Walter George Durst Doce Guerreiro Walter George Durst Doce Guerreiro Nilu Lebert IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo culturalparaesse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Prefácio Walter, inconformista A trajetória de Walter George Durst é exemplo acabado do pioneiro da TV no Brasil. Autodidata, aprendeu dramaturgia transcrevendo diálogos de filmes americanos no escurinho do cinema. Ele anotava as falas do personagem masculino; Bárbara Fazio, musa-mulher – mas também taquígrafa –, anotava os diálogos femininos. Em seguida ele reconstituía o drama em linguagem de rádio. Assim surgia o programa Cinema em Casa, na Rádio Tupi. Para a geração de Walter, o cinema foi escola de vida. Além de alimentar a fantasia e proporcionar evasão, ensinava a beijar. A ele, ensinou igualmente a contar histórias com imagens e sons, que veio a ser sua profissão. Quando a TV apareceu demandando talentos, arrebanhou o povo do rádio. Walter, bem moço, foi explorar o novo meio. Factótum, foi roteirista, produtor, diretor, contra-regra, sonoplasta. Criou programas marcantes como TV de Vanguarda, Teatro 63; não recusou aula de supletivo, programa de auditório; inovou na escrita de novela, minissérie, caso especial, adaptações teatrais e literárias de grandes autores, cuja companhia apreciava, grande leitor que era. Sua obra ajudou a cristalizar os gêneros na TV. Trabalhou com Túlio de Lemos, Lima Duarte, Cacilda Becker, Roberto Palmari, Walter Avancini, Ozualdo Candeias e todo mundo, em 50 anos de carreira. Mestre de Boni, que lhe atribui mérito no reconhecimento do padrão internacional alcançado pela TV brasileira. Não resta dúvida de que Walter Durst teve papel decisivo na consolidação da TV no Brasil. Disponível à novidade, com gosto pela experimentação, sensível ao aspecto popular, a sua boa formação autodidata em teatro e cinema e sua passagem pelo rádio o habilitaram a formatar a ficção no novo veículo. Sem nenhum caráter, nossa TV é híbrida, sentimental e vulgar. Enquanto seus colegas a desprezavam, Walter compreendeu sua importância social e agiu no sentido de valorizá-la. Idiossincrático, Walter estava naturalmente na contracorrente. Se o futebol se institucionalizava, procurava a várzea, onde permanecia espontâneo. Temia golpe de ar, dirigia mal e nadava bem. Comunista, não casou na igreja, contrariando o sogro. Viciado em máquina de escrever, Walter George Durst não tinha a menor vaidade autoral. Amava o autêntico. Tinha paixão por Bárbara Fazio. À filha Ella legou um nome de personagem e o gosto apurado. Ao filho Marcelo, a vocação original: o cinema. Filho de pai-tirano e mãe-coragem, reagiu com ironia à vida difícil. Doce inconformista. Carlos Augusto Calil (que ele chamava de capitão, por que será?) Introdução Carta aberta a Walter G. Durst São Paulo, junho de 2009 Durst: Veja só, meu caro, como é de praxe, a editora me pediu uma apresentação desta biografia. E fiquei aqui me perguntando de que forma eu poderia relatar (como costuma ser feito nestas páginas iniciais) os encontros que tivemos numa época em que eu nem poderia imaginar escrever, tantos anos depois, a história da sua vida . E agora que você está longe – e tão perto – volto ao passado e ao momento em que nos conhecemos, finalzinho da década de 1960, quando eu me admirava ao ver seu amor explícito pela Bárbara Fazio, na época sua companheira de quase duas décadas. Digo amor explícito porque seu olhar, de puro carinho, era lindo de se ver! E eu, ainda que muito jovem, podia perceber que um homem com coragem de se mostrar tão despudoradamente extasiado diante da própria mulher deveria ser uma pessoa especial. Como você sempre foi. Não me esqueço do dia em que você fez questão de nos levar ao cinema para assistir a um filme que você queria rever porque havia gostado tanto, mas tanto, que precisava compartilhar aquela emoção com os amigos. Era um filme dirigido pelo Sam Peckinpah, um western que virou cult e que se chamava Meu Ódio Será sua Herança (The Wild Bunch, 1969). Na tela, a violência estilizada fazia você vibrar. Simbolismo e ambiguidade, a câmera lenta nas cenas de ação, e você ali, aplaudindo mentalmente essa nova linguagem cinematográfica. É, Walter, você sempre incentivou os pioneiros, talvez por ter sido um deles. A ousadia foi sua marca registrada, e você não se amedrontava diante dos riscos e das dificuldades na busca pela perfeição. Nunca desistiu. Lembra dos anos que você levou para persuadir a cúpula da Rede Globo a aprovar a realização da sua minissérie adaptada do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa? Eles acreditavam que fosse uma história antipopular, que não daria audiência, e você ali, insistindo, argumentando que a televisão precisava inovar, e não continuar repetindo fórmulas dos filmes e peças de sucesso. Você escolheu andar na contramão e deixou de lado o óbvio, o previsível. Ainda bem. Sem fazer concessões nessa sua caminhada, você produziu, adaptou e dirigiu grandes textos internacionais e brasileiros, levando para as telas (grandes e pequenas) tragédias e comédias pinçadas na literatura de maior qualidade. Com isso, deu ao grande público a oportunidade de conhecer Noel Coward, Jorge Amado, Ibsen, Guimarães Rosa, Tolstoi, Garcia Lorca e tantos, tantos outros autores de primeira grandeza. Como te agradecer? Escrever esta biografia (que é honra, privilégio e prazer) talvez seja também uma forma de agradecimento, além da oportunidade de registrar sua história de vida, suas lutas, sua coragem e seu talento. Teria sido impossível realizá-la sem a ajuda amorosa e constante de sua mulher, Bárbara Fazio, e dos seus filhos Ella e Marcelo. E também da sua irmã Ângela Salomé que, morando na Suíça e do alto dos seus 85 anos, datilografou dezenas de páginas numa carta/relatório na qual rememora fatos da sua infância com humor e lucidez impressionantes. Sou muito grata a ela e, também, a todos os amigos cujos depoimentos estão incluídos ao longo desta narrativa. Se este livro tivesse uma trilha sonora, qual seria? Sei o quanto você valorizava a música como pano de fundo para seus textos. Foi assim desde o seu primeiro programa de rádio (o Universidade no Ar, Rádio Cultura, 1946) com Bach sempre presente na abertura. Mas, aqui, poderíamos usar um sucesso de Ray Charles, talvez o Georgia on my Mind. Acertei? Pensei nele porque em uma das primeiras viagens do cantor ao Brasil, feita por iniciativa da TV Excelsior, você foi incumbido de dirigir e editar a filmagem do show Ray Charles Entre Nós. O registro – em videoteipe – dessa histórica apresentação foi exibido na TV três dias depois do espetáculo. E você, que até então desconhecia o artista, se empolgou com suas canções. Quem me contou essa história foi Ella, sua filha que, anos mais tarde, lhe acompanhou em uma viagem aos Estados Unidos onde você fez questão de rever Ray Charles em novo show. Bom, uma vez decidida a trilha sonora, preciso dizer que este livro tem, para mim, um doce sabor. Percorrer sua trajetória por meio de tantos depoimentos afetuosos me fez sentir um gosto puro de pão quente, de um tempo em que ele não era acrescido de substâncias químicas e outros artifícios. Um pão generoso, tão generoso como vocês – que sempre abriram as portas da casa e do coração para alimentar quem ali bates-se. Ao longo dessas páginas isso fica muito claro e o sabor se intensifica, você vai ver. Depois que você partiu, várias teses e artigos foram escritos sobre sua obra, mostrando que tudo o que você plantou, sonhou e realizou, deixou mais claros os caminhos para que novas gerações pudessem percorrer com maior segurança as estradas da arte e da vida. Mas, agora, chegou o momento de compartilhar suas experiências com o leitor. Então, me despeço de você antes de começar a narração. Até breve, nos vemos por aí. Nilu Lebert Capítulo 1 Hospital Oswaldo Cruz, madrugada do dia 30 de abril de 1997, em São Paulo. A enfermeira entrou para verificar a febre e trazer o remédio. Walter, com doçura, agradeceu. Mas o sono, interrompido, demorou a chegar. Lembranças intensas se sucediam em cenas rápidas e desconexas naquele tumultuado filme mental que ele procurava deter. Virou para o outro lado da cama, respirou profundamente e olhou para a mulher, Bárbara Fazio, deitada no sofá ao lado. Então, sorriu por dentro. Estava acompanhado. Mais relaxado, a sequência de imagens agora se tornava coerente, e ele se viu jovem na tela da memória. Precisamente na cena em que entrou no escritório do pai dela, Domingos Fazio, dizendo Bom dia. Vim aqui lhe dizer que vou me casar com a sua filha Bárbara. A resposta veio imediata: Ponha-se daqui pra fora!. Pudera: era a década de 40, e os valores morais de uma família italiana, católica e burguesa, não poderiam admitir tamanha ousadia. Por sorte, a irmã de Bárbara, Leonor, que trabalhava com o pai, acalmou os ânimos. Algum tempo depois, o namoro foi oficializado. Eles se apaixonaram logo no primeiro encontro, em 1946. Na época, Walter (recém-chegado de Campinas onde trabalhava como bancário) começava a produzir um programa na Rádio Cultura chamado Universidade no Ar, e estava selecionando jovens que pudessem ler expressivamente os poemas escolhidos por ele. Bárbara, que já declamava nos eventos da Igreja da Avenida Pompéia, foi levada por uma amiga para fazer o teste. Leu uma poesia de Gabriela Mistral, ganhou o emprego e o coração de Walter. O programa, experimental, teve vida curta, mas o amor dos dois não teve fim. As lembranças do tempo em que trabalhou no rádio eram doces, e ele repassou mentalmente cada experiência vivida nesse veículo que lhe permitiu, por fim, encontrar sua realização pro-fissional. Depois que saiu da Rádio Cultura, teve uma rápida passagem pela Rádio Bandeirantes, onde escrevia um programa chamado História Universal – no qual contava a vida dos grandes gênios da História. Lá conheceu Octávio Gabus Mendes, que o encaminhou para a Rádio Tupi Difusora (onde já trabalhava seu filho Cassiano) com a missão de fazer um programa chamado Cinema em Casa. Na Tupi, Walter passou a escrever também outros programas, como o Fada Soquete, que era feito a partir de contos de fadas atualizados, e o Esses Parentes Valem Ouro, com duração de uma hora, uma sátira ao nepotismo cujos enredos ele escrevia inspirado em histórias reais. E também fazia críticas dos filmes em cartaz, num programa semanal no qual se mostrava implacável e demolia, literalmente, filmes dos quais não gostava. Ao lado dessas realizações, trabalhava como repórter no Jornal de Notícias. Mas, no rádio, o programa da sua predileção foi, sempre, o Universidade no Ar. Não fosse por ele, talvez não tivesse conhecido sua musa, Bárbara, inspiração constante ao longo de toda a vida. Centenas de bilhetes foram trocados por eles, um hábito que se prolongou por décadas. Depois de casados, e mesmo morando na mesma casa, passaram a assinar as mensagens com nomes fictícios, criando identidades e personagens de acordo com o momento e a intenção. Bárbara guardou cada um deles. Palavras de amor e humor pontuavam o dia a dia dos dois. No quarto silencioso do hospital Durst visitou, de olhos fechados, os antigos corredores da Difusora. Como foram intensos os anos do rádio! Lembrou-se do trabalhão que dava fazer o programa Cinema em Casa, onde ele adaptava para o rádio filmes de sucesso criando um rádioteatro com os diálogos da tela. Ao lado de Bárbara, iam ao cinema e, no escuro, escreviam os diálogos dividindo as falas dos protagonistas: ele, o vilão; ela, a mocinha, e assim por diante. Depois, cada um na sua casa passava o texto a limpo separando as falas de cada rádioator. O texto era escrito e duplicado com papel carbono (aquele roxo que manchava as mãos) e, depois, mimeografado. Só então ele montava o script, sugeria a trilha sonora e selecionava o elenco. As dificuldades em realizar os programas eram desafios que ele enfrentava e, percebia agora, até buscava. Prova disso foi a escolha de transpor, para o Cinema em Casa, um filme de Hitchcock. Nele, o mestre do suspense mostrava o desenrolar da história quase sem diálogos, em cenas que eletrizavam o espectador apenas com imagens: a sombra do assassino subindo as escadas, a luva preta deixada sobre a mesa por outro bandido, um cigarro apagado no cinzeiro, pistas visuais que conduziam o enredo e eram a marca registrada do diretor. Como radiofonizar essas imagens? Durst, usando seu talento e criatividade, se superava solucionando o problema com trilhas musicais e efeitos sonoros, dando aos ouvintes o conhecimento necessário para acompanhar a trama. Quando Walter foi efetivado na Tupi-Difusora, com contrato assinado e salário fixo, finalmente pôde se casar. Na rádio, os colegas fizeram uma lista de casamento na qual as contribuições foram feitas em dinheiro. Mas a quantia arrecadada foi dada ao Partido Comunista, obedecendo ao desejo de Walter. Era o início da década de 50, e a televisão chegava ao Brasil. Para ele, isso significou a abertura de portas de um celeiro de idéias, e uma delas foi a criação do programa TV de Vanguarda. Seu depoimento a esse respeito é sugestivo: Nós não tínhamos noção nenhuma de lingua-gem de TV, ficamos livres e sem modelos. Prá nós foi um campo maravilhoso de experiências. E me lembro da frase de Orson Welles: Mas pra que serve a TV? Para experiências. Então começamos a experimentar. Com que sentido e com que critérios? Tudo de cinema que tínhamos na cabeça. Eu era metido a fazer roteiro de cinema. Já tinha feito para a Vera Cruz e Multifilmes. Então a gente acreditava que a transposição de filmes para a TV ou de um romance como Calunga, por exemplo, de Jorge de Lima, seria possível. Às vezes tinha uma hora e meia ou duas de duração, ao vivo, de 15 em 15 dias. Nós tivemos que movimentar as câmeras, e de que forma essas câmeras iriam registrar isso e passar pro ar um filme que estávamos imaginando? Então descobrimos a beleza de uma câmera em movimento, e surgiu o primeiro esquema de colocar a câmera para não pular o eixo, porque o pulo do eixo é fatal. Tínhamos que aprender tudo isso. Mas houve tempo. O TV de Vanguarda ficou 12 anos sob minha direção. Nos meus scripts eu fazia todas as indicações de direção. O programa de rádio Cinema em Casa foi o embrião do TV de Vanguarda, na TV Tupi (canal 3, 1951/1963). Completando o depoimento de Durst acima, de 1969, Bárbara Fazio relembra agora o empenho de Walter para atingir o alto padrão de qualidade que se tornou sua marca registrada: O TV da Vanguarda era exibido quinzenalmente aos domingos, e o ritmo de trabalho era intenso: na primeira semana Walter trabalhava na adaptação do texto e, na segunda, ensaiava e dirigia os atores. Dirigia é modo de dizer, porque ele fazia bem mais do que isso: acompanhava o projeto e a elaboração dos cenários, se preocupava com os detalhes de cena e frequentemente levava da nossa casa objetos como colchas, almofadas, quadros e tapetes para enriquecer a composição cenográfica. Mais do que isso, ia pessoalmente alugar os figurinos (quando o texto era de época) na Casa Teatral. Já para os enredos mais atuais, eram os próprios atores quem levavam suas roupas para Walter escolher, uma vez que não havia acervo de vestuário na emissora. Para tudo isso, contava com a parceria de Cassiano Gabus Mendes que, na época, era o diretor artístico da Tupi. Durst definia também a trilha sonora e escolhia pessoalmente o elenco, na grande maioria composto pelos colegas da rádio, como Lima Duarte (exsonoplasta da Tupi-Difusora), Dionísio Azevedo, Jayme Barcellos, Francisco Negrão, Lia de Aguiar, Márcia Real, Marly Bueno, Wilma Bentivegna e eu, que participei de alguns deles. O TV de Vanguarda foi ao ar durante 12 anos ininterruptos, de 1951 até 1963, e nele foram apresentados textos como A Casa de Bernarda Alba (Federico Garcia Lorca), A Herdeira (Sidney Sheldon), Sinfonia Pastoral (Andre Gide) e Calunga (Jorge de Lima) e muitos, muitos outros. Selecionar os textos era uma tarefa à qual Walter se entregava com prazer. Especialmente porque o público televisivo era composto pela elite social e econômica (os aparelhos de televisão, na época, eram muito caros) e, como ainda não existia a tirania do Ibope, Walter tinha a liberdade de adaptar textos clássicos, contos russos, peças inglesas e italianas, além de vários romances de autores brasileiros, preocupando-se unicamente com a qualidade. Para isso, garimpava livros em sebos e pesquisava incansavelmente. O novo veículo exigia uma forma de interpretação mais intimista, e Walter se esforçava para tirar dos atores o costume de teatralizar as falas. Sem medo de errar, posso dizer que ele reformulou nosso jeito de representar, antes mais enfatizado (como era de praxe no teatro) e que, na televisão, deveria ser mais leve e coloquial, como no cinema. Durst chegou até a ministrar um curso destinado a atores sobre a arte de falar cinematograficamente, realizado no prédio dos Diários Associados que ficava no centro de São Paulo, na Rua 7 de Abril. A São Paulo cultural, no início da década de 1950, pulsava tão rápido quanto o coração de Durst. O Masp já funcionava no prédio dos Diários Associados, a televisão revolucionava os hábitos da elite socioeconômica, e a primeira exposição de arte em história em quadrinhos do mundo se dava em São Paulo, no dia 18 de junho de 1951. Walter vivia um período de constantes descobertas, profissionais e afetivas. Novos desafios, novas amizades. Amigos feitos naquela época, como Álvaro Moya, o acompanharam até o final da vida. Depoimento de Álvaro Moya Eu era desenhista de histórias em quadrinhos e sempre fui apaixonado por cinema, jazz e literatura. Não perdia os programas de rádio do Durst, e adorava as críticas de cinema que ele fazia na Tupi-Difusora. Numa delas, ele comparou a estética de um filme que estava em cartaz aos quadrinhos de Al Capp (criador da Família Buscapé e de Ferdinando). Isso me deu a certeza de que eu precisava conhecer o dono daquela voz grave, conhecedor do universo das histórias em quadrinhos e que tinha coragem de demolir, por exemplo, filmes como O Caiçara, que ele chamou de Pic-nic em Ilhabela... Liguei para a emissora e acabamos nos conhecendo. Só que a voz do Walter ao telefone me pareceu diferente, era outra, menos grave e potente. Pudera! Quem lia as críticas escritas por ele era Dionísio Azevedo... Tínhamos muitos interesses em comum, e logo passei a integrar a seleta turma do rádio. Walter e eu trocávamos impressões sobre livros e filmes, aprendi muito com ele. Na época, o desenhista do jornal O Tempo precisou se afastar do cargo por motivo de saúde e eu fui contratado como ilustrador do jornal. Daí para o Walter me convidar para fazer os desenhos da inauguração da TV Tupi foi um pulo. Fiz os letreiros do Show da Taba e criei o logotipo PRF3-TV Tupi Difusora Apresenta, que foi mantido até 1960. Entrei, pelas mãos de Walter, no mundo da televisão brasileira. Os profissionais do rádio migraram para a televisão. A turma do rádio, do rádioteatro, da rádionovela e do rádiojornal mudou de endereço (Walter Forster, Dionísio Azevedo, Lima Duarte, Lia de Aguiar, Cassiano Gabus Mendes e muitos outros). Felizmente todos eles amavam o cinema. Mas, é sabido, precisávamos desenvolver uma linguagem própria para o novo veículo. As referências que tínhamos eram as da televisão européia, essencialmente cultural, educativa, que exibia concertos e óperas, e da TV norteamericana, com os filmes classe D de Hollywood, como os do Roy Rogers. Foi aí que o talento de Durst entrou em cena, sempre escudado pela mulher, Bárbara. No início, o romance entre Bárbara e Durst foi conturbado, difícil mesmo. Ele era ateu e comunista, tinha idéias que se opunham ao modelo baseado na inflexibilidade moral e política adotada pelos Fazio – orgulhosos por se manterem fechados em seus princípios. E, pior: ele era artista (leia-se aqui marginal, sonhador), a antítese do marido que sonhavam para a filha. Alguns anos se passaram em meio a discussões e muitas lágrimas até que chegou o dia do sonhado casamento, o dia 17 de fevereiro de 1950. Foi uma cerimônia simples, no cartório, bem diferente do que a família dela planejava e que incluía igreja, véu e grinalda, missa cantada, damas de honra e benção de alianças. Já com a certidão de casamento em mãos, houve um almoço na casa de Bárbara para que as famílias finalmente se conhecessem. Lá estavam os Fazio, a mãe do noivo (Theodolinda) e sua irmã, Ângela Salomé. Walter olhou o relógio, já passava das 4 horas. Sentia os olhos pesados pelo o sono, mas não queria dormir. Só foi vencido pelo cansaço quando o dia parecia amanhecer. Capítulo 2 Manhã do dia 30 de abril Foi acordado pelo beijo da mulher, sentada ao seu lado na cama. Recém-saída do banho, cabelos molhados ainda, ela segurou as mãos dele antes de dizer que deveriam esperar pelos enfermeiros que viriam buscá-lo para fazer um exame radiológico em outro andar do hospital. Durante o café da manhã, Walter comentou que passara a noite rememorando o conturbado romance dos dois. Ela começou a rir e perguntou se ele se lembrava da lua de mel. E dá para esquecer? Prometo que ainda vou dar um jeito de escrever essa história! Bárbara se lembrava de todos os detalhes, a começar pela mala cheia de livros que ele carregava na viagem de núpcias. Como o dinheiro era contado, o casal aceitou o convite de um colega de Walter da Rádio Tupi-Difusora para que passassem uns dias na casa de praia da mãe dele em São Sebastião. Isso se não se importassem com o fato de que os colegas Lima Duarte e Dionísio Azevedo também estivessem por lá... Depois de tudo acertado e acabado o almoço do casamento, os dois seguiram para a estação rodoviária onde pegaram um ônibus até Mogi das Cruzes. Lá, passaram a noite em um hotel recém-inaugurado e indicado pela colega Vida Alves. No dia seguinte, Lima e Dionísio chegaram para seguirem juntos a viagem até a praia. Uma queda de barreira na estrada impediu a circulação dos ônibus para o litoral e, depois de vários imprevistos que incluiu uma carona e muitas peripécias, o quarteto seguiu para Santos. Na praia do Gonzaga, receberam a visita da família de Bárbara. Ou seja: os noivos viveram uma lua de mel que mais parecia enredo das comédias italianas da década de 50, filmes que, aliás, Walter adorava. Depoimento de Bárbara Fazio Durst em maio de 2009 Minha admiração por ele começou desde o dia em que o conheci, mas foi só com o passar dos anos que pude compreendê-lo profundamente. Meu marido era anticonvencional por natureza, um esteta assumido, extremamente criativo e inapelavelmente perfeccionista. Odiava tudo o que fosse lugar comum, e não admitia soluções óbvias. Essas características, creio eu, impediramno de se tornar um autor popular e de ganhar muito dinheiro. Sua proposta sempre foi a de inovar, e seus fracassos ocorreram porque ele não sabia nem queria fazer concessões, uma atitude que hoje é chamada de nivelar por baixo. Não me esqueço de um telefonema que trocamos quando a novela Terras do Sem Fim começou a perder público. Eu estava no elenco, as gravações eram no Rio de Janeiro e, certo dia, liguei para ele implorando para que ele desse um jeito de a novela ficar mais ao gosto do grande público das 18 horas. E ele me respondeu, com uma ponta de desespero, Eu não sei, eu não sei! Na televisão, escorava-se em adaptações para conseguir aceitação dos seus projetos. Com isso, alcançou vários sucessos, mas devo dizer que essas vitórias foram decorrentes de muito, muito trabalho, e raramente com argumentos de sua total autoria. No entanto, as três peças que ele escreveu como único autor foram muito bem recebidas pela crítica e todas foram publicadas. Tudo o que ele escrevia tinha que ter uma razão, uma mensagem social. Walter era um homem piedoso, que amava o próximo. No dia-a-dia, era carinhoso com todos, compreensivo, participativo, brincava muito e amava a vida. E os nossos gatos, que retribuíam esse amor do jeito deles, com a presença, com o olhar, com suas brincadeiras. Aliás, percebo hoje várias semelhanças entre ele e os gatos, que também não são de fazer concessões, são corajosos e sempre mostram a verdadeira personalidade. Tarde do dia 30 de abril A moça da copa entrou no quarto pela primeira vez. Era baixinha, cor de canela, sorridente e tinha um forte sotaque baiano. Trouxe um chá delicioso para o senhor, seu Walter. Vou contar pra minha mãe que o senhor está aqui. Ela não perdia um só capítulo da sua novela Gabriela. Dizia que só mesmo o senhor podia escrever a novela daquele livro do Jorge Amado. Ah, Gabriela, quantas noites em claro... Foi a primeira novela brasileira a ser vendida para Portugal e exibida na Europa, há mais de 20 anos. Ela foi feita para comemorar os 10 anos da inauguração da Rede Globo, disse Durst . A copeira saiu do quarto contente com as informações e a promessa de um autógrafo para a mãe. Enquanto tomava o chá com torradas, Walter e Baby (apelido carinhoso com que ele a chamava) voltaram no tempo e se lembraram daquele período em que ele escrevia freneticamente os capítulos da novela. Durst vivia no escritório e nem tempo para fazer a barba ele tinha. Segundo Bárbara, parecia um ermitão. Falaram também do elenco afinado, em especial do ator Fulvio Stefanini, que defendeu o personagem Tonico Bastos com garra, humor e muita competência. Tanto assim que Walter deu a outro Walter, o Avancini que dirigia a novela, sinal verde para que Fulvio ganhasse a liberdade necessária para criar gestos e reações. Fulvio Stefanini sobre Gabriela Meu primeiro contato com Walter foi em 1957. Eu estava começando a carreira como figurante, na TV Tupi e, em seguida, passei a fazer pequenos papéis no programa que ele dirigia, o TV de Vanguarda. Me lembro bem dele naquela época: um intelectual respeitado, detalhista, exigente e muito, muito criativo. Porém só ficamos mais próximos quase 20 anos depois, quando eu interpretei o Tonico Bastos, em Gabriela. Ele me dava uma grande liberdade para fazer o personagem, me deixava à vontade para criar. Sei que ele aprovava o jeito que eu conduzia o personagem, porque um dia, no corredor da emissora, ele me deu um beijo na bochecha e disse: tá muito bom, muito bom mesmo! Continua assim. Esse beijo foi um dos prêmios que guardei no meu coração. A conversa entre os dois continuava. Rememoraram a parceria com o diretor Walter Avancini, (iniciada com a novela Gabriela, (1975) e que resultou em sucessos como Anarquistas Graças a Deus (minissérie adaptada por Durst do romance homônimo de Zélia Gattai, 1984), Grande Sertão: Veredas (de Guimarães Rosa), outra minissérie campeã de audiência (1985) e Rabo de Saia (1984), todas na TV Globo. Ainda sobre a novela Gabriela, sucesso estrondoso que representa um marco da nossa teledramaturgia, vale lembrar que a cena antológica em que Gabriela (Sônia Braga) sobe na escada para retirar uma pipa engastada no telhado – sob o olhar guloso do personagem Nacib (Armando Bogus) e dos moleques que soltavam as pipas por ali e também se admiravam com a visão das coxas de Gabriela – não estava no livro de Jorge. Foi mais uma das inspirações de Durst que entrou para a história da televisão brasileira. Nessa mesma novela ele ousou mostrar o primeiro nu na TV, uma cena memorável que sinalizou novos tempos para a linguagem televisiva no Brasil. Depoimento de Pedro Paulo Rangel O mais curioso é que não se tratava de uma cena de amor. Durst gostava mesmo de surpreender! Juca Viana, meu personagem, e o da Cidinha Milan, uma das jovens amantes do coronel interpretado pelo Rafael de Carvalho, se apaixonam e vivem às escondidas um amor de 11 capítulos. Quando somos descobertos, o coronel manda seus capangas nos dar uma surra e depois nos expulsar da cidade,inteiramente nus. No momento em que cumprimos nosso castigo, envergonhados e debaixo da chacota dos habitantes da cidade, começa a chover. A região de Ilhéus sofria uma seca avassaladora, e, enquanto nossos personagens saem da história, Gabriela, vinda do sertão, chega à cidade e recebe aquela chuva como uma benção. Um dos maiores desafios enfrentados por Durst talvez tenha sido adaptar o Grande Sertão: Veredas, uma responsabilidade que o fez ler e reler o romance várias vezes, anotando em cada página observações que, aos poucos, lhe davam o mosaico necessário para criar o roteiro. Foram três anos de gestação até que o texto fosse formatado em 25 capítulos. Porém, antes da conclusão do roteiro, Walter lutou bravamente até obter a aprovação da Rede Globo – que relutava em concordar com esse projeto ambicioso e oneroso. A cúpula da emissora também duvidava que o público se interessasse pela história, mas a convicção de Durst finalmente venceu todos os obstáculos. As gravações, em Paredão de Minas (no distrito mineiro de Buritizeiro), duraram 90 dias, durante os quais cerca de 2 mil pessoas embrenharam-se pelo sertão sem medir esforços para transformar o livro de Rosa em linguagem televisiva. A equipe de produção era formada por 300 profissionais, e até mesmo o maestro Julio Medaglia, encarregado da trilha sonora, passou uma semana por lá. Resultado? A minissérie foi um retumbante sucesso. A copeira voltou apressada para retirar a bandeja, e Walter só queria se concentrar no remake de Nina, novela de sua autoria (inspirada em um livro de Galeão Coutinho) anteriormente feita na TV Globo (1977) e que, agora, duas décadas depois, ele reescrevia para ser exibida no SBT. Uma curiosidade que envolve Nina é que, em 1977, a censura do governo Geisel proibiu a exibição da novela Despedida de Casado, escrita por Durst para o horário das 22 horas, por acreditar que o texto incentivasse a dissolução do casamento. Na verdade, a história focava os desencontros entre pessoas que não sabiam conviver com a transformação da paixão inicial em amor maduro. O enredo teria a supervisão do psiquiatra Paulo Gaudêncio, ou seja, essa proposta de incluir a psiquiatria nas novelas revelaria outra ação pioneira de Durst. Em substituição ao texto censurado Walter escreveu Nina. E deu Regina Duarte (além do papel principal) a oportunidade dela se desvincular da imagem de namoradinha do Brasil. Depoimento do psiquiatra Paulo Gaudêncio Poeta e profeta. Poeta é o profeta sem o erre e sem o efe. O poeta diz, de forma linda, aquilo que os cientistas, de uma forma chata, confirmam depois. O Walter foi um poeta que percebeu que a televisão poderia e deveria ser um instrumento fabuloso para mostrar duas coisas ao ser humano: a primeira, é que ele sente e, a segunda, é que não existe emoção boa e emoção má. Toda a emoção tem um resultado bom para o animal que a sente. Ele percebeu e cantava isso desde o início da carreira dele. Isso certamente o ajudou a exercer a liderança. Ele sabia trabalhar em equipe e sabia fazer a equipe trabalhar. Walter se dava bem consigo, por isso se dava bem com todos. Conheci o Walter em 1969, quando eu era professor na PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo, onde lecionava psicologia do adolescente. A TV Cultura (Fundação Padre Anchieta), em fase de inauguração, me convidou para levar para a televisão o curso que eu dava na PUC. O programa recebeu o nome de Jovem Urgente, e mais tarde virou livro. Foi o primeiro a levar a psicologia para a telinha, mas seu pioneirismo não acabou aí: inaugurou também a lei da censura, porque foi o primeiro programa a ser censurado pelo governo. E quem assinava o roteiro? Walter Durst. Na primeira metade do programa eu falava sozinho, explanava os tópicos, e, na segunda parte, fazíamos um debate com várias pessoas. Eu me sentava numa poltrona giratória e ia conversando com os participantes – que me faziam perguntas. Recebemos desde grupos de escoteiros até alguns de pais enfurecidos porque abordávamos, diante das câmeras, temas como virgindade e masturbação, coisas que nos anos 1960 eram varridas para debaixo do tapete. Recebíamos muitas cartas (protestos e elogios), e não me esqueço as de duas freiras, que o Walter fez questão de colocar no ar. Uma delas dizia rezo diariamente pelo senhor e pelo difícil caminho que o senhor escolheu, o da verdade. Já a outra dizia rezo todos os dias pela salvação da sua alma... Foi o Walter quem criou tudo isso, e nos tornamos grandes amigos. Mesmo depois que o governo acabou com o programa, continuamos nos frequentando e fortalecendo a amizade. Eu orientei o Walter em vários roteiros, inclusive no da novela Nina, na qual Regina Duarte deixou de ser a namoradinha do Brasil para se transformar na professorinha do Brasil... Foi uma novela linda. A professora que Regina interpretava dava aulas sobre o Big Bang, ensinava a teoria da evolução, e o personagem do Antonio Fagundes, namorado dela, terminava se casando por interesse com uma aluna dela. Ou seja, fugia completamente dos padrões tradicionais e previsíveis. Na novela Despedida de Casado, que a censura proibiu e não foi ao ar, Durst resolveu fazer com que os diversos núcleos da trama se encontrassem – sabe onde? Numa terapia de grupo! O Claudio Marzo interpretava o psicólogo, e ele fez um ano de terapia comigo para aprender como conduzir um psicodrama. Fizemos laboratórios com os atores, íamos ao Rio de Janeiro só para isso. Durst foi o primeiro a criar uma novela não maniqueísta, sem a turma do Bem e a do Mal. A segunda foi Roque Santeiro, que também foi proibida, mas pôde voltar. Já Despedida de Casado, não. Nessa época, me separei da minha mulher, e considerava a casa dos Durst como a minha casa. Eu ia muito lá, eles me recebiam com muito carinho. Quando tínhamos um trabalho em comum, nos víamos ao menos três vezes por semana. Quando não tínhamos, passávamos um tempo sem nos ver, mas quando nos reencontrávamos o papo recomeçava do ponto onde havia parado. Coisa típica de amizade de paulista, mas o nosso vínculo estava lá, intato. Aprendi tanta coisa com o Walter! Ele tinha um bom senso que me impressionava. Já separado, a cada vez que eu tinha alguma coisa difícil para dizer para minha namorada, íamos para a casa do Walter e eu fa-lava o que queria dizer para ela na frente dele, que conduzia a conversa como um psicólogo eficiente... Ele nunca precisou de terapia. Terapia faz quem não se dá bem com as suas emoções, e ele nunca se condenou por ser normal. Então, terapia pra quê? Tem uma coisa curiosa sobre ele em relação ao futebol: quando esse esporte começou a ser muito profissional, ele passou a assistir aos jogos de várzea, porque jogo de várzea é futebol de verdade, dizia ele, que detestava o artificialismo que tomou conta do nosso futebol. Ele era assim em tudo, sempre em busca da essência. Fizemos outro programa na TV Bandeirantes, chamado Homem = Problema. O Walter queria que o público entendesse que o homem é um animal racional. Se ele é animal, ele sente. Se ele é racional, ele pensa. As pessoas, as empresas, as escolas, tratam o ser humano como se ele só pensasse, desconhecem a parte emocional. O meu trabalho é mostrar para as pessoas a parte emocional, e o Walter sempre pedia que eu o ajudasse a evidenciar isso nos scripts dele. Graças ao Durst, na época eu era um dos psiquiatras mais conhecidos do país. Porém o mais importante é que ele foi um grande amigo, um amigo que fazia com que eu me sentisse muito bem. junho de 2009 Capítulo 3 Bárbara fechou os olhos. No meio da tarde, um cochilo seria oportuno para que ela se recuperasse da noite maldormida no sofá. Mas o sono não veio. Em seu lugar, um desfile de personagens femininos, reais e imaginados por Walter, visitava o quarto trazendo os mais diversos sentimentos. Quantas mulheres! Nina, da novela Nina (TV Globo, 1987), Gabriela e Malvina (Gabriela, TV Globo 1975), Diadorim (Grande Sertão: Veredas, TV Globo 1985), Helena (da novela O Sorriso de Helena, TV Tupi, 1964), Tereza (da novela Tereza, TV Tupi, 1965), e tantas outras... A sensibilidade de Walter para retratar a alma feminina com suas infindáveis matizes sempre chamou a atenção de Bárbara. Mas foi só naquele dia que ela se deu conta de que, desde a infância, ele estivera rodeado por mulheres. Talvez isso explicasse sua facilidade em captar a dinâmica das reações femininas, o que possibilitou a criação de uma galeria de personagens inesquecíveis. Walter era filho de um suíço-alemão (Nicolau Henrique Durst) e de mãe descendente de portugueses. Do pai, ele herdou os olhos azuis e os cabelos loiros. Da mãe, a generosidade e o des prendimento. Nicolau, de família abastada, veio já adulto para o Brasil para administrar fazendas que iniciavam a produção e comercialização de leite no interior do Estado de São Paulo. Mais precisamente na Fazenda Val de Palmas, que pertencia a um suíço emigrado. Logo conheceu e se casou com Theodolinda Gonçalves Dias, uma professora primária que ele cativou com promessas românticas e dezenas de buquês de flores. Tiveram dois filhos, Walter George (15/6/1922) e Ângela Salomé (17-1-1924) – que hoje vive na Suíça. Nicolau foi um pai cruel, pouco afeito ao trabalho e, justificando o abandono da família com o que ele chamava de rusticidade do país, voltou para a sua terra natal deixando para Tula (o apelido de Theodolinda) a tarefa de nos educar e sustentar a casa. Ele se foi, para nunca mais voltar, quando Walter tinha 8 anos de idade. Porém antes de abandonar a família, em 1924 – quando Tula estava grávida de Ângela – o casal levou o primogênito Walter George Durst para a Suíça a fim de apresentar o lindo menino nascido no Brasil à família paterna. Tula voltou antes do marido, e, quando ele chegou, mudaram-se para a cidade de Brotas. Lá nasceu Ângela Salomé. É dela o relato abaixo, enviado à cunhada Bárbara Fazio em maio de 2009: Segundo me foi dito por uma família de Brotas que vim a conhecer anos mais tarde, nosso pai tinha a intenção de montar na região uma fábrica de lacticínios. Nada deu certo. Aliás, ele sempre quis fazer isso e aquilo, mas nada ia adiante, confirmando o apelido pejorativo que lhe tinham dado na Suíça, ballonbremser, isto é, alguém que – como ele – nunca faz nada, só conseguiu ser oficial de cavalaria.Os primeiros anos de nossas vidas foram muito sofridos. Uma das minhas primeiras lembranças da infância é uma cena em que Walter e eu, que tinha pouco mais de dois anos, carregávamos baldes de água do quintal para a casa. A água era para o nascimento de nossas irmãzinhas, tinham nos dito. Mamãe lutava com a febre puerperal e as gêmeas (Anamaria e Rosamaria) não sobreviveram ao parto. De Brotas nos mudamos para uma chácara alugada, a Chácara Campos, situada em algum lugar entre Santos e São Paulo. Desse período tenho recordação muito vivas, apesar de ainda não ter completado 3 anos de idade. Uma delas é a de presenciar uma surra que nosso pai deu no Walter (que tinha o apelido de Nick) quando ele estava escovando o pêlo de uma égua. Como não tinha altura suficiente para alcançar o dorso do animal (com 5 anos de idade isso seria mesmo impossível), o pai arrancou o cabresto da égua e espancou o filho, e esta foi só mais uma das muitas perversidades que ele praticava em casa. Curiosamente, ele era bem visto pela família de mamãe, que raramente nos visitava. Nessas ocasiões, ele se mostrava educadíssimo e afável, e se apresentava como um incansável trabalhador. Pudera: ao primeiro sinal de que alguém de fora estava para chegar ele pulava a janela, molhava a camisa e a testa, esfregava terra no rosto e na roupa, e se apresentava às visitas como um exausto e empenhado pai de família. Na nossa casa morava também a Maria, uma órfã de pai e mãe que vivia com a irmã nas redondezas até que minha mãe a acolheu. A irmã mais velha mal se aguentava, e como não tinha meios para alimentar a mais nova, Maria nos foi oferecida em troca de casa e comida com a condição de auxiliar mamãe nas tarefas domésticas. E, talvez, pudesse ser alfabetizada por minha mãe, que era professora. Maria Rosa dos Santos ajudava nos serviços da casa e nos dava carinho, tendo se tornado uma das pessoas mais importantes das nossas vidas. Como nós, ela temia as perversidades do pai Nicolau e o regime de terror que ele nos impunha. Maria foi proibida de cortar o pão e o queijo (que era fatiado em lâminas finíssimas, obedecendo às exigências dele) e tremia só de vê-lo por perto. A chácara ficava próxima à estrada de ferro, e Maria descobriu uma árvore bem alta de onde, estrategicamente colocada sobre um dos galhos, podia distinguir as pessoas na estação. Armamos uma estratégia: nas muitas vezes em que meu pai viajava para São Paulo, Maria subia no posto de observação e assim que ele entrava no trem ela gritava fooooooiiii, um sinal para que respirássemos aliviados. Ao final da tarde, no horário em que costumava voltar, vinha outro grito, agora sinistro: Tá chegaaaando!!!. Éramos vizinhos da família Araújo, gente boa que nos tratava com carinho. Não me esqueço a expressão de perplexidade (ou incredulidade) deles quando tentávamos explicar as manchas roxas que tínhamos no corpo dizendo que havíamos caído, juntos, da escada. Eu me urinava de medo do pai. Chorar e apanhar eram os verbos que eu mais conjuguei na primeira infância. Quanto mais chorava, mais apanhava. Mais apanhava, mais chorava. Isso deve tê-lo enlouquecido de tal forma que, um belo dia, ele pegou o revólver disposto a me fazer calar para sempre. Numa luta que ficou registrada até hoje na minha memória, meus pais rolaram pelo chão e mamãe conseguiu desarmá-lo, salvando a filha da morte e a família da submissão do tirano. Sim, porque depois desse episódio ela exigiu que ele fosse embora definitivamente. Que coragem, a dela. Sem trabalho, sozinha, sem família que a acolhesse, sustentada apenas pelo desespero, ela se lançou sozinha no desconhecido, numa época em que as mulheres separadas eram comparadas às prostitutas. Num dos pratos da balança, Walter e eu. No outro, duas pessoas extraordinárias: ela e Maria. Com a partida do pai, a casa ficou praticamente vazia, já que ele levou tudo o que havia trazido da Europa: roupas, louças, talheres, relógios, cobertores, até as facas de pão e de queijo. Mas ficaram esquecidos os lençóis de linho branco, presente dado pela sogra, e uma bandeja redonda. Para conseguir o dinheiro do aluguel, mamãe vendeu a égua e nos mudamos para Santo André, onde ela esperava conseguir emprego como professora. O compromisso de assumir o papel de mãe e de pai transformou Tula numa mulher autoritária, exigente, e, acima de tudo, temerosa de que os filhos se tornassem inconsequentes como o pai. Seu maior desejo era dar aos filhos o estudo necessário visando a que eles tivessem, no futuro, uma profissão que lhes garantisse a tão sonhada segurança financeira. Caprichosa, Tula usava o tempo livre para consertar e fazer as roupas da família na velha máquina Singer. Com os lençóis de linho branco deixados por Nicolau fez um vestido para ela, camisas para o Walter, um vestidinho para Ângela e até Maria tinha uma blusa feita sob medida. Por serem vestidos com tanto esmero, os vizinhos os admiravam, enquanto a família bendizia aqueles lençóis esquecidos. Ou será que não couberam na mala de Nicolau? No grande ABC paulista, os Durst tiveram vários endereços antes da mudança para o bairro da Penha, em São Paulo. Walter conseguiu então seu primeiro emprego nas Indústrias Matarazzo, que ficava no bairro da Água Branca. Ia trabalhar de bonde, aproveitando o longo percurso para ler. E foi assim até que Tula conseguiu (por meio de um parente) um emprego melhor para o filho no Banco do Estado, mas em Campinas. Lá se foi o Walter novamente para o interior, deixando em São Paulo a mãe, a irmã e a fiel Maria. Durante certo tempo morou numa república estudantil e, nas horas livres, ia ao cinema e lia incansavelmente tudo o que lhe caía nas mãos. Em Campinas, cursou a Escola Técnica de Comércio São Luiz. Para compensar a árida rotina de seu trabalho no banco, Walter matriculou-se na Faculdade de Filosofia. Passava as noites lendo, maravilhado. Ou melhor, acordava antes do dia amanhecer e, para não perturbar os companheiros de quarto, ia ler na praça iluminada que ficava ao lado da república de estudantes. Mas o inesperado alterou sua rotina quando ele foi transferido para outra agência do Banco, agora em São Paulo. Bastaram alguns meses na capital para que ele se desligasse do emprego e começasse a trabalhar como repórter e crítico de cinema no Jornal de Notícias e, posteriormente, em O Tempo. Nessa época, sua inclinação pelas idéias esquerdistas o fez filiar-se ao Partido Comunista, do qual já participavam, como militantes ou simpatizantes, Oduvaldo Vianna, Túlio de Lemos e o adolescente Walter Avancini. O dinheiro era escasso. Mesmo assim, Tula, cansada de pagar aluguel, decidiu comprar uma casinha na Rua dos Franceses, a de número 132, no bairro da Bela Vista, com um financiamento na Caixa Econômica Federal (que Walter ajudava a pagar). Por infelicidade, sua irmã Ângela ficou tuberculosa nessa época, e as despesas para mantê-la internada em Campos do Jordão consumiam o resto do salário dele, vindo de vários empregos. Quando a Rádio Cultura o convidou para produzir o programa Universidade no Ar ele aceitou sem questionar. Voltando à forte presença feminina na vida de Durst, depois do casamento o casal foi morar, por questões financeiras, junto com Tula e Ângela na Rua dos Franceses. Além delas, a incansável Maria, que viveu com os Durst, como se fosse da família, até falecer em 1993. A casa, de 3 andares, tinha poucos móveis e muitos livros. Foi mobiliada por poetas, filósofos e dramaturgos, romancistas e políticos, pensadores de todos os tempos. Na infância, o menino Walter fazia sucesso entre as colegas de classe que, às escondidas, deixavam na sua carteira bilhetinhos de amor. Um caso de adoração explícita é narrado por sua irmã Ângela: Walter devia ter uns 9 anos e estava sentado à mesa da sala, os cadernos espalhados, concentrado nas tarefas escolares. Eu brincava com Eunice, a filha do seu Afonso, dono da venda, que tinha vindo me visitar. De repente, não vi mais a Eunice. Procuro, procuro, e a encontro embaixo da mesa beijando os sapatos do meu irmão... Só aí percebi o alcance da beleza daquele menino loiro, de olhos azuis, numa terra onde isso era raridade. Na escola, ele tirava sempre notas altas, e não era porque se dedicasse tanto aos estudos. Ele pegava as coisas no ar, enquanto que eu me exauria de tanto estudar para conseguir notas boas. Naquela época, uma nova invenção era cultuada pelos irmãos Durst: as balas holandesas, um doce veículo de informação. Cada bala vinha com uma figurinha de impressão caprichada para ser colada em um álbum. Traziam ilustrações das grandes cidades do mundo, animais de diversas espécies, os grandes monumentos da civilização, etc. Com as balas holandesas as crianças aprendiam, sem esforço e com grande prazer, o que era um molusco, um coleóptero, onde ficavam as colunas de Hércules e, de que-bra, exercitavam o intercâmbio com a troca das figurinhas repetidas. Enquanto se entretinham com esse passatempo, a família de Tula, que era católica praticante, acabou por convencê-la da necessidade dos filhos fazerem a primeira comunhão. Vieram as aulas de catecismo e a prova de roupas para a cerimônia. Para Durst, essa tortura foi acrescida pelo fato de ter que usar calça curta (ele já estava com 12 anos) e pelo pé cheio de bolhas que o maldito sapato provocou. Teria sido por isso que, já adulto, ele só calçava tênis no dia a dia? Em todo o caso, essa entrada das crianças na religião nada significou para eles, que já haviam saído dela mesmo antes de entrar. Capítulo 4 O telefone tocou. Era Ella, pedindo notícias do pai e avisando que já estava a caminho do hospital para visitá-lo. Ella, a primeira filha nascida em 1951, foi a 5ª mulher a habitar a casa da Rua dos Franceses. Sem contar a gata vira-lata Daisy May (nome de um personagem de All Capp, cartunista preferido de Walter, que no Brasil foi chamada de Violeta). Onze anos depois chegou Marcelo, o segundo filho do casal, nascido no dia 8 de dezembro de 1962, coincidentemente o dia do 11º aniversário da irmã. Outra coincidência: foi nesse dia que a família se mudou da Bela Vista para um sobrado na Rua Tucumã, ainda uma rua estreita e de terra, ao lado do clube Pinheiros. Lá viveram até 1976, quando compraram uma casa maior no bairro do Butantã, onde Bárbara e Ella continuam morando. Na casa da Rua dos Franceses, tendo como trilha sonora o som ininterrupto da máquina de escrever, a menina Ella passava horas sentada no chão, ao lado do pai, folheando as revistas Life. Numa dessas tardes, quando eu devia ter uns sete anos, me deparei com uma foto imensa, de duas páginas, tiradas em Auschwitz, mostrando uma vala com pelo menos uma centena de cadáveres dentro. Perplexa com a imagem, perguntei ao meu pai: Quem fez isso? E ele, que devia estar no meio de uma frase, imerso em algum raciocínio, disse imediatamente: Seu avô!. Claro que, logo depois, ele desfez o equívoco, mas essa cena ficou registrada na minha memória... Noite do dia 30 de abril Ella chegou por volta das 19 horas. trazendo os livros que Walter havia encomendado. Perguntou do resultado dos exames, mas o laudo só chegaria ao final do dia seguinte. Animado com a perspectiva de ter mais um dia inteiro para ler e pensar no roteiro da novela Nina (que passaria a escrever junto com Maria do Carmo Rachid, Mario Teixeira e Marcos Lazarini), ele tomou a sopa de legumes com prazer. Seu contrato com o SBT o comprometia a entregar o script de duas novelas num prazo relativamente pequeno. A primeira (Os Ossos do Barão, baseada na peça homônima de Jorge de Andrade) já estava sendo gravada e, agora, ele estava reestruturando Nina. Silvio Santos tinha sido generoso, pagando metade do valor combinado na assinatura do contrato, e ele não iria desapontá-lo. Bárbara, que havia se transformado numa atriz de prestígio, naquela época estava gravando a novela Os Ossos do Barão no SBT e, justo naquela data, tinha uma gravação noturna. Já estavam atrasadas. Digo estavam porque Baby não guiava mais automóvel, e Ella, desde então, passou a ser a motorista oficial da família. Saíram as duas apressadas. Naquela noite ele dormiria só. Mas não foi bem assim, já que estava na companhia dos seus personagens. Agora, mais de uma década depois dele ter nos deixado, Mario Teixeira (que com Durst escreveu diversos roteiros) relembra fatos que nos ajudam a conhecer melhor o gentleman Walter George Durst: Dom Quixote Conheci o Durst em 1990. Fui apresentado a ele pelo escritor Marcos Rey. Eles haviam trabalhado juntos na TV Globo, na adaptação do livro Memórias de um gigolô, do próprio Marcos. Como não podia deixar de ser, porque eram os dois muito legais, ficaram amigos. Eu havia mandado uns contos ao Marcos, escritor que eu muito admirava. Ele leu, fez breves comentários e, sem mais, perguntou se eu era rico. Respondi que não. Ele retrucou que, se eu quisesse viver de escrever, tinha que escrever para televisão. Como? A TV era um mundo muito distante da Vila Mariana, onde eu morava. Não sabia nem por onde começar. Sem hesitar, ele pegou o telefone e discou para o Durst, que se colocou à minha disposição. O Durst já era uma lenda viva da TV. Era o grande inovador. Sem ele, e uns poucos outros, a nossa televisão teria uma cara diferente, e seguramente seria menos bonita. Ele tinha escrito o Rabo de Saia, versão de um livro que eu adorava, chamado Pensão Riso da Noite; o Grande Sertão, Gabriela, Anarquistas, Graças a Deus e muito mais. Eram programas que eu adorei – adaptações literárias, o suprassumo, tudo o que eu queria fazer. Eu tinha 19 anos, era intoxicado por literatura, e o Durst era legendário. Eu também sabia, pelos jornais, que a TV Globo mantinha em São Paulo uma filial da Casa de criação Janete Clair, que descobria e afinava novos talentos para televisão. Só que o negócio já tinha acabado. Ou seja, concluí que as portas estavam definitivamente fechadas, mas mesmo assim, liguei para o Durst. Esperava um sujeito apressado, sem tempo para conversas, mas tive uma surpresa. A voz da lenda era gentil e, acima de tudo, delicada. Ele perguntou do que eu gostava, livros, filmes; eu disse, tateando, com receio de ofendê-lo, ele ouvia sem interromper. Às vezes eu achava que ele não estava mais do outro lado da linha, mas ele mandava que eu continuasse. Por fim, pediu que eu enviasse a ele uma sinopse de um programa da grade da Globo, chamado Teletema. Fiquei numa sinuca de bico. Não sabia nem por onde começar. O Marcos me ajudou e, por fim, formatei um texto que considerei uma sinopse. O Durst havia pedido que eu enviasse a ele pelo correio, mas, desconfiado, preferi levar pessoalmente. Toquei a campainha, esperando que um empregado atendesse, mas foi o próprio quem abriu o portão. Pois não? Engoli em seco e disse que tinha uns textos para entregar ao Durst. Ele entendeu quem eu era, e, como estava de saída para a feira, sugeriu que eu fosse junto. Fui. Ajudei a carregar as compras. Considero que esse foi o meu primeiro trabalho em televisão. Ao me despedir, observei que ele parecia o Ezra Pound. Tinha uma barbicha branca, os olhos azuis. Ele riu, disse que estava mais pra dom Quixote. Tempos depois, ele me telefonou. Para minha surpresa, revelou que tinha gostado do que eu ha-via escrito. Na verdade, acho que ele não gostou muito, não, porque nunca mais tocou no assunto. Mas ele tinha o olho do mestre, intuiu que ali havia algum jeito pra coisa. E me chamou para uma reunião na casa dele. Quando eu cheguei lá, todo animadão, ele tinha saído, e deixado com a empregada um videocassete para eu assistir. Era um filme do Martin Ritt, Ver-te-ei no inferno. Começava ali a minha verdadeira escola. Depois, por indicação dele, fui trabalhar na TV Globo, sob sua supervisão. Era o projeto de uma novela que nunca foi ao ar, mas que até hoje é lembrado. Éramos eu, o Marcos Lazarini e o Bosco Brasil. Depois, fizemos uma adaptação de Tereza Batista Cansada de Guerra, do Jorge Amado, para uma minissérie. Na verdade, era o Durst quem fazia tudo, mas gentilmente colocou os nossos nomes nos créditos. O projeto não vingou, mas ficou a memória afetuosa das nossas reuniões, do trabalho em grupo. Depois, trabalhei com ele na adaptação de Tocaia Grande, outro romance de Jorge Amado, para a TV Manchete; e numa nova versão de Os ossos do barão, no SBT. O Durst me marcou muito. Com o tempo, percebi que, quando ele se referiu ao dom Quixote, no nosso primeiro encontro, estava falando de algo muito mais profundo que a mera semelhança física. O Durst acreditou numa televisão diferente, e ela vingou, com a qualidade que temos hoje na TV Globo, por exemplo. O Tide (Alcides Nogueira), me disse, por ocasião desta biografia, que o Durst foi um gentleman. Foi mesmo. E, sempre com muita classe, ele passou isso para o trabalho dele. A dedicação à TV foi tamanha que ele não fez mais nada, só algum teatro, mas bissexto. O que ele fez pela televisão brasileira foi um trabalho de Hércules, mas com a delicadeza de um Apolo. O Durst pavimentou o caminho que todos nós seguimos. Mario Teixeira maio de 2009 O melhor presente que alguém poderia lhe dar eram livros. Ele mesmo, na época do Natal, ia às comprasesepresenteavacomvárioslivrosque,bem embalados, eram colocados sob a árvore com cartões onde se lia: De: WG Durst Para: WG Durst. Isso sem falar dos outros muitos presentes escolhidos a dedo para a família e amigos, todos com a marca registrada de Walter: sua imensa generosidade. Durst sempre privilegiou os amigos, e é impossível falar sobre isso sem lembrar a sua atitude em relação ao amigo Tom Zé, na década de 1970. Na época, o compositor enfrentava uma série de problemas financeiros, físicos e emocionais, que desencadearam uma grave depressão. Sentia-se humilhado ao pedir emprego aos amigos, mas Walter solucionou o principal problema oferecendo-lhe, na TV Globo, um gordo salário como consultor de baianidade na minissérie Rabo de Saia. Pouco antes de falecer, Durst deu a Fernando Meirelles um trunfo que o diretor guarda a sete chaves e com muito carinho: a adaptação do romance Grande Sertão: Veredas, uma derivação da minissérie exibida pela Rede Globo. Apaixonado pela história, Meirelles reserva esse projeto para o futuro por ainda não se considerar preparado para colocá-lo em prática. Vamos aguardar... Depoimento de Alcides Nogueira Sempre tive admiração por vários autores da TV. Mas, no caso do Durst, era mais: uma verdadeira reverência. Por sua cultura e inteligência, por sua sensibilidade, e por sua ética. Um homem generoso, de coração aberto, íntegro... O mestre dos mestres. E foi justamente por suas mãos que fui parar na telinha. Durst me conhecia como dramaturgo. Em 1983, eu já tinha dois textos encenados com muito sucesso: Lua de Cetim e Feliz Ano Velho, e trabalhava na Rede Globo como redator publicitário do Departamento Comercial de São Paulo. Foi quando o Durst me telefonou, contando que o Walter Negrão iria escrever a próxima novela das 18 horas (Livre Para Voar) e que o Jayme Camargo seria seu colaborador. Só que o Jayme já tinha outros compromissos e ele queria saber se eu concordava com a indicação do meu nome. Eu fui franco, dizendo que nunca havia escrito para TV, que não sabia nem como era um roteiro, etc. O Durst, muito seguro, garantiu que não haveria problema, pois o Negrão seria um ótimo professor. Eu fiquei com medo de não conseguir, mas como não concordar com o homem que sabia tudo, absolutamente tudo, da teledramaturgia? Fui conversar com o Negrão e ele, tão generoso quanto o Durst, teve paciência para me mostrar o caminho das pedras. Se aprendi ou não esse caminho é outra história. Mas foi o Durst quem me abriu a porta de um novo mundo, de uma nova linguagem, quando fez essa ponte com o Negrão. Eu me apaixonei pelo veículo. Serei eternamente grato aos dois. A partir daí, cresceu minha convivência com o Durst. E ainda mais a minha admiração. Sempre que podia, conversava com ele e bebia suas palavras! Sabia que estava aprendendo continuamente, e que deveria aproveitar esses momentos. Durst faz uma falta incrível. Ninguém, até hoje, ocupou o seu lugar. Ele tinha uma visão muito ampla e moderna do que poderia ser feito na TV. Alcides Nogueira maio de 2009 Capítulo 5 Além dos livros, outro presente que Walter adorava receber era filmes. O cinema tinha entrado em sua vida muito cedo, no tempo em que, moleque ainda, ele frequentava uma sessão conhecida como a sessão das lavadeiras. Isso porque as mulheres e as crianças não pagavam a entrada naquele horário, e levados pelas mãos de Maria Rosa (já com 18 anos) os pequenos Durst caminhavam vários quilômetros por ruas de terra até chegarem ao templo das maravilhas. É assim que sua irmã Ângela Salomé descreve a emoção que tomava conta deles: A tensão era enorme. Todos os olhos ficavam grudados na máquina colocada lá no alto, esperando a luz azulada que daria início à projeção. Além de um ou outro bebê chorando, ninguém dava um pio. E lá chegava o mocinho, a mocinha, o bandido. E quando era mais de um bandido para só um bonzinho, a platéia delirava, uivava, gritava avisando de onde vinha o perigo. O melhor era quando chegava Rim-Tim-Tim, o cachorro policial que se esticava entre os dois picos da montanha para ajudar os bonzinhos a escapar deixando os vilões sem ação. O bem triunfava sempre, e a magia se realizava! Finda a sessão, Walter e seu amigo Jayme discutiam, faziam conjecturas, (e se Rim-Tim-Tim não tivesse chegado?) e reviviam as emoções. Walter criava outros finais, outros roteiros, outros sonhos. Fico me perguntando se ele conseguia dormir depois de assistir aos filmes, já que ficava completamente tomado pelo enredo. Os nomes dos artistas lhe eram mais familiares do que os dos parentes e vizinhos: Pola Negri, Emil Jennings, Eric Von Strohein, Lil Dagover... Décadas depois, em 1995, numa entrevista dada ao jornal Folha de S. Paulo, Walter disse textualmente que o cinema ensinou minha geração a beijar. Ninguém sabia fazer isso direito, e o beijo terminava na orelha. Já o cinema mostrava aquele close bacana! Mais do que ensinar a beijar, o cinema era uma alternativa para que ele se esquecesse das dificuldades financeiras da família, era a substituição temporária da dura vida real por aquela feita de sonhos, era uma pausa e eficiente consolo para suas aflições. A literatura, outra paixão que não o largou mais, veio logo a seguir. Mas, da sessão das lavadeiras para o Clube do Cinema, no início dos anos 1950, foi um pulo. Walter presenciou e participou de inúmeras discussões que chegavam às vias de fato: de um lado, os adeptos do cinema francês, como Paulo Emilio Salles Gomes. Do outro, Rubem Biáfora e Durst, partidários do cinema norte-americano. No entanto, ele não se dizia fã incondicional do cinema norte-americano, e justificava, dizendo que nos anos 1940 e 1950 as mulheres dos filmes norte-americanos não tinham sexo. Para engravidar, bastava um beijo e um fade-out. Já no cinema italiano da mesma época, o sexo fazia parte da vida das mulheres. Isso não o impedia de cultuar Orson Wells e John Ford (especialmente por sua direção em No Tempo das Diligências). Nas entrevistas, declarava que um dos seus filmes preferidos era Cantando na Chuva (de Stanley Donen, 1951). Sobre essa preferência, comentou: Dá até um pouco de vergonha de gostar dele por sua confessada inocuidade, mas é um dos meus preferidos. É a quintessência da habilidade americana, é uma bolha de sabão, maravilhosa enquanto dura. Seu primeiro roteiro cinematográfico, Quase a Guerra de Tróia, foi escrito em 1953 (com o pseudônimo Lao-Tsé), e, já no ano seguinte, foi filmado com o título A Carrocinha. Com ele, Durst ganhou o prêmio IV Centenário da Cidade de São Paulo de melhor roteirista. O filme se tornou um cult, está disponível nas locadoras, e tem no elenco o cômico Mazzaropi, Adoniram Barbosa e Doris Monteiro. Na cerimônia de entrega do prêmio, toda orgulhosa, Tula acompanhou o filho. De certa maneira, e com razão, ela se sentia dona daquele troféu, mas, generosa, sempre dizia à nora Bárbara que era ela quem merecia a honra por ser a constante fonte de inspiração de Walter. Outros roteiros cinematográficos vieram depois. Entre eles, os dos filmes O Sobrado (1956) com roteiro e direção de Durst (baseado no livro O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo), no qual atuavam Bárbara Fazio, Lima Duarte, Lia de Aguiar, Márcia Real e o menino Adriano Stuart, estreando como ator infantil. Por esse filme, ganhou o prêmio Governador do Estado. E também Paixão de Gaúcho, de 1957, com roteiro e direção de Durst. O filme, adaptado do romance O Gaúcho (de José de Alencar), foi produzido por Abilio Pereira de Almeida e tinha no elenco os galãs Alberto Ruschel e Victor Merinow. Abílio era, então, diretor da Brasil Filmes (a antiga Vera Cruz) onde ele havia trabalhado como ator no começo da carreira. Algumas desavenças ocorreram entre Durst e Abílio, agravadas pelo insucesso de bilheteria de Paixão de Gaúcho. Mas Walter nunca foi do tipo briguento. Ao contrário, era tolerante e sempre teve uma postura apaziguadora, o que não o impedia de lutar pelas suas convicções. Sem perder a elegância, usou sua melhor arma, a máquina de escrever, para esclarecer os questionamentos do produtor Abílio enviando a ele uma longa carta no dia 14 de maio de 1957, da qual foi extraído o texto abaixo: Sei que você me atribui parte da culpa. Por não ter levado a interpretação da atriz Carmem para o lado gaiato, sensual e saleroso. Não tê-la posto a dançar no botequim do pai. Todavia você não pode negar que uma mulher capaz de se fazer amar sincera e nobremente por dois homens dig-nos e cavalheirescos, e perturbá-los de maneira tão profunda a ponto de levá-los a se destruirem, está bem mais perto do tipo que escolhi. Walter sempre procurou os melhores profissionais de cada área para integrar sua equipe. Ao longo de muitos anos trabalhou e se tornou grande amigo do maquilador e ator russo Victor Merinow, hoje radicado nos Estados Unidos. Conheceram-se na década de 1950, quando Victor trabalhava na Brasil Filmes e foi o responsável pela maquilagem do filme O Sobrado. Mas seu desejo era mesmo o de ser ator, e Walter apostou nele transformando-o em protagonista do filme Paixão de Gaúcho. Depois que Walter se foi, Merinow telefonou para Ella e revelou que ambos tinham um projeto cinematográfico há muito tempo, e que envolvia um script (já terminado) contando a verdadeira história dos Estúdios Vera Cruz, do início ao fim das suas atividades. O sonho deles era voltar a fazer cinema e, segundo Victor, se comunicavam regularmente para trocar idéias sobre esse projeto. Num e-mail recebido em junho de 2009, Victor se refere a Walter como sendo a good master (um bom mestre), e vai além: Ele tinha um estilo próprio, único e bem brasileiro. Isso fica evidente no filme O Sobrado, onde o suspense é mantido de forma lírica pela direção segura de um pro-fissional competente e inspirado. Continuando a falar da importância do cinema na vida de Durst, sua irmã Ângela Salomé relembra outro fato curioso da infância dos dois: Walter tinha quase 9 anos, e, eu, 6. Frequentávamos o Grupo Escolar de Santo André e foi ali, naquela rua onde a criançada brincava, que Walter construiu um mundo novo e particular. Em pouco tempo se tornou o líder da meninada, e sua vocação artística se impôs: conseguiu um pano branco e comprido, que fixou em duas estacas. Sobre ele, colou diversas figurinhas recortadas de revistas. Instalou bancos para os espectadores e esperou escurecer. Depois que as crianças se acomodavam, ele se colocava atrás da tela e, com uma vela, corria a luz de um lado para o outro, tão depressa que fazia parecer que as figuras se moviam. O aplauso não se fazia esperar. As figurinhas mudavam a cada exibição, e acredito que a técnica se aperfeiçoava a cada dia... Para reverenciar o cinema que tanto amava, Durst criou para a TV Cultura (no período em que exerceu a função de assessor cultural da emissora, a convite de Fernando Faro) um programa chamado A Última Sessão de Cinema. O formato era simples: consistia na reunião de quatro críticos que assistiam previamente a um mesmo filme, selecionavam a cena de sua preferência e, antes da exibição, comentavam as razões dessa escolha e chamavam a atenção dos telespectadores para ela. Luciano Ramos conduzia o programa, e os críticos eram Silvio de Abreu, Rubens Ewald Filho, Rubem Biáfora (crítico do jornal O Estado de S. Paulo) e Álvaro Moya, todos loucos por cinema e especialistas no assunto. A fórmula deu certo, e o programa permaneceu no ar por 4 anos, de 1976 a 1980. Na mesma TV Cultura, como produtor, ele adaptou romances brasileiros que foram exibidos nos cursos de português da emissora, um jeito revolucionário e eficiente de ensinar nossa língua. Entre os textos escolhidos por ele, causou sensação a adaptação sensível de O Feijão e o Sonho (de Orígenes Lessa, 1970) com Bárbara Fazio e Homero Kossac interpretando os protagonistas. Outro exemplo da criatividade de Walter foi quando produziu um programa sobre os tempos verbais usando o futebol como tema. No lugar do austero professor, uma fala do goleiro. Em vez da gramática repetitiva, o coloquial entrava em cena a partir das conversas entre os jogadores para mostrar os tempos dos verbos percorrendo o gramado e o jogo da bola. Didático e bemhumorado. Como Durst. Walter ligou a TV. A Rede Globo ia reprisar o filme Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963, baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos). Durst, que sempre se interessou pela dobradinha cinema-literatura, gostava muito desse filme e teria prazer em revê-lo. Acreditava que os cineastas brasileiros só se deram conta de que poderiam fazer um bom cinema a partir de Roma, Cidade Aberta (1945, direção de Roberto Rossellini). E Vidas Secas, na opinião de Walter, era um ótimo exemplo de filme neorealista feito no Brasil. Mas foi vencido pelo sono, e só acordou na manhã do dia seguinte com a chegada do dr. João Batista Gomes Bezerra, que além de excelente médico, era também amigo da família. Manhã do dia 1o de maio Passei só para te ver, trazer os jornais e lembrar que seu time joga domingo, disse ele prometendo voltar no final da tarde para analisar o resultado dos exames. Walter era um ardoroso torcedor do Santos desde o final dos anos 1950, quando Pelé levava multidões ao delírio. Enquanto tomava o café da manhã, Bárbara e os filhos chegaram. Era feriado, e os três ficariam boa parte do dia com ele. A mesma copeira do dia anterior veio retirar a bandeja e, animada, comentou que sua mãe (uma noveleira assumida) havia dito que a primeira no-vela que ousou abordar o tema da discriminação racial era de sua autoria. É verdade, seu Walter? É, sim. Foi na TV Tupi, em 1966, e se chamava A Cor da Pele. O mais curioso é que também foi a primeira vez que se mostrou, na tela pequena, um beijo inter-racial. A atriz era a Yolanda Braga, uma linda mulata de olhos claros, faceira como você. Quando a moça saiu do quarto, Bárbara e ele se entregaram às lembranças do passado, ouvidos atentamente pelos filhos. Voltaram aos tempos da TV Bandeirantes, quando Walter realizou o TV Verdade (1967), um programa que mostrava personagens brasileiros pinçados na vida real e que tinham, em comum, experiências diferenciadas e surpreendentes. Nele, foram abordadas as vidas dos integrantes do Globo da Morte (um esporte radical que matou muitos praticantes), a de um guarda de rua que havia sido esfaqueado no cumprimento do dever, e até (e já no programa de estreia) o cotidiano de uma família de anões. Os participantes/protagonistas eram entrevistados por Júlio Lerner de forma sensível e humana, segundo o roteiro de Durst. Mas aquelas histórias reais e, de alguma forma, chocantes, não agradaram aos patrocinadores. Assim, o TV Verdade saiu do ar depois de apenas 5 episódios por falta de anunciantes. A conversa se encaminhou para os tempos da ditadura, quando Walter foi desligado da TV Excelsior em 1965 depois de 2 anos de trabalho. Eram os anos de chumbo e, apesar de não ter sido preso, Walter foi vigiado de perto e obrigado a depor várias vezes. Na Excelsior, Túlio de Lemos e ele produziam um programa de sucesso chamado Teatro 63, com roteiros originais de Walter sempre baseados em depoimentos de pessoas comuns, focalizando as mais diferentes profissões no Brasil. O trio composto por Durst, Túlio e o diretor Roberto Palmari era imbatível em criatividade. Walter e Túlio tornaram-se grandes amigos, uma parceria profissional e afetiva que se estendeu até o falecimento de Túlio, em 1978. Na mesma emissora criaram o programa Caminhos da Medicina, com o patrocínio do Instituto Pinheiros. O roteiro era baseado na vida de médicos famosos e anônimos, a começar por Hipócrates. Depois disso Walter – obedecendo ao realismo que imprimiu no TV Verdade – criou os programas Os Grandes Condenados Fora das Grades e os Grandes Erros Judiciários, que denunciavam erros da justiça e mostravam a retórica dos advogados em casos de difícil solução. Ainda em relação ao teleteatro, a experiência mostrou que a aceitação (inclusive por parte dos atores) era maior quando se encenavam temas brasileiros. Isso se devia, em parte, à dificuldade de pronúncia de nomes estrangeiros e, por outro lado, porque os enredos nacionais eram mais familiares e facilitavam a compreensão do público. Alguns atores eram praticamente fixos no elenco, como Mauro Mendonça. Depoimento de Mauro Mendonça Eu participei da maioria dos Teleteatros 63, e essa experiência foi muito rica para a minha carreira devido à alternância de papéis: de pai de santo a expedicionário, de mecânico a juiz, tudo isso com intervalo de apenas uma semana! Walter tinha uma delicadeza enorme ao dirigir os atores, foi sempre afável, mas o que mais me marcou foi o seu capricho, sua atenção aos detalhes. E não me esqueço das boinas e dos bonés que ele não dispensava. Segundo Ella Durst, o hábito de usar bonés surgiu quando Durst começou a perder os cabelos e passou a sentir muito frio na cabeça. Como bonés não combinavam com paletó e gravata, ele optou por usar jeans e camisetas. Também trocou os sapatos por tênis e a adotou, de uma vez por todas e até o final da sua vida, esse figurino simples, despojado e confortável. A experiência de se ver desligado da Excelsior e, portanto, desempregado, durou menos do que 24 horas, pois, no dia seguinte, ele já estava de volta à TV Tupi com contrato assinado e patrocínio da Colgate-Palmolive para realizar novos programas e muitas novelas. Uma delas, O Cara Suja (1965), foi campeã absoluta de audiência. O papel título foi defendido por Sergio Cardoso, ator já consagrado no teatro e que agora estreava na TV a convite de Walter. Na telinha brilhavam também os atores Juca de Oliveira, Percy Aires, Rita Cléos, Marisa Sanchez e Norah Fontes, um time de primeira linha. Certamente, os deuses da Arte abençoaram essa produção, a primeira a abordar elementos típicos da colônia italiana no Brasil. Até a trilha sonora de Uccio Gaeta conquistou recordes de vendagem de discos. Os Durst, reunidos no quarto do hospital, continuaram a conversar animadamente. Riram ao se lembrar do comercial que ele e Marcelo fizeram juntos para uma confecção masculina, e do outdoor que ele fez sozinho em comemoração ao Dia dos Pais. Falaram também da viagem à Europa feita exatamente um ano atrás. Lembraram-se dos monumentos romanos, das massas toscanas, e das cidades românticas da Provence. Até 1994, Walter se recusava a sair do país alegando que não se sentia atraído por essas viagens de lazer, confirmando um comentário feito por Lima Duarte: Seu lazer eram seus pensamentos... Mas Durst mudou de ideia quando a filha Ella (uma bem-sucedida fotógrafa) apareceu com as três passagens que havia comprado, dizendo que Marcelo (já um diretor de fotografia de sucesso) também se juntaria a eles e que iriam à Suíça visitar tia Ângela, uma oportunidade única. Assim, foram todos para a Europa vivendo, juntos, tantas emoções que, ainda no exterior, começaram a planejar a próxima viagem – realizada em 1996. Walter se encantou com Zurique, uma cidade onde eu gostaria de morar, com a obra de Gaudi, com a Riviera italiana, e com o vigor da juventude impressa na escultura de David, de Michelângelo . O quarto do hospital agora era o cenário de mais uma cena da vida real que retratava a harmonia familiar dos Durst. Definitivamente eles formavam um quarteto afinado e coeso. Depoimento dos filhos Meu pai era incapaz de ferver uma caneca de água (esperava subir), mas desenhava lindamente... Me ensinou a dirigir mas não a nadar. Só que dirigia mal e nadava bem! Ele não parava de pensar nem um minuto, se repensava todos os dias e, com isso, foi sempre muito surpreendente, inclusive como pai. Fui a filha dos tempos duros e ele foi um pai exigente. Mas a única coisa de fato incondicional na vida dele foi a paixão pela minha mãe. Acho que gostou muito de ter uma filha mulher, mas cuidou sempre para que eu tivesse atitudes masculinas diante dos fatos. Achava que com sarcasmo, iconoclastia e sensibilidade, convivendo juntos, eu teria armas para enfrentar a vida... Tentou e conseguiu selar meu destino escolhendo o meu nome, me levando ao cinema com uma frequência jamais vista num pai, me explicando e mostrando (sempre só na teoria) o tamanho do mundo, me fazendo crescer no meio de um monte de coisas bonitas. Apregoava e exigia independência e irreverência, mesmo sabendo que meu temperamento sempre foi tão horrivelmente tímido quanto o dele. Me pareceu muito explícito quando me deu para ler a biografia do Shelley; disse que era um dos livros que tinha mudado sua vida. Era a mesma edição que ele havia lido, e o juramento que o jovem Shelley usava nos momentos de desespero estava marcado: Juro empregar todos os meus esforços para ser justo e livre, para proceder com sabedoria. Juro não me acumpliciar mesmo pelo silêncio com os egoístas e os poderosos. Juro consagrar minha vida à beleza. Herdei dele o sangue azul falsificado, algumas paixões e, principalmente, os estigmas. Ella Durst junho de 2009 O Pai De tudo aquilo que sei, a maior parte foi meu pai que me ensinou. Outra grande parte foi o cinema, que, aliás, ele sempre amou completamente. Acho, no entanto, que de todas as coisas que ele me ensinou, as mais importantes foram: o amor pela vida e fazer as coisas com paixão. Ele era assim, apaixonado pelo que fazia, pela minha mãe, pelos filhos, pela profissão, pela sua pequena família. Uma coisa que eu sempre lembrarei do meu pai é de como ele era um cara apaixonado! Essencialmente apaixonado pelas coisas que fazia; desde um carrinho de rolemã para mim quando eu tinha 5 anos, até uma das maiores novelas de todos os tempos, como Gabriela. Essa paixão com que fazia as coisas e que era capaz de pôr nas coisas as fazia tão mágicas, e, meu pai, tão genial... Essa paixão se expressava na criação dos seus personagens, que, independentemente de serem mocinhos ou vilões, se tornavam completamente reais, tão reais que passavam a ter vida própria, passavam a agir como gente mesmo faz. Portanto a estória nascia de ações absolutamente humanas e da vida, e assim não poderiam deixar de ser as mais reais possíveis. Ele partia das ações aparentemente pequenas e inocentes de um indivíduo qualquer e as transformava em profunda representação da humanidade; tanto nas suas estórias quanto nas dos outros, essa paixão ficava ainda mais evidente, pois mergulhava tanto nelas, até descobrir uma forma de amor pela estória e seus personagens. Ainda que fosse para mergulhar em temas mais importantes do país e do mundo, ele sempre partia das ações humanas mais simples e pessoais possíveis; assim escolheu contar uma estória baseada nesse gigante que é a televisão, por meio de uma caloura de auditório, que lutando contra a total miséria para criar os filhos não saía das filas dos auditórios passando noites sem dormir para escrever milhares de cartas para as promoções e sorteios dos programas de TV: A Hiena ou Baú da Felicidade ou Sem fala e com Fala, que é a saga dos figurantes numa disputa de vida ou morte pelo frango de cena ou ainda nas adaptações como Grandes Sertões: Veredas, embora deparando-se com tanta bravura épica, foi buscar a angústia de Riobaldo, ao descobrir que sentia prazer no calor deixado por Diadorim no seu pelego vazio; ou ainda num dos últimos capítulos de Gabriela (saga dos coronéis do cacau e exportadores) o poderosíssimo coronel Ramiro Bastos para responder ao outro comparsa coronel que pergunta se diante de sua ordem de execução do amado Mundinho, sua neta querida não iria sofrer? E meu pai acrescentou na resposta amarga de Ramiro Bastos: Mas a vida não é exatamente isso? Fazer sofrer a quem mais a gente ama? Sempre atento e perseguidor do gênero humano, sempre apaixonado pela vida, pelos seus personagens, etc., tudo isso fazia o link entre sua vida e o que ele escrevia. E assim, foi o que tornou possível a combinação do grande escritor e supermaravilhoso pai. Marcelo Durst junho de 2009 Capítulo 6 Dr. João Batista voltou no final do dia, já de posse dos exames e com um sorriso nos lábios. Meu amigo, disse ele, amanhã de manhã você já pode voltar para casa. Os exames não acusam nada! Aquele seu mal-estar pode ter sido decorrente de uma estafa, ou de um vírus desses que andam por aí. Aliviados, começaram a fazer planos para os dias seguintes. Estavam no meio de um feriado prolongado (o dia 1o caiu na 5a feira) e Bárbara, para comemorar a boa notícia, prometeu que faria os pastéis que Walter adorava para o almoço de sábado. E convidaria o Álvaro Moya, outro grande apreciador dos pastéis. Walter se animava com a idéia de voltar ao seu escritório/ biblioteca, um salão localizado nos fundos da casa e suficientemente amplo para abrigar os livros reunidos ao longo de tantos anos. Já estavam morando ali há 21 anos, desde que saíram da Rua Tucumã. Manhã do dia 2 de maio Chegaram em casa cedo, antes das 10 horas, e Walter se refugiou no escritório ao lado de Bárbara – que havia começado a separar e a organizar, por data, os roteiros escritos em 1968 para o programa Teatro Cacilda Becker, na TV Bandeirantes. Ao todo, foram mais de 20 roteiros, adaptados ou criados para o programa, que ele também dirigiu a pedido da atriz. A maioria foi baseada em filmes e peças de sua preferência, como Breve Encontro (da peça de Noel Coward, Brief Encounter) e Os 39 degraus (filme de Alfred Hitchcock de 1935). Na época, Cacilda Becker havia se desentendido com Walmor Chagas (seu companheiro na vida e nos palcos) e, para ser seu par no Teatro Cacilda Becker, da TV Bandeirantes, Walter convidou o galã Homero Kossac. Ele e Cacilda viveram a dupla romântica de diversas peças, mas, quando ela precisava se ausentar, Bárbara Fazio (que integrava o elenco e dividia com Cacilda os principais papéis femininos) a substituía. Integrando a produção estava o premiado cenógrafo e figurinista Heráclito Campello Neto, um artista sensível que traduzia visualmente – e com perfeição – o clima do enredo. Infelizmente um incêndio ocorrido na TV Bandeirantes destruiu a maior parte das gravações, mas alguns teleteatros, como Inês de Castro, foram salvos. Segundo Álvaro Moya, no momento do incêndio, quando a preocupação de todos era salvar os equipamentos, Johnny Saad estava mais empenhado em salvar os pro gramas do Teatro Cacilda Becker. Assim, alguns deles estão hoje disponíveis, até mesmo na Internet. E os roteiros do Teatro Cacilda Becker, doados pela família Durst ao Centro Cultural São Paulo, assim como um vasto material de autoria dele, podem ser consultados mediante solicitação graças à iniciativa de Carlos Augusto Calil, atual Secretário Municipal da Cultura, que providenciou a digitalização de todo o acervo. Depois que Durst partiu, Bárbara lutou para que os escritos deixados por ele fossem conservados e postos à disposição para consultas. Sua primeira ação nesse sentido foi escrever uma carta ao Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, na época diretor de programação da Rede Globo de televisão). No entanto, foi Carlos Augusto Calil quem teve essa iniciativa. A relação de Walter com Boni foi longa e intensa. E ninguém melhor do que o próprio Boni para testemunhar esses laços: A Era do Rádio O rádio brasileiro, em seus primeiros anos de vida, foi um grande veículo de cultura. No Rio e em São Paulo vários intelectuais passaram pelo rádio, mesmo por tempo limitado. Duas das expressões mais duradouras do rádio inteligente foram Túlio de Lemos e Walter George Durst. Os dois tinham semelhanças: Eram politicamente ativos e tinham uma paixão pelo ser humano como a principal fonte de emoções. Eu, ainda engatinhando no rádio, tinha uma paixão especial pelo Durst. Como aprendiz tentava entender como ele conseguia passar para os ouvintes coisas tão sofisticadas de uma maneira tão simples. Só depois, quando o conheci pessoalmente é que fui desvendar o mistério. Durst que, a distância, parecia ser um ser humano frio e analítico tinha uma alma romântica e o que menos ele queria fazer era analisar. Durst só procurava entender. Com seus olhos azuis e olhar inquietos Durst perguntava mais do que respondia. Daí talvez a sua grande sensibilidade. Seu trabalho no rádio, seu conhecimento de cinema e sua capacidade de penetrar fundo no mundo dos sentimentos fizeram dele um mestre para todos nós que amamos televisão de qualidade. Eu babava com as transposições que o Durst fazia do cinema, da literatura e do teatro para o novo veículo, a televisão. E naquele tempo era tudo feito ao vivo. Uma ousadia do grupo da PRF-3 Tupi-Difusora, a pioneira do Brasil. Quando a televisão se preparava para fazer 50 anos eu chamei a minha equipe e propus fazermos uma TV de Vanguarda, ao vivo, com um texto do Durst e como uma homenagem a ele, ao Cassiano Ga bus Mendes, ao Túlio e outros profissionais da época. Todo mundo correu da raia. Hoje não seríamos capazes de repetir aquela proeza. Em 1963, com a ida de Edson Leite para a Excelsior, o Walter George Durst foi dos primeiros a ir para o Canal 9 de São Paulo. Lá havia um piloto de programa, desenvolvido pelo Durst, Túlio e Álvaro Moya, ainda sem título. Eu era assistente do Edson e mergulhei no projeto que viria a se chamar Teatro 63. Foi o meu primeiro contato de envolvimento direto com o Durst. E o que era admiração passou a ser fascínio. A preocupação por qualidade, na Excelsior, não durou muito. Durst foi para a Bandeirantes e depois para a TV Cultura. Em 1975 fui buscá-lo, junto com o Walter Avancini, para fazer, na Globo, a adaptação de Gabriela para a televisão. A obra de Jorge Amado já havia sido feita, em preto e branco na Tupi do Rio de Janeiro. O Durst, com o seu jeitão preocupado e cuidadoso, me fez inúmeras ponderações. Achava importante ter um salvo-conduto do Jorge Amado para dar conta dos capítulos que nos propunhamos a fazer. Queria opinar na montagem do elenco, locações e achava que a trilha sonora teria que ser cem por cento original. Temia pela Gabriela. Quando Daniel Filho e eu optamos por Sônia Braga, o Durst, sempre ético, queria o aval de Jorge Amado, que foi dado com entusiasmo. Foi um trabalho brilhante. Graças ao texto do Walter George Durst, o clima da produção era de entusiasmo total. Todos queriam ver os capítulos antes mesmo das gravações para curtir os saborosos textos do Durst, que de tão precisos e românticos pareciam metrificados como poesia. Na Globo o Durst esteve envolvido em inúmeros projetos, como Carga Pesada, Grande Sertão: Veredas, Anarquistas Graças a Deus, Rabo de Saia, Romeu e Julieta e por aí a fora. Mas a sua contribuição não ficou nisso: descobriu novos autores, novos atores e, no dia-a-dia, trazia observações fundamentais para melhorar a produção da empresa inteira. Não sei o que seria a televisão brasileira sem o Walter George Durst. Mas sei que ele foi uma das causas de termos atingido um padrão respeitado no mundo inteiro. Durst, como foi bom trabalharmos juntos. Quanto aprendi com você! José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) junho de 2009 Tarde do dia 3 de maio Os pastéis estavam deliciosos, tanto que não sobrou nenhum..., lembra Álvaro Moya referindo se àquele almoço de sábado que comemorava o retorno de Walter. Em volta da mesa, conversavam animadamente. Depois do almoço, assistiram filmes até a noite chegar. Hoje, Moya fala do amigo sem esconder a emoção: O Durst foi um mestre. Durante toda a minha vida, trabalhei com quadrinhos, na imprensa falada e escrita, fiz carreira na televisão e, se meus trabalhos tiveram qualidade, foi porque sempre trabalhei ao lado de grandes mestres. E meu mestre na televisão foi o Walter. Eu o admirava desde os tempos da Rádio Tupi, quando ele produzia o Cinema em Casa, depois na televisão com o TV de Vanguarda e, anos mais tarde, tive a felicidade de trabalhar ao lado dele e, mais do que isso, de me tornar amigo de toda a família. Walter me acompanhava e me incentivava, comemorava minhas conquistas profissionais, torcia por mim. Ele foi mestre de muitos outros colegas nossos, do Lima Duarte, do Avancini, todos nós sabíamos que ele fazia um trabalho excepcional. Convidei o Durst para dar uma aula para os meus alunos na USP e, em vez dele dar uma aula de televisão, deu uma aula de radiofonização maravilhosa, ensinando efeitos, criação de ruídos, um momento inesquecível. Sua criatividade não tinha limites. Manhã do dia 4 de maio Aquela tosse seca do marido intrigava Bárbara. Quando o beijou, percebeu que ele estava com febre e teve certeza disso quando o termômetro acusou 38 graus. Sentindo-se melhor depois de to-mar um antitérmico, ele desceu ao escritório e voltou ao computador, de onde só saiu ao anoitecer. Bárbara esperou pela 2ª feira para falar com dr. Bezerra, que solicitou novos exames, inclusive uma radiografia dos pulmões. Entre maio e agosto de 1997 ele esteve internado algumas vezes, mas, mesmo assim, Walter não parou de elaborar o roteiro da novela Nina. Ao seu lado, em tempo integral, os asseclas Marcos Lazarini e Mario Teixeira. Maria Dulce Rachid (a Duca), a terceira integrante da equipe de Walter, durante aqueles meses difíceis se dividia entre o Hospital Oswaldo Cruz e o Hospital Sírio-Libanês, onde estava internado seu pai. Nos últimos anos, esse trio de autores composto por Duca, Mário e Lazarini trabalhava com Durst e o visitava constantemente no hospital. Juntos, haviam escrito o novo roteiro da novela Os Ossos do Barão para o SBT e a novela Tocaia Grande (1995) para a TV Manchete. Walter, o responsável por mais essa adaptação de um livro de Jorge Amado, não pôde assinar o roteiro porque ainda era contratado da Rede Globo, que o mantinha legalmente atado à empresa mesmo sem aprovar nenhum dos seus projetos há muito tempo. A situação se agravou especialmente depois do insucesso da novela Terras do Sem Fim (TV Globo, 1981/1982). Frustrado com o resultado desse trabalho e com o salário que era reduzido quando ele não estava produzindo, Durst escreveu para a irmã um quase desabafo: Fiz o trabalho com muito gosto e empenho. E o livro, do qual eu tinha gostado tanto na juventude, fracassou um bocado. Não chegou a ser um vexame irremediável, em parte porque, entre mortos e feridos, houve alguns (não muitos) que gostaram ao menos do script e, outros, até da própria novela. Também aliviou um pouco o desgosto o fato de Baby ter feito lindamente o seu papel, motivo para eu me sentir recompensado. Como explico o fracasso? Primeiro por um erro de cálculo de minha parte, julgando ser possível botar às 6 horas da tarde (horário tradicionalmente limitado a donas de casa me-nos atarefadas; crianças, babás, e aposentados sedentários (a porcentagem de público masculino é de zero vírgula) uma história mais séria, sem os ingredientes sentimentais-adocicados do costume. Em segundo lugar porque tive o azar da minha novela cair nas mãos do pior diretor de todas as Américas, aliás atualmente bem empregando seu destalento no Chile do Pinochet. Em terceiro e último, porque tudo isso coincidiu, ainda por cima, com a entrega de dois novos canais de televisão, um para Silvio Santos e, outro, para Adolfo Bloch. Os autores que estiveram ao lado dele em seus últimos anos de vida têm muito a dizer sobre Walter. E é Duca Rachid quem relembra agora sua experiência ao lado do mestre: Eu nem o conhecia quando fui procurá-lo levando alguns trabalhos que eu havia feito em Portugal e, outros, aqui no Brasil. Ele me recebeu com muita gentileza, fazendo com que eu me sentisse acolhida. Durst era, de fato, uma pessoa elegante e especial. Naquela época, o Bosco Brasil tinha acabado de deixar o trio que trabalhava com ele por motivos profissionais, e, de alguma forma, entrei para substituí-lo. Me esforcei para me entrosar com eles. Sofri um pouco, porque eu era a única mulher naquele Clube do Bolinha. Mas o Walter, desde o início, me prestigiou. Um dia me emocionou muito ao afirmar, durante uma discussão boba sobre a superioridade do homem sobre a mulher, que havia um momento em que a mulher era sem dúvida insuperável: só ela podia dar à luz. Trabalhando com o Dürst, eu cresci, não só como profissional, mas também como pessoa. Ele não sabia ficar sem trabalhar, vivia em permanente ebulição intelectual, era até meio obsessivo. Mesmo sem ser solicitado pela Globo, não parava de elaborar novos projetos. Quando surgiu o convite da TV Manchete para adaptar Tocaia Grande, ele nos avisou que teríamos que assinar a novela – uma vez que seu nome não podia aparecer. Trabalhávamos no escritório dele todos os dias, das 9 às 20 horas, e eu sorvia cada palavra, cada idéia, cada solução que ele apresentava durante o trabalho. Foi um contato muito íntimo, porque só essa novela ficou 11 meses no ar. Muitas vezes almoçávamos lá mesmo, servidos inicialmente pela fiel Maria Rosa e, depois, pela Maria Dalva. Me lembro bem de como ele ficou arrasado quando precisou internar a Maria Rosa e, mais ainda, quando ela se foi. Os gatos Mefisto (o preferido de Walter) e Peluca ficavam por ali, nos observando. Foi um aprendizado precioso para todos nós. A propósito dos dois gatinhos, embora nunca tenha tido coragem de confessar isso à Bárbara, o Walter não gostava muito do Peluca. É que com a chegada dele, o Mefisto, que tinha verdadeira adoração por ela, ficou muito enciumado. Saiu de casa e se recusou a voltar por muitos dias. Às vezes, aparecia no telhado do vizinho, a Bárbara o chamava e ele, por birra, a ignorava. O Walter gostava muito do Mefisto. Acho que era porque o gato compartilhava com ele a paixão pela mulher. Ele sempre contava de como o gato ficava aos pés da Baby, quando os dois assistiam TV à noite, encarando-a, com o olhar mais duro do Butantã. Uma coisa engraçada aconteceu quando, certo dia, a casa dele ficou sem fornecimento de água. Como não puderam preparar o almoço, saímos para almoçar. Walter achava uma perda de tempo parar o trabalho para comer fora, e, naquele dia, fui com o Mário e o Marcos buscar um lanche no McDonald’s. Walter não quis ir, claro, e trouxemos um sanduíche para ele. Só então soubemos que ele nunca havia experimentado o hambúrguer do Mc... O melhor de tudo é que ele gostou! Walter odiava comer fora de casa. Apesar de comer pouquíssimo, só gostava das comidas bem quentes, cremosas, e do café fumegante. Quando precisávamos ir a restaurantes (alguns muito elegantes e caros) em função de compromissos de trabalho, ele nem olhava o cardápio. Pedia logo uma vitamina e pronto. Ah, não podíamos abrir as janelas do escritório porque ele tinha medo dos golpes de ar. Hoje, imagino que ele sofresse de sinusite porque se queixava de ter fortes dores de cabeça ao acordar. Quando a Globo descobriu que ele era, na verdade, o autor de Tocaia Grande, o contrato foi rescindido e, mesmo apalavrado com a TV Manchete, Durst migrou para o SBT, que nos presenteou com uma oferta irrecusável. Passamos então a reescrever Os Ossos do Barão. O quarteto encabeçado por Walter continuava na ativa, mas pude perceber, no início de 1997, que ele já não estava bem de saúde. Nos últimos meses em que trabalhamos juntos, senti que o Walter estava ficando debilitado e um tanto deprimido. Mesmo assim, e apesar da insistência da Bárbara, da Ella, de todos nós, ele se recusava a parar para ir ao médico. Sua obsessão era terminar os capítulos de Os Ossos do Barão. Ele estava muito sensível. Costumava se emocionar muito com as cenas dos personagens Melica e Antenor, os dois velhinhos da história. Um dia, falando sobre seu casamento com a Bárbara, ele me confessou que se arrependia muito de não ter cedido ao desejo da família dela, e se casado na igreja. Walter era um ateu convicto, e a família italiana da Bárbara, supercatólica! Ele achava que tinha submetido a Baby a um grande sacrifício, obrigando-a a se opor à família para atender às convicções do noivo. Quando fui ver o filme argentino, O Filho da Noiva, de Juan Jose Campanella, onde o pai do protagonista se esforça para concretizar o grande sonho da mulher (que sofre do mal de Alzheimer), o de casar-se na igreja, me lembrei do Walter e chorei muito. Aquele ano de 1997 foi um ano devastador para mim: perdi meu pai, em julho, e meu mestre, em agosto. Tarde do dia 5 de maio Novos exames radiológicos foram realizados por orientação do dr. Bezerra e revelaram um mal incurável. Após sucessivas internações, Walter partiu em agosto daquele ano. Juntei-me aos Durst para decidir como terminar esse livro, e optamos por encerrá-lo com o depoimento de Marcos Lazarini, que tão bem sintetiza a personalidade do Walter: O Durst Anos atrás, na estreia de um texto teatral de minha autoria, perguntei ao Walter se ele poderia escrever algo para o programa da peça. Como sempre, sua generosidade o impediu de dizer não. Deixei-o à vontade para escrever o que quisesse. Suspeito que minha peça não o tenha entusiasmado – e de fato, confesso, meu texto não era grande coisa. Então, Walter decidiu escrever sobre o amigo. Nas primeiras linhas, ele diz o seguinte: (...) percebo que escrever sobre amigos é muito difícil. E, como sempre acontece, mais uma vez estou descobrindo o óbvio. Amigo não se analisa; sobre eles não se teoriza. Se a gente sente admiração, tem prazer em conversar, não se chateia depois de algumas horas de convivência, e começa a identificar-se sem muita complicação, já se tem uma boa parte do perfil. É um cara legal, e estamos conversados. Ou, na verdade, não será só isso? Estou quase certo da negativa. Mas não me peçam para dizer o que pode haver mais, porque eu não sei. Embora bastante desmoralizada nos dias de hoje, penso que a amizade ainda tem o seu lugar no lado misterioso das coisas. Esta citação é a única maneira que vejo de começar este depoimento sobre a minha rica vida por perto do Walter. Em continuação, certamente cometerei vários dos pecados capitais do bom texto, sempre condenados por ele: o sentimentalismo, a adjetivação excessiva, o render-se incondicionalmente ao seu objeto de escrita. Mas fazer o quê? Aceitando ser um pecador, já adianto: tudo que sei e que sou devo a esse senhor. Como a partir desse ponto qualquer novo rasgo soará discreto, passo aos fatos. Conheci Walter Durst no que talvez tenha sido o primeiro curso de roteiro oferecido em São Paulo, pelo Indac. O curso, pelos nomes envolvidos (Durst e Avancini), fez tamanho sucesso que, para minha sorte, tiveram de abrir uma segunda turma, na qual me inseri. Walter deu quatro aulas sobre adaptação. Para quem não sabe, ele é um mestre na adaptação de obras literárias para o audiovisual. Foi um curso prático, em que tivemos de adaptar O Aquário, um conto pouco conhecido do homem de teatro Paschoal Carlos Magno. Eu não tinha nada a perder. Assim, de temeridade em temeridade, cheguei ao final do curso com um roteiro de Caso Especial (hipotético, claro) baseado no tal conto. Vários outros também conseguiram escrever seus textos. Na noite da avaliação, todos bastante ansiosos, um Walter excitadíssimo propôs a leitura de dois dos roteiros apresentados, por seus próprios autores. O primeiro deles, de autoria de Vitu do Carmo, jornalista competentíssimo; o outro era a minha adaptação. Enquanto eu lia meu roteiro diante da classe, pressentia os movimentos do Walter atrás, giz na mão, escrevendo conceitos na lousa e pedaços dos diálogos do meu script. Na avaliação final, depois de elogiar muito meu roteiro, afirmou que provavelmente, se levado ao ar, meu especial teria menos Ibope que o do Vitu. Quando comecei esse curso, não sabia ao certo quem era aquele sujeito de pele transparente de tão clara e um boné na cabeça que, pensei, não tirava nem para dormir. Mas ele já era dono de uma trajetória extraordinária, mais do que um pioneiro do cinema e da televisão no Brasil, um autor seminal para a modernização da nossa teledramaturgia. Homem de cinema que viveu a televisão com intensidade, buscava obsessivamente a qualidade e a integridade em tudo que fazia. Era desse sujeito que eu queria me aproximar. E, para minha surpresa, ele abriu as portas da sua casa – onde mantinha seu es critório: quando tiver outro roteiro, manda pra mim. Claro que eu não tinha e claro que passei a escrevê-los com frequência, como que a testar a paciência de um tipo raro na televisão brasileira, um cara que recebia gente nova com generosidade e franqueza. Tempos depois ele conseguiu que eu fosse contratado como seu colaborador pela Globo – ao lado de Mario Teixeira e Bosco Brasil, amigos e parceiros à volta da mesa de trabalho do Walter. Aliás, era raro ele sair de trás dessa mesa. Passava horas à frente de uma máquina de escrever elétrica, absolutamente envolvido com o que escrevia. Remover as mãos do Walter das teclas da máquina – e depois do computador – era missão difícil. O homem era tragado por suas histórias. Nos primeiros tempos, não raras vezes eu, Mario e Bosco nos levantávamos para papear no jardim sem que o Walter sequer percebesse, tal seu nível de concentração. Acrescente-se: ele não tinha o hábito de trabalhar com colaboradores. Não que não ouvisse, respeitasse e até aceitasse idéias e opiniões alheias, ao contrário. Mas era homem acostumado ao trabalho pesado, capaz de, a certa altura de sua vida, escrever duas novelas ao mesmo tempo numa máquina de escrever manual. Acho que conosco ele aprendeu a liderar e a trabalhar em equipe, sempre incansavelmente. Mais tarde, vivi o privilégio de escrever com ele e ao lado de Mario Teixeira e Duca Rachid suas duas últimas telenovelas: Tocaia Grande, na TV Manchete, e Os Ossos do Barão, no SBT. Aos que imaginam que todos os autores de novela são regiamente pagos, um alerta: o único contrato decente de sua vida, Walter assinou no SBT, em 1996, um ano antes de sua morte. Até então, Durst já havia: criado o fundamental TV de Vanguarda (Tupi, anos 50); feito inúmeras novelas de sucesso e pensado outros formatos inovadores de TV nos anos 60; escrito as obras-primas Gabriela e Nina nos anos 70; e as minisséries – que redefiniram o gênero nos anos 80 – Anarquistas, Graças a Deus; Grande Sertão: Veredas; Memórias de um Gigolô, etc. que isso já virou covardia. Sim, Walter tinha alguns bens antes do contrato que afinal o reconhecia como grande e valioso autor, mas até então tudo o que ganhara viera de uma sequência insana de trabalhos, às vezes desenvolvidos simultaneamente. Lembro-me da noite em que ele, eu, Mario e Duca assinamos nossos contratos com o SBT. Ao deixá-lo na porta de sua casa, sua expressão era de quase perplexidade com o salário que passaria a receber – e adianto que, perto do que se paga hoje aos autores top, era um salário modesto. Aposto que nessa noite em que Mario e eu nos afastamos de sua casa eufóricos, ele não pensava no dinheiro, mas, certamente, nas verdades essenciais da história que escreveria para o SBT. Quando escrevemos Os Ossos do Barão, Walter adoeceu. Estranhei e temi. Afinal, nunca conheci ser humano com estilo de vida tão sóbrio, espartano. Nunca fumou e, tenho quase certeza, era abstêmio. A ponto de, numa ocasião, depois de comer dois bombons recheados com licor ou conhaque, inesperadamente ficar mais solto, como se levemente embriagado. Seu único vício era a paixão por sua mulher Bárbara, a Baby, paixão que só aumentou com o tempo. Seu estilo de vida era pacato, discreto. Saia pouco de casa, gostava de comprar e ler livros, e assistir filmes. Amava Cantando na Chuva e falava com carinho do Morro dos Ventos Uivantes. Cinema sempre foi uma paixão para a qual, infelizmente, nunca teve muito tempo tal a voracidade da televisão. Mas deixou alguns roteiros inéditos, entre os quais um sensacional, que sonhava um dia dirigir: é a história do ator Milton Ribeiro, o eterno cangaceiro. Com o dobro da minha idade parecia ter o triplo da minha energia. Assim, justificavase meu espanto com a doença dele, que não o impediu de levar brilhantemente a novela até o fim. Nos intervalos de seu doloroso tratamento, ainda fui algumas vezes à sua casa para discutir nosso próximo projeto, um remake de Nina. Nosso último encontro antes dele ser internado de vez foi para assistirmos juntos a um amistoso Brasil e França na televisão. Mas no intervalo e por algum tempo depois do jogo, conversamos sobre como reescrever Nina – eu, um tanto pasmo, já que havia lido a novela inteira e ela era praticamente irretocável. Ele adorava o bom futebol. Se dizia santista, mas era fã do Marcelinho Carioca – diabólico, se referia ele ao então evangélico jogador do meu Corinthians. Admirava o futebol argentino, seu estilo toco y me voy, uma rima que se ajusta à perfeição ao seu estilo de roteiro. Às vezes trabalhava com alguns dos gatos da casa enrodilhados aos seus pés. Em certos meses, levantava-se mais cedo só para testemunhar a explosão das belas damas-da-noite plantadas no bem cuidado jardim de sua casa. Geralmente tomava um copo de leite aquecido no microondas no final do dia. Numa noite em que o trabalho nos levou longe demais, o convencemos a pedir uma pizza em algum lugar. Quando comeu um pedaço da pizza de aliche, foi às nuvens, achou maravilhosa. Era só uma pizza, dessas entregues por motoboys. Mas esse era o Walter, que via coisas extraordinárias onde só enxergávamos o ordinário. Um sujeito discreto e de ascendência suíça que, na criação de seus mundos ficcionais, transformava-se em um bárbaro, um suíço baiano, algo que lhe disse o músico Tom Zé. A televisão e o cinema brasileiro perderam um grande autor que, com mais de 70 anos, ainda tinha fôlego de jovem e prometia mais, muito mais; perderam também um profissional íntegro, ético, exemplar. Já eu, perdi um amigo. E amigos, como o próprio Walter escreveu, não se explicam. Melhor assim. Marcos Lazarini Nota do autor Em função de uma série de contratempos, só pude me encontrar com o ator Lima Duarte depois que esse livro já havia sido finalizado. Sua vida e a de Walter George Durst se cruzaram com muita intensidade imprimindo, em ambos, marcas que agora Lima relembra comovido: Graças ao Durst, em 1946 me tornei sonoplasta do programa que ele criou na Rádio Tupi-Difusora, o Cinema em Casa. Um belo dia ele me pediu um ruído de maçãs maduras para radiofonizar algum dos textos que ele escolhia para o programa. Aquilo não saiu mais da minha cabeça, e acho que ele perseguiu esse ruído ao longo de toda a sua vida. Nada o demovia do empenho feroz com que ele buscava a beleza. E, na televisão, nada o desviava da sua luta para transformar as palavras (que ele tanto amava) em imagens. Walter teve um papel fundamental na minha vida profissional e pessoal. Eu tinha acabado de chegar a São Paulo (vindo de Minas Gerais) num caminhão, e morava na zona do meretrício com uma tia polaca, mme. Paulette, que era a dona da casa de prostituição e que acabou me adotando. Ela já era quarentona e, eu, tinha só 16 anos. Imagina como eu devo ter sido maravilhoso na vida dela... E lá fiquei até que o Durst me levou para morar na casa dele, na Bela Vista. Apesar de tão diferentes, tínhamos ideais comuns e um inabalável respeito mútuo: éramos jovens comunistas com a cabeça cheia de sonhos e adeptos de uma ideologia que ele queria transformar, de forma poética, em imagens. Durst me ensinou tudo. Com ele aprendi a interpretar, aprendi a vida. Ele achava que eu era o ator ideal para interpretar personagens genuinamente brasileiros, mas ele não me via como um boneco. Muito pelo contrário, ele me burilou, me deu um teto e me alimentou. Foi mais do que um Pigmaleão, porque ele me ensinou a viver. Depois veio a televisão, e até hoje me pergunto como teria sido se, no lugar do Cassiano Gabus Mendes, tivesse sido o Durst o escolhido para ser o primeiro diretor da emissora. Me lembro de que ele não ficou aborrecido com isso, e acho que, no fundo, nem queria. Era um operário, só queria produzir, trabalhar. E, eu, procurava servi-lo da maneira que ele precisava e queria. Havia grande ternura entre nós dois, era amor mesmo. Fomos parceiros, mas eu sempre entendi que eu não era ele. E perceber isso foi muito bom. Eu sabia que ele era mais, mais importante, mais capaz, e eu entendi que eu só poderia ser grande se servisse a ele, à grandeza dele. Fomos marchando juntos, nos entendendo, apesar das diferenças. Ele era um intelectual de primeira, e eu estava engatinhando nesse mundo das letras. Entendíamos o momento que vivíamos, entendíamos a revolução que se anunciava, e a função do artista é perceber isso, viver isso, e ele procurou traduzir essa experiência dando imagens às palavras. Basta ver a adaptação dele para o Grande Sertão: Veredas. É preciso dizer mais? Ele lutou fervorosamente na sua incansável busca pelo ruído das maçãs maduras. E Bárbara Fazio, sua mulher, que compreendia essa obsessão, lutou por esse ideal ao lado dele. Tive o privilégio de ser amigo dele, do Túlio de Lemos, do Dionísio Azevedo, homens que faço questão de lembrar porque devemos muito a todos eles. O passado é a coisa mais presente que temos. Olhando para diversos prêmios que recebi ao longo da vida, me sinto apenas um portador. Um dia vou entregá-los, em mãos, ao meu querido amigo. Faço questão disso. E sei que, finalmente, ouviremos juntos o ruído das maçãs maduras. Lima Duarte julho de 2009 Cronologia 1922 • 15/6: Nasce em São Paulo 1939 • Indústrias Reunidas Matarazzo. 1940 – 1946 • Campinas, Banco do Estado, escriturário. Escola de Comércio e Faculdade de Filosofia. 1946 • Retorno a São Paulo – Banco do Estado, em São Paulo. 1946 — 1947 • Repórter do Jornal de Notícias. Rádio Cultura: programa de rádio Universidade no Ar. Rádio Bandeirantes: Programa História Universal. 1948 — 1950 • Radio Tupi-Difusora: programas Cinema em Casa e Fada Soquete. 1950 • Casa-se com a atriz Bárbara Fazio. Trabalha como crítico de cinema nos jornais O Radar e O Tempo. Rádio Tupi-Difusora: Programas Esses Parentes Valem Ouro e Grande Teatro Tupi. 1951 — 1963 • Programa TV de Vanguarda. • TV Tupi: Programas História do Teatro e O Contador de Histórias (posteriormente chamado Studium 4). 1955 1956 • Estréia no cinema como roteirista e diretor do filme O Sobrado. 1958 • Filme Paixão de Gaúcho. TV Tupi: programas Teatro Walita e O Pequeno Mundo de Don Camilo. 1959 • TV Tupi: programas O Céu é o Limite, Os Grandes Erros Judiciários, O Grande Juri e Casa dos Outros. 1960 • TV Tupi: programa Não Posso Ver Mulher, Sandarino de Bourbon. 1961 • TV Tupi: programas Os Grandes Condenados Fora das Grades e A Volta de Don Camilo. 1963 — 1964 • TV Excelsior: programas Teatro 63, Caminhos da Medicina. 1965 — 1967 • TV Tupi: Novelas baseadas em autores cubanos para a Colgate-Palmolive: Gutierritos, O Sorriso de Helena, Um Rosto Perdido, O Cara Suja, Tereza, A Cor da Sua Pele, Meu Filho, Minha Vida, e A Outra. 1968 — 1969 • TV Bandeirantes: Teatro Cacilda Becker, TV Verdade, Homem = Problema e Só para Maiores. 1969 — 1977 • TV Cultura: Curso de Madureza Ginasial e Curso Supletivo Primeiro Grau (aulas de português); Programa Jovem Urgente. 1971 • Nomeado assessor cultural da TV Cultura – Criação do Teatro 2. 1973 — 1985 • TV Globo: Programa Só o Amor Constrói. • Casos especiais; O Duelo e O Capote, textos para o programa Fantástico, novela Gabriela, Programa 8 ou 800 (perguntas e respostas); novelas Despedida de Casado, Terras do Sem Fim e Nina. Roteiros para as séries Carga Pesada e Obrigado Doutor; minisséries Rabo de Saia, Memórias de um Gigolô, Grande Sertão: Veredas, e Anarquistas Graças a Deus. 1990 • Roteiro para o filme Era Uma Vez a Vera Cruz posteriormente chamado O Capitão Galdino. 1995 • TV Manchete: Novela Tocaia Grande. 1996 • SBT: Novela Os Ossos do Barão. 1997 • Falece em São Paulo. Prêmios 1954 • Prêmio IV Centenário pelo roteiro cinematográfico do filme A Carrocinha. 1955 • Prêmio Roquete Pinto, como produtor teatral em TV. 1957 Prêmio Governador do Estado pelo roteiro do filme O Sobrado. 1970 Prêmio Associação Paulista de Críticos pelo caso especial O Homem que veio do Céu. 1988 • Prêmio Janete Clair pelo melhor texto de literatura televisiva em Grande Sertão: Veredas. Livros 1966 • A Urna • Rosa Lúbrica • Lázaro Agora 1978 1982 Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Prefácio – Carlos Augusto Calil 11 Carta aberta a Walter G. Durst – Nilu Lebert 15 Capítulo 1 21 Capítulo 2 41 Capítulo 3 57 Capítulo 4 81 Capítulo 5 95 Capítulo 6 125 Cronologia 153 Crédito das Fotografias Todas as fotografias pertencem ao acervo de Walter George Durst, salvo indicação em contrário Carlos Scliar 122 Dionísio de Azevedo 28 Ella Durst 109, 113 Marcos Magaldi 30, 151 A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz Villaça Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sérgio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico García Lorca – Pequeno Poema Infinito Roteiro de José Mauro Brant e Antonio Gilberto João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Umberto Magnani – Um Rio de Memórias Adélia Nicolete Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero – Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 188 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Coleção Aplauso Série Perfil Coordenador Geral Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Projeto Gráfico Editor Assistente Editoração Tratamento de Imagens Revisão Rubens Ewald Filho Marcelo Pestana Carlos Cirne Felipe Goulart Ana Lúcia Charnyai Fátima Consales José Carlos da Silva Benedito Amancio do Vale © 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Lebert, Nilu Walter George Durst / Nilu Lebert. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 188p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-790-4 1. Telenovelas – Brasil 2. Literatura – Adaptação 1. Televisão – Brasil – Produtores e Diretores – Biografia 2. Durst, Walter George, 1922-1997 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.456 098 1 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Telenovelas 791.456 098 1 2. Brasil : Televisão : Produtores e Diretores : Biografia 791.456 098 1 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800 01234 01 sac@imprensaoficial.com.br Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria