, tinha um piano em casa e tocava. Quando entrava na sua casa ia diretamente para o piano. E foi assim que aprendi, sozinho. Toco mal, mas conheço os acordes e me localizo bem nas harmonias. Sei pouco, mas me acompanho e componho ao piano. O primeiro ano no Rio de Janeiro foi uma experiência muito radical: fui estudar no Sacré Couer, que era um colégio feminino, e eu, um dos oito homens em toda a escola. Não consegui me adaptar, foi bem sofrido. Em 1980, mudei de colégio, fui para o São Vicente de Paulo, onde havia um movimento forte de arte, era libertário e posso dizer que renasci. Foi lá que descobri um mundo bem maior que Uberlândia, que comecei a entender o Rio de Janeiro e realmente despertei para a vida. A música era muito forte no São Vicente. Havia uma apresentação dos alunos chamada Sarau, e eu estava sempre lá. Ninguém parava muito para ouvir nada, mas não sei o porquê, prestavam alguma atenção em mim. Eu tocava uma música do Jorge Mautner que o Caetano gravou, Vampiro, fazia uma espécie de perfomance ao violão e as pessoas adoravam. Digamos que eu já era praticamente um artista no São Vicente. Minha ligação com Chico Buarque continuava muito forte, mas Milton Nascimento também entrara de sola na minha vida por meio de colegas do São Vicente que me apresentaram seus discos. Escutava sem parar Geraes, Clube da Esquina II, do Milton e aquele disco do Chico, que tem uma samambaia na capa (Chico Buarque -1978), em que Chico e Milton cantam juntos Cálice. Um dia um amigo me convidou: vamos fazer uma aula de teatro? No 4o andar do São Vicente havia um grande auditório, por onde passou muita gente que hoje é ator profissional. Almir Telles dava aula lá, uma pessoa muito séria, muito arrojada, que fazia teatro no colégio com ganas profissionais. Entrei na sua aula e nunca mais saí. Meu Deus, achei uma coisa que eu quero fazer. Passei os três anos do curso colegial fazendo teatro e a vontade de participar daquilo foi ficando cada vez mais forte. Uma pausa para falar sobre Almir Telles. Talvez tenha sido por muito tempo a pessoa mais importante a passar pela minha vida, vinda de fora da família. É genuinamente um cara de teatro, ama o teatro, tem bastante cultura acadêmica, embora hoje eu saiba que sua experiência profissional nem era tão grande assim na época. Mas que importância tinha isso para alguém, como eu, que nunca tinha lido uma única peça? Almir era um ator que chegou a participar de montagens históricas do teatro brasileiro, como Equus e O Interrogatório, com Fernanda Montenegro, mas que ganhava a vida mesmo era dando aulas de teatro em alguns colégios da zona sul do Rio de Janeiro, como hoje ainda é a profissão de muitos colegas nossos. Ele personalizava tudo que eu poderia admirar num ser humano: debochado, rápido, inteligente, absolutamente pouco reverente para com quem se achava, e sobretudo uma pessoa muito generosa. Imagino que ele tenha percebido algum talento ou vocação em mim, pois me incentivou a escrever textos para os espetáculos do colégio e a compor canções para nossos pequenos musicais encenados ali. Se hoje eu sou um cara relativamente bem-sucedido ou, pelo menos, se tive alguns dos meus sonhos realizados, devo uma enorme parte disso ao Almir Telles, que é meu amigo até hoje e de quem me considero um devedor eterno. Eu não fazia muitos planos para meu futuro profissional. Primeiro sabia que gostava de música, depois queria ser ator, talvez por vaidade, sei lá. Não pensava nessa época, porém, em musicais. Aliás, não sabia nem o que era. Musical, para mim, eram aquelas coisas que eu via na televisão, algumas pessoas cantando. Na verdade, quem me apresentou a um musical foi o próprio Almir. Ele me emprestou um disco de um filme chamado Oliver. E esse disco me balançou, foi o primeiro contato que tive com a música de show business. Que grande sorte a iniciação ter acontecido logo com um musical que (hoje sei) é de primeiríssima linha, todo escrito e musicado por Lionel Bart, baseado no folhetim de Charles Dickens. Fiquei tão fascinado que ouvi primeiro o disco, depois vi o filme na sessão da tarde, e posso dizer que o vírus foi inoculado com esse LP do Oliver, que roubei, nunca mais devolvi para ele. Ele sabe e perdoa. Convenhamos que foi por uma boa causa. Mas os musicais entrariam bem adiante na minha vida, minha trajetória é estranha, reconheço, parece que vou seguir por um caminho e pego outro, só retomando mais adiante... Logo depois que comecei a fazer aulas com Almir, com 16 anos, fui pela primeira vez ao teatro de verdade. Um amigo do São Vicente arrumou convite para vermos Papa Highirte, com Sérgio Britto. Nunca havia pisado em um teatro e lá estava eu de repente a três metros de distância de um monstro como Sérgio, vendo uma peça violenta, importante, que discutia a tortura no Brasil. Eu fiquei apaixonado pelo espetáculo. Como todos os alunos do São Vicente, eu era muito politizado – os professores davam até aulas de marxismo, não sei se era permitido ou não, mas eles nos incutiam muitas idéias de esquerda (hoje eu decididamente abomino aquela lavagem cerebral que me fizeram, mas na época fui cooptado sem qualquer resistência). Depois de Papa Highirte, mergulhei na obra de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e tive certeza de que queria seguir mesmo fazendo teatro. Mais que isso, queria ser ator. Pode? Atuar passou a ser o meu norte. Depois de me formar no São Vicente, fui para a Unirio fazer teatro, mas saí depois de um ano, pois achava a faculdade muito ruim, havia muita ênfase numa coisa que eu já então abominava que era a tal da expressão corporal, e nenhum foco naquilo que eu sonhava, ou seja, teatro mesmo, texto, peças, personagens. Uma aula onde a professora mandou os alunos se lamberem uns aos outros foi definitiva para que eu entendesse que não estava gostando daquilo. Até mesmo porque só tinha gente muito feia na minha turma e eu não tinha a menor vontade de encostar a língua em nenhuma daquelas pessoas. Fui então para a CAL, Casa de Artes Laranjeiras, que estava sendo inaugurada com professores realmente de altíssimo nível, como Sérgio Britto, Glória Beuttenmuller, João das Neves, Alcione Araujo, meu ídolo Luiz de Lima – e fui da primeira turma que se formou lá. E aí aconteceu uma grande decepção: querer ser e não poder. Não aparecia trabalho algum, nada interessante. Eu que já havia feito algumas adaptações de livros na época do São Vicente, resolvi adaptar Os Meninos da Rua Paulo, de Ferenc Molnár. Não havia uma conexão direta entre adaptar e montar, eu queria fazer por fazer, porque o teatro se tornara a minha vida, só pensava nisso todos os dias. Quem havia traduzido o livro era o grande Paulo Rónai, pai da hoje famosa colunista Cora Rónai, um literato muito importante, quem primeiro traduziu obras em português para o húngaro e que veio para o Brasil, em uma bolsa de estudos, fugindo da Guerra. Eu peguei a minha adaptação, tirei xerox, descobri o endereço dele e enviei. E não é que ele me respondeu? Gostei muito da sua adaptação, que bom, tomara que você possa um dia fazer. E está desde já autorizado a usar minha tradução da obra. Isso me incentivou bastante. Eu tinha um grupo de amigos, jovens atores, e decidimos montar Os Meninos da Rua Paulo. Assim mesmo, resolvemos e pronto, as coisas eram meio assim na época. O jovem da turma que ficou com o papel de diretor era o Roberto Bontempo, hoje um ator de carreira bastante respeitável no teatro e no cinema. Mas eu, na minha arrogância inequívoca, comecei a detestar o que queriam (ele e mais alguém que codirigia a montagem, mas que não lembro o nome) fazer da minha peça. No grupo estava o Luiz Felipe de Lima, filho justamente do grande ator Luiz de Lima (ídolo meu no teatro). Aborrecido que estava com os rumos de nosso espetáculo, disse um dia ao Luiz Felipe que ia pegar a minha peça e ir embora para nunca mais voltar. Sabe o dono da bola? Aquele que diz: vou pegar a minha bola porque não quero mais jogar com vocês. Foi exatamente o que fiz. Luiz Felipe sugeriu levar a peça para o pai ler e quem sabe dirigir. Ele leu, gostou e deu para o Rodrigo Faria Lima que era um produtor importante da época. E a sorte sorriu para mim. A peça foi montada e ficou mais de um ano em cartaz. No elenco estavam Marcos Palmeira, Duda Monteiro e André Barros – ambos filhos de Paulo Alberto Monteiro de Barros, o Artur da Távola – e mais um monte de garotos. Éramos 15 e eu, é claro, fazia o papel principal, afinal era o dono da bola. Não é que a peça funcionou?Teve boa crítica do lendárioYan Michalski, e nos apresentávamos de segunda a segunda, algo inédito no Rio de Janeiro. Era no Teatro Vannucci e Rodrigo nos explorava horrores, não dava folga nenhum dia, mas queríamos tanto fazer teatro que topávamos. Uma loucura! Como ator eu não recebia nada (ele sempre dizia que a produção não tinha sido paga ainda), mas como autor me filiei à SBAT e tirava 5% da bilheteria. Minha arrogância foi a um ponto inacreditável. Dezoito anos, dirigido por Luiz de Lima, pagando minhas contas (que, aliás, eram muito poucas já que morava com meus pais) e cheio de fãs adolescentes – fiquei impossível. Eu me achava um fenômeno! Como era de se esperar, nada aconteceu depois. A peça teve seu fim, como tudo nada vida, e não apareceu nenhum convite de trabalho. O fenômeno simplesmente virou mais um jovem pretendente a ator desempregado no Rio de Janeiro. Foi quando descobri que o Wolf Maya dava uns cursos para jovens atores sobre técnica de vídeo e me matriculei. Após algumas aulas, ele me convidou para fazer parte do elenco de apoio da novela Bambolê. E eu não entendi na época que elenco de apoio significava: figuração! Fui contratado daTV Globo com menos de 20 anos, tinha até carteira assinada, ia pra lá para fazer absolutamente nada. Uma coisa profundamente humilhante. Eu e meus coleguinhas não podíamos nem ficar no mesmo ônibus que os atores, comíamos separados também – e uma comida bem pior. Lembro bastante bem de um sujeito da nossa idade que tinha um papel com algumas falas, mas que era um personagem menor na trama. Éramos tão cocô do cavalo do bandido que esse fulano se divertia tirando uma onda de protagonista e fazia várias gracinhas conosco, nos bullitizava mesmo, sua diversão era curtir com a nossa cara desamparada. Hoje este ator é um famoso comediante que vez por outra aparece em novelas, uma pessoa tão simpática e agradável quanto esses jogadores de futebol que vivem em churrascarias tirando fotos com pedaços de picanha e mulheres de programa que trabalham como modelo. Isso foi me fazendo um mal horroroso, eu me amargurava demais com aquela situação humilhante a que era exposto diariamente. Então, num ato de total irresponsabilidade, simplesmente passei a faltar às gravações. Eu parei de ir e, claro, ninguém notou. Eu que havia pensado ah, que maravilha, vou trabalhar naTV, avisei aos meus pais, aos amigos e jamais apareci em um único capítulo. Nunca tive uma fala. Foi uma das experiências piores que tive na minha vida profissional. Fiquei muito mal. Mais ainda quando acabou o contrato na Globo e percebi que a minha família não tinha mais como bancar o sonho infantil de ser ator. Estava com 23 anos e na hora de tentar um emprego como caixa de banco. Meu avô era amigo do velho Magalhães Pinto e me ameaçaram de conseguir um emprego como caixa do Banco Nacional. Não tinha jeito, precisava arrumar a minha vida. Já sabia que não tinha os requisitos necessários para fazer televisão, eu não era especialmente bonito, sempre fui baixinho (1,70 m) e meu suposto talento não servia para absolutamente nada naquele ramo. Também não via nada de concreto no teatro. Não havia testes em lugar nenhum, teatro era um mundo fechado e absolutamente reservado a alguns grupos de atores que se autoproduziam e trabalhavam entre si. Eu não tinha nenhuma chance de entrar em nenhum desses círculos. De qualquer maneira, mesmo no abismo da falta do que fazer, continuava criando sem parar, escrevendo adaptações de peças, peças inéditas, canções, coisas às quais eu me dedicava por horas enormes do meu dia, mas que iam direto para minhas gavetas. Um dia resolvi (era assim mesmo, eu resolvia que ia fazer uma coisa e fazia) fazer uma adaptação de Oliver Twist, tamanha a minha paixão pelo musical. Sabia que não podia usar as músicas e decidi fazer a minha própria versão do Oliver: peguei o livro do Dickens, escrevi uma peça baseada em Oliver Twist, compus 20 músicas com letra e tudo. E em mais um golpe de audácia tirei uma cópia da peça, fui até o Teatro Tereza Rachel, onde estava a montagem de Drácula, bati na porta do camarim do Ary Fontoura, me deixaram entrar não sei bem por que e disse: escrevi uma peça e tem um papel pra você, você quer ler? Ary certamente achou a coisa mais esquisita do mundo, olhou para o texto e disse que já conhecia Oliver. Mas essa é a minha versão do Oliver – não hesitei. Ele quis saber se eu tinha feito as músicas, confirmei e fui embora deixando o meu telefone. Não é que dois dias depois ele me ligou, elogiou a peça, disse que eu tinha talento e que gostaria de ouvir as músicas. Imagina a minha emoção, eu ir cantar minhas músicas na casa do Ary Fontoura, um dos meus ídolos! Sempre admirei atores como ele, com uma força impressionante, teatrais, de gestos marcantes, característicos. Os galãs nunca foram meus prediletos, jamais me encantaram como Luiz de Lima, Ary, Mauro Mendonça, Raul Cortez. Cantei todas as músicas para o Ary, da primeira à última. Não podia perder a oportunidade. Ele me disse (com toda a paciência do mundo) que a minha versão de Oliver era uma produção difícil, com mais de 30 atores em cena e que ele não poderia fazer. Mas estou fazendo uma peça, que escrevi com um amigo, e pensei em colocar algumas músicas. Ele me deu a peça para ler, uma comédia pastelão chamada Moça, Nunca Mais. Fiz as músicas, eles haviam escrito as letras, que achei, evidentemente, péssimas e me senti no direito de refazê-las. Arrogância era algo que eu tinha de sobra. Pois as letras novas foram aprovadas, assim como todas as canções. E eles montaram a peça, Suely Franco estava no elenco, e a estreia foi em Curitiba. Depois eles foram para Portugal, e voltaram para ficar um tempão em cartaz noTeatro Glória do Rio de Janeiro. Aquilo parecia um sonho, e tudo porque eu tive coragem de ir bater naquele camarim. Comecei a ganhar um dinheiro inimaginável com meus 2% da bilheteria. O Ary foi realmente muito generoso comigo, superimportante na minha virada profissional. Por causa dele eu não me tornei caixa de banco (com todo respeito que esta profissão merece). Obrigado, Ary! Depois que a peça acabou, novo momento de baixa. Eu, depois da experiência em Moça, Nunca Mais, me achava no direito de me considerar compositor. Eu até mandava fita para todos os festivais que aconteciam naTV Globo, mas a música jamais me acenou com coisa alguma. Meu foco continuava a ser o teatro. Tinha feito alguns cursos com Sérgio Britto, com quem tinha uma relação meio morde-assopra, pois ao mesmo tempo em que sabia que ele gostava de mim, ficava magoado porque ele não me chamava para trabalho algum. Quando fiz o curso na CAL com ele, Sérgio havia feito questão de dizer que eu era um ator interessante. Pois Sérgio estava montando Casamento Branco para a abertura do Centro Cultural Banco do Brasil e chamou um grande amigo meu, Alexandre Padilha. Alexandre falou de mim e Sérgio aceitou que eu fosse à leitura. Cheguei lá e contei para o Sérgio que havia feito as músicas do espetáculo do Ary. Ele fingia que não sabia, mas acabou dizendo: se você fez musicas para a peça do Ary, pode fazer músicas para mim, quem sabe eu uso nesta peça. Fui para a minha casa, escrevi várias canções, a peça era polonesa, dificílima, cheia de mitos, sexo, não tinha nada a ver com musical. O Sérgio, generosíssimo como só ele pode ser quando quer, transformou-a em uma peça cheia de canções (todas minhas), e eu ainda tocava piano e violão em cena, acompanhava os atores e cantava algumas coisas também. O Plano Collor adiou a estreia da peça, mas durante os ensaios de Casamento Branco eu fiquei conhecendo Ítalo Rossi, que estava no elenco. Ele fazia um espetáculo de poesias de Manuel Bandeira e Fernando Pessoa e me convidou para tocar violão. Aliás, Ítalo é outro ator característico que amo, acho o máximo. Eu não contracenava com ele, porém, ele dizia os poemas e eu só tocava. Fizemos algumas cidades juntos e Ítalo resolveu chamar Miguel Falabella para redirigir o espetáculo para a temporada carioca. Miguel se encantou comigo e disse: Ítalo, vamos botar esse garoto cantando. Tenho certeza de que o Ítalo odiou aquilo, com razão, mas assim foi feito. Quando estava ensaiando esse espetáculo, foi assistir o ensaio um rapaz um pouco mais novo do que eu, com cachinhos dourados e que atendia pelo nome de Charles Möeller. Ele fazia o filho do Miguel numa novela e viera ver o ensaio da peça do colega – e foi assim que tudo começou. Éramos um grupo divertido. Miguel inventava mundos imaginários, todos éramos personagens, e dava apelidos para todos: Sergio Britto (que nunca soube disso) era Big Mama, dona de uma lavanderia clandestina, onde pessoas que vinham foragidas de países exóticos trabalhavam. Ítalo Rossi era Kim, uma versão trash da Kim Stanley, uma atriz hollywoodiana meio do mal, que não aceitava que atrizes jovens se aproximassem dela. E as atrizes jovens eram o Charles, que tinha um apelido que não consigo me lembrar, e eu era Angel, uma atriz novata que fingia ser boa, tocava violão, mas que na verdade estava ali para passar a perna em todos e dar um golpe no final. De vez em quando acho os cartões de Miguel dessa época. A gente se desentendeu muito depois, por motivos pessoais que não vêm ao caso, mas na época eu era muito feliz. O espetáculo do Ítalo era lindo, mas era um fracasso total. Nem 10 pessoas em média iam assistir. Uma lástima! Finalmente Casamento Branco estreou, quatro meses depois do previsto, e tive excelentes críticas para minhas músicas. Luís Fernando Lobo, amigo do Sérgio, resolveu montar Tambores na Noite, de Brecht, e decidiu que ia ter música também e me chamou. Parece que eu era a pessoa da hora para fazer música de teatro. Aceitei, estreou também no CCBB e eu fui ganhando meu dinheiro, o que me deixava distante do Banco Nacional. Pelo menos tinha o que falar em casa, não estava fazendo nada amador no meio de gente louca. Ali havia um caminho possível de ser trilhado. Em Tambores na Noite havia uma atriz no elenco, que tinha um papel pequeno, mas cantava muito bem e acabou com três músicas para interpretar: Cláudia Netto. Com a convivência com ela comecei a pensar na possibilidade de fazer alguma coisa que adoraria ver realizada há algum tempo: um espetáculo onde um casal cantasse e interpretasse clássicos norte-americanos, que eram minha obsessão na época.Talvez Gershwin, por quem era apaixonado desde ter ouvido um disco da Ella Fitzgerald acompanhada apenas por piano. Conversei com Cláudia, ela se entusiasmou, embora nem conhecesse muito bem Gershwin nem nada dessas coisas. Ela era uma atriz de teatro e não era comum que alguém de teatro da nossa idade tivesse qualquer ligação com musicais naquela época. Então ficou decidido que faríamos algo com a obra de Gershwin, seja lá o que fosse. Dediquei-me a conhecer tudo que existia sobre o compositor no mercado, embora fosse muito difícil encontrar seus musicais, eram pouquíssimos disponíveis. Estamos falando do fim da década de 1980, não existia Internet (não como hoje) e nem os CDS eram uma realidade ainda, eram LPs e fitas. Michael Feinstein tinha acabado de lançar seu primeiro disco, Pure Gershwin – voz e piano. Foi uma fonte importante para minhas pesquisas. Um álbum duplo com dois musicais completos, Of Thee I Sing e Let´Em Eat Cake, com direção do grande Michael Tilson Thomas, também foram definitivos para minhas elucubrações. No meu roteiro, a ideia era deixar os clássicos em inglês, mas criar novas letras para as canções menos conhecidas, especialmente as cômicas, tornando-as acessíveis ao público. Precisávamos de um diretor e a Cláudia, que sempre foi cara de pau decidiu ligar para o Marco Nanini, que ela mal conhecia. Nanini se dispôs a sair da casa dele, foi na casa onde eu morava com meus pais, na Rua Toneleros, sentou no meu quarto onde ficava o piano e nos ouviu cantar. Tudo bem vou dirigir. E assim nasceu um espetáculo chamado Hello Gershwin, que estreou no teatro Ipanema, às segundas e terças-feiras, e acabou ficando um tempo. Teve certa repercussão, porque ninguém nunca tinha feito nada parecido. Aliás, em mais um golpe de audácia, um pouco antes de o espetáculo estrear resolvi procurar João Máximo. Eu acompanhava o que ele escrevia no Jornal do Brasil sobre os grandes compositores, os musicais, e muito do que aprendi devo a ele, que foi uma grande fonte de conhecimento para mim. Peguei o telefone, liguei para o JB na maior cara de pau e disse que gostaria de falar com João Máximo. Olha que coisa louca! Ele atendeu e eu o convidei para ver o nosso ensaio. Ele foi, assistiu, escreveu uma pagina inteira, falando muito bem das minhas letras. Quando olhei aquela reportagem no JB pensei: eu sou letrista, sou versionista. Mais uma vez a generosidade de alguém me impulsionava para a frente. Um dos críticos e ensaístas de música mais importantes do país se dispôs a assistir um ensaio de um espetáculo de dois jovens atores cantores que se atreviam a fazer um trabalho só cantando Gershwin – e ainda falou bem! Eu tenho sempre de lembrar dessas coisas quando pensar em reclamar da sorte. Cláudia Netto entrou definitivamente na minha vida e foi a pessoa mais importante de toda aquela fase. Formamos uma dupla e, graças totalmente a ela, que sempre foi uma pessoa bastante audaciosa e forte, seguimos em frente. Ela tinha, além do extraordinário talento de atriz e cantora, que a coloca entre as melhores do país, uma enorme capacidade de trabalhar e de tentar fazer com que as coisas acontecessem. Acredito que ela encontrou em mim uma possibilidade de ver sua carreira, ainda não tão expressiva no teatro convencional, dar uma guinada para o lado dos musicais, que simplesmente eram algo quase folclórico na época. Cláudia teve a visão de que aquilo que estávamos fazendo de modo quase doméstico poderia ser tornar algo muito maior. E ela estava certa. Logo depois, Hello Gershwin foi fazer temporada no Rio Jazz Club, que tinha um público fiel e começamos a amealhar alguns fãs. O irmão da Cláudia, Demerval Netto, era diretor na TV Educativa, filmou Hello Gershwin e nos convidou para fazer uma série de programas, cada mês sobre um compositor – Kurt Weil, Rodgers and Hammerstein. Ele nos empregou, chegamos a fazer sete programas, que deviam ter audiência próxima de zero, mas que nos tornaram mais conhecidos. Eu nem sabia tanto ainda sobre todos aqueles compositores, mas quando uma fagulha dá certo, parece que em mim se acende um imenso fogo. Eu era muito virgem de conhecimento e qualquer coisa que dava certo fazia com que eu corresse atrás. E me apaixonasse loucamente. Foi assim com Gershwin, com Cole Porter, com Sondheim e todos os outros. Em pouco tempo eu já era o roteirista dos programas, e não era uma coisa irresponsável, era abalizado em noites e noites de leituras, pesquisas, sebos de discos, tudo que houvesse. Nesse momento, o jovem Charles Möeller já estava com a dupla Claudio e Cláudia fazendo os figurinos dos programas, e era clara a vontade em todos nós de fazer musical. Confesso que gostava muito de estar no palco atuando e cantando. Era quase uma vingança contra a TV Globo: eu posso fazer alguma coisa que os outros não podem: cantar. Depois do Hello Gershwin, eu e Cláudia decidimos fazer outro espetáculo, com um pouquinho mais de dinheiro, que se chamava De Rosto Colado, em cima da obra de Irving Berlin, que estreou noTeatro Rival. O Nanini veio nos dirigir novamente, e ele era muito arrojado como diretor, queria fazer um show rico. E fez.Tinha cenário, figurinos, troca de roupa, quatro músicos, era muito mais ambicioso do que Hello Gershwin. Alguma empresa que não lembro o nome entrou com 20 mil de patrocínio, não havia leis de incentivo na época. Ficamos um bom tempo no Rival. Depois, fizemos temporada no Golden Room do Capacabana Palace – e lotava todos os dias. Estávamos fazendo musical, um sonho começava a se tornar realidade. Um outro personagem importante entrou na minha vida nessa época: Jorge Takla, que se tornou um dos meus maiores amigos. Ele tinha assistido Hello Gershwin na temporada paulista do Crowne Plaza e gostara das minhas letras. Jorge é uma pessoa peculiar, um artista exigente e um produtor bastante seletivo em seus trabalhos, além de ser um diretor que ama musicais, os clássicos em especial. Ele tinha os direitos de fazer My Fair Lady no Brasil e, como tinha gostado de minhas letras no Hello Gershwin, resolveu me contratar para traduzir a peça toda, fazendo o texto e as letras em português. Ele me pagou um dinheiro ótimo na época, acho que mais por querer me ajudar do que por eu valer aquilo tudo naquele momento. Entreguei a tradução e, por questões outras, o espetáculo só chegou ao palco quase 20 anos depois. Mas foi ali o início de nossa amizade e de uma série de trabalhos juntos. Charles estava cada vez mais próximo de mim, fazendo parte da minha vida. Juntos começamos a desenvolver o projeto de montar nosso primeiro musical para além dos shows de Claudio e Cláudia. Nossos sonhos de montar grandes musicais permaneciam presentes o tempo todo. No fundo, jamais imaginávamos que íamos conseguir um dia. Naquele momento era quase impossível pensar em musicais de um jeito mais profissional no Brasil. Ninguém conseguia nem fazer o som direito, os microfones (quando havia) eram enormes, pendurados na testa. Não existia técnica alguma, era tudo na base do empirismo, aprendia-se fazendo. Embora com muito desejo, não estávamos mesmo desenvolvendo nada muito promissor no teatro. Eu estava trabalhando mais como compositor, fazendo algumas coisas com o Sérgio Britto no Teatro Delfim em diversos trabalhos dele: Nos Tempos de Martins Pena, Memórias do Interior, um balé sobre Romeu e Julieta adaptado para negros – mas para mim era um bico profissional como compositor, pois aquilo definitivamente não era a minha praia. Mas eu contei para o Sérgio que estava fazendo um musical com Charles e se ele conseguiria uma brecha na programação do teatro para que apresentássemos o espetáculo. E ele abriu espaço pra gente. Charles escreveu o texto, eu fiz letras para diversas canções de musicais variados, um pouco à la Moulin Rouge de Baz Luhrman (muitos anos antes, naturalmente, pois estamos falando de 1995), e chamamos umas amigas que estavam desempregadas na época para entrar na aventura: Gottsha, Alessandra Maestrini, Kiara Sasso, Ivana di Domenico, Ada Chaseliov. E mais uma vez, a sorte piscou o olho: estreamos As Malvadas, que virou cult. Naquele momento eu e Charles tínhamos certeza e dissemos para nós mesmos: somos uma dupla, vamos fazer musicais. Ainda fiz um espetáculo, neste mesmo ano de 1997, que não foi da dupla, embora os dois tenham participado: Na Bagunça do Meu Coração. Ele nasceu da minha amizade com João Máximo, que se estendeu além daquela força que ele deu ao Hello Gershwin. Eu frequentava a casa dele para ouvir suas sábias palavras sobre musicais, adorava estar perto dele e ouvi-lo. Ele começou a me dar de presente seus LPs antigos, que estava trocando por CDs, uma maravilha pra alguém que não tinha um tostão como eu, mas tinha uma gigantesca fome de música. Numa dessas conversas, regadas a uísque – eu saía bêbado da casa dele em Vila Isabel e pegava o ônibus 434 para voltar para casa – ele me disse que dava para fazer um musical com música de Chico Buarque. Aquilo ficou na minha cabeça. Algum tempo depois, ele se juntou com Luiz Fernando Viana e propôs para mim e para Cláudia fazer um musical: uma história bem básica, um homem e uma mulher que se conhecem, moram juntos, se separam e voltam – a partir das canções do Chico. Concorremos a um dinheiro do Estado para patrocínio, chamamos Bibi Ferreira para dirigir e ela topou, dividindo o trabalho com Paulo Afonso de Lima (outro grande amigo). Ele dirigiu as marcações e foi uma pessoa muito importante para a gente, e a Bibi (amiga querida, mestra de todos nós) deu o toque final. Charles fez os cenários e figurinos e tudo funcionou. Foi um sucesso, fizemos temporada no Rio e em São Paulo, gravamos um álbum que vendeu bem. As pessoas pedem muito que remontemos Na Bagunça do Meu Coração, eu até tenho vontade, mas também morro de preguiça. Tem que trocar muito de roupa, eu faço vários personagens na peça e sou hoje em dia um cara muito preguiçoso quando é para trabalhar como ator. Nem tenho mais uma vontade enorme de voltar ao palco. O ator sempre existe, mas se me chamarem para fazer uma peça sem ser musical, uma novela (imagina!), não quero mesmo. Essa é a minha vingança. Não quero mais estar lá. Em musicais, há alguns personagens que quero fazer, mas vou deixando para lá. Gostaria muito de refazer Os Fantástikos, um musical off-Broadway, que está há mais de 40 anos em cartaz, que eu amo e é bem simples: dois instrumentistas e oito atores. Quando montamos, em 1996, não deu certo: a crítica falou muito mal, a Bárbara Heliodora acabou com o espetáculo, que tinha problemas realmente, mas acho que ela foi injusta. Eu ainda quero fazer de novo, tenho vontade de re-testar este musical, porque acredito muito nele. Minha vida hoje se divide entre os trabalhos da dupla Charles e Claudio e os diversos musicais para os quais faço versões. Desde que ganhei o Prêmio Governador do Estado, pelas letras do espetáculo sobre Cole Porter, todo mundo começou muito a falar do meu trabalho. No ano 2000, em São Paulo, estavam montando O Beijo da Mulher Aranha, com tradução do Millôr Fernandes e o elenco não estava conseguindo cantar as músicas. O Millôr é o máximo, tenho a maior admiração por ele, mas ele é um homem de texto, não acho que seja exatamente de música e letras, enfim. A Cláudia Raia (mais uma amiga importante que virá daqui a pouco) estava no elenco e insistiu muito que eu fosse chamado. Fiz uma letra teste e fui aprovado e contratado. Em seguida ao Beijo fui convidado novamente pela CIE-Brasil (que hoje se chama T4F e foi definitivamente a empresa mais importante nessa volta dos musicais ao Brasil) para fazer a versão brasileira de Les Miserables, o grande musical inglês que seria montado em São Paulo. Fui mandado a Londres para me encontrar com Cameron Macintosh, o mais importante produtor de musicais do mundo, que era o chefe de toda a operação. Tive reuniões com os compositores Jean Michel Schoenberg e Alain Boublil, com o diretor musical, mostrei o que eu queria dizer com a letra em português e tudo foi aprovado. Foi um trabalho muito feliz. Quando me vi sentado com todas aquelas pessoas me senti gente grande. Eu me tornei amigo de Cameron, a gente se corresponde com alguma regularidade e sempre o visito em Londres quando vou lá. É uma personalidade bastante controvertida no meio musical internacional, tem fama de irascível e centralizador, mas tem sido extremamente generoso comigo e devo a ele uma porta aberta aos trabalhos de Möeller & Botelho no exterior. Ainda não concretizamos nada, mas o interesse é genuíno e promissor. Desde então tenho feito as versões de todos os grandes musicais que fizeram temporada em São Paulo recentemente: Chicago,O Fantasma da Ópera, Miss Saigon, A Bela e a Fera, todos trazidos pela T4F. Já My Fair Lady, West Side Story e Victor/Victoria foram produzidos e dirigidos pelo Jorge Takla, também sempre com versões minhas. No momento estou trabalhando na versão brasileira de O Rei e Eu, que ele vai montar em 2010. É um trabalho difícil e bem pago. Alguns espetáculos chegam a ter três horas de duração, cantados da primeira à última frase, com rima, com métrica. Não é uma tarefa simples, e sei que até tentaram se livrar de mim porque eu comecei a ficar muito caro. Mas não há por enquanto – e aqui serei bastante imodesto, o que não é nenhuma novidade – outra pessoa dedicada a isso da maneira como eu me dediquei e dediquei a minha vida, e que passe pelo crivo dos agentes, dos compositores, dos produtores internacionais. Há muitos arrivistas e muitos tradutores fake no nosso meio, pois o mercado cresceu assustadoramente nos últimos 10 anos e lógico que isso desperta interesse em todo mundo. Tenho visto e ouvido versões de profissionais até relativamente bem-sucedidos em outras áreas do teatro, mas que não mostram nenhuma capacidade de transformar a canção da língua estrangeira em algo cantável e aceitável em português. Erram muito em prosódia, forçam rimas, destroem finais de frases, tornam o resultado às vezes mais cafona do que o original (e olha que há muita cafonice original por aí). Lógico que estou me coçando para dar nome aos bois, e são bois enormes e alguns bem vistosos, mas vou guardar isso para um próximo livro. Acho que muitas coisas colaboraram para eu ter sucesso nesse filão: algum talento para letras e a paixão por poesia, por exemplo. Além disso, é muito importante o conhecimento da língua portuguesa, mais do que das estrangeiras – que isso um dicionário resolve. Conhecer o português de uma maneira mais ampla: a prosódia, a acentuação das palavras. E mais: é fundamental conhecer música, não dá para fazer versão da letra se você não sabe música, porque sempre vai errar na sílaba que vai acentuar, o tempo forte vai ser outro. Eu erro muitas vezes e conserto nos ensaios. Muita coisa que não entendi na partitura, entendo no ensaio, a pessoa cantando. Se soa estranho, eu mudo ali mesmo. Há muitos detalhes técnicos no trabalho da tradução de um musical, mesmo os mais simples reservam surpresas para quem está com a mão na massa. Aprendi fazendo, apanhando na prática, desde aquela primeira experiência com o My Fair Lady do Takla ainda no início dos anos 1990, até Avenida Q, meu último musical traduzido a entrar em cartaz. O importante, para finalizar, é o público não perceber que está diante de uma tradução. Tudo deve soar como se fosse escrito originalmente na nossa língua. Há momentos em que é preciso mandar o original à merda, mudar completamente uma letra, subverter completamente uma idéia, mas vale o sacrifício se o resultado traz o espectador para dentro da peça, como geralmente é o alvo final de todo musical. Esta é a dificuldade, e este é o prazer. Eu adoro fazer o que faço! A DUPLA CHARLES MÖELLER & CLAUDIO BOTELHO No nosso primeiro espetáculo – As Malvadas – ainda assinamos separadamente. Texto e Direção: Charles Möeller. Direção Musical: Claudio Botelho. Em O Abre Alas, o texto era da Maria Adelaide Amaral, o espetáculo era da Rosamaria Murtinho e a gente entrava no meio dessa paçoca, eu como diretor e cenógrafo; Claudio como diretor musical. Em Cole Porter -Ele Nunca Disse que Me Amava é que o Claudio teve essa sacação de nos vender como dupla. os grandes musicais norte-americanos tradicionalmente trouxeram duplas como seus expoentes, sejam compositores como rodgers & Hammestein, rodgers & Hart, Kander & ebb, lerner & lowe, sejam ainda duplas de artistas que marcaram sua época como os irmãos Fred e adele astaire, os bailarinos Marge & Gower Champion, bob Fosse e Gwen Verdon, sondheim & Harold Prince, e por aí vai. evidentemente sem querer comparar com os gigantes citados acima, mas apenas como uma referência, por que não assumir Charles Möeller & Claudio Botelho como uma dupla que se comprometesse a trabalhar juntos e fazer algo diferente juntos? sem que uma assinatura se sobreponha à outra e que as funções se misturem em favor de um todo artístico tão sonhado? assim nasceu a dupla. e temos vivido disso há 15 anos. se deu certo? Pelo menos estamos aqui hoje contando essa história! Hoje a dupla é uma terceira pessoa. Ouço sempre essa pergunta: você é o Charles ou o Claudio? Ou me chamam diretamente de Claudio, eu nem corrijo mais! Engraçado é que jamais pensei em trabalhar em dupla. Confesso até que me assustei depois de um tempo de ser a metade de uma assinatura. Hoje gosto muito de ter virado uma marca, uma griffe como dizem – geralmente, por sorte nossa, associada à qualidade. E nós melhoramos individualmente como profissionais exatamente por sermos uma dupla. eu tenho uma certa vocação para a sociedade, para ter um duplo. Isso está muito claro até no meu mapa astral. Houve um momento, como já contei, que fazia dupla com Cláudia Netto, e isso foi um divisor de águas na minha carreira. Minha compreensão de quem eu sou como artista deslanchou bastante a partir de meu encontro com Claudia e de todos os pequenos espetáculos que fizemos juntos. Depois consolidei o meu trabalho com o Charles. eu sei que a nossa dupla funciona justamente por causa das diferenças que existem entre nós: de vida, de personalidade, de estética. é o atrito que faz o time ir para frente. a contribuição do Charles é maior que a minha no que diz respeito a todo o acabamento do que fazemos. Deve-se a ele o apuro estético, visual, o desempenho dos atores e até mesmo os fundamentos teóricos de cada espetáculo, pois ele estuda muito mais que eu e tem uma paciência enorme para lidar com todas as equipes. ele é de fato o diretor. a mim cabe cuidar da música, o que em musical geralmente não é tão pouco. Quando penso em novo trabalho, me preocupo com as possibilidades que o espetáculo pode me oferecer. O que encanta é a história, a estética que o enredo pode trazer. A opinião que eu posso ter daquele material. Há espetáculos que eu vejo e que acho tão perfeitos ou tão fechados com o que eu penso, que não tenho nenhuma vontade de fazer, já foi dito e feito, e bem feito! a música precisa me agradar, me tocar. a minha cabeça sempre gira em torno do compositor. eu queria fazer, por exemplo, um espetáculo com Cole Porter, mas todo o desenvolvimento do espetáculo foi do Charles. ele criou uma biografia, sem que Cole Porter estivesse presente, cantado somente pelas mulheres que de alguma forma participaram da vida dele. Não tive participação alguma nisso, só na parte musical, e na tradução de várias letras. Nossas funções não se misturam durante a realização do espetáculo. Isso aconteceu naturalmente, foi fácil perceber que não podia haver dois caciques na mesma tribo. E a gente desde o começo combinou uma coisa: nossas discordâncias jamais são discutidas na frente do elenco. Naturalmente fomos nos encaminhando para onde temos mais facilidade. Eu gosto da relação com o ator e cada vez me aprofundo mais nisso, na integração com o elenco. eu não me meto normalmente nas marcações. Faço a tradução dos textos, das canções, cuido das cenas de canto, mudo uma palavra aqui e ali nas músicas durante os ensaios, me responsabilizo pelos músicos, enfim cuido de toda a parte relacionada à música, que é onde tenho mais chance de contribuir mesmo. Tenho uma maneira muito particular de abordar um projeto. Não deixo o esquema de superprodução atropelar minha criação, por isso começo muito antes. Quando decidimos o que fazer já começo me preparar num processo totalmente solitário. Levanto tudo a respeito da peça, época, autor, outras montagens, e passo a escutar a música do espetáculo todos os dias sem parar, na tentativa de me provocar insights sobre o que será a criação. E parto para os desenhos, desenho tudo, todas as cenas, os diálogos, escolho cores para os personagens. Começo a colar no meu texto de trabalho referências das mais diversas, desde folhas secas que encontro na rua, por ver um tom, uma cor ou uma forma que me remete àquilo que eu quero dizer, até coisas mais diversas como frases soltas de outros autores, geralmente contemporâneos da peça em questão. Quando a peça é minha então, vira um diário de bordo. Tenho cadernos assim de todas as peças que eu fiz e gosto de revê-los quando acaba o processo, pois sei que ali estava a matriz de tudo. eu me meto muito em produção, preço de ingresso, discuto salário dos atores, debato quanto deve ser pago para os músicos, quanto a gente pode exagerar em um momento e em outro não. é uma coisa que me interessa, é um assunto que eu gosto. Não faço leitura de mesa. Só no primeiro dia, onde lemos o texto e ouvimos as músicas, todos sentados em volta de uma grande mesa e os atores são apresentados aos seus personagens. A partir daí passo duas semanas marcando a peça levianamente com os atores, pra gente aprender o todo juntos, mas em pé. Rejeito um pouco a segurança das leituras intermináveis com discussões de personagem em meio a xícaras de café numa mesa onde o corpo esta morto e tudo é armado psicologicamente. O método que fui desenvolvendo para meu trabalho propõe que os ensaios sejam físicos mesmo. Evito as discussões muito psicológicas sobre personagens, o excesso de didatismo e fujo do chamado papo cabeça que geralmente toma conta de muitos processos de ensaio por aí afora. Gosto de ter toda a peça levantada bem rápido, um grande borrão do espetáculo, e depois volto à estaca zero para então entender onde posso puxar mais ou menos. Geralmente jogo fora quase tudo que foi marcado nas primeiras semanas, mas isso funciona para que eu possa, junto com os atores, transformar o que é escrito em algo vivo, em teatro. Sou em geral muito rápido levantando cenas e faço ensaios corridos desde a primeira semana, juntando de qualquer maneira cena, música e coreografia. Os atores se apavoram no início, lembro de Claudia Raia me olhando com cara de louca quando fizemos um corrido de Sweet Charity com menos de 10 dias de ensaio, a peça toda na sala de ensaio. Mas depois acho que todos acabam gostando desse método, pois percebem que não julgo nunca uma performance dentro desse processo. A idéia é que eles se lancem nas marcas sem rede de proteção, sem espaço para buscar velhos truques e defesas, e lá na frente sei que chegaremos a um coletivo menos armado e mais verdadeiro. Muita coisa mudou para mim com o nome de dupla, pois sou uma pessoa de índole muito competitiva e individualista. estar em um processo com um par é muito diferente do que eu jamais teria projetado para o meu futuro. eu demorei a aceitar a igualdade de condição com outra pessoa. apanhei muito, em diversos momentos, mas acho que tudo isso moldou uma outra personalidade que consegue dividir o foco. eu não tenho nenhum tipo de competição com o brilho individual do Charles. realmente não tenho, mas sim com qualquer outro da minha área. eu não compito com ator ou cantor que está fazendo a minha peça, mas honestamente digo que sou uma pessoa que presta atenção no que está acontecendo em volta, vejo defeito nos concorrentes e procuro os erros dos adversários, faz parte da minha personalidade. Hoje estamos em um novo patamar. Desde 2002 somos empresariados por três mulheres que mudaram nossa vida profissional completamente: Aniela Jordan, Mônica Lopes e Beatriz Braga. Nos conhecemos quando trabalhamos na montagem da ópera Candide no Teatro Municipal do Rio, com direção do Jorge Takla, em que elas faziam a produção. A partir da Ópera do Malandro (2003) começamos a trabalhar juntos e a Axion, como é o nome da empresa delas, mudou completamente nossa maneira de trabalhar. Além de sermos amigos e termos uma relação bastante íntima e fraterna, onde até brigas são frequentes, a entrada delas em nossa vida e carreira deu-nos um profissionalismo que nos destaca bastante no mercado. Graças à Axion conseguimos regularizar nosso processo de produção que, no Brasil, é extremamente burocrático e difícil de coordenar. A empresa viabilizou e tornou possíveis diversos projetos que, em mãos menos profissionais, teriam morrido numa gaveta qualquer. Recentemente o Luiz Calainho, empresário de grande visão e ligado à área de marketing, entrou também para a nossa empresa e foi um novo crescimento. A participação de Calainho tornou possível realizar o mega-espetáculo A Noviça Rebelde, assim como colocou a empresa, que agora se chama Aventura, num patamar bastante competitivo no mercado de entretenimento. outra pessoa fundamental na nossa vida é tina sales, a tininha, que veio do mundo do cinema, organizou completamente nosso processo de ensaios, e também é nossa sócia na aventura. ela nos deu um sentido profissional que não tínhamos – era tudo meio caótico. ela é o que se chamaria normalmente de nosso braço direito, mas talvez esse apelido seja pouco para o que ela fez por nós nos últimos 10 anos. Começou a trabalhar conosco em Company, no ano 2000, e desde então não fazemos absolutamente nada sem ela. acho que temos algum talento para fazer coisas legais, mas certamente é a tininha quem consegue organizar os caminhos para que esse talento possa se expressar. ela é uma personagem fantástica na nossa vida, além de ser a nossa melhor amiga. Temos ainda diversos outros colaboradores constantes, como a Paula Sandroni, que é diretora-assistente e sempre está conosco em todos os projetos; nosso amigo Renato Vieira, coreógrafo que participou de quase tudo o que fizemos até aqui; Marcelo Castro, que começou como pianista substituto em Lado a Lado com Sondheim e hoje é maestro de A Noviça Rebelde e diretor musical de praticamente tudo o que fazemos; Zaida Valentim, pianista ensaiadora e chefe de músicos, que sabe os detalhes desta profissão como ninguém, trabalhando conosco desde Os Fantástikos. Na parte técnico/artística, Paulo Cezar Medeiros vem fazendo a iluminação de todos os nossos espetáculos e se especializando em luz de musical, ofício que não existia no brasil e no momento só ele tem se dedicado a compreender a linguagem e fazer o que tem de ser feito; Marcelo Claret, sound designer que mudou completamente o som dos musicais no brasil, que antes dele era uma catástrofe; beto Carramanhos, que cuida do visual dos personagens, incluindo aí todas as maquiagens e perucas; Maurício Gonçalves, o tuto, nosso stage manager ( diretor de cena), um profissional altamente especializado, capaz de conduzir qualquer espetáculo, mesmo os mais complicados; e finalmente rogério Falcão, cenógrafo vindo do mundo da publicidade que se juntou a nós em 7 – O Musical, mas que certamente conseguiu mudar a qualidade de nossos cenários para algo realmente de nível internacional, nada a dever a qualquer produção do gênero feita em países mais acostumados com os musicais. rogério é, além disso, irmão do Charles. Não me acho especial por ser diretor, não tenho nenhum deleite no exercício de poder. Tanto que nunca vou tomar café com o elenco nos intervalos de ensaio, pois acho que essa é a hora para eles falarem mal de mim. Jamais estive numa posição de mestre e estou certo de que ninguém que trabalha comigo me vê assim, não há mitificação nenhuma da minha figura. Só falo em geral sobre o trabalho mesmo, gosto das relações profissionais, e dou o melhor de mim para que tudo seja muito objetivo e sem misticismos. Detesto o clima de diretor-guru, de muita filosofia inútil nos ensaios, e não tenho nenhum prazer em ensaios muito desorganizados. Não acho que esta seja uma profissão dos deuses. Somos o Circo, não somos imprescindíveis! De qualquer modo, no Brasil demorou-se muito para perceberem que existia um diretor de musical. Durante anos eu ficava frustrado ao ler criticas que amavam os nossos espetáculos, pareciam apreciar tudo, as versões do Claudio, o trabalho dos atores, os cenários, mas pouco escreviam ou às vezes nem citavam a direção. Eu pensava: será que eles acham que o que eu faço já vem pronto num contêiner de Nova York junto com as partituras, é só abrir e mandar os assistentes colocarem em cena? Fiquei meses trabalhando pra que tudo chegasse até aqui e tratam a peça como se não tivesse diretor? Era bem frustrante no início. Mas isso mudou muito, graças a Deus. Tive inclusive a felicidade de ser indicado para prêmios e ganhar alguns recentemente, concorrendo com outros diretores de peças sérias, o que me deixa bastante lisonjeado e, mais que isso, feliz com a perspectiva de que a nossa inteligentsia já tem olhos para o trabalho do diretor num grande musical. quando pensei em fazer musical, eu queria muito aquilo por um único motivo: eu gostava. era como gostar de um sorvete e insistir que queria tomá-lo mesmo que ninguém quisesse tomar comigo. Hoje percebo, 20 anos depois daquele início, que um simples gosto pessoal se transformou em uma realidade de mercado muito importante. Para nós, para nossa mudança de vida, nosso status de qualidade artística, mas ao mesmo tempo, acredito, para muita gente: atores, cantores, músicos, bailarinos, técnicos especializados, produtores, uma pequena multidão de artistas e técnicos que, não tivessem os musicais crescido da maneira como cresceram no país nos últimos 10 anos, muito provavelmente estariam trabalhando em outras áreas. ou desempregados. AS MALVADAS Nós chamamos para o elenco de As Malvadas algumas amigas, porque não tínhamos nada a oferecer. Kiara Sasso, que havia feito Os Fantástikos; e para nós era a encarnação de uma atriz da Broadway, com segurança e leveza assustadora para uma garotinha de 17 anos; Alessandra Maestrini, que participara dos testes da mesma peça e havia sido maravilhosa, embora não tenha entrado no elenco, fizemos um pacto que na peça seguinte ela estaria; Gottsha, uma cantora de disco music na época, uma voz lindíssima e que logo se tornou uma amiga das mais frequentes em nossa vida e nossos espetáculos; Ada Chaseliov, certamente uma de minhas melhores amigas e que até hoje acompanha em close tudo que acontece comigo (conheci Ada quando trabalhei com Abujamra e nos aproximamos mais em A Gaivota); por fim, Ivana Domênico, uma cantora excepcional, com uma voz negra esplêndida. A gente ensaiava na sala de casa com um piano velho, cheio de cupim, os vizinhos querendo matar a gente. Gritavam: Calem essa boca ou chamamos a policia! As Malvadas foi mais um momento de petulância. Charles nunca havia escrito uma página na vida e escreveu uma peça porque não tínhamos peça; eu coloquei as músicas de qualquer peça porque não tínhamos música. um tiro no escuro: a gente inventou que podia fazer uma peça, ele escreveu, eu fiz as letras, aquilo entrou em cartaz e assim nasceu uma dupla, de maneira quase irresponsável. o que levou a isso, foi apenas a vontade de fazer teatro e fazer musical, nada além disso. e deu certo. Naquele momento nós dissemos: somos autores, somos uma dupla, vamos fazer musical. Ganhamos o Prêmio sharp de melhor musical naquele ano e isso foi um enorme incentivo. Pena que o dinheiro do prêmio foi – digamos – reivindicado pelo produtor que se achou com mais direito a ele do que nós. e continuamos, Möeller e botelho, sem um centavo no banco, dívidas e mais dívidas, aluguel atrasado meses. Íamos comer sempre um picadinho com ovo no Cervantes porque era um prato que dava pra duas pessoas e custava algo parecido com uns 20 reais na época. Isso era o máximo que podíamos em termos de vida social. O acompanhamento musical de As Malvadas era do pianista Breno Luceno, que vinha dos musicais de Claudio & Claudia, e do baterista Márcio Romano, que tem estado conosco em vários musicais desde então. Batalhamos muito para ter microfones de cabeça, ou seja, uma tentativa de som de musical de verdade, o que realmente aconteceu. Estreamos As Malvadas com a casa lotada e ninguém esboçou um sorriso, eram pessoas de alguma empresa, não lembro exatamente qual. No intervalo, só pensava: Meu Deus do céu, o que a gente fez? Nadou, nadou, morreu na praia. Mas no dia seguinte, as pessoas urravam na platéia. a estética quase trash, o estilo meio camp do texto e todo um universo de filmes b que permeava a montagem conquistou um público ávido por diversão não exatamente óbvia e, mais que isso, por musicais em si. O espetáculo teve criticas incríveis, as meninas foram chamadas de As Divas do Humaitá (estreamos no Teatro Delfin, que ficava no bairro carioca) e virou um acontecimento. Depois, veio o prêmio e fundamentou a coisa na nossa alma. a gente chegou e não ameaçou ninguém. tivemos muita sorte. Vivemos numa cidade onde pessoas estratégicas da imprensa gostam de musical: artur Xexéo, João Máximo, Macksen luiz, bárbara Heliodora, Déborah Ghivelder, ruy Castro, entre muitos outros que vou tentar não citar para não parecer que estou bajulando a imprensa inteira. Mas na verdade, estou reconhecendo de público a importância deles para que o gênero seja hoje uma realidade, e esta dupla em particular tenha conseguido um lugar ao sol. todos eles nos deram, definitivamente, guarda. Esses garotos vieram fazer um musical? Que legal! eles viram com algum sorriso o nosso trabalho. Infelizmente ainda existe uma enorme patrulha contra o gênero em alguns setores da imprensa (fora do rio de Janeiro). Mas é uma luta inglória (a deles), pois o público os ignora completamente e lota os musicais – é a nossa vingança! O ABRE ALAS Rosamaria Murtinho foi levada pelo Marcos Montenegro, seu empresário, para ver As Malvadas e adorou. Ela queria transformar o texto de Maria Adelaide Amaral sobre a vida de Chiquinha Gonzaga em um grande musical e fomos convidados para fazer o espetáculo. Foi a primeira vez que trabalhamos com uma estrutura de produção grande, mas não era um espetáculo nosso.Tivemos que desconstruir o texto, porque era muito difícil criar entradas para as músicas. a peça não era boa e não tenho problema em dizer isso. Mexemos no texto para fazer um musical e fizemos, mas não tínhamos cacife para colocar o dedo na cara das pessoas e dizer o que queríamos. Havia a colaboração preciosa da edinha Diniz que era a biógrafa de Chiquinha Gonzaga e, embora fosse sempre muito simpática e a favor do projeto, tinha lá seus limites para aceitar as licenças poéticas que propúnhamos para o personagem. rosamaria Murtinho também vivia balançada entre embarcar num musical mais livre ou acabar sendo fiel a uma suposta Chiquinha de verdade. Para nós foi bastante válido, mas havia uma dose diária de tortura artística – e uma pós-graduação em paciência! Apesar de todas as adversidades, era um espetáculo bonito. Mas não era exatamente o que eu queria que fosse. Havia muito cacique e muito índio também. Quando o espetáculo saiu em turnê pelo Brasil, foi um período bastante amargo, pois eu não tinha mais nenhuma importância naquele projeto. Cenas foram incluídas e remarcadas. Eu tive febre de 40 graus quando vi a peça em Porto Alegre e não reconheci mais meu próprio espetáculo. Saí do Teatro São Pedro direto para o pronto-socorro, eu era só tristeza! COLE PORTER – ELE NUNCA DISSE QUE ME AMAVA Depois de O Abre Alas apareceu um sujeito que se dizia produtor, interessado em fazer um musical com a gente. Garantiu que tinha patrocínio, nós nos empolgamos, eu tinha escrito um texto, As Impecáveis,no mesmo estilo de As Malvadas. Chamamos as meninas, o Murilo Rosa, meu querido amigo de Lago 22 e Xica da Silva, e começamos a ensaiar em novembro. Em dezembro o produtor jurou que ia nos pagar e no dia 23, quase no Natal, a gente descobriu que ele não tinha nada, era apenas um mentiroso maluco, e que estávamos todos desempregados. Pensamos em coisas supercriativas, como quebrar o carro dele todo ou botar fogo na casa dele, ficamos desesperados. Eu e Claudio já tínhamos comprado uma passagem para Nova York, contando com esse dinheiro. E fomos. Nós dois, totalmente quebrados, no meio da neve e cheios de problemas por estarmos gastando o pouco de reserva que tínhamos, entramos no teatro para ver a estreia de Kiss me Kate. Primeira fila. Saímos de lá malucos, entrei em uma livraria e comprei no cartão estourado tudo que havia sobre Cole Porter. eu gostava muito de Cole Porter, tinha a ideia de fazer um musical e já havia feito várias versões de suas músicas. lá em Nova York, naquela dureza absoluta tive a ideia de juntar o nosso grupo de atrizes e cantoras desempregadas, colocar todo mundo com umas roupas pretas básicas, cantando as minhas versões do Cole Porter, que já estavam prontas, um concerto para ficar no lugar do musical do produtor mentiroso no teatro de arena. em vez de desistir de ocupar o teatro, a gente botaria as meninas todas para trabalhar. As meninas toparam. Claudio foi para São Paulo fazer Na Bagunça doTeu Coração como ator, numa produção local do Sérgio Dantino. Surgiu uma ideia e aquilo me deu um gás enorme: havia ícones claros na vida de Cole Porter, todas as mulheres de sua vida. Elas tinham sido fundamentais: a mãe, a melhor amiga, a primeira empresária, a esposa Linda Porter, e até mesmo a Morte, feminina, por quem era obcecado. Quando Claudio voltou na segunda-feira para o ensaio, a peça estava escrita. as canções famosas de Porter estavam todas lá, todos os hits. Mas acho que o grande charme era misturar a isso os números de comédia, nos quais ele era mestre. escrevi letras em português, claro, que ensejavam a apresentação de personagens insólitos, marcantes, e que davam uma balançada no clima geralmente romântico das canções famosas do compositor. eu conhecia estas canções basicamente a partir dos discos de ben bagley, um produtor meio maluco que gravava números menos conhecidos em álbuns dedicados aos grandes compositores norte-americanos. tenho quase todo o ben bagley em CD atualmente, e minha coleção começou com um lP dado de presente pelo João Máximo que era justamente The Decline and Fall of the Entire World as Seen Through the Eyes of Cole Porter. este é definitivo. Uma figura chave neste momento é o Claudio Magnavita, um amigo que conhecíamos apenas de algumas festas mundanas de amigos em comum, mas que tinha um programa de TV ligado ao turismo e que acalentava um sonho de tornar-se produtor teatral. Ele teve uma visão que ninguém tinha tido até então: investir num musical. Investir mesmo, dinheiro próprio. Colocou uns 15 mil reais de seu bolso, o que é uma ninharia se pensarmos em termos absolutos, mas para quem não tinha nada, era uma fortuna. Magnavita é um personagem controverso, você pode amá-lo ou odiá-lo, faz parte, mas ele definitivamente tem um talento nato para a produção (incluídos aí as virtudes e os vícios do produtor clássico). Mas ele apostou no nosso cavalo, que certamente era um azarão, e não deu outra: o musical estourou e se tornou o tak of the town naquele ano 2000 no Rio de Janeiro. Eu via as filas na porta, as críticas superfavoráveis, e achava que era um sonho, não acreditava. Cole Porter é o divisor de águas da nossa carreira. E foi o momento perfeito para Claudio ter a ideia de criar a nossa chancela: Um espetáculo de Charles Möeller & Claudio Botelho. Por que Cole Porter funcionou? Porque houve uma abertura do público e da imprensa. uma amiga muito querida, a atriz Patrícia bueno, trabalhou como assistente de figurinos do Charles na peça e convidou o Mauro rasi, que foi assistir várias vezes e escrevia crônicas no Globo, uma atrás da outra, elogiando o espetáculo, o que nos colocou no mapa cultural da cidade de um jeito super-simpático. Zuenir Ventura, Veríssimo e outros grandes da imprensa carioca também escreveram e indicaram o nosso Cole Porter. Houve um encantamento pelo teatro simples que apresentamos, com gente cantando muito bem, música de qualidade e uma nova maneira de fazer musicais. Cole Porter foi a nossa virada, definitivamente. Cole Porter – Ele Nunca disse que Amava já estava há um ano em cartaz aqui, quando fomos convidados para fazer o espetáculo em Portugal. Os figurinos da peça tinham sido feitos por mim e por Augustus, um estilista português da antiga, que adora o Brasil e me ajudou nos vestidos de alta-costura – ele deu as peças para a produção. Foi por meio dele e dos contatos que o Magnavita tinha, graças ao seu programa de turismo, que recebemos convite para o Cassino Estoril. Como o espetáculo lotava aqui, só fazia sentido ir para Portugal para uma temporada. Pedimos três meses e eles toparam. E foi um enorme sucesso. Alessandra Verney, uma das atrizes, não poderia ficar a temporada completa pois tinha sido chamada pelo Hugo Carvana para ser estrela do filme Apolonio Brasil, então convidei a Kiara Sasso que estava morando em Los Angeles! O elenco embarcou direto pra Portugal. Fui buscar Kiara em L. A. Ela apareceu no aeroporto calmíssima como sempre, toda vestida de cor-de-rosa com um boné e mais toneladas de malas, baús, frasqueiras, ela praticamente sentada em cima: Oi, Charlie,saudades!!! Vamos? Eu imaginei que com aquela quantidade de malas nós seríamos detidos no desembarque em Lisboa, aquilo parecia uma expedição vinda do mundo encantado da Barbie. Mas fomos aceitos. Portugal é um caso à parte. Já fizemos algumas temporadas lá e é um público culto, mas muito menos empenhado que o nosso. Geralmente aplaudem muito no final, são reverentes, mas não têm o hábito de aplaudir os números durante a peça, o que faz você pensar que não está agradando nem um pouco. Como é um país muito politicamente inclinado à esquerda, eles não têm o mesmo apreço que nós pela cultura norte-americana. Cole Porter é uma figura deveras distante para eles, o máximo que reconheciam era Night and Day e olhe lá. Nossa ida para a terrinha com a Ópera do Malandro, alguns anos depois, mudou essa relação completamente, mas falaremos disso daqui a pouco. COMPANY Nós estávamos aquecidos pelo sucesso de Cole Porter. Podíamos ter feito em seguida um espetáculo com as músicas de Gershwin usando a mesma fórmula, ou Irving Berlin, Rodgers & Hart, etc. Decidimos puxar o tapete do público, fazer algo completamente diferente, um espetáculo difícil, que a gente amava: Company, de Stephen Sondheim. Foi por causa de Cole Porter que pudemos fazer Company – um musical clássico dos anos 1970, de um compositor dificílimo, que não é exatamente um bálsamo para ouvidos de um público pouco acostumado ao gênero. o projeto inicial era para ser dirigido pelo Jorge takla que havia comprado os direitos e eu faria o protagonista, bobby. Mas num almoço logo após o início das conversas, takla me avisou que gostaria de ensaiar mais de 8 horas por dia, que os ensaios começariam de manhã e terminariam no início da noite. eu me arrepiei todo e, com a arrogância que me é peculiar, avisei que não ensaiava tudo isso de jeito nenhum, que eu detestava ensaio e todas as máximas que eu costumo dizer quando realmente acho que há algo que não me agrada no ar. Claro que ele se aborreceu, afinal ele era o diretor e eu apenas um ator contratado, por mais que fosse o inspirador do projeto. Mas Jorge foi generoso e se retirou da empreitada, cedendo os direitos para que a gente fizesse como quiséssemos. No fundo, acho que ele jamais imaginou que conseguiríamos levantar aquilo... Mas levantamos! Convencemos Claudio Maganavita, que estava entusiasmado com o sucesso de Cole Porter e sua nova profissão de produtor teatral, a fazer uma produção enorme, arriscada. Ele novamente entrou na história sem nenhum patrocínio, mas foi adiante. Fizemos audição para o elenco e estreamos noTeatroVilla Lobos. além de gostar muito do espetáculo, de ter vontade de apresentar sondheim para o público brasileiro, eu tinha a vaidade de querer fazer como ator. o papel central era meu, mas a desculpa para minha ousadia é que o personagem fala pouco, está ali só para ouvir os outros e canta umas três músicas que eu sempre tivera vontade de cantar. Não sou uma pessoa tão louca que tenha decidido montar Cantando na Chuva para sapatear em cena ou Nine, onde todas as mulheres me amam. tento sempre me manter lúcido o suficiente para não me lançar em projetos onde eu esteja fora do lugar. Por mais que eu tenha prazer em estar no palco, não pauto minhas decisões pelo sonho e pela egolatria. Meu ego é relativamente inflado, mas existe em mim algum senso do ridículo e da de autopreservação. o elenco de Company tinha atuações realmente memoráveis de totia Meirelles, como Joanne, Claudia Netto como amy, Daniel boaventura e solange badim fazendo um casal hilário que lutava judô em cena, além de diversos outros colegas muito queridos e que são, na minha opinião, a nata dos musicais da minha geração: reginah restellieux, raul serrador, ricca barros, Mauro Gorini, Paulo Melo, Doriana Mendes, Patrícia levy, Cidália Castro, além de estar apresentando ao público o talento extraordinário de sabrina Korgut, estreando em um espetáculo mais profissional. Foi outro tiro no escuro, mas foi certeiro. Embora Company tenha sido de certa forma rejeitado por aquele público que amava o nosso Cole Porter (Mauro Rasi saiu falando impropérios do espetáculo) e esperava de nós, talvez, um novo musical recheado de grandes hits e canções românticas, a produção de algo tão arrojado dramatúrgica e musicalmente nos abriu novas portas, começamos a chamar a atenção de outro tipo de gente. Afinal havíamos colocado Sondheim na praça pela primeira vez no Brasil, coisa que nem os adoradores do compositor achavam que seria possível. Até a Sondheim Review, publicação norte-americana especializada na obra do próprio, estranhou uma montagem brasileira do compositor e veio conferir, fazendo matéria de quatro páginas e dando uma crítica absolutamente favorável ao espetáculo. E tivemos talvez um dos momentos mais emocionantes de nossa carreira até então: a vinda de Stephen Sondheim ao Brasil para assistir ao espetáculo. O autor do libreto, o recentemente falecido George Furth, já tinha comparecido à estreia e ficou nosso amigo. Mas o compositor, figura geralmente avessa a estar presente nas centenas de montagens de sua obra pelo mundo, veio um pouco depois. E ele veio acompanhado de ninguém menos que Sir Cameron Macintosh, que estava por aqui para a estreia de seu Les Miserables em São Paulo. Sondheim foi aos bastidores falar com o elenco e ficou alguns minutos com o Claudio, que devem ter sido os mais preciosos da vida dele (do Claudio, claro). Suas palavras eram um misto de elogios e de surpresa por encontrar um elenco tão preparado no Brasil, país que não tem (ou não tinha) nenhuma inscrição no mapa de produção de musicais pelo mundo. A posterior gravação do CD com o elenco brasileiro de Company nos trouxe novamente a felicidade de receber uma carta pessoal de Sondheim com derramados elogios ao disco. em Company dissemos adeus às imposições. Fizemos exatamente o que queríamos. e é assim que rendemos mais, sendo donos do projeto, sem obrigação de perguntar nada a ninguém. Company ficou 5 meses em cartaz no Rio de Janeiro e fez bastante sucesso. O mesmo não aconteceu em São Paulo. Nós estreamos no mesmo dia do maior blockbuster possível: Les Miserables (com tradução do Claudio). Era a abertura doTeatroAbril, a estreia da CIE como produtora internacional, a cidade estava coberta de outdoors, era humilhante. Nós éramos dois cariocas com um espetáculo de Sondheim (quem?) -e não deu certo. Ficou um mês, com menos de meia casa, e voltamos para mais um mês de novas lotações no próprio Villa-Lobos. aqui um pequeno comentário: sou um mineiro que vive no rio de Janeiro há mais de 30 anos e agradeço, diariamente, a chance que a vida me deu de morar e trabalhar aqui. Não há preço de ingresso, retorno de bilheteria, porcentual nos lucros, que pague a alegria de poder fazer teatro no rio. Não me sinto bem em nenhum outro lugar do mundo. Meu único interesse em viagens é poder assistir a musicais em londres e Nova York. só isso. Mas no brasil, troco tudo pra ficar quieto na minha casa no leblon, com os cachorros sujando tudo, e uma enorme paz de saber que estou no lugar que olhou com a maior generosidade para os meus sonhos e permitiu que eles se tornassem a vida real. UM DIA DE SOL EM SHANGRILÁ Em 2001 fomos chamados pelo então secretário de cultura do município, Arthur daTávola, para administrar oTeatro Café Pequeno, no Leblon. Pela primeira vez, tínhamos um pequeno dinheiro da prefeitura para manter o local e bancar as nossas produções. Escrevi um texto chamado Um Dia de Sol em Shangrilá e chamei Claudia Netto, Lucinha Lins e a divina Selma Reis para o elenco. Era um espetáculo divertido, sobre as crises das atrizes depois dos 40, que não sabem o que fazer da vida, não são mais garotas, não fazem mais televisão, mas ainda não fazem os papéis das avós. Era uma comédia superleve, bonitinha, com uma coletânea de músicas, um drops dulcora dos grandes compositores. Foi um bom começo para o Café Pequeno. Não era nada ambicioso, estreou fazendo um sucesso enorme, de crítica e de público, e pôs o teatro de novo na rota de sucessos da cidade. Era nossa estreia como diretores artísticos de um teatro público, e ao que parece foi com o pé direito. Foi um espetáculo de bolso, uma fórmula que não acho mais válida – uma profusão de compositores, de Cole Porter a Chico buarque. Não concordo mais com essa mistura de compositores de diversas origens. Houve esse momento no teatro brasileiro, muita gente andou fazendo esse tipo de coisa (nós incluídos), mas não gostaria de fazer isso de novo. Nada justifica essa salada, uma vez que hoje o teatro musical é adulto no brasil e já pode se oferecer ao público como algo mais sólido e menos apócrifo. O FANTASMA DO TEATRO O único musical infantil que fizemos. Foi a convite de Dalal Achcar, que dirigia o Teatro Municipal do Rio de Janeiro e queria fazer lá um grande musical para jovens e crianças. O elenco era incrível: Zezé Polessa, Edwin Luisi, Sandro Christopher. Dalal era a coreógrafa. A estética era arrojada e não tinha cara de espetáculo para criança, mas realmente de um musical de verdade. Fez tanto sucesso que abriram umas 8 récitas extras, além das já programadas duas semanas iniciais. O Fantasma do Teatro deu muito certo e vivem pedindo que seja remontado. Para nós foi a oportunidade de nos aproximar mais das meninas da axion, que se tornaram nossas produtoras logo em seguida. SUBURBANO CORAÇÃO eu amo essa peça do Naum alves de souza com música do Chico buarque, e queria muito fazer. Havia uma verba no Café Pequeno e chamamos Inez Viana, solange badim e stella Maria rodrigues para o elenco. Charles dirigiu, fez os cenários e figurinos; eu trabalhei como ator e diretor musical. a peça já havia sido feita lindamente com Fernanda Montenegro, otávio augusto, Ivone Hoffman e ana lúcia torre, mas como eles não eram exatamente cantores, algumas canções haviam sido suprimidas. a idéia que moveu nossa produção foi recuperar essas canções que foram cortadas. Havia dois duetos lindos: Biscate, que Chico gravou com Gal Costa, e Amor Natural, que nunca foi gravada. Há ainda a canção Canto Fundo de Frederico, que eu havia cantado em Na Bagunça do Teu Coração e está no CD da peça, sendo que é a única gravação existente desta hilária canção gay do Chico. Suburbano Coração talvez tenha sido um dos espetáculos que me deu mais prazer de fazer como ator, eu simplesmente adorava aquilo. estava em casa com amigas como Inez, solange e stella, todas são muito engraçadas e havia muito espaço para cacos na peça. Às vezes o público ria tanto das bobagens que eram inventadas que a peça tinha de parar alguns minutos até recomeçar. Suburbano Coração fez muito sucesso no Rio e foi para São Paulo, em uma das primeiras iniciativas da CIE-Brasil de fazer um musical brasileiro. Foi um desastre. Só encheu na estreia, depois tinha 10 pagantes por noite no Culturinha. E a produção que tinha se comprometido com a gente a uma temporada de três meses, fechou as portas depois de quatro semanas! eu tinha trauma de são Paulo por causa do Company e do Suburbano Coração. é duro lidar com o fracasso, e sou daqueles que liga todo dia para a bilheteria, achando que não vai rolar espetáculo. eu preciso saber que está vendendo, fico muito angustiado por não vender ingresso. e isso acontecia sempre em Suburbano. é um espetáculo, porém, que gostaria de refazer. Nisso o Claudio é bem diferente de mim: não tenho vontade de refazer nada! O engraçado é que ele tem uma relação muito mais distante com as peças do que eu, mas, de repente, é capaz de refazer tudo. Parece gente que gosta de voltar com ex. Eu sou assim: acabou eu choro, mas velo, enterro e rezo e peço a Deus uma boa passagem para o além! Amém. MAGDALENA esse foi importante, porque é um musical que Villa-lobos escreveu para a broadway. Foi um grande fracasso nos anos 1950. robert Wright e George Forrest, que haviam feito Kismet, baseado na obra do compositor russo borodin, se juntaram com Villa e pediram para ele escrever umas canções para um musical em inglês sobre a amazônia. ele pegou várias árias suas de outras obras, cançonetas, bachianas, e transformou tudo em canções do musical, que ficou somente um mês em cartaz e ninguém deu muita bola. o Festival de Ópera de Manaus nos convidou para fazer a primeira montagem no brasil. a história é engraçada, fizemos em português com versões minhas. Montamos em formato de concerto, infelizmente não no teatro amazonas, mas em um clube, com cantores, orquestra sinfônica, côro de crianças, côro de índios, balé, uma loucura. Acho que Magdalena merece uma montagem real, ligeira, como musical mesmo, e sem a impostação operística que havia no original da Broadway e mesmo na gravação do único registro fonográfico da obra. É um material interessante por se tratar do nosso maior compositor erudito e tem sentido fazer no Brasil uma montagem completa. Alguém se habilita? ÓPERA DO MALANDRO Assim que Miguel Falabella assumiu o cargo de gestor da Rede Municipal de Teatros, ele nos procurou para fazer um grande espetáculo no Teatro Carlos Gomes, espaço tradicional na Praça Tiradentes. A primeira coisa que pensamos foi na Ópera do Malandro, de Chico Buarque, que há muito tempo tínhamos vontade de fazer. Era perfeito: Miguel queria um espetáculo nacional ali e nós queríamos tirar um pouco o estigma de broadway-loucos que acompanhava a dupla. A prefeitura bancou o espetáculo, que era bem caro: 900 mil reais na época. Muita gente da classe teatral reclamou que era muito dinheiro para um espetáculo só. Mas era uma montagem com 22 atores, 15 músicos, uma orquestração especial da Liliane Secco, enfim, tudo pensado para a grande remontagem do musical de 1978. Fazer isso com apenas 900 mil de patrocínio, mesmo na época, era milagre. Mas é claro que isso incomodava muita gente, especialmente aqueles que nunca fizeram nada que preste e dedicam a vida a tentar impedir que outros façam. Nossa classe é cheia de gente assim. Quando começamos a produção, todo mundo falava: essa peça não vai dar certo, é uma loucura vocês mexerem nisso, isso é patrimônio dos anos 1970. E seguimos adiante. A peça tem um viés político muito forte, que não sabia se iria interessar tanto nos dias de hoje, e é extremamente verborrágica. Isso me preocupava, embora adorasse a história. Nós mexemos muito no texto, perguntamos ao Chico se podia, ele deu autorização e cortamos muito, senão a montagem ia ficar com 5 horas. Incluímos praticamente todas as músicas que ele escreveu para o filme de Ruy Guerra. Digamos que era um mix de tudo que ele tinha escrito para a Ópera do Malandro no teatro e no cinema. E o elenco era liderado pelos queridíssimos Mauro Mendonça e Lucinha Lins, nos implacáveis vilões simpáticos, roubando cena em todas as suas entradas. Tinha ainda Sandro Christopher como Geni, que acabou tendo um problema de saúde antes da estreia e dividiu o papel a partir de então com Thelmo Fernandes. Soraya Ravenle brilhava como Terezinha, e no papel de Lúcia (que foi recusado por Claudia Netto), nossa musa Alessandra Maestrini. O malandro Max Overseas era Alexandre Schumacher, posteriormente substituído por Claudio Lins. Fizemos um ensaio fechado para os amigos três dias antes da estreia - e foi um fiasco total. Quando acabou o ensaio todos decretaram que seria o maior fracasso da história do teatro brasileiro. Nunca vou esquecer do próprio Falabella, o mentor do projeto, usando palavras como catástrofe e desastre para definir o que tinha visto. Tudo era horrível – disseram muitos na nossa cara. Charles caiu doente, vomitando sem parar. Mas a vida é muito divertida: apenas dois dias depois das profecias catastróficas de nossos amigos, a Ópera do Malandro estreou e se tornou o maior acontecimento do teatro carioca naquele ano – era prevista uma temporada de três meses, mas ficou o ano todo em cartaz com casa lotada todos os dias. Há anos o teatro na cidade não tinha algo assim: ingressos esgotados com dois meses de antecedência, filas descomunais nas portas do teatro, pipoqueiros disputando espaço perto das bilheterias. Foi a nossa vingança, um tapa na cara daqueles que foram lá assistir e vaticinaram uma derrota que, sabíamos, não iria ocorrer. Nós viramos um pouco mais mainstream depois da Ópera do Malandro.Todo mundo tinha visto Cole Porter, mas era meio underground noTeatro de Arena. Company era Broadway, mas ainda assim de um certo nicho, uma ilha entre os espetáculos de massa. Nossas montagens no Café Pequeno foram sucesso, mas ainda eram limitadas. A Ópera do Malandro era o assunto da cidade. Eu andava nas ruas e via pessoas com a camiseta da peça. Acho que ali demos o primeiro passo em direção a um tipo de teatro a que o Rio de Janeiro andava meio desacostumado: o que traz hordas de fãs para assistir aos espetáculos mais de uma de vez, e cria produtos a partir da matriz, coisas como bonés, chaveiros, canecas, etc. Parece um pouco industrial demais, e é... Mas a gente vive disso, ou não? Ópera do Malandro não foi sucesso só no Brasil (aliás ficou em São Paulo dois meses lotando os mais de dois mil lugares do Tom Brasil todos os dias). Fizemos uma temporada vitoriosa em Portugal. Estreamos no Centro Cultural Belém, uma estreia, aliás, esfuziante, com a presença até do presidente da República, e ficamos três meses lotando. Fomos para Figueira da Foz no Porto, voltamos para Lisboa, para o Coliseu, com 5 mil lugares esgotados. No ano seguinte, voltamos para Portugal com outro elenco e esgotamos de novo. Vingança boa! Ópera dava muito prazer para a plateia, mas para nós era um espetáculo muito difícil, que exigia demais, porque todos os dias aconteciam problemas. Não tínhamos ainda a estrutura de produção que temos hoje. Um ator perdia a voz, não tinha substituto pronto, precisávamos ensaiar alguém às pressas; o palco giratório quebrava, e precisava ser consertado até a noite. Era um circo de um tamanho que ainda não tínhamos nos preparado para tomar conta. Só dominamos realmente o espetáculo em Portugal, lá entendemos a sua real dimensão. Aqui um parêntese para dizer que, na minha modesta opinião, os atores brasileiros em geral não estão muito acostumados com a rigidez que um espetáculo musical exige. Pode ser uma herança das chanchadas, o mesmo eterno compromisso com a improvisação das grandes revistas, não sei ao certo. Mas o fato é que você não consegue muito segurar os atores que querem aparecer mais do que a peça. Um dia cheguei para ver Ópera do Malandro e um dos protagonistas estava lixando as unhas em cena enquanto os colegas diziam o texto. No outro, uma atriz decidira cantar sua canção de uma maneira que não tinha nada a ver com o que Chico havia composto, com acentos pessoais e notas adicionais inaceitáveis. E por aí vai. Nesse sentido, a nova geração que veio entrando no teatro por meio dos musicais dos últimos anos me parece mais Caxias e, sem detrimento da criatividade, mais preparada para enfrentar longas temporadas sem se tornar coautora dos espetáculos. Existe uma visão equivocada no elenco de que achar que estar vivo é propor algo novo sempre. Quem recebe para fazer isso somos nós, não eles. Eu acho que o talento do ator deve estar vivo na repetição, que é uma coisa que o ator brasileiro – de modo geral – tem dificuldade de aceitar em temporadas. E eles não gostam de ser corrigidos. Mas eu corrijo assim mesmo. Tenho sempre uma assistente que vai no final de cada espetáculo e diz o que foi feito de diferente.Tem atores que amam. Mas a maioria odeia. LUPICÍNIO E OUTROS AMORES Esse foi um espetáculo pequeno, meu e da Soraya Ravenle. O Centro Cultural Banco do Brasil estava fazendo uma homenagem a Lupicínio Rodrigues e nos apresentamos lá num dia, sessão dupla. Nós gostamos tanto do resultado que resolvi (junto com a Axion) comprar a produção e estrear no Café Teatro Arena. Charles entrou fez a direção. Na primeira parte era Lupicínio só, eu e Soraya fazíamos juntos. No segundo ato, ela cantava as coisas da sua carreira, Dolores Duran, Carmem Miranda e eu, as minhas versões, músicas de Cole Porter, de Chicago, que tinha acabado de estrear em São Paulo. Ficou três meses em cartaz e deu para ganhar um dinheirinho. Um novo parêntese para registrar o Café Teatro de Arena como uma espécie de segunda casa para Charles & Claudio. Lá fizemos alguns de nossos espetáculos mais importantes, estreamos lá o nosso Cole Porter, e tudo com a benção e a ajuda imprescindível do querido amigo Carlito Ferreyra, que era o administrador do espaço. Um dos mais importantes espaços de teatro do Rio de Janeiro, que antes sediara o lendário teatro Opinião, o Teatro de Arena infelizmente fechou as portas há uns três anos. Morro de saudade. TUDO É JAZZ Em Tudo é Jazz, queríamos fazer tudo ao contrário do que havíamos mostrado em Ópera do Malandro.A Ópera tinha ficado com o estigma de superprodução, popular, PraçaTiradentes, teve uma trajetória do ódio ao amor odiado antes de estrear, todo mundo amando depois. Enfim, queríamos uma coisa oposta e isso se repete ao longo da nossa carreira – às vezes inconscientemente. No caso do Tudo é Jazz foi absolutamente consciente. Voltamos para o Café Pequeno e queríamos fazer uma coisa menor, bem cabaré mesmo. O Claudio sempre amou um espetáculo chamado And The World Goes Round, uma revista com músicas de Kander & Ebb, que são os autores de Cabaré, Chicago, O Beijo da Mulher Aranha, entre outros. Era um espetáculo off Broadway juntando muitas músicas da dupla. Sempre tive vontade de fazer essa peça, no original, com dois homens e três mulheres. Compramos os direitos e decidimos fazer com quatro mulheres não tínhamos ainda homens disponíveis para esse tipo de espetáculo e podíamos contar com mulheres incríveis Kiara Sasso, Gottsha, Kacau Gomes e Alessandra Verney. Tudo é Jazz é o resumo da nossa carreira do CaféTeatro Pequeno. Nós explo ramos aquele espaço de todas as maneiras possíveis. Colocamos muita gente em cena as quatro cantoras mais seis músicos , fizemos uma passarela para que as meninas se movimentassem entre as plateias, abrimos os camarins e elas se trocavam na frente do público. Usamos e abusamos do microespaço daquele teatrinho. Foi um rito de passagem interessante, porque Tudo é Jazz encerra nossa carreira noTeatro Café Pequeno e foi nosso primeiro espetáculo no Teatro Glória. Ia tão bem de público que decidimos abrir a nossa gestão no Glória com ele. Tudo é Jazz fez sucesso nos dois espaços. Só não ficou mais tempo em cartaz no Glória porque era um espetáculo caro, que não se pagava com o preço cobrado na bilheteria de um teatro da prefeitura. Esse espetáculo, realmente, recarregou nossas baterias. CRISTAL BACHARACH Cristal Bacharach foi um processo muito particular da nossa vida. Eu há muito queria trabalhar com canções do Burt Bacharach, mas o Claudio achava que não dava teatro, porque as canções eram bobinhas, falavam de namoradinha, amiguinho, cidadezinhas. Eu adorava aquele clima, sempre fui mais pop. Além disso, estava com vontade de voltar a escrever e comecei a colocar no papel coisas muito doidas sobre gêmeas siamesas, família de muitos irmãos, histórias completamente díspares entre si. Quando eu li tudo que havia escrito para Claudio eTininha, os dois ficaram com uma cara absolutamente assustada. Eu acabara de ler meu manuscrito de umas 200 páginas fazendo todos os personagens o Claudio se virou e disse:-você pirou? Mas de alguma forma consegui convencê-lo a continuar e misturar as histórias, Claudio fez as letras em português sobre canções do BB e montamos o musical depois de muitas brigas. Respeito muito a intuição do Charles, que geralmente está certa, mas Cristal Bacarach foi um momento muito difícil, tivemos uma briga muito violenta, a ponto de a produção precisar interferir, porque a dupla ia acabar. Ele estava muito agarrado à peça, aos personagens, e eu não. Eu achava que tinha de cortar muita coisa. E ele tinha dificuldade de entender que no gênero, às vezes, é preciso substituir o texto falado pelo cantado, porque senão não é musical. Não pode a peça falar uma coisa e a música, a mesma coisa. Aí é um musical ruim. Salvo exceções, claro, mas este não era o caso. Claudio me torturava dia a dia nos ensaios do Cristal. Falando que as cenas eram intermináveis e que aquilo era uma comédia longa e não teatro musical. Isso foi me minando de tal maneira que teimosamente resolvi peitar a briga, e então empacamos. Chegamos a um impasse, ele não cedia, nem eu cedia. Nós brigamos tanto que um dia eu decidi que era melhor cortar tudo e virar um show. Não aguentava mais brigar, entreguei os pontos. Chamei-o aqui em casa numa manhã e disse: - Ok, vamos transformar num show! Aí o Claudio disse que achava a peça muito boa, que era uma pena fazer um show! Daí eu enlouqueci, né? A produção precisou realmente interferir para resolver. Resultado: Cristal Bacharach estreou, ficou 7 meses em cartaz sem uma única cadeira vazia no Teatro Glória. Mas o espetáculo não foi bem recebido pela imprensa. Estreou, inclusive, sem uma reportagem decente nos jornais. O sucesso foi conquistado no boca a boca. E angariou fãs que iam quase toda semana ao teatro ver as peripécias de personagens nada corriqueiros, com um elenco genialmente liderado por Totia Meirelles, tendo ainda interpretações hilariantes e inspiradas de Solange Badim, Stela Maria Rodrigues, Renato Rabelo, entre outros. Essa briga feia que tivemos fez com que ajustássemos os parafusos da dupla. Eu escrevia muito, explicava demais. Quando o Claudio cortava meu texto para colocar música, era uma violência, achava que ele estava quase me matando. Hoje escrevo mais sinteticamente e ele é mais maleável em seu julgamento, porque em determinado momento parecia que eu estava escrevendo para aprovação dele, e isso não fazia o menor sentido. Charles tem outro problema, além de se apegar ao texto dele e dos outros, ele se apega aos atores também. Para não magoar alguém, ele não quer cortar, porque ator sofre muito se uma palavra sua é cortada – ao contrário de mim, que quando trabalho como ator quero cortar tudo porque não tenho que ficar falando aquilo todas as noites. É verdade, uma amiga nossa, querida, que trabalha muito com a gente, se tirar uma fala dela, vai para o canto chora e diz: “a minha personagem acabou, não tem mais sentido”. Coisa de atrizes, né? LADO A LADO COM SONDHEIM Side by Side by Sondheim estreou em Londres, uma produção de Cameron Macintosch, uma das primeiras que fez, em 1972. Sondheim nem era ainda o compositor cultuado de hoje. Era um musical com dois pianos e três atores, que ficou um tempão em cartaz, e virou cult na Inglaterra e depois na Broadway. Aprendi a gostar de Sondheim comprando o CD desse espetáculo. Lado a Lado com Sondheim é uma revista, não tem enredo ou texto, apenas alinhava os números musicais divididos em blocos. Revista (revue) no sentido que o tem dentro do teatro musical norte-americano, nada a ver com o teatro de revista brasileiro. São geralmente espetáculos baseados na obra de alguém, ou em um tema, um gênero dentro do gênero. Eu adoro, porque é música somente, sem falas, evita-se o blá-blá-blá e é uma delícia. E, sendo Sondheim, melhor impossível. Mexemos um pouquinho, colocamos quatro cantoras – Ivana Domenico, Marya Bravo, Ester Elias e Sabrina Korgut – e eu, que fazia o único papel masculino, entrava, narrava um pouco e cantava algumas músicas. Fizemos uma montagem bem interessante, baseado naquele jogo de palavras cruzadas, scrabble, que o Sondheim adora. O cenário era o tabuleiro e as letras iam formando palavras: casa, casamento, Sondheim, todas com ligações com os números musicais. Eu acho que foi um dos espetáculos mais bacanas de junção da palavra com a encenação. Um dos grandes desafios foi conseguir fazer aquela música, que é teatro puro, mas completamente desconhecida do público, segurar um espetáculo de duas horas. Cada canção era uma cena de teatro, de comédia, de drama, só que cantadas. Eu acho que segurava bem, porque ninguém saía no meio, as pessoas viraram fãs, tinha comunidade na Internet, o público voltava, via muitas vezes, ficou pop. Era uma síntese da obra de Sondheim, o que foi uma ousadia absoluta. Fazer o resumo da obra de alguém que não tinha praticamente nenhuma relação com o Brasil, e ter uma resposta tão positiva. Muita gente descobriu Sondheim ali. Guardadas as devidas proporções e a minha arrogância (e falta de modéstia), acho que fizemos com Sondheim a mesma coisa que muitos artistas do nosso teatro, como Sérgio Brito, por exemplo, fizeram ao montar pela primeira vez no Brasil Becket, Pinter ou Pirandello. Poderíamos nunca ter visto um Ionesco no Brasil, por exemplo, se não fosse o Luiz de Lima, que traduziu e produziu aqui dezenas de peças do grande autor do Teatro do Absurdo. A vontade e insistência deles foram definitivas para mostrar ao Brasil a obra de determinados autores. Nós queríamos mostrar Sondheim e queríamos que a plateia se interessasse por ele. E conseguimos. ÓPERA DO MALANDRO EM CONCERTO Depois do sucesso estrondoso de Ópera do Malandro em Portugal, fomos convidados para voltar no ano seguinte para uma temporada no Algarve e nos Açores, em teatros pequenos, onde não caberia a montagem completa. Criamos então Ópera do Malandro em Concerto – 8 atores, quatro músicos, sem cenário e sem falas, mas com todas as canções encenadas. Achamos que ficou tão bonito, que voltamos de viagem, com tudo ensaiado, colocamos em cartaz no Teatro Leblon e... não aconteceu nada. Foi quase um fracasso, contrariou todas as expectativas e saiu de cartaz dois meses depois. Acho que o público encarou aquilo como uma versão de segunda da Ópera completa e não quis assistir. Uma pena, pois era muito mais que isso, e o elenco juntava alguns nomes dos mais expressivos do teatro musical brasileiro atual, como Soraya Ravenle, Alessandra Maestrini, Alessandra Verney, Sandro Christopher, entre outros. SWEET CHARITY Encontramos Cláudia Raia um dia numa estreia de balé em Niterói (!!!), que disse ter muita vontade de trabalhar conosco. No mesmo momento pensei em Sweet Charity, porque amo Bob Fosse. E um espetáculo com Cláudia Raia tinha de ter dança. Era um grande desafio, porque tanto Shirley Mac Laine, que fez o filme, quanto Gwen Verdon, que fez o musical na Broadway, são mulheres pequenas, frágeis. Isso sem falar na Giulietta Masina, protagonista de Noites de Cabíria, de Fellini, no qual Sweet Charity foi inspirado. Eu negociei com os agentes norte-americanos e a Axion comprou os direitos do musical, mas tivemos muita dificuldade em conseguir patrocínio. Decidimos, então, oferecer para a CIE-Brasil em São Paulo, que entrou na jogada e lá fomos nós para a Paulicéia. Era um espetáculo muito caro, com vários bailarinos, uma orquestra de 12 músicos, figurinos chiquérrimos, tudo que o público esperaria de um espetáculo nosso com a grande estrela Raia e uma superprodução da CIE. Tudo era muito difícil de fazer. Foi nosso primeiro trabalho no qual a dança era fundamental. Trouxemos da Áustria um bailarino e coreógrafo brasileiro, Alonso Barros, que faz muitos musicais e conhece a linguagem de Bob Fosse e ele se baseou nas coreografias originais para recriar aqui os números de dança. Sweet Charity foi um divisor de águas na nossa carreira. Primeiro de tudo, por meu encontro com a Cláudia (tenho problema com esse nome, reparem). Eu e Cláudia tivemos uma conexão imediata, parecia que éramos amigos desde a primeira dinastia no antigo Egito. Nos olhávamos e nos jogávamos no chão de rir. Cláudia é minha irmã e um encontro eterno. Depois, fomos trabalhar com uma empresa acostumada a fazer produções estrangeiras, a lidar com diretores norte-americanos de musicais. Não precisávamos convencer esta empresa sobre nada. O que dizíamos era lei. Logo no primeiro dia, tínhamos à disposição, em uma casa alugada na Lapa paulista, três salas climatizadas, para que três ensaios corressem paralelamente. Os cenários já estavam marcados com fita crepe no chão das salas. Isso é o básico numa produção profissional, mas no teatro brasileiro geralmente os cenários costumam ficar prontos alguns minutos antes do terceiro sinal. Já fizemos muito isso e num musical não tem saída se você não tem tudo planejado, não dá certo. Sabíamos que tínhamos de montar o espetáculo em oito semanas, um cronograma complicadíssimo, bailarinos, cantores, orquestra, Cláudia em absolutamente todas as cenas. Nós, que estávamos fora da nossa cidade, mergulhamos de cabeça nos ensaios. Uma loucura. No final do primeiro ato havia uma cena toda passada dentro de um elevador, quando Charity conhece o namorado Oscar, papel do genial Marcelo Médici. O elevador para, ele é claustrofóbico e daí se desenvolve toda a situação. Compramos o elevador, que chegou 15 dias antes, subimos e descemos a engenhoca milhares de vezes, contratamos uma empresa só para cuidar disso. No dia da estreia, porém, ele quebrou realmente, de verdade, e não entrou em cena. O pano foi fechado. A peça ficou parada 40 minutos e os atores fizeram a cena do elevador na frente de uma cortina preta. Uma coisa muito maluca. Tinha tanta gente com energia ruim naquela noite de estreia – diriam os que acreditam nessas coisas – que conseguiram estragar o elevador. Charles passou mal (ele sempre somatizando), começou a ter falta de ar, fugiu para o hotel, achei que ele ia morrer. Alguém tinha que ficar, fui lá na frente do palco e falei: “vamos fechar a cortina e tentar consertar o elevador”. As pessoas foram para o saguão, ficaram lá mais de meia hora. O elevador desceu e nunca mais subiu, eu voltei na frente do pano e falei – vamos continuar, vocês finjam que estão vendo o elevador, porque o elevador não vai subir mais. Essa foi a estreia de Sweet Charity. Um desastre. A temporada, porém, foi um sucesso estrondoso. Fazer Sweet Charity foi fundamental para nossos trabalhos posteriores. Não faria Charity hoje do jeito que fiz. Não cometeria os mesmos erros. Na verdade aprendi fazendo. Entendi, por exemplo, que precisava estar muito próximo do cenógrafo. Eu pensava que ele teria de resolver qualquer problema. Acreditava quando ele dizia, isso sai por aqui, depois sobe por aqui. Na prática, nada saía, nada subia. Tinha uma troca que demorava oito minutos. Meu Deus, como eu não percebi que ele não tinha idéia de que essa troca demoraria 8 minutos? Depois de Sweet Charity nunca mais foi assim. Eu estava muito acostumado a ser o cenógrafo das minhas peças. Eu criava meus cenários para minhas próprias direções. Fui leviano em imaginar que o cenógrafo de SC (que é ótimo, mas era seu primeiro musical) estava tão ciente da peça quanto eu. Fazíamos reuniões eternas e para mim isso bastava. Na maquete tudo era fácil. Mas na pratica,não era bem assim. Sofremos bastante com o fato de precisar ter excelentes bailarinos que deveriam dobrar os papéis de ator em outras cenas que não as de dança. Este é um ponto onde acho que o Brasil ainda tem muito chão pela frente. Nossos bailarinos são sensacionais, mas em geral não são atores. Há um ou outro que pode cantar e alguns até cantam bem, mas estão muito distantes do que se pode esperar de um bailarino/ator. Mas a situação tem melhorado e acho que hoje, quase quatro anos depois de Sweet Charity, já houve uma enorme evolução profissional de nossos artistas nesse departamento. A grande surpresa em Sweet Charity, por outro lado, foi ver o salto de Cláudia Raia como cantora. Famosa pelo seu lado de vedete e bailarina, acho que Cláudia nem era vista muito até então como uma pessoa capaz de interpretar canções mais elaboradas. Mas sua Charity era um primor de execução vocal, não deixando nada a desejar em comparação às diversas atrizes-cantoras que andaram desempenhando o papel pelo mundo. Isso na verdade é a cereja no topo do bolo, já que um fenômeno acontece quando Claudia Raia está em cena: você não olha pra mais nada, mais ninguém, mal ouve a história da peça e mal consegue saber se tem música ou não. Você não tira os olhos daquele demônio de mulher de quase dois metros de altura – a plateia inteira, literalmente, baba. SASSARICANDO Na verdade, Sassaricando é um espetáculo do Claudio. Ele veio para o Rio dirigir Sassaricando e eu fiquei em São Paulo segurando o rojão de Sweet Charity. Acabou virando um espetáculo nosso, é como se fosse, mas quem dirigiu mesmo foi o Claudio. Eu fiquei muito concentrado somente no cenário. Eu não queria fazer. Os autores, Sérgio Cabral e Rosa Maria Araujo, tinham uma pesquisa maravilhosa sobre as marchinhas de carnaval, haviam definido o roteiro dividindo cenas por blocos temáticos. Mas eu não conseguia entender o que havia de teatro naquilo, não tinha me tocado ainda do que o material poderia render. Eles insistiram muito, me deram liberdade total para mexer onde quisesse, para cortar – marchinha é muito repetitivo, mesma letra, “mamãe eu quero, mamãe eu quero”, fica naquilo horas. Eles acabaram me convencendo e fui tomando amor pela coisa e no fim me deu muita alegria. Foi o primeiro espetáculo que dirigi sozinho, com ajuda preciosa do coreógrafo Renato Vieira, que me ajudou a marcar muitos números. E levei a Tininha comigo, claro. Tive também liberdade para mexer um pouco nos arranjos que vinham do CD já gravado pelo elenco, então pedi ao arranjador Luís Felipe de Lima, meu amigo há 20 anos, filho do Luiz de Lima, que alterasse alguns ritmos, ralentasse algumas coisas, porque eu mesmo não ia aguentar duas horas seguidas de marchinhas. Havia um monstro em cena que é o Eduardo Dusek, um ator que muda tudo sempre, mas nesse caso fazia parte do show; Soraya Ravenle, uma protagonista de primeira linha, minha amiga e colega que considero como uma das maiores estrelas da minha geração nos musicais brasileiros, além de um elenco de apoio adorável, onde a Sabrina Korgut também se destacava cantando uma Marcha da Quarta-Feira de Cinzas de cortar o coração. Para nós, que sempre carregamos a fama de americanizados, Sassaricando foi muito bom. Provamos que teatro musical bom não tem nacionalidade e que podemos tratar o teatro não como um produto a ser defendido por leis xenófobas, mas sim como algo moderno e atual, capaz de agradar a tantos quantos estejam interessados em assistir um bom espetáculo. 7 -O MUSICAL Acho que tudo que fizemos antes foi, na verdade, uma preparação para chegar a 7-O Musical. É nossa voz, nosso discurso está ali. Outros virão, com certeza, mas por enquanto ele é nosso espetáculo mais importante, porque realmente é nosso em todos os sentidos. 7-O Musical nasceu de um convite do Ed Motta, que foi assistir Company e ficou nosso amigo. Um dia, ele ligou pra mim e disse – eu tenho uns temas que acho são teatrais, eu queria fazer disso uma peça, mas eu não sei nada sobre isso. Escutei os temas, adorei ele cantando, tenho até hoje o CD, em que ele canta tudo em edmotês, as melodias sem letra, mas com palavras inventadas por ele. A música era absolutamente teatral, cada canção vinha de um personagem, uma voz mesmo, ele cantava, ele discutia com ele mesmo dentro da canção, só que não havia uma história. Charles foi lá no segundo encontro e percebeu o clima noir no material musical, atmosfera dark mesmo, ficou com as músicas na cabeça, e sugeriu uma história central: uma mulher perde o marido e procura uma feiticeira pra conseguir o amado de volta, a feiticeira exige uma prenda, um sacrifício que envolveria matar um jovem e extrair seu coração. Levou algum tempo até que percebêssemos as ligações da história com Branca de Neve dos Irmãos Grimm. A partir daí o enredo foi sendo construído em torno de histórias dos Grimm, em especial a Branca de Neve, que eram narradas por uma misteriosa velhinha que aparecia entre as cenas, papel escrito especialmente para Ida Gomes, que esteve conosco desde a primeira leitura e chegou a fazer três temporadas do espetáculo no Rio. Ida faleceu logo no final da última temporada carioca, deixando uma saudade enorme em todos nós. Foi substituída em São Paulo por Suzana Faini, que encantou a crítica e as platéias paulistas com sua performance fantástica como a Senhora A. Com certeza, essa é a peça mais madura da gente, e foi um processo muito particular. Sempre achei que tinha facilidade para fazer teatro, para escrever uma cena, mas tudo ligado a um tipo de humor que tenho. Foi assim em As Malvadas e em Cole Porter. 7 – O Musical foi em direção oposta. Na verdade era um tratado sobre a inveja, sobre a beleza, e em resumo – coisa que descobri muito tempo depois – era uma versão muito particular da história de Branca de Neve vista sob o ponto de vista da Madrasta. A peça coloca a Madrasta no centro da ação e Branca (no caso, Bianca, magistralmente defendida por Alessandra Verney), tem traços de vilã. Passaram-se três anos desde que ouvimos a música até a estreia. O musical começou a ser gestado em 2004 e estreamos em 2007. Houve várias versões até a gente entender exatamente o que e por que estávamos querendo colocar em cena. Uma particularidade no meio do caminho: Ed queria gravar no CD três músicas e, mesmo sem ter a história pronta, fiz as letras, que se tornaram seminais para o todo. A partir delas, a obra se desenvolveu em volta. Por que a peça se chamou 7? Por causa dos sete pedidos da feiticeira e também porque toda simbologia dos Irmãos Grimm está baseada no número 7 – os sete anões, as sete colinas, os sete irmãos, espelho quebrado em sete partes, sete anos de azar, etc. De certa forma, escamoteado ou não, tudo isso está na peça, afinal os Irmãos Grimm se basearam no folclore germânico, rico em todos estes mitos. Minha família é alemã e cresci ouvindo essas histórias. O mais engraçado de tudo é que todas as histórias são castradoras com relação à mulher. A madrasta é má porque ela é bonita e poderosa, e vai ser castigada com a feiúra e a velhice. Por que o espelho é aliado do mal? Por que a mulher quando fica velha, não tem valor algum? O rei pode ficar gordo porque é poderoso, a mulher não, passa de princesa a bruxa. Branca de Neve vai morar na casa dos anões, que são uns velhinhos que ficam trabalhando o dia inteiro e a primeira coisa que ela faz é uma faxina e assa uma torta de maçã. O pensamento social contido nessas histórias é impressionantemente retrógrado. Foi mergulhado em todas essas histórias, pensando nisso tudo, junto do meu fascínio pelo universo suburbano de Nelson Rodrigues, que escrevi 7 – O Musical. Demorou muito para montarmos exatamente do jeito que queríamos. A começar por um elenco especial: Zezé Motta, Rogéria, Elianna Pittman, Ida Gomes, artistas de formação tão absolutamente diferente, que conseguimos juntar num elenco que considero dos mais especiais do teatro brasileiro dos últimos anos. Todas em papéis criados sob medida para suas personalidades, sendo que Zezé fazia em 7 a sua primeira vilã. Alessandra Maestrini no papel da protagonista/ madrasta. A performance de Maestrini é de cair o queixo, reunindo dramaticidade, humor, pathos, um tour de force incrível, tudo a serviço do personagem e com um poder vocal inigualável. Digo e repito: Alessandra Maestrini é a Fernanda Montenegro dos musicais; seu talento e seu preparo – quando ela tem material para dar vazão a ambos – são de nível internacional. O espetáculo foi concebido em cima dessas pessoas e dessa cara, digamos assim, não convencional de elenco. Nosso maior desafio foi fazer um musical brasileiro, sem samba, sem mulata, sem carnaval, sem oba-oba. E isso até conspirou contra a gente, pois foi acusado de ser muito sombrio. A peça se passa no Rio de Janeiro e não tem um raio de sol. Até neva! E com uma música do Ed, muito particular, as pessoas ficavam meio em choque. Fomos insistentes e conquistando público. Mas no começo muita gente saía no intervalo com a cara: “o que eles estão querendo com isso?”. E iam embora. As críticas foram unânimes em colocar 7 – O musical como um espetáculo divisor de águas na dramaturgia do gênero no Brasil. Bárbara Heliodora fez algumas restrições à música, mas enalteceu bastante as qualidades do espetáculo. Embora difícil no começo (o público das vans que geralmente lota os teatros do centro do Rio não estava interessado em ver um musical assim pouco glamoroso), pouco a pouco fomos conquistando um público que ia ao teatro exatamente para ver o que tínhamos para mostrar: teatro. E no fim das contas ganhamos mais prêmios do que nunca, seis da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro e três prêmios Shell. Confesso que me magoou muito não estar entre os ‘10 melhores’ espetáculos do Globo naquele ano. Para mim foi um tiro no coração, não queria estar com nenhum outro musical na lista, mas queria estar com 7 – O Musical, porque sabia que estava fazendo uma coisa maior e não ver essa coisa reconhecida no jornal mais importante da cidade foi muito triste. Foi fascinante escrever os personagens pras atrizes, e colocar em pratica tudo que aprendemos nesses anos e 7 foi nosso caldeirão de sortilégios, nosso laboratório, foi nosso Frankenstein, com final feliz; pois a temporada em São Paulo foi espetacular! Lotamos o Teatro Sergio Cardoso com as pessoas aos prantos, e criticas esfuziantes. O 7 sempre estará na minha vida com todas as melhores lembranças e vou guardar no meu coração todos os elencos que passaram por ele. E para sempre na memória o último dia da Ida Gomes no palco, radiante de talento, linda, eterna! BEATLES NUM CÉU DE DIAMANTES 7- O Musical terminou sua primeira temporada no João Caetano temporariamente, porque não havia mais dinheiro para seguir bancando os custos da produção. Havia um coro de jovens maravilhoso no espetáculo e todo mundo ia ficar desempregado. A Bia Radunsky, diretora artística do Espaço Sesc em Copacabana, nos ofereceu um pequeno patrocínio para fazermos um musical pequeno lá, o que quiséssemos. O Charles deu idéia de fazer alguma coisa com músicas dos Beatles. Eu achava que não daria um musical, as músicas eram muito pop, mais ligadas à memória afetiva de uma geração do que propriamente a personagens e cenas de teatro. Na verdade eu nunca havia parado para ouvir os Beatles com muita atenção, para você ver como sou careta e datado. Tenho um problema sério com guitarra, minha sensibilidade não suporta sons elétricos, e como os Beatles tocavam basicamente rock com guitarra, nunca conseguira entender muito bem. Em resumo, sou imbecil! Mas quando comecei a ouvir as músicas para o espetáculo, que não teria guitarras, mas só piano a princípio, descobri com um atraso de uns 40 anos a beleza das melodias, harmonias e das letras. Nascia assim Beatles Num Céu de Diamantes. Foi a primeira vez que o Claudio não fez o roteiro, porque ele não conhecia bem as músicas. Eu, que sou o pop da dupla, me juntei com Cristiano Gualda, ator/ cantor e beatlemaníaco que estava no elenco, e selecionamos as músicas – de mais de 500 separamos 50 para mostrar para Claudio. Mostrávamos Blackbird e ele demonstrava espanto. Nunca ouvi. Como nunca ouviu, é um hino. Strawberry Fields Forever. Nunca ouvi falar. Help. Sabe que isso é legal. Ele só conhecia o que havia sido gravado por Ella Fitzgerald ou Frank Sinatra. O Claudio Botelho é uma pessoa que parou no West Side Story e saltou direto para o Company. Nós optamos por não fazer versão das letras, porque são inversionáveis. Seríamos apedrejados na rua. E não precisa, porque não são músicas de teatro, não contam uma história. São filosóficas e não têm de ser traduzidas. O espetáculo foi montado para ficar três meses no Espaço Sesc em Copacabana, teatrinho de arena com quase 300 lugares. Mas bombou de uma forma que tivemos de aumentar as sessões e passamos a fazer matinês sábados e domingos, senão não dava vazão, as pessoas não paravam de ir. Mudamos para o Teatro Leblon, com 450 lugares, onde ficou mais um ano em cartaz, e seguiu para São Paulo e não foi uma temporada feliz, acho que o espetáculo foi morrendo aos poucos em um teatro num shopping center onde nunca vai ninguém, nada faz sucesso. Antes de ir para São Paulo, ainda no Rio de Janeiro houve um episódio muito triste com Beatles. Após um desentendimento dos atores com a produção com relação a porcentuais da bilheteria e propostas para que o espetáculo continuasse vivo sem patrocínio, tivemos um dia a desagradável notícia de que uma parte do elenco se recusava a entrar em cena se não cedêssemos às suas exigências. Para mim foi um choque, nunca tinha sido ameaçado antes! Tudo foi muito estranho, porque estava tudo sob controle no Espaço Sesc. De repente virou algo gigantesco e perdemos a referência, virei um estranho para o elenco e vice versa! Pessoas que trabalhavam conosco há anos, que fizeram suas carreiras em espetáculos que nós construímos, assim como alguns que nunca haviam feito um único espetáculo profissional na vida e estavam estreando no nosso Beatles, ao que parece chegaram a um consenso de que nós éramos os vilões e que deveríamos ser enfrentados como donos de metalúrgica que exploram seus operários. O sucesso é um perigo. O elenco deu uma enlouquecida geral e nós também para segurar tudo, pois estávamos acabando de criar a nova empresa, Aventura, e nunca tínhamos passado por um motim. Até hoje ainda é nebuloso, mas nem todos participaram, nem tudo estava errado, mas foi muito doloroso pra mim, pois alguns ali eram como irmãos. Fiquei três dias sem dormir e sofri uma espécie de esgotamento nervoso. Eu me recusei a voltar ao espetáculo e prometi nunca mais falar com eles. Mas como graças a Deus, ou a ausência dele, eu nunca cumpro minhas promessas, passado o auge da guerra, fui aplacando minha fúria e tentando entender tudo e todos, e voltando aos poucos e hoje conseguimos resolver as diferenças, pois esse era meu dever como adulto e profissional! Para mim foi como um vaso de cristal que se quebrou, mas foi remendado e o show segue adiante, que é o que interessa. Acho que esse clima ainda perdurava na temporada de São Paulo. Isso me magoava muito, ver um espetáculo que começara tão bacana morrer à míngua. Mas aconteceu uma virada. Fomos convidados por Guido Darmet, diretor de um teatro em Lyon, o Maison de La Danse, que já havia levado muitos espetáculos da companhia de Deborah Colker, o Grupo Corpo, para levar Beatles para lá. Quando chegamos lá nos impressionamos muito com o teatro: gigantesco, mil lugares, um palco enorme, uma coxia incrível, tudo maravilhoso. Fomos avisados que os franceses não aplaudiam tanto quanto os brasileiros, eram mais comedidos, aguardavam o final para se manifestarem. Pois eles aplaudiram freneticamente a partir da metade do espetáculo, gritavam bravo ao final de cada música, uma loucura. O espetáculo já fechou contrato para cinco capitais européias e acho que nosso Beatles ainda ficará uns três anos rodando pelo mundo. Que eu esteja certo!!! Fiz as pazes com Beatles em Lyon. A ferida ainda não estava fechada e mesmo em São Paulo eu ainda me sentia bastante desconfortável, com certo medo do grupo. Eu acredito na sinergia, no carinho, na bondade, e não quero parecer bobinho, mas acho que isso influencia no sucesso. Especialmente em um espetáculo como Beatles. Em Lyon o meu elo com o elenco foi resgatado e o espetáculo ficou lindíssimo de novo. Eu aprendi com o Abujamra que a gente começa bonito e acaba bonito, no meio dá uma improvisada quando a coisa não está indo bem. Beatles tem ainda vida longa e vai acabar um dia como começou: lindo! A NOVIÇA REBELDE Nós nunca optamos por fazer algo fácil. Muita gente pode pensar que fazer A Noviça Rebelde é uma opção certeira, basta colocar em cartaz que é sucesso garantido. O problema é que fazer A Noviça Rebelde direito é extremamente complexo. Há uns três anos, porém, estava fazendo uma grande encenação ao ar livre em São Vicente e, conversando com o elenco, alguém sugeriu que fizéssemos A Noviça Rebelde. Liguei para o Claudio imediatamente e os dois gostaram da ideia, o que nem sempre acontece. O problema de A Noviça Rebelde é que ou você faz uma megaprodução em que tudo dá certo ou se transforma em um desastre. Mas era hora de galgar um outro patamar em termos de produção, depois de tantos anos de experiência. Os direitos da peça não estavam liberados, alguém tinha comprado para o Brasil, mas falei que estava interessado e eles me pediram três meses até decidir. Foram feitas várias exigências, mas tínhamos uma boa carta de recomendação, éramos relativamente conhecidos pelo pessoal da Rodgers & Hammerstein que detém os direitos do musical. Não sei quem ia fazer aqui, mas seja lá quem for, desistiu e nós éramos os primeiros da fila. E conseguimos os direitos para montar A Noviça Rebelde. Max Haus, um dos donos doTeatro Casa Grande, estava interessado no nosso trabalho, quando o teatro era ainda um canteiro de obras. Nós íamos estrear Sweet Charity lá, mas o teatro não ficara pronto. Aniela Jordan, da Axion, e o Luiz Calainho que começava sua parceria conosco, foram visitar as obras e propuseram ao Max e ao Moysés Ajhaenblat uma sociedade à qual se juntou depois o David Zilberstein. Calainho fez a ponte com a Oi, o que permitiu que o teatro fosse finalizado com o nome de Oi Casagrande. Bradesco Seguros entrou para patrocinar A Noviça Rebelde e conseguimos conciliar todos os interesses: acabar o teatro e estrear A Noviça Rebelde no novo espaço no Rio de Janeiro. A Noviça Rebelde foi o primeiro grande musical que estreou no Rio depois dessa chamada retomada dos musicais no Brasil. Tudo acontecia em São Paulo em termos de superprodução. O Rio tinha fama de não ter público para espetáculos caros e com ingressos a preços não exatamente acessíveis. A Noviça provou que isso era apenas lenda. Fazíamos espetáculos de quarta-feira a domingo, com matinês no sábado e todas as sessões absolutamente lotadas. A lotação era tanta que o público muitas vezes desistia de ir ao teatro comprar ingressos, pois estava sempre esgotado. Infelizmente o pensamento do pessoal do Casagrande era do tipo anos 60, ou seja, você não abre as vendas para mais do que duas semanas, fazendo que o público tenha que ficar sempre voltando ao local pra conseguir comprar. É o mesmo sistema do Canecão, ou seja, penaliza o público e, no meu modo de ver, é algo arcaico e nem um pouco inteligente. Sonho com o dia em que o teatro no Brasil vai poder abrir a bilheteria e uma família que vem passar férias aqui possa comprar seus ingressos com seis meses de antecedência pela Internet, escolher seus assentos, fazer tudo com tranquilidade. Enquanto continuarmos a tratar o público como se ele fosse fugir a qualquer momento, não vamos entrar na maioridade da indústria do entretenimento. Tivemos várias mudanças quantitativas ou qualitativas ao longo da nossa carreira. Decididamente A Noviça Rebelde foi uma mudança qualitativa e quantitativa. Começamos a ensaiar com o teatro ainda um canteiro de obras: os buracos estavam isolados com fita de segurança – e eu morria de medo das crianças desaparecerem em um desses buracos! – caía pedregulho em cima de uma mesa de som caríssima que havíamos comprado, na véspera da estreia era preciso limpar e passar pano nos cenários de duas em duas horas por causa da poeira grossa que ainda se acumulava em tudo. No dia da estreia enquanto abriam champanhe no saguão, nós ainda tirávamos entulho do palco. Uma loucura! Estreamos morrendo de medo que acontecesse o mesmo desastre que houvera em Charity, o maldito elevador. Noviça tinha dois elevadores em cena. Mas fomos protegidos, ou talvez estivéssemos mais maduros em termos de execução e técnica, deu tudo certo e a produção se tornou um fenômeno. Tínhamos o ingresso mais caro já cobrado no Rio de Janeiro – R$ 180,00 – e esgotávamos. Teatro, depois de A Noviça Rebelde, passou a ser para o público também um investimento. As pessoas compravam ingresso pra dar de presente a amigos, isso me envaidece muito, vejo aí uma mudança radical na maneira como o público passa a tratar o teatro em nossa cidade. Deixa de ser uma ação entre amigos e passa a ser algo realmente profissional e que dá retorno, tanto para quem faz quanto para quem frequenta. Os ingressos de espetáculos de grande porte como A Noviça Rebelde são caros mesmo, é impossível cobrar menos, afinal são 80 pessoas todos os dias trabalhando: 16 na orquestra, 35 em cena e 20 técnicos, fora as pessoas de produção. Todos ganham salários, não se faz uma produção desse porte chamando os envolvidos para arriscar junto com porcentuais da bilheteria. É preciso um planejamento financeiro muito detalhado para não deixar o Titanic afundar. Depois de A Noviça Rebelde nós formatamos um esquema que já vínhamos ensaiando há muito tempo. Um formato apurado de produção, organização e dedicação de tempo para as coisas certas. Foi a nossa petulância que nos fez correr atrás de um apuro técnico desde o começo, quando não tínhamos nada no Brasil para musicais. O som era uma tragédia, as pessoas usavam microfones amarrados, tudo chiava e apitava; a luz não era de musical, era uma luz de peça normal, sem o menor cuidado e incapaz de preparar o clima para a música; os cenários rangiam, demoravam minutos para serem trocados, ou seja, nada funcionava. Em A Noviça Rebelde acho que provamos que é possível tudo funcionar bem e a partir daí trabalhamos sempre neste mesmo diapasão: os cenários, com seus motores e giratórias, entram e saem silenciosamente, tudo tem um acabamento impecável, das roupas à perucaria. Não existia perucaria especializada para teatro no Brasil, apenas alguma coisa para óperas. Hoje trabalhamos com pessoas que fazem os moldes das cabeças dos atores e criam perucas perfeitas, que escondem o microfone. Em A Noviça Rebelde, todas as roupas das 21 crianças eram engomadas entre uma sessão e outra. Enfim, gostem ou não do nosso trabalho, acho que é inegável que conseguimos um apuro técnico que coloca os musicais produzidos no país (sem participação de nenhum estrangeiro na montagem) no mesmo nível de acabamento de espetáculos similares em países de primeiro mundo. Essa era uma vontade antiga: provar que as coisas no Brasil não precisam ser necessariamente capengas. Quando começamos a fazer testes nas nossas primeiras montagens, as pessoas apareciam com um violãozinho, cantavam alguma coisa de MPB, com trejeitos de quem se apresenta em barzinho, algo simpático, mas com muito pouco a ver com teatro de verdade. Era preciso tirar leite de pedra. Hoje, como aconteceu nos testes de A Noviça Rebelde, os atores chegam com os papéis prontos, cantam árias do repertório modernos da Broadway, sabem o que estão fazendo, o que têm a oferecer a um produtor. O jovem que se inscreve para testes hoje em dia vem com a partitura debaixo do braço, sabe que aquela produção tem alguma coisa para sua voz específica e traz algo que possa ser apreciado pela banca de testes de acordo com suas características. Muita gente, que era bem pequena nos anos 80, cresceu tendo este nicho de mercado e procurou aulas de canto, se aperfeiçoou. E hoje é a geração que domina os palcos dos musicais no Rio e em São Paulo, são nossas estrelas e astros, com luz própria e, a maioria, sem precisar ter jamais aparecido em novelas. Tenho orgulho de imaginar que contribuímos para isso: criou-se um mercado de trabalho sério e importante para quem faz teatro, os jovens não precisam mais ficar focados em Malhação e outras bobagens. Mais que isso, o musical é honesto na sua base, pois quem canta sempre encontra espaço por meio dos testes. Ninguém entra para um elenco de musical apenas porque é amigo ou namorado do diretor, é preciso mostrar serviço. Durante muitos anos escutei uma frase, que eu tinha pavor: os musicais norte-americanos têm dinheiro, mas nós temos a bossa, nós temos a ginga. Eu achava isso tão cafona, tão cafajeste, tão bobo esse orgulho de ser subdesenvolvido. Nós queríamos a excelência e acho que conseguimos. Ou, no mínimo, continuamos tentando. Mais um parêntese para falar da nossa noviça, Kiara Sasso. Ela estreou profissionalmente aos 17 anos fazendo minha namorada em Os Fantástikos, um papel supercomplicado vocalmente, com exigências para um soprano coloratura de alta capacidade. Kiara fazia aquilo como se estivesse tomando um picolé na esquina, tal a sua intimidade com o canto. Nada parece difícil pra ela. Nesses anos todos, entre o nosso namoro no palco e sua performance como Maria Rainer, protagonista de A Noviça Rebelde, vi Kiara diversas vezes em cena – protagonizando grandes musicais como A Bela e a Fera, ou mesmo em espetáculos bastante off nossos, como Tudo é Jazz. Kiara sempre primou por um acabamento vocal e cênico de primeiro mundo. Com um inglês irretocável, um carisma de primeira atriz e um poder vocal que faz com que as rivais a odeiem e torçam muito para que ela perca o jogo em algum momento, Kiara é – na minha opinião – nossa mais perfeita encarnação do estilo Broadway de representar e cantar. Ela é a garantia de perfeição quando você precisa de uma protagonista clássica para qualquer grande musical norte-americano. GLORIOSA Essa peça chegou às nossas mãos pelo produtor Claudio Tiso, que comprou os direitos e ligou para o Charles chamando-o para dirigir. Eu amava a peça, tinha visto na Broadway e me empolguei com o projeto. Claudio se associou a outro produtor, Sandro Chaim, e decidimos levar a ideia adiante. Telefonei para Marília Pêra, e perguntei se ela gostaria de ler um texto que seria a cara dela. Deixei na portaria do prédio da Marília num dia e no dia seguinte ela me ligou se dizendo completamente seduzida pelo personagem, a cantora lírica Florence Foster Jenkins, figura lendária por ter feito uma carreira fulgurante como cantora de ópera sem, no entanto, ser capaz de afinar uma única nota. É uma peça de três personagens, cuja alma é Marília. Gloriosa só funcionaria com uma grande atriz. Escolhemos a melhor: alguém que tem um potencial dramático imenso, é comediante extraordinária e, ainda por cima, canta. Somente ela poderia viver Florence. Marília sugeriu Guida Vianna para o papel da empregada mexicana; chegamos a Eduardo Galvão para o pianista e narrador da história, e estava montado o nosso elenco. Muita gente nos alertou que seria difícil trabalhar com Marília. Que ela era muito difícil e temperamental, imagino que ela sabe desta fama, que aliás me parece injusta. Mas com todo aquele talento, ela pode ser temperamental à vontade, pensávamos! Mas nós tínhamos a intuição que não seria difícil trabalhar com ela. E não foi mesmo. Alias nunca foi tão fácil. Nós somos muito parecidos com ela em vários aspectos e a química foi perfeita. Nunca vi uma atriz do tamanho de Marília, com tanto temperamento cênico, que jamais tenha discutido uma marca. E olha que faço marcas absurdas! Ela fez exatamente tudo o que pedia. Nunca ouvi Marília dizer: mas o meu personagem... Ela teve uma confiança absoluta no nosso trabalho e foi muito generosa. O processo todo foi muito rápido e feliz. Para mim Marília é Dame, só a chamo assim. Vê-la em cena é um privilegio. Mas dirigi-la foi muito mais do que isso: foi uma honra! Trabalhar de perto com alguém como Marília Pêra muda a gente de patamar, faz a gente se sentir melhor artista, melhor colega, melhor diretor. Tudo em teatro a fascina e ela sabe cada código desta profissão, aprendeu desde cedo vendo Dulcina, Morineau, Bibi. Marília é uma primeira atriz que sabe e quer ouvir tudo o que se tem a dizer para ela. Sabe do ofício, da hierarquia, tem disciplina de bailarina e gosta quando se sente amparada e tratada com o amor e afeto que ela merece. É um titã em cena, mas ainda tem as mãos geladas de nervoso em cada ensaio, em cada espetáculo. Gloriosa! Marília Pêra é um gênio. Ela é em sua arte o que Paganini foi na sua: a genialidade está em cada detalhe, cada filigrana, cada expressão para tornar vivo o que poderia ser apenas corriqueiro. O ato de representar, os gestos, a maneira como as falas são entregues, como as piadas são armadas, as pausas preenchidas – tudo resulta em obra de arte. Eu e Charles a amamos e somos gratos por ter permitido que chegássemos, de alguma forma, perto de seu mundo. AVENIDA Q Dois senhores paulistas, que nunca haviam feito um musical – Marcos Amazonas, que vinha da área de televisão, e Marcos Mendonça, ex-senador e importantíssimo Secretário de Cultura do Governo Mário Covas, criador da lei que leva seu nome – compraram os direitos de Avenida Q, musical de grande sucesso da Broadway que usa bonecos e atores para contar uma história politicamente incorreta. Eles nos convidaram para dirigir o musical por aqui. Topamos na hora, porque acreditávamos no potencial dessa comédia musical. Realmente era muito diferente de tudo o que havíamos feito: humor ácido, muita bobagem, bonecos que fazem sexo em cena, tudo perfeito para agradar os jovens. E agradou a jovens e não jovens. Atualmente em cartaz no Rio de Janeiro há cinco meses e em vias de se transferir para São Paulo, foi um sucesso absoluto. O elenco brasileiro é sensacional, um achado para cada personagem. Revi o musical recentemente na Broadway e posso afirmar: nosso elenco é muito melhor que o deles! Usamos bonecos iguais aos da montagem norte-americana. As piadas são outras, a direção é diferente, as letras são em português, mas fizemos questão de pedir os bonecos para o mesmo designer que fez os da Broadway, pois afinal eles são a alma da peça, não dava pra arriscar com cópias. Eles – os bonecos – vieram portanto de Nova York ficaram retidos na Alfândega mais de 20 dias e os atores precisaram ensaiar com bonecos similares, mas que tinham um peso diferente. Foi uma pedreira no meio do nosso caminho, mas tudo acabou bem. Ninguém aguenta mais o romantismo somente. É muito chato. Avenida Q tem o frescor de uma coisa nova. Foi escrita por dois jovens de menos de 25 anos, Robert Lopes e Jeff Marx. Era para ser um especial de TV, um Vila Sésamo do mal, politicamente incorreto. Não andou o projeto, eles transformaram em musical, que fez tanto sucesso que acabou chegando à Broadway. Para nós foi muito bom depois de um clássico como A Noviça Rebelde, ousar com Avenida Q. Podíamos ter optado por algo bem água com açúcar para atrair as velhinhas na sessão da tarde. Mas como, por um motivo ou por outro, estamos sempre tirando nosso próprio tapete e revertendo expectativas, entramos de cabeça nesse mundo perigoso de bonecos e humanos e, por tabela, começamos ver muito mais jovens nos nossos espetáculos. Isso é um upgrade para nós e para os musicais. Tudo o que precisamos e queremos é que o teatro musical seja interessante não apenas para grupos que já gostavam de teatro, mas especialmente que atraia novos frequentadores ávidos de uma diversão que supunham encontrar apenas em cinema e videoclubes. O DESPERTAR DA PRIMAVERA Vimos pela primeira vez a versão musical de Duncan Sheik e Steven Sater para a peça de Franz Wedekind em 2006 em uma preview. O espetáculo havia feito tanto sucesso off-Broadway, que Tom Hulce pegou a produção e levou-a para a Broadway. Vimos a chegada da peça na Broadway. Eu tinha uma relação imensa com o texto, mas não imaginava que ia ser tão tomado pela versão musical. Assim que a luz apagou eu senti algo que sempre persigo e nem sempre acontece: desaparecer, não ser nada, ficar completamente tomado durante as horas do espetáculo – nossa, é uma das melhores sensações! Saí de lá desesperado para fazer o espetáculo, mas os agentes disseram que não adiantava nem pensar, porque havia acabado de estrear e tão cedo não iriam abrir os direitos para comprar. Logo depois veio o Tony e O Despertar ganhou todos os prêmios, o que dificultou mais ainda a negociação. No meu primeiro contato com a peça não fiquei tão encantado quanto Charles. Sou uma pessoa muito velha, antiga mesmo, não sou rock and roll. Esse tipo de música não me agrada na primeira audição, eu levo um tempo. Fiquei com medo ao assistir lá que talvez não conseguíssemos contar uma história com aquela música. Ou seja, não me empolguei tanto. Um ano depois, voltei para Nova Iorque e soubemos que o espetáculo havia sido liberado, mas só para réplica. Isso não me interessava. Um dia leio que os direitos haviam sido comprados para o Brasil e fiquei na maior depressão, por não ter batalhado mais para montar uma versão original, não uma cópia. Um dia recebo um telefonema do Sérgio Ajzenberg, que havia comprado os direitos de O Despertar da Primavera me convidando para fazer a versão das letras e propondo que fizéssemos a supervisão do espetáculo. Expliquei que a peça era o sonho da vida do Charles e se conseguíssemos unir a nossa empresa à dele talvez aceitássemos o convite. Na junção da Aventura com a Divina Comédia pintou a possibilidade de a gente oferecer um trabalho de criação. Conseguimos um feito inédito: que o espetáculo fosse liberado para estrangeiros, em especial, brasileiros – porque com os londrinos eles têm uma relação de vaivém entre a Broadway e o West End. E recriamos O Despertar da Primavera. A diferença está no cenário, na luz, nos figurinos e, principalmente, porque não é um espetáculo bipolar como o da Broadway. Lá quando entra a música, vira um concerto de rock, os atores pegam um microfone de mão, viram popstars, numa pegada meio punk, meio indie rock, um pouco Sid Vicious e também The Doors. E isso sempre me incomodou muito na concepção: acho que o texto do Wedekind tem uma pegada muito forte, sufocante, porque discute assuntos barra-pesada, e o momento rock aliviava a plateia. Não queria isso! Esse espetáculo é, sem dúvida, muito mais do Charles do que meu. Coube a ele reformular a concepção, e minha participação nisso foi muito pequena. Fiquei com a outra parte: depois que tive mais contato com a música, o que me parecia estranho virou uma paixão e acho que contamos uma história, sim. Não é como um musical mais tradicional, como A Noviça Rebelde ou Gipsy, que a história anda depois de cada música. Em O Despertar da Primavera, tudo que é cantado está na cabeça dos personagens, não define os rumos da narrativa: o sujeito está sentado na escola e canta sobre o sonho que teve com uma mulher. São muito mais impressões do que avanços reais na história. A música conta muito, sim, sobre os personagens. Tudo é muito imagético, são milhares de cores, metáforas, às vezes as canções são sobre nada, o que dificultou muito o meu trabalho de versão. Por vezes eu desejava que tudo fosse mais objetivo. Mas esse foi um grande desafio, o que exigiu uma dose de liberdade. Eu me correspondi com o autor e discuti com eles algumas dúvidas. Por exemplo, a última canção fala de um Purple Summer, mas púrpura em português é roxo, que tem uma conotação fúnebre, além de ser nome de uma doença. Eu ofereci Verão Vermelho, ele ficou preocupado de haver uma conotação política, mas acabamos chegando nessa solução mesmo. Esse é só um exemplo do tipo de trabalho filigranado que foi preciso ser feito. Tenho orgulho das letras e acho que o público em nenhum momento para e pensa que é uma tradução. Emociona de alguma maneira – isso tenho certeza. O Despertar da Primavera me deu a oportunidade de trabalhar com um elenco absolutamente jovem. Foram 3 mil inscritos, desses sobraram 500, dos 500 ficaram 300, e dos 300 tiramos 19 atores. Foi um processo muito particular e bacana, porque eu me vi pela primeira vez num gap de geração. Sempre fui muito próximo de idade dos meus elencos, no Despertar percebi que envelheci. Mas descobri também o quanto era fundamental a minha função no teatro. Fiz duas semanas de workshop com eles, sedentos de informação, sobre os mais variados assuntos: expressionismo, darwinismo, Nietzsche, Freud, sexualidade, homossexualismo, politização, abuso doméstico, e tudo foi feito com muito cuidado, com uma rede de proteção, para não entrarem num surto psicológico jovem. Eu sabia que, com afeto e na minha posição, poderia mexer na cabeça deles para sempre, e isso me deu uma responsabilidade enorme. Não tive um contato direto com os atores na fase de preparação, há algum tempo estou afastado dessa etapa, que fica mesmo a cargo do Marcelo Castro, o diretor musical. Meu trabalho é muito mais no jeito interpretativo de entregar a canção. E esse é um trabalho bem grande. Em Despertar, tive que adaptar as músicas ao canto dos atores brasileiros, interferir mesmo na maneira de cantar, na divisão das letras, é difícil explicar, mas tem a ver com o jeito dos atores dividirem as palavras, para não ficar quadradinho. Sem dúvida, O Despertar é um dos espetáculos nossos de que mais gosto, acho-o muito maduro em termos de encenação. E gosto do trabalho que fiz na parte musical. Outra descoberta fundamental para mim foi que não podia ter tabus, pois estaria negando a própria essência da peça. Não podia ter medo de marcar uma cena de sexo com uma atriz de 15 anos – e ela foi emancipada até por causa disso. Mas acho que fiz isso com a maior delicadeza. Tenho o maior orgulho por O Despertar da Primavera, mais do que um espetáculo vitorioso, ser também o despertar de uma geração de novos atores conscientes, informados, talentosos e batalhadores. FINALE Em 2010 temos novo desafio: fazer um trabalho conjunto para a televisão. Fomos convidados por Dennis Carvalho para idealizar os shows no Cassino da Urca e em um cassino na Venezuela na minissérie Dalva e Herivelto, de Maria Adelaide Amaral.Todas as sequências desses shows serão totalmente concebidas por nós, cenografia, coreografia, figurinos, concepção musical. Idealizamos os números, recebendo uma generosíssima carta branca do Dennis, e os superprofisisonais da Globo – cada qual no seu setor – criaram a partir de nossas conversas. Sem dúvida um momento de muito orgulho e muito lisongeiro para a dupla. Na verdade nunca pensamos em fazer televisão, não é algo que faça parte do nosso imaginário. Mas Dalva e Herivelto foi um convite irresistível, e veio de um modo tão amoroso e simpático que, mesmo temerosos, resolvemos enfrentar o desafio. Talvez possamos fazer mais coisas na televisão um dia, assim como no cinema – o que alías já existe em planos bastante secretos. A nossa vida, porém, é e sempre será o teatro musical. O teatro musical trouxe, nos últimos anos, mais gente para o teatro. Muito mais gente do que jamais imaginávamos que fosse possível lá no nosso início, junto com a Claudia Netto nas segundas-feiras do Teatro Ipanema. Mais gente ainda que nos primeiros arroubos da dupla Charles Möeller & Claudio Botelho tentando inventar um jeito brasileiro de fazer musical, sem precisar necessariamente esbarrar em samba, mulatas e futebol. Nesses vinte e poucos anos, fomos da absoluta ingenuidade e coragem a uma realidade que, estamos certos, mudou a cara do entretenimento no Brasil. Ter participado ativamente disso, de alguma forma, já terá valido uma vida. Charles Möeller & Claudio Botelho CRONOLOGIA A duplA MÖeller & Botelho Prêmios 1997 Prêmio Sharp de melhor Musical: As Malvadas 2000 Prêmio Governador do Estado a Claudio Botelho pela direção musical de Cole Porter -Ele Nunca Disse que Me Amava - 2004 Prêmio Shell de Música para Liliane Secco, por Cristal Bacharach Prêmio Shell para Claudio Botelho pelas versões para o português do musical Tudo é Jazz! 2007 Prêmio Shell de melhor direção (Charles Möeller), figurino (Rita Murtinho) e iluminação (Paulo Cesar Medeiros) por 7 – O Musical 2008 Prêmio APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio) de Autor (Charles Möeller), Diretor (Charles Möeller & Claudio Botelho), Figurino (Rita Murtinho), Iluminação (Paulo César Medeiros) por “7 – O Musical”, além do prêmio na Categoria Especial (Charles Möeller & Claudio Botelho, pela atividade contínua das diferentes modalidades do teatro musical) Prêmio Contigo! de Teatro de Melhor Espetáculo Musical Nacional para “Beatles num Céu de Diamantes” e de Melhor Espetáculo Musical em Versão Brasileira para “A Noviça Rebelde” Prêmio Qualidade Brasil de Melhor Espetáculo Teatral Musical para “A Noviça Rebelde”, e Melhor Diretor Teatral Musical para Charles Möeller & Claudio Botelho. Prêmio Shell para Charles Möeller & Claudio Botelho na Categorial Especial, pela expressiva contribuição ao gênero musical no cenário carioca. chArles MÖeller 1986 O Noviço, de Martins Pena, com direção de Neyde Veneziano Interpretação 1989 O Concílio do Amor, de Oscar Panizza, direção Gabriel Vilella Interpretação, Cenários e Figurinos Outra Vez, de John Francis Lane, direção Sérgio Viotti Interpretação 1990 Master Harold e os Meninos, de Athol Fugard, direção Antônio Mercado Interpretação 1991 Hello Gershwin, musical com obras de Gershwin e direção de Marco Nanini Cenografia, Figurinos Dorotéia, de Nelson Rodrigues e direção de Carlos Augusto Strazzer Cenografia, Figurinos O Alienista, de Machado de Assis e direção de Almir Telles Cenografia, Figurinos 1992 Colombo, de Michel de Ghelderode e direção de Marcus Alvisi Interpretação 1994 O Médico e o Monstro, de George Osterman e direção de Marco Nanini Cenografia, Figurinos 1995 Lago 22, inspirado em Eduardo II, de Marlowe, e direção de Jorge Takla Interpretação 1996 Exorbitâncias, uma Farândola Teatral, de vários autores e direção de Antônio Abujamra Cenografia, Figurinos, Interpretação O Jovem Torless, de Robert Musil e direção de Ivone Hoffmann Figurinos Futuro do Pretérito, de Regiana Antonini e direção de Marcelo Saback. Cenografia, Figurinos Os Fantástikos, de Harvey Schmidt e Tom Jones com direção de Elias Andreato Cenografia, Figurinos A Gaivota, de Tchecov com direção de Jorge Takla Interpretação 1997 Volúpia, escrito e dirigido por Ana Kfouri Cenografia, Figurinos Na Bagunça do Teu Coração, de João Máximo e Luiz Fernando Vianna, com direção de Bibi Ferreira. Cenografia, Figurinos O Casamento, de Nelson Rodrigues, direção de Antônio Abujamra e João Fonseca Cenografia, Figurinos 1998 Amor de Poeta, de Tiago Santiago, direção de André Mauro Cenografia, Figurinos Auto da Compadecida, de Ariano Susassuna dirigido por João Fonseca Cenografia, Figurinos 1999 Gula, escrito e dirigido por Ana Kfouri Cenografia, Figurinos 2000 A Diabólica Moll Flanders, de Daniel Defoe Adaptação, Direção, Cenografia, Figurino Televisão Participou como ator das novelas Mico Preto (1990/91-TV Globo), Ana Raio e Zé Trovão (1992/93 -TV Manchete), Idade da Loba (1994/95 -TV Plus / Band) e Xica da Silva (1996 -TV Manchete), além de episódios de Você Decide e A Vida Como Ela É, na TV Globo Prêmios 1989 Mambembe, Shell, Apetesp e Associação Paulista de Críticos de Artes – APCA, por cenário e figurinos em O Concílio do Amor. 1997 Prêmio Shell pelos figurinos de O Casamento. clAudio Botelho 1980 Os Meninos da Rua Paulo, de Ferenc Molnar, direção de Luiz de Lima Interpretação e adaptação 1982 Quixote, musical baseado em Miguel de Cervantes, direção de Eric Nielsen Interpretação e autor das canções 1987 Moça Nunca Mais, de Ary Fontoura, direção de Ary Fontoura Autor das canções 1989 Casamento Branco, de Tadeusz Rosewicz, direção de Sérgio Britto Interpretação (músico) e autor das canções Tambores na Noite, de Bertolt Brecht, direção de Luiz Fernando Lobo Autor das canções 1990 Um e Outro, com poemas de Manuel Bandeira e Fernando Pessoa, direção de Miguel Falabella Autor das canções e músico. 1991 Hello Gershwin, com direção de Marco Nanini Interpretação 1993 De Rosto Colado, com direção de Marco Nanini Interpretação 1994 Romeu e Julieta, balé com direção de Sérgio Britto Compositor da música original 1995 Fred e Judy, com direção de Paulo Afonso de Lima Interpretação 1996 Os Fantástikos, de Harvey Schmidt e Tom Jones com direção de Elias Andreato Interpretação, tradução, adaptação e direção musical 1997 Memórias do Interior, balé com direção de Sérgio Britto Autor da música original 1998 Na Bagunça do Teu Coração, de João Máximo e Luiz Fernando Vianna, com direção de Bibi Ferreira. Interpretação Sondheim Tonight, com direção de Paulo Afonso de Lima Interpretação Discografia 1998 Na Bagunça do teu Coração Claudia Netto & Claudio Botelho 2001 Company Original Brazilian Cast 2005 Lado a Lado com Sondheim Original Brazilian Cast 2008 A Noviça Rebelde Produção do CD com o elenco brasileiro do musical. Televisão Claudio Botelho e Cláudia Netto participaram do programa Série Grandes Compositores, naTVE, apresentando, em cinco programas, canções de Gershwin, Cole Porter, Irving Berlin, Rodgers & Hart e Jerome Kern, com direção de Dermeval Netto e Maurício Sherman. Prêmios 1999 Prêmio Mambembe, pelo conjunto de seus trabalhos naquele ano. 2000 Prêmio Governo do Estado do Rio de Janeiro por seu trabalho em Cole Porter 2004 Prêmio Shell pelas versões para o português do musicalTudo é Jazz!. Crédito Das Fotografias Acervo Pessoal Charles Möeller 12, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 29, 35, 37, 42, 45, 69, 102 Acervo Pessoal Cláudio Botelho 4, 48, 51, 52, 55, 58, 61, 74, 79, 96, 119 Bruno Veiga 92 Cedoc – Rede Globo 26 Chico Lima 87, 89 Danilo Jr. 98, 99 Fernando Resendes 10, 124, 125, 126, 129 Guga Melgar 63, 80, 81, 88, 91, 93, 94, 95, 97, 100, 103, 105, 107, 108, 128 João Caldas 130, 131, 133, 134, 136, 137, 4a capa Lenise Pinheiro 30 Léo Aversa 14, 66, 71, 111, 120, 122, 139, 140, 142 Marcos Mesquita 157, 161 Marian Starosta 71, 152, 153, 155, 170, 171, 173, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184 Paschoal Rodriguez 137 Paulo Ruy Barbosa 148, 149, 150, 151 Robert Schwenck 17, 46, 144, 145, 149, 150, 151, 159, 160, 161, 165, 166, 167, 168, 169, 183, 1a capa Tina Salles 65, 72, 77, 112, 113, 114, 115, 117, 121, 123, 138, 140, 141, 143, 146, 162, 163 A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso série cineMA BrAsil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro Alfredo Sternheim - Um Insólito Destino Alfredo Sternheim O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Luiz Villaça, Mariana Veríssimo, Maurício Arruda e José Roberto Torero Críticas de B.J. Duarte - Paixão, Polêmica e Generosidade Luiz Antonio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Feliz Natal Roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Francisco Ramalho Jr. - Éramos Apenas Paulistas Celso Sabadin Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Máximo Barro - Talento e Altruísmo Alfredo Sternheim Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sergio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Vlado - 30 Anos Depois Roteiro de João Batista de Andrade Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende série cineMA Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini série ciênciA & tecnoloGiA Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital - Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis De Luca série crônicAs Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebracabeças Maria Lúcia Dahl série dAnçA Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis série MÚsicA Rogério Duprat - Ecletismo Musical Máximo Barro Wagner Tiso - Som, Imagem, Ação Beatriz Coelho Silva série teAtro BrAsil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico Garcia Lorca - Pequeno Poema Infinito Antonio Gilberto e José Mauro Brant Ilo Krugli - Poesia Rasgada Ieda de Abreu João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat José Renato - Energia Eterna Hersch Basbaum Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Abílio Pereira de Almeida Abílio Pereira de Almeida O Teatro de Alberto Guzik Alberto Guzik O Teatro de Antonio Rocco Antonio Rocco O Teatro de Cordel de Chico de Assis Chico de Assis O Teatro de Emílio Boechat Emílio Boechat O Teatro de Germano Pereira - Reescrevendo Clássicos Germano Pereira O Teatro de José Saffioti Filho José Saffioti Filho O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia? Alcides Nogueira OTeatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek O Teatro de Sérgio Roveri Sérgio Roveri Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto série perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Berta Zemel - A Alma das Pedras Rodrigo Antunes Corrêa Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré - Mestre do Seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Débora Duarte - Filha da Televisão Laura Malin Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro - Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro - A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Fernando Peixoto - Em Cena Aberta Marília Balbi Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Isolda Cresta - Zozô Vulcão Luis Sérgio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch - O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert Jorge Loredo - O Perigote do Brasil Cláudio Fragata José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça - Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Naum Alves de Souza: Imagem, Cena, Palavra Alberto Guzik Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silnei Siqueira - A Palavra em Cena Ieda de Abreu Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodriguiana? Maria Thereza Vargas Stênio Garcia - Força da Natureza Wagner Assis Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Theresa Amayo - Ficção e Realidade Theresa Amayo Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Umberto Magnani - Um Rio de Memórias Adélia Nicolete Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Walter George Durst - Doce Guerreiro Nilu Lebert Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat especiAl Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Mazzaropi - Uma Antologia de Risos Paulo Duarte Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Odorico Paraguaçu: O Bem-amado de Dias Gomes - História de um personagem larapista e maquiavelento José Dias Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero - Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Coleção Aplauso Série Especial Coordenador Geral Coordenador Operacional Editor Assistente Pesquisa Iconográfica Projeto Gráfico Direção de Arte Editoração Tratamento de Imagens Assistência a Editoração Revisão Rubens Ewald Filho Marcelo Pestana Felipe Goulart Alan Diniz/Leonardo Moreira Via Impressa Design Gráfico Paulo Otávio William F. Santos Clayton Policarpo Deiverson Ribeiro José Carlos da Silva Isabel Ferreira Marilena Villavoy Paulo César Tenório Benedito Amancio do Vale © by Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Carvalho, Tania Charles Möeller e Claudio Botelho : os reis dos musicais / Tania Carvalho – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 200 p. : il. – (Coleção aplauso. Série especial / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-815-4 1. Musicais – Brasil – História e crítica 2. Musicais – Produção e direção 3. Möeller, Charles 4. Botelho, Claudio I. Ewald Filho, Rubens II. Título. III. Série. CDD 792.609 81 Índice para catálogo sistemático: 1. Musicais brasileiros : Produção e direção 792.609 81 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei no 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800 0123 401 Formato 23 x 31 cm Tipologia Frutiger, Univers e ChaletComprime Papel miolo Couche fosco 170g/m2 Papel capa Duo Design 350g/m2 Número de páginas 200 CTP, Impressão e Acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Imprensa Oficial