José Renato Energia Eterna Hersch Basbaum São Paulo, 2009 Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fize­ram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emo­ções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretan­do obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitá­vel reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais va­riadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a pró­pria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbo­los da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo culturalparaesse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se recons­titui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na pri­meira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resul­tados obtidos ultrapassam simples registros bio­gráficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e bio­grafado se colocaram em reflexões que se esten­deram sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pen­samento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identida­de consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filma­gem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Introdução Era o Brasil em processo de mudança. Em 1920, Washington Luís Pereira de Souza assume como presidente eleito e, em 1924, Carlos de Campos o substitui. Em 5 de julho, tem início o movimento revolucionário comandado pelo general Isidoro Dias Lopes. Tempos quentes na vida política. Processavam-se lentas mudanças e a capital federal, na época, o Rio de Janeiro, não fazia refletir com evidência as transformações culturais que o momento vinha impondo. O seu teatro e mesmo a sua literatura não tinham ainda sido bafejados pelo movimento lento que vinha provocando sopros de ventos renovado­res, em formação, e cujo epicentro seria mesmo a capital bandeirante. São Paulo, na década de 20 era, na verdade, pouco mais que uma pequena cidade, mas já era matriz cultural de todo o Estado e pólo de atração das unidades vizinhas, com teatros, museus, grêmios literários e outros fatores de intensa e frutuosa vida espiritual e intelectual que levariam à Semana de Arte Moderna e, mais tarde, à criação de Uni­versidade. Não teria meio milhão de habitantes, dos quais boa parte ou a maior parte formada por imigrantes, predominando italianos, árabes, espanhóis e judeus. Em 1920, um terço da popu­lação da cidade era formada por imigrantes. Esse é o traço que fez a grande diferença. Aquilo que o negro fez com o Rio de Janeiro, influenciando a maneira de falar, de andar, a religião, a musicalidade, a comida, o italiano fez com a paulicéia, interferindo em sua ali­mentação, em seu sotaque, nos nomes de sua população, nos folguedos e nos ícones. Ninguém melhor do que Alcântara Machado descreveu com firmeza e detalhes a vida da classe média urbana que se vinha formando em São Paulo àquela época. Retratou os gostos e os costumes, recortando personagens não mais das classes altas ou das elites, mas da classe média baixa em sua vida humilde. Mas nem o Rio e nem São Paulo viram o teatro acompanhar as mudanças registradas no com­portamento, na cultura. Fato que se deu muito mais tarde. Disse Alcântara Machado que o teatro nacional, como muita história nossa, não é nacional. Os assuntos vêm de Paris. Ou melhor, o comedió­grafo brasileiro imagina um enredo que ele jul­ga parisiense. Às vezes, é mesmo. Pura farsa ou comédia de costumes. Chama os personagens de Cotinha, Serapião, Chico Biscoito, Doutor Novais, Madame Carvalho. E pensa que faz teatro nosso! O cúmulo. Resultado: o absurdo delicioso de peças de costumes nossos, mas com essência e trejeitos parisienses. É fantástico. É irreconhe­cível. Peças auriverdes, de fato, são raríssimas: eu conheço Juriti, de Viriato Correia, e Mimoso Colibri, de Armando Gonzaga. Se há outra, ignoro ou não me lembro. Mas acho que não há. É só vendo a pobreza dos tipos. Sempre os mesmos. Sempre a criada pernóstica e mulata, que diz coisas em francês de Bangu. Sempre o casal de fazendeiros analfabetos e o moço que chega da Europa. Sempre o novo-rico português. Sempre a menina piegas. Sempre essa gente. Só ela. Sempre. A cena nacional ainda não conhece o cangaceiro, o imigrante, o grileiro, o político, o ítalo-paulista, o capadócio, o curandeiro, o industrial. Não conhece nada disso. E não nos conhece. Não conhece o brasileiro. É pena. Dá dó. E a descrição feita por Décio de Almeida Prado é esclarecedora e convincente: O nosso teatro, por essa época, era formado por salas construí­das em sua maioria sob a forma de cine-teatro, para atender tanto uma quanto a outra arte, e se localizavam no centro da cidade. O edifício, em si mesmo, obedecia a padrões arquitetôni­cos do século 19, com palco amplo, com boa altura, para que os cenários de papelão ou de pano pudessem subir ou descer com facilidade. Os espectadores distribuíam-se por vários planos – platéia, balcão e galeria –, de acordo com a hierarquia social . Já havia todo esse arcabouço, essa moldura, enquadrando a cidade, tendo, de um lado, a vanguarda intelectual, e, de outro, um forte lado provinciano que era representado pela constante migração de gente do interior para a capital do Estado, quando apareceu no mundo o paulistano batizado de Renato José Pécora, personagem desta narrativa com o nome de José Renato. Trata-se aqui da história, na verdade a biografia, de um sujeito cuja trajetória de vida coincide com a própria história do teatro paulista, por extensão brasileiro, por quase toda a segunda metade do século 20. Nosso personagem foi testemunha e partícipe de alguns dos mais ex­pressivos e decisivos momentos dessa história. O que se registra a partir desse período é funda­mentalmente ligado à paulistanidade, espaço e espírito conjugando-se para inaugurar um teatro próprio em terras bandeirantes, que iria mudar as artes cênicas em todo o País. Até então, São Paulo era praticamente uma das praças para onde iriam, de tempos em tempos, as compa­nhias da antiga capital da República. E outras vindas do exterior. A propósito, escreveu Alfredo Mesquita que São Paulo não tinha seu teatro próprio, sendo obriga­da a se contentar com as companhias estrangeiras – algumas de ótima qualidade – que a visitavam periodicamente, assim como as nacionais vindas do Rio, cujas temporadas, no seu desolador estilo mambembe – despertavam pouco interesse. As palavras de Alfredo Mesquita não escondiam aquilo que já observava desde antes, ou seja, a rivalidade, e mesmo disputa, entre Rio e São Pau­lo, em torno da hegemonia nacional. São Paulo sempre se achando excluída do poder decisório e não se conformava com o Rio sendo o centro das decisões. Euclides da Cunha e Lima Barreto já haviam polemizado sobre o assunto. Defendendo a hegemonia paulista, Euclides argumentava que na região residiria a sede da civilização mameluca dos bandeirantes e por isso São Paulo deveria ser o foco da história do Brasil... Mas Lima Barreto retrucava afirmando que é no Rio que está o modelo da sociedade mestiça, que seria a única capaz de garantir o padrão da homogeneidade étnica do País. São Paulo seria a capital do espírito burguês, enquanto o Rio revelava-se como centro essencialmente cosmopolita e corrupto, voltado para fins puramente materiais. Mas o espírito bandeirante se movimentava. Se a famosa Semana de Arte Moderna teve sua importância repercutida na antiga capital fede­ral, não altera o fato de que a mesma aconteceu na capital bandeirante. Preparavam-se também mudanças no teatro brasileiro e um grupo de intelectuais da maior importância vinha arti­culando as transformações decisivas em nossas artes cênicas. Surge, em termos amadores, o Grupo de Teatro Experimental, em 1942, que já propunha grandes revoluções estéticas, criado por Alfredo Mesquita. Coube, entretanto, a Brutus Pedreira e Tomás Santa Rosa, diretores do grupo carioca Os Co­mediantes apresentar, em 1943, o primeiro ato da aventura épica de mudanças em nossa dramaturgia. Através de uma única temporada e de um único espetáculo, dirigido por um po­lonês refugiado, o grande Ziembinski, o grupo conseguiu encenar Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Mas estranhamente, não teve se­quência significativa no próprio Rio de Janeiro, de tal sorte que o segundo e demais atos foram mesmo postos em cena em São Paulo e, dessa vez, de forma definitiva. A revolução paulista veio para ficar. O Grupo de Teatro Experimental durou seis anos e foi dele que saiu, em 1948, o projeto da Escola de Arte Dramática, do próprio Alfredo Mesquita. Pela mesma época, em 1943, Décio de Almeida Prado organizou e dirigiu o Grupo Universitário de Teatro, ligado à Universidade de São Paulo. Ainda, conforme relata Alfredo Mesquita, Fran­co Zampari, industrial italiano, interessado no trabalho dos amadores e conhecedor de seus problemas, resolveu construir um teatro espe­cialmente para eles. Mas não foi exatamente isso o que ele fez: alugou um prédio na Rua Major Diogo, reformando-o à sua custa, transforman­do-o em teatro, fundando o Teatro Brasileiro de Comédia, inaugurado em outubro de 1948. O celebérrimo TBC. Mesmo assim, era pouco. Em 1952, escreveu Dé­cio de Almeida Prado que em matéria de teatro, São Paulo ainda é provinciano: poucas casas de espetáculo e o desinteresse mais ou menos ge­neralizado do povo por esse gênero de atividade artística pode ser atribuído à concorrência do cinema. O teatro, dispondo de parcos recursos de ordem técnica e de ordem humana – falta de bons artistas e de bons autores – não pode lutar contra o cinema. Com uma população da ordem de 2,2 milhões, SP possui apenas seis teatros: o Municipal, com 1.665 lugares, o São Paulo, com 1.320 poltronas, o Santana, com 1.336, o TBC com 365 lugares, o Cultura Artística, com duas salas, a maior comportando 1.563 pessoas e a menor comportando 400 espectadores. Mas, pouco tempo depois, o mesmo Décio de Almeida Prado, em 1956, escreveu no Estado de S. Paulo que a história do teatro profissional em São Paulo é curta: tem oito anos de idade, precisamente a idade do TBC. Compreender o TBC é, portanto, compreender, de certo modo, o próprio teatro paulista: foi à sombra dele que crescemos e nos formamos todos, atores, críticos ou espectadores. Deve-se à sua influência, não contrabalançada, a não ser recentemente por outras de igual peso – como a do Teatro Maria della Costa – a relativa homogeneidade do meio teatral paulista, bem maior, acreditamos, do que a de qualquer outra no Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, o teatro nascente teve de lutar contra os hábitos e as idéias do velho teatro: as posições oficiais, as posições-chave, ainda hoje são ocupadas por pessoas que se formaram antes e à margem do fluxo renovador. Em São Paulo, não: todo o nosso teatro pertence praticamente à mesma geração, de menos de 40 anos, partilhan­do princípios estéticos sensivelmente os mesmos. Essa questão de uma São Paulo apolínea e um dionisíaco Rio de Janeiro, ou seja, uma suposta rivalidade entre as duas cidades nunca teve qual­quer significação para José Renato, que desen­volveu sua empolgante carreira simultaneamente nas duas metrópoles, ora numa, ora noutra e, muita vez, simultaneamente, há 50 anos. Como poderemos ver adiante, nosso persona-gem, que nasceu para o teatro enquanto este verdadeiramente se formava ou se renovava, acabará por escrever novos e fundamentais capítulos da história, sem mesmo se dar conta, num primeiro momento, da plena significação do que fazia, ao provocar grandes rupturas estéticas. Essas vieram, entre outras coisas, a minar a esbelteza, a força e o sentido do Tea­tro Brasileiro de Comédia e seus congêneres que, por sua vez, já representavam a primeira grande sublevação. Evidentemente não foi a ação de uma pessoa, ou mesmo de um grupo, que veio abalar a estrutura do teatro tebecêutico, mas sim o seu próprio êxito, numa clara visão dialética. O sucesso artís­tico do TBC, sem dúvida em certo momento o maior do País, foi em grande parte um êxito de origem e fundo europeu. Quanto mais os dire­tores se foram integrando no Brasil, e em sua cultura, mais disseminadas foram as sementes que traziam. Receberam e exerceram influências, formando discípulos, estabelecendo uma espécie de simbiose com o meio, acabaram por preparar o caminho da superação de si mesmos, ou seja, conduzindo ao abrasileiramento de nosso teatro. E nisso, José Renato tem a inteira responsabili­dade de um autêntico pioneiro. Leia-se trecho da carta de despedida que Adolfo Celi enviou ao TBC, ao desligar-se da empresa: A razão fundamental que nos fez deixar o TBC foi pensar que, quanto maior o número de elencos houver, tanto melhor será para o teatro brasilei­ro. Serve para o nosso caso o conhecido exemplo da ameba, que ao dilatar-se muito, acaba por se dividir em dois. O TBC existe independen­temente das pessoas que o compõem. Daí a nossa saída não trazer prejuízos. Pretendemos, também, lançar mão de elementos novos, que dificilmente poderiam entrar no TBC a não ser para papéis secundários. É que o teatro da Major Diogo faz naturalmente, pelas necessidades de sua organização, contratos fixos e longos. Hersch Basbaum Capítulo I Os Primeiros Anos “Nasci em São Paulo em 1º de fevereiro de 1926. Minha família morava no centro, Rua José Bo­nifácio, coisa que para muitos parece não fazer sentido. Reconheço estranho esse endereço, mas parece que era um hotel. Meu pai era viúvo e casou com minha mãe. Ele já tinha cinco filhos do casamento anterior. Todos já maiores de idade quando eu apareci. Muitos já casados, de vida formada. Minha mãe vinha de uma família do interior, de imigrantes italianos. Quando tomei consciência, ou quando iniciam as minhas lembranças, morá­vamos na Alameda Campinas; depois mudamos para a Alameda Lorena; em seguida, ou algum tempo depois, meu pai abriu um armazém no Ipiranga, na Rua Silva Bueno. Recordo-me de tê­lo ajudado nesse armazém por alguns anos e de ter estudado numa escola de padres, lá no bairro. Depois viemos morar na Rui Barbosa, 708, numa casa que existe até hoje, ao lado do Teatro Ágo­ra, no bairro de Bela Vista. Isso foi em torno de 1935/40, e a lembrança é nítida, pois foi ali que meu pai faleceu, de um ataque cardíaco, naquela casa, num dia de São João, 24 de junho de 1940. O Brasil estava entrando na guerra. Eu trabalhava na cidade, havia o bonde Bela Vista, cujo ponto final era exatamente naquela esquina, Brigadeiro Luís Antônio com Rui Barbosa, e dali voltava até a Praça da Bandeira. Minha irmã e eu almoçáva­mos em casa, pois trabalhávamos ali por perto da praça. Eu, numa fábrica de papel gomado. Tomei o bonde a caminho do almoço e encontrei minha irmã que me falou que mamãe havia telefonado dizendo que meu pai estava passando mal. Quan­do chegamos lá ele já havia morrido. Aí começa uma série de dificuldades. Meu pai era uma grande figura, um batalhador incansável, mas acabamos descobrindo que ele era também um jogador inveterado, que desperdiçava tudo o que ganhava no jogo-do-bicho. Foi terrível. Mas continuei sentindo uma grande saudade dele. José Pécora era o nome dele, de origem italiana, napolitano. Minha mãe era de Florença. Algum tempo mais tarde compreendi a diferença que havia entre eles. Continuamos morando lá mais alguns anos e eu comecei e freqüentar alguns clubes. Eu gos­tava muito de esporte e costumava freqüentar vários deles, principalmente para nadar... Tietê, Espéria, Corinthians! Eu devia ter 15 ou 16 anos quando minha mãe descobriu que eu estava no Corinthians. Ela foi até lá, no parque São Jorge, exigir que eu saísse do clube, e que eu tinha de trabalhar. Uma vida dura nesse começo, mas, en­quanto eu cursava o ginásio, continuei fazendo esporte. Durante a guerra eu entrei num grupo de atletas que praticava esporte no Germânia. Mais tarde percebi que o treinador pretendia nos transformar numa Juventude Hitlerista. Dis­putei vários campeonatos por esse clube, que, por causa da guerra, mudou o nome para Clube Pinheiros. Lá, me enturmei com vários amigos que gostavam de poesia, misturavam literatura com esporte. Minha preferência esportiva era basquete e atletismo. Naquela época, a altura da pessoa não tinha tanta importância para o basquete (eu tinha 1,50 m); eram mais decisivos a esperteza e o drible. A altura no basquete co­meçou a valer na década de 70, principalmente por influência americana. De qualquer forma consegui ser um jogador bem razoável. Cheguei mais tarde a ser até treinador do time da fábrica Ramenzoni. E consegui também alguns recordes em atletismo juvenil. Os companheiros do Pinheiros e eu formamos um grupo legal que se encontrava aos domingos para os namoricos e os bailes. Através do grupo de esportistas, ganhamos o direito de sermos sócios do clube. John Herbert era desse tempo e fazia natação. João Havelange também fazia natação lá. Nesse grupo, havia uma senhora festeira, mãe de um dos amigos nossos, que resolveu organizar um grupo de teatro amador. Nessa época, comecei também outra atividade: com a sobrevivência minha e da minha mãe ameaçada, resolvi trabalhar num laboratório de prótese dentária, atividade na qual pude me especializar: cheguei a ter um laboratório do gênero, ali na Praça da Sé, no histórico prédio da Eqüitativa, em frente ao Edifício Santa Hele­na, igualmente famoso. Trabalhei alguns anos e consegui exclusividade com vários dentistas. Na verdade, eu estava me preparando para ser dentista. Estávamos em torno de 1946. No Pinheiros, naquele grupo de esportistas e fes­teiros, um dia, a tal senhora que dirigia o grupo, perguntou: Então, que peça a gente vai fazer? Eu – provavelmente para me vangloriar diante de alguma garota – falei que era capaz de escre­ver uma peça. E escrevi. Os Parentes da Julinha, um dramalhão desgraçado. Uma história que se passava num presídio onde um dos prisioneiros, muito respeitado lá dentro, benquisto pelos outros, era uma espécie de líder. Ele mantinha correspondência com Julinha, sua filha, que não sabia que o pai estava preso. Todos os presidi­ários se cotizaram para oferecer um presente à menina no dia do seu aniversário; no final havia a redenção do herói presidiário, pois se descobre que teria havido um erro da justiça. O grupo apresentou esse espetáculo no Pinhei­ros e conseguimos algum sucesso. A diretora foi dona Zoé, mãe de um companheiro, o Bira, que hoje mora no Morumbi, e que vez ou outra fala comigo. Essa foi minha primeira experiência e gostei bastante, trabalhando também como ator. Tudo amador. A gente queria era fazer esportes e namorar. O teatro era ainda uma brincadeira. E o meu trabalho de protético ia bem.“ Capítulo II O Teatro Como Vida “Em 1948 surgiu uma noticia: fora inaugurada a primeira escola de teatro aqui em São Paulo, a de Alfredo Mesquita e que iria funcionar a partir de junho no segundo andar de um prédio na Major Diogo. Eu estava fazendo também minha preparação para o vestibular e estudava no Co­légio Paulistano, ali na Rua Taguá, na Liberdade. Onde, hoje, é uma faculdade. Eu estava me preparando para a universidade e pensei: Não vou contar nada pra minha mãe. Fiz exame para a Escola de Arte Dramática e entrei. Éramos 36 alunos nessa primeira turma. Quem fez exame junto comigo foi o Leonardo Villar. Nós dois escolhemos para prestar exames um texto de Me­notti del Pichia, As Máscaras, um diálogo em versos sobre Arlequim, Pierrot e Colombina e entramos. Aí realmente começou minha paixão pelo teatro. Dos 36, formaram-se nove em 1950; dentre eles tiveram sucesso ( além de mim, é claro! ) Leonardo Villar, Monah Delacy, a mãe da Cristiane Torloni, Xandó Batista, que faleceu há já algum tempo. Os outros pararam e eu os perdi de vista. Alfredo Mesquita era um grande batalhador, uma pessoa rica que poderia usufruir de seu status, viajando e curtindo o seu dinheiro, mas optou por uma enorme dor de cabeça: o teatro e a escola. Curvou-se à sua paixão. Viajava por diferentes países e curtia o teatro, escrevia teatro e comandava um grupo amador aqui em São Paulo. Muita gente boa veio desse grupo, como Abílio Pereira de Almeida, Raquel Moacir, Caio Caiubí, e outros. Décio de Almeida Prado era muito ligado a ele, e ainda Cacilda Becker. De repente, resolveu catalisar essa paixão na escola. Juntou suas reservas e organizou a EAD. Chegava a trazer de sua casa caldeirões de sopa para os alunos. Uma pessoa extremamente dedicada, generosa e conhecedora do bom teatro. Tinha um gosto apurado e era preparado. E já havia escrito muitas peças. A EAD nunca deu lucro e nem me lembro se a gente pagava alguma coisa, embora eu guarde a impressão de que havia alguma cobrança sim, mas nada importante que fosse capaz de manter a escola. Era o próprio Alfredo quem segurava tudo com seu próprio dinheiro. Deve ser dito que ele foi buscar as melhores pessoas para formar o corpo docente, como a professora de dança, mímica e expressão corporal, a Chinita Ullmann, de prestigio internacional, que veio para cá e por aqui ficou. Vera Janacopolus, que foi a primeira professora de voz, ensinou a outra magnífica figura e que, mais tarde, veio substituí-la, Ma­dalena Lebeis. Enfim, havia professores de alto nível, como Lourival Gomes Machado, Clóvis Graciano, que gravitavam em torno do Alfredo. História de Te­atro era com Décio de Almeida Prado; Comédia, com Cacilda Becker; e havia o próprio Alfredo, que dava aula de Drama e generalidades, sempre afirmando que a gente tinha de dar sequência ao nosso pensamento, e que o grande problema da humanidade é que as pessoas abandonavam suas ideias no meio do caminho. Esse era um dos fundamentos que ele passava para os alunos. Nessa época acontecia o início também do Te­atro Brasileiro de Comédia (TBC). A Escola de Arte Dramática, na verdade, embora começando também em 1948, foi instalada em janeiro numa escola na Rua Augusta. (Externato Elvira Bran­dão) Em junho daquele ano é que passou para o prédio do TBC. Isso porque o Franco Zampari e Ciccillo Matarazzo, os grandes empreendedores, ofereceram para o Alfredo o segundo andar do prédio da Rua Major Diogo. Quando eu soube da EAD, ela já funcionava lá no prédio. Enquan­to no andar térreo e no primeiro andar estava sendo instalado o Teatro Brasileiro de Comédia, no segundo fixava-se a EAD. As relações de Zampari com Alfredo eram boas. O TBC começa com uma peça do Abílio Pereira de Almeida, que era amigo do Alfredo. Este, por sua vez, estava muito ligado às atividades do TBC. Não há dúvidas de que na vinda dos italianos deve ter havido o dedo do Alfredo, que indicava pessoas e ajudava a selecionar peças para o repertório do TBC. Da família Mesquita sabíamos do Júlio, irmão do Alfredo, que era ligado ao jornal e não se metia nas coisas do teatro e nem me lembro de nenhum apoio explícito do jornal às iniciativas do Alfredo. A EAD parecia não ser importante para a família, à exceção de uma irmã, Esther. Essa sim, ajudava, traduzia peças, participava, era uma intelectual interessada. Ajudou também à Sociedade de Cultura Artística, uma associa­ção de música. A Esther era muito ligada a esse grupo. A gente achava que a família Mesquita tinha três ramificações: a jornalística, do Júlio; a da música, da Esther; e a do teatro, do Alfredo. E não se misturavam.” Capítulo III Chegam os Italianos “Em 1949 começa a vinda dos italianos, com o Celi. Lembro da noite em que ele chegou e nos reunimos na porta do TBC esperando. Tive facili­dade em conversar com ele, pois falava italiano. Ele vinha chegando de Buenos Aires, onde estava trabalhando e veio chamado pelo Zampari. Esta­beleci logo ligações com ele, ansioso por saber o que se fazia de teatro nos lugares mais importan­tes do mundo. Ele tinha se formado pouco antes na Escola do Silvio D’Amico, em Roma; era jovem, tinha uma boa cultura, e logo impressionou a nós todos. Era uma iniciativa importante do TBC trazer gente daquele naipe para cá. Primeiro foi o Celi, e ficou algum tempo sozinho. Depois vieram outros. Ratto veio algum tempo depois. Eu já o admirava como o cenógrafo do Arlequim que nós havíamos visto com o Piccolo de Milano. A primeira direção do Ratto – para o Sandro e Maria Della Costa – foi a peça A Mo­ratória, de Jorge Andrade. Veio Flamínio Bollini, que fez Alma Boa de Set-Suan. Neste caso, o crédito por trazê-lo ao Brasil é de Sandro Polloni, mentor da Cia. Maria Della Costa. Por falar em Jorge Andrade, ele foi meu contemporâneo na EAD. Eu estava no terceiro ano, quando ele entrou na escola. A gente con­versava muito. Eu também escrevia e nós líamos coisas um do outro. Lembro de ter lido a primei­ra peça dele, em um ato, Areia Movediça, uma peça interessante, que foi discutida entre nós, os alunos. A gente se fechou numa sala e discu­timos horas e horas. Ele era mais velho que eu, e eu o sentia como alguém com muita firmeza de propósitos. Cheguei a dirigir uma peça dele, O Telescópio – não profissionalmente, mas para a escola mesmo. Nessa época eu participei de um concurso, promovido pelo Zampari, no qual três peças foram vencedoras. O TBC, no começo, tentou fazer isso para descobrir peças brasileiras. Foram três peças premiadas: Uma da Clô Prado, outra minha e outra de Miroel Silveira. Acaba­ram não montando peça nenhuma. A premiação foi através da Academia Paulista de Letras. A minha peça chamava-se Plantas Rasteiras. Escrevi pensando no Grande Otelo. Nunca cheguei a montá-la. Uma peça que se perdeu no tempo e nem posso pensar em encená-la, pois acho que ficou muito datada. Fala das relações das pessoas que vêm de fora para São Paulo, do Nordeste, e acabam vivendo miseravelmente em favelas. Zampari um dia perguntou, numa reunião na casa do Alfredo, quem era um tal de Pécora – aluno da EAD – que escrevia peças. Eu me apre­sentei, ele foi muito amável. E só. Eu aprendi muito com os italianos. Um deles era o Fábio Carpi, que tinha a vantagem de ser também um homem de letras. Ele tinha vindo para cá para escrever roteiros para a Vera Cruz, empresa de cinema que Zampari também havia organizado. Carpi era um homem fantástico, dirigiu o departamento de roteiros da Vera Cruz. Havia três pessoas nesse departamento, chefiado pelo Carpi; daí sairam Uma Pulga na Balança, e outros filmes. Teve um que foi quase todo escrito por mim, Na Senda do Crime, dirigido pelo Bollini. Éramos três pessoas trabalhando: Nonemberg, Mauricio Vasques e eu. Do Mau­ricio, uma pessoa inteligente, brilhante, nunca mais ouvi falar. Havia outros diretores italianos que vieram para o TBC e acabaram misturando seu trabalho com a Vera Cruz; Luciano Salce, por exemplo, era inteligente, sensível e fez trabalhos impor­tantes aqui, tanto no teatro como no cinema. Ruggero Jacobbi foi outro mentor. Era o in­telectual mais desenvolvido deles todos, um grande filósofo, grande professor, um homem que trouxe enorme contribuição para o teatro brasileiro. As análises que ele fazia dos textos, a preparação intelectual que ele demonstrava, eram as mais notáveis. A inteligência e o brilho eram impressionantes, em dois ou três meses já falava português como qualquer brasileiro. Foi a melhor contribuição dos italianos ao desen­volvimento do nosso teatro, na época. Chegou a escrever críticas nos jornais e revistas. Foi ele que, anos mais tarde, me apresentou o Teatro Paulista do Estudante para integrar o Grupo do Arena. Nossa ligação com o TBC, enquanto estudantes, era natural, pois que usávamos o mesmo prédio, víamos e acompanhávamos tudo, bem de perto. Quando o TBC foi inaugurado, a gente se porta­va como moscas em cima do doce. Participamos como figurantes de muitas peças, começando na primeira que Celi encenou no TBC, Nick Bar (The Time of Your Life, de William Saroyan), quando usou alunos como figurantes. Depois dirigiu Seis Personagens, de Pirandello, na qual fomos figu­rantes, Xandó, eu, Leonardo e outros. Uma vez, ele precisava de uma pessoa mais velha para um papel e eu chamei a minha mãe. Acreditei que ela adoraria se aproximar do mundo que eu ha-via escolhido para mim, mas, de repente, me dei conta que ela não tinha a menor vocação. Não deu certo. Eu percebi que havia dado um fora danado. Mas como ela falava italiano, chegou a conversar com o Celi que lhe pediu que dissesse uma simples frase. Ela não conseguia e a vozinha dela, inaudível, revelou sua incapacidade. Levei­a para casa, consolando-a: vamos embora mãe, esse negócio de teatro não é pra nós. Nesse período todo, eu não abandonei o labo­ratório de prótese de onde tirava meu sustento. Era um tempo de muita atividade, mas quando se é jovem isso é que era importante. Eu começa­va a trabalhar as 8 da manhã, até 4 ou 5 da tarde e depois ia para a EAD. Um tempo romântico, sem dúvida. Terminamos o curso em 1950 e foi durante esse ano que tivemos a primeira experiência de arena, dentro da escola. Décio de Almeida Prado havia me emprestado um livro sobre teatro de arena, de uma diretora norte-americana, Margô Jones, e eu achava que podia experimentar a idéia numa sala de aula. O teste foi com uma peça de Tennessee Williams, Demorado Adeus (The Long Goodbye), tradução da Esther Mesquita, com Monah Delacy, Geraldo Mateus, namorado dela, (também aluno da escola, e que se revelou uma pessoa importante para todos nós), Armando Pascoal, Odilon Nogueira, enfim, vários jovens começando uma experiência que se revelaria fas­cinante e vital para nosso grupo. Esse espetáculo, que montamos dentro de uma sala, ampliou-se aos poucos e nos engajou a todos na paixão do teatro. É claro que o espetáculo não se livrou totalmente dos problemas do teatro conven­cional; ainda utilizamos algumas molduras de madeira como portas e janelas penduradas no teto, à guisa de cenografia; só mais tarde nos li­vramos disso. E o Geraldo era o nosso cenógrafo, cenotécnico, contra-regra... e ator protagonista! Anos depois, Geraldo casou com a Monah e foi um dos mais destacados colaboradores na mon­tagem do Teatro de Arena; era um batalhador incansável, cenotécnico, cenógrafo, eletricista, iluminador, e sempre com grande energia. Mais tarde acabou sendo o braço-direito do Alfredo na rotina da EAD. Sem o Geraldo ali do lado, o Alfredo teria tido enorme dificuldade. E ainda, muitos anos depois, ajudou bastante o Bloch, no Teatro Manchete.” Capítulo IV Depois de Formado, Novas Experiências Cabe observar que aqui não se conta a história de mais uma pessoa que aprendeu a gostar de teatro e, por tal razão, vinculou a ele a sua vida. Mas, na verdade, ele não escolheu. Foi, sim, escolhido. Parece claro que para José Renato o teatro não era apenas uma opção de vida, como tantas outras, mas sim a própria vida. Já nasceu com essa predestinação ou, como diria Nelson Rodrigues, há cinco mil anos já se sabia que José Renato trabalharia com teatro. Demonstrou-o vivendo ou fazendo aquilo que fez. Poderia entoar Eliot, dizendo: I am moved by fancies that are curled Around these images, and cling: The notion of some infinitely gentle Infinitely suffering thing (movem-me sonhos que envolvem essas imagens e aderem: a noção de algo suave infinitamente e sofrendo infinitamente) “Eu gostava de ver teatro e via. Meu irmão mais velho, bem mais velho, era violonista, tocava em bares, em orquestrinhas, e voltava sempre alta madrugada e eu esperava sempre ele chegar para contar as coisas. Eu era criança e ele me levava para ver teatro e assim vi Alda Garrido, Genésio Arruda e outros comediantes. Depois, na escola, a gente freqüentava as companhias que vinham a São Paulo, principalmente as es­trangeiras, como Barrault, Comèdie Française, Picollo. A convivência abria a nossa mente e aumentava a nossa paixão. A gente visitava tam­bém a fazenda do Alfredo, em Louveira, onde ele dava preleções e lições de vida. Eu me lembro que em uma festa na casa do Alfredo, apareceu um cantor que estava começando a carreira e que demonstrava um estilo muito especial e que se chamava, nada mais, nada menos, que Dorival Caymmi. Adorei.” Na verdade, Dorival Caymmi não estava come­çando. Àquela altura já havia alcançado um enorme sucesso com O que é que a Baiana Tem (1939) e já havia composto todas as canções praieiras e boa parte dos sambas-canções, como Marina, que lhe abriram definitivo espaço e lhe trouxeram o sucesso e a consagração como um dos mais ricos e fecundos compositores brasilei­ros de todos os tempos. O comentário de José Renato é uma demonstração do seu mergulho total, e definitivo, no teatro, desligando-o mo­mentaneamente de outras manifestações cultu­rais que ocorriam simultaneamente, em especial a música popular. “Gostava também de cinema e ia muito. Ruggero conversava muito com a gente sobre cinema. Maurício Vasques e eu nos dávamos bem e con­versávamos sobre o futuro do cinema. Naquela época, além da Vera Cruz, outras produtoras começavam a despontar, como Maristela, a Mul­tifilmes... ao mesmo tempo começou a aparecer a televisão, em 1952/53, e Ruggero foi logo cha­mado para ser Diretor da TV Paulista, que era no alto da Rua da Consolação, quase Avenida Paulis­ta. Ele me chamou para ser um dos seus assisten­tes. A primeira novela, ao vivo, nós fizemos. Era em 12 capítulos, eu dirigia e nós dois fazíamos a adaptação do texto. A novela de Machado de Assis, Helena. Tinha gente do rádio sim, mas ha-via quem veio direto para TV, como Vera Nunes, lindíssima, Paulo Goulart, um meninote; Felipe Wagner. Mas, falando ainda de cinema, as três empresas paulistas, Vera Cruz, Multifilmes e Ma­ristela tentaram fazer filmes de qualidade, mas apenas a primeira permaneceu mais tempo, as demais faliram logo. Pena!... Tentavam fazer fil­mes de qualidade, diferindo do caminho carioca, da Atlântida, que fazia enorme sucesso com as chanchadas, filmes mais fracos, mas com ótimos atores e gente com o dom da comunicabilidade. Mas a Vera Cruz fez enormes estúdios em São Bernardo, trouxe gente de primeira. Lembro de um grande profissional inglês que deu curso de maquiagem durante meses, Fletcher. Deu aulas na escola... Trouxe também Alberto Cavalcanti. As atrizes Eliane Lage, Marisa Prado, gente da sociedade paulista. Tom Payne, um estudioso, camarada meio extravagante, playboy bastante rico que tinha algum talento. Havia também um importante diretor português, Fernando de Barros, que veio a casar com Maria Della Costa. Ele dirigiu Apassionata. Nessa época, apareci diversas vezes como ator. Em Tico-Tico no Fubá e em filmes do Mazzaropi, onde fiz muitas cenas com ele. Explica-se, eu estava ali, à mão, escrevia, era fácil entrar na filmagem. AambiçãodaVera Cruz erafazer umaHollywood, produzir grandes filmes. Acho que ela foi muito sabotada, cercada pelo poderio econômico... Foi esmagada pela competição estrangeira e por certos governantes de São Paulo da época que, como outros atuais, desde sempre sabotam o desenvolvimento cultural do País... A Vera Cruz não tinha distribuição, apenas produção, e o cerceamento começou por aí.” Capítulo V O Diretor “Toda a minha preparação na escola era direcio­nada para ser ator, mas minha carreira assumiu ênfase maior na direção. Isso aconteceu por culpa da Cacilda Becker. De fato, eu comecei fazendo pequenos papéis como ator, mas um dia a Cacilda me disse: por que você não dirige? Temos poucos diretores e muitos atores. Você é baixinho, o que limita os papéis, sua voz é horrível, você deveria tentar a direção. É... ela foi direta e franca. E segui o conselho dela. Mas não era só isso, é claro. Eu tinha muita admiração pelos diretores italianos que conheci, verdadeira veneração... Celi, Bollini, Salce, Ruggero. Tudo isso imprimia uma vontade enorme de seguir aqueles padrões, aqueles modelos. De repente, me igualar a eles era uma motivação. Celi, prin­cipalmente, Nick Bar, Seis Personagens... nas três ou quatro primeiras peças, eu estava sempre na platéia assistindo aos ensaios. A função, a ação, o trabalho de direção foi me fascinando, esten­dendo os meus espaços de estudo, ampliando a minha percepção. E durante toda a minha carreira eu debati uma questão que um dia me fizeram. Pode o diretor, através do seu espetáculo, realmente recriar um texto, sugerir idéias diferentes do próprio autor, ou é muita pretensão? Qual a sua margem de liberdade? No princípio eu não tinha tanta segu­rança, mas hoje respondo, com toda firmeza, que pode, sim. O diretor tem sim essa capacidade de recriar, se ele for sensível o suficiente. Na elabo­ração do espetáculo ele desconstrói – suprimindo o supérfluo, de acordo com sua análise e enten­dimento, e reconstrói – com sua sensibilidade e honestidade, tudo o que é verdadeiramente importante dizer. Acho que é possível valorizar um autor profundamente, mesmo sem seguir religiosamente a linha tradicional ou aquela por ele recomendada. Veja o caso de Brecht... Alguns diziam sempre que Brecht deixava de lado a emoção só recorrendo ao entendimento, ao racionalismo. Mas ao estudar os seus textos, e eu encenei alguns, na preparação das montagens verificava-se que isso não é verdade. Hoje sabe­mos que a emoção é intrinsecamente ligada ao estilo brechtiano. Na verdade, a questão é que ele vai muito além da emoção. Em certos espetá­culos, muitas vezes nos contentamos em atingir a base emocional e pronto. Brecht vai além, passa através dessa base emocional. Esta provavelmente é uma das maneiras que o diretor tem para valorizar o seu trabalho, não se contentar com a orientação que o autor in­dica em seu texto, mas tentar ir além, no que tiver de mais profundo e transcendental. Eu acho que o diretor que consegue agir assim é aquele que tem consciência do tempo em que vive, das circunstâncias em que se encontra, do momento em que está inserido, da vida política em que está envolvido, do seu povo, da língua que se fala, absolutamente enfronhado no seu meio e no seu tempo, para poder ir além. Mas essa visão só foi possível depois do TBC, depois dos italianos... e depois da experiência viva do Teatro de Arena. Houve um tempo em que o trabalho do diretor não era valorizado. Por exemplo, no tempo de Procópio e de outros atores geniais que milita­ram em nossos palcos, pois que naquela época não havia diretor propriamente, mas sim ensaia­dor, que cuidava principalmente das marcações, da movimentação no palco, para que a presença do ator principal ou da atriz principal não fosse atrapalhada. Depois do TBC, o diretor assume-se como tal, interferindo na leitura do texto, na interpreta­ção, no cenário, no vestuário, na iluminação, no som, etc. Ele dá unidade ao espetáculo. E mais, ele deve saber como explicar ao ator aquilo que ele deseja em determinada cena. Eu estudei para ser ator, fiz a escola de arte dra­mática, o curso de ator e só depois do conselho da maravilhosa e saudosa Cacilda Becker: Você é muito baixinho, tem uma voz ruim; então, passe a ser diretor. Você é inteligente e se dará melhor como diretor. Aventurei-me pelo terreno da direção. Hoje me parece que ela exagerou um pouco, pois atores tão baixinhos como eu fizeram carreira. O Lima Duarte não é muito mais alto do que eu, o Benedito Corsi é mais baixo até. São vocações, tão-somente vocações. Retomando o tema dos ensaiadores, gostaria de lembrar daquela portuguesa sensacional que andou por aqui ou o José Maria Monteiro. Aquela portuguesa, cujo nome não me lembro, costumava dizer, com aquele sotaque lindo lusitano: Voz da cabeça! Voz do peito! Vá para a esquerda! Vá para a direita! Eram as peças ensaiadas como se ela fosse diretora de trânsito. Obrigava-se a deixar um espaço no centro do palco para a estrela, por exemplo, o Procópio. O diretor de trânsito orientava a movimentação e impedia que ocupassem o lugar do Procópio. A escola do Ziembinsky era uma escola diferente da italiana. O Zimba, impressionante figura! Eu trabalhei pouco com ele, mas o vi atuando no TBC. Os italianos me fascinavam mais, pois par­tiam do intelectualismo, da filosofia, da busca em profundidade, da criação, e propiciavam que os atores também criassem, usando o processo de Stanislavski, de dentro para fora, que era o pro­cesso da escola do D’Amico, enquanto o Zimba utilizava um estilo diferente, de fora para den­tro. É claro que ele também trabalhava de dentro para fora, mas a impressão mais marcante era o de fora para dentro; ele fazia com que todos os atores o imitassem. Na direção do Zimba ocorria, quase todas as vezes, uma verdadeira aula de interpretação e as pessoas o imitavam. Dizia-se que os atores eram todos ziembinskinhos. Mas era brilhante. Dessa forma, entende-se melhor a afirmação de que o teatro paulista começa com o TBC, embora houvesse antes alguns grupos de amadores. O Teatro Amador do Alfredo Mesquita e o Teatro do Estudante do Décio de Almeida Prado. A fu­são dos dois, sob a égide do Zampari, permitiu fundar o TBC, em fins dos anos 40. Mas a idéia do Zampa vinha de 1939. Ele também fez teatro. Ele e a mulher faziam parte do grupo do Alfre­do. Era um industrial de visão que percebeu o momento certo. Sua visão empresarial permitiu dar o start poderoso e organizado e com isso tivemos um TBC inesquecível e uma Companhia Cinematográfica Vera Cruz...” Capítulo VI O Teatro de Arena: A Primeira Revolução “A primeira busca pelo Arena pode ser atribuída a uma certa inquietação juvenil: a certeza de que o jovem resolve todos os problemas do mundo. A gente se reunia depois das aulas noturnas, num bar da Rua Xavier de Toledo, tomando chope e comendo batatinhas... Era o Bar Harmonia, onde havia um conjunto de música alemã, um chope gostoso e comidinha barata. A gente sempre se reunia lá. para discutir o teatro; era a eterna queixa sobre como conseguir dinheiro para fazer teatro; seria possível descobrir um jeito de fazer teatro sem dinheiro? Ou com pouco. Apenas o corpo, a vontade, e a mensagem do autor, era o que tínhamos. Nesses papos, contávamos às vezes com a participação de professores, a quem colocávamos todas as nossas dúvidas. Um deles era o Décio de Almeida Prado. Os jovens éramos o Xandó, o Geraldo Mateus, a Monah, o Armando Pascoal e às vezes o Leonardo, que era muito caseiro. Após as aulas ia logo para casa. Aliás, ele morou conosco certo tempo. Alugamos um apartamento, eu e minha mãe e um quarto era do Leonardo. Voltando ao Harmonia, Décio sugeriu algo que ele sabia que vinham fazendo nos Estados Unidos, que era o theater in the round. Havia uma professora americana que tinha publicado um livro sobre o tema, a Margô Jones. Ele me emprestou o tal livro e eu li avida­mente. E ela realmente falava que seria possível, em arena, fazer uma peça por apenas 10% do custo que essa mesma peça custaria num palco italiano, normal.” Reproduzo palavras de Décio de Almeida Prado: Em seus primeiros passos, o Teatro de Arena, fun-dado por José Renato em 1953, não ambicionava mais do que abrir caminho para os iniciantes na carreira, propondo-lhes uma disposição cênica diferente – atores no centro, e espectadores ao redor – já experimentada com êxito nos Estados Unidos e que facilita enormemente a formação de novas companhias [...] Uma sala de propor­ções comuns, uma centena de cadeiras, alguns focos de luz, passavam a ser o mínimo necessário à representação. Era colocar ao alcance de todas as bolsas, ou quase, a possibilidade de organizar um pequeno grupo profissional. [...] A grande originalidade, em relação ao TBC e tudo o que representava, era não privilegiar o estético, não o ignorando, mas também não o dissociando do panorama social em que o teatro deve se integrar. “Procurei uma peça em um ato para montar na escola. E encontrei um livro do Tennessee Williams, um autor que a gente vinha estudando na época, e que era muito popular naquele mo­mento, com várias peças em um ato: 27 Vagões Cheios de Algodão. Entre essas peças, tinha uma, Demorado Adeus, que escolhi para nossa primei­ra experiência no estilo arena, que eu mesmo dirigiria. Participavam, a turma mais próxima, a Monah, o Xandó, o Armando, o Geraldo e um outro aluno-ator que trabalhava num salão de barbearia no centro da cidade, Francisco Arísa. Essa primeira experiência foi feita na escola, e eu não abri mão de algumas molduras simboli­zando janelas, portas, etc. Mas era uma arena mesmo, com os atores atuando no centro e com as pessoas em volta. Fizemos um espetáculo para valer, com luz, os aparatos necessários para ca­racterizar um espetáculo completo. Funcionou muito bem; a peça é a história de um jovem que está mudando de seu apartamento. Saindo da casa onde viveu desde a infância, onde sua mãe morreu e outros fantasmas de sua vida desapa­receram com ela. Enquanto os carregadores vão pegando as peças da mobília, ele vai passando o passado a limpo. Não era um monólogo, havia vários personagens, e, durante a peça, o espaço fica vazio de objetos e de lembranças. Aquele es­paço vazio, como a alma do protagonista, gerou uma carga emocional forte. Demonstrou que o estilo arena seria inteiramente válido como vei­culo de emoções verdadeiras. A personagem da mãe era Dina Lisboa, atriz que também estudava na escola; o protagonista foi Geraldo Mateos, com a Monah Delacy fazendo a namorada. Esse romance se ampliou para a vida real e eles aca­baram casando. Nessa busca de um teatro mais barato, fomos descobrindo que o teatro de arena tinha outras vantagens, além de ser mais barato: a presença física do ator colocado ao lado do espectador contagiava muito mais. Comunicava com mais integridade e profundidade as idéias do autor. Chegamos à conclusão que além do barateamen­to, o Arena seria um estilo de teatro que ajudava bastante o autor. Mostrando com clareza e maior nitidez as suas idéias. As mais diversas peças foram encenadas em arena. Na Theodoro Bayma fizemos até Molière, com mais de 18 atores. E o palco tinha 3x4m... era difícil, mas a gente conseguia... Sabemos hoje que qualquer peça pode ser feita nesse estilo. Houve um tempo, eu acreditava, que havia al­gumas peças que não se prestavam para arena; hoje, acredito que qualquer peça pode enfrentar esse desafio, desde que o encenador consiga as soluções adequadas. Eles Não Usam Black Tie não foi feito para arena e nós conseguimos. Chega­mos a ser gozados pela tentativa. O Fernando Sabino, numa crônica, escreveu que a gente fazia realismo de galinheiro. Acontece que, no dispo­sitivo cênico, para delimitar o casebre de Tião, fizemos um cercadinho de caixotes de madeira e uma parede com pedaços de caixotes amarrados com arame. Era mesmo quase um galinheiro... Era assim que vivia essa gente... ou vive ainda? O fato é que funcionou muito bem e foi um sucesso incrível no Brasil inteiro. Optamos pela arena por vários motivos. Havia, é claro, a óbvia razão econômica, mas depois sentimos que a arena era o melhor caminho. Nós nos formamos em 1950, já com a idéia de juntar a turma num grupo, numa companhia profissional; fomos ajudados pelo Sesc, na ocasião, pelo Gas­tão Bueno Vidigal, que nos ofereceu uma espécie de contrato e uma pequena verba, em 1951, para que a gente pudesse continuar o trabalho. Então esse apoio foi decisivo e em 1951 começamos a nos apresentar onde houvesse possibilidade. Ao mesmo tempo em que eu fazia na EAD um curso de especialização em direção, que havia surgido lá na escola, com Alfredo, Ruggero e outros. Eu fiz esse curso tipo pós-graduação e a gente co­meçou a se apresentar. Contamos, no início, com o apoio do Cicillo Matarazzo, que nos ofereceu um espaço no Museu de Arte Moderna onde fa­zíamos as primeiras apresentações de cada peça que montávamos, em uma sala de exposições do museu, lá na Rua 7 de abril. E ali, voltamos a montar Demorado Adeus. Como era uma peça curta, apresentávamos juntamente Judas em Sá­bado de Aleluia, de Martins Pena, dirigida pelo Sérgio Britto, que havia se juntado a nós.” A importância do Arena cresce em significação se nos ativermos ao tipo de interpretação que inau­gura. Conforme observou Mariângela Alves de Lima (Imagens do Teatro Paulista-IIMESP/1985), era um tipo de interpretação muito diferente daquela criada pelo TBC em seu auge. O teatro de José Renato, sem nenhuma preocupação de estilo na composição das cenas –sempre adapta­das ao exíguo espaço de que dispunha – os seus atores buscavam a verdade da personagem, com uma expressão facial intensa, com os movimen­tos do corpo não tão exuberantes. Havia uma nítida preocupação com o realismo psicológico, alternando-se, mais tarde, para uma encena­ção brechtiana, quando as expressões faciais se abrandam adquirindo certa impassibilidade, uma vez que há um traço na personagem que deve permanecer imutável em todas as ações: a sua caracterização de classe. Em seu último período, o Arena, já sob total comando de Boal, deixa perceber que a função do ator é destacar­se visivelmente da personagem para identificar­se com a tese do texto, conceito que permite a utilização do método do curinga. “Depois de temporada de duas a três semanas no MAM, montamos nossos espetáculos em escolas, fábricas e começamos a ser relativamente conheci­dos. Mudamos o repertório, e a segunda peça foi um texto inglês chamado Why not Tonight que chamamosEstaNoiteÉNossa,deumautorbritânico Stafford Dickens, moderno, que fez também muito sucesso.Eraumacomédiadeboulevard,fácil,comer­cial, dessas que o público aceita sem dificuldade e funcionou muito bem. Com essa peça começaram a entrar para o grupo novos integrantes e, entre elas,umameninajudia,extraordináriaatriz,Renata Blaustein, linda, inteligente e ótima atriz; depois se mandou para Israel e nunca mais soube dela. Tam­bém Vicente Silvestre, formado na Escola de Arte Dramática, mas não fez carreira. Teve uma história infeliz, apaixonou-se pela Ruth Escobar, não deu certoeacabouvendendobíbliadeportaemporta.” Não foi um fato corriqueiro a estréia de Esta Noite é Nossa, de Stafford Dickens, direção de José Renato, tendo no elenco: Sérgio Britto, Renata Blaustein, Monah Delacy, John Herbert e Henrique Becker. Note-se que: A estréia no Museu de Arte Moderna reveste­se de especial importância porque introduz no nosso teatro profissional uma nova técnica de apresentação, em que os atores são colocados no centro da sala de exibição como nos circos, fican­do circundados pelos espectadores. Referimo-nos naturalmente ao chamado teatro de arena, idéia que nasceu nos Estados Unidos por motivos de ordem econômica, mantendo-se e desenvolven­do-se, contudo, por motivos também artísticos, isto é, pela intimidade, pela comunicação que estabelece entre públicos e atores. (O Estado de S. Paulo, 11 de abril de 1953). Um dia antes dessa notícia do Estadão, a Últi­ma Hora, edição de São Paulo, em 10 de abril de 1953, publicava uma entrevista com Monah Delacy, que dizia Sinceramente, eu nunca pude pensar que Arena fosse aquilo. Vi, sim, Cacilda, Ruggero, Celli, Carlinhos, Elizabeth e muitas ou­tras fisionomias amigas, cujos olhares pareciam atravessar a gente. Quando entrei pela segunda vez percebi como era diversa a maneira pela qual estávamos representando... Também pudera... mais de 50 pares de sapatos nos fechavam dentro daquele círculo. Que sensação esquisita notar que estávamos representando para os de cá, os de lá e ainda para os daqui e os dali, para todos ao mesmo tempo. “Com Esta Noite é Nossa, a gente fez sucesso e atravessamos os anos de 52 e 53, com muita gente vindo de fora, críticos que vinham do Rio para ver o nosso trabalho em apresentações nas fábricas. Pas-coal Carlos Magno veio a São Paulo para nos ver.” Mesmo assim, o embaixador recebeu comen­tários ácidos de Alfredo Mesquita (Imagens do Teatro Paulista – IMESP/1985): o diplomata, ani­mador, divulgador, embaixador, auxiliador do amadorismo nacional – com exceção do paulista, é claro – foi flagrado na seguinte observação: Precisamos acabar com aquela chatice do teatro em São Paulo. Ainda em 1º de agosto, José Renato estreou Esta Noite é Nossa, de Tennessee Williams, valendo-se de uma tradução de Esther Mesquita. Tinha no elenco John Herbert, Sérgio Sampaio, Henrique Becker, Benjamim Steiner, Lulo Rodrigues e Re­nata Blaustein. “Nessa época vinha se desenvolvendo um novo cinema em São Paulo e cada um de nós foi se dando conta de que havia possibilidades de trabalho para muitos, e eu mesmo fui para a Companhia Vera Cruz. Havia também a Maris­tela, com ofertas de trabalho. E depois veio a TV e eu me engajei na TV Paulista, mas sempre dando prioridade ao teatro. São Paulo entrava em 1954 com uma intensa programação cultural, a que não estávamos habituados, para comemorar o seu IV Centená­rio. Tivemos encenações de Jean Louis Barrault, Strehller e as danças de Tâmara Toumanova.” Em 8 de abril, o Diário de S. Paulo anotava a estréia de Uma Mulher e Três Palhaços, de Marcel Achard, numa tradução de Álvaro Moreira, com direção de José Renato. No elenco, Sérgio Britto, John Herbert, José Renato, Vicente Silvestre, e outros. “Até que em 1954 a gente estreou uma peça que iria ter muita repercussão, uma obra que se pas­sava num circo e era uma história de amor. Uma Mulher e Três Palhaços, a história de uma bailarina que era disputada pelos três palhaços do circo. Eu descobri lendo Marcel Achard. Por volta de 1945, um grupo de teatro no Rio de Janeiro, dirigido pelo Álvaro Moreyra, fez umas peças do Achard. Por ser um autor francês, que tinha uma aura de lirismo e poesia, eu me interessei e procurei ler o cara e achei a peça. Já tinha sido cogitada pelo antigo grupo carioca, mas eles não a montaram. Li, gostei e comecei a procurar uma atriz-bailarina. Tinha no grupo o Johnny Herbert, que era também meu companheiro nos esportes do Pinheiros; ele me contou que namorava uma garota que dançava no Ballet do IV Centenário e que ela estava querendo fazer teatro. Apareceu então Eva Wilma, linda, deslumbrante. Começa­mos a ensaiar e ela se revelou uma ótima atriz. Um outro que cursou a EAD e juntou-se a nós foi Jorge Fischer Jr. Ele, John e eu fazíamos os três palhaços. A peça foi um grande sucesso mesmo! Naquela sala do MAM onde fazíamos nossas apresentações, estavam expostos os primeiros quadros de Antônio Bandeiras, um pintor pro­missor. Um dia apareceu um quadro dele furado e ele veio reclamar comigo. Tive que indenizar o pintor e dei a ele quatro ou cinco ingressos para ver o espetáculo. Infelizmente, não guardei o quadro, que, hoje, deve valer uma fortuna. Ainda mais com um furo daqueles. Esse espetáculo nos propiciou um salto definitivo; o jornalista Mattos Pacheco, que escrevia aqui em São Paulo, no Di­ário da Noite, e estava sempre escrevendo sobre a gente, ajudou bastante. Um cara interessante, simpático e amigo. Através dele, a peça come­çou a ser comentada pelos jornais. Em agosto, morreu Getúlio, e, em outubro, o presidente Café Filho mandou através desse jornalista ami­go um convite para que apresentássemos lá no Palácio do Catete a tal peça com esse estilo novo que vinha sendo feito em São Paulo. Mandou um avião da FAB nos apanhar em Congonhas; os oficiais, putos da vida, por terem que levar aquele bando de palhaços para o Rio. Mas assim que o comandante viu a Vivinha, ele começou a babar... e a nossa viagem foi ótima. Chegando lá, os camareiros do Palácio do Catete nos mos­traram onde deveríamos fazer o espetáculo. Havíamos levado nossos refletores, creio que dez ou doze, e começamos a demarcar o espaço. Daí a pouco, lá pelas cinco horas, aparece o próprio Café Filho, curioso, fazendo perguntas, deixan­do a gente meio atrapalhado, sem saber bem o que dizer, mas ele foi muito simpático, gostava muito de teatro, perguntou coisas e disse que todo o Ministério viria à noite ver o espetáculo. Perguntou se a gente conhecia o palácio e nos serviu de cicerone, mostrando tudo, inclusive o quarto onde o Getúlio havia se suicidado. À noite vieram muitos jornalistas, todo o Ministério, e o ministro da Educação da época fez elogios. Ficou uma arena bonita com poltronas chiquérrimas. E o espetáculo funcionou muito bem. Saíram reportagens em todos os jornais do Rio, mostran­do fotografias do acontecimento, em especial a revista O Cruzeiro, com duas páginas lindas que causaram enorme repercussão. Numa das pági­nas uma foto da Vivinha, dançando em cima de uma escada e por trás os rostos dos ministros, alcançou um sucesso incrível. Em São Paulo, a repercussão foi até maior que no Rio e, quando voltamos, amigos se preocuparam em conseguir espaço para a gente fazer o espetáculo aqui na cidade. Havia um lojista, Roger Levy, com uma loja Spring Bolsas, na Rua D.José de Barros, que queria ser nosso sócio, o que abria possibilidades de a gente procurar um novo espaço; ele tinha muita noção de comércio, sabia como agir e nos orientou. Através dele conseguimos madeira e outras coisas. Eu tinha visto dois lugares que me interessaram. Um na Rua Theodoro Bayma e outro na Rua Araújo, quase esquina da Ave­nida Ipiranga. Esse da Araújo era maior, tinha um mezanino ótimo. Mas quando fomos ver, já tinha sido alugado para um banco. Hoje acho que é um restaurante. Voltamos para a Theodoro Bayma e conseguimos convencer os proprietários a nos alugar. Era um escritório de advogados, da família Badra, que nos alugou em condições razoáveis. Fizemos uma festa e mostramos o local para a imprensa. Só conseguimos porque o Roger organizou uma sociedade com 100 pessoas mais ou menos que pagavam uma pequena quantia mensal e, por seis meses, poderiam assistir às estréias e uma série de outras vantagens.” Noticiou o Diário de S. Paulo, em 19 de novembro de 1954, que o diretor-empresário José Renato, apresentará à imprensa, na segunda-feira, às 18 horas, o local onde será instalado o Teatro de Arena. Está sendo adaptado à Rua Theodoro Bayma nº 94, em frente à Igreja da Consolação. Terá capacidade para 170 pessoas, que ocuparão bancos estofados individuais. O palco terá 4,50 x 5,50 metros. O teatro possuirá dois camarins, aparelhagem de luz e uma pequena sala de espera onde haverá exposições permanentes de pintura e escultura. Os sócios individuais pagarão uma cota de Cr$ 40,00 mensais; casais, CR$60,00. Todos os sócios poderão utilizar o teatro às segundas-feiras. As propostas poderão ser encon­tradas no Museu de Arte Moderna, na Livraria Jaraguá, no Nick Bar e no próprio local. Para os atores, foi estabelecido um sistema de cotas, sem salário fixo. O ingresso custará Cr$ 50,00. “Era pouco o que se pagava, algo que hoje pode­ria ser equivalente a 20 reais, todo mês, ganhan­do duas entradas para estréias. Botava-se o nome deles na lista especial de beneméritos e isso foi o que nos ajudou a montar as peças inicialmente. No dia 1º de fevereiro de 1955 inauguramos o espaço. A obra de estréia foi um texto belga, de uma autora chamada Claude Spack, irmã do primeiro-ministro da Bélgica, na época. Conta­va no elenco uma atriz que pertencera ao TBC, Raquel Moacir, além de Fábio Cardoso, Renata Blaustein e Monah Delacy. Em 1.º de fevereiro de 1955 escrevia O Estado de S. Paulo: O conjunto do Arena é o mais jovem da cidade; pouquíssimos de seus componentes, incluindo não só os atores, mas também os en­cenadores e empresários, terão atingido os 30 anos. Três peças serão representadas simultane­amente, cada uma por dois dias na semana. A estréia dar-se-á hoje às 21 horas com A Rosa dos Ventos, alternando-se com Uma Mulher e Três Palhaços e Esta Noite é Nossa. Não haverá salário, mas repartição dos lucros. Cada ator receberá uma cota, correspondente a uma determinada parte do total da bilheteria. Assim, a estabilidade econômica da empresa parece garantida. Com isso, a cidade passa a ter quatro companhias estáveis, agora que foi inaugurado também o Teatro Bela Vista: TBC, TMDC, Arena e Bela Vista. A gente inaugurou com a idéia de que a grande vantagem do arena era ter um teatro de reper­tório. Assim, terça e quarta-feira era uma peça, quinta e sexta, outra, e sábado e domingo uma terceira. Rosa dos Ventos, Esta Noite é Nossa e Uma Mulher e Três Palhaços, respectivamente. Assim ficamos uns três meses. Aí começou o Teatro de Arena. Deu para manter uma equipe estável, sim, mas o teatro não dava muito di­nheiro, apenas pagava suas contas, pois todos tínhamos outras atividades. Eu fazia TV e os de­mais trabalhavam em outras coisas. Na verdade, o teatro não dava quase nada. A gente pagava as despesas normais e o aluguel pagávamos sempre com atraso, o que provocou alguns problemas. Chamei meu irmão mais velho para nos ajudar e ficar na bilheteria, e ele comentava que os paulistas eram uns botocudos, que só saíam aos sábados. Só tinha público aos sábados. Muito pouco nos outros dias. A gente tinha dificuldades, mas pouco a pouco fomos vencendo e alterando a programação. Chegamos à conclusão de que uma peça diferente a cada dois dias não era boa idéia. O público fazia confusão. Nossa divulgação devia ser falha. O fato é que algumas pessoas iam num dia em que não se apresentava a peça que queriam ver. Havia reclamações. Acabamos com a novidade e passamos a fazer o teatro como todos, um repertório continuado, uma peça apenas, até ela se esgotar. Assim, fomos em frente, montamos diversas peças, inclusive uma comédia, Escrever Sobre Mulheres, que escrevi sob influência do estilo de Pirandello. Falava sobre as relações de um casal, problemas familiares, etc. Outras pes­soas entraram para o elenco: a mulher de Walter Jorge Durst, Bárbara Fazio, foi uma delas, mas que depois dedicou–se mais à TV.” Em 1955, um ano de grandes apresentações, o Arena ofereceu ao público ainda as montagens de: Em 3 de maio, estreou Escrever sobre Mulheres, de José Renato, com direção do autor, tendo no elenco Eva Wilma, John Herbert, Vicente Silves­tre e Bárbara Fázio.. Em 14 de julho, O Prazer da Honestidade, de Lui­gi Pirandello, numa tradução de Álvaro Moreyra e direção de Carla Civelli, com Jorge Fischer Jr., Floramy Pinheiro, Rubens de Falco, Célia Helena, Ítalo Rossi e José Renato. Em agosto, estrearam Não Se Sabe Como, de Luigi Pirandello, com direção de José Renato, tendo no elenco, Jorge Fischer Jr., Ítalo Rossi, Floramy Pinheiro, Bárbara Fázio e Fábio Cardoso. Sobre este último espetáculo, Sábato Magaldi assim se expressou, em de novembro de 1955 (in Teatro Brasileiro, nº 1): Não Se Sabe Como atesta a maioridade do elenco do Teatro de Arena e o situa em definitivo como um dos que percorrem o caminho do nosso melhor teatro. Em 25 de outubro, o Teatro de Arena oferece ao público À Margem da Vida, bela e delicada peça de Tennessee Williams, com direção de José Marques da Costa, com a participação de Floramy Pinheiro, Jorge Fischer Jr., Bárbara Fázio e Fábio Cardoso. “Sem dúvida, houve um momento em que o Teatro de Arena começa a firmar-se como a vanguarda do teatro brasileiro, passando a atrair, por um longo período, a atenção dos mais jovens. Fenômeno típico que atravessa os tempos: a juventude sentindo-se atraída pelo que ela entende como coisa nova, como repul­sa ao tradicional, rejeição de uma estética que lhe parece superada por repetitiva, dá força à desconstrução do já existente. A mesma posição, função ou ação que, mais tarde, veio a ser ocu­pada pelo José Celso e seu teatro. Não havia um público específico do Arena, mas é verdade que nosso estilo atraía um público mais jovem do que o TBC, por exemplo. No nosso teatro ia gente mais jovem, gente que procurava alguma coisa a mais em teatro e que ainda tinha a vantagem de ser mais barato. Apresentava também peças mais ventiladas. Fizemos uma versão de À Margem da Vida, do Tennessee Williams, e chamamos um diretor da TV, José Marques da Costa, dono da fábrica de tintas Cil, que gostava muito de TV e queria fazer teatro, figura rica, uma pessoa ótima, talentosíssimo, muito promissor. Eu o convidei e ele dirigiu À Margem da Vida e fez um belíssimo trabalho, um grande espetáculo. Infelizmente, Zequinha morreu cedo demais para todas as aspirações que tinha. Seu espetáculo era ótimo. Um Tennessee Williams compacto, vigoroso e amargo, retrato de seres humanos típicos desse autor, tão injus­tamente esquecido, hoje em dia.” Capítulo VII Renovação no Arena Reconheça-se o pioneirismo de José Renato com o seu Teatro de Arena. É importante essa afir­mação, na medida em que se tornou comum a observação de que o Arena alcança verdadeira expressão nacional com a entrada dos então jovens Guarnieri, Vianinha e Boal, num convite consciente e deliberado do próprio José Renato. Sabíamos todos nós, da esquerda, que ele não era membro do Partido Comunista e, portanto, não merecia a nossa confiança. Na raiz desse fato está a explicação pela tentativa, recorrente na época e por longo prazo de tempo, de minimizar a importância de José Renato como renovador das artes cênicas nacionais. Inclusive o nosso gi­gante da crítica, Décio de Almeida Prado, acabou por incorrer nesse imperdoável pecado que, mais tarde, pôde fazer uma revisão, ao escrever: Não foi, todavia, a forma teatro de arena, embora ela obrigasse a uma reformulação completa das rela­ções entre os atores em cena, quer entre estes e o público, que deu prestígio ao conjunto. A projeção só lhe veio quando se juntaram a José Renato três jovens homens de teatro destinados a revolucio­nar a dramaturgia brasileira. Boal trazia dos EUA a técnica do playwriting, no que diz respeito ao texto e, quanto ao espetáculo, uma preocupação maior com a veracidade psicológica, conseqüência já do método Stanislavski difundido pelo famoso Actor’s Studio. Guarnieri e Vianinha, por seu lado, ambos filhos de artistas esquerdistas, ligados desde a adolescência a movimentos estudantis, chama­vam o teatro para a realidade política nacional, cuja temperatura começava a se elevar. “Começamos a afirmar o nome do espaço e procuramos vários textos, de todo tipo, poli­ciais, franceses clássicos, norte-americanos, etc. Optamos por uma comédia satírica brasileira, do Silveira Sampaio, muito popular na época, Só o Faraó Tem Alma. Foi nesse momento que fizemos uma fusão com o Teatro Paulista do Es­tudante. O fato de estarmos ligados ao Ruggero Jacobbi permitiu essa aproximação. O grupo veio reforçar a nossa equipe. Eu sabia que eram quase todos comunistas. Mas isso não tinha importân­cia. Aliás, naquele tempo todo mundo era mais ou menos simpatizante. Militantes mesmo eram o Guarnieri e o Vianinha. Estavam querendo um espaço, se entrosaram logo e começaram a trabalhar em todas as peças. Eram ótimos atores. O Sérgio Rosa, a Mariuza, que eram parentes do Vianinha. Havia mais moças do que homens. A Vera Gertel, filha do Noé Gertel, veterano e prestigiado jornalista de São Paulo.” Gianfrancesco Guarnieri, uma das figuras-chave da revolução temática a estética que viria a ser perpretada pelo Arena, tem uma visão pitoresca desse episódio, conforme declarou em entrevista (Atrás da Máscara I – 1988 – Civilização Brasilei­ra) a Simon Khoury: Houve a junção do Teatro Paulista do Estudante com o Arena. O Zé Renato propôs dar o material para que realizássemos nossos espetáculos nos colégios, que era o nosso objetivo principal; ele daria a infra-estrutura, a orientação artística e técnica e, como contrapar­tida, nós, do TPE, trabalharíamos como suporte de cast para o teatro de Arena, que já era profis­sional. Um pouquinho marota a proposta, mas... Mas tinha razão José Renato, homem de teatro já amadurecido, que tendo enterrado alguns dos sonhos românticos que também o animaram em outros tempos juvenis, sabia que aqueles jovens iriam acordar para a dura realidade do fazer teatral, onde já não havia espaço para bravatas e que a burguesia inimiga era quem pagava a arte, enfim, a cultura...Cinismo? Sim, mas revo­lucionário também. Por que não!?... Para pregar a revolução melhor seria através de espetáculos bem-feitos, bem cuidados, inteligen­tes e de bom gosto. Mas tudo isso custa caro. Mas isso teve um custo para José Renato, de outra natureza, conforme se pode ler das pa­ lavras do mesmo Guarnieri, em seu processo mnemônico seletivo, conforme se pode ler no texto já citado: E foi aí que começou realmente um trabalho sério, a fase importante do Arena. Com a participação, mais adiante do Boal, co­meçamos a fazer um trabalho de interpretação totalmente anti-TBC, que colocamos como o símbolo do ecletismo que a gente rejeitava. De fato, mudanças houve. Mas longe de se supor que aconteceram sem a participação de José Renato, a verdade é que foi justamente sob seu comando, ainda que conversando e discu­tindo com toda a equipe, que as ações renovado­ras aconteceram. Pôde-se coligir informações que dão conta das realizações do Arena em 1956, momento em que o País vive um clima de euforia com o comando do governo às mãos do otimista Juscelino Ku­bistcheck, que inicia aquele ano dizendo que o problema do Brasil é a necessidade imediata de crescimento depois de ter hibernado durante tantos e longos períodos. Há que expandir nos­sas riquezas para benefício da Nação e do povo. Vamos realizar cinqüenta anos em cinco. Esse clima de euforia inaugurado por JK, essa nova afirmação da nacionalidade proporciona­da pelo seu governo, diferentemente daquela ocorrida em 1922, permitiu que muitas daquelas idéias escapassem das realidades conceituais, que na época da Semana de Arte Moderna eram apenas expressas pelas máquinas de escrever e nas pranchetas, e viessem estribar-se em fatos reais. Passaram a se refletir na cultura que se vinha fazendo. Cabe aqui a expressão de Nelson Rodrigues, após a nossa vitória no campeonato mundial de futebol de 1958: O Brasil deixou de ser um país vira-latas. “Incorporei o Boal também. Eu estava trabalhan­do em TV e precisava de uma pessoa para dividir comigo a direção do Teatro e pedi ao Sábato Magaldi para indicar alguém. Tinha um jornalista do Rio que vivia rondando a nossa porta, mas eu fiquei na sugestão do Sábato. O jornalista era o Paulo Francis. Um cara inteligente, mas não sei se, com o temperamento dele, teria agüentado o tranco. O Boal, em seu primeiro trabalho, dirigiu uma peça americana, Mulher do Outro Mundo, de Sidney Howard, com um sucesso mediano. Para essa peça ele incorporou ao grupo o Chico de Assis. Sua segunda peça foi Ratos e Homens, do Steinbeck, e aí sim um grande sucesso, com o José Serber e o Guarnieri. Serber era um ótimo ator, mas como próspero negociante de móveis, não seguiu carreira no teatro. Riva Nimitz também brilhou nessa peça, boa atriz. Uma vida difícil a dela. Apaixonou-se por um ator do nosso grupo, Henrique César, viveu com ele o tempo todo e alternava períodos felizes com períodos duros e com problemas de saúde. Bom, com esse espetá­culo Boal se afirmou. Eu não conhecia o Boal, ele morava no Rio. Mas por ter chegado dos Estados Unidos, a ala esquerdista demorou a aceitá-lo. Chegou a ser acusado de espião da CIA. A propósito, disse Guarnieri, em entrevista a Simon Khoury: Sábato procurou o Zé Renato e falou que havia chegado um cara muito inteli­gente dos Estados Unidos, o Augusto Boal, que acabou de fazer dramaturgia lá, é jovem e ótimo diretor. O Zé Renato, sem pestanejar, contratou o Boal. Ele tomou essa atitude sob protesto geral porque para nós ele não era Augusto Boal, mas Ógast Bôuall, um cara colonizado, um norte­americano e nós estrilamos: Porra! Vão trazer um americano para nos dirigir. Essa não! Vamos entrar numa fria! Hoje, parece engraçado, mas não na época, período mais intenso da Guerra Fria, quando a luta anti-americana era o traço comum entre os comunistas de todos os países. “Foi uma batalha, todo mundo achava que ele era inimigo. Chico de Assis foi um dos que mais combateram o Boal, mas se tornaram grandes amigos. Nós nos demos muito bem desde o come­ço. Mas em pouco tempo ele saiu, pois o Arena não tinha condições de pagá-lo adequadamente e ele foi dirigir peças aqui e ali, com a Cia. da Dercy Gonçalves, mas depois voltou para nós.” Em fevereiro de 1956, estréia Escola de Maridos, de Molière, pela direção de José Renato, com atua­ção de Waldemar Wey, Luiz Eugênio Barcellos, Riva Nimitz, Wanda Primo, Floramy Pinheiro, Salomão Guz, Gianfrancesco Guarnieri, Ricardo Klaus, Oduvaldo Viana Filho, Alzira Mattar, Nina Néri, Milton Leandro e Leonardo Fernandes. Já em maio, dia 2, estréia Julgue Você, de Pierre Conty, numa tradução de Raquel Moacyr e dire­ção de José Renato, tendo no elenco Waldemar Wey, Floramy Pinheiro, Luis Eugênio Barcellos, Salomão Guz, Fausto Fuser, Luciano Centofanti, Riva Nimitz, Nina Néri e Leonardo Fernandes. Mas em seguida o incansável José Renato arranja uma tradução de Claude André Pugget, da sua peça Dias Felizes, feita por Maria Jacinta, e es­tréia em 5 de junho um novo trabalho, valendo­se de Mea Marques, Alzira Mattar, Vera Gertel, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho e Raul Cortez. Anunciando uma temporada de gargalhadas, José Renato emplaca mais uma peça, agora em julho, estreando no dia 21, Essas Mulheres, de Max Regnier e André Gillois, em tradução pró­ pria, agora com Floramy Pinheiro, Luiz Eugênio Barcellos, Salomão Guz e Fausto Fuser. Marcante mesmo, com enorme repercussão, foi a montagem de Ratos e Homens, de John Steinbeck, apresentada em 26 de setembro, com direção de Augusto Boal, recentemente integrado ao grupo. No elenco, Riva Nimitz, José Serber, Gianfrancesco Guarnieri, Geraldo Ferraz, Salomão Guz, Taran Dah e Sérgio Rosa. Toda essa atividade mereceu do Estadão o se­guinte comentário, publicado em 30 de dezem­bro: Foi, 1956, antes um ano de prosseguimento, de consolidação talvez, que de iniciação. Até bem pouco tempo, o nosso teatro era tradi­cionalmente itinerante. Se os últimos 12 meses significaram alguma coisa, foi o predomínio, agora definitivo, inclusive comercial, das jovens companhias sobre as mais velhas e de conjuntos estáveis, fixados em São Paulo, com sua sede própria sobre os elencos de passagem. Pode-se dizer que a revolução teatral chegou ao seu fim, como as revoluções afortunadas costumam fazê­lo: tomando o poder. O ano de 1956 termina com a notícia da morte de Bertolt Brecht, vítima de uma trombose. Mas para o teatro brasileiro ele não tinha ainda alcançado a importância que mais tarde veio a conquistar. A notícia, portanto, não causou grande comoção. Mas o movimento sísmico que iria mudar tudo já estava em processo, um surdo processo que se cristalizaria principalmente nos bastidores e que iria explodir algum tempo depois. Ainda não seria no novo ano, 1957, que acabou servindo para novos experimentos, como que ganhando tempo para a transformação decisiva. Capítulo VIII A Segunda Revolução José Renato e seu grupo não paravam, sempre buscando mais e mais. O sucesso alcançado nos últimos anos, a consolidação de sua proposta estética e a especificação de sua dramaturgia, mesmo reconhecida, não foram suficientes para sequer pensar em uma acomodação. Ele sentia a necessidade de um avanço. É claro que a hi­pótese de uma dramaturgia brasileira, a idéia de lançar novos autores, estava presente nos propósitos do Arena. Já em 1956, Boal dera início a um Curso Prático de Dramaturgia, num pro­grama ambicioso, que incluía uma introdução, seguida de teorias, estrutura teatral e dinâmica dramática, caracterização psicológica e diálogo, culminando com estudo e análise de peças. “Mas tudo isso era um processo em ebulição, a explodir mais adiante. Enquanto isso, uma série de espetáculos não bem-sucedidos acabariam por dificultar as coisas para o Arena, por quase todo o ano de 1957. Uma comédia do Boal chegou a ser feita nos pri­meiros tempos de sua chegada dos EUA, Marido Magro e Mulher Chata, no Arena, dirigida por ele mesmo. A peça mais importante que ele fez foi Ratos e Homens, além de outra, de Sidney Howard, americano. Foi razoável, mas a melhor foi mesmo Steinbeck. Estávamos em 1957. Primeiramente veio a estréia de Marido Magro, Mulher Chata, de Augusto Boal, em 5 de janei­ro, com Oduvaldo Viana Filho, Mariuse Viana, Riva Nimitz, Geraldo Ferraz e Hernê Lebon. O público não prestigiou a montagem, mesmo compreendendo a mensagem do autor expressa no programa do espetáculo. Escreveu Boal: O que pretendo como resultado do meu traba­lho é uma peça para divertir, para operar no espectador não uma catarse aristotélica como fora minha altíssima pretensão inicial, mas uma catarse cômica, no sentido de que cada espec­tador purgue seus pecados com o que sonhou na juventude.” Em abril, precisamente no dia 10, José Renato estréia Enquanto Eles Forem Felizes, de Vernon Sylvain, mobilizando para o trabalho o elenco já reconhecidamente forte do Arena: Floramy Pinheiro, Vera Gertel, Riva Nimitz, Mariuse Vianna, Floramy Pinheiro, Sadi Cabral, Sérgio Rosa, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Geraldo Ferraz, Clarice Pacheco, Méa Marques, Flávio Migliaccio, com músicas e arranjos feitos por Cláudio Petraglia. Revezando com José Renato, Boal faz a monta­gem de Juno e o Pavão, de Sean O’Casey, estre­ando em junho com o mesmo elenco básico da peça anterior, porém apresentando uma nova atriz: Aracy Balabanian. Sobre a peça, escreveu Boal que era uma denúncia do conformismo escapista, da indiferença hostil e do egoísmo. Masoespetáculonãofoibemejáemjulho,JoséRe­nato arriscou com uma montagem de Silveira Sam­paio, Só o Faraó Tem Alma. Também não estourou. E terminou o ano com uma ousada montagem de várias peças simultaneamente, destacando-se A Falecida Senhora Sua Mãe, de Georges Feyde­au e Casal de Velhos, de Octávio Mirbeau, com direção de Alfredo Mesquita. E assim foi-se 1957 com magros resultados, fato que levou José Renato e equipe a repensar as atividades e formular planos para reverter aquilo que mais parecia uma tendência que assustava o Arena: a fadiga do modelo. Em 18 de janeiro de 1958 podia ser lida no Es­tado de S. Paulo a nota... ninguém desconhece que o Teatro de Arena atravessa uma crise pelo malogro das últimas apresentações. Deve o gru­po, para reencontrar a fase anterior de prestígio e aceitação, recompor com urgência o elenco e não temer o risco dos grandes textos, único caminho capaz de justificar-lhe o lugar entre as primeiras companhias de São Paulo. Disse Sábato Magaldi que a situação do Arena era tão difícil que José Renato pensou em en­cerrar suas atividades. Para não fazê-lo melan­colicamente, preferiu montar uma peça de um dos atores do grupo: Eles Não Usam Black Tie, de Guarnieri. Essa obra, levada quase em deses­pero de causa, se tornaria não só a salvação do Arena, mas um marco histórico fundamental no teatro brasileiro. Independentemente ou não da coragem de José Renato de enveredar por esse tipo de espetácu­lo, em que tratava temas nacionais, de colocar, pela primeira vez, o proletariado no palco como protagonista – quase cem anos depois do dra­maturgo norueguês, Henryk Ibsen colocar no palco bourgeosie triomphante – o êxito de Black Tie consolidou, em definitivo, a política por uma dramaturgia que fixasse os problemas nacionais, estimulando todo o grupo a desenvolver um trabalho criador sem paralelo em nosso palco, complementou Sábato. “Chapetuba Futebol Clube, do Vianninha, surgiu com Eles Não Usam Black Tie. Aliás, eu preferia Chapetuba como texto, como estrutura dramá­tica, mas o Black Tie surgiu antes porque, de repente, calhava mais para o nosso elenco. Tinha mais gente, mais homens e mulheres. Chapetuba tinha apenas uma mulher entre os personagens, o assunto era futebol, e não sabíamos se o tema seria de interesse. A opção pelo Black Tie foi uma ação de coragem, representava uma ruptura em tudo o que se vinha fazendo em teatro. E quem nos trouxe a idéia do texto não foi um ator, mas um amigo de nós todos, Raimundo Duprat. Disse que o Guarnieri tinha escrito a peça e estava com vergonha de mostrar e me pediu para fazer isso. A peça chamava-se O Cruzeiro Lá do Alto. Eu li a peça e à primeira vista me chamou a atenção o tom romântico, mas as cenas entre pai e filho tinham tal força e a discussão política uma auten­ticidade jovem que me tocaram muito. As perso­nagens da mãe e do pai eram muito difíceis para o nosso elenco. As motivações do Tião às vezes me incomodavam, era uma aura romântica que pre­dominava. Sugeri alguns cortes no segundo ato, na conversa do Tião com a namorada. Também comentei que o título não era bom. Guarnieri se foi e no dia seguinte trouxe o novo e definitivo nome: Eles Não usam Black Tie. O título já era uma posição política, numa época em que se consagrava o black tie como coisa dos ricos e grã­finos. Começamos a ensaiar imediatamente. Eu trabalhava na TV Record e saía de lá às 5 horas e íamos para minha casa que era ali perto e come­çávamos a ensaiar. Até meia-noite. Em um mês tínhamos pronto o trabalho. Tinha consciência de que estávamos fazendo algo importante, mas não imaginávamos todas as implicações que aquela montagem provocava. Acreditava no texto, acha­va que seria um assunto importante, atualíssimo, e que era muito legal que mais alguém do elenco se revelasse como escritor. Até então tínhamos feito poucas peças brasileiras. Exatamente como todos os outros elencos deste país. Para Guarnieri, na entrevista já citada, sua peça Black-Tie, bem como as do Vianinha, não tra­ziam apenas a novidade de colocar no palco o proletariado, mas também uma nova visão de dramaturgia, pois construíamos as cenas curtas e justapostas, com contrapontos nas mudanças de cenas, a narrativa é veloz, visto que nossa geração teve uma influência muito grande do cinema italiano. “Quando, em 1959, estreou Gente como a Gen­te, de Roberto Freire, dirigida por Boal e com cenários de Flávio Império, com Lélia Abramo, Riva Nimitz, Vera Gertel, Arnaldo Weiss, Flávio Migliaccio, Francisco de Assis, Milton Gonçalves, Oduvaldo Vianna Filho, Xandó Batista, Augus­to Boal assim se pronunciou: Nunca esteve a dramaturgia brasileira tão exuberante e vária como agora. Tivemos Chapetuba e Gimba; volta a Compadecida; vêm para São Paulo, Pedro Mico eo Santo e a Porca; anuncia-se Jorge de Andrade, Nelson Rodrigues, Callado, Catalano e ainda José de Alencar. Escreve-se sobre a Central do Brasil, futebol, o morro carioca, um lugarejo mineiro, um bairro do Rio, gente do Norte, enfim, escreve­se sobre o Brasil: o caminho está se impondo, com brasileiro escrevendo sobre nossos temas.” Sem dúvida, um momento de decisão, o verda­deiro turning point de nossa história dramatúr­gica, transformando as artes cênicas brasileiras num verdadeiro festival exuberante e variado de vitórias, seguindo-se Gimba, A Compadecida, Pedro Mico, O Santo e a Porca e Gente como a Gente. O incrível sucesso desta última levou José Renato a remontar Black Tie e iniciar viagens pelo interior, abrindo espaço para o Oficina, com A Incubadeira, de José Celso Martinez Corrêa. José Renato faz, ainda, um belo trabalho com Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, como que reinventando a verve aristofanesca, examinando com força anárquica o processo político brasileiro. Disse, ainda, Sábato Magaldi, que mais dois atores do Arena se iniciam como dramaturgos, na temporada de 1961: Flávio Migliaccio, com Pintado de Alegre, e Chico de Assis, com O Tes­tamento do Cangaceiro. Ambos autores com veia cômica, subordinando-se a um desejo de protes­to social. Ambos são textos fracos, denunciando que a fórmula de apresentação pura e simples da dramaturgia brasileira, sem um critério mais rigoroso de escolha artística, já estava saturada e começava a cansar o público. “À medida que as peças se sucediam, novos atores e atrizes eram incorporados ao grupo. Já faz tanto tempo que tudo isso aconteceu que às vezes posso confundir as datas, mas a verdade é que a vinda do Boal foi uma grande conquista e a gente pôde ampliar nosso elenco e o leque de apresentações. Com Juno e o Pavão, de Sean O’Casey, que o Boal dirigiu, também mais gente nova foi incorporada. Havia uma renovação constante e os mais antigos permaneceram. Vianinha, Guarnieri, Nelson Xa­vier, Flávio Migliaccio, Milton Gonçalves, mais a Riva Nimitz e o marido Henrique César formavam um núcleo. Milton Gonçalves, excelente pessoa, grande caráter, veio do TPE. O Chico de Assis veio depois de o Boal ter chegado e foi ele quem o trouxe. E o Chico, mais tarde, chegou a liderar movimento contra o Boal. Naqueles tempos os assuntos políticos começa­vam a se radicalizar e já pude citar o caso do Boal, vindo dos Estados Unidos com diploma, não de teatro, mas de química, provocou suspeitas em alguns, acirrou um pouco os ânimos, chegando a ter quem acusasse o Boal de agente da CIA infiltrado no teatro brasileiro. Um clima ridículo, mas que perdurou algum tempo. As cartas que o Vianinha me mandava para a Europa conti­nham revelações desse gênero. Mas, no fundo, o que se revela mesmo era a radicalização, que se processava, da juventude, instada a defender posições ideológicas firmes. Bem, mas eu tinha dúvidas se Black Tie iria ser sucesso, então, ao mesmo tempo, começamos a ensaiar o Chapetuba, mas depois de dez dias em cartaz a peça estourou, paramos com os ensaios. Tínhamos um elenco bom, estável, que gostava da peça e a valorizou o tempo todo. Descobrimos com o Black Tie a existência do prestígio do autor brasileiro. Apenas alguns autores até então eram prestigiados, como na companhia do Procópio, por exemplo, que tinha Joracy Camargo como contratado, e todos os antigos, como Tojeiro e outros, os demais penavam para conseguir colocar uma pecinha aqui, outra ali. O próprio TBC tinha um autor brasileiro a que dava pouca importância, e, no entanto, ele pertencia ao grupo que ajudou a inaugurar o teatro. Mas para estrear uma peça dele no TBC era preciso brigar à beça com toda a italianada. Era o Abílio Pereira de Almeida. Depois de nós, todas as grandes companhias começaram a procurar autor brasileiro. Sandro e Maria Della Costa escolheram Jorge Andrade para inaugurar seu teatro, com A Moratória.” Conta Guarnieri que após o sucesso de Black Tie ele foi procurado por Jorge Andrade, que lhe disse: Olha, velho, foi bom isso que acabei de ver porque eu já estava quase desistindo, agora não vou mais desistir não, porque já temos um caminho, já temos chão. Pouco tempo depois, em 8 de janeiro de 1961, era o jornal O Estado de S. Paulo que anotava... desde que se iniciou a renovação do teatro pau­lista, 1960 foi o primeiro ano em que originais brasileiros despertaram maior interesse do que os estrangeiros, tanto junto à crítica como junto ao grande público. “Essa valorização do autor brasileiro é um orgu­lho que a gente tem, pois tudo começou conosco, com o Guarnieri. Ele vinha de um berço artístico da maior relevância: Um cara ótimo, com um pai maestro e uma mãe harpista, ambos de primeira linha. Tivemos algumas divergências pessoais, claro que superadas, mas tivemos. Por exemplo, ele achava que o Arena estava quase fechando e foi Black Tie que o salvou. Discordo um pouco disso, pois, na realidade, o teatro esteve sempre em crise e a gente não conseguia extrair dele a sobrevivência plena. Todos tínhamos outros meios, outras ocupações e eu mesmo tinha a TV. Lembro que, muitas vezes, coloquei dinheiro do meu salário para pagar algumas dívidas. O teatro estava sim em dificuldade, mas isso não significa­va que se a peça não desse certo a gente fecharia o teatro. É uma balela e as pessoas fantasiam um pouco. Tanto é verdade que a gente começou, imediatamente, a ensaiar o Chapetuba. E essa peça só entrou um ano e meio depois e foi bem. Mas é claro, também, que o Black Tie foi o grande banho que lavou a alma de todos nós. E, naquele momento, foi mesmo a salvação da lavoura. Em 1958, depois que estreou o Black Tie e diante do sucesso, eu disse, vamos parar os ensaios do Chapetuba e eu vou aproveitar a bolsa de estu­dos que eu havia ganhado do governo francês: eu tinha um convite do Jean Villar, então fui para a Europa. Esse convite de Jean Villar, do Teatro Nacional Popular Francês, aconteceu porque ele esteve no Brasil quando fazíamos Molière (A Escola de Maridos) que viu e gostou; daí me convidou para fazer um estágio lá, com seu tea­tro. Na época não pude ir, sim, dois ou três anos depois, justamente quando Black Tie estourou. Mas havia outros problemas no meio disso tudo; em especial, a minha vida particular; meu casa­mento estava indo para as cucuias, estava me apaixonando por outra criatura que conheci. Naquela época havia nascido meu primeiro fi­lho. Entrei em desavença com minha mulher e achei por bem me afastar. Aliás, foi meu único casamento legalizado. A minha segunda mu­lher, com quem vivi 35 anos, já tinha um filho, na época com 4 anos, e que eu criei e trato, até hoje, como se meu filho fosse. Hoje ele é médico e vive lá no Rio de Janeiro. Quando essa mulher faleceu eu perdi um pouco o rumo, a vida ficou meio sem sentido. Mas hoje vivo com uma tercei­ra mulher que, da mesma forma que a anterior, tinha uma filha, uma menina de 5 anos, que venho ajudando a criar; hoje, a garota está com 21 anos. Portanto, tenho 3 filhos.” Capítulo IX A Europa A viagem para o exterior representou, além de um ganho profissional, com a aquisição de novas visões, experiências e técnicas que vieram apri­morar o seu trabalho, uma forma de politização no que diz respeito a políticas globais de admi­nistração de educação e cultura. Ainda que a pre­cária situação do Brasil nesses quesitos já ser do conhecimento geral, as diferenças percebidas na comparação com a França deixaram José Renato estarrecido e inconformado, tornando-o, daí em diante, um batalhador também pelas questões da administração da cultura em nosso país. “Indo para a França, deixei o Teatro de Arena na mão de um colegiado, formado por Boal, Vianinha, Guarnieri, Milton Gonçalves, Flávio Migliaccio e Nelson Xavier. Quase todos fomos perturbados pelos mesmos problemas familiares, a mesma saga todos nós, nenhum caso diferente, problemas de ordem pessoal, casamentos des­feitos... essas coisas. Fui para a Europa e fiquei lá quase um ano, divi­dido entre assistente do Villar no Teatro Nacional Popular e outras atividades. Fiquei um tempo em Milão onde acompanhei de perto uma mon­tagem do Strehller, que para mim foi ótimo. No Theatre National Populaire (TNP), o contato com Villar foi extremamente importante, é claro, mas tive a chance também de acompanhar o trabalho de outros diretores, como Georges Wilson, que seria o sucessor do Villar. Conheci Gerard Philippe, assisti aos ensaios de peças que ele dirigiu e parti­cipou. Talvez o mais saudoso trabalho tenha sido a assistência de On ne Badine Pás Avec L’amour, de Musset, encenado por René Clair. Acompa­nhei esse trabalho desde a primeira leitura até a estréia. Gerard Philippe, o protagonista, era um ator excepcional; dizia que tinha muita vontade de conhecer o Brasil; já era um líder comunista, jovem, impressionante, de uma enorme força interpretativa. Eu soube, tempos depois, que ele estava com câncer, e somente a mulher dele e o diretor René Clair sabiam. Um ano depois que voltei ao Brasil, soube da morte dele. Era um cara queridíssimo pelo público; ele tinha de entrar no teatro por uma porta especial, nos fundos, e era difícil andar com ele pela rua. Câncer no pulmão. Uma desgraça! Bom, mas a minha ex­periência lá foi muito boa e a grande diferença que havia é que em Sampa a gente fazia teatro num palquinho de 3x4 m e lá, o palco tinha um pouquinho mais de espaço: 32 metros de frente, 30 de fundo e mais 30 de altura. Pois é. E tinha mais uma coisa. Quando comentei, no meu retor­no, que somente o TNP tinha um budget anual, um orçamento para cobrir suas atividades, maior do que o do Ministério da Educação e Cultura no Brasil inteiro, causei espanto. Veja só, somente o teatro do Villar!... E isso em 1958/59! Conversando depois no Brasil, com pessoas li­gadas à Cultura, como Edmundo Muniz e Darcy Ribeiro, eles sabiam dessa aberração. E até hoje é assim, com o Brasil mostrando ao mundo que aqui não se dá a menor pelota para a Cultura e para Educação. Isso tudo é um problema de Educação. Ao sucate­amento da Educação sucede-se o perene estado de crise do nosso teatro. A cultura brasileira está mesmo numa encruzi­lhada. O governo teria que tomar uma atitude a respeito, mas, infelizmente, onde estão os projetos de integração de Educação e da Cultu­ra? Os projetos de popularização da Cultura? Os programas de política educacional? E de política Cultural? Ou, mais simplesmente, onde está a vontade política de mudar este país? Tempos atrás escrevi um artigo para a revista do Tabla-do, no Rio de Janeiro, no qual eu falava sobre a desgraça que aproxima a Educação e o teatro, ambos sucateados no Brasil. A lembrança que eu tenho, do meu tempo de criança no Grupo Escolar, era que a responsa­bilidade estava nas mãos de gente dedicada. Professoras dedicadas. As professoras primárias acompanhavam o aluno, olhavam com interesse o desenvolvimento escolar do aluno. Eu era o sexto filho de uma família onde todos os mais velhos eram professores dedicados. A carreira de normalista era o objetivo das famílias da classe média. Hoje parece que nem existe mais essa carreira! Quem hoje orienta as filhas a seguirem a Escola Normal e se tornarem professoras? É um trabalho malpago, malreconhecido, mal­apoiado e isso sucateou o ensino diretamente, e sucateou a cultura indiretamente. A única recuperação possível para esse país começa na educação primária. Os professores têm que ter seus salários melhorados, têm que gostar do que fazem, têm que ter interesse na profissão. A partir do momento que tivermos professores in­teressados, teremos melhores escolas e a escola é fundamental. Se não mudarmos esse panorama agora, daqui a 25 anos a situação será ainda pior. Desleixo com a educação significa um sinistro futuro para o nosso país. Para mim, a temporada francesa foi ótima, pois pude trazer inúmeros textos e conhecer melhor o teatro de Brecht; trouxe algumas peças dele. Na verdade, acho que trouxe todas as peças de Brecht. Ele tinha morrido em 1956 e estavam lançando editorialmente todos os seus textos. Curiosamente, atribuem a esse ou aquele a responsabilidade de ter introduzido a obra de Brecht no Brasil. Muitos pensam que foi o Boal ou até o Abujamra ou mesmo eu. Esquecem-se que Alfredo Mesquita já tinha dirigido, no meu tempo de EAD, uma obra dele: A Exceção e a Regra. Se cabe a alguém o mérito de ter trazido o alemão para o Brasil, sem dúvida, o mérito deve ser do Alfredo Mesquita. Foi em 1950, no TBC, no Teatro das Segundas-Feiras, por alunos da EAD e eu fui ator. Mais tarde eu dirigi, primeiramente no Rio, Os Fuzis da Senhora Carrar, com Tereza Raquel e, depois em SP, no Arena, com Dina Lisboa, Lima Duarte, num magnífíco dispositivo cênico criado por Flávio Império.” Capítulo X As Mudanças no Arena e o Rio de Janeiro “No colegiado, Boal era o diretor, Vianinha se­cretariava e as outras tarefas eram divididas, uns faziam contatos com entidades e outros faziam divulgação, cuidavam da organização interna, da ligação com iluminação, parte técnica, etc. Guar­nieri ficava mais na divulgação. Por essa época já havia uma necessidade de revisão de muitas coisas. Desde o sucesso de Uma Mulher e Três Palhaços, a TV procurou atrair Eva Vilma, vivia cercando-a e acabou por cooptá-la, juntamente com o Johnny, já seu marido, para fazer uma sé­rie, Alô, Doçura e levou os dois. Foi uma chance única para os dois e não havia como impedir. Ao mesmo tempo, outro ator que tínhamos, Jorge Fischer Jr., por exemplo, não escondia sua necessidade de afirmação pessoal e deixava claro que precisava e queria ganhar muito dinheiro. Quando entrou na EAD ele já tinha a profissão de auditor, de técnico em contabilidade, que lhe dava muito dinheiro. Entrou no teatro porque gostava muito, mas, premido pelas circunstân­cias, voltou à sua profissão que o levou para os Estados Unidos, onde está até hoje e ficou mais rico ainda. De vez em quando ele vem ao Brasil, mas ficou vivendo por lá e muito bem. Fora do Arena, fez Chá e Simpatia, com Nydia Licia, com sucesso. Era um ótimo ator, requisitadíssimo, usava a voz muito bem, era um jovem de boa aparência, e acho que o teatro perdeu muito com a ausência dele. Em 1959, fizemos temporada no Rio com Black Tie, naquele espaço que, mais tarde, iria abrigar o Grupo Opinião. Esse local nos havia sido cedido pelo senador Arnon de Mello, pai do Fernando Collor. Era curioso ver o senador puxando os dois filhos pequenos pela mão para ver o que a gente estava fazendo. Eram o Leopoldo e o Fernando. Ele cedeu aquele espaço por um aluguel mínimo, o que permitiu ao Arena realizar uma temporada com o nosso repertório. O Teatro Tereza Raquel, ali do lado, não estava pronto ainda. Pegamos o espaço e tentamos seguir o modelo de São Paulo, conseguimos emprestadas cadeiras e ar­quibancadas, e começamos também com Black Tie; um sucesso enorme também, mas é claro que a repercussão vinda de São Paulo ajudou. Black Tie teve o mesmo elenco, menos o Guarnieri, que foi substituído pelo Vianinha no papel de Tião, mas não me lembro a razão. Por toda a temporada. Talvez o Guarnieri estivesse doente ou fazendo algo em TV. Mas foi um enorme su­cesso. O público carioca é mais extrovertido do que o paulista e, ao final do espetáculo, invadia o palco para abraçar os atores. Lembro de uma noite em que a Tônia Carreiro, emocionada e en­tusiasmada, saiu da platéia por cima dos bancos e correu para abraçar os atores. Era uma coisa incrível. E aquela cena da Lélia Abramo, quase ao final, catando feijões, foi o ponto máximo. A Lélia havia me convidado em 2004 para parti­cipar da cerimônia de entrega do prêmio Shell, que ela havia ganhado. Eu tinha preparado um pequeno discurso no qual citava uma cena da Lélia, justamente aquela em que ela, sozinha, sentada à mesa, catando os feijões, num silêncio absoluto, de tal sorte que a gente escutava os feijões caindo na latinha, em seu colo, fazendo plim... plim... plim. Uma cena fantástica que, até hoje, ao me lembrar, me emociona, me comove. Infelizmente, ela morreu no dia seguinte à en­trega do prêmio e nem pôde comparecer. Mas nosso trabalho no Rio continuou fazendo o mesmo sucesso; em seguida, montamos o Chape­tuba onde até eu entrei como ator. Foi também muito sucesso; e lá ensaiamos e estreamos uma nova peça do Boal, Revolução na América do Sul. Uma comédia musical, a primeira experiência minha no gênero. Geny Marcondes, musicista e artista plástica criou a música. A maioria das letras era do Chico de Assis. Um dos persona-gens mais engraçados era vivido pelo Nelson Xavier, mas todo o elenco nosso participou; os protagonistas eram Flávio Migliaccio e a Dirce Migliaccio, que faziam o casalzinho pobre que era explorado, espoliado, por aqueles políticos da época. Sucesso memorável. Esse teatro que nós usamos, permaneceu fechado por algum tempo, depois de nossa volta para São Paulo, reabrindo apenas em 1965, com o nome de Teatro Opinião, reinaugurando-se para o espetáculo de mesmo nome, que marcou época. Continuamos a fazer um teatro muito politizado, e com essas três peças organizamos uma longa excursão que teve início em Porto Alegre. E lá se aproximou o Paulo José que queria trabalhar com a gente. Quando voltamos a São Paulo, ele se engajou no elenco. Também a Dina Sfat, um pouquinho mais tarde, trabalhou conosco. Não diretamente comigo, mas com o Boal.” Capítulo XI Ainda no Rio, Outros Desafios “A partir de 1961/62, a coisa começa a tomar outro rumo; recebi um convite para dirigir, no Rio, o Teatro Nacional de Comédia e nós discu­timos isso no Arena. Uma chance de lançar em nível nacional, e com recursos, a experiência que tínhamos adquirido no Arena, que era o grande teatro popular. Edmundo Muniz me convidou e eu aceitei. Era uma boa proposta e eu achei que passaria a exercer o meu trabalho em nível nacional. O elenco do TNC era enorme e tinha todos os importantes artistas do Rio na época, Sebastião Campos, Milton Moraes, Wanda La­cerda, Sérgio Brito, todos queriam trabalhar lá, era um tebecezão oficial e era um emprego fixo, com todas as vantagens empregatícias. Comecei montando Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues. Uma peça muito boa, que havia tido uma monta­gem frustrada em São Paulo e que durou pouco tempo. Ainda que, numa produção cuidadosa, essa montagem paulista não encontrou um ator para o papel principal, do bicheiro, que acabou sendo interpretado por Ziembinski e, definitiva­mente, não combinou aquele sotaque polonês com o jeito de falar dos morros cariocas. Na época em que eu cheguei lá, o TNC inau­gurou uma sede própria, no prédio onde hoje é o Teatro Glauce Rocha, no antigo Cineac Trianon. Eu via, ali, a grande possibilidade da minha vida, pois que, de repente, eu senti que poderia ampliar a minha experiência além do horizonte paulista. De fato, nos dois anos que lá fiquei, até o malfadado abril de 1964, fizemos grandes coisas. Toda aquela experiência de teatro brasileiro que vínhamos desenvolvendo aqui em São Paulo, passou a ser feita com maior abrangência. Eu fiz Boca de Ouro, O Pagador de Promessas e uma remontagem de A Jóia, de Arthur Azevedo (originalmente encenada por José Maria Monteiro), com Pedro Mico (originalmente encenada por Paulo Francis). E com esses três espetáculos visitamos o País in­teiro, mostrando três fases diferentes do teatro brasileiro: O teatro clássico, o teatro engajado, empenhado em sua ação política e o moderno teatro urbano de Nelson Rodrigues. Aumentava o interesse pelo TNC e fomos às grandes cidades do Brasil. Uma companhia de 30 atores, cerca de 50 pessoas, levou os espetáculos até o Uruguai, onde apresentamos um brilhante teatro brasileiro. Durante aproximadamente seis meses percorremos quase todo o território na­cional, apresentando Nelson Rodrigues, Arthur Azevedo, Antônio Callado e Dias Gomes, ou seja, O Boca de Ouro, A Jóia, que era apresentada, no mesmo espetáculo, com Pedro Mico, do Callado, e O Pagador de Promessas. Simultaneamente com a turnê, fizemos um le­vantamento das necessidades do pessoal de tea­tro de cada uma das cidades por onde passamos e entregamos um relatório para o Ministério da Educação e Cultura, onde se apontava, cidade a cidade, as principais carências, desde ausência de textos, falta de bibliotecas, aparelhagem inadequada, questões de iluminação, espaços, orientação artística, etc. Todas as reivindicações de cada grupo, chegando ao Rio, entreguei às autoridades públicas. Esse relatório deve ter sido enfiado numa gaveta e dele nunca mais tive notícias. E era governo de João Goulart. Tempos depois, exilado no Uruguai, falando com Darcy Ribeiro, disse-me ele que nunca tinha recebido relatório algum. Ele havia sido ministro da Edu­cação de Jango ao final de seu governo. Mas em 1963 continuamos a trabalhar no TNC. Nesse período houve um pequenino hiato após a posse de Jânio, como presidente da Repúbli­ca, que substituiu Edmundo Muniz no Serviço Nacional de Teatro pelo Clóvis Garcia, e que logo depois foi substituído por Roberto Freire. Fui mantido na direção do Teatro Nacional de Comédia e escolhi uma peça não–nacional mas que tratava daquilo que mais se discutia no País, a reforma agrária. Círculo de Giz Caucasiano, de Brecht, que discutia a quem pertence a ter­ra, aquele que a faz produzir ,ou àquele que a legalizou no cartório. Naquele momento histórico, praticamente nenhuma peça deixaria esse assunto de fora. Círculo de Giz foi um sucesso brilhante. Ainda seguindo esse filão, Chico de Assis escreveu As Aventuras de Ripió Lacraia, onde havia um personagem popular, uma espécie de Pedro Malazarte, empenhado com os problemas da reforma agrária. Era uma comédia musicada, que através da alegria, da diversão, questionava os momentosos assuntos em pauta; o espetáculo começava na própria Avenida Rio Branco, onde ficava o teatro. Às sete horas da noite, num palco armado em frente ao teatro, com jeitão de circo, com palhaços, malabaristas e o próprio protagonista, que, depois, convidava o público, que se reunia em volta, atravancando o trânsito, para entrar no teatro e assistir à peça. De gra­ça. O espetáculo fazia parte de um movimento de conquista de público, de popularização do teatro. Essa encenação foi feita ali na Avenida Rio Branco e em muitos outros locais, inclusive em favelas. Foi importante e marcante, e eu me recordo do boneco que representava o perso­nagem, um cartaz gigantesco, que ia do último andar ao térreo, num prédio de mais de dez andares. Apresentamo-nos várias vezes na Favela da Rocinha, em fábricas, na Refinaria Duque de Caxias. Curiosamente, lembro de que num dia em que voltávamos de lá, de Caxias, escutamos no rádio a notícia da morte do John Kennedy. Era um trabalho que vinha se desenvolvendo de uma maneira aberta, muito interessante. Fazia parte, é verdade, de nossa batalha pela reforma agrária. Mas era bom teatro, diversão, principalmente. Esse espetáculo não chegou a ser encenado em São Paulo. Ficou apenas no Rio. Caminhávamos velozmente para o fim do ano de 1963. Eu praticamente vivia só no Rio e me afastara da administração do Arena.” Capítulo XII A Despedida do Arena “A partir de 1962 combinamos com o Arena uma forma de convivência. Eu me afastava e o pessoal me mantinha a par do que acontecia, discutíamos e tal, mas a orientação toda era do Boal, com o grupo, o Conselho organizado. Era uma empresa e havia sócios. Eu praticamente passei pra eles tudo, passando a ser uma espécie de rainha da Inglaterra.” Anunciada uma nova estrutura administrativa para o Teatro de Arena. Participam do grupo, agora como sócios: Boal, Juca, Paulo José, Guar­nieri, Flávio Império. Presidente de honra: José Renato. Nossas peças, diz o press-release do grupo, nesta fase, serão sempre do repertório popular internacional de qualquer época. Texto publicado em diferentes jornais em torno do comunicado do próprio grupo, feito em 12 de julho de 1963. A propósito, disse Guarnieri, estávamos, nova­mente, numa crise terrível. O elenco todo estava no Rio e acho que Vianinha se deixou condicio­nar pelo pique da cidade. Ele era muito procu­rado pelos estudantes e começou a achar que o que tinha de ser feito em São Paulo já estava feito e que era necessário desenvolver um tra­balho de profundidade no Rio de Janeiro, onde era preciso conquistar os estudantes e catequizar parte da classe média. Grande parte do elenco também resolveu ficar: Milton Gonçalves, Flávio Migliaccio, Nelson Xavier... Aí houve o impasse. Depois de algumas reuniões, Zé Renato resolveu se desfazer do teatro e deu opção ao pessoal que tinha feito o Arena. Então o Arena passou para as mãos do Paulo José e Augusto Boal. Eu tam­bém fiquei. O Paulo José já tinha vindo, Flávio Império também era recente e topou a parada... Juca de Oliveira, que nós tínhamos tirado da EAD para participar de A Semente, entrou também, e Paulo Cotrim, que se juntando a nós deu via­bilidade econômica para ficarmos com o teatro. Então nós seis adquirirmos o nome Arena e o teatro. Isso em 1962. Um comunicado de certa forma traduz, sem di­zer, e antecipa a explicação de um comentário de Décio de Almeida Prado, inserto em O Estado de S. Paulo, de 1.º de janeiro de 1963, que dizia ... por outro lado, a vaga de autores nacionais que subira tão alto em 1960 e 1961, recuou nitida­mente. Não mais de três peças brasileiras foram estreadas em São Paulo em 1962. A Revolução dos Beatos, de Dias Gomes; Antígone América, de Carlos H. Escobar; e O Sorriso de Pedra, de Pedro Bloch. Parece que o público se cansou de determinadas constantes da dramaturgia nacio­nal dos últimos anos – populismo, esquematismo político e que a consciência desse fato refletiu-se inclusive sobre os empresários. Décio havia escrito que é preciso chamar a atenção sobre os problemas brasileiros. Mas é preciso também que as nossas peças não se en­vergonhem de serem somente peças e as nossas farsas de serem somente farsas, quando por aca­so isso ocorrer. Ninguém conteste que salvar o Brasil é tarefa de alta magnitude. Mas se alguém permanece no teatro, se não abandona o palco e vai para a praça pública fazer comício, não será porque sente confusamente que o teatro, sem ser a cogitação mais alta ou premente da humanidade, é a única forma de expressão que ele reconhece legitimamente como sua? Por essa mesma época, período de radicalização no País, onde eram debatidas com veemência e até com violência, as idéias políticas e sociais, de transformação, de mudança... Chico de Assis escreveu a propósito de sua peça, O Testamento do Cangaceiro, que, desde que o Teatro de Arena se empenhou em ir revirando idéias na busca de um teatro brasileiro, muita experiência se fez. Partimos de um realismo quase naturalista, enveredamos no encalço de uma autenticidade de dramaturgia e espetácu­lo: mergulhamos a fundo em busca do homem brasileiro e na realidade brasileira. Depois de Revolução na América do Sul, onde Boal se desli­ga de uma hora para outra daquele realismo no qual estávamos empenhados, outros caminhos se mostraram com possibilidades muito largas. Fizemos, no Rio, A Mais Valia Vai Acabar, Seu Edgar, do Vianna. Uma peça de dramaturgia cheia de descobertas e sugestões. Nada de realis­mo. O que acontece é que na busca de um meio de expressão novo somos obrigados a mudar, quase que de um momento para outro, todo o nosso aparato artesanal. Ainda não sabemos coméquifazpraquefique da melhor maneira. Mas como a teoria só pode nascer do aparelho prático, não é hora de engavetar a experiência e ficar esperando que um dia ela salte da gaveta pronta para a prática (...) O testamento é apenas mais uma experiência. O que se procura é uma forma popular de espetáculo. “Além do trabalho no TNC, que me prendia no Rio, havia também, por razões pessoais, a neces­sidade de ficar longe de São Paulo, para onde eu ia esporadicamente.” Em uma dessas vezes, em fevereiro de 1962, aconteceu a estréia da última peça dirigida por José Renato, no Teatro de Arena, Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht, numa tradução de Antônio Bulhões. Para o trabalho, José Renato havia convidado a atriz Dina Lisboa, para atuar com o elenco já multiestelar, formado por Paulo José, Lima Duarte, Ary Toledo, Yvonette Vieira, Arnaldo Weiss, Eukaris Moraes, Roberto Segretti e Edith Mondego, com cenários e figurinos do genial e saudoso Flávio Império. Disse Magaldi, para José Renato, encenar esta peça, para nós, representa o desejo de aceitar a nossa época, com a nossa arte; significa corajo­samente um desafio à superação... Sem querer fazer do branco, preto, e do preto, branco, desejaríamos que o teatro não tivesse mais os olhos vendados... A Senhora Carrar teve seus olhos definitivamente abertos, somente depois do sacrifício de seu filho. O teatro de hoje já sacrificou seu prestígio, está sacrificando seu público... o que faltará? O Teatro, nesta en­cruzilhada, ou domina o seu meio – joga a sua sobrevivência – na conquista de um público novo, diante da insensibilidade dos governan­tes, ou continuará a se arrastar teimosamente até terminar seus dias na melancolia de um asilo de Don Quixotes... “Nunca tive um engajamento político forte, era apenas um simpatizante. Lia o que acontecia, sabia das coisas, freqüentei algumas reuniões privadas de pessoas que discutiam o momento, e aquilo que a gente poderia fazer. Eu havia feito uma temporada na França e pude ver a participação do teatro na vida política. A inicia­tiva do Jean Villar era coisa muito presente, um teatro engajado e que tinha o apoio total do governo. Villar proclamava e acreditava, como Brecht, que o teatro, não pode ser panfletário, mas que, através do divertimento, você cria condições de transmitir idéias, de debater temas sociais, de aprofundar o conteúdo das peças, e, com isso, valorizar o teatro como veiculo de cultura, entretenimento e educação. É um teatro que diverte, interessa, mas que tem uma idéia como bandeira. Villar e Brecht pregavam isso. Posso colocar numa peça a discussão de idéias, mas não como objetivo único. Teatro não é conferência literária, nem praça de comício; ele é, antes de tudo, entretenimento e diversão. Veja o caso de Revolução na América do Sul, do Boal. Uma peça política, chegou a caricaturar os Estados Unidos. Mas o fato é que havia duas personagens verdadeiras, humildes, que lutavam por sobreviver e magistralmente interpretadas por Flávio e Dirce Migliaccio. Eram personagens populares que todos identificavam, conheciam. Eram extremamente divertidas e extremamente emocionantes. Releia, por exemplo, Papa Highir­te, e Rasga Coração, do Vianinha. Duas peças maduras, engajadas, profundas. Elas resumem as contradições que vivíamos naqueles momentos. Discutíamos, sim, se a idéia era pegar em armas ou não. E havia muito blablablá. Um povo de tradição pacífica como o nosso, e o engajamento em armas foi uma furada. Desde o começo eu sempre acreditei que o teatro é um lugar fun­damental para se discutir idéias, mas não é para, gratuitamente, levantar bandeiras de aglutina­ção política. O teatro vive de público. O comício político espanta o público dos teatros. As peças têm que apresentar uma estrutura dramatúrgica válida e aprofundada para ficar de pé. Não sim­ples esquetes políticos. Havia gente que olhava com desdém para o TBC como sendo teatro da burguesia, o teatrão, importando uma estética européia ou norte-americana. Mas eu consegui ver mais do que isso: o TBC foi importante, eu aprendi muito com o TBC, trouxe peças impor­tantes, introduziu conceitos importantes. O repertório do TBC tinha peças importantíssimas. Os italianos todos que vieram para cá tinham consciência política, talvez em menor grau o Celi. Ruggero era um homem de esquerda, Bollini era de esquerda, Salce era de esquerda.” Eu era um estudante universitário naquela época e não compartilhava, e até me aborrecia, com os comentários dos companheiros de organização que repetiam, à boca pequena, o comentário stalinista intolerante, que Zé Renato era uma ilha ideológica cercada de esquerda por todos os lados. Eu o via como um aliado importante, sério, honesto, da grande causa. Dando razão a mim e calando a boca dos futuros patrulheiros ideológicos, já em formação, a into­lerância da direita mais retrógrada mostrou-se ainda maior e mais ferina. Capítulo XIII O Uruguai e o Golpe Militar “Em função do tipo de trabalho que fazíamos, o ministro da Educação na época, Darcy Ribeiro, proporcionou uma ligação com os países vizinhos e estabeleceu um entendimento com um grupo uruguaio, El Galpon, um grupo teatral muito conhecido. Aliás, ainda é, até hoje, um dos mais festejados. Na época, ideologicamente bem situa­do e provavelmente por isso, o Darcy me mandou dirigir lá uma peça do Dias Gomes, A Invasão, que discutia também o capitalismo e a ascensão do socialismo. Chegou a ser montada no Brasil, mas apenas no Rio. Fui para o Uruguai em janeiro de 1964 e o Itamarati se engajou no projeto, pagan-do-me a hospedagem em Montevidéu. Por essa época eu vivia um casamento recente, com um filho, e ficamos os três vivendo lá. No começo eu era bem recebido pelo embaixador que indicou o encarregado cultural de nossa embaixada para me orientar. Esse era um amigo nosso, Walter Wey, irmão do ator Waldemar Wey, que havia trabalha­do conosco no Arena.. O embaixador, cujo nome não me lembro, no início me recebia muito bem, me convidava a entrar na sala dele, tomava um café, mas aí a coisa começou a piorar no Brasil. A data de nossa estréia estava prevista para a pri­meira semana de abril. Em março, a situação co­meçou a engrossar de vez.. O Comício da Central, as marchas organizadas... e eu fui percebendo a evolução pela forma como o embaixador passava a me receber. Foi mudando, foi formalizando o contato, que antes era absolutamente informal, cordial. Já não sentava comigo no sofá, mas ficava do outro lado da mesa, distante. Quando chegou 31 de março, 1.º de abril, ele não me recebeu mais. Sabia que o Jango tinha sido deposto e eu fiquei a imaginar o que iria acontecer comigo; a primeira coisa que o Itamarati fez foi cortar o meu soldo, mas o pessoal do El Galpon foi muito solidário, me arranjaram apartamento e disseram para ficar o tempo que eu precisasse. Isso atrasou a estréia da peça, cuja história, coincidentemente, retratava exatamente a situação que acontecia no Brasil. Era um prédio em construção, inacabado, habitado por população de sem-teto.” Se por teatro político se entende, como Erwin Piscator, um teatro que não seja mais que um instrumento a serviço do movimento revolu­cionário, cujo aspecto artístico ou estritamente teatral deve subordinar-se a fins sociopolíticos, parece pouco provável que possa estabelecer-se um diálogo proveitoso entre seus partidários e os de um teatro menos comprometido politi­camente. Não se entendiam. Hoje é diferente. “Uma invasão de um esqueleto de prédio, seguida por todas as tentativas das pessoas em tentar estabelecer rotinas de vida e relações cotidianas normais. As pessoas queriam apenas viver em paz, ter um teto. Mas o sistema, o poder, a força, as leis que protegem os poderosos, intervêm com as armas da polícia e da violência. A corrupção se infiltra e corrompe ainda mais a frágil resistência dos invasores. Nota-se que o esqueleto do prédio tornou-se humano com a presença das pessoas, e que, sem elas, esse local não seria nada mais que um depósito de lixo e esconderijo de marginais. A última cena da peça é realmente a expulsão e eu aproveitei isso para retratar o que acontecia no Brasil. A maioria dos invasores usava camisas de clubes de futebol famosos, Flamengo, São Paulo, etc. para enfrentar a reação. Quando a polícia invadia, superarmada, disposta a provo­car um confronto inimaginável, a ação parava e terminava o espetáculo, como que dizendo... aqui não sabemos o que vai acontecer. Pará­vamos o espetáculo com os dois grupos frente a frente. Darcy, exilado, foi à estréia e gostou muito, tendo a gente conversado bastante. Jango não foi assistir, mas Brizola foi. Jango se escondia muito naquela época. Enfim, eu fiquei no Uruguai por quase cinco meses além da es­tréia, sempre sustentado pelo El Galpon. Eu havia saído do Brasil dirigindo um fusquinha. A minha mulher possuía uma casa em Curitiba. Na ida para o Uruguai, passamos por Curitiba, de carro, e viemos pela estrada para o Uruguai. Quando paramos em Jaguarão, na fronteira, os fiscais brasileiros me obrigaram a assinar um documento de responsabilidade no qual eu me comprometia a não vender o carro no Uruguai. Era dezembro de 1963. Assinei e fomos embora. Na volta, eu pensei: e agora? Eu fiquei lá exilado praticamente e iriam começar as aulas do filho da minha mulher. Ela veio embora com o meni­no e eu fiquei no Uruguai à espera de notícias. Ficamos nos comunicando para saber quando seria o momento propício para eu ir também. A gente sabia de prisões, de muita gente fugindo, o Darcy mesmo não sabia de muita coisa. No fim de um tempo, eu decidi voltar para o Brasil. Disse ao pessoal do Galpon: se eu não der notí­cias dentro de uma semana, vocês botem a boca no trombone porque eu devo ter sido preso e vejam o que podem fazer. Eu vou pro Brasil, e vou ficar em Curitiba. Não irei para Rio nem São Paulo. Peguei meu fusquinha e me mandei. Na fronteira eu lembrei do documento que eu havia assinado e pensei: agora eles me param, vão me identificar. Eu separei a cópia do documento que tinha comigo. Na fila de carros, fui passando, passando, havia um soldado que ia mandando passar um a um. Eu passei, e nem me pararam. Nada aconteceu. Imagine! O País tinha acabado de viver um golpe militar e não tinha o menor cuidado com suas fronteiras! Segui viagem, e, na estrada, perto de Porto Alegre, vi um pelotão de soldados bloqueando a passagem. Eu pensei: é agora! Um tenente, na frente, me fez parar e na janela do carro, perguntou: você vai pra Porto Alegre? Respondi que ia, e ele perguntou se eu não podia dar uma carona a um soldado que estava com a mãe doente em Porto Alegre e precisava ir pra lá. Eu disse que com prazer. O pracinha entrou no carro e fomos embora. Nunca ninguém me parou pra nada. É mesmo um país incrível o Brasil! O pracinha estava puto da vida, dizendo que estava pra dar baixa, mas essa merda de movimento militar fez com que ele adiasse por 6 meses. Bem, eu fui pra Curitiba e fiquei lá por quase dois anos. Sobrevivi do trabalho independente, já não tinha nem uma companhia. Fui muito ajudado pela minha mulher, que era pensionista militar, pois o ex-marido dela havia falecido na guerra. O que ela recebia ajudou a gente a sobreviver.” Capítulo XIV Religação com Febeapá Os leitores com mais de 40 anos irão se lembrar do Festival de Besteira que Assola o País (Fe­beapá), criado pelo inesquecível Sérgio Porto ou Stanislaw Ponte Preta, que, na verdade, era uma coletânea, paulatina, dos desmandos e da ignorância demonstrados pelos militares no exercício de seu poder absoluto. Muita gente poderia pensar, à época, tratar-se de piadas do humorista carioca. Mas José Renato vivenciou mais um caso fantástico. “Eu consegui dar umas escapadinhas. Por exem­plo, em fim de1964, a Ruth Escobar me descobriu e me pediu para ir a São Paulo dirigir a peça que iria inaugurar o seu teatro. Ia ser uma bela festa e tal e ela queria uma inauguração monumental com A Ópera dos Três Vinténs, do Brecht. Eu vim a São Paulo e dirigi em dois meses a Ópera. Um espetáculo bonito, importante. A Ruth fez o diabo para ter condições de montar a peça e inaugurar seu teatro. A sala que fica no fundo do teatro, quase subterrânea. Tive alguns pro­blemas porque a Ruth queria fazer o papel da Polly, a mocinha, e dei a ela o papel da Jane Espelunca, que é um papel ótimo também. Para a Polly, a atriz teria que ser quase uma cantora lírica, e não era o caso dela. Convidamos a Lueli Figueiró. Era uma atriz de recursos menores, mas que cantava muito bem. E a partitura musical da peça era muito difícil. A Ruth não gostou muito de fazer a personagem da Jane, mas ela concordou e foi tudo muito bem e o espetáculo foi um grande sucesso. Nessa montagem tive a contribuição genial do Flávio Império na cenografia. E também a excelente Geni Marcondes na direção musical. Voltei para Curitiba e tudo bem, a vida recomeça nos padrões normais. Engajei-me no Teatro Guaíra e lá já estavam Cláudio Corrêa e Castro, Paulo Goulart, Nicette Bruno... e eu encenei então um Molière, Escola de Mulheres, com Nicette, Paulo e comecei a me mexer com mais desenvoltura: Consegui, com um ator-jornalista do Paraná, Maurício Távora, reinaugurar um Teatro de Bolso, numa praça de Curitiba, com O Noviço, de Martins Pena. O governador-interventor na época era Nei Braga, militar que gostava de teatro. Assistia às peças, prestigiava. Fins de 1965, resolvemos fundar um grupo: Teatro dos Estudantes do Paraná. Fizemos uma rápida en­cenação de Nossa Cidade, do Tornton Wilder, e o grupo se entusiasmou. Então escolhi a peça para lançar, de fato, o Teatro dos Estudantes: A Urna, de Walter Jorge Durst. Naquela época havia aqueles faquires que se trancavam em ur­nas para estabelecer recordes de jejum. A peça tem pretensões sociais, é muito inteligente, e o Durst era um escritor muito comprometido com a esquerda. A peça desenvolvia uma pará­bola mostrando o faquir semelhante ao povo brasileiro, precisando jejuar intensamente para conseguir algum objetivo. Comecei a ensaiar. Então, recebi um aviso; fui chamado por um tenente para ir ao quartel-general do Exército no dia seguinte, às tantas horas... Eu morava numa casa boa em Curitiba. As coisas já estavam mais tranqüilas. Eu tinha sabido de algumas histórias do meu povo do Arena, mas ninguém tinha me incomodado...O general comandante me atendeu. Pediu que eu sentasse, me mostrou uma pasta enorme e disse, mais ou menos: – Nós sabemos muito bem quem é o senhor e o que o senhor faz. Por favor, não se meta a montar aqui no Paraná, com o Teatro dos Estudantes, uma peça que trata de eleições diretas, eleições são assunto proibido. Eu tentei argumentar que a peça não tratava de eleições, mas ele insistia: Não interessa. Chama A Urna e basta, não pode. Acho melhor o senhor sair de Curitiba, voltar pra São Paulo, porque o senhor agora vai ser vigiado. Conversei com Nicete, Paulo e Cláudio. No co­meço de 1966, eu e minha mulher viajamos para ao Rio. Paulo e Nicette foram logo depois. E o Cláudio idem. Eu tinha informações sobre o que o pessoal do Arena vinha fazendo, pois alguns me escreviam, e então eu soube da viagem do Guarnieri e do Juca de Oliveira para a Bolívia; a volta deles, que foram muito perseguidos, o Boal também, enfim, a gente acompanhava de longe as peripécias que cada um andava fazendo, por força das contingências.” Capítulo XV Voltando ao Rio “Em 1966, no Rio, logo voltei a me inserir no meio e procurei trabalho. Aí me convidaram a pensar numa idéia para inaugurar a sala Cecília Meirelles, um velho casarão da Lapa, o famoso Grande Hotel da Capital Federal, da peça de Arthur Azevedo. O governo do Estado havia encampado o local, aproveitou-se da fachada e de toda a estrutura e o transformou em bela sala de espetáculos. Aquela seria uma sala especiali­zada em música e resolveu-se criar também um departamento teatral, por insistência do diretor da sala, o José Mauro. Para inaugurar, montei uma nova versão de A Ópera dos Três Vinténs. Em janeiro de 1967. Um espetáculo deslumbran­te, modéstia à parte! A sala não oferece possibi­lidades para a cenografia, não tem urdimentos e nem pano de boca. É apenas um tablado. Mas um lindo tablado! Então um cenógrafo italiano, Túlio Costa, que era do TBC, e a mulher dele, Ninette Van Vuchellin, criaram um dispositivo cênico que permitiu um espetáculo incrível. Mas naquele verão de 1967, em janeiro, pegamos uma das maiores enchentes da cidade do Rio de Janeiro, com chuvas intensas e tempestades. Havia blecautes o tempo todo; chegamos a fazer espetáculos com aquele fantástico dispositivo cênico iluminado por velas, dando um efeito maravilhoso. Às vezes tínhamos de sair do teatro de bote, barco mesmo, pois a praça em frente ficava totalmente inundada. Nessa peça lançamos a Marília Pêra, no papel que, em São Paulo, havia sido feito pela Luely Figueiró. Houve um episódio curioso. Eu sempre encontrava o Ary Toledo, que havia trabalhado comigo no Arena, numa fase muito difícil da vida dele, quando não tinha nem onde dormir, pernoitando muitas vezes lá no nosso teatro. Ele ficou muito amigo meu e, mais tarde, no TNC, eu o chamei para trabalhar no Circulo de Giz e no Ripió Lacraia. De repente, ele fez muito sucesso com a música Comedor de Gilete e acabou ga­nhando muito dinheiro, mas continuou, graças a Deus, simples e amigo. Nessa ocasião, ao saber que eu estava procurando elenco para o Brecht, ele me procurou dizendo que tinha uma moça, uma cantora ótima e atriz em potencial, e que eu deveria conhecer e experimentar. Era Elis Regina. Eu achei ótimo, mas ela queria fazer o papel que eu já havia prometido para a Marília e disse a ela que seria impossível. Mas que tinha outro papel igualmente bom, a Jane Espelunca, para o qual eu poderia transferir algumas canções de outros personagens. Mas ela não quis, queria teimosamente o papel da Polly Peachum, coisa que não pude oferecer. Puxa, que chance que eu perdi! Fiquei pelo Rio, atravessamos muitos problemas, fases difíceis, os governos militares não tinham interesse em dar liberdade e condi­ções de trabalho e a gente conseguia, às vezes, aqui ou ali, fazer um trabalho. Era contratado, individualmente, para dirigir peças a convite de produtores e/ou atores. Montei, por exemplo, Camas Redondas e Casais Quadrados, de uma dupla inglesa, adaptado pelo João Bethencourt. Deste excelente comediógrafo brasileiro cheguei a montar várias peças, entre elas O Dia que Rap­taram o Papa, em São Paulo, no Teatro Itália. Eu ficava, nesse tempo, pulando entre o Rio e São Paulo, orientando o repertório do Teatro Itália. Um dos maiores sucessos dessa fase foi O Peru, de Feydeau.” Capítulo XVI A Comédia e o Humor Sempre existiu uma absurda batalha entre os comediógrafos e os dramaturgos, uns acusando os outros de ter tarefa mais fácil. Os que optam pelos temas dramáticos apontam a necessidade de uma estrutura apoiada na mais fina dramatur­gia e que exige mais inteligência, sofreguidão, cuidado e atenção, ao passo que os comedió­grafos reclamavam da mais difícil tarefa que é conseguir uma risada de um público que já entra no teatro com ar de fadiga. Uma discussão, na verdade, sem muito sentido, mas que levam crí­ticos mais azedos a menosprezar aqueles que se especializam em um tipo de teatro. “Mas, ainda no Rio, há um episódio muito interes­sante. Eu fui procurado pelo Milton Moraes, que estava desempregado, como, aliás, quase todo mundo. Ele vinha com uma bela idéia e sugeria que escrevêssemos uma peça. A primeira coisa que me ocorreu foi procurar o Vianinha, que se interessou, mas estava envolvido demais com o programa A Grande Família, na época um gran­de sucesso de televisão. Seria impossível para ele. Indicou o Paulo Pontes. Este se interessou e topou na mesma hora. Durante uma semana, nós três, Milton, Paulo e eu, escrevemos a peça. E combinamos que Milton seria o protagonista, a direção seria minha e a autoria ficaria como sendo somente do Paulo. E assim escrevemos Barata Ribeiro 200, endereço de um famoso edi­fício, treme-treme, que havia em Copacabana. Quando as primeiras notícias da peça começaram a sair nos jornais, o síndico do prédio e alguns moradores reclamaram e foram à censura, que nos chamou. Muita conversa, muita discussão, aceitamos as críticas e mudamos o nome, que foi, aliás, a saída sugerida pelo próprio censor. E assim surgiu Um Edifício Chamado 200. Espe­táculo de muito sucesso. E título muito melhor que o original! Ficou uma boa temporada e encerrou a carreira. Mas eis que aparece, um dia, Carlos Imperial, e diz que quer produzir de novo o espetáculo, pois era um trabalho inesquecível. Eu argumentei que a peça ainda tinha alguns defeitos; fora es­crita com muita pressa e que seria preciso retra­balhar o texto. Ele insistiu, dizendo que pagaria tudo até abrir o pano. Procurei Paulinho Pontes e retrabalhamos o texto. E a peça foi reencena­da com um resultado surpreendente. Ficou um enorme tempo em cartaz, com público lotando e fazendo fila para assistir até o final da tempo­rada. Uma coisa realmente inesquecível. Depois de muito tempo é que trouxemos o espetáculo para São Paulo; só que Juca de Oliveira fez o protagonista que, no Rio, tinha sido o Milton. Foi no Teatro Paiol. O interessante é que essas comédias todas são peças muito boas e que poderiam perfeitamente ser reencenadas, talvez com pequenas modifica­ções de alguns fatos que foram superados. Aliás, várias peças do João Bethencourt poderiam per­feitamente e deveriam ser montadas de novo. Por essa época montei, ainda, Alegro Desbum, do Vianinha, outro incrível sucesso. Dessa vez, no Teatro Ginástico. Em 71, 72 e 73, eu fiz tantas coisas que caberiam numa enorme lista. Aliás, por tudo isso é que acabo revelando a minha preferência por comédia. De fato, uma vez me perguntaram o que eu mais gostava de dirigir, entre comédia, musical e drama e eu, de imediato, respondi que era comédia. É claro que um drama bem-feito, bem-escrito, é interessan­te. O mesmo com musicais, mas a comédia é óti­ma: supera barreiras de todo tipo, iguala as pes­soas, desmistifica tudo, desmascara preconceitos. Quando bem-feita, bem-escrita, é maravilhosa e exige recursos técnicos, precisão nas cenas e nas marcações, detalhismo, inteligência dos intér­pretes, consciência dos intérpretes, participação. O engajamento do ator é fundamental, pois a comédia requer um timing seguro e baseado no sentido exato do que se está fazendo, o que só se consegue com a participação plena do ator. Um intérprete mal-engajado pode estragar tudo. E assim fui trabalhando e ficando no Rio de Janeiro. Às vezes vinha a São Paulo, pois tinha um filho aqui e sempre fui muito ligado a ele. Vinha para vê-lo, mas muitas vezes vinha em excursão, quan­do uma peça que teve êxito no Rio era trazida para o público paulistano. O que foi bom, pois conheci os primeiros textos do Juca de Oliveira, e pude promover a estréia dele como autor. Ape­nas 500 Milhões de Dólares foi o nome de sua primeira peça; inicialmente teve sucesso no Rio de Janeiro, mas veio para São Paulo com outro título: Baixa Sociedade. Outro sucesso do Juca, outra comédia que eu dirigi, foi Motel Paradiso. Enormes êxitos de público; considero que remon­tagens dessas peças são inteiramente válidas, pois os textos são atualíssimos. Tradicionalmen­te, em todos os países, as comédias de sucesso são permanentemente reapresentadas. Veja o exemplo de Trair e Coçar, do Marcos Caruso. Há uma história incrível com relação a esta peça. Trata-se de um texto que imita claramente situações e gags de Camas Redondas, Casais Quadrados, na qual ele havia trabalhado como ator, sob minha direção. Um dia, o Caruso me deu para ler a sua peça. Logo que li, disse a ele que aquilo era uma cópia fiel do outro texto e que ele deveria esquecer. E assim ele fez, por algum tempo. Anos depois, o diretor Attílio Riccó se encantou com o texto e resolveu produzir. E está em cartaz até hoje, há mais de 15 anos!” Capítulo XVII O Professor Universitário e a Fortuna Uma das facetas menos conhecidas de José Re­nato é a sua experiência como professor univer­sitário no Rio de Janeiro. Um momento em sua vida que o levou de volta às leituras teóricas, am­pliando e aprofundando seus conhecimentos de dramaturgia, antes mais carregados pelo acúmulo de conhecimentos empíricos. Na verdade, poder­se-ia chamar de conhecimento empírico-indutivo, ou reflexões em cima da própria experiência. “E assim correram os anos 70, com muito traba­lho, período em que cheguei a dirigir inclusive óperas de Puccini e Carlos Gomes. Além disso, o mais importante que aconteceu naquele período foi ter sido convidado a dar aulas na universida­de, no Rio de Janeiro. A banca que me aprovou, presidida pelo Guilherme de Figueiredo, reitor da UNI-RIO, concedeu-me o título de Notório Saber, fato que me permitiu assumir uma ca­deira universitária. Fiquei nessa universidade, a UNIRIO, até 1996, quando completei 70 anos e fui aposentado compulsoriamente. Foi uma fase muito importante para mim, me fez retomar as leituras teóricas, ampliar os meus conhecimentos e consolidar idéias e opiniões, fazendo-me rever todo o meu trabalho. Tive muitos alunos que hoje estão exercendo sua profissão no teatro, vitorio­sos e felizes, que, volta e meia, encontro pelos caminhos. Foi uma boa etapa da minha vida.” O incrível é que depois de tanta luta, com uma trajetória realmente impressionante, José Rena­to não tenha ficado rico, tendo, até hoje, octo­genário, que trabalhar para manter um padrão de vida digno e pagar suas contas. “Durante toda a minha vida procurei mais fazer um bom trabalho do que um sucesso. O ideal seria, evidentemente, combinar as duas coisas. Sempre exigi que as peças que dirigisse tivessem algum conteúdo. Mesmo as comédias, elas sempre tinham um fundo de crítica social, sátira à burgue­sia, crítica de costumes, denúncia à corrupção... Eu precisava ser motivado e o que me empurrava era, sem dúvida, o conteúdo da peça, mesmo que lírico. Como o caso da peça que começou o Arena. Não foi a primeira, mas foi a que marcou mesmo o nosso início. Falo de Uma Mulher e Três Palhaços, cujo conteúdo é um hino ao amor, cântico de louvor à beleza, extraordinariamente agradável, bem-construída, bem-feita... foi um grande, inesquecível, prazer! Entre tantas peças feitas, lembro de uma monta­gem marcante: A Escola de Maridos, de Molière, na qual utilizamos uma tradução magistral do Artur Azevedo, totalmente em versos, tal qual o original. Usamos 18 atores em cena, entrando e saindo o tempo todo, por duas escadinhas, num lado e no outro, daquele palquinho do Arena. A imagem que fica na minha lembrança desse espetáculo é o Vianinha. Ele fazia um criado que iluminava o caminho do seu amo. Ele trazia uma lanterna ao nível dos olhos, humilde, e aquela imagem assustada dele, jovem, esperançosa, marca muito a minha memória. O Vianinha está muito e fortemente presente em minha sauda­de, e essa é a melhor imagem que guardo dele, fazendo um famulozinho, insignificante, com um amor, um carinho, uma dedicação extra­ordinária; com aquela lanterninha iluminando o caminho de seu amo. Na verdade, Vianinha marcou o meu caminho. Não fiquei rico. Ganhei dinheiro e perdi dinhei­ro. Sucessos que me permitiram comprar casas e fracassos que me levaram a vendê-las. Até hoje preciso trabalhar para viver. Tenho certo, mesmo, é a aposentadoria da universidade e só. É pouco. A TV em que atuei era diferente, tempos mais românticos do que comerciais e argentários como hoje. Era tudo novo, tudo começando. Para isso é necessário, antes de tudo, sacerdócio em torno da experiência, no descobrir caminhos, no apontar soluções que mais tarde servirão para os que nos seguirem. Em 1953 fui para a televisão e participei da pri­meira verdadeira novela, ao vivo, na TV Paulista, o antigo Canal 5 de São Paulo, mais tarde ad­quirido pela Globo. Quem me levou para lá foi o grande e saudoso Ruggero Jacobbi. Fizemos uma adaptação de Helena, do Machado de Assis. Dirigíamos os atores e no switch, onde dávamos palpites, estava o Antonino Seabra. Mais tarde fui para a Record, no momento em que essa empresa deixou o rádio em segundo plano e inaugurou sua transmissora de televi­são. Empregava três produtores – Graça Melo, Miroel Silveira e eu. Cada um de nós produzia de três a quatro programas por dia, numa lou­cura infernal, pois escrevíamos, produzíamos, recrutávamos, ensaiávamos, dirigíamos. ao vivo, sem videoteipe. Fizemos uma adaptação de Joana D’Arc e mistu­rei no texto trechos tirados de Bernard Shaw, de Brecht, e outros, e quem fez o papel foi Marga­rida Rey, com um elenco enorme. Sérgio Britto, Ítalo Rossi e muitos outros, até com fogueira no estúdio, tudo isso ao vivo! Foi tão entusiasman­te, que Paulo Machado de Carvalho, o dono da emissora, quis repetir. Refizemos tudo, um mês depois... e foi um festival de besteiras, erros, equívocos incríveis.“ Capítulo XVIII Sucessos e Fracassos “Uma ocasião, no Arena, resolvi montar Piran­dello. Naquele ano, 1956, o autor italiano era a minha paixão. Era um banho de literatura extremamente difícil. Descobrimos uma peça em que ele esbanjava filosofia e dialética, anali­sava o pensamento humano com agudeza vital. Expunha a sua visão obsessiva de que ninguém é um apenas. Cada um de nós é muitos. As pes­soas nunca são iguais para todas as pessoas. Esse pensamento do Pirandello com força excepcio­nal, com muita expressividade, marcou aquele instante do Teatro de Arena. Estou falando de Não Se Sabe Como. Uma peça que ele escreveu especialmente para sua mulher, a atriz Marta Abba, e que nunca tinha sido representada, mes­mo na Itália. Com a impulsividade característica dos jovens, decidimos fazer a peça e partimos para conseguir os direitos autorais. Pedimos para a Itália e não conseguimos. Pirandello havia mor­rido cerca de 20 anos antes e sua herdeira, Marta Abba tinha muito ciúme da peça e não a cedia a ninguém. Eu pedi que o Pascoal Carlos Magno, que era embaixador na Itália, interferisse, mas ele não conseguiu. Quando ela recebeu a notícia de que nós estrearíamos a peça a qualquer custo, arriscando até que a justiça fechasse o nosso te­atro, teve uma reação inesperada: liberou a peça para o mundo todo. Escrevemos uma comovida carta agradecendo e felizes porque todos os amantes do bom teatro teriam a oportunidade de ver no palco aquela obra extraordinária. E o resultado do espetáculo foi muito bom. Conse­guimos, então, do dono do teatro Glória, no Rio, um italiano, que gostava muito de teatro, um convite especial. Ele nos convidou e construiu lá no Hotel Glória, no segundo andar, um espaço igualzinho ao nosso Arena, onde fizemos um mês de temporada. no Rio, em 1956, portanto, muito antes de surgir o Teatro de Arena na cidade, anos mais tarde. Essa montagem do Pirandello foi um grande sucesso na época, e um dos pontos altos de nossa experiência. Mais tarde, enfrentamos o Black Tie. Inicialmen­te ninguém tinha consciência clara da importân­cia do trabalho quando montamos; acho até que cheguei a considerar, num primeiro momento, Revolução na América do Sul, mais importante, mais significativo, mais aprofundado e mais rico. A gente conseguiu fazer uma comédia musical em que todos os elementos tinham o mesmo peso, a mesma importância e conseguimos um ótimo resultado. Depois, pouco a pouco, com­preendemos que Black Tie fora um momento único que trouxera uma contribuição muito grande à nossa dramaturgia. Para a discussão dos problemas sociais brasileiros. Black Tie colo­cava em foco o direito à greve, o direito de uma escolha... Nós, realmente, tivemos a felicidade de viver grandes momentos, que nem sempre foram percebidos apropriadamente. Quando montei O Círculo de Giz Caucasiano, embora eu já tivesse montado Brecht, Os Fuzis da Senhora Carrar, me dei conta das dificuldades que o autor propunha nessa peça, os desafios incríveis que ela colocava ao encenador. Acredito que consegui fazer um espetáculo muito bom na época; o resultado foi bom, e acredito ter mantido vivo o espírito do autor. Depois disso tudo, de todos os trabalhos que fiz, uma peça – para mim – marcou presença no cenário teatral brasileiro. Foi Rasga Coração, do Vianinha. Eu acho que desde o começo minha relação com o Vianinha foi uma relação de ami­zade, onde houve momentos difíceis, momentos perturbadores, em que a gente brigou, discutiu, se separou, e depois voltamos a nos encontrar e restabelecemos a amizade. Fizemos outra peça dele, Alegro Desbum, e, de repente, me brin­dou com a oferta de dirigir Rasga Coração. Ele estava muito doente, eu estava impressionado com o aspecto dele, quando ele me entregou o primeiro ato da peça. Achei fantástico, e fiquei dois dias sem encontrar com ele. Quando nos encontramos, ouvi a reclamação: Pô!... você não gostou!? Não me disse nada! Eu respondi que nada havia falado porque perdi a voz de emoção, de entusiasmo e de admiração. E disse que ele tinha de escrever o segundo ato, de terminar o trabalho, que ele tinha nas mãos o embrião de uma obra-prima. Estávamos em plena ditadura, com a censura ainda funcionan­do e ainda violenta. Mas ele conseguiu, a duras penas, escrever o segundo ato; a gente sente que o primeiro ato é um texto cuja estrutura é ama­durecida, trabalhada, burilada, aprimorada, e o segundo é um jorro de emoção que ele não teve tempo de mexer, de revisar. A diferença entre os dois atos é visível e mostra o amor, o cuidado e a paixão que ele sentia pelo texto, que ele sabia que, de certa forma, seria o seu testamento. E foi realmente. Ele morreu, mal acabou de escrever o segundo ato. Não teve tempo de revisar, não teve tempo de datilografar. Naquele tempo não se digitava, mas se datilografava mesmo, e quem fez o trabalho foi a mãe dele, a valente Deucélia. Praticamente, ele ditou para a mãe, na cama. Essa peça para mim foi um marco definiti­vo. Considero essa peça o maior prêmio que eu poderia receber em minha carreira como diretor. Estreou em Curitiba, porque foi patrocinada pelo governo do Estado do Paraná. Nei Braga, o governador, em que pesem todas as críticas que se possam fazer, era um homem extremamente sensível e que gostava de teatro. Quando soube que a peça tinha sido liberada, depois de cen­surada por cinco anos, ele foi o primeiro a nos procurar para fazer a estréia em Curitiba. Foi lá o lançamento nacional. E depois, no Rio, fica­mos um ano em cartaz; em seguida, São Paulo, onde ficamos também quase um ano. Um elenco incrível, o Raul Cortez (soberbo!, Sônia Guedes (comovente), Ari Fontoura (hilário), enfim, um elenco fantástico, com 14 pessoas. Alguns come­çaram ali a carreira, como Lucélia Santos, que fez uma menina, a Vera Holtz fazia figuração, Guilherme Karan... O cenário era do Marcos Fla­cksman, com um desenho construtivista, forte, muito interessante. Anos depois, remontamos a peça, e como não tinha possibilidade de usar o mesmo cenário, trabalhamos com alguns cubos e arranjos cênicos e nem por isso a peça perdeu a sua atualidade, o seu impacto. Foi em Londrina, no festival daquela cidade, que fizemos o Rasga sem a cenografia do Marcos. O enredo conta a história de um velho militante do partido comunista, que sempre foi um bata­lhador, viveu na marginalidade, perseguido, mas mantendo bastante dignidade em sua trajetória de ser humano, de lutador político e homem de família. Esse homem tem um filho que o desilude totalmente; o menino segue todas as influências perniciosas de seu tempo, mergulha no caminho das drogas e o enfrentamento dos dois é agressi­vo e violento. E é esse enfrentamento que a peça analisa. Alguém que dedicou toda a sua vida a uma batalha humana e vê o filho totalmente alienado em uma trilha que ele classifica como perniciosa, desumana. Essa narrativa é feita em meio às evocações da própria memória do velho protagonista, e então se revê os problemas que ele tinha com o pai, pois ele quando garoto também gostava de vida livre, de dançar, cantar. Sempre foi atraído por todos esses chamamentos da juventude, mas nunca abdicou de seus princí­pios; o filho abandona tudo, nenhum princípio pertence à época dele. Vianinha retratou na peça alguns problemas que ele mesmo viveu com o filho, Vinícius, e que acabou superando. É o seu primeiro filho, do casamento com Verinha Gertel. Vinícius, hoje, é escritor também, e jor­nalista. Oduvaldo Vianna Filho, com essa peça, erigiu um memorial, um testamento de amor à vida, à inteligência, à sensibilidade. Repito: Rasga Coração é um dos momentos mais significativos da minha vida. Era o ano de 1979. A peça havia ganho um prêmio em 1974 e foi imediatamente vetada pela censura. A liberação só foi conseguida cinco anos depois. Houve também algumas comédias clássicas que eu gostei muito de fazer, como Feydeau, do quem fiz duas ou três. Principalmente a monta­gem que fiz em São Paulo e depois no Rio, de O Peru. Um acontecimento! Nosso cenógrafo, Flávio Febo, criou um cenário mutante, sensacio­nal, para essa peça; a mutação de cena ficou na lembrança de todos os que participaram dessa montagem; essa mutação era feita em cena pe­los atores, em 30 segundos, à vista do público, como um balé. Trabalho lindíssimo. Note-se que foi tudo em palco italiano e não mais em arena. A respeito dessa mudança de estilos, lembro que em 1994, ou 1995, montei uma peça de um autor irlandês, O Herói do Mundo Ocidental, no palco do Teatro Gláucio Gil, no Rio de Janeiro. Um espetáculo interessante, numa temporada razoável. Ao terminar nosso tempo de uso do teatro, tivemos que sair, mas sabíamos que a peça ainda não tinha esgotado a sua capacida­de de atrair público. A gente sabe quando isso acontece, quando é hora de puxar o carro. Mas aquela peça ainda tinha muito gás para queimar. Então nos ofereceram uma arena para continu­ar. Topamos. Mudei de palco, indo para o Sesc de Copacabana, uma arena linda, com cerca de 12 m de diâmetro. Um teatro construído pelo Marcos Flacksman. Adaptamos o espetáculo e o resultado foi fantástico; eu fiquei mais entusias­mado com o resultado lá do que com a amostra anterior em palco italiano. Um teatro de arena mesmo, provando que o gênero funciona vital­mente, lá na Domingos Ferreira. Outro momento importante para mim foi com a Ópera dos Três Vinténs, do Brecht. Primeiramen­te, montei uma versão que inaugurou aqui, em São Paulo, o Teatro Ruth Escobar, em dezembro de 1964, com cenografia do Flávio Império, mar­cante, muito bonita. Foi naquela época que eu vivia em Curitiba, escondido e vinha para cá sem dar bandeira. Trabalhei a peça para inaugurar o teatro, voltando depois para Curitiba. Cerca de quatro anos mais tarde, no Rio, montei a mesma peça, na Sala Cecília Meirelles, com um dispositivo cênico especial, diferente, numa sala despojada de bastidores, de cortinas, um espaço completamente vazio. Tive a cenografia do Túlio Costa, diferente da do Flávio, mas igualmente boa. O espetáculo foi também muito bem. Ape­nas um ator se repetiu nas duas montagens, o Osvaldo Loureiro. Naquela época era mais fácil produzir e correr riscos. Os custos eram menores e com o peque­no e eventual lucro de uma peça, a gente fazia outra. A presença do público sempre nos susten­tava, embora tenhamos passado alguns apertos. Não me lembro de termos passado fome, mas, prejuízo, perdas, sim, tivemos. Cheguei a vender carro e depois comprei outro, comprei casa e tive de vender. Vendi apartamento e passei por altos e baixos. Tive alguns fracassos, sim... Uma vez, inventei de fazer uma peça inglesa perten­cente ao movimento literário dos angrymen: O Céu É Verde, de Brian Gear. The Sky is Green é uma peça que mistura filosofia e uma concepção niilista da vida, bem negativa, mostrando um personagem forte querendo influenciar uma criança a pensar como ele. Peça inteligente e eu me fascinei pelo approach intelectual, mas ela ficou apenas uma semana em cartaz. Ela tinha, na verdade, outros problemas. Eu tinha dois atores no elenco que não se deram bem, brigavam muito. Enfrentar a ausência de público e agüentar a briga dos atores, eu achei melhor parar. E a peça era interessante e estaria ainda viva para ser montada hoje.” Capítulo XIX O Teatro de Hoje Existirão sempre aqueles que dirão que o oti­mismo representa a concepção segundo a qual a realidade é intrinsecamente boa, e que, em última análise, o bem sempre prevalece sobre o mal. Portanto, é uma concepção ingênua. Esses críticos resgatarão o pensamento de Leibniz, considerado um dos principais representantes do otimismo filosófico, devido à idéia de que este mundo é o melhor dos mundos possíveis, pois teria sido criado por Deus. Definitivamente não é o caso de José Renato que, passando ao largo da discussão filosófica, apenas afirmava, a cada tempo e momento, a sua disposição para o trabalho, a aceitação de novos desafios, e o desejo eterno de starting over, ou começar de novo e sempre. Energia inesgotável, na convic­ção de que muito trabalho e pensamento claro conseguem superar os obstáculos. “Não aceito essa idéia de crise no teatro. São ciclos, embora reconheça que agora parece mais sério. Mas tudo tem um jeito. É fato que o pú­blico está deixando de ir ao teatro. As pessoas da classe teatral estão questionando que fator poderia melhor explicar o fenômeno: O preço? As peças são ruins? As atrações que não interes­sam mais? Tudo isso existe; na verdade, os tem­pos mudaram, chegamos a uma encruzilhada. Os hábitos mudaram. Apareceu um fator que mudou tudo, mudou o mundo, e esse fator se chama televisão. No tempo do rádio, por volta de 1950, as pessoas saíam de casa, iam jantar fora e iam ao teatro. Tinham uma relação social maior; agora está tudo mudado. As pessoas ficam mais reclusas e a televisão incentiva essa atitude. Por meio dos seus programas, o que a TV diz é: Fique aí, sentadinho, que a gente traz pra você tudo o que você precisa ver; nós mesmos escolhemos e você vai ficar muito feliz. Muito feliz! Não se levante da sua poltroninha! É isso aí! Mas acredito que ainda haja espaço para uma reação. Muita gente não aceita receber na sua poltrona as idéias congeladas da TV. Muita gente vai perceber que nada pode substituir a presen­ça viva de um ator num palco, num espetáculo bem-feito, interpretando uma personagem com profundidade e competência, numa peça bem­escrita e dramaturgicamente bem-elaborada. A formação atual de grupos novos que se dedicam a pesquisar e fomentar um teatro vibrante, sem estrelismos vazios, com uma visão mais a longo prazo, anima pessoas que, como eu, acreditam na renovação e na cultura. O teatro voltará a ter público, quando os governantes voltarem a privilegiar a educação. O sucateamento dos últimos 30 anos nesse setor reduziu a educação à sua expressão mais simples e mais lamentá­vel; a profissão de professor, de educador, está desmoralizada; nenhuma família mais orienta suas filhas a se dedicarem a essa tarefa santa. A base, o fundamento de um país é a educação. Voltaremos a ter público nos teatros! É inexorá­vel! A esperança de que os ciclos vão nos trazer governantes capazes de entender as prioridades do Brasil não pode esmorecer. O homem tem necessidade do teatro, assim como tem neces­sidade de conversar com outro homem, trocar idéias com seu semelhante. A televisão servirá para uma ou outra coisa de interesse específico. Modernamente existem, de fato, muitos proble­mas na produção de um espetáculo teatral. As possibilidades de prejuízo na atividade nunca foram tão assustadoras; dificilmente alguém consegue manter um espetáculo em cartaz, ape­nas com a bilheteria. Houve um tempo em que, com pouco menos de meia casa de freqüência média, conseguia-se sustentar uma temporada por quase três meses. Hoje, pouco menos de meia casa de freqüência média não paga os custos de 20 dias de aluguel do teatro. Atual­mente, o custo da mídia para a divulgação de um espetáculo é igual a duas vezes o custo da toda a montagem. Antigamente, os jornais ofereciam condições e preços especiais para a divulgação. Hoje, isso desapareceu. Antigamente, o teatro oferecia oito ou nove sessões semanais de uma peça. Hoje, quando se consegue apresentar o espetáculo quatro vezes por semana, de quinta­feira a domingo, é porque o produtor conseguiu algum patrocínio que paga suas despesas. E o patrocínio, então? Essa é uma longa discussão! Patrocínio é um caminho político! Os critérios de seleção dos projetos para patrocínio passam por caminhos tenebrosos. Não cabe a mim dis­cutir isso aqui e agora. Mesmo porque, acredito que esse problema deve ser uma circunstância momentânea. Tenho fé que acordaremos deste pesadelo em que a deseducação nos mergulhou e que dias melhores hão de voltar. Há também outro problema sério: nossa classe teatral não prima pela união e consciência! Não foram feitos através dos tempos trabalhos e estu­dos direcionados ao conhecimento dos direitos e deveres dos praticantes do teatro que pudessem dar a cada um de nós uma certeza de que essa profissão pode ser exercida com dignidade e respeito mútuo. Também não sou ingênuo de pensar que a pressão pela sobrevivência seja fácil de suportar. Sei que quando uma TV Globo esta­la os dedos e chama um ator, ele larga qualquer espetáculo no meio e sai correndo para o Rio. Ah, que saudades do Milton Moraes! Ele fez te­atro comigo várias vezes. E várias vezes a Globo o chamou; ele dizia: Eu vou, mas vocês têm de respeitar meu horário de teatro, e eu faço seis ou sete espetáculos por semana e não vou deixar de fazer nenhum por causa de gravações! Grande parte dos atores hoje considera o teatro um trampolim para chegar à TV. E os que che­gam, encastelam-se por lá e esquecem o teatro que os criou. E quem pode criticá-los? O sistema de vida tornou-se absolutamente cruel, e quem consegue abrigo numa pequena fortaleza só vai abandoná-la por, no mínimo, um lugar mais seguro. As coisas não precisavam ter chegado a esse ponto; a TV, com previsão e organização, não precisava exercer tal combate com o teatro. Mas a mediocridade exerce, de fato, a sua força e sua nefasta presença. Lamento que alguns ótimos atores, de formação teatral, tenham abandonado de vez o teatro. Poderia citar uma lista. Provavelmente, cometeria alguma injustiça. Outros conseguiram um meio­termo; alcançaram sucesso com a televisão e não abandonaram totalmente o teatro; planejam suas produções teatrais, aproveitando a divulgação que a televisão proporciona; é o caso do Fagun­des, por exemplo; ele não admite que a TV mar­que gravações nos dias de espetáculos teatrais; em compensação, reduziu suas apresentações às sextas, aos sábados e aos domingos; enfim... Acredito que a grande esperança resida na renova­ção daatividade dos grupos de teatro. Deixando de lado a batalha inglória da conquista de mercado, característica do sistema capitalista, grande parte da classe teatral, nos últimos anos, vem orientando seu trabalho na criação de grupos que pesquisam em equipe, lêem em equipe, discutem textos em equipe, tentam produzir em equipe. Apoiando es­sas iniciativas, foi criado até um projeto de política pública, em São Paulo, o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, o qual promete muito. Os grupos de teatro, sem grandes demandas, a não ser a sensibilidade, e a inteligência, podem propiciar grandes surpresas para a atividade, assim espero! O fato é que, como já disse, estamos numa en­cruzilhada.” Capítulo XX Drops “Durante vários anos estive ligado a uma fir­ma produtora, pessoa jurídica criada por mim, Maré Produções Artísticas Ltda. Foi a empresa responsável, por exemplo, por Rasga Coração e outros espetáculos que encenei. Hoje em dia, os impostos que se pagam são muito altos e, por isso,considero que uma das soluções é o sis­tema cooperativado, como em São Paulo, cuja Cooperativa reúne 80 grupos de teatro. Graças a essa iniciativa, pode ser feito teatro em caráter profissional e os riscos de perdas passam a ser menores. Em compensação, pessoalmente, estou penando para conseguir fechar aquela antiga firma que está inativa há mais de cinco anos. Direito autoral é um ponto realmente impor­tante a ser tratado. Fui Presidente da SBAT no triênio 1996/99. Uma experiência braba, dura, pois a SBAT tem muitos problemas, em razão de uma herança recente, apesar de sua história brilhante. Realmente, a origem da sua existência é bastante enaltecedora; as razões que levaram à sua fundação são da maior importância; mas, pouco a pouco, da parte de alguns dirigentes sobraram atitudes de desprezo pela seriedade, pela honestidade... e alguns funcionários da SBAT, infelizmente, agiram de forma criminosa. Por mais que alguns de seus diretores tentas­sem colocar a entidade em seu caminho certo, os problemas criados acabaram por arruinar a SBAT. Naqueles anos, em que a inflação arrasou a moeda nacional, a Sociedade recebia direitos autorais para serem mandados à Europa, por exemplo, e funcionários relapsos depositavam em bancos. E só iam remeter o dinheiro, dez ou 12 meses depois. O contrato com o exterior permitia esse atraso. Só que a inflação reduzia aquele dinheiro a pó, na ocasião da remessa. Os juros acumulados e a correção monetária ficavam na mão desses funcionários relapsos. Isso arruinou a reputação da SBAT, combalida, lá fora. Na nossa gestão a Sociedade estava co­berta de dívidas e, apesar de todo o esforço dos companheiros diretores, pouco pudemos fazer, a não ser, óbvio, denunciar e abrir processo contra antigos funcionários. O fato é que o descrédito da SBAT afastou muitos autores, quando seria o momento de unir esforços para recuperar a atividade de uma sociedade de indiscutível uti­lidade para o funcionamento do teatro profis­sional. Naquela ocasião, cheguei a contatar uma pessoa amiga do teatro, Káti Almeida Braga, do Banco Icatu para que socorresse a SBAT. Naquele momento, pouco mais de um milhão de reais teriam salvado a nossa Sociedade de Autores. A tratativa deu em nada. À nova diretoria que me sucedeu, recomendei que procurasse apoio oficial, via BNDES. Sei que duas ou três direto­rias já se sucederam e o problema continua. A SBAT foi uma conquista que não merecia sofrer essa derrocada. Os autores precisam pensar em alguma iniciativa que possa recuperar o prestígio da sua entidade.” Capítulo XXI Desejos Atuais e o Teatro dos Arcos “Mesmo depois de completar 80 anos, muitos projetos ainda me animam. Felizmente! Reence­nar alguns espetáculos feitos seria interessante, talvez. Por exemplo, Rasga Coração, agora que a emoção da morte do Vianinha já está represada, seria um desafio instigante; as idéias da peça es­tão mais vivas do que nunca. Talvez, Revolução na América do Sul também. E, por que não, O Céu É Verde?! Para um diretor, a coisa inicial, fundamental, é ter o elenco certo. Quando você consegue o elenco certo, pode ter quase certeza de que dará certo. Você já terá meio caminho andado. Talvez, por isso, gostaria de refazer peças que, na época, não fiquei muito feliz com o elenco. Eu sempre li muito. Aconselho sempre isso a jovens diretores que me pedem sugestões. Au­tores me enviam regularmente textos novos. E o ressurgimento do Teatro Brasileiro começa pelo crescente número de autores que aparecem. Àqueles que têm preguiça de ler, conto um fato acontecido comigo, no fim de 1955. Recebi de um amigo, de Recife, uma peça em que ele di­zia ser muito interessante. Eu andava ocupado, achei o título desinteressante; não li, guardei numa gaveta e acabei esquecendo. O texto ficou engavetado por seis meses. Aí esse meu amigo me telefonou perguntando se eu tinha lido. Respondi que ainda não tivera tempo. Então ele me pediu que mandasse a peça de volta: iriam encena-lá em Pernambuco. A peça chamava-se O Auto da Compadecida. ... Daí em diante, passei a ler tudo o que me mandavam. Eu continuo a viver de Teatro. Não gosto de falar do passado. Acho que projetar o presente e imaginar o futuro é muito mais proveitoso. Quando se iniciou o novo milênio, aceitei um convite para voltar a São Paulo. Dirigi um es­petáculo num pequeno teatrinho da UMES, no Bexiga. Seria uma versão musicada de Turandot, do Brecht, e o espaço seria chamado de Teatro Denoy de Oliveira, homenagem a um saudoso companheiro. O espetáculo foi bem e eu fui ficando em São Paulo. Estou organizando um grupo que chamei de Casa da Comédia e aconte­ceu uma coisa muito boa, muito positiva; conheci o deputado Adriano Diogo, que se revelou um grande amigo e incentivador de atividades tea­trais, e, por intermédio dele, o doutor Newton Zadra, dono de um jornal, Folha da Vila Prudente e presidente da Federação de Trabalhadores Cristãos do Estado de São Paulo. Essas pessoas mantinham-se atualizadas com o movimento teatral e me conheciam. A Federação possuía um pequeno auditório, na Bela Vista, e o Zadra me propôs instalar ali um teatrinho normal. Visitei o espaço e topei. No início de 2003, consegui o apoio financeiro do Programa de Fomento da Prefeitura e, então, adaptamos o local e o batizamos de Teatro dos Arcos (cinco letras, como o Arena; Arcos, também, porque esta rua fica bem em cima de antigos arcos coloniais que transportavam água). Assim, neste Teatro dos Arcos pretendemos reco­meçar nossa história. No presente. E no futuro, quem sabe?!...” FIM Cronologia 1926 • Nasce em São Paulo 1948 • É fundada a Escola de Arte Dramática – EAD de Alfredo Mesquita • É fundado o TBC – Teatro Brasileiro de Comé­dia, por Franco Zampari 1949 • Começam a chegar os italianos para o TBC 1950 • José Renato termina o curso na EAD 1952 • Convidado por Ruggero Jacobi, vai ser seu assistente na TV Paulista 1953 • Cria o Teatro de Arena • Estréia Esta Noite é Nossa, de Tennessee Williams 1954 • Estréia Uma Mulher e Três Palhaços, de Marcel Achard 1955 • Inauguração do Teatro de Arena em SP • Estréia, em maio, Escrever sobre Mulheres, de José Renato • Estréia O Prazer da Honestidade, em julho, de Pirandello • Estréia Não se Sabe Como, em agosto, de Pi­randello • A Margem da Vida, de Tennessee Williams, em outubro 1956 • Escola de Maridos, de Molière, em fevereiro • Em maio, Julgue Você, de Pierre Conti • Em junho, Dias Felizes, de Claude Pugget • Em julho, Essas Mulheres, de Max Regnier • Em setembro, Ratos e Homens, de John Steinbeck • Augusto Boal incorpora-se ao Arena 1957 • Em abril, Enquanto eles Forem Felizes, V. Sylvain • Em julho, Só o Faraó Tem Alma, de Silveira Sampaio 1958 • Estréia de Eles Não Usam Black-Tie, de Guarnieri 1959 • Estréia no Rio de Eles Não Usam Black-Tie • Estréia de Chapetuba Futebol Clube, de Vianinha 1960 • Estréia de Revolução na América do Sul, de Augusto Boal 1962 • Embarca para a França para trabalhar com Jean Villar • Assume no Rio o Teatro Nacional de Comédia – TNC 1963 • Encena Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, no TNC • Encena O Pagador de Promessas, de Dias Go­mes, no TNC • Afasta-se do Teatro de Arena, de São Paulo 1964 • Segue para o Uruguai para trabalhar com o Grupo Galpão • Muda-se para Curitiba • Dirige A Ópera dos 3 Vinténs, de Brecht, para Ruth Escobar e retorna a Curitiba 1965 • Com O Noviço, de Martins Penna, reinaugura o Teatro de Bolso de Curitiba • Funda o Teatro dos Estudantes, do Paraná e estreia Nossa Cidadã, de T. Wilder 1966 • General do Exército proíbe encenação de A Urna, de Jorge Andrade • Retorna ao Rio de Janeiro 1967 • Inaugura a Sala Cecília Meirelles, com A Ópera dos 3 Vinténs, de Brecht • Desliga-se definitivamente do Teatro de Arena, de São Paulo 1970 • Escreve e dirige Um Edifício chamado 200, no Rio de Janeiro 1971 • Encena Alegre Desbun, de Vianinha 1980 • Guilherme de Figueiredo, outorga-lhe o título de Notório Saber 1981 • Assume cadeira em dramaturgia na UNIRIO 1996 • Aposentado, deixa a universidade • Assume a Presidência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT 2002 • Organiza o Teatro dos Arcos, em São Paulo Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Introdução – Hersch Basbaum 11 Os Primeiros Anos 21 O Teatro Como Vida 27 Chegam os Italianos 31 Depois de Formado, Novas Experiências 39 O Diretor 43 O Teatro de Arena: A Primeira Revolução 49 Renovação no Arena 69 A Segunda Revolução 85 A Europa 103 As Mudanças no Arena e o Rio de Janeiro 109 Ainda no Rio, Outros Desafios 113 A Despedida do Arena 119 O Uruguai e o Golpe Militar 127 Religação com Febeapá 133 Voltando ao Rio 137 A Comédia e o Humor 141 O Professor Universitário e a Fortuna 147 Sucessos e Fracassos 153 O Teatro de Hoje 163 Drops 169 Desejos Atuais e o Teatro dos Arcos 173 Cronologia 177 Crédito das Fotografias Armando Paschoal 37 Arquivo Multimeios / Idart / Clodoaldo César de Oliveira 82 Hago 97 Demais fotografias pertencem ao acervo de José Renato A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz Villaça Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Anali­sando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Story­boards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sérgio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico García Lorca – Pequeno Poema Infinito Roteiro de José Mauro Brant e Antonio Gilberto João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um tea­tro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? 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Série Teatro Brasil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-772-0 1. Teatro – Brasil – História e crítica 2. Teatro – Produtores e Diretores – Biografia 3. Pécora, José Renato, 1926 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 792.098 1 Índices para catálogo sistemático: 1. Teatro brasileiro : História e crítica 792.098 1 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800 01234 01 sac@imprensaoficial.com.br Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria