A Hora do Cinema Digital Democratização e Globalização do Audiovisual A Hora do Cinema Digital Democratização e Globalização do Audiovisual Luiz Gonzaga Assis De Luca IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as conseqüências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo culturalparaesse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como seo biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo A Renato Iça Cury (em memória) e José Luiz Sasso Que me mostraram as facilidades das inovações e o rigor nas técnicas. Agradecimentos A Samuel Pinheiro Guimarães, que me ensinou, há mais de 30 anos, o conceito básico deste livro – cinema é qualquer forma de registro de imagens em movimento, independentemente de como foi captado, da bitola ou do formato adotado, ou, ainda do meio ou veículo utilizado para a exibição. A Beatriz Pacca, que desde há muito, mais que revisar os meus textos, ajuda-me a organizar as ideias. A André Porto Alegre, primeiro leitor, pelas excelentes sugestões que, aceitas, refletiram ao longo do texto. Aos especialistas e técnicos Albert Bessos, Hugo Rodrigues, Alex Pimentel, Paulo Sérgio de Almeida, Pedro Butcher, José Eduardo Ferrão, Valmir Fernandes, Michael Karagosian e Craig Sholder, que me cederam informes e notícias fundamentais para este livro. À Lígia, que já se acostumou com minhas ausências durante as pesquisas e as redações de textos. Antes da pedra filosofal da eletrônica, havia a química, hoje tão medieval quanto a alquimia. As fotos não eram um milagre instantâneo. Passavam antes pelo papel, que era banhado em solução de ingredientes mágicos que faziam a foto emergir lentamente no banho de revelação no quarto escuro. A transmissão de imagens não era um frenesi medido em bytes ou segundos. Levava 15, 20 minutos para cada foto ser transmitida, via telefone, por uma geringonça barulhenta chamada telefoto. Dali saía às vezes não uma foto, mas um borrão imprestável que nos obrigava a repetir todo o processo. Luiz Cláudio Cunha em Operação Condor – O Sequestro dos Uruguaios. Prefácio Releve o prezado leitor o fato de o escrito a seguir não constituir um prefácio, no sentido clássico do termo. Os anos de estrada teimando em ser um homem de ação me fizeram perder a embocadura metodológica. O generoso, talvez audacioso, convite para prefaciar um texto tão abrangente e rigoroso não deve ter levado isso em conta. Menos radical que Glauber Rocha, quando a plenos pulmões anunciava não ter compromisso com a coerência, um longo trajeto na área, saturado de vontade de espírito público, permite a auto-indulgência de só produzir intelectualmente exercitando uma irresponsável e plena liberdade. Na forma e no conteúdo... E a propósito do cinema digital, lembrar do cinema. As razões que fazem com que um autodidata generalista, tecnofóbico e ciberanalfabeto se disponha a dar seu testemunho a respeito de um livro sobre cinema digital, não devem ser muito distantes daquelas que induziram um jovem estudante de administração de empresas na séria e conceituada Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, a criar e animar dentro dela um cineclube, no começo dos anos 70. Refiro-me, é evidente, a Luiz Gonzaga Assis De Luca. A Hora do Cinema Digital, como diz seu subtítulo Democratização e Globalização do Audiovisual vai muito além da limitação de campo inicial. O cinema digital, amplamente contemplado pela atenção do autor, tanto em seu aspecto técnico quanto industrial, termina desencadeando uma reflexão ambiciosa e abrangente do ponto de vista socioeconômico e histórico sobre o cinema em geral, em todo o mundo. Inclusive o cinema brasileiro. Sobre ele, o volume de experiências e informações que Gonzaga viveu e acumulou lhe dá um ponto de observação único. Seu descompromisso partidário mas não político – que Deus nos livre das convicções, que segundo Nietzsche prejudicam mais a verdade do que a própria mentira - vem aliado ao gosto da dialética. E da isenção, que faz evocar o princípio de Niels Bohr, o fundador da física quântica, lá pelos anos 20, ao afirmar que um fenômeno só era entendido quando se comprendia a estrutura de seu contrário. Nesta sua Suma Teológica profana e brasileira, resumo de uma vida, Gonzaga renova e enriquece o debate global com a virtude que lhe é mais peculiar, o sólido gosto da concretude. Sim, se existir, a verdade é concreta. Para começar, voltemos ao começo. O cinema, esta invenção do final do século XIX, la Belle Époque, teve ao longo do século XX, uma incrível capacidade de romper paradigmas (por exemplo, entretenimento ou cultura?) e fazer com que alguns ex-cineclubistas se transformassem em grandes quadros do cinema brasileiro e do cinema no Brasil. Gonzaga ao evocar o conceito de democratização no subtítulo de A Hora e Vez do Cinema Digital, fornece a primeira pista para a compreensão do fenômeno. Ainda hoje há dúvidas se a invenção do cinema deve ser comemorada no dia em que os irmãos Lumiére projetaram seus primeiros filmes ou então na data em que esta projeção se tornou um espetáculo comercial, pouco depois, no famoso Salon Indien, Boulevard des Capucines, bem perto do Théatre de l’Opéra, no centro de Paris. Cinema é um filme projetado para um público. E por sua vez o conceito de público tem a ver com a origem da democracia, demos, o povo e kratos, governar, em grego e com república, res, coisa e publicum, do povo, em latim. Ao longo dos séculos, embora Shakespeare tivesse um público popular e Mozart alimentasse de obras primas a ópera ligeira de Viena, as artes cênicas, das quais o cinema descende, tiveram uma audiência limitada pelas próprias exigências espaciais do palco e da platéia, privilegiando a aristocracia. A possibilidade de replicar a cena original através de seu registro e reprodução rompeu esta barreira e ampliou infinitamente seu acesso. Democratizou o imaginário, o simbólico. A fotografia já o tinha feito, por exemplo, reproduzindo em massa os ícones eróticos da segunda metade do século XIX, cantoras de opereta e dançarinas do teatro de variedades, que de boa vontade se deixavam cortejar, alcançáveis para uns, inalcançáveis para a plebe rude. Da mesma forma que numa aldeia indígena se reparte para todos a carne da caça, os belos rostos, os braços roliços e decotes generosos reproduzidos alimentavam o desejo e a alegria de viver da massa. Se a religião repartia o espírito, os cartões postais com figuras femininas repartiam a representação da carne. A contemplação das cortesãs míticas não era mais um privilégio, uma exclusividade das classes abastadas. Qualquer semelhança com as deusas de Hollywood, de Theda Bara a Ava Gardner, de Greta Garbo a Grace Kelly, de Jean Harlow a Marilyn Monroe, não é mera coincidência. É a democratização da beleza e sobretudo do desejo. É o cinema. Ele inaugura a sociedade da cultura de massa, não é pouco. Mas qual é o tipo de governo republicano e democrático que o cinema estava dando ao povo? A capacidade de construir evocações e narrativas com imagens, isto é, o sonho, acompanha os homens e também alguns animais, como os cachorros, desde bem antes que se tornasse possível o registro das imagens em movimento. O cinema facultou ao homem a construção de um sucedâneo de seu imaginário num código semelhante ao que seu cérebro exercita enquanto ele dorme. Mais ou menos como o primata que rompeu com a Natureza quando prolongou seu braço com uma vara ou tornou-o mais forte com uma pedra que rompia a casca dentro da qual se escondia a semente que o nutriria. E tornou-se humano. O cinema é assim, permite passear entre o estado da arte da tecnologia e a fundação da Humanidade, como em 2001, Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick. A possibilidade de sonhar o sonho do outro que o cinema dá é uma democratização do imaginário, que por ele se torna uma experiência coletiva. Aqui talvez se encontre a grandeza maior do cinema. Na mais remota Antiguidade o acesso à divindade era exclusividade dos reis, que além de sê-lo eram também o supremo sacerdote, como na Grécia pré-ateniense ou na civilização egípcia, da qual ela é sucessora. O altar estava dentro do palácio real, onde o rei de vez em quando conversava com o indizível. A organização das cidades em torno do palácio terminou determinando que o altar saísse dele e fossem construídos templos, onde o culto se tornava acessível a todos os fiéis. À população em geral, ao público. Não é por acaso que as grandes salas de cinema, na sua época de ouro, que vai dos anos 20 aos 50, sempre do século passado, terminavam sendo monumentais como templos e assim eram chamados. Templos da imagem onde o altar era a tela, em que se via a projeção da luz capturada pelos sais de prata depositados na película, despertando possessões e adoração. Química ou alquimia? E as figuras dos semideuses hollywoodianos tinham as dimensões colossais de Hércules em Rhodes ou de Ramsés II, em Abu Simbel. Na primeira metade do século XX, o Olimpo moderno ficou em Hollywood (bosque feliz) e constituiu uma mitologia que quem viveu, viu. A frequentação das cinematecas e a garimpagem em outros suportes, como o DVD ou plataformas como a internet, pode ser um fio condutor neste labirinto em que se entra como curioso e se sai como fan...ático. Fazendo a vida maior que a vida, tendo acesso à sua dimensão mítica, superando a barreira do espaço-tempo, podendo ser herói ou assassino. O cinema digital pode ter padrões técnicos exigentíssimos para fazer com que o produto hollywoodiano mantenha o padrão de qualidade a que faz jus o megainvestimento na produção e lançamento. Mas a tendência ao barateamento de todas as tecnologias virá a gerar outro tipo de público, um outro modelo de negócios. E Gonzaga o explicita muito claramente ao evocar a possibilida de de uma gradualização dos padrões técnicos. Isto é política da imagem em movimento, seu consumo e difusão. No início do cinema foi possível mandar fazer o registro de países distantes como a China ou de primitivas populações africanas ou amazônicas, mas sobretudo fazer com que estas imagens pudessem viajar, se deslocar de um país para outro. É como por ocasião da invenção da imprensa, quando as universidades européias trocando os pergaminhos pelos livros transportáveis, disseminaram o conhecimento e toda a sua história, graças à mobilidade. Embora a fotografia, da qual o cinema é evolução e consequência, tivesse proporcionado os primeiros registros do real, ainda imóveis, é só a partir do cinema que o mundo conheceu o mundo. Isto é, deu-se início à globalização. A primeira rede de consumo das imagens em movimento constituiu a segunda economia de rede mundial, logo depois daquela das ferrovias e profundamente integrada com elas. É inimaginável hoje, quando impulsos e sinais atravessam o planeta em tempo real, simultâneo, pensar que esta economia de redes se fazia de Shangai a Araraquara, passando pela minúscula ilha de Malta, isolada no meio do Mediterrâneo, com um suporte físico de películas, armazenado em nove ou mais latas, que pesavam dezenas de quilos. Mas mudando o que deve ser mudado, seu alcance era estruturalmente o mesmo que aquele atingido algum tempo depois pela radiodifusão ou pelas telecomunicações, com suas torres, satélites ou fibras óticas. Tinha razão Fernand Braudel ao dizer que o tempo mínimo para considerar um ciclo histórico são 80 anos. Como no paradoxo pré-socrático, não passam hoje pelo rio as mesmas águas de antanho, mas o leito permanece o mesmo. O moderno é eterno. A essência do fenômeno cinematográfico é a disposição da platéia. Esportes se veem em arena, artes cênicas em teatro com palco, shows de rock de pé em megaespaços onde se possa dançar. A sala de cinema é um retângulo com filas de cadeiras paralelas em que se acomodam espectadores com uma tela na frente e um projetor atrás. Outro dia uma jovem relatou-me que, com um grupo de jovens amigos, queria ver um filme em DVD em casa, com um projetor de vídeo doméstico. Como ela fosse pequena para a turma, improvisaram uma tela no quintal, dispuseram as cadeiras disponíveis em fileiras e na escuridão estrelada da noite em Santa Teresa, aprazível recanto do Rio de Janeiro, foram ao cinema. Experiência completamente diversa daquela do home theater, em que a privacidade garantida pelo espaço doméstico retira do espetáculo seu caráter coletivo. E seu rito. A evolução tecnológica já possibilita o acesso a imagens em movimento através de vários aparelhos e circunstancias. Antes do boom telefonístico portátil foi colocado à venda um mini-aparelho de televisão à prova d’água que permitia ver a programação dentro do chuveiro. Era a pré-história da portabilidade. Celulares, players, monitores, notebooks, palmtops, playstations já fazem com que o consumo de imagens possa ser feito literalmente em qualquer lugar do planeta, por remoto e inóspito que seja. São três bilhões de telas no mundo e já existe um movimento chamado TOT, sigla de the other three pensando no momento em que o consumo de dados e imagens será tão universal quanto o consumo de água potável. Já existem óculos especiais que são receptores de sinais e a perspectiva de implantação de chips no corpo humano, que fará de nós Frankensteins cibernéticos, está em curso. A movimentação de membros artificiais, perna e braço, através de circuitos ligados diretamente no cérebro, se encontra em fase de provas e faz com que os marcapassos dos cardiopatas se assemelhem a lanternas de pilha ou baterias de automóveis. Ou seja, a introjeção literal, anatômica, fisiológica, de dispositivos de recepção de imagens, já se dá. O consumo da imagem em movimento está em mutação. Como nos apercebemos a cada momento, o futuro já era. Mas o cinema é outra coisa. É um fenômeno gregário, não por acaso mais frequente entre os 14 e 24 anos, quando o ingresso no mundo é mais seguro se feito em bandos, que pelo menos dão a sensação de maior proteção dos predadores, os adultos. E também na terceira idade, em que a fatalidade biológica da solidão induz ao convívio. Há uma reflexão do grande poeta inglês T. S. Elliot, que afirma que a televisão é aquele meio em que todos riem da mesma piada ao mesmo tempo sentindo-se, porém, profundamente isolados. Não é o nosso caso. Rir ou chorar em companhia, viajar junto na adrenalina, é bem melhor. Contamina. O consumo individual e doméstico de bebidas alcoólicas não acabou até hoje com o espaço milenar das tavernas. Uma das maravilhas do cinema é nos fazer sair de casa, repositório da rotina e dos pequenos dramas quotidianos. Às vezes, de insidiosa mediocridade. As dimensões da tela cinematográfica facilitam o fenômeno de possessão temporária definido como diversão ou entretenimento. Ainda que no plano da fantasia, da representação, possam aflorar as pulsões sexuais ou de violência reprimidas. São emoções fortes ou a contemplação da beleza, gênero de primeira necessidade que fora da sua forma natural é muito mal distribuído. A tela grande possibilita a expansão da vida, simples assim. Vindo bem de longe e de fora, vamos chegando perto de nosso assunto, o cinema digital. Mas era indispensável primeiramente evocar o cinema, esse desconhecido. Há uma piada espanhola que só tem graça para quem conhece a história política daquele país. Mas que uma vez comprendida, seu efeito é didático. A República Espanhola, nos anos 30, foi o parque temático da esquerda mundial. Lá foi muito importante o movimento anarquista, que veio parar no Brasil por meio da imigração para a América Latina, no início do século XX, juntamente com a dos italianos. E também o movimento comunista que liderou sua fase republicana, até que a mesma foi derrotada pelo Generalíssimo Francisco Franco, dando início a uma longa noite de ditadura militar, cujo mode-lo fez muito sucesso pela América Latina afora. Pois bem, reza o sainete que no início vieram os comunistas, não tão espertos, importando o slogan da Revolução Soviética: a terra para quem trabalha. Logo depois vieram os anarquistas, que já eram um pouco mais espertos e disseram: o produto da terra para quem trabalha. Em seguida vieram os capitalistas, que são espertíssimos, arrematando: e nós fazemos a distribuição. A história já aqui evocada da constituição de uma globalizada economia de rede de distribuição do cinema americano, em seguida à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ilustra perfeitamente a assertiva. Mas não caiamos na armadilha evocada por Gonzaga em determinada altura do livro, quando os exibidores e suas associações de classe vão procurar representantes de órgãos e instituições governamentais para tratar de problemas específicos da área. Nem os governos nem as sucessivas gerações de produtores cinematográficos brasileiros jamais entenderam a importância da exibição no tecido social do país e na economia do cinema brasileiro. O encontro então passa a ser monopolizado pela obsessiva preocupação oficial com o cinema digital e do monopólio da distribuição que ele possibilitaria. Sem tempo disponível para tratar dos problemas reais, ganhou espaço a visão paranóica de um grande irmão controlando desde Los Angeles as telas de cinema do Brasil por meios digitais. Esquecendo que o trauma é sempre no passado e que o estupro já se deu. Penetrar no esquema tradicional dos circuitos de exibição e das empresas de distribuição americanas (ou globalizadas, com sede em Londres, Amsterdam ou Budapeste) equivale a invadir militarmente os Estados Unidos. A ocupação da rede mundial de televisão por assinatura ou a predominância de gigantes como a Microsoft, Google, Yahoo, na briga de foice da internet não nos deixa mentir. Oitenta por cento da circulação de dados na internet se faz em língua inglesa. A descrição que Gonzaga faz das aquisições e fusões dos grandes estúdios cinematográficos por megaconglomerados financeiros ou midiáticos é a demonstração cabal não só da importância da produção de conteúdo, mas especificamente daquele cinematográfico. Por que um produto cujo consumo se tornou elitizado e cuja fabricação representa investimento extremamente arriscado – é mais seguro jogar na Bolsa, diz o teórico de economia do entretenimento Robert Vogel -despertaria tanto interesse no jogo bruto e concentracionista da economia globalizada? É que seguramente aí, tem. Cacá Diegues, arguto estrategista e fino observador do jogo político audiovisual internacional, notou que Barak Obama, em seu aguardado discurso de resposta do governo americano à crise mundial, se referiu a um investimento de aproximadamente 800 milhões de dólares para a conversão das salas de exibição americanas de analógicas (mecânicas e óticas) em digitais. O fato passou desapercebido, ninguém deu relevo. O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, já dizia Juracy Magalhães, tenentista em 1922, revolucionário em 1930 com Getulio e seu interventor federal na Bahia, prócer udenista em 1945, governador eleito da Bahia nos anos 50, logo no início da ditadura militar, quando foi embaixador em Washington. Atualmente, na citação de celebridades remotas, não-instantâneas, tornou-se necessário incluir a folha corrida que dispensa a inevitável consulta ao Google. É dentro desta sistemática que se insere a intervenção de Gonzaga, mas que vai além dela. Na verdade, a questão digital, independentemente de suas questões técnicas, rigorosamente expostas no livro, trata de uma estratégia de distribuição. Ela introduz a crise dos suportes como papel, jornal, disco, película, fita magnética e até mesmo o DVD. A radiodifusão já o havia feito, com o rádio nos anos 20 e a televisão, nos 50 do século passado, com efeitos variados. O rádio potencializou a indústria fonográfica, a televisão comprometeu seriamente o hábito social de ir ao cinema. Mas o computador e sua disposição numa rede mundial, transformando tudo em sinais eletrônicos, que inclusive podem ser comprimidos, simplesmente tornaram inúteis os suportes físicos e supérflua sua concretude. É bem verdade que sempre existe no final do processo um lócus do armazenamento e um disco rígido ou algo semelhante que conserva os dados. Agora, os gigantes da computação estão dispondo em ilhas distantes ou nas proximidade de hidroelétricas, verdadeiros exércitos de servidores que guardarão literalmente todos os dados que circulam no mundo. É a chamada cloud computing, a partir da qual a própria capacidade de armazenamento do computador pessoal será dispensável e aí sim, passaremos a ter uma segunda vida inteiramente virtual. Note-se, porém, que mesmo assim a informação é feita para ser distribuída. Os gritos de dor, perigo, alegria dos primeiros humanóides procuravam o aparelho auditivo de seu semelhante para avisá-lo, da mesma forma que a impressão da marca de sua mão ensangüentada na parede da caverna aguardava os olhos de futuros ocupantes. Justamente, informação é mensagem, o dado existe para sua comunicação e o meio a constitui. O ruído de intimidação de um animal para seu predador sai da fonte com direção ao receptor. Ou seja, é distribuído, tudo é distribuição. Quando uma loba regurgita na boca de seus filhotes os restos de uma presa capturada longe deles, alimentando-os, está distribuindo. As funções biológicas, o metabolismo é uma forma de distribuição de oxigênio pelos vários sistemas (circuitos?) do corpo. Assim sendo, quem trabalha a distribuição mexe na estrutura de qualquer fenômeno. A possibilidade de distribuir dados, imagens e sons independentemente do suporte é uma situação nova na história da Humanidade, algo como a domesticação do fogo ou da energia elétrica. Esta capacidade de se soltar do suporte reformulou o consumo da música gravada. No início da indústria fonográfica se reproduzia um disco de 78 rpm de cada vez, com uma duração de aproximadamente três minutos. A primeira modificação veio quando se inventaram as vitrolas automáticas, que passaram a poder reproduzir uma série de 10 discos seguidos. A evolução do suporte disco simples para o long-play, permitiu que fossem armazenadas juntas uma dezena de gravações, executadas em seguida, durante meia hora ou mais. As gravadoras passaram então a vender pacotes de gravações, uma espécie de venda casada do que elas imaginassem fosse o gosto do ouvinte. Ou sua (delas) conveniência. Quando os sons se transformaram em bites e os aparelho de recepção e reprodução se miniaturizaram nos iPods, as caixas de som viraram portáteis e os cabos e fones permitiram o consumo individualizado, a forma de desfrutar música gravada se modificou. Quando os consumidores perceberam que através da rede poderiam baixar arquivos sonoros e trocá-los entre si, sem custo, o modelo de negócio se transformou. Não é por nada que atualmente o conceito de inovação está profundamente ligado ao modelo de negócio, expressão que veio da informática para a economia e se trivializa. Esta é a grande questão: quais serão as modificações que a digitalização da exibição e da distribuição trará para a cadeia econômica do cinema? As questões industriais de apropriação de custos, pela exibição ou pela distribuição, da atualização tecnológica, dos padrões de definição da imagem (1, 2 ou 4 K?) parecem irrelevantes (com todo o respeito e admiração pelo rigor e amplitude com que Gonzaga as trata) diante da modificação que o cinema digital trará no consumo. Inclusive possibilitando que a sala seja ocupada com outro tipo de conteúdo que não o filme. Sim, porque se o cinema representou a deselitização do lazer proporcionado pelo teatro e pela literatura, o cinema digital pode representar um novo patamar desta mesma deselitização. Para começo de conversa, é preciso não esquecer, nunca, que há 30 anos, com uma população bem menor o Brasil tinha cerca de 4.000 salas e o preço do ingresso era US$ 0,75 contra US$ 8,00 atualmente. Com a substituição da praça pública pelo shopping center, do qual as salas de exibição se tornaram um atrativo indispensável para propiciar a circulação do público consumidor, o hábito social de ir ao cinema se concentrou a partir do poder aquisitivo do espectador. Seguiu a tendência do thatcher-reaganismo, das décadas de 80 e 90: estado mínimo, financeirização da atividade econômica, divisão do mundo entre ganhadores e perdedores, prevalecimento do mercado como motor da dinâmica social, consumo de bens de alto luxo, aquele golpe sujo do Consenso de Washington. Que será mais difícil de desfazer do que parece, apesar da crise. Num país como o Brasil, uma das maiores concentrações de renda do mundo que se reflete em seu mercado de exibição cinematográfica, deu no que deu. O cinema virou um espetáculo para bacanas, sejam eles o segmento da população jovem que vai consumir os blockbusters, como já foi dito, feitos por produtores irresponsáveis para um público retardado. Não é impunemente que este cinema se nutre dos heróis de histórias em quadrinhos, originalmente dirigidos à infância. Ou então para os frequentadores das salas de arte, estudantes, intelectuais, professores, jornalistas etc, que representam outro tipo de elite mais sofisticado, aquela que prefere quitutes naturebas aos gigantescos combo de coca-cola e pipoca. Aliás, falta ainda uma análise sociológica que veja os multiplex como uma evolução da bomboniére e ligue a praga do fast food, que criou uma epidemia mundial de obesidade, ao consumo de blockbusters. Quando Gonzaga coloca a possibilidade de coexistirem dois padrões tecnológicos para as salas de cinema põe o dedo na ferida. Ao referir que no Brasil existem apenas 2.100 salas para uma população de quase 200 milhões de habitantes, numa média de uma por cada 100.000 e que nos Estados Unidos esta relação é de uma para cada 7.700 habitantes, poderia fazer com que nossos quadros governamentais, analistas econômicos, a academia, a corporação cinematográfica, os críticos e pesquisadores, os estudantes de cinema refletissem a respeito. Nos tempos antigos, quando Marx explicava o mundo a partir da luta de classes e do sentido social e político da realidade econômica, isto teria dado um bom pano para manga. Mas neste caso o que é bom para os Estados Unidos não é bom para o Brasil. Entender a sala de exibição como um fator de coesão do tecido social e o acesso a ela como qualidade de vida passa ao largo das convicções de nossos agentes governamentais, dos produtores e realizadores do cinema brasileiro e dos próprios distribuidores internacionais. Para as majors é melhor um mercado concentrado, com alto poder aquisitivo que lhes permita explorá-lo com grande produtividade e sem grandes custos operacionais. Como se diz no jargão da distribuição, comer o filet mignon (ou filé minhão na língua falada e brasileira) representado pelas 800 salas que concentram 80% do faturamento da exibição cinematográfica no país. Desta forma, as outras 1300 salas não recebem em tempo hábil as cópias dos blockbusters que viabilizariam sua rentabilidade, num mundo em que a instantaneidade, o tempo real, além de hábito social virou um insumo econômico. Este gargalo reprime a expansão do mercado exibidor e do próprio cinema brasileiro, para quem a exibição em sala representa não só uma vitrine que determina o valor do produto nos outros mercados, como para todo mundo, mas sobretudo a janela onde sua exposição é maior. Getulisticamente, os produtores e diretores veem a exibição como a canalha burguesa nacional ou o braço longo do imperialismo, na ótica nacionalista típica dos anos 50, quando suas lideranças históricas fizeram a cabeça. O fato de Gonzaga ter saído do cineclubismo, passado pela gloriosa SUCOM, a distribuidora da Embrafilme cujo desempenho, 30 anos depois, ainda não foi superado e terminado como o maior quadro institucional da exibição cinematográfica brasileira demonstra seu destacamento da visão corporativista, fisiológica ou subalternamente partidária. Sua visão empresarial é suficiente para apontar os caminhos da exibição ligada à industria cinematográfica, mas não impede que aquela outra visão social e cultural lhe permita vislumbrar que também na exibição um outro mundo é possível. E cita a Inglaterra onde o UK Council optara por um sistema alternativo para a exibição de conteúdos locais e de cinematografias minoritárias, bem como a Índia, com a qual o Brasil gosta de se comparar, aonde esta discussão já ocorreu. Fala o texto: No Brasil, por exemplo, haveria dois padrões, o DCI (Digital Cinema Initiative), que seria utilizado pelos cinemas de primeira linha e um de padrão inferior, como o já utilizado pelo sistema RAIN, que seria usado para atender os filmes de arte, as produções locais e os cinemas de periferia e das cidades do interior que não tivessem condições de arcar com os custos da dispendiosa substituição prescrita pelo DCI. Não se trata de criar uma primeira ou segunda classe de salas, menos exigente tecnicamente mas sim, da adequação dos padrões às realidades econômicas dos circuitos exibidores, especialmente em países em desenvolvimento que, quase sempre, têm suas condições aquisitivas limitadas pelo baixo preço do ingresso e por legislações tributárias obsoletas e restritivas, que só se alteram em longo prazo, suficiente para debilitar um setor empresarial como o da exibição cinematográfica. E de dar de beber ao povo que tem sede de imagens, que nunca foi ao cinema. Eis aqui o âmago da questão, que justifica a citação literal. Mais além da teoria de dois Brasis, um cru e outro cozido, título de um livro do sociólogo francês Jacques Lambert, que fez sucesso nos anos 50, década do esplendor dos estudos brasileiros, enfrenta-se a questão da descentralização do espetáculo cinematográfico e da diversidade da oferta. A rigor, permitiria que a agência reguladora do setor aplicasse seu desenvolvimentismo à exibição brasileira, já que não existiria mais o custo da cópia, dispondo sobre o acesso de qualquer tipo de sala aos filmes de sucesso através dos quais as majors controlam o mercado impondo o modelo concentracionista. Mas como diz Gonzaga, embora o ideal fosse a aceitação pelos distribuidores dos dois padrões técnicos não é lógico que se queira impingir aos distribuidores que representam os estúdios norteamericanos a obrigatoriedade de uso de um padrão diferente do que julgam ideal. Seria a oportunidade de testar no mercado o potencial do resto da produção mundial, inclusive sucessos de outros países, aos quais o mercado não tem acesso por conta de sua organização oligopolistica. É evidente que o cinema brasileiro, de entretenimento ou autoral, também teria que ir à luta, parando de reclamar e verificando no campo o reconhecimento de sua qualidade bem como seu potencial comercial. Mas poderia enfrentar-se o gargalo do pequeno número de salas diante da exuberante produção possibilitada pelos meios digitais e exemplificado pelos 5.500 filmes que estavam procurando compradores no último Festival de Cannes contra os 606 que foram lançados nos cinemas americanos (Distributing Independent Films, The Economist, 23/05/09), com suas 39.000 telas. O país, não custa repetir, tem 2.100, o que atesta definitivamente a insuficiência proporcionada pela economia da projeção analógica. No Brasil, a questão do cinema digital perdeu o eixo central de discussão, indo parar num cesto que mistura tecnologia, ideologia e esperteza empresarial. É ao estabelecimento deste eixo que Gonzaga dá uma contribuição fundamental, sem temer que venha o novo. Mas será que o novo é o cinema em 3D? Para os que acreditam, Gonzaga detalha os procedimentos de captação, projeção e recebimento das imagens. Mas nada muda o que sempre se soube, que o efeito tridimensional é dado pelo afastamento entre os olhos, num eixo horizontal. A procura do efeito de profundidade vem, ela também, dos primórdios da história da fotografia, no século XIX. Fotos especialmente feitas e reproduzidas em duas imagens, vistas através de aparelhos especiais, garantiam o efeito estereoscópico, porém inanimado. Imagina-se que a infatigável procura do real, que primeiramente deu movimento ao registro fotográfico, graças à persistência da imagem na retina, depois som a estas imagens em movimento e mais tarde cor, continua. Restava ainda dar-lhes profundidade e eventualmente a ilusão de volume através de uma projeção holográfica. Mas esta é outra história. Também na tecnologia existem modas e aquela da holografia dormita antes de um possível revival. Exatamente como está acontecendo agora com o 3D. Há um novo fator determinante que é o sucesso de público que os filmes nesta tecnologia estão fazendo e se no cinema de entretenimento o público é o rei, sua afirmação será inelutável. A minuciosa descrição técnica feita por Gonzaga, bem como a fortuna comercial das últimas produções parecem indicar uma tendência irreversível. A fúria de alguns distribuidores independentes em se associarem à novas produções em 3D, também. Mas cinema é uma economia movida a expectativa. É o que os economistas chamam de profecia autorealizável. Se todo mundo estiver previamente convencido que um filme fará sucesso ele tem grande chance de fazê-lo. Não é por nada que a indústria hollywoodiana desde sempre investe no marketing das produções em curso, dos artistas e diretores que delas participam. Não é de todo impossível que com o fenômeno dos filmes em 3D que vai se revelando mundial esteja acontecendo o mesmo. Mas não há como negar o protagonismo que o sistema vem adquirindo. É evidente que o consumo doméstico on demand vem crescendo, da mesma forma que o consumo eletrônico de massas individual, na paradoxal definição de Manoel Castels. E ele se adapta especialmente aos filmes independentes, de menor custo de produção. É evidente que as grandes produções, embora não desprezem este mercado ancilar, já estão trabalhando na direção 3D. Gonzaga evoca muito bem o aparecimento dos superformatos CINEMASCOPE, TODD-AO, VISTAVISION, CINERAMA, no final dos anos 50, como resposta ao êxodo das salas provocado pela massificação da televisão. É evidente que no momento em que sobretudo os jovens dedicam cada vez mais tempo ao computador como instrumento de lazer, a indústria cinematográfica ensaie novas saídas. Ainda que não sejam tão novas. Mais uma vez, o hábito social. Quando Catarina de Médici, vinda do refinamento florentino, introduziu o uso de talheres na corte francesa, mudou a relação das pessoas com a comida. O uso de artefatos estranhos ao corpo como as anquinhas do final do século XIX que criavam traseiros imaginários ou os soutiens com armação metálica e recheio de algodão que fizeram a alegria das americanas dos anos 50 (tão generalizados na época quanto a prótese mamária nos tempos que correm) pode afirmar-se temporariamente como um fenômeno de consumo. Mas há uma diferença entre os artifícios que se integram ao corpo, como as tatuagens atuais ou as pintas de veludo negro usadas pelas damas no rosto e no seio, logo antes da Revolução Francesa, e os artefatos que lhe são exteriores. Como, por exemplo, os óculos necessários à fruição do cinema em três dimensões. Óculos são um objeto integrado no cotidiano e usado de maneira constante por um grande número de pessoas. Mas até que ponto os espectadores cinematográficos se renderão à novidade ou preferirão voltar ao cinema visto de cara limpa é o tempo que dirá. As implicações deste uso, dos modelos de óculos, da apropriação de seus custos, mostram que não é um detalhe de somenos importância. Uma coisa porém é certa e a computadorização da animação já deixa entrever: a digitalização é meio caminho andado para o cinema em 3D. Em tempos onde a inovação tecnológica virou uma dimensão do real comparada à irrupção da vida humana na face terrestre, uma commodity, um meio de entretenimento, entre tantas outras coisas, não será surpreendente uma tsunami em 3D. O apelo visual é um atrativo insumo que perpassa toda a indústria audiovisual. Mas mesmo assim fica claro que o que continuará a mandar é o conteúdo. Formatos passam, a emoção fica. E muito mais. A partir de uma reflexão sobre o cinema digital, Gonzaga acerta suas contas, entre tantas outras coisas, com a mixórdia brasileira. Fala da apropriação indébita que faz o ECAD de 2,5% da arrecadação das bilheterias em nome dos direitos autorais dos músicos. Se os outros titulares, diretores, autores do argumento, produtores cobrassem o mesmo, todos os cinemas do país já teriam fechado, a exemplo dos que aquela esdrúxula organização já conseguiu que o fizessem. A respeito da meia-entrada descreve a luta entre um Ministro da Educação, do PSDB e as entidades estudantis, controladas pelo PC do B, ambos os lados consagrando absurdos. Sobre a convergência digital faz a análise das relações de poder dos grandes conglomerados que vão da energia atômica à água mineral. O sentimento que nos invade é que A Hora do Cinema Digital é tudo é isso mas não é só isso. E quando fala da convergência digital no Brasil, mais além do cinema, faz paralelamente a história da televisão aberta e por assinatura em nosso país, sem a qual para o Bem ou para o Mal, ele não seria o mesmo. Os alemães do Romantismo chamariam de weltanschaaung e zeitgeist, visão de mundo e espírito do tempo. Do seu mundo e do seu tempo. Sobre o olhar que deita em cima do cinema brasileiro só posso dizer que concordo totalmente, integralmente, com tudo o que afirma. E fico quieto, lembrando Wittgenstein: o que não pode ser dito, deve ser calado. Depois de mais de 50 anos de envolvimento com nosso cinema, com a vida dentro dele, me ocorre a lembrança de dois grandes poetas brasileiros. Carlos Drummond de Andrade falando de Itabira, sua cidade natal, com melancolia: Hoje é apenas um retrato na parede, mas como dói. E o grande antropófago Oswald de Andrade, do qual os rapazes do Cinema Novo gostavam de se considerar sucessores, em seu poema Adolescência: Aquele amor, nem me fale. Na antiga China, citar os antepassados era sinal de modéstia e humildade. Gustavo Dahl Rio de Janeiro, 31 de maio de 2009. Capítulo I O Tempo Digital A famosa frase proferida, em 1965, pelo fundador da INTEL, Gordon Moore, afirmava que a velocidade dos processadores dobraria a cada ciclo de dezoito meses. Passados alguns anos, muitos especialistas diziam que a “dobra” fazia-se a cada ano. O enunciado passou a ser chamado de “Lei de Moore”, encarado como uma espécie de advertência sobre os avanços da informática, que se desenvolvem numa cronologia diferente das outras tecnologias. Meu primeiro computador pessoal foi um 286 (AT). Achava-o um foguete, tão rápido que era. Quase ria dos usuários pioneiros que se debruçaram sobre máquinas que mais pareciam desengonçados protótipos. Logo, o WINDOWS era lançado e, mais feliz estava eu, porque não tivera que me dedicar às difíceis tarefas com os comandos em DOS ou COBOL. Logo, mas logo mesmo, eu teria uma surpresa desagradável: o 386, um modelo novo, muito mais rápido que o meu computador, já estava nas vitrines. Pulei o equipamento com a inicial 3 e fui direto para o 486, para descobrir, muito em breve, que o PENTIUM já havia chegado, mudando tudo, lançando novos programas e recebendo periféricos fantásticos que o meu computador não suportava. No sentido inverso da informática, a indústria cinematográfica é conservadora em sua essência. Talvez porque, havendo excessos de criatividade na confecção de filmes, aqueles que a administram sejam obrigados a conter os ânimos, compassar as ideias, colocar os pés no chão. Os valores financeiros para se fazer um filme, as verbas para lançá-lo, os custos para construir um cinema são sempre exorbitantes. Aquela cena espetacular que o diretor achou que estava faltando no filme ou o lustre de cristal que será colocado no teto do foyer da sala de exibição têm uma vocação compulsiva para ser a gota d’água que explodirá os orçamentos. Por esse conservadorismo típico de quem se protege, demoraram quase cinco anos após o lançamento da pista com som de densidade variável para que os filmes mudos fossem banidos da tela; passaramse trinta anos entre os primeiros testes experimentais e o lançamento comercial da película colorida, e transcorreram trinta e seis anos entre o lançamento do sistema de som estereofônico do “Fantasound” de Walt Disney e o DOLBY STEREO. Passado algum tempo, os profissionais de cinema e os espectadores perguntavam-se por que demorou tanto para que os filmes fossem coloridos, sonoros ou estereofônicos. Mais adiante, o espectador comum não acreditará que, um dia, existiram apenas filmes em preto e branco, mudos e que, quando falados, o som saísse de uma única caixinha de som instalada no meio da tela. Toda mudança tecnológica no cinema é trágica. Mais trágica ainda quando avaliada a partir da relação da dominação econômica, que faz com que os mais ricos produtores, distribuidores e exibidores, enfim, os participantes da “grande indústria” sejam mais intensamente beneficiados por ela. Eles têm os recursos necessários para fazer com que seus produtos sejam diferentes e sabem que, ao assim fazer, terão maiores lucros. Afinal, o público gosta de novidades. Lembro-me de ouvir, quando criança, a pergunta se o ingresso do filme que seria exibido em preto e branco seria mais barato que o que passou na semana anterior, que era colorido. Pode parecer estapafúrdio, mas tem sua lógica. Por que pagar o mesmo preço pelo serviço menos avançado tecnologicamente, se ele não oferece os mesmos atributos técnicos do concorrente mais moderno? É claro que um filme não é uma simples consequência da reprodução de milhares de metros de película que tem maior ou menor valor se é colorido ou preto e branco, mudo ou sonoro. Há um valor intrínseco enquanto obra artística. Porém, para o espectador comum, os atributos físicos de um filme também contam. O cinema digital tem se caracterizado pela condição de incomodar a todos. É o elefante que pretende quebrar todas as louças e todos os cristais da loja. Vem incomodando aos produtores que não se sentem seguros em abandonar a alta resolução da película e sabem que deverão dividir os custos da implantação dos projetores digitais nos cinemas. Incomoda aos distribuidores que, também, terão que dividir a mesma conta. Desagrada aos exibidores, que estão satisfeitos com a cabine de projeção em 35 mm, já depreciada. Prejudica os fornecedores de equipamentos, que terão que começar do zero, abandonando as engrenagens dos projetores e se dedicando à virtualidade da informática. Mesmo com incômodos tão perturbadores, os integrantes da indústria enxergam, ainda que a contragosto, as vantagens que virão: os produtores reduzirão custos com as cópias a serem exibidas; os distribuidores estão descobrindo que poderão distribuir novos conteúdos, além de reduzir seus custos de logística e ter mais segurança contra a pirataria; os exibidores encontrarão nos projetores digitais uma melhoria no faturamento da exibição de publicidade e na exibição de outros conteúdos. Mais intensamente, alguns que detêm a tecnologia digital ingressarão no negócio cinematográfico: fabricantes de softwares, de equipamentos, transmissores de sinais, agentes publicitários e produtores de conteúdos. É, de fato, um ambiente de frustrações, ansiedades e contentamento que não traz a felicidade plena e transbordante a ninguém. Este clima cria mitos e lendas difíceis de esclarecer porque, atingindo apenas a superficialidade das questões, fogem do fato de que as mudanças são muito mais intensas do que comumente se imagina. Não é uma simples mudança em que se retira um projetor e se coloca outro. É uma profunda transformação, como já ocorreu em diversos setores da vida cotidiana. Poucas pessoas lembram-se de como era feito o desconto de um cheque. Só era possível fazêlo na agência em que estava a conta corrente, após um intenso ritual. O caixa consultava uma ficha em papel com as anotações do saldo da conta do cliente; verificava se havia fundos. Na ficha, anotava à mão o número do cheque e o seu valor; em outro arquivo, conferia a ficha de assinatura. Finalmente, autenticava o cheque em uma máquina mecânica. As filas eram enormes e o atendimento, muito lento. Hoje, quando utilizamos um terminal de autoatendimento de um banco, não recordamos que o serviço era feito desta forma, sequer lembramos que um dia tenhamos nos submetido ao atendimento manual. A informatização destruiu o arcaico sistema de processamento dos bancos e, mais, alterou a relação com seu usuário. Se os canhotos dos talões de cheque trazem hoje o registro da emissão e as linhas de operação para o cálculo do saldo remanescente na conta corrente, é por mera tradição. Antigamente, o canhoto era a única forma de controle do saldo. Hoje, poucos atentam-se a esse pequeno pedaço de papel. É muito mais fácil baixar um extrato pelos serviços de internet do banco. Cada vez mais, são feitas operações de depósito, transferências, investimentos, financiamentos, compra de ações, pagamento de contas, empréstimos e respectivos controles a distância. Vai-se ao caixa virtual. Ademais, a emissão de cheques diminui, sendo substituída por cartões de débitos e de créditos. Em alguns países, o emissor de cheques em papel é punido pelo banco com a cobrança de uma taxa de serviço para que um operador converta a emissão do cheque em operação digital em um computador. A convergência digital tem sido analisada pelo “pessoal de cinema” sob o prisma de uma visão analógica, como se estivesse restrita a deixar de usar o filme. A partir dessa premissa simplista surgem questões confusas envolvendo os sistemas de transmissão via satélite, passando pela transferência do poder de controle da programação dos cinemas até o exercício do poder policial sobre a copiagem ilegal. Mais importante que essas questões é a integração do cinema aos outros sistemas de comunicações. As salas de cinema já exibem outros conteúdos que não chegavam ao cinema porque nele só entrava o que estava em película. Hoje, já pode exibir shows, óperas, espetáculos e eventos esportivos. O cinema, que é o último veículo de comunicação analógico, está dando um passo que modificará o seu futuro. O cinema digital ao mesmo tempo separa e une a indústria, representada pelas majors ea indústria alternativa, que se rege pelas oportunidades tanto de mercado quanto da difusão cultural. Permite a incorporação de avanços técnicos como o uso de tecnologias em estereoscopia do cinema tridimensional, mas permite, também, a exibição de produções de menor porte que vão em sentido contrário ao mundo globalizado e da universalização da cultura, possibilitando a exibição de conteúdos de uma comunidade, seja ela uma cidade, um bairro ou um país, enfim, a tão sonhada diversidade das procedências e o acesso mais democrático à exibição pública. A convergência digital trará ao cinema inesperadas modificações comportamentais e tecnológicas tanto quanto os terminais de auto-atendimento trouxeram para os bancos que utilizavam as fichas de conta corrente. É impossível antever todas as suas aplicações e resultados no futuro, tampouco o prazo que demorará para que se-jam implantadas as novas cabines de projeção nos cinemas, que redundará no abandono das técnicas em película. A “Lei de Moore” é cruel. Cinco anos se passaram desde que o livro de minha autoria “Cinema Digital – Um novo cinema?” foi lançado pela Imprensa Oficial. Parece-me que se passaram trinta e dois anos, na proporção da velocidade que dobra o tempo a cada ano. O livro ficou ultrapassado, exigindo que fizéssemos algumas atualizações que colocamos à disposição na internet. Quando meu editor, Rubens Ewald, e eu decidimos fazer uma atualização mais profunda e acurada, chegamos à conclusão que o melhor era partir para um novo, começando de onde o outro parou, indicando o que aconteceu, respondendo às questões que ficaram em aberto. Este novo livro não é apenas uma atualização do anterior. Pretendemos complementá-lo, respondendo às questões que ficaram em aberto, principalmente nos aspectos técnicos e da viabilização financeira para fazer a mudança tecnológica. Antes, indicávamos os caminhos possíveis e as soluções que se propunham para o cinema digital. Agora, há respostas testadas nas primeiras implementações maciças. Já existem mais de seis mil cinemas digitais no mundo. Desta vez, contudo, o livro dedica-se a discutir a renovação que o cinema digital traz para a indústria cinematográfica com a integração a um sistema de informações baseado na convergência digital. O cinema, observado numa definição mais ampla do que a que se adotou por muitas décadas vai de encontro à televisão aberta ou por assinatura, ao homevideo, ao filmondemand,à internet, ao videogame, à telefonia, ao ipod, enfim, a um amplo espectro de meios e veículos que perdem as suas especializações para se integrar em aparelho de funções múltiplas. Mais do que uma renovação, a indústria cinematográfica segue em direção a profundas mudanças que respondem à interrogação do título do livro anterior. Agora, posso afirmar que o cinema digital é um novo cinema. Capítulo II Aspectos Técnicos dos Equipamentos Cinematográficos Digitais O Surgimento dos Primeiros Projetores Digitais A película cinematográfica em 35 mm, desenvolvida por Eastman Kodak sob a encomenda de Thomas Alva Edison, mostrou-se, por mais de cem anos de existência, uma invenção quase perfeita. Durante todo esse tempo foi incorporando avanços tecnológicos que permitiram projeções coloridas, sonoras, estereofônicas e com tela panorâmica (widescreen). Não bastasse essa capacidade inédita de incorporar tantas modificações, possui uma resistência física que permite o uso continuado por centenas de vezes com desgastes graduais, mantendo as principais características de imagem e som durante essas exibições. Até a década de 1980 era comum que uma cópia atingisse um milhar de exibições, vis-to que os filmes eram lançados regionalmente. Em primeira mão, na capital do Estado do Rio de Janeiro, depois em São Paulo e, assim, gradualmente ia atingindo as capitais, as grandes cidades, as cidades médias, as cidades pequenas e, por fim, os cinemas ambulantes. Uma cópia ficava em circulação por até cinco anos. Evidentemente, grande parcela dessas salas de exibição não possuía equipamentos de boa qualidade, tampouco uma manutenção acurada. Essas especificações que envolvem a alta qualidade de projeção da imagem e do som associadas à forte resistência ao uso continuado fizeram com que o filme permanecesse como mídia principal para as exibições nos cinemas, até mesmo porque os suportes existentes, como as fitas de videotape e posteriormente os dvds, não possuíam qualidades técnicas equivalentes à película cinematográfica. Mesmo que tivessem, não existia um projetor eletrônico capaz de produzir exibições com a mesma qualidade das cinematográficas, muito embora muitos países, como a Turquia, a Índia e a China, tenham adotado os projetores em CRT (Cathode Ray Tube) e os de LCD (Liquid Cristal Device) acoplados a videoreprodutores para atuar em seus cinemas populares. No final da década de 1990, começaram a surgir os primeiros projetores eletrônicos de alta resolução e luminosidade que utilizavam dispositivos e princípios totalmente diferenciados dos seus antecessores. Reproduziam filmes transferidos para mídias com alta resolução que eram utilizadas para a produção televisiva, como BETACAM DIGITAL, dvds especiais ou hardsdiscs, que já eram amplamente utilizados na produção, finalização e realização de efeitos especiais dos filmes. A essa época, já era comum que se fizessem as tomadas em película 35mm, transferindo-as digitalmente para esses suportes, editando e sonorizando o filme para, finalmente, escanear as imagens para um negativo que seria a matriz principal do filme1. As Tecnologias Bem-Sucedidas: DLP e SxrD Duas tecnologias empregadas mostraram-se mais adequadas e viáveis para o uso em projeções digitais: o sistema DLP (Digital Light Processing), desenvolvido pela TEXAS INSTRUMENTS, e o SXRD (Silicon XTal Reflexive Display), de propriedade da SONY. Outras tecnologias chegaram a ser adotadas, como a D-ILA (Digital Image Light Amplifier) pertencente à HUGHES-JVC, mas não seguiram adiante pelas mais diferentes razões, sendo, contudo, o fator mais incidente as dificuldades inerentes ao processamento de imagens em velocidade rápida, à necessidade de forte luminosidade e resoluções altíssimas. Mesmo a SONY com seu aparelho SXRD teve grandes dificuldades, pois se este apresentava resultados espetaculares nos aspectos da resolução da imagem, oferecia, em contrapartida, imagens sem grande luminosidade, além de se valer de um sistema de processamento muito sofisticado e, na visão prática dos técnicos, pouco confiável. Os processos de funcionamento utilizados pelos dois fabricantes são totalmente diferentes, possuindo, porém, um princípio comum em sua arquitetura: são projetores reflexivos que dispõem de chips que escaneam as imagens vindas de uma memória digital. Os chips recebem um intenso feixe de luz que, refletindo a imagem, atravessa um sistema ótico e a lente, indo projetar uma imagem brilhante e definida na tela. Diferem, portanto, da maior parte dos projetores anteriormente existentes, nos quais a imagem é formada em painéis transparentes e a luz os atravessa indo diretamente a uma lente que projeta a imagem. Os projetores com painéis em LCD usam do mesmo princípio da projeção com a película cinematográfica, sofrendo, portanto, as interferências do sistema de obturação da imagem e, pior, as dificuldades no perfeito assentamento das imagens superpostas em três diferentes dispositivos. A TEXAS INSTRUMENTS, desde o lançamento do sistema DLP, tinha em mãos um dispositivo bastante qualificado baseado no chip designado DMD (Digital Mirror Device), composto de milhões de microespelhos que escaneiam a imagem fornecida por uma fonte de memória. Na versão mais simples dos projetores DLP (1chip), esses espelhos compõem uma imagem completa colorida por um disco rotativo que alterna a colorização através das cores RGB (RedGreenBlue). No caso do equipamento apresentado em 1999, especialmente projetado e construído para fazer exibições nas telas grandes dos cinemas, foi utilizada uma nova concepção com o uso de três chips DMD, cada qual cobrindo uma cor do sistema RGB. A cor preta é obtida pela deflexão do microespelho, ou seja, não há luz sendo refletida porque o espelho não está posicionado para recebê-la. É um processo diferente dos comumente utilizados nas gravações para televisão que sobrepõem as três cores fundamentais, constituindo um preto com variações de reflexão. Com uma luminosidade de 12.000 lumens para os primeiros protótipos, a versão designada DLPCINEMA tinha uma camada adicional de proteção ao chip, visto que recebia muito calor e forte luz. Ao mesmo tempo, tal película não permitia o vazamento indesejado de luz. Esses chips recebiam a designação “DMD-Dark”. A resolução apresentada nos primeiros protótipos era de 1,3K (1.280 x 1.024 pixels). A trajetória do SXRD da SONY não foi tão linear e bem-sucedida quanto a do DLP. Primeiramente porque o fabricante tinha como sua principal referência de produção os aparelhos com painéis de LCD, sendo a líder de mercado para tal tipo de equipamento. O lançamento efetivo do novo aparelho só foi anunciado no início de 2003. Ademais, a concepção do novo chip é complexa, baseada na formação da imagem em um ambiente com cristal líquido2. Daí ter-se um baixíssimo nível de pixelização da imagem, visto que essa será equivalente ao tamanho das moléculas do composto de silicone. Não bastando a sofisticada arquitetura do chip, a SONY propunha a fabricação de um projetor de 4K (4.096 x 2.160 pixels) de resolução, que é obtida pelo uso de quatro chips de 1K, processados simultaneamente, dividindo a imagem em quatro áreas a serem projetadas. O ambiente era extremamente favorável à TEXAS INSTRUMENTS, que licenciou três fabricantes para produzir a versão especial do DLPCINEMA: CHRISTIE, NEC e BARCO. Esta última, por sua vez, sublicenciou dois outros tradicionais produtores de equipamentos destinados aos cinemas, visando atender às demandas regionais e à clientela fiel às duas marcas. Os sublicenciados foram a italiana CINEMECCANICA e a alemã KINOTON. A pressão para a adoção de sistemas digitais utilizados nas transmissões de televisão, nos dvds e na internet, conhecidos pelas siglas MPEG-2 e MPEG-43, foi rechaçada desde os primeiros passos da projeção digital com os projetores DLPCINEMA. A SMPTE (Society of Motion Pictures and Television Engineers)4, instituição que normatiza os padrões para a indústria audiovisual norteamericana, nos seus primeiros esboços propostos para o cinema digital, propunha que deveria se ter um padrão diferenciado da televisão, visando manter uma qualificação diferenciada para as grandes telas da exibição pública. No mesmo estudo, redigido pela comissão chamada de DC28, propunha ainda que a resolução da imagem deveria ser de, no mínimo, 2K. Os Primeiros Cinemas com Projeção Digital No período decorrido entre 1999 e 2002, foram apresentadas inúmeras soluções para a exibição digital. Algumas, bastante simples, não buscavam o alcance dos grandes cinemas, mas sim a instalação de espaços exibidores em locais que não tinham ou que haviam perdido seus cinemas durante as sucessivas crises que o theatrical sofrera desde o surgimento da televisão. Neles, exibiam-se cópias de dvds através de projetores de uso doméstico ou industrial DLP(1chip) ou os tradicionais LCD. Outros buscavam formatos alternativos que reduzissem os custos de cópias, fazendo projeções com fitas com registro digitais (BETACAM DIGITAL, Mini-DV ou DVCAM), usando para tanto o sistema de compressão utilizado para a televisão e a internet, o MPEG-4. Utilizavam projetores DLP com maior intensidade de luz, em torno de 4.000 lumens, com a resolução HD – High Definition (1.280 x 1.024 pixels), sendo que estes eram equipados com 3chips DMD, porém sem a configuração que a TEXAS INSTRUMENTS destinara aos cinemas na versão DLPCINEMA. Por último, os estúdios norte-americanos haviam adotado, experimentalmente, em cerca de cem salas distribuídas pela Europa, Estados Unidos, Japão, Coreia e Brasil, uma configuração onde se dispunha de um servidor que processava as imagens na resolução HD, comprimidas pelo MPEG-2, que era utilizado nos dvds. Entendiam que quanto menor fosse a taxa de compressão da imagem, menores problemas e interferências teriam na descompressão e, portanto, na própria exibição do filme. Como projetor adotaram o DLPCINEMA com até 15.000 lumens, capaz de fazer projeções claras e definidas em telas de até 15 metros de largura. Não se tinha, efetivamente, um padrão comum aos diversos tipos de exibição e as referências para a elaboração de matrizes para os cinemas seguiam critérios advindos de outros setores da indústria audiovisual, como o homevideo, a internet e a televisão. Nenhum laboratório divulgava seus critérios para a confecção das matrizes. Havia uma percepção dentro das empresas distribuidoras de que a substituição dos equipamentos de 35mm para os projetores e servidores digitais estava bem distante de ser efetivada e que as instalações tinham um caráter transitório e experimental. Em diversos países, contudo, assistia-se à expansão dos circuitos que utilizavam os sistemas no padrão intermediário, composto de servidores operando com o sistema de compressão MPEG4 e projetores DLP-3chips. Entendia-se que eles eram capazes de fornecer uma projeção de boa qualidade que atenderia às necessidades e expectativas dos países deficitários em termos do número de telas existentes, como era o caso do Brasil, onde a RAIN NETWORKS iniciou o provimento de equipamentos e serviços para centenas de cinemas. Em outros países, com uma alta oferta de salas, tais equipamentos destinaram-se aos cinemas de arte ou àqueles voltados à diversidade da exibição de cinematografias de países que tinham dificuldade de acessar os grandes circuitos de exibição, como ocorreu na Inglaterra, onde o organismo estatal, o UK COUNCIL, estruturou um circuito alternativo que exibe os filmes que não são distribuídos pelas majors ou pelas grandes empresas européias. A Necessidade de Padronização dos Equipamentos Os estúdios norte-americanos sofriam de dois grandes temores: a não padronização dos sistemas de projeção, que criaria grandes dificuldades na circulação dos filmes, e a entrada de novos fornecedores tecnológicos, como as empresas voltadas à informática (mais precisamente, a MICROSOFT, que criara uma supremacia em diversas atividades mediante práticas predatórias) e, ainda, das empresas de comunicações, como aquelas voltadas à telefonia ou aos serviços de transmissão de dados. Pouco afeitas às regras da indústria cinematográfica, essas empresas eram agressivas em aspectos bastante sedimentados das relações entre as três partes da economia do setor: produção, distribuição e exibição. Detalharemos essa questão com maior ênfase no Capítulo V. Os anos de 2000 e 2001 seriam marcantes para a indústria cinematográfica, em decorrência da quebra da bolsa de valores voltada ao setor eletrônico, a NASDAQ. Os movimentos especulativos do capital fácil levaram a situações em que se abriram novos cinemas em proporções desvinculadas das frequências. Deste movimento muitos circuitos exibidores quebraram, em especial aqueles situados no território norteamericano, gerando uma instabilidade dentro do sistema industrial. Muitas empresas do setor eletrônico, ao perderem fatias significativas de seus consumidores, como os serviços de telefonia por satélite, voltaram-se para ofertar seus serviços para os cinemas. A Formação do DCI (Digital Cinema Initiative) As sete grandes empresas distribuidoras norteamericanas decidiram estruturar uma comissão, o DCI (Digital Cinema Initiative) visando criar parâmetros para o que seria o futuro cinema digital. A medida tinha claramente duas intenções. A primeira, a anunciada padronização, e a segunda, frear os movimentos especulativos, criando as melhores condições para a transição tecnológica. Em abril de 2002 foi anunciada a criação da comissão e, apenas em 20 de julho de 2005, foram apresentadas as especificações do padrão estabelecido, por meio de um documento denominado “Digital Cinema System Specification”, na versão “V1.0”. Esse documento receberia algumas erratas e inserções parciais, desfechando, em sua segunda versão, a “V1.2”, divulgada em março de 20085. Os três primeiros aspectos a serem abordados sobre esse documento encontram-se no preâmbulo de suas 156 páginas. A começar pela intenção de que, ao se usar equipamentos dentro das configurações propostas, assiste-se a uma experiência mais bem-sucedida do que presenciar uma projeção em 35mm. A segunda colocação refere-se à possibilidade de que as normas sofram alterações que melhor lhe qualifiquem, advindas da melhoria tecnológica. Essas alterações serão incorporadas aos equipamentos e aos softwares já adquiridos. Por último, algumas especificações podem não ser atingidas com a tecnologia hoje existente, principalmente no que tange à resolução da imagem e ao sistema de cores. A última recomendação se dá pela indisponibilidade tecnológica de se atender a todos os requisitos constantes nas versões V1.0 e V1.2 das especificações do DCI. Com a melhoria dos aparelhos, servidores e projetores e com softwares mais sofisticados, que dão grandes saltos técnicos em curto prazo, as condições existentes serão atingidas. Neste sentido, o diretor técnico da CASABLANCA/TELEIMAGE, Alex Pimentel, em entrevista em março de 2003, afirmava que algumas das dificuldades técnicas da implementação do cinema digital seriam superadas rapidamente, fazendo com que algumas das especificações fossem dispensadas, como, por exemplo, a questão da capacidade de armazenamento de dados nas memórias. À época, um servidor com 1,2 terabite de capacidade era um aparelho caro e especializado, com preço de cerca de US$40.000. Hoje, um servidor equivalente custa US$6.500. Memórias, tão surpreendentes há sete anos, podem ser adquiridas em lojas comuns, como o da marca IOMEGA, que custa US$169 e tem a dimensão de um livro de bolso. Em breve, tal capacidade de armazenamento será encontrada em um pequeno cartão, como os smartcards utilizados nas câmaras fotográficas. Nessa mesma entrevista, Alex Pimentel abordou uma das mais controvertidas questões que colocam o padrão DCI contra todos os demais sistemas adotados: o da compressão da imagem. Um longa-metragem no padrão DCI utiliza 200 a 300 gB de memória, dependendo não só de sua duração como das cenas no filme. Um filme com grandes batalhas com milhares de participantes e cenários detalhados ocupará mais memória do que um filme que tenha longos planos com poucos intérpretes e locado em um ambiente simples. Já um filme exibido no padrão MPEG-4 não utilizará mais do que 6 gB, devido à sua muito maior taxa de compressão. Em longo prazo, contudo, tais fatores são secundários, já que a situação ideal é que o filme simplesmente não seja comprimido, o que faria com que um longa-metragem utilizasse cerca de 2 a 3 terabites de memória. Tal capacidade não está longe de ser obtida em termos de armazenamento, mas está muito distante das velocidades de processamento dos projetores hoje existentes, tanto o DLPCINEMA quanto o SXRD. As Especificações do DCI As especificações constantes nos textos do DCI, nas versões V1.0 e V1.2, serão discutidas a seguir. Não manteremos a estrutura sequencial do texto divulgado, optando por concentrar em blocos temáticos as especificações destinadas a um mesmo fim ou operação. Utilizaremos a divisão proposta na descrição introdutória do referido texto, com sete itens a serem aborda dos6: Masterização, Compressão, Empacotamento, Transporte, Sistemas dos cinemas, Projeção e Segurança. a) MASTErIZAÇÃO (Capítulo 3 das Especificações do DCI) Há três tipos de matrizes no cinema digital, cada qual destinado a um tipo de função especializada, realizados a partir do filme finalizado: I) DSM (Digital Source Master) – é a matriz principal do filme, equivalente ao negativo do filme em película. Dela serão extraídas outras matrizes como as destinadas à duplicação de outras ou para a replicagem do homevideo e, também, para o arquivamento como matriz de segurança. As especificações do DSM não são tratadas pelo DCI, em nenhum aspecto, nem mesmo no que concerne ao formato, compressão e resolução. II) DCDM (Digital Cinema Distribution Master)–é a matriz’ que servirá para a transferência de imagens, do áudio e das legendas que passarão pelo “encoding”7 para ser exibido nos cinemas. • II.I. Estrutura de arquivos: Contém arquivos de imagem, do áudio e das legendas. Pode conter, ainda, arquivos para verificação da sincronização e da composição total do material a ser exibido, permitindo que se acessem os equipamentos de cabine de projeção na sua forma natural: sem criptografia8, não comprimido e “não empacotado”.9 • II.II. resoluções: O DCDM pode estar em diferentes resoluções. Ocupando a área total do chip DMD, sem o uso das proporções de telas hoje adotadas nos cinemas, teríamos as seguintes resoluções discriminadas nas velocidades de exibição: resolução resolução detalhada Fotogramas por básica (pixels) segundo A resolução se alterará conforme for modificada a proporção de tela adotada. A proporção de tela determina as dimensões da projeção conforme a captação do filme. Caso tenha sido em 1.85:1, representa que, para cada 1,85 metro de largura da imagem, haverá 1,00 metro de altura. O cinemascope utiliza a proporção que, durante a projeção, gerará, para cada 2,3910 na largura, um metro de altura. Há uma terceira proporção que os estúdios norte-americanos não utilizam, mas que é bastante usada na Europa e no Brasil, a de 1.66:1. As proporções não se alteram com a modificação da velocidade de projeção. Com base no documento do DCI, apontaremos as resoluções efetivas para as proporções de tela 1.85:1 e 2.35:1: resolução Proporção de resolução detalhada básica tela (pixels) • II.III. Áudio: Em referência à sonorização das matrizes, o DCI criou diversas especificações, das quais citaremos as principais: a) O registro é realizado em 24 bits. b) O registro deverá suportar uma dinâmica que atenda de -20dBFS (decibéis abaixo da escala completa) e a saída máxima da pressão sonora de 85dBc. Em termos práticos, manteve as características utilizadas nos cinemas atuais que adotam processadores de som DOLBY DIGITAL ou SDDS. c) As matrizes têm dezesseis canais de som, que serão detalhados conforme os critérios atualmente utilizados em relação à disposição de um espectador na frente da tela. Para os cinemas que tiverem oito canais de som, a distribuição de canais é abaixo demonstrada. No caso de cinemas com seis canais de som, são retirados os canais 7 e 8: CANAL ESPECIFICAÇÃO DESCrIÇÃO 9 Não utilizado 10 Não utilizado/ a ser definido 11 Não utilizado/ a ser definido 12 Não utilizado/ a ser definido 13 Não utilizado/ a ser definido 14 Não utilizado/ a ser definido 15 Não utilizado/ a ser definido 16 Não utilizado/ a ser definido Nos aspectos de sonorização, mantiveram-se as disposições existentes. Para os usuários de DOLBY DIGITAL (5.1), há seis canais de som, e para os usuários do SDDS (7.1), que são uma minoria, usam-se oito canais. Não há avanços tecnológicos, embora sejam previstos diversos canais sem uso, que tanto podem ser para versões em diversas línguas como para a introdução de canais traseiros centrais, canais de som transmitidos a partir do topo da sala ou por debaixo da arquibancada ou canais de transição colocados entre as diversas caixas dos surrounds laterais ou subwoofers traseiros. Há diversas experiências realizadas com a incorporação desses novos canais de som, inclusive em parques de diversão. • II.IV. Legendas: O sistema normatizado pelo DCI comporta diversas legendas incorporadas à mesma matriz. O recurso de “captioning”, ou seja, a transposição das falas para o texto escrito, é separada dos recursos de legendas. O “captioning” pode ser operado para um grupo de espectadores por mecanismos de transmissão de ondas (wireless). Já as legendas são destinadas ao público de língua não original do filme. Quando as legendas são necessárias para o entendimento no país de origem, como numa situação onde um estrangeiro fala em seu idioma original, as legendas incorporar-seão à imagem principal. O sistema de legendas pode ativar dispositivos externos compostos de painéis de LED. • II.V. Subimagens: Há dispositivos de sobreposição de imagens sincronizadas. Um filme pode, por exemplo, receber uma outra fonte que o comente ou exponha gráficos suplementares projetados com a imagem, tanto com projeções na mesma tela como com projetores ou monitores externos, sendo que as referências de sincronização encontram-se na mesma matriz. • II.VI. Controles da Apresentação: Um intenso cardápio de situações de automação dos cinemas é oferecido por meio das interfaces do sistema das matrizes. Figura 2 Figura 3 III) DCP (Digital Cinema Package) – É produzido a partir do DCDM, que é comprimido, recebe a criptografia e o empacotamento para a sua distribuição. b) COMPrESSÃO (Capítulo 4 das Especificações do DCI) As discussões sobre a qualidade das projeções dos sistemas formatados, conforme as especificações do DCI e a dos sistemas alternativos, quase sempre recaem sobre as resoluções dos sistemas. A resolução das projeções em Full-HD, com 1.920 x 1.080 pixels, é bastante próxima dos 2.048 x 1.080 das projeções no padrão DCI. A grande diferença, além, é claro, das especificações adotadas para os projetores DLPCINEMA e SXRD, está nos sistemas de compressão da imagem. Quando surgiram as primeiras discussões acerca do cinema digital, muitos especialistas sugeriam que não se comprimissem as imagens. Não existem, contudo, equipamentos que possam ser fabricados em escala industrial com tal capacidade, mesmo havendo passado quase dez anos das primeiras projeções de alto desempenho. Portanto, mais do que um atributo das exibições digitais, a necessidade de compressão das imagens e do som deve ser encarada como uma necessidade ou, como alguns já disseram, um “mal necessário”. No desenvolvimento dos sistemas, sempre se teve em mente que quanto menor for a taxa de compressão, melhor será a projeção. Quando há maiores taxas, maiores são as falhas de processamento e a definição da imagem será menor quando forem cenas repletas de detalhes e com movimentos de câmera rápidos. Na já citada entrevista com Alex Pimentel, foi reportado que, muitas vezes, ao se telecinar um filme em 2K de resolução, era necessário processar algumas cenas cheias de detalhes e movimentos em 4K, senão a imagem transferida seria de qualidade inferior às demais que constam do filme. Há de se lembrar que os filmes atuais, realizados com muitos efeitos especiais, cenas rápidas, fusões em ritmo alucinante, exigem um rápido processamento para a perfeita resolução. Em se tratando de resoluções na faixa de 2K, isso é muito complexo. Portanto, o DCI buscou um sistema de compressão que nada tem a ver com a televisão, com a internet ou com os dvds. O sistema de compressão padrão é o JPEG 2000, comumente utilizado para fotografias que sofrerão grandes ampliações. Para podermos ter um perfeito entendimento do que se trata, será necessário apresentar alguns conceitos teóricos acerca do sistema MPEG e do JPEG. a) O SISTEMA MPEG: O MPEG, Motion Picture Experts Group, foi normatizado pela ISO (International Standards Organization). Teve amplo desenvolvimento e permitiu a redução do tamanho das câmeras de vídeo, com a respectiva manutenção do padrão qualitativo. O seu uso é baseado na compressão de imagens, pela manutenção de um fotograma-base (tipo I ou Intra), adquirido como um primeiro fotograma e por quinze fotogramas que o sucedem, sendo do tipo B ou Bidirecional, que faz o menor registro parcial. Entre os fotogramas do tipo B existem os fotogramas predicativos, do tipo P (ou Predicative), que balizam os movimentos, comparando as imagens do fotograma base (I) e a última imagem da sequência de quinze fotogramas e os próprio P anteriores. Uma exemplificação do sistema MPEG para 16 quadros prevê a seguinte composição sequencial: O fotograma I é completo apresentando uma alta resolução por meio da compressão fotográfica do sistema JPEG. Os P comprimem as imagens a partir de uma comparação entre os blocos de pixels captados entre as séries de fotogramas, comparando as imagens do fotograma anterior I e o próximo I. Utilizam um terço de memória dos fotogramas I. Os fotogramas B registram apenas as diferenças entre os fotogramas anteriores P. Observando as fotografias acima11, temos uma sequência em que uma bola desliza por uma mesa que tem outros objetos dispostos sobre ela. Não há movimentos de câmera, apenas a bola desliza. O fotograma I registra o quadro completo, os P identificam a trajetória e os B apenas complementam as eventuais mudanças entre os quadros. Caso houvesse um movimento de câmera, os P teriam maior função, pois registrariam as alterações pontuais entre os quadros. Os problemas derivados da compressão da imagem, principalmente quando se usam equipamentos de alta resolução, situam-se na velocida de de processamento e na manutenção do grau de definição em cada ponto da imagem. Se elas são rápidas e repletas de elementos, os sistemas MPEG-2 e MPEG-4 não conseguem atender à demanda de correção, oferecendo maus resultados, inclusive com a “pixelização” das imagens. É comum, nesses casos, que as imagens fiquem partidas, que se formem halos no entorno do objeto em movimento ou que os movimentos fiquem sincopados. A decisão do DCI foi manter um alto padrão de imagem que diferenciasse o cinema das exibições televisivas ou dos outros meios, por melhores que estas fossem. Para tanto, manteve o conceito de que a projeção de um filme decorre da apresentação continuada de 24 fotogramas por segundo, na qual cada fotograma tem um registro completo dos personagens, dos objetos em movimento e dos cenários. As diferenças entre um fotograma e seu subsequente são mínimas, não importando a riqueza de detalhes ou o excesso de movimentos. O DCI optou pelo uso de um sistema de compressão fotográfico, também pertencente a um consórcio subordinado à ISO, o JPEG, na sua versão JPEG 2000. Essa versão exige potentes e valiosos equipamentos para efetivar o “encoding” e o “decoding”12 das imagens, resultando, contudo, em imagens de altíssima qualidade que são utilizadas profissionalmente para os usos mais qualificados, como a propaganda, o uso militar, registros de imagens de alta precisão e, agora, para o cinema digital. Além de apresentar uma alta qualidade técnica, a compressão JPEG 2000 garante que suas matrizes terão dificuldades em ser pirateadas pela copiagem por equipamentos domésticos ou de uso profissional básico. Para finalizar as especificações sobre os diversos requisitos técnicos do DCI para a compressão, destacamos o sistema de colormetria, que deverá ser o de 12 bit, X’Y’Z’, na resolução de 2K e 4K, à velocidade de 24 quadros por segundo, usando um máximo de 1.302.083 bytes por fotograma. Para 2K, em 48 fotogramas por segundo, o registro será de 651.041 bytes. c) EMPACOTAMENTO (Capítulo 5 das Especificações do DCI) Os arquivos constantes no DCDM estão registrados aleatoriamente, de forma que não se apresentam para uma exibição pronta e organizada, o que pode criar dificuldades na projeção. O “empacotamento” é realizado para que os arquivos sejam organizados num servidor que fará o seu armazenamento. Para tanto, foi desenvolvido um “pacote do filme digital”, que é um sistema aberto que qualquer produtor ou distribuidor pode utilizar, sendo proposto como uma COMPOSIÇÃO (COMPOSITION), que representa o conteúdo completo a ser utilizado, como um longa-metragem, um curta-metragem, um trailer ou um filme publicitário. O outro conceito do “pacote” é o PACOTE DE DISTrIBUIÇÃO (DISTRIBUTION PACKAGE), em que são descritos e listados os arquivos disponíveis da COMPOSIÇÃO. Outras características do “empacotamento” são: • C.1. MENUS: O “pacote do filme digital” permite que os filmes sejam comprimidos e criptografados, sem que apresentem qualquer interferência, além de permitir o uso ilimitado de arquivos armazenados. Mantém a relação do cinema analógico, em que se divide uma produção pelo número de rolos, em geral com duração entre dez e vinte minutos. Esses rolos são sequenciados de forma a compor um programa cinematográfico, ordenando a entrada e a sequência de cada rolo, tanto para os longa-metragens, como para os trailers ou para os filmes publicitários. Com os dados de um filme, definem-se as especificidades do “rolo”, como a proporção de tela (1.85:1, 2.39:1 ou 1.66:1), o idioma da trilha sonora e as línguas disponíveis para as legendas. A programação é feita, portanto, por partes. A relação completa dos rolos e suas especificidades compõem o MENU DE COMPOSIÇÃO. Trata-se de uma programação bastante parecida com as que encontramos nos dvds. • C.2. DCP (Digital Cinema Package): Os “MENUS DE COMPOSIÇÃO” incorporados ao DCDM serão transferidos para o DCP (Digital Cinema Package), que receberá a criptografia e os mecanismos que viabilizem o acesso a ele. • C.3. SEGUrANÇA: Todos os arquivos serão criptografados e terão sistemas de autenticação do usuário. • C.4. INTEGrIDADE E AUTENTICAÇÃO: Todos os arquivos terão mecanismos para verificação das suas integridades. Arquivos perdidos ou corrompidos serão facilmente identificados. • C.5. CrIPTOGrAFIA: Para acessar os arquivos criptografados será necessária uma “chave de acesso”. Haverá métodos de verificação para atestar a autenticidade do “AVISO DE rEMESSA DA CHAVE DE SEGUrANÇA” (KDM) e se os arquivos estão sendo descriptografados corretamente. d) TrANSPOrTE (Capítulo 6 das Especificações do DCI) Os “pacotes” dos filmes poderão ser transportados por diferentes sistemas: por suporte ou meio físico, por rede de transmissão privada (internet ou outros transmissores) ou por satélite, desde que tenham dispositivos de segurança. A criptografia não poderá ser removida durante o transporte dos conteúdos. e) SISTEMAS DOS CINEMAS (Capítulo 7 das Especificações do DCI) As exibições digitais nos cinemas terão quatro sistemas que operam e gerenciam a operação em diferentes níveis e funções. • O SMS13 – Sistema Operacional da Exibição permite o controle da sala com funções como “Começar”, “Parar”, “Selecionar o menu” e “Editar o menu”. As tarefas do operador serão efetivadas neste sistema, que atende apenas a uma tela do complexo multissalas (multiplex). As programações são feitas por menus visualizados em uma tela do sistema ou em computador incorporado ao sistema. Nas programações constarão as vinhetas, os comerciais, os trailers e os longas-metragens. • O TMS –SistemaOperacionaldoCinema controla, supervisionao funcionamento dos equipamentos no cinema e das funcionalidades do SMS.O TMS faz o controle de todas as salas de um complexo multissalas, criando a programação, corrigindo problemas e controlando os equipamentos. • O “BLOCO DE MÍDIA” (MEDIA BLOCK) é um dos mais importantes componentes do sistema de exibição. Trata-se de uma unidade operacional que converte o “pacote” em imagens, som e legendas. Ele é responsável pela identificação e leitura da compressão e da criptografia, operando entre o SMS e o projetor. Pode estar incorporado ao projetor, como pode ser um elemento externo ligado a este. • SECURITY MANAGER (SM) – Gerenciador de segurança. Atua entre o “Bloco de Mídia” (Media Block) e o projetor. Caso haja interrupções no funcionamento ou violações do bloco, ele detecta e notifica os problemas ocorridos, inviabilizando que as projeções continuem. Alguns aspectos sobre os sistemas dos cinemas devem ser ressaltados: • e.I. CONFIABILIDADE: uma apresentação só poderá ser interrompida por problemas maiores, como a queda de energia ou uma catástrofe natural. Os equipamentos devem ter uma arquitetura que permita consertos num período máximo de duas horas após o recebimento de eventuais peças de reposição. • e.II. MONITOrAMENTO E DIAGNOSE: o sistema deve permitir a monitoração e o diagnóstico das situações de funcionamento, alinhamento e calibragem, que podem ser feitas localmente ou por meio de serviços remotos a distância. • e.III. FACILIDADE DE MONTAGEM DOS CONTEÚDOS: o sistema deve ter uma concepção gráfica que facilite a montagem das programações dos conteúdos. • e.IV. TrANSFErÊNCIA DE CONTEÚDOS: a mudança de exibição dos conteúdos entre salas de um mesmo complexo deve ser realizada em até 15 minutos. • e.V. FACILIDADE DE OPErAÇÃO: o nível de conhecimento técnico do operador dos equipamentos deverá ser o de formação básica em informática ou adquirido mediante treinamento básico. As interfaces devem ser simples e intuitivas. • e.VI. CONDIÇOES AMBIENTAIS: A cabine deverá ter uma temperatura de 10 a 35ºC e operar com um índice de umidade entre 10% e 85%. • • e.VII. CAPACIDADE DE MEMÓrIA POr SALA: no mínimo, 1TByte por tela. A capacidade de armazenamento dos servidores de cada sala deve cobrir, no mínimo, um filme de três horas de duração, vinte minutos de propaganda ou trailers, 16 canais de áudio sem compressão, 3.000 fotos no formato PNG e • 3.000 linhas de texto. • e.VIII. ACESSIBILIDADE: diferentes níveis de autorização permitem o acesso diferenciado às funções dos equipamentos digitais: os operadores só terão acesso às funções de exibição e do funcionamento da sala; o gerente de exibição a todas as funções dos operadores e para montar, importar e apagar conteúdos; o supervisor de cabine às funções anteriores mais as funções de especificações funcionais da sala e, por último, o gerente-geral do complexo, que terá acesso a todas as funções anteriores e das especificações de segurança e de configuração do sistema. • e.Ix. INTErFACES OPErACIONAIS: um modem ligado a uma conexão de segurança será conectado ao provedor de conteúdos e ao man tenedor dos sistemas. A recepção da “chave de segurança”, por exemplo, será por esse sistema de comunicação. O TMS e o SMS avisarão o vencimento da validade da “chave” com 48 horas de antecedência. • e.x. SErVIDOrES COM CONTEÚDOS: um servidor central conterá todos os conteúdos em exibição no complexo. A cabine de cada sala, por sua vez, terá os conteúdos a serem exibidos na sala específica. f) PrOJEÇÃO(Capítulo8dasEspecificaçõesdoDCI) Esse capítulo tem algumas das mais detalhadas especificações do DCI, principalmente no que se referem à inviolabilidade do projetor, aos parâmetros a serem adotados sobre a resolução da imagem, à mensuração da luminosidade, à estrutura de formação da imagem, à calibragem dos parâmetros de contraste, cor, compressão da imagem, etc. Descritas em um nível técnico para especialistas, sugerimos que aqueles que se interessarem por este tema façam a consulta ao sítio eletrônico www.dcimovies.com. A seguir, resumiremos apenas os itens de caráter geral: • f.I. CONTEÚDOS ALTErNATIVOS: O projetor pode exibir conteúdos que não atendam às especificações do DCI por uma entrada auxiliar. • f.II. CONVErSÃO ESPACIAL: Os projetores possuem mecanismos de ajustes finos aos tamanhos de tela. Porém, esses ajustes não devem reduzir ou aumentar parcialmente, tanto no sentido horizontal ou vertical, a área total da imagem gerada pelo chip. • f.III. INTErFACE DO “BLOCO DE MÍDIA” (MEDIA BLOCK) e do GErENCIADOr DE SE-GUrANÇA (SECURITY MANAGER): Preferencialmente, o “Bloco de mídia” deverá estar instalado no projetor. Sua função é descriptografar, descomprimir, fazer a identificação legal do projetor e permitir a projeção dos conteúdos. Ele se integra ao “Gerenciador de Segurança”, que administra as identificações de segurança e os eventuais problemas ou violações. g) SEGUrANÇA (Capítulo 9 das Especificações do DCI) É o mais controvertido e extenso capítulo das Especificações do DCI. Com rigorosas normas que evitam o acesso não autorizado aos conteúdos, à pirataria e às autorizações para exibição dos filmes, resultou em interpretações que, na maioria das vezes, são errôneas ou enganosas. Como veremos nos próximos capítulos do livro, amplas discussões inclusive acerca do controle da programação dos circuitos pelos distribuidores norte-americanos surgiram dessas especificações. As intenções das especificações, segundo o texto apresentado, devem-se a diferentes fatores: permitir o acesso à reprodução dos filmes apenas quando ajustadas as condições entre exibidor e distribuidor; assegurar a vedação ao acesso, à copiagem, à edição ou reprodução dos filmes a quem não for autorizado e registrar os eventos ligados à segurança dos filmes. Marcas legais, como as “marcas d’água”, podem ser utilizadas para a futura identificação de pirataria dos conteúdos. Na escala mais avançada, prevê-se que o sistema de segurança deverá dispor de interfaces que operem contra a filmagem com câmeras de vídeo. Essas interfaces tanto podem ser detectores de câmeras nas plateias como sistemas que inabilitem as filmagens. A base do sistema é o fornecimento de uma “chave de acesso” que inicia o processo de descriptografia dos filmes. A operacionalidade dos sistemas de segurança é fundada no “Gerenciador de Segurança” (Security Manager – SM), que funciona como uma unidade autônoma, tendo diversos subsistemas que gerenciam todo o processo de exibição. Para o entendimento do “Gerenciador de Segurança” e seus subsistemas, são identificados diversos conceitos, dos quais transcreveremos os mais importantes: • “MArCAS LEGAIS” (Forensic Mark) – termo genérico usado para “marcas d’água”, impressão digital e/ou outras marcas utilizadas durante a exibição. Elas não previnem o roubo, mas auxiliam na sua detecção e na investigação dos violadores. • “MENSAGENS ExTErNAS” (ETM) – mensagens digitais enviadas pelo provedor dos conteúdos externo ao cinema. Têm apenas uma via, a de recebimento pelo cinema. • “MENSAGENS INTErNAS” (ITM) – mensagens digitais de segurança destinadas a um cinema, tendo uma via de recebimento e outra de resposta. Essas mensagens são os comandos de comunicação entre os servidores, os “Blocos de mídia” e os “Gerenciadores de Segurança”. • • “MENSAGEM DA rEMESSA DA CHAVE” (KDM) • – uma “Mensagem externa” que contém as “Chaves de acesso aos conteúdos”. • • “rEGISTrO DE LOG”– registros memorizados das operações do sistema de segurança. • “PrOPrIETÁrIO DOS DIrEITOS” – termo genérico usado para os detentores dos direitos do filme (produtor ou distribuidor). • “GERENCIADOR DE SEGURANÇA” (SM) – equipamentos que controlam os registros de segurança em conformidade a uma política definida. O SM é instalado em cada cinema e, portanto, suas referências são sempre unitárias, ligadas a um só cinema. A partir desses conceitos, descreveremos alguns dos principais processos de segurança do cinema digital do DCI: • g.1. Cada cinema tem um “Gerenciador de Segurança” (SM). Para exibir um filme, o SM exigirá uma “Chave de Acesso” que abre os arquivos criptografados. O SM é comum a todos os distribuidores. • • g.2. As “Chaves de Acesso” serão remetidas por uma “Mensagem de remessa de Chaves” (KDM), prevendo um prazo para a exibição do conteúdo. Uma “Chave de Acesso” tem prazo de início e de término da exibição estabelecidas mediante negociações entre o Exibidor e o Distribuidor. • g.3. O SM autenticará a identidade e a integridade dos equipamentos de segurança a cada apresentação e possibilitará o uso das “chaves” durante o período autorizado. • g.4. O SMS – SISTEMA OPERACIONAL DA EXIBIÇÃO (Vide e. Sistemas dos Cinemas) é projetado para cada sala e controlado pelo TMS – SISTEMA OPERACIONAL DO CINEMA. O SMS é homologado por um certificado de identificação que pode ser virtual ou físico, como um smart card. O TMS é, igualmente, certificado. Quando o operador utilizar o equipamento deverá se identificar com base na certificação ou por senhas. • g.5. O projetor e o “Bloco de Mídia/Gerenciador de Segurança” são registrados eletronicamente como “casados”. Esse estado é monitorado permanentemente, pois devem trabalhar sempre juntos. Não são permitidas exibições que desvinculem os dois elementos. Para trabalhos de manutenção, é necessário que os “casamentos” sejam quebrados por meio de uma programação por agentes autorizados. • g.6. As “marcas legais”, invisíveis ao espectador, devem transcrever os dados do conteúdo em exibição em tempo real, associado ao processamento do “Bloco de Mídia”. A identificação das marcas deve ser realizada pelo detentor dos direitos. As “marcas legais” de vem resistir a qualquer tipo de interferência, ao reprocessamento eletrônico ou analógico, mesmo que sejam mediante redução ou reformatação do quadro do filme. • g.7. Os sistemas de segurança devem ser registrados de forma que possam ser auditados com a verificação de todas as informações das exibições. • g.8. Os conteúdos são transportados com os sistemas de segurança, incluindo os sinais de criptografia. Os sistemas apresentam uma “robustez” em todos os níveis dos aparelhos e dos softwares que não permite o acesso sem a “Chave de Acesso”. • g.9. Os sistemas de segurança são projetados para rejeitar ataques físicos e virtuais a seus arquivos. Conhecidos os parâmetros que serão aplicados para as exibições digitais dos filmes pertencentes aos estúdios norte-americanos, os quais poderão ser aprimorados conforme o desenvolvimento tecnológico dos próximos anos, discutiremos no próximo capítulo os sistemas alternativos que estão sendo utilizados no Brasil. Capítulo III As Alternativas ao Sistema do DCI As Primeiras Experiências Brasileiras As primeiras experiências na instalação de cinemas com projeção digital ocorreram em 2000. Os estúdios DISNEY lançavam “FANTASIA 2000” em homenagem aos sessenta anos da obra-prima “Fantasia”. À parte as questões da sofisticada linguagem e da busca da perfeição de Disney na elaboração da obra-prima sexagenária, esta foi revolucionária na sua sonorização, introduzindo • o primeiro sistema de som estereofônico do cinema, numa época em que sequer era possível tê-lo em discos ou gravações magnéticas. O sistema de som FANTASOUND era composto de três pistas ópticas de som e uma pista de controle aplicada na película, que tinha a função de “processar” o som, abrindo e fechando os sistemas de amplificação conforme o andamento da ação. O som se reproduzia em alto-falantes atrás da tela, nas paredes laterais e no fundo da sala de exibição. O processo era extremamente caro e Walt Disney bancou sua instalação em dezenas de salas de exibição norte-americanas, avolumando o desastre financeiro deste lançamento que quase • o levou à bancarrota. Para produzir um impacto tão forte quanto • o seu antecessor buscou-se uma tecnologia emergente que fosse tão importante quanto o FANTASOUND. A apresentação pública do projetor digital DLPCINEMA tinha pouco mais de um ano e assombrara os participantes do SHOWEST com uma exibição de altíssima qualidade, tanto em termos de definição da imagem quanto na sua luminosidade e no contraste. Foi firmado, então, um acordo com a TEXAS INSTRUMENTS para fornecimento de aparelhos DLPCINEMA e com o fabricante de provedores digitais QUVIS, com o modelo QuBit, operando no sistema de compressão MPEG-2, para serem instalados em cerca de cem salas dos mais importantes circuitos dos Estados Unidos e cinquenta em cinemas da Inglaterra, Bélgica, França, Espanha, Alemanha e Japão. A empresa proprietária de Mickey Mouse bancou 50% dos custos e o restante ficou por conta dos exibidores. Dava-se • o chute inicial na implementação das exibições digitais em salas escolhidas com rigor, visando difundir uma “visita” ao futuro da indústria cinematográfica. O filme não teve boa receptividade junto ao público, tampouco com a crítica especializada. A tecnologia demonstrada, contudo, chamava a atenção, pois se identificava, enfim, uma projeção capaz de substituir aquelas realizadas com película em 35mm. Como se tratava de instalações caras com valores próximos a US$ 200.000, não receberam uma franca adesão para a abertura de outras salas. No Brasil, a TELEIMAGE, empresa pertencente ao GRUPO CASABLANCA, o mais bem equipado estúdio e laboratório digital de finalização do País, reproduziu a configuração utilizada nas instalações feitas para o lançamento de “Fantasia 2000”, ainda no ano de 2000. Foram instaladas duas cabines técnicas com os projetores CHRISTIE, modelo DCP-I, e o servidor EVS, exibindo filmes em padrão MPEG-2 em cinemas da UCI (Jardim Sul em São Paulo e New York Center City no Rio de Janeiro) e, logo mais, nos cinemas do GRUPO SEVERIANO RIBEIRO (Kinoplex Itaim, em São Paulo; Cines São Luiz, no Rio de Janeiro, e Kinoplex D.Pedro, em Campinas). Durante mais de dois anos estes cinemas exibiram filmes nacionais e dos estúdios norte-americanos, como “Deus é brasileiro”, “Cidade de Deus”, “Colateral”, “Matrix”, “Matrix Reloaded” e “A era do gelo”, mediante matrizes remetidas dos EUA ou de matrizes produzidas por telecinagens da TELEIMAGE. O público reagia com entusiasmo a estas exibições, reclamando quando os filmes projetados nestas salas eram analógicos. As salas com os projetores CHRISTIE tinham uma frequência média quase 35% superior quando o mesmo filme era projetado em outras salas do mesmo multiplex. Não bastasse a aprovação do público, a TELEIMAGE obtivera patrocínios da INTEL e da GRADIENTE, suficientes para bancar as três primeiras cabines de projeção instaladas. A Proposta da rain Networks Com a criação do DCI, o fornecimento de filmes dos selos internacionais foi diminuindo, ficando a exibição da TELEIMAGE restrita aos filmes nacionais. No mesmo tempo em que a oferta de filmes para o padrão MPEG-2 era restringida, lançava-se no Brasil o sistema de projeção digital da RAIN NETWORKS, empresa ligada aos estúdios MEGA, concorrente da TELEIMAGE. Esse fornecedor tecnológico optou pelo uso de softwares operacionais próprios, o qual designou KINOCAST. A plataforma divulgada no Festival do Rio de 20021 utiliza o programa WINDOWS MEDIA PLAYER 9 como fonte principal, operando, portanto, com o sistema de compressão MPEG-4. Os projetores são DLP de 3chips, sem ser contudo na versão DLPCINEMA, tendo um custo até 75% inferior à versão específica produzida para as salas de cinema. Os servidores são de concepção própria da RAIN, pela adaptação de processadores comuns. Inicialmente os executivos da empresa divulgaram que pretendiam ser uma alternativa aos caros e sofisticados sistemas de projeção que vinham sendo apresentados nos EUA e na Europa. Divulgaram em 2003 que investiriam US$ 100 milhões, atendendo inicialmente a 300 novas localidades brasileiras, podendo atingir um total de 2.0002. Como o Brasil é carente em número de salas, o sistema foi bem aceito: tinha uma boa qualidade técnica e se propunha ser adotado por um grande número de exibidores gerando a redução de seus custos. Contava-se com a adesão dos grandes estúdios a esta proposição que resultaria numa expansão econômica do mercado exibidor brasileiro, à época, com 1.817 telas. O sistema RAIN NETWORKS representava um serviço propenso a expandir o circuito exibidor brasileiro. Os planos da RAIN tiveram que ser mudados antes mesmo de seu lançamento comercial. A formação do DCI pelas majors e a suspensão do fornecimento de conteúdos digitais batiam de frente com os planos do novo provedor. A parceria com a MICROSOFT no arcabouço tecnológico afastava a possibilidade de operar com os filmes das majors. Hollywood quer a empresa de Bill Gates o mais distante possível. Se a configuração dos equipamentos instalados pela TELEIMAGE operando com as mesmas condições de outros cinemas dos mais importantes mercados mundiais tinha o fornecimento de filmes comprometido, imaginem as objeções estabelecidas para um sistema operacional mais simples e universal. Sendo assim, a RAIN viu-se obrigada a dirigir seus esforços para os mercados de “filmes de arte” e das produções nacionais. O objetivo da RAIN passou a ser a “democratização do acesso”, por meio da distribuição do cinema independente e de conteúdos alternativos. Sua viabilização econômica, diferentemente do que se discute com os grandes estúdios e distribuidoras, baseia-se na veiculação publicitária nas telas dos cinemas e em monitores instalados nos foyers, responsáveis pela quase totalidade do faturamento da empresa, bancando diretamente o financiamento da cara operação da digitalização e projeção dos filmes de longa-metragem. A atuação da RAIN NETWORKS expandiu-se rapidamente devido aos seus conceitos inovadores. Para atender ao mercado publicitário, instalou uma extensa rede de comunicações e transmissões de sinais por satélite e projetores nas salas de cinema, monitorados a distância por uma central de operações instalada em São Paulo-Capital. Algumas receberam sofisticados projetores DLP de 3chips, destinados a exibir os longas-metragens. Outras receberam projetores LCD e, posteriormente, DLP de um chip destinados a exibir exclusivamente a publicidade. Além de estruturar uma moderna e eficiente rede, criaram políticas de exibição da publicidade na tela que quebraram os parâmetros que vigoraram no mercado há décadas. O mais eficiente foi a possibilidade de se fazer veiculações “apontadas”, ou seja, um anunciante pode fazer veiculações apenas nas sessões que desejar, autorizando-as com antecedência de poucas horas, já que a entrega do material é feita por transmissões a distância. Até então, para se anunciar nos cinemas, era necessário autorizar as veiculações em todas as sessões de todos os dias de uma “cine-semana”. Em termos mais claros, o comercial é exibido em todas as sessões de um cinema, desde o dia de início da “semana cinematográfica”, a sexta-feira, até o último dia desta “semana”, a quinta-feira subsequente. Como Funciona o Sistema rain A adesão dos circuitos exibidores ao sistema RAIN foi gradual, atingindo primeiramente aqueles que seriam beneficiados pela maior disponibilidade de “filmes de arte”. Estes passaram a ter menor custo, visto que para estes lançamentos eram importadas até seis cópias, como está previsto na legislação brasileira. A autorização de se trazer cópias do Exterior3 é um inegável benefício para esses filmes com um público limitado, sendo que as cópias importadas possuem um alto custo de confecção nos laboratórios estrangeiros, em especial os europeus, majorado pelas tabelas de preços de serviços que punem a reprodução em baixa escala. Os cinemas do circuito ESPAÇO UNIBANCO, do ARTEPLEX e do ESTAÇÃO foram dos primeiros a utilizar as projeções digitais da RAIN, tanto no que se refere à publicidade quanto à exibição de longas-metragens. É importante frisar que eles tinham boas frequências, mas não recebiam proporcionais volumes de veiculações comerciais, sendo ignoradas as características da invejável qualificação sociocultural de seus espectadores, definidas nas pesquisas destinadas ao consumo de bens como integrantes das classes A e B. As veiculações publicitárias eram direcionadas para os cinemas exibidores de blockbusters. Além de consumidores com alto potencial de compra, os frequentadores dos “cinemas de arte” são formadores de opinião, visto que são professores, profissionais liberais, funcionários públicos, enfim, segmentos expressivos que vinham sendo ignorados pelas agências de propaganda. Rapidamente os produtores brasileiros, inclusive os que tinham filmes coproduzidos e distribuídos por meio do art. 3º da Lei do Audiovisual4, perceberam que a transmissão dos sinais representava uma significativa redução de custos de produção de cópias cinematográficas. Os distribuidores independentes de filmes estrangeiros adotaram, também, a exibição de seus filmes mediante um regime que prevê pagamentos conforme o número de sessões efetivas do filme. A atual tabela de preços dos serviços de exibição varia conforme o número de sessões contratadas, tendo como patamar mínimo a compra de cem sessões, e estabelece, outrossim, um “teto máximo” de cobrança, conforme se exibe o mesmo filme em um maior número de salas simultaneamente. A tabela abaixo apresentada é a que está em vigor (abril 2009): 3.601o 6.000o 11,00 6.001o 9.600o 9,00 Estabelece-se, também, um limite de cobrança do número de sessões dos filmes, calculado pelo número máximo de salas simultâneas durante toda a carreira do filme. Incentiva-se a adoção de um maior número de sessões, ao mesmo tempo que se pretende aumentar o número de salas exibidoras: Salas Custo máximo (r$) 123456789101112 2.200,00 4.400,00 6.600,00 8.800,00 11.000,00 13.200,00 15.400,00 17.600,00 19.800,00 22.000,00 24.200,00 26.400,00 Salas Custo máximo (r$) Além dos custos por sessões, limitados pelo número de salas exibidoras simultâneas, são cobradas ainda as taxas de “encoding” num valor de R$ 2.200,00 e a inserção de legendas no valor de R$ 600,00. O segundo ciclo de contratação da RAIN NETWORKS foi com os exibidores de médio e grande portes que, por operarem salas em cidades médias e nas regiões periféricas das capitais, têm dificuldades em obter cópias para os grandes lançamentos de filmes nacionais. Como os produtores brasileiros liberam a confecção de cópias digitais, estes cinemas passaram a se beneficiar com o fornecimento de filmes que teriam dificuldades em lançar simultaneamente às salas de maior rentabilidade dos grandes centros. Além de receberem cópias dos filmes brasileiros, essas salas passaram a lançar simultaneamente os “filmes de arte” nas praças que tinham plateias, antecipando a chegada de filmes que demoravam meses para ser lançados nas cidades devido ao baixo número de cópias. Aderiram ao sistema RAIN algumas salas dos circuitos MOVIECOM, ARCO-ÍRIS, salas HSBC, as do RESERVA CULTURAL, ambas em São Paulo; às da ACADEMIA DE TÊNIS de Brasília; às do circuito EMBRACINE (Belo Horizonte e Brasília); da LUMIÉRE, em Goiânia; da VITÓRIA CINEMATOGRÁFICA em Curitiba; da ART FILMS no Rio de Janeiro e Belo Horizonte; os da CINE BOX em São Luís do Maranhão, João Pessoa, Campinas, Jaboatão dos Guararapes, São Gonçalo e São Paulo e uma série de salas independentes. Desta forma, o sistema RAIN, conforme informações fornecidas em julho de 2008, cobre quinze circuitos de exibição com cerca de 530 salas de cinema, das quais cerca de 225 estavam habilitadas a exibir publicidade na tela e pouco mais de 100 podiam exibir longasmetragens. Em termos percentuais, os circuitos que aderiram ao sistema representam quase 20% da arrecadação nacional. O montante faturado nas veiculações publicitárias superava R$ 15 milhões, sendo que quase metade destes auferidas pelos circuitos ESPAÇO UNIBANCO e ARTEPLEX. Por conta dos serviços de encoding e do fornecimento de cópias virtuais, avalia-se que o faturamento tenha atingido R$ 500.000,00. A operação publicitária é que viabiliza a atividade de fornecimento de conteúdos e sinais, no mesmo formato adotado tradicionalmente pelas emissoras de rádio e televisão, jornais ou internet. A Teoria da “Cauda Longa” Os grandes circuitos exibidores com salas instaladas nos grandes centros que representam quase 65% da arrecadação nacional não aderiram ao sistema RAIN. Ficaram de fora a líder CINEMARK (que deteve, em 2007, 27,9%% da arrecadação), o GRUPO SEVERIANO RIBEIRO (com 14,6%), a UCI (com 9%), o CIRCUITO ARAÚJO (com 5,9%), a CINESYSTEM (com 2,1%), a GNC (com 2,2%), a PLAYARTE (com 1,7%) e a PARIS FILMES (com 1,1%)5. Somados aos circuitos menores que não aderiram ao sistema RAIN, tem-se uma participação maior que 80% do mercado nacional. A não adesão dos grandes circuitos deve-se à vinculação da exibição dos conteúdos com a exclusividade na exploração dos espaços publicitários que é contratada com outras empresas, como a KINOMAXX, líder no faturamento do segmento com um faturamento, em 2008, de aproximadamente R$ 35.000.000,00, e a CIRCUITO DIGITAL, que explora as salas do GRUPO SEVERIANO RIBEIRO, da CINESYSTEM e da PARIS FILMES, com um faturamento de aproximadamente R$ 13.500.000,00. Outras empresas de menor porte, muitas vezes de propriedade do próprio exibidor, exploram a publicidade na tela regional, totalizando um faturamento estimado em R$ 4.000.000,00. Por diversas vezes, a RAIN NETWORKS divulgou sua participação em concorrências internacionais. A primeira foi para a digitalização de 250 salas de cinema inglesas, com a liberação de uma verba de £ 11,5 milhões, visando à exibição de filmes ingleses, conteúdos de cunho cultural e filmes de cinematografias estrangeiras, realizada pelo UK FILM COUNCIL, o instituto de cinema inglês. Em fevereiro de 2005, foi divulgado o resultado da concorrência com a vitória da AAM (ARTS ALLIANCE MEDIA), o maior provedor de conteúdos alternativos e de cinemas digitais no padrão DCI na Europa. Em 2006, com o lançamento do livro “A cauda longa” (The long tail), de Cris Anderson, a RAIN passou a se divulgar como seguidora da teoria. Por ela, com a alteração dos meios de distribuição de bens, principalmente com a introdução das vendas por “lojas virtuais”, os produtos que teriam uma baixa capacidade de vendagem por meio da exposição tradicional passam a ser atrativos. Os produtos hits continuam a ter sua presença garantida nos pontos-de-venda, porém os destinados a nichos de mercados encontram volumes de vendas majorados pela demanda somada das novas “lojas”. A teoria desenvolvida por Cris Anderson, editor da revista “Wired”, baseiase nos princípios da “Curva de Pareto”, adotada em modelos estatísticos para a identificação de variáveis em uma pesquisa científica. Amplamente utilizada em desenvolvimento de produtos e nos centros de pesquisa acadêmicos, quantifica-se a incidência de um fator (ou variável) e descartam-se aqueles que não alterarão os resultados finais, pois não representam valores significativos. Anderson argumenta que, em uma sociedade globalizada, atendida por meios digitais que atingem grandes populações distribuídas em longínquos territórios, porém com capacidade para adquirir um produto pela internet, os fatores desprezados podem representar grandes somas: A teoria da Cauda Longa diz que nossa cultura e economia estão mudando do foco de um relativo pequeno número de “hits” (produtos que vendem muito no grande mercado) no topo da curva de demanda, para um grande número de nichos na cauda. Como o custo de produção e distribuição caiu, especialmente nas transações online, agora é menos necessário massificar produtos em um único formato e tamanho para consumidores. Em uma era sem problema de espaço nas prateleiras e sem gargalos de distribuição, produtos e serviços segmentados podem ser economicamente tão atrativos quanto produtos de massa. (Entrevista à Revista Época, em 01/09/2006). Desdequeentrouemoperações,aRAINNETWORKS exibiu, pelos seus sistemas, mais de 200 filmes de variadas empresas de distribuição ou distribuídos diretamente pelos seus produtores (CASA DE CINEMA, CARLOS MENDES e ALEXANDRE STOCKLER) e filmes de majors, como a COLUMBIA ou a FOX FILMS. Destes, mais da metade são produções brasileiras. Assistiu-se à explosão de filmes captados e editados em formato digital que se viram possibilitados de chegar às telas dos cinemas com os sistemas da RAIN, muitas vezes sendo ofertados exclusivamente por meio do sistema digital. Dezenas de documentários têm sido produzidas em decorrência da existência da tecnologia e a facilidade de exibição neste circuito. O caso do lançamento de “CARTOLA”, codirigido por Hilton Lacerda e Lírio Ferreira e produzido pela experiente produtora Clélia Bessa, ficou bastante conhecido, pois dispôs de apenas três cópias em 35 mm. Exibido em dezenas de salas do circuito, atingiu um público total de 64.000 espectadores, colocando-se entre as 20 maiores frequências das produções brasileiras em 2007. Muitos outros filmes, sem maiores pretensões de atendimento ao mercado comercial, têm sido lançados exclusivamente em salas com o sistema da RAIN, como ocorreu com o filme “Gomorra”, distribuído pela PARIS FILMES, lançado com uma única cópia em película e dezenas digitais. A Moviemobz Nos meados de 2008, a RAIN anunciou a abertura de uma empresa coligada, a MOVIEMOBZ que, de formaconcreta, confirmavaa intenção deatuar nos mercados esquecidos pelos distribuidores, como se formulava na teoria da “cauda longa”. Trata-se de uma distribuidora de conteúdos voltada a atender ao mercado exibidor com um novo modelo de negócios. Recebeu como sócio Marco Aurélio Marcondes, reconhecido profissional que já dirigiu a distribuidoradaEMBRAFILMEequeteveconsórcios de distribuição com os circuitos exibidores ART FILMS e GRUPO SEVERIANO RIBEIRO; foi fundador da GLOBOFILMES e teve sociedade, até recentemente, com a distribuidora EUROPA FILMES. A distribuidora anunciada não trabalhará no formato tradicional de mercado, mas sim, atendendo às demandas específicas, como, por exemplo, viabilizar a exibição de filmes clássicos ou fora de catálogo das distribuidoras, sob solicitação de possíveis espectadores mediante consultas à internet, criando um conceito de “cinema on demand”, como designaram seus sócios nas entrevistas de lançamento da marca. Rapidamente, constituíram um catálogo com mais de 200 títulos, compostos tanto por títulos que já haviam sido lançados como de clássicos adquiridos exclusivamente para a operação via sistema RAIN. Um sítio eletrônico, www.moviemobz.com.br, foi montado. Nele, o usuário pode opinar, votar, sugerir os filmes que deseja ver. É, também, um sítio de relacionamento, em que há dezenas de redirecionamentos a blogs especializados que tanto podem estar envolvidas com o cinema (gêneros, diretores, atores, etc.) quanto com times de futebol ou bairros, estados, escolas, protesto (“eu odeio”)... Quando se constitui um grupo suficiente para ofertar o filme, os usuários são avisados das sessões programadas que, em geral, utilizam os horários de baixa rentabilidade dos cinemas. A distribuidora pretende, ainda, ofertar outros conteúdos destinados a segmentos específicos de mercado, como a temporada do METROPOLITAN OPERA, de Nova Iorque, adquirida para exibição pública e que já é promovida em diversas capitais do País. Lançou, também, alguns musicais como “Abba, o filme”, “Titãs, a vida até parece uma festa” e o documentário “Novo século americano – um táxi para a escuridão”. As operações da nova empresa estendem-se a circuitos que não utilizam o sistema RAIN NETWORKS: a PLAYARTE (com salas nos multiplexes Bristol, Plaza Sul e Iguatemi em São Paulo); CINEMARK (no Market Place e Eldorado em São Paulo) e UCI (Jardim Sul, São Paulo). A MOVIEMOBZ anunciou, também, que suas operações devem ser estendidas para o “video on demand”, baixado por download remunerado da internet e que devem ser ofertadas para outros países da América Latina. No III FICAV (Feira Internacional do Cinema e Audiovisual), realizada em setembro de 2008, o presidente da RAIN NETWORKS, José Eduardo Ferrão, anunciou que a empresa passaria a trabalhar, também, com os sistemas no padrão DCI e, ainda, no formato 3D com a tecnologia XPAND. Para tanto, associara-se à NEC para o fornecimento dos projetores 2K de resolução e ao fabricante de servidores DOREMI, estando habilitados a exibir filmes nos padrões JPEG 2000, MPEG-4, MPEG-2 e VC-1 SMPTE. Sugeriu, por último, que a formulação do financiamento seria baseada em soluções que independessem das remunerações pagas pelos distribuidores6. Difusão Cultural e Cineclubismo Atingir o público de baixa renda que não tem acesso aos cinemas comerciais; difundir a produção de conteúdos regionais; valorizar a exibição de filmes brasileiros e incentivar a difusão de filmes procedentes de outras origens que não são comumente aceitas pelo circuito comercial são metas propostas pelas políticas culturais do atual Governo Federal. Iniciativas semelhantes têm sido adotadas por alguns governos estaduais, muitas vezes, operadas em proximidade com as administrações de municípios que dispõem dos espaços físicos necessários. Salas Oscarito O primeiro projeto com efetivo sucesso foi viabilizado durante a gestão do Governador Garotinho, no Estado do Rio de Janeiro, que implantou diversos eventos de características populares visando atingir a população de baixa renda. Dentre outros planos como a venda de remédios, cortes de cabelo, refeições e produtos alimentícios, todos com preços fixos de R$ 1,00, surgiu um projeto de mais longo prazo, planejado e implantado pelos esforços pessoais da Subsecretária de Cultura, Carmen Vargas. Buscou apoio das Prefeituras Municipais, fazendo com que fossem recuperados prédios históricos, em especial estações ferroviárias abandonadas. Lá, foram instalados centros culturais com uma sala de exibição com equipamentos bastante simples: reprodutores de DVDs e projetores de LCD com 2.000 ANSI Lumen. Os filmes a serem exibidos foram autorizados pelos seus produtores, sem a cobrança de aluguéis ou royalties, obtendo, posteriormente, a autorização expressa da MPAA (Motion Pictures Association of América) para exibir nessas condições os filmes brasileiros distribuídos pelos distribuidores norte-americanos. As salas inauguradas sempre homenageavam uma importante figura da cinematografia brasileira. O projeto, como um todo, foi denominado por SALAS OSCARITO. Abaixo, transcrevemos a relação das salas instaladas: Nome Cidade Ankito Paschoal Guida Luiz Carlos Barreto Abelardo Barbosa Lali Monteiro Humberto Mauro Cacá Diegues Cláudio McDowell Oswaldo Motta Anselmo Duarte Limite Mário Peixoto Zelito Viana Carlos Cachaça NelsonPereiradosSantos rio das Flores Dercy Gonçalves renato Aragão Jayme Coelho Sílvio Tendler Belford Roxo Macacu Carapebus Cardoso Moreira Carmo Casimiro de Abreu Duas Barras Eng.Paulo de Frontin Itatiaia Japeri Mangaratiba Mesquita Mangueira – Rio de Janeiro Jacarezinho – Rio de Janeiro Rio das Flores Santa Maria Madalena Santo Antônio de Pádua São Fidélis São João do Meriti As SALAS OSCARITO7 atingiram um público total estimado de 450.000 espectadores desde a abertura da primeira sala de exibição, em 2003. Atingiu 120.000 espectadores no ano de 20078. Em julho de 2007, a ASCINE (Associação de Cineclubes do Rio de Janeiro) e a ABD&C (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas) solicitaram ao então Secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, a utilização das SALAS OSCARITO para o uso como oficinas cineclubistas e de realização cinematográfica, pedido este parcialmente atendido. Em janeiro de 2008, o Subsecretário de Cultura, Carlos Guimarães, durante a 2a Audiência Pública do Grupo de Apoio ao Audiovisual, anunciou o abandono da participação do governo do Estado do Rio de Janeiro no referido projeto, transferindo as administrações para associações da sociedade civil. Pop Cine Trajetória bastante parecida, incapaz de superar as transferências de mandatos de governos eleitos no âmbito estadual, teve o projeto POP CINE. Incentivado pelo cineasta João Batista de Andrade, secretário de Cultura do Governo Alckmin (Estado de São Paulo), pretendiam-se abrir 35 salas digitais no interior do Estado, usando prédios de cinemas fechados. Tratava-se de um projeto piloto elaborado pelo CNC – Conselho Nacional de CineClubes, por meio da liderança de um dos mais antigos militantes do movimento, Filipe Bacelar. O CNC pretendia “exportar” o modelo para outros Estados brasileiros, divulgando, inclusive, as primeiras sondagens em Goiânia. Inauguraramse as duas primeiras salas em um local histórico da capital paulista, na Rua Maria Antonia. É uma região amplamente frequentada por estudantes que moram na região devido à farta oferta de imóveis com baixo valor de aluguel. Nas cercanias da Universidade Mackenzie e da antiga Escola de Filosofia da USP, atualmente um Centro Cultural, há dezenas de bares e teatros que atendem aos moradores da região. Os cinemas tiveram relativo sucesso, não sobrevivendo, contudo, à retirada de apoio financeiro do novo governo estadual no ano subsequente à sua abertura. Circuito Cultural do Paraná No Paraná, conforme foi anunciado em julho de 2006, o governo do Estado lançou o projeto “Circuito Cultural do Paraná”. Com recursos do Fundo Estadual de Desenvolvimento Urbano e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), recupera os cinemas ou teatros decadentes do interior para usos múltiplos, podendo exibir filmes, apresentações culturais, conferências, peças teatrais e shows. A iniciativa é feita em uma parceria do governo do Estado com as Prefeituras Municipais, em que a esfera estadual faz os investimentos de recuperação do imóvel, instala os equipamentos, contrata os conteúdos a serem exibidos, programa a rede integrada de centros culturais e transmite a programação. Às Prefeituras cabe o gerenciamento do cotidiano das operações e da manutenção dos imóveis e dos equipamentos. Receberam projetores semelhantes aos que a RAIN vem utilizando (PANASONIC DW 7000), que são operados por uma rede de transmissão por uma central instalada no Teatro Guaíra de Curitiba, onde está instalada a equipe que faz a programação a ser veiculada. Os cinemas compõem a Rede Estadual de Cinema, que faz duas sessões por semana, exibindo um longa-metragem brasileiro e um curta-metragem paranaense. Em Curitiba, os auditórios da Cinemateca da Fundação Cultural e o do Museu Oscar Niemeyer (MON) receberam equipamentos digitais semelhantes. Os demais auditórios contemplados foram anunciados em julho de 2006, em festividade com a presença do Governador do Estado: Nome do “cine-teatro” Cidade Nos dois anos subsequentes foram integrados ao “Circuito Cultural do Paraná” o Centro Esportivo Pinheirão, situado na capital do Estado, e o recém-recuperado Cine-Teatro de Paranaguá, que receberam os mesmos equipamentos dos outros. A programação dos cinemas é realizada pelo Núcleo de Gestão do Circuito Cultural do Paraná, subordinada à Secretaria de Cultura, privilegiando filmes paranaenses e de outros Estados que não tenham tido bom acesso ao circuito comercial, como o documentário neozelandês “Encantadora de baleias” (Whale Rider) dirigido por Niki Caro, “A marcha dos pinguins” (La marche de L’Empereur) de Luc Jacquet e “Cafundó”, dirigido pelo ator Paulo Betti. Nos espaços culturais são realizados, também, concertos sinfônicos, shows musicais, palestras e peças de teatro. Pontos de Difusão do MinC No âmbito federal, as iniciativas de montagem de salas digitais voltadas à difusão de conteúdos nacionais ou educativos tomaram força com os Pontos de Cultura do Programa “Cultura Viva”. São organizações da sociedade civil que firmam convênio com o Ministério da Cultura visando impulsionar as ações das comunidades. Uma parte dos investimentos realizados pelo MINC é destinada à aquisição de equipamentos multimídias: microcomputador, miniestúdio para gravar CD, câmara digital e ilha de edição. Não foi divulgado o número total destas 650 instalações que receberam projetores digitais. Um outro projeto do MinC, lançado pela SAV (Secretaria do Audiovisual), divulgou um edital para a instalação de “Pontos de difusão”, que consistem na instalação de Infraestrutura de Exibição Audiovisual com Tecnologia Digital. Visa o apoio à difusão da produção audiovisual brasileira, por intermédio da exibição nãocomercial de filmes e obras audiovisuais, e contribuir para a formação de público. Com essa iniciativa, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAV/MinC) também busca recuperar a dimensão cultural do cinema junto ao movimento cineclubista9. O Anexo II do Regulamento dos Pontos de Difusão Digital constante no sítio eletrônico do MINC sugeriu a seguinte configuração básica destes equipamentos aos candidatos à licitação: • Projetor com 2.000 ANSI LUMENs • Aparelho reprodutor de DVD/VCD/RWDV • Mesa de som com 4 canais • 4 caixas amplificadas/ativa com 250 w, alto-falantes de 8 ou 15 polegadas • Tela com pedestal de 3 x 4 metros • 2 microfones sem fio e diversos cabos para instalação. Cem instituições, entre elas cineclubes e organismos culturais (universidades, prefeituras, associações rurais, grupos de estudos, museus, associações estudantis, associações artísticas, oficinas de arte, observatórios e secretarias de cultura) localizados em praticamente todo o território nacional, foram premiadas. O Secretário do AudioVisual do Ministério da Cultura (MinC), Sílvio Da-Rin, em uma entrevista, declarou que pretende abrir outros 200 pontosde-difusão, para a exibição de conteúdos nacionais, criando, inclusive, uma distribuidora para colocar filmes e programas à sua disposição10 . Em fevereiro de 2009, foi aberto um novo edital para o atendimento de mais cem “pontos”, agora designados “Cines + Cultura”. Destacou-se que, com o objetivo de democratizar e regionalizar a difusão do audiovisual, o Cine + Cultura possibilitará ainda a contabilização de público de sessões não comerciais em todo o território nacional – em escolas, espaços culturais, cineclubes, na rede SESC e em mostras e festivais – por meio de um site com um banco de dados. Duas especificações diferenciaram os equipamentos listados: o aumento da luminosidade para 2.200 lumens e a introdução de uma câmera de filmagem digital modelo mini-dv 3 ccd (Panasonic, modelo NV-GS32PL-S), configurando a tendência de que se pretende o desenvolvimento da produção de conteúdos nesses novos centros de difusão cultural que atuarão como “oficinas de cinema”. Uma central que forneça os conteúdos a serem exibidos foi estruturada dentro da Secretaria. Chama-se Programadora Brasil e está conveniada com o CTAV – Centro Técnico Audiovisual que lhe fornece materiais para exibição. No edital de 2009, além dos equipamentos, os vencedores receberão CDs que contêm 330 obras que estão previamente autorizadas para a exibição pública. A exibição desses conteúdos não é obrigatória, sendo exigência, contudo, que se exiba ao menos 60% da programação de produtos brasileiros. O Ponto-Cine Em uma de minhas aulas na Fundação Getúlio Vargas, citei o PONTO CINE como exemplo de cinema popular que utiliza a tecnologia digital para viabilizar uma política de exibição cinematográfica própria, voltada à população local. Alguém me perguntou onde ficava e a que público atendia. A minha resposta foi espontânea, porém muito estranha. Ficava em Guadalupe, um ponto triangulado entre São João do Meriti, Del Castilho e Bangu. Uma das alunas, professora universitária que ministra aulas na região, interrompeu-me e me perguntou se eu conhecia os subúrbios do Rio de Janeiro. Não conheço tão bem como deveria, mas o suficiente para saber onde está Guadalupe. A identificação pontual e microgeográfica é que não faz parte do meu trabalho, em que uma das tarefas é avaliar a potencialidade econômica de um local específico para a abertura de cinemas, ou mais especificamente multiplexes. Para tanto, trabalhamos com os conceitos oriundos de pesquisas mercadológicas que traçam as zonas de influência primárias, secundárias e terciárias, que são aquelas em que se situam os consumidores de um shopping center ou de um centro de varejo. São calculadas em forma de círculos concêntricos que variam conforme as rotas de tráfego, normalmente compostas de avenidas e estradas. O último raio pode ter um alcance de até cinco quilômetros traçados a partir do ponto de referência, em linha reta. São distâncias enormes. Na Grande Rio de Janeiro, com a pouca disponibilidade de cinemas, tornou-se comum que espectadores viajem até 15 quilômetros para ver um filme na tela grande. Diferentemente de São Paulo que possui, hoje, uma teia de cinemas que cobre satisfatoriamente grande parcela dos bairros, a Grande Rio de Janeiro é deficiente nesta oferta. Por que vivo a falar do PONTO CINE? Porque é o mais bem-sucedido projeto de cinema popular do País, envolvendo uma parceria entre a iniciativa privada, representada por uma associação sem fins lucrativos, e o Estado, por meio do aporte de recursos pelas leis de incentivo, dentro de condições normais e sem privilégios. O cinema, que não se pretende enquanto centro cultural ou outros rótulos de prestígio, foi estruturado como a “primeira sala popular de cinema digital do Brasil”, ganhando mais tarde, por meio de elogios dos próprios espectadores, o rótulo de “o cinema mais simpático do Rio”. O que me chamou a atenção não foi, contudo, o charme tecnológico ou a relação de proximidade com seu espectador, mas sim a visão de que ser “cinema popular” não representa contar com a condescendência dos frequentadores, que aceitam as más condições técnicas e físicas da sala pela afetividade, como ocorre com a maior parte dos cineclubes ou dos “cinemas de arte”. O PONTO CINE encontra-se em um local de fácil acesso da região, dentro de um conjunto comercial importante e oferece serviços, no mínimo, comparáveis com os melhores cinemas da cidade. As primeiras poltronas de couro instaladas na cidade foram lá, totalizando 75 assentos dispostos em arquibancadas. Tem uma sonorização de qualidade e equipamentos digitais correspondentes aos que a RAIN NETWORKS oferece nos cinemas que exibem longas-metragens. Enfim, o PONTO CINE privilegia o espetáculo e o público encontra em sua sala uma experiência completa e bem-sucedida equivalente aos melhores cinemas da cidade. O cinema oferece eventos, cursos e festivais através parcerias de patrocínio. A PETROBRAS é uma das incentivadoras de projetos, principalmente aqueles voltados à formação de plateias. Outra parceria vem da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, visando à formação de cineclubes e núcleos de cinema comunitários ou para escolas dos bairros vizinhos. A programação é constituída basicamente de filmes brasileiros e, em minoria, filmes de nacionalidades que não são exibidos nos cinemas da Zona Norte e Baixada Fluminense do Rio de Janeiro11. O conceito de filme nacional é bastante diferenciado dos praticados nos demais cinemas, colocando nas telas não apenas os filmes de longa-metragem, como médias-metragens e curtas, muitas vezes produzidos por comunidades ou associações regionais. Para promover e divulgar as sessões e as atividades são utilizados os mais heterodoxos meios de comunicação, a começar pela própria imprensa, passando pelo uso de uma van que percorre praças, escolas e bailes funk mostrando trailers. Usa, também, as rádios comunitárias da região. Para cada tipo de evento cobra preços de ingressos diferenciados, muitas vezes gratuito. O preço máximo da inteira é de R$ 6,00. O alcance e o destaque da atividade do PONTO CINE atraem cineastas e atores que comparecem aos debates após a exibição de seus filmes em lançamento ou em retrospectivas, como foram os casos dos veteranos Roberto Farias, Cacá Diegues, Paulo Thiago e estreantes como Paulo Pons. Em 2007 e 2008, ao participar do Prêmio Adicional de Rendas da ANCINE, o PONTO CINE foi considerado o cinema que mais exibe filmes brasileiros no País. Adailton Medeiros, o diretor executivo do cinema, recebeu o prêmio “Faz diferença – Categoria Cinema”, patrocinado pelo O GLOBO. A sistemática de eleição dessa premiação começa com a primeira indicação de três nomes feita pelos quinze editores setoriais do jornal. Depois, são submetidos a um júri de cinco votos, composto de três jornalistas do GLOBO (Artur Xexéo, Arthur Dapieve e Arnaldo Bloch), do vencedor do ano anterior (Selton Mello) e do voto popular pela internet. Os dois outros indicados foram a produtora Mariza Leão (“Meu nome não é Johnny”, “Zuzu Angel”, “Salve Geral”, “Canudos”, entre outros) e o diretor Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”, “O jardineiro fiel” e “Ensaio sobre a Cegueira”). Adailton não só recebeu a maioria dos votos populares, mas também fortes expressões de personalidades do meio cultural que avalizaram seus méritos e serviços. Embora o PONTO CINE não faça parte de um sistema, de um projeto extensivo ou de um circuito, não poderíamos deixar de citá-lo como modelo a ser seguido, buscando no esforço do corpo-acorpo com segmentos da população e que obras diferenciadas acessem salas de cinema. Resta-nos torcer que trabalhos como este repliquem por todos os cantos, confirmando as amplas possibilidades da democratização da informação e dos conteúdos na sociedade brasileira. Capítulo IV O Cinema 3D O alto desempenho do chip DMD dos projetores digitais DLPCINEMA tornou viável um dos projetos mais ambicionados e, proporcionalmente, mais frustrados da história do cinema: o de realizar projeções tridimensionais1. As primeiras experiências com fotos em 3D ocorreram no final do século XIX. No cinema, nos meados da década de 1910 já se assistiam às primeiras experiências cinematográficas no formato. Utilizava o princípio da estereoscopia visual, que consiste em se gerar simultaneamente duas imagens iguais do mesmo objeto, porém tomadas com pequena variação angular, que corresponde às diferenças de cada olho em relação ao objeto visto. O cérebro faz com que as imagens se sobreponham e se visualizem imagens tridimensionais. Foram realizados diversos filmes de curta e longa-metragens com a tecnologia designada “anaglífica”, porém com resultados insatisfatórios. Até a década de 60, filmava-se e se projetava com duas películas captadas simultaneamente, porém, com filtros que as contrastavam com diferentes cores básicas, como o cyan e o vermelho. Dois projetores sincronizados por um eixo central, que fazia a tração de ambos em igual tensão e velocidade, expunham as duas películas como se fossem uma única imagem. Usando-se óculos com uma lente cyan e outra vermelha, obtinha-se uma imagem com volume, transmitindo a sensação do realismo dimensional. Os problemas advindos de tais técnicas encontravam-se na dificuldade de se obter imagens com distanciamentos corretos para a visualização contínua pelos dois olhos e, ainda, em se dispor os dois projetores em perfeito enfoque. Pequenos desvios na sobreposição das imagens, muitas vezes ocasionados pelo simples movimento da cabeça do espectador, levavam à não conjugação das imagens, criando fantasmas e distorções. Acrescentava-se a estas dificuldades a necessidade de os dois rolos estarem perfeitamente montados, com pontos de sincronias precisos, tarefa dificultada pelo uso intensivo do filme que se desgastava desproporcionalmente, agravada pela eventual perda de fotogramas que tinham que ser igualmente compensados no rolo equivalente. Na Onda dos Superformatos No final dos anos 50, quando do surgimento de outras tecnologias de grande formato como o TODD-AO, o VISTAVISION, ambos em 70mm, o CINERAMA, com três projetores sincrônicos em 35mm, e do cinemascope, também em 35mm, algumas técnicas de sobreimpressão foram desenvolvidas permitindo a obtenção de imagens tridimensionais mediante trucagens ópticas. Desta forma, tinha-se uma única película de 35 mm com as duas imagens polarizadas. Evitavase, assim, a perda de sincronia, já que eram projetadas em um único projetor. As projeções eram precárias, por mais avançados que fossem tais recursos para a época, sendo a principal deficiência os óculos com lentes fabricadas em celuloides com baixa transparência e alta deformação. O exibidor, por sua vez, via-se obrigado a fazer pesados investimentos na adaptação dos projetores, na colocação de uma tela com tecido metalizado (que visava compensar a acentuada perda de luminosidade) e na compra das sofisticadas lentes de projeção, além, é claro, de arcar com os custos adicionais dos óculos, que eram, em geral, fabricados com suportes em papelão. Embora fossem tratados como uma grande novidade, os filmes projetados em 3D provocavam, literalmente, dores de cabeça e enjoo nos espectadores, em consequência da instabilidade e da duplicidade de imagens vislumbradas. Mesmo assim, muitos filmes foram produzidos com tal tecnologia durante as décadas de 50 e 60, como “Bwana, o demônio” (“Bwana Devil”), “Disque M para matar” (“Call M for Murder”), “Caminhos ásperos” (“Hondo”), que, longe de serem considerados com preconceito, não se colocavam entre as grandes obras-primas, tendo na técnica inovadora seus maiores atributos. A precariedade da tecnologia fez com que os grandes estúdios norte-americanos vislumbrassem os filmes em 3D como investimentos de curto prazo, um modismo que rapidamente se superava, evitando continuar as experiências que permitissem as suas evoluções técnicas. Tal sentido já fora verificado com o CINERAMA que, exigindo a captação das imagens com três câmeras perfeitamente sincronizadas para completar um quadro que atingisse 144º de visualização horizontal e 55º vertical, mostrava-se inoperante para a filmagem de filmes de ficção, assim, um único filme de ficção em longa-metragem, “A conquista do Oeste” (“How the west won”), foi produzido. Para a continuidade das exibições em telas gigantescas, a produtora-distribuidora CINERAMA substituiria os três projetores sincrônicos por um único projetor 70mm com lentes grandes angulares que propiciavam uma tela com um ângulo de visualização quase tão intenso quanto ao de seu antecessor. Os poucos filmes produzidos em 3D a partir da década de 60 eram produções independentes de baixo valor de investimento, que tinham na tridimensionalidade seu único apelo. Um dos poucos destaques no formato foi o filme “Frankenstein”(“Flesh for Frankenstein”), dirigido por Andy Warhol, em 1973. Aos poucos a técnica foi perdendo importância, integrando apenas alguns trechos de produções baratas. No meio do filme exibido em imagens bidimensionais aparecia um letreiro solicitando que o espectador colocasse os óculos polarizados, pois, a partir daquele momento, seriam exibidas imagens em 3D. Na década de 80, algumas continuações de grandes sucessos já em declínio, as hoje chamadas franquias, tentaram recuperar a frequência de público com o uso da tecnologia. Assim foram lançados a tardia versão de “Tubarão 3D” e o 3º episódio de “Friday the 13th”. Os recursos tridimensionais eram bastante apropriados aos filmes de terror de baixo custo, promovendo os efeitos de sangue ou objetos saltando da tela em direção ao espectador. Nos próximos anos restou a utilização desta tecnologia no mercado de filmes pornográficos, estendendo-a para a distribuição doméstica em videocassete, quando o mercado para tais produções também se mostrava saturado. Parecia o fim definitivo do uso da estereoscopia na indústria cinematográfica. O renascimento com o IMAx e o 3D Digital Uma nova geração de projeções de altíssima qualidade ressurgiria com o IMAX 3D, utilizando filmes 70mm, projetados no sentido horizontal através de um fotograma composto da largura total da película por uma extensão equivalente a 15 perfurações, uma medida interna aproximada do formato fotográfico de 5 cm x 7 cm (ante 2,20cm x 4,85cm dos fotogramas 70mm tradicionais). A velocidade de projeção do equipamento é de 48 quadros por segundo e a estabilidade da imagem no processo de obturação é garantida por um mecanismo composto por trilhos do sistema de tração operados a vácuo. Duas cópias com imagens para cada olho são projetadas sincronicamente. Os óculos são sincronizados por emissões de ondas de infravermelho geradas a partir das pulsações dos motores dos projetores, comandando a abertura e o fechamento dos painéis de cristal líquido existente no interior das lentes dos óculos. Trata-se de um sistema de alta confiabilidade, porém com custos altíssimos, que chegam a valores superiores a US$ 2 milhões apenas para a aquisição dos equipamentos. A IMAX especializou-se na exibição de curtas e médias-metragens especialmente produzidos para o seu sistema. As exibições em 3D restringiram-se às promovidas pela IMAX e seu concorrente IWERKS, que se destinam a um público especial, mais comumente encontrado em parques de diversões e museus, devido ao conteúdo especializado que exibem. Em 2005, os estúdios DISNEY realizaram o seu primeiro filme em animação computadorizada, “Chicken Little”, apoiado pela INDUSTRIAL LIGHT & MAGIC, a famosa empresa de efeitos especiais, à época pertencente a George Lucas. Testaram-se os efeitos de tridimensionalidade polarizada para a exibição em alguns cinemas. Dois anos antes desse filme animado, a mesma distribuidora, BUENA VISTA (DISNEY), havia lançado “Spy Kids 3D: Game over” (Pequenos Espiões 3D) utilizando os efeitos tridimensionais desenvolvidos pelo estúdio de efeitos especiais HYBRIDE TECHNOLOGIES com câmeras desenvolvidas pela SONY. Mesmo tendo sido distribuído por uma major, a versão 3D com polarização efetivada pelas lentes vermelhas e azuis, dispostas em um óculos descartável de papelão cartonado, não obteve grande aceitação pelos exibidores. Quando lançado em DVD, teve ampla divulgação, promovendo a tecnologia de óculos ativos promovidos pela empresa NU VISION, que anunciava os óculos 60GXD ao improvável preço de venda ao consumidor de US$ 445. As revistas e cadernos especializados em informática e na distribuição de filmes em DVD deram um grande destaque, realçando a qualidade técnica do material, mas as vendas da tecnologia foram incipientes. A exibição dos dois filmes em 3D apontava a tendência de se insistir nos testes em filmes com efeitos tridimensionais por meio de uma distribuidora major. Mais, indicou que o público mais sensível a tais experimentações era o infantojuvenil, afeito à linguagem dos personagens caracterizados e aos elaborados movimentos dos jogos eletrônicos. Ademais, estavam disponíveis técnicas que permitiam produzir filmes em 3D a partir de filmagens em estereoscopia ou de cenas “tridimensionalizadas” por sofisticados programas de computação, as quais podiam ser misturadas sem que apresentassem grandes diferenças de qualidade. A grande diferença que existia entre “Spy Kids” e “Chicken Little” estava na tecnologia. O primeiro, ao ser exibido nas telas de cinema, utilizava basicamente aquela que fracassara três décadas antes (modernizada pela tecnologia digital, é claro) e, curiosamente, ao ser lançado para a exibição doméstica, utilizava a tecnologia que se consagrara nas gigantescas telas dos IMAX, com óculos de lentes de cristal líquido pulsante. O filme do sábio pintinho levava, diferentemente de seu antecessor, a inédita assinatura da empresa REAL D. Chamou a atenção dos empresários da exibição de todo o mundo a constatação que a renda por sala envolvida no lançamento do filme de “Chicken Little” em 80 telas norte-americanas tivera resultados duas ou três vezes superiores aos das salas com projeções convencionais. A Tecnologia Real D – O Primeiro Sistema de Polarização Digital A tecnologia disponível por detrás da marca REAL D foi a grande diferença que se introduzia com “Chicken Little”. Referia-se a uma empresa que desenvolveu sofisticados softwares, testados e amplamente aceitos no uso industrial e de treinamento profissional, como o de pilotos, astronautas, cirurgiões ou operadores de máquinas de alta precisão em operações com alto custo, como a perfuração de poços de petróleo ou a visualização tridimensional de plantas, mapas ou identificadores com relevo. Todo o conhecimento adquirido com essas atividades foi transportado para o cinema, estruturando um sistema que utiliza os projetores DLPCINEMA. Projetando em 144 quadros por segundo, ou seja, seis vezes a velocidade tradicional de 24 quadros por segundo do cinema sonoro, faz a polarização por um painel de cristal líquido colocado à frente do projetor, o qual não passa por qualquer outra adaptação estrutural. Efetivamente, a projeção no processo da REAL D é realizada em 48 quadros por segundo, velocidade mínima para que seja possível dar o perfeito efeito de estereoscopia, expondo contudo, três fotogramas sequenciais pelo processo de tripleflash2. Desta forma, tem se uma projeção em 48 quadros, sendo que cada um é exposto três vezes, totalizando 144 quadros por segundo. A exposição tripla aumenta a fixação da imagem na retina. O painel colocado em frente ao projetor efetiva um processo de polarização circular. Os três primeiros são polarizados no sentido horário e os três subsequentes no sentido anti-horário. Os óculos da REAL D são peças descartáveis, com lentes em poliéster com as polarizações vincadas mediante microssulcos praticamente invisíveis a olho nu, seguindo os mesmos sentidos circulares horários e anti-horários. Desta forma, a imagem com polarização horária será “fechada” para o olho que tiver os microssulcos anti-horários, ocorrendo o inverso com o outro olho. Cada olho só consegue ver a imagem correspondente à sua polarização. A estereoscopia visual da REAL D apresentou diversas vantagens quando comparada aos sistemas 3D em película. Primeiramente, utiliza o mesmo projetor que será adotado para as futuras projeções digitais em 2D. O padrão adotado neste caso estava sendo definido tecnicamente, na mesma época das exibições do filme “Chicken Little”, pelo comitê DCI patrocinado por um consórcio composto pelas majors. Neste mesmo aspecto da apropriação da tecnologia que se destina à digitalização prevista para os cinemas, permite que um único projetor gere as duas imagens necessárias. A CHRISTIE e a BARCO, fabricantes dos projetores DLPCINEMA, deram um franco e aberto apoio às pesquisas e ao desenvolvimento do sistema REAL D, pois tinham interesse em ter mais um atrativo para a transição tecnológica que vinha se arrastando. Fabricantes de servidores também se interessaram em apoiar a iniciativa, desenvolvendo partes técnicas que apoiassem a tecnologia apresentada. Se não bastasse o apoio advindo de parceiros interessados em vender seus equipamentos digitais, o sistema da REAL D apresenta qualidades inéditas e substanciais. A polarização circular dá uma sobreposição de imagem bastante eficiente, eliminando as necessidades de ajuste individual a cada pessoa3, reduzindo com eficiência as tradicionais dores de cabeça que atormentaram os espectadores durante as sessões de filmes 3D em película, além de permitir que o espectador incline a cabeça, sem perder os efeitos da sobreposição de imagens. As deficiências da imagem em 1,3K de resolução das primeiras exibições e, mesmo mais tarde, da imagem em 2K, pouco definidas quando comparadas com as das famosas exibições da IMAX 3D, são compensadas pela alta velocidade de projeção. Num linguajar pouco técnico, podemos dizer que os múltiplos fotogramas se sobrepõem, formando uma imagem muito definida pelo processo de persistência da imagem na retina4. As vantagens do REAL D seduziam os potenciais compradores da tecnologia: os distribuidores e os exibidores. As projeções 3D atraem um público maior, ajudando a pagar o equipamento digital que necessita ser trocado para as futuras projeções digitais 2D no padrão DCI. Outra menos intensa é que o baixo custo dos óculos, que não têm a aparência mambembe dos simplórios óculos de papelão do passado, permitirá que se obtenham patrocinadores que veiculem marcas nas suas hastes, reduzindo, assim, um custo adicional. Os óculos, por sua vez, foram desenvolvidos com tal elasticidade que podem se sobrepor aos óculos de grau do espectador. A divulgação dos padrões do DCI aprimorou o sistema da REAL D, visto que se estabeleceu que deverá ter a resolução de 2K, que evidentemente eleva as condições qualitativas da projeção. O impacto provocado pelos resultados com as exibições do primeiro filme no formato foi muito forte. Os oitenta e cinco cinemas dos EUA que operaram com a tecnologia no lançamento de “Chicken Little” tiveram arrecadações até 200% maiores dos que os outros cinemas. Não bastando ter rendas maiores, tiveram também um prazo de permanência em cartaz muito mais longo. Evidenciou-se que, mais do que um fenômeno passageiro, tem-se à frente um grande potencial de bilheterias. A REAL D contratou, então, o ex-presidente da UCI – UNITED CINEMA INTERNATIONAL, Joe Peixoto, para ocupar o cargo de Vice-Presidente Comercial. Peixoto, como é conhecido na indústria cinematográfica, é descendente de portugueses que imigraram para o Canadá, onde iniciou sua carreira, trabalhando na rede de cinemas FAMOUS PLAYER, que foi adquirida pela NAINATIONAL AMUSEMENTS INTERNATIONAL. A PARAMOUNT, uma empresa pertencente ao conglomerado da NAI, associou-se à UNIVERSAL e lançaram a UCI, que por questões legais de concorrência não pôde atuar no mercado norte-americano. Isto não lhe impossibilitou de montar, em menos de uma década, o maior e mais moderno circuito de exibição da Europa, atuando na Inglaterra, Espanha, Portugal, Alemanha, Áustria, Itália, Polônia e em outros países da Ásia e no Brasil. O circuito sobressaiu-se pela agressividade e pela ousadia na abertura de multiplexes e megaplexes. Outra característica do circuito era o rigor técnico de suas instalações e as tecnologias que lançou como as projeções digitais de alta resolução que introduziram no começo do ano 2000, inclusive no Brasil, onde, em parceria com a TELEIMAGE-CASABLANCA, instalou as primeiras cabines digitais. Além de lançar filmes nesta tecnologia, a UCI fez os mais diversos testes de exibição de conteúdos alternativos. Exibiu shows, desafios de videogames, jogos de futebol, lutas de boxe, conferências, óperas, prenunciando a capacidade quase ilimitada que os projetores abriam. Por essa ousada atuação, Peixoto passou a ser uma referência na indústria cinematográfica, tendo sido premiado como o “Homem do Ano” no SHOWEST e na feira CINEMA EXPO em Amsterdã. Quando a UCI foi vendida para um fundo de pensão inglês chamado TERRA FIRMA, em consequência das dificuldades financeiras da UNIVERSAL (que, por sua vez, era controlado pela VIVENDI), Peixoto foi para a REAL D. O 3D Avança O cinema 3D obteve a adesão de importantes realizadores e produtores, entre eles George Lucas, que anunciou a produção de novos filmes em 3D e, também, a remasterização dos três filmes da franquia “Guerra nas Estrelas” (“Star Wars”) no formato. Jeffrey Katzemberg, o executivo que recuperou a DISNEY e que, posteriormente, associou-se a Steven Spielberg na criação da produtora de desenhos animados DREAMWORKS, também aderiu às produções no formato nos seus primeiros momentos. Os estúdios DISNEY encontraram na proposição tecnológica uma forma de “salvar” alguns de seus projetos que se mostravam qualitativamente muito abaixo daqueles feitos pela PIXAR, que produzia alguns de seus mais recentes sucessos, como “The incredibles” (Os incríveis), “Finding Nemo” (Procurando Nemo) e “The monsters Inc” (Os monstros). Uma foto realizada durante um seminário do SHOWEST de 2006 circularia na divulgação de imprensa, marcando a adesão dos grandes nomes à tecnologia tridimensional que, até então, era uma exclusividade da REAL D. Nela, sentados no palco do evento, estavam George Lucas, Robert Zemeckis, Randal Kleiser, Robert Rodrigues e James Cameron usando os óculos polarizados. No mesmo evento, o diretor de “Titanic” anunciava a produção de um projeto mais ambicioso, criando um mundo virtual que se mescla e interage com o mundo real. O filme chamará “Avatar”, que é, também, um conhecido jogo da internet no qual o usuário participa de um mundo virtual, estipulando as suas características físicas, sua profissão, cria seu espaço físico, seu perfil sociopsicológico, fazendo transações comerciais e estabelecendo relacionamentos. Mais do que um jogo passou a ser encarado como a projeção de uma segunda vida, em que já se anunciam, até mesmo, transações financeiras reais visando à compra de casas ou de empresas deste mundo virtual. Devido à temática e à proposição do diretor em fazer um filme que se estabeleça como um marco da linguagem cinematográfica, extrapolando a narrativa de uma história para criar a vivência de um mundo virtual demonstrado no mesmo plano de realidade em que os atores atuam, este filme passou a ser encarado para a indústria cinematográfica como uma lenda, gerando a cada dia novas informações. Divulgou-se, por exemplo, que Cameron teria contratado filólogos e fonoaudiólogos visando criar uma língua própria dos “avatares”, que teria, contudo, a formulação e a constituição de uma possível língua humana. Desta forma, o filme seria obrigatoriamente legendado quando estes se comunicassem. O vazamento parcial de informações que não necessariamente tenham uma fundamentação efetiva parece que foi uma tática adotada pelo estúdio produtor, pretendendo criar expectativas e gerar uma aura de diferenciação para o filme, que já foi adiado por duas vezes, atrasando o lançamento de uma data do segundo semestre de 2008 para dezembro de 2009. O uso de legendas será abandonado, visto que as legendas em 2D confundem-se nas projeções estereoscópicas, criando imagens duplicadas. As projeções em 3D possuem sérios inconvenientes, decorrentes da própria tecnologia que utilizam. Um dos principais aspectos negativos está associado à perda de luminosidade das imagens, tanto na polarização da projeção quanto nos óculos. Os dados sobre esta perda de luz são contraditórios, porém pela disseminação da tecnologia já se aferiu que, no caso do REAL D, a perda é superior a 75% da luz gerada no projetor5. Este aspecto que atinge, também, as outras tecnologias tridimensionais cria restrições ao uso de projetores digitais, fazendo com que sejam adotados apenas projetores DLPCINEMA de grande porte. Assim, os cinemas passarão a adotar projetores com mais de 20.000 lumens, valor muito acima das necessidades nas projeções de filmes tradicionais. Para se atingir tais valores são utilizadas luzes de xenon com potência de até 7.000 watts, que exigem sistemas de refrigeração especiais, seja por insuflamento e exaustão do ar, seja pelo resfriamento por água. Mesmo assim, com tamanha perda, as projeções se reduzem a padrões bastante distantes às que esses projetores podem exibir. Afinal, a luminosidade se reduz a pouco mais de 5.000 lumens, que é a gerada nos pequenos projetores utilizados nos cinemas brasileiros para a exibição de publicidade. A lâmpada, por sua vez, operada na posição mais intensa (booster), tem uma vida curta, não superior a 700 horas. Quando alcança tal limite, ela desarma e não permite novas projeções, evitando assim a explosão no interior da lanterna, que poderia danificar o módulo de chips DMD. Para compensar a perda de luz, passaram-se a usar telas reflexivas, sendo o modelo mais conhecido no mercado, a PERLUX (que praticamente definiu o termo utilizado para tal tipo de tela), fabricada pela HARKNESS HALL da Inglaterra. O plástico que compõe esta tela é recoberto por uma fina aplicação de tinta prateada, refletindo desta forma a luz recebida em dobro. Este fator de reflexão conhecido por “ganho” (gain) de luz chega a 100% da luz emitida sobre ela, quando medida a 0º do eixo de projeção. Por tanto, diz-se que a PERLUX tem um ganho de 2.0, ou seja, 100% da luz emitida acrescentada de 100% de sua capacidade de reflexão. Um problema, porém, surge com o uso deste tipo de tela: conforme o espectador afasta-se do eixo central da projeção, perdese a luminosidade. A tal ponto que, ao se chegar a 55º do eixo central, a luminosidade é 45% inferior àquela gerada pela luz original. Portanto, as salas que utilizam este tipo de tela não podem ser largas, pois os espectadores que estivessem sentados nas fileiras das extremidades veriam uma imagem apagada e borrada. Não bastasse o aspecto limitador do formato de tela, que incide diretamente sobre a lotação do cinema, há o aspecto econômico. O plástico que compõe as telas PERLUX têm um alto custo, aumentando em cerca de US$ 10.000 (F.O.B.)6, os investimentos para a sua montagem, além de, é claro, fazer com que se jogue no lixo a tela que estava instalada anteriormente. Outro aspecto acerca da deficiência do sistema REAL D que tem sido amplamente discutido referese ao processo da estereoscopia que não possui uma confluência precisa das imagens acumuladas, gerando um forte efeito de ghosting, ou seja, a formação de halos da imagem quando polarizada semelhante aquelas formadas por transmissões de televisão com recepção deficiente. Estas deficiências têm sido disseminadas, provavelmente incentivadas pelos concorrentes da REAL D, afirmando que os estúdios que contrataram seus serviços a pressionam para que haja rápidas e urgentes soluções para contornar ou, no mínimo, melhorar a qualidade das imagens projetadas. Para utilizar o sistema desenvolvido pela REAL D, adquirem-se os equipamentos de adaptação ao projetor, basicamente um painel de LCD colocado à frente da lente, e o software que opera o projetor e o servidor que armazena as imagens. Para isso, pagará uma taxa de licença inicial, válida para o primeiro ano de exibição, no valor próximo a US$ 25.000, e pagará ainda uma taxa anual (FEE anual) no mesmo valor ou, se acordar com o detentor da patente, cederá uma participação percentual sobre a bilheteriados filmes exibidos em3D,determinada por meio de negociações que envolvem o faturamento previsto no cinema licenciado. As formas de remuneração descritas foram introduzidas quando a empresa era a única fornecedora de tecnologia tridimensional, sendo retratada pelos exibidores como uma postura excessivamente onerosa, senão abusiva. As bilheterias alcançadas pelos cinemas que exibiram “Chicken Little” e, posteriormente, “A família do futuro” (Meet the Robinsons) incentivaram grande parte dos empresários da exibição. Demonstrou-se que as rendas do mesmo filme, quando lançado simultaneamente no formato tridimensional e no tradicional, resultavam em bilheterias das primeiras semanas até três vezes maiores na nova tecnologia. Além disso, a permanência em cartazera muito maior, por períodos até duasvezes maior que os dos cinemas em formato tradicional. Portanto, embora se tivesse uma tecnologia cara e com deficiências técnicas, os investimentos compensavam, pois as arrecadações cresceram em um ambiente que promete ser de longa duração, visto que os grandes estúdios e os maiores produtores da indústria aderiram ao seu uso. A Tecnologia Dolby 3D – A Polarização pelas Cores Foi num ambiente estimulado pelas vantagens do cinema 3D que surgiram os primeiros boatos acerca da entrada de um novo operador tecnológico, a DOLBY INC. A empresa que desenvolveu um sistema de redução de ruídos em pistas de áudio que virou sinônimo de som estereofônico de alta qualidade nos cinemas, o DOLBY STEREO, e que, mais tarde, assumiu a hegemonia na implementação do som digital (competindo com concorrentes do porte da SONY e da DTS), anunciava que, assim como fez com os sistemas de áudio, entrava na briga pela exibição de filmes 3D. Alguns exibidores foram convidados pelos representantes regionais da DOLBY para se dirigir a uma pequena sala do Hotel Paris de Las Vegas durante o SHOWEST de 2007, para assistir a uma demonstração experimental de seu sistema. A pequena sala onde o sistema era demonstrado estava desprovida de decoração e os espectadores sentavam-se em pouco mais de uma dezena de cadeiras comuns dispostas lado a lado, sem nenhum conforto. Dois projetores DLPCINEMA de médio porte propiciavam uma imagem em uma tela de pouco mais de sete metros de largura. Os convidados perguntavam-se por que tanta confidencialidade e as razões que faziam com que a DOLBY, possuidora de um dos maiores e mais bem montados estandes da feira, realizava sessões reservadas em condições tão pou co incentivadoras. As dúvidas eram compensadas pelo que era demonstrado. Uma projeção de boa qualidade, qualitativamentecomparávelà da REAL D, com pequenos problemas que os técnicos diziam que seriam solucionados em poucos meses. Mais do que uma opção técnica, o discurso era mais centrado nas deficiências e dificuldades encontradas na operação com o seu rival. A DOLBY prometia que o novo sistema teria maiores atrativos: a) O sistema tinha uma perda de luz inferior ao do concorrente, eliminando a necessidade de se instalar uma tela reflexiva. Menos custos para o exibidor. b) Os óculos não seriam descartáveis. Muito pelo contrário, eram fabricados em uma armação de ótima qualidade e suas lentes, compostas por diversas camadas de películas aplicadas em um sanduíche de cristal, podendo ser utilizados por mais de 500 vezes. Resistem às lavagens em equipamentos especiais. c) Notificavam que as majors concordavam em fornecer os mesmos conteúdos que estavam sendo ofertados para a REAL D. Portanto, não haveria pressões para a escolha de qualquer uma das tecnologias. d) Para exibir os filmes no sistema, seria necessário fazer uma adaptação no projetor, introduzindo um disco giratório que polariza a imagem. O comprador utilizaria um servidor fabricado pela DOLBY que teria custo aproximado de US$ 6.000 a mais do que os servidores mais baratos utilizados pelo concorrente. Em compensação, não pagaria taxa de licenciamento, tampouco o fee anual, ficando livre de qualquer remuneração que não seja o custo quando da aquisição do equipamento e dos softwares. Em termos práticos, a DOLBY INC propunha um sistema que tinha um investimento inicial um pouco maior do que o realizado para o licenciamento da REAL D, inclusive com a compra dos óculos de uso de longo termo de vida, ficando, porém, o exibidor livre do pagamento dos futuros fees e da instalação da tela reflexiva. Nos investimentos iniciais, os preços eram os mesmos. A longo prazo, o usuário será beneficiado pelo não pagamento de renovações da licença ou participações sobre a receita. O funcionamento do sistema desenvolvido pela DOLBY é o que mais se parece com os das projeções tridimensionais com película 35 mm dos anos 50 e 60. Assim como no REAL D, são geradas imagens para cada um dos olhos a 144 quadros por segundo, com exposição tripla das imagens para cada olho. A diferença é que aqui se efetiva pelo processo de divisão do espectro da luz(spectral division) pela partição da luz branca. O processador de imagens gerará um padrão vermelho para o olho direito e cyan para o esquerdo, mantendo, contudo, o padrão espectral original, evitando-se as deformações que ocorriam nos processos estereoscópicos do filme 35mm. As imagens possuem a colormetria completa, sendo que um disco rotativo que contém um filtro cyan e outro vermelho obtura a imagem a cada três quadros, controlados por um mecanismo de sincronização (DFC 100 Filter Controller) que comanda a polarização a cada três quadros e que faz a compensação necessária para que as cores originais sejam mantidas na projeção. Os óculos, que possuem as lentes para cada olho em uma das duas cores, filtram a imagem de tal forma que o espectador “vê” uma imagem de cada vez. Sendo uma frequência tão alta, as imagens de cada olho se superpõem, constituindo uma única imagem tridimensional. Aadaptação doprojetorDLPCINEMAé bastante simples, fazendo apenas a instalação deste disco rotativo. Quando um filme em 2D é exibido, desativa-se o circuito, mantendo inerte a obturação pelos filtros. Os óculos, por sua vez, são de fabricação bastante complexa, envolvendo a aplicação de mais de 50 camadas sucessivas de películas, capazes de fazer a divisão de imagens apropriadas. A percepção das cores é muito tênue quando se olha através das lentes. Em termos ergonométricos, tem-se um óculos bastante desenvolvido, com um belo desenho industrial, produzido com materiais de alta qualidade, a começar pelas lentes que são de cristal. Por ser reutilizáveis, têm uma forte resistência ao uso e às sucessivas lavagens que são feitas em uma máquina de lavar como as utilizadas para a lavagem e esterilização de xícaras em cafés e bares. Tendo um alto custo de venda, com o preço inicial de US$ 57,00 (F.O.B.)7, que chegará no Brasil com a incidência de impostos a mais de R$ 160,00, não se pode correr os riscos da não devolução pelo espectador. Significativa parcela do público deseja tê-lo como uma lembrança ou um souvenir que recorde uma experiência bem-sucedida e agradável, não ten-do conhecimento que seu valor seja tão alto. A partir destas considerações, foi introduzido um chip que dispara um forte sinal auditivo quando se cruzam os detectores colocados nas saídas das salas, da mesma forma que os magazines dispõem em suas entradas para controle de desvio ou roubo de seus produtos. Figura 6 Embora utilize óculos passivos, isto é, que utilizam o processo de polarização para a obtenção dos efeitos 3D, a luminância do sistema DOLBY 3D é superior ao de seu concorrente. Avalia-se que a perda de luz atinja um índice próximo a 65%, valor suficiente para evitar a instalação da dispendiosa tela reflexiva. Esta vantagem é repetidamente citada nas publicações promocionais da tecnologia da DOLBY. A Tecnologia Xpand – Os Óculos Ativos O processo mais sofisticado do cinema tridimensional (Shutter glasses)8 foi lançado pela empresa mais recente na exibição cinematográfica (theatrical). Embora não tenha a tradição da REAL D na produção de imagens virtuais, tampouco a forte marca da DOLBY INC, a XPAND tem o que apresentar ao mercado. Trata-se do único sistema que utiliza o princípio ativo, quer dizer, a separação e a sobreposição das imagens não se constituem em uma “trapaça” para o cérebro humano. A imagem é exposta na mesma velocidade de seus concorrentes, a 144 quadros por segundo, em tripla exposição da imagem (tripleflash), porém a observação alternada é efetivada pelos óculos cujo cristal líquido em seu interior fecha ou abre alternadamente a captação de luz em cada olho. Desta forma, não há grandes esforços na formação da imagem, assim como não ocorrem deformações decorrentes do processamento digital da imagem. A imagem de cada olho foi exposta e observada, separadamente, cada um por sua vez. A correta sincronização das lentes com a projeção das imagens estereoscópicas ocorre por meio da emissão de raios infravermelhos que comandam a abertura e o fechamento das lentes. Por conta da recepção deste sinal e da movimentação das “cortinas” das lentes, os óculos precisam de uma fonte de energia, que é feita por uma bateria instalada internamente. As maiores deficiências do XPAND encontramse, exatamente, em sua sofisticação. Os óculos são mais pesados e mais frágeis. Por mais desenvolvidos que sejam, possuem deficiências no manuseio: mesmo estando camuflado, existe um interruptor (liga/desliga) que os espectadores, principalmente crianças, podem acionar, desligando o processamento do cristal líquido dos óculos durante a projeção. No mesmo sentido, podem ser quebrados pelo mau manuseio, como se sentar em cima ou mesmo se fazer uma dobra-gem, tanto durante as sessões como durante a sua lavagem, possibilitando que o cristal líquido vaze, inutilizando-o. Por último, o modelo atualmente em uso não possui uma boa ergonometria, mostrando-se, muitas vezes, incômodo ao espectador; não tem, tampouco, uma aparência agradável. Além, é claro, dos custos serem bem mais elevados do que de seus concorrentes, com preço de tabela estipulado em mais de US$ 70. A XPAND poderá atingir preços mais acessíveis quando massificar o uso dos óculos. Originalmente, esta empresa foi constituída para a exploração de filmes em 3D como a IMAX ou iWERKS no mercado de parques em atividades complementares à cinematográfica. Constituiu-se na Eslováquia, com capital da KD GROUP, um conglomerado nacional, com mais de trinta empresas e treze subsidiárias, que se voltou a investimentos diversificados na área de entretenimento no Leste Europeu, a partir da queda do socialismo. São provenientes dos ramos bancários, de seguros e turismo. Constituíram a KOLOSEJ ENTERTAINMENT GROUP que atua na Eslovênia, Bulgária, Bósnia e Herzegovina, Croácia, República Sérvia, Holanda, Ucrânia, Polônia, Romênia, Eslováquia, Chipre e Montenegro. Com a expansão do mercado destes países, em especial com a abertura de shopping centers e multiplexes, ingressaram no ramo da exibição, de videogames e de boliches, interessando-se pela exibição de filmes em 3D para diferenciar seus cinemas dos concorrentes, como já ocorria com diversos circuitos da Europa, especialmente a KINEPOLIS e AMC, que instalaram uma sala com projeções em grande formato (70mm) em seus megaplexes. A XPAND identificou que grande parte dos filmes já exibidos no IMAX e iWERKS, ao terem seus direitos de distribuição vencidos, comumente estabelecidos em dois ou três anos de exclusividade, estava livre para novas distribuições, estando inéditos na maior parte dos mercados internacionais. Assim, é possível adquirir tais direitos e exibir os mesmos filmes, com um pequeno atraso em relação ao primeiro detentor dos direitos de exibição, sem pagar, contudo, os altos preços de licenciamento da IMAX. Outrossim, usando projeções digitais é possível simplificar as cabines de projeção, evitando-se as onerosas exibições em película 70mm com quinze perfurações por quadro. Desenvolveram um sistema que operava com dois projetores digitais DLP de 1,3K de resolução e com óculos ativos, equivalentes aos utilizados para as exibições em 70mm. No SHOWEST de 2006, o XPAND foi apresentado aos visitantes como uma empresa fornecedora de tecnologia. Tinha uma ótima qualidade de exibição e som, custos baixos quando comparados aos seus concorrentes e oferecia, ainda, uma maior adequação para exibições em parques temáticos ou instituições de promoção. Oferecia o 6D Movie, composto de exibições 3D, acrescidas de cheiro; movimentos das poltronas motorizadas e controladas simultaneamente aos movimentos da tela, e sensações como chuvas, névoas, fumaças, provocadas por mecanismos que aspergiam água ou gases. Em março de 2008, após alguns cinemas serem instalados na Espanha e na Eslováquia, tendo um catálogo de 45 filmes já exibidos pela IMAX, anunciaram a aquisição da NUVISION TECHNOLOGIES, uma empresa instalada em Oregon (EUA), que se especializara no fornecimento de óculos para uso com softwares de desenho arquitetônico e industrial, e para jogos em PC. O modelo mais vendido era o NuVision 60 GX, com uma vida útil de 600 horas, operando em 120Hz. Com um desenho magistral, este modelo não serviria para o uso em cinemas devido ao seu alto custo. Era vendido nas lojas norte-americanas por US$ 445 e, na Inglaterra, por £ 395. A nova empresa investiu no desenvolvimento de um óculos com preços econômicos e com vida útil equivalente ao modelo 60GX, os quais foram sendo adotados por diversas cadeias exibidoras, inclusive norte-americanas (como a AMC), que os testam comparativamente às outras tecnologias. Em 2009, oferecerá um modelo mais cômodo, com um desenho mais agradável e com baterias recarregáveis. Outro aspecto a ser aperfeiçoado é a introdução de um chip de segurança, que dispare ao passar pelos sistemas de controle à saída dos cinemas e, ainda, um interruptor que solucione o desligamento involuntário. A impressão que passa ao mercado é que o XPAND é o melhor sistema. Há menor perda de luz devido à obturação ativa e os óculos são mais adequados às pessoas, pois os olhos ficam mais bem convergidos, independentemente do formato de rosto do usuário. Mas as deficiências, principalmente no que tange à vulnerabilidade dos óculos, criam sérias dúvidas em adotá-los. Contribui nas indecisões o fato de se tratar de uma empresa de menor porte e de origem não tradicional no meio cinematográfico. A Difícil Escolha do Sistema 3D Os três sistemas 3D apresentam vantagens e desvantagens. Nenhum deles se sobressai de tal maneira que a escolha para a sua adoção seja imediata e convincente. A dificuldade em escolher já ocorrera com os sistemas de sonorização digital, que após alguns anos de implementação penderam para o DOLBY DIGITAL. O sofisticado processador de som digital SDDS, fabricado pela SONY, foi rejeitado em seus primórdios pelos custos adicionais de sua compra e de instalação. O DTS, que possuía o custo mais baixo e operava com um cd sincronizado ao filme, foi amplamente adotado, porém, com seus problemas operacionais de sincronização e de quebras sistemáticas, foi sendo afastado, até que nos últimos anos apenas o DOLBY DIGITAL permaneceu no mercado, sendo uma espécie de equipamento padrão. Embora o DCI pretendesse evitar a repetição dos inconvenientes quando da sonorização digital, foi atropelado pelo surgimento e pela rápida propagação do cinema digital 3D, sem que tivesse tempo sequer de normatizar esta extensão das projeções digitais. A SMPTE divulgou que faz estudos para padronizar os sistemas 3D, porém a rapidez na abertura de cinemas 3D faz com que duvidemos de tal iniciativa. Acreditamos que haverá um novo processo seletivo como aquele que elegeu o DOLBY DIGITAL como sistema único de sonorização dos cinemas modernos. O desfecho, desta vez, não repetirá necessariamente uma vantagem para a empresa de Ray Dolby. Os testes com os sistemas, ao serem projetados na tela, mostram poucas diferenças qualitativas para o espectador, como ocorria, aliás, com os sistemas digitais de sonorização cinematográfica. Serão fatores indiretos como o custo de instalação e manutenção, as facilidades operacionais, a capacidade de atualização dos softwares, o suporte técnico aos cinemas, o desgaste e o financiamento dos equipamentos que determinarão a escolha pelos circuitos exibidores. Os critérios de adoção até o presente momento estão mais ligados a fatores de oferta e das vantagens que cada exibidor recebe. Os circuitos norte-americanos têm adotado a política de criar “bancadas técnicas” para testes. Estão instalando em alguns cinemas selecionados os três sistemas para analisar os detalhes das operações. De toda forma, na América do Norte, o REAL D tem prevalecido sobre os demais sistemas, fazendo com que empresas como a AMC ou a CINEMARK, que têm filiais em outros países, repitam a mesma escolha, como ocorreu com a CINEMARK para o Brasil. Na Europa, a escolha tem prevalecido em igualdade para a REAL D e a DOLBY 3D. A UCI, que pertence à NATIONAL Figura 7 AMUSEMENTS9, adotou o REAL D em sua primeira instalação no Brasil, passando depois para o DOLBY 3D DIGITAL em suas outras operações com projeções tridimensionais. Atualmente, há cerca de 2.500 cinemas digitais com sistemas 3D no mundo, sendo que 1.800 deles localizam-se nos EUA. A REAL D anuncia em seu sítio eletrônico que 1.000 utilizavam seu sistema em outubro de 200810. Em abril de 2009, havia quarenta e quatro cinemas 3D no Brasil11. A CINEMARK é o maior operador com vinte cinemas, seguido da CINEMATOGRÁFICA ARAÚJO, com cinco salas; o GRUPO SEVERIANO RIBEIRO, a PLAYARTE, a CINE BOX e a UCI, com quatro cinemas cada, o ESPAÇO DE CINEMAS, com dois, e a GNC, com um. O número de cinemas operando nos sistemas deverá crescer no ano de 2009, visto que serão distribuídos quinze filmes no formato ante apenas cinco do ano anterior. Neste último, não havia nenhum blockbuster entre eles que desempenhasse arrecadações extraordinárias. Porém, no caso de filmes como “Viagem ao Centro da Terra”, as nove salas com equipamentos 3D representaram quase 30% da arrecadação total, num universo de mais de 230 cópias em exibição. As previsões são que, em dezembro de 2009, quando do lançamento de “Avatar”, existirão cerca de 3.500 cinemas digitais 3D no mundo, sendo mais de 80 destes no Brasil e 2.700 nos Estados Unidos. Um dos fatores preponderantes na escolha das tecnologias é o fornecimento dos óculos. Os estúdios norte-americanos têm fornecido gratuitamente para as exibições em REAL D, sendo que nos Estados Unidos eles são descartados a cada uso. Anuncia-se, contudo, que essa empresa está lançando um novo modelo de óculos que permite o uso de aproximadamente cinquenta vezes. Como o preço do ingresso é de 25% a 30% maior que o valor do ingresso comum, este valor adicional cobre os custos do distribuidor no fornecimento dos óculos e, parcialmente, os custos da aquisição dos equipamentos e dos softwares. No Brasil, os exibidores que utilizam o REAL D lavam os óculos por até três vezes. No caso do DOLBY 3D e XPAND12, a PLAYARTE, que distribuiu os filmes “Viagem ao centro da Terra”, “Os mosconautas a caminho da Lua”, “Scar“13 e “U2 3D”, autorizou que aqueles que tivessem os dois sistemas retivessem todo o valor adicional cobrado, ficando, contudo, por sua conta os custos com o fornecimento dos óculos e dos equipamentos. Essa forma operacional tem sido recusada pelos estúdios norte-americanos, os quais argumentam que, assim como os exibidores têm um alto custo na aquisição dos itens necessários para exibir filmes tridimensionais, são realizados investimentos pesados para produzir os filmes no formato, com um incremento de valores previstos em US$ 3 milhões para o processamento das imagens e até US$ 7 milhões para cobrir os investimentos adicionais das filmagens. Ademais, segundo eles, as discussões são muito mais amplas do que a exibição de alguns títulos em 3D, envolvendo a complexa questão da digitalização dos cinemas. Uma Única Sala por Multiplex não será Suficiente Embora possa parecer um subterfúgio dos distribuidores em não querer discutir o compartilhamento dos custos dos equipamentos, em específico dos óculos para as projeções 3D, a recusa em discutir as digitalizações para tal formato tem uma lógica que pode lhes favorecer. Afinal, as previsões dos números de lançamentos para exibições tridimensionais são crescentes. A PIXAR, a DISNEY e a DREAMWORKS já se pronunciaram, afirmando que todos os seus futuros lançamentos serão no formato. Em se sabendo que os filmes no formato ficam por um maior tempo em cartaz, chegando a dobrar o prazo de permanência, uma única sala com equipamentos 3D em um multiplex mostrarse-á insuficiente para atender às demandas. O filme “Avatar” dirigido e produzido por James Cameron definirá, também, as reais possibilidades de incrementar rendas de filmes que misturam Figuras 8 e 9 atores reais com virtuais. Os efeitos especiais tridimensionais são extremamente favoráveis a filmes que atendem ao público juvenil, sejam musicais (basta ver o sucesso de HANNAH MONTANA, nas poucas salas em que foi exibido), sejam filmes de terror, sejam os de ficção científica. A essas iniciativas bem-sucedidas serão acrescentadas, ainda, as conversões de filmes já lançados, como “Guerra nas Estrelas” (Star Wars) e “Toy Story” que serão relançados nos cinemas em 3D. Não bastasse este amplo repertório formado por filmes de animação, filmes com personagens ao vivo e relançamentos, já são exibidas transmissões tridimensionais ao vivo, em tempo real, de espetáculosoueventosesportivos,queocuparão,também, uma parcela da grade de exibições de um cinema. Se há uma possibilidade imediata de obter maiores lucros com os filmes e eventos exibidos em 3D, a digitalização dos cinemas tem que ser tratada de forma mais detalhada, visando atender às necessidades reais da distribuição dos filmes. Em se mantendo as expectativas e os comportamentos das frequências dos filmes 3D, haverá a necessidade de se ter, até 2013, cerca de dez mil telas espalhadas pelos diversos territórios com capacidade de exibi-los. Dentro do programa de financiamento proposto pelos estúdios por meio do V.P.F. (virtual print free), que será tratado no próximo capítulo, os cinemas de países da América do Norte e os principais mercados da Europa e do Japão terão condições de atender às demandas necessárias. Há, porém, um bloco de importantes territórios cinematográficos, onde haverá maiores dificuldades de financiamento dos equipamentos, devido à pouca abertura de mercado e aos sistemas tributários que oneram os custos dos equipamentos e softwares. Se nos EUA, os equipamentos, softwares e acessórios, inclusive os óculos não-descartáveis, atingem um valor total de US$ 120 mil, no Brasil, por exemplo, custarão US$ 240 mil. É claro que a recuperação dos investimentos não se mostra viável dentro dos prazos de suas vidas úteis, reduzindo, assim, o número de salas que ofertem a tecnologia. De toda forma, as exibições de filmes em 3D são um fato que, diferentemente do que alguns comentam, não é um modismo transitório capaz de provocar algumas filas, para logo mais sumir. Pela primeira vez na história, os grandes estúdios investem pesadamente na tecnologia. Ademais, conforme apresentou Michael Karagosian14, um dos maiores especialistas em técnicas cinematográ ficas durante o Festival do Rio de 2007, ela só estará disponível para uso doméstico a longo prazo, em até dez anos, tendo em vista a capacidade de armazenamento e a velocidade de processamento dos dvds e dos computadores domésticos. Com isso, os filmes lançados no formato só serão pirateados em 2D. Quando a tecnologia, por fim, chegar aos lares, provavelmente as projeções virtuais em 3D sem o uso de óculos já estarão disponíveis, como já podem ser presenciadas em eventos e feiras, como naquela apresentação em que o piloto de Fórmula I, Lewis Hamilton, conversa com sua imagem tridimensional projetada num palco15. É bem possível que se esteja iniciando uma fase, que assim como aquelas que transformaram o cinema em sonoro e colorido, agora o transforme majoritariamente em tridimensional. Capítulo V O Financiamento para os Equipamentos Digitais Quem Pagará a Conta? Quando o SHOWEST de 1999 terminou, era voz corrente que o projetor DLPCINEMA apresentado pela TEXAS INSTRUMENTS, acoplado a um servidor que continha um filme compactado em MPEG-2, apresentava uma qualidade muito próxima das películas cinematográficas de 35mm. Observara-se uma imagem com excelente definição, muito contraste e bastante luminosidade. O protótipo parecia ser um caminho para a exibição digital de filmes. É importante lembrar que, àquela época, as câmeras fotográficas digitais haviam tido um imenso salto qualitativo e uma sensível queda de preços. A NIKON, por exemplo, oferecia câmeras profissionais (modelo E3) por £ 4,999, quando dois anos antes o modelo equivalente (E2) custava £ 10,662. As câmeras semiprofissionais já eram ofertadas pelos mesmos valores das 35 mm, abaixo de US$ 500 e já há havia pequenas câmeras sendo ofertadas por menos de US$ 2001. Estava claro que a substituição das câmeras fotográficas seria um processo rápido, evoluindo nos atributos qualitativos e apresentando sensíveis quedas nos preços. O Tempo da Mudança Produtores e distribuidores, principalmente dos estúdios norte-americanos, argumentavam que havia um desvio de foco da discussão. Não eram fornecedores de suporte, mas sim de conteúdo. Portanto, caberia às cadeias de cinema habilitarem-se tecnicamente a receber os conteúdos em outros suportes ou formas de transmissão. Os estúdios sabiam, contudo, que, embora houvesse um prazo para uma longa discussão acerca da responsabilidade dos ônus das mudanças para a projeção sem filme, havia fatos indiscutíveis. A película cinematográfica era fornecida naquela data por apenas dois fabricantes, a KODAK e a FUJI. Quinze anos antes, havia quase vinte, espalhados por diversos países como Itália, França, Tchecoslováquia, URSS, Alemanha Ocidental e Oriental, Inglaterra, Suíça, etc. Gigantes como a ORWO da Alemanha Oriental que, por muito tempo balizou o preço mínimo do mercado, já tinham desaparecido2. Os estúdios reconheciam a rápida proliferação e a adoção das câmeras digitais em substituição às que utilizavam filmes. Recordavam, também, que, tanto no que se refere ao processo industrial quanto às emulsões, os mesmos filmes servem para o uso cinematográfico e para a fotografia. Nesta, contudo, encontrase o maior filão em termos de lucratividade, que vêm da fotografia amadora, daquele fotógrafo que registra os momentos mais importantes de sua família ou de seu grupo social: o batizado ou o aniversário dos filhos, a turma de escola, o time de futebol...Ele paga altos valores para um metro de película negativa bobinada, pagará pela revelação e pelas cópias em papel, em operações e formatos que atendem mais ao fabricante de materiais fotossensíveis do que às suas reais necessidades. É, exatamente, a diminuição do volume de vendas de filmes e dos serviços fotográficos para amadores que determinará a necessidade de o cinema profissional migrar para as tecnologias digitais. Conforme o consumo de filmes para a fotografia reduz-se, tenderão a encarecer drasticamente ou, simplesmente, deixarão de existir. É uma regra primária de oferta e demanda. O mercado de material fotográfico tem tido um declínio gradual, remetendo para um médio prazo a completa substituição das películas. Além disso, os preços do material positivo para confecção de cópias de filmes têm se mantido sob controle pela aquisição anual garantida de grandes quantidades pelos estúdios, medida que assegura a manutenção das operações dos dois fabricantes ainda existentes. Outro fator que auxiliou na manutenção dos preços estáveis foi a abertura de novas salas de cinema, a partir da década de 1990, as quais em certos locais, como nos EUA, praticamente dobraram. Soma-se a tudo isto que a diminuição dos prazos de lançamento entre as “janelas de exibição” do theatrical e do homevideo3, para se atender rapidamente ao primeiro mercado, aumentou o número de cópias em lançamento. A concepção do cinema digital chamou a atenção de diversos operadores do segmento eletrônico. Apresentavam soluções imediatas que criavam um clima de expectativa e dúvidas que se agravavam a cada feira ou convenção em que se encontravam distribuidores e exibidores, embora a SMPTE tivesse nomeado um comitê, o DC-28, para o desenvolvimento de padrões e normas para o sistema que se avizinhava. Alguns propunham utilizar os padrões já definidos para o dvd ou para a internet, como os sistemas de compressão de imagens MPEG-2 ou MPEG-4. Outros sugeriam o uso de complexos sistemas de compressão apoiados em algoritmos pouco conhecidos, aplicados em softwares proprietários. Mas a mais intensa campanha vinha dos diversos fabricantes de equipamentos e sistemas destinados à telefonia. No entender destes grupos industriais, a questão do cinema digital tinha como ponto principal as tecnologias de transmissão da imagem e do som, em que estavam assegurados os aspectos de segurança contra a violação e os comandos operacionais dos cinemas, além, é claro, de evitar que se tivesse que transportar os filmes que seriam exibidos. As Consequências da Derrocada da NASDAQ O surgimento deste conceito de “terceira par te”, além de solucionar a questão operacional, embutia soluções de ordem econômica. Distribuidores-produtores e exibidores assegurariam contratualmente a remuneração das operações do fornecedor tecnológico por longos prazos para que este obtivesse os recursos necessários junto aos agentes financeiros visando financiar o sistema de conversão do filmes, a circulação do produto e a exibição. Divulgava-se que os valores necessários para efetivar a implementação dos cinemas giravam em torno de US$ 10 bilhões, sendo que US$ 7,5 bilhões destinavamse diretamente à aquisição dos equipamentos para as salas de cinema e US$ 2,5 bilhões para a montagem da infra-estrutura necessária para a digitalização e circulação de sinais. São montantes grandiosos, principalmente quando se observa que a arrecadação total bruta obtida nas bilheterias de todos os cinemas do mundo em 2001 atingira o montante de US$ 17,5 bilhões. A interpretação destes números mostrava que, para os cinemas tornarem-se digitais, seria necessário tomar mais de cinco anos de lucros da indústria cinematográfica e aplicá-los integralmente na mudança tecnológica. No final do ano de 2000, a NASDAQ começaria a ruir. Durante a década anterior, havia sido construído um grande número de salas de cinema apoiado no conceito de multiplexes e megaplexes, impulsionados pelo crédito fácil e pelas perspectivas futuras que o cinema ofereceria ao convergir para o ambiente digital. As análises de diversos estudiosos apontavam para a existência de mercados saturados, com ofertas excessivas de salas, como era o caso do mercado norte-americano com quase 37.000 telas4, sendo que um terço destas havia sido inaugurada nos últimos sete anos. Um multiplex, após alguns poucos anos de vida, insuficientes para retornar o capital dos seus investidores, via-se obsoleto pela abertura de um concorrente em sua vizinhança, maior, mais moderno e com mais recursos técnicos. Assim como as geladeiras, as salas de cinema não faziam parte da “nova economia” da NASDAQ, que entrou em uma espiral que derrubou em 62% os valores dos ativos desta bolsa. Cinco dos dez maiores operadores da exibição norte-americana foram à falência ou à concordata. Nos próximos anos, assistir-se-ia a uma reordenação do mercado cinematográfico, fortalecendo alguns grandes circuitos, como a AMC, que incorporou a LEOWS e parte dos cinemas da HOYTS. A REGALL, adquirida pelo investidor canadense Philip Anschutz, seguiu pelo mesmo caminho e se fundiu com a UNITED ARTISTS, EDWARDS e CONSOLIDATED THEATERS. Por fim, a CINEMARK se fixou em diversas regiões, em especial na América Latina, a se destacar no Brasil, onde atingiu uma hegemonia absoluta, sendo detentora de quase um terço do mercado. Outro tradicional exibidor que entrara em concordata, a CARMIKE, conseguiu se estabilizar e adquiriu a GKC THEATERS. A UCI acabou por ser vendida, devido à crise de um de seus detentores, a UNIVERSAL. Foi adquirida pela TERRA FIRMA, um fundo de investimentos inglês que tomou • o controle, também, do maior circuito inglês, • o ODEON, e, ainda, das salas pertencentes a WARNER LUSOMUNDO na Espanha e em Portugal. Desta forma, constituiu-se no maior circuito europeu com mais de 1.800 salas. A derrocada da VIVENDI, que detinha o cocontrole da UNIVERSAL, culminou na compra dos ativos dos estúdios e parques pela NBC5, constituindo a NBC-UNIVERSAL. Trata-se de um caso tão fora do comum que vale a pena ser lembrado. A VIVENDI, uma centenária empresa de fornecimento de água da França (Compagnie Générale des Eaux), expandiu seus negócios em setores de transporte e energia. Participou da fundação da primeira empresa de televisão paga da França, o Canal+ e, posteriormente, adquiriu a PATHÉ. Seu próximo grande passo foi a aquisição da divisão de entretenimento da SEAGRAM, o maior engarrafador de bebidas destiladas do mundo, que controlava os estúdios UNIVERSAL. A VIVENDI, que teve por décadas um enfoque em bebidas, já não tinha interesse no setor, adquirindo apenas os ativos do setor audiovisual e parques, deixando as outras atividades do conglomerado para serem adquiridas pela PERNOUD RICARD. O presidente da VIVENDI, tratado como um grande gênio da nova economia, Jean-Marie Messier, acreditava que, num futuro de médio prazo, os conteúdos seriam baixados na internet assim como se recebe água pelas torneiras. Diante de uma dívida de mais de US$ 10 bilhões, a UNIVERSAL foi vendida na “bacia das almas” para a NBC. Nasce o DCI – Digital Cinema Initiative O custo de cópias em um lançamento é um fator primordial na comercialização de um filme. Os investimentos neste item rivalizam-se com os empregados na publicidade e promoção dos filmes. Avalia-se que são investidos de US$ 2 a 3 bilhões por ano na copiagem e que se empreguem outros US$ 1,5 a US$ 2 bilhões para armazená-las e fazer seus tráfegos entre cinemas. Portanto, mesmo em se conhecendo os altos custos de investimentos para a mudança tecnológica, ao se avaliar em prazos superiores a cinco anos, detecta-se a capacidade de obter os recursos necessários para a digitalização das salas mediante a não-oferta de cópias em filme. Ou seja, utilizando-se os valores que deixam de ser aplicados em cópias positivas de 35mm, pode-se financiar a instalação de equipamentos de projeção digital. O grande entrave neste processo de substituição tecnológica encontra-se nos seus prazos. É necessário que durante esse processo não ocorra o aumento do custo unitário das cópias em 35mm em decorrência da queda do volume total. Tal perspectiva pode ser facilmente aferida quando se analisa a tabela de preços dos serviços de laboratórios: quanto maior o número de cópias, menor é o preço unitário de cada uma. De certa forma, tal premissa pode ser extrapolada para a substituição digital: se houver uma queda significativa do número de cópias positivas em decorrência do uso de “cópias virtuais”, haverá a tendência de que as cópias em película fiquem muito mais caras. Portanto, as ações devem ser articuladas, seguindo cronogramas que estabeleçam substituições regionais e que não demandem prazos muito longos. A NCM – National Cinemidia A tranquilidade advinda dos mais de três anos em que o DCI trabalhou sobre as normas, que foram finalizadas em documento divulgado em julho de 2005, permitiu que diversas experiências fossem introduzidas e testadas, a começar pela estruturação de empresas que explorassem a “mídia tela” ou “cine publicidade”. A AMC, a REGALL e a CINEMARK criaram uma empresa para explorá-la, a NATIONAL CINEMIDIA (NCM), que fez um grande plano com a introdução de projetores digitais para a exibição de filmes publicitários. Além de exibir publicidade, a NCM seria responsável pelas negociações com as majors visando efetivar a substituição tecnológica. No ano de 2005, o faturamento da publicidade nas telas dos cinemas tinha crescido 20,6%, com um montante total de US$ 528 milhões. A NCM, além de exibir filmes comerciais, tinha lançado conteúdos não-tradicionais aos cinemas, como o show do Rolling Stones no Rio de Janeiro, apresentações de Lionel Richie, de Bruce Springsteen, de Bon Jovi, óperas do METROPOLITAN de New York, jogos da NBA, corridas da NASCAR e palestras online de di-versos autores de livros. Os preços de ingressos que davam direito a serviços de comidas e bebidas chegavam a US$ 30 e atendiam mais de 200 cinemas espalhados pelos EUA. No campo da publicidade observou-se que há potenciais para crescimento, mas que a disputa com outros veículos tradicionais ou com outros em expansão, como a internet, coloca os cinemas em um ambiente hostil, em que seu “custo por mil”6 é exageradamente alto, embora a qualificação dos espectadores atingidos remeta a um estrato social mais elevado. O financiamento necessário para a substituição dos equipamentos e sistemas de exibição digital nos cinemas terá que sair na sua maior parcela da própria substituição da película cinematográfica, cabendo às outras atividades uma parcela bem menor. Como se sabe que os custos de manutenção dos projetores digitais são muito superiores àqueles aplicados nos projetores mecânicos de 35mm, passou a ser comum a afirmação que os investimentos da substituição tecnológica têm que ser majoritariamente da parte “distribuidor-produtor” e que os custos de manutenção e da operação sejam de responsabilidade exclusiva do exibidor. Tais posturas apontam para uma acentuada evolução do que se ouvia no período anterior à constituição do DCI e que traziam proposições de agentes especuladores no processo de substituição tecnológica. É claro que a divulgação pelo DCI de normas claras sobre os diversos parâmetros da tecnologia a ser utilizada facilitou um planejamento de médio e longo prazos, eliminando as conjunturas oportunistas propostas por fabricantes de equipamentos e de softwares. O V.P.F. – Virtual Print Fee 4) O integrador tecnológico adquirirá os equipamentos e softwares necessários à instalação nos cinemas. Os fundos virão do agente financeiro ou do integrador, neste caso, quando houver a constituição de sociedade com fins específicos. 5) O agente financeiro terá como garantias aos empréstimos efetuados ao integrador ou fornecedor tecnológico os V.P.F.s concedidos pelos distribuidores-produtores a serem pagos por conta da entrega das cópias virtuais de seus filmes. 6) Os V.P.F.s são pagos pelos distribuidores diretamente ao integrador tecnológico, conforme a cessão da cópia virtual, deduzindo a cada aporte a dívida existente entre o exibidor e o integrador. 7) Depois de um prazo determinado em contra-to, necessário para a amortização total do financiamento, o equipamento é repassado ao exibidor, que passa a ser o seu proprietário. É uma operação financeira com uma engenharia complexa, porém bastante comum nas operações de alto risco que vigoraram no período que se iniciou nos finais dos anos 90 e nesta primeira década de século. A operação descrita envolve uma série de questionamentos, a começar pela desconhecida vida útil dos projetores DLPCINEMA, a qual dificilmente ultrapassará dez anos, embora os muitos técnicos digam que o prazo mais garantido não ultrapassa sete ou oito anos. Os críticos mais ferozes do modelo dizem que há dois componentes do projetor que não permitirão tal durabilidade: o tubo óptico, que recebe uma forte incidência de calor provocado pelas potentes lâmpadas e, ainda, o chip DMD, que tem um mecanismo complexo de vibração dos microespelhos. Outro aspecto amplamente discutido refere-se ao fato de que as especificações do DCI não são atendidas completamente pelos equipamentos hoje existentes. Portanto, como é típico no setor de informática, haverá atualizações e versões contínuas que deixarão obsoletos os equipamentos hoje fornecidos. Para tanto, compara-se a primeira geração de projetores e servidores com a resolução de 2K, que não são capazes de projetar filmes em 3D. A Primeira Implementação Baseada no V.P.F. As objeções técnicas não foram suficientemente convincentes para barrar o início do processo de negociações e de implementação das primeiras salas digitais. Em 2006, os estúdios fecharam o primeiro contrato baseado no V.P.F. nos Estados Unidos. Foram firmados com os circuitos exibidores, propondo a digitalização de 4.000 salas de exibição. Esses primeiros contratos constituíram a chamada “Phase One”, com a participação da DISNEY, FOX, PARAMOUNT, SONY e UNIVERSAL. Como fornecedores tecnológicos foram eleitos a CHRISTIE AIX e o laboratório TECHNICOLOR. O primeiro é uma associação entre o principal fabricante de projetores digitais DLPCINEMA, a CHRISTIE7 e o desenvolvedor de softwares ACCESS IT8, que se associaram no final de 2005 e firmaram contratos com a SHOWCASE, CARMIKE, GALAXY THEATRES, CINEPLEX, CINETOPIA, CINEMA WEST SCREEN, ULTRASTAR, EMAGINE e RAVE. A TECHNICOLOR9, por sua vez, foi contratada por diversos exibidores para ser o fornecedor tecnológico de seus cinemas: NATIONAL AMUSEMENTS, MANN, ARCLIGHT, WEHRENBERG, ZYACORP e CLEARVIEW, dando preferência à integração digital de novos complexos cinematográficos. Embora não seja divulgado, avaliamos que esse laboratório digitalizou cerca de quinhentas salas cinematográficas da “Phase One”. A Formação do DCIP (Digital Cinema Implementation Partners) O Financiamento dos Equipamentos para o 3D Voltam as Discussões sobre o V.P.F. Em julho de 2008, a agência de notícias REUTERS veiculou que a DCIP fechara um acordo com a FOX e que estava em vias de chegar a um termo com a PARAMOUNT e DISNEY, o que de fato foi amplamente noticiado em 10 de outubro do mesmo ano. Fora firmado um mega-acordo com a LION’S GATE, PARAMOUNT, FOX, UNIVERSAL e DISNEY, capaz de atender até 20.000 salas dos mercados norte-americano e canadense, com valores alternativos à cessão de cópias digitais entre US$ 750 e US$ 1.000. Na mesma data, o consórcio anunciou que estava próximo a fechar a mesma operação com a WARNER e com a COLUMBIA, neste último caso, envolvendo projetores da fabricação da SONY com resolução de 4K, nos modelos SXR-D210 e SXR-D220. Os custos médios de cada cabine de projeção, seja em DLP, seja em SXRD, foram previstos em US$ 70.000. Especulou-se que o termo assinado totalizava mais de US$ 1 bilhão, agenciado pelo banco J.P.MORGAN CHASE e BLACKSTONE GROUP. A perspectiva de se ter um bloco de exibidores solucionando apenas seus interesses próprios criou um ambiente incômodo. Mesmo que haja dificuldades em obter os recursos necessários num ambiente francamente hostil ao capital de risco, como é o caso da substituição tecnológica, as formulações dos acordos estão prontas e, como o executivo máximo da DCIP previu, quando houver um ambiente mais favorável, já se têm as condições definidas. Um silêncio passou a vigorar após estes anúncios, dando a impressão de que os problemas econômicos crescentes desde a crise do subprime, que praticamente quebrou o sistema financeiro dos Estados Unidos, inviabilizariam a substituição tecnológica. Até o final de janeiro de 2009, quando se divulgou, no MOVIELINE INTERNATIONAL10, que a PARAMOUNT decidira acelerar a instalação de cinemas digitais no padrão DCI e no formato 3D nos Estados Unidos e no Canadá, dando continuidade aos acordos previamente feitos com a DCIP, com a CINEDIGM11, a KODAK e a SONY, permitindo que outros exibidores integrem o processo, podendo, para tanto, obter recursos de financiamentos próprios, desde que sigam as referências do DCI e da SMPTE. Para a Europa, firmavam acordos com a XDC, ARTS ALLIANCE MEDIA e YMAGIS. Para a Ásia, com a DCK e GDC. No mesmo boletim, listavam-se as produções em 3D para 2009: 18 longas-metragens em produção. Para 2010, já existem quinze filmes contratados e, finalmente, para 2011, cinco filmes previstos. O Financiamento no Brasil A decisão tomada pelas associações das empresas exibidoras cinematográficas, embora possa parecer estranha, objetivou solucionar o ponto mais complexo no financiamento dos equipamentos. Os impostos aplicados sobre projetores e servidores digitais seguem uma formulação conhecida como “incidência em cascata”, que significa que primeiramente são aplicados os impostos federais e depois os estaduais para, por último, recaírem ainda as taxas e as despesas alfandegárias. Neste regime, um primeiro imposto, no caso o Imposto de Importação (I.I.), recairá sobre o preço dos equipamentos no país de origem, acrescido dos custos de frete e seguros de origem. O segundo imposto a ser aplicado, ainda em âmbito federal, o I.P.I. (Imposto sobre Produtos Industrializados), recairá sobre a somatória do preço do equipamento no país de origem, acrescido do frete e dos seguros, mais o valor do Imposto de Importação e, assim, vai recaindo cada imposto sobre as somatórias anteriores. Além do princípio de aplicação de impostos em “cascata”, outros importantes fatores devem ser considerados para a análise das alíquotas incidentes sobre um produto importado. O primeiro refere-se à existência de produtos similares fabricados no país. Embora os equipamentos no padrão DCI sejam de complexa concepção e produção, há diferentes entendimentos que determinam que, mesmo não se produzindo, por exemplo, servidores dedicados para a projeção digital, outros servidores são produzidos no país, havendo, portanto, produto similar nacional. Com isto, não se proíbe a importação de servidores, mas aumenta-se a alíquota incidente sobre o bem importado. As situações expostas agravam-se com fatores indiretos e que acabam por interferir na redução dos custos das cabines de projeção digital. Criaram-se no Brasil, desde a década de 40, legislações específicas que visam defender setores industriais incipientes, dificultando a entrada de similares produzidos no Exterior. Muitas vezes, tal protecionismo acaba em medidas descabidas, como a Lei de Informática, promulgada no governo do Presidente Sarney, que não permitia a importação de computadores e programas. Pretendia-se, com tal rigor, desenvolver a indústria local, o que acabou por não acontecer. Muito pelo contrário, tal lei proliferou a montagem de equipamentos em fundos de quintal e incentivou uma ampla rede de contrabando, que fornecia inclusive para os fabricantes nacionais que teoricamente estariam sendo beneficiados com as limitações impostas. Diferentemente do que ocorreu aqui, uma política bem-sucedida aconteceu na Índia, onde o governo desfez qualquer limitação à importação de equipamentos (hardwares) e restringiu a importação de softwares, fazendo prosperar um dos mais fortes centros de produção de programas e centrais de callcenter, instalados na cidade de Bombaim. A defesa da indústria nacional e da substituição de importação manteve fortes influências sobre órgãos do governo e nas classes políticas. Se os princípios são extremamente válidos e propiciam o desenvolvimento de nossa indústria, principalmente em setores em que existe uma escala de consumo que permite a instalação de fábricas em território nacional, ela cria sérias deformações. No caso da atividade da exibição cinematográfica em que os valores envolvidos são pequenos12 e os equipamentos utilizados, em sua maioria, não são produzidos no Brasil, a aplicação de altas alíquotas sobre a importação não faz sentido. Esta situação se vê piorada pela pouca força que as empresas exibidoras têm para a formulação de lobbies capazes de alterar a legislação ou normas vigentes. Um processador de som DOLBY DIGITAL, utilizável exclusivamente em cinemas, é classificado como se fosse o mesmo equipamento para o uso do méstico, enquadrando-se nas faixas mais altas de tributação, pois, sem a perfeita observação do diferencial específico do uso, constata-se a existência de similares nacionais. Valor Soma em “cascata” Com base na tabela descrita, aplicada para uma empresa que se submete ao regime contábil de lucro real, o acréscimo resultante da aplicação das alíquotas dos impostos em “cascata” e do pagamento dos fretes e dos seguros para trans-porte representará um acréscimo de 102,05% no preço de venda dos equipamentos na fábrica no Exterior. Em termos práticos, em se tendo um conjunto de projetor e servidor que custe US$ 70.000, este chegaria ao Brasil pelo valor de US$ 141.435. Neste caso, estamos nos referindo a um projetor digital no padrão DCI para projeções em telas de até 15 metros de largura com filmes tradicionais. Para projetar filmes em 3D, será necessário acrescer mais US$ 50,000, referentes ao licenciamento, aos softwares,à eventual mudança de tela do cinema e aos óculos para as projeções. Os investimentos para a instalação deste projetor apto a realizar projeções tridimensionais incluídos os impostos pularão para US$ 242,460, afora os custos de instalação que custarão outros US$ 10,000, o que equivale a quase 60% dos investimentos necessários para a construção de uma moderna sala de cinema tradicional, de primeira linha, como aquelas construídas pela CINEMARK, UCI ou KINOPLEX, tendo incluídas as despesas de obras civis, poltronas, ar-condicionado, tapetes, telas, sonorização e equipamentos de projeção. Mesmo dando como exemplo apenas os valores referentes ao projetor digital e ao servidor capazes de exibir filmes 2D no padrão DCI, com a aplicação dos impostos atingiu-se o valor de US$ 141,435. Tendo um financiamento composto de pagamentos de V.P.F.s, como vem sendo adotado nos Estados Unidos com um pagamento de entre US$ 750 e US$ 1,000 por “cópia virtual” cedida, serão necessários mais de 180 lançamentos para cobrir o investimento na substituição tecnológica de cada sala. Em se considerando o número de 15 lançamentos por ano, que é a média atingida no Brasil serão necessários quase treze anos para pagar os investimentos, mesmo assim sem considerar os juros de financiamentos que, no mínimo, dobrarão esse horizonte de retorno dos investimentos. Em termos bem simples, mesmo em se desconsiderando as taxas de juros brasileiras (que estão arroladas entre as mais altas do mercado internacional) e a manutenção dos equipamentos, o prazo para se pagar os equipamentos é superior à sua vida útil. Figura 10 Pelo sistema de V.P.F., temos diversos participantes envolvidos na substituição dos equipamentos digitais. Quando um exibidor deixa de receber uma cópia em 35mm, fará jus a uma remuneração em um valor tratado com o distribuidor. É o V.P.F. (Virtual Print Fee) que será pago ao Integrador Tecnológico que fornecerá os equipamentos e os sinais para a sala de exibição. O Integrador pode ser uma empresa especializada como a TECHNICOLOr ou uma sociedade constituída para administrar os recursos e adquirir os equipamentos e serviços de terceiros. Esse mesmo integrador é responsável por captar os recursos junto a agentes financeiros para a compra dos aparelhos e dos serviços de fornecimento do sinal. Os V.P.F.s negociados com os distribuidores serão a garantia para tal captação. Capítulo VI Transformações no Cinema Digital Cinema Digital x Cinema Eletrônico Um dos conceitos mais discutíveis sobre o cinema digital foi formulado na introdução do texto das especificações do DCI. É afirmado que: A combinação dessas tecnologias digitais (escaners de alta resolução de filmes, sistemas de compressão da imagem, redes de transmissão e armazenamento de alta velocidade, e sistemas avançados de projeção) tem permitido muitas demonstrações impressivas do que agora é classificado como “Cinema Digital”... Essas demonstrações têm criado um alto grau de discussões e confusões acerca dos níveis de qualidade, das especificações de sistemas e dos padrões de construção necessários para implementar um sistema de Cinema Digital abrangente... Todas as partes envolvidas na prática do Cinema Digital devem estar confiantes que seus produtos e serviços são interoperacionais e compatíveis com os produtos e serviços de todos os participantes da indústria. Tal introdução de texto e as consequentes entrevistas dos membros do DCI criaram a sensação de que havia uma pretensão de se diferenciar o padrão que será adotado pelos grandes estúdios daqueles com características inferiores, designados como “cinema eletrônico”. Logo mais, circulavam diversas interpretações na imprensa especializada debatendo a divisão entre o que será o “cinema digital” e o “cinema eletrônico”. À parte as considerações de que o DCI defenda os interesses imediatos de quem lhe banca, há diversas outras sobre o tema, algumas delas discutidas na quase centena de palestras e debates que empreendi nos últimos anos, tendo diferentes interlocutores, que tanto exploram os padrões do DCI como os alternativos. A primeira questão em discussão é a supremacia do sistema DCI sobre os outros padrões, em especial os que usam o MPEG-4 para a produção de conteúdos ou para transmissões. Os que o defendem afirmam que esses padrões não seriam inferiores tecnologicamente ao padrão DCI. Existe uma aparente lógica de que os padrões técnicos equivalem-se em termos de alguns de seus atributos, como a resolução de 2K tanto para o padrão HD como para o DCI. Tal afirmativa, contudo, toma apenas uma única referência técnica e tenta transformá-la em verdade absoluta. Mergulhando em detalhes, se a afirmação da supremacia do padrão DCI pode parecer arrogante, ela tem conceitos fundamentados e precisos. Para se obter as características técnicas necessárias para a substituição do 35mm, os estúdios norte-americanos desenvolveram um complexo arcabouço teórico, baseado no que há de mais avançado. Tanto é assim que uma considerável parte dos atributos constantes nas normas desenvolvidas pelo DCI, nas versões 1.0 e 1.2. do Digital Cinema System Specification1 , não está disponível na tecnologia hoje vigente. Por conta deste atendimento apenas parcial, recebeu a crítica mais contundente de um dos maiores especialistas do setor, Michael Karagosian, que afirma que, não existindo nenhum equipamento que atenda às demandas do comitê, o critério do que seja uma cabine de projeção no padrão DCI passa a ser subjetivo. No Festival do Rio de 2007, discutimos a questão da padronização universal que os estúdios estão adotando. Expus que a adoção de padrões graduais seria o mais adequado. No Brasil, por exemplo, haveria dois padrões, o DCI, que seria utilizado pelos cinemas de “primeira linha”, e um padrão inferior, como o já utilizado pelo sistema RAIN, que seria usado para atender aos “filmes-de-arte”, às produções locais e aos cinemas de periferia e das cidades do interior que não tivessem condições de arcar com os custos da dispendiosa substituição prescrita pelo DCI. Os filmes estariam disponíveis para ser exibidos nas duas configurações. O engenheiro ouviu-me pacientemente e disse que tal discussão já ocorrera na Índia e, para minha surpresa, na Inglaterra, onde o UK COUNCIL optara por um sistema alternativo para a exibição de conteúdos locais e de cinematografias minoritárias para uma cadeia de 200 cinemas espalhados pelo país. O DCI ignorou tais considerações, mantendo o padrão único. A proposição de ter sistemas diferenciados conforme a potencialidade econômica da sala exibidora pode parecer exótica ou mesmo um “jeitinho brasileiro” de se acomodar às questões de difícil solução, como assistimos a toda hora nas legislações aprovadas no Congresso brasileiro. Porém, ao formular essa proposição, baseei-me num precedente existente na EG 5-1994 (Engineers Guide da SMPTE) sobre a luminosidade das projeções em 35mm. Os padrões diferem-se para os “cinemas lançadores” e os de “segunda linha” 2, que, na atividade de exibição norte-americana dos anos 70, representavam os que davam continuidade na exibição dos filmes ou que recebiam uma cópia já exibida em outro cinema. Karagosian sabia ao que estava me referindo e julgou razoável a proposição. Não se trata da adoção de um sistema alternativo, mas sim, da adequação dos padrões às realidades econômicas dos circuitos exibidores, especialmente em países em desenvolvimento que, quase sempre, têm suas condições aquisitivas agravadas pelo baixo preço do ingresso e por legislações tributárias obsoletas e restritivas, que só se alteram em longo prazo, suficiente para debilitar um setor empresarial como o da exibição cinematográfica. O padrão DCI é fantástico em termos qualitativos. Obedeceu com rigor às proposições iniciais projetadas pelos seus integrantes-financiadores, isto é, ao que os grandes estúdios cinematográficos consideram como as melhores condições do espetáculo cinematográfico, diferenciando o por larga margem às exibições domésticas, por melhores que estas possam ser. Até hoje, em todas as exibições de filmes no referido padrão, vemos exibidores ou técnicos espantados com sua qualidade. São projeções perfeitas, no melhor padrão, daquelas efetivadas pelas películas 35mm, caso estas não se degradassem nas sessões continuadas, não sofressem riscos, não acumulassem poeira e não perdessem as cores em consequência do calor que a forte lâmpada xenon aplica sobre elas. Além do mais, o rigor estabelecido para os equipamentos de projeção digital no padrão DCI não permite a degradação da luminosidade da projeção. O controlador de datas do projetor, simplesmente, não comuta a lâmpada ao término do prazo de vida útil recomendado para ela. Entre os atributos adotados pelo DCI, o principal que o diferencia dos outros sistemas não é a resolução de 2K, que é referência igual para outras projeções de alta resolução, mas encontra-se na adoção da compressão JPEG-2000. Foi a grande surpresa na divulgação das normas, visto que, até então, todas as previsões endereçavam pela adoção mais difundida do MPEG-4, usada na internet e na televisão digital, ou pelo MPEG-2, que tem uma menor taxa de compressão, sendo adotado para a produção de dvds. Os pioneiros no cinema digital, no Brasil, a TELEIMAGE e a RAIN NETWORKS, adotaram respectivamente os sistemas de compressão MPEG-2 e MPEG-4. Alguns laboratórios de desenvolvimento de sistemas digitais, como a CINECOMM, a TECHNICOLOR e a BOEING, tinham apostado nas suas pesquisas anteriores à constituição do DCI em sistemas de compressão mais sofisticados e menos acessíveis. A opção do DCI, embora estranha, é bem fundamentada. A compressão da imagem no JPEG 2000 não ocorre entre fotogramas, com a apropriação parcial de fotogramas, como ocorre nos programas MPEG. A compactação no padrão DCI, assim como nas máquinas fotográficas digitais, ocorre apenas na redução do espaço de memória utilizado para cada foto. Cinema, para o comitê dos estúdios, continua sendo uma sequência de imagens em movimentos. Mais, uma sequência de imagens completas em cada fotograma. A implantação do cinema digital tem que ser vista, contudo, por outras perspectivas. Por que um cinema do interior tem que ter o mesmo padrão tecnológico daquele situado no melhor shopping center de uma capital que cobra um ingresso com preço até 75% superior? Não bastasse a questão financeira envolvida no preço do ingresso, temos realidades bem opostas das existentes nos paises desenvolvidos, em especial no mercado norte-americano. Aqui, existem apenas 2.100 salas de cinema, destinadas a atender a uma população de quase 200 milhões de habitantes3. Em termos estatísticos, temos uma sala de cinema para quase 100.000 habitantes. A oferta é mais desigual, com muitos cinemas instalados no Sul e Sudeste e poucas salas disponíveis nas demais regiões. Mesmo nos Estados mais bem atendidos, há uma evidente falta de oferta de cinemas, como pode ser atestado em uma pesquisa da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, em 2001, que aferiu a existência de cinemas em menos de 30% dos municípios do Estado. Para se comparar, os Estados Unidos têm, hoje, mais de 39.000 telas, portanto, uma tela para cada 7.700 habitantes espalhadas em qualquer canto do país4. Podemos comparar, também, com outros países desenvolvidos, como a Espanha, que, com mais de 4.000 cinemas, tem uma sala para cada 9.500 habitantes. No caso brasileiro, o ideal seria que se aceitassem ao menos dois padrões técnicos e que todos os filmes fossem ofertados para ambos, sem restrições. Porém, não é lógico que se queira impingir aos distribuidores que representam os estúdios norte-americanos a obrigatoriedade de uso de um padrão diferente daqueles que julgam ideal. Ouvi, por diversas vezes, defesas apresentadas por representantes do governo, por representantes de empresas interessadas em oferecer os equipamentos aos cinemas e cineastas que os estúdios majors deveriam se submeter a um padrão nacional. Nacional? Perguntei-me e, depois a eles, mais de uma vez: nacional em que aspecto, se os softwares básicos e os equipamentos são fornecidos por empresas estrangeiras? Como já escrevi em um artigo publicado no FILME B, em abril de 2007, Bill Gates não acreditaria se lhe dissessem que, no Brasil, discutia-se a adoção obrigatória de um sistema de cinema digital que utilizaria como base o WINDOWS MEDIA PLAYER. Provavelmente, Gates perguntaria a algum assessor se não era neste país que ele estava sendo processado por “vendas casadas”, um delito contra a economia popular que consiste em obrigar alguém a comprar um produto que não quer para ter acesso a outro de que necessite, como ocorre com o pacote “WINDOWS OFFICE”... Podemos afirmar que o padrão DCI adotado pelos grandes estúdios representa um padrão de qualidade que supera as projeções atuais de 35mm. Tanto é assim que os projetores utilizados para tal fim, com as características mais intensas de luminosidade, podem ser adaptados para o uso em filmes 3D, como vem ocorrendo. Nessa utilização, aliás, detecta-se a necessidade de padronização dos sistemas de projeção. O DCI considerava fundamental fazê-la para não se repetir, como já comentamos por diversas vezes, os acontecimentos da digitalização do som nos cinemas, quando foram lançadas três diferentes tecnologias. Quando as projeções em 3D digital surgiram, o DCI já tinha divulgado seus padrões, ficando essa tecnologia de fora. Antes que retornasse às discussões do comitê, já existiam três sistemas tridimensionais, com diferentes princípios e funcionamentos. As salas que tinham sido digitalizadas para projeções de filmes tradicionais, com um cálculo de luminosidade exata para os seus tamanhos de tela, não poderão utilizar os mesmos projetores para exibições em 3D, em consequência da grande perda de luz na polarização das imagens das projeções tridimensionais. Mesmo com essas ressalvas, verifica-se que a possibilidade de se adotar o formato tridimensional em equipamentos que não foram concebidos para tal destino apenas confere atributos de qualidade à concepção do DCI. Extrai-se, ainda, dos acontecimentos a afirmação que os padrões adotados podem (e, devem) ser alterados conforme os avanços tecnológicos. Isto é algo novo e extremamente perturbador para o setor de exibição, que está acostumado a manter as tecnologias sem significativas alterações por décadas. À parte essas considerações, podemos afirmar que é no mínimo injusto atribuir a nomenclatura de “cinema eletrônico” para as exibições de filmes em padrão que não seja o do DCI. Qualquer tipo de projeção que se efetue mediante suportes ou transmissões que não sejam analógicos é digital. Apenas as projeções por meio da película cinematográfica ou de fitas magnéticas é que não são digitais. E, mesmo assim, no último caso, o das fitas magnéticas, as limitações são reduzidas porque algumas fitas magnéticas são utilizadas para o registro de sinais digitais, como é o caso da BETACAM DIGITAL. Quanto aos projetores, todos aqueles que utilizam dispositivos de processamento digital pertencem a este universo. Em termos simplificados, são digitais os “projetores de vídeo” que fazem a projeção digital, ou seja, os que utilizam a tecnologia LCD, a DLP, a SXRD, a D-ILA e todos os outros que foram desenvolvidos e que não chegaram ao comércio. Só não são digitais os projetores CRT, que têm as imagens geradas em pequenos tubos de raios catódicos (daí a sigla, que significa Cathode Ray Tube), com muito intensa luminosidade, que as projetam através de lentes que as ampliam, embora alguns modelos destes mostrem projeções excepcionais. O que configura uma tecnologia como “cinema digital” é a capacidade de projetar imagens a partir da decodificação de sinais digitais, independentemente de seu suporte ou formato. Quando falamos em imagens digitais, referimo-nos a sinais que podem ser reproduzidos, copiados ou exibidos em iguais condições, independentemente de qual geração seja. Original ou cópias são iguais, como referia a lenda aos escudos de Marmúrio Vetúrio5. O mais importante no “cinema digital” é que as cópias tenham a qualidade equivalente a sua matriz e que as exibições não se degradem devido ao uso repetitivo ou às condições do equipamento. A qualidade técnica é assegurada ao espectador, sempre. Nesse conceito de fidelidade e igualdade entre as matrizes e cópias e, igualmente, entre as diversas projeções realizadas é que se encontra o cerne da questão do cinema digital. Dele derivam diversos aspectos que já preenchem o cotidiano de um novo cinema: o realismo dos cenários desenhados em laboratórios, na criação de personagens virtuais, a acentuação dos efeitos especiais, a capacidade de se materializar o lúdico. As imagens pretendem ser reais, incorporar-se ao mundo vivenciado, criar sensações permanentes, críveis. Se assim não fosse, o “cinema digital” não teria importância, passaria a ser integrado em nosso cotidiano, como na substituição de uma televisão antiga (CRT) por uma televisão plana de plasma ou LCD. O “cinema digital” é múltiplo, é um arsenal de alternativas, de possibilidades. Distorcendo as Questões do Cinema Digital A diferenciação na classificação sobre o que seria cinema digital nas normas do DCI teve uma forte repercussão. Algumas organizações governamentais haviam encontrado um caminho nas amplas possibilidades oferecidas por equipamentos mais simples e na consequente eliminação de investimentos em cópias cinematográficas para divulgar e fazer circular as produções locais, o que permitia, também, a difusão de cinematografias de países que não atingiam o circuito comercial, nem mesmo nos já tradicionais “circuitos de cinemas de arte”. No Brasil, a questão do cinema digital perdeu o eixo central de discussão, indo parar num cesto que mistura tecnologia, ideologia e esperteza empresarial. Abandonando as discussões técnicas e os aspectos positivos que o cinema digital propicia, passou-se a tratar o tema pelo prisma da dominação econômica dos estúdios norteamericanos. Por meio da tecnologia do DCI, ela se imporia, inviabilizando o acesso das obras brasileiras aos cinemas que tivessem tais equipamentos e restringindo a expansão das salas de cinema em locais de poder aquisitivo mais baixo. Narraremos um fato que exemplifica esse raciocínio: em 2006, um grupo de dirigentes das associações sindicais dos exibidores solicitou uma reunião com representantes de órgãos e instituições governamentais. Queriam discutir os dois problemas que mais afligem o setor: a Lei nº 9.610, de 1998, que rege o recolhimento dos direitos autorais sobre os filmes, e a Medida Provisória nº 2.228, de 2001, que regulamenta o direito à meia-entrada para estudantes. Pela Lei nº 9.610, os detentores dos direitos autorais do filme, isto é, o argumentista, o roteirista, o diretor, os animadores (caso seja um filme de animação), o autor da música e os instrumentistas têm direitos de participação sobre a renda das arrecadações do filme nas exibições públicas, ou seja, sobre as arrecadações dos cinemas, dos canais de televisão aberta, da televisão por assinatura e na internet. A legislação brasileira baseia-se na Convenção de Berna, realizada em 4 de maio de 1886, que instituiu o “direito de autor”. Na prática, tal legislação beneficia apenas os músicos que têm sociedades arrecadadoras organizadas e uma central única de arrecadação prevista em lei, conhecida como ECAD – ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO DE DIREITOS, que, diferentemente do que se imagina, é uma instituição de direito privado e não uma entidade governamental. O cinema sonoro traz diversas pistas de som na película. Nelas, tem-se uma série de sons: diálogos, ruídos e música. Por maior que seja • o número de canais de som, todas são misturadas, reproduzindo-se, assim, igual em todas as sessões, as cenas como o diretor as criou. Não há possibilidade de se separar as pistas nas cópias de exibição. No entendimento dos exibidores, o produtor remunerou a um compositor para criar a música do filme, pagou a interpretação para os músicos, arranjadores, instrumentistas e canto-res, supondo-se que o valor remunerado quite, além de cachês para as sessões de gravação, as remunerações para as exibições consequentes. Diz-se que o produtor pagou pelo direito de inserção da música e, também, quitou os direitos de reprodução. Não é assim que as sociedades arrecadadoras brasileiras, que representam os autores e músicos, entendem a questão. Dizem que, ao permitir que uma música seja incluída em um filme, foram pagos apenas os direitos de inserção, devendo os cinemas pagar os direitos de reprodução cada vez que o filme for exibido. Ademais, reivindicam o direito de não permitir a exibição do filme se não houver a autorização prévia dos autores e músicos que elas representam. Isto significa que as sociedades podem, em nome dos autores, não permitir a exibição de um filme, por conta da discordância dos valores cobrados. A mesma questão teve uma longa discussão nos Estados Unidos da América, sendo que, em 1945, a Suprema Corte, a mais elevada instância de Justiça daquele país, determinou que não existem os direitos de reprodução. Caso o autor e os músicos tenham autorizado a inserção, não terão direitos na reprodução. Se nos EUA a decisão foi esta, o mesmo não ocorreu em outros países que adotaram a Convenção de Berna e a de Roma, que legislaram reconhecendo tais direitos. Se não bastasse o nó difícil de desfazer, no Brasil, as relações entre os setores foram intermediadas por muitas décadas pela União, que estabelecia as alíquotas a serem cobradas. Na “desmontagem” das instituições culturais promovidas pelo Presidente Fernando Collor de Mello, foi extinto o CNDA (Conselho Nacional de Direitos Autorais), que àquela época determinava a tabela de cobrança de preços dos direitos autorais. No caso da exibição cinematográfica, cobrava-se 0,5% da Renda Bruta. O ECAD, embora sendo uma instituição de direito privado, avocou a si a prerrogativa de substituto do CNDA e redigiu uma nova tabela, elevando esses direitos a 2,5%. Isto representa, em média, 30% dos lucros que os exibidores têm na venda de ingressos nos cinemas brasileiros. Os empresários de exibição questionam tal poder e argumentam na Justiça que não devem por direitos autorais de filmes oriundos de países que não reconhecem os direitos referentes à reprodução na exibição pública, como é o caso dos filmes norte-americanos, regidos pelo regime de copyright, que representam mais de 80% das bilheterias dos cinemas brasileiros. Justificam que, não havendo o direito em seu país de origem, a cobrança representa uma exportação ilegal de divisas, pois é feita sem a existência do direito. Os distribuidores de filmes estrangeiros dizemse isentos em tal discussão, já que a cobrança, como a lei brasileira determina, é realizada nas bilheterias dos cinemas, não tendo, portanto, qualquer participação nesses custos. A Justiça brasileira não ajudou a solucionar tal confusão. Muito pelo contrário, existem diferentes sentenças em diversas instâncias para ações semelhantes. O outro tema, a Medida Provisória nº 2.228, de 17 de agosto de 2001, foi editada pelo Ministro da Educação Paulo Renato de Souza, visando democratizar o acesso de estudantes à cultura. Por ela, todas as escolas ou associações representativas dos estudantes têm direito de emitir carteiras de identificação estudantil (CIE), que até então só podiam ser fornecidas por poucas associações em um quase monopólio controlado pela UNE/UBES. Argumentou o ministro que a emissão com cobrança de taxas destinadas às entidades beneficiadas era injusta, pois os estudantes mais pobres não podiam pagá-las, ficando alijados do acesso aos espetáculos, shows, sessões de cinema, enfim, aos eventos culturais. O que se pretendia era cortar os recursos financeiros advindos da venda de carteiras estudantis que pelas duas organizações eram destinados às manifestações de oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso (Presidente da República entre os anos 1995-2003). As duas entidades têm sido controladas pelo PCdoB (Partido Comunista do Brasil). O resultado de tal medida foi catastrófico, pois foram constituídas centenas de associações estudantis, falsas ou verdadeiras, quase sempre pouco representativas que tinham como fim único emitir as referidas carteiras. O percentual de meias-entradas explodiu, saindo de patamares próximos a 25% para mais de 60%. Existem capitais brasileiras, como Salvador e Goiânia, onde as meias-entradas chegaram quase a 80% dos ingressos vendidos. Algumas entidades estudantis, como a UNE, tentando melhorar a difusão de suas carteiras, conveniaram-se com empresas como o MCDONALD’S e a PIZZA HUT, que passaram a conceder a condição de estudantes como benefício na compra de seus produtos. Outros, como a RÁDIO JOVEM PAN, emissora da Rádio Panamericana de São Paulo e o STB (Student Travel Bureau) transformaram a emissão de carteiras de estudantes em um negócio por si próprio, vendendo-as sem a verificação de documentos que dessem a titularidade ao portador. Com o crescimento descontrolado do número de meias-entradas, os empresários de shows, de teatro e de cinemas, aumentaram os preços dos ingressos, de forma que aqueles que não possuem a CIE arcam com preços altíssimos para a realidade econômica brasileira. Um projeto de lei que propõe a limitação de meias-entradas a um percentual máximo de 40% dos lugares oferecidos nas salas de espetáculos e cinemas foi apoiado pelas associações representativas de empresários de diversões públicas e por expressivos artistas como Fernanda Montenegro, Marieta Severo, Paulo Goulart, Marília Pêra, Cristiane Torloni. Foi aprovado no final de 2008 na Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal. O projeto seguiu para a Câmara Federal, onde se deve assistir a um dos mais calorosos debates das próximas temporadas legislativas. O Senador Cristóvão Buarque (PDTDF), relator do projeto, fez um forte discurso solicitando o entendimento entre as partes envolvidas, que nos momentos mais difíceis da ditadura militar estiveram sempre juntos, de mãos dadas. Justificou que será difícil e penoso para a sociedade civil entender as razões que agora as levam a se confrontar. Com pouco tempo para atender aos exibidores, a agenda da reunião com os representantes do governo federal foi aberta e encerrada com a discussão de um único tema, que não estava na pauta: a grande preocupação de que os exibidores brasileiros deveriam ter com o cinema digital, que representava o desfecho final da intervenção dos distribuidores e produtores internacionais sobre seus negócios, pois, com os sistemas a serem implantados, os distribuidores gerariam os sinais de uma central da América do Norte, controlando o que seria exibido nos cinemas, os horários de exibição e, até mesmo, a emissão de entradas. O cinema digital, nesta concepção, será o Armagedon da indústria audiovisual nacional, transformando o setor exibidor em um mero operador do capital hollywoodiano. Esse tipo de discussão nega o real funcionamento econômico do cinema. A dominação das telas pelos grandes estúdios dá-se por aspectos inerentes aos conceitos intrínsecos da comercialização de produtos industriais. O conceito de “indústria cinematográfica” não é uma abstração ou uma metáfora. Diferentemente do que muitos pensam, não se define enquanto indústria devido à utilização de máquinas na produção de um filme. Se assim fosse, sapateiros, funileiros e costureiras seriam também industriais, pois utilizam máquinas para produzir suas peças. Artesões assim são, porque embora utilizem máquinas, não possuem um sistema de comercialização industrial de seus produtos. Para ser uma atividade industrial há que envolver uma dinâmica que percorra a produção, a distribuição e termine na venda final do produto ao consumidor. O cinema tem esta dinâmica, configurando-se como um processo claramente industrial, ainda mais que as matrizes produzem cópias, sejam elas filmes, sejam fitas, sejam dvds (e, atualmente, arquivos digitais) que, para serem utilizados, devem ser remunerados. Sendo um produto industrial que sofre o processo de transformação, circulação e venda para o seu consumidor, é submetido a uma comercialização que o banaliza, que se sobrepõe ao valor artístico intrínseco. Não há nada de novo nisso, basta ler o filósofo Theodor Adorno (1903-1969). Assim posto, o filme, independentemente de seu valor artístico, será vendido no mesmo processo de comercialização de uma lata de ervilha em um supermercado. No atual ambiente convergente, • o filme tem matrizes que são repetidas em inúmeras cópias, que podem chegar a milhões de unidades, que se destinam à sua venda virtual, ou em prateleirasefetivas dos suportes que os contêm. O fabricante que ofereça melhores condições de negócios, que melhor promova seus produtos e que tenha uma melhor linha de produtos será beneficiado pelo proprietário da loja. Seus produtos serão melhor expostos, tendo espaços privilegiados nas prateleiras, pois eles tenderão a vender mais e oferecerão melhores resultados ao negociante. Pode parecer absurdo, mas as operações com filmes são iguais. Aqueles que fazem • o melhor do gosto popular, que são mais bem divulgados e que estão sob o guarda-chuva de um distribuidor com uma cartela mais rentável a oferecer, serão beneficiados com a oferta das melhores datas e das melhores salas. Considerar filmes como produtos e não exclusivamente como objeto de arte no sentido da cultura formal tem sido visto como uma heresia. Em sentido inverso, tratar cinemas como templos ou igrejas é uma concepção romântica de negócios. Diversas nações separam o que seja o direito da cultura e o direito do entretenimento. Aqui, delineiam-se claramente o equilíbrio das condições sociais da população, buscando-se não alijar os segmentos mais desprovidos do acesso à informação, ao lazer e à cultura. É evidente que os mais pobres devem ter o direito de acessar o último filme de Bruce Willis ou rir com o casal de “Se eu fosse você”, pois o filme está sendo divulgado e faz parte dos desejos de consumo, como qualquer outro produto comercializado. De certa forma, o acesso aos filmes é uma equalização do próprio poder de consumo, é dar equilíbrio entre os poderes de compra dos diversos segmentos da população. Mas, mesmo a partir de tão importante expediente de equilíbrio social, fica muito difícil ser convencido que os “duros de matar”, os “homens-aranhas”, os “jackies-chan”, as “múmias” ou os “simple X” fazem parte de um cabedal da arte... Se os filmes são comercializados como produtos, independentemente de seus valores artísticos, então as relações entre exibidores, distribuidores e produtores dão-se dentro de um regime da obtenção de lucros, num regime capitalista. Os interesses convergem-se a partir do fim comum das partes envolvidas nas operações de exibição de um filme. Daí, há de se concluir que os vínculos estão baseados no interesse econômico, que, pela organização financeira e pela continuidade histórica de fornecedores que ofereceram bens rentáveis sem interrupção, vincula os exibidores brasileiros (e da maior parte dos países ocidentais) aos produtores e distribuidores norte-americanos. José Inácio de Melo Souza, pesquisador e ensaísta do cinema brasileiro, em “Imagens do Passado”6, afirma que, até os anos 20 do século passado, o predomínio cinematográfico internacional dava-se pela indústria francesa, que dominava inclusive o mercado interno dos Estados Unidos. Na época, as companhias francesas PATHÉ, GAUMONT e LUMIÉRE ofereciam os melhores produtos e as melhores condições de negócios. A vinculação do exibidor não se dá necessariamente pela identidade ideológica, como comumente se faz crer, mas pelas maiores possibilidades financeiras que um determinado distribuidor pode lhe propiciar. Basta ver que, na segunda metade da década de 70 e até os meados da década de 80, a EMBRAFILME, uma sociedade de economia mista voltada à produção e distribuição de filmes nacionais, competia em igualdade com os distribuidores internacionais, tendo seus filmes disputados por todos os circuitos, que ali encontravam uma forte alternativa ao produto estrangeiro. Tornou-se comum ouvir da boca de alguns grandes exibidores que o filme nacional era o produto que permitia que se minimizassem as condições dos aluguéis com os distribuidores estrangeiros. A preferência na escolha comercial não era uma questão de nacionalidade, mas sim o resultado que criava na concorrência entre empresas distribuidoras. A Produção e a Distribuição Independente Após a II Guerra Mundial, os estúdios norteamericanos passaram a ter um domínio hegemônico das telas dos cinemas na maioria dos países. Porém, novas formas de produção, principalmente com o avanço do cinema independente, reverteriam, ao menos parcialmente, tal hegemonia. As dezenas de estúdios majors passaram a disputar o mercado com as cinematografias locais, em especial com os países europeus, renascidos das cinzas do conflito bélico e vitaminados pelo Plano Marshall que despejou muitos dólares no continente, visando combater a expansão do comunismo. Essa retomada fez ressurgir algumas grandes marcas e propiciou o surgimento de outras, gerando a abertura de empresas distribuidoras que tinham grandes espaços no mercado, em alguns casos, proprietários de circuitos próprios, como ocorreu com a CONDOR, a ART FILMS e a FAMAFILMES. Surgiram filmes de sucesso que replicavam em temáticas específicas promovendo ciclos de grande repercussão junto ao público. O primeiro ciclo foi o dos filmes com figuras mitológicas gregas, como “Sansão” e “Maciste”, que foram produzidos em sua maioria pela Cinecittá (Itália) e por produtores independentes italianos que seguiram o filão durante o final da década de 50 e começo de 60. Esses mesmos produtores migraram para a produção dos “western-spaghettis”. Algumas das maiores bilheterias da história do cinema no Brasil encontram-se nesse ciclo, com os filmes “O dólar furado” (Un dollaro bucato) e “Django”, distribuídos pela FAMA FILMES. Logo passaram para as comédias eróticas, que teve no ator Lando Buzzanca uma verdadeira estrela. Essas comédias inspiraram o prodigioso e estigmatizado ciclo das “pornochanchadas” brasileiras, que de pornográfico nada tinham, mas que nos deixaram alguns dos melhores e mais populares filmes de nossa cinematografia, como “Os paqueras”, “A viúva virgem”, “Os machões”, “A penúltima donzela” e “Ainda agarro essa vizinha”. Os produtores espanhóis tiveram, também, seus momentos de glória, culminada com os filmes de Sarita Montiel e a atriz-mirim Marisol. “La violetera” e “Um raio de luz” (Um rayo de luz) são, até hoje, mitos da geração dos anos 60. O principal distribuidor dos filmes espanhóis era a CONDOR FILMES. Os mexicanos estiveram no País por meio da estatal PELMEX, que produzia e distribuía os seus filmes. O sucesso popular era tão intenso que constituíram um forte circuito exibidor de propriedade da própria estatal na Zona Norte, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro e na capital de São Paulo. Os atores Miguel Acejas Mejias, Maria Felix, Libertad Lamarque e o cômico Cantinflas, que se transferiria para a COLUMBIA PICTURES7, eram constantes nas telas de todo o Brasil. Alguns cinemas das capitais brasileiras ficaram famosos pela exibição de “filmes fortes”, como foi o caso do Cine Jussara de São Paulo. Em geral, eram filmes franceses, distribuídos pela UNIFRANCE. Faziam os espectadores imaginar o que não viam nas projeções de “Angelique” (Michèle Mercier), nas banheiras ensaboadas de Juliette Grèco e, posteriormente, com os filmes de Brigitte Bardot. Mais tarde vieram os filmes de luta. Começou com os de “kung-fu” produzidos pelos estúdios coreanos, em especial por Raymond Chow, que lançara Bruce Lee, Jackie Chan e Jet Li. Nos anos 80, o cinema popular teve seu ápice com filmes de lutas marciais com os atores Chuck Norris, um ex-campeão mundial de caratê e, por fim, com o dançarino-lutador, Van Damme. O ciclo fértil de sucessos que se contrapunham aos filmes produzidos pelos grandes estúdios foi complementado pela oferta dos grandes sucessos dos Trapalhões, durante a segunda metade da década de 70 e por quase toda a seguinte, seguidos com as frequências espetaculares dos filmes do novo astro, a “rainha dos baixinhos” Xuxa Meneghel. Além destes sucessos com personagens importados da televisão, havia ainda os filmes regionalistas de Sérgio Reis (“Menino da Porteira” e “Mágoas de boiadeiro”), do gaúcho Teixeirinha e do paulista Mazzaropi; os filmes eróticos sem cenas de sexo explícito e as produções mais refinadas do “ciclo EMBRAFILME”, com títulos como “Dona Flor e seus dois maridos”, “O seminarista”, “Xica da Silva”, “Lúcio Flávio”, “O cortiço”, “Barra Pesada”, “Dama do Lotação”, “Iracema a virgem de mel”, “Os sete gatinhos”, “Bye-bye Brasil”, “Pixote”, “Eu te amo”, “Estrada da vida”, “Eles não usam black-tie”, “Luz Del fuego”, “Eu sei que vou te amar”, “Marvada Carne”, “Menino do Rio”, “Bete Balanço”, “Memórias do cárcere” que constituíram os “cabeças-de-lotes” da distribuidora da EMBRAFILME, a qual concorria em igualdade com os selos estrangeiros, tendo sido por alguns anos a recordista em bilheteria do País8. O Primeiro Axioma da Indústria Cinematográfica A televisão foi quem acabou com o modelo vigente de produção cinematográfica, seja a dos estúdios norte-americanos, seja a dos produtores independentes. Os estúdios não estavam preparados para ter uma concorrência efetiva, embora a primeira transmissão de tevê tenha sido efetivada pela PARAMOUNT em 1940. A frequência dos cinemas despencou conforme avançava a cobertura da televisão. Nos Estados Unidos, o número de salas de exibição caiu de 21.000 (1945) para 14.000 (1955). Se em 1946 havia apenas 30.000 aparelhos receptores de televisão, eles saltaram para mais de 46.000.000 em apenas oito anos, sendo que uma parcela considerável deles já era de aparelhos coloridos. Na Inglaterra, 74% da frequência dos cinemas foi perdida entre os anos 1950 e 1962. Entre 1957 e 1967, a França perdeu 51% dos frequentadores dos cinemas; a Alemanha, 70%; a Bélgica, 67%; e a Itália, 30%9. O espectador substituiu o hábito corriqueiro de ver filmes nas telas das salas de cinema para assistir a programas televisivos em casa. Conforme se expandia a recepção de sinais, as frequências dos cinemas caíam. O ritmo da implantação da televisão diferenciou-se em cada país, como no caso do Brasil, com extensões continentais, no qual a cobertura efetiva de todo o seu território só foi atingida em 1982, pelas transmissões via satélite patrocinadas pela EMBRATEL, a estatal montada pelo governo militar para cuidar dos sistemas de telefonia e transmissões em geral. Os produtores de filmes, quando do surgimento de seu primeiro concorrente, estabeleceram uma premissa que vigora até hoje: a exibição de filmes em salas de cinema deve ser uma experiência ímpar, em termos das qualidades. Por qualidades, entende-se projeção em telas gigantescas, sonorizações estereofônicas e ambientes majestosos. Os superformatos derivam desta premissa. Em poucos anos, as salas de cinema experimentaram tecnologias como o CINEMASCOPE com som estereofônico; o TODDAO e o VISTAVISION, em película de 70mm e seis pistas de som; o CINERAMA, projetado com uma tela de quase 180º, e o 3D, seguindo a máxima de se valorizar o espetáculo em detrimento à precária exibição doméstica da televisão monocromática ou colorida com baixa resolução. A premissa da valorização tecnológica da sala de cinema passa a ser um axioma dentro da indústria cinematográfica. Em direção contrária à ampliação da oferta de produtos para diferentes meios e veículos, estabeleceu-se, principalmente nas majors, um desprezo pelo concorrente recém-nascido. Os filmes só eram exibidos na televisão depois de muitos anos decorridos de seu lançamento nos cinemas, o que, aliás, era plenamente explicável pelo longo período destinado à exploração de um filme nas grandes telas. Raramente se cediam os grandes títulos para exibição. Mesmo com o investimento crescente nas superproduções épicas ou musicais, a queda de frequência não estancou. A crise dos grandes estúdios nos meados da década de 60 colocava em discussão as suas sobrevivências. A FOX, por exemplo, viuse envolvida na produção do quase interminável filme “Cleópatra”, que redundou em grande fracasso após mais de três anos de produção, tendo que vender parte de suas propriedades imobiliárias em Hollywood para não fechar as portas em definitivo. Em outros países, principalmente na Europa, a decadência das salas de cinema foi tão intensa como nos Estados Unidos, sendo, contudo, amenizada pelo fato de que a televisão não teve tão rápida expansão, estendendo a agonia por anos, muitas vezes, com o surgimento de ciclos de tendências e gêneros de filmes que pareciam prometer uma recuperação do público. Nesses locais, a lenta velocidade no atendimento da cobertura dos sinais de televisão e a dificuldade na oferta de financiamentos para a compra dos caros aparelhos foram os maiores responsáveis desse ritmo, aliados ao modelo da concessão pública dos canais de televisão. Em muitos países europeus, a televisão não foi concedida à iniciativa privada, mantendo-se sob a guarda do Estado que, por sua vez, priorizou os aspectos culturais e do desenvolvimento pedagógico dos espectadores. A Inglaterra, a França, a Itália, a Alemanha e a Espanha foram alguns dos países que adotaram o modelo estatal da televisão, limitando os atributos comerciais e os atrativos populares (para alguns, popularescos) dos conteúdos em exibição. Atingir grandes audiências não era uma meta primordial desses canais de televisão. Quem Produz, quem Transmite Os estúdios de Hollywood foram os que mais sofreram com o surgimento da televisão e tentaram recuperar seus públicos com a oferta de filmes grandiosos exibidos com projeções e sonorizações nunca antes percebidas. Contudo, o pragmatismo dos investidores soou mais alto e buscou-se os ajustes necessários para a convivência entre os dois veículos. Neste sentido, a experiência institucional da sociedade norteamericana foi uma grande aliada do ajuste. Escaldados por diversas decisões judiciais voltadas à livre concorrência e contra a formação de trustes, as emissoras de televisão e os produtores de filmes foram se enquadrando em seus papéis. Em 1949, a Suprema Corte, após anos de demandas, proibiu que os estúdios fossem proprietários de salas de cinema, forçando-os a vendê-las e destituindo uma fórmula de lançamentos em que os cinemas de propriedade do estúdio lançavam os seus filmes em primeira opção, deixando aos demais circuitos exibidores o papel de serem complementares ou de darem continuidade aos lançamentos, quase sempre em condições negociadas com vantagens que pendiam para o proprietário do filme, o qual, não coincidentemente, era o também o seu distribuidor. A decisão modificou toda a estrutura da indústria e criou uma qualificação definitiva em que o produtor de filmes gera o produto a ser exibido e o exibidor abre suas salas para a exibição. Na televisão, mesmo antes de embates nos tribunais, mas diante da grande queda de público nos cinemas, acordava-se que se deveria estender tal entendimento. Nesse momento, ficou claro que, mais do que concorrer entre si, os veículos complementavam-se, fazendo com que os produtores se dedicassem a diferentes produtos e, mais do que isso, que um filme destinado aos cinemas poderia trazer resultados adicionais quando exibido na televisão após esgotar seu périplo nas grandes telas. Assim, aos poucos os estúdios de cinema passaram a ser os produtores dos conteúdos a serem exibidos nas emissoras de televisão, fazendo surgir algumas práticas que, até hoje, são adotadas no ajuste das engrenagens, como o desenvolvimento de “pilotos” que testam a aceitação popular antes de gerarem programas seriados. Sociedades constituídas em forma de consórcio permitem que se busque o patrocinador do horário a ser exibido, garantindo tanto ao produtor do programa como ao veículo a viabilidade econômica do projeto. Dessa forma, reservouse à própria emissora de televisão uma grade restrita de programas de sua responsabilidade quase sempre vinculados às necessidades de manutenção de equipes permanentes para as suas gravações, como os programas jornalísticos, os esportivos e os shows televisionados. Os demais são produzidos externamente, havendo uma clara distinção entre quem produz os conteúdos e quem os transmite. Diferentemente do modelo norte-americano, as emissoras de televisão estatais passaram a modelar o perfil desejado da grade, produzindo em seus estúdios a programação que será transmitida. O financiamento vinha do próprio caixa da emissora, que tanto podia ser coberto pela destinação de verbas orçamentárias do controlador estatal como pela cobrança de taxas aos espectadores como um tributo optativo para quem deseja ver programas de televisão. Algumas emissoras passaram a fazer contratos privados com produtores que realizavam programas específicos, como minisséries ou seriados. Nas décadas de 80 e 90 do século passado, houve uma ampla revisão da exclusividade da exploração da televisão e em alguns países abriu-se a concessão pública para a iniciativa privada, como as ocorridas na Itália, onde alguns concessionários passaram a transmitir programas de cunho popular que tomaram parcelas consideráveis da audiência das emissoras públicas. Houve o surgimento da MEDIASET, fundada por Silvio Berlusconi, que não só avançou sobre as audiências das outras emissoras como, mediante aquisições de emissoras regionais, transformou-se na rede líder de audiência nacional, catapultando seu proprietário a tal grau de conhecimento público que, ingressando na política, elegeu-se Primeiro-Ministro por três vezes. O Segundo Axioma da Indústria Cinematográfica Os grandes estúdios estavam preparados para novos embates quando surgiu o videocassete (homevideo). O comportamento diante do novo meio foi totalmente diferente daquele empreendido com o surgimento da televisão. A exibição doméstica de filmes trazia novas possibilidades, principalmente porque se tinha uma nova mecânica comportamental do consumidor. Assim como ele escolhia qual filme desejavavernoscinemas,ele poderia escolhê-lo nas locadoras, contrariando o funcionamento da emissora de televisão aberta10 , em que não detém a escolha. Tratava-se de um novo mercado e, na visão dos produtores, era um mercado promissor porque seria capaz de absorver produtos destinados a nichos de mercado (inclusive de produções destinadas exclusivamente à exibição em emissoras de televisão, sem que chegassem às telas de cinema), assim como poderiam reforçar o caixa das produções de menores valores. Tratava-se de uma expansão efetiva das possibilidades de vendas de há muito esperada. Curiosamente, a possibilidade de fazer circular produtos não hegemônicos era, também, uma demanda de produtores independentes. Glauber Rocha (Glauber de Andrade Rocha, 1939-1981)11 , por exemplo, profetizou que, no futuro, o cinema doméstico colocaria fim à ditadura dos grandes estúdios, pois os espectadores poderiam escolher os filmes que desejavam ver independentemente da intermediação dos distribuidores e dos exibidores. A imposição do que se desejava ver seria reduzida pelo acesso direto do consumidor ao filme. Se a proposição de privilegiar o espectador em sua escolha soava como a abolição de um sistema de circulação industrial, a realidade econômica mostrou-se diversa da proposição. A distribuição doméstica de filmes, o homevideo, tornou-se o mais forte aliado dos grandes produtores, abrindo-lhes novas “janelas de exibição” que acrescentavam volumosas somas de faturamento para os filmes em produção. Se o videocassete democratizou o acesso às pequenas obras, sem grande apelo comercial, propiciou por outro lado o surgimento dos “blockbusters”, ou seja, os filmes “arrasa-quarteirões”. Calçados na ampliação da exploração do filme em diversos meios e veículos, puderam expandir os investimentos nos filmes. Um filme que obtiver sucesso nos cinemas será melhor promovido e tenderá a obter maiores volumes de vendas nas fitas para locação e, depois, terá maior valor para a exibição na televisão aberta e na televisão por assinatura. Alguns conceitos que antes pareciam teóricos cederam lugares à prática comercial. O principal deles foi o da “convergência dos meios”, que amplia a capacidade de venda de um mesmo produto-filme, permitindo-lhe que seja explorado no cinema, na televisão aberta, no homevideo e na televisão paga. A “convergência dos meios e veículos” fez com que os estúdios produzissem conteúdos que pudessem ser explorados nas diferentes “janelas de exibição”, que são os veículos ou meios por quais serão exibidos. A denominação do conceito “obra cinematográfica” passou a ser mais amplo, envolvendo qualquer registro de imagens em movimento, modificando as legislações e normas vigentes nos países e nas organizações internacionais. Portanto, a indústria cinematográfica não mais se diferia da televisão ou de qualquer outro meio ou veículo existente ou a ser criado. Se a possibilidade de explorar um mesmo filme para diversos veículos era um grande atrativo, redundando no aumento das suas arrecadações, conhecia-se outra faceta do negócio que carregava uma fragilidade no sistema sequencial das explorações. É comum se dizer que a experiência coletiva da sala cinematográfica é incomparável e que os seres humanos agregam-se tanto nos momentos de dor como de prazer. Trata-se de uma argumentação vigorosa e amplamente difundida que confere às salas de cinema uma longevidade invejável. Porém, há constatações que devem ser apreciadas, principalmente quando os hábitos de consumo envolvem as facilidades do uso e o poder de compra. Se um filme é ofertado simultaneamente em diversos veículos, o espectador tende a assistir naquele que esteja mais acessível e que lhe propicie maiores facilidades. Isso se aplica na escolha do cinema que irá. As pesquisas indicam que, quando existe uma ampla oferta de salas exibindo o mesmo título, antes de optar pelo maior conforto, pela melhor qualidade de projeção ou som, ou mesmo, encontrar o grupo social que freqüenta, o espectador vai ao cinema mais próximo de sua casa12. Portanto, aquela frase colocada no final dos trailers, desde a década de 70, “Breve num cinema perto de você”, foi desenvolvida com profunda precisão, provavelmente construída a partir de pesquisas. A oferta do filme em veículos simultâneos dá uma considerável vantagem à televisão aberta e à por assinatura, que estão às mãos do imediatismo do espectador. Após essas escolhas, a locação de dvd tem preferência, pois não exige uma longa locomoção do espectador, visto que sempre se dispõe de uma locadora perto de casa, com um filme que poderá ser assistido por diversas pessoas a um preço muito mais em conta, como ainda flexibilizará seus horários, já que a locação se estende por períodos variáveis de 48 a 96 horas de duração. Ir ao cinema exige uma decisão antecipada, seguida da locomoção e de um investimento financeiro de seus frequentadores. Os cinemas desde a década de 80 tiveram razoáveis aumentos reais de preços, não só ocasionados pelos investimentos para manter uma tecnologia de ponta, como também pela própria essência do negócio que faz com que o espectador pague mais caro pela precedência em ver um filme. Para a grande maioria do público que frequenta os cinemas, o motivo de assistir a um filme nas salas coletivas e não aguardá-lo para assistir em sua casa é de se atualizar com as novidades, com o que está se falando, divulgando-se, promovendo-se, com estardalhaço midiático dos grandes lançamentos atuais. Por isso mesmo, embora se tenha um maior número de telas ofertadas devido à proliferação dos multiplexes e megaplexes, cada vez mais a indústria cinematográfica sustenta-se sobre a rentabilidade auferida pelos “blockbusters” que atraem multidões que buscam “ser o primeiro a ver o filme”. Tanto é assim que as bilheterias dos dez filmes com maiores rendas do ano no mercado brasileiro atingem percentuais superiores a 40% do movimento financeiro total obtido com a exibição de mais de 300 filmes em um ano. Se ampliarmos para a somatória das rendas dos vinte maiores filmes, menos de 6% dos filmes em exibição, representam até 60% dos valores circulantes no mercado13. E isto não ocorre apenas no Brasil, mas em todo o mercado internacional. Se há uma concentração da rentabilidade dos filmes nas maiores bilheterias do ano, o mesmo não sucede em todos os veículos, até mesmo porque para ter grandes resultados econômicos faz-se necessário reduzir os riscos dos investimentos pela diversificação da carteira dos produtos-filmes. Um filme com elevado custo de produção tem altos riscos que podem ser compensados pela lucratividade gerada por outros filmes que não “explodiram nas bilheterias”, mas que apresentaram bons resultados, permitindo a reposição das perdas. A sala de cinema transformou-se na “vitrine principal” dos filmes. Para um número superior a 300 filmes que são exibidos anualmente no meiocinema, tem-se uma necessidade de mais de 3.000 títulos para os mercados de homevideo, televisão por assinatura e televisão aberta. Os filmes que chegam às telas dos cinemas são a “nata” do sistema. Sendo a “vitrine principal”, o lançamento nas grandes telas redundará na alocação de praticamente todos os investimentos publicitários e promocionais de sua carreira. Um sucesso nos cinemas representará uma maior venda de dvds e provocará maior valor de venda para as emissoras de televisão. São conhecidos casos de filmes que, apesar de não terem tido boas bilheterias nas salas de exibição, obtiveram boas vendas nos outros veículos, em consequência da maciça exposição publicitária quando do lançamento no primeiro veículo. Em contrapartida, são raríssimos os casos de um filme que, não tendo um lançamento representativo nos cinemas, venha a ter bons resultados nos outros veículos. Os investimentos quando do lançamento nos cinemas estendem-se para as comercializações futuras. Pretendendo maximizar a exploração de um filme nas diversas “janelas de exibição”, estabeleceram-se mecanismos que controlam a competitividade entre os diversos veículos de comunicação. É o segundo axioma da indústria cinematográfica: os filmes são ofertados sequencial e gradualmente para cada veículo ou meio. O público verá, obrigatoriamente, os filmes em primeira exibição nos cinemas, porque não há autorização para que sejam lançados nos outros veículos. Depois seguirá para o homevideo, depois para a televisão por assinatura e, finalmente, para a freetv. Cada território cinematográfico tem suas regras que seguem as especificidades regionais e interferem nos prazos das carências. Fatores como o número de salas existentes, legislações restritivas ao número de cópias de lançamento, a tributação sobre as cópias, entre outros, serão determinantes para esses prazos. No Brasil, por muitos anos vigoraram prazos que determinavam que um filme só chegaria à locadora de vídeo após 150 dias de seu lançamento no cinema, à venda direta de dvd ou vídeo ao consumidor em 180 dias, à televisão por assinatura por demanda (payperview) em 270 dias, à televisão por assinatura transmitida (paytv) em 330 dias e à televisão aberta (freetv) 660 dias após o primeiro lançamento. Essa mecânica fundamenta, mais fortemente, o papel de vitrine da sala de exibição e faz com que, em vez de competirem, os veículos trabalhem em sinergia. Esses prazos não têm sido obedecidos por alguns distribuidores que chegam a lançar dvds com os filmes infantis a apenas 90 dias do lançamento nos cinemas. A “Convergência Digital” Os dois axiomas – a valorização tecnológica da sala de cinema e a oferta sequencial dos filmes nas “janelas de exibição” – funcionaram com perfeição durante muitos anos. A sala de cinema oferecia um espetáculo que não era possível se ver em casa. Se o espectador desejasse ser dos primeiros a vê-lo, deveria ir ao cinema. Se não tivesse tal ansiedade aguardaria o lançamento no videocassete, ou esperaria a exibição na televisão por assinatura ou, por fim, na televisão aberta. A tecnologia digital, contudo, avançou e coloca em risco os dois axiomas. A experiência insuperável representada pela alta qualidade da imagem e do som já está disponível para exibições domésticas. Para manter o diferencial entre a exibição na grande tela e o ambiente doméstico exigem-se parâmetros de alto investimento como os que foram previstos para as exibições no padrão DCI e as exibições em 3D com os mesmos equipamentos. O segundo axioma, que prevê a oferta sequencial e não conflitante entre meios e veículos, está sendo abandonado porque, com a introdução das tecnologias digitais de registro e replicagem de filmes, são feitas cópias fiéis e iguais ao original com aparelhos simples e domésticos que estão ao alcance financeiro de qualquer um. A ideia de que, com uma pequena câmera que custasse algumas poucas centenas de dólares, pudesse se gravar um filme exibido na tela dos cinemas e que, antes mesmo de sua chegada nas telas, estivesse disponível na pirataria pelo preço de algumas moedas era inimaginável para os membros dos estúdios e dos empresários de exibição de alguns anos atrás. A ligação dos diversos segmentos das atividades audiovisuais não se efetiva apenas nos aspectos tecnológicos. A “convergência” capaz de destruir a especialização dos equipamentos, produzindo uma geração de aparelhos que misturam as funções e substituem ao mesmo tempo telefones, computadores, câmeras fotográficas, videogames, gravadores de som, agendas e filmadoras, sofreu interferências na formulação do capital e da propriedade das empresas, fazendo com que os grandes estúdios passassem a pertencer a megaconglomerados industriais. É difícil identificar se a aproximação entre os diversos segmentos do audiovisual fez-se por conta da mudança dos detentores acionários ou se eles adquiriram as empresas por conta desta aproximação. Porém, o que se verifica é que os estúdios se encaixaram nos organogramas de grupos industriais como a GENERAL ELECTRIC (GE), NEWSCORP, NATIONAL AMUSEMENTS (NAI), SONY, AOL-TIME-WARNER, só restando a DISNEY como um estúdio originalmente constituído dentro das atividades cinematográficas, embora, desde há muitas décadas, componhase como um tradicional conglomerado que tem valiosas propriedades editoriais, parques de diversões, emissoras de televisão, empresas de licenciamento, formadas a partir de um histórico cartel de personagens originalmente criados para os desenhos animados e quadrinhos. A multinacionalidade e o alcance da força comercial que se impõem não são mais retóricos, tampouco simbólicos. Representam forças que se espalham pelos mais diversos segmentos da economia mundial fortalecidas pelos processos da globalização econômica que permitiu a aquisição e a expansão de empresas em setores e em países que anteriormente tinham o controle limitado pelos Estados Nacionais. Tomemos como exemplo a UNIVERSAL, que foi adquirida pela emissora de televisão NBC quando da quebra da VIVENDI. Constituiu-se o conglomerado NBCUNIVERSAL responsável por um faturamento de US$ 16,2 bilhões. Esse conglomerado, por sua vez, pertence a um megaconglomerado, a GENERAL ELECTRIC (GE), que está presente em mais de cem países e que contrata mais de 300 mil funcionários. Faturam mais de US$ 173 bilhões (2007), ou seja, um conglomerado que fatura quase 15% de todo o dinheiro circulante no Brasil e que é maior do que os PIBs dos países sul-americanos com exceção do Brasil, da Argentina e da Venezuela, sendo que neste último caso por uma diferença de apenas 25% dos montantes. Produz equipamentos hospitalares; militares; de transmissão de sinais; satélites; turbinas para aviões, navios, usinas hidroelétricas; locomotivas; aparelhos eletrodomésticos, fornecendo quase sempre financiamentos para os compradores por meio de um gigantesco banco do próprio conglomerado, que tantopodeoferecerosfundos necessários para a compra das milionárias turbinas quanto para um consumidor que deseja comprar um fogão de quatro bocas. A NBC-UNIVERSAL é uma das seis subdivisões da GE – GENERAL ELECTRIC estampadas em um organograma quase impossível de se identificar. Figura 11 GE GROUP faturou GE COMMERCIAL FINANCE U$ 163 bilhõe (2006). Está presente em Figura 12 A NBC UNIVERSAL faturou U$ 16,2 bilhões em 2006. NBC UNIVERSAL Figuras 11 e 12 O megaconglomerado GE GrOUP é um exemplo dos negócios globalizados e convergidos. Faturou US$ 173 bilhões em 2006. Está presente em cem países e emprega 300 mil funcionários. Divide-se em seis grandes subconglomerados. A NBC-UNIVErSAL é um deles, tendo faturado, nesse mesmo ano, US$ 16,2 bilhões. Em comparação com o Brasil, apenas a PETrOBrÁS (US$ 101 bilhões em 2007) e a Br DISTrIBUIDOrA (US$ 31,2 bilhões) atingiram uma arrecadação maior que esse valor. A VOLKSWAGEN DO BrASIL, o terceiro maior faturamento brasileiro teve um faturamento parecido (US$ 16,7 bilhões). As atividades da NBC-UNIVErSAL envolvem televisão aberta e por assinatura, produtoras de conteúdos para diversos veículos, atividades esportivas, fundos de coprodução, parques de diversão, estúdios e distribuidoras de conteúdos. A citação da GE como potência multinacional e multifuncional que tem um estúdio de cinema agregado à sua estrutura não é uma exceção. A FOX FILMS enquadra-se em um extenso catálogo de empresas pertencentes ao bilionário Rupert Murdoch, sob o comando da empresa mãe NEWSCORP. São empresas que vão desde os jornais sensacionalistas ingleses, passando pelo NEW YORK POST. O DOW JONES, o principal provedor de índices das ações da bolsa de valores dos EUA, que publica diversos informativos financeiros, como o WALL STREET JOURNAL, é, também, uma propriedade sua. É o acionista controlador da SKY e da DIRECT TV, que tem emissoras de televisão por satélite em diversos locais do mundo. No conglomerado, encontramse desde o controle da Liga de Rugby dos EUA até sítios eletrônicos de relacionamento, editoras de livros e revistas e empresas de marketing. Murdoch não é, também, uma exceção. Fez a mesma trajetória de Sumner Redstone, o qual herdando um circuito de cinemas de alcance regional, a NAI – NATIONAL AMUSEMENTS INC transformou-o num megaconglomerado de comunicações capaz de competir com o NEWSCORP ou com a NBC-UNIVERSAL. Abriu empresas para atender às demandas da televisão, acabando por se tornar o proprietário da emissora líder dos EUA, a CBS. Nesse setor expandiu os negócios com o surgimento das emissoras de televisão a cabo, tornando-se proprietário da NICKELODEON e da MTV. Na distribuição de filmes e programas televisivos fortaleceu-se através da VIACOM, que encampou a PARAMOUNT. Para atuar com o homevideo, criou a cadeia de locadoras BLOCKBUSTER e adquiriu os estúdios e o catálogo da DREAM WORKS, pertencente a Steven Spielberg. Embora conste na lista dos homens mais ricos do planeta, sempre foi discreto, sendo percebido apenas quando, num acesso de fúria, demitiu o ator-produtor Tom Cruise, que, segundo sua visão, fazia muitas exigências e dava poucos lucros em troca. Entendeu que pagar uma multa de US$ 100 milhões seria mais barato. Talvez, tenha lhe sido mais prazeroso. É fácil traçar o paralelo da COLUMBIA. Foi adquirida pela SONY após um conturbado processo de consultas que passou pela Suprema Corte e que acabou no Senado. Afirmava-se que os japoneses não estavam comprando um bem, mas a própria mente norte-americana. De toda forma, os interesses da maior empresa de eletrônicos são bastante objetivos. Precisa de softwares que rodem em seus aparelhos e ninguém melhor que os grandes estúdios para desenvolvê-los, sejam eles filmes, videocassetes, dvds ou videojogos. Estes últimos, em especial, tiveram o maior crescimento da indústria audiovisual,passandoaseroseusegmentodemaior faturamento, superando as salas de cinema, os filmes para uso doméstico e a venda de conteúdos para emissoras de televisão por assinaturas. Tão extensa citação dos estúdios tem como fim demonstrar que a indústria cinematográfica não se limita mais à exibição de filmes em cinemas, tampouco no ambiente doméstico ou nas televisões por assinatura ou nas emissoras abertas. Sob o comando de conglomerados que possuem uma diversidade de interesses, os conteúdos são produzidos para serem exibidos nos veículos e meios existentes e em todos os que surgirem. Neste último caso, assiste-se atualmente ao avanço das companhias transmissoras de telefonia que se mostram como um dos mercados mais promissores para a transmissão de conteúdos, que poderão ser assistidos em diferentes formatos, desde as telas gigantes dos cinemas até em pequenos monitores disponíveis em aparelhos de uso múltiplo. O interesse dos proprietários dos estúdios não é mais centralizado na produção e distribuição de conteúdos para veículos e meios específicos. Seus interesses são difusos, incidentes sobre qualquer forma de exibir os programas ou filmes produzidos. A ordem é atender a todos os segmentos, fazer com que um mesmo produto seja esgotado em todas as suas chances. A figura tradicional do “big ticoon” de Hollywood que tudo pode e que tudo decide, é substituída por figuras me-nos conhecidas que são mais poderosas do que seus antecessores e que primam, porém, pela organização e pela formulação de planos de longo prazo. A decisão da empresa que produz filmes está subordinada a uma orientação global do megaconglomerado. Mecânicas como a das “carências entre as janelas de exibição” só são capazes de sobreviver se elas auferem maiores lucros para o conjunto das empresas. Se o dvd representa um segmento de maior lucro e, em não havendo mecanismos para se defender da pirataria, não há como conter o lançamento quase simultâneo entre a locadora e o cinema que exibe o mesmo filme. A precedência do lançamento nas telas das salas de exibição só permanece como fator promocional, pois não se descobriu uma outra forma mais adequada e funcional de se lançar um filme. As carências entre “janelas de exibição” tendem a ser reduzidas a um prazo cada vez menor, de duração apenas suficiente para divulgar o seu lançamento e prepará-lo para os outros veículos e meios que virão a seguir. Quando a venda de filmes por demanda (videoondemand) mostrar-se mais vantajosa que a distribuição de dvds, pode-se ter certeza que o filme será destinado para o novo meio. Jean-Marie Messier, o execrado gênio que levou a VIVENDI (e a UNIVERSAL) à falência, não estava errado, apenas estava atropeladamente à frente de seu tempo: assistir a conteúdos será algo tão simples como abrir uma torneira de água. Bibliotecas extensas capazes de ofertar os mais diferentes gêneros e procedências estarão às mãos em alguns clicks de mouse. A sala de cinema, cada vez mais, passa a representar um palco de menor importância em termos financeiros, porém de extrema importância para a atividade empresarial do audiovisual como um todo. Nela mostram-se os filmes que irão encabeçar os programas da indústria, filmes que, exibidos em todas as suas potencialidades de “janelas”, podem atingir o faturamento de US$ 1 bilhão, como ocorreu com “Batman, o cavaleiro das trevas”(The dark knight), e podem propiciar alternativas para vendas indiretas de outros produtos derivados, como os videogames e o licenciamento de produtos. Convergência e Globalização “Convergência digital” e “globalização” são dois conceitos diferentes, mas que interagem entre si. Ao ter um sistema de informações que circula rápido e com eficiência, criam-se as condições de se comunicar com facilidade em qualquer distância. Tanto pode ser para fazer com que um vídeo rode o mundo pelo YOUTUBE; para que se mande uma foto para o namorado distante; para que se ouça a música recém-composta pelo amigo, como para enviar plantas da construção de um edifício; dar um comando para a compra de ações na bolsa de valores de um país distante ou fazer uma teleconferência com o engenheirochefe de uma filial da indústria transnacional do outro lado do mundo. A convergência digital permite o uso amplo de recursos de arquivos de qualquer formato: áudio, vídeo, foto, desenhos, textos, extensíveis a diferentes meios e veículos, estando eles acessíveis ao uso particular ou coletivo. O que difere é o grau de autorização de acesso que serve para diferentes contextos. Pode se ter uma senha para entrar num sítio eletrônico de relacionamentos como para autorizar a exibição de um filme numa sala de exibição digital ou para autorizar a compra de ações que totalizam bilhões de dólares. Essa facilidade de se comunicar, registrada por Gilberto Gil em 1991 como uma onda luminosa que leva o tempo de um raio14 , permite que se unifiquem os espaços virtualmente, reduzindo a importância do espaço físico, real e temporal. Há pouco mais de uma década, poucos privilegiados tinham uma conexão pela internet. A expansão das redes foi acompanhada pela expansão do capital que a financiou e que tinha interesse em explorar a virtualidade. Embora seja avaliado que a internet é a simples conexão de um computador com outro, há necessidade de pesados investimentos para que se integrem essas linhas e que se tenha o provimento para o armazenamento das informações circulantes. Assim como se tornou possível a simples correspondência plena e imediata com qualquer canto, tornou-se possível administrar negócios a distância, integrando operações distantes à rotina de uma empresa. A globalização permitiu que as empresas buscassem mercados para explorar seus produtos, assim como fez que buscassem lugares para produzir seus bens ou serviços de forma mais barata. É possível ter uma central de atendimento e vendas ao consumidor (callcenter) na Índia, fabricar tênis no Vietnã, automóveis na Turquia, eletrônicos na China, aviões no Brasil, roupas no Peru, ter serviços bancários centralizados na Inglaterra ou um centro de pesquisas na Califórnia. Para tanto, o desenvolvimento das comunicações foi um dos seus pilares, se não o principal, mesmo que não trazendo apenas vantagens, como se observou com a depressão econômica epidêmica em que o mundo entrou no segundo semestre de 2008. Uma indústria que se baseia na rapidez da informação e na multiplicidade do uso de um mesmo produto-filme-programa exige a rapidez e a segurança da operação digital. É quase impossível impedir a reprodução não autorizada dos filmes pela pirataria, se o filme exibido em cinemas permanecer em suportes analógicos que podem ser extraviados, surrupiados nas noites das cabines de projeção ou dos laboratórios de copiagem, com ou sem a participação de um operador corrupto. Não há como obstar a filmagem a partir de uma plateia de um cinema numa tarde de pouca frequência. A segurança tão desejada pelo produtor do filme só é possível por meio da complexa engenharia de matrizes digitais de alta resolução e dos mecanismos de segurança introduzidos em cópias e nos cinemas, que serão identificados quando circularem cópias-piratas. Os investidores dos filmes não querem aguardar as suas exibições graduais explorando cada “janela de exibição” por vez, perdendo arrecadações por conta da pirataria. Querem políticas de uma exposição rápida em que os faturamentos ocorram imediatos, tão imediatos quanto os espectadores querem ver os filmes sem as restrições de meios e veículos impostas. Há uma nova mentalidade no ar, a de se informar e ver os acontecimentos na mesma hora, no tempo que levava Rosa para aprumar o balaio quando sentia que o balaio ia escorregar15. Capítulo VII A Convergência no Brasil O Conceito “Cinema” É comum que se ouçam reclamações dos produtores e agentes governamentais de que o cinema brasileiro não chega à população, ficando restrito às salas de “cinemas de arte” ou aos poucos títulos que são impulsionados pela renúncia fiscal que permite aos distribuidores o investimento de parte do imposto de renda devido ao pagamento de direitos de filmes estrangeiros em produções nacionais. As afirmações são procedentes quando observadas do ponto de vista do produtor de filmes dirigidos apenas ao theatrical. De forma direta, embora a legislação vigente no Brasil seja recente e tenha sido definida na Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, permaneceu a divisão clara e tradicional entre a “obra audiovisual”, “obra videofonográfica” e a “obra cinematográfica”1. Antes de se tratar de um desconhecimento ou apontar como uma visão conservadora dos redatores da lei, reflete-se a realidade da indústria audiovisual do Brasil. O filme brasileiro tem dificuldades de chegar às telas dos cinemas, mas em uma perspectiva mais ampla que foge dos conceitos jurídicos apresentados, é um grande sucesso de público. Um sucesso com poucas comparações, capaz de chegar às casas de mais de uma centena de milhões de espectadores diariamente por meio de uma programação popular e extensiva às mais diversas camadas econômicas, sociais e culturais, ocupando a maioria absoluta da grade de programação. É claro que estamos falando da televisão aberta, na qual o produto estrangeiro tem pouca aceitação. Falamos, principalmente, de uma dramaturgia que segue padrões e estéticas brasileiras, que promove autores e atores nacionais, em novelas, programas de shows, esportes, seriados, especiais e jornalismo. O problema do cinema brasileiro nas telas das salas de exibição deriva de sua desvinculação com a televisão, que de forma igual à indústria norte-americana não aceitou operações coligadas à época de seu surgimento. Há, porém, uma grande diferença com os produtores de Hollywood que reavaliaram suas posturas e enxergaram novas formas de produção, em que a capitalização para os filmes poderia ser auxiliada pelas produções da TV. Isso propiciou um novo ciclo industrial que tem se suplantado e reformulado ao aparecimento de cada novo meio ou veículo, fazendo crescer os resultados financeiros e as capacidades de exploração do sistema audiovisual. O cinema brasileiro é absolutamente analógico. É pré-eletrônico, pois não acessou a televisão, que criou programas e formas de comunicação próprias, assimilando programas e signos do rádio e do próprio cinema para compor a programação ordinária e rotineira. As novelas foram importadas do rádio, que lhe modelou, também, os programas de auditório. Importaram-se os primeiros roteiros de novelas cubanas, de roteiristas da Flórida e formatos de comercialização, para mais tarde criar um padrão nacional, assimilado por todas as camadas da população, dos mais ricos aos mais pobres que seguem avidamente tramas que tratam de histórias regionais, em geral centradas na cidade do Rio de Janeiro ou São Paulo, entendidas por espectadores situados nos rincões mais distantes do País. Ao longo dos anos, caiu no Brasil o preconceito contra as novelas, que era e é vista como o pior produto da indústria audiovisual, sendo jogada nos piores horários da programação, tanto nos EUA como na Europa. Nesses países, um ator que tenha obtido reconhecimento ou que pretenda ser um astro, recusa-se a participar desse produto audiovisual. A Formação da Televisão Brasileira Pode-se argumentar que o raciocínio aqui desenvolvido descortine um ponto de vista traçado a partir da “convergência dos meios” da indústria dos Estados Unidos. Pode-se afirmar que a indústria cinematográfica na Europa não seguiu o mesmo caminho, valorizando e criando patrocínios e financiamentos nas parcerias entre as emissoras de televisão estatais e o setor privado independente. Talvez seja esse o maior erro da formulação das políticas cinematográficas no Brasil: as emissoras de televisão brasileiras não são estatais, são empresas privadas que receberam a concessão pública para a sua exploração. Portanto, os modelos adotados em alguns países da Europa não nos são favoráveis porque não confrontam com a realidade da disputa de recursos financeiros de mercados. O início de tal debate é localizado na constituição das emissoras de televisão brasileiras que foram concedidas mediante políticas clientelistas e regionalistas, premiando os aliados, mesmo que temporais, dos que estavam no poder. Coube a Assis Chateaubriand, proprietário do conglomerado DIÁRIOS ASSOCIADOS, inaugurar a primeira emissora: a TV TUPI. A RECORD foi destinada à cadeia de emissoras de rádios de Paulo Machado de Carvalho, que era, também, um influente dirigente esportivo2. A TV BANDEIRANTES teve como nascedouro uma emissora de rádio de propriedade do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que foi transferida para seu genro João Saad. A TV EXCELSIOR foi lançada por Mário Simonsen, o maior exportador de café do Brasil, numa época em que esse produto representava 80% dos bens exportados pelo País. Era proprietário, também, da principal companhia aérea, a PANAIR, que detinha as linhas aéreas internacionais. Os negócios de Simonsen foram desmontados após o golpe de 1964, devido ao seu apoio a Jango Goulart e suas relações de amizade com Juscelino Kubitscheck3. Em concreto, todos foram agraciados com a concessão pública para apoiar ou ao menos não criticar os detentores do poder. O problema reside neste começo da história da televisão brasileira. A concessão pública é uma delegação de uma tarefa do Estado, seja pela relevância na vida dos cidadãos (como o ensino, a saúde e o transporte público), seja pela utilização de um bem comum (as ondas eletromagnéticas, a água, o subsolo). A televisão junta as duas características essenciais, sendo relevante na vida da população e utilizando o ar para as transmissões de seus sinais. Quando os primeiros canais foram concedidos, vivia-se outro tipo de discussão acerca do cinema brasileiro, quase sempre voltada ao financiamento dos filmes pelo Estado, que até então só havia apoiado as iniciativas do médico e antropólogo Roquette Pinto, que fundara o INCE – Instituto Nacional do Cinema Educativo durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. O órgão restringia-se a produzir e distribuir gratuitamente filmes educativos. Em 1952, no surgimento da televisão, iniciavam-se as discussões que gerariam o CBC – Congresso Brasileiro de Cinema, que propôs temas como a reserva de mercado, a distribuição de filmes nacionais e a importação de película virgem, mas que não se aprofundou na questão da televisão. Das discussões do CBC nasceria, mais tarde, o GEICINE (Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica), e doze anos depois o INC – Instituto Nacional de Cinema, moldado nos institutos estatais europeus constituídos na década anterior. Assim, firmou-se um modelo distanciado entre o cinema e a televisão, numa tendência próxima ao modelo da indústria cinematográfica europeia, que tinha as emissoras de televisão estatizadas, e distante do modelo norte-americano, que tinha emissoras privadas. Neste aspecto é que se encontra a estranheza do modelo brasileiro: se a emissora é estatal, não existe a concessão pública, já que o próprio Estado a explora (se assim podemos dizer). Portanto, a regulamentação do setor passa pelas leis que regem os serviços do Estado. Quando ocorre a concessão pública, como é o caso dos EUA4, o Estado determina uma série de procedimentos que visam estabelecer regras que vão desde a forma de transmissão das ondas até os aspectos da livre concorrência e do combate da formação de monopólios ou oligopólios. No caso brasileiro, as emissoras de televisão em formação não estavam submetidas a nenhum estatuto que não fossem simples re-gras técnicas da transmissão e aos códigos genéricos, como a submissão prévia dos programas à Divisão de Censura Federal da Polícia Federal. A primeira geração de concessionários de televisão implantou a infraestrutura necessária que foi acompanhada pela instalação dos primeiros fabricantes dos aparelhos de TV. Não foi ela, contudo, quem consolidou o veículo enquanto negócios. Foi Roberto Marinho, proprietário do jornal O GLOBO, que tinha em sua dianteira as vendas maciças dos jornais cariocas, “Jornal do Brasil” e do “Correio da manhã”. Iniciou sua investida no campo eletrônico numa pequena emissora carioca que seria financiada pelo grupo TIME-LIFE, numa operação que, mais tarde, seria amplamente discutida em sua legalidade, visto que a legislação brasileira de então não permitia a participação do capital estrangeiro. O proprietário do canal tinha ao seu lado um representante do financiador norte-americano, Joe Wallach, possuidor de ampla experiência no funcionamento de emissoras de televisão dos EUA. O próximo passo foi trazer profissionais que viabilizassem os planos de expansão. Buscaram jovens que estavam mergulhados nos estúdios, nas cabines técnicas e nas agências de publicidade. Um time de gerentes e vendedores encabeçado pela dupla Walter Clark-José Bonifácio de Oliveira (Boni) transformaria aquele pequeno canal do Rio de Janeiro na maior cadeia do País. Para tanto, além de criarem uma programação pautada pela qualidade dos programas, tanto no que se refere aos aspectos técnicos quanto nas concepções de programas e na contratação de elencos, confiavam que a tecnologia passava por profundas mudanças que iriam definir o futuro da televisão. O primeiro passo foi o lançamento do noticiário diário “Jornal Nacional”. Era o primeiro programa transmitido em rede no País, utilizando a base de transmissão por micro-ondas implantada recentemente pela EMBRATEL, a empresa estatal voltada às telecomunicações. Como reportou Walter Clark em suas memórias, não havia nenhum programa de TV diário melhor para fazer essa integração nacional do que um telejornal5. O jornalismo passava a utilizar a tecnologia para estar presente, em forma única, dispondo de notícias regionais transmitidas pelas coligadas durante o dia através de links de micro-ondas e levadas ao ar no horário nobre, criando um sentido de unidade nacional até então ausente nas emissoras que transmitiam o jornalismo com ênfase às duas grandes capitais do País. Aos poucos o número de emissoras do sistema GLOBO aumentou diante das amplas possibilidades de projeção que a cobertura nacional propiciava às emissoras regionais. O grande salto, contudo, foi dado em 1970, quando os proprietários das emissoras vinculadas à ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão transmitiram em pool, a Copa do Mundo de Futebol, ao vivo, com audiências inéditas. Para os executivos da TV GLOBO, abriu-se um novo horizonte de programas exibidos simultaneamente em todo o mundo, como seriam, logo depois, as Olimpíadas e como já havia ocorrido com a chegada do homem à Lua. Aos programas internacionais somava-se o jornalismo com correspondentes no Exterior, que davam um sentido cosmopolita à emissora, diferenciando-a das suas concorrentes. Demonstrava-se que havia um amplo espaço parao crescimento do veículo em um país que tinha uma população de 70 milhões de habitantes e apenas três milhões de aparelhos de televisão, sendo que mais de 80% deles encontravam-se no Rio de JaneiroeemSãoPaulo,comoJoeWallachtestemunhou6. O INC, a Embrafilme e o Concine Nesse momento de efervescência tecnológica tão importante, o cinema brasileiro obtivera junto ao Governo Federal a fundação do INC – Instituto Nacional de Cinema, resultante de uma longa discussão entre os produtores classificados como “industrialistas”, que propunham o subsídio ao cinema comercial e industrial, e os “culturalistas”, que defendiam a participação do Estado apenas em filmes de cunho cultural, disputa esta que deixou sérias sequelas nas perspectivas da relação com o Estado. Anos mais tarde, uma nova geração de cineastas surgidas após os primeiros debates do CBC, associou-se a burocratas “desenvolvimentistas” do governo militar, para retomar as rédeas da política setorial, com a formação da EMBRAFILME e do CONCINE, um órgão destinado a produzir e comercializar, outro com funções normativas. Tanto o INC quanto os seus dois sucessores criaram mecânicas voltadas a viabilizar a produção dos filmes brasileiros e levá-los às salas de cinema. Para tanto, utilizaram a tributação das operações da própria indústria cinematográfica como meio de arrecadar os fundos necessários para as suas funções vitais. Os recursos vinham da cobrança de uma contribuição percentual incorporada ao valor dos ingressos vendidos nos cinemas (ingresso padronizado); da taxação das cópias dos filmes (metro linear); de um percentual sobre o imposto de renda remetido pelos direitos dos filmes estrangeiros e da cobrança de uma contribuição sobre os filmes que fossem exibidos em qualquer veículo: cinema, televisão ou filmes publicitários. À televisão estabeleceu-se uma única obrigação, a de pagar uma contribuição para registrar os filmes ou programas a serem exibidos. A EMBRAFILME foi, por alguns anos, uma instituição importante para o cinema brasileiro, fazendo com que filmes chegassem às telas e ocupassem parcela expressiva dos dias de exibição dos cinemas, complementada pela produção independente das “bocas de cinema” de São Paulo e do Rio de Janeiro, que era financiada pelo Prêmio Adicional de Renda e pelas grandes empresas exibidoras. A estatal, além de coproduzir e distribuir filmes, dedicava-se também a um sem-número de atividades que iam do controle dos cinemas à edição de livros e à distribuição dos filmes do antigo INCE, resgatando um pouco as atribuições que os “culturalistas” desejavam na intervenção do Estado sobre a indústria cinematográfica. Em 1977, na gestão de Roberto Farias7, vislumbrou-se a necessidade de ampliar o leque de veículos atendidos, fazendo um edital para a produção de “pilotos” para seriados de televisão. Foram selecionados 22 projetos, imediatamente iniciados8. Nenhuma emissora havia sido consultada e os filmes quando finalizados não encontraram espaço na tela pequena, sequer nas emissoras estatais, no caso a TV EDUCATIVA, que pertencia aos quadros do mesmo ministério da estatal, o MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, ou a TV CULTURA, pertencente à FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA, ligada ao Governo do Estado de São Paulo. A TV GLOBO desenvolveu e colocou no ar, entre 1979 e 1981, três seriados que se notabilizariam na história da televisão brasileira. Sofisticados e bem produzidos, “Malu Mulher”, “Carga Pesada” e “Plantão de Polícia” mostravam um repertório de qualidades, a começar pelos roteiros escritos por equipes de notáveis da teledramaturgia9, passando pelos elencos e pela direção, onde se aproveitou a experiência de quem já havia passado pelo cinema. Se havia alguma mensagem política a ser transmitida, podia ser entendida que cada um deveria permanecer em seu lugar. Os filmes nas salas de cinema, os programas (inclusive os seriados) nas emissoras de televisão. Sequer foi tentado o lançamento de compactos de minisséries ou de “pilotos alongados” nos cinemas como se fazia nos Estados Unidos ou, mais comumente, nas televisões europeias. O diretor Luchino Visconti lançou uma versão para cinemas do seriado “Ludwig” (1972), terminando por entrar numa verdadeira guerra com a FOX FILMS, distribuidora do filme, que o reduziu sem sua autorização. A única exceção brasileira ocorreu com o filme “Gaijin” que teve contratada uma versão em minissérie para tv, editada a partir do longa-metragem que, mesmo assim, não foi levada ao ar. A TV MANCHETE, que sucedeu parte das emissoras da TV TUPI (Canal 6 – TV Tupi no Rio de Janeiro, Canal 2 – TV Fortaleza no Ceará, Canal 4 – TV Itacolomi em Belo Horizonte/MG e Canal 6 – TV Rádio Clube de Pernambuco) e o Canal 9 - TV EXCELSIOR em São Paulo, começou com uma proposta de se voltar aos segmentos de públicos de melhor nível cultural, tendo no jornalismo e na exibição de filmes de longametragem os seus grandes trunfos. Anunciava a participação do diretor Nelson Pereira dos Santos10 na formulação dos programas. De fato, em 1984, o diretor assinaria o belíssimo ato inaugural da emissora com o programa “O mundo mágico”, com grandes nomes da música brasileira. A seguir, no mesmo dia, entrou no ar um dos maiores sucessos do cinema, o filme de Steven Spielberg, “Contatos imediatos do terceiro grau” (Closer Encounters of third kind), lançado nos cinemas sete anos antes dessa exibição televisiva. Nada diferente ocorreu nas relações da produção nacional e a TV MANCHETE, a qual manteve o mesmo distanciamento que se tinha com as outras emissoras, diferenciando-se apenas na contratação de algumas produções independentes, como as de Fernando Barbosa Lima (1934-2008), para alguns horários de sua grade. Não se tratava, contudo, de uma política que rompesse a “verticalização” da produção dentro dos estúdios das emissoras. Assim como os cinemas norte-americanos sofreram com a concorrência da televisão nos anos 50, fenômeno repetido na Europa na década seguinte, chegou a vez do Brasil. A decadência dos cinemas principiou-se nos meados dos 80, quando as emissoras atingiram a cobertura nacional e o crédito ao consumidor permitiu que uma considerável parcela da população comprasse aparelhos de tv. O público dos cinemas foi minguando, caindo gradualmente da freqüência recordista de 275 milhões de espectadores em 3.276 salas obtidos em 1975 para 90 milhões de espectadores em 1.428 cinemas, em 1985. Não era o fundo do poço, pois com o lançamento do videocassete a situação ainda se agravaria. A Oportunidade do Homevideo A dependência dos próprios recursos circulantes do theatrical colocava a EMBRAFILME em grandes dificuldades. Caindo o faturamento dos distribuidores estrangeiros e, consequentemente, caindo a remessa de royalties por conta dos direitos do filmes importados, caía a arrecadação da estatal advinda do imposto de renda das operações financeiras. A situação piorava numa sequência sistêmica. Se caía a venda de ingressos, caía, na mesma proporção, a contribuição constante no ingresso padronizado que era vendido nos cinemas. Se não havia público, os distribuidores diminuíam a quantidade de cópias, arrecadando-se, portanto, menos contribuições por conta do metro linear de filme copiado. Desta forma, quando o homevideo surgiu, foi encarado como uma forma substitutiva de repor o caixa da empresa através da exigência da aposição de um selo de controle que legalizava a cópia reproduzida, uma espécie de tributo de circulação como os cobrados das bebidas alcoólicas e dos cigarros. Além desta medida, estabeleceu-se a proporcionalidade obrigatória da oferta de 25% de filmes nacionais, tanto no que se referia à venda pelos distribuidores às locadoras quanto na oferta dos filmes pela locadora ao consumidor. As medidas adotadas pela EMBRAFILME e pelo CONCINE aliviaram as dificuldades de caixa em curto prazo, criando, por outro lado, problemas de longo prazo. Não existia no Brasil nenhum telecine11 com boa qualidade técnica. Os filmes eram transferidos para as matrizes de videotape através de equipamentos montados com projetores 16 mm e câmeras valvuladas que eram utilizadas pelas emissoras de televisão para transferir • o material captado pelos seus repórteres em câmeras de 16 mm. Essas câmeras registravam • o som captado em sincronia à imagem em uma banda magnética incorporada ao filme, que era revelado e transferido para fitas magnéticas por esses arcaicos telecines. A essa época, os equipamentos de filmagem destinados às reportagens de televisão já estavam quase em desuso diante da adoção de câmeras portáteis e gravadores de • polegada (U-matic), que eram tão leves quanto as suas rivais que utilizavam filmes e, ainda, permitiam o pronto uso das imagens sem o processamento químico. Em resumo, os telecines disponíveis no País eram ultrapassados, visto que a maioria dos programas e dos filmes publicitários era produzida em videotape. Para arrematar as profundas deficiências técnicas dos telecines, a televisão brasileira adotara o sistema PAL-M, que tinha sua utilização exclusiva no País. As fitas de videocassete para locação eram copiadas em NTSC, tendo, portanto, matrizes gravadas no sistema. Os aparelhos reprodutores instalados nos domicílios recebiam um acessório denominado transcodificador (transcoder), que tanto podia estar embutido no player, como no televisor, como em uma peça em separado em que se conectava ao sinal de saída do reprodutor e à entrada do televisor. Em resumo, o sinal original em NTSC era convertido para PAL-M para que pudesse ser exibido nos aparelhos televisores brasileiros. Se a engenhosa solução resolvia a reprodução doméstica, sobrava um problema mais sério para os laboratórios e estúdios: os equipamentos, até então existentes, eram em versões para PAL-M e a transcodificação para NTSC não tinha boa qualidade. Se a qualidade das matrizes e das cópias dos filmes brasileiros era sofrível, pior ainda era a organização de sua distribuição. A EMBRAFILME tentara na gestão de Celso Amorim (1979-1982) estruturar um departamento de distribuição para os filmes dos quais detinha os direitos devido aos seus contratos de coprodução e distribuição com adiantamento sobre futuras rendas. Alberto Flaksman, então Superintendente de Distribuição Especial, fizera pesquisas, visitara estúdios, laboratórios e escritórios de distribuição nascentes no Exterior. Produziu um extenso relatório que detalhava a necessidade de maciços investimentos, a começar pela compra de um telecine fabricado pela empresa alemã BOSCH ou pela inglesa RANK CINTEL, que com seus periféricos, em especial os gravadores BCN e as duplicadoras de videocassete, custariam mais de US$ 1,5 milhões. Além desses investimentos em equipamentos, fazia-se necessário treinar a mão-de-obra para operá-los e investir pesadamente na transferência dos filmes para as matrizes de qualidade. Completavam esse quadro os investimentos na montagem de uma distribuidora voltada ao homevideo que teria uma cartela de filmes adequados ao lançamento gradual e que promovesse intensamente o cinema nacional, mais restritamente os do selo EMBRAFILME, para que rivalizassem com aqueles que seriam distribuídos pelos estúdios norte-americanos, concorrendo em iguais condições, como já ocorria com a distribuição de filmes para salas de cinema. Havia muitos custos envolvidos na complexa operação. O mais pesado seria, talvez, seu custo político. Primeiramente, a estatal invadiria searas alheias, em um terreno que nunca tinha pisado e que era muito escorregadio: o dos laboratórios. Mesmo que ingressasse em um setor que não era explorado, o de transposição de filmes para videotape e de copiagem para videocassete, aumentavam as atividades do Estado numa época que já começava a se criticar o seu gigantismo. Completava tais apreensões políticas o desvio de capitais para investir em um produto a ser consumido no futuro, quando havia escassez de recursos para a produção de filmes brasileiros. As “bocas” já sofriam com o não pagamento dos Prêmios Adicionais de Renda pela EMBRAFILME, mesmo que legalmente devidos. Muitos produtores recorriam à Justiça para receber os seus pagamentos. Os investimentos para montar a infraestrutura e a distribuidora de videocassete atingiam valores muito altos. Para se ter uma ideia, o filme “Menino do Rio” custara cerca de US$ 300 mil naquele mesmo ano. A ideia seria sepultada pelo próximo diretor-geral da empresa, Roberto Parreira (1982-1984). Sem rumos na política específica para o homevideo sobre os filmes coproduzidos e distribuídos pela EMBRAFILME, os produtores encontraram um filão na Resolução Concine nº 98, de 25 de novembro de 1983, que determinava a “cota de prateleira” para os filmes brasileiros nas locadoras. Obtiveram a liberação dos contratos de seus filmes para o novo segmento. A cessão dos direitos de distribuição para “meios a serem criados”, prevista contratualmente com a estatal, somente poderia existir se a estatal fizesse a distribuição. Não havendo uma distribuidora organizada e estabelecida, entendia-se como direito líquido e certo que os títulos fossem liberados para o repasse aos distribuidores de videocassete estabelecidos no mercado. Esses precisavam das cópias do produto nacional para que pudessem vender os estrangeiros com a devida etiqueta controlada. As locadoras precisavam dos filmes para cumprir a cota proporcional de cópias oferecidas ao consumidor. Desta forma, os filmes foram lançados sem cópias de qualidade e sem esforços promocionais. O que interessava ao distribuidor de vídeos e ao dono da locadora é que atingissem as proporcionalidades previstas na legislação. Não existindo a intenção específica de circular o filme comprado por imposição, eles tinham preços simbólicos, viabilizados pelas negociações predatórias que os distribuidores faziam diretamente com os produtores, os quais não conheciam as potencialidades do mercado que se estava criando. Tais práticas tiveram como resultado a rejeição do público que identificava o filme nacional como um produto de má qualidade, reforçada pela má vontade que as locadoras tinham com o produto que foi adquirido por pressão e obrigação. Milhares de locadoras reservavam o pior canto da loja para colocar as estantes com o título “FILME NACIONAL” ou “FILME BRASILEIRO”, como se tratasse de um gênero a se acrescer aos “ROMANCES”, “COMÉDIAS”, “DRAMA”, “AÇÃO”, “POLICIAL”, “GUERRA”...Um gênero depreciado. O filme brasileiro, que já não acessava a televisão, perdia a oportunidade de ingressar com o pé direito na distribuição doméstica de fitas de videocassete. Alguns anos depois, o faturamento desse setor superava aquele obtido na venda dos ingressos das poucas mais de 1.000 telas restantes no País, com seus minguados 62 milhões de ingressos12. A Mudança de Modelo: as Leis de Incentivo Não vamos nos alongar na longa crise que se instalou com o Governo Collor que, sob os argumentos de modernizar e revitalizar a cultura no País, extinguiu grande parte dos órgãos setoriais, como a EMBRAFILME, o CONCINE, o CNDA (Conselho Nacional de Direitos Autorais) e a FUNARTE, sem estabelecer substitutos ou procedimentos que os sucedessem. Além dessas medidas, o Presidente da República editou a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, chamada “Lei Rouanet”, que viabilizava o patrocínio cultural de filmes, mas que só foi efetivamente implementada pelo Presidente Itamar Franco (mandato de 1992 a 1995), em 1993. A produção declinou. Entre 1990 e 1994, só foram produzidos 29 filmes, quando, na primeira metade dos anos 80, produziam-se mais de 100 filmes por ano. Em 1993, seria editada a Lei nº 8.685, designada por “Lei do Audiovisual”, que permitiu a dedução de percentuais dos pagamentos do Imposto de Renda, caso as empresas investissem em cotas patrimoniais de filmes brasileiros. Efetivamente, tinha-se uma profunda alteração dos modelos de financiamento, passando o cinema a se reger exclusivamente pelo mecenato e por investimentos incentivados, nos moldes empregados no desenvolvimento industrial de regiões pouco desenvolvidas, como ocorreu no Norte e no Nordeste do País. O que mais nos importa dessas duas leis federais encontra-se no art. 3º da Lei do Audiovisual que motivou o primeiro parágrafo do presente capítulo. Com base em sua aplicação, as empresas que distribuem filmes estrangeiros podem utilizar até 70% dos valores devidos pela remessa de rendimentos aos detentores dos direitos dos filmes no Exterior na produção de filmes brasileiros. Foi este o principal mecanismo que permitiu a tão discutida “retomada do cinema brasileiro”. Comumente citado como um artifício das políticas neoliberais do Governo Fernando Henrique, o referido artigo repete uma Lei de 1962 que foi modificada pelo Presidente da República General Ernesto Geisel (1907-1996, tendo exercido o mandato presidencial entre os anos 1974 e 1979) em 197713, autorizando o investimento da renúncia fiscal em produções nacionais, quase nos mesmos procedimentos da Lei de 1993. A produção de filmes distribuídos pelas majors cresceu. Em 2000, ocorreu o 3º CBC – CONGRESSO BRASILEIRO DE CINEMA, que foi presidido por Gustavo Dahl14. Dele, instituiu-se uma entidade permanente composta pelas diversas representações dos setores da indústria cinematográfica: infraestrutura; produção; distribuição; exibição; preservação, estudos e ensinos; festivais; cineclubes e cinematecas; televisão independente e publicidade. A participação das distribuidoras internacionais e dos grandes grupos exibidores era uma atitude inédita, que acabou por refletir nas discussões da constituição de um grupo de estudos que iria organizar ideias destinadas à elaboração de um plano estratégico para a implantação, desenvolvimento e consolidação de indústria e do comércio cinematográficos no Brasil15 . O grupo foi denominado GEDIC – GRUPO EXECUTIVODEDESENVOLVIMENTODAINDÚSTRIA DO CINEMA, sendo composto por Cacá Diegues (diretor de cinema), Luiz Carlos Barreto (produtor), Luiz Severiano Ribeiro Neto (exibidor), Rodrigo Saturnino Braga (distribuidor), Evandro Guimarães (televisão) e Gustavo Dahl (coordenador do GEDIC). Além destes, participavam representantes dos ministérios das Comunicações, da Fazenda, do Desenvolvimento, da Cultura, da Secretaria de Comunicação de Governo e da Casa Civil. Pedro Parente, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República entre os anos 1999 e 2003, chefiava o GEDIC. Após oito reuniões, o GEDIC apresentou as principais sugestões em um Sumário Executivo, tendo como propostas principais: 1Criação de um órgão gestor, no modelo de Agência (ANP, Anatel etc.) 2Redefinição e Expansão das funções da Secretaria do Audiovisual – MINC 3- Criação de um Fundo Financeiro 4- Reforma da legislação existente 5 Legislação para Televisão16 Reforçava, outrossim, que a continuidade da execução das medidas propostas seria atribuição da Agência a ser criada. De toda forma, entre os itens mais importantes do plano estratégico do GEDIC, estava a constituição de um órgão regulamentador que estenderia sua atuação, pela primeira vez, sobre a televisão. As medidas sugeridas no Sumário Executivo para esse veículo eram objetivas: o fortalecimento da produção nacional das próprias emissoras, a integração entre cinema e televisão, como ocorria nos Estados Unidos e na Europa e, por fim, destinar parte do faturamento para a coprodução e aquisição de produções independentes17. Como se estendia aos outros segmentos da indústria cinematográfica, como a televisão a cabo e o homevideo, tinha-se, pela primeira vez, uma proposição extensiva a todos os segmentos do audiovisual num conceito majoritário de “indústria cinematográfica” e do “cinema” em si próprio. A convergência dos meios estava sendo revelada no Brasil e, para o otimismo geral, havia um membro do grupo de estudos que representava a ABERT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE RÁDIO E TELEVISÃO. O CBC continuou seu ciclo de debates enfatizando a criação da agência reguladora. A questão da necessidade de se ter uma indústria que fosse autossuficiente, isto é, que fosse capaz em médio prazo de gerar os recursos para que se desenvolvesse, passou a ser um ponto obrigatório das discussões. O Sumário Executivo do GEDIC foi convertido em uma Medida Provisória que estabelecia os principais pontos a serem legislados, inclusive com a formação da ANCINE – Agência Nacional do Cinema, que era, agora, tratada de forma abrangente e conceitual: por cinema, entendem-se todas as formas de registro de imagens em movimento, independentemente de suas formas de registro, de exibição e de transmissão. A Constituição da Ancine e o Caso “Ancinav” A Secretaria-Geral da Presidência da República fez os cortes nas arestas divergentes do projeto de lei. Depois, foi levado ao Presidente Fernando Henrique Cardoso para assinatura. Diferentes versões circularam sobre as razões que fizeram com que fosse substancialmente modificado no dia anterior à assinatura. A única certeza que se tem sobre elas é que, quando divulgada, a Medida Provisória e a agência reguladora não tinham mais alcance sobre a televisão. A ANCINE, que ficou subordinada ao Ministério da Indústria e Comércio – MDIC, mesmo que atrofiada dos projetos de unificação de um ambiente convergido em termos de meios e veículos, iniciou o processo de se implantar, ora enquanto órgão regulador, estabelecendo instruções normativas sobre a reserva de mercado e estruturando um sistema de informações do mercado, ora enquanto órgão de fomento, lançando editais para produções destinadas a nichos específicos. Os anos de 2003 e 2004 seriam excepcionais para o cinema brasileiro, quando foram atingidas participações no mercado de 21,4% e 14,3%, tendo filmes de sucesso como “Cidade de Deus”, “Deus é brasileiro”, “Carandiru”, “Lisbela e o prisioneiro” e “Maria, a mãe do filho de Deus”, produções realizadas com a aplicação de recursos por meio do art. 3º da Lei do Audiovisual e com o intenso apoio da GLOBOFILMES, empresa pertencente ao conglomerado TV GLOBO, que passou a ter maior participação nos lançamentos de filmes mediante veiculações publicitárias e divulgação dos filmes nos noticiários e nos programas da rede (merchandising). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e a PETROBRAS montaram editais destinados a investir na produção de filmes e em recursos destinados ao lançamento de filmes, por meio da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual, gerando uma significativa carteira de produções, principalmente de documentários que começaram a chegar às telas devido ao início da implantação do circuito montado pela RAIN NETWORKS o qual dispensa a confecção de cópias positivas para a exibição. Com a mudança de Governo, após a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, reformulou-se a subordinação da agência, que passou a responder ao Ministério da Cultura – MINC. Este suprimiu parte das tarefas executivas da ANCINE, em especial na redação de um amplo projeto de lei que regulamentava pontos sensíveis de todos os setores do audiovisual, alterando inclusive o alcance dos poderes da agência reguladora que passaria a se chamar ANCINAV. O projeto de lei encontrou sérios obstáculos, principalmente porque foi redigido pelo próprio MINC, apenas com consultas eventuais e não formais aos setores do audiovisual. Na sua amplitude, estendendo-se sobre todos os veículos, criou barreiras ao apoio até mesmo daqueles que participaram da redação do projeto anterior gerado inicialmente no GEDIC. Buscando apoio político dos setores, reconstituiu-se o desativado Conselho Superior de Cinema – CSC, que congregando muitos representantes do Governo e das associações classistas diminuía a importância dos setores empresariais do audiovisual ligados à exibição, à distribuição, à televisão aberta e por assinatura e pelo homevideo. Mesmo entre os produtores houve uma divisão que iria se refletir diretamente nas orientações do CBC; este perdeu uma parcela substancial no apoio das associações, como tivera na unanimidade ao projeto da Medida Provisória nº 2.228-1. Um processo de radicalização entre partes conflitantes estava instalado. Numa volta a um passado de mais de 50 anos, reinstalava-se o conflito entre os “culturalistas” e os “industrialistas”. Os setores empresariais, julgando-se prejudicados devido ao estatuto do CBC que estabelecia uma paridade entre as associações filiadas, tendo cada uma o direito a um único voto, independentemente do seu alcance ou representatividade econômica, retiraram-se do CBC e fundaram uma nova associação, o Fórum do Audiovisual e do Cinema – FAC, com a filiação das associações mais significativas em termos econômicos. As discussões sobre o projeto de lei e sobre a ANCINAV acabaram por se estender em um debate franco e aberto que desaguava na questão da intervenção do Estado sobre a atividade privada, argumentando-se com frequência que o intervencionismo tinha origem ideológica, como o que ocorrera recentemente na Venezuela com o fechamento de emissoras de televisão e jornais oposicionistas ao Presidente Chàvez. Em 2005, a Secretaria de Comunicações da Presidência da República propôs a formação do Conselho Federal de Jornalismo – CFJ, não consultando os veículos e as associações patronais. O lançamento de tal proposta foi tomado como uma tentativa de censurar os veículos de comunicação. Diante das contestações que acabaram por associar a ANCINAV com o CFJ, o Presidente Lula rejeitou os dois projetos de Medidas Provisórias, preferindo enviar ao Congresso as sugestõesdaregulamentação, originando o Projeto de Lei 29 (PL nº 29/2007) que regulará o sistema de telecomunicacões do País. A Convergência Necessária O PL 29 mostrou uma nova faceta do ambiente de convergência digital. Se as emissoras de televisão resistiram por diversas vezes a se submeter a uma regulamentação efetivada por órgãos diretos ou agências de regulamentação, diante da ameaça advinda da viabilidade técnica de as operadoras de telefonia serem transmissoras de conteúdos, pressionaram a base governista para que a produção desses programas fosse vedada a essas empresas. Trata-se, também, de uma disputa entre o capital nacional e estrangeiro, pois as telefônicas derivadas do processo de privatização do sistema de telefonia brasileiro, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, pertencem em sua maioria a grupos estrangeiros. O GRUPO ABRIL, a maior editora de revistas do País, e a TV GLOBO fizeram sociedades com empresas estrangeiras, investindo nas televisões por assinatura. A primeira associouse no lançamento da TVA e a segunda investiu na estruturação da NET e da SKY. Estenderam extensas linhas de cabo ótico e sofisticadas bases de transmissão por ondas ou satélite. Em 1996, previa-se uma forte expansão do mercado consumidor dos serviços de televisão por assinatura que deveria atingir, em 2005, mais de dez milhões de assinantes. Feitos os investimentos e passados alguns anos, os dois grupos encontraram-se em sérios endividamentos, provocados pela fraca expansão dos serviços que cobria pouco mais de três milhões de domicílios. Visando salvar as operações saudáveis dos dois grupos, venderam suas participações, gerando grandes déficits entre os valores investidos e os recuperados. Dos fatos ocorridos, determinouse que a vocação de ambas as empresas é a produção de conteúdos em diversos formatos, meios e destinação de veículos, qualificação que distinguiu as duas empresas dos demais grupos empresariais brasileiros. A limitação à produção de conteúdos, embora possa parecer uma restrição legal muito forte, leva a padrões de regulamentação desejados, visto que, finalmente, encaminha-se para as soluções que outros mercados conseguiram obter há muito tempo, mediante a separação das funções dentro da indústria cinematográfica. Traz um ajuste intrínseco que conduz à esperada convergência entre meios no Brasil. Complementar a esse ajuste, assiste-se à aproximação de um modelo de integração que ocorre entre a produção de filmes para o theatrical, que passam a ser promovidos e qualificados pela atuação das emissoras de televisão, como vem ocorrendo com os filmes copatrocinados pela GLOBOFILMES. A valorização da sala de cinema faz-se inclusive pela participação de diretores com experiência na televisão, como ocorreu com os filmes dirigidos por Jaime Monjardim, Daniel Filho, Luiz Fernando Carvalho, Jorge Fernando e Guel Arraes. Não há de se negar que esses diretores submetidos ao teste diário da aceitação popular tenham muito a contribuir com o cinema brasileiro. No mesmo sentido, a recente alteração da Lei do Audiovisual introduzindo o art. 3º-A, que permite os investimentos de valores devidos ao Imposto de Renda por conta da remessa de royalties dos filmes destinados à exibição televisiva, amplia as possibilidades de se cruzar as explorações dos filmes em diferentes veículos. Acresce-se ao ambiente favorável à convergência e à ampliação da indústria cinematográfica a própria necessidade de preservação das empresas e dos setores instituídos. Não nos parece que as empresas telefônicas desejem produzir conteúdos, pois as suas especializações são vender sinais que serão colocados em algum aparelho a distância, não importando se o sinal remetido é um ringtone, um vídeo, um videojogo, um “torpedo”, uma música, uma mensagem eletrônica ou apenas uma simples chamada telefônica. Às empresas o que importa é que estejam vendendo sinais. Vender sinais é uma atividade competitiva, onde a oferta de vantagens permanentes é o grande diferencial. Portanto, as telefônicas necessitarão da produção contínua de conteúdos que pode propiciar uma ampla perspectiva de trabalho para empresas independentes e, mesmo, para os produtores de conteúdos das emissoras de televisão. O que as impede de transmitir a novela por telefone? Sobra uma intensa discussão sobre a limitação do acesso de filmes que não foram produzidos pelas distribuidoras estrangeiras ou que não contam com o apoio das emissoras de televisão. Com o fortalecimento dos produtos que têm maiores facilidades de captação financeira e que têm o reforço mercadológico das veiculações publicitárias, as produções menores ficam limitadas a poucas telas e praticamente impossibilitadas de chegar às prateleiras das locadoras e à exibição na televisão. Tal receio é real e entendemos que, dentro do ambiente a que estamos nos referindo, haja pouco a se fazer. Voltamos à questão da qualificação do produto-filme enquanto um produto de consumo, onde aquele que oferece o melhor poder de venda, a melhor promoção e a mais forte vinculação à operação comercial tende a ocupar os espaços em mais veículos. A questão prolonga-se à intenção que se dá à confecção do filme, que mesmo ostentando uma proposição artística terá maior ou menor potencial comercial. Um bom exemplo sobre essa afirmação deu-se com a coprodução internacional, envolvendo o Brasil e diversos outros países, em “Ensaio sobre a cegueira” (Blindness) de Fernando Meireles, que atingiu bons resultados nas telas dos cinemas e nas vendas em dvd, embora tivesse um perfil hermético para o público. Os filmes que se destinam ao mercado não possuem regras fixas ou preeestabelecidas que permitam prever a sua carreira de vendas. Se assim fosse, os grandes estúdios norte-americanos não teriam fracassos. De toda forma, embora não se tenham fórmulas, sabe-se que, dificilmente, um filme produzido com parcos recursos técnicos e financeiros chegará à tela de um grande multiplex. O cinema digital viabiliza que os filmes produzidos sem o guarda-chuva da “grande indústria” cheguem às telas dos cinemas em seus nichos de mercado. Propicia, também, que existam salas de exibição construídas com um menor investimento, pois se propõem a exibir filmes adequados ao seu público, que não está interessado em uma projeção com telas de 200 metros quadrados, tampouco na poltrona de couro reclinável. Aqui, o PONTO CINE, instalado no bairro de Guadalupe, no Rio de Janeiro, é um exemplo de como se divide o “grande mercado” , o “mercado de nichos” e o trabalho eminentemente cultural. Lá é realizado um trabalho excepcional de difusão dos filmes, apoiado por recursos patrocinados, dirigidos a projetos específicos e não à promoção da marca do patrocinador por si própria. Deveria ser um modelo a ser copiado na implantação de centenas de cinemas no País. Mistura a exibição dos filmes que não chegam à localidade com a formação de plateias, com cursos de aperfeiçoamento profissional, com a vivência comunitária e com o lazer. É uma pena que seja uma única sala com trabalho tão atuante dentre tantas que recebem subsídios para desenvolver projetos semelhantes. De toda forma, o cinema digital dentro de um ambiente convergente tem permitido a exibição de conteúdos que antes não chegavam às salas, viabilizado pelo circuito montado pela RAIN NETWORKS ou, mais humildemente, pelos equipamentos quase domésticos liberados pelo Projeto “Cines + Cultura” do MINC, que atendem a comunidades e grupos que não teriam como exibir ou assistir filmes. A substituição dos equipamentos de 35 mm pelos digitais no padrão DCI é uma incógnita em diversos sentidos, a começar pela base de financiamento que se terá no Brasil, ameaçada pela não redução dos tributos de importação que viabiliza os investimentos cooperados entre distribuidores e exibidores apenas para as salas mais rentáveis. Talvez as salas em que não se viabilizar o financiamento compartilhado ou que pertençam a exibidores que não queiram arcar com parte dos investimentos que lhes cabe, decidam por compor um circuito que exiba outros conteúdos gerando uma nova onda de produtos alternativos como ocorreu num passado que não está tão distante. Talvez assista-se à formação de um circuito alternativo voltado às atividades comerciais, como ocorre no Japão, onde, com a expansão dos multiplexes, formou-se um circuito paralelo de microcinemas que exibe os conteúdos de origem nacional dirigidos ao público popular e que respondem por 16% das salas ofertadas no País. O Caso Indiano Quando me chegou às mãos a preciosa coletânea “Cinema no Mundo”, coordenada por Alessandra Meleiro, escrita por estudiosos de diferentes países, divididos em cinco continentes (América, África, Ásia, Europa e Oceania), corri para os volumes “África” e “Ásia”. Queria conferir as informações sobre dois fenômenos regionais tão citados no Brasil: Nigéria e Índia. Do primeiro, sobraram poucas impressões que nos sirvam como referência. O país não tem uma única sala de cinema, as emissoras de televisão são fontes de propaganda do governo e não existe um sistema organizado de distribuição de vídeos. O que se tem é uma atividade artesanal em que algumas pessoas se juntam, fazem um filme com uma câmera amadora e os vendem por meio de camelôs. Sem dúvida, um belo exemplo de trabalho cooperativo constituído pela capitalização de baixo custo e um sistema de distribuição não industrial típico de sociedades pré-capitalistas em estágio pouco desenvolvido de organização institucional. A Índia é a bola da vez, ainda mais agora que ganhou oito Oscars com o filme “Quem quer ser um milionário?”. Por sua força nas salas de cinema, a indústria cinematográfica indiana tem sido citada como um exemplo a ser seguido, ainda mais que os dois países têm fortes identidades tanto no que concerne às suas qualidades quanto aos graves problemas sociais, provocados pela injusta distribuição de rendas. Os dois países, Brasil e Índia, fazem parte do grupo chamado por BRIC, assim designado pelo uso das letras iniciais de cada um: Brasil, Rússia, Índia e China. Com a séria crise financeira internacional, avalia-se que os quatro países em desenvolvimento, porém possuidores de elevadas reservas monetárias e grande capacidade produtiva, serão importantes pilares da recuperação da economia mundial. Se há diversos fatores que ligam o desenvolvimento dos países, existem, também, inúmeras diferenças entre eles. No caso de uma comparação entre a Índia e o Brasil, são tão distantes nos costumes e na composição sociocultural que nos sentimos dispensados de abordar os aspectos que não se referirem direta e efetivamente à indústria cinematográfica. Começaremos a analisar, então, as questões fundamentais dessa diferenciação a partir de estudo assinado por Derek Bose18: 1) O cinema é o veículo de massas na Índia, havendo grandes salas populares, com pouco conforto e com uma grande oferta de lugares. Os multiplexes vêm se instalando, compondo circuitos diferenciados destinados à população de maior renda, principalmente nos locais onde se formou uma classe média que fabrica produtos industrializados e presta serviços para exportação. 2) Há enormes dificuldades em implementar emissoras de televisão de cunho nacional, em especial para atendimento dos segmentos da população mais pobre, porque se falam diversos idiomas e se praticam diferentes vertentes religiosas. O hindi é a língua mais praticada, não sendo, contudo, amplamente aceita em todas as regiões. 3) A falta de uma unidade linguística, além de dificultar a formação de uma rede efetivamente nacional de televisão, conduz à produção de filmes destinados a parcelas específicas da população. Em 2006, foram produzidos 1.078 filmes em 26 dialetos. Deles, 20% foram em hindi e 23% em telugu. Esses dados levam a uma configuração de nichos de mercado originados por etnias. 4) Grande parte do faturamento obtido com os filmes é originado no Exterior, devido à grande concentração de imigrantes em diversos países. Esse faturamento é levemente superior ao do homevideo nomercadointerno, queatingiu um faturamento de US$ 155 milhões, sendo, portanto, duas vezes menor do que o mesmo mercado no Brasil e dez vezes menor ao consumo per capita diante das populações declaradas de cada país. 5) Existiam, no ano do estudo, 12.000 cinemas no país e 325 salas em multiplexes. A maioria dos cinemas é composta de grandes galpões com cadeiras ou bancos móveis, e é frequente o uso de projetores de CRT ou LCD de baixa resolução exibindo dvds em telas gigantes, um padrão que já deixou de existir no Brasil há muitas décadas. Em nosso país havia, em 2006, 996 salas instaladas em multiplexes. 6) Há sérias restrições de ordem moral e de não agressão religiosa, de tal forma que os filmes são controlados por órgãos de governo. Essas restrições limitam a circulação de filmes estrangeiros, que não atingem 4% da frequência nacional. No Brasil, os filmes importados chegam, em alguns anos, a atingir 90% das arrecadações. 7) A televisão aberta tem um alcance de 59% dos lares, sendo que metade desses possui, também, algum tipo de televisão por assinatura. A cobertura dos sinais é bem mais restrita: 38% do território nacional. A estatística não descreve, mas podemos deduzir sem grandes margens de erro, que a televisão com tais coberturas está limitada aos grandes centros urbanos. No caso brasileiro, 93% dos lares têm televisão e a cobertura nacional supera 95% do território. 8)Ofaturamento da publicidadena televisão indiana atingiu quaseUS$ 1,5bilhão.Sendo a população indiana composta de 1,02 bilhão de habitantes, o faturamento publicitário nas tevês foi de US$ 1,46 por habitante. No Brasil, as emissoras de televisão faturaram US$ 5,16 bilhões19 em publicidade, gerando faturamento per capita de US$ 26. 9) A receita total bruta da televisão, isto é, envolvendo o faturamento publicitário, as assinaturas de canais e a venda de filmes, atingiu US$ 4,2 bilhões. No Brasil, as mesmas atividades atingiram US$ 8,46 bilhões. 10) Em se fechando todo o sistema audiovisual, teremos um faturamento bruto total da Índia de US$ 6,38 bilhões contra US$ 9,09 bilhões do Brasil, o que totalizará um faturamento por habitante de US$ 6,26 no país asiático e US$ 47,09 no Brasil20. A comparação do caso indiano com o brasileiro é uma mistura de unidades incomparáveis. A televisão não é o veículo de massas do país asiático, encontrando em contrapartida, no Brasil, penetração e coberturas que atendem a todos os segmentos da população. As salas de cinema brasileiras encontram na televisão um concorrente desigual, numa situação de pleno desequilíbrio, porque o cinema tem uma dramaturgia diferente a que o espectador assiste diariamente, concebida debaixo de pesquisas e testes. Mais acentuadamente, vale aqui a mesma regra aplicada às carências entre os veículos de comunicações: o espectador assistirá ao conteúdo no veículo ou meio que lhe oferecer mais conforto e comodidade. A televisão, especialmente a aberta, oferece condições imbatíveis nesses dois quesitos: é gratuita e está dentro da casa do consumidor. O crítico José Carlos Avellar afirma que a frustração das expectativas ao se ver um mau filme em casa, seja pela televisão aberta, por assinatura ou por DVDs, é bastante diferenciada daquela obtida nos cinemas. Em casa, quando o filme não satisfaz o espectador, ele se levanta, vai à cozinha ou simplesmente tira o filme ou muda de canal. Há um sério envolvimento quando ele se desloca ao cinema. Há um investimento emocional que não lhe permite perdoar o filme ruim na grande tela. Quer o dinheiro de volta (que, obviamente, não terá), quer ser indenizado pela destruição de seus investimentos afetivos e de seus esforços de locomoção. Portanto, é difícil competir com a televisão quando ela é competente e, pior, quando tem uma estrutura de programação baseada em pesquisas que são direcionadas à obtenção da satisfação e à consequente maximização do lucro. Quanto mais eficiente for o atendimento das expectativas, maiores serão os resultados financeiros. Nesse ponto é que estão as profundas diferenças entre a televisão concedida e a estatal, que acima de atender às demandas dos espectadores e, consequentemente, gerar lucro, atende às demandas de difundir a cultura e aperfeiçoar o cidadão. O Modelo Japonês A comparação do sistema audiovisual brasileiro com o japonês chega a parecer uma heresia. O Japão tem as melhores condições de vida da população, com rendas altas e serviços públicos invejáveis. Não bastassem esses atributos, tem uma indústria que lança os equipamentos de mais alta tecnologia, propiciando ainda avançadas pesquisas de desenvolvimento dos produtos que serão comercializados no futuro. No caso específico da televisão e da relação com o cinema, tem fortes paralelos com o Brasil. Detentor de uma cinematografia reconhecida internacionalmente tinha quatro grandes estúdios que forneciam os filmes para as salas de cinema: TOHO, TOEI, SHOCHIKU e NIKKATSU. Esses grupos não só produziam os filmes como eram proprietários das salas de cinema, inclusive no Brasil, onde tinham escritórios de distribuição para as cidades com significativa população imigrante ou descendente. Em São Paulo havia salas exclusivas para exibição dos seus selos: o Cine Jóia (TOHO), o Niterói (TOEI), o Nippon (SHOCHIKU) e o Brigadeiro (NIKKATSU). Com o avanço da televisão e, mais tarde, com o homevideo, as produtoras passaram a produzir conteúdos para as novas alternativas, consolidando uma indústria de desenhos animados, líder no mercado internacional. Os ganhos com esses novos segmentos cresciam quando acompanhados pelos valores que vinham do licenciamento dos personagens (que eram renovados permanentemente). As salas de cinema declinaram com a queda acentuada de público, resultando em um fechamento maciço. Os estúdios encontravam fontes de receitas crescentes nas novas atividades, cada vez mais ampliadas pelo surgimento de novas tecnologias como a internet, os videogames, a televisão por demanda, etc., fugindo do theatrical. Na década de 90, num processo bastante parecido com o ocorrido no Brasil, as empresas de exibição norte-americanas AMC, UCI, VIRGIN e WARNER abriram os primeiros multiplexes. Os investimentos neste tipo de cinemas são extremamente onerosos devido ao alto custo e à baixa disponibilidade dos imóveis de grande porte no Japão. São conjuntos extremamente verticalizados, compostos de salas com pequena lotação, erguidas umas sobre as outras. O público reagiu à novidade, retornando aos cinemas. Importantes grupos financeiros ou industriais associaram-se nos investimentos, independentemente da origem das atividades, como o SUMITOMO MITSUI BANKING CORPORATION21. A TOHO FILMES inverteria o fluxo do capital adquirindo o circuito da VIRGIN e iniciando uma corrida pela renacionalização dos cinemas, que foi acompanhada pela aquisição dos circuitos de origem estrangeira por empresas japonesas durante a crise da NASDAQ (2000-2001). Os preços de ingressos são dos mais altos, propiciando, como já foi dito, circuitos dedicados à exibição de conteúdos alternativos, em geral filmes populares ou soft pornográficos (sem cenas de sexo explícito) e, ainda, “filmes de arte”, constituindo a diversidade da exibição no país. O processo de retomada das salas pelas empresas japonesas, que misturam exibição, distribuição e licenciamento, estendeu-se para a associação com as emissoras de televisão, que encontraram nos cinemas uma base de experimentação de seus “pilotos” e “compactos”. Os filmes de maiores rendas são derivados dos programas de televisão. Os cinemas, além de auferir lucros, passaram a ser centros de experimentação dos conteúdos. Grande parte deles nasce dos mangás, que são as típicas histórias em quadrinhos que tanto sucesso fazem pelo mundo afora. A convergência dentro do “cinema” japonês é tão intensa que atraiu investimentos das agências de propaganda nos filmes de longa-metragem, com vistas a inserir merchandising, operação que vale a pena devido ao alto custo dos espaços publicitários nos veículos eletrônicos e editoriais. A DENTSU e a HAKUHODO são algumas das agências que atuam desta forma, além de esticarem suas atividades para o setor de contratações de elencos e da mão-de-obra especializada. No tocante ao capital, os investimentos nacionais se cruzam com os aportes vindos do Exterior, por meio das associações para distribuição dos conteúdos. Embora o Brasil não tenha um perfil tão valorizado quanto o modelo japonês ora descrito, há pontos de confluência que destacam a sinergia possível entre os diversos veículos e meios. Os últimos acontecimentos ocorridos no Brasil, com um forte investimento das distribuidoras estrangeiras pelo Art. 3º e Art. 3ºA para diferentes veículos e com o surgimento de uma indústria voltada à produção de videogames, pode propiciar um movimento que leve ao investimento pelo capital privado, especialmente das emissoras de televisão. Enfim, há possibilidades efetivas do modelo japonês repetir-se no Brasil. Capitulo VIII Conclusão Os Primeiros “Cérebros Eletrônicos” Ao término da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma corrida para o desenvolvimento de equipamentos informáticos. Importantes instituições de pesquisa e ensino, como as Universidades de Manchester,Cambridge,Harvard,Columbia,Moore School, Princeton, Pennsylvania e MIT (Massachusetts Institute of Technology), associavam-se aos órgãos governamentais aeroespaciais, nucleares e militares em geral e, também, à iniciativa privada, que visualizava um filão muito rentável nas novas tecnologias. Em 1946, o matemático John Von Neumann demonstrou teórica e virtualmente a explosão de uma bomba H (Hidrogênio), a partir do projeto que vinha capitaneando para as Forças Armadas dos EUA. Utilizou o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer) desenvolvido na Moore School, o qual fazia operações por meio de comandos sequenciais que lhe conferiam a capacidade de fazer em trinta segundos cálculos que demorariam mais de vinte horas quando feitos por um brilhante calculista. A partir da apresentação das potencialidades do novo equipamento, cientistas, militares e executivos de diferentes empresas chegaram a uma conclusão aparentemente definitiva: “segundo eles, sete computadores com as mesmas dimensões e potência do ENIAC seriam suficientes para cobrir todas as necessidades existentes no mundo inteiro”.1 Uma das características mais deficientes do ENIAC era sua incapacidade de armazenar informações e programas. Para atingir tal objetivo, a equipe que o construiu partiu para o EDVAC (Electronic DiscreteVariable Automatic Computer) que, durante a sua montagem, foi responsável por algumas das mais sérias discussões sobre a ética científica, devido às sucessivas acusações de apropriações indevidas de pesquisas e de patentes. Esse computador podia rodar programas e buscar arquivos que estivessem registrados em 126 “linhas de mercúrio”, que atuavam como memórias, tendo cada uma a capacidade de registrar 1.024 palavras de 44 bits. Quando o computador estava em uso, entrava em operação um sistema de memória auxiliar, capaz de armazenar 4.000 palavras.2 O desenvolvimento do ENIAC e do EDVAC reflete as dificuldades que se têm nas análises sobre a substituição tecnológica. Observados com uma distância de sessenta anos decorridos das suas apresentações como máquinas verdadeiramente avançadas, se não revolucionárias à vista de seu tempo, as suas características de processamento são primárias ou, mais precisamente, primitivas. Surpreendentes são as especificações do secreto supercomputador EDVAC que foi escondido a sete chaves da espionagem industrial e da “guerra fria”, que não superam as memórias e a velocidade de processamento sequer de um telefone celular com agenda ou de uma máquina de calcular científica. Mais surpreendente ainda é saber que os “senhores da guerra” e “das máquinas” julgavam que menos do que uma dezena dessas máquinas seria capaz de atender a todas as demandas de “cérebros eletrônicos” existentes no mundo. A Lógica Tradicional e as Mudanças O que nos importa nesse exemplo é a utilização do raciocínio lógico tradicional para projetar o futuro de tecnologias e, mais acentuadamente, dos comportamentos dos seus usuários. Citamos uma percepção minorada, mas poderíamos ci-tar outra exacerbada das reais potencialidades de um produto informático, como ocorreu na crise da NASDAQ, provocada pelo excesso de investimentos em empresas que se propunham a vender bens ou serviços que eram incipientes ou que não tinham real valor de mercado. Vendiam-se ilusões. Seria difícil acreditar em alguém que afirmasse, há alguns anos, que haveria praticamente um telefone celular para cada habitante brasileiro e que encontraríamos as pessoas falando aberta e longamente pelas ruas, já que falar ao telefone era um hábito pessoal, feito em cabines fechadas ou nos locais mais reservados das residências, tendo apenas nas instalações de uso sanitário um caráter mais privativo. São mudanças que os ensaios de futurologia não são capazes de prever. Isso ocorreu com a introdução do automóvel, do transporte coletivo (uma atividade regular que tem pouco mais de dois séculos de existência), da forma de construir, do uso dos aparelhos domésticos, do uso de computadores pessoais, enfim, desses objetos e costumes que a chamada modernidade nos traz e que são capazes de fazer alterações que podem atingir até a mecânica humana. Basta ver uma criança usando com agilidade o dedo polegar nos videogames e nos teclados dos computadores para percebermos que há mudanças jamais imaginadas – a literatura especializada diz que o polegar é utilizado para tração e para compressão, jamais para trabalhos de precisão e agilidade. Tente repetir a destreza dos movimentos do polegar de uma criança afeita ao mundo cibernético para que entenda a diferença desse uso. O cinema é o espetáculo coletivo presencial mais importante do Século XX. Nascido nos apagares das luzes do século anterior, desenvolveu-se construindo uma linguagem própria, extremamente popular, que passou a atingir as multidões, principalmente depois da introdução da pista sonora. Mais do que substituir o teatro, o circo, a ópera, as sessões de música e canto, a exibição cinematográfica representou a democratização do lazer e da cultura, permitindo que os mais diferentes segmentos da sociedade tivessem acesso a uma dramatização capaz de juntar todos os tipos de espetáculos que lhes antecederam. Diferentemente desses, exibia simultaneamente e em diferentes locais um mesmo filme, fazendo chegar aos mais distantes rincões a imagem virtual de um famoso ditador, as cenas de uma guerra distante, a estampa de uma maravilha só visualizada em um cartão-postal e, em seu encanto mais portentoso, mostrar as interpretações de grandes atores que só eram presenciadas nos mais aristocráticos palcos do mundo ocidental. As salas de exibição espalharam-se por todos os cantos, constituindo o mais importante ponto de referência de uma vila, de um bairro, de uma cidade ou de uma metrópole, rivalizando-se nesse aspecto da identificação urbanística com as igrejas. As Vantagens da “Grade de Programação” Televisiva As emissões de ondas de televisão, iniciadas nos últimos anos da década de 1940, destronaram a exibição em salas de cinema como o principal veículo ou meio de comunicação de massas. Aliás, foi a tevê quem difundiu os conceitos de veículos e de meios, sendo um mistura do rádio e do cinema, levando para a intimidade do lar a companhia cotidiana do primeiro e, do segundo, os aspectos da dramatização de uma história, que tanto pode ser épica como romântica ou cômica. A televisão encontrou fartos modelos de produção e de satisfação de seu público, reforçada pela possibilidade de utilizar todos os recursos que os outros veículos haviam experimentado, desde a entrevista ou a conversa íntima com os espectadores até a própria exibição de filmes produzidos para o cinema. Aproveitava, outrossim, dos conceitos de produção industrial desenvolvidos nos estúdios de Hollywood e que seriam amplamente aplicados num veículo que tinha a vantagem de aferir a aceitação pelo público durante o andamento das transmissões. A aprovação estatística dos programas televisivos reduziu os riscos de investimentos nas produções, propiciando a avaliação dos valores a serem pagos nos patrocínios por anunciantes, antes mesmo que eles fossem ao ar, remunerando os produtores e o veículo diante de expectativas futuras de audiência. Não bastando a diminuição dos riscos e as possibilidades de se testar diante do público presente e futuro, os programas de televisão tinham, ainda, a vantagem adicional de circular com baixos custos entre os diferentes países e locais, sem os riscos inerentes aos investimentos nos lançamentos, como ocorre na exibição pública em cinemas (theatrical). Completava tais facilidades a ampla necessidade de ter diferentes programas para preencher os diversos horários no que seria chamado de “grade de programação”. Ademais, tal “grade”, mesmo dentro de um único canal, diversificava-se para públicos específicos e conhecidos que se alteravam conforme a hora da transmissão, ampliando mais ainda a capacidade de oferta de produtos especializados. Em resumo, a televisão tinha atributos que o cinema não era capaz de oferecer, em especial a facilidade do espectador de assisti-la em sua casa. Os grandes produtores de filmes encontraram nas características negativas da exibição doméstica os principais estandartes da defesa da sobrevivência da sala de exibição, a começar pela limitação da oferta de filmes para o veículo nascente e pela elevação da qualidade da imagem, do som e do conforto dos cinemas. Se o espectador quisesse ver aquele filme fantástico que todos estavam falando, tinha que ir ao cinema. Se não fosse, não veria. Qualidade exacerbada da grande tela e a não oferta de filmes de cinema nas pequenas e deficientes telas dos televisores foram os mais fortes instrumentos para combater a propagação da televisão. Tais políticas tiveram sucesso relativo, visto que a televisão desenvolveu seus próprios produtos e passou a explorá-los, restando à sala de cinema um papel de exibidor de produtos mais qualificados em termos de qualidade de produção ou nos aspectos da narração artística, no que se denominou por “cinema de arte”. Mesmo assim, as audiências das salas de cinema minguaram, resultando no contínuo e definitivo apagar de dezenas de milhares de telas pelo mundo afora. Alguns filmes imortalizaram a sua despedida como “Cinema Paradiso” e “A última sessão de cinema”3. A Convergência dos Meios e Veículos O surgimento do videocassete encontrou os estúdios mais bem dimensionados em suas ambições e encarando o fornecimento específico de programas para a televisão como um serviço adicional a ser ofertado. Já se entendia que o “cinema” não mais se restringia a um salão com inúmeras cadeiras voltadas para uma tela. O conceito de “indústria audiovisual” estava presente e visava atender aos diversos segmentos que existiam. O perfil das majors era bastante diferente, pertencendo a grandes grupos empresariais, sendo que, muitas vezes, a detenção de controle acionário estava mais ligada às inúmeras operações segmentadas de outros setores industriais que faziam com que os estúdios estivessem sob guarda-chuvas que, se não lhes tinham muito a cobrir, davam-lhes o suporte financeiro para um nível de produção ampliado pelas necessidades da televisão. Quando do lançamento do videocassete, a indústria viu no novo meio um importante aliado em suas estratégias industriais. Essa congruência de atividades passou a ser chamada de convergência. Um mesmo produto pode render mais quanto maiores forem as vias de venda do mesmo conteúdo. Sabia-se, contudo, que se um filme fosse ofertado simultaneamente nos cinemas, no vídeo e na tevê, o espectador preferiria assisti-lo em casa. Daí criou-se uma metodologia em que os filmes são ofertados em sequência, primeiramente nos cinemas, depois no videocassete, depois nas televisões. Esta última, no plural, visto que, quase simultaneamente ao lançamento do videocassete, surgiram as primeiras emissoras de televisão por assinatura. Esse sistema de se produzir um único filme e explorá-lo nos diversos veículos deu um impulso até então desconhecido à indústria cinematográfica, alterando, inclusive, a configuração das salas de cinema, que passaram a ser conjuntos com telas múltiplas, em consequência da grande quantidade de filmes a serem lançados. As potencialidades crescentes da exploração de cada produto-filme provocaram uma expansão ímpar a algumas empresas do setor, como foi o caso da cadeia de exibição NATIONAL AMUSEMENTS, que ingressou na distribuição de filmes de televisão por uma empresa iniciante, a VIACOM, para depois adquirir a maior rede de televisão norteamericana, a CBS e, numa trajetória contínua, estender seus domínios sobre a PARAMOUNT, MTV, NICKELODEON, BLOCKBUSTER, etc. Outros conglomerados da comunicação ou da indústria eletrônica acabaram por adquirir os estúdios majors, dando à indústria cinematográfica um volume de operações e de disponibilidade de capitais jamais imaginado. O surgimento das técnicas digitais nos sistemas de comunicações provocou profundas alterações no entretenimento e na cultura. Novas formas de comunicação, como a internet, propiciaram facilidades sequer imaginadas, permitindo a ampla divulgação de fotos, músicas, filmes, textos, da comunicação rápida, que tanto podem ser usados para os usos profissionais de alto desempenho como para o uso cotidiano de um simples usuário. Por meio de corriqueiros programas de computadores e usando câmeras fotográficas e defilmagem amadoras, qualquer um pode mostrar seus filmes ou suas fotos. Esses mesmos programas e meios de transmissãopodem,também, transmitirprogramas para as emissoras de televisão e para os cinemas. Os veículos e os meios fundem-se, passam a se complementar, a serem permeáveis em suas produções e necessidades, como nos jogos de computador que usam personagens do cinema e da televisão. Os videogames já se constituem no maior segmento do varejo da indústria audiovisual. Na contramão do crescimento dos games, assistiu-se à derrocada da indústria fonográfica, que não conseguiu se “reinventar”, permitindo que a pirataria lhe tomasse consideráveis parcelas dos faturamentos e levando os cantores e instrumentistas a buscar outras formas de venda de suas músicas. A equação da indústria fonográfica é cruel: o consumidor que deseja adquirir conteúdos (com a escolha objetiva das músicas que gostou e não com a obrigatoriedade de comprar uma composição de quase duas dezenas de músicas escolhidas por um produtor) e não suportes. Assim, ao comprar um cd, paga quatro ou cinco vezes mais do que o valor inerente à produção e à realização musical. Os maiores valores são gastos para produzir os suportes, as embalagens, e para circular e comercializar as músicas. O homevideo sofre da mesma síndrome, porém em consequência de um mal diferenciado: os filmes são lançados nos cinemas e só são levados às locadoras alguns meses depois, quando a pirataria já roubou milhões de futuros espectadores do “vídeo legal”. A sala de cinema perde, cada vez mais, a importância quantificada em relação ao seu poder de faturamento. É, porém, a melhor vitrine que um filme pode ter. Hollywood, Bollywood ou qualquer outro centro produtor não descobriu outra forma de colocar, com impacto, um filme no mercado. Exigem-se fartos investimentos para que um filme atinja seu ponto ideal; são investimentos de alto risco, já que não é possível prever se o lançamento será um sucesso ou não, diferentemente da televisão que se expõe aos poucos por meio dos “pilotos de série” e de pesquisas junto aos seus públicos. O cinema, aqui no sentido estrito do theatrical, é puro risco. Aliás, muito mais que isso, é um quase que um jogo de azar, em que produtores, distribuidores e exibidores apostam continuamente na sorte do grande sucesso ou do fracasso. Porém, é na sala de cinema que nascem os grandes sucessos que podem faturar centenas de milhões de dólares e que, pela primeira vez, viu um filme atingir a casa do bilhão de dólares com “Batman, o cavaleiro das trevas”. É, também, no escuro da sala com tela grande que se veem os trabalhos que valorizam a arte do sistema audiovisual e que dificilmente chegarão aos olhos do público comum e massificado da televisão e da locação de dvds. O theatrical vive um momento delicado. Não é capaz de se manter no formato original em que se estruturou desde a primeira exibição pública dos Irmãos Lumière. O filme de 35mm deverá ser substituído por tecnologias mais avançadas que utilizam o registro e a transmissão de sinais digitais. Não bastasse a exceção de ser o único a operar um tipo de material que se encontra em extinção, há uma clara percepção de que o espaço destinado à exibição dos filmes sofrerá francas alterações, a começar pela introdução da tecnologia que exibe filmes com imagens tridimensionais, mas também pelo uso de uma mesma sala para serem exibidos outros conteúdos, como se vêm experimentando: óperas, shows, jogos, palestras, conferências, eventos, programas televisivos, etc. Para conferir tal tendência, basta observar os horários das salas “Vips“ do multiplex CINEMARK CIDADE JARDINS, em São Paulo, que muitas vezes não tem sessões nas segundas e terças-feiras, tendo as salas destinadas para outros fins de locação e uso que não seja a exibição pública aberta de filmes de longametragem. O Cinema Pré-Eletrônico Abandonadas as questões de cunho ideológico que identificam a substituição tecnológica digital como um avanço na supremacia da indústria norte-americana sobre as nacionais, há que se discutir a questão do cinema brasileiro dentro do ambiente digital. Quando da introdução dos meios eletrônicos, como a televisão, o cinema brasileiro vivia uma quase infindável discussão acerca de seu papel, dividindo-se em grupos que valorizavam seu cunho cultural e outros que sustentavam que a sua viabilidade estruturavase nos aspectos comerciais. O INCE, primeiro organismo estatal, dirigia-se apenas ao filme cultural. O INC e a EMBRAFILME foram instituições voltadas ao desenvolvimento da indústria nacional, através de operações de financiamento, coprodução, subsídio e distribuição, sendo que a estatal apoiou-se em um órgão regulamentador com amplos poderes de intervenção que a Constituição de 1988 cerceou a qualquer instância ou esfera do Executivo4. Embora fossem instituições constituídas sob a força e o mando da ditadura militar, não tiveram intenções em intervir, regulamentar ou ampliar o audiovisual em direção aos novos veículos e meios, enxergando neles apenas fontes de recursos complementares às necessidades de financiamento do cinema brasileiro e das pesadas instituições criadas para geri-lo. A televisão cresceu com suas próprias pernas e ideias, ignorando as demandas da indústria cinematográfica nacional, trilhando um caminho estabelecido na hegemonia da produção realizada no interior de sua própria casa. Descobriu, conforme experimentava, que o grande público preferia o produto feito aqui, com suas próprias feições. Desenvolveu uma dramaturgia própria, aperfeiçoada por roteiristas, diretores, técnicos e atores que são avaliados no dia-a-dia da pressão dos institutos de pesquisa. Utilizou a estrutura de comunicações e transmissões que o Estado lhe fornecia, como os serviços de transmissão por satélite, por exemplo. Quando o videocassete passou a ser uma necessidade doméstica para as populações dos mais diversos segmentos socioeconômicos, o cinema brasileiro começou a pagar sua falta de projetos de longo prazo. Pior, descobriu-se que se encontrava em um estágio pré-eletrônico, incapaz de dar o salto aos sistemas que surgiam e que demonstravam que estavam por vir. Ao mesmo tempo que surgiam locadoras em cada esquina (segundo os analistas das revistas especializadas, chegaram a 12.000 pontos de locação no País), os cinemas fechavam. No ano de 1995, o número total de salas no País superava por muito pouco a casa de um milhar. Pior do que a pouca quantidade, era observar a baixíssima qualidade das salas existentes, que afastava, de vez, o público. A abertura comercial do mercado brasileiro iniciada no Governo do Presidente Collor e o processo de globalização na economia mundial trouxeram alguns operadores internacionais da exibição cinematográfica. A CINEMARK, diferentemente de outros operadores internacionais que consideravam o mercado brasileiro como de alto risco, conseguiu, em pouco mais de dez anos, consolidar uma hegemonia que lhe dá quase 30% da arrecadação nacional. A UCI representa outros 10%. O número de salas subiu para 2.100, o que, se representa um avanço percentual acentuado, está muito distante das quase 3.500 salas que o País tinha em 1975. Pior ainda, quando analisamos pela relação proporcional de uma sala de cinema para 25.000 espectadores daquela época, confrontados em nossos dias, com a proporção de uma sala para quase 100.000 espectadores, daí, encontrarmos a pior relação encontrada entre as vinte mais importantes e significativas arrecadações cinematográficas mundiais. Em 2002, escrevi o ensaio “Anotações para o desenvolvimento de uma indústria cinematográfica brasileira”5, em que previa as restrições ao crescimento do mercado exibidor brasileiro, à época com 1.647 salas. Diante da rentabilidade das operações dos circuitos exibidores e dos juros brasileiros praticados pelas instituições bancárias, projetava um crescimento de 50 a 60 salas por ano. Mais importante do que o acerto em referência a essa previsão, salientava que havia a necessidade do estabelecimento de uma política de Estado para os financiamentos de salas de cinema que expandissem em direção aos públicos mais carentes. O investidor em cinemas sempre dará prioridade aos locais com preços com ingresso de maior valor e maior poder de consumo para os comestíveis que vende. Afinal, os montantes a aplicar em cinemas instalados em locais ricos ou pobres são muito parecidos e, como o Ponto Cine do Rio de Janeiro comprovou, há que se ofertar serviços e instalações compatíveis com os melhores concorrentes. Na prática, a tão desejada intenção de construir cinemas populares que sejam competitivos com os grandes conjuntos multicines tem se mostrado inviável. Até mesmo porque o desejo de que os filmes brasileiros atinjam o seu público mais potencial, encontrado nas classes sociais de menor poder aquisitivo, confunde princípios de mercado e de política da difusão da cultura nacional. Tratar esse público, possuidor de parcos recursos, como aquele que viabilizará os investimentos em produções de filmes brasileiros é um equívoco. Maior ainda, quando se compara com os públicos das décadas de 1960, 1970 e 1980, que eram a base da arrecadação do nosso cinema. O País mudou, modernizou-se, e esses segmentos da população têm alternativas de lazer, principalmente na televisão aberta. Resta ao Estado prover o acesso à cultura, uma tarefa que lhe é destinada constitucionalmente, valorizando a identidade nacional. Os recursos destinados à exibição cinematográfica em regiões carentes ou de população de baixa renda devem ter como princípio o investimento cultural sem retorno financeiro. Se encontramos grandes dificuldades na ocupação dos espaços para o cinema brasileiro nas salas de exibição, ele é líder absoluto na televisão aberta, ocupando quase que integralmente a grade de programação de todas as emissoras. Na televisão por assinatura, o cinema brasileiro é um estrangeiro, deslocado de sua casa, como o é na locadora de vídeo. No videogame, o maior segmento da indústria audiovisual da atualidade, apenas engatinhamos6. As experiências em criar uma regulamentação que atinja os diversos segmentos da atividade audiovisual como um todo têm se mostrado infrutíferas e malsucedidas. Assim foi com o projeto de criação da ANCINE, que contava com a aprovação prévia de todos os setores da indústria cinematográfica (na acepção mais ampla do termo) e, posteriormente, no projeto da ANCINAV, em que o Estado tentou impingir novas regras pela imposição da vontade de um governo recém-eleito e legitimado na proposição de modificações estruturais de segmentos da sociedade. As experiências somadas atestam que, se o País sofre de profundas dificuldades na equalização social que o remetem a comparações com países subdesenvolvidos, possui características que o emparelham a modernas sociedades desenvolvidas. Neste sentido, a penetração e a alta qualidade dos programas populares da televisão colocam-no inequivocadamente num patamar de destaque, mesmo que seja rejeitado por segmentos mais intelectualizados da população e que se identifique uma centralização da audiência, que gera um poder desmedido aos detentores das emissoras. A análise da recuperação da indústria cinematográfica japonesa, baseada nas conjunções entre as atividades dos produtores de filmes para cinemas com as emissoras de televisão, com financiadores e agentes publicitários, parece ser a via mais palatável para o desenvolvimento do cinema brasileiro. Ainda mais num momento em que as próprias emissoras de televisão veem-se ameaçadas pelo avanço das companhias de telefonia, em sua maioria atreladas ao capital de origem estrangeira, que se dispõem a transmitir conteúdos como parte da oferta de seus serviços. Trata-se de um momento ímpar de unificação de esforços das emissoras de televisão e do cinema brasileiro, em que as moedas de troca são apreciadas e aceitas pelos diferentes partícipes da indústria cinematográfica. As experiências da GLOBOFILMES, mesmo que tímidas diante da experiência do Japão, demonstram que há um grande caminho a ser aberto nessas parcerias, fazendo com que cada emissora, incentivada por mecanismos de uso de recursos subsidiados ao produtor que a ela se associa, produza conteúdos com a sua “cara”, valendo-se das especificidades que cada uma tem. O perfil de cada emissora, nacional ou regional, com os recursos dimensionados à sua realidade, redundará na formulação de diferentes modelos de produção de conteúdos que garantam a diversidade e a regionalização do cinema brasileiro. O espetáculo cinematográfico passará por modificações que são difíceis de prever. A própria lingua-gem dos filmes vem se alterando, derivando para um “realismo virtual” absoluto que transforma os antes patéticos filmes de superheróis nas maiores bilheterias da indústria cinematográfica. Epopéias grandiosas como a série “Harry Potter”, “O senhor dos anéis” e “Nárnia” migram do imaginário obtido pela leitura dos livros para ricas encenações nas telas, capazes de encantar diferentes gerações de espectadores. Equipamentos e softwares baratos e acessíveis permitem que se experimentem e se façam filmes com poucos recursos, que são colocados na internet, atingindo centenas de milhares de espectadores, quando antes não seriam vistos sequer por um milésimo dessa audiência. Democratização e Globalização do Audiovisual O cinema digital é multifacetado, pois se situa na convergência dos múltiplos meios e veículos. Por isso mesmo, leva a uma vertente em que se identificam intensos investimentos para a obtenção de um padrão de imagem equivalente ao filme 35mm e que viabiliza, ainda, as projeções estereoscópicas tridimensionais que não atingiram uma qualidade razoável nas exibições com películas nessa bitola. No sentido oposto, possibilita-se a exibição pública de filmes produzidos com parcos recursos financeiros e sem preocupações de ordem técnica. Comunidades regionais conseguem produzir e veicular seus conteúdos, propiciando o acesso às telas, antes inviabilizado pelos altos custos da produção, comercialização e de exibição; pela especialização da mão de obra e pelas dificuldades inerentes ao processo industrial que demandava laboratórios de revelação com equipamentos de alto custo. Países como a Índia, a Turquia e a China já utilizam, há mais de duas décadas, os projetores eletrônicos em substituição aos de 35mm ou 16mm, permitindo exibições que atendem às segmentações de público decorrentes dos diversos dialetos e as diferenças culturais regionais nesses países. No caso brasileiro, a digitalização dos cinemas tem permitido o crescimento da oferta de produções destinadas aos “cinemas de arte” e aos filmes nacionais, em especial aqueles destinados ao nicho de público mais intelectualizado, propiciando, inclusive, um inédito ciclo de dezenas de documentários que chegaram às grandes telas. Mesmo que restrito a essa audiência, o documentário que se apresenta como a maior vítima da verticalização de nossos canais de televisão que, salvo algumas exceções, não adquirem produções terceirizadas para os seus programas jornalísticos, conseguiu uma válvula de escape. Se não atinge o gigantesco público da televisão, que é seu veículo natural, ao menos reduz o mal-estar de se realizar um filme que não chegará a espectador nenhum. Frente à convergência dos meios e veículos, a situação do cinema brasileiro é incômoda. Não tendo atingido um estágio em que tenha se apropriado das vantagens auferidas pela televisão aberta, pelo homevideo, pelo videogame e pela televisão por assinatura, terá grandes dificuldades em usufruir do que o cinema digital poderá ofertar. A começar pela exibição de outros conteúdos, que não filmes, que chegarão às telas de cinema. Poucas serão as produções que serão exibidas que não sejam produzidas pelos canais de televisão. Se há dúvidas sobre os volumes financeiros que auferirão com essas exibições, há de se ter em mente que a oferta de diferentes eventos constituirá uma fonte de rendas muito bem-vinda para o setor exibidor. A elevação dos ganhos nos horários de baixa frequência já se mostrou como o grande diferencial na rentabilidade de empresas de outros setores, como a aviação civil, criando a máxima que afirma que “os lugares vazios de um voo jamais poderão ser repostos. É melhor voar cheio com preços baixos nos horários de pequena procura do que voar vazio com preços majorados”. Essas sessões com “novos conteúdos” ocuparão datas que comumente geram poucos resultados, sem que se deixem de ofertar os filmes tradicionais nos horários de maior frequência. O circuito alternativo que nasceu com a tecnologia digital não consegue, contudo, esconder as deficiências e a ausência do Estado na regulamentação dos veículos de comunicação. Há que se ampliar as reais perspectivas do uso mais abrangente das telas, seja nos cinemas, seja nas emissoras de televisão, seja no homevideo, observando as situações em que cada um se implementou e que sejam respeitadas as condições em que estabeleceram, mesmo que estas não sejam as que se julgue como adequadas e ideais. Os mecanismos que o mercado estabeleceu para seus veículos sedimentaram-se após mais de meio século de existência, constituindo em formas estranhas, porém sólidas. De maneira distorcida, assiste-se a uma intensa pressão visando controlar as atividades de comércio, a sala de cinema e o homevideo e se abstém da regulamentação das concessões públicas, num jogo que cria forte retórica mas resultados pífios diante dos desiguais volumes financeiros envolvidos nos setores do audiovisual. Sabemos que a concorrência entre os veículos se acirra, levando a um ponto do regime de concorrência em que o volume de capital pode ser determinante. A necessidade da defesa das empresas nacionais, mais do que uma posição xenófoba, é uma atitude de preservação da indústria e da cultura nacional. Nessa necessidade encontram-se as chances de se ter um audiovisual coeso e integrado que permita a expansão de um mercado que, visto em seu conjunto, tem um vigor invejável. A indústria audiovisual brasileira é desequilibrada, refletindo as próprias distorções da nossa sociedade. Há uma indústria evoluída, porém com problemas na concentração de seu controle. Porém, não há de se negar que os modelos que devem nortear os processos da digitalização dos cinemas e da ampliação dos processos de convergência entre os veículos encontram-se nos sistemas audiovisuais dos países desenvolvidos, que têm equivalentes consumos de conteúdos nacionais e que oferecem qualidade equivalente nos serviços oferecidos, como os existentes na televisão brasileira, na moderna rede de cinemas (mesmo sendo menor que as necessidades do País) e nas locadoras de dvds do Brasil. Observados esses critérios que conduzem à expansão de uma rede de veículos convergidos, haverá uma maior e mais democrática oferta de conteúdos aos diferentes segmentos, assim como haverá uma condição efetiva de competição com os produtos estrangeiros em todos os setores do audiovisual. Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Agradecimentos 13 Prefácio 17 O Tempo Digital 45 Aspectos Técnicos dos Equipamentos Cinematográficos Digitais 55 As Alternativas ao Sistema da DCI 99 O Cinema 3D 135 O Financiamento para os Equipamentos Digitais 181 Transformações no Cinema Digital 241 A Convergência no Brasil 301 Conclusão 353 Crédito das figuras e fotografias Divulgação CHRISTIE (DLPCINEMA) 62 Divulgação DOLBY 3D (DOLBY INC) 161 Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis CabraCega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade Org. Luiz Antônio Souza Lima de Macedo Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos VivaVoz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebracabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício Tania Carvalho Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição Renato Sérgio Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Tônia Carrero – Movida pela Paixão Tania Carvalho TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 400 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo De Luca, Luiz Gonzaga Assis A hora do cinema digital : democratização e globalização do audiovisual / Luiz Gonzaga Assis De Luca – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo , 2009. 400p. : il. – (Coleção aplauso. Série ciência e tecnologia/ Coordenador geral Rubens Ewald Filho) Bibliografia. ISBN 978-85-7060-737-9 1. Cinema – Técnicas digitais 2. Cinema – Efeitos especiais 3. Cinema – História 4. Técnicas cinematográficas I. Ewald Filho, Rubens II. Título. III.Série CDD 778.5 Índice para catálogo sistemático: 1. Cinema : Técnicas digitais 778.5 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2009 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria