Isolda Cresta Zozô Vulcão Isolda Cresta Zozô Vulcão Luis Sergio Lima e Silva IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo culturalparaesse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Nasci livre! Desde então, minha esperança maior é ser livre como só fui quando como um pássaro saí de uma rosa e de um homem feito de luz. Mas sei que este dia chegará! Isolda Cresta Introdução Ela me escolheu para escrever sua biografia, e foi imantada em minha vida através de duas saudades queridas – Isabel Ribeiro e Norma Suely – também suas amigas. Acredito que essa escolha foi a partir delas, Isabel pelo livro que escrevi para a Coleção Aplauso, e Norma pelo site que fiz à curadoria. Isolda está presente nas duas estórias, é citada em Iluminada, e depõe em vídeo no Memorial Norma Suely: é você, quero que escreva meu livro, você tem tempo, você aceita? Fiquei supersurpreso com o convite, mas estava ocupado, lançando o meu primeiro livro. Assim mesmo nos encontramos duas vezes em seu apartamento na Lagoa, e foi definitivo. Havia uma excitação nela, uma urgência em realizar, como que estivesse olhando o relógio do tempo. Fiquei impressionado com o esboço de sessenta páginas que começou a escrever nos anos 70 sobre sua vida, e que burilou no decorrer dos anos, o conteúdo, a riqueza de detalhes da narrativa e a sinceridade absoluta no tom coloquial que imprimiu, revelando uma estrada bem percorrida e uma chama de vida efervescente presente em cada momento. Vulcânica. Pedi que me desse alguns meses para me organizar, mas fomos atravessados por sua inesperada partida no dia 4 de abril de 2009. Era mesmo pra ser assim... A partir do material escrito pela própria Isolda, na primeira pessoa em todos os sentidos, e com a colaboração da sua filha Ana Christina, sobrinha, netos e amigos, mergulhei no universo de Zozô. Era Uma Vez... Isolda da Costa Pinto nasceu em São Paulo no dia 18 de junho de 1929. Filha do engenheiro João Baptista da Costa Pinto e de Rosetta da Costa Pinto, carioca filha de emigrantes italianos, professora de piano e cantora, ela é a segunda filha do casal, antecedida pelo Maninho, Ivan da Costa Pinto, oito anos mais velho. Bem-nascida, foi criada em berço de ouro na zona sul do Rio de Janeiro, onde passou a infância e adolescência, e se casou com o médico mineiro Miguel Renato de Andrade com quem teve duas filhas: Ana Christina e Ângela Vitória. Até aí brincou de casinha, até aí levou uma vida comum como tantas moças do seu tempo. Com as filhas chegando na adolescência, aconteceu uma guinada no seu processo de vida: nasceu a paixão pelo teatro, a descoberta da identidade de atriz que aflorou no seu íntimo. Rompeu com o casamento quando o marido colocou obstáculo, e assumiu o nome artístico de Isolda Cresta, sobrenome em homenagem ao bisavô Fortunato Cresta. O temperamento de atriz já rondava Isolda em muitos momentos de uma vida familiar bastante movimentada. Em criança, gostava de ficar doente para ser o centro das atenções, assim como no dia a dia expressava seus sentimentos com espontânea dramaticidade. Quando a vida corria tranquila, vivia uma comédia de costumes, quando a barra pesava, uma tragédia grega tomava conta de seu mundo. Mas a opção pela carreira de atriz veio de encontro a isso, e ela se soltou, se encontrou como mulher e fez desabrochar um talento inato até então em ebulição. O senso de justiça e a solidariedade que exercitou na juventude como voluntária da obra social da Igreja Santa Margarida Maria, na idade adulta a transformaram numa autêntica guerrilheira dos inesquecíveis anos de chumbo da ditadura militar. Este momento de ruptura com a vida burguesa, seguida da opção pelo teatro e pela militância política, marca o início deste livro. Deixo o leitor com a palavra da biografada, seu temperamento impetuoso, ardente e corajoso, qual uma rocha magmática natural que se derrama na superfície da terra, cuspindo fogo, assumindo atitudes e encarando a vida com intensidade avassaladora. Luis Sergio Lima e Silva José Antonio Pinheiro, Luiz Mauricio Capiberibe Azedo, Hildegard Angel, Zilah Constante Ramos, Scyla Tavela, Emiliano Queiroz, Ana Christina de Andrade, Clara de Andrade, Lao de Andrade, Laila Andrade de Azeredo, Rosa Morena Andrade Azeredo, Cristina de Laet, Maria Eredina Mota (Dedé), Elvis, Thais Portinho, Maria Lucia Dahl, Vanja Orico, Erico de Freitas, Orlando Miranda, Camille K, Paulo Afonso de Lima, Neila Tavares, Norma Sá Pereira, Cláudio Gonzaga, Ney Matogrosso, Sheila Gonçalves, Felipe Goulart, Hubert Alquéres e Rubens Ewald Filho. Capítulo I Separação & Mergulho no Teatro Quando eu namorava o Miguel, um dia indo pra casa de uma amiga no Leblon de bicicleta, encontrei-o com uma moça no carro. Fiquei só olhando, parou o carro ali no Bar Lagoa e desceu com a moça, fiquei fora de mim de raiva. Eu usava um anel de brasão, que era dele, atirei o anel dentro do carro e me sentei no meio-fio da calçada, fiquei ali pensando o que poderia fazer para me vingar. Aí, chegou um amigo meu de moto, que me vendo ali, dando sopa, me convidou para dar uma volta. Aceitar uma carona de moto naquela época era coisa muito comprometedora, mas nem hesitei. Deixei minha bicicleta no posto de gasolina, que ficava ao lado do bar, liguei pra minha casa dizendo onde eu estava e que a bicicleta tinha quebrado, lá fui eu vitoriosa passear com o Rodolfo Póvoa. Fomos até a Barra da Tijuca, o que era um escândalo muito grande, aí ele me deu umas beijocas e voltamos. Quando cheguei no posto, levei o maior susto. Meus pais, o Miguel, meu irmão, minha cunhada Gilda e até o cachorro estavam lá esperando por mim. Papai, desvairado, deu uns tapas no pobre do Rodolfo, mas todo mundo sossegou quando me viu chegar sã e salva. Nesta noite tive uma conversa séria com o Miguel, disse a ele que se eu me casasse com ele, e ele me traísse, podia ficar certo que eu o trairia também. Ele ainda tentou argumentar que homem é diferente, mulher não pode trair, homem pode. E traíam mesmo. Logo que me casei, alguém ligava sempre pra minha casa, dizendo que era amante do Miguel, que tinha estado com ele o dia todo, que eu era uma boba, etc. Não era não, já tinha sacado tudo. Naquela época, todos os homens tinham suas amantes para provarem que eram machos mesmo. Eu consegui não me chatear com aqueles telefonemas, fingia que não acreditava, mas sempre soube que eram de uma moça chamada Zara, uma enfermeira que ele tinha namorado antes de me conhecer, e continuou namorando vida afora. Um dia, eu estava em Miguel Pereira com minhas filhas, quando vi um homem montado num cavalo negro, que realmente tirava qualquer mulher do sério. Era lindo! Era o tio mais moço da minha cunhada Gilda, e se chamava Virgilio Miguel Pereira. Fiquei torta. Ele veio ver minhas filhas que estavam resfriadas, era médico. No dia seguinte fui à casa da mãe dele, dona Maria Clara Miguel Pereira, que era uma pessoa encantadora, que nós chamávamos de mim vó. Ela me disse que o Virgilio tinha dito que eu tinha ficado uma moça linda, que era uma das mulheres mais bonitas que ele já tinha visto. Fiquei muito contente, dali em diante comecei a me achar bonita, e fiquei superapaixonada por ele, o que me deixou muito culpada. Chegando ao Rio procurei um terapeuta famoso, o Mira y Lopez, que ouviu tudo que o que eu tinha a dizer, e depois disse que aquilo era normal, que eu não tinha nada demais e que deveria fazer teste vocacional, porque achava que eu tinha energia demais para ser somente dona de casa. Disse também que eu poderia continuar sendo uma ótima mãe para as minhas filhas, e até o relacionamento com o meu marido seria muito melhor se eu trabalhasse em algo que gostasse. Fiz os testes, deu teatro. Era uma vocação muito forte que eu tinha. Miguel adorava ser médico, trabalhava muito, deu quase sua vida pelo Hospital Miguel Couto, porque é que eu não podia ser atriz de teatro? Comecei a frequentar o ambiente de teatro, fui ao Tablado, e me enturmei com Maria Clara Machado e seus atores; assisti a uma peça no Teatro Dulcina com o Agildo Ribeiro, que adorei: O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna. Fiquei logo amiga do Agildo, e assisti à peça mui tas vezes, foi quando eu soube que no próprio Teatro Dulcina havia uma escola para atores, a Fundação Brasileira de Teatro. Não hesitei, fiz os testes, passei, e comecei a estudar teatro. Eu sabia que teria problemas com o Miguel, que sempre me dizia, lugar de mulher é em casa, e ser atriz em 1959 , ainda mais uma mulher como eu, de boa família, casada e mãe de duas meninas quase adolescentes, isso era um escândalo! Mas era muito grande a descoberta da minha paixão pelo teatro, este sim foi o meu grande amante, a minha suprema ventura. Foi uma sorte eu ter começado a estudar teatro na Fundação Brasileira de Teatro (FBT). Tive os melhores professores: Dulcina de Moraes, Adolfo Celi, Maria Clara Machado, Junito Brandão e Cecília Meirelles. Um luxo! Nós nos reuníamos em minha casa, eu, Teresa Redig de Campos e Ronaldo Daniel para estudar teatro grego, pois Junito era um professor que despertava a vontade de estudar mesmo. Começaram as provas, tinha que apresentar uma peça de Francisco Pereira de Assis, O Vaso Suspirado, e também fazer um trecho da peça do Garcia Lorca, As Bodas de Sangue. Não poderia ter prazer maior, meu Lorca querido, meu moreno de verde luna! Comecei a ensaiar com meus colegas. Já tinha conversado com Miguel sobre meu desejo de ser atriz. Um dia ele chegou em casa e me encontrou ensaiando, e disse: tira essas bichas daqui, senão eu saio, e não volto mais! Fiquei gelada, entre meus colegas estava o marido de uma moça que era militar, e estava armado. Não consegui responder à pergunta de Miguel. Ele saiu naquele dia, e nunca mais voltou. Fiquei muito nervosa por causa das minhas filhas, que adoravam aquele pai, mas eu estava inteiramente tomada pelo meu amor ao teatro. Ele não aguentou, era demais a mulher dele ser atriz, a pior coisa que eu podia ter feito. Insuflado por alguém que não gostava de mim, Miguel foi à polícia e mandou fazer um flagrante de adultério. Eu, pra variar, estava em casa ensaiando com um ator que ia contracenar comigo em Bodas de Sangue. Os policiais bateram na minha porta, eu atendi, eles disseram a que vinham, viram a babá na cozinha lavando louça, as meninas dormindo, a minha cama arrumada, e na sala um ator segurando um texto de teatro na mão e vários livros espalhados pelo chão. Pediram desculpas, e perguntaram se eu queria processar meu marido por calúnia. Eu disse que não, eles se foram, e eu fiquei perplexa com aquilo, mas como o texto de Lorca era difícil, e o exame estava próximo, tratei de continuar o trabalho. Bodas (quase) de sangue Não poderia ser mais bandeirosa a escolha da peça de Lorca para a prova de atriz de Zozô, vivendo momento transcendental em sua vida, foi um prato feito para ela com dramaticidade à flor da pele. A atriz Thaís Portinho, amiga de Isolda de toda a vida, também estudava interpretação na FBT, e fez a mesma cena de Lorca, como recorda: – Conheci a Isolda na FBT, não éramos da mesma turma, mas fazíamos o mesmo curso de formação de ator. Os diretores montavam as cenas para as provas, e eram as mesmas peças sempre. Eu me lembro que ela foi a única que fez um figurino, mandou fazer um vestido preto comprido e emprestou o vestido para todas as alunas, inclusive para mim. Foi o meu primeiro contato com a Isolda, sempre foi uma pessoa muito aberta, muito generosa... Em Bodas de Sangue, a tragédia andaluza do genial dramaturgo espanhol, a cena escolhida para a prova foi a do encontro da personagem da Noiva com o antigo namorado, Leonardo, em lúgubre bosque, que abre o terceiro ato. Ela, fugindo do casamento com o inesquecível amor de sua vida, em momento decisivo para o desfecho da estória, está vulnerável e dramática, entre o desejo e a repulsa. Prossegue Zozô: Tinha uma hora que minha personagem, a Noiva, dizia: Ai, que loucura! Não quero contigo nem cama nem ceia, e o dia não tem minuto que estar contigo não queira. Porque me arrastas e sigo, e se me dizes que venha eu te acompanho nos ares como um fiapinho de erva. Deixei um homem austero, mais a sua descendência no meio da nossa boda, de coroa na cabeça! Receberás o castigo, e não quero que o recebas. Deixa-me sozinha, foge que não tens quem te defenda! Quando dizia este texto, me lembrava muito do Miguel, do meu casamento desfeito por causa do meu grande amor pelo teatro. Fiz a prova, e tirei o primeiro lugar, o professor era o Adolfo Celi. Continuei a ver o Miguel, pois a família dele continuou a ser a minha. Sentia que ele me odiava. Teve um filho com a Zara, a mulher dos telefonemas, depois se casou com a Neia, com quem me dou muito bem, e teve uma filha que eu adoro, a Márcia Renata, também atriz e produtora de elenco da Globo. Miguel só me perdoou quando perdemos nossa filha, mas foram valiosos para a minha vida os anos que passei casada com ele. Minha filha Ana me contou que, depois de separados, fomos um dia, eu, o Miguel e a meninas jantar na Colombo, tocou o L’Hynne a l’amour da Piaf, que eu gostava muito de cantar, e eu chorei muito. Lembro disso sim, vagamente, como se tivesse um véu por cima da minha memória. Mas de tudo fica um pouco. Ainda estudante, fiz no Tablado outra peça do Garcia Lorca, Dona Rosita, a Solteira, com direção de Sérgio Viotti. Ele me ensinou a andar em cena, achava muita graça do meu andar, de pezinhos pra dentro. No segundo ano da Escola, quem era a minha professora de teatro grego? Cecília Meirelles, a poetisa, de quem eu era grande admiradora. Às vezes, eu até me esquecia de fazer anotações, pois não conseguia parar de olhar aquela mulher linda, de enormes olhos verdes e fala mansa. Ficamos muito amigas, e quando ela adoeceu em 1964, fui visitá-la num hospital em São Paulo com a Maria Fernanda. Ela me chamou em par ticular, e me pediu que quando fosse embora, eu tomasse conta da Maria Fernanda. E eu tomo sim. Ela pensa que não, mas estou sempre atenta a ela, somos como irmãs. Aprendi muito na Fundação Brasileira de Teatro. De lá surgiram muitos atores famosos, como Rubens Correa, Ivan de Albuquerque, Telma Reston, Thais Portinho, Jacqueline Laurence, Heleno Prestes, Leila Ribeiro, Renato Coutinho, Paulo Nolasco, João das Neves, Pichim Plá, Ivan Mesquita, Nildo Parente, Hélio Duda, Hélio Ary, Ivan Senna, Perry Salles, Paulo Afonso de Lima e Cláudio Gonzaga, os que eu me lembro agora. Antes de começar a estudar teatro, minha mãe, que era grande amiga de Paschoal Carlos Magno, me levou para conversar com ele sobre a minha vocação. Paschoal me perguntou: você quer realmente ser atriz, amar e sofrer com o teatro, ou você quer apenas que o teatro seja uma moldura para a sua beleza? Respondi, quero ser atriz, pouco me importa que seja para interpretar uma mulher bonita ou feia! Paschoal deu o seu ok. Estava certo, hoje, sou uma das amigas da Aldeia de Arcozelo, e quero que ela progrida, pois foi o grande sonho de Paschoal. Capítulo II Nasci Para ser Livre Ah, como me lembro dos tempos da Isolda criança! Nasci num 18 de junho, em São Paulo. Meus pais e minhas avós estavam morando lá porque papai era diretor da Estrada de Ferro Sorocabana. Mamãe sempre me contava que na hora em que eu nasci, a enfermeira dona Esperança disse: dona Rosetta, a senhora teve uma filhinha muito bonitinha mas que vai lhe dar muito trabalho. Por quê? perguntou mamãe: Olha só o jeito bravo dela chorar! Porque eu chorava assim tão desesperada? Medo de enfrentar a vida no planeta Terra, ou já era uma revolta? Minha mãe, Rosetta, era carioca por acaso, já que seus pais eram emigrantes italianos. Ela foi criada em Milão, em um sítio, pois meus avós maternos eram camponeses, e só voltou ao Brasil com 18 anos, depois que meu avô morreu, para ganhar a vida como professora de piano. Ela tinha feito o curso na Academia de Música de Milão, e foi dando aulas no Rio que ela conheceu a família do meu pai, que se apaixonou por aquela italianinha tão bonita e divertida, resolvendo adotá-la. Minha avó, estava em Milão esperando que mamãe ganhasse uma graninha pra mandar buscá-la, eram todos muito pobres. Mais tarde, no Brasil, minha mãe começou a receber aulas de canto, e tornou-se uma célebre cantora de câmara. Ela era linda! Cabelos compridos que prendia com um laço de veludo preto, um sorriso lindo de morrer, uma alegria de viver que conservou até o fim da vida. Mamãe era severa, sim, gostava de tudo muito direitinho, com harmonia e equilíbrio, tudo em compasso musical. Era a pastora incansável da beleza, como foi chamada pela minha grande amiga Maria Fernanda. Quando fez 83 anos, escreveu em seu caderno: Eis-me com meus 83 anos bem vividos, com luta e joie de vivre que sempre me acompanhou. Antes de mais nada, devo prosternar-me perante Deus e lhe agradecer por me conceder esta idade com saúde e força. O espírito, a arte e sobretudo a música foram sempre meus anjos protetores. Envelheci, mas dentro de mim há um cantinho de mocidade que não fenecerá nunca. Permaneci intacta diante da vida, tal como nasci – fiel à natureza e à pequena camponesa que fui, com todos os sortilégios de uma alma rica, cheia de vida e crente. Sempre canto o hino à vida, e hoje, mais do que nunca, apesar dos 83 anos, continuo a cantá-lo, e o cantarei até o fim com a mesma alegria! Obrigada, meu Deus! Estas palavras foram publicadas no Jornal do Brasil. Carlos Drummond de Andrade fez uma crônica de uma carta inédita de Mário de Andrade para minha mãe, pois eles eram grandes amigos. Eis a crônica de Drummond: Graças à gentileza da atriz Isolda Cresta, posso divulgar hoje uma carta de Mário de Andrade à cantora Rosetta da Costa Pinto, que gozou de largo crédito artístico no Brasil. Carioca, diplomada pelo Conservatório de Milão e discípula de Gabriela Besanzoni Lage, Rosetta foi uma criatura encantadora, pelo espírito e pela beleza. Em 1974 escrevia, para si mesma, num caderno escolar o seguinte... A seguir, Drummond publicou a carta de mamãe. E no final, a do Mário de Andrade: Eis a carta de Mário de Andrade datada de S.Paulo, 2-VIII-926, à sua amiga Rosetta, mãe de Isolda Cresta: Rosetta, afinal este ingratíssimo de amigo vem lhe agradecer as atenções tão delicadas que você teve com ele aí no Rio. Como vê, vou já também em carta tomando a liberdade de tratá-la como me pediu, por um você de amigo velho. E seria mesmo tão falso tratar você por “senhora”!... Isso afasta a intimidade e só serve pro descarinho grande e indiferente com que os homens pra viverem em sociedade se dessocializam em polidezas e curvaturas. Ora a minha posição diante de você, Rosetta, deus-me-livre que seja a da curvatura, é a dos olhos francos e cabeça erguida da admiração e da franqueza. Quando principiei esta tinha ideia de lhe agradecer o tratamento que me dispensaram aí, você e seu marido, porém depois dessas reflexões que fiz, resolvi não agradecer coisa nenhuma. Retiro o agradecimento, e começo a carta de novo com um bom-dia de amigo verdadeiro. Assim, ao menos, eu me ponho a crer, na minha felicidade, que o que fizeram por mim não foi um favor, porém uma dádiva de camaradagem. Isso também se agradece, não tem dúvida, mas se agradece com aquele silêncio ardendo e a perseverança de pensamento. E é mais que incontestável que nesta minha vidona agitada em cidade friorenta e neblinosa, rompe muitas vezes de repente a lembrança amiga de vocês como uma luz confortadora. E ah! que dias passei aí... No momento de partir palavra que só me entristeceu a ideia de que não me tinha despedido de você. Procurei-a com todas as minhas esperanças no concerto e Elsie (Houston) e não a achei. E como depois não tive mais até as sete da manhã seguinte nenhum momento de meu, não pude lhe telefonar. Porém estou agora refletindo que será mesmo necessário que a gente se despeça dos amigos? Talvez não... Porque são essas despedidas apenas convencionais. Poucos instantes depois já a imagem amiga aparece de novo na intimidade do espírito, e a gente se põe continuando uma conversa, ou escutando uma voz. A voz ardente e colorida de Rosetta... E agora vou trabalhar. O dia nasceu todo branquinho hoje. O sol, é lógico, já partiu pro Rio de novo. Não vê que esse farrista se deixa ficar muitos dias nesta minha cidade macambúzia!... E por causa das minhas saudades e deste beijo pro seu filhinho, guarde a lembrança do Mário de Andrade. Papai era engenheiro civil. Adorava política, foi anarquista e depois comunista. Quando nasci, a família teve que se esconder numa garagem da casa de um amigo, porque meu pai estava sendo procurado pela polícia de Getúlio Vargas. Ele foi preso porque, como diretor da Estrada de Ferro Sorocabana, conseguiu impedir um comício de Getúlio em São Paulo, atrasando o trem oito horas. Quando Getúlio chegou não tinha mais ninguém. Ao ser indagado de quem atrasou o trem, respondeu: foi o Padre Eterno. Outra história engraçada de papai. Ele e mamãe viajavam muito a negócios, numa dessas via-gens, eles foram parar em Berlim, na véspera da Segunda Guerra Mundial. Ficaram hospedados num hotel importante, era Natal, e resolveram jantar ali mesmo. Para surpresa dos dois, Hitler foi a este hotel, e passou pelos meus pais no restaurante. Mamãe ficou gelada, pois sabia do ódio que meu pai tinha pelos nazistas. O Hitler passou perto da mesa deles, e papai não hesitou: mandou o Hitler pra puta-que-o-pariu! Hitler não entendeu nada, e agradeceu muito o que ele dizia, achando que eram palavras de um estrangeiro que gostava dele. Mudamo-nos para o Rio, e como papai era um engenheiro muito bom, foi readmitido na empresa que o despedira. Ele foi um dos fundadores da Companhia Siderúrgica Nacional, e só parou de trabalhar quando sentiu uma dorzinha no peito e morreu. Adorava a família, que vinha em primeiro lugar, mesmo quando aprontava suas rebeldias políticas. Era corpulento, com um cabelo fininho e queixo grande, que todos nós herdamos, sempre fumando o seu cachimbo. Adorava ler, a literatura era o grande prazer que compartilhava com mamãe. Tinha cara de brigão, mas era carinhoso e terno, a gente fazia dele o que queria. Sua poesia era a matemática misturada com muito amor. Assim era o dr. João Baptista da Costa Pinto. Os Costa Pinto residiam numa bela casa na rua Maria Eugenia, no Humaitá, permanecendo lá até início dos anos 40. Depois de uma temporada nos Estados Unidos mudaram-se para a esquina das ruas Fonte da Saudade com Baronesa de Poconé, na Lagoa. A casa, que até hoje pertence à família, abrigou a adolescência de Isolda, que só se mudou de lá quando casou. Nela viviam o casal João e Rosetta, os filhos Ivan e Isolda, a mulher de Ivan, Gilda e sua filha Maria Cristina, a mãe de João Baptista, Gigita, a mãe de Rosetta, Lucia (Lulu), sua irmã Deli e a filha Josephina. Ou seja, um matriarcado poderoso emoldurou a formação de Zozô, que absorveu uma liderança genuína feminina, fruto da sua independência e firmeza. Meu irmão Ivan, que até hoje chamo de Maninho, era meu ídolo! Como era bem mais velho que eu, podia fazer coisas do arco-da-velha, que para mim eram proibidas e inatingíveis, como passeios a cavalo no Bob, um enorme cavalo que ele tinha na nossa casa de campo em Miguel Pereira. Eu, só podia andar na minha eguinha preta, a Dolly, em frente de casa, pra lá e pra cá, sem sair das vistas dos adultos. Maninho podia sair à noite, fazer bagunça com os moleques da rua, enfim, ele era o rei! Nunca tive ciúme dele, tinha admiração. Nunca me esqueci do primeiro presente que me deu: abriu a porta do meu quarto e jogou um livro na minha cama. Era o álbum de Shirley Temple, a grande heroína da minha infância. Esse presente me fez ver que ele me amava de verdade, porque jamais me deu a confiança de dizer que gostava de mim. Foi uma alegria inesquecível. E as vovós que moraram conosco? Vovó Lulu era a avó italiana. Ela costurava pra gente. Fazia também um talharim fininho, muito gostoso, que ficou famoso. Quando meus pais tinham convidados importantes, lá vinha o talharim da vovó Lulu. Era um ritual fazer o talharim, tudo feito à mão, tirinha por tirinha. Lembro do meu padrinho, Raymundo Castro Maya, jantando lá em casa, e me ensinando a comer macarrão com classe. Vovó Lulu falava dialeto italiano com mamãe, as duas davam grandes risadas, mas ninguém entendia nada. Vovó Gigita tomava conta da casa e de mim. Economia caseira era com ela mesmo. Magrinha, serelepe, tinha uns olhos verdes que me encantavam. Ela me contava histórias de arrepiar os cabelos, eu adorava. Cocota, minha tia-bisavó, era baixinha, feia, muito velhinha, vestida como no século passado, sempre de preto e com muitas saias uma em cima da outra. Na cabeça usava um chapeuzinho de palha incrível. Quando brigava com mamãe para nos defender, sempre dizia: olha, Rosetta, eu boto o meu chapéu na cabeça e vou embora! Fazia um doce de leite divino, no meu aniversário eu ganhava uma lata do doce e uma dúzia de calcinhas de cambraia com rendinhas nas pontas, que eram um primor. Cortava bonecas das revistas, e isso era o meu grande barato, a brincadeira que eu mais gostava. Tio Assis, irmão do meu pai, era o único tio. Ele me colocava sentada na janela quando eu fazia manha, e fingia ficar muito zangado. Ficou viúvo cedo, casou de novo com a tia Carminha, e fez a minha felicidade, pois ganhei três primos: Antonio Ricardo, Clarinha e Chico. A minha governanta alemã chamava-se Elizabeth. Mamãe contratou-a porque gostou do alemão suave que ela falava lá de Colônia, e também de seus bonitos e firmes olhos verdes. Só reparou que era quase anã e corcunda depois que ela se levantou... Elizabeth ficou muito tempo comigo. Foi embora porque se apaixonou e se casou com o cunhado, marido da irmã, o Fritz, que também não se importou com a sua corcunda, e viveram felizes para sempre. Eu conheci a irmã dela, era uma moça encantadora, bonita, tinha o corpo perfeito. Será que ela ficou com raiva de Elizabeth, será que sofreu? As histórias que ela me contava eram ainda mais terríveis que as da vovó Gigita. Elizabeth lia pra mim o Juca e Chico, a estória de dois meninos assassinos que acabaram virando grãos de milho, de tantas maldades que fizeram. Um outro livro, o João Felpudo, também era brabo! Todas as crianças que não obedeciam, tinham um fim trágico. Eu ia passear com ela no Jardim Botânico, e ela dizia que as árvores de lá eram monstros encantados, eram bruxas terríveis, crianças que tinham morrido ali e virado grandes árvores, castigadas por terem feito alguma coisa errada. Um dia, não sei se porque entramos pelo portão errado, o guarda brigou com a gente, e eu, com medo de virar árvore, não quis ir mais lá. Até hoje quando vou ao Jardim Botânico, sinto um frio na espinha. Tempo de Colégio Meu primeiro colégio foi um jardim de infância. Eu tinha quatro anos e já sabia ler. Vovó Gigita me alfabetizou para que eu pudesse ler Monteiro Lobato. Eu me sentia neta de Dona Benta, irmã de Narizinho e viajava no Sítio do Pica-pau Amarelo. Um dia minha mãe me fez uma surpresa. Nós estávamos passando uns dias em São Paulo, e ela me levou para visitar uma amiga, a Leonor, que era muito inteligente e conhecida nos meios intelectuais. Quando Leonor abriu a porta, eu vi sentado numa poltrona o ídolo da minha infância: Monteiro Lobato. Que emoção! Sentei-me no colo dele, e comecei a perguntar-lhe pelos moradores do Sítio. Ele disse à mamãe que eu era uma garotinha encantadora, e me deu de presente um livro seu do Peter Pan, com uma dedicatória: À Isolda, namorada do Peter Pan, Monteiro Lobato. Fiquei pouco tempo nesse jardim de infância. Peguei difteria. Quase não sentia dor, só uma ardência na garganta. Aí todo mundo ficou muito sério à minha volta, me deram uma injeção de soro e pronto: quarenta dias de cama. Isolamento. Durante esse tempo fui a atriz principal de uma peça. Que glória! Só podiam entrar no meu quarto de roupa branca e com máscara no rosto. Acho que foi ali que resolvi ser atriz. Entrei para o colégio Sacré Coeur de Jesus, em Laranjeiras. Lá eu era a mademoiselle Isolda da Costa Pinto número 253. Era um colégio grande demais para uma menina tão pequenininha. Um bando de freiras que nos obrigavam a chamá-las de ma mère, e que davam o mesmo medo que eu sentia das árvores do Jardim Botânico. Elas eram realmente um mistério para uma menina com uma imaginação tão fértil como a minha. Eu senti logo que não ia fazer nada do que aquelas freiras exigiam: ficar quieta o dia inteiro, não rir de nada, só das historinhas delas, e mesmo assim tinha que ser um riso baixinho e educado, nada de dar as gargalhadas que eu dava, aquilo não era fino.Tinha que assistir às aulas de mãos para trás, e rezar, rezar e rezar, de joelhos por muito tempo. E estudar sem parar. Eu vi que não ia dar certo. Gostava muito de Deus, achava interessante estudar porque adorava ler e falar francês, mas ficar quieta o dia todo, sem poder conversar, rir, brincar, era demais. Na hora do recreio era obrigatório o jogo de barra bola e sem dar uma palavra. Gostava de brincar de verdade, de viver! Neste colégio as meninas gostavam de dizer que queriam morrer cedo e ficar perto de Deus. Elas exaltavam os santos que morreram cedo e com muito sofrimento. Eu entortava de tanta culpa que sentia, mas adorava Jesus Cristo. Era apaixonada por aquele menino de astral tão bom, e mais tarde, aquele jovem guerrilheiro cheio de energia, o filho de Deus, batalhador que morreu para salvar a humanidade. E as freiras diziam que EU era a culpada de tudo o que Ele tinha sofrido. Eu era tão pequena que quando me falavam da minha culpa e do pecado original, achava que todas as vezes que eu aprontava alguma, já estava colaborando para que o meu amigo Jesus sofresse mais ainda. Era um círculo vicioso. Eu não conseguia parar de fazer bagunça, mas quando as freiras me olhavam com aqueles olhos frios, de dedo em riste dizendo: c’est votre faute (é sua culpa), eu ficava muito triste. Eu tinha uma amiga de coração: a Vanja Orico. Como ela foi escolhida de coração, era absolutamente proibido andarmos juntas. Era só uma olhar para a outra e lá vinha o dedinho de ma mère na nossa carinha: non, non, pas les deux ensemble. Beleza do Diabo Quando fiz onze anos ganhei um par de patins. Fiquei radiante, era o meu sonho há muito tempo andar de patins. Nesta época, a minha musa era uma colega que morava na mesma rua, e se chamava Beatriz. Esta mocinha tinha um namorado que era um escândalo, tinha 21 anos e um conversível vermelho com buzina musical, que ele tocava quando passava pela minha casa. Era demais! Assim, fui transferindo a paixão colegial que sentia pela Beatriz para o Plácido, o namorado. Eu fazia o maior charme para ele, patinando na porta da casa dela, onde os dois namoravam. Eu era uma criança, mas ele sacou tudo, e um dia me agarrou na rua e me deu um demorado beijo na boca. Fiquei apaixonadíssima. Depois ele me mandou um bilhete, que dizia assim: Isolda, quando se dá um beijo como o nosso, tem-se vontade de dar dois, três e assim por diante. Que tal a gente se encontrar num lugar onde poderemos ficar sozinhos, longe de tudo e de todos? O teu Plácido. Não tive tempo de responder ao bilhete, porque meus pais foram passar um longo tempo em Cleveland, nos Estados Unidos, e resolve-ram me levar com eles. Embarquei arrasada no transatlântico Brasil, agarrada a uma bolsinha de criança, onde tinha malocado meu primeiro bilhete de amor. Um dia, minha mãe estranhou aquele agarramento com a bolsinha, e achou o bilhete. Foi um deus-nos-acuda, ela ficou revoltada, papai desesperado, os dois choravam aflitos fazendo perguntas que eu não entendia, eu era completamente inocente das coisas da vida. Acho que pensaram que eu tinha perdido a virgindade. Se estivessem no Rio certamente teriam mandado prender aquele sem-vergonha, marginal, tarado e crápula, mas em alto-mar, e sem comunicação com o Brasil, o que fazer? Quando viram que eu nem me lembrava mais do rapaz, e estava apaixonada pelo Bing Crosby, o ator que viajava conosco, bem mais velho, careca, que adorava cantar e conversar com as crianças, eles foram se acalmando. Um dia, uma passageira disse à mamãe que eu era muito bonita, e minha mãe respondeu: É, ela está ficando com a beauté du diable, vai ser difícil educar esta menina em tempos tão avançados! Gostei de terem me achado bonita, mas pensei: o que o diabo tem a ver com isso? Passei dois anos nos Estados Unidos. Adorei! Aprendi a falar inglês e estudei num colégio de freiras americano, mas para a minha alegria era um colégio misto. A freira de lá disse pra minha mãe que eu era inteligente, viva, mas she runs too much after the boys (ela dá muito em cima dos meninos). Nestes dois anos que vivi lá, os Estados Unidos entraram em guerra com Alemanha, Itália e Japão. Nunca me esqueço do rosto agoniado do meu pai quando, no dia 7 de dezembro de 1941, ouviu o presidente Roosevelt dizer no rádio: Agora, estamos em guerra! Papai ficou aflito por estar com a mulher e a filha adolescente num país em guerra, que poderia ser bombardeado a qualquer momento, e ficou também preocupado com meu irmão Ivan, que tinha ficado no Brasil. Ele poderia ser convocado, se o Brasil entrasse em guerra. Mamãe, mais otimista, fez cursos de socorros urgentes, e eu adorei aquele clima todo. Era uma euforia enorme, os rapazes todos uniformizados, lindos de morrer. Eu tinha ensaio de Defesa Aérea no colégio, e achava tudo uma farra. Papai tratou de se mandar depressa para o Brasil, e quando saímos de lá, já tinham começado as primeiras baixas. As mães e os pais estavam desesperados de medo, e eu pude entender que a guerra era uma coisa muito grave, muito triste. Cheguei de avião no Rio de Janeiro. Lembrome do espanto do meu irmão no aeroporto. Eu saíra daqui uma criança, e voltava com corpo de mulher, com seios que me injuriavam e que eu fazia tudo para esconder. Eu ainda era totalmente inocente. Um dia, uma amiga filha de um comandante, me contou que tinha visto a empregada fazendo coisas muito esquisitas com o taifeiro de seu pai. Nós achamos aquilo uma coisa nojenta, e eu comentei com a Vanja Orico, que deu uma gargalhada e disse: Ora, Isoldinha, tu és muito boba mesmo. Isso é o que teu pai e tua mãe fizeram para que tu nascesses... Fiquei muito puta da vida, e quando encontrei mamãe, fiz um escândalo, dizendo que aquilo era uma coisa horrível, que eu tinha perdido a minha inocência, que preferia ter ficado nos Estados Unidos e morrer na guerra, a saber uma coisa tão suja que era considerada normal pelos adultos, e que nunca faria uma coisa dessas. Chorei, chorei, chorei e aí parei de chorar, e comecei a gostar muuuito de sexo. Voltei para o colégio Sacré Coeur. Fiz as provas dos anos que fiquei fora, passei, e comecei no segundo ano ginasial. O Sacré Coeur, mesmo com todas as queixas sérias que tenho dele, por ter fundido a minha cuca, deve ter sido muito importante pra mim, porque quando minhas filhas nasceram não hesitei em matriculá-las no colégio. Eu tinha muito orgulho de ter estudado lá. Ana e Ângela Minhas filhas foram recebidas com todas as honras. As duas, Ana e Ângela, permaneceram mais tempo que eu. Ana me vingou: tirou todas as fitas e cruzes que tinha direito, e foi de todas as congregações, ela era quase sempre a primeira da classe. Ângela seguiu mais a minha linha, levada, bagunceira e revoltada, ficou no colégio até os dezoito anos. Ana Christina de Andrade, a filha mais velha de Isolda, é terapeuta, trabalha com análise bioenergética e também com movimento música e expressão (Sistema Rio Abierto). Ana é mãe de Lao, o primeiro e adorado neto de Zozô, e Clara, atriz que avó considerava sua sucessora. Ana considera seu ofício o casamento genético perfeito: – Acho que eu tive a oportunidade de juntar meu pai e minha mãe dentro de mim, ele era médico e ela artista. Eu trabalho com teatro e persona-gens, dentro de uma linha de desenvolvimento harmonioso do ser humano. É uma possibilidade de unir arte e cura. Não sei como minha mãe aguentou a rigidez do Sacré Coeur, pra mim foi uma coisa difícil. A gente usava chapéu de palha, gravata, as freiras falavam muito em francês, cheias de regras, rituais religiosos. Uma vez, quando o ônibus escolar nos pegou, uns moleques da vizinhança atiraram pedras no ônibus, gritando: galinheiro, galinheiro! porque era um ônibus só de meninas. Aí nós contamos pra mamãe, e ela disse: deixa estar. No dia seguinte, ao passarmos pelo mesmo quarteirão, a molecada atacou de novo, de repente, mamãe saiu de trás do poste toda arrumada, vestido decotado, parecia uma Gina Lolobrigida, atirando pedras nos meninos. Ela era uma atriz, brincava com as situações da vida e precisava vivê-las dramaticamente. Mamãe tinha questões emocionais a resolver, ela não gostava de ser dona de casa, apesar de ter sido ótima mãe. Ela ficava horas brincando de boneca com a gente, tinha uma vocação maternal lúdica. O forte dela era a brincadeira, era a permissão, era a liberdade. Fazia vozes, personagens... Ângela Vitória, a caçula, seguiu os passos da mãe. Tornou-se atriz, e apareceu em espetáculos teatrais com destaque e reconhecimento da crítica. Foi mãe duas vezes como Ana: Rosa Morena e Laila, são frutos de sua união com o músico Cláudio Roberto. Mas sua vida foi interrompida prematuramente, aos 43 anos, quando adoeceu, e faleceu em 1994. A perda da filha foi um divisor de águas na vida de Isolda, como veremos adiante. Juventude Animada Quando voltei dos Estados Unidos só estudei no Sacré Coeur durante um ano. Fui a aluna mais levada de lá, e eu adoro ouvir isso quando encontro alguma colega do nosso tempo. A freira chamou minha mãe e disse que eu não conseguia seguir o regulamento , e que era melhor eu sair do colégio. Comigo foi uma boa parte das alunas mais levadas. A atriz e diretora Vanja Orico recorda-se deste momento, pois foi cúmplice de Zozô no episódio. Na verdade, as duas foram expulsas: Fui muito amiga dela no colégio, e também de uma cubana, a Regina Tachicel, nós três éramos muito unidas. Mas tudo era muito sério, e a gente não aguentava. As freiras faziam muitos rituais, e aí nós resolvemos colocar tinta vermelha na pia batismal antes de uma cerimônia destas. Quando chegamos, todas as alunas estavam com uma cruz vermelha na testa, pareciam umas bruxas. As freiras resolveram castigar todas as alunas, já que ninguém se apresentava como mentora da ideia. Aí eu falei com a Isolda que não era justo, a gente tinha que dizer a verdade. E assim fomos expulsas. Quando voltei dos Estados Unidos, era pré-adolescente. A situação financeira de papai estava bem melhor, e pudemos nos mudar da rua Maria Eugenia para a Fonte da Saudade, para uma casa lindona. Está de pé até hoje, resistiu. Quase todas as casas do bairro foram transformadas em prédios luxuosos, mas a nossa tá aí, firme. Minha adolescência passou depressa. O bairro da Lagoa naquela época era uma pequena aldeia, um lugar tranquilo, todas as famílias se conheciam. Em frente à nossa casa tinha a igreja Santa Margarida Maria, que na época era orientada por uns padres holandeses, e eu trabalhei na obra social, colaborando na enfermaria, e fazia curativos dificílimos, dava injeção, eu me sentia ótima tratando de doentes carentes. Passei por mais três colégios, fui para o Andrews, para minha alegria, pois era um colégio misto. Em seguida fui para o Sacré Coeur de Marie, e continuei levadíssima, fazendo muita bagunça, eu tinha energia demais para ser bem-comportada. Naquela época me sentia culpada por ser assim, mas hoje vejo que era uma adolescente que curtia a vida. Tive vários namorados, quase todos meus vizinhos da Lagoa. Minha mãe enlouquecia um pouco com tantos namorados, e mandava minha avó ir atrás de mim, escoltada por nosso enorme cachorro policial, o Loris. Eu bem que via a vovó, mas me escondia atrás das pedras, e nunca conseguia me achar. Formamos uma turminha legal de amigos, grandes amizades que duram até hoje, como as irmãs Miranda, Odette, Ligia e Helena, que moravam num castelo antigo perto de mim. Eram mocinhas lindas, e como se vestiam de preto porque estavam de luto do pai, eram chamadas de as três viuvinhas. Odette foi minha colega no Andrews e no Sacré Coeur de Marie. Íamos de ônibus para o colégio, e fugíamos para matar aula. Ou íamos comer cachorro-quente nas Lojas Americanas, ou passeávamos no Pão de Açúcar, ou íamos ao cemitério São João Batista, onde lanchávamos em cima dos túmulos, rindo às gargalhadas. Nossa turma se divertia muito, todos os sábados alguém dava uma festa. Nós dançávamos pra valer, era a época dos blues, dos foxes, das músicas americanas, mas de vez em quando se ouvia também um samba. Mamãe tinha a paciência de me acompanhar nas festas, e se eu dançasse muito agarrada com alguém, era só olhar pra ela, e ver que a barra estava pesada. Nesta época aconteceu uma tragédia, um rapaz bem mais velho, se apaixonou por mim, e foi lá em casa me pedir em casamento. Eu fiquei sentada na escada, ouvindo tudo. Mamãe achou graça porque eu só tinha 13 anos, e disse para o rapaz que eu ainda brincava de boneca, o que me fez ficar furiosa. Eu me senti muito homenageada porque fui a primeira menina de nossa turma a ser pedida em casamento. Tudo se resolveu bem, ficamos brincando de namorar, eu gostava dele como amigo, adorava a moto envenenada que ele tinha mas não estava apaixonada. Meu irmão já estava casado, mas caçoava muito deste namoro, porque ele lia as cartas que eram deixadas pra mim grudadas no portão. Maninho lia e morria de rir porque elas começavam sempre assim: Viva Jesus, Maria, José, minha adorada Isolda, etc, etc. Fui passar minhas férias de julho em Volta Redonda, onde tínhamos uma casa. Quando voltei, vi a Odette parada no meu portão com uma cara esquisita. Ela me disse que o meu namorado tinha acabado de se suicidar com um tiro no coração. Fiquei muito chocada e com pena dele. Tempos depois me contaram que, um pouco antes de se matar, ele tinha passado lá em casa, e deixado um recado com as vovós: mandou-me um beijo e adeus. Nunca consegui saber porque ele fez isso, tive um pouco de remorso também, afinal não tinha sido uma namorada muito fiel, e nem tinha gostado tanto dele. Apesar de ter ficado muito triste, me comportei como uma viúva desesperada, me achei a heroína da Lagoa. Muita gente pensou que o rapaz tinha se matado por minha causa, e lá estava eu de novo, fazendo o papel principal de uma tragédia! Mas no geral foi uma fase ótima da minha vida. Eu era engraçada, levada e todos diziam que eu era linda. Além da segurança econômica tinha a proteção irrestrita da minha família. Era muito alegre, todos nós éramos, não tínhamos nem as dúvidas, nem as preocupações dos adolescentes de hoje, a vida era mais fácil, enfim. Minha meta era casar, ter meus filhos, e fazer uma coisa muito importante, que eu ainda não sabia bem o que era. Claro que era o teatro, acho que desde menina eu tinha isso no coração. Tudo que fazia era teatral, só podia... Com 17 anos conheci o Miguel Renato, meu vizinho estudante de medicina. Convidei-o para ser meu par numa festa na Boate Casablanca, na Urca, na Festa do Branco e Preto. As moças só podiam estar vestidas com essas cores. Claro que minha mãe foi junto, dançamos a noite inteira, e acho que me apaixonei de verdade. Dois anos depois estávamos casados. O Casamento Eu me casei muito apaixonada. Vivi um casamento de luxo. Mamãe trouxe o meu enxoval de Florença, todo bordado à mão, e meu pai me deu um apartamento na Lagoa, onde mora hoje minha filha Ana. Eu esperei tanto por esse dia que acho que me casei virgem para que a festa fosse completa. A virgindade já estava ficando fora de moda, nenhuma das minhas amigas se casou virgem, e eu rolei muito com o Miguel nos tempos de namoro e noivado, mas consegui me guardar para que o dia 27 de novembro de 1948 fosse perfeito. Dizem que fui uma noiva linda, eu não achava não, mas quando entrei na igreja Nossa Senhora da Glória, no outeiro, senti que os convidados estavam me achando muito bonita. Quando desci do carro do meu padrinho Raymundo Castro Maya, senti a mesma emoção que sinto quando vou entrar em cena numa estreia. Olhei para o noivo no altar, levantei o queixo, dei o braço ao meu pai, e lá fui eu atrás das minhas damas de honra, minha prima Clarinha e minha sobrinha Maria Cristina. Depois na recepção, com a casa lotada de amigos, encontrei minha prima Heloiza Cresta Guinle, que me perguntou: Então Isolda, quando é que você vai estrear no teatro? Fiquei meio espantada com a pergunta, e ela prosseguiu: A moça que entrou naquela igreja hoje, não era só uma noiva, era uma atriz! Os primeiros anos do meu casamento foram felizes e completos. Miguel era um marido carinhoso, generoso e nosso relacionamento sexual era ótimo. Fiquei grávida logo, antes de um ano de casada, nasceu minha primeira filha, Ana Christina. Foi a minha glória ver aquele neném entrar no planeta, saída de dentro de mim. Ela era lindinha, só tinha um defeito: não gostava de mamar. Deixei meu pediatra, o dr. Joaquim Nicolau, doidinho de tanto reclamar que ela não se alimentava,mas ele não me dava confiança, e me chamava de bruxa. Ana foi crescendo perfeita e sadia, apesar de não comer nada. Quando fez um ano, e começando a andar, nasceu minha outra filha, a Ângela Vitória, lindona também! Para minha felicidade ela veio ao mundo gorduchinha e adorando mamar no peito. Foi uma trabalheira cuidar de dois bebês, mas tinha a babá Elza, meus pais e avós que ajudavam muito. Assim, podia sair com meu marido, jantar fora, ir ao cinema e ao teatro, visitar a família dele, meu sogro dr. Renato, minha sogra Didi, minha linda cunhada Zélia (que tinha sido a primeira glamour girl), casada com o Alcides Bernardino de Campos. A sobrinha Maria Cristina, hoje Cristina Laet, casada com o advogado Carlos de Laet e mãe de Cristiana, Renata, João e Maria, era muito querida pela tia Isolda. Desde menina morando na casa da Fonte da Saudade com seus pais, Ivan e Gilda, conviveu na adolescência e idade adulta de Zozô, e bem perto das primas Ana e Ângela, especialmente de Ana que é de faixa etária próxima. Maria Cristina lembra episódio marcante de sua infância que aconteceu ligado à Isolda: – O presidente português Craveiro Lopes em visita ao Brasil, foi convidado por Getúlio Vargas para plantar uma palmeira no jardim Botânico. Tia Isolda, sempre com uma ideia original na cabeça, vestiu a Ângela com um traje típico português e enfiou ela no buraco, onde seria plantada a palmeira. Ninguém sabia de nada, foi uma surpresa quando os presidentes chegaram com suas comitivas, e encontraram aquela portuguesinha dentro do buraco. Aí o Craveiro Lopes pegou a Ângela no colo, beijou, fez fotografias, foi uma festa! Filha do engenheiro Ivan da Costa Pinto, o Maninho, Maria Cristina é irmã de Antonio Pedro e Luiz Cláudio (Zeca). Antonio Pedro, engenheiro como o pai, morreu em 1985 num acidente em Cabo Frio, deixando a família arrasada. Isolda teve aí a primeira grande perda em família, que se seguiriam com as de seus pais e sua filha. Ivan partiu cedo também. Capítulo III No Teatro Profissional Em 1960, Isolda estreia no teatro profissional na própria Fundação Brasileira de Teatro onde estudou interpretação. Fez teste e ganhou o papel da prostituta de Sangue no Domingo de Walter Durst, dirigida por Ziembinski. Neste mesmo ano fez as peças infantis Plá, Plé, Pli, Plutão de Sila Moreira no Teatro da Pequena Cruzada, direção de Helio Monterrey, e D.Rosita, a Solteira de Garcia Lorca no Tablado, sob a direção de Sérgio Viotti. No ano seguinte, é destacada pela crítica do jornal O Globo Zora Seljan, quando integra o elenco de Frenesi de Charles Peyret-Chappuis, onde foi dirigida por Henriette Morineau, que além de dirigir, voltava a protagonizar a mesma peça que a consagrou quinze anos antes: ...Isolda Cresta, de peça para peça, revela-se possuidora de dotes que merecem maiores oportunidades. Contracenando com Morineau, conseguiu manter-se à altura da primeira atriz, e soube criar bem a velha de oitenta anos. Mas seus olhos têm um brilho jovem, seu talhe é fino, a mocidade se reflete no seu rosto por mais maquilado que esteja. O Teatro de Bolso, na praça General Osório, com apenas 120 poltronas era, como o nome diz, um teatro feito para montagens de pequeno porte, com poucos atores e equipe reduzida. A casa conquistou o público carioca na década de 1960 com o talento de Silveira Sampaio à frente, escrevendo e dirigindo suas peças. Aurimar Rocha, em seguida, arrendou o teatro, e criou repertório muito próprio de comédias digestivas, que passeavam com superficialidade pela crítica social e política da época. Com Aurimar, Isolda fez duas comédias: General de Pijama e Família pouco Família, e um espetáculo mais sério: Ratos e Homens de John Steinbeck. Nesta montagem, Isolda fez a única personagem feminina, uma fazendeira sonhadora e provinciana, que era estrangulada em cena pelo protagonista, Lenine, brilhantemente criado por Jorge Cherques. Em 1963, com apenas três anos de carreira, Isolda Cresta marcou o primeiro goal: vivendo Stella, irmã de Blanche Dubois em Um Bonde Chamado Desejo de Tennessse Williams no Teatro Dulcina, abiscoitou o prêmio da Crítica de melhor atriz coadjuvante. Maria Fernanda era produtora e a atriz principal, a Blanche Dubois, em memorável criação. Isolda foi dirigida pela primeira vez por outro amigo: Flávio Rangel, com quem trabalharia outras vezes. Foi uma das melhores peças que fiz na minha vida. Até hoje encontro pessoas que se lembram desta montagem e da minha atuação como Stella. A primeira leitura foi feita na minha casa. O diretor era o Flávio Rangel, a Maria Fernanda fazia o papel principal, a Blanche. Aliás, Maria Fernanda como Blanche é um encontro que só acontece quando o deus do teatro está de muito bom humor. Carlos Alberto era o Kowalski, e Jorge Cherques, o Mitch. O papel da Stella, irmã de Blanche e mulher de Kowalski, ainda não tinha sido escolhido. Flávio me pediu que eu lesse naquela noite. Era uma grande personagem, e eu li com muita emoção, mas não me disseram nada depois da leitura. Maria Fernanda me chamou para ir até a sua casa, quando chegamos, ela me deixou esperando, esperando e voltou com uma garrafa de champanhe, me dizendo que eu era a Stella! Nossa, eu fiquei muito contente, e ali começou uma as melhores fases da minha vida. O crítico Geraldo Queiroz do jornal O Globo, elogia sua atuação como Stella: Isolda Cresta está bastante bem. Muito boa mesmo nas cenas domésticas com a irmã, decaindo seu trabalho nos momentos dramáticos ou na aproximação com Stanley. É assim mesmo, mais um passo que Isolda dá em sua carreira. Nesta peça eu não precisei representar, vivi a Stella. Eu tinha um caso com o Carlos Alberto, que fazia o Stanley Kowalski, meu marido. A peça tinha uma sensualidade enorme, por isso mesmo todos os beijos que eu dei nele foram reais. Dizia a classe teatral da época que nós fizemos amor em cena, eu acho que isso aconteceu uma vez, sim. Carlos Alberto me batia de verdade, e uma vez me deu um tapa tão forte, que em alguns minutos perdi os sentidos. Nem sei como consegui chegar até o final porque furou meu tímpano, foi uma dor horrível. Mas a peça foi um sucesso enorme, eu adorava viver a Stella. Flávio Rangel, encantado com a minha mãe, convidou-a para fazer a mulher que vendia flores. Flores, flores para los muertos, era o que ela cantava com sua linda voz e sua figura misteriosa vestida de negro. Mamãe aguentou fazer a peça por dois meses, não era atriz, e trabalhar em teatro fazia ela perder aulas de pintura, concertos e outros compromissos. Aí, numa quinta feira, quando fazíamos vesperal e outra sessão à noite, ela me disse que não ia ao teatro, porque tinha uma aula importante com a Fayga. Fiquei estarrecida. Não deu tempo de avisar à Maria Fernanda, então, eu coloquei o vestido negro e entrei em cena cantando Flores para los muertos. Olhei de soslaio para a Maria, que fazia uma das cenas mais dramáticas, e ao me ver, ficou torta de vontade de rir. Dois anos depois, em novembro de 1965, Um Bonde Chamado Sucesso inaugurou o Teatro da Praça, hoje Teatro Gláucio Gil. Era a mesma montagem de Flávio Rangel com algumas modificações no elenco. Mas Isolda voltou a viver sua premiada Stella. O crítico Van Jafa, do Correio da Manhã, comentou: ...Agora revelou-se Isolda Cresta, que brilha definitiva como Stella, tendo conquistado o Prêmio da Crítica como melhor coatriz, e marcado sua presença numa excelente e, sobretudo, sincera interpretação. O último dia da UNE Aconteceu em 1964. Muito se falou e escreveu sobre este dia, no qual estive profundamente envolvida. Nessa época, minha carreira de atriz estava indo muito bem. Fazia a Stella de Um Bonde Chamado Desejo e trabalhava no Grande Teatro Tupi, que era dirigido pelo Carlos Lage. Foi nos estúdios da TV Tupi na Urca que conheci e contracenei com Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha. Fizemos uma cena romântica e comecei a namorá-lo. Ele era responsável pelo CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE, e estava levantando a montagem da sua peça Os Azeredo mais os Benevides para inaugurar o novo teatro dos estudantes. Eu fazia uma das principais personagens, a Lindaura, ao lado de grandes atores: Carlos Vereza, Vera Gertel, Virginia Valli, Ivan Candido, Francisco Milani, Modesto de Souza, Leônidas Bayer e o próprio Vianinha. O diretor era o Nelson Xavier, os cenários eram do Flávio Império e a música de Edu Lobo. A peça estrearia no começo de abril de 1964, e nós ensaiávamos numa casa no Flamengo, porque o teatro da UNE estava sendo construído. Gente de teatro quando está ensaiando esquece do mundo lá fora, fica completamente alheia a tudo, e só a peça conta, por isso quando sacamos que algo muito sério estava acontecendo no Governo João Goulart, ficamos pasmos. A gente só ouvia dizer que a situação estava grave, muito grave. Eu notei que o Vianna estava ansioso, triste, ele que era sempre brincalhão, achei que era nervoso de estreia, mas era mesmo coisa bem mais grave. No dia 30 de março, ele veio me buscar para o ensaio, e me disse que a situação do país era perigosa, e que estávamos ameaçados de um golpe político de extrema direita. Fiquei arrasada. Passamos o dia todo na UNE, que estava repleta de intelectuais, estudantes, escritores, diretores, atores e jornalistas, todos numa vigília, com radinhos de pilha pra todo lado. Foi quando ficamos sabendo que o general Mourão estava chegando com o 4º Exército para a acabar com o governo de Jango. Eu me sentei num banco na porta da UNE, conversando com minha amiga Vera Gertel, o Ferreira Gullar e a Teresa Aragão, quando a Vera disse: gente, acho melhor mudarmos de lugar, aqui não está bom não. Foi a gente sentar mais atrás, e começou um tiroteio, eram metralhadoras varrendo toda a porta do prédio, um barulho assustador. Se não fosse a intuição da Vera, nós teríamos sido metralhados. Fiquei tão nervosa que corria de um lado para o outro e fui parar na porta principal, foi o tempo do Viana me puxar, enquanto só se ouvia o pessoal gritando: calma, calma. Foi um milagre termos sobrevivido, só o Haroldo de Oliveira foi ferido. Aí resolvemos resistir por puro romantismo, mas como enfrentar metralhadoras desarmados? Pedimos reforços, vieram uns 20 soldados da Aeronáutica para nos defender. A essa altura éramos os últimos resistentes. Eu fiquei encarregada de trazer comida para o pessoal da Aeronáutica. Fui em casa e fiz sanduíches. Encontrei meu pai nervosíssimo e preocupado comigo. Tive que falar duro com o motorista de papai que não queria me levar de volta pra UNE, mas consegui chegar com meus preciosos sanduíches. Quando cheguei, a UNE estava quase vazia, o pessoal da Aeronáutica tinha se mandado, era o fim! Subi e desci as escadas, juntando paus e pedras para fazer uma barricada. Só estavam lá o Vianinha, a Vera Gertel, João das Neves, Pichim Plá, Ferreira Gullar, Tereza Aragão, Carlos Vereza, Sérgio Sanz, Luiz Alberto Sanz e Regina Coelho, são estes que eu me lembro... Tivemos ordem para sair do prédio, Vera, Regina e eu saímos, e fomos andando em direção da Cinelândia. Um silêncio sinistro nos envolvia, quebrado pelos gritos dos garotos do CCC (Comando de Caça aos Comunistas): nessa noite vamos jantar os comunistas! No meio do caminho encontramos o José de Freitas, que nos alertou para voltar porque a Cinelândia estava debaixo do maior quebra-pau. Mas voltar como? O país estava parado, não havia na rua nenhuma espécie de condução. Nesse momento ia passando um carro muito festivo com oficiais da Marinha, voltando de uma pescaria. Pode? Não havia outro jeito, pedimos carona pra eles. Que gente nojenta! Eles comemoravam como se tivessem vencido uma guerra, fazendo gestos para o povo na rua, simulando seus arpões de pesca como metralhadoras. E nós três lá atrás quietinhas, se eles descobrissem que nós éramos da UNE estávamos fritas. Quando o carro passou pela UNE, e vi o prédio pegando fogo, não me contive e chorei, chorei por tudo que perdera, o teatro, nossos sonhos, nossos ideais. Lembro-me da Vera me beliscando e mandando parar de chorar. Era um perigo mesmo, mas os caras estavam tão enlouquecidos que acharam que eu estava chorando de nervoso, de medo, de alegria, sei lá. Descemos do carro em Ipanema e fomos pra casa da Vera, que era casada com o Carlinhos Lyra. Os companheiros foram chegando pouco a pouco, ficamos ali, mudos, prostrados. O Viana disse que podíamos esperar por uma ditadura que duraria no mínimo três anos! Éramos todos jovens, e três anos eram uma eternidade. A ditadura durou muito mais, a eternidade mesmo... Da casa da Vera, cada um tomou o seu rumo, eu com Vianinha fomos pra casa de meus pais, e dormimos lá. Ele no meu quarto, e eu no quarto das minhas filhas. Papai não estava seguro, era uma pessoa de esquerda. No dia seguinte nós fomos para o apartamento do Flávio Rangel e da Dulce, que nos deram guarita por vários dias. Até que um dia, o Viana achou que podíamos voltar para nossas casas, e fomos embora. Foi o fim de um sonho, o fim da liberdade e o fim da nossa relação. Estávamos machucados demais, e o amor acabou. Ficou entre nós um grande respeito e uma amizade de verdade, que dura até hoje, mesmo tanto tempo depois de sua morte. Pra mim ele não morreu, está por aí, muito danado com a situação grotesca do país. De vez em quando, eu fecho os olhos, e vejo o Viana com seu riso maroto, dizendo: boa, boa, boa! Capítulo IV Prisão Maio de 1965. Um ano e meio depois do golpe de 64, eu estava fazendo Electra de Sófocles com enorme sucesso. Depois de ter estudado teatro grego na Fundação, quando fiz tantas cenas e prestei exames com cenas de tragédias, eu estava fazendo uma das mais bonitas e fortes peças do gênero, com um elenco maravilhoso: Glauce Rocha, Margarida Rey, Emilio Di Biase, Norma Blum, Sérgio Mamberti, Carlos Vereza, Carlos Miranda, Tetê Medina e Creuza Carvalho. A direção foi de Antonio Abujamra, cenários e figurinos do Anízio Medeiros. Êta turminha talentosa! A ocasião não podia ser mais propícia para se montar uma tragédia deste gabarito. Discutia-se política em todos os lugares, estávamos todos interessados no futuro do país e a classe teatral era quase toda de esquerda, e ainda estávamos cheios de esperança. No dia 4 de maio, li no jornal que o presidente Castelo Branco tinha decidido mandar tropas brasileiras para ajudar os americanos invadir a República Dominicana. Fiquei estarrecida, o que é que o Brasil tinha com isso? Cheguei ao teatro furiosa e encontrei todo o elenco nervo so, tínhamos conhecido de perto os horrores do golpe de 64 e sabíamos que, pelos caminhos da vida, nenhum destino se perde. Há os grandes sonhos dos homens e a força surda dos vermes. Esse poema de Cecília Meirelles é perfeito. Traduz bem o que pensávamos na época. Resolvemos escrever um manifesto, mas não poderia imaginar que ele se tornaria célebre não só no Brasil como no resto do mundo. O manifesto dizia: Nós do elenco de Electra somos inteiramente contra o envio de tropas brasileiras a São Domingos. Mães e esposas, não permitam que seus filhos, maridos e pais percam seu sangue numa guerra que não nos diz respeito. Eu fui encarregada de ler o manifesto antes de começar o espetáculo. Li pela primeira vez no dia 5 de maio com enorme emoção. O público reagiu tão bem, a casa veio abaixo com tantos aplausos. Naquela noite o espetáculo foi com tanta garra que as pessoas não saíam do teatro depois que terminou. A última frase que dizíamos em cena era: Povo, olho por olho, dente por dente, assim se reconquista a liberdade! Gritavam bravo, bravo, todo mundo estava conosco. No dia 7, fizemos um ato público de solidariedade ao General de Gaulle em frente à Maison de France. A classe teatral compareceu em peso. Viana escreveu um manifesto barra-pesada que todo mundo assinou. Eu tinha autorização da Thais Portinho de assinar por ela, assinei. Fui para o teatro com o Aldomar Conrado fazer o espetáculo. Entrei direto para o camarim que eu dividia com a Tetê Medina e a Creuza Carvalho. Estávamos todas agitadas, conversando e se maquiando, quando chegou o Aldomar, muito pálido, e me disse: Isolda, tem um homem do Dops que quer falar com você. Eu achei que era brincadeira dele, mas o homem entrou porta adentro. Era um homem estranho, não tinha ideia de quem era, pensei ser um aluno da minha avó que queria um convite para assistir à peça, aí gritei para o Emílio arrumar um convite, mas ele me interrompeu e disse: não quero convite nenhum, a senhora está presa! E mostrou o seu cartão policial. Gelei. Agarrei as mãozinhas da Tetê e da Creuza debaixo da bancada, duas pedras de gelo iguais as minhas. Eu pensei, estou sendo presa, isso não pode estar acontecendo! O policial mandou que eu o seguisse, segui o cara e vi que o teatro estava cercado de policiais armados. O elenco ficou em pânico. Margarida Rey, que não era fácil, botou o dedo na cara dele e disse: olha aqui, seu polícia, ela vai, mas vai voltar, não é? Acho que aí ele levou um susto porque a Margarida já estava pronta pra fazer a peça, vestida com exagerados coturnos em seu traje de rainha Cliteminestra, com enorrrrmes seios de papier mâché (uma obra-prima o figurino do Anízio Medeiros). O policial não tirava os olhos dos seios da Margarida, mas lhe respondeu que eu iria apenas depor no Dops, e logo estaria de volta. Enquanto ele se distraía com os seios da Margarida, sussurrei para o Emílio não avisar meu pai, mas sim ao meu irmão Ivan, e lá fui eu. Ao entrar no camburão, fingi uma calma que surpreendeu o policial. Acho que isso, mais os seios da Margarida, e tudo mais deram um nó na cabeça dele. Este agente do Dops chamava-se Mário Borges, e acho que ali nesse momento ele se apaixonou por mim. Eu consegui lidar com essa paixão por muito tempo, e com isso ajudar a muita gente, não só da classe teatral, mas a muitos que precisaram de ajuda. Quando cheguei no Dops tive muito medo, me achei a pessoa mais solitária do mundo, mas naquele momento eu tinha de conservar toda a minha lucidez, não podia entrar em pânico. Tentei usar meu senso de humor, mas foi difícil. Começou o célebre interrogatório: nome, endereço, filiação e nome da peça que estava fazendo. Respondi: Electra. Pergunta: Quem é o autor da peça? Resposta: Sófocles. Pergunta: Brasileiro? Resposta: Não, grego. Per gunta: Está na Grécia agora? Resposta: Não sei. Pergunta: Veio ao Brasil para a inauguração da peça? Resposta: Não me lembro. Pergunta: Memória fraca a sua, moça. Agora, vê se responde a essa pergunta direito porque é importante para a gente, e acho bom a senhora dizer a verdade. Resposta: Sim, senhor. Pergunta: Esse tal de Sófocles é comunista? Resposta: Ah, meu senhor, eu não sei, pode até ser. Era terrível e engraçado ao mesmo tempo, eu é que não ia dizer que Sófocles tinha escrito Electra há mais de dois mil anos antes de Cristo. Vi que mandaram um bando de policiais prender o Sófocles, aí eu me senti mais forte. E prosseguiram com as perguntas: quem era comunista na classe teatral? Quem era, quem era?? En grossaram e fizeram ameaças, eu nunca mais trabalharia no teatro se não falasse... Depois, disseram: a sua família é Costa Pinto, seu pai e seu irmão têm ficha aqui, você não gosta deles? Eles poderiam adoecer de repente. Tem duas filhas?... Ah, nomes bonitos, deviam ser meninas bonitas já que a mãe delas era tão bonita. Que pena tinham delas se eu não falasse... E meu marido? Será aquele baixinho que tinha entrado de braços comigo (era o Aldomar), ele era comunista?? Ah, não era seu marido, só um colega. E o seu namorado, quem é? (eu tinha acabado de namorar o Vianinha) Foi ele quem escreveu este manifesto subversivo? Aí eu fiquei puta, e falei: Olha aqui, seu moço, quem escreveu este manifesto fui eu, ninguém me manda, eu já estou presa, para de me perguntar essas coisas que eu não sei de nada, só sei fazer teatro, deixa a minha família e meus colegas em paz! Ficaram furiosos. Já era muito tarde, aí resolveram me botar na solitária, pra refrescar a memória... Antes de ser trancada, pediram a minha bolsa que seria lacrada. Eu pedi que não estragassem a minha bolsa, e o carcereiro me respondeu, rindo: ô dona, aqui a gente estraga vidas e não bolsas. Perguntei a um policial se não tinha ninguém da minha família ou do elenco lá embaixo, e ele respondeu: não, minha filha, já é tarde da noite, o que é que seus colegas ou a sua família viriam fazer aqui? Você está sozinha... E aí me empurraram para dentro da cela, que era uma solitária infecta, escura e fria. Não, Isolda não estava sozinha.Desde o momento de sua prisão no camarim do Teatro do Rio, desencadeou-se uma reação entre artistas, intelectuais e imprensa, que colocou fogo na fogueira. No teatro, a sessão de Electra, claro, foi suspensa. Glauce Rocha, a protagonista da peça, explicou para a plateia lotada que uma atriz tinha sido presa por ter lido o manifesto contra a invasão de São Domingos. E leu o manifesto, sendo muito aplaudida. Nas cercanias do Dops na Praça XV, a classe teatral em peso ficou plantada por toda a madrugada, cercada por repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Aconteceram telefonemas, contatos com intelectuais que pudessem interferir, pessoas influentes foram procuradas, afinal, todos temiam pela vida de Isolda. A essas alturas do campeonato, era do conhecimento geral as atrocidades que ocorriam nos labirintos da ditadura. Só dava pra ficar sentada no chão. Aí comecei a chorar, mas a cabeça não parava de pensar: ai, meu Deus, se conseguir sair daqui, não quero ser mais atriz, pego minhas filhas e vou embora pra Miguel Pereira criar galinhas. Ai, porque fui botar o nome da Thais no manifesto, agora a vida dela também está estragada, e por minha culpa!? De repente, comecei a sentir cócegas nas pernas, e vi que eram baratas, muitas baratas que corriam em volta e em cima de mim...Um horror! Fiquei ali um tempão matando as baratas com meu sapato, até que de repente abriram a cela, e um delegado com sorriso amarelo disse: pode sair, olha, você tem sorte, a sua classe é muito unida... Foi quando me levaram para uma sala enorme, e um senhor louro, muito simpático, me esperava. Era um general: Isolda, vim te soltar, mas você vai dizer para o delegado que não é comunista. Disse textualmente, não sou comunista, e saí. Quando cheguei na rua, muito zonza, com os olhos inchados de chorar, vi mais de duzentos colegas, amigos, meu irmão, jornalistas, uma loucura! Foi uma das maiores emoções da minha vida, um ato de solidariedade tão cheio de afeto, tão amigo. Estavam lá Paulo Autran, Natália Thimberg, Sérgio Britto, Napoleão Moniz Freire, Aurimar Rocha, Fauzi Arap, Teresa Aragão, Vianinha, Cecil Thirré, Guarnieri, os elencos de Electra, dos grupos Oficina, Opinião, Teatro Jovem e Arena. Caí nos braços do Paulo Autran, e chorei, chorei, reclamei das baratas e das ameaças, e comecei a dar entrevistas ali mesmo. Contei que estavam procurando o Sófocles, e fiquei sabendo ali, que perguntaram à Glauce, enquanto ela estava me esperando, se o tal do Sófocles é quem tinha escrito o manifesto, se ele era comunista, e onde ele poderia ser encontrado. Quando a Glauce disse que ele já tinha morrido, eles ficaram putos comigo, e disseram que eu tinha denunciado um presunto, e por isso, ia pagar caro. Fui para casa, já estava exausta de tanto sufoco e emoção. Napoleão Moniz Freire, Emílio Di Biase, Fernando Peixoto, Norma Blum, Maria Esmeralda Forte e meu irmão Ivan, me levaram. Na porta de casa, encontro o Flávio Rangel, que era meu vizinho. Abracei muito meus pais, fui ver minhas filhotas, que estavam dormindo – ai, que alívio senti – e ficamos conversando um bom tempo. Quando todos se foram, mamãe que odiava beber, me fez dormir, dando na minha boca uma colherzinha de uísque. Este episódio contado depois de tantos anos, parece que foi fácil, mas foi um terror! ...Um terror para quem sentiu na pele, sem dúvida, mas naquela contexto, o episódio se tornou um caso nacional, de repercussão internacional, cujo enfrentamento, mostrou a força de uma classe unida e atenta, lutando com bravura pelos direitos democráticos. As manchetes dos jornais estamparam: DOPS PÁRA PEÇA, PRENDE ARTISTA E FECHA TEATRO, ISOLDA CRESTA: FORÇA NÃO IMPEDIRÁ QUE SE PENSE, ATRIZ DO PALCO AO DOPS, DOPS SOLTA ISOLDA DE MADRUGADA, PROTESTOS CONTRA A PRISÃO DE ISOLDA CRESTA. A Interpress publicou: Inúmeras manifestações de solidariedade à atriz Isolda Cresta têm surgido das mais variadas camadas da população, destacando-se o pronunciamento do acadêmico Raimundo Magalhães Junior, o qual afirmou considerar a prisão da atriz, um ato violento que não pode deixar de ser condenado pelas consciências livres. Em 13 de maio de 1965, a manchete principal era: TEATRO LANÇA MANIFESTO CONTRA PRISÃO DE ISOLDA. Tonia Carrero, Maria Della Costa, Paulo Autran e Fernanda Montenegro encabeçam o manifesto de 151 artistas e autores de teatro, protestando contra a prisão arbitrária de Isolda Cresta. No dia seguinte voltei a fazer a peça. Eu era manchete de todos os jornais nacionais e até de alguns internacionais. Vi na plateia a presença de uns homens estranhíssimos, pareciam tiras que vigiavam para ver se íamos ler o famoso manifesto. Depois da peça, recebi rosas do Vianinha, e uma cesta de flores do elenco, com um cartão que guardo até hoje: Isolda, você é tão maravilhosa, nós temos tanto orgulho de você! Alguns dias depois, quando saía do teatro, o Mário Borges com um outro policial, também corpulento, me aguardavam com um carro estacionado na saída dos atores. Eu estava saindo com o Emílio, e eles nos convidaram a entrar no automóvel. A gente viu logo que era uma intimação tipo sequestro. Que terror! Fomos eu e Emilio no banco traseiro, e o tal policial fazendo perguntas sem parar, nada sobre política. Fomos até depois da Barra da Tijuca, e depois de duas horas, eles nos deixaram em Copacabana. Depois disso, acho que o Mário Borges se tocou, e aí começou a me mandar flores, uma vez com um cartão escrito: Os inimigos também mandam flores! Daí em diante nossas relações foram proveitosas, eu consegui muita ajuda dele. Mais tarde tive a certeza de que ele era realmente um grande torturador. Codinome: Capitão Bob. Capítulo V Palco e Militância Na metade da década de 60, Zozô trabalhou sem parar no teatro. Antes de Electra, substituindo Eva Wilma no musical americano Boeing Boeing, dirigido por Adolfo Celi, viajou pelo sul do Brasil com Maria Della Costa em Depois da Queda, apareceu em Pena Ela Ser o que Ela É, com direção de Martim Gonçalves no MAM, e em A Quinta Cabeça com Mauricio Sherman no Teatro Rival. Experimentou o cinema, que pouco fez, em Viagem aos Seios de Duilia com Carlos Hugo Christensen e O Desconhecido com Ruy Santos. Participou de um episódio do seriado 222000, Cidade Aberta, que a TV Globo produziu em 1965, ano de sua inauguração, estrelado por Jardel Filho. Mais duas tragédias gregas entraram em sua vida: As Troianas de Eurípedes e Édipo Rei do velho conhecido Sófocles. Fala Zozô: Em 1966, fiz As Troianas de Euripedes com adaptação de Jean Paul Sartre. Paulo Afonso Grisolli dirigiu com força e sensibilidade, ele deu uma visão moderna à tragédia de Eurípedes. Sartre acaba sua adaptação no niilismo total, naquilo que os gregos sentiam como uma sutil contradição: a contradição do mundo no qual eles tinham que viver. A plateia reconheceu essa negação, essa recusa. Sartre quis marcar essa reviravolta, o desespero final de Hécuba, que ele acentuou, corresponde à terrível fala de Netuno: os deuses morrerão junto com os homens, e esta morte comum é a lição da tragédia. A Maria Fernanda fazia a Hécuba, e no elenco estavam também Margot Baird, Germano Filho, Carmem Sylvia Murgel, Alzira Cunha, Oscar Felipe e Diana Morel. O cenário do Hélio Eichbauer era belíssimo, todo branco! No ano seguinte, fiz Édipo Rei do Sófocles, com direção de Flávio Rangel e Paulo Autran fazendo um divino Édipo. Teresa Rachel (e depois Cleyde Yáconis), Margarida Rey, Graça Mello, Oswaldo Loureiro, Paulo Cesar Pereio, Isabel Ribeiro, Carlos Miranda, Jura Otero, Antonio Ganzarolli, Oscar Felipe, Antero de Oliveira e Paulo Augusto completavam o elenco. Foi um espetáculo para nunca mais ser esquecido, estreamos no Rio e depois viajamos por todos os estados do Brasil. Em Verde que te quero verde, Aldomar Conrado e Amir Haddad fizeram uma coletânea de poemas de Lorca, que resultou num maravilhoso espetáculo. Os atores falavam e cantavam com Martim de Bilbao na guitarra. Eu e Maria Fernanda fomos vestidas por Maria Augusta Teixeira, e as roupas eram belíssimas! Além de nós, no elenco estavam também Roberto de Cleto, Paulo Padilha e Rofran Fernandes. A Guerrilheira A maioria do povo brasileiro não aguentava mais aquela repressão toda. 1968 foi o ano das manifestações de estudantes, artistas e intelectuais. Era um tempo de total falta de liberdade, com censura às peças de teatro, aos jornais, filmes, livros, novelas e a qualquer manifestação cultural. Tudo tinha que passar pela censura. No começo do ano, fizemos uma excursão com Um Bonde Chamado Desejo por Belo Horizonte e Brasília. E não é que um censor, chamado Leão, proibiu três palavras na peça? EI, VOCÊS GALINHAS, PAREM DE CACAREJAR, VACA NO CIO e: STELLA, SEU MARIDO COME COMO UM GORILA. Não podíamos dizer galinha, vaca e gorila. O Leão proibiu. Maria Fernanda, que era a empresária, foi depor na censura. Ela disse: eu compreendo que o senhor, que é o rei dos animais não queira que se mencione, vaca no cio, galinhas cacarejando e seu marido come como um gorila, mas se o senhor liberar a peça para a estreia, prometo incluir o leão no texto! Maria Fernanda foi suspensa. Ficamos um mês em Brasília tentando amansar o leão. O Othon Bastos, que estava fazendo o papel do Kowalski, brigava muito comigo quando me exaltava contra aquela situação. Se não fosse o deputado Ney Braga, muito amigo nosso, a peça não seria liberada. Na mesma época, a peça Berço do Herói do Dias Gomes foi proibida. A reação da classe teatral foi imediata: os teatros entraram em greve, e foi realizado um ato público. Tonia Carrero foi presa porque estava liderando o protesto contra a censura. Depois de muito enfrentamento, algumas peças foram liberadas, mas a do Dias Gomes nunca pôde estrear, nem em tempos mais amenos a TV Globo conseguiu fazer a novela baseada na peça com o nome de Roque Santeiro, apesar de ter gravado diversos capítulos. Neste ano, aconteceu a célebre passeata dos 100 mil. Eu estava fazendo O Burguês Fidalgo no Rio com o Paulo Autran, no Teatro Maison de France, e fui convidada a participar no grupo das mães, mas preferi ir com meus colegas de teatro. Foram formados grupos de cinco pessoas, a Maria Regina e o contrarregra Léo Leoni estavam no meu, além de outras duas pessoas que não me lembro quem eram. Nós tínhamos que levar uma mochila com Redoxon efervescente, bolas de gude, pra fazer tropeçar os cavalos da policia, latas de azeite, pra deixar o chão escorregadio, barras de ferro para proteção pessoal e elixir paregórico. Saiu no jornal uma foto minha de mãos dadas com o Flávio Rangel, ao lado de meus pais, minha sobrinha Maria Cristina e o marido Carlos Laet, e minhas filhas, que já eram politizadas. Enquanto os líderes estudantis Wladimir Palmeira e Marcos Medeiros faziam comícios-relâmpagos em cima de caixotes, nós andávamos da Candelária até a Cinelândia gritando palavras de ordem: O povo unido, jamais será vencido! Liberdade para os presos! Abaixo a ditadura! Um, dois, três, os milicos no xadrez! Paulo Autran ria muito de mim, porque eu gritava como se estivesse representando no palco, com gestos e provocações teatrais, convocando todos que estavam nas janelas dos prédios para que se juntassem a nós. O Avarento Comecei a ensaiar O Avarento de Molière no Teatro Princesa Isabel, produção do Orlando Miranda, com Procópio Ferreira fazendo o Sr. Harpagon, festejando seus 50 anos de teatro. O diretor era o francês Henri Doublier, da Comedie Française, que vinha especialmente para dirigir o espetáculo. O elenco era fantástico, além do Procópio, eu fazia a casamenteira Frosine, e tinha Paulo Padilha, Alvim Barbosa, Thais Portinho, Maria Lucia Dahl, Erico de Freitas, Celso Cardoso, Jorge Chaia, Luiz Carlos Laborda, Nelson Mariane e Nilson Rezende. Um dia, indo para o ensaio da peça, encontrei o Marcos Medeiros, que namorava a Maria Lucia Dahl, com um rapaz jovem, moreno, de óculos, que se apresentou como Julinho. Eles me contaram que uma amiga nossa de Recife, a Iara, estava presa no Dops, eu me ofereci para visitála, pois tinha livre acesso ao Dops por causa do Mário Borges. Julinho pediu que lhe dissesse que Julinho e Arantes estavam fazendo força para tirá-la de lá. Não tive o menor problema para ver Iara, que estava muito nervosa, e consegui acalmá-la depois de ter dado o recado. Depois que estreamos com muito sucesso O Avarento, Julinho me procurou no camarim, e perguntou se estava disposta a ajudar a ALN (Aliança Liberdade Nacional), que era chefiada pelo Carlos Marighella e pelo Joaquim Câmara. Concordei, e Julinho, que passou a ser chamado de Tatinho (que vinha de contato), fazia a ponte entre mim e a organização. Não era difícil o meu trabalho: fazia a segurança dos guerrilheiros, arranjava lugares para escondê-los depois de alguma ação, e era encarregada de entrar em contato com a Anistia Internacional em Londres. Se alguém fosse preso, a Anistia publicava o nome nos jornais, dificultando o seu desaparecimento. Orlando Miranda, muitas vezes, abrigou guerrilheiros em seu apartamento. Eu dizia que eram primos de São Paulo, ele fingia acreditar, e ficava tudo bem. Ele se dizia de direita, mas ajudou muita gente a fugir. Às vezes, o Mário Borges ia ao teatro me visitar, e aí começaram a falar que o Orlando recebia agentes do Dops em seu teatro. Orlando Miranda é um capítulo à parte na vida de Isolda, os dois foram casados. Dono do Teatro Princesa Isabel, em sociedade com Pedro Veiga e Pernambuco e Oliveira, ele movimentou o panorama teatral carioca por longos anos, como produtor e ator, realizando, com seu sócios, montagens teatrais planejadas em teatro de repertório de alto nível. E até os dias de hoje, mantém-se à frente do Princesa Isabel, onde conversamos sobre Zozô: – Não sei como a gente se conheceu, acho que foi através da Maria Fernanda, que estava aqui fazendo O Preço, elas eram muito amigas, e Isol da vinha se encontrar com ela... Eu acho que foi naquele momento, a partir daí surgiu um romance entre nós, e ficamos juntos uns cinco anos mais ou menos. Nós éramos dois pólos que se encontravam. As pessoas achavam estranho, como pode a Isolda com o Orlando? Mas nossas posições não interferiam nunca, por incrível que pareça, nunca houve um conflito entre a gente, eu era solidário a ela, e ela me respeitava como homem de direita, da UDN. Embora tivesse a atitude política que tinha, acho que na verdade ela era humanista. Ela nunca foi de esquerda, comunista, se estivesse aqui hoje em dia, estaria brigando também com o pessoal de esquerda, ela era do bem. O Avarento foi a peça que mais ganhei dinheiro no teatro. Depois do grande sucesso que fizemos no Rio, viajamos pelo Brasil todo, junto com Odorico, O Bem-Amado, em repertório. Nós tínhamos o Procópio, que era um chamariz enorme nas duas peças. Do elenco de O Avarento, três atores, Thais Portinho, Maria Lucia Dahl e Erico de Freitas, tornaram-se amigos de Isolda pela vida toda. Foi nessa animada temporada que a amizade entre eles pegou firme, eram inseparáveis, não só no teatro, mas nas saídas pela noite e nas manifestações políticas. Maria Lucia conheceu de cara o espírito solidário da amiga: – A gente se conheceu em 1968 nos ensaios da peça, e imediatamente ficamos grudadas direto. Ficávamos num camarim nós três, ela, Thais e eu, e o Procópio chamava a gente as três peruas. Eu namorava o Marcos Medeiros, que era líder estudantil, e a Isolda era a rainha do movimento dos estudantes. Ela não media nenhuma consequência, se você era amiga dela, o que precisasse, ela fazia. Thais Portinho, amiga desde o tempo da Fundação de Teatro, trabalhou com Isolda pela primeira vez na viagem de Electra, substituindo Norma Blum. Mas foi no Avarento que a intimidade de camarim solidificou a amizade: – Tinha aquelas vesperais, às quintas-feiras, e depois, entre a sessão da noite no intervalo, a gente inventava umas festinhas no camarim. Levávamos vitrolinha, lanchinho, ficávamos curtindo. E o Procópio gostava de dormir, mas não conseguia, então, ele reclamava com o Orlando que as três peruas faziam uma barulheira... Erico de Freitas ficou seu amigo em Um Bonde Chamado Desejo, e se reencontrariam nos palcos depois, na temporada paulista de Botequim. Mas foi pegando O Bonde Chamado Desejo que se tornou o amigo inseparável de Zozô, cúmplice total de muitas noitadas e farras: – Ser amigo dela era uma coisa muito interessante, forte e produtiva. Ela era cheia de carinho e atenções, e muito inteligente, conversava sobre tudo. Eu privei muito dessa generosidade dela, é mais que uma irmã, porque é uma coisa escolhida, não foi a natureza que impôs. E o seu humor no convívio era contagiante. Durante O Avarento, ela roubava os bigodes dos atores para dar pro pessoal da luta armada usar como disfarce. Eu ouvi o Paulo Padilha aos gritos, batendo na porta do camarim dela: Isolda, cadê os meus bigodes? E ela com a voz ingênua, respondia: como eu vou saber, Padilha? Nós morríamos de rir. Prossegue Zozô: Um dia, o Orlando chegou no nosso camarim muito nervoso, dizendo que a polícia estava dentro do teatro, para prender o Marcos Medeiros. Ele ia todas as noites buscar a Maria Lucia de carro. Ela ficou apavorada, e eu tive a ideia de esticar a peça para ganharmos tempo de avisar ao Marcos para não ir ao teatro naquela noite. Eu sabia o enorme texto que foi cortado nos ensaios, e assim fizemos a peça lentamente. No intervalo do primeiro ato, Thais foi à padaria com a roupa de época da peça, telefonar para a Marília Carneiro, irmã da Maria Lucia, avisar ao Marcos. Pra disfarçar, ela comprou uma baguete, que trouxe debaixo do braço. Procópio não percebeu nada e nosso plano foi dando certo. Nesta noite, minha filha Ângela, estava na plateia com uma amiga assistindo à sessão. E o Paulo Augusto furioso em cena, não entendendo a lentidão da peça, começou a torcer o meu braço, até que a Maria Lucia falou baixo que nós estávamos com problema sério, aí ele sossegou. O desfecho foi o seguinte: Marilia pediu ao namorado dela, Roberto Bonfim, para ficar na porta do teatro à espera do Marcos. E foi o que aconteceu: Marcos chegou, e Roberto mandou ele cair fora. Saiu tudo bem, nós ficamos aliviados, só a Ângela sem entender nada, subia e descia as escadas nervosa: porque é que aquele cara está torcendo o braço da mamãe? Orlando se recorda bem do inspetor do Dops Mário Borges, que passou a frequentar o teatro durante a temporada de O Avarento: – Como Isolda era muito cativante, quando ela foi presa, o Mário Borges, sei lá, se apaixonou, ou passou a ter uma admiração muito grande por ela. Ele vinha sempre no Princesa Isabel para vê-la, eu ficava muito intrigado porque as pessoas pensavam que ele vinha ao teatro por minha causa. Ela tinha um carinho muito grande por ele, que deve ter livrado a cara de muita gente por causa dela, sim, não tenho a menor dúvida. E foi aí que ele mostrou o seu lado humano, e virou segurança do Simonal. Ele é que é o pivô de toda a história do Simonal, foi o Mário Borges quem levou o contador para o Dops, mas não como agente e sim como segurança do cantor. A ligação do Simonal com o Dops foi por causa dele, inclusive, eu soube que ele aparece no documentário que está passando aí. Um dia, o Tatinho (que agora sabia chamar-se Ronaldo Dutra Machado), vendo que o inspetor Mário Borges fazia todas as minhas vontades, sugeriu que nós, as três peruas, o levássemos para a Fiorentina, e que no caminho ele levaria uma boa surra, já que era uma pessoa da polícia. Claro que eu não concordei com aquilo, quando o Tatinho falou sobre isso com o Marighella, levou uma corrida. O Mário Borges era uma pessoa útil à causa, pois com sua boa vontade comigo, deixava muita gente escapar. A essa altura, eu inventei uma historia pra rir com as minhas colegas: o Mário Borges levara um tiro dos guerrilheiros, e no caminho agonizante para o hospital Miguel Couto, seus colegas perguntavam: mas, afinal, inspetor, quem foi que atirou no senhor? E ele respondia: foram as três peruas!! Procópio Que figura, que ator! Como eu estava casada com o Orlando, ia todas as noites com ele e Procópio jantar na Fiorentina. Logo que se sentava, pedia imediatamente a sua batida de limão, e começava a brigar e falar mal das três peruas. Eu e Orlando achávamos graça porque eu era uma delas! Uma noite, ele disse que as três peruas eram umas ripongas que não tomavam banho. Aí o Orlando rebateu: ah, Procópio, isso não, a Isolda toma mais de três banhos por dia! Era muito engraçado. Ele pedia ao garçom um bife que era impossível de fazer: malpassado por fora e bem passado por dentro. Esse bife dava muita alteração... Só gostava de comida brasileira, odiava estrogonofe, ele não comia, e ainda dizia muito desaforo. Foi uma honra pra mim ter contracenado com ele em suas últimas peças. Além d’O Avarento, fizemos Odorico, o Bem-Amado, e viajamos pelo Brasil com as duas peças. Como ele era querido pelo povo! Ações Libertárias Fui viajar com O Avarento pelo Nordeste. Passei quase um ano em turnê pelo Brasil, onde a gente chegava, fechava! Tinha vezes que fazíamos longas viagens de ônibus, porque as cidades eram pequenas, e não dava pra ir de avião. O elenco ficava exausto, menos Procópio, que fumava a viagem toda, era impressionante. Quando estávamos em Salvador, por volta de novembro de 1969, soube que o Marighella tinha sido metralhado pela polícia em São Paulo. Nossa, que susto eu levei, eu gostava muito dele, era um baiano arretado, um poeta, um lutador. Com a morte do Marighella houve um recuo na organização, e eu fiquei meio perdida com meus contatos presos. Quando retornamos ao Rio, me aliei ao MR8, conhecia um casal de amigos de lá. Continuei a fazer um trabalho de segurança junto à Anistia Internacional. Uma vez, pediram que eu guardasse na minha casa um embrulho enorme e muito pesado. Como o embrulho estava muito malfeito, levei-o para o meu quarto, e comecei a refazê-lo. Minha mãe entrou e disse: Isolda, você não sabe fazer nada com as mãos, deixa que eu faço o embrulho. Quando acabou, viu que eu estava nervosa acendendo um cigarro, e me falou com dignidade de uma rainha: acho bom você não fumar porque este pozinho preto que está saindo do embrulho é pólvora, aí a cama explode, e seu pai acorda! Manter aquele embrulho em casa estava ficando perigoso, assim pedi ao guarda-noturno, marido da nossa copeira, para guardá-lo na sua casa no Cosme Velho. Passou um tempo, e precisei das coisas que estavam no embrulho. Pedi à Maria Fernanda que fosse no seu carro comigo buscar uma caixa de tintas. Quando ela viu o embrulho, entortou de nervoso pois sacou que tinham metralhadoras, revólveres e placas frias de carro. Quando a barra pesou, ela e minhas filhas leva-ram placas e metralhadoras de pedalinho para serem afundadas na Lagoa. Aconteceu que as placas boiaram, foi um trabalhão danado, porque tiveram que ser recolhidas e foram jogadas na Floresta da Tijuca mais tarde. Quando o embaixador alemão foi sequestrado, tive a chance de dar a uma amiga os nomes de dois presos que tinham sido torturados, Ronaldo (Tatinho) e Carlos Fayal, que também era meu contato. Os dois foram liberados e enviados para a Argélia com mais 38 presos. Eu fiquei superaliviada quando soube que estavam salvos. Eles voltaram para o Brasil em 1979, na anistia. Mas quando o Allende caiu, o Tatinho que estava no Chile, teve que fugir para o Panamá. Na minha folga teatral, fui até lá encontrá-lo, foi um dia só, mas valeu, tínhamos ficado muito amigos. Claro que voltei para o Brasil cheia de recados ultraperigosos, bilhetes malocados que ninguém podia ler. No aeroporto em São Paulo, um cara da alfândega olhou pra mim e disse: você vai ter que explicar direitinho o que tem dentro desta mala! Nossa, que susto, achei que estava perdida, mas ele começou a me chamar de Odete, o nome da minha personagem na novela O Bem-Amado que estava fazendo, e nem olhou minhas malas. Continuei no MR8, agora eu fazia de tudo, e era perigoso demais, porque não estava na clandestinidade, eu estava fazendo teatro e televisão. De manhã, era uma guerrilheira, de calça jeans e óculos escuros. No final da tarde, virava atriz, ia para o salão do Carlinhos I, que agora é Camille K, mudava de visual, e saía de lá chiquésima, maquiada, penteada e bem-vestida, e ia trabalhar no teatro. Ninguém poderia me reconhecer. O coiffeur e ator Carlinhos I, foi assim batizado pela jornalista Nina Chavs, sua cliente. Como ator transformista virou Camille, e mais recentemente, acrescentou um K ao seu nome, orientado pela numerologia. Assim, Camille K, que na carteira de identidade é Antonio Carlos, conheceu Isolda no salão do famoso cabeleireiro Celmar, em Copacabana, e ficaram tão amigos que ele a penteou em todas as peças que Isolda atuou, além de partilhar uma amizade eterna. – Ela queria consertar o mundo, era uma idealista, sempre lutou por isso, além de ser uma pessoa generosa e aberta. Naquela época da repressão, eu era desligada, não entendia muito bem o que estava se passando, mas cheguei a esconder dois baianos na minha casa, a pedido de uma amiga da Isolda. Uma vez ela chegou no salão, e me disse que estava com um revólver na bolsa. Eu falei: Isolda, por quê? Ela me disse que preferia morrer a ser torturada, ou ter que delatar alguém. Eu preparei ela, e nos despedimos, o salão estava cheíssimo. Daqui a pouco, ela volta: esqueci o revólver! Meu Deus, Isolda, o que é isso? Procuramos por todos os lugares onde ela esteve, e achamos a arma debaixo de uma revista na bancada. Um amigo me deu o livro Nos Porões do SNI de Ayrton Baffa, que contém documentos do Serviço Nacional de Inteligência, depois que ele foi extinto. Numa das páginas tem uma conversa minha com a mãe de uma presa: Isolda diz que vai lá e faz qualquer coisa. De qualquer maneira, Isolda diz que se ele não aparecer vivo, ela se encarrega de fazer um escândalo em Londres, Suíça, França e Suécia, o que vai ser uma vergonha para eles. No outro parágrafo: Isolda liga de novo, e diz que vai falar com o General Golbery. Na página do quem é quem está escrito: Isolda Costa Pinto é aliada do MR8, e está na iminência de ser detida, é atriz de teatro e novela. Estas conversas telefônicas foram gravadas pelo SNI. Um dos meus contatos, o Sérgio Rubens de Araújo Torres, tinha desaparecido, ele era um membro do MR8 da maior importância, foi um dos sequestradores do embaixador americano Charles Elbrick, e apesar de ter esquecido uma conta de luz na casa onde o embaixador ficou, ele nunca foi preso. Aquele desaparecimento deixou sua mãe e a família de sua mulher, a Norma, muito aflitos. O casal, quando o aparelho caiu, ficou morando lá em casa. Mamãe não desconfiava de nada, e achou muito natural que eles passassem um tempo conosco, pois eram muito amigos da minha filha Ana. Pela manhã, eu maquiava a Norma e ela ia fazer alguma ação com o Sérgio. Um dia, fui levar mamãe ao aeroporto, estava cheio de cartazes com fotografias: Procura-se. E lá estavam as fotografias deles. Mamãe, sem ler o que estava escrito, disse pra mim: nossa, a Norma não está bem nesta fotografia, de manhã ela estava tão bonitinha... Depois de algum tempo de muita luta para encontrarmos o Sérgio vivo ou morto, ele entrou em contato com a mãe, não tinha sido preso, estava em São Paulo. Drogas Uma pessoa que tem energia para enlouquecer, também tem energia para se iluminar. É a mesma energia, só a direção muda. (A Semente da Mostarda de Osho) Se compararmos com o que acontece hoje no planeta, que está sendo destruído pelas drogas, parece que esta estória foi uma brincadeira, mas não foi não. Eu fui um alvo fácil, não sabia que tinha muita energia dentro de mim para me iluminar, e não para enlouquecer. Depois eu soube, mas na época em que desbundei, eu tinha muito medo, eu só vivia a criança que tenho dentro de mim. Parecia que eu já sabia das grandes perdas que teria na minha vida. Conversando com minha filha Ana, que é terapeuta bioenergética, fiquei sabendo que a alma escolhe o nosso karma, mas a nossa personalidade não aceita isso, e gera um grande conflito. Acho que nasci com esse medo. Quando criança, eu tinha medo que morresse alguém da minha família, depois adulta, tinha medo que algo de ruim pudesse acontecer com minhas filhas e com meu irmão. Como atriz, tinha medo que me faltasse o teatro, sem o qual não saberia viver. Apesar da minha alegria e bom humor, eu vivia em pânico, e tudo que eu queria era uma boa anestesia para aliviar meu coração. Comecei tomando Mandrix, um hipnótico poderoso. Era pra dormir, mas servia pra ficar doidando, dava uma euforia, um bem-estar, e fazia desaparecer o medo. Mandrix virou moda no final dos anos 60. Era fácil conseguir, bastava uma receita médica comum. Mas era uma produção para comprar, porque se fôssemos à farmácia vestidos de hippie, que é como andávamos, o farmacêutico dizia que estava em falta. Eu me vestia com um austero vestido, prendia o cabelo e colocava óculos escuros, pra ficar parecendo uma madame séria, que tomava o Mandrix para dormir, e não para doidar. Ele me ajudou muito quando perdi meu pai. Papai estava ótimo, de repente sentiu uma dor, mamãe levou-o para o hospital, e, antes de ser atendido por seu médico, dr. Aluisio Salles, morreu na sala de repouso. Foi um choque enorme pra mim, perdi minha segurança, perdi meu grande amor! Mandrix ajudou na hora. Escrevi para a Maria Lucia, que estava morando em Paris, acompanhando o Marcos Medeiros no exilo, e ela me convidou para passar uns tempos com ela, eu estava péssima. Embarquei com a Vera Gertel, e me hospedei na casa da Maria Lucia. – Isolda me escreveu, dizendo que o pai tinha morrido. Como era uma época de mensagens cifradas, eu achei que queria dizer: a organização caiu. Quando ela chegou, apurei a verdade, e vi que estava péssima. Ela tomava Mandrix, mas não dizia que tomava, aí eu a levei ao hospital, e o médico disse que ela estava com mania de se matar. Eu disse pra Isolda, que não tinha como segurar essa onda, minha mãe tinha acabado de se matar, eu estava com a minha filha Joana bebê, o Marcos naquela situação... Todo mundo estava muito mal, as nossas carreiras foram cortadas, não sabíamos o que fazer da vida. Fomos até Londres visitar o Caetano e o Gil, que estavam exilados lá. A casa estava cheia de amigos, a Gladys, o Julio Bressane, o Sganzerla, a Helena Ignez, era o auge do hippismo. Isolda tomou um ácido e ficou completamente doida, tinha visões, ela via o Mário Borges, e dizia que ele estava perseguindo ela, foi um horror. Aí eu liguei pra Ana, e Isolda voltou para o Brasil. Voltei para o Brasil, estava com saudades da minha família, do Orlando e do teatro. Foi aí que minha mãe, que eu adorava, que era o meu orgulho, aquela mulher encantadora cheia de luz, que cantava como um pássaro, e vivia como uma fada rodeada de música, arte e beleza, se encantou! Eu e minhas filhas ficamos muito sozinhas no imenso apartamento da avenida Rui Barbosa, onde morávamos. E agora? Nenhuma de nós tinha pulso para tomar conta daquele apartamento enorme, onde vivemos tantas alegrias e uma vida tão segura ao lado dos meus pais. A casa virou uma bagunça, eu e as meninas trabalhávamos muito, elas tinham estudado com a Angel e o Klaus Vianna, e davam aulas de dança. Eu não parava de trabalhar, o que era muito bom. Foi aí que acabaram com o Mandrix, foi proibida a sua fabricação.Eu tinha que sobreviver sem a minha anestesia, que acabava com meus medos e minha angústia, mesmo que também acabasse com meus neurônios. Um amigo me apresentou um pó branco, que eu nuca tinha visto antes: era cocaína. Por curiosidade experimentei, e gostei. No início deixava a gente pra cima, se achando o máximo, e também tirava o medo. Mas o efeito passou logo, e me senti muito deprimida. O rapaz me disse que o começo era assim mesmo, assim caí nessa cilada braba, não imaginando o mal que aquilo iria me fazer. Novos amigos foram aparecendo em minha vida. Nessa leva de novas amizades, conheci um rapaz músico muito talentoso, o Cláudio Roberto. Ele era parceiro do Raul Seixas, que também ficou muito amigo e passou a frequentar lá em casa. Raul era um gênio, muito inteligente e muito louco também, era um barato conversar com ele. Algumas músicas da dupla foram feitas lá em casa, como Maluco Beleza. Foi maravilhoso ver o rock nascendo naquela casa, que sempre foi um santuário da música. Maluco Beleza Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual Eu, do meu lado aprendendo a ser louco um maluco total na loucura real Controlando a minha maluquez misturada com minha lucidez Vou ficar ficar com certeza maluco beleza Este caminho que eu mesmo escolhi é tão fácil seguir por não ter onde ir Controlando a minha maluquez misturada com minha lucidez Vou ficar ficar com certeza maluco beleza eu vou ficar... O Cláudio Roberto se apaixonou pela minha filha Ângela Vitória, se casaram e tiveram duas filhas muito lindas, a Rosa Morena e a Laila. Ana, que não fazia parte da minha nova tribo de amigos, também se casou com um rapaz, o Carlos Affonso, e da união dos dois nasceu o Lao, minha paixão, e a Clara, que é a minha sucessora no teatro. Essa galera de netos foi feita nesta época de grandes desbundes, e foi o que valeu para mim. Aquele apartamento era grande demais, e assim, nos mudamos. Ana e Carlos foram morar juntos, e eu com Ângela, a babá e a Eredina (Dedé), nossa antiga empregada, fomos para o apartamento da Baronesa de Poconé, na Lagoa. Depois a Ângela foi morar com o Cláudio em Miguel Pereira. Comecei a namorar o Raul Seixas, era um namoro mais pra amizade colorida que qualquer outra coisa. A gente passava a noite conversando, ele cantava e contava histórias do Elvis Presley e do John Lennon, que eram seus ídolos. Nós fazíamos música juntos, tudo era muito divertido. Um dia, Raul deu uma pirada, deixou de ser aquela pessoa doce e carinhosa, brigou comigo e foi embora. Mais tarde, voltamos a ser amigos, mas isso depois de eu ter jogado uma enorme manga rosa na cabeça dele. Ele mereceu... Eu vi, então, que os tempos de loucura tinham se acabado. Eu não tinha mais nada a ver com aquilo, era uma grande fraqueza da minha parte, uma bobagem perigosa que só gerava confusão. Resolvi enfrentar a vida, respirando ar puro, e me dedicando à minha arte, o teatro. Nessa ocasião, tive a ajuda espiritual de Azuilson, chamado o Príncipe da Umbanda, que me ajudou bastante. Não quero dar conselho a ninguém, quero apenas contar a minha experiência. Se tomar droga naquele tempo já era uma coisa nociva, imagina agora, com o planeta infestado de tudo que o agride. Acho o vício inútil, ridículo, que só favorece quem é do mal. Capítulo VI Botequim & Gota D’Água A vocação natural vulcânica de Zozô prosseguia derramando aquilo que se abrasa, devora, con-some e arde, uma chama incandescente de vida, que se espalhava em todos que lhe cercavam ou cruzavam seu caminho. Sabia como dançar sobre um vulcão, obedecendo apenas à imaginação ardente que movia seu instinto impetuoso e corajoso. Define Aurélio Buarque de Holanda no velho novo dicionário: Vulcão, perigo iminente contra a ordem social. No Brasil desta época, ela não foi outra coisa, arriscando sua vida em diversos momentos, se expondo de acordo com suas convicções e escolhas, sempre transgressora e audaz. Adentrando a década de 1970, Isolda continuou fazendo muito teatro. Na televisão, seu grande momento aconteceu na novela O Bem-Amado (1973), quando ganhou popularidade interpretando Odete, mulher que traía o marido farmacêutico, o seu Libório, vivido por Arnaldo Weiss. Participou no cinema em O Segredo da Rosa, dirigida por sua amiga Vanja Orico, vivendo nas telas uma mulher rica e viciada, que tinha seu nome: Isolda. Mas foi no palco que a guerrilheira focou sua principal trincheira. Atuou em A Ratoeira de Agatha Christie contracenando com Orlando Miranda, seu marido também na peça, fez Tudo no Jardim de Albee, dirigida mais uma vez por Flávio Rangel na Companhia de Maria Della Costa, esteve em Ascensão e Decadência de Irene Satã do amigo Paulo Afonso de Lima, apareceu em A Torre em Concurso de Joaquim Manoel de Macedo com produção de Orlando, e contracenou com a sua filha Ângela Vitória na peça Cordel, de vários autores, sob a direção de Orlando Senna. Mas duas montagens deixaram uma marca especial na trajetória profissional de Zozô nestes tempos: Botequim de Gianfrancesco Guarnieri e Gota D’Água de Chico Buarque e Paulo Pontes, como ela destaca: O Orlando, que é um sacerdote do teatro, me levou a São Paulo para conversar com o Guarnieri, ele estava querendo montar no Princesa Isabel um texto brasileiro que tivesse uma boa personagem para mim. Guarnieri escreveu Botequim, que é uma obra de arte feita na época certa. Nós estávamos em plena ditadura militar, qualquer crítica era proibida , então, tudo tinha que ser dito de maneira velada. A peça se passava dentro de um botequim, lá fora estava o maior temporal, fazendo muitas vítimas, que se refugiavam ali, mas tinham medo de falar. A Olga, minha personagem, era uma espécie de louca de Chaillot, que contava as atrocidades vividas no temporal. Foi um grande papel que eu tive, e que me deu o prêmio de melhor atriz de 1973. Marlene e Ivan Cândido eram os donos do botequim, Louzadinha era um bêbado amigo de Olga, Jorge Chaia fazia um operário, Thaia Perez e Eduardo Tornaghi eram um casal de estudantes, e André Valli um pai que entrava com uma criança nos braços. O cenário do Arlindo Rodrigues era belíssimo, ele também foi premiado, assim como Louzadinha. O público amava, e entendia as denúncias, e minha personagem também era adorada pela plateia. Fizemos muito sucesso no Rio, e viajamos para São Paulo e Brasília, seguindo para outras cidades. Eu me lembro de um ataque de riso que tivemos em cena, quando o Orlando fez uma feijoada em casa, e só convidou do elenco o Alvim Barbosa. Nós ficamos furiosos com ele e resolvemos nos vingar. Na última cena, quando o botequim tinha sido tomado pela repressão, escrevemos no quadro-negro do cenário: fica expressamente proibido comer feijoada completa. A Marlene quando viu, não conseguiu falar seu texto de tanto que ria, e o elenco não se segurou. Eu, que dizia na minha última fala: pra falar a verdade, eu gosto mesmo é de paz, troquei para: pra falar a verdade, eu gosto mesmo é de paio! Não sei como conseguimos terminar a peça. Pode ser a Gota-D’Água Gota D’agua foi inspirada na tragédia Medeia de Eurípedes, que tinha sido adaptada para a TV Globo pelo Vianinha, e foi escrita em versos por dois poetas: Chico Buarque e Paulo Pontes. Esta foi uma das peças mais importantes da minha carreira, onde até cantei com meus colegas. As músicas do Chico Buarque eram lindas: Samba do Gigolô, Gota-D’Água, Flor da Idade, Bem Querer e Um Dia. A maioria era cantada pela Bibi Ferreira, que fazendo a Joana, criou uma das mais belas interpretações do teatro brasileiro. No elenco estavam Oswaldo Loureiro, Luiz Linhares, Roberto Bonfim, Bete Mendes, Norma Suely, Carlos Leite, Sonia Oiticica, Isaac Bardavid, Angelito Mello, Maria Alves, Selma Lopes, Roberto Roney, Cidinha Milan e Geraldo Rosa. O diretor foi o Gianni Ratto, e Dori Caymmi foi o diretor musical. A peça lotava o teatro todas as noites, ficamos em cartaz por dois anos. Paulo Pontes morreu no fim da temporada, e Bibi fez um espetáculo em sua homenagem, foi inesquecível. Milton Nascimento e Chico Buarque entraram em cena com os atores e cantaram O que Será pela primeira vez, a música estava proibida pela censura. Por este trabalho, Bibi recebeu todos os prêmios de teatro do ano. Eu adoro ela, é uma amiga para todos os momentos, de prazer e dor. Capitulo VII Décadas Derradeiras no Teatro O Teatro Carioca de Câmara (TCC) nasceu da ideia de se montar textos clássicos em concepção camerística com grupo fixo de atores. Em dez anos de atividades, foram encenados autores do calibre de Georg Buchnner, Shakespeare, Goethe, Dostoiévski, Sófocles, Nelson Rodrigues e Oscar Wilde, entre outros. Essa proposta original surgiu do encontro de quatro grandes amigos: Paulo Afonso de Lima, Neila Tavares, Cláudio Gonzaga e Isolda Cresta. Com espetáculos apurados e enxutos, eles conquistaram o respeito do público e da crítica. Este repertório impecável começou em 1980 com a montagem de Woyzeck, de Buchnner, dirigida por Paulo Afonso: – Eu estava chegando dos Estados Unidos, depois de ter estudado teatro com uma bolsa de estudos que ganhei, e tive a ideia de criar uma companhia de teatro clássico, nos juntamos, eu, Isolda, Neila e Cláudio, e fomos à luta, sem patrocínio, fazendo produção, divulgação e montando os espetáculos. Nada disso poderia ser feito sem Isolda, que sempre acreditou em mim, e me ensinou muito. Quando a conheci, já era uma atriz importante no teatro, e na minha primeira peça, Ascensão e Decadência de Irene Satã, em 1972, ela esteve presente no elenco. A partir daí nossa amizade ficou forte, e tornou-se definitiva. Em Woyzeck, ela apareceu travestida de homem, como o Capitão. Paulo Afonso e Cláudio já eram meus amigos há muito tempo. Já havíamos trabalhado juntos em Irene Satã e numa adaptação infantil de A Tempestade de Shakespeare, na qual minha filha Ângela fez a Miranda, recebendo ótima crítica. Quando o Paulinho me convidou para o Woyzeck do alemão Buchnner, me apaixonei pela peça. Eles também chamaram a Neila Tavares para fazer a Maria, a mulher de Woyzeck, que morre assassinada por ele. Eu sempre gostei muito da Neila, é uma amiga preciosa, e é um luxo trabalhar com ela. Eu fazia o Capitão, um personagem irônico e poderoso. O Ivan Senna, meu amigo dos tempos da Fundação de Teatro, fazia o médico. Resolvi mergulhar no meu personagem, era a primeira vez que eu fazia um homem no teatro. Na televisão, eu fiz um assassino no seriado 222000 Cidade Aberta com o Jardel Filho, e na época todo mundo achou que eu fiquei a cara do meu bisavô Fortunato Cresta. Pra fazer o Capitão, emagreci, cortei o cabelo curto, e procurei ficar má fora de cena como o personagem. Estreamos no Instituto de Surdos e Mudos em Laranjeiras, e, apesar da pouca divulgação, recebemos boas críticas. Na estreia, o crítico Yan Michalski perguntou ao Flávio Marinho, quem era aquele ator tão bom... Realmente, eu parecia um homem. Fomos tão incentivados pela crítica que resolvemos montar nossa Companhia, o Teatro Carioca de Câmara, e não paramos de trabalhar durante dez anos. Neila Tavares, que já conhecia Isolda de outros carnavais, tendo rodado com ela o filme O Namorador com o diretor Adnor Pintanga, foi indicada pela amiga para o trabalho. – Um dia, Paulo Afonso ensaiava Woyzeck, o Crime do Soldado, e teve problemas com a atriz principal. Isolda sugeriu meu nome, mas eu estava grávida de Marta, minha filha mais nova. Respondi que adoraria fazer o papel, mas estava no início de gravidez. Paulo Afonso respondeu: e daí? Uma atriz grávida não pode fazer o papel de uma mulher não grávida? Ele me ganhou ali. Trabalhei até os últimos dias de gravidez. Anos mais tarde, o maior crítico de teatro da época, Yan Michalski, me perguntou, por que Paulo Afonso optara por fazer a Maria grávida. Contei que a gravidez era minha, e não da Maria, e ele se surpreendeu. A verdade, é que a minha gravidez deu à personagem uma dimensão ainda maior. A boa crítica de Yan no Jornal do Brasil termina dizendo: ... Eis, enfim, um espetáculo em que tudo obedece a um pensamento cênico bem definido, elaborado a partir de um estudo sério, sem auto-complacência, nem gracinhas fáceis. Coisa rara no mercado não empresarial de 1980. E elogia a atuação de Isolda: Isolda Cresta compõe o Capitão com espírito e senso de medida. Em 1981, montamos Hamlet de Shakespeare. Que texto! Que presente me foi dado por Deus de poder ouvi-lo durante toda a temporada. O Cláudio fazia o Hamlet muito bem, eu me lembro da angústia que sentia, ouvindo o monólogo ser ou não ser, a eterna dúvida do ser humano. Eu era a Rainha Gertrudes, mãe do Hamlet. No elenco também estavam Neila Tavares, Ângela Valério, José de Freitas, Almir Telles, Ivo Fernandes e Pascoal Villaboim. No ano seguinte, resolvemos montar outro clássico: uma adaptação de Noites Brancas de Dostoiévski. Neila era a Nachenka, Cláudio seu apaixonado e eu a Matrena, a hospedeira. No meio da peça, eu me transformava na avó de Nachenka. Paulo Afonso de Lima lembra deste momento: – Quando Isolda se transformava de senhorinha na avó, ela fazia uma transformação mágica, sem nenhum recurso, sem nenhum artifício, só mesmo com a interiorização, era arrepiante. Eu criei a cena, mas não pensei que pudesse ser executada de forma brilhante como Isolda fez. Ela era aplaudida em cena aberta quase todas as noites. Eu adorava fazer esta cena. Agora, com patrocínio e mais estrutura, estreamos no Teatro dos Quatro, me lembro de ter sentido um medo na hora de entrar em cena na estreia, que quase fugi. Dei de cara com a Neila ainda mais pálida que eu... mas respiramos fundo e fomos. Luiz Carlos Prestes e a mulher Maria foram ver esta montagem e adoraram. Depois, ficamos amigos fraternos. Fizemos A Falecida de meu ídolo Nelson Rodrigues. A montagem ganhou o prêmio da melhor montagem do ano. O cenário do Paulinho era lindo, todo em branco e vermelho. Eu fui muito amiga do Nelson, na época, Nelsinho, filho dele, estava na clandestinidade. Ele era também do MR8, e quando foi preso, vi a dor que seu pai sentiu. Eu fui a todas as auditorias quando Nelsinho e Norma Sá Pereira foram julgados. Numa dessas, a mais braba de todas, fui chamada, os oficiais queriam falar comigo. Gelei. Tinham me reconhecido da novela Duas Vidas, que eu fazia na Globo. Os oficiais foram gentilíssimos e me perguntaram com qual dos meus namorados eu acabaria na novela. Eu respondi que só diria se meus amigos fossem absolvidos. E não é que foram mesmo? Por unanimidade. Montamos a seguir o Fausto de Goethe, inaugurando um novo teatro na cidade, o Espaço Mec. Tivemos uma reunião de produção em casa, Paulinho queria que eu usasse uma peruca ruiva em cena, e a grana da produção estava curta, eu não tinha peruca ruiva. Neila foi ao banheiro, e viu uma peruca ruiva no chão e falou: a Isolda está maluca, diz que não tem peruca e tem uma ruiva jogada no chão... Foi pegar a peruca, mas era uma das minhas cadelas coker spaniel que estava deitada. Quase levou uma mordida, e nós morremos de rir. Depois, montamos Édipo Rei, de Sófocles. Na montagem com o Flavio Rangel, em 1967, fiz o coro, mas nessa versão, fui o Tirésias, o adivinho cego, personagem terrível, que mesmo depois do final do espetáculo, não conseguia me livrar das suas profecias, ele não me largava... O nosso Tirésias não tinha sexo, não era homem nem mulher, ele vinha pra dizer a Édipo: tu és o assassino, cujo assassino procuras. Cláudio Gonzaga, o protagonista, recorda de um momento desconcertante em cena, ocorrido com Isolda, que transformou por longos minutos a tragédia numa comédia: – Quando estávamos fazendo Édipo Rei na minúscula arena do Teatro Cândido Mendes, uma espectadora chegou atrasada, atarantada, e atravessou no meio da cena até o seu lugar. Quando percebeu o que tinha feito, pediu desculpas. A Isolda não aguentou e começou a rir, em seguida, eu a acompanhei. O riso contagiou o resto do elenco e a plateia. E qual era a cena? Bem, era o momento que o vidente Tirésias dizia a Édipo que ele era o responsável por toda a tragédia. Ela fazia o Tirésias e, no meio de todo o horror de uma tragédia grega, elenco e público estavam às gargalhadas. Demorou para recomeçarmos. Além do repertório clássico do TCC, Zozô e Paulo Afonso de Lima trabalharam juntos em outras produções, como em A Garota do Gângster, produzida por Marcelo Ibrahin e Bocage, coprodução com Fernando Vannuci, entre outras. Para o diretor, o convívio com ela foi um grande aprendizado: – Eu guardo a Isolda com muito carinho e agradecimento na historia do Teatro Carioca de Câmara, ela foi uma espécie de parteira de todo o processo. Eu devo muito a ela como artista e como amiga. Zozô marcou presença também em outros palcos fora do Teatro de Câmara nos anos 80. No Teatro dos Quatro, apareceu em 1982, na peça russa O Suicídio de Nicolai Erdman, dirigida por Paulo Mamede, ao lado de Sérgio Britto, Henriqueta Brieba, José de Freitas, Laerte Morrone e outros. Com a produtora Beyla Genauer atuou em A Milionária de Bernard Shaw, também dirigida por Paulo Afonso de Lima. Em 1985, reencontrou a amiga Maria Fernanda em A Casa de Bernarda Alba de Lorca, direção de Roberto Vignatti. Até 1989 ainda riscou o palco algumas vezes em horário alternativo, participando de eventos e leituras dramáticas. Anos 90 A mudança da década marcou a entrada dos últimos anos em que Isolda atuou no teatro em temporadas. Acredito que teria trabalhado muito mais se não tivesse acontecido a perda de sua filha Ângela Vitória em 1994, que lhe atingiu como golpe irreparável, e mudou por completo o seu rumo. Neila Tavares escreveu e dirigiu Torquato Neto: Vida, Paixão e Morte do Poeta na Casa de Cultura Laura Alvim em 1990, onde Isolda apareceu em cena como Oswald de Andrade, ao lado de Juarez Lessa. No ano seguinte foi dirigida por Marcelo de Barreto em Os Sete Gatinhos de Nelson Rodrigues, e por Cláudio Torres Gonzaga em A Comédia dos Erros de Shakespeare, ambas produzidas pelo grupo Limite 151. Na peça de Nelson Rodrigues reencontrou Carlos Alberto, seu marido no Bonde, e formaram de novo o casal principal. Marcelo de Barreto, filho de Carlos Alberto, estreava na direção em teatro, mas teve vida curta, e logo depois de ingressar na televisão, faleceu prematuramente. A amiga Thais Portinho, dona do Teatro Posto 6 em Copacabana, produziu e atuou ao lado de Isolda em seus dois últimos espetáculos: Dorothea de Nelson Rodrigues e Narizes Vermelhos (As Cachorras Quentes) de Luiz Carlos Góes. Essas montagens foram processos sofridos para Isolda, que estava muito abalada com a doença de sua filha Ângela. Durante a temporada de Dorothea, teve uma isquemia, como relata Thais: – Ela estava boa, mas chegou um dia a gente estava com a casa lotada, e ela não chegava. Achei estranho porque sempre era a primeira a chegar, aí telefonou dizendo que não se sentiu bem, e com o resultado do eletrocardiograma , o Hospital São Lucas achou melhor não liberá-la. Suspendi a sessão, e fui para o hospital, e Isolda foi submetida uma angioplastia, ficando inter nada por uma semana. Norma Suely substituiu Isolda em quatro dias. O Carlos Augusto Strasser e a Thais me convidaram para fazer a peça mais polêmica de Nelson Rodrigues, Dorothea, ele dirigindo, e ela de atriz ao lado de Maria Pompeu, Sura Berdichesky, Inês Cardoso e eu. Os ensaios foram muito difíceis, pois o Strasser estava num momento muito delicado da vida dele, a mente criativa e sensível como nunca, mas o corpo estava cansado de sofrer. Eu fazia dona Assunta da Abadia, uma deliciosa personagem, que era um refresco para o público dentro de um texto tão denso, dona Assunta era muito engraçada. Uma vez, conversando com Nelson Rodrigues, ele me disse que Dorothea era a peça que ele menos gostara de ter escrito. Strasser foi internado no dia seguinte da nossa estreia, e viveu pouco tempo. Uma enorme perda para o teatro brasileiro. Em 1993, fiz Narizes Vermelhos até o carnaval de 1994. Foi um ano terrível pra mim, foi o período que o namorado de Ângela, Pedro Juarez, ficou muito doente, vindo a falecer no ano seguinte. Além de perder o companheiro, ela teve que enfrentar o preconceito e a discriminação, lutou feito uma leoa, e só pôde contar comigo, com a irmã e com alguns amigos especiais. Mas me distraí bastante fazendo Narizes Vermelhos do Luiz Carlos Góes. Os cenários e figurinos foram do Charles Moeller, e no elenco estavam a Thais, a Helena Ignez, e o Nill Neves. Era um besteirol muito engraçado, que exigia que as atrizes dançassem e cantassem. Tive que ter muita força pra não cair, estava em frangalhos... mas este trabalho me ajudou a crescer espiritualmente e a enfrentar o pânico, sem me entregar a nenhuma loucura. Minhas filhas e meus netos assistiram, e adoraram! – Era uma comédia passada numa cidade de praia, onde eu morava com a Isolda, e nós esperávamos a chegada de uma outra irmã, que era a Helena Ignez. A Isolda, engraçadíssima na personagem que estava muito doente, aparecia o tempo todo com um soro pendurado no braço. Tinha um rapaz que passava a peça de peito nu pra lá e pra cá, era o Nill. No final, nós resolvíamos fazer um show, que se chamava As Cachorras Quentes. O Dussek fez a música com o Luiz Carlos, e a Regina Rodrigues fez a coreografia do show. Depois da virada do ano, voltamos em 1994 com o nome de As Cachorras Quentes, tinha mais a ver, relembra Thais. No dia 2 de fevereiro de 2004 o Casarão Cultural dos Arcos, na Lapa, inaugurou o seu teatro, batizando-o de Espaço Cênico Isolda Cresta. No convite, a exigência do traje: black-tie teatral. A homenageada participou da leitura dramática de O Profeta, coletânea de textos do livro de Gibran Mansour Chalita com direção da amiga Neila Tavares, que estava na área tentando implantar o seu Armazém do Manuel: Nos anos 2000, o Grupo Casarão Cultural dos Arcos, ia inaugurar o seu teatro. Isabel Braga me pediu que intermediasse junto à Isolda a proposta de chamarem a sua casa de espetáculos de Isolda Cresta. Assim eu fiz, o teatro foi inaugurado, e Isolda para sempre decidiu me atribuir essa gentileza. Por mais que eu dissesse que não foi invenção minha, jamais acreditou, continuando grata a mim, e, generosamente Isabel, verdadeira autora da ideia, deixou que fosse assim. O teatro, infelizmente, não durou muito, como nossos belos, ambiciosos e tesudos projetos de revitalização da Lapa, nos quais só levamos ferro. Capítulo VIII Ângela Quando conversamos sobre este livro, Isolda me disse que se sentia naquele momento com serenidade para falar sobre Ângela, como nunca se sentira antes. Acreditei que tivesse conseguido de uma maneira muito dela entender todo o processo da perda de sua amada filha, porque me falou de um jeito terno, com uma mansidão... Infelizmente não deu tempo de nos aprofundarmos, por isso, reproduzo com delicadeza trecho do que deixou escrito há alguns anos. Nem a partida do sobrinho Antonio Pedro, de seus pais e de seu querido irmão Ivan machucou tanto aquela mulher forte e positiva, sempre determinada e altiva. O vulcão de sua alma não cuspia mais fogo, tinha se aplacado e seguia incandescente. A peça Narizes Vermelhos me ajudou a sobreviver. Eu estava em pânico total durante todo o tempo, mas o trabalho me fortalecia, tinha meus preciosos amigos que me ajudaram a segurar aquela barra, e tinha o Ney Matogrosso, que me acudiu em todos os momentos de crise que passei. Que pessoa maravilhosa é o Ney! Nessa época fui vê-lo no show As aparências enganam e, além do grande cantor que é, eu via uma luz que emanava dele, essa luz não era desse mundo, pra mim ele é um anjo que está em missão de ajudar as pessoas neste planeta. Ele me deu muita força para continuar viva, nunca me esqueço de sua frase: respira fundo, e vai... Ney Matogrosso conheceu Isolda nos anos 70, quando chegava ao Rio de Janeiro: Eu estava morando pela primeira vez no Rio, ela foi em minha casa com um amigo, estava de botas, e quando sentou, tirou um punhal da bota e colocou na mesa. Eu achei uma mulher muito interessante e perguntei por que usava aquele punhal, e ela disse: pra me defender. Depois eu soube que ela participava do movimento estudantil, dando proteção. A partir desse dia nunca mais nos afastamos. Assistia aos meu shows, vinha aos meus aniversários, conversávamos pelo telefone, assim, ficamos amigos. Antes disso, já era amigo de sua filha Ana, em Brasília, sem saber que era filha de Isolda. Agora, o grande problema da perda é quando a gente estaciona nela, né? Perder um filho deve ser uma coisa dilacerante, é antinatural... Quando vi que ela estava muito arrasada, conversei sobre a passagem da vida, como tudo é tão transitório, estamos todos em trânsito. Não dá pra estacionar na dor. Aquilo deve ter feito bem, porque Isolda saiu do buraco em que estava, e me disse: é isso mesmo. Despedida Em 1994, acabou a peça, e eu tive mais tempo de ficar com Ângela. Passei uns tempos com ela, Ana e as crianças em Miguel Pereira e vi que estava mudando comigo. Ela tinha um temperamento diferente do meu, não era dada a agarramentos, mas nesses dias ela estava muito carinhosa comigo. Passeávamos de mãos dadas, nos abraçávamos... Terça feira, dia 12 de abril de 1994 às 15h30, partiu, sem um lamento, parecia um anjo. Não posso explicar o que senti, pois tenho certeza que foi um espírito de luz que me deixou em estado de choque. A última coisa que eu fiz no hospital foi ligar para o Ney. A gente se falava muito no telefone, não era aconselhamento, porque ninguém dá conselho, eram dois amigos conversando sobre determinados assuntos. Se você ficar chorando, não libera, qualquer apego que tenha, vai manter próximo o que tem que seguir... O nosso pensamento é muito poderoso, fica puxando, atraindo. Não estou falando da alma, estou falando do que for, do que sobra de uma pessoa, conclui Ney. Poema que minha filha Ângela fez pra mim: MINHA MÃE JOGA BOLA DE GUDE e de gole em gole, engole pílulas! Bonita botá botou desarruma tudo. Procura no fundo da gaveta o papel importante. Conserta com amor cuida e descuida joga com a vida sente medo sempre sofria com seu medo. Sempre pedi pra você não sofrer já viu, ofereci pra ficar no seu lugar! Voa atriz querida, levada, danada descobre tudo confia na tua sorte te quero muito, te agradeço muito teu caminho, na força, te cuida, mãe, preciso de você o tempo é terrível, mas faz parte você é linda! Joga com a terra redonda que nem bola, sofre de tédio, faz contas, não gosta de frutas, nem de música só rock, só se tocar o coração, bonita e querida aproveita a vida. Deixa pra dormir depois. Ainda tem muito o que fazer. vou te dar um cachorro e um carro com chofer uma máquina de escrever um tênis, um patinete, um vídeo, filmes da Marylin um vidro de pílulas e uns óculos escuros. Minha mãe tem medo do tempo e da sorte. Mãe que brigou por tanta gente você vence e vencerá sempre. Abra os olhos de cristalino, anda nos caminhos do mundo. Aproveita aqui para depois deixar de exemplo, amor, furor, alegria e força. Beijo da tua filha Ângela Capítulo IX Oh, Que Delícia de Ôô! Os últimos anos de vida de Isolda foram passados em casa no mesmo apartamento da Baronesa de Poconé, onde tantas emoções movimentaram sua vida. Saía pouco, e quando ameaçava ou prometia, acabava dando uma desculpa e desistia. À sua volta, livros e mais livros. Como adorava ler, estava sempre com um ou mais abertos em sua cabeceira. Escrevia diários desde a adolescência e até o fim da vida, talvez por isso, manejava bem com os inesperados do cotidiano, sabia de onde vinha e pra onde ia. Morava com Dedé, a empregada que virou amiga, e com Elvis, seu fiel golden retriever e, pelo telefone, comandava o seleto arsenal de amigos que sempre lhe cercaram, ao mesmo tempo que mantinha sintonia direta com a filha Ana e os netos Lao, Rosa Morena, Laila e Clara. Os papos pelo telefone podiam ser longos, ou simplesmente ligava, e dizia: liguei pra dizer que te amo, um beijo. E desligava. Os quatro netos se deliciaram com esse sorvete de vulcão, a avó mais fora dos padrões de comportamento de uma matriarca convencional. Pela ordem, nasceram Lao, Rosa Morena, Laila e Clara. Lao e Clara são filhos de Ana Christina com Carlos Affonso, e Rosa e Laila, de Ângela Vitória com Cláudio Roberto. Mas a chegada do primeiro neto aos 50 anos, deu um susto em Zozô, seguido da descoberta da sua missão de avó, como recorda Ana Christina: Uma amiga da mamãe teve um sonho com a vovó Rosetta, no qual ela aparecia e mandava um recado pra filha, dizendo que ia mandar uma criança pra ela, e que seria a grande alegria de sua vida. No dia seguinte, eu falei pra ela que estava grávida, mamãe ficou assustada e falou: vou me matar! Ser avó representava uma coisa de velhice, poderia até ter a ver com perda de beleza, mas quando o Lao nasceu, aquele bebê lindo, ela se entregou, vinha todos os dias, fazia poemas pra ele, ficou muito feliz. Lao de Andrade, 30 anos, formado em comunicação, trabalha com audiovisual, vídeo e cinema. Além de abrir a dinastia dos descendentes varões, tornou-se uma pessoa muito especial na vida de Zozô, ou melhor, Ôô: Pelo que me contam, na época ela estava muito deprimida, e quando eu nasci deu uma acalmada nela, teve uma crise no início, mas depois, por ter chegado o primeiro neto homem, ficou feliz. A gente tinha uma relação muito forte, muito intensa, desde pequeno. Era uma ligação diferente que ela tinha com as outras netas e com minha mãe. Ela odiava ser chamada de vovó, e como todo mundo a chamava de Zozô, e eu não conseguia pronunciar, falava Ôô. Aí ficou, todas as netas, e eu, sempre a chamávamos assim. Rosa Morena, 29 anos, e a irmã Laila vivem em Miguel Pereira com seus filhos, Davi de 3 anos e Maria Morena de 5 anos, respectivamente. Rosa assimilou muito da personalidade da avó: Ôô era muito engraçada, vivia no palco, gostava de fazer personagens, a bruxa assustadora, a neném que tinha uma vozinha bem infantil, pedindo que a gente fizesse cosquinha nela... Contava histórias do Juca e Chico, do João Felpudo que não podia chupar o dedo senão seu dedo era cortado... Ela estava sempre intensa, nos táxis falando alto, muito escandalosa, mas muito prática também. Eu também faço diário desde adolescente, acho que foi dela que eu peguei isso, e muitas outras coisas também. Ela teve uma participação importante em nossas vidas depois que mamãe morreu, acho que substituiu fisicamente , e nos encheu de proteção. Laila Andrade de Azeredo, 28 anos, tem o temperamento extrovertido da avó: Nós éramos muito parecidas, eu brigava muito com ela, a gente entrava em atritos diversos, eu não sou nada passiva, e acho que isso é muito da Ôô. Teve um acontecimento que ela teve uma reação careta que nunca poderia imaginar que ela tivesse, foi quando perdi a virgindade, e minha avó ficou enlouquecida, ficou histérica, me levou pra fazer exame, ficou superpreocupada. Eu entendi que tivesse ficado preocupada, queria fazer o melhor dela pra mim. E até acho que ela resolveu algumas coisas dela com a gente, os netos, coisas que talvez não tivesse conseguido resolver com as filhas, que foram criadas pela minha bisavó. Ao mesmo tempo que ela foi uma mãe diferente, foi também uma avó diferente. Clara de Andrade, 29 anos, é atriz como Zozô, formada pela Uni-Rio, onde atualmente faz licenciatura, e atua no Grupo Sarça de Oreb. Ôô a considerava sua sucessora: Ela foi o meu exemplo, minha primeira referência de atriz, foi ela que me deixou essa sementinha. Com 9 anos fui estudar teatro com o Pessoal da Laura e logo em seguida fiz uma participação na série Anos rebeldes da Globo. Ela me estimulou muito, e fez questão que eu assinasse Clara Cresta. Depois eu fiz a Narizinho do Monteiro Lobato em Viagem ao céu, e o mundo do teatro me atraiu. Fui para o Colégio São Vicente estudar teatro com o Almir Telles, e ele me botou mais pé no chão, me tirou aquele glamour que eu tive inicialmente, meio parecido com a realidade da Ôô. Do São Vicente, Almir me convidou para integrar o Grupo Sarça de Oreb, e quando fiz Brasil nunca mais, ela foi me assistir, e depois disse: estou muito orgulhosa, o seu olhar estava mesmo de uma guerrilheira! Quando fiz o vestibular para a Uni-Rio e passei em primeiro lugar, ela disse que eu era a herdeira dela no teatro. Eu me sinto muito honrada por isso. Dedé é Maria Eredina Mota, nascida na praia de Iracema, Fortaleza. Ela foi trabalhar para os Costa Pinto ainda jovem, e ficou 45 anos com Isolda. Mais que sua fiel escudeira, tornou-se amiga e confidente. Recentemente a família levou-a para residir em Miguel Pereira nas cercanias de Rosa e Laila, e com ela foi Elvis, o cachorro amigão de Zozô: – Eu convivi com a Zozô desde que a dona Rosetta se foi, morei com ela e as meninas no apartamento do Flamengo, e depois na Lagoa. Ela era tudo pra mim, mãe, irmã, filha, tia e pai!... E amiga, o que eu passei mais ela não foi de brincadeira, não, mas foi muito importante a minha convivência com ela, não era de empregada, era de amiga mesmo. O Elvis se chamava Barney, mas fui eu que dei o nome de Elvis pra ele, porque eu adoro o Elvis Presley, ele é o rei e será sempre. O nosso Elvis foi o rei da Baronesa de Poconé, e agora é daqui de Miguel Pereira, está solto, correndo, brincando com o Davi e a Maria... Lao é pai de Vitória de 4 anos, bisneta de Isolda, como Davi e Maria Morena: – Ôô tinha uma relação ótima com a Vitória. Todo mundo achava que com a chegada da bisneta, ela ia substituir o amor que sentia por mim por ela, mas não aconteceu isso, e mesmo com o Davi e a Maria Morena, que ela adorava também , o meu lugar ninguém roubou. Apesar de estar nos últimos anos recolhida, ela estava animada com a proximidade de fazer 80 anos. Almocei com ela uns dias antes de ir para o hospital, e conversamos sobre isso, ela queria comemorar comigo e com minha mãe, nós três fazendo números redondos neste ano: eu com 30 anos e mamãe com 60 anos. Esse negócio da morte, ninguém esperava, pegou a gente de surpresa. O código da atriz era real entre Isolda e Clara: Tivemos altos papos ultimamente. Eu ia almoçar com ela de vez em quando, mas primeiro tinha que pedir permissão à Dedé, ela me prevenia, senão tinha briga. Aí conversávamos sobre teatro, sobre a vida, sobre tudo, acho que tinha uma cumplicidade comigo, nós tínhamos um código de teatro. Ela me falava: só com você eu posso comentar esses assuntos... No final de março a gente se sentou no quarto dela, e ela se abriu, contando histórias do Orlando, do Paulo Autran, do Vianinha, falou da minha tia Ângela também, mas com muita suavidade, aí eu perguntei: nossa, como você conseguiu? Ela me disse assim: consegui, eu estou tão bem, sabe? Ela foi fazendo um balanço, e nós parecíamos duas amigas falando de seus namorados, amantes, com tanta naturalidade. Foi quando me disse que amou de verdade todos eles, mas tinha sido meu avô Miguel o grande amor da sua vida. Para Lao, a relação com Ôô foi marcada pelo amor imensurável que ele recebeu: Eu acho que foi a pessoa que mais gostava de mim, ela tinha muito afeto, me protegia, fortalecia minha autoestima, tinha uma coisa assim de amor irrestrito. Ela era um vulcão mesmo, agora... agora vou fazer o filme do livro! Epílogo Força da natureza O futuro do planeta Terra depende de uma mudança de consciência. A única esperança para o futuro está aí, ela tem que acontecer. É deixado aos homens decidirem se eles colaborarão para esta mudança, ou ela terá que ser imposta pelo poder das circunstâncias esmagadoras. Um pouco de luta é necessário. Tornemo-nos mais ricos com as tempestades – relâmpagos, trovões, tristezas – assim como a alegria e a felicidade. De uma parábola de Osho (Osho-NeoTarô- tradução de Swami Anant Nisargan): É uma parábola bem antiga porque, naquela época, Deus costumava morar na terra. Um dia, um velho fazendeiro foi a Deus e disse: olha, você pode ser Deus e ter criado o mundo, mas você não é um fazendeiro, não conhece o beabá da agricultura, você tem muito o que aprender. Deus disse: o que você sugere? E o fazendeiro respondeu: dê-me um ano, e permita que as coisas sejam de acordo comigo, e veja o que acontecerá, não haverá mais pobreza. Deus concordou e um ano foi dado ao fazendeiro. Ele só pediu o melhor, nada de trovões, nada de ventos fortes, nenhum perigo para a safra, tudo confortável e aconchegante. Neste ano tudo estava matematicamente certo. O trigo cresceu tanto que o fazendeiro foi a Deus: olha! Desta vez será tão farto que, mesmo que as pessoas não trabalhem por dez anos, haverá alimento suficiente. Mas ao fim da temporada, quando foi feita a colheita, não havia grãos. Surpreso, o fazendeiro perguntou a Deus: o que aconteceu, o que saiu errado? Deus disse: por não existir nenhum desafio, nenhum conflito, nenhum furacão, já que você evitou tudo de ruim, o trigo permaneceu impotente. Uma pequena fricção é necessário, assim como as tempestades, os trovões e os raios, eles movimentam a alma do trigo! Esta parábola pra mim tem um valor imenso. Se você for apenas feliz, a felicidade perderá o sentido. A noite é tão necessária quanto o dia, e os dias de tristeza são tão essenciais quanto os dias de felicidade. Isso eu chamo de compreensão, e quanto mais você percebe o ritmo da vida, da dualidade, da polaridade, você para de pedir o que escolher. Quando se segue a natureza das coisas, não existe nenhuma sombra. Apenas acolha a tristeza, ela não é sua inimiga, você será capaz de ver porque ela está ali. E sem ela você será menos, não mais! Lembro-me da menininha que eu fui, magrinha, com os olhos enormes, fazendo muita manha, rolando a Rua Maria Eugenia abaixo. Quando chegava na esquina, minha avó perguntava: mas Isolda, por que voce está chorando tanto? E eu respondia: me esqueci! Onde andará aquela menininha? Acho que sei, aqui mesmo, ela não me abandonou nunca. Não sei se isso é bom ou mal, sei que vou continuar, vou fazer essa menininha se acalmar. Vou! Deixo aqui meu amor, minha dor, meu coração que canta. Este foi mais um sonho que consegui realizar. Depôs Depoimento de Ana Christina de Andrade Isolda ôlda, catibiribôlda, serramatutôlda, firifirifôlda, Miguel, el, catibiribel, serramatutel, firifirifel, Ângela, catibiribêngela firifirifangela, Ana, catibiribana, serrabbatutana, firirifana... Eu morria de rir quando mamãe brincava com essas rimas doidas com nossos nomes e com os de todos que conhecia. Talvez seja uma das primeiras sensações onde me lembro de me divertir com ela. Mamãe era sempre uma emoção: ou me divertia, ou me apavorava: era mamãe, o filme. E, indubitavelmente, por vários motivos, que vou compreendendo à medida em que amadureço, minha alma escolheu a dedo esse filme, essa mãe doida e límpida, amorosa e atrapalhada, ansiosa e corajosa, irreverente, criativa, inadequada e engraçadinha. Unforgettable. Uma vez meu pai brigou com a cozinheira, a Lili, e minha mãe ficou tão chateada com ele que simulou o funeral da pobre Lili: botou na banheira lá de casa uma morta coberta por um lençol, cercada de velas e flores, dizendo que ela tinha morrido do coração por causa da briga com o papai. Era um teatro só, um susto só. Graças a Deus mamãe foi fazer teatro e canalizar essa expressão toda, ou pelo menos boa parte dela. No começo não gostei nada desta estória de teatro, eu tinha 9 anos, e por causa dessa nova escolha profissional de mamãe, o casamento de meus pais se acabou. Fiquei muitos anos com horror a teatro, e ia assistir de péssimo humor as peças infantis dela. Só anos depois, vendo-a fazer Ratos e Homens e Um Bonde chamado Desejo pude ceder à intensa emoção do milagre do palco, e também aceitar e admirar o talento materno. Ana Christina de Andrade Depoimento de Neila Tavares Amiga querida de tantas aventuras, atriz estupenda, como não se faz mais hoje em dia, Isolda cheirava a teatro, tomava o teatro na veia, como uma droga. O teatro era seu alimento, sua praia, seu país, sua terra. O teatro era seu cosmos. Por quê? Não sei, não se explica. Eu era menina, queria ser atriz, foi quando estreou no Teatro Gláucio Gil, Um Bonde Chamado Desejo. Maria Fernanda era a Blanche Dubois, e que Blanche! – como nunca vi nenhuma outra. A irmã era Isolda e o cunhado era o Carlos Alberto. O casal era só sensualidade, selvagem, grotesca, primitiva, animal e Isolda era um incêndio no palco. Um fogareu, uma égua, um búfalo, sei lá, era alguma coisa indomável, indomesticável, sem-vergonha de ser, um cio. Sua vitalidade de atriz e sua energia eram uma porrada, e você entendia por que a reprimida Blanche, diante da irmã, haveria de enlouquecer. Nos anos 70, trabalhamos juntas pela primeira vez, no filme de Adnor Pitanga, O Namorador. Na última cena do filme, eu (a nora) e Isolda (a sogra), quebrávamos o cenário – cada quadro, cada móvel – atirávamos tortas na cara uma da outra, escorregávamos em manteiga e açúcar, saladas de legumes e verduras cheias de azeite, caíamos de bunda no chão, estourávamos pratos, copos, quadros nas paredes, quebrávamos mesas e cadeiras. Era a cena, e nos divertimos como nunca, foi uma verdadeira catarse. Isolda era linda, e ficou linda até os últimos dias, até quando já avó e bisavó. Dessas mulheres lindas, de um feminino que não desaparece, não desiste. Uma sensualidade que insiste em ficar. Continua ali, quase como uma tormenta. Neila Tavares Depoimento de Norma Sá Pereira A Zô esteve presente em momentos marcantes da minha vida, com uma solidariedade tão generosa que, muitas vezes, acabava me deixando culpada. Nossos sonhos, nossos desejos de autenticidade eram comuns, e muitas de nossas limitações também o eram. Não sei se fui capaz de retribuir o apoio que recebi dela. Pelo me-nos em uma ocasião, sei que pude retribuir ao profundo desejo de autenticidade que a movia, e fazia com que se comportasse na vida como uma menina maluquinha. Isolda era a mãe da Ana, a primeira aluna da classe, que acabou se tornando minha melhor amiga. A Zô era colega da minha irmã no Tabla-do, e também parecia ser uma irmã mais velha, as famílias ficaram amigas. Quando entrei na clandestinidade, em 1969, até ser presa, em 1974, ela se tornou o principal contato entre mim e minha família. Qualquer emergência a gente podia contar com a Zô, e as emergências, algumas vezes, foram extremamente graves, implicando sérios riscos. Mas ela estava sempre lá, confortando meus pais e minha sogra, tomando atitudes imprescindíveis em momentos que eles ficavam paralisados pelo susto e pela apreensão. Muitos anos depois, lá pelos idos de 1988, vim morar e trabalhar onde moro e trabalho até hoje. A vida já tinha dado muitas voltas e a autenticidade que atraía a Zô era a de Raul Seixas, com todos os seus efeitos colaterais. Quase não nos encontramos durante estes anos, eu tentando encontrar meu eixo num espaço em Nazaré Paulista, cujo principal propósito é o de propiciar um ambiente tão livre de interferências externas que facilite a afinação da pessoa consigo mesma. Uma vez, eu trouxe a Zô para uma vivência aqui. E a espontaneidade límpida, de uma candura que raras vezes vi num ser humano adulto, brotou dela como em uma fonte livre de qualquer constrangimento. A forma de ela se sentar no chão, de cruzar as pernas se juntando às pessoas para o papo depois do jantar, a forma de se aproximar de um bicho-preguiça, resgatado com cautela do perigo que passou no meio da estrada... O aviso de se aproximar com cautela foi totalmente ignorado por ela, a Zô ficou tão encantada de se conectar com um bicho-preguiça que deve ter sido recíproco. Essas são as lembranças mais preciosas que eu tenho da Zô. Propiciar e usufruir tais momentos de espontaneidade, preenche meu coração por ter sido capaz de retribuir o muito que recebi dela. Quando ela voltou para o ambiente normal de inúmeras, contínuas e intrincadas pressões externas, sua experiência em Nazaré foi recebida com um certo sarcasmo incrédulo, daí talvez ela tenha reprimido, invalidado, esquecido estes momentos em que ficou tão integrada e afinada consigo mesma. Mas eu nunca esqueci como ficavam o rosto, os olhos e a expressão corporal de uma Zô totalmente livre e fluida. Norma Sá Pereira Depoimento de Cláudio Gonzaga Convivi com Isolda por muitos anos, e nos tornamos grandes amigos. Durante mais de uma década trabalhamos juntos em espetáculos do Teatro Carioca de Câmara. É claro que seria chover no molhado dizer do seu imenso talento de atriz, quem a viu em cena, amou. Os colegas, sempre tiveram em Isolda uma companheira solidária, no que esta palavra tem de mais importante: era possível sempre contar com seu carinho e apoio incondicionais. Era uma militante política de grande empenho. Muito do que se fez de bom para amenizar o sofrimento que a ditadura militar impunha a todos, e principalmente à gente de teatro, teve em Isolda uma ajuda amiga e desinteressada. Houve momentos em que tinha mais de um refugiado em sua casa, enquanto fazia o seu espetáculo no teatro. Terminada a apresentação, muitas vezes de volta à casa, levava lanches maravilhosos para eles no meio da noite. No caminho da Baronesa de Poconé em que morava, me pedia para parar o carro e diante de um bar, saltava dizendo: vou levar uma garrafa de conhaque para o pessoal que ninguém é de ferro para aguentar não poder sair de casa. Depois me telefonava: Cláudio, agora vou dormir sossegada. Alimentei as crianças e dei conhaque para aliviar o espírito deles. Aproveitei pra tomar um trago também. Contracenar com ela era uma delícia, porque estava sempre disposta a rir de coisas que em cena são engraçadas. Fazendo Bocage, uma colega tinha que fazer a troca rápida de roupa, pois fazia dois papéis de desenvolvimento da trama. Numa vesperal de domingo, com a casa lotada, a colega trocou os figurinos, e entrou com a roupa errada. Era o momento em que eu, no papel-título, estava morrendo depois de uma vida de sofrimentos. Isolda, enquanto a outra dizia um texto que anunciava a prisão de Bocage pelo Santo Ofício, percebeu o engano e disse baixinho para mim in extremis: espia aquilo, a maluca está com a roupa de Goa na Índia, e nós estamos em Portugal, e agora? Sem solução, eu disse entre dentes que ela mandasse a colega sair de cena. Em seguida, ela disse com voz forte: vá, minha filha, vá para Portugal que o Bocage está lá. E a atriz rebateu: mas eu também estou em Portugal!... E Isolda: não está não, querida, olha a sua roupa. Em Lisboa ninguém se veste assim...Pronto, senhor Bocage, o problema está resolvido! Como nosso riso não queria parar, o pano foi fechado como num final de ato. Durante a temporada de Hamlet (ela fazia a Rainha Gertrudes), um dos figurantes que segurava uma grande cruz no enterro de Ofélia, começou a balançar demais a cruz. Isolda veio para o meu lado e disse:o figurante está bêbado outra vez, aquela cruz vai cair em cima de você. Cuidado, saia da marca. O nosso diretor Paulo Afonso de Lima admitia tudo, menos que alguém saísse da marca, no que ele fazia muito bem. Eu disse isso a ela, e o seu argumento foi esse: eu vou tirar a cruz da mão dele aqui mesmo.Com sua voz poderosa, falou: nobre cavalheiro que carrega a cruz, tenha a bondade de sair de cena! O figurante bem alto não ouviu, ela então resoluta, foi até ele, apanhou a cruz das suas mãos e a entregou ao rei Claudius, dizendo: querido, livre-se desta cruz antes que ela mate o nobre príncipe, meu filho. Aquele homem está completamente ébrio! A cruz foi deitada com muita dignidade no fun-do do palco, e um grande silêncio se instalou no elenco todo, pois ninguém ninguém conseguiria falar sem soltar uma gargalhada. Desta vez a plateia não percebeu nada, e em segundos o espetáculo continuou. Quando trabalhávamos com a Isolda, tínhamos a certeza de que estaríamos com uma excelente atriz em cena, e com um ser humano de qualidade na companhia. Cláudio Gonzaga Cartas de Paulo Autran A amizade entre Isolda e Paulo Autran era diária, imprescindível e absoluta, desde quando viajaram com Depois da Queda em 1964, depois nas temporadas de Édipo Rei e O Burguês Fidalgo em 1967/68, até a partida de Paulo em 2007. Não voltaram a atuar juntos, mas não se largaram mais. Visitas, cartas e telefonemas preencheram a distância e mantiveram acesa a chama de uma amizade sólida, cuja sintonia era importante para ambos, e onde a admiração era recíproca. De Porto Alegre em 1969, onde Paulo estava em turnê, ele lhe escreveu: Isolda, minha querida, adorei seus dramas e ri muito com eles. Deve ser formidável a gente se sentir Lincoln ao menos uma vez na vida. Quanto à macumba da outra, deixa pra lá, e vai em frente. Se eu souber que você andou metida em macumba também, seu cartaz vai mixar completamente pra mim. Cuca fundida misturada com macumba dá hospício na certa... Em seu diário de 1965, Isolda começa falando dele na quarta-feira, 8 de setembro: sonhei com Paulo Autran, que ele estava fazendo um show que era péssimo. Acho que foi por causa do Vitório Gassman... Não só amenidades e brincadeiras eles falavam na troca de correspondência, nas longas cartas os dois amigos refletiam sobre suas carreiras e ambições profissionais, como Paulo lhe escreveu certa vez:... Eu também estou perplexo, preocupado e me interrogando a cada momento. Não tenho qualquer certeza sobre a seriedade ou a utilidade ou o parafrentismo do que faço, mas acontece que enquanto não for descoberto o grande caminho vou na minha pequena vereda mesmo, trabalhando, lutando na prática, no palco, enfrentando e tentando conquistar, conquistar sim, o meu público. Bem, estou te chateando, não é, meu amor? Fui te escrevendo tudo que ando pensando, não são claros nem belos pensamentos, mas é o que anda por dentro de mim... Em outubro de 2003, Paulo escreveu: Isolda querida, tenho recebido seus telefonemas e suas cartinhas, sempre com muito prazer. Quanta saudade! Não há nada mais divertido do que lembrar nossas viagens. Você e Maria Regina diminuindo as saias em São Luis, lembra? Os macacos no zoológico de Belém! São tantas coisas.... O mico, o café-quente de Curitiba, as suas filhinhas de dois anos de idade! Não esqueço nada. Um beijo carinhoso... Em 2004, quando foi inaugurado o Espaço Cênico Isolda Cresta na Lapa, ele lhe escreveu, retornando o convite da amiga: Parabéns pela justíssima homenagem que te fizeram. Fiquei muito contente por você. Foi justamente no aniversário da Karin, e não deu pra sair de São Paulo. Adoramos, ela e eu, a foto do teu labrador. Karin tem duas, uma preta e outra cor de mel. Em maio, devo estrear nova peça, antes vou viajar um pouco com Quadrante que faço há 16 anos! No ano seguinte, Paulo queria dividir com Isolda momento especial em sua carreira, ainda na ativa com muito sucesso: Quanta saudade, nem parece que a gente mora no mesmo país! Estou morto de vergonha porque este cartão é para agradecer o que você me mandou de boas-festas, pode? O sucesso de Visitando o Sr. Green continua impressionante, lotando toda noite. A Cosac e Naïf deve lançar meu livro, Paulo Autran Sem Comentários, no mês que vem. Em maio, vou com a peça para Portugal. O filme A Máquina, do João Falcão, em que trabalhei, também vai ser lançado logo. Como você vê, estou felicíssimo! Um beijo muito carinhoso... Em 2007, Isolda recebe o mesmo cartão timbrado escrito Paulo Autran, só que assinado por sua companheira Karin Rodrigues, Paulo havia partido: Isolda querida, comovida agradeço seu carinho e solidariedade neste momento tão difícil. Um abraço, Karin Rodrigues. Cai o pano. Cronologia Teatro 1960 • Sangue no Domingo De Walter Durst , direção de Ziembinski. Com Vanda Lacerda, Ronaldo Daniel, Maria Esmeralda Forte e Ivan Senna • Plá, Plé, Pli, Plutão De Sila Moreira. Direção de Helio Monterrey. Com Nei Roldan, Ginaldo de Souza, Deisemar Moreira, Olinda Altberg, Igor Torres, Sheila Juno e Dora Azevedo • Dona Rosita, a Solteira De Garcia Lorca. Direção de Sérgio Viotti. Com Maria Clara Machado, Marta Rosman, Ana Maria Magnus, Leila Ribeiro, Rosita Thomás Lopes e Maria Miranda 1961 • Frenesi De Charles Peyret-Chappuis. Direção de Henriette Morineau. Com Yolanda Costa, Hélio Duda, Mirian Pires, Vitor Schneider e Myrian Pérsia 1962 • General de Pijama Autoria e direção de Aurimar Rocha. Com Aurimar Rocha, Jurema Magalhães, Roberto De Cleto, Reinaldo Dias Leme e José Policema • Ratos e Homens De John Steinbeck. Direção de Aurimar Rocha. Com Jorge Cherques, Aurimar rocha, Antero de Oliveira, Antonio Victor e Roberto De Cleto • Família Pouco Família De Gerald Savoy. Tradução de Isolda Cresta e Aurimar Rocha. Direção de Antonio de Cabo. Com Márcia de Windsor, Helena Ignez, João Paulo Adour, Laura Suarez e Roberto De Cleto 1963 • Um Bonde Chamado Desejo De Tennesse Williams. Direção de Flávio Rangel. Com Maria Fernanda, Carlos Alberto, Erico de Freitas, Laura Cherques, Rofran Fernandes, Jorge Cherques, Oswaldo Waddington e Rosetta Costa Pinto. * Remontagem em 1966 • Boeing Boeing De Camoletti. Direção de Adolfo Celi. Com John Herbert, Leina Krespi, Carminha Brandão, Suely Franco e Francisco Cuoco. * Substituindo Eva Wilma em viagem 1964 • Pena Ela Ser O Que Ela É De John Fordireção de Martim Gonçalves. Com Lea Bulcão, Heleno Prestes, André Valli, Enio Gonçalves, João das Neves, Diana Antonaz, Celso Marques e Carlos Guimas • A Quinta Cabeça De Marcel Aymé. Direção de Mauricio Shermancom Milton Moraes, Lourdes Mayer, Francisco Milani e Vera Gertel • Depois da Queda De Arthur Miller. Direção de Flávio Rangel. Com Maria Della Costa, Paulo Autran, Márcia Real, Dina Sfat, Suzy Arruda, Emiliano Queiroz, Juca de Oliveira e Lino Sérgio * substituindo Teresa Austregésilo em viagem 1965 • Electra De Sófocles. Direção de Antonio Abujamra. Com Glauce Rocha, Margarida Rey, Emilio Di Biasi, Norma Blum (depois Thais Portinho), Sérgio Mamberti, Carlos Vereza, Tetê Medina, Carlos Miranda e Creuza Carvalho 1966 • Verde Que Te Quero Verde De Garcia Lorca. Direção de Amir Haddad. Com Maria Fernanda, Roberto de Cleto, Rofran Fernandes, Paulo Padilha e Martim de Bilbao • As Troianas De Euripedes em adaptação de Jean Paul Sartre. Direção de Paulo Afonso Grisolli. Com Maria Fernanda, Margot Baird, Germano Filho, Alzira Cunha, Carmem Sylvia Murgel, Oscar Felipe e Diana Morel 1967 • Édipo Rei De Sófocles. Direção de Flávio Rangel. Com Paulo Autran, Teresa Rachel (depois Cleyde Yáconis), Oscar Felipe, Isabel Ribeiro, Germano Filho, Antonio Ganzarolli, Jura Otero e Antero de Oliveira 1968 • O Burguês Fidalgo De Molière. Direção de Ademar Guerra. Com Paulo Autran, Isabel Ribeiro, Margarida Rey, Oscar Felipe, Maria Regina, Paulo Augusto, Antonio Ganzarolli, Jorge Chaia, Lenine Tavares, Carlos Miranda e João Vieitas 1969 • O Avarento De Molière. Direção de Henri Doublier. Com Procópio Ferreira, Paulo Padilha, Thais Portinho, Erico de Freitas, Maria Lucia Dahl, Alvim Barbosa, Jorge Chaia, Luiz Carlos Laborda, Celso Cardoso, Nelson Mariani e Nilson Rezende 1970 • Odorico, o Bem-Amado De Dias Gomes. Direção de Gianni Ratto. Com Procópio Ferreira, Iracema de Alencar, Antonio Ganzarolli, Ruth Mezeck, Alvim Barbosa, Maria Helena Velasco, Waldir Maia, Celso Cardoso, Nelson Mariani, Luiz Carlos Laborda e Toni Ferreira • A Ratoeira De Agatha Christie. Direção de Antonio de Cabo. Com Orlando Miranda, Alvim Barbosa, Miriam Carmem, Vanda Lacerda, Leonardo Villar, Nelson Mariani e Antonio Victor 1971 • Tudo no Jardim De Edward Albee. Direção de Flávio Rangel. Com Maria Della Costa, Heloisa Helena, Napoleão Moniz Freire, Íris Bruzzi, Cecil Thirré, Moacyr Deriquem, João Carlos Barroso e Mauricio Loyola • Cordel De poetas de cordel. Direção de Orlando Senna. Com Conceição Senna, Chibé, Ângela Vitória, Nelson Mariani, Bayard Tonelli e Antonio Vasconcelos 1972 • Ascensão e Decadência de Irene Satã De Paulo Afonso de Lima. Direção de Cláudio Gonzaga. Com Esther Mellinger, Bayard Tonelli, Zaira Zambelli, Jurema Penna e Tetê Barroso 1973 • Botequim De Gianfrancesco Guarnieri. Direção de Antonio Pedro. Com Marlene, Ivan Candido, Thaia Perez, Oswaldo Lousada, Jorge Chaia, Eduardo Tornaghi, Otávio César, Paschoal Villaboim e Erico de Freitas (em viagem) 1974 • O Cordão Encarnado De Luiz Marinho. Direção de Luiz Mendonça. Com Gracinda Freire, Elke Maravilha, Elba Ramalho e Tânia Alves * em viagem • A Torre em Concurso De Joaquim Manoel de Macedo. Direção de Fernando Peixoto. Com Ankito, Betty Erthal, Waldir Maia, Ruth Mezeck, Antonio Ganzarolli, Angela de Castro, Antonio Pompeo, Regina Linhares e Paulão 1975 • Gota D’Agua De Paulo Pontes e Chico Buarque. Direção de Gianni Ratto. Com Bibi Ferreira, Roberto Bonfim, Oswaldo Loureiro , Beth Mendes (depois Cidinha Milan), Luiz Linhares, Sonia Oiticica, Isaac Bardavid, Norma Suely, Carlos Leite, Selma Lopes, Roberto Roney, Maria Alves, Angelito Mello e Geraldo Rosa 1976 • Era Uma Vez Uma Ilha Deserta Inspirado em A Tempestade de Shakespeare, autoria e direção de Paulo Afonso de Lima com João Carlos Barroso, Ivens Godinho e Tetê Barroso 1980 • Woyzeck De Georg Buchner. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Cláudio Gonzaga, Neila Tavares e Ivan Senna 1981 • Hamlet De Shakespeare. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Cláudio Gonzaga, Neila Tavares, Ângela Valério, Ivo Fernandes, Almir Telles, José de Freitas e Paschoal Vilaboim 1982 • O Suicídio De Nikolai Erdman. Direção de Paulo Mamede. Com Sérgio Britto, Luiz de Lima, Henriqueta Brieba, Laerte Morrone, Ana Lúcia Torre, Rui Resende, Miriam Carmem, José de Freitas, Athayde Arcoverde, Mauricio Loyola e Shedlamish Jaari • Noites Brancas De Dostoievsky. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Cláudio Gonzaga e Neila Tavares 1983 • Fausto De Goethe. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Cláudio Gonzaga, Neila Tavares, Marco Antonio Palmeira e Djenane Machado • A Milionária De Bernard Shaw . Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Beyla Genauer, Ítalo Rossi, Ana Lúcia Torre, Felipe Wagner, Roberto de Cleto, José de Freitas e Vinicius Salvatori • Édipo De Sófocles. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Cláudio Gonzaga, Neila Tavares, Richard Riguetti, Regina Rodrigues, Djenane Machado e Ângela Valério 1984 • A Garota do Gângster De Claudia D.Verde e Zeca Capelline. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Thais de Campos, Marcelo Ibrahim, Alexandre Marques, Fafy Siqueira e Ataíde Arcoverde 1985 • Bocage Autoria e direção de Paulo Afonso de Lima. Com Cláudio Gonzaga, Suzanne Carvalho e Regina Rodrigues • A Casa de Bernarda Alba De Garcia Lorca. Direção de Roberto Vignatti. Com Maria Fernanda, Nicette Bruno, Norma Geraldy, Ana Lúcia Torre, Ilze Quinderé, Eliane Giardini, Maria Helena Pader e Silvia Heller 1986 • Morte na Chácara De Carlos Henrique Escobar. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Erico de Freitas, Cláudia Magno, Cláudio Gonzaga, Maria Helena Pader, Almir Telles e Flávio Colatrelo 1988 • Vestido de Noiva De Nelson Rodrigues. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Rogério Fabiano, Neila Tavares, Isaac Bardavid, Isis Koshdosky e Sheila Mattos • Encontro Marcado De Ferrnando Sabino. Adaptação de Paulo Afonso de Lima. Direção de Augusto Boal com Kiko Mascarenhas, Kiki Lavigne e Gina Teixeira 1990 • Torquato Neto: Vida, Paixão e Morte o Poeta Autoria e direção de Neila Tavares. Com Juarez Lessa • Soltos na Vida De Carlos Aquino. Direção de Paulo Afonso de Lima. Com Teresa Briggs e Hugo Grossi. • A Comédia dos Erros De Shakespeare. Direção de Cláudio Torres Gonzaga. Com Suely Franco 1991 • Os Sete Gatinhos De Nelson Rodrigues. Direção de Marcelo de Barreto. Com Carlos Alberto, Flávia Monteiro, Rômulo Arantes, Melise Maia, Gláucia Rodrigues, Ovídio Abreu, Rose Abdala, Edmundo Lippi, Christiane Damato e Newton Martins 1992 • Dorothea De Nelson Rodrigues. Direção de Carlos Augusto Strasser. Com Thais Portinho, Maria Pompeu, Sura Berdichevsky e Inês Cardoso 1993 • Narizes Vermelhos (As Cachorras Quentes) Autoria e direção de Luiz Carlos Góes. Com Thais Portinho, Helena Ignez, Nill Neves e Rejane Zilles Televisão 1961 • Grande Teatro Tupi - TV Tupi Diversos autores, direção de Carlos Lage. Com Sérgio Viotti, Glauce Rocha, Ligia Nunes (Ligia Bojunga), Erico de Freitas, Milton Luiz, Carlos Alberto, Maria Pompeu, Mário Petraglia e Suzy Arruda • Teatrinho Trol - TV Tupi Diversos autores, direção de Fábio Sabag. Com Roberto De Cleto, Norma Blum, Zilka Salaberry, Edson Silva, Antonio Ganzarolli, Paulo Padilha, Jurema Magalhães, Mário Petraglia, Íris Bruzzi, Oscar Felipe, Neyde Aparecida, Erico de Freitas e Moacyr Deriquem 1965 • 222000, Cidade Aberta - TV Globo Direção de A.Fernandes. Com Jardel Filho e atores convidados 1973 • O Bem-Amado - TV Globo De Dias Gomes. Direção de Régis Cardoso. Com Paulo Gracindo, Lima Duarte, Ida Gomes, Emiliano Queiroz, Sandra Brea, Jardel Filho, Dorinha Duval, Arnaldo Weiss, Dirce Migliaccio, André Valli, Zilka Salaberry, Carlos Eduardo Dolabella, Valéria Amar e Lutero Luiz 1975 • Escalada - TV Globo De Lauro César Muniz. Direção de Régis Cardoso. Com Tarcisio Meira, Renée de Vielmond, Susana Vieira, Milton Moraes, Sandra Brea, Ney Latorraca, Leonardo Villar, Natália Thimberg, Sandra Barsotti, Apolo Correia, Cecil Thirré e Sérgio Britto • Pecado Capital - TV Globo De Janete Clair. Direção de Daniel Filho. Com Francisco Cuoco, Betty Faria, Lima Duarte, Rosamaria Murtinho, Emiliano Queiroz, Teresa Amayo, Maria Pompeu, Nestor Montemar, Lauro Góes e Sandra Barsotti 1976 • O Feijão e o Sonho - TV Globo De Benedito Ruy Barbosa. Direção de Herval Rossano. Com Nívea Maria, Cláudio Cavalcante, Lúcia Alves, Roberto Bonfim, Elisangela, Lauro Góes, Gracinda Freire, Átila Iório e Aurimar Rocha 1977 • Duas Vidas - TV Globo De Janete Clair. Direção de Daniel Filho. Com Francisco Cuoco, Betty Faria, Mário Gomes, Stepan Nercessian, Isabel Ribeiro, Luiz Gustavo, Susana Vieira, Heloisa Helena, Alberto Perez e Moacyr Deriquém 1983 • Bandidos da Falange - TV Globo De Agnaldo Silva. Direção de Jardel Mello e Luiz Antonio Piá. Com Betty Faria, José Wilker, Marieta Severo, Stenio Garcia, Ivan Setta, Maria Gladys e José Mayer 1984 • A Máfia no Brasil - TV Globo De Leopoldo Serran, Paulo Afonso Grisolli e Roberto Farias. Direção de Roberto e Mauricio Farias. Com Reginaldo Faria, Márcia Porto, Cláudio Mamberti, Nina de Pádua, Mário Petraglia e Paulo Villaça 1986 • Tudo ou Nada - TV Manchete De José Antonio de Souza. Direção de Herval Rossano e David Grinberg. Com Othon Bastos, Elizangela, Gracindo Jr, Vanda Lacerda, Edwin Luisi, Denise Bandeira e Teresa Amayo 1991 • A Grande Família - TV Globo De Oduvaldo Vianna Filho. Direção de Paulo Afonso Grisolli. Com Jorge Dória, Brandão Filho, Heloisa Mafalda, Luiz Armando Queiroz, Cristina Nunes, Paulo Araújo 1992 • Teresa Batista - TV Globo De Jorge Amado. Direção de Paulo Afonso Grisolli. Com Patrícia França, Othon Bastos, Zilka Salaberry, Emiliano Queiroz, Helena Ignez, Stepan Nercessian, Wanda Kosmo, Ivan Setta e Ivone Hofman • Carga Pesada e Caso Verdade - TV Globo Diversos autores e episódios. Direção de Herval Rossano Cinema 1964 • Viagem aos Seios de Duilia Direção de Carlos Hugo Christensen. Com Rodolfo Mayer, Natália Thimberg, Oswaldo Lousada, Sara Nobre e Lícia Magno 1973 • O Segredo da Rosa Direção de Vanja Orico. Com Regina Accioly, Breno Felício, Marisa Lopes, Adolpho Rosenthal, Jacques Quester e Maria José 1977 • O Desconhecido Direção de Ruy Santos. Com Luiz Linhares, Natália Thimberg, Mário Brasini, Rui Resende e Manfredo Colassanti 1978 • O Monstro de Santa Teresa Direção de William Cobbert. Com Luiz Armando Queiroz, Maria Rita, Zezé Macedo, Wilson Grey, Catalina Bonaki, Fernando Reski e Vitor Zambito • A Noiva da Cidade Direção de Alex Viany. Com Elke Maravilha, Roberto Batalin, Betina Viany, Jorge Gomes, Lea Garcia, Paulo Porto, Gracinda Freire e Vera Setta • O Namorador Direção de Adnor Pitanga. Com Luiz Armando Queiroz, Solange Couto, Neila Tavares, Catalano, Maria Pompeu e Fernando Reski 1982 • Dora Doralina Direção de Perry Salles. Com Vera Fischer, Perry Salles,Cleyde Yaconis e Jô Soares 1984 • Amor Maldito Direção de Adélia Sampaio. Com Wilma Dias, Monique Lafond, Emiliano Queiroz, Maria Leticia e Tony Ferreira. 1986 • O Homem da Capa Preta Direção de Sérgio Rezende. Com José Wilker, Marieta Severo, Carlos Gregório e Guilherme Karan Premiações no Teatro: 1963 • Melhor atriz coadjuvante – Prêmio da Crítica – Um Bonde Chamado Desejo 1973 • Melhor Atriz – Prêmio Governador do Estado -Botequim Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Introdução – Luis Sergio Lima e Silva 13 Separação & Mergulho no Teatro 21 Nasci para ser livre 35 No teatro profissional 71 Prisão 91 Palco e Militância 113 Botequim & Gota D’Agua 153 Décadas derradeiras no teatro 165 Ângela 183 Oh, que Delícia de Ôô ! 189 Força da natureza 199 Cronologia 223 Crédito das Fotografias Todas as fotografias pertencem ao acervo de Isolda Cresta, salvo indicação em contrário Desenho de Lan para peça O Burguês Fidalgo 10 Antonio Augusto Fontes 70 Carlos 31, 126, 127, 128, 159 Ney Robson 152, 160, 161 A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz Villaça Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sérgio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico García Lorca – Pequeno Poema Infinito Roteiro de José Mauro Brant e Antonio Gilberto João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? 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Série perfil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-788-1 1. Atores e atrizes de cinema – Biografia 2. Atores e atrizes de televisão – Biografia 3. Cresta, Isolda , 1929-2009 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia : Representações públicas : Artes Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800 01234 01 sac@imprensaoficial.com.br Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria