Wagner Tiso Som, Imagem, Ação OWagner Tiso Som, Imagem, Ação Beatriz Coelho Silva IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo A meus pais, Horácio e Mucíola, que me ensinaram a amar a música e a vida Beatriz Coelho Silva Apresentação Em meados dos anos 1950, dois meninos do sul de Minas dividiam sonhos e música. Nas noites de baile, eles se sentavam no banco da praça em frente ao Clube Literário e Recreativo Trespontano para ouvir as orquestras que vinham de fora e fazer planos. Iam inventar uma música diferente da que já existia, gravar discos e teriam tanto sucesso que desfilariam em carro aberto pela cidade. O mais novo, com 10/12 anos, neto de imigrantes europeus, que já tocava na Rádio Clube de Três Pontas, queria também fazer música de cinema, como a dos filmes a que eles assistiam quase todo dia no Ouro Verde, o único com tela cinemascope da região. Afora o desfile de carro, aconteceu tudo isso e muito mais com os dois. Wagner Tiso e Milton Nascimento são capítulos importantes na música mundial e fundamentais na brasileira. Fizeram a trilha sonora de muitas vidas, canções e sons que marcaram passagens importantes do País e influenciaram gerações de músicos que vieram junto e depois deles. Wagner Tiso faz música popular, sinfônica e também para cinema, criou também um estilo, uma escola, um som só seu, reconhecido já nos primeiros acordes. Este texto tenta contar como ele realizou seus sonhos, como fincou sua música na nossa memória e na nossa imaginação. Não é uma biografia, trabalho muito mais amplo e ambicioso, só quer abrir uma porta para o mundo de sons e imagens que Wagner Tiso inventou. Para quem, como eu, foi jovem nos anos 1970, ele é um personagem fundamental na história do País e da memória de cada pessoa. Em parceria com outros músicos (e Milton Nascimento foi o mais constante) ou liderando formações que vão de trios a orquestras sinfônicas, sua música embalou cada momento de nossas vidas, explicou nossas perplexidades, nos incentivou a lutar por ideais e ideias e nos consolou nas derrotas. Nos anos 1970, Milagre dos Peixes nos levou a refletir sobre o País, juntando música popular brasileira com rock, jazz e orquestra sinfônica. Na década seguinte, a canção Coração de Estudante nos inspirou a dar o último empurrão numa ditadura que insistia em durar. Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim, nossos maiores compositores, foram revividos em seus discos e concertos na década passada. Neste novo milênio, juntaram-se artistas de estilos e épocas diferentes porque sempre acharam que a música é uma só e que cabe ao músico dar forma a esse amálgama de influências. Fez tudo isso enquanto vestia imagens com sons que nos ajudaram a senti-las. Este livro trata deste item, embora aborde os outros porque na carreira de Wagner Tiso tudo é misturado. Para escrevê-lo, gravamos mais de 30 horas de conversa, entre agosto e outubro de 2005 e depois em junho de 2008, em longas sessões espaçadas por seu corre-corre, entre a preparação de concertos (como o que reuniu a Orquestra Sinfônica da Petrobras, violonistas brasileiros Hamilton de Holanda e Marco Pereira, e o guitarrista norte-americano Stanley Jordan no projeto MPB e Jazz, na Sala Cecília Meireles, em novembro de 2005 ou Dominguinhos e Lenine com a mesma orquestra, em março de 2007), shows, composição de temas, a criação da trilha sonora do musical Os Desafinados, de Walter Lima Júnior, e a implantação do projeto Toca Brasil. Havia ainda a comemoração de seus 60 anos de idade (e 45 de profissão). Giselle Goldoni, sua produtora, foi fundamental nesse livro. Ela organizou as agendas das entrevistas, deu-nos conforto para conversar, lembrou-se de fatos e pessoas indispensáveis e abriu seu arquivo pessoal. A equipe de funcionários da produtora Trem Mineiro também ajudou de todas as formas, copiando discos, procurando livros e sorrindo com simpatia cada vez que eu chegava para conversar. Tentando traçar sua trajetória, descobri que o nome Wagner Tiso abre portas. Todos os diretores com quem trabalhou não só se dispuseram a falar dele com carinho e vontade de repetir a experiência, mas também acharam imprescindível contar sua história de músico e trilheiro de cinema (termo usado por Cláudio MacDowell, de O Toque do Oboé, não por acaso um filme sobre música e cinema). Por isso, também vai para eles o meu agradecimento. Agradeço também às pessoas que leram este livro desde os primeiros rascunhos: meu irmão, Marco Túlio Coelho Silva, músico e professor da Universidade Federal de Viçosa; sua mulher, Heloísa Brilhante São José, também professora da UFV; Joana Goldoni Tiso, filha de Wagner e Gisele, que cuidou para que palavra por palavra entrasse no seu devido lugar, com o sentido exato, e também à jornalista Clarissa Thomé. Rever cada trabalho de Wagner – são 16 longas--metragens e oito curtas, alguns destes institucionais – foi viajar no tempo e na história da música e do cinema brasileiro. Dos iniciais Os Deuses e os Mortos e a Lyra do Delírio, em que ele arranjou música de outros compositores, a Os Desafinados, aprendi como uma indústria tenta firmar-se aos trancos e barrancos, navegando contra a maré e marchando contra o vento, do jeito que as aves voam, como dizia Tom Jobim. Alguns filmes, como os bons vinhos, melhoraram com o tempo. Outros são testemunhos de uma época e das dificuldades vencidas por produtores, diretores, atores, técnicos e, principalmente, músicos, já que música é uma das matérias desse livro. Esta viagem foi um prazer e, se este livro despertar nos leitores vontade de rever essa obra, terei realizado um bom trabalho. Porque contar toda a história de Wagner Tiso na música e no cinema é uma tarefa ampla demais até para ser sonhada. Capítulo I Músicos em Minas Minhas lembranças mais antigas com a música vêm do berço. Minha família é do Leste europeu e todos são músicos. Meus antepassados desceram da Ucrânia pela Romênia, Hungria e Belgrado, na Iugoslávia, sempre seguindo o curso do Rio Tiza, que atravessa essas regiões antes de desaguar no Danúbio. Dali, foram para Itália e Norte da África. Meu avô materno, Savério Tiso, saiu de Pádua, perto de Veneza, no finzinho do século 19, acompanhando os pais e os irmãos que foram morar no Arraial das Candongas, no sul de Minas. Nos anos 1940, quando o povoado já era a cidade de Três Pontas, o povo o chamava de Sério Tiso. Ele havia ficado rico como produtor de café, era casado e tinha 13 filhos. Minha mãe, Walda, era a caçula e ensinava piano. Eu uso o nome Tiso em sua homenagem. Do lado paterno, Francisco Veiga, são outros 13 irmãos, mas nem todos músicos, como acontece com meus primos e sobrinhos maternos, até a novíssima geração. Eu nasci em 12 de dezembro de 1945, o segundo de cinco irmãos, nesta ordem: José Gileno (que toca na noite e em bares de Três Pontas até hoje), eu , Isaura Clara, André Luiz e Marcos Valério. Comecei na música menininho, ouvindo os ensaios dos parentes mais velhos. A família fazia excursões levando acordeons e violinos, parava nas praças ou alugava um clube nas cidades vizinhas e todos tocavam. E eu ali no meio. A primeira vez que me apresentei foi em São Lourenço, estância hidromineral próximo a Três Pontas, tocando um tema a quatro mãos no piano. Eu, com quatro anos, nas notas agudas, e meu irmão, com sete, nas graves, mas não me lembro de qual música minha mãe arrumou para a gente tocar. Nos anos seguintes, sempre nos apresentamos juntos. Aí, me interessei. Aos sete anos, comecei a estudar acordeon, mas não queria tocar como todo mundo. Fazia acordes diferentes e sofria preconceito na própria família. Achavam que eu era metido a moderninho. Na minha casa, tocavam-se música clássica, cigana ou alguma coisa do cancioneiro brasileiro da maneira que chegava a Três Pontas. Na época, início dos anos 1950, a comunicação era horrível. A música demorava a chegar lá. A estrada era de terra, não havia telefone, o rádio pegava mal e não havia livros de música. Hoje é uma maravilha, todo mundo tem informação sobre tudo, o tempo todo. Ali era um sacrifício para aprender as coisas. Em casa, a gente ouvia as músicas pelo rádio, Ary Barroso, Garoto, Dorival Caymmi e outros da época, tirava aquela harmonia e tentava aprender a canção. Duas Contas, de Garoto, foi a primeira que aprendi a tocar. Aos oito para nove anos, entrei para a Rádio Clube de Três Pontas, acompanhando os calouros no acordeon. Apesar de pouca idade, minha família achava normal eu tocar na rádio, mas não me escalava para as apresentações que fazia em grupo. Eu tocava diferente e eles achavam que atrapalhava. Aos dez anos, comecei a fazer bailinhos com uns grupos da cidade, não os da família porque em Três Pontas havia muitos músicos para uma cidade do interior. Nosso repertório era de sambas, como Três Apitos, de Noel Rosa, Apito no Samba, de Luiz Bandeira, e outros sucessos. Nessa época, houve um detalhe. Eu me entusiasmava muito com a música, pois morava quase em frente à casa do Milton Nascimento. O Bituca, como o chamávamos, era três anos mais velho e já fazia sua exibiçãozinha. Eu ficava na minha varanda tocando acordeon e ele, na dele, com a gaitinha entre as pernas e o violão por baixo, para tocar os dois instrumentos ao mesmo tempo. Eu me encantava com aquilo, sentia uma identificação. Mas ele olhava atravessado para minha família porque Tiso, em Três Pontas, era sinônimo de bom músico. E falava: “Por que só Tiso tem que ser bom?” Aos 13 anos, o Milton tinha um conjunto vocal, lá no fim da nossa rua, a Sete de Setembro, e eu cheguei para participar. Passada a rejeição inicial, ele me ouviu tocar acordeon e me admitiu no grupo que se chamava Luar de Prata, marca do violão que sua mãe lhe presenteou. Era um conjunto vocal e eu também fazia a voz mais grave, o barítono. As apresentações aconteciam na rádio e, a partir daí, fomos convidados para fazer bailes maiores, no Automóvel Clube de Três Pontas, onde meus primos mais velhos tocavam. Minha mãe também me botava para cantar nas festas de família, naquelas turnês, e eu até cantava direito, para o padrão da época. Mas quando entrosei com o Bituca, um cantor nato, vi que, mesmo com muito esforço, nunca teria uma voz como a dele. Então preferi ficar no piano e no acordeon, ser do coro e distribuir vozes, coisas que faço até hoje. Sempre discutíamos qual harmonia adotar. Eu achava que quem estudava música ficava bitolado, tocava parecido, e nós, Bituca e eu, tínhamos mania de ser diferentes. Essa vontade nos identificou e ficamos completamente amigos, uma amizade que já completou cinco décadas. Sempre havia baile na região e nós íamos juntos ver. O Bituca não entrava no Clube de Três Pontas por ser negro e eu, apesar de sócio, ficava no banquinho do jardim com ele, solidário, ouvindo a orquestra do lado de fora, encantado com aquele som, nós dois tentando imaginar a disposição dos músicos no palco, que instrumento tocava qual parte da música, essas coisas. De vez em quando, eu subia para colher alguma informação, descia e relatava para ele. Os sopros ficam dispostos assim, há um barítono ali, um não sei o quê.... Bituca e eu íamos ao cinema quase diariamente, principalmente para ouvir as trilhas, que nós adorávamos. Em Três Pontas, havia o Cine Ouro Verde, o único com tela cinemascope da região. Víamos e adorávamos tudo, clássicos, como Sindicato dos Ladrões e outros do Marlon Brando, e filmes hoje considerados cafonas, como O Manto Sagrado. Havia também os musicais de Hollywood, que foram meu primeiro contato com a música dos grandes autores de cinema, como George Gershwin em Um Americano em Paris ou nos filmes de Fred Astaire. Ouvir trilhas sonoras mudou a nossa música. Primeiro porque me remetia ao Leste europeu, de onde vinha a minha família, mas também havia uma mistura com o Ocidente. Nos anos 1930 e1940, os Estados Unidos importaram muitos compositores e orquestradores do Leste europeu, que fugiam do nazismo e da II Guerra Mundial. Essa mistura de Hollywood influenciou o mundo inteiro, inclusive nós dois, lá em Três Pontas. Quando eu entrei para o científico (hoje chamado ensino médio), ali por volta de 1959, minha família se mudou para Alfenas, porque o colégio de Três Pontas só tinha até o ginásio (hoje ensino fundamental). Meu irmão mais velho já estudava em Belo Horizonte e não havia dinheiro suficiente para manter dois filhos na capital. O Bituca foi junto e ficou morando em nossa casa. Compúnhamos o dia inteiro, temos mil músicas dessa época perdidas porque não nos lembramos. Uma delas, Barulho de Trem, só dele, foi recuperada e gravada no seu disco Crooner, que tem arranjos meus. O Luar de Prata cantava os sucessos da época, The Platters e uma ou outra composição nossa. Em Alfenas começamos a fazer mais músicas, porque já começava a chegar um ruído de Bossa Nova, apesar de não haver loja de disco na cidade. Ouvíamos uma canção pelo rádio, na semana seguinte ouvíamos de novo e mais uma vez na outra. Enquanto isso, tentávamos harmonizar. Ficava diferente, mas gostávamos mais da nossa maneira. Só começamos a compor mesmo em Alfenas, já influenciados pela Bossa Nova, mas com aquele jeito de Três Pontas que ainda deixa traços até hoje. Em Alfenas, nem cheguei a frequentar o clube como sócio. Logo começamos a fazer baile todo fim de semana, no conjunto chamado W’Boys, porque quase todos os integrantes tinham o nome começando com W. Eram os irmãos Wanderley, Wayne e Wesley (pronunciávamos Vaine e Veslei) e eu, Wagner. O guitarrista, Daltro, virou Walton, mas não gostou porque era o nome de um bando de assaltantes nos Estados Unidos. O Milton era o crooner e tocava um vibrafone pequenino. Virou Wilton e não gostou também. Então passou a se chamar Milton Willer. Havia um cartaz para colocar na porta dos clubes, com o nome e o instrumento de cada um. Ainda nesse início dos anos 1960, em Alfenas, ganhei o primeiro disco de Bossa Nova. Minha mãe chegou de uma visita a meu irmão, em Belo Horizonte, com um embrulho. “Vou fazer uma surpresa para vocês”, disse. E botou um disco com um som maravilhoso, novo, que nunca tínhamos ouvido. Era o segundo elepê do Tamba Trio, Avanço, com Luiz Eça no piano, Bebeto no baixo e Hélcio Milito na bateria. Eles tocavam Moça Flor, Mas que Nada, Sonho de Maria, Garota de Ipanema, Só Danço Samba, os hits da época, que viraram clássicos. Tinha também O Samba da Minha Terra, de Dorival Caymmi, que é anterior, mas perfeitamente no clima. Minha mãe havia ouvido, achado diferente e pensou que íamos gostar, já que éramos metidos a diferentes.Com esse disco, conhecemos um pouco mais de Bossa Nova e a possibilidade de juntar o clássico com o samba, que o Luizinho fazia muito bem porque havia estudado em Viena. Uma vez, o ator Ankito, muito popular devido às chanchadas da Atlântida, fez um baile em Alfenas, mas seu acordeonista adoeceu e voltou às pressas para o Rio. Fui indicado para tocar no lugar dele e o grupo se encantou comigo. Eles iam fazer uma temporada num hotel de turismo em Cambuquira – outra estância hidromineral do sul de Minas – e me convidaram. Aceitei, mas exigi que o Bituca fosse também. Eles estranharam. “Mas que Bituca é esse que nós nem ouvimos?” Eu disse: “É o cantor que está sempre comigo. Se ele não for, eu não vou.” Aí nós dois fomos de trem até Cambuquira e fizemos a temporada de um mês no Hotel Silva, na época do carnaval. Eu tinha 13 para 14 anos e o Milton, 17. Essa solidariedade continuou depois em Belo Horizonte e no Rio, um sempre tentando incluir o outro no trabalho que conseguia. Com os bailes, tivemos contato com vários músicos de outras cidades e resolvemos, Bituca e eu, ir para Belo Horizonte conhecer esse pessoal. Falaram do Clube de Jazz e Bossa Nova que havia lá e ficamos encantados só com a ideia de conhecer isso tudo. Chegamos juntos de ônibus em Belo Horizonte e começamos a batalha. Fomos ao Berimbau, um clube de jazz do Nivaldo Ornellas (saxofonista), do Hélvius Vilela (pianista) e do Paschoal Meirelles (baterista), que tinha como mentor o Figo Seco. Ele tinha esse apelido porque era meio magrinho. Foi para a Europa e nunca mais voltou. Nós tocávamos diariamente em Belo Horizonte. Aprontamos muito, trocamos muita ideia e influenciamos essa turma, mas eles também nos passaram muita coisa da Bossa Nova e do jazz. Bituca e eu tivemos dois grupos, o quarteto vocal Evolusamba em que eu distribuía vozes, e o Berimbau Trio, só instrumental, com o baterista Paulinho Braga (que foi músico da Elis Regina e do Tom Jobim) e o Bituca no contrabaixo.Por isso, em junho de 2005, na festa que fiz para comemorar meus 40 anos de Rio, no Mistura Fina, Milton me homenageou tocando baixo. Entre 1962 e 1963, havia vários grupos de piano, baixo e bateria como este, alguns maravilhosos, devido ao sucesso do Tamba Trio e do Zimbo Trio. Nessa época, fazíamos shows, mas os bailes pagavam as contas. No baile, a música não podia ser diferente, mas praticava-se um bocado.O cantor dava o tom e o pianista tinha que tocar o que ele pedia, criar uma informação na hora, fazer uma introdução. Era um treinamento fantástico. Hoje em dia tem escola para tudo, mas naquela época, ou se estudava Beethoven ou nada. Fui pianista efetivo em dois conjuntos, primeiro no do Aécio Flávio e depois no do Célio Balona, que fazia matinês dançantes no Minas Tênis e no Pampulha Iate Club, o PIC. O Bituca era o crooner. Quando a temporada de bailes ficava fraca, geralmente no meio do ano, íamos para o ponto dos músicos que, em Belo Horizonte, ficava entre as ruas Curitiba e Guajajaras, perto da antiga Estação Rodoviária. Lá, conseguíamos trabalho como substitutos, o que dá muita cancha. Eu continuava indo muito ao cinema e sonhava fazer trilha sonora porque adorava ver imagens com a música de compositores fantásticos. O Mágico de Oz me encantou só pela melodia de Over the Rainbow (de Harold Arlen). Havia também aquelas trilhas épicas do Dmitri Shostakovich, que era do Leste europeu e fez Encouraçado Potemkin; do Miklós Rózsa, húngaro, como alguns antepassados meus, que usava temas folclóricos de seu país na música de dramas como Farrapo Humano, épicos como Rei dos Reis, Ben-Hur e El Cid e de suspense, como Quando fala o Coração, que lhe deu um Oscar; do Victor Young, autor de mais de 200 trilhas, entre elas Por Quem os Sinos Dobram, Sansão e Dalila, O Maior Espetáculo da Terra, Matar ou Morrer e Os Brutos também Amam, e do Henri Mancini, que fez a música de Bonequinha de Luxo, A Pantera Cor de Rosa. Mas eu não queria imitá-los, tinha uma viagem própria, a música que gostaria de fazer. Cada um recebe a informação e filtra de seu jeito. A minha foi a mesma de muitos músicos, mas cada um faz à sua maneira. Eu e o Bituca, por exemplo, comungamos ideias harmônicas e melódicas, passamos muito tempo juntos, aprendemos a tocar e recebemos a mesma influência, mas compomos de forma muito diferente. Meu estilo é um, o dele outro. No cancioneiro brasileiro, a palavra é muito importante e o compositor pensa numa situação para fazer a melodia. Muitas vezes, a letra se sobrepõe à melodia. No meu caso, a música vem na frente e por isso pouquíssimas composições minhas foram letradas. Eu mesmo nunca fiz porque sou ruim de rima. Crio a música para provocar uma imagem que cada pessoa vê e sente de forma diferente. Geralmente, penso numa cena para compor. Por isso, 80 por cento de minha produção é encomenda. Em Belo Horizonte, eu e o Bituca começamos a tocar e cantar no Quarteto Sambacana, do Pacífico Mascarenhas. Ele era o homem da Bossa Nova em Minas e comandava a turma da Savassi, um grupo de músicos que pensava mais ou menos da mesma forma. A Savassi não era uma área nobre da capital, como é hoje. Era só o nome de uma farmácia de Funcionários, um bairro que nem asfalto tinha. Pacífico Mascarenhas, Luiz Cláudio (cantor que já tinha disco gravado, programa na Rádio Inconfidência e sucesso nacional) e outros se reuniam ali e na praça em frente, que ficou conhecida com o nome de Savassi por causa deles. Depois, a denominação se espalhou pelas redondezas. Os dois viraram meus protetores e são meus amigos até hoje. Bituca e eu andávamos com eles. Às vezes, almoçávamos e jantávamos em suas casas e entramos para o grupo do Pacífico. Ele era o compositor, mas não tocava ou cantava. O conjunto era formado pelo Milton no violão, o Celinho no trompete, o Marcos Minhoca, irmão do Luiz Cláudio, como orquestrador e eu no piano e distribuindo as vozes. Nosso desenvolvimento como músicos foi fantástico porque foram muitas informações nesses três anos, de 1962 a 1964. Tínhamos saído de Três Pontas, onde o ponto alto era Ray Charles e eu comecei a ouvir pianistas espetaculares. O Ray Charles se acompanhava com maestria, mas não era músico de jazz na concepção da palavra, era um soulman que tocava um piano bonito. Mais jazzista era o Nat King Cole que tocava muito bem, mas depois passou a fazer música comercial. Havia também o Modern Jazz Quartet; o Oscar Peterson, que eu adorava ouvir; e o Bill Evans, o que mais me influenciou. Entre os brasileiros, havia o Radamés Gnatalli, que eu conhecia pouco, mas gostava muito, e, principalmente, o Luiz Eça, do Tamba Trio, e o Amilton Godoy, do Zimbo Trio. O Amilton era o Oscar Peterson brasileiro, aquele jazz no samba, e o Luiz Eça era o piano clássico, europeu, no samba. Eles me fizeram evoluir muito porque, naquela época, eu sabia que meu piano não chegava a um quinto do que esse povo tocava. Mas eu não tentava ser como eles, queria fazer minha música, da maneira que conseguisse. Fazia os meus bailinhos de acordeon e piano, tentando evoluir e ouvindo bastante. Era um ouvidor fantástico porque, na música comercial, você ouve para tirar a melodia e a harmonia e, depois que aprendeu, acabou o interesse. É só fazer à sua maneira. Mas o jazz é infinito porque um pianista de jazz nunca se repete, toca diferente a cada vez. Eu fazia bailes, tocava com o Pacífico Mascarenhas e nos shows do Berimbau, onde criava arranjos, mas arranjinho de garoto, com 16, 17 anos. Bituca e eu tínhamos vindo para Belo Horizonte para sermos músicos, vencermos na capital mineira e o pessoal gostava muito da nossa música, achava diferente. Sempre tive essa pecha, que continuou nos anos 1970 com o Milton Nascimento e o Som Imaginário, de fazer música fora do padrão costumeiro. Em 1964, viemos para o Rio de Janeiro fazer coro no disco de uma cantora chamada Luíza, que era amiga da Elis Regina, mas não gravou nenhum outro disco depois. O Pacífico nos trouxe porque ela ia cantar uma música dele, com arranjo do Moacir Santos. Fiquei empolgado com tudo, o ambiente, a cidade, o estúdio, a gravação e o Rio de Janeiro, que eu visitava pela primeira vez. Eu nunca havia entrado num estúdio antes, só tocava na noite e em bailes. Tinha gravado um disco em Três Pontas, com o Luar de Prata, por volta de 1957, e um segundo com o W’Boys misturado a outro conjunto de Belo Horizonte, o Holliday. Este disco tinha uma música do Bituca, Barulho de Trem; outra minha, Férias, e uma terceira de nós dois, Aconteceu, que a Elis sempre dizia que ia gravar, mas acabou não incluindo em disco nenhum. Era também a primeira vez que eu via o mar. Quando a gravação acabou, peguei um ônibus e fui conhecer o Copacabana Palace e a praia. Caminhei na areia, fui até a beira, provei a água, vi que era salgada mesmo e enchi uma garrafinha para levar de lembrança para Belo Horizonte. Além das gravações, havia reuniões na casa da Luíza, com vários compositores, Roberto Menescal, Luiz Cláudio, que já estava no Rio, e Elis Regina, todo mundo lá. Eu dizia: “Bituca, que coisa interessante!”... e ele também se encantava com aquilo. Mas voltamos para Belo Horizonte e eu fiquei com a ideia fixa de morar no Rio. Quando o Pacífico resolveu fazer Muito Pra Frente, um elepê do Sambacana, com músicas dele, eu tinha um plano maquiavélico. O disco ia ser gravado em duas etapas. Primeiro a gente ia fazer metade, seis músicas. Voltava para Belo Horizonte, ensaiava as outras seis e vinha de novo ao Rio para terminar o trabalho. Mas eu me escondi, fiquei aqui. Estávamos no início de 1965, eu tinha 19 anos e comecei uma nova viagem na minha vida. Meu irmão Gileno, que também morava em Belo Horizonte, assumiu meu lugar no Sambacana e gravou a segunda parte do disco Muito pra Frente, que foi lançado quando eu já estava no Rio. O Pacífico incluiu uma parceria comigo, Um Navio e Você, que fechava o lado 2 e foi minha primeira música gravada numa grande companhia de discos. Capítulo II O Plano Deu Certo O estúdio da Odeon, onde gravamos o disco do Pacífico Mascarenhas, ficava no centro do Rio, na Avenida Rio Branco, em frente ao Palácio Monroe, que foi destruído nos anos 1970. Achei maravilhosa a experiência de cantar num coro, acompanhado de uma orquestra, mas queria tocar piano em vez de participar como barítono, a voz mais grave. Como sabia que o estúdio ficava entre os dancings Brasil e Avenida, trouxe meu smokingzinho na malinha, já com aquele plano. Quando eles foram embora, fiquei aqui, sem lugar para morar, dormindo em banco de jardim. Recebi guarida de dois músicos mineiros, o Luiz Cláudio, de quem ficara amigo em Belo Horizonte, e o guitarrista Chiquito Braga, que tocava na Orquestra Arco-Íris, da TV Rio. Lá em Minas, ele tinha sido um revolucionário, influenciou toda uma geração no que diz respeito à harmonia mineira, inclusive o Toninho Horta. O Chiquito é nove anos mais velho que eu, já fazia sucesso quando eu e o Milton chegamos a Belo Horizonte e logo veio para o Rio. Apesar do pouco contato, me acolheu generosamente quando cheguei. Essa vida de dormir na casa dos outros ou em banco de praça durou uns dois meses, até eu conseguir trabalhar na noite, que era meu interesse. Para procurar trabalho, ia para a porta esperar os músicos saírem no intervalo entre um set e outro. Ficava aquele rapaz ali, de smokingzinho: “Olha, se precisar de um pianista na folga...” Folga de músico é na segunda ou terça-feira e eu comecei a tocar nesses dias, até ser contratado pelo Conjunto do Peter Tomas, que era o Gaúcho do Acordeon e tocava no Dancing Brasil. Quem revezava com ele era o Nenê do Acordeon, nome artístico que o Dominguinhos usava na época. Ficamos amigos desde então. O Dancing ficava na Cinelândia, a praça do centro do Rio que tem o Theatro Municipal ao fundo, dominando a paisagem. Quando chegava o meu intervalo, eu ia para o meio da praça olhar sua fachada, fascinado com sua imponência e imaginando um jeito de entrar ali. Pensava que um porteiro que me deixaria entrar para ver o ensaio da orquestra. Eu não poderia mesmo assistir aos concertos que aconteciam na hora em que eu tocava e o ingresso era muito caro para um músico recém- -chegado do interior e ainda sem trabalho fixo. Não me lembro se sonhava tocar lá, talvez no subconsciente. A única coisa que sabia é que o Paulo Moura tocava clarineta na orquestra. Ele era músico de jazz também, que eu admirava muito, mas não conhecia pessoalmente. Foi por isso, certamente, que comemorei meus 60 anos de idade, em dezembro de 2005, com o concerto Um Som Imaginário, em que toquei com a Orquestra Petrobras Sinfônica e amigos daquela época, como Milton Nascimento, Gal Costa, o pessoal do grupo que deu nome ao show, Cauby Peixoto e o próprio Paulo Moura, que seria importantíssimo para minha carreira no Rio. Mas essa parte vem mais adiante. Aí começaram os contatos. Um pianista de outro dancing me falou da boate Sky Terrace, que ia ser inaugurada no topo do Gávea Tourist Hotel, hoje um esqueleto na Estrada das Canoas, em São Conrado, pois só terminaram de construir o terraço. Fui aprovado no teste para o conjunto que tinha o Luiz Bandeira como cantor. Ele é o autor de Apito do Samba, aquela dos bailinhos de Três Pontas, e de Na Cadência do Samba. Esta música virou hino do futebol brasileiro porque a gravação instrumental do Waldir Calmon tocava nos cinejornais do Canal Cem, que passavam antes dos filmes, até os anos 1980. Por coincidência, eu trabalharia pouco depois na boate do Waldir Calmon, Arpège, que funcionou em Copacabana de 1955 a 1967. Como eu não tinha onde morar, levei uma caminha e fiquei lá mesmo, dormindo no andar de baixo, ainda inacabado. O repertório era da noite, para dançar, só valia pela prática de tocar. Uma vez ou outra fazia minhas coisas. Funcionava assim: cada pianista tocava sua harmonia ou, quando queria um negócio diferente, chegava mais cedo e dava uma ensaiada. Essa boate tinha um piano de cauda, cujo som eu achava o máximo. O Radamés Gnatalli frequentava e havia outro pianista, o Carlinhos Cara de Cavalo, que fazia o som mais lindo que eu já tinha ouvido, umas harmonias maravilhosas, de extremo bom gosto. Havia também um órgão Hammond e eu adorava seu som, usado pelo Ed Lincoln e o Walter Wanderley. O Carlinhos tocava nesse órgão e me ensinou muito. Depois usei esse som nos discos do Milton Nascimento, inclusive no Native Dancer, gravado nos Estados Unidos nos anos 1970, que marcou nossa carreira. Em meados 1965, eu não havia chegado ainda em Copacabana. Do centro me levaram para São Conrado e meu sonho era tocar com o pessoal da Bossa Nova ou os grandes cantores, como o Cauby, que tinha uma casa, o Drinks. O Carlinhos me apresentou a esses músicos e me trouxe para morar na casa dele. Quando não dava para ficar lá, eu dormia no banquinho da praça, ali no Lido. Logo depois, começaram a construir um prédio feio, uma escola, e eu pensei: “Derrubaram meu banquinho”. Uma vez o baixista Luiz Alves estava saindo de uma casa noturna, me viu ali e me levou para a casa da tia dele, na Ladeira dos Tabajaras, também em Copacabana. Eu ficava no quarto de empregada, mas conheci todo o pessoal que tocava na noite. O Milton tinha ido para São Paulo – acho que por causa da Elis Regina – e também trabalhava na noite. Eu era o rei da substituição. Fiz a folga dos pianistas até conseguir contratos. Trabalhei no Drinks, no Arpège, no Sacha’s, no programa Almoço com as Estrelas, do Aerton Perlingeiro, aos sábados na TV Tupi, revezando com o pianista Anselmo Mazzone e acompanhando cantores que, naquela época, não tinham banda fixa. Isso começou no início da década de 1970, por influência do Som Imaginário, criado para um show com o Milton Nascimento. Os dois pianistas que eu mais substituía eram Dom Salvador, fixo na gravadora Philips, e Oscar Galente, da Odeon. Nessas ocasiões, tocava-se por partitura e comecei a praticar leitura de música e cifra. As gravadoras e estúdios tinham orquestra e eu passei a gravar como músico, não como artista principal. Uma noite, quando eu tocava no Arpège, conheci o Paulo Moura. Saí no intervalo e ele estava lá, ainda com 34 anos, um mulato bem-vestido, elegante. Eu pensei, “conheço esse cara”, e ele me abordou: “Tem um boato aí que você toca muito bem, tem umas harmonias diferentes e eu queria que você fosse à minha casa para um teste.” Ele era do grupo do baterista Edson Machado e o pianista deles, o Osmar Milito, ia para os Estados Unidos. Quase desmaiei com o convite e, no outro dia, cheguei lá cedinho. Toquei um monte de coisas e ele me mostrou um arranjo que estava fazendo, pediu uma sugestão e ficou todo satisfeito com o que eu propus. Disse que eu tinha resolvido o arranjo. Com isso, me entrosei com o Paulo e o Edson Machado e comecei a participar de uns shows no final da Bossa Nova, mas não abandonei a noite, que pagava a vaga no quartinho de empregada. Morei um tempo na casa do Paulo Moura porque era uma economia, perto do trabalho. Eu tinha a chave dos fundos, entrava pela porta de serviço e não perturbava a família. O Paulo Moura descobriu em mim o orquestrador, que é diferente de arranjador. O arranjador organiza a música, a gravação, faz a base. Qualquer grupo pode fazer arranjos, mas o orquestrador escreve a partitura de cada instrumento. Ele descobriu essa capacidade em mim e me passou os primeiros conhecimentos para desenvolvê-la. Dizia que eu tinha esse talento nato e me fez distribuir as vozes para o Quarteto Paulo Moura. O grupo mudou de líder e de nome logo depois que eu entrei, pois o Edson Machado também foi para os Estados Unidos. Paulo vinha da música erudita e do jazz. Sua família, do interior de São Paulo, era de músicos de orquestra e ele era da Sinfônica do Municipal. Incentivou-me a estudar, enquanto eu tentava convencê-lo a se dedicar só ao seu grupo, que era um quarteto (eu no piano, ele no sax, o Carlos Monjardim no baixo e o baterista Paschoal Meirelles, que eu conhecia desde Belo Horizonte, lá da boate Berimbau), mas podia ser um hepteto, com a entrada de mais três sopros. Mas o Municipal era a noite dele, onde pagava as contas. Paulo foi de uma generosidade impressionante. Ensinou-me o que pôde, só esclarecendo minhas dúvidas. Com ele, conheci outros maestros de rádio e estúdio, como Lindolfo Gaya e o Lyrio Panichalli, também grandes orquestradores que me diziam como se fazia. Eu perguntava como se distribuía os instrumentos, a extensão de cada um deles, como se escrevia para harpa e anotava tudo num caderninho. Em meados de 1969, o palco de show do Canecão foi inaugurado pela Maysa Matarazzo com a orquestra do Paulo Moura, que era o hepteto acrescido de cordas. Até então, o Canecão era uma cervejaria. Os músicos tocavam no meio do salão para o público dançar. A Maysa estava voltando da Espanha e nos convidou para participar da estreia. Paulo e eu fizemos os arranjos e as orquestrações. Esse show, minha estreia profissional como orquestrador, virou o disco Canecão apresenta Maysa e o repertório era bem eclético: Se todos fossem iguais a você, Ne me quites pas, Light my fire, Se você pensa, Meu Mundo Caiu e Ouça, estas duas da própria Maysa. E eu continuava indo ao cinema. Adorei a trilha de Adeus às Ilusões, com Elizabeth Taylor e Richard Burton e dirigido por Vincente Minelli, cuja música tema, The Shadow of your Smile, (de Johnny Mandel & Paul F. Webste), aparecia em duas versões, solada pelo Dizzie Gillespie e cantada por Tony Bennet. Depois, virou um clássico, gravado por Astrud Gilberto, Frank Sinatra e muitos outros. Queria fazer música para filmes porque era o melhor meio de me desenvolver como orquestrador. Desde a infância, as grandes orquestras das trilhas sonoras me encantavam. Eu imaginava como faria isso no Brasil porque não tinha os contatos de hoje, a possibilidade de trabalhar com um conjunto como a Orquestra Petrobras Sinfônica (antiga Petrobras Pró-Música – OPPM) para executar minhas obras. Mas tive uma grande decepção quando comecei a fazer cinema. Não havia verba para a música e eu tinha que usar teclados eletrônicos ou grupos pequenos. Só depois eu pude usar orquestra ou grupos maiores, quando os filmes ficaram mais competitivos e as verbas foram chegando para esse setor. Ainda nos anos 1960, assisti a uma sessão de gravação da trilha sonora de Terra em Transe, levado pelo Osmar Milito, o pianista do Edson Machado que eu iria substituir. Não era o que eu pensava. O quarteto fez uma quebradeira, bem pouco convencional, aquelas coisas do Edson, mas gostei. Depois achei o filme interessantíssimo, mas queria trabalhar com orquestra e, só depois de muitas trilhas, consegui. Quando eu estava no Rio e o Milton, em São Paulo, nosso contato era pequeno, porque eu não tinha telefone. Sabíamos um do outro por carta e quando ele ligava para a casa do Paulo Moura ou vinha en passant e me visitava no Drink ou no Arpège. Ele ainda não era conhecido e eu começava a me dar bem, me sentia artista, tocando na noite com um pessoal que sempre tinha trabalho. Queria trazer o Milton para cantar no conjunto do Paulo Moura, mas o Agostinho Santos inscreveu três músicas dele no 2o Festival Internacional da Canção, Morro Velho, Maria da Fé e Travessia. Esta, em parceria com Fernando Brant, ficou em segundo lugar. A vencedora, Apareceu a Margarida, de Gutemberg Guarabira, tocou na rádio na época, mas Travessia virou hit instantâneo e o Milton ficou famoso da noite para o dia. O FIC foi de 19 a 21 de outubro de 1967. Nesse tempo, Milton e eu voltamos a trabalhar juntos. Na primeira quinzena de outubro, ele fez o show Travessia com o Quarteto Paulo Moura (do qual eu era pianista) no Teatro Casa Grande e, no último fim de semana de 1967, começamos outra temporada, de um mês, no Ruy Bar Bossa, atrás do Copacabana Palace, uma casa de espetáculos de música e de teatro. Milton ficara famoso com o FIC e, antes de nossa apresentação, havia teatro com Ítalo Rossi, Leina Crespi e Gracindo Júnior. Retomamos os shows, às vezes com Marcos Valle (que chamara Milton para participar de Viola Enluarada, outro hit da época), mas nada muito importante. Então, ele foi para os Estados Unidos a convite do Eumir Deodato. Na volta, montamos o Som Imaginário. A primeira formação tinha, como espinha dorsal, eu no piano, o Luiz Alves no baixo e o Robertinho Silva na bateria. Tocavam também o Tavito, na viola de 12 cordas, o Fredera (Frederico de Oliveira) na guitarra, o Zé Rodrix cantando e no órgão e o Laudir de Oliveira na percussão. Ensaiamos em 1969 e estreamos o show Milton Nascimento, Ah! E o Som Imaginário em 1970, com Para Lennon e McCartney, Clube da Esquina, Durango Kid e A Felicidade, do Tom Jobim e do Vinícius, no repertório. O Som Imaginário fazia A Little Help from my Friend, dos Beatles. Os arranjos eram diferentes do que se usava naquela época e deu muito certo. Lotávamos teatros com uma coisa nova, que todo mundo ia ver e falava bem. Nessa época, o diretor Ruy Guerra chamou o Milton para compor a música de Os Deuses e os Mortos. Em 1962, ele havia feito Os Cafajestes, aquele filme que tinha a cena de nudez da Norma Benguell, um dos maiores sucessos de bilheteria do Cinema Novo. Agora contava a história de um revolucionário corrompido e perseguido pelos coronéis do Nordeste. Ítala Nandi e Othon Bastos lideravam o elenco, que tinha também Norma Benguell. Havia um jeito meio de ópera, empostado, na representação dos atores. Ruy já conhecia o Milton, assistira ao show com o Som Imaginário mais de uma vez e queria aquele som para a trilha sonora. Ele definia quando e onde entrava a música no filme, porque geralmente os diretores já têm essa noção e o músico dá sugestões. O Milton fazia os temas e eu, os arranjos, com exceção da Matança do Porco, que compus para uma cena em que isso acontece mesmo. No resto do tempo, era o Milton cantando vocalizes (música sem letra), se acompanhando ao violão e o Som Imaginário como grupo de base. O Ruy queria experimentar fazer a música junto com o filme. Pelo menos uma cena, a final, quando a personagem da Ítala Nandi está perdida no cacaueiro, foi rodada com a trilha pronta. A música era Boda, com letra do Ruy. Poucos anos depois era muito aplaudida no show Milagre dos Peixes ao Vivo, com outro arranjo e cantada pelo Milton. O Som Imaginário abria com Matança do Porco e emendava com Boda (que até hoje o Ruy chama de Canhoneira) como se fosse uma só. A Norma Benguell também usou essa música num espetáculo de teatro, Os Convalescentes, com um terceiro arranjo. Quando estreou Os Deuses e os Mortos, achei lindo porque o grupo estava muito afiado e o Milton, numa forma impressionante. O som era maravilhoso, mas não entendi bem o filme. Tudo era encomendado, o Ruy Guerra dizia “quero música nessa cena aqui, nessa outra” e eu nem participei da montagem porque não tinha prática nenhuma, mas isso não teve a menor importância para o Ruy porque ele gostava da nossa música. Conversou bastante sobre o que queria, mas não me lembro de ele ter dado sugestões ou influído de alguma forma nos arranjos. Depois de Os Deuses e Os Mortos não pensei muito em filmes. Milton e o Som Imaginário haviam-se tornado astros da música e tínhamos público como Skank, Los Hermanos, esses grupos de hoje. Nossos shows lotavam em todas as cidades em que nós nos apresentávamos e os locais eram cada vez maiores. Mesmo assim, fiz alguns filmes como o “famoso quem?”, que tocava piano nas trilhas. Com o Paulo Moura, fiz A Bolsa ou a Vida, primeiro filme do Bruno Barreto e, com o Som Imaginário, alguns outros, como um faroeste brasileiro que foi um fracasso e um curta-metragem A Nova Estrela, de André Adler. Na primeira metade dos anos 1970, as coisas aconteceram muito depressa e, às vezes, ao mesmo tempo. Em 1971, fui para a Grécia com o Quarteto do Paulo Moura e não voltei com eles. Peguei um trem até as margens do Rio Tisa para conhecer minhas origens e fui a Zagreb, na antiga Iugoslávia, hoje capital da Croácia. Depois fui para Portugal. Eu precisava trabalhar porque o dinheiro tinha acabado e era o único país cuja língua eu falava. Voltei ao Brasil quase um ano depois, para reunir de novo Milton e Som Imaginário, mas antes, durante uns dois ou três meses, trabalhei com o Raul Seixas. A experiência não foi boa porque ele tinha um som próprio, definido, ao qual não me adaptei. Queria que eu tocasse como pianista de rock americano e meu estilo era outro. Felizmente, logo reorganizamos o Som Imaginário no show do Teatro Fonte da Saudade, cuja base era o álbum duplo Clube da Esquina 1. Lô Borges, Beto Guedes e Toninho Horta, que haviam participado do disco, também estavam no show. O Beto, que nunca se havia apresentado em público, tocava de costas para a plateia, olhando para mim e morrendo de vergonha. Nessa época, o grupo norte-americano de jazz Weather Reporter estava no Brasil e assistia a nós todas as noites. Um deles, o saxofonista Wayne Shorter, chamou o Milton para gravar nos Estados Unidos. Lá fomos nós três, eu como pianista e arranjador e o Robertinho Silva como baterista, gravar o disco Native Dancer, que só foi lançado aqui em 1975. Antes, passamos pelo Festival de Jazz de Montreaux, num show com a cantora Flora Purin, o percussionista Airto Moreira e o baixista Ron Carter. De volta ao Brasil, em 1973, gravamos Milagre dos Peixes. Primeiro, o disco de estúdio, em que o Milton fazia vocalize em quase todas as músicas porque as letras foram censuradas. No ano seguinte, veio o show Milagre dos Peixes ao Vivo, com algumas músicas cujas letras haviam sido liberadas, outras mais antigas do Milton e canções de outros compositores, como Sabe Você, do Carlos Lyra e Vinícius de Moraes. O show teve uma récita no Teatro João Caetano, do Rio, acrescido de orquestra. Em seguida, fomos todos para São Paulo de trem de ferro para gravar o espetáculo no Teatro Municipal, que também virou elepê, e turnê nacional. Estes dois discos Native Dancer e Milagre dos Peixes, de estúdio e ao vivo, são comentados até hoje. O primeiro influenciou uma geração de músicos norte-americanos, enquanto Milagre dos Peixes fez a cabeça dos brasileiros. Só que, naquele momento, não tínhamos noção da importância desses trabalhos. Foi uma conjunção que começou em 1972, com Matança do Porco, passou pelo Clube da Esquina e desaguou em Milagre dos Peixes. A partir de então, passei a prestar atenção em orquestra, mas só muitos anos depois, em 1996, quanto solei Rhapsody in Blue, do George Gershwin, com a Orquestra do Theatro Municipal do Rio, regida pelo Roberto Tibiriçá, descobri que, além de escrever para uma sinfônica, posso tocar junto, interpretar uma peça inteira. E Rhapsody in Blues é uma das mais bonitas. Nesse início dos anos 1970, o Som Imaginário lançou três discos. Os dois primeiros tinham nosso nome como título e, poucas músicas minhas, a maioria cantada, com uma levada mais de rock. Em 1972, gravamos Matança do Porco, um álbum fundamental. Era a primeira vez que um disco instrumental fazia sucesso popular. E misturava música brasileira com rock progressivo, rock’n roll, jazz, música clássica e sinfônica. No Brasil, nenhum grupo instrumental tinha tocado com orquestra sinfônica até então. Isso chegou ao auge com Milagre dos Peixes, o elepê de estúdio, o show e o disco ao vivo. Foi uma afirmação porque provei para mim que poderia fazer música de qualidade. Isso era mais importante que acertar no mercado, o que também aconteceu. Ali havia uma linguagem, um conceito que o público adorou. Depois do disco Ao Vivo, fizemos uma turnê nacional, só Milton e o Som Imaginário, com teatros lotados. Paralelamente a esses discos e shows, fazia arranjos de estúdio para discos de Luiz Cláudio, Johnny Alf, Agostinho dos Santos, Maysa, os primeiros do Gonzaguinha, os do Paulo Moura e outros. Posso dizer que, na década de 1970, dois terços dos elepês da Odeon tinham arranjos meus. Fiz para os dois primeiros da compositora mineira Suely Costa, o de estreia da Fafá de Belém (Tamba Tajá, de 1976), parte dos seguintes que ela gravou e de muitos outros artistas. Algumas músicas tocam até hoje, como Meu bem Querer, com Djavan; Sol de Primavera, com Beto Guedes; Gota d’Água, com Simone; Dentro de Mim mora um Anjo, com Fafá de Belém; Conflito, com Raimundo Fagner; Espere por mim morena e Começaria tudo outra vez, com Gonzaguinha. No início houve resistência porque achavam que eu era muito sofisticado, mas depois viram que, se necessário, também fazia arranjos simples, adequados ao que o artista queria. No fim dos anos 1970, diminuí o ritmo. O mercado ficou ruim e o arranjador era obrigado a seguir os modismos. Hoje, só faço o que me interessa, como os CDs Crooner, do Milton Nascimento, o Acústico, da Gal Costa. O entrosamento com a Gal vem de 1971, quando o Som Imaginário a acompanhou no show Deixa Sangrar. O Som Imaginário durou de 1970 a 19 de outubro de 1976, data do seu último show, já desligado do Milton Nascimento. A primeira formação defendeu a música Feira Moderna, do Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant, no Festival Internacional da Canção de 1970. Toni Tornado venceu com BR-3, e Ivan Lins teve seu primeiro sucesso com O Amor é o meu País, mas nós também chamamos a atenção. Só que, quando eu saía do Brasil, eles paravam e esperavam a minha volta para remontar a banda e fazer shows com formações variadas. Laudir de Oliveira foi para os Estados Unidos tocar com o Chicago e Naná Vasconcellos entrou no lugar, mas foi para lá pouco depois. O Robertinho Silva e o Luiz Alves também saíram um tempo para os Estados Unidos e vieram o Paulinho Braga, o Jamil Joanes (baixo), o Toninho Horta (guitarra) e o Nivaldo Ornellas (sax). Às vezes, um voltava como convidado, como o Fredera, no terceiro disco, que já não tinha mais Zé Rodrix. O Som Imaginário terminou como um quinteto, com o Fredera e o Toninho Horta nas guitarras, o Jamil Joanes no baixo, o Nivaldo Ornellas no sax e eu sempre no piano e sintetizadores, arranjos e composição. Fizemos um show fantástico no Museu de Arte Moderna do Rio lotado, com todos os músicos que se possa imaginar na plateia, Egberto Gismonti, Taiguara, Gonzaguinha e todo mundo mais. Logo depois fui para os Estados Unidos e, quando gravei de novo, em 1978, já era o artista principal, mas pode-se dizer que Matança do Porco foi meu primeiro disco. Nos Estados Unidos, tinha Los Angeles como base e fazia gravações em estúdio, arranjos e acompanhava cantores. Um deles era John Lucien, muito conhecido então. Em 1977, quando voltei dos Estados Unidos, fiz os arranjos do disco Confusão Urbana, Suburbana e Rural, do Paulo Moura, com produção do Martinho da Vila. Gravamos standards (Espinha de Bacalhau, Notícia) e inéditas do Paulo (Dia de Comício, só dele, Dois Sem-Vergonha, parceria nossa, e Bicho Papão, também nossa com o Martinho da Vila). Era música brasileira com jazz, choro, música latina e orquestra sinfônica em algumas faixas. Foi um sucesso de vendas para um disco instrumental e quem ouve gosta até hoje. O Walter Lima Júnior usou algumas faixas no filme A Lyra do Delírio, um thriller carioca, que se passa no submundo dos dancings e pequenos bandidos e tudo deságua num desfile do bloco de carnaval do título. A atriz Anecy Rocha é uma táxi-girl (moças que trabalhavam nos dancings e ganhavam por música que dançavam), Paulo César Pereio, um jornalista apaixonado por ela e Tonico Pereira, magro e cabeludo, um bandidinho fuleiro, que rouba o bebê dela. As músicas não foram compostas para o filme, nem eram as únicas da trilha, há também trechos de composições de Waldir Azevedo, Xavier Cugat, Poulenc, Smetak e Caetano Veloso. Mas os temas de Confusão Urbana e Suburbana dão o clima da trama e um bolero, que toca no fim e nos letreiros, com um arranjo de metais, virou hit nos bailes que o Paulo Moura fez nos anos 1980 e 1990. Com A Lyra do Delírio, conheci o Walter Lima Júnior. Ele era casado com a cantora Telma Costa, irmã da compositora Suely Costa, para quem eu fizera os arranjos de dois elepês. Nossa parceria já tem cinco filmes, Inocência (1983), Chico Rei (1984), Ele, o Boto (1987), A Ostra e o Vento (1997) e Os Desafinados (2008). Capítulo III Carreira Solo Antes de vir para o Rio, em 1965, morei em Belo Horizonte, onde tocava em bailes e começava a conhecer conjuntos de outras cidades. Todavia, minha mãe queria que eu estudasse Odontologia ou Farmácia. Contrariando o desejo dela, desisti do curso superior para investir na música. Isso significava ir para a capital e ter mais contato com aqueles músicos de quem ouvia falar no Sul de Minas. Em 1967, quando Milton Nascimento fez o show Travessia, na boate Ruy Bar Bossa, em Copacabana, conheci a cantora Ellen Blanco, irmã do dono da casa, que fazia dupla com outro cantor chamado Luiz. Eu brincava, dizendo que eles eram Elle Et Lui, como a loja de roupas da época. Ellen chegou a gravar um compacto duplo, aquele disco com quatro músicas, duas de cada lado. Foram meus primeiros arranjos no Rio, para o Hepteto Paulo Moura. Uma das faixas, Tudo Azul, minha e do Tibério Gaspar, chegou a tocar nas rádios. Em 1972, época da primeira formação do Som Imaginário, nasceu minha primeira filha, Índia, que hoje mora em São Paulo e trabalha com produção. Três anos depois, o Milton gravou um disco lindo, Minas, em que fiz 90% dos arranjos. Na faixa Gran Circo havia um solo feminino e eu levei a cantora Fafá de Belém, que acabara de chegar de lá para cantar esse solo. Para as faixas que pediam vozes masculinas, formei um coral com os dois grupos de maior sucesso da época, o MPB-4 e os Golden Boys. Quando houve necessidade de vozes femininas criei um coral que apelidei de As Irmãs de... porque era formado pela Nana Caymmi (irmã de Dory Caymmi e já cantora de sucesso), Telma Costa (irmã de Suely Costa), Isaura Tiso (minha irmã) e Miúcha (irmã do Chico Buarque, que cantava com Tom Jobim). Havia também a Joyce, que não era irmã de ninguém, mas era excelente cantora. Minas foi um enorme sucesso e Gran Circo tocou muito no rádio, impulsionando a carreira de Fafá. Logo ela gravou seu primeiro disco, com arranjos meus e um êxito comercial e de crítica. No ano seguinte, 1976, fui morar em Los Angeles onde trabalhei com o cantor Jon Lucien, Herbie Hancok e voltei a me encontrar com Wayne Shorter, com quem havia gravado Native Dancer anos antes. Jon Lucien fazia uma turnê costa a costa nos Estados Unidos e com o Herbie fiz um show no Shrine Auditorium, em Los Angeles, celebrando o Dia Internacional da Mulher Negra. Neste show, ele tocou lindamente um arranjo que fiz para Dindi, de Tom Jobim e Aloyzio de Oliveira. Nesta época fiz também shows importantes com Flora Purim e Airto Moreira. De volta ao Brasil, em 1977, casei-me com Giselle Goldoni, com quem vivi durante 30 anos e que é mãe de minha segunda filha, Joana. Giselle tinha 19 anos e eu, 30. Logo tornou-se minha produtora, começou a cuidar do lado prático da vida e eu achei ótimo porque eu precisava de alguém que desse ordem às minhas coisas. Sua primeira iniciativa foi procurar o Mariozinho Rocha, diretor artístico da gravadora Odeon, com o contrato debaixo do braço e a ousadia dos 19 anos, para saber por que eu não tinha gravado um disco já que o prazo estava quase expirando. Antes de ir para os Estados Unidos, eu havia assinado um contrato na Odeon, com o diretor-geral, o Milton Miranda, que queria um disco só meu. Mas eu pensava em fazê-lo com o Som Imaginário e adiava entrar no estúdio porque ia tentar incluí-los. Giselle chegou antes e praticamente me obrigou a gravar o disco e o Mariozinho, a lançá-lo. Demorei tanto porque nunca havia pensado numa carreira solo. Sou gregário e jamais quis ser Wagner Tiso sozinho, mas sim integrante de um grupo. Mas a Giselle me convenceu de que, para dar vazão a tudo que eu queria da música, precisava investir em mim. Naquela época, fazer música para cinema, realizar concertos com orquestras e gravar minhas composições inéditas (numa quantidade suficiente para meus três primeiros discos e alguma sobra), não era mais um sonho, e sim uma possibilidade que eu precisava descobrir como concretizar. Giselle ponderou que, naquele momento, um grupo reduziria minhas chances, bem como minha disponibilidade para essas outras viagens profissionais. Ela estava certa porque, se não fosse por sua insistência, eu estaria buscando músicos para uma banda até hoje. Ficaria conhecido como arranjador e compositor, contudo não teria essa carreira de solista organizada por ela. Até hoje penso em juntar-me a outros músicos e, ao longo dos anos, me associei a eles de várias formas. O primeiro disco saiu em 1978, o meu nome como título e músicas compostas desde os tempos do Som Imaginário, porém não gravadas porque haviam elementos clássicos demais ou muita influência de Minas misturada com jazz e música erudita. Algumas foram feitas naquela viagem à Europa, quando conheci a terra de meus antepassados. Uma das faixas se chama Zagreb. Outras, como Igreja Majestosa, Cafezais sem fim e Choro de Mãe, eram sucesso nos shows do Som Imaginário. Wagner Tiso foi gravado com orquestra regida por mim e um grupo fixo: Luizão Maia no baixo (da banda de Elis Regina, liderada pelo César Camargo Mariano), o baterista Nelsinho, que vinha do grupo 3D, do Antônio Adolfo, Chico Batera e Marku na percussão e Tavinho Bonfá, na guitarra. Eu toco piano e órgão eletrônico e Milton Nascimento participa da faixa Seis Horas da Tarde. A soprano Maria Lúcia Godoy canta em outra, Desfeixo. O disco vendeu 30 mil cópias, um sucesso para música instrumental na época. Os shows de lançamento foram no Teatro Clara Nunes, no Rio, e no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e depois viajei por capitais brasileiras no Projeto Pixinguinha, só com o grupo, sem orquestra. Até hoje, foram 33 discos, mas nunca solo, sempre com convidados, uma banda, um grupo sinfônico ou outros artistas. Fiz dueto com o pianista César Camargo Mariano em Todas as Teclas, de 1983, e com o guitarrista Victor Biglione, em Tocar a Poética do Som, de 2004. O Victor é um companheiro de duas décadas. Ele entrou na minha banda em 1984, para fazer o espetáculo Nave Cigana, dirigido por Denis Carvalho, que levou mais de 11 mil pessoas ao Circo Voador, num fim de semana, um público recorde naquele começo de revitalização da Lapa, bairro boêmio do centro do Rio. No ano seguinte, Victor gravou também o álbum Coração de Estudante e esteve praticamente em todas as minhas bandas, independentemente das formações. Ele é meu guitarrista para trilha sonora, concerto ou gravação. Também fiz dueto com cantoras. A primeira foi a portuguesa Eugénia Melo e Castro, cujos primeiros discos só com músicas brasileiras, Terra e Mel e Águas de Todo Ano, de 1982 e 1983, eu produzi e arranjei. Depois, faríamos mais três discos, inclusive Lisboa dentro de Mim, de 1993, gravado lá e com repertórios misturando brasileiros e portugueses. Com a Nana Caymmi gravei Só Louco, ao vivo, no Festival de Montreux de 1989, época em que eu morava na Espanha com uma bolsa da Fundação Vitae. Passei oito meses lá, pesquisando a influência da música ibero-americana no Brasil. O resultado foi a suíte Fiestas e Senzalas, ainda inédita aqui, e o disco Baobab, de 1990, que dividi com o guitarrista flamenco Vicente Amigo, o compositor Suso Saiz, que faz música gestual, só de efeitos sonoros, sem melodia ou harmonia, e o africano de Mali, Salif Keita. Este último fazia muito sucesso na França, centro irradiador da música africana, e, juntos, fizemos também o Brazilians Scenes, lançado só lá, na mesma época. O sonho da música sinfônica também aconteceu, toquei com as três orquestras cariocas, a do Theatro Municipal, a Sinfônica Brasileira (OSB) e da Petrobras (Opes), que já se chamou Orquestra Pró-Música (OPPM). Com a primeira solei Rhapsody in Blue em 1996, um prazer extra por eu ser um dos poucos músicos populares que dividiram um palco com eles. Outra parceria produtiva foi com o Rio Cello Ensemble. Gravamos três álbuns, ao Vivo, de 1995, resultado de um show que estreou no Jazzmania, no Rio e rodou o País; a trilha sonora do filme ao Ostra e o Vento, de 1997, e Debussy e Fauré encontram Milton e Tiso, em 1999, que também teve turnê. Neste último fiz arranjos para composições de nós quatro, evidenciando que música não tem fronteiras de tempo ou de espaço. A junção de Le Petit Nègre, de Claude Debussy, com Penny Lane, de Lennon e McCartney, era um dos números mais aplaudidos e o público adorava ter, no mesmo concerto, a brasileiríssima Cravo e Canela, do Milton e do Ronaldo Bastos, e a Pavana, de Gabriel Fauré. A Opes é a parceira mais constante desde a trilha sonora de O Guarani, gravada em 1995. O maestro, na época, era o Armando Prazeres, que morreu assassinado quatro anos depois. Foi um trauma, mas os filhos dele continuaram o projeto, enquanto o maestro Roberto Tibiriçá assumiu a direção da orquestra. Giselle e eu tínhamos muita afinidade e boas lembranças da época em que Tibiriçá era regente da OSB, embora já houvéssemos feito um concerto com músicas de Pixinguinha, para comemorar seu centenário de nascimento (em 1997). Então, começamos a ter ideias. Nesse mesmo ano, gravamos o disco e o especial Acústico MTV da Gal Costa e, no ano seguinte, saímos em turnê pelo Brasil. Ainda com a Gal eu faria, em 2001, o álbum Gal, de Tantos Amores, em que ela regravou hits próprios, como Folhetim, Índia e Força Estranha e de outros cantores, como Outra Vez e a Última Estrofe. Formamos uma orquestra para a ocasião. Ainda em 2000, fiz com a OPPM Cenas Brasileiras, título também de uma suíte minha. Neste disco, gravamos ainda o Choro no 6 de Heitor Villa-Lobos. Considero Villa e Tom os compositores mais importantes do Brasil, porque têm uma obra riquíssima que mistura gêneros e estilos sem preconceitos. Gostaria de fazer música como eles. Como não é possível, toco suas composições. As do Tom, desde quando trabalhava em bailes e na noite no Rio. Nunca cogitei de parar. Eu sei que vou te amar, por exemplo, está em Cenas Brasileiras e ao Vivo. Com Villa comecei, em 1980, quando fiz o arranjo de Caicó, para o disco Sentinela, do Milton Nascimento em 1987, a convite do jornal O Globo, fiz versões eletrônicas de temas de Villa para o Projeto Aquarius, com acompanhamento da OSB regida pelo Isaac Karabtchevsky. No ano seguinte, como convidado, fiz arranjos e toquei a Floresta Amazônica, concerto e disco do pianista João Carlos Assis Brasil, do qual participava também o cantor Ney Matogrosso. Em 2000, juntei meus compositores preferidos no disco Tom Jobim Villa-Lobos. Por isso, fiquei muito feliz quando o poeta Geraldo Carneiro escreveu o seguinte no encarte de Cenas Brasileiras: “Se houvesse uma árvore genealógica da música brasileira, Heitor Villa-Lobos, Antônio Carlos Jobim e Wagner Tiso seriam três gerações/girassóis do mesmo ramo.” A partir de 2004, iniciamos a série MPB e Jazz, em que a Opes mescla música erudita com as várias correntes de música popular brasileira ou estrangeira. Além dos convidados, um músico da orquestra sempre faz um solo. A estreia, em 1o de maio de 2004, no Theatro Municipal do Rio, reuniu a orquestra com Paulinho da Viola e a Velha Guarda da Portela. O seguinte, em 12 de junho de 2004, teve o Trio Madeira Brasil, Grupo Maogani e os instrumentistas Victor Biglione e Toninho Ferragutti. O último concerto de 2004 foi em 22 de setembro, na Sala Cecília Meireles, com o pianista cubano Gonzalo Rubalcaba, o violonista Yamandú Costa e o clarinetista Cristiano Alves. Em 2005, começamos em 23 de abril, com Ivan Lins, João Bosco, Nelson Ayres e o Zimbo Trio. Continuamos com Armandinho, Elione Medeiros, Nivaldo Ornelas e Paulo Moura, no dia 29 de julho, e encerramos o ano com Hamillton de Holanda, Marco Pereira e o guitarrista norte-americano Stanley Jordan, em 7 de outubro. Os shows sempre se dividiram entre a Sala Cecília Meireles e o Canecão. Nos últimos três anos foram mais seis shows, com Lenine e Dominguinhos, Egberto Gismonti e Leandro Braga, o grupo mineiro Uakti e o compositor africano Foday Musa Suso, Edu Lobo e Zizi Possi, Antônio Nóbrega e a orquestra Spok Frevo e, em abril de 2008, Beth Carvalho e Diogo Nogueira cantando Noel Rosa. Em outubro de 2008, pretendo juntar Déo Rian, Joel Nascimento, Kiko Horta, Marcos César, Paulo Sergio Santos numa homenagem a Jacó do Bandolim. Além disso, ampliamos o projeto para São Paulo, onde a Opes é substituída por orquestras locais. Esse projeto é bem-sucedido porque tem a adesão total dos músicos da Opes – e a partir de 2008, das orquestras de Belo Horizonte e São Paulo. Eles se entusiasmam e me acompanham em todas as viagens musicais. Isso também devido ao patrocínio da Petrobras, que nos dá boas condições para trabalhar, convidar grandes artistas nacionais e estrangeiros e cobrar ingresso até a R$ 5,00, que garante casa lotada e filas na porta. Desde o primeiro concerto, trazemos alunos de escolas de música de comunidades carentes. Eles assistem aos ensaios, conversam conosco sobre o trabalho e alguns ouvem os concertos da plateia ou das coxias, para entender o processo de se fazer música. Essa iniciativa se liga à minha vontade de ver a música como disciplina das escolas públicas brasileiras, uma luta de mais de 20 anos que, creio, espero que se realize ainda nesta década. Como sempre fiz muitas coisas de uma só vez, aprendi a ser disciplinado e a ter uma organização para o trabalho, embora não espalhe essa característica para as coisas práticas da vida. No início do ano, Giselle faz minha agenda profissional para 12 meses – meus compromissos no Brasil e no exterior –, o que tem de composição, orquestração e concertos. Isso me dá uma ideia geral, mas ela tenta deixar dois meses, um em cada semestre, para os imprevistos. Há outra agenda diária, com o tempo para cada tarefa. Sempre ouço outras pessoas para escolher os músicos com quem toco, mas a palavra final é sempre minha, com base no tipo de som que pretendo obter, identificação pessoal e outros critérios. No filme Os Desafinados, por exemplo, Giselle sugeriu o Dirceu Leite para os sopros. Geralmente, a produção determina orçamento e eu digo o que é necessário para uma trilha sonora ou um disco. Além da música, a política é uma referência importante na minha vida. Fui um dos primeiros filiados ao PT no Rio e recolhi muitas assinaturas para o partido no início dos anos 1980, mas minha vivência no assunto vem da infância. Assim como aprendi música em casa, com minha mãe, meu pai, Francisco, foi meu primeiro professor de cidadania, pois me ensinou que devo lutar pelos meus direitos, assim como pelas ideias em que acredito. A família dele é envolvida com política até hoje. Um tio dele, quase da mesma idade e que foi criado como seu irmão, era o deputado João Pimenta da Veiga, do PSD, um dos esteios do presidente Juscelino Kubitscheck no Congresso. O ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso, Pimenta da Veiga, que também foi deputado (PSDB-MG), é filho deste meu tio-avô. Política era assunto constante na minha casa. Embora meu pai não fosse filiado a nenhum partido, tinha um pensamento de esquerda, era muito atento e preocupado com a desigualdade, o preconceito e a injustiça social. Fui criado nesse meio e, quando morei em Belo Horizonte, logo após o golpe militar, dois primos por parte de pai eram líderes estudantis, faziam parte do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e foram perseguidos por isso. Eu, no entanto, mais preocupado com música, tentando encontrar meu espaço naquele meio, não tinha militância explícita, embora sempre estivesse à disposição quando precisavam de mim. Nos primeiros anos no Rio, minha ajuda foi mais necessária. No início dos anos 1970, abriguei em casa pessoas que caíram na clandestinidade, como a Eliana Caruso, mulher do cartunista Chico Caruso, e um pessoal do Pará, que me apresentou Fafá de Belém. Eliana tinha o codinome de Lúcia, mas não me lembro dos outros nomes que as pessoas usavam nem sei o que elas fazem hoje porque perdi o contato. Se eu fosse do Rio, talvez tivesse militado desde cedo porque tinha posições anti-UDN (União Democrática Nacional, partido de direita, de oposição a Getúlio Vargas e a Juscelino Kubitschek e de apoio ao golpe de 1964) e anti-Arena (Aliança Renovadora Nacional, partido do governo, criado pela ditadura militar, que também determinou que a oposição deveria reunir-se numa só agremiação, o Movimento Democrático Brasileiro, MDB). Só comecei a militar, de fato, na segunda metade dos anos 1970, quando o Gonzaguinha me chamou para fazer shows que recolhiam fundos para as greves dos metalúrgicos do ABC paulista por melhores salários e condições de trabalho. O presidente do sindicato de São Bernardo era Luiz Inácio da Silva, o Lula, a quem fui apresentado. Também nessa época, havia afinidade e aproximação com o Henfil, cujo filme Tanga, Deu no New York Times, de 1987, teria trilha minha. Éramos mineiros e, principalmente, tínhamos visões parecidas do País e das questões políticas e sociais. Com o tempo ele se tornou um de meus melhores amigos e, mesmo antes de trabalharmos juntos, nos víamos com muita frequência. No fim dos anos 1970, muitos artistas eram militantes e eu me entusiasmei com a organização das classes trabalhadoras que acontecia em todo o País, mas partia de São Paulo e desaguaria na criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Naquela época, como hoje, acho essa organização fundamental para o Brasil e, por isso, quando o PT se tornou uma realidade, me filiei na primeira hora e busquei apoios no meio dos músicos e outros artistas. O PT democratizou o poder que, até seu surgimento, sempre esteve com as elites. Por isso, não podemos perder a chance de fazer tudo dar certo. Meu entusiasmo continua intacto até hoje, embora nunca tenha pensado em me candidatar a nenhum cargo público ou dentro do partido. Aliás, artista nunca é convidado a candidatar-se. Mesmo o Gilberto Gil elegeu-se vereador por opção dele, tal como foi pessoal sua decisão de tornar-se ministro da Cultura. Nunca pensei em concorrer ou ter cargo público por absoluta falta de talento e temperamento. Não sei discursar. Meu negócio é escrever textos e, principalmente, música. Quero contribuir com o que faço bem. Em agosto de 2006, em plena campanha para a reeleição do Lula, eu vi que devo participar fazendo música e não falando. No dia 21, houve uma reunião na casa do ministro da Cultura, Gilberto Gil, dos artistas, produtores e empresários da área que apoiavam o presidente. Foi um sucesso. O apartamento do Gil, que é grande, ficou lotado de pessoas diferentes: Jards Macalé, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni; um dos sócios da Conspiração Filmes, Leonardo Monteiro de Barros (filho do então senador tucano Arthur da Távola), a cantora Alcione, entre tantos outros notáveis. Eu fiquei emocionadíssimo quando o Lula lembrou nossas campanhas dos anos 1980 e saí da reunião em estado de graça, feliz com o que eu considerava uma bela festa. Na saída, os jornalistas me cercaram e começaram a me questionar sobre o mensalão, acusação de que o PT pagara propina para deputados de todos os partidos apoiarem os projetos do governo. Quando falaram em ética, eu disse que não estava interessado em discutir só a ética do PT, mas a de todos os partidos e da sociedade em geral. Mas os jornais O Globo e a Folha de S. Paulo e, depois a revista Veja, usaram só um pedaço da minha fala e publicaram que eu não estava interessado na ética do PT. Na verdade, o alvo não era eu, mas sim o presidente Lula, que estava muito bem nas pesquisas. Na época fiquei muito deprimido. No entanto, ao mesmo tempo que alguns jornais me pichavam, recebi apoio de muitos jornalistas que estavam lá, de músicos e até pessoas que nem conhecia direito. Essa manobra, assim como outras, para mudar a tendência das eleições, não deu certo. Lula se reelegeu, e seu segundo governo está muito bom. Depois disso, nunca mais me incomodaram para falar do assunto, evidência de que distorceram o que falei com um objetivo específico: prejudicar o presidente. Hoje não falo mais sobre política com jornalistas, só sobre música. A não ser que eu conheça a pessoa. E continuo acreditando no Lula e no PT, disposto a dar minha contribuição para as causas que considero importantes. Minha música independe da militância política. Quando não há letra, a mensagem se dilui, vira sentimento, deixa de ter um foco exato. Mas acredito que todo artista é engajado porque é também cidadão. Por isso, estive e estou à disposição quando precisam de mim. Fiz a campanha das Diretas Já, a convite dos então deputados Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e Tancredo Neves (PMDB-MG). Participei dos showmícios, até porque o público já havia ligado a música Coração de Estudante àquele momento de luta política, mesmo antes de as manifestações terem começado. Na primeira campanha do Lula à Presidência, em 1989, fiz incontáveis comícios com ele, levando um órgão pequeno. Ele discursava e eu tocava. Meu interesse não era musical, mas pessoal, social e político. Precisava estar envolvido com este lado do Brasil e ainda penso assim. Certa vez, me perguntaram de que forma o PT tinha alguma influência na minha carreira. Na música não, mas no trabalho sim. Ajuda na vida pessoal, na relação com as pessoas à minha volta e com minha equipe. Todos têm os direitos trabalhistas respeitados, desde quando contratei o primeiro colaborador. Creio ser esta a razão da solidariedade que me cerca. Levo para a vida pessoal e profissional os princípios políticos em que acredito. Capítulo IV Dupla Estreia Inocência e Jango Os dois primeiros cineastas que me chamaram para assinar a trilha sonora completa foram Sílvio Tendler, que só faz documentário, e Walter Lima Júnior, com quem só fiz ficção. Mas a principal diferença entre eles é o método de trabalho. O Sílvio me deixa à vontade para criar em cima das cenas e compor temas a partir de músicas que já existem. O Walter não, escolhe tudo. São formas diferentes de trabalhar, ambas muito ricas. Coincidentemente, nos dois primeiros filmes que fiz com eles, o documentário Jango e a adaptação do romance Inocência, há temas baseados em composições alheias. Ambos foram produzidos no início da década de 1980 e estrearam com menos de um ano de diferença. Inocência, em 24 de junho de 1983 e Jango, em 30 de março de 1984, véspera dos 20 anos do golpe de 1964, do qual falava. Walter Lima Júnior tinha usado Confusão Urbana, Suburbana e Rural como trilha de a Lyra do Delírio porque adorava esse disco. Ele ia aos shows do Som Imaginário, com ou sem o Milton Nascimento, mas não fazia ligação entre mim e este álbum do Paulo Moura. Quando chamou o Paulo para gravar alguns temas incidentais da Lyra do Delírio, soube que eu era o arranjador e quis me conhecer. Fui a uma das pré-estreias e me emocionei muito. Logo ficamos amigos, inclusive porque ele era casado com a cantora Telma Costa, irmã da compositora Suely Costa, cujos dois primeiros elepês eu tinha produzido. Nos dias em que saiu meu primeiro disco solo, Wagner Tiso, nos encontramos no Luna, bar do baixo Leblon frequentado por músicos nos anos 1970 e 1980. Ele disse que meu disco parecia cinema e me chamou para fazer seus filmes. O Walter adora música. É, de longe, o cineasta brasileiro mais musical que conheço. Entende, conhece e, uma vez, numa entrevista que fizemos para a Revista de Domingo do Jornal do Brasil, concluímos que eu queria mesmo era ser diretor de cinema e ele, compositor de trilhas. Nossa primeira parceria, Inocência, é uma adaptação do romance do Visconde de Taunay, um clássico do romantismo brasileiro. A história se passa num Brasil colonial, totalmente rural, quase virgem da presença humana. Fernanda Torres, em seu primeiro filme e com menos de 20 anos, faz a heroína romântica, que se apaixona pelo médico forasteiro, Cirino, vivido por Edson Celulari, na época um jovem galã das novelas da Rede Globo. Mas o casal não consegue vencer a objeção do pai dela, o fazendeiro Pereira (Sebastião Vasconcellos), rude, bondoso e turrão. Não participei da filmagem, mas fui na moviola, como era naquele tempo. Emendava-se o filme com tesoura e gilete, colava-se e a fita era pendurada na parede. Hoje é tudo no avid (programa de computador para edição de som e imagem). Primeiro, o Walter me explicou o clima do filme, o tipo de som que imaginava, grave, de um perigo constante e, ao mesmo tempo, lírico. Algo que remetesse à floresta e a coisas escondidas. Ele queria alguém que conhecesse aquele universo caipira da história, que se passa numa região entre Minas, Goiás e São Paulo. Contou que ouvia Wagner Tiso, meu primeiro álbum, o dia inteiro e a faixa que juntava Seis da Tarde e Mineiro Pau foi decisiva para sua escolha, pois era aquela mistura de sons que ele queria. Em Seis da Tarde, Milton toca uma sanfoninha e faz vocalize, acompanhado só por um violão, dando um clima de fim de tarde, quando as pessoas param de trabalhar e rezam o Angelus. Logo depois entra a orquestra em Mineiro Pau, um cateretê, que leva quem ouve para uma festa na fazenda. Dei esse nome à música porque é como se chama a forma mineira de fazer cateretê e o crítico José Ramos Tinhorão, ao falar do disco, disse que esse gênero é também conhecido como umbigada. Partindo dessa faixa do disco, Walter e eu discutimos cena por cena, onde entraria a música incidental para mostrar ou esconder o perigo, tudo em conversas amadurecidas aos poucos. Mas fiquei decepcionado porque eu sempre quis fazer as trilhas que ouvia na minha infância, grandiosas, com orquestra sinfônica, em cinemascope, às vezes tão ou mais bonita que o filme. Não tinha nada disso, nem um quarteto, uma formação orquestral, nada. Nessa época, a trilha sonora não existia como item, não dispunha de verba específica. O dinheiro que sobrava era usado na música e, nesse caso, não havia sobra, pelo contrário. Segundo o Walter, o orçamento do filme era 50 por cento menor que o normal naquela época. Era uma produção do Luiz Carlos Barreto, investia Cr$ 200 mil (que valiam pouco mais de US$ 100 mil, na época) em As Aventuras de um Paraíba no Rio. Inocência tinha um orçamento de Cr$ 100 mil, embora fosse um filme de época, que custa mais caro. Então me organizei em função do dinheiro que havia e, além de meus teclados, chamei só dois músicos. Achei uma pena não poder usar orquestra, mas gostei do resultado. O Walter chegava com uma ideia estabelecida, mas a gente conversava muito. Até hoje é assim. Ele sugeria os climas e, muitas vezes, falava de uma música que já existia. Azulão, cantada pela personagem da Fernanda Torres, a Inocência, é um exemplo. A gente queria uma música que exprimisse o sentimento do filme, o romance proibido, a sedução discreta, sob vigilância constante. Achei ótimo porque adoro esta canção, que aparece duas vezes. Telma Costa interpreta à capela na cena em que Inocência canta enquanto borda e o médico forasteiro se deixa seduzir por sua voz. Depois, nos créditos finais, o grupo Viva Voz faz as vocalizações que escrevi. O Viva Voz foi criado como quinteto pelo Ary Sperling, depois virou quarteto, com formações variadas. Para cantar Azulão, ele chamou quase todo mundo que passou pelo grupo. Além do Ary, cantaram Ronaldo Nascimento, Belva Reed, Soraya Nunes, Bia Paes Leme e Luciana Medeiros. Com essa canção, recolhida do folclore por Jayme Ovalle e Manuel Bandeira, ele prestava uma homenagem ao cineasta pioneiro Humberto Mauro. É uma história que ilustra como se faz cinema no Brasil. Mauro tinha um roteiro para Inocência, que nunca filmou e o cineasta Lima Barreto, de O Cangaceiro, o refez, sem citar a origem. Quando Walter soube que o Lima estava doente e sem recursos, em São Paulo, propôs à Embrafilme a compra de seus roteiros e escolheu Inocência para filmar. Só então soube que havia ideias de Humberto Mauro e decidiu, além de dedicar-lhe Inocência, incluir a música Azulão, título de um curtíssima-metragem de Mauro, um filme de uma cena só, em que o passarinho cisca num muro e voa para uma árvore. Walter refez o roteiro, mas aproveitou ideias de Humberto Mauro, especialmente a do fim, quando a borboleta pousa numa cruz, indicando que a heroína romântica não sobreviverá. Além dessa canção, entraram duas outras clássicas, depois de grandes discussões entre mim e o Walter. Ele queria que Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense, entrasse na trilha e eu alegava que ia ficar anacrônico, pois a história se passava no século 19, quando essa toada ainda não tinha sido composta e ninguém fazia esse gênero ainda. Mas Walter insistiu que Luar do Sertão é a cara do Brasil que estava na história e não abriu mão. Então, eu trouxe Tristeza do Jeca, num arranjo só com os violões do Ary Sperling dobrados. Ele adorou porque a música toca numa cena em que o médico examina as veias da menina e toca seu braço de uma forma sensual, como se dedilhasse um violão. Compus ainda um tema curto, só com violas caipiras que foi gravado com o título de Violeiros, no álbum Cine Brasil, de 1989, com minhas principais trilhas até então. Como a história se passa num Brasil caipira, que começa a ser colonizado no século 19, as músicas têm esse tom rural, de um perigo sempre à espreita, uma coisa não revelada, bem de acordo com a história. Porque, quando se faz uma trilha sonora, é preciso pensar na música dentro da cena. Você conta uma história junto com o filme. Alguns temas aparecem só uma vez, para sublinhar uma cena. Muitas vezes, depois eu os desenvolvo e transformo numa peça completa. Inocência, por exemplo, também está no disco Cine Brasil, de 1989. A trilha de Inocência – as canções conhecidas e os temas originais – foi executada pelo Ary Sperling nos violões e na programação dos computadores; André Sperling na percussão; e por mim nos sintetizadores. Eles são dois irmãos do Rio de Janeiro que conheci nos corredores da Odeon, por volta de 1979, quando já era artista principal, com dois elepês de sucesso. Estavam no segundo disco, que levava o nome do grupo, mas sem tanta repercussão. O Ary se declarou meu fã e ficamos amigos até hoje. Durante um tempo, foi meu braço direito, fazendo todas as programações de teclados. É possível criar um som de orquestra eletronicamente, gravando cada instrumento em separado e mandando a informação para o computador que os mistura. Eu sempre gostei do som da orquestra, de fazer experiências, mas nunca me interessei em aprender a usar os programas necessários a esse processo. Então, é preciso alguém que cuide dessa parte, um músico que entenda de informática. Porque gosto de usar essa parafernália, mas não de me envolver com a programação. Em Inocência, parece som de orquestra, mas são três músicos fazendo tudo. Quando apresentamos a trilha ao Walter, ele adorou e comentou que combinava com o filme até nisso, pois dá a impressão de ser uma produção muito maior do que é. Inocência, que parece um filme caro, teve também uma equipe reduzidíssima, que se mudou para a Floresta da Tijuca, no Rio, durante as filmagens, em 1981, e reproduziu lá a região entre Goiás e Minas Gerais, no início do século 19. O filme estreou em 26 de junho de 1983 e foi um sucesso de bilheteria, ficou em cartaz quase dois meses em vários cinemas no Rio e rendeu muitas vezes o que custou. Até hoje é interessante, por suas qualidades intrínsecas e por ter duas grandes estrelas, Fernanda Torres e Edson Celulari, num início de carreira. Mas parte da crítica e da classe cinematográfica cobrou do Walter a opção por uma história romântica num momento político tão grave como aquele, de fim de ditadura. Ele explicou que fizera um filme bonito, para todo mundo ver e não só para um grupo politizado. Estava certo porque tem ótima audiência na televisão, desde a estreia, em 4 de fevereiro de 1984, na Rede Globo, até hoje, reprisado em canais pagos. O documentário Jango, do Sílvio Tendler, foi um marco pelo assunto, pela forma de abordá--lo e também porque aconteceu no momento oportuno, na primeira metade dos anos 1980, quando o fim da ditadura militar já era visível, mas ao longe. Antes teria sido impossível e depois talvez não tivesse tanto impacto. O filme conta a história do presidente João Goulart, deposto pelo golpe de Estado que instalou a ditadura em 1964, o único governante do País que morreu fora do Brasil, após 12 anos de exílio. A narrativa vai do segundo governo do presidente Getúlio Vargas (de 1951 a 1954), de quem Jango foi ministro do Trabalho, até sua morte, em 1976. Tem muita imagem de arquivo, José Wilker narrando propositalmente com reverência de locutor oficial e entrevistas com os personagens dos dois lados, militares e depostos. Com um detalhe, embora deixe clara sua opinião antigolpe, o roteiro de Maurício Dias e a direção de Sílvio não ridiculariza os militares e os civis que o planejaram ou os mostra pior do que eram. Tanto que, quando estreou, o general Antônio Carlos Muricy, um dos líderes de 1964, elogiou o filme no Jornal do Brasil, embora ressaltasse que tinha uma ótica diferente da sua. Além de ter dado uma longa entrevista para o filme, ele tinha uma neta, Maria Muricy, na produção. Jango começou a ser rodado em 1981 e muita gente insistiu para que Sílvio o lançasse no segundo semestre de 1982, quando aconteceriam as primeiras eleições diretas para governador de Estado desde que a ditadura tinha acabado com elas, em 1966. Seria também a primeira eleição após a recriação dos partidos políticos e, no Rio, o candidato mais popular, que foi eleito, era Leonel Brizola, de certa forma herdeiro político de Jango, de quem era cunhado. Mas Sílvio não correu com a produção. Dizia que não filmava para aquele momento e sim para o futuro. Estava certo. O filme é atual até hoje, porque é um documento histórico. Eu conhecia pouco o Sílvio, mas havia uma identificação política e cultural. Primeiro ele procurou a Giselle porque queria pedir algumas músicas do Milton Nascimento para o filme e recebeu duas, Tema de Che, em parceria com o Ronaldo Bastos, e San Vicente, além de um tema sem letra, só com vocalize. Dias depois me propôs fazer a trilha sonora e me convidou para ver o copião, uma primeira edição que durava quase cinco horas. Ver copião naquela época era complicado. O filme era dividido em rolos que tinham que ser trocados muitas vezes e o estúdio onde fomos era pequeno. Além de mim e do Sílvio, havia três assistentes. Era sábado de manhã e eu estava de ressaca. Tomei umas quatro garrafas de água mineral, vi o filme todo sem comentar nada e aceitei. Na semana seguinte, levei o Tema de Jango e a Valsa da Central, que depois iam virar Coração de Estudante e Caso de Amor, com letra do Milton, e o Samba de Brasília, que ficou só instrumental mesmo. Só que o dinheiro era completamente escasso. O Sílvio tinha feito o documentário sobre Juscelino Kubistcheck nos anos 1970 e estreado em 1981. A Embrafilme (Empresa Brasileira de Filme, estatal que financiava o cinema nos anos 1970 e 1980) não produziu, mas distribuiu. Quando ele propôs Jango, em pleno governo de João Figueiredo, o último general/presidente da ditadura, não conseguiu um tostão, apesar de JK ter sido um sucesso de bilheteria. A alegação era que o filme falava sobre o grande inimigo dos generais que ainda estavam no poder. Para pagar a produção, ele vendeu cotas à filha do Jango, Denise Goulart, a um amigo do ex-presidente que nunca quis se identificar e ao Hélio Paulo Ferraz. A quarta cota foi dividida entre a equipe que entrou com trabalho. Era o meu caso. O Sílvio pagou os músicos e o estúdio que Giselle e eu contratamos: Ary Sperling nos violões e programação dos computadores; André Sperling na percussão; Mauro Senise nos sopros e eu nos teclados, às vezes fazendo arranjos que pareciam orquestrais, mas eram produzidos eletronicamente. O Milton gravou seus temas em Belo Horizonte e eu compus a trilha. Nos créditos, assinamos como autores da música e eu, também como produtor associado. Sílvio gostou tanto do resultado que diz que Jango passou à história do documentário porque foi lançado num momento de resgate da memória do País e devido à trilha sonora, que ficou clássica. Dela se despregou Coração de Estudante, meu maior sucesso até hoje. Essa música foi criada como tema incidental, aparecia no enterro de Getúlio Vargas, na fuga e no enterro de Jango. Nos letreiros do filme sequer tem título. Mas Jango tem outros temas interessantes, como a Valsa da Central, composta para a cena do último comício do presidente, em frente ao Ministério da Guerra e ao lado da estação Central do Brasil. Para mim, aquele discurso do dia 13 de março de 1964 ia desencadear no golpe militar e na ditadura que durou 20 anos. Uma coisa muito triste mesmo. Esta música também foi gravada por mim no disco Coração de Estudante, de 1985, e recebeu letra do Milton, que lhe deu título de Caso de Amor. Mas não teve o mesmo sucesso porque é realmente uma música muito triste, sem a esperança de Coração de Estudante. Compus os temas em cima da última montagem, perguntando ao Sílvio Tendler se era o que ele queria. Para a cena do Jango em Brasília, fiz um sambinha, com uma levada Bossa Nova porque simbolizava o governo de Juscelino Kubitschek, na década de 1950. Quando você vê Brasília, de cara pensa na Bossa Nova, que estava nascendo naquele período. Para a revolta dos marinheiros compus um tema em cima do que Dmitri Shostakowiski fez para Encouraçado Potemkin, de Serghei Eisenstein. Não é uma adaptação, baseei-me nela. Para a viagem do presidente à Rússia, em que apareciam os monumentos da então União Soviética, suas fábricas, etc., Sílvio me sugeriu alguma coisa parecida com uma música do filme Moscou contra 007, Noites de Moscou, que fizera muito sucesso nos anos 1960 e foi gravada até pela Orquestra Tabajara, do Severino Araújo, que a transformou num samba. A música das passeatas é Enquanto seu lobo não vem, na versão original do Caetano Veloso. Além de definir aquele momento, era um hit da época daquela movimentação, 1968/1969. Fiz todas as orquestrações dos temas incidentais nos teclados, mas não havia dinheiro para substituir por instrumentos de verdade. Aliás, a possibilidade nem foi ventilada. Além de entregar os temas completos, dei ao Sílvio alguns rabichos de música para usar quase como vinhetas, mas não acompanhei a edição final. O Sílvio diz até hoje que, mesmo com nossa escassez de recursos, não consegue imaginar uma trilha mais adequada para Jango. Para ele, não há o que acrescentar àquela música, mesmo se a tivéssemos contado com uma orquestra sinfônica, com centenas de músicos. Devido à censura da época, foi preciso forçar uma barra para o lançamento de Jango. Todo filme precisava do certificado de liberação para ser exibido, mesmo em festivais. Normalmente, a sessão para a censura anterior às competições eram pró-forma, a proibição só acontecia quando a produção começava carreira comercial nos cinemas. Jango estava inscrito no Festival de Gramado, que ocorreria de 10 a 14 de abril de 1984, mas na exibição para os censores, em janeiro daquele ano, eles se negaram a liberar o filme – alegaram que o tema era perigoso e a decisão tinha que vir de Brasília. Um dos censores, pegando uma carona com o Sílvio depois da sessão, recomendou que se fizesse muito barulho na imprensa para que a censura federal não tivesse como proibir, ao menos em Gramado. Sílvio, então, chamou jornalistas, a equipe do filme, as televisões e todo mundo para uma sessão meio clandestina no Hotel Méridien, no dia 13 de fevereiro de 1984. Com a repercussão, o filme foi liberado em Brasília sem problemas e estreou, no Rio, dez dias antes de começar o festival de Gramado. Lá fez o maior sucesso, foi aplaudido antes do fim da sessão, no Cine Embaixador. Levou o prêmio do júri popular e eu dividi o Kikito de melhor trilha sonora com o Milton Nascimento. Ou seja, comecei bem. Também no cinema, Jango teve êxito. Foi elogiado pela crítica e por comentaristas políticos como Carlos Castello Branco e Antônio Callado – o que era incomum – por discutir a ditadura ouvindo os dois lados. O Sílvio achava que se tivesse 200 mil espectadores estava muito bom, porque foi lançado só com seis cópias e faltou dinheiro para o trailer, cartazes, anúncio em jornal, essas coisas hoje essenciais. Logo após a estreia, ele triplicou o número de cópias para atender às solicitações de exibidores de todo o País e chegou a um milhão de ingressos vendidos. Na mesma época, começaram os comícios pelas Diretas Já e eu participava como militante do PT. Sempre pediam Coração de Estudante, que eu já tocava em shows, na versão instrumental. O Milton Nascimento, que ouvira o tema naquela sessão do Méridien, criou a letra, deu o título e gravou. Com letra, a música mudou muito. Virou o grande hit da época, tema das Diretas Já, cantada em todas as passeatas e comícios. Tinha tanta força que deu nome à turnê nacional que fiz em 1985. As pessoas deliravam quando a banda tocava a versão instrumental. Até hoje, está associada àquele momento político muito bonito. Ainda no início de 1985, virou a trilha sonora da eleição do Tancredo Neves, sua doença, sua morte e até de seu enterro. Ou seja, enterrou três presidentes, o Vargas, o Jango e o Tancredo. É um réquiem, uma pavana. Não me lembro se e quanto ganhei com o filme. O que deu dinheiro foi Coração de Estudante, que toca até hoje. É uma música triste em tom maior. Fiz questão disso. O tom maior é usado para ritmos mais dinâmicos, alegres, porque a música em tom menor é triste, geralmente um lamento. Um bom exemplo é Chega de Saudade, que tem os dois tons. Na primeira parte é menor e a letra lamenta a ausência da amada e, na segunda, muda para tom maior antevendo o reencontro. Quis uma música triste em tom maior porque, se fosse menor, o filme ia ficar muito para baixo. Jango só tem tragédia, o golpe militar, enterros, gente apanhando da polícia... e eu queria trazer uma esperança, que veio com o tom maior. Na época do lançamento dos dois filmes, Inocência e Jango, eu viajava muito pelo Brasil com minha banda e ainda liderava a do Milton Nascimento. Entre 1983 e 1986, foram dois shows, Coração de Estudante e Nave Cigana. Ambos estrearam no Circo Voador lotado, com direção de Denis Carvalho, e viraram turnê nacional. Em 28 de abril de 1984, três dias após a votação das Diretas Já, um show do Bituca, com orquestra e banda regidas por mim, inaugurou o palco da Praça da Apoteose, que depois receberia Bob Dylan, Rolling Stones, Eric Clapton, entre as estrelas estrangeiras, e Caetano Veloso, Gilberto Gil, Blitz com a Orquestra Sinfônica Brasileira e outros, entre os nacionais. Após 15 anos de abrir o palco do Canecão, eu estava no show que inaugurou outro importante espaço para a música no Rio. Capítulo V Parceria Afinada Ele, o Boto, Chico Rei, A Ostra e o Vento, Os Desafinados Minha trilha seguinte foi para Chico Rei, também do Walter Lima Júnior, com quem eu trabalharia nos filmes Ele, o Boto, A Ostra e o Vento e Os Desafinados e na minissérie Meu Marido, de 1991. É minha parceria mais constante e, ao longo desses quase 30 anos, passamos a ter tal intimidade que ele me diz o que lhe vêm à cabeça a respeito de música. Walter é um cineasta que faz um plano já pensando em como será sonorizado. Na maioria das vezes, diz: “Quero que você faça assim, assim, assim e assim...” E emite uns sons, hummm, hummm. Não os reproduzo porque não há como traduzir isso para a orquestra. São dicas. Vejo a cena e tenho ideia do que ele quer. Geralmente, durante a gravação, sinto que fiz o que foi pedido. Ele fica tão à vontade comigo que, às vezes, pede para mudar uma ou outra parte do tema. Sempre chegamos a um consenso, não sem alguma discussão. Como eu, Walter é apaixonado por trilhas sonoras e temos longas conversas sobre as nossas preferidas. Sua tese é que muitos filmes marcaram mais pela música que pela história, roteiro, atores ou direção, especialmente os clássicos do cinema americano. Ele comenta que há filmes ridículos com uma trilha tão bonita que a gente duvida se o filme é tão ruim como achamos da primeira vez que vimos. Um exemplo, na sua opinião, é Sansão e Dalila. Ele pergunta: “Como o Victor Young fez uma música tão bonita para aquela droga? Será que ele tinha um arquivo de boas canções e fornecia uma quando lhe pediam? Ou será que o filme era bom e eu não percebi na época?” São questões que ele gosta de debater, mais pelo prazer da conversa que para obter uma resposta definitiva. A trilha de Chico Rei me deu muita satisfação porque gosto da cultura dos negros brasileiros, principalmente os que foram para Minas. O personagem-título, vivido no filme por Severino d’Acelino, era um africano trazido em navio negreiro e, quando chegou a Parati, foi acorrentado e levado para Ouro Preto, em Minas Gerais, para trabalhar na extração manual de ouro. Tem uma história grandiosa porque achou um lago de ouro e, para pagar a promessa que fizera a Santa Efigênia, negra e padroeira dos escravos, comprou sua alforria e a de outros companheiros e levantou a igreja que existe até hoje. Essa história me deu a ideia para o belíssimo tema do filme, que tem o título de Santa Efigênia, letra do Fernando Brant e é cantado por Milton Nascimento. No fim da vida, o ex-escravo desfilava pelas ruas em trajes reais e com uma coroa de latão. Embora a mina de Chico Rei seja um dos passeios turísticos de Ouro Preto, não há prova documental de sua existência, só lendas contadas até hoje. Mas para o Walter e para mim, vale a tradição oral porque o Chico Rei, além de ter criado a congada, uma festa típica de Minas, foi o primeiro escravo que lutou pela cidadania. O negro daquela época não tinha direito sequer a uma religião, pois estava proibido de praticar seus cultos trazidos da África e sua entrada nas igrejas católicas era proibida. Não podia nem ser enterrado em campo-santo, ou seja, era excluído nesta vida terrena e da vida eterna. O que ele fez foi criar uma igreja para os negros e, desta forma, praticar a religião que lhe garantiria o lugar no céu. A produção foi complicada. Walter começou a filmar Chico Rei logo após A Lyra do Delírio, mas parou durante uns quatro ou cinco anos por falta de dinheiro. Ele brinca que, inicialmente, pensou na música do Milton Nascimento para a trilha, mas, inconscientemente, queria que eu a fizesse, até porque, naquela época, fim dos anos 1970, eu já tinha minha carreira solo, mas também trabalhava direto com o Bituca. Quando ele retomou o projeto de Chico Rei, já tínhamos feito Inocência e estávamos a meio caminho de Ele, o Boto, que aconteceu logo depois. Os dois filmes, aliás, foram lançados praticamente juntos. Para a trilha de Chico Rei, ele queria resgatar a congada, que além de uma festa de rua, é a representação de uma luta que termina na coroação do vencedor, com danças e músicas específicas. Havia um grupo no Rio, o Vissungo, que pesquisava essas tradições musicais africanas e Walter obteve verba para montar uma congada, recriar os instrumentos que os escravos usavam na época e dos quais só havia vestígios em trabalhos acadêmicos. O grupo compôs algumas canções com base nessa tradição, mas esse material precisava adequar-se ao filme, não dava para ser usado dramaticamente. Então ele me chamou para fazer a direção musical e compor os temas incidentais. Algumas canções do Vissungo foram regravadas pelo Milton Nascimento e, uma delas, Muriquinho, pela Clementina de Jesus. Creio que foi sua última gravação. Além de Santa Efigênia, que chegou a tocar no rádio e fez sucesso em shows, compus também o Tema de Chico Rei com o Fernando Brant, ambas cantadas pelo Milton, que também fez vocalize nos temas que criei, sem letra, para as cenas do quilombo. O percussionista Naná Vasconcellos participou, especialmente nos temas incidentais, dando seu toque naquela música folclórica de Minas. Naná é pernambucano, mas conviveu bastante com a gente e, às vezes, usa também aquele tipo de lamento que o Milton faz. Essa trilha foi um prazer porque, apesar de branco, entendo a questão dos negros mineiros e, junto com o Walter, progredimos muito em matéria de música de cinema. Como não faço letra, é uma forma de contar uma história com minhas composições. Este filme teve um disco, em 1986, não só com a trilha, mas também com todas as músicas surgidas na pesquisa, inclusive as do Vissungo que não foram aproveitadas. Logo depois de Chico Rei, fizemos Ele, o Boto. Foi uma das trilhas mais instigantes porque a música tem uma função narrativa, quase como uma ópera, às vezes substituindo os ruídos da natureza. O filme conta a história de duas irmãs (Cássia Kiss e Dira Paes) que vivem numa aldeia de pescadores e são seduzidas pelo boto, Carlos Alberto Ricelli. Tem um grupo de pescadores, Tonico Pereira, Marcos Palmeira, entre outros, que comentam a lenda e a história do filme. Desta vez, o Walter me chamou ao set de filmagem para eu sentir o ambiente, não só dos personagens e dos atores, mas também o clima da equipe, para que me imbuísse aos poucos da trama e da paisagem do filme. Gostei muito porque, estando assim próximo da produção, a música vem com mais facilidade. Eu perguntava muito sobre tudo. Segundo o Walter, felizmente questiono nas horas certas, nunca dou palpite depois de o trabalho estar concluído. A ideia era ter uma música permanente no filme, refletindo a obsessão das duas irmãs e dos outros personagens por uma entidade imaginária, que era o boto. O Walter queria um ambiente musical villa-lobiano. Grandes rios, mar e as coisas das florestas, que também estão presentes na obra de Villa-Lobos. De vez em quando, aparecem canções clássicas como Olha pro Céu meu Amor, de Luiz Gonzaga, e Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense, com violões e sanfonas. A música conduz a ação o tempo todo, é caricata quando o Boto faz suas traquinagens, dramática quando a cena existe, etc. Hoje o Walter diz que é descritiva demais, mas que ficou tão seduzido pelas composições que não consegue imaginar onde cortaria ou que tema poderia ser tirado sem fazer falta. O tema do Boto, um xaxado com sanfona e percussão predominando, foi desenvolvido e entrou no disco Cine Brasil (1989), com o título de Fuga Brega. O disco Cenas Brasileiras, de 2000, com a Orquestra Sinfônica Petrobras (que na época se chamava Petrobras Pró-Música OPPM) tem uma peça intitulada A Lenda do Boto, baseada no tema de abertura do filme, que apresenta os personagens e o ambiente e dura uns sete ou oito minutos. Tem vários climas dentro do tempo que o Walter determinou. A ideia desse tema foi minha e depois ele cortou, porque considerou excessivo. Tinha muito mais espaço para música, mas ficou daquele jeito que eu achei muito bom. Na verdade, orquestrei da maneira combinada depois de muita discussão. Quando refiz para orquestra, retomei as minhas ideias. Nesse filme, trabalhei só com o Ary e o André Sperling, devido à mesma dificuldade de Inocência, falta de verba para a trilha sonora, embora aqui não fosse tão crítica quanto naquele filme. Quando tem sanfona sou sempre eu tocando, mas, muitas vezes, dobramos os instrumentos ou fazemos outros nos teclados. Até os sopros são do sintetizador. Como o dinheiro era curto, Walter e eu concluímos que era melhor usar só um violão e uma percussão em vez de aumentar o grupo e não ter tudo o que o filme pedia. Trabalhamos dentro do que era possível e já havia a experiência bem-sucedida de Inocência. Fazer tudo nos teclados não fica falso, porque uso como recurso e nunca para substituir um músico. Se eu repito no sintetizador o solo de um instrumentista, fica irreal porque não dá para fazer do jeito dele, com a respiração exata. É preciso soar como teclado eletrônico tocando uma flauta porque não imita som humano, tem uma sonoridade diferente que não fica falsa. Quando o filme ficou pronto, a música foi muito elogiada. O Bruno Barreto, filho do produtor de Ele, O Boto e também diretor de cinema, disse que nunca tinha ouvido uma música tão bonita e envolvente em filme brasileiro e achou que a trilha havia sido gravada por uma orquestra completa. E, nessa época, ele já tinha no currículo o maior sucesso de bilheteria nacional até hoje, Dona Flor e seus dois Maridos que, aliás, tem uma canção lindíssima, O que Será?, de Chico Buarque, que toca em três versões diferentes, uma delas com o Milton Nascimento e Chico Buarque. Na estreia de Ele, o Boto, várias pessoas perguntaram para a Giselle qual a formação orquestral usada por nós. Não há problema criar estes sons no sintetizador, o que fica falso, sem alma, sem história, é a imitação de um instrumento. Ele, o Boto estreou em julho de 1987 e Chico Rei, um mês depois, dividindo preferências. Muita gente gostou mais do segundo devido à história e à conotação política do personagem. Outros se ligaram na interpretação da Dira Paes, então em seu primeiro filme, e da Cássia Kiss, que se tornara estrela da Rede Globo dois anos antes, porque participara de Roque Santeiro, como a Lulu das Medalhas, e, na ocasião do lançamento, fazia sucesso na novela Brega e Chic. Gosto dos dois filmes, mas acho que a trilha de Ele, o Boto, marcou mais. Sempre comentam que sua música e a de Inocência têm muito de Villa-Lobos. São dois filmes rurais como ele, que viajava muito de trem pelo sertão. Não sofro influência dele só nesses trabalhos, mas em tudo que faço. Um dos meus encantamentos com o Rio foi a oportunidade de conhecer melhor sua obra, trabalhar com ela, a partir do que ele compôs. Sempre que uso orquestra, procuro um pouco a sonoridade do Villa-Lobos, grandiosa e extremamente brasileira. A Ostra e o Vento é uma das minhas trilhas principais. O filme é adaptado do romance de Moacir Costa Lopes e conta a história de uma menina (Leandra Leal, então com 13 anos) que vive numa ilha isolada com o pai (vivido por Lima Duarte). Lá só existe um farol e ela não conhece a civilização, o continente. Para me falar do som que queria neste filme, o Walter me contou uma história. Disse que quando filmava Chico Rei foi a Mariana, cidade histórica vizinha a Ouro Preto, e viu um órgão raríssimo, presente de uma fábrica alemã ao imperador Dom Pedro I, que ficou encaixotado até a metade do século 20. Depois de restaurado, uma organista passou a cuidar dele e a dar concertos e uma pequena palestra sobre o instrumento. “Ela definiu o órgão como a organização do vento e é isso que eu quero”, me explicou. O filme se passa em três fases. Às vezes a menina é novinha, às vezes mais crescida, às vezes adolescente. O pai odeia o continente e não quer que ela tenha qualquer contato com o que vem de lá. Ela entra num processo de loucura em que se torna amante do vento e termina por desaparecer, como o pai e um ajudante rejeitado pelos dois (Floriano Peixoto). Ao contrário de Ele, o Boto, em que a música conduzia a ação, quase narrando a imagem, o Walter quis que os temas de A Ostra e o Vento interpretassem os sentimentos e as sensações dos personagens. Por isso também não podia haver melodia, pois esta é uma organização que ainda não havia chegado à ilha. Quando todos desaparecem, sobra apenas uma canção do Chico Buarque de Holanda, que recebeu arranjo meu e foi cantada pela filha do Walter e da Telma, Branca Lima. Expliquei ao Chico que a música deveria lembrar mar e vento, mais ou menos como La Mer, de Claude Debussy, e ele aproveitou essa frase musical que vai e volta em sua canção. A partir dela, desenvolvi alguns temas da trilha, mas não todos. Como a menina da história desconhece a civilização do continente, eu não poderia usar uma harmonia europeia, romântica, que é a história da harmonia brasileira. Não poderia ter melodias fáceis de aprender, como estamos habituados. Só em um momento do filme aparece uma canção anterior à Segunda Guerra Mundial, J’Attendrai, de Dino Olivetti e Nino Rastelli, tocada numa rádio para situar, vagamente, a época em que a história se passa. Todos os outros temas da trilha costuravam as diversas fases da menina, seus delírios e os fatos reais, mas sem melodia ou harmonia convencional. Então, usei noções de música serial, dodecafônica, além daquela ideia de Debussy, compositor que não tem nada a ver com este tipo de harmonização. Aqui é preciso uma explicação técnica: a escala tem 12 tons (contando sustenidos e bemóis), por isso se chama dodecafonia. Na harmonia serial, você não repete nenhuma nota e, às vezes, fica completamente sem sentido, mas é preciso dar- -lhe um sentido. E são sempre frases rápidas, com as 12 notas indo e vindo, nunca com a mesma sequência. Ou seja, é uma série de notas e acordes em que não se pode repetir notas. A música do Chico Buarque tinha um pouco essa característica e o Walter queria que eu recorresse mais a ela nos temas que compus para a trilha. Desta vez não concordei de forma alguma, porque achava que se a canção final fosse identificada durante o desenrolar da história, a surpresa final se perderia. Discutimos muito na época, mas quando o filme ficou pronto ele me deu razão. Nesta trilha eu trabalhei com o Rio Cello Ensemble (Márcio Mallard, David Chew, Hugo Pilger, Fernando Bru), com quem havia gravado um disco ao vivo, em 1995, Wagner Tiso ao Vivo com Rio Cello Ensemble com músicas minhas e clássicos brasileiros como Eu sei que vou te amar, Dom de Iludir, Na baixa do Sapateiro, Cravo e Canela etc). Havia também baixo (Jorge Elder), sopros (Carlos Malta, Márcio Montarroyos e Cristiano Alves) e violão (Nando Chagas). Em momento algum usei percussão, que aproximaria o continente dos dois personagens, pai e filha, perdidos na ilha com o farol. A percussão traria uma informação que os dois não tinham naquele isolamento. Desta vez não usei teclados, mas fiz muitas dobras dos instrumentos. Às vezes parece haver oito ou mais sopros, mas são só três instrumentistas e o mesmo acontece com os violoncelos, que são sempre dobrados ao menos uma vez, ou seja, soam como oito, 12 ou mais. Fiz um som orquestral com poucos músicos, mas sem recorrer a sintetizadores. Não demoramos muito a gravar porque estava tudo escrito quando entramos no estúdio. A Ostra e o Vento foi lançado em meados de 1998 e sua trilha saiu em disco tal qual é ouvida no filme. Funciona mesmo sem as imagens. Mais tarde, refiz como peça sinfônica, para orquestra de cordas e violoncelo, que estreou com a Sinfônica de Porto Alegre e o Hugo Pilger como solista. Foi refeita aqui no Rio com a Opes e em Vitória. Os Desafinados tem um processo um pouco diferente. Conta a história de um cineasta (Dico, vivido por Selton Melo quando jovem, e por André Kohl, já maduro) e quatro ótimos músicos da época da Bossa Nova: o pianista Joaquim (Rodrigo Santoro), casado com Luíza (Alessandra Negrini) e envolvido com a cantora Glória (Cláudia Abreu), o saxofonista Davi (Ângelo Paes Leme, quando jovem, e Genésio Barros, já maduro), o baterista PC (André Moraes e Antônio Pedro) e o baixista Geraldo (Jair de Oliveira, Jairzinho, filho do cantor Jair Rodrigues, e Bené Silva). A ação começa nos dias de hoje. O grupo se reúne e lembra o que aconteceu em 1962, o auge da Bossa Nova, quando eles vão para Nova York e tentam, sem sucesso, participar do lendário concerto do Carnegie Hall. Parte da história se passa também nos anos 1970, em plena ditadura militar. É um ambiente parecido com o que vivi nos anos 1960, quando cheguei ao Rio, e 1970, quando eu trabalhava intensamente, mas não dei opinião nessa parte do roteiro, inclusive porque minha história é diferente. Os personagens do filme eram meninos de família carioca, que formam um grupo para tentar a sorte nos Estados Unidos. Quando cheguei ao Rio sozinho, fui tocar na noite e fazer baile. Só mais tarde toquei com Paulo Moura e Edson Machado, mas ganhava a vida tocando na noite. Só nos anos 1970 comecei a formar grupos, como o Som Imaginário. O Walter queria músicos, em vez de atores, para reproduzir em cena a vibração e a energia que ele sente quando nos vê conversando sobre nosso trabalho. Ele achava também que seria mais fácil um músico representar a si próprio que um ator simular que toca um instrumento ou o tipo de entusiasmo que temos com a música. Mas para fazer um filme é preciso ter nomes que atraiam os investidores. Por sorte, ele conseguiu atores que também tocam instrumentos e tiveram aulas com professores arrumados por Giselle e por mim. O único que não tocava nada era o Rodrigo Santoro, mas ele entregou-se ao personagem com tal garra que sua mímica de pianista satisfaz plenamente. Teve aulas com Itamar Assiére e aprendeu a tocar os arranjos que criei e gravei previamente. Só no caso de um Prelúdio de Chopin fizemos o processo contrário. Ele tocou de verdade e depois substituí o som dele por eu mesmo tocando. Neste caso, porque ele não tem a técnica de usar pedais. Nas outras músicas, inclusive as compostas especialmente para o filme, não precisei facilitar nada, pois ele dubla exatamente o que toco no piano. O mesmo aconteceu com André Paes Leme, que teve aulas de sax com Dirceu Leite, o músico que toca este instrumento na trilha sonora. Como se trata de um filme sobre música e músicos, usamos alguns clássicos da Bossa Nova, como Meditação, do Tom Jobim e do Newton Mendonça, e uma música inédita deste último, Quero Você, que aparece como uma composição do personagem do Rodrigo Santoro, inspirado nele. Newton Mendonça ficou mais conhecido pelas parcerias com o Tom (Desafinado, Samba de uma Nota Só, etc.), mas foi um pianista importantíssimo, não só pela influência que exerceu sobre Tom. Quando cheguei ao Rio, no início de 1965, já se haviam completado quatro anos de sua morte (em 22 de dezembro de 1960, aos 33 anos) e ele era uma lenda, tido como o melhor instrumentista que a noite do Rio já teve e uma das grandes perdas musicais daquele início de década, junto com o jornalista e compositor Antônio Maria e Edinho, do Trio Yrakitan. Pelo que se nota nas suas músicas, devia ser mesmo um grande pianista, influenciado pelo jazz. Criou harmonias tão ricas quanto o Tom Jobim. A partitura de Quero Você está no livro Caminhos Cruzados, de Marcelo Câmara, Jorge Melo e Rogério Guimarães, a única biografia de Newton Mendonça, que ficou meio esquecido por ter morrido no início da Bossa Nova, sem gravar nenhum disco, embora cantores como Silvinha Teles tenham gravado suas músicas e pelo menos uma delas, Desafinado, tivesse estourado ainda nos anos 1950, portanto antes de sua morte. Além dessas músicas, misturei também Insensatez misturado com o tal Prelúdio de Chopin e Só Danço Samba (de Tom Jobim e Vinícius de Moraes) e com Take the A Train, de Duke Ellington. São músicas que têm harmonias parecidas e, como sou muito ligado nisso, percebo essas semelhanças e gosto de misturar esses temas. Se bem que Take the A Train é da mesma época de Insensatez. Só que uma é Bossa Nova e a outra é jazz de big band. Nos outros filmes que fiz com Walter, acompanhei o processo desde o roteiro, mas a trilha foi acrescentada ao filme pronto ou semipronto. Nesse, compus antes porque a música faz parte da cena, faz a história andar. Então, usei algumas músicas clássicas e brasileiras, como Copacabana, de Braguinha e Alberto Ribeiro, tema do encontro de Glória e Joaquim em Nova York, Jesus, Alegria dos Homens, de Bach, que o baixista Geraldo toca quando compra um instrumento norte-americano (e que Baden utilizou numa de suas parcerias com Vinícius de Moraes) e Bala Certeira, a música incidental do filme dentro do filme, dirigido por Dico e com trilha de Joaquim. Esta música é original e bastante percussiva, num estilo próximo ao que Moacir Santos poderia ter composto. Além disso, há duas canções minhas originais, Mente pra Mim e Cabuletê, que receberam letras de Ronaldo Bastos. A Cláudia Abreu está ótima como a cantora Glória, mas ela é dublada pela filha de Walter Lima, Branca, que é cantora de verdade e já havia gravado o tema de A Ostra e o Vento. Os Desafinados me deixou feliz porque foi possível trabalhar com músicos de quem gosto, contando uma história que é nossa. O filme retrata bem a época e o ambiente musical e espero que a parceria com o Walter Lima Jr. ainda renda muitos outros trabalhos. Capítulo VI Trilhas Mineiras Besame Mucho, O Grande Mentecapto, Tiradentes, Tanga (Deu no New York Times?) e Sonhos e Desejos. Pode-se dizer que esses são meus filmes mais mineiros. Apesar de Besame Mucho ser baseado numa peça de Mário Prata, um paulista, e contar a história de dois casais que do interior deste Estado, eles são semelhantes a outros que conheci em Três Pontas, Alfenas e Belo Horizonte. O Grande Mentecapto e Tiradentes têm protagonistas mineiros, um inventado pelo escritor Fernando Sabino e outro, o herói da Inconfidência Mineira. E seu diretor, Oswaldo Caldeira, é de Belo Horizonte. Tanga (Deu no New York Times?) é um projeto do Henfil, codirigido pelo Jofre Rodrigues, filho do escritor Nelson Rodrigues. Sonhos e Desejos é baseado num romance do carioca Álvaro Caldas, mas seu diretor, Marcelo Santiago, levou a ação para Belo Horizonte, cidade à qual nunca deixei de voltar, mesmo morando no Rio ou fora do Brasil. Cada um exigiu um trabalho específico, porque são filmes de estilos muito diferentes. Besame Mucho é a versão cinematográfica de um sucesso teatral do início dos anos 1980. Conta, de trás para frente, a história de dois casais, Xico e Olga (vividos por Glória Pires e José Wilker) e Tuco e Dina (Antônio Fagundes e Cristiane Torloni). A ação começa em 1986, quando o filme foi rodado, com os quatro protagonistas já adultos, e retrocede ao fim dos anos 1950, com eles adolescentes. Enquanto Tuco e Dina enriquecem no interior, encaretam e desarvoram em suas fantasias sexuais, Xico e Olga se politizam, mas se distanciam até se separar. O diretor, Francisco Ramalho Júnior, mexeu no texto da peça, que narrava a trama em esquetes. Mudou também a personalidade dos homens, porque os achava machistas e debochados no teatro, e deu mais peso às mulheres. E ainda criou mais um casal, vivido pela Giulia Gamm, em seu primeiro papel importante no cinema, e Paulo Betti. Mário Prata não gostou das mudanças, mas a intenção do Ramalho Júnior não era simplesmente filmar o que se passava no palco. Deve ter acertado porque o filme ganhou o Kikito de melhor roteiro do Festival de Gramado, em abril de 1987. Aqui compus alguns temas antes das filmagens porque havia cenas em que os personagens dançavam e era necessário ter a música ao menos esboçada. Mas o que se ouve na edição final não é essa versão, pois tudo foi refeito. A música é sempre baseada no bolero Besame Mucho, de Consuelo Hernandez, um clássico mundial, com centenas de gravações, de João Gilberto aos Beatles, de Gregório Barrios a Altemar Dutra. Por uma questão de economia, só usamos uma delas, com a cantora Maysa, porque o filho dela, o diretor Jayme Monjardim (de Olga e novelas como Pantanal e O Clone) cedeu os direitos por amizade ao Ramalho. Mas criar arranjos novos e temas baseados em Besame Mucho foi também uma decisão artística. Ramalho queria marcar a cadência de cada cena pela música. Por exemplo, quando Olga volta do exílio, reencontra Xico e os dois reatam o namoro, é uma valsinha romântica. Quando Tuco e Dina se paqueram na estrada, vira um country como nos faroestes. Todos os temas têm o bolero como base, embora muitas vezes sua melodia não seja reconhecida de imediato. Para baile dos anos 1950, no fim do filme fiz arranjos para uma orquestra que foi regida pelo Sílvio Mazzuca. Ele foi líder de um dos grandes conjuntos daquela época e participa do filme interpretando a si mesmo. O Francisco Ramalho me convidou e, pela primeira vez, fui a um set de filmagem. Adorei tudo porque era exatamente o que eu imaginava. Mas ele não interferiu na criação da trilha, explicava que sua cultura musical não era forte e só dizia onde queria os temas, o clima e o ritmo da cena. Às vezes, entrava só um trecho do bolero, como uma vinheta. Outras vezes servia de contraponto à melodia que eu criava. Essa trilha foi uma delícia porque a organização do Ramalho Júnior me permitiu fazer um trabalho muito pessoal, de certa forma recontando a minha história musical, já que os personagens tinham mais ou menos a minha idade. A partir do rock dos anos 1950 e 1960, a música se modifica segundo o tempo em que a ação ocorre. Senti-me muito livre para criar os temas e trabalhava especificamente para cada cena. Esse sistema parece limitador, mas dá muita liberdade, mais que compor para um disco em que não se parte de uma ideia prévia. Aí, sim, me sinto limitado. A música do primeiro esquete, por exemplo, A Freira e o Cangaceiro, é meio sacra e muito melancólica, feita para uma cena de sexo que acaba em tragédia. O Tema de Olga é apaixonado, como a personagem de Glória Pires. No disco Cine Brasil, pude desenvolvê-lo mais, inclusive solando no piano. Foi possível exercitar vários climas porque o filme tem muitos lances de humor e outros muito pesados, dramáticos mesmo. Mas o público sai leve porque o que começa com tragédia (uma separação e uma morte) termina numa comédia nostálgica, nos anos 1950 no interior de São Paulo. Como sempre, nos anos 1980, trabalhei com os irmãos Ary e André Sperling e com o percussionista porto-riquenho Frank Collon, que havia tocado na minha banda e num grupo que montei para uma excursão do Milton Nascimento na Europa. Ele participou também de meu disco Ao Vivo na Europa, de 1983. Na época da produção do filme, passava uma temporada no Brasil e eu o chamei porque, nos anos 1960 e 1950, os ritmos latinos estavam na moda. Além de boleros como Besame Mucho, tocava-se muita rumba e chá-chá-chá. Gravamos tudo no estúdio Transamérica, durante duas semanas, e depois de longas conversas com o Ramalho Júnior, que só apareceu lá uma vez. Ele diz que nunca sabe por que escolhe sua equipe e, no meu caso, foi amor à primeira vista, plenamente realizado, pois ele ficou satisfeitíssimo com a trilha do filme. Para a cena final do baile no clube do interior de São Paulo no fim dos anos 1950, escrevi arranjos para músicas que tocavam nesse tipo de festa, naquela época. A orquestra do Sílvio Mazzuca também foi ideia minha, assim como o repertório que conheço bem, pois fui músico de baile naquele período, também tocando em cidades do interior. Então, além de Besame Mucho, incluí Chove lá Fora, do Tito Madi; Dó Ré Mi, de Fernando César; e três músicas do próprio Mazzuca, Night Club, Twist e Sonho Hully Gully. É a cena mais longa e mais divertida do filme. As músicas pontuam os pequenos esquetes que se completam num retrato do que eram aquelas festas e de como pensavam as pessoas naqueles anos dourados. O filme foi para os cinemas em agosto de 1987, um enorme sucesso, de crítica e público, tanto quanto a peça. Portanto, naquele ano tive três trilhas sonoras, pois Ele, o Boto e Chico Rei foram lançados na mesma época. O Francisco Ramalho adorou a dele e faz uma comparação interessante sobre sua influência no êxito de Besame Mucho. Ele diz que ninguém assiste aos filmes do Federico Fellini devido à música do Nino Rotta, mas sem ela nenhum deles teria a mesma qualidade, o mesmo encantamento. A história que se conta neles seria prejudicada. “É como a pele de uma pessoa,” diz ele. “Tem que ser adequada, bonita, mas o que move o corpo são os ossos e os músculos.” Ao contrário de Ramalho Júnior, Oswaldo Caldeira cita vários motivos para ter me chamado para a trilha de O Grande Mentecapto e de Tiradentes, mas o principal é sermos, segundo ele, mineiros cosmopolitas. Caldeira é de Belo Horizonte, mas não nos conhecíamos de lá. Em 1986, ele tinha rodado o documentário Muda Brasil, sobre a campanha e a morte de Tancredo Neves, e, é claro, usado Coração de Estudante na trilha sonora. O Grande Mentecapto é uma adaptação do romance de Fernando Sabino com o mesmo nome, um best-seller que se passa nos grotões de Minas. O personagem mistura a realidade com seus delírios e a narrativa não tenta localizá-lo com precisão no tempo. Geraldo Viramundo, o protagonista, pode estar em Ouro Preto nos anos 1950 ou em guerra nas proximidades de Santos Dumont, uma década antes, e logo depois num bordel dos anos 1960. Isso no romance, porque Fernando Sabino quis que o filme tivesse uma estrutura bem tradicional e, para isso, o Caldeira chamou o roteirista argentino Alfredo Oroz, que havia adaptado A Hora da Estrela, de Clarice Lispector para o cinema, com muito êxito. Geraldo Viramundo (vivido por Diogo Vilella) é o Mentecapto, cuja história é contada da infância à morte, ambas no mesmo povoado à beira da linha do trem. Entre esses extremos, ele percorre várias cidades e se mete com prostitutas (vividas por Regina Casé, Débora Bloch e Imara Reis), estudantes de Ouro Preto, o governador de Minas e vagabundos de toda espécie, inclusive um politizado, de Barbacena (Osmar Prado), que o leva a comandar uma rebelião em Belo Horizonte. A representação foge ao realismo, até na barba de Diogo Villela, explicitamente postiça, e sua fotografia parece de lambe-lambe, embora a produção seja cuidadíssima. Em uma das cenas, quando passeia entre as montanhas de Minas, Viramundo encontra-se com o cineasta Humberto Mauro, pioneiro de Minas Gerais, que é vivido por um neto dele, André Mauro. É mais uma homenagem em filme com trilha minha (o primeiro foi Inocência), uma cena rápida: Caldeira me pediu um tema curto, quase uma vinheta, começando com violas que dão entrada à sanfona e à grande orquestra, enquanto a câmera percorre as montanhas até dar um close na filmagem dentro do filme. Depois, desenvolvi e o incluí na suíte Cenas Brasileiras. Quando me convidou, o diretor disse que ouvia meus discos enquanto escrevia o roteiro, mas queria algo diferente do que eu havia feito até então. Li o último tratamento, mas não tivemos muito contato enquanto ele rodava o filme, nos locais onde a história se passa. A não ser quando uma cena exigia música prévia, como na chegada do Mentecapto ao bordel da personagem de Débora Bloch. Ela é meio Rita Hayworth e ele queria um tango para que o protagonista se encantasse ao vê-la dançando. Pensava em Adios, Pampa Mia, mas eu sugeri El Dia que me Quieras, com o próprio Carlos Gardel. Caldeira preferia ter reunido a equipe antes da filmagem, num seminário para que todos se entrosassem e ficassem bem seguros de sua tarefa, mas os orçamentos dos filmes brasileiros ainda não permitem esse luxo necessário. Mesmo assim, conversamos muito quando vi o filme semipronto, numa versão com mais de três horas. Só que demoramos a entrar no mesmo ritmo. Ele não estava acostumado a definir a minutagem, explicou que era sua primeira trilha composta especialmente para o filme. Até então, usava aquele sistema meio Nouvelle Vague e Cinema Novo de usar músicas de discos e ajeitar tudo na edição. E eu pedi tempos precisos para criar os temas. Ele também queria uma música para cada situação e eu o convenci de que era melhor criar poucas, só para os personagens principais e usar variações conforme a exigência da cena. Mais rápido aqui, mais romântico ali, irônico ou sarcástico quando fosse preciso e por aí vai. Isso não é novidade, é feito desde que o cinema tem som, porque marca o personagem, seu tema entra na memória do público e emociona mais quem assiste a ele. Não foi difícil convencê-lo em nenhum dos dois casos e, no que diz respeito à minutagem, ele logo me forneceu uma lista minuciosa das inserções musicais, o que era vinheta (muitas), tema bastante desenvolvido, etc. Gravei tudo sozinho no estúdio Farm, montado na fazenda da Lily de Carvalho Marinho, em Valença, cidade histórica do ciclo do café fluminense. Passei duas semanas lá e, às vezes, mandava esboços da música, só com piano e violão e ele me devolvia aprovando ou pedindo pequenas modificações. As fitas iam e voltavam numa viagem que dura, em média, uma hora e meia, pois naquele tempo não havia internet e nenhum outro meio de se enviar som ou imagem com qualidade razoável. Mas este filme tem uma particularidade. Embora o roteiro seja tradicional, por exigência do próprio Fernando Sabino, todo o resto é exagerado, da fotografia aos figurinos com uma overdose de cores e a representação caricata dos atores. A música segue esse tom, às vezes criando paródias, mas com cuidado porque, para o Geraldo Viramundo, o Mentecapto do título, tudo que se passa é verdade e não um delírio. Caldeira acreditava que, se a paródia se excedesse, o riso daria lugar à emoção que se pretendia despertar. Então, no momento em que as prostitutas e os loucos avançam sobre o Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, o tema é épico, lembra o que Miklós Rózsa fez para Ben-Hur. Já para a cena em que o Mentecapto e o vagabundo interpretado por Osmar Prado dançam entre os roseirais de Barbacena, busquei os temas bucólicos de Nino Rotta para Federico Fellini. Nesses casos, jamais copio um tema desses compositores, busco sua sonoridade, orquestral, no caso do Rózsa, e bucólico, para o Nino Rotta. É diferente de Besame Mucho, em que uso o bolero como ponto de partida. Ainda no Mentecapto reaproveitei um tema que criara para um documentário do Sílvio Tendler, que acabou não acontecendo. Para adequá-lo ao filme, refiz o arranjo, que é o que determina tudo. Qualquer música é boa ou ruim em função do arranjo que recebe. Além de El Dia que me Quieras, usei mais duas músicas já conhecidas e pré-gravadas – Corpus Monteur, de Giovanni Baptista Pergolesi, na cena do seminário, e Danúbio Azul, de Johann Strauss, numa cena de baile. Gravei sozinho com o Maurício Gaetani programando os computadores. Fiz uma profusão de temas e, algumas vezes, tive de convencer o Caldeira de que havia cenas em que não cabia música ou ideias que não combinavam com a história, como um arranjo para carpideiras para a cena da morte do Mentecapto. Como sempre, havia pouca verba para a trilha sonora, o que ocorre menos hoje porque, nas atuais leis de financiamento, o orçamento é muito detalhado e precisa ser seguido à risca. Isso é bom porque já se começa o filme sabendo-se quanto haverá para cada item e aí posso me programar para criar a música. O Grande Mentecapto fez sucesso logo na primeira exibição pública, no Festival de Gramado, em junho de 1989, em que foi o melhor filme para o júri popular. No mesmo festival, havia outro filme baseado em obra do Fernando Sabino, Faca de Dois Gumes. Ele dizia que gostava mais do Mentecapto porque havia sido mais fiel à sua história. Quando chegou aos cinemas, em setembro daquele ano, Diogo Villela, Regina Casé e Débora Bloch faziam o programa humorístico TV Pirata na Rede Globo e atraíram muito público. Caldeira diz que é o filme que mais o realizou como diretor, por ter dito tudo que quis num filme e porque agradou ao público e à crítica. Como já disse anteriormente, essa trilha tem alguns temas que merecem ser desenvolvidos. Espero fazê-lo, mas ainda não decidi como vou organizá-la, se para um instrumento solista ou como uma sinfonia, são detalhes técnicos. Mas a Giselle já conta com essa suíte. Tiradentes aconteceu em 1997, quase junto com A Ostra e o Vento, e partiu de uma ideia muito particular do Caldeira a respeito da Inconfidência Mineira. Ele acredita que a revolta frustrada foi um reflexo, no Brasil, de uma onda libertária mundial da segunda metade do século 18, que começou com os filósofos iluministas (Voltaire, Montesquieu, etc.) e teve a Independência Americana e a Revolução Francesa como ápices. Para ele, Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Padre Rolim e os outros inconfidentes eram a elite pensante que quis implantar no Brasil essas ideias que a maioria deles havia conhecido na juventude passada nas universidades europeias. Tiradentes, vivido por Humberto Martins, então galã de novelas de ação da Rede Globo, seria um herói intempestivo, bon vivant, mulherengo, apaixonante e apaixonado, quase um Che Guevara avant la lettre. Os outros inconfidentes são todos atores globais, em participações mais ou menos rápidas. O filme já começa com uma versão de violão e voz de Blowing in the Wind, de Bob Dylan, cantada por Beth Bruno e tocada por Nando Chagas, em cujo estúdio gravei a trilha. Caldeira queria logo referir-se à década de 1960, outro momento em que as ideias de liberdade varreram o mundo. O filme reproduz os fatos da Inconfidência como estão nos livros de história, o texto é quase de época e a forma de representar é propositadamente teatral. Embora seja possível recuperar as partituras do que se tocava e compunha no Brasil Colônia, não nos prendemos a isso. A música vai conduzindo a ação, antecipando climas, como um réquiem na prisão de Tiradentes e dos outros inconfidentes, ou se contrapondo ao que acontece, como um minueto numa cerimônia religiosa ou um tema bem fúnebre numa festa num prostíbulo, às vésperas de o golpe ser descoberto. Há cenas que parecem dançadas, embora a música tenha sido composta em cima das imagens prontas. É o caso da abertura, um longo plano-sequência mostrando um piquenique junto a uma cachoeira, no meio de uma floresta, com escravos, mulheres e os inconfidentes e que termina com a chegada de Tiradentes, após uma escaramuça com bandoleiros de estrada. Outro tema dos anos 1960 que uso é San Vicente, do Milton Nascimento e Fernando Brant, só instrumental e praticamente como uma vinheta, nos momentos em que Tiradentes vai ao Rio para pregar seus ideais e buscar adeptos para a revolta. Além de Blowing in the Wind, havia outro hit internacional preparado para o filme, Walk on the Wild Side, de Lou Reed, que seria cantado pelo Joaquim Silvério dos Reis. Mas, ao contrário de Dylan, que não fez qualquer exigência além de US$ 10 mil para ceder sua canção, Reed não quis saber de conversa. Não permitiu o uso de sua música, mesmo ignorando que ela seria interpretada pelo traidor da Inconfidência Mineira. Tiradentes teve uma carreira bem mais modesta que O Grande Mentecapto, até porque tratou o tema de maneira mais pesada e dramática. A história de Fernando Sabino é trágica porque o Viramundo sabe seu destino desde o momento em que deixa seu povoado, mas esse peso vem diluído no humor dos “causos” de Minas Gerais. Em Tiradentes, havia mais verba para a música e gravei com o Rio Cello Ensemble, o grupo com o qual mais trabalhava na época, e o clarinetista Cristiano Alves, da Opes. Tanga (Deu no New York Times?) é o único filme do Henfil. Fazê-lo foi maravilhoso e dramático, porque ele já estava doente e nem conseguiu acabá-lo. Era uma história desvairada de um País, Tanga, onde os golpes de Estado se sucedem, mas os ditadores só se preocupam em ser notícia mundial. Tem aquele humor rascante do pai da Graúna, que vive o diplomata tanguense em Nova York, andando de limusine para cima e para baixo, cheio de seguranças, enquanto o povo e o exército de seu país, ambos miseráveis, se digladiam. Os jornalistas Paulo Francis, Jaguar e Zózimo Barroso do Amaral fazem pontas, enquanto Elke Maravilha é a mulher do ditador, vivido por Rubens Corrêa. O Chico Anysio também faz uma ponta. A pedido do Henfil, a trilha junta A Cavalgada das Walkirias e Tannhauser, do Richard Wagner, com jazz e batucada, às vezes bem brasileira, às vezes marcial. E, claro, já que ele pediu temas épicos, dei um jeito de incluir também Mandu Çarará, de Villa-Lobos. Henfil levou sua ideia para o cineasta Jofre Rodrigues (filho do escritor Nelson Rodrigues) que produziu e codirigiu o filme, além de ter trabalhado com ele no roteiro durante seis meses. Só que, em lugar de eles escreverem, Henfil desenhou a história, cena a cena, num total de 3.600 quadrinhos detalhados como um fotograma. Enquanto produziam, mandavam cópias para eu pensar nos temas. Creio que os originais estão com a família do Henfil. Ele queria uma música grandiosa e ousada e me provocava cada vez que eu lhe apresentava um tema. Eu lhe mostrava o que havia gravado, achando que estava pronto e vinha seu comentário: “Está muito bonito, agora vamos ousar!” Era instigante, porque ele era um criador inquieto e havia muita cumplicidade entre nós. Para uma das cenas, me pediu um bolero e, quando eu trouxe, me olhou bem nos olhos, fascinado, e perguntou: “Onde está a ousadia?” E propôs que misturasse com o Bolero de Ravel. Então ficou a minha melodia com a rítmica de Ravel. Cada tema foi discutido e feito de acordo com suas indicações. O de abertura, por exemplo, que gravei em Cine Brasil com o título de Cubanin em Manhatan, tem um tom wagneriano (do Richard, não meu) com certa malandragem salseira. Nas cenas do exército tanguense parece marcha militar, mas a percussão é brasileira. Compus também um rock, à maneira de Get Back, dos Beatles, mas só instrumental, por sugestão dele. Todas as músicas e vinhetas foram feitas só por mim, nos sintetizadores, com o Ary Sperling na programação dos computadores. Mesmo quando usei as composições do Richard Wagner, não busquei gravações já existentes, de grandes orquestras internacionais, preferi fazer eu mesmo nos teclados. Henfil adoeceu antes de as filmagens começarem. Quando o Jofre conseguiu financiamento para a produção, ele foi internado para receber sangue, mas voltou entusiasmado e concluiu ao menos esta parte. Tivemos muitas reuniões para decidir a música, das quais o Jofre não participava porque achava que, como produtor do filme, não lhe cabia definir a trilha sonora. Só que, quando começou a montagem e a edição da música, Henfil adoeceu, foi internado e passava longos períodos em estado de coma. Quando estava acordado, eu ia ao hospital mostrar-lhe o que tinha feito para determinada cena. Ele ouvia, sorria e parecia delirar com a música. Sua doença o impediu também de fazer o filme que havia pensado, de desenvolver sua ideia completamente, apesar da força que recebeu do Jofre Rodrigues, que editou a música, mas o fez a seu modo e não como Henfil e eu tínhamos imaginado. Ele sequer acompanhou todas as montagens de Tanga. Uma das últimas, praticamente a definitiva, foi completada sem sua participação e ele queria refazê-la, mas não teve forças. O filme estreou em 5 fevereiro de 1988, exatamente um mês após sua morte e foi muito criticado. Realmente, tem momentos em que parece inacabado, climas que mudam bruscamente. Creio que se ele tivesse tido tempo teria sido uma grande obra, porque a ideia era fantástica. Era parodiar a ditadura mostrando todo o seu ridículo. Em setembro de 2005, sua lembrança voltou mais forte. A cineasta Ângela Patrícia Reiniger fez o documentário Três Irmãos de Sangue, sobre Betinho, Henfil e o músico Chico Mário, todos já mortos e cada um bastante atuante em sua área profissional. Marcos de Souza, filho do Chico Mário e também músico, assinou a trilha sonora e me convidou para escrever um arranjo e gravar com orquestra Ressurreição, que o pai dele havia composto na morte do Henfil. A gravação foi emocionante porque a música é linda e todos sabiam da importância daquele filme. Espero que já tenha sido lançado comercialmente e visto por milhares de pessoas, pois é um documentário belíssimo, que conta a história de três brasileiros dos quais todos nós devemos nos orgulhar. Sonhos e Desejos é o filme de estreia de Marcelo Santiago, mas ele tem grande experiência em cinema, pois é produtor da LC Barreto, há muitos anos. Aliás, a ideia do filme é do próprio Luiz Carlos Barreto, que comprou os direitos pouco depois do lançamento de Balé da Utopia, nos anos 1990. No livro, a ação se passa no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, época em que os militantes da esquerda mais radical eram perseguidos pela polícia e mudavam de cidade, identidade ou se abrigavam clandestinamente na casas de pessoas não ligadas oficialmente a grupos políticos. Embora a história seja de ficção, outras semelhantes aconteceram na época. Eu mesmo, como já disse, abriguei pessoas em minha casa. Marcelo Santiago é de Belo Horizonte e rodou o filme lá porque a produção ficaria mais barata e também porque a cidade ainda mantém, em alguns bairros, a arquitetura de época. A história versa sobre um triângulo amoroso, em que o professor de literatura Saulo (vivido por Felipe Camargo) e sua mulher, Cristiana (vivida por Mel Lisboa), que também é sua ex-aluna, estão fugidos e abrigam um terceiro guerrilheiro, Vaslav (Sérgio Marone), um bailarino que fica encapuzado quase o tempo todo. A ação se passa quase o tempo todo dentro do apartamento onde eles vivem e, nas poucas vezes que sai para a rua, o filme fica em preto e branco. Há um clima de suspense e perigo, pois os personagens estão mesmo correndo o risco de serem presos e torturados; mas depois de um certo momento, o suspense muda em função do envolvimento de Cristiana com Vaslav. Dessa vez, trabalhei em cima do filme praticamente terminado e o Marcelo me indicou os lugares e os tempos das músicas. Ele disse que me chamou para criar a trilha sonora porque as músicas que se ouviam na época em que a história se passa são as de Milton Nascimento e do Som Imaginário. Por isso, usamos muitas faixas do disco Clube da Esquina 1 e boa parte do restante foi feito só com teclados. Compus durante as férias de janeiro em Búzios, e gravei no estúdio do Renato Terra. Há também longos e importantes solos de guitarra de Victor Biglione e algumas faixas de discos dos grupos de rock progressivo inglês da época, como Emerson, Lake & Palmer, Yes e outros. Não senti falta de ter uma orquestra nem dobrei instrumentos porque o som da época era aquele mesmo de teclados e sintetizadores. O filme estreou no Festival de Gramado de 2006 e Mel Lisboa ganhou o prêmio de melhor atriz. Depois foi exibido também no Festival do Rio daquele ano e a estreia foi em 2007. Embora não tenha ido bem de crítica e de bilheteria, creio que é um retrato daquela época e a música recriou o clima. Capítulo VII O Guarani, o Toque do Oboé e Vida de Menina. Afora minha parceria com o Walter Lima Júnior, o Guarani, o Toque do Oboé e Vida de Menina são meus trabalhos mais recentes e têm uma característica comum. Não acompanhei a produção desde a sinopse, pensando nos temas à medida que o projeto evoluía e que eu conversava com o diretor e o(s) roteirista(s). Nos três, fiz a trilha com os filmes semiprontos, numa primeira edição, mas neles a música era um item importante, previsto no orçamento, e tive carta-branca para trabalhar. São filmes típicos da retomada do cinema brasileiro, realizados com financiamento público, no qual as empresas investem parte do imposto que pagariam. Enquanto o Guarani foi produzido e exibido em pouco mais de um ano (de abril de 1995 a maio de 1996), os outros dois demoraram a chegar às telas devido aos conhecidos problemas do cinema nacional. Talvez por isso, embora as trilhas sejam muito elogiadas, não foi possível lançá-las em disco. O Guarani e Vida de Menina são adaptações de obras literárias brasileiras, de épocas e estilos diferentes, enquanto o Toque do Oboé é um roteiro original, concebido na Escola Internacional de Cinema San Antonio de los Baños, de Cuba. O Guarani é uma adaptação do livro de mesmo nome, de José de Alencar, um dos principais escritores românticos brasileiros. Nele, o índio é o “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau, um ser intrinsecamente bom, que vive no paraíso terrestre. A história acontece no momento da chegada do homem branco, com todos os vícios que vai incutir no nativo. Márcio Garcia é Peri, um dos primeiros heróis da ficção brasileira, apaixonado pela branca Ceci (vivida por Tatiana Issa). Após o extermínio de sua família por uma tribo inimiga, ela troca a civilização pela vida selvagem ao lado de Peri. O elenco tem ainda Glória Pires, como a irmã bastarda e mestiça de Ceci, apaixonada pelo noivo desta, vivido por Marco Ricca. A atriz Norma Benguell dirigia seu segundo longa-metragem e, de início, ficou em dúvida se filmava a ópera de Carlos Gomes, também baseada no romance, ou se adaptava a história de José de Alencar para o cinema. Ela chegou a viajar para Bonn, na Alemanha, para assistir à montagem dirigida por John Neschling, com Plácido Domingo como Peri, mas voltou dizendo que a encenação era muito feia e o tenor vestido de índio, risível. Então misturou a ópera com o romance e me chamou para modernizar e abrasileirar a música do Carlos Gomes. Também me deu a oportunidade de trabalhar com uma sinfônica completa numa trilha sonora, como eu sonhava desde quando ia ao cinema lá em Belo Horizonte e em Três Pontas. A Orquestra Sinfônica da Petrobras (então OPPM) foi escolhida e a estatal entrou como patrocinadora do filme. Foi bom porque aí começamos uma parceria, que resulta no disco Cenas Brasileiras, no show e no disco Acústico, de Gal Costa, e na série OPPMPB e Jazz, entre outros projetos passados e os que ainda vamos realizar. Foi fácil encontrar o tom certo da trilha porque eu me entroso musicalmente muito bem com a Norma. Ela entende de música, é cantora com discos gravados e fez sucesso nos anos 1960 e 1970. A ideia de usar a ópera foi dela e, daí, surgiram vários temas pequenos. O que fiz foi tirar o italianismo da música de Carlos Gomes, que é muito calcada em Verdi, muito melômana. A música original de o Guarani tem características italianas, com árias para tenores e barítonos e o nosso compositor foi declaradamente influenciado por Giuseppe Verdi. Foi preciso mexer na composição, mudar a orquestração para ficar mais com o caráter do filme, trazer sua estrutura mais para perto do Brasil, de nossa história harmônica, porque cada povo tem sua maneira de harmonizar a música. Continua uma obra erudita, mas brasileira com um jeito mais de Villa-Lobos, que não tem nada de italiano. Ela me mostrou o filme semieditado. Medimos o tamanho das cenas e fiquei à vontade para escolher onde entrava a música e com opção para estendê-las se achasse que os temas acentuavam uma emoção ou um acontecimento, ou para a frase musical vir completa. Não é o habitual, porque normalmente mede-se a cena, num processo que se chama minutagem, e esse tamanho é respeitado. Trabalhei principalmente na abertura da ópera que é o famoso prefixo do programa de rádio Hora do Brasil. Compus vários temas a partir desse trecho, partindo para um caminho meu, que depois virava uma música romântica, de ação quando havia o ataque dos índios, ou para sonorizar outras situações. Mas o filme não tem só Carlos Gomes, compus também outros temas, especialmente a música incidental, para cenas de perigo, tensão, susto, suspense, uma flecha batendo na parede, coisas assim. Houve vezes também que reaproveitei o mesmo tema em momentos diferentes. Por exemplo, no ataque dos índios, havia uma frase melódica rápida, que transformei numa valsa muito triste, com outro acompanhamento, outra harmonia. Usei esse tema quando a personagem da Glória Pires aspira uma fumaça venenosa para morrer junto com o homem que amava. Assim, traduzi o fim de uma história de amor não realizada. Ficou muito bonito e a Norma Benguell adorou, disse que era o trecho da música com o qual mais se identificava, como se eu tivesse composto para ela. Apesar de conhecer música, ela não quis ouvir os temas nem ver as partituras antes da gravação, que aconteceu numa tarde, no auditório da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a OPPM completa e a presença de jornalistas convidados pela Norma. Ensaiamos e gravamos no mesmo dia e entreguei tudo pronto para ela cuidar da edição final. O resultado me satisfez porque o Guarani é um filme que mescla várias informações. É a música erudita de Carlos Gomes, harmonizada do meu jeito mineiro-carioca, passando também pelo Nordeste, pois o José de Alencar, autor do romance que dá origem a tudo, é cearense. E tive o prazer de ter toda essa mistura executada por uma orquestra sinfônica. A Norma diz que, antes, só o filme Limite, de Mário Peixoto, de 1931, tinha usado um grupo tão completo numa trilha sonora. Só que ali foram aproveitados trechos de Claude Debussy, Maurice Ravel, Eric Satie e outros compositores estrangeiros, enquanto o Guarani teve música original, às vezes baseada na ópera de Carlos Gomes. Ela queria fazer um disco da trilha, mas não foi possível por questões contratuais com a OPPM. Poucos anos depois, abriu o curta-metragem o Rio de Machado de Assis com minha versão de Eu Sei que Vou te Amar, com o Rio Cello Ensemble, que gravei no disco ao vivo com eles. O Toque do Oboé, de Cláudio Mac Dowell, é um filme sobre a magia do cinema e da música. Deu-me muito prazer, mas foi difícil porque tive que criar a música em cima de outra que já estava gravada e filmada. A história se passa numa cidade não identificada da América Latina, numa época que também não fica clara, e a música – no caso, os solos de oboé – é quase um personagem que deslancha os acontecimentos. Nada acontece na cidade até a chegada do oboísta (Paulo Betti) com seu instrumento, pois ele sofre de uma doença incurável e escolhe morrer ali. Então, as coisas começam a mudar, os moradores da cidade saem daquela rotina modorrenta e voltam a ser felizes. O fato provocador é a reabertura do cinema da cidade, onde filmes mudos, nacionais e estrangeiros são acompanhados por solos improvisados de oboé. O instrumento foi escolhido, segundo o diretor, porque enfatiza o poder de encantamento do cinema e da música e o oboé é parente daquelas flautas que os indianos usam para encantar as cobras. É também o instrumento afinador da orquestra. Uma característica desse filme é que a música só aparece aos 12 minutos, quando a situação e os personagens já foram apresentados. É exatamente um solo de oboé, que começa discretamente e atrai todos os personagens para a praça principal da cidade. O Cláudio quis assim para marcar o contraste da vida com e sem música. Há gente, inclusive, que estranha um início de filme sem trilha sonora. A música incidental demora mais ainda para aparecer e foi composta em cima dos solos do oboé. Todos os temas incidentais são desenvolvidos a partir deles. O Cláudio me chamou porque identificava minha música com a América Latina, pensava que eu já tinha morado no México – onde realmente passei uma temporada – e também por causa de minha experiência em trilhas, de trilheiro de cinema, como diz. Mas teve muita dificuldade em levantar o dinheiro necessário para o filme, que ficou dois anos em produção. Por isso, a música foi feita ao contrário do que seria mais razoável. A incidental não apresentou grandes problemas e trabalhei com um grupo de 11 músicos: José Francisco no oboé; Hugo Pilger e Márcio Mallard nos cellos; Tatiana Gruble e Andréa Moniz nos violinos; Jairo Diniz e Eduardo Pereira nas violas; Cristiano Alves no clarinete e no clarone; Mauro Senise nas flautas; e Nando Chagas na percussão, além de mim no piano. Tem contrabaixo acústico, mas feito eletronicamente. Na edição final, as cordas foram dobradas para encorpar o som. Gostei de usar esses instrumentos de orquestra para enfatizar momentos românticos, como a transa dos dois velhinhos, ao som de um tema com oboé e violão, e outros quase humorísticos, quando se evidencia o ciúme que o chefe de polícia local tem do oboísta, que lhe toma a namorada e a liderança da cidade. O problema foi criar os solos de oboé que acompanham os filmes mudos, cerca de dez pequenos temas que aparecem em outras situações importantes, como a primeira cena em que ele toca na praça e seu som fascina a cidade. Na história eram improvisos, mas o Paulo Betti aprendeu a tocar uma música determinada e eu tive que adaptar a composição aos seus movimentos para que não ficasse sem sincronia. O próprio Cláudio reconhece que o certo seria primeiro compor as músicas, ensiná-las ao Paulo Betti e depois refazer, mas não foi possível por problemas de produção. “Eu joguei uma bomba no seu colo”, me disse certa vez. Ele gravou os solos com um oboísta paraguaio, que se recusou a improvisar, e o Paulo Betti aprendeu a mímica daquela música. Então, eu tinha que compor alguma coisa parecida para o oboísta José Francisco tocar, mas que soasse como improviso, não só os movimentos dos dedos, mas também o sopro e a respiração. Isso é muito difícil porque não se pode interromper uma frase melódica nem a imagem pode mostrar o instrumentista sem tocar enquanto a música continua. Compus os temas vendo as cenas, mas sempre sobra ou falta um pouquinho e o Paulo Betti queria que usássemos a música que ele tinha aprendido, mas não era possível. Ficaria inexpressivo, não combinava com o filme. Ficou imperfeito porque é outra música, mas a tentativa foi essa. Há outro momento interessante, quando o oboísta morre e os habitantes da cidade tentam tocar o instrumento. O Cláudio pediu ao José Francisco que tocasse mal, errasse mesmo, e eu compus um tema em cima desses sons, num contraponto com os “erros”. Ele gravou sua participação e depois escrevi os contrapontos, fiz uma maquete da música no computador, conferi se estava dentro do tamanho exigido, a tal minutagem, e depois os músicos gravaram o que estava escrito. Normalmente componho assim: escrevo o arranjo, experimento no computador e depois substituo o som eletrônico pelos dos instrumentos tocados pelos músicos. Outro detalhe do filme é que o Cláudio pediu muito mais música incidental que o necessário. Nas muitas reuniões que tivemos, ele indicou inúmeras cenas onde os temas incidentais entravam, cerca de 90%, na verdade, mas depois usou só 70% do material. Eu acho que podia ter cortado mais ainda. O filme demorou para ser lançado no Brasil (só aconteceu em meados de 2000) e teve carreira fraca aqui, mas ganhou festivais pelo mundo afora. Continua sendo exibido em projetos de levar cinema a locais onde não existem salas convencionais e o Cláudio garante que o resultado é excelente, especialmente a cena final, do enterro do oboísta com a música meio fúnebre misturada com os “erros” dos habitantes que tentam tocar o instrumento. O Cláudio diz que sempre pedem o CD com a trilha, que não existe, por dois motivos. Primeiro porque são produtos diferentes e lançar comercialmente a música de um filme é tão caro quanto gravar um disco novo. O segundo motivo é que, apesar de eu ter praticamente todos os temas que compus para cinema guardados em suportes que mudaram ao longo do tempo (fita cassete, dat, CD, etc.), eles estão picadinhos como aparecem nos filmes. Seria necessário reeditá-los ou reescrever tudo para um álbum. Foi o que fiz em Cine Brasil, de 1989. Vida de Menina é adaptação do livro do mesmo nome, escrito por Alice Darryell Caldeira Brant, que o assinou com pseudônimo de Helena Morley, contando o início de sua adolescência em Diamantina, então uma cidade decadente devido ao fim da extração do diamante. O livro foi traduzido por Elizabeth Bishop e virou sucesso internacional. O filme segue a estrutura do diário, com a voz em off da personagem principal contando as passagens, que são dramatizadas. É o primeiro filme de ficção da diretora Helena Solberg, que havia feito muitos documentários em curta-metragem e o longa Banana is my Business, docudrama sobre Carmen Miranda. Foi todo rodado em Diamantina, cidade histórica de Minas Gerais onde se passam os fatos contados pela menina. Por coincidência, eu havia feito, em 2002, o disco Memorial, com o cantor Zé Renato, para comemorar o centenário de nascimento de Juscelino Kubitschek, com as músicas preferidas do presidente, que também é de Diamantina. Então, já havia bastante informação sobre aquele universo musical. A Helena Solberg me chamou para fazer a trilha porque sou mineiro, embora Diamantina fique quase no norte de Minas e Três Pontas, no sul, com mais de mil quilômetros entre as duas cidades. Mas ela recebeu também indicações de outros diretores, especialmente do Walter Lima Júnior, e se baseou na minha experiência com trilhas sonoras, já que há poucos compositores no Brasil especializados em música de cinema, até porque não temos uma indústria estabelecida. Ela tinha uma parte do orçamento dedicada à música, mas queria ter na trilha alguém com experiência, que ouvisse suas ideias e chegasse a um ponto comum. O Diário de Helena/Alice foi escrito entre o fim do século 19 e o início do século 20, quando a música brasileira estava se formando. Diamantina é uma cidade cuja arquitetura barroca foi mantida quase intacta e tem fama de ser boêmia e romântica. Na época do livro, já havia serestas e muita polca. A Helena Solberg tinha algumas ideias sobre o som do filme, que se casavam perfeitamente com as minhas, como o uso do bandolim para levar de volta ao passado, e do acordeon, primeiro instrumento que aprendi a tocar, para as festas. E ainda sugeriu a música a Ti, Flor do Céu, um hit local, composto por Teodomiro Alves Pereira e Modesto Alves Pereira. O primeiro foi professor de música de Alice Darryell em Diamantina e aparece no filme como personagem. Esta música define a protagonista e, por coincidência, está no disco Memorial. Helena Solberg só pediu para evitar o folclore e o regionalismo, queria que fossem só inspiração. Para ela, a trilha devia ser mais universal, em vez de ficar só na música mineira, já muito forte por si só. Helena/Alice é vivida por Ludmila Dayer, que antes havia feito dois filmes (Carlota Joaquina, de Carla Camurati, e Traição, o primeiro longa--metragem da Conspiração Filmes, baseado em Nelson Rodrigues) e a novela Chica da Silva, na Rede Manchete. A protagonista de Vida de Menina é filha de um inglês que imigrou para enriquecer com diamante (Dalton Vigh). Não teve sorte, mas casou-se com uma moça de família tradicional da cidade (Carolina, vivida por Daniela Escobar). O filme mostra o dia a dia dessa família cheia de dificuldades financeiras, porém muito unida e amorosa. Vi a primeira edição e passei janeiro de 2004 em Búzios compondo os temas, em que cada instrumento marca a relação da menina com os outros personagens. O bandolim aparece quando ela está com a avó, uma matriarca mineira. O piano está nas cenas em família e o acordeon, nas festas. As cordas feitas pela Orquestra Rio Strings dão o clima denso, de acordo com a fotografia do filme, rodado só em locações em Diamantina, sem estúdio e com poucos closes. Foi uma opção da Helena Solberg, para aproveitar a oportunidade de filmar onde a história aconteceu mesmo. Ela gostou muito das cordas para dar densidade ao som, às vezes repetindo um tema que havia aparecido só com um ou dois instrumentos. No cinema você usa uma variedade de sons de acordo com os climas que quer dar. Às vezes, é preciso só um acordeon e depois aquele tema volta mais pomposo e, para isso, entra a orquestra, que aumenta o volume sonoro e enfatiza o sentimento que se quer provocar. É como ouvir o Luiz Gonzaga tocando seus baiões no acordeon e depois ouvi-los novamente com o Sivuca acompanhado de orquestra. É a mesma música, mas de forma diferente. Apenas quatro temas não são meus, Lascia ch’io Pianga, de George Hendel, que é cantada por uma prima da protagonista, num sarau, Douce Reverie de Tchaikovsky, Panis Angelicus (na cena inicial, quando as meninas comungam) e a Ti, Flor do Céu, que surge quando ela se enamora e nos créditos finais, com o coro de meninas de Diamantina, Arte Miúda, num arranjo deles mesmos. Numa valsa e numa das polcas, usei uma formação do choro (Marcelo Gonçalves no violão de sete cordas; Pedro Amorim no bandolim; Andréa Ernest Dias na flauta; Cristiano Alves no clarinete; e Francisco Gonçalves no oboé) porque a época em que a história se passa coincide com o surgimento deste gênero brasileiro. Gravamos com a Orquestra Rio Strings no estúdio da Rádio MEC, no Rio, em fevereiro de 2004. Helena reconhece que o ideal teria sido eu estar no filme desde o início, mas nós conversamos muito sobre o que seria a música de Vida de Menina. Normalmente, ouço o que o diretor espera de mim e faço à minha maneira, mas às vezes temos que discutir se é como interessa a ele. Quando acho que minha maneira é a ideal, até porque já sei o que o diretor quer, defendo até o fim. Mas também pondero e mudo o que for necessário. Como havia acontecido com o Toque do Oboé, ela me pediu muito mais música incidental do que o necessário e do que efetivamente usou na montagem final. Explicou que era uma precaução, já que não teria verba para refazer o que, porventura, ficasse faltando. Com a música gravada, passamos três dias diretos na edição e ela aceitou sugestões para alongar cenas, acentuar um clima ou valorizar um silêncio. Houve, inclusive, temas que mudaram de lugar nessa etapa. A música que toca quando a família de Helena/Alice visita o pai no garimpo é um exemplo, tinha sido concebida para outro momento, mas ficou melhor ali. Há também uma polca interessante, quando a amiga um pouco mais velha que Helena Morley vai a um baile e paquera o próprio pai. O diário é anterior à psicanálise e a menina comenta a passagem surpresa, mas sem dar muita importância. A polca, naquela época, era muito dançada nos salões e é citada muitas vezes no diário. Vida de Menina foi muito bem em festivais de 2004. Em Gramado, foi escolhido o melhor filme pelo júri especial e pelo popular e eu ganhei meu segundo Kikito com a trilha sonora. Mas o filme demorou mais de um ano para estrear, o que só aconteceu em outubro de 2005, quando este livro estava sendo escrito. Há um plano de lançar sua trilha sonora como disco, mas tudo vai depender do resultado comercial do filme e daqueles detalhes contratuais a que me referi em outro ponto deste capítulo. Capítulo VIII Receita de Música para Cinema (Existe?) Cinema é detalhado, geralmente a música deve ter o clima exato, porque é composta para um fim determinado. A partir de Inocência, procuro participar dos filmes desde a sinopse, que é um primeiro resumo da história, sem detalhamento de cenas. Em seguida, vem o primeiro roteiro e os seguintes, que podem chegar a 20 versões. Leio todas porque, também na trilha, você vai elaborando a ideia, aperfeiçoando até chegar ao ponto ideal. Para isso, é importante conversar muito com o diretor, saber o que ele quer, que ritmo vai imprimir às cenas em particular e ao filme como um todo e também que sentimentos é preciso expressar. Normalmente, o autor da trilha dá alguns palpites e é interessante ir à filmagem, para sentir o ambiente da equipe. O primeiro set que visitei foi de Besame Mucho, porque havia cenas com coreografias e as músicas haviam sido compostas previamente. Em Ele, o Boto, fui para me imbuir do clima geral. É interessante assistir às filmagens, manter esse contato com a equipe e, principalmente, com o diretor, pois, apesar de um filme envolver mais de uma centena de pessoas, entre atores e técnicos, o trabalho do compositor da trilha é solitário. Depois que se colhem as informações com o diretor, mede-se o tamanho de cada cena para se obter a minutagem, que é seu tempo de duração. Essa medida chega à fração do segundo. Na película, cada segundo tem 24 quadros que se chamam fotogramas e, no vídeo, são 30 frames. Uma cena, então, terá tantos minutos, tantos segundos e tantos frames e a música será composta para tempo, nem mais, nem menos. Essa exatidão é possível hoje devido à eletrônica. Antigamente, a música acabava bruscamente quando a cena terminava. Hoje não, cada tema tem um começo e um fim. De posse dessas informações – o que deseja o diretor, o clima das cenas e o tamanho de cada tema a ser inserido nelas –, é hora de trabalhar a composição, o arranjo e a orquestração no computador. Faço uma maquete da música que vai ser orquestrada e ajusto ao tamanho da cena. O passo seguinte é gravar cada instrumento em cima da parte correspondente na maquete e, por fim, retirar a gravação eletrônica. É assim quando se escreve para uma sinfônica, para um grupo pequeno ou para um computador executar os temas. Depois de pronto, parece que música é criação de muita gente, mas na verdade passo horas e horas sozinho. Só depois de resolver os arranjos e gravar cada instrumento na maquete, levo para os músicos tocarem. Nos dois primeiros momentos é possível mudar à vontade, mas depois que os músicos gravam, só se pode adequar o tema ao que a cena exige eletronicamente. Geralmente, chego ao estúdio na gravação da música ou na edição do filme, com uma ideia prévia do que vai entrar. Senão fica um faz e desfaz infinito. O ideal é discutir longamente com o diretor e já saber o que ele quer antes de começar a compor. Se há um acorde aqui, que o diretor pede ou você acha necessário. Não é preciso ver o filme muitas vezes porque é um processo dinâmico. Você acompanha a montagem e vai imaginando. Depois da minutagem pronta, você tem uma noção do que fazer, porque já discutiu com o diretor, já leu a sinopse, os roteiros, viu as montagens e já está com aquele filme na cabeça. Agora deve explicar para a plateia como costura aquilo. O espectador vê e a música ajuda a entender. Ou dá um contraste. Isso no filme de ficção. No documentário, não há necessidade de os temas serem tão precisos. Porque a história existe, não é invenção. A ficção tem muita fantasia e o documentário é mais grosso, a música vai direto ao ponto. Na ficção, a trilha pode encantar. Você faz um crescendo e o susto não vem. No documentário, conta-se um caso que aconteceu e a música não vai surpreender ninguém, é feita para pontuar. Aliás, assim como o texto de um documentário não pode brigar com a imagem, a trilha também precisa combinar com ela. Não adianta dizer que algo é sensacional, impactante e criar um tema com esse clima se a imagem é fraca, não corresponde ao que o texto diz e ao que a música insinua. É diferente também quando se compõe um concerto ou para sonorizar uma cena, seja com um grupo pequeno ou uma orquestra. No primeiro caso, uma composição sua, você cria a música com sua vivência, com as coisas que gosta de tocar e as harmonias preferidas. Quando se faz para cinema há um objetivo, uma encomenda. A música tem que ser triste ou alegre porque a cena pede. Não parto de uma inspiração minha, devo traduzir o que vejo na tela. É minha música, mas com um objetivo determinado por outra pessoa, o que pode ser muito desafiador e, às vezes, mais instigante. Há uma diferença entre fazer a música toda nos teclados e com orquestra. No teclado, você toca todos os instrumentos, experimenta um de cada vez até dar a forma final. São necessários vários playbacks, um em cima do outro, para virar orquestração. Gosto de começar pelos instrumentos mais graves para chegar aos agudos. Se é um arranjo de cordas, primeiro vem o baixo, depois os violoncelos, as violas e os violinos. Às vezes, o diretor fica ansioso. Em Besame Mucho, o Ramalho Júnior se assustou ao ouvir um tema só no contrabaixo, com aquele som grave, e começou a roer as unhas. Perguntou preocupado: “Mas este é o som que fica?” Eu expliquei que aquele som sumiria, porque todos são gravados e depois é escolhido o que entra e o que fica de fora na edição final. Ele não voltou mais ao estúdio e, ao ouvir a gravação definitiva, confessou que tinha ficado completamente diferente do que ouvira. Ficou apaixonado. Ramalho Júnior só dava uma dica e me deixava à vontade. O Oswaldo Caldeira também trabalha assim. Os outros diretores sugerem algumas músicas, mas não interferem nos arranjos. Geralmente pedem muito mais temas dos quais usam ou as sobras de estúdio, trechos que ficam fora da edição final dos temas, para usar em determinados momentos, como vinhetas. O único que discute cena por cena, som por som, é o Walter e brigamos muito durante o filme, briga de amigo porque eu teimo com ele e ele comigo, dá milhões de exemplos do que quer, um negócio muito criativo. A maquete tem a vantagem de o diretor ouvir minha composição sabendo que é uma prévia, com possibilidade de mudar o que quiser. Isso é a pré-produção musical. Muitas vezes mudo de ideia nessa fase, pois penso um caminho melódico para um tema, mas não acho bom depois de pronto e resolvo trocar. Aí sobra muito espaço para criar e mudar, de comum acordo com o diretor. Geralmente, quando reúno os músicos, já estou com tudo escrito porque sou organizado quando componho, até porque mudar durante a gravação dos instrumentos complica toda a produção. Então, quando a trilha é feita nos teclados, há mais chances de se criar na hora porque é possível experimentar, refazer, ir e voltar. Com orquestra, os músicos tocam o que você escreveu e a música tem de casar com o tempo da cena. Antes era difícil isso acontecer e, na edição, era preciso adiantar ou atrasar o andamento da gravação, cortar compassos para ter o tamanho exato. Hoje, com a maquete, a gravação é mais precisa. Faço a regência ouvindo a maquete e gravo junto, na mesma velocidade do clic que marca o tempo da música. Depois tiro o som eletrônico e deixo só o acústico. Assim, não sobra nem falta música. Sempre tive um músico que entende de informática e cuida da programação dos computadores. Já foi o Ary Sperling que saiu para fazer sua carreira e deixou o Maurício Gaetane no lugar. Depois veio o Nando Chagas e hoje quem cuida disso, há algum tempo, é o Renato Terra, um compositor que fez sucesso no início dos anos 1980, com a música Bem-te-vi (“lá, em Mauá, Teresópolis, Gaudinólopis, Armação de Búzios ...”). Detesto mexer com essa parafernália, embora goste de seus recursos. Uso um superprograma de música, o Finale, que tem versões novas a cada ano, mas não mexo nisso. Não tenho preconceito, nenhuma cerimônia com música. Trato-a em todas as suas formas, todos os estilos, desde que com qualidade. Tenho ânsia de criar, criar, criar... Outra questão importante é o dinheiro destinado à trilha dentro do orçamento do filme. Hoje os orçamentos são detalhados nos projetos que são apresentados aos investidores e a verba destinada a um item da produção não pode ser remanejada, tem de ser usada para a finalidade prevista. Antigamente, ia-se gastando e, quando a produção estava pela metade, o dinheiro já havia sido gasto e era preciso reorganizar a verba. Geralmente, tirava-se da música, da roupa. No cinema, como nas outras áreas, é fundamental organizar-se em função da verba que se dispõe. Eu vejo o filme e indico se preciso de uma flauta, um cello, um oboé ou uma orquestra e nós escolhemos os músicos. Mesmo quando a trilha se resolve toda nos teclados é preciso acrescentar um ou mais instrumentos acústicos para se chegar à sonoridade exata que o filme exige e para humanizar o som. Se você usa cordas feitas nos teclados, elas têm que soar como tal e não parecer que são tocadas por músicos. Não existe uma fórmula infalível para trilha sonora. Cada filme tem suas exigências e particularidades, pede que se desperte uma emoção diferente. Agora, para aprender é preciso ir muito ao cinema, ouvir muito e com atenção as trilhas, o que faço desde criança, lá em Três Pontas. E acionar sua criação, querer criar em cima do que vê. O que dá muito recurso é o departamento de cordas (violino, viola, violoncelo e baixo), que tem um alcance muito grande, uma extensão maior que a maioria dos instrumentos, além de enriquecer a música, tornar o arranjo mais cheio. Mas, como já disse, não se deve criar a orquestração na hora de gravar, mas sim trabalhar muito sozinho, experimentando tudo e chegar com as partituras escritas. Tudo que disse aqui, aprendi fazendo, experimentando, errando e consertando, ouvindo muito, observando e perguntando sempre. Nunca tive estudo de música formal ou acadêmico, mesmo para fazer orquestrações, tocar ou escrever para orquestras sinfônicas. Aprendi a ler partitura com minha mãe, ainda criança, mas só lia o que estudava. Só peguei prática quando comecei a fazer arranjos e aí, para escrever, é preciso saber ler. Quando cheguei ao Rio aprendi pedindo informações sobre tudo, como se dispõe cada instrumento da orquestra na partitura, como se escreve para cada um deles e qual o alcance deste ou daquele, a tessitura (extensão, quantidade de notas que alcança) de cada um. Um fagote é diferente de uma flauta e um oboé, que são diversos das cordas. Para aprender a usá-los da melhor forma possível não há outro caminho. É preciso experimentar, errar, corrigir e refazer. Valorizo muito o ensino da música nas escolas, como acontecia nos anos 1950, quando eu estava fazendo primário e ginásio, correspondentes, naquela época, ao ensino fundamental de hoje. Como contei, até a adolescência, achava que o estudo formal bitolava e, naquela época, não havia cursos de música popular, só erudita. Nos primeiros anos do Rio não tinha tempo ou dinheiro. Talvez, então, tivesse estudado piano clássico, jazz, orquestração sinfônica, clássica, dodecafônica e tudo mais. Mas nos anos 1970, já com recursos suficientes, não pensei em me aperfeiçoar com um professor porque queria ousar, criar um som diferente, experimentar o tempo todo. Gostava de arriscar, muito mais que hoje. Com 45 anos de música, não tenho mais vontade de estudar porque aprendi muito com a vida, tenho mais facilidade de chegar ao som que quero e prefiro usar o que sei. No entanto, nos anos 1970, quando eu conhecia menos música, era muito mais ousado, até porque era a época propícia. Hoje ouso menos, mas aplico melhor os recursos que conheço. Capítulo IX Outras Trilhas Além de trilhas para longas, fiz também documentários de média-metragem e vídeos institucionais com Sílvio Tendler, o curta-metragem de estreia de Monique Gardenberg, Diário Noturno, trilha para novelas de televisão e música para teatro, embora neste último item ainda não tenha feito uma obra que me satisfaça. Estou no começo do caminho. Nas artes cênicas, meu principal trabalho é a opereta Manu Çaruê, Uma Aventura Holística, que estreou em 1988 no Teatro João Caetano e virou disco no mesmo ano. Minha ideia era trazer, para o fim do século 20, o matuto brasileiro que Mário de Andrade estudou e Villa-Lobos incorporou em sua obra. Esse personagem era um brasileiro aberto às transformações tecnológicas que se anunciavam e hoje são realidades, mudaram nosso cotidiano. Ele entrava num computador e aproveitava-se dessa tecnologia para deixar evidente que a música não é reducionista, pode ser tratada da forma que se desejar, com todas as misturas possíveis, samba com erudito, eletrônica com orquestra e solistas, texto falado e cantado. Essa mistura vem de Matança do Porco, mas aqui ficou explícita porque foi traduzida em dramaturgia. Deixou de ser apenas um concerto. Os sintetizadores e computadores usados para produzir aquela música ficavam à vista do público e, no disco, assumo cada influência que recebi. O espetáculo teve quatro récitas no Teatro João Caetano lotado. A partir do meu argumento, o Geraldo Carneiro desenvolveu o roteiro, Rubem Gerchman criou os cenários e Walter Lima Júnior fez a direção-geral. O ator Rubens Corrêa era o protagonista e Maria Padilha fazia os outros personagens. Os roqueiros Cazuza e Ritchie participaram, o primeiro como o matuto e o segundo como a tecnologia, mas eles não se rivalizavam; de seu dueto saía um novo elemento. Em dado momento, o bailarino Rainer Vianna dançava uma coreografia de seu pai, Klaus Vianna. Além deles, havia uma orquestra de cordas e um grupo com Nando Carneiro e Maurício Gaetani nos teclados, Mingo Araújo e André Sperling nas percussões. O disco que saiu na mesma época teve também o percussionista Robertinho Silva e o guitarrista Victor Biglione, mas Nando e Maurício não participaram. Manu Çaruê era uma superprodução e o sucesso foi imenso, as críticas elogiosas se acumularam. O crítico José Domingos Rafaelli viu o espetáculo no João Caetano e, no jornal O Globo, qualificou a opereta como um divisor de águas em minha carreira. “É uma obra ambiciosa, séria, abrangente, inovadora em vários aspectos e de uma qualidade musical excepcional. É um marco na história da música brasileira, uma realização que ficará para a posteridade, engrandecendo sobremaneira Wagner Tiso e todos os envolvidos no projeto.” Ele percebeu o entusiasmo das pessoas que trabalharam no espetáculo, um espírito gregário contagiante. Além de quatro récitas no Rio, fizemos o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e fomos para Recife e Fortaleza, com um quarteto de cordas, mas não pudemos continuar. Era uma produção caríssima e, naquela época, não havia financiamento regular de projetos como este nem direto do Ministério da Cultura ou por meio de incentivo fiscal. Em 1988, o País pensava outras questões sociais e políticas, como a própria Constituição, promulgada naquele ano. Estes mecanismos só seriam criados na década seguinte. Não descarto a remontagem de Manu Çaruê ou uma continuação daquele trabalho. Meu primeiro contato com teatro foi em 1980, quando Rubens Corrêa e Esther Góes fizeram um espetáculo a partir do Poema Sujo, de Ferreira Gullar. As músicas eram do Milton Nascimento e eu cuidava das orquestrações. Tínhamos longas e agradáveis reuniões com o poeta em sua casa, das quais a primeira mulher dele, a produtora cultural Tereza Aragão, já falecida, também participava. Criei também uma versão para dois pianos do Trenzinho Caipira (música do Villa-Lobos que recebeu letra do Ferreira Gullar). Recentemente, ao lembrar desse espetáculo, o poeta disse que havia adorado a forma como sua poesia foi tratada. Durante o resto daquela década, praticamente só compus para cinema, mas o Grupo Corpo usou músicas minhas no balé Tríptico, montado em 1981, com coreografia de Rodrigo Pederneiras. Não eram temas originais, eles aproveitaram os que estavam gravados em meus elepês. Na primeira metade dos anos 1990, fiz mais teatro. Em 1992, Márcio Vianna me chamou para fazer a música de Imaginária, um espetáculo que tinha texto de Geraldo Carneiro e se passava todo no escuro. Toquei alguns improvisos e uma música que está no meu repertório até hoje, Prelúdio Zero, que naquela época ainda não tinha a forma definitiva. É o único tema que ficou desse espetáculo. Naquela época, não pensei em guardar as outras músicas, mas acredito que os herdeiros do Márcio Vianna, que já faleceu, tenham essa trilha completa porque ele era muito organizado e tinha um arquivo de seus trabalhos. Nos anos seguintes, trabalhei com Gabriel Vilela, em A Falecida, de Nelson Rodrigues, e o Moacyr Góes, em O Livro de Jó, adaptação de Clara Góes dessa passagem bíblica, e em Peer Gynt, de Henrik Ibsen, minhas duas trilhas mais marcantes para teatro. Fizemos também dois recitais, um sobre o Auto da Compadecida, com a Elba Ramalho, e o Natal do Padre Antônio Vieira, com Marília Pêra e Olívia Byington. Neste último, levamos um órgão para o palco do Teatro Carlos Gomes. Marília Pêra lia textos de Vieira sobre o Natal e eu pontuava suas falas. Havia também temas em que Olívia fazia vocalize. Eram composições minhas, originais, seguindo um estilo de música sacra e, por isso, usamos o órgão. Este recital teve uma minitemporada, só no penúltimo fim de semana de 1996. Conheci Moacir Góes, em 1993, por intermédio do empresário de Chico Buarque, Vinícius França. Góes havia dirigido o show Paratodos e ficamos amigos. Disse gostar muito da minha música e me convidou para fazer a trilha de O Livro de Jó, que encenaria no segundo semestre daquele ano. O texto de Clara Góes partia da linguagem de cordel e trazia para o Nordeste brasileiro a disputa entre Deus (vivido por Floriano Peixoto) e o demônio (Leon Góes) pela alma de Jó. A música tinha xaxados, baiões, sem deixar de lado a referência religiosa. Os atores praticamente dançavam uma coreografia, tal a exatidão das marcações do Moacyr. Como sempre, li o texto, acompanhei os ensaios e conversei muito com o diretor sobre a atmosfera do espetáculo, o tempo de cada música, seu significado naquele contexto e como suas ideias se traduziriam em som. Porque, ao contrário do cinema, em que se trabalha em cima do filme pronto, com o Moacyr, a trilha é composta num momento intermediário, nem antes de os ensaios começarem nem quando o espetáculo está definido. Como ele explica, a música de teatro é feita em função da cena, mas no momento em que é incluída na peça, a cena se submete a ela, as marcações obedecem ao seu ritmo. Por isso, não pode ser no início dos ensaios nem no fim. Nós discutimos todos os detalhes do espetáculo, a cor das cenas, seu ritmo, o que e como a música pontuava, como e quando aconteciam as viradas, etc. O Livro de Jó estreou em outubro de 1993 e ficou em cartaz seis meses, sempre com a casa cheia. Fiz todos os instrumentos nos teclados, com Nando Chagas na programação dos computadores, mas não tocava ao vivo. A não ser uma récita, quando a temporada já estava próxima a uns dois meses, para lançar o CD com a música. Giselle e Moacyr gostavam tanto daquele trabalho que resolveram vender o disco com a trilha no teatro. Colocamos um piano no palco e eu toquei durante o espetáculo, junto com o que estava pré-gravado. Poucos meses depois, em junho de 1994, estreou Peer Gynt, de Henrik Ibsen. O texto é um clássico do teatro mundial e o seu autor, um dos criadores do realismo na segunda metade do século 19. É menos montado e conhecido que Casa de Bonecas, do mesmo autor, mas mantém a crítica social ácida ao contar a história de um aventureiro, herói nacional na Noruega. No elenco, além dos atores do grupo de Moacyr (Floriano Peixoto e Leon Góes, entre outros), estavam Ítalo Rossi, José Mayer, Ivone Hoffman e Letícia Spiller, em seu primeiro papel no teatro, assim que deixou o programa da Xuxa, onde era Paquita. Moacyr fez um espetáculo de época, respeitando aquele ambiente europeu e a fala formal do tempo que retratava. Antes de criar essa trilha, ouvi uma peça sinfônica do norueguês Edvard Grieg, também intitulada Peer Gynt, que tem uma orquestração maravilhosa. Grieg é um dos grandes compositores clássicos e usava temas folclóricos de seu país na música erudita. Escreveu belos concertos para orquestra e piano. Num deles, descobri uma frase melódica muito parecida com outra que eu usara em uma composição, Planeta Amazônia. Era coincidência, um acaso, e decidi incluir este meu tema na trilha da peça. Os outros foram todos originais, executados por mim nos teclados e tocados em fita durante o espetáculo. A Falecida foi uma iniciativa da atriz Maria Padilha. Ela fez a protagonista, Zulmira, cujo objetivo na vida era ter um enterro de milionária, já que seu cotidiano era de pobre e suburbana carioca. Havia um personagem, Tuninho, o marido de Zulmira, viciado em jogo e louco por futebol, e a peça foi montada em 1994, na época da Copa do Mundo em que o Brasil se tornou tetracampeão. Maria Padilha chamou Gabriel Vilela para dirigir, Giselle para produzir e me queria, de alguma forma, na trilha sonora. Só que o Gabriel não costumava encomendar música original para seus espetáculos, ensaiava ouvindo canções que já existiam e preferia usar essas gravações em cena. Então, ocorreram duas felizes coincidências. Em seu espetáculo anterior, a Vida é Sonho, de Calderón de la Barca, estrelado por Regina Duarte, Gabriel usara um tema meu no encerramento. Quando Maria Padilha sugeriu meu nome para fazer a música incidental de a Falecida, ele contou que, adolescente, nos anos 1970, morava em Carmo do Rio Claro, cidadezinha perto de Três Pontas, e se admirava ao me ver chegar lá, vindo de Los Angeles, com umas botas que achava lindas e túnicas bordadas. Aí a aproximação foi fácil. Como de costume, ele usou música pré-gravada, entre elas Dama das Camélias, com Francisco Alves, e Corsário, com Elis Regina. Compus a música incidental com base nas canções escolhidas, às vezes só um som para pontuar uma fala ou uma virada da ação. Meu primeiro trabalho na televisão foi o especial infantil Tiradentes, Nosso Herói, dirigido por Augusto César Vanucci, em 1982. Gonzaguinha, João Bosco e outros músicos criaram canções falando de liberdade e da Inconfidência e eu mesmo compus uma que a Tânia Alves interpretou. Fiz os arranjos e a direção musical e a trilha foi lançada em disco. Em 1986, fiz temas para alguns personagens da minissérie o Primo Basílio, adaptação de Gilberto Braga para o romance de Eça de Queiroz, bem fiel ao original. Neste ano, a Rede Manchete estreou sua primeira novela, Dona Beija, dirigida por Herval Rossano, escrita por Wilson Aguiar Filho e estrelada por Maitê Proença. Além de parte da trilha incidental, fiz a abertura, uma canção com letra de Fernando Brant gravada pelo Viva Voz. Maurício Carrilho, Ivor Lancelotti, o grupo 14 Bis compuseram outras músicas. A novela ficou no ar de 7 de abril a 11 de julho de 1986, com muito sucesso e a trilha foi lançada em elepê também. Em 1990, Roberto Talma adaptou o romance o Sorriso do Lagarto, de João Ubaldo Ribeiro, para uma minissérie da Rede Globo e me chamou para participar da trilha sonora. Geraldo Carneiro escrevia o roteiro e a história, com um jeito de thriller político, que se passava numa comunidade de pescadores no litoral baiano. Maitê Proença era novamente a protagonista e fazia um par romântico fracassado com Toni Ramos, enquanto Raul Cortez era o vilão. Fiz o esboço de toda a trilha incidental e temas para cada personagem, embora tenham sido usadas também músicas cantadas de outros autores. Só não fiz a trilha toda porque a Globo tem uma equipe responsável pela edição sonora de suas novelas e minisséries. Os tecladistas Márcio Lomiranda (ex-Alceu Valença e ex-Marina) e Mu Carvalho (ex-Cor do Som) estão entre eles. No ano seguinte, Walter Lima Júnior me chamou para a trilha da minissérie Meu Marido, escrita por Euclydes Marinho e Lula Campello Torres. Naquele período, o cinema brasileiro estava quase parado porque o presidente Fernando Collor de Mello havia fechado todos os órgãos federais ligados à cultura, inclusive a Embrafilme. Sem ter como filmar, Walter foi para a televisão, como ele afirmou na época da estreia da minissérie, exibida pela Rede Globo de 7 a 17 de maio de 1991. Era uma história policial, em que Carlos Zanata, fiscal do Ministério da Fazenda vivido por Nuno Leal Maia, vê sua vida se desmoronar ao ser acusado de tráfico de drogas e corrupção. Sua mulher (Elizabeth Savalla) luta para provar sua inocência, mas o expulsa de casa quando ele se envolve com a advogada Carmem (Imara Reis), que o defende. Desta vez, fiz tudo: o tema de abertura, o de cada um dos personagens e a música incidental. Ao contrário de outras minisséries, não entraram músicas cantadas, por determinação do próprio Walter. Havia, inclusive, uma solada por Paulo Moura. Creio ser uma das poucas produções de televisão só com música instrumental. O Sorriso do Lagarto e Meu Marido são das poucas trilhas minhas para uma história atual, embora eu não seja um especialista em produções de época e cada trabalho meu tenha um estilo. O que importa aqui é a diferença entre música para cinema e para televisão. Praticamente inexiste, especialmente quando se trabalha com o Walter, que levou para a telinha sua experiência anterior e, nos anos 1970, havia feito documentários para o Globo Repórter. A criação é quase igual, mas a edição muda completamente. No cinema, trabalha-se cena a cena, criando a sonoridade que aquela ação pede e, depois de pronto, não se mexe mais. A televisão exige muito mais temas, não especificamente para uma cena, mas em função dos climas que se quer dar ao conjunto. E, como fica no ar muito tempo, a edição muda, ou seja, troca-se a ordem das cenas ou se altera sua duração de acordo com as necessidades da emissora, a vontade do diretor ou mesmo a aceitação do público. Prevendo isso, deve-se fornecer ao diretor muitas músicas completas ou vinhetas, com bastante variedade, para suprir o que ele determinar. O Walter, na época, disse que eu lhe dei o dobro do que precisava. Ainda no capítulo televisão, tive uma música, Fiesta, incluída na novela Explode Coração, de Glória Perez, exibida entre novembro de 1995 e maio de 1996, também pela Globo. A história tinha um núcleo de ciganos e minha música tocava sempre que eles entravam em cena. Era parte daquela suíte Fiestas e Senzalas, que havia composto quando morei na Espanha e usá-la foi um recurso para sair do ineditismo. A gravação da novela tinha grande orquestra e, pouco depois da estreia, a cantora Selma Reis a gravou com uma letra do Aldir Blanc. Eu mesmo cuidei do arranjo, mas aí sem orquestra. Depois de Jango, fiz também filmes de média e curta-metragem com o Sílvio Tendler, alguns exibidos na televisão. O primeiro foi Caçadores da Alma, em 1988, sobre fotógrafos. Ainda neste ano, veio Chega de Saudade, comentando os 20 anos dos acontecimentos de 1968, no Brasil e no mundo. Em 1992, fizemos Vale do Rio Doce, Caminhos da Sobrevivência, sobre os 50 anos desta companhia de mineração, então uma estatal. Nesta trilha, a Zélia Duncan canta, ainda usando o nome artístico de Zélia Cristina. Musiquei também os comerciais de televisão que o Sílvio fez para esta companhia. Eram praticamente curtas--metragens, com três minutos de duração e cada um com um assunto. Em seguida, fizemos uma série de seis médias-metragens para o Ministério da Educação de Portugal. Todos esses trabalhos tiveram temas originais, criados especialmente para cada produção. Como já falei sobre trilha de documentário e de ficção, resta esclarecer que, ao menos com o Sílvio Tendler, não há diferença entre um documentário institucional, encomendado por uma empresa, e outro de sua própria iniciativa. Ele trata seus filmes da mesma forma e quem o contrata sabe que ele não é publicitário, é sim cineasta. Posso dizer o mesmo da música, pois não considero nenhuma delas um jingle, não foram feitas para vender um produto, mas sim para ilustrar a história que se conta. Sempre trabalhei em cima de imagens prontas e a única vez em que tentamos inverter esse processo, no filme Carta ao Credores, sobre a indústria naval brasileira, a produção não aconteceu. Tempos depois aproveitei um dos temas, com outro arranjo e outra orquestração, em o Grande Mentecapto. O Sílvio comentou que seria mesmo um desperdício deixar de lado aquela música que ele achava tão bonita só porque fora criada para um filme que não foi adiante. Em dezembro de 2005, comemorei meus 60 anos gravando meu primeiro DVD, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O show teve o título de Um Som Imaginário e reunimos no palco a Opes e os músicos que foram importantes na minha chegada ao Rio, nos anos 1960. Milton Nascimento, com quem vim pela primeira vez; Cauby Peixoto, que me deu o primeiro emprego como músico na cidade; Paulo Moura, o primeiro músico a me dar uma chance; Gal Costa, com quem toquei logo ao chegar e alguns instrumentistas que passaram pelo Som Imaginário (Toninho Horta, Nivaldo Ornellas, Robertinho Silva, Luiz Alves e Victor Biglione, que não é dessa época, mas é meu parceiro de sempre). Todos estavam lá comigo. Chamei também dois grupos mineiros, o Tizumba, que faz congada, e o Uakti, que tem uma música muito original. Só faltaram a Maysa, para quem assinei meus primeiros arranjos, e o Agostinho dos Santos, que foi o segundo, mas só porque eles já não estão entre nós. Foi uma superprodução, a cargo da Giselle e com direção de Túlio Feliciano, um esforço coletivo de muitos amigos e do pessoal de meu escritório, o Trem Mineiro. A festa começou a ser preparada com meses de antecedência, para que todos os detalhes saíssem do jeito que nós tínhamos imaginado. Ficamos muito felizes e isso aconteceu, me deixou muito feliz, inclusive porque foi possível trazer meu pai, lá de Três Pontas para a comemoração. Foi muito bom também ter na plateia amigos de todo esse tempo, parceiros que me ajudaram a ter essa carreira de 40 anos de música. O show tinha as músicas que faziam sucesso na época em que eu cheguei, como Sua Estupidez (que Gal cantou com um arranjo de cordas escrito por mim), Pra Dizer Adeus (que teve arranjo orquestral), Raça e Viola Violar (cantadas pelo Milton), algumas músicas minhas (Matança do Porco, Chico Rei, Coração de Estudante) e, é claro, Villa-Lobos (Melodia Sentimental) e Tom Jobim (Eu Sei que Vou te Amar) que encerrou o concerto. Em dezembro de 2006, o disco e o CD foram lançados, mas essa não foi a única revisão de minha carreira. Em novembro de 2007, lançamos uma caixa com quatro discos, em que reunimos os arranjos que fiz em meus quase 40 anos nesse ofício. Assim, hoje tenho duas coletâneas do que fiz em música e fico feliz com o resultado. Finalmente, quero falar de um projeto que alimento há décadas, de levar o ensino da música orquestral às escolas públicas do ensino fundamental. Em minha opinião, isso é tão necessário quanto o ensino de outras disciplinas, embora praticamente abandonado nas últimas décadas. Convivo com a música desde muito cedo por ser de uma família de músicos e, com base na minha experiência, acredito que uma criança que tem contato com música desenvolve outras capacidades, como o raciocínio lógico e a sensibilidade. No meu tempo, era disciplina obrigatória, resultado de uma luta do compositor Villa-Lobos, que promovia concertos de corais infanto-juvenis pelo Brasil afora. Hoje esta disciplina está diluída no ensino da arte em geral e há pouquíssimos professores de música nas escolas públicas de ensino fundamental. Essa ideia é antiga. Em 1985, Milton e eu fundamos a Escola Livre de Música em Belo Horizonte, que teve um resultado fantástico. Profissionais do rock, do jazz e outros gêneros passaram por lá. Um deles é o Samuel Rosa, do Skank. Professores criaram metodologias de ensino e o mercado de trabalho para os músicos mineiros se ampliou. O problema foi manter a escola sem patrocínio público ou privado. Naquela época, não havia instituições que tratavam da educação musical, como acontece hoje, e, depois de algum tempo, não tínhamos mais como sustentar aquele projeto sozinhos. Mas a semente ficou. Nos anos 1990, tentamos outra experiência com a Prefeitura do Rio e a Fundição Progresso, mas entraves administrativos emperraram o projeto. Agora, nesta década, creio que chegamos a um bom termo. O programa que se chamava Músicas nas Escolas virou Toca Brasil, título de um elepê meu de 1982, e vem sendo estruturado há pelo menos cinco anos. Tive vários parceiros nesse período, cada um deu uma contribuição importante. Hoje somos quatro no núcleo principal. O pianista Marcus Vinícius Nogueira, professor de composição da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolveu a metodologia e cuida da parte pedagógica. Fiorella Solaris, que conhece projetos semelhantes na Venezuela e outros países da América Latina, encarrega-se da formação das orquestras. Eu fico com a direção-geral e Giselle, com a parte administrativa e promocional. A carência desse tipo de ensino é flagrante. Todo projeto nesse sentido tem êxito, seja a escola Portátil de Música, em Cordeiro, no interior do Estado do Rio, e no Rio de Janeiro; a Associação do Movimento dos Compositores da Baixada Fluminense, em São João do Meriti; do Aço ao Clássico, de Volta Redonda; o Pracatum do Carlinhos Brown, em Salvador; ou o projeto TIM Música nas Escolas, em São Paulo e no Rio. Além de ser muito musical, a criança brasileira quer aprender a tocar um instrumento e a escola é o melhor lugar para isso acontecer. Sonho espalhar orquestras infantis e juvenis pelo País, também para gerar mais empregos para músicos e profissões paralelas, como luthiers e produtores culturais. Marcus Vinícius Nogueira montou os cursos com o objetivo de formar músicos profissionais, mas o Toca Brasil já terá dado certo se os estudantes das escolas públicas se tornarem bons ouvintes e amantes da música. Estudar e fazer música em grupo é um exercício de cidadania. Para tocar com outras pessoas é preciso aprender a dividir, a ouvir o outro, ceder nos próprios pontos de vista e respeitar os alheios e, principalmente, querer produzir coletivamente. É um enorme prazer para quem faz e também para quem ouve e assiste. Por isso, estou sempre disposto a falar de música e criá-la, escrever temas para concertos, filmes e peças, fazer arranjos e, especialmente, tocar, embora seja preguiçoso para as outras coisas. Vivo de música desde que me entendo por gente e, se penso no futuro, me vejo criando muito nas próximas décadas. Cronologia Filmes de longa-metragem 2009 • Sonhos e Desejos Direção: Marcelo Santiago. Elenco: Felipe Camargo, Sérgio Marone e Mel Lisboa. Sinopse: No auge da ditadura política, início dos anos 1970, um professor universitário, casado com uma ex-aluna, abriga um militante clandestino e a convivência torna-se um triângulo amoroso. Wagner usou temas do disco Clube da Esquina 1 e de rock progressivo da época e compôs temas para piano e a guitarra de Victor Biglione. 2008 • Os Desafinados Direção: Walter Lima Júnior. Elenco: Rodrigo Santoro, Alessandra Negrini, Cláudia Abreu, Ângelo Paes Leme, André Moraes, Jairzinho e Selton Mello. Wagner compôs temas de Bossa Nova, regravou canções inéditas de Newton Mendonça e rearranjou músicas da época. Um grupo de amigos músicos e um cineasta se reúnem para lembrar o passado, desde 1962, quando eles foram a Nova York, tentar participar do show da Bossa Nova no Carnegie Hall. 2005 • Vida de Menina Direção: Helena Solberg. Elenco: Ludmila Dayer, Dalton Vigh, Daniela Escobar. Wagner compôs os temas originais e fez arranjos para músicas tradicionais de Minas Gerais. Sinopse: adolescente de Diamantina, no fim do século 19, faz a crônica da cidade, de forma ácida e sem autocensura. 2000 • O Toque do Oboé Direção: Cláudio MacDowell. Elenco: Paulo Betti. Wagner Tiso compôs os temas da trilha incidental. Sinopse: um povoado perdido no tempo e no espaço renasce com a chegada de um oboísta, mas a vida volta ao marasmo de antes com a morte dele. 1997 • A Ostra e o Vento Direção: Walter Lima Júnior. Elenco: Leandra Leal, Lima Duarte, Floriano Peixoto, Fernando Torres. Wagner Tiso compôs os temas da trilha incidental e fez o arranjo da música-tema, de Chico Buarque de Holanda. Sinopse: Uma menina isolada numa ilha porque seu pai não quer que ela conheça o continente, enlouquece e torna-se amante do vento. • Tiradentes Direção: Oswaldo Caldeira. Elenco: Humberto Martins, Cláudio Marzo. Wagner Tiso compôs e orquestrou os temas da trilha sonora. Sinopse: As aventuras do inconfidente Tiradentes, sua luta para tornar o Brasil independente e a crônica de Minas na época da colônia. 1996 • O Guarani Direção: Norma Benguell. Elenco: Márcio Garcia, Tatiana Issa, Glória Pires, Marco Ricca. Wagner Tiso compôs e orquestrou os temas originais e os baseados na ópera O Guarani, de Carlos Gomes. Sinopse: O índio Peri, apaixonado pela branca Ceci, dá muitas provas de dedicação e acaba por levá-la para viver na floresta quando sua casa é tomada por índios rivais. Adaptação do romance de José de Alencar 1989 • O Grande Mentecapto Direção: Oswaldo Caldeira. Elenco: Diogo Vilela, Imara Reis, Deborah Bloch, Regina Casé, Osmar Prado. Wagner Tiso compôs e orquestrou a música original. Sinopse: As aventuras de Geraldo Viramundo pelas cidades grandes e pequenas de Minas Gerais, até sua morte, no mesmo lugarejo onde nasceu. 1988 • Tanga (Deu no New York Times?) Direção: Henfil. Elenco: Henfil, Rubens Corrêa, Elke Maravilha, Zózimo, Jaguar, Paulo Francis. Wagner compôs e orquestrou a música original e fez os arranjos dos temas. Sinopse: o embaixador de Tanga vive nababescamente nos Estados Unidos, tentando ser notícia no New York Times, enquanto o país vive na miséria. 1987 • Ele, o Boto Direção: Walter Lima Júnior. Elenco: Carlos Alberto Ricelli, Cássia Kiss, Dirá Paes, Marcos Palmeira. Wagner Tiso compôs e orquestrou a trilha original. Sinopse: O boto vem sempre a uma vila de pescadores e seduz as mulheres, como conta a lenda. Todos o temem e são atraídos pelo personagem. • Besame Mucho Direção: Francisco Ramalho Júnior. Elenco: Antônio Fagundes, Cristiane Torloni, Glória Pires, José Wilker, Giulia Gamm e Paulo Betti. Wagner Tiso compôs os temas originais, baseados no bolero que dá nome ao filme e fez arranjos para as músicas de época. Sinopse: A vida de dois casais paulistas, contada de traz para diante, dos anos 1980 aos 1950. • Chico Rei Direção: Walter Lima Júnior. Elenco: Severino d’Acelino, Antônio Pitanga. Wagner Tiso compôs temas originais e arranjos para a música do grupo Tizumba, de congadas. Sinopse: a saga de Chico Rei, trazido como escravo da África, até se tornar livre e comprar a alforria de seus companheiros. 1984 • Jango Direção: Sílvio Tendler. Wagner compôs temas originais e fez arranjo para os que Milton Nascimento compôs. Sinopse: documentário sobre o ex-presidente João Goulart, de sua gestão como ministro do Trabalho de Getúlio Vargas até sua morte em 1976. 1983 • Inocência Direção: Walter Lima Júnior. Elenco: Fernanda Torres, Edson Celulari, Sebastião Vasconcellos. Wagner Tiso compôs e orquestrou a trilha original e fez arranjos das músicas já conhecidas. Sinopse: jovem do interior do Brasil Colônia se apaixona por médico andarilho, mas o casal sofre a oposição do pai dela. 1969 • Os Deuses e os Mortos Direção: Ruy Guerra. Elenco: Ítala Nandi, Norma Benguell, Othon Bastos, Milton Nascimento. Wagner Tiso fez arranjos e orquestrações das músicas de Milton Nascimento. Sinopse: Um revolucionário é perseguido e corrompido por coronéis do interior do Nordeste. • A Lyra do Delírio Direção: Walter Lima Júnior. Elenco: Anecy Rocha, Paulo César Pereio, Tonico Pereira. Wagner Tiso fez arranjos e orquestrações das músicas do disco Confusão Urbana, Suburbana e Rural, de Paulo Moura, usado na trilha sonora. Sinopse: taxi girl se envolve com traficantes e tem o filho sequestrado por eles. Filmes de média-metragem 1999 • Projeto Educação Sílvio Tendler (seis documentários para o Ministério da Educação de Portugal) 1992 • Vale do Rio Doce Direção Sílvio Tendler. Sobre a Companhia Vale do Rio Doce 1988 • Caçadores da Alma Direção de Sílvio Tendler. Sobre fotógrafos e fotografia • Chega de Saudade Direção Sílvio Tendler. 1968 visto 20 anos depois Teatro 1996 • O Natal do Padre Antônio Vieira Direção de Moacyr Góes. Recital com Marília Pêra e Olívia Byington. Composição e orquestração dos temas sacros. 1994 • Peer Gynt Texto de Henrik Ibsen e direção de Moacyr Góes. Elenco: Floriano Peixoto, Leon Góes, Ítalo Rossi, José Mayer, Letícia Spiller. Composição dos temas originais. • A Falecida Texto de Nelson Rodrigues, direção de Gabriel Vilela. Elenco Maria Padilha. Composição das vinhetas. 1993 • O Livro de Jó Texto e direção de Moacyr Góes. Elenco: Floriano Peixoto, Leon Góes. Composição e orquestração dos temas originais. 1992 • Imaginária Texto e direção de Márcio Vianna. Composição dos temas originais 1980 • Poema Sujo De Ferreira Gullar. Elenco: Esther Góes, Rubens Corrêa. Arranjos para temas de Milton Nascimento Televisão 1991 • Meu Marido De Euclydes Marinho e Lula Carvalho Torres, direção de Walter Lima Júnior. Elenco: Elizabeth Savalla, Nuno Leal Maia, Imara Reis. Composição e orquestração de todos os temas. 1990 • O Sorriso do Lagarto Minissérie baseada no livro de João Ubaldo Ribeiro. Direção de Roberto Talma. Elenco: Maitê Proença, Toni Ramos e Raul Cortez. Composição dos temas incidentais. 1988 • O Primo Basílio Adaptação de Gilberto Braga para romance de Eça de Queiroz, direção de Denis Carvalho. Elenco: Marcos Paulo, Marília Pêra, Giulia Gamm, Toni Ramos. Composição de temas incidentais. 1986 • Dona Beija Texto de Wilson Aguiar Filho, direção de Herval Rossano. Elenco: Maitê Proença e Gracindo Júnior. Composição da música tema e dos temas incidentais. 1982 • Tiradentes, Nosso Herói Direção de Augusto César Vanucci. Direção musical do especial com músicas de João Bosco, Luiz Gonzaga Júnior e do próprio Wagner Tiso. Discografia 2004 • Tocar a Poética do Som, com Victor Biglione Na Cadência do Samba (Luiz Bandeira), Sonho de Carnaval (Chico Buarque), Autunm Leaves (Joseph Kosma/Jacques Prevert)/Les Feuilles Mortes (Johnny Mercer/Jacques Enoch), Cravo e Canela (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos), Pavana (Gabriel Fauré), Samba de uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça), Nave Cigana (Wagner Tiso), Vento Bravo (Edu Lobo/Paulo César Vinheiro), Sete Tempos (Wagner Tiso), Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges) 2003 • Cenas Brasileiras, com Orquestra Petrobras Pró-Música Cenas Brasileiras/Mata-Burro/Sete Tempos/A Lenda do Boto/Trens/Modas/Mineiro Pau/O Frevo (Wagner Tiso), Eu Sei que Vou te Amar (Tom Jobim/Vinícius de Moraes), Choros 6 (Villa-Lobos) 2002 • Memorial, com Zé Renato Peixe Vivo (domínio popular), Tristeza do Jeca (Agelino de Oliveira), Quando tu passas por Mim (Vinícius de Moraes/Antônio Maria), Malandrinha (Freire Júnior), Pois É (Ataulfo Alves), Noite Cheia de Estrelas (Candido das Neves), O Grande Amor/Lamento do Morro (Tom Jobim/Vinícius de Moraes), Súplica (Otávio Mendes/José Marcílio), Rosa Morena (Dorival Caymmi), Amo-te Muito (João Chaves), Fechei a Porta (Ferreira dos Santos/Sebastião Motta), Neuza (Antônio Caldas/Celso Figueiredo), Céu de Brasília (Toninho Horta/Fernando Brant), É a Ti, Flor do Céu (Teodomiro Alves Pereira/Modesto Alves Pereira) 2001 • Canções de Godofredo Guedes, com Paulinho Pedra Azul Uma Canção para Godofredo, Cantar, Seresteiro, Um Sonho, Trabalhador Honesto, Tardes em Fortaleza, Casinha de Palha, Noites sem Luar, Cais da Esperança, Vai meu Balãozinho, Último Choro, Poema: Romance do Passado 2000 • Tom Jobim e Villa-Lobos, com Rio Cello Ensemble Embolada e Prelúdio (Villa-Lobos), Trenzinho Caipira (Villa-Lobos), Samba do Avião (Tom Jobim), Garota de Ipanema (Tom Jobim/Vinícius de Moraes), Samba de uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça), Eu Sei que Vou te Amar (Tom Jobim/Vinícius de Moraes), Caicó (Villa--Lobos), Choro no 10 (Villa-Lobos), Canção de Amor/Melodia Sentimental (Villa-Lobos), Manu Çarará (Villa-Lobos), Luíza (Tom Jobim). 1999 • Debussy e Fauré Encontram Milton e Tiso, com Rio Cello Ensemble Suíte Bergamasque/Prelúdio (Claude Debussy), Après un Revê (Gabriel Fauré), Choro de Mãe (Wagner Tiso) Deux Arabesques nº 1 (Claude Debussy), Tarde (Milton Nascimento/Márcio Borges), Le Petit Nègre (Claude Debussy)/Penny Lane (Lennon/MacCartney), Pavana (Gabriel Fauré), Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges), Children’s Corner/Doctor Gradus ad Parnassum (Claude Debussy), Elegy (Gabriel Fauré), Cravo e Canela (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos) 1997 • A Ostra e o Vento, com Rio Cello Ensemble A Ostra e o Vento, Suíte Abertura, Suíte nº 2, Suíte nº 3, Suíte nº 4, Suíte nº 5, Suíte nº 6, Suíte nº 7, Suíte Final (todas de Wagner Tiso), J’Attendrai (Dino Olivetti/Nino Rastelli), A Ostra e o Vento (Chico Buarque) 1996 • Brasil Musical, com Paulo Moura Na Cadência do Samba (Luiz Bandeira), Sonho de Carnaval (Chico Buarque), Autunm Leaves (Joseph Kosma/Jacques Prevert)/Les Feilles Mortes (Johnny Mercer/Jacques Enoch), Cravo e Canela (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos), Pavana (Gabriel Fauré), Samba de uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça), Nave Cigana (Wagner Tiso), Vento Bravo (Edu Lobo/Paulo César Pinheiro), Sete Tempos (Wagner Tiso), Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges) 1995 • Wagner Tiso com Rio Cello Ensemble, Márcio Montarroyos e Nico Assumpção Brasileirinho (Waldyr Azevedo), Eu Sei que vou te Amar (Tom Jobim/Vinícius de Moraes), Os Cafezais sem Fim (Wagner Tiso), Dom de Iludir (Caetano Veloso), Sete Tempos (Wagner Tiso), Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso), Fé Cega, Faca Amolada (Beto Guedes), Por Causa de Você (Tom Jobim/Dolores Duran), Cravo e Canela (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos), Mata-Burro (Wagner Tiso) 1994 • O Livro de Jó Para dois Amores e Dois Banquinhos, O Teatro de Deus e o Diabo, Os Panos do Mundo, A Dança do Cão, As Dores do Barro, O Vazio de Deus, A Palavra do Silêncio (todas de Wagner Tiso) 1993 • Instrumental no CCBB (com Orquestra de Cordas Brasileiras) Na Cadência do Samba (Luiz Bandeira), Sonho de Carnaval (Chico Buarque), Autumn Leaves (Joseph Kosma/Jacques Prevert)/ Lês Feuilles Mortes (Johnny Mercer/Jacques Enoch), Cravo e Canela (Milton Nascimento), Pavana (Gabriel Fauré), Samba de Uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça), Nave Cigana (Wagner Tiso), Vento Bravo (Edu Lobo/Paulo César Pinheiro), Sete Tempos (Wagner Tiso), Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges) 1991 • Profissão Música Brasileirinho (Waldyr Azevedo), Por Causa de Você (Tom Jobim/Dolores Duran), Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso), Mulher Rendeira (Zé do Norte), Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges), Da Cor do Pecado (Bororó), Procissão/Expresso 2222 (Gilberto Gil), Dom de Iludir (Caetano Veloso), A Lenda do Caboclo/Trenzinho Caipira (Villa-Lobos), Dora (Dorival Caymmi) 1990 • Giselle Giselle, Chuva de Agosto, Santa Efigênia (com Fernando Brant), Olinda Guanabara, Nascimento (for Bituca), Branco e Preto, Clube da Esquina (Milton Nascimento/Lô Borges/Márcio Borges), Joana, Balão, Comunhão, Arraial das Candongas (todas as músicas sem o autor são de Wagner Tiso) 1989 • Cine Brasil Inocência (do filme Inocência), Letreiro (Besame Mucho), Coração de Estudante (Jango), O Louco Exército Rosa (Tanga (Deu no New York Times?), Cubanin em Manhattan (Tanga (Deu no New York Times?), A Freira e o Cangaceiro (Besame Mucho), Tema de Olga (Besame Mucho), O Grande Mentecapto (O Grande Mentecapto), Menino Viramundo e o Trem (O Grande Mentecapto), Violeiros (Inocência), Humberto Mauro (O Grande Mentecapto), Sedução de Corina (Ele, o Boto), Filho de Boto e a Menina (Ele, o Boto), Cego Elias e os Profetas (O Grande Mentecapto), Fuga Brega (Ele, o Boto), Pescaria e Desespero do Velho (Ele, o Boto), O Capinzal e o Roseiral (O Grande Mentecapto), A Matança do Porco (Os Deuses e os Mortos), Henfil em Nova York (Tanga (Deu no New York Times?). Todas as músicas são de Wagner Tiso • Só Louco (Com Nana Caymmi) Medo de Amar (Vinícius de Moraes), Se Todos Fossem Iguais a Você (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), Se Queres Saber (Dorival Caymmi), Beijo Partido (Toninho Horta), Milagre, Só Louco (Dorival Caymmi), O Cantador (Dori Caymmi/Nelson Motta), Chorava (Wagner Tiso), Nuvem Cigana (Wagner Tiso), Rosa Morena (Dorival Caymmi) • Baobab Baobab (Wagner Tiso), Estação Madriz (Wagner Tiso/Suso Saez/Vicente Amigo), Romance Ocidental (Wagner Tiso), Raízes I (Wagner Tiso/Salif Keita/ Suso Saez), Ketan (Wagner Tiso, com participação de Cássia Eller), Planet Amazon (Wagner Tiso), Brazilian Scenes (Wagner Tiso), Raízes II (Wagner Tiso/Salif Keita/Suso Saez), Totem (Wagner Tiso/Maurício Gaetani), Banda Sonora (Wagner Tiso, do documentário Caçadores da Alma), Raízes III (Wagner Tiso/Salif Keita/Suso Saez) 1988 • Manu Çaruê Primeiro Baile Antropofágico, Manu Çaruê, Memória (Pra Dona Walda), Sol Féggio, Fantasia Holística, A Lenda do Boto, Alegria (todas de Wagner Tiso), Primeira Missa do Brasil (Villa-Lobos, 4º Movimento do Descobrimento do Brasil) 1986 • Preto / Branco Branco / Preto Le Petit Nègre (Claude Debussy), Penny Lane (Lennon & MacCartney), Dueto Andante (Wagner Tiso), Chico Rei (Wagner Tiso/Fernando Brant), Dona Beija (Wagner Tiso/Fernando Brant), Preto e Branco (Wagner Tiso), Santa Efigênia (Wagner Tiso/Fernando Brant), Pai Francisco (Wagner Tiso) 1984 • Coração de Estudante Coração de Estudante (Wagner Tiso/Milton Nascimento), Giselle (Wagner Tiso), Caso de Amor (Wagner Tiso/Milton Nascimento), Clube da Esquina (Milton Nascimento/Lô Borges/Márcio Borges), Olinda Guanabara (Wagner Tiso), Aos Velhos Amigos (Wagner Tiso), Trote da Mantiqueira (Milton Nascimento), O Frevo Ilumina a Cidade (Wagner Tiso) 1983 • Wagner Tiso ao Vivo, na Europa Sete Tempos, A3, Banda da Capital, Balão (todas de Wagner Tiso) • Todas as Teclas (com César Camargo Mariano) Todas as Teclas/Inocência (Wagner Tiso), Serra da Boa Esperança (Lamartine Babo), Aquarela do Brasil (Ary Barroso), Curumim (César Camargo Mariano), Cravo e Canela (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos), Pavana (Gabriel Fauré), Asa Branca/Paraíba/Norte (Luiz Gonzaga), Isn’t she lovely (Stevie Wonder) 1982 • Toca Brasil/Arraial das Candongas Balão, Toca Brasil, Chuva de Agosto, Nascimento/Pro Bituca, Comunhão, Arraial das Candongas, A Nova Estrela nº 2, Joana/Pra Minha Filha (todas de Wagner Tiso) 1979 • Assim Seja Sete Tempos (Wagner Tiso), Alegro (Wagner Tiso), Joga na Bandeira (Wagner Tiso), Variações da Bela (Wagner Tiso), Bela Bela (Milton Nascimento/Ferreira Gullar), Chorava (Wagner Tiso), Vinheta do Medo (Wagner Tiso/Beto Guedes), Assim Seja (Wagner Tiso/Milton Nascimento/Fernando Brant), Tragicômico (Wagner Tiso) 1978 • Wagner Tiso A Igreja Majestosa, Os Cafezais sem Fim, Choro de Mãe, Seis Horas da Tarde/Mineiro Pau, Rapsódia Trespontana, Indinha do Bichinho, Monasterak/Cidade do Sol (Vinheta de André Tiso), Zagreb, Defeixo, (todas de Wagner Tiso) 1973 • Matança do Porco Armina (Wagner Tiso), A3 (Wagner Tiso), A no 2 (Wagner Tiso), A Matança do Porco (Wagner Tiso) Boleto (Milton Nascimento/Luiz Alves, Wagner Tiso/Robertinho Silva/Tavito), Mar Azul (Luiz Alves/Wagner Tiso) 1971 • Som Imaginário Cenouras (Frederyko), Você tem que Saber (Chico Lessa/Márcio Borges), Gogó (Frederyko/Wagner Tiso), Ascenso (Frederyko), Salvação pela Macrobiótica (Frederyko), Uê (Chico Lessa/Márcio Borges), Xmas Blues (Frederyko), A Nova Estrela (Frederyko/Wagner Tiso) 1970 • Som Imaginário Morse (Wagner Tiso/Tavito/Zé Rodrix), Super God (Zé Rodrix), Tema dos Deuses (Milton Nascimento), Pantera (Frederyko/Fernando Brant), Sábado (Frederyko), Nepal (Frederyko), Feira Moderna (Beto Guedes/Fernando Brant), Hey Man (Tavito/Zé Rodrix), Poison (Marco Antônio/Zé Rodrix). 1969 • Pilantocratia Hepteto Paulo Moura La Cumparsita (Mottos Rodrigues), El Relicario (Padilla), O Mandraque (Wagner Tiso/Paulo Moura), Terezinha de Jesus (tradicional), La Mentira (Carrillo), Tudo Azul (Wagner Tiso/Paulo Moura/Tibério Gaspar), Chiribiribin (Pestalozza), Barril de Chope (J. Veuvoda/Brown), Correnteza (Antônio Adolfo/Tibério Gaspar), O Ébrio (Vicente Celestino), Meia Volta/Ana Cristina (Antônio Adolfo/Tibério Gaspar), Rosa (Dorival Caymmi) 1968 • Paulo Moura Quarteto Lamento do Morro (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), Eu e a Brisa (Johnny Alf), Meu Lugar (Wagner Tiso), Aos Pés da Santa Cruz (Marino Pinto/Zé da Zilda), Yard Bird Suite (Charlie Parker) , Sá Marina (Antônio Adolfo/Tibério Gaspar), Retrato de Benny Carter (Wagner Tiso), Razão (Adelino Moreira), Feitiço do Coração, Terra (Milton Nascimento). Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Apresentação 13 Músicos em Minas 19 O Plano Deu Certo 47 Carreira Solo 77 Dupla Estreia – Inocência e Jango 111 Parceria Afinada 119 Trilhas Mineiras 137 O Guarani, o Toque do Oboé e Vida de Menina. 159 Receita de Música para Cinema (Existe?) 175 Outras Trilhas 185 Álbum de Fotografia 207 Cronologia 215 Crédito das Fotografias Todas as fotografias pertencem ao acervo de Wagner Tiso A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero O Contador de Histórias Roteiro de Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo e Luiz Villaça Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Salve Geral Roteiro de Sérgio Rezende e Patrícia Andrade O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Federico García Lorca – Pequeno Poema Infinito Roteiro de José Mauro Brant e Antonio Gilberto João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério Neusa Barbosa Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Umberto Magnani – Um Rio de Memórias Adélia Nicolete Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero – Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 256 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Coleção Aplauso Série Música Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Carlos Cirne Editor Assistente Felipe Goulart Editoração Selma Brisolla Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Revisão Dante Pascoal Corradine IMPRENSA OFICIAL Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Silva, Beatriz Coelho Wagner Tiso: som, imagem, ação / Beatriz Coelho Silva – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 256p. : il. – (Coleção aplauso. Série Música / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-758-4 1. Música de cinema 2. Cinema – Brasil - História 3. Tiso, Wagner - Biografia I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 781.542 Índices para catálogo sistemático: 1. Música de cinema : Brasil 781.542 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria IMPRENSA OFICIAL