Ewerton de Castro Minha Vida na Arte: Memória e Poética Ewerton de Castro Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniramse simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da Nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o País nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileira vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de to-do o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Para a minha irmã Ruth Cardoso, in memoriam, pois que amizade e carinho pelo Ewerton foram sempre incondicionais. Reni Chaves Cardoso Uma Nota Introdutória a Meia Voz Quando conheci Ewerton de Castro em São José do Rio Preto, há muitos e muitos anos, éramos adolescentes e tínhamos uma paixão comum: o teatro. Mas não era só o teatro: era o cinema, a música, a literatura... Foi daí que nasceu nossa amizade, que é grande e bonita até hoje. Para tudo que fazíamos (ele, minha irmã Ruth e eu) tínhamos o apoio de meus pais, portanto para mim era fácil. Para o Ewerton, nem tan-to, pois ele tinha que viver se escondendo em pseudônimos e a maioria das vezes se esconder mesmo das inúmeras buscas do pai e da mãe pela cidade. A minha casa era sempre o primeiro lugar aonde iam procurá-lo. Quando ele não queria ser encontrado, minha mãe e meu pai davam um jeito. Ao propor ao Ewerton que narrasse suas memórias, ele aceitou com muita alegria. Ei-las, pois. Ator, diretor, pedagogo, cenógrafo, figurinista, iluminador, dramaturgo, roteirista, produtor, administrador, júri, dublador e sabe-se lá o que mais! Ewerton sempre trabalhou intensamente. O teatro é sua paixão maior e sua carreira foi marcada por espetáculos como Equus, O Poeta da Vila e Seus Amores, Patética, O Homem Elefante, só para citar alguns grandes sucessos. Um fato que não pode deixar de ser notado é seu trabalho com o teatro infantil, seja como ator, seja como dramaturgo, seja como diretor. Isto é muito importante, pois a criança é o futuro espectador e todos nós agradecemos, quando um artista não o trata com desdém e nem como inferior. Na Televisão criou papéis como Alexandre, em A Viagem, na extinta TV Tupi, e, recentemente, Belchior, em A Escrava Isaura, na TV Record, e tantos outros que estão aqui narrados. No cinema dos anos 70 seu trabalho passou pelas pornochanchadas, antes trabalhou com Mazzaropi. Bem, a sua trajetória no cinema foi marcada por estatutos os mais ecléticos possíveis. Mas ele afirma que todo o cinema que fez lhe garantiu imenso aprendizado. Apegadíssimo aos quatro filhos e agora também às duas netas, vamos percebendo, ao longo de sua narrativa, como seu trabalho, em muitos momentos, vai se ligando a este amor incondicional pelos filhos: é o caso de seu trabalho no Colégio Sion, no Rio de Janeiro, onde Rafael e Daniel estudaram nos anos 90. Um ponto nesta narrativa é marcante: o seu apego às teorias stanislavskianas. Tentei, muitas vezes, mostrar a ele que, em muitos de seus trabalhos, quer como ator, quer como diretor, a teatralidade é muito mais forte do que os pressupostos de Stanislavski. Em vão!!! Ele rebatia meus argumentos com tal veemência, desvendando sua poética, mostrando como nos espetáculos onde havia teatralidade sim, era uma teatralidade que se ligava desde o nascimento às bases de Stanislavski e Eugênio Kusnet. É talvez esta a maior força do trabalho de Ewer-ton de Castro: a sua convicção no seu método de trabalho. Outro aspecto importante do trabalho deste artista é o de pedagogo: ele gosta de ensinar. E fez isto especificamente e quase que, com exclusividade, do final de 1996 até meados de 2004, quando trabalhou intensamente com os alunos de sua escola. Para seus alunos escreveu O Pequeno Organon, mas não se enganem: se o título destes ensinamentos sobre teatro nos remete a Bertolt Brecht, o desenvolvimento de sua teoria é totalmente ligado a Stanislavski e Kusnet. Tão ligado a Stanislavski que me perguntou se seria possível, sem ser considerado prepotente, nomear estas narrativas de Minha Vida na Arte: Memória e Poética, numa claríssima citação ao primeiro livro publicado por Constantin Serguiêievitch Stanislavski. Por que não? Afinal, é apenas mais uma homenagem a Stanislavski, já que, em tudo o que Ewerton de Castro fez, Stanislavski esteve presente... Mas ao falar da importância de Stanislavski e Kusnet para Ewerton de Castro, seria injusto não citar também a importância de dois diretores de teatro na sua carreira: Antunes Filho e Celso Nunes. Isto sem falar em Anatol Rosenfeld, que tinha um carinho todo especial pelo Ewerton. Quantas vezes eu o vi sentar-se em um degrau da escada do teatro e conversar, conversar sobre o espetáculo que o jovem Ewerton havia acabado de fazer. Ele me dizia que gostava de conversar com o Ewerton, porque era um dos poucos atores que aceitavam discutir o próprio trabalho, sem a vaidade de esperar apenas elogios; com atenção às críticas, para aprimorar-se e ir em frente. Duas palavrinhas a respeito de como este trabalho foi realizado. Para começar houve muitos e muitos encontros. Conversávamos com o gravador ligado. Depois de dezenas de encontros, quando os depoimentos já estavam escritos, percebemos que trechos imensos não haviam sido gravados: falhas em fitas, falhas no gravador. Pacientemente, ele gravou tudo de novo. Claro que as falas foram outras. As primeiras haviam sido irremediavelmente perdidas. É o problema da oralidade. Mas quando já estava tudo escrito, ele quis rever e, ao rever, ele reescreveu, cortou, acrescentou, virou do avesso! E virou do avesso com um pedido expresso: Sou um homem da prática artística, muito mais do que teórico. Prefiro ser conhecido como eu sou, inclusive com a simplicidade das minhas palavras. Assim seja: que a simplicidade da sua narrativa esteja intacta. Foi, portanto, um longo processo finalizar este trabalho, pois ele fazia esta virada do avesso nas pouquíssimas horas vagas de que dispunha. As fotos são todas de seu arquivo particular e aqui também ele teve participação ativa na escolha delas: embora eu tenha digitalizado centenas de fotos, ele selecionou apenas as que estão publicadas aqui. Em todo este percurso dei a ele total liberdade, obviamente, pois não seria justo de outra forma, afinal são memórias dele. Como se pode observar, ele faz uma narrativa mais ou menos cronológica, também por opção dele. Isto, contudo, não quebra o encanto da narrativa. Vez ou outra um desafeto vem à tona. Isto também foi registrado segundo a vontade expressa dele. Confesso que demos boas gargalhadas ao longo destes meses em que trabalhamos juntos. É outra qualidade do Ewerton: rir. Rir de situações em que esteve, rir de si mesmo. É difícil codificar Dionysos! Às vezes a memória falha, as narrativas se embolam, afinal os espetáculos são efêmeros, efêmera a maravilhosa arte do ator. Mas ficam as narrativas, as narrativas das narrativas, nossas invenções para, principalmente, o teatro – a mais efêmera das artes – não morrer. Reni Chaves Cardoso São Paulo, abril de 2005 Dedico a Reni Chaves Cardoso, que me instigou a fazer essa profissão de fé do meu ofício. Ewerton de Castro Capítulo I Sou um Homem de Teatro Meu nome é Ewerton Ribeiro de Castro, conhecido em artes como Ewerton de Castro. Nasci no dia 11 de dezembro de 1945, filho de Melchiades Ribeiro de Castro (já falecido) e de Isla Sartoretto Ribeiro de Castro. Sou pai orgulhoso de Tatiana, Talita, Daniel e Rafael. (Estes últimos três também atores.) Sou avô apaixonado de Yasmim e Liris. Minha companheira de vida é Hânia Cecília Pilan. Tenho poucos, mas preciosos amigos. Sou um homem de teatro. Não posso precisar o momento exato que tive a consciência de que o teatro era a minha vida. A minha primeira aparição pública foi aos cinco anos fazendo um discurso no aniversário de 70 anos de Dona Anna Ozório Teixeira, no dia 6 de junho de 1951 no casarão onde ela morava e que ainda existe, lá na Rua Bela Cintra, bem perto da Av. Paulista. A dona Anna era membro da Igreja onde eu nasci e tive a minha formação: a Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo, da Rua Nestor Pestana. Dona Anna era amada por todos e meu pai escreveu um discurso muito bonito e muito extenso. Eu decorei, palavra por palavra, ajudado pela minha mãe, pois eu ainda não sabia ler. Subi numa cadeira e fiz o discurso. Foi um assombro para quem estava na festa. É que, no discurso, havia palavras muito difíceis. Não era possível que tais palavras fizessem parte do vocabulário de uma criança desta idade. E eu falei todas aquelas palavras da forma mais natural possível. A partir daquele momento, eu percebi, meio inconscientemente, que existia um prazer enorme em se comunicar com uma platéia. Acho que esta foi a primeira personagem teatral interpretada por mim. Foi muito gostoso, eu comecei a partir daí a criar gosto em estar diante de um público. Naquele momento senti aquela qualidade vital do ator, que alguns julgam defeito, que é ter um pouco de narcisismo, porque quem não tem – quem não quer aparecer – não pode ser ator. Bem, então passei a participar de todas as peças teatrais encenadas na Igreja. Eu me transformei no ator mais popular da Igreja e fazia um sucesso danado. Lembro-me, inclusive e isso me envaidecia muito, é claro, que era proibido bater palmas, porque fazíamos as nossas apresentações no próprio templo. Não havia ainda sido construído o templo grande, tal como é hoje. Os cultos eram realizados no mesmo local onde se fazia teatro: o atual salão social. Bem, como as pessoas não podiam bater palmas, elas estalavam os dedos. Eu me lembro que era um tal de estalar dedos no final do espetáculo, que era uma loucura, não acabava nunca! Quem dirigia as nossas montagens era o Dr. Moacir Costa, que era funcionário da TV Tupi. Ele e a mulher dele, a D. Edna, eram atores da extinta TV Tupi, no programa Teatro da Juventude. Ele não só dirigia, como ainda trazia o iluminador, o cenógrafo, o figurinista e o maquiador da TV Tupi. Então, o nosso teatro era muito bem-feito. O Dr. Moacir era, pois, o diretor deste teatro e era ele quem me escalava para todos os grandes papéis. Daí o Dr. Júlio Gouveia, que dirigia O Sítio do Pica-pau Amarelo eo Teatro da Juventude, na TV Tupi, canal 3, branco e preto, ia lançar uma nova novela, que ia ao ar duas vezes por semana e era ao vivo (ainda não havia gravação em tape), que se chamava O Pequeno Lord. É uma história famosa de um menino adotado pelo velho avô. Este avô era muito duro e acabava amolecendo, graças ao menino. E o Dr. Moacir Costa me recomendou para o Dr. Júlio Gouvêa... Fui chamado e fiz todos os testes. Os finalistas éramos eu e o sobrinho da Lúcia Lambertini, que fazia a Emília no Sítio. ODr.JúlioGouvêaseviameionaobrigaçãodeescalar o sobrinho da Lúcia, porque ela havia começado o Sítio junto com ele, eles eram muito amigos. Mas mesmo assim o Dr. Júlio deu preferência a mim. Bem, meu pai, como bom cristão, foi até o reverendo Bertolazzo Stella, o pastor da nossa Igreja, e disse: – Reverendo, o meu filho foi convidado para fazer um seriado de televisão... Ao que ele, prontamente replicou: – Nem pense nisso! Aquilo é um ambiente de perdição... Seguindo o conselho do nosso pastor, meu pai não permitiu que eu fizesse O Pequeno Lord. O sobrinho da Lúcia Lambertini acabou fazendo o papel e eu perdi a minha primeira oportunidade como ator profissional. Esse episódio me deixou bastante confuso porque eu pensava assim: – Meu Deus do Céu, é tão bom fazer teatro! Na Igreja as pessoas gostam tanto, me elogiam tanto, por que aqui eu posso fazer e lá na televisão não? Outra decepção aconteceu quando um diretor de cinema foi assistir a um espetáculo nosso na Igreja e queria me levar de todo jeito, para fazer um filme com ele. E mais uma vez o meu pai foi consultar o reverendo Bertolazzo Stella, que é claro, disse: – De jeito nenhum. E, de novo, recusaram por mim a segunda oportunidade de trabalhar profissionalmente no que eu amava fazer. Quer dizer, eu retardei meu ingresso na profissão por esses empecilhos religiosos, que não passavam de pura ignorância. O tempo foi passando e eu continuava a fazer teatro na Igreja até que, aos 14 anos de idade, meu pai foi transferido, pelo banco onde trabalhava, para São José do Rio Preto e lá não havia teatro: nem na Igreja e nem na cidade. O que havia era um grupo dirigido pelo Professor Nelson de Castro (que não é meu parente), no Círculo Operário, mas que era uma espécie de teatro de variedades, de pouca qualidade artística. À falta de opção e o enorme desejo de atuar fez com que eu e minhas duas novas grandes amigas (as irmãs Reni e Ruth Cardoso) fôssemos participar. Com a Reni eu atuei num esquete que se chamava Eu Já Sei Tudo, que era ruim, mas serviu de exercício e mesmo assim foi sucesso. Com a Ruth, eu dancei um rock’n’roll. É lógico que meu pai não sabia e eu usava o pseudônimo de Bob... Nessa época recebi muito apoio dos pais das minhas queridas amigas: Dona Adelina e Seu Renério (ambos já falecidos). Eles vão ficar para sempre gravados em meu coração e mente como amantes das artes e incentivadores da minha caminhada artística. Quando os mundos familiar e religioso conspiravam para me impedir de exercer uma atividade artística, Seu Renério e Dona Adelina me acobertavam para que eu pudesse ao me-nos participar do Teatro do Professor Nelson. Mas eu não considerava essa uma atividade teatral. Nesse tempo de jejum das artes cênicas eu e minha amiga Reni escrevemos um roteiro de cinema! E também compusemos músicas (ela as letras e eu, que arranhava as teclas de um piano, as músicas). Eu me lembro até hoje da música de abertura do filme. Sonhávamos tanto que chegamos a desenhar até a logomarca da nossa companhia cinematográfica. E, com a maior cara-de-pau, fomos bater na porta do apartamento da Aurora Duarte, grande produtora e atriz da época, ali na São João com a Av. Duque de Caxias. Ela e o marido, apesar de meio espantados, nos receberam muito bem. O roteiro nem era datilografado. Era escrito a mão mesmo. Eles pediram que a gente voltasse depois de um mês. Nós voltamos. Ela então explicou que tinha gostado do roteiro mas só estava filmando temas ligados à cultura brasileira regional. Disse que continuássemos a escrever, que éramos ótimos... Bem, estas coisas que falam para crianças promissoras. Mas eu tinha necessidade urgente de fazer teatro. Convenci os membros da minha Igreja a permitir que se fizesse teatro lá, como eu fizera desde os cinco anos de idade em São Paulo. A primeira peça foi O Pregador à Procura de Sermão, depois João Batista. Ambas de Barros Pinto. Obviamente, peças religiosas. Cansado de fazer esse tipo de peça, eis que um dia consegui autorização para encenar, na Igreja, uma peça não-religiosa. A escolhida foi Feia, de Paulo Magalhães. Era um texto bastante ingênuo e contava a história de um cego apaixonado por uma moça feia. No final da história existe a oportunidade de ele fazer uma cirurgia e voltar a enxergar, mas graças a Deus, ele continua cego, amando a feia. E tinha um casto beijo no rosto, que eu, que fazia o Cego, dava na Feia, que era a filha do pastor: a Regina Damião, filha do Reverendo Rubens Damião. Nós quase fomos expulsos da Igreja. Nós nos apresentávamos no salão social da Igreja. Quando eu dei o beijo, teve quem quase desmaiasse... Que repressão sexual! E foi o Dr. Rubens quem segurou a nossa onda, porque o Conselho de Presbíteros queria algum tipo de punição. Isso fez com que eu, já com 16 anos, resolvesse fazer teatro fora da Igreja e a esposa do Dr. Rubens, a D. Nair Damião, me acompanhou nessa decisão. Ela, a Regina e eu fundamos em 1962 o Terp (Teatro Estudantil de Rio Preto), e encenamos O Diário de Anne Frank com a aprovação do Dr. Rubens. Ele enfrentou meu pai, que era presbítero! Ele enfrentou toda a autoridade do presbitério! Apoiando a gente, ele estava indo contra a Igreja. Que gesto lindo e corajoso! Eu considero O Diário de Anne Frank a minha primeira direção, porque era uma obra de dramaturgia de comprovada qualidade e não era religiosa. Eu também desenhei e construí, com a ajuda de um marceneiro, o cenário de dois andares, que para um rapazinho de 16 anos era bastante interessante. Só que houve um fato curioso: o quarto dos Vaan Dan era no segundo plano. Lá em cima tinha um guarda-roupa e uma cama. Havia uma cena em que a Maria Ângela Goyos, a menina que fazia minha mãe, que também tinha 16 anos (aliás, ela fazia muito bem), subia a escada correndo envergonhada pelo marido ter roubado o pão das crianças e temerosa de ser expulsa do refúgio, que compartilhava com a família Frank. Ela subia correndo a escada apertando o casaco de pele, que ela tanto amava, e se jogava na cama. Toda noite a cama escorregava até a beirada do praticável e quase caía... Eu, o grande construtor, não pensei em colocar um anteparo de madeira para que os móveis não caíssem na cabeça dos atores que estavam embaixo. Mas, ao contrário do pensamento dos membros da Igreja Presbiteriana, Deus ajuda quem faz as coisas com amor, mesmo sendo Teatro. Aliás, ao longo da vida eu aprendi que Deus ama Teatro e pode-se louvá-lo exercendo esse ofício. O sucesso de O Diário de Anne Frank foi muito grande e o Terp continuou existindo. Nossa próxima montagem, já sem a Regina e Dona Nair, foi A Moratória, de Jorge Andrade. Por falta de pessoas com prática teatral, eu acabei também, além de dirigir, fazendo o cenário. Em seguida fiz os cenários e dirigi A Bruxa, de Lauro César Muniz, já no final de 1963, quando estávamos à beira de uma revolução. Os ânimos estavam acirrados e, indiferente ao perigo, montei o espetáculo no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves, onde cursava o 2º científico. As coisas se complicaram porque convidei o autor a comparecer à estréia e fazer um debate após o espetáculo. Lauro, conhecido por seu posicionamento político, aceitou o meu convite e durante o debate defendeu suas convicções. Algumas autoridades rio-pretanas presentes à estréia, debateram essas idéias e acabaram por tachar a nossa peça de comunista e quase fomos parar na polícia. O que nos salvou foram os amigos do meu pai que aliviaram as acusações e não fomos molestados. Ainda bem, porque naquela época, soube depois, já havia perseguição política em São José do Rio Preto e vários socialistas ou simpatizantes já haviam sido chamados para uma conversa. Outro fato curioso dessa montagem, e que não posso deixar de contar, se refere à iluminação. Ora, lá em Rio Preto não tínhamos acesso a refletores, rackers, mesa de luz, etc. Então tínhamos que improvisar. Em O Diário de Anne Frank, por exemplo, eu atravessei ripas por sobre a platéia e fixei nelas lâmpadas espelhadas, que tinham uma luz relativamente direcionada. Dessa forma, eu podia isolar as áreas de representação através da luz. As lâmpadas eram ligadas individualmente a interruptores comuns, e meu irmão era o encarregado de fazer a operação de luz durante o espetáculo. Mas essas lâmpadas espelhadas não me davam o isolamento que as encenações teatrais necessitam. Então, em A Bruxa, inventei um refletor de luz feito de madeira. Eram caixas parecidas com refletores de verdade que tinham no seu interior uma lâmpada espelhada de 500 velas. Imaginem que loucura! O garoto de 17 anos quase se tornou um incendiário. Só não morremos queimados porque alguém avisou, durante o debate do Lauro César Muniz, que estava caindo cinza do urdimento (como se sabe, urdimento é a área em cima dos atores, onde ficam os refletores iluminando a cena e também para onde são içados os cenários). Eram os meus refletores que estavam queimando! Apesar dos erros, é tentando que se aprende. E dou graças a Deus por ter passado por tantas experiências que me possibilitam, hoje em dia, exercer quase todas as atividades teatrais. Orgulho-me, também, de ter sido um dos pioneiros do teatro em São José do Rio Preto. Apesar de toda a dificuldade que sempre tive em fazer teatro, cerceado pelas proibições religiosas e pela vontade paterna, consegui, de certa forma, influenciar algumas pessoas a fazer o bom teatro. Lutei por um teatro municipal, quando não tínhamos nenhum lugar decente para as nossas montagens. Eu acho que, a partir daí, as coisas começaram a acontecer. Quando eu vim embora, deixei os cenários com o José Eduardo Vendramini (hoje professor titular da Escola de Artes Cênicas, da Universidade de São Paulo, dramaturgo) para que ele desse continuidade à nossa luta. E ele, ao lado do Serroni (um dos nossos maiores cenógrafos), Sinibaldi (homenageado, empresta o seu nome ao belíssimo Teatro Municipal local) e outros companheiros fizeram de São José do Rio Preto um dos principais pólos da nossa cultura teatral. Capítulo II 1964: O Frustrado Vôo para a Liberdade Depois do episódio político que me impossibilitou de montar outros espetáculos no Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves, vim para São Paulo, já que precisava fazer cursinho para entrar na faculdade. O terceiro científico fiz numa boate (era como eram chamados os colégios pagoupassou, onde só o que importava era o diploma). Eu estudava no Anglo Latino durante o dia para aprender o suficiente e passar no vestibular. No Alfredo Pucca eu ia de vez em quando à noite, só pra conseguir o diploma do científico. Era o ano de 1964. (Ano terrível! Lembram-se o que aconteceu?) Na metade do ano me deu um desespero por estar longe do teatro, estudando uma matéria que não me dava prazer. Queria me livrar do jugo paterno que impunha uma profissão que não me agradava e me proibia de ser ator. Vendi meu carro e fui tentar viver nos EUA. Era a época da Feira Mundial de Nova York. E foi com verdes 18 anos que desembarquei naquela cidade e, depois de visitar a feira, comprei um carro e empreendi a viagem para Los Angeles, passando por Miami e contornando o Golfo do México. Foi uma viagem solitária e de amadurecimento. O carro, um Chevrolet 58 de 12 cilindros, que tinha sido vendido para mim por um brasileiro, não tinha condições de agüentar tal viagem. O chofer, com toda a sua imaturidade, até que estava se saindo bem, apesar dos percalços. Como se livrar do macaco depois de trocar o pneu? Malgrado as inúmeras tentativas de tentar abaixá-lo, só consegui me livrar dele colocando o carro em movimento. Como dormir num motel sinistro no meio de um bosque onde a porta de entrada não fechava? Isso sem contar a falta de calor humano das pessoas que encontrava no caminho. A palavra mais afetuosa que recebi foi de um frentista de um posto de gasolina que disse: – Você é louco? Até onde você pensa em chegar neste calhambeque? Quando cheguei em Miami levei o carro até um mecânico: um refugiado cubano. Ele instalou uma espécie de esguicho que jogava óleo nos 12 pistões, evitando que o carro fundisse naquele calor infernal. Enquanto ele fazia o serviço, passei a tarde dentro da piscina do motel onde estava hospedado. Os termômetros registravam 42ºC. Apesar de o carro não colaborar, teimosamente, eu continuava a viagem que era uma cruzada de libertação e de posicionamento. Meu objetivo era chegar a Los Angeles. Levava o endereço de uma brasileira que não me conhecia, mas que poderia ajudar a me estabelecer naquela cidade. E num futuro, que eu sonhava ser o mais próximo, poder fazer Teatro. Quando cheguei a New Orleans o carro deu sinais de morte próxima. Fiz o que pude para fazê-lo andar e isso me deixou com aspecto de um mecânico. Eu então, sem falar a língua corretamente e com 18 anos de idade cronológica e aparência de 14, fui até uma rua onde compravam e vendiam carros e consegui vender o meu amigo alcoólatra (como ele bebia gasolina!!!). A sorte é que nos Estados Unidos não existia burocracia. Bastou assinar um documento e pronto: o carro estava vendido. Até que, dadas as circunstâncias, não fiz um negócio tão ruim. O velhinho que comprou o carro me pagou o preço justo. Coloquei minhas malas num táxi e fui até um hotel. Para economizar dinheiro não me hospedei lá. Apenas comprei uma passagem para Los Angeles e tratei um transporte num ônibus, que ia até o aeroporto. Tudo arrumado. Peguei minhas malas e fui até o banheiro do lobby e praticamente tomei um banho na pia e troquei as minhas roupas, sob o olhar espantado de um velhinho negro que tomava conta do local. Com novo aspecto, embarquei para o meu destino: Los Angeles. Lá chegando me hospedei num hotel próximo ao aeroporto e liguei imediatamente para Edel Regis. Ela era uma professora de educação física que há muito tempo tinha se mudado para lá e vivia muito bem como garçonete do Motel Bahia. Edel foi superatenciosa. Deixei o hotel e passei a ser seu hóspede e pagava muito menos pela estadia. O noivo de Edel era americano e nos finais de semana jogávamos baralho pela noite afora e comíamos comida chinesa. Edel sempre me emprestava o carro, enquanto ela trabalhava. Por conta disso pude visitar a Disneyland e as praias do Pacífico. Edel também me ajudou a procurar escola onde pudesse completar o high school e a tratar dos papéis de imigração. Foi aí que o meu vôo de liberdade teve que ser abortado. Ao tentar a imigração fui informado que, por ainda não ter servido o exército no Brasil, teria que servir lá. Tudo muito bem, se aquele país não estivesse começando uma guerra com o Vietnã! E, é claro que, era para lá que eles mandavam os imigrantes... Confesso que fiquei tentado a ficar ainda assim, mas pensando melhor achei que, em vez de morrer na guerra do Vietnã, eu poderia voltar para casa e tentar vencer a minha guerra particular com o meu pai. Acho que a viagem já tinha cumprido a sua função de amadurecimento porque eu voltei para vencer. De volta ao Brasil, terminei o cursinho e recebi da boate o meu diploma do científico. Capítulo III 1965: Faculdade de Arquitetura Apesar de não querer, entrei na Faculdade de Arquitetura do Mackenzie em 30º lugar. Tentei cursar a faculdade e tirar o meu diploma, mas o Mackenzie não era uma boate tipo pagoupassou. Esse ano e o anterior foram os dois piores da minha vida, porque foram dois anos que eu não fiz teatro. Eu sentia muita saudade da atividade teatral! Resistência dos materiais, o professor punha na lousa duas colunas e uma viga. Eu voava. Daí já não ouvia mais nada. Começava a desenhar um cenário e quando acabava a aula eu estava com meu cenário prontinho. É lógico que de resistência dos materiais eu não sabia nada. Retomando o começo destas memórias, a consciência de querer fazer teatro deu-se durante todo esse período. E culminou, durante esses dois anos de afastamento, quando eu vi que não podia fazer outra coisa na vida, que não fosse teatro. Fazer teatro era vital para mim. Eu comecei a dirigir lá em Rio Preto, porque não havia ninguém para dirigir. Em terra de cego, quem tem um olho é rei. Embora jovem, eu tinha mais experiência que as pessoas e comecei a dirigir. Mas onde quero chegar? É em uma coisa que é de uma importância fundamental, mas que é dificílimo ver, ou ler: um diretor, um ator falar da própria poética. Como eu dirigia no começo? Era só por intuição? Tinha intuição, mas também algum conhecimento pela experiência de ter trabalhado desde os cinco anos com ótimos profissionais e também pelo fato de sempre procurar me informar. Eu lia bastante. Fui, desde cedo, um rato de biblioteca. Há até uma passagem engraçada: em 1962 eu estava cursando o 1º colegial. Resolvemos (eu e minha amiga Reni) escrever um segundo roteiro. E desta vez, pasmem!!! Era um épico sobre a Civilização Maia! Íamos todas as tardes à Biblioteca Municipal e passávamos a tarde com enormes livros de História e líamos, líamos e líamos. Eu sempre pensei, em primeiro lugar, no teatro e depois no cinema. O meu lar é o teatro. Mas isso não quer dizer que não tenho um sonho de dirigir cinema. A magia do cinema é fantástica. E todas as minhas experiências em dirigir super-8, curtas-metragens e um longa e, mesmo quando dirigi televisão na Manchete, foram prazerosíssimas. Também editava, eu adoro editar. Bom, voltemos ao teatro. Eu sempre li muito. O primeiro livro do Stanislavski que li foi A Preparação do Ator, que havia sido publicado pela Civilização Brasileira. O método, como era chamado, tinha chegado ao Brasil havia algum tempo, principalmente depois da fama do Actor’s Studio. A bem da verdade, eu já tinha feito um curso de teatro com Osmar Rodrigues Cruz. Em 1966 fiz outro com Emílio Fontana. Ambos ensinavam baseados no livro A Preparação do Ator. Mas tenho que confessar que o entendimento real do método eu só fui conseguir através dos ensinamentos do nosso grande mestre Eugênio Kusnet, sem dúvida alguma a nossa maior autoridade em Stanislavski. O ano de 1965 foi chegando ao fim com a certeza de que eu não conseguiria ser um arquiteto, pelo menos, não um bom arquiteto. Então fiz um acordo com meu pai. Estava muito cansado e ficaria um ano sem estudar. Aceito o acordo, me dei o prazo de um ano para conseguir sobreviver como ator e nunca mais voltar para a faculdade de arquitetura. Capítulo IV Muito Teatro Infantil, O Excluso e o Primeiro Trabalho em Televisão 1966 foi um ano de muito trabalho e pouco dinheiro. Ivonete Vieira estava formando um elenco para encenar duas peças: uma infantil e outra adulta. A primeira era O Inspetor de Fadas onde eu fazia o papel de um garotinho (sempre tive cara de criança e aparentava menos idade do que tinha). O espetáculo adulto era O Amor Através dos Tempos, uma coletânea de textos de vários autores. Fizemos alguns espetáculos, mas não ganhamos muito... Paralelamente, para levantar algum dinheiro, ajudava a Ivonete a colher material para uma enciclopédia do teatro brasileiro que nem sei se chegou a ser publicada. Nesse ano, trabalhei também com o Jorge Ovalle em dois espetáculos infantis: Chiquinha Manhosa e Travessuras de Natal. No primeiro era um ratinho e no segundo, mais uma vez um garotinho. Nesse mesmo ano fiz o meu primeiro trabalho em televisão. Foi um TV de Vanguarda na TV Tupi, dirigido por Benjamim Cattan: Os Anjos de Brooklyn. Ensaiamos uma semana e gravamos numa madrugada. Acho que o resultado foi bom, mas não o suficiente para que eu fosse chamado para um novo trabalho na emissora. Foi aí que me encantei com um texto do teatro do absurdo: O Excluso, de Ari Chen. Pedi a ele os direitos de montagem e, vejam que ousadia, assumi a produção e a direção. Os atores eram os meus companheiros do curso do Emílio Fontana. Aluguei o Teatro Oficina para fazer a temporada. Às vésperas da estréia, o ator que fazia o protagonista do espetáculo nos abandonou. Sem outra saída, assumi o papel do protagonista e contratei um diretor de origem argentina para terminar a direção. Foi uma catástrofe artística e financeira. O saldo positivo foi a certeza de que apenas boa intenção não é suficiente para se fazer teatro. É preciso, principalmente, de experiência e maturidade artísticas. Eu estava sempre voltando a São José do Rio Preto onde havia deixado grandes amigos. Passava para o pessoal de teatro aquilo que havia aprendido. Desta feita dei um curso para três turmas grandes. Tarde, noite e final de semana. O curso abordava interpretação, história do teatro e cenografia. Terminado o curso fiz a supervisão de O Auto da Compadecida, que o Sinibaldi dirigiu e que fez grande sucesso, e dirigi dois espetáculos: O Diletante, de Martins Pena, e Antígone, de Jean Anouilh. O Diletante tinha um cenário, desenhado por mim, era bem diferente. Na peça, a casa de José Antônio, a personagem principal, está de cabeça para baixo. Então levei isso às últimas conseqüências e os atores caminhavam no teto da sala e sentavam-se no lustre. As portas abriam como pontes elevadiças e as personagens as usavam como escorregador para entrar em cena. O tapete e os móveis da casa ficavam pendurados em cima da cabeça dos atores. A interpretação dos atores era exagerada e tresloucada, o que dava ainda mais comicidade ao texto de Martins Pena. Eu me lembro da interpretação brilhante de Sandra Chacra, em seu primeiro papel no teatro. Ela faleceu há pouco tempo e era uma grande atriz e teve, como eu, que lutar contra o preconceito familiar para poder fazer teatro. Vai aqui uma homenagem a ela. Em Antígone, sofremos mais uma vez com o preconceito. Na véspera da estréia os pais da atriz que fazia a protagonista proibiram a filha de fazer teatro! Eu cheguei até a implorar ao pai dela para que ele voltasse atrás e permitisse que a filha estreasse, mas não houve jeito. Foi uma pena mesmo. Quando eu voltei de São José do Rio Preto, a Igreja me chamou para dirigir uma peça. Eu escolhi um tema bíblico, mas não religioso: A Dádiva, que era adaptação da Tatiana Belinky, de um conto russo, de Natal. Nessa época já haviam construído o templo, que existe até hoje. O salão era dedicado apenas a atividades sociais. O Reverendo era outro. Como não havia dinheiro para a montagem, eu criei um figurino feito de saco de estopa. Ficou estranhamente belo. Ao mesmo tempo que o Rei Mago era um rei, era também um mendigo. A peça foi um sucesso e, nessa época, meu pai me apoiava e gostava de teatro. Principalmente o feito na Igreja. Capítulo V Foi a partir da encenação de O Castelo de Mulumi, de Jurandir Pereira, transformada por mim em musical, que Tatiana Belinky e eu ficamos muito amigos. Antes eu tinha dirigido a Rainha Ester, uma adaptação dela para a história bíblica. Era uma superprodução na Hebraica, comemorando um dia importante para a colônia. Esse espetáculo, eu fiz com cenários suntuosos do Teatro Municipal e terminava com o Muro das Lamentações nos tempos modernos e soldados israelenses. Eu dirigi, desenhei os cenários e fiz o papel do Rei Assuero, marido de Ester. O papel principal era o tio da Rainha Ester, Mardoqueu, que assumiu o posto de Primeiro Conselheiro do Rei, no lugar de Aman, considerado um traidor. Tanto nessa peça como em A Dádiva havia muita figuração. E, seguindo Stanislavski, eu dava muita importância à figuração. Eu trabalhava assim: quem pisa no palco está fazendo uma persona-gem, e qualquer que seja ela é muito importante e tem que ter vida. Teatro só pode ser feito desta forma. Qualquer que seja o tipo de espetáculo, ele tem que passar pela construção da personagem. Se você não construir a personagem, não faz Stanislavski, não faz Brecht, não faz Grotowski, Meyerhold. Não faz nada. Primeiro o ator constrói a personagem, depois ele faz o tipo de espetáculo que o diretor quiser. Qualquer um! – Eu quero todo mundo de ponta-cabeça, dependurado pelos tornozelos. Isso é possível, porque é apenas uma circunstância a mais dada para a minha personagem que existe, pois foi construída por mim. Agora, se eu não tiver construído a personagem, eu não vou fazer nada. Vou, talvez, estar criando uma estética diferente, vazia... Eu não vou estar representando um ser humano. Nunca, jamais! Para mim a única forma de se construir uma personagem é através de Stanislavski. Agora, depois eu posso fazer com a quarta-parede, sem a quarta-parede. O que se quiser. Mas primeiro eu tenho que construir a personagem. Quando fiz este último espetáculo do Guarnieri, A Luta Secreta de Maria da Encarnação, fui bastante elogiado. O espetáculo, baseado num texto que era inicialmente um monólogo, se ressentia de personagens consistentes para serem construídos. A minha sorte é que Caieiras tinha uma vida própria e assim eu pude construí-lo, criando a sua gênese. Através das indicações dadas pelo texto eu levantei todos os dados importantes para justificar as ações que ele vivenciava no tempo da ação da peça. Eu escrevi tudo da vida dele: a primeira vez que transou com uma mulher, como é que era a relação dele com os pais... Tudo. Tentei freqüentar as reuniões da TFP, mas não consegui. Pesquisei, para saber como elas são. Como eles agem. E toda a parte da tortura que a TFP apoiava e incentivava durante os anos de repressão. Está tudo lá na minha gênese. Esta coisa de dizer que gênese está ultrapassada é uma bobagem. O ator inteligente trabalha com a construção da personagem. Porque teatro se faz com muito trabalho e não por obra e graça do Espírito Santo. Quando fui ver A Resistível Ascensão de Arturo Ui, em outubro de 1997 (Teatro SESC Anchieta) com a direção de Heiner Müller – do Berliner Ensemble, a interpretação de Martin Wuttke, que fazia o Arturo Ui, me encantou pela imensa verdade com que vivenciava a personagem. Num encontro da classe teatral com os atores do Berliner Ensemble, eu perguntei qual era o método que ele tinha usado para construir a personagem. Ao ouvir a palavra método traduzida, ele se indignou e disse que não usava método nenhum. Em seguida o Antonio Abujamra refez a minha pergunta e novamente ele se enfureceu. Imara Reis pediu a palavra e com aquele jeito despachado dela, disse que nós éramos atores, sequiosos por aprender e exigiu que ele nos contasse como ele tinha criado o seu papel. Sem saída ele acabou confessando que tinha feito análise do texto e as intenções de Brecht de falar contra o nazismo. Tinha feito muita pesquisa sobre a época e levantado o passado da personagem e sua relação com as outras personagens. Ou seja, sem querer ele respondeu que, apesar de ser um ator brechtiano, tinha usado o método Stanislavski para construir a sua personagem. Por que a vergonha? Porque Brecht é intelectual e Stanislavski não é mais? Porque para se fazer Brecht não se pode usar o método de construção da personagem preconizado por Stanislavski? Kusnet, o grande mestre e seguidor de Stanislavski, foi considerado o maior ator brechtiano brasileiro. E ele nunca deixou de seguir o método para construir as suas personagens, brechtianas ou não. Essa foi uma grande lição que tomei para a minha vida artística. Qualquer que seja o tipo de peça, qualquer que seja o estilo da direção, qualquer que seja a sua personagem, ela só será real e verdadeira se for construída. Esse método envolve muitos aspectos, como, por exemplo, os exercícios de vivência feitos pelos atores e a maneira como cada um se porta diante deles. Havia um objetivo muito claro quando, em Peer Gynt, o Antunes mandava a gente andar duas horas seguidas, caminhando em direção à Igreja, dando intermináveis voltas no salão de ensaio. O ator que sabia aproveitar aquele exercício adquiria uma ótima vivência da sua personagem. A gente chegava a visualizar os fiordes enquanto caminhava. Os atores que não levavam o exercício a sério não evoluíam no trabalho de construção da personagem e ouso dizer que não evoluíram como artistas. Em O Ator Invisível, Yoshi Oida conta como, no Japão, as tradições teatrais, religiosas e das artes marciais seguem uma prática de limpar o espaço de trabalho, com um pano e água fria. Qual o aprendizado do ator ao limpar o chão? Em primeiro lugar a lição da humildade, imprescindível numa carreira repleta de vaidades e egos dilatados. Mas, além disso, Yoshi nos conta como podia chegar a um profundo estado de concentração, fazendo o trabalho, sem pressa, com os pés no chão e as duas palmas das mãos sobre o pano estendido no chão. É um exercício difícil, mas não era sem razão de ser. É também um ritual. Ritual da pré-disposição para aprender a se concentrar, para aprender a vivenciar algo. Con-cen-tra-ção! Tão rara nos artistas jovens. O nosso ofício tem que ser, não propriamente um sacerdócio (eu não gosto de comparar o trabalho teatral a um sacerdócio, porque não é), mas um treinamento seriíssimo, rigoroso com o seu próprio aprendizado, para poder chegar a se fazer um teatro consciente. Apenas decorar o texto e dizer da melhor maneira possível, com charme, não é teatro – é no máximo televisão que tem um tempo diferente de indústria e não permite um estudo mais aprofundado por falta absoluta de tempo. A televisão não é artesanal. Mas, sem querer ser chato, acho que mesmo assim, com toda a urgência de se gravar 30 cenas por dia, ainda é possível estudar e construir a personagem. Bom, deixe-me voltar ao Castelo de Mulumi, de Jurandir Pereira. Foi uma experiência muito positiva porque me possibilitou, além do mais, a primeira direção profissional (o que chamo de profissional é público pagando ingresso e o artista vivendo do arrecadado na bilheteria). Essa peça infantil fez bastante sucesso, tanto que a Tatiana Belinky foi assistir, adorou o meu trabalho e na primeira oportunidade que teve me chamou para fazer o Visconde de Sabugosa no Sítio do Pica-pau Amarelo, na TV Bandeirantes. Como o mundo dá voltas! Impossibilitado que fui de trabalhar com o Dr. Júlio e a Tatiana no Pequeno Lord da extinta TV Tupi, o meu trabalho sério me possibilitou esse novo encontro e agora ninguém, nem meu pai, nem a igreja, podia impedir que ele se concretizasse. Nessa época, surgiu a chance de fazer uma peça dirigida por Antunes Filho. Ele abriu testes para escolher 30 atores que fariam parte de A Cozinha, de Arnold Wesker, um dos autores britânicos da angry generation. Nossa! O Antunes era um grande diretor e eu já havia assistido às encenações dele de Black-out, A Megera Domada. Os testes duraram quase um mês. Os atores iam sendo eliminados até ficarem apenas os 30 que entrariam em cena. Eu trabalhei duro para ficar entre os finalistas e ganhei um dos melhores papéis: Morgan, o irlandês. A Cozinha foi o grande começo onde me transformei num ator profissional. Nessa encenação aconteceu um fato que foi uma verdadeira lição, que carrego pro resto da vida. Eu já havia lido umas quatro ou cinco vezes a peça e no primeiro dia de ensaio estava preparado para fazer a primeira leitura de mesa. Mas, não houve tal leitura. Ele (o Antunes) começou o ensaio dizendo: – Ewerton, fale sobre o Morgan. Eu tímido, eu era tão tímido, fiquei gelado e disse: – Bom, eu acho... Aí ele gritou: – Acha a puta que o pariu... Eu fiquei aterrorizado. – O ator não tem que achar... O ator tem que ter certeza!!! Isso me calou fundo. Ator não tem que achar, ele tem que ter certeza. O que ele queria dizer era: Estude, pesquise, para você conhecer profundamente a sua personagem. Quem me salvou, naquele momento, da ira do Antunes foi o Juca (de Oliveira). Ele pediu a palavra e falou um pouco sobre a peça; amenidades, mas acho que ele também ainda não sabia quem era a personagem dele. Mas o Juca sempre foi um salvador. E ali ele fez um discurso de meia hora, já levou a coisa para o outro lado e o clima de tensão acabou e eu não perdi o meu primeiro emprego logo no primeiro dia de trabalho. Fui para casa resolvido a estudar com afinco até saber quem era o Morgan. Eu precisava saber, de verdade, quem era aquele ser humano. Abri o meu texto e pensei: – Eu vou entender este personagem através do que ele diz e do que dizem dele. Daí eu lia uma fala: – Minha Nossa Senhora! E deduzia: Ele é católico. – Meus filhos e minha mulher... Ele é casado e tem filhos. E assim eu fui levantando todos os dados que o texto me dava sobre ele. Meu Deus do Céu, o que este irlandês está fazendo na Inglaterra? E deduzia: – Ah! Ele é imigrante. Ele vem tentar a vida na Inglaterra. Os irlandeses sofrem com o preconceito na Inglaterra. O mesmo tipo de preconceito que o nordestino sofre aqui. Através do estudo do texto fui coletando informações valiosas para criar a gênese do Morgan. E fui além. Apesar de o texto não deixar claro, imaginei uma situação bastante desfavorável dele na Irlanda com os filhos e a mulher, ganhando pouco, sofrendo privações, que daria uma razão lógica para que esse homem abandonasse a família e fosse tentar uma vida melhor em Londres. Peguei um caderno, escrevi tudo o que tinha estudado sobre o Morgan e lá fui eu para o ensaio. O Antunes começou o segundo ensaio, dizendo: – Ewerton, fale sobre o Morgan. Sem qualquer nervosismo ou timidez, disse orgulhoso: – Pois não! Abri meu caderno e comecei: – Ele é casado porque na página 22 ele fala na mulher e nos filhos.... Deduzi que ele é católico, porque na página 15 ele diz: – Minha Nossa Senhora! E eu provava todas as minhas afirmações citando o próprio texto! Falei, falei, falei mais de meia hora sobre o que havia pesquisado e as conclusões a que tinha chegado através desse estudo. Isso me dava uma certeza sobre como o Morgan era e qual era a lógica dele como personagem. Qual era a sua forma de raciocinar. Quando terminei, o Antunes disse: – Este menino é um exemplo para todos vocês! Ele pesquisou, e por isso ele está conhecendo a personagem que vai interpretar. É assim que se faz... Com exceção de alguns atores com alguma experiência, como o Juca de Oliveira, o Adolfo Machado e outros poucos, nos éramos um bando de iniciantes! Então ele (o Antunes) me pegou pra Cristo, pra servir de exemplo. E quem ganhou com tudo isso fui eu. Ganhei uma lição para o resto da vida. Hoje em dia eu não sei fazer nenhuma personagem se não for a partir de muita pesquisa e estudo. Até mesmo as personagens feitas na televisão. A partir desse dia tomei gosto pela pesquisa e queria saber tudo sobre a Irlanda. Eu ia a bibliotecas, ao Consulado da Irlanda, fui visitar irlandeses que moravam no Brasil, aprendi músicas da Irlanda. A peça tinha 20 personagens homens e 10 mulheres. Os homens começaram a ensaiar antes das mulheres. Estudando a peça, eu descobri que havia outra personagem irlandesa. Quem iria interpretá-la seria a Gina Rinaldi. Quando ela começou a ensaiar eu comuniquei a minha descoberta e passei para ela toda a pesquisa que tinha feito. Começamos então a estudar juntos e conversávamos o tempo todo sobre o nosso saudoso país distante. Eu precisava ter uma afinidade com ela, porque em um determinado momento no espetáculo, o Morgan descobria que ela também era irlandesa. Como ele descobria? Através da música que nós tínhamos coletado. Ela cantava uma música irlandesa conhecida e o Morgan ouvia e cantava junto, revelando assim ser da mesma origem, mas o rush começava e ele era obrigado a voltar ao trabalho escrachante. A nossa pesquisa resultou numa cena do espetáculo. Ou seja, a música que nós descobrimos serviu, sobremaneira para resolver a tal cena. A letra da música é a seguinte: Oh, Mary this London´s a wonderful sight, where they´re digging for gold by day and by night. They don´t sow potatoes, or bailey or wheat. But the gangs of then digging for gold in the street. A tradução era mais ou menos assim: Oh Maria, Londres é uma cidade maravilhosa, Onde se cava ouro dia e noite. Não se semeia batata ou trigo Mas os grupos cavam ouro nas ruas. Essa música veio reiterar a minha pesquisa inicial do irlandês/imigrante nordestino. O coitado do Morgan quando em Londres, caiu do cavalo, porque sentiu na pele a realidade completamente diferente. Todo esse trabalho, esse estudo, essa pesquisa fazia com que, quando eu entrasse em cena, eu fosse Morgan, o irlandês. E eu nunca me esqueço de que na véspera da estréia a Eva Wilma, que era produtora, chegou com um presente para o Morgan! Era uma corrente de ouro, com uma medalhinha de Nossa Senhora! Acho que fazer teatro é isso: Dar vida à personagem. Além de ter esta parte da pesquisa, o Stênio Garcia fazia todo o trabalho de corpo com a gente. A Cozinha, quem viu se lembra, era toda feita em mímica. Não havia nenhum alimento. Embora tivesse caldeirões, panelas, escumadeiras, facas e fogões, não havia fogo, água ou alimentos. Então o Stênio nos ajudou a pesquisar os movimentos que cada um de nós usava segundo a sua especialidade dentro da cozinha. Por exemplo, eu lidava com peixes e para tirar as espinha do peixe tinha que abrir a barriga com a faca, tirar as vísceras e a espinha para deixá-los preparados para o processo de fritar. Tudo isso em mímica. O Stênio nos ensinou o aquecimento das articulações, que eu transmito aos meus alunos até hoje. É um aquecimento onde você ativa as articulações e, dessa forma, aquece o corpo inteiro. Ora, é através das articulações que você se movimenta e se as articulações estão aquecidas, você fica preparado para executar qualquer movimento. Outra grande vantagem é que esse aquecimento você pode fazer num cantinho da coxia, sem incomodar ninguém, antes de entrar em cena. Eu nunca deixo de me aquecer antes de entrar em cena. Porque, veja bem, não é apenas entrar em cena, mas estar apto para entrar em cena – que é completamente diferente. Assim como o jogador de futebol se aquece para jogar uma partida, eu também uso meu corpo – e não posso entrar em cena frio. Isso já é uma pré-atuação. É um ritual, onde você já está se predispondo a atuar. Outra coisa que eu faço e os outros atores morrem de rir. Eu releio o texto todinho ou partes importantes dele antes de entrar em cena. Porque relendo o texto você vai reavivando todas as intenções. Você vai entrando no universo da personagem. Outra coisa que eu faço é um caderno onde vou colando tudo o que pertence ao universo da personagem. O caderno do Tonho, de Veneza, por exemplo, só tem mulher pelada, porque ele é doido por sexo. E além disso tem a gênese e a ação contínua. Então, de vez em quando dou uma lida na gênese, na ação contínua e folheio o caderno do universo da personagem. Em A Cozinha trabalhei com atores veteranos e alguns que estavam, como eu, iniciando a carreira. Juca de Oliveira (em seu primeiro protagonista), Irene Ravache, Bete Mendes, Ivete Bonfá, Adolfo Machado (grande ator de revistas), Augusto Baroni (ator e diretor da Rádio São Paulo, famosa pelas radionovelas), Analy Alvares, Seme Lufti, Jacques Lagoa e tantos outros. A Cozinha foi um marco na minha carreira, pois me possibilitou um aprendizado inestimável. Foi um belíssimo curso de interpretação que procurei aproveitar ao máximo. E, no meio desta alegria de receber de presente a oportunidade de participar dessa experiência definitiva da minha vida, que uma profunda desesperança tomou conta de todos nós: no dia 13 de dezembro de 1968, dois dias depois do meu aniversário, aconteceu o AI-5, que ia exercitar uma censura cada vez mais forte. O País fica ainda mais triste do que já estava desde 1964. Bem, mas o show de todo artista tem que continuar... Capítulo VI O Início no Cinema: O Quarto e O Jeca e a Freira Em 1968 fiz um filme sobre instruções de vendas para a Abril Cultural com direção do Pedro Paulo Hathayer. Foi a minha primeira experiência em cinema. Uma grande experiência em longametragem foi O Jeca e a Freira, do Mazzaropi: Quando fui experimentar o figurino da minha personagem eu reparei que havia um erro histórico nos modelos de roupas. Como nunca soube ficar calado, disse: – Me desculpe, mas acho que há um erro aqui. Nessa época do filme, as calças dos homens não tinham braguilha. O Mazzaropi se lembrou: – É mesmo! Quando eu fiz Casinha Pequenina as calças dos homens não tinham braguilha!! Ewerton, a partir de hoje, você é encarregado dos figurinos do filme. Vejam no que dá um palpite! Passei a desenhar os figurinos e comandar os alfaiates e costureiras! Como o roteiro ia sendo escrito à medida que o filme era feito, um dia o Mazzaropi disse: – Vai ter um baile! Quero todo mundo muito bem vestido! Desenhei as roupas. Casacas para os homens e vestidos de noite para as mulheres. Na época em que a ação do filme tinha lugar, usava-se muito veludo porque no Brasil seguia-se a moda da Europa. E o Mazzaropi exigia que os vestidos fossem feitos com veludo francês. Eu dizia: – É muito caro. Não precisa ser francês. Ele respondia: – Precisa! Veludo brasileiro amarrota. O público vai ver os vestidos amarrotados. E as casacas têm que ser feitas de casimira inglesa. Ele tinha uma fazenda em Taubaté, hoje é um hotel, onde estava montado o estúdio cinematográfico, completamente equipado para som direto. Tinha também toda uma infra-estrutura com suítes para atores e técnicos, refeitório, acervo de figurinos e de cenários, etc. O Mazzaropi nunca dava ao diretor do filme autoridade para que ele efetivamente dirigisse. Ele sempre acabava colocando a mão na direção. Ele assinava como co-diretor, mas, na realidade, era ele quem dirigia. Dirigia e escrevia. Ia criando à medida que o filme ia sendo feito. Às vezes ele se perdia e não sabia como emendar as cenas, principalmente com o problema da continuidade dos figurinos. Chegou um determinado momento das filmagens de O Jeca e a Freira que ele me passou a tarefa de fazer as folhas de continuidade. Ou seja, cada nova invenção eu era consultado se isso seria possível de ser editada. Eu acabei trabalhando como um doido em outras funções que não eram a de ator, para a qual havia sido contratado. E Mazzaropi confiava em mim, apesar de eu ainda ter uma cara de bebê recém-saído das fraldas. Tanto confiava que um dia, algum tempo depois, ele se perdeu no filme No Paraíso das Solteronas e me chamou para dar um jeito. Não havia roteiro, ele ia improvisando as cenas. Mas, de repente, uma roupa não tinha nada a ver com a continuidade da cena, que era filmada em outra ocasião. Não dava montagem! E lá foi o Ewerton de Castro, que não tinha experiência nenhuma em cinema, consertar o filme dele. Eu estava fazendo teatro e fui num domingo depois do espetáculo e voltei na terça-feira à tarde (naquela época fazia-se teatro de terça a domingo, com duas sessões no sábado e duas no domingo. Quanta saudade!). Na segunda bem cedo, li com atenção as folhas de continuidade. Criei cenas para emendar uma seqüência com a outra, matei algumas personagens, organizei a história para poder ter um final e consegui consertar. Apesar de não ter experiência nas múltiplas funções para as quais estava sendo requisitado, conseguia me sair bem, ou pelo menos me esforçava muito para fazer da melhor maneira possível. E isso foi muito bom para mim – porque aprendendo tudo na marra – eu comecei a ter facilidade em exercer outras funções. Porque uma coisa leva a outra e tudo na vida é aprendizado. Então, foram coisas que acabaram se tornando muito úteis para mim. Mas muito úteis mesmo. Hoje por exemplo, tenho facilidade em escrever roteiros. Pois o meu aprendizado começou nessa época, por força das circunstâncias. Eu devo isso ao Mazzaropi, que era um grande ser humano. Sempre me perguntam se na vida real ele falava acaipirado. Ele falava sim, mas não tanto como quando estava investido da personalidade Jeca. Antes do filme do Mazzaropi eu tinha feito O Quarto, do Rubem Biáfora, onde eu fazia um pequeno papel. Um contínuo que era hostilizado pelo seu superior, que por sua vez era hostilizado pelo chefe. Eram dois filmes completamente opostos. Porque o Rubem Biáfora era um diretor cult apreciado pela elite intelectual. O Mazzaropi, segundo a crítica, era o brega, o caipira... (Ele costumava brincar comigo dizendo que, depois de fazer um filme da intelectualidade, eu tinha decaído ao fazer um dos seus filmes bregas.) Por conta disso, Mazzaropi era alijado de todo contexto cinematográfico, porque, segundo os intelectuais, fazia um cinema menor, sem qualidade artística... Vejam só! Hoje em dia o seu trabalho foi revisto e ele é cultuado como um exemplo autêntico da nossa cultura cinematográfica e Rubem Biáfora, que fazia um cinema europeu, está esquecido. Nesse mesmo ano de 1968, eu fui chamado pela Tatiana Belinky e pelo Júlio Gouvêa, para finalmente trabalhar com eles como o Visconde de Sabugosa, no Sítio do Pica-pau Amarelo. Foi meu primeiro contrato de televisão. Trabalhei um ano. E em dezembro o Dr. Júlio resolveu encenar Histórias de Natal, onde eu fiz todos os velhos possíveis e imagináveis, com a cara de bebê que eu tinha nessa época! Eles me maquiavam, colocavam rugas e eu ia fazendo todos os velhos... Nesse tempo já havia videoteipe e tudo era gravado. Ainda bem porque tive um grande aprendizado em decorar textos enormes ditos pelo Visconde, que tinha a mania de explicar tudo. No começo passava as noites estudando e mesmo assim errava bastante. Graças ao teipe, o trecho era regravado. No final da temporada já tinha dominado a técnica de decorar e já não dava tanto trabalho. Em 1969, eu fiz um espetáculo de teatro que pensei ser o destruidor da minha tão curta carreira: Os Sete Pecados Capitais (de vários autores: Eudinyr Fraga escreveu A Luxúria e A Ira; Moysés Baumstein, A Gula; Lúcia Godoy, A Inveja; Myriam Sanjuan, A Preguiça; Aroldo Macedo, A Soberba, e Renata Pallottini, A Avareza), dirigido pelo Carlos Murtinho, irmão da Rosamaria Murtinho, no Teatro Oficina. Quem fazia esse espetáculo? Telcy Peres (já falecido), Maria do Carmo Bauer, Shulamith Yaari... Era uma turma de bons atores, mas o resultado era muito ruim... Fato curioso é que talvez por causa disso, em determinado momento do espetáculo, todos nós ouvíamos uma voz gemendo que parecia vinda do outro mundo. Talvez fosse um fantasma de algum ator protestando a falta de qualidade. Carlos Murtinho, o diretor, soube de um espetáculo que eu tinha dirigido em São José do Rio Preto, aquele com o cenário de ponta-cabeça. A seu pedido, remontei O Diletante, de Martins Pena. Desta vez com um elenco profissional de grandes nomes: Vic Militello (vinda de uma família de circo-teatro), Isaura Bruno (A mamãe Dolores de O Direito de Nascer) , Adolfo Machado. Era uma turma legal. Foi um sucesso! Nós fazíamos lá no Teatro Oficina, à tarde. Todo mundo era unânime em dizer que a gente devia estrear no horário nobre, no lugar de Os Sete Pecados Capitais que, como eu já disse, era muito ruim. Nessa mesma época eu dirigi Um Gosto de Mel, da Shelagh Delaney, com a Ana Maria Dias. Como eu era muito topetudo! Fui lá na TV Tupi e convidei a Ana, que na época era uma atriz muito conhecida. Ela leu o texto, adorou! Nós montamos e excursionamos por várias cidades do interior através da Comissão Estadual de Teatro. Ainda em 1969 fui fazer A Celestina, do Rojas, com o Ziembinsky dirigindo e fazendo o papel-título. Estreamos no Teatro Treze de Maio (da Ruth Escobar), onde havia sido encenado O Cemitério de Automóveis, de Arrabal. A produção de A Celestina era da Casa de Cultura da Espanha. Mas, um pouco antes de eu fazer A Celestina, me deu uma dor de dente enlouquecedora! Fui ao primeiro dentista que vi na minha frente, perto de casa. Entrei e disse: – Arranca todos os dentes. – Mas, você não tem nada, nenhuma cárie. Eeu,quenãoagüentava mais de dor, dizia: –Arranca, arranca tudo. – Calma! Vamos radiografar. Sabem o que era? Eu tinha um dente extra na arcada inferior, do lado direito. O dente estava atravessado e doía muito porquê não tendo espaço para crescer, pressionava o maxilar e as terminações nervosas! Era o meu 33º dente! Quando o dentista constatou do que se tratava disse que seria necessária uma intervenção cirúrgica para a qual não se sentia capacitado a fazer sozinho. Meu desespero era tão grande que nem cogitei em procurar outro profissional. Ele prometeu falar com o professor dele e assim que tivesse uma resposta me comunicaria. Como a dor era muito grande ele me receitou uma injeção – não lembro o nome – que era uma verdadeira bomba. Era tomar e mal tinha tempo de chegar em casa e me jogar na cama. Dormia 8 horas seguidas. Acordava, tomava outra injeção e dormia mais oito horas. Até que fizeram uma junta – ele, a mulher dele (que também era dentista) e o professor dos dois. Quatro horas de operação! Rasgaram todo o lado direito. Usaram uma espécie de talhadeira que ia cortando tudo por dentro. Conseguiram tirar o dente 33! Mas as terminações nervosas ficaram abaladas. Quando eu falava ninguém entendia! Eu não conseguia mexer o lado direito! Vejam que situação: fazendo A Celestina, o Ziembinsky com aquele sotaque desgraçado dele, que ninguém entendia. O que eu falava ninguém entendia! Felizmente ainda estávamos nos ensaios... Maria do Carmo Bauer, que estava no elenco, me disse: – Ewerton, que a gente não entenda o Ziembinsky vá lá... Mas, não entender o que você diz!! Eu morava naquela época na Rua Bárbara Heliodora, na Vila Romana, e havia na minha casa um terraço grande, defronte a uma praça. Eu passava ali, o dia inteiro com uma rolha na boca, falando o texto de A Celestina. Graças a Deus, consegui estrear falando o texto corretamente. Foi um esforço doloroso, porque se você não sente um lado da boca não articula direito, não domina a fala. Mas eu consegui. Aos poucos, durante meses foi voltando ao normal. Quem dirigiu aquele espetáculo foi o Ziembinsky mesmo. Na verdade, quem ia dirigir era o Emílio Fontana. Eu não sei o que houve pelo caminho, que o Emílio caiu e o Ziembinsky assumiu. Em cinema fiz As Gatinhas, do Astolfo Araújo, refiz o roteiro de No Paraíso das Solteironas de Mazzaropi, que contei algumas páginas atrás e As Armas, outro filme de Astolfo Araújo. O Cinema Novo já estava com seriíssimos problemas de censura, e começava nessa época um tipo de cinema que dominou a década de 70: a pornochanchada com muito sexo e muita mulher pelada. Em televisão, nesse ano fiz a minha persona-gem mais idosa: foi em uma novela da Tatiana Belinky, direção do Dr. Júlio Gouvêa, que se chamava Heidi, na TV Bandeirantes. A minha personagem era o Velho da Montanha, um velhinho de 90 anos. A Zódia Pereira, que era a Emília, no Sítio do Pica-pau Amarelo, fez a mãe da Heidi e o papel principal masculino era o Velho da Montanha: Ewerton de Castro! Pode? Eu disse ao maquiador: – Flávio, agora existe o látex. Tenta achar para poder me maquiar. Senão como é que vai ser? Vai ser difícil ser o Velho da Montanha. Ele prometeu que iria conseguir o látex. Fui fazer o teste de maquiagem. Ele passou um produto no meu rosto que ardia muito e meus olhos lacrimejavam. Meus colegas ficavam me abanando. O meu rosto foi se transformando. As maçãs do rosto salientes. A barba colada fio por fio. Quando terminou, eu olhei no espelho – era o Velho da Montanha. Era impressionante. Só que eu não conseguia mexer um músculo. Eu me vesti e fui para o estúdio. O Dr. Júlio não me reconheceu a princípio e ficou felicíssimo com o resultado da maquiagem. Eu, o cara de nenê, estava convencendo como o Velho da Montanha. Mas era como se eu estivesse usando uma máscara. Não tinha mobilidade facial e o meu rosto não mudava de expressão. E na hora de tirar a maquiagem? Era uma tortura. A pele do Velho da Montanha saía levando a minha junto. E isso, durante dois meses, todos os dias! Daí eu descobri, que o que o Flávio usou não era látex, mas sim cola de feltro! Cola de feltro! Era essa a maquiagem especial que o Flávio tinha arranjado. Esse mesmo Flávio, que passava Nugget branco no meu cabelo e nas minhas sobrancelhas, quando eu fazia o Visconde de Sabugosa. Meu Deus, como ator sofre! Capítulo VII Ano: 1970. Medéia, direção de Silney Siqueira. Eu fiz o mensageiro, só entrava no final. Todos os dias eu ia ao ensaio e ficava dando o texto para a Cleyde Yáconis (Medéia). Observar essa grande atriz trabalhar e construir a sua personagem foi uma verdadeira lição. Devo a ela também a construção do mensageiro. Trabalhamos juntos, a única cena que eu tinha no espetáculo e foi da nossa química e do entendimento comum do significado dela no espetáculo que conseguimos uma verdadeira parceria. O processo se desencadeou quando chegamos à conclusão que Medéia tinha um enorme prazer ao ouvir as notícias que o mensageiro trazia, relatando a morte da nova mulher de Jasão que havia morrido vítima de envenenamento provocado pela capa que tinha sido ofertada por ela. Esse prazer deveria ser intenso, sexual mesmo. Indo mais além evoluímos do simbólico e transformamos a cena em uma relação sexual onde o Mensageiro, quase nu, vestido apenas com uma tanguinha, era praticamente currado pela Medéia que, no final, chegava ao gozo. O resultado foi excelente. Trabalhar com a Cleyde foi uma experiência inesquecível. Ela é, sem dúvida alguma, uma das nossas grandes atrizes. Nessa época, o Teatro Anchieta tinha um projeto de Escola vai ao Teatro: espetáculos apresentados durante o dia, especialmente para os estudantes. Fui chamado para dirigir um espetáculo. Eu apresentei um projeto – Martins Pena – Comédia, composto das peças O Diletante e O Cigano, de Martins Pena. O espetáculo era sobre uma companhia de teatro da década de 20 que se apresentava na primeira parte com um teatro de variedades com suas vedetes e números musicais. Transformei O Cigano num teatro de revista onde as mocinhas ingênuas eram vedetes do início do século. No intervalo era apresentado o Cinematógrafo: um pequeno filme feito em câmera acelerada que rodamos no Teatro Municipal de São Paulo e servia de introdução ao drama (que era muito engraçado) O Diletante. Nunca havia ganhado tanto dinheiro até então. Era o campeão de bilheteria. A gente chegava a fazer três espetáculos lotados por dia. Foi o primeiro grande sucesso comercial da minha carreira. Então, a Cleyde começou a vender Medéia para escola também. Como a Vic Militello trabalhava nos dois espetáculos, nós não saíamos mais do Teatro Anchieta. Nós chegávamos de manhã e fazíamos um espetáculo atrás do outro. Em Medéia, eu trabalhava como ator e em Martins Pena – Comédia, além de ser cenógrafo, figurinista e diretor, todo dia fazia a sonoplastia. Acho que chegou o momento de tocar num assunto muito importante. Muitas vezes, as pessoas dizem que sou dramaturgo porque faço adaptações de peças teatrais. Na verdade, não faço adaptação propriamente dita. É uma escrita que parte de uma encenação, que serve a uma encenação, sem, de maneira nenhuma, desvirtuar a obra. A obra continua íntegra, mas é uma escrita nova que vai servir a essa encenação. Uma estética nova. Quando as pessoas lêem o meu currículo, podem dizer: – Meu Deus do Céu, esse cara faz tudo: cenário, figurino, iluminação, direção... Ele é megalômano? Eu acho que não é nenhuma forma de querer aparecer. É que, quando eu imagino um espetáculo, não consigo conceber apenas uma direção de ator, marcas – não; eu já concebo com os cenários, os figurinos, a luz, é uma encenação total. Quando eu produzi Um Crime Quase Perfeito, em primeiro lugar precisava saber se eu teria condições de bancar a montagem, barateando o custo ao máximo sem perder a qualidade da produção. Para isso tive que fazer uma previsão de como seria o espetáculo começando pelo cenário que era muito complicado. Então desenhei uma possibilidade de cenário, ou seja, o que seria possível fazer para que a produção continuasse grandiosa, dentro das minhas possibilidades de investimento. A peça exige dois grandes cenários realistas, que são usados, três vezes cada um, de forma intercalada. Como é que isso seria viável cenograficamente? Fiz vários estudos. Existe essa possibilidade? Existe. Então chamei o Renato Scripilitti, que é formado em arquitetura e amigo de longa data, desde o tempo em que fizemos juntos o Curso Anglo Latino, e disse: – Me perdoe a intromissão, mas dentro da minha possibilidade financeira, esta seria a solução cenográfica para a realização do espetáculo. Se você tiver outra idéia, me apresente. Ele criou os cenários a partir da solução que eu tinha encontrado. Um homem de teatro, um encenador, tem que dominar todas as áreas teatrais para poder conceber os espetáculos. Até a minha passagem pela Faculdade de Arquitetura foi importante. Acabou por me auxiliar no meu ofício teatral. Há sempre uma razão para tudo que acontece na nossa vida. Muitas vezes essa razão só vai ser revelada muito tempo depois... Acho que toda a minha vivência acabou por me transformar num artista que transita pelos vários setores do teatro. Não fiquei limitado à direção de atores, ou à cenografia, ou à iluminação, ou ao texto. Eu entendo teatro como uma criação global envolvendo todos os aspectos da encenação. Não que eu não confie na capacidade artística dos outros profissionais, mas quando crio um espetáculo eu o crio na sua totalidade. Posso até chamar profissionais dos outros setores para somar comigo, mas não consigo imaginar uma cena sem o figurino, o cenário, a música... Agora, veja bem, todo profissional de teatro tem que se conscientizar que esse é o ofício que requer o maior conhecimento possível. Um profissional de teatro precisa ter conhecimento de Filosofia, Música, História da Arte, Estética, Ética, etc. Toda uma vida de aprendizado ainda é pouco. Graças a Deus, fiz aqueles anos de Arquitetura. Graças a Deus nasci evangélico, porque lá na Igreja, desde criança, estuda-se música e parti-cipa-se do coral. Com 8 anos eu era solista do coral infantil. Graças a isso, quando fui chamado para fazer o meu primeiro teatro musical, tinha ouvido desenvolvido e sabia cantar. E também por isso mesmo, eu aprendi a ouvir música erudita desde a infância. Ciente dessa necessidade vital de o profissional de teatro possuir o maior número de conhecimento possível, criei a Escola de Teatro Ewerton de Castro – um curso profissionalizante onde os alunos tinham um leque bastante grande de conhecimento a ser adquirido. Na nossa grade curricular havia: Interpretação, Análise e Interpretação de Texto Teatral, História das Artes Cênicas, Caracterização, Comédia dell’Arte, Clown, Filosofia, Canto Oral, Expressão Corporal, Expressão Vocal, Iluminação, Direção, Dramaturgia, Legislação e Ética. Os professores eram escolhidos entre os melhores do mercado e os alunos tinham condições de desenvolver um trabalho sério. E por que tantas matérias, algumas que não constam na grade curricular de outras escolas de formação de atores? Filosofia porque um ator precisa aprender a pensar. Canto coral porque serve para treinar a voz, o ouvido (quem canta num coral precisa aprender a ouvir, coisa imprescindível para quem faz teatro) e o caráter. Coral é uma grande lição de humildade. Ninguém se sobressai e todos são de fundamental importância. Quanto ao fator pedagógico, criei uma nomenclatura própria da escola através de uma apostila denominada Pequeno Organon, onde tentei codificar a forma de se construir uma personagem, resumindo o método como aprendi nos livros, na vivência teatral e através dos meus mestres, sobretudo Eugênio Kusnet. E nesta apostila eu começo falando da importância do aprendizado diário e constante. O ator tem que ler, ler, ler... Tem que ter uma bagagem enorme de conhecimento. Ator burro não existe. É inviável. Bom, em 1970 eu fiz também Os Convalescentes, do Zé Vicente, e foi a primeira peça ostensivamente política da qual participei. Ela se posicionava acintosamente contra a repressão. Foi uma experiência fantástica, principalmente pelo fato de sofrermos uma pressão constante o tempo todo. Aqui em São Paulo a temporada aconteceu no Teatro Galpão (agora Dina Sfat), da Ruth Escobar e havia colegas armados na platéia, para nos proteger do CCC. No mesmo teatro algum tempo antes, Marília Pêra e todo o elenco de Roda Viva tinham sido agredidos por esse grupo radical de direita. Os atores de hoje não sabem o que é fazer espetáculo sob uma pressão dessas. Em A Patética, quando nós fomos para o Rio Grande do Sul, tínhamos porretes nas coxias ao nosso alcance e chegamos a ensaiar rotas de fuga caso sofrêssemos algum tipo de agressão. Foi uma época terrível! As pessoas não podem esquecer para que uma situação igual não se repita. É por isso que o espetáculo Lembrar é Resistir, de Analy Alvares, encenado nas antigas dependências do Doi-Codi, foi importante. Eu obriguei todos os meus alunos a assistir. Por quê? Porque esses jovens não sabem, nem imaginam o que foi a ditadura. – Revolução de 64? Quê que é isso? Teve Revolução aqui no Brasil? Ora, não podemos deixar quem viveu esquecer e quem não viveu tem que se assustar tomando conhecimento do fato através do teatro. Os Convalescentes era um espetáculo feito com nervos tensos. Estávamos preparados para qualquer agressão de reacionários inconformados e também para um final de carreira repentino assim que a malfadada Censura Federal nos proibisse de continuar representando. A nossa sorte é que a Norma Bengell tinha amigos nos altos escalões das Forças Armadas, então, alguns generais um pouco mais esclarecidos seguravam as denúncias, que chegavam aos montes. Era a própria classe média quem denunciava. Mas a peça de José Vicente era contundente porque contava a verdade das prisões políticas. As personagens descreviam as torturas com todos os detalhes. Apesar do clima pesado foi importante ter participado dessa importante denúncia. Curiosa foi a minha estréia no Rio de Janeiro. Eu estava filmando Paixão na Praia quando a Norma me convidou para substituir Emilio de Biasi no espetáculo. Comecei a decorar o extenso texto desse espetáculo de mais de 2 horas e meia de duração e todo o dia após a filmagem assistia o espetáculo. Numa terça-feira chegamos ao teatro e soubemos que o Emílio, que estava em São Paulo, não poderia chegar a tempo. Perguntaram-me se eu poderia fazer o espetáculo e eu concordei. Os Deuses do teatro me ampararam para que eu não sofresse um infarto, não errasse nenhuma marca e não esquecesse o texto. Mas na cena em que eu acariciava os cabelos de Norma, as minhas mãos tremiam tanto que mais parecia que estava fazendo uma massagem no couro cabeludo dela. Felizmente, depois os atores ensaiaram comigo e antes da estreia em São Paulo tivemos mais ensaios para substituir Rose Lacreta no papel antes defendido por Renata Sorrah. Ainda em 1970, fiz mais duas participações em cinema. Na série Águias de Fogo, um dos episódios que se chamava Terra dos Índios. E nesse mesmo ano trabalhei em Paixão na Praia, com a Norma Bengell, e ganhei meu primeiro prêmio: Melhor Ator do Primeiro Festival de Cinema do Guarujá. Foi a primeira direção de Alfredo Sternheim, que depois dirigiu vários filmes, inclusive alguns de sexo explícito quando a situação ficou difícil. Mas eu tenho uma história engraçada para con-tar, sobre o último dia de filmagem de Paixão na Praia. Nós estávamos com falta de filme virgem. O produtor tinha dito que não mandaria nem mesmo mais um metro. Daí o Alfredinho reuniu o elenco e explicou a situação e disse que faria a última seqüência num plano só e que ninguém podia errar, porque não seria possível fazer duas tomadas com a quantidade reduzida de negativo que tínhamos à nossa disposição. Então ele marcou a cena, tudo direitinho, e ensaiou várias vezes. Descoberto o fato de o personagem do Adriano Reis estar apaixonado pela personagem da Norma Bengell, eu e a Lola Brah (já falecida, era russa, ou ucraniana, e tinha um sotaque inesquecível!!), nos sentíamos traídos. Então eu dava um tiro nele. Lola, que era apaixonada por ele, me dava um tiro e eu matava Lola antes de morrer. Está dando para entender? Tudo isso num único plano! O chamado planoseqüência. Outro detalhe: quando eu levava o tiro, estourava uma camisinha cheia de sangue, posicionada no peito embaixo da camisa branca de gola rolê. Naquela época ainda não se usava o tiro detonado a distância, muito mais convincente, forma como já morri tantas vezes em outros filmes e novelas. Tudo pronto e ensaiado, o Alfredinho deu início à filmagem. – Câmera! Ação. Começamos a filmar. Tudo ia bem até que ouvi o Alfredinho xingando e vi a Norma e o Adriano, fora de cena, morrendo de rir. Mesmo assim continuei atuando, rolando na areia até chegar ao local previamente marcado para morrer. Eu não queria que o tal plano-seqüência fosse interrompido por minha causa. A primeira coisa que pensei é que as minhas calças haviam se rasgado e eu estava com as partes pudicas de fora. Fiz a minha parte até o fim, até que ouvi: – Corta! Corta! Me levantei querendo saber o que tinha acontecido. Alfredinho estava indo na direção da Lola, gritando: – Lola! Por que você não colocou a cabeça no chão, quando morreu? Como alguém morre com a cabeça suspensa? E a Lola respondeu: – Ah Alfrredo, é parra não sujarr a perruca. Bom, ela quase apanhou. Feitos os cálculos chegou-se à conclusão que ainda daria para repetir a cena com o que havia sobrado de negativo, mas teríamos que fazer num ritmo um pouco mais rápido. E foi o que fizemos. Mas, sendo feita num tempo menor, a cena resultou cômica. Porque era muita morte em tão poucos segundos. Eu me lembro que a platéia riu ao assistir a essa cena. Infelizmente! Que situação do cinema nacional! Não ter dinheiro para repetir uma tomada em benefício da qualidade!!! Felizmente, nos dias de hoje, temos a possibilidade de gravar em vídeo, com qualidade tão boa quanto o celulóide. Tanto é que se você for assistir a Maria, Mãe do Filho de Deus, que eu fiz sob a direção do Moacir Góes, você não vai reparar que ele foi feito em vídeo. A iluminação é esplendorosa. A fotografia, deslumbrante. Capítulo VIII O ano de 1971 foi um ano de muito trabalho: Peer Gynt, de Henrik Ibsen, sob a direção de An-tunes Filho; O Patinho Preto (um musical infantil de Walter Quaglia) e Arlequim, Servidor de Dois Patrões (de Goldoni) – concomitantemente. Era assim: Peer Gynt, terças, quartas, quintas, sextas, sábados (duas sessões) e domingos (duas sessões). Patinho Preto: sábado de manhã e à tarde, domingo de manhã e à tarde. Arlequim, Servidor de Dois Patrões: segunda à noite, terça, quarta e quinta à tarde. No Arlequim eu fazia o próprio – com a famosa cena onde ele serve o jantar de dois senhores e que requer do ator uma agilidade e resistência física muito grande. No Patinho Preto, eu era o Patinho Preto. E no Peer Gynt eu fazia sete personagens, cada um com figurino e maquiagem diferentes. O espetáculo durava na estréia 3 horas e meia, e quando eu não estava no palco atuando, estava no camarim trocando de roupa e de maquiagem. Tudo muito rápido para não perder a hora de entrar em cena novamente. Quando o Antunes reduziu o espetáculo em uma hora a correria ainda era maior. Uma vez o Stênio e o Jonas Bloch resolveram diminuir o tempo de intervalo do segundo para o terceiro ato e eu acabei atrasando a entrada do Mensageiro da Morte. Então eu atuava de segunda a segunda, sem parar. Mas eu adorava. No Peer Gynt eu trabalhei novamente com o Antunes e com o Stênio. O Antunes sempre buscando coisas novas. O Stênio é sempre um presente! Como é gratificante trabalhar ao lado dele! Mas o maior presente era a direção de atores do Eugênio Kusnet. Ele discutia com a gente as personagens, fazia exercícios... Era muito bom. Foi durante esse convívio que ele nos apresentou ao seu método da ação inconsciente. Os três meses de ensaio foram um verdadeiro curso avançado de teatro. Acho que ninguém é mais a favor de pesquisa do que eu. Levo muito a sério os exercícios que são feitos para dar algum tipo de vivência para a personagem que estamos interpretando. Adoro fazer laboratório. Mas tudo tem um limite. No Peer Gynt o Antunes extrapolou esses limites. Lá pelas tantas, descobriuse, erradamente, que no terceiro ato todas as personagens estavam mortas. E começaram os laboratórios para tentar saber como um morto se sente. Ninguém parou para pensar que isso a gente só saberia se morresse de verdade. A grande maioria do meu aprendizado de teatro eu devo ao Antunes. A pesquisa, a sistematização do estudo de uma personagem, a sede de conhecimento infindável para estar preparado para viver uma personagem, o trabalhar profundamente e mergulhar na personagem, eu aprendi com o Antunes. Por exemplo, todos os laboratórios que fizemos para entender o universo norueguês. Os laboratórios e a assistência psiquiátrica para a parte do hospício. Tudo superválido. Estudamos o mundo árabe porque Peer Gynt vive lá um tempo. Isto eu acho perfeito. Para a parte do Peer Gynt capitalista a gente leu muito sobre o assunto, inclusive O Capital, do Marx. Perfeito! Cabe, cabe perfeitamente. Mas há coisas que excedem a própria lógica. Creio que se perdeu muito tempo em laboratórios que não levavam a nada. E vejam bem: o Kusnet era dono de uma ética fantástica. Ele não metia a colher no que o Antunes falava. Na parte que lhe cabia o Kusnet nos ensinou muito. Nesse ano eu dirigi mais dois espetáculos: o Coelho Cowboy, do Oscar Felipe, com a Vic Militello, e Natal na Praça, de Henri Ghéon, onde trabalhavam meus amigos Analy Alvarez, Ivete Bonfá, Paulo Hesse e Clemente Viscaíno. Não pude assistir à estréia porque estava em cena no mesmo horário. Dei meu primeiro passo na realização cinematográfica em 1971 com um curta-metragem em super-8, Em Última Análise, escrito, editado e dirigido por mim. Era extremamente pretensioso, mas tão pretensioso, que falava só da vida, do amor e da morte! A Vida era simbolizada por uma atriz toda de preto, muito feia, maquiada com tons de terra e o cabelo de galhos de árvore. O Amor, uma atriz de vermelho, sensual (olha que óbvio!) e A Morte era uma mulher linda, loira, vestida de branco. O filme começava com a Vida descendo uma montanha inóspita. Ela cavava a terra com as mãos e tirava uma criança, como se fosse um par-to. (Havia idéias interessantes no filme, mas era pretensioso.) A criança começava engatinhando, depois andando, depois brincando no balanço, depois correndo, pegando um trem, a família se despedindo. Era o ciclo inteiro da vida. Havia vários tipos de amor: o que vive, o que morre, o que nasce... O filme tinha 44 minutos. Quase um longa, já que, a partir de 58 minutos, o filme é considerado longa. Ganhamos vários prêmios no Festival do Cine Clube Paiol. O Antunes cedeu os figurinos do Peer Gynt. Os atores eram todos do Peer Gynt e a produção era da Analy Alvarez, Ivete Bonfá e Lucinha Capuani, todas do Peer Gynt, assim como o Clemente Vas caíno que fazia a iluminação e a câmera. Enfim, era um filme feito de Peer Gynt. Missa Leiga, do Chico de Assis, direção do Ademar Guerra – este espetáculo tão polêmico – que depois eu vi naquela coleção Les Voie de La Création Théâtrale, da L’Âge d’Homme. Lá existem fotos de uma encenação idêntica à daqui!... Essas coisas acontecem! Para ser aprovado tive que passar por um teste de canto com o Maestro Petraglia. Passei, graças ao meu aprendizado no coral da Igreja Presbiteriana. Fiz também nesse ano Panorama Visto da Ponte, do Arthur Miller, direção do Odavlas Petti – com Leonardo Villar, Célia Helena e Silvio Francisco. O fato curioso é que eu fazia o papel que na primeira versão havia sido feito pelo Odavlas, que agora dirigia. Leonardo, esplêndido, repetia o pa-pel que lhe tinha dado fama no TBC. Para o papel do jovem italiano tive que ficar loiro. Havia uma cena em que a personagem do Leonardo Villar me arrastava pelo cabelo e dessa forma não podia ser usada uma peruca. Pude sentir na pele como é dolorido o processo de descolorir o cabelo. Nessa época ainda fazia o Patinho Preto onde nascia no palco, diferente a cada temporada. Com barba enquanto fazia Peer Gynt e platinum blonde enquanto fazia Panorama Visto da Ponte. Também loiro era o Alcoforado de Leonor de Mendonça, direção do Yavoc Hillel. Esse espetáculo era levado à tarde ao mesmo tempo que Panorama. A Cláudia de Castro fazia a Leonor e o Fernando Bezerra fazia o Duque. Depois eu repeti o Alcoforado (com a cor de cabelo natural) em 1975, no espetáculo que Osmar Rodrigues Cruz dirigiu para o Sesi. Ainda em 1972, fiz Sonho de uma Noite de Verão, do Shakespeare, dirigido por Kiko Jaez. Tinha um cenário incrível do José de Anchieta, com uma enorme bolha de ar que inflava na parte mágica da floresta. A encenação virou cult. Eu fazia o Puck. Quando o Kiko Jaez, diretor do espetáculo, me perguntou o que eu achava mágico, eu respondi: – Para mim não existe nada mais mágico do que o trapézio. Ele perguntou: – Você topa? – Topo! Eu e o Jonas Bloch fomos para a Academia de Polícia Militar ter aulas com o Sargento Kramer, que era um ex-trapezista. Ele dizia: – Você jamais conseguirá fazer trapézio em tão pouco tempo. Eu respondia: – Não existe esta palavra no meu dicionário. Se eu quiser, eu consigo. Eu quis e consegui, em um mês e meio aprendi trapézio e fazia toda noite, durante o espetáculo, sem rede, dizendo o texto de ponta-cabeça. O Jonas ia fazer comigo. Havia dois trapézios no cenário de José de Anchieta. Na última hora ele medrou, não conse guiu. Aí pensaram na possibilidade de não existir trapézio no espetáculo. Achei injusto. – De jeito nenhum. Eu trabalhei para isso e vou fazer! Foi ótimo porque a parte do trapézio resultou extremamente mágica como eu previa e valorizou em muito as cenas da floresta. Outra coisa ótima que aconteceu nesse espetáculo é que eu conheci a minha primeira mulher, que fazia a fadinha Mostarda, com quem eu tive quatro filhos lindos e maravilhosos. Só por isso, valeu! Nesse ano passei para novelas adultas com O Tempo não Apaga, do Amaral Gurgel, na TV Record, sob a direção de Valdemar de Moraes. Participei também do teleteatro Happy-End, de Antônio Pádua, na TV Cultura. Muito bom, por sinal (dois anos depois esse roteiro se transformou no longa As Delícias da Vida e fui chamado para defender a mesma personagem). Esse ano marcou o meu ingresso na TV Tupi, onde trabalharia durante muitos anos, na novela A Revolta dos Anjos, da Carmem da Silva, onde eu fazia, aos 26 anos, um adolescente de 17 anos, filho da Eva Wilma e do Oswaldo Loureiro. E as minhas irmãs? As minhas irmãzinhas eram Bete Mendes e a Nádia Lippi. Capítulo IX Eu fiz uma substituição. Como é duro fazer substituições! Foi em 1973, era um papel importantíssimo em Tango, do polonês Slawomir Mrozek, direção de Amir Haddad. Com Thereza Rachel, Jaime Barcelos, Consuelo Leandro, Serafim Gonzales, Selma Caronezzi e Francisco Dantas. Eu substitui o Ivã Seta. Mas, nessa substituição, eu dei o pulo-do-gato: quando a Thereza Rachel sugeriu que ela mesma me ensaiaria já que o Amir tinha se afastado da produção, eu exigi que ela contratasse o Eugênio Kusnet para essa tarefa. Os conhecimentos que ele me transmitiu nessa época eu levo para o resto da vida. Fiquei tão encantado com a direção dele, que dizia para o elenco: – Vocês não imaginam o que é ser dirigido pelo Kusnet Todo mundo quis experimentar e ele mexeu em todas as personagens. Na realidade o Serafim Gonzales, a Consuelo Leandro e a Selma Caronezzi tinham entrado sem direção nenhuma. Assistiram ao espetáculo e entraram. A Consuelo ficou encantada com o Kusnet. Ela o chamava de Seu Kusnet. Quando acabou a temporada de Tango, o Jaime Barcelos me convidou para fazer Da Necessidade de Ser Polígamo, uma peça do Silveira Sampaio. Éramos ele, eu, a Etty Fraser e para completar o elenco ele precisava de uma atriz jovem e bonita. Nós indicamos a Jussara Freire, que havia feito comigo O Tempo Não Apaga, na TV Record. A novela havia sido o primeiro trabalho profissional dela. Fico feliz de ter colaborado para que ela fizesse sua primeira peça profissional. A peça era uma encenação bastante modesta, mas foi um belo exercício. Exercício físico inclusive, porque tinha uma cena que eu jogava para o alto a Etty Fraser (que, todos sabem, é bem fortinha). Era a maior gargalhada do espetáculo. Eu vinha correndo, abraçava a Etty e a levantava do chão. Era pura técnica. Eu a suspendia com o peito sob o famoso princípio da alavanca. Mas para a platéia era um feito quase impossível! Nesse ano, participei de mais um longa: O Último Êxtase, direção de Walter Hugo Khouri, com a Lilian Lemmertz. Ganhei o Prêmio de Melhor Ator Coadjuvante, no Primeiro Festival da Baixada Santista, e consolidei uma amizade com a Lilian, que iria durar até o momento em que ela, prematuramente, deixou este mundo. Eu a conheci na TV Record, fazendo O Tempo Não Apaga. Sobre esse filme tenho uma história para contar: o Khouri era famoso por deixar os atores imóveis. Ele colocava o ator diante da câmera, posicionava sem pressa. Ajeitava a roupa, o cabelo, cada mínimo detalhe. Quando ele ia filmar, o ator, habituado a uma longa imobilidade não se mexia durante o take. Essa forma de trabalhar deu a ele um estilo marcante. Os atores pareciam que atuavam como se estivessem num filme de Antonioni. Tudo muito parado e desprovido de energia vital. Eu era a antítese disso. Quando ele dizia ação!, eu, que estava ansioso para liberar toda a minha energia contida, me mexia inteiro, cheio de vida. Acho que ele não gostava disso! Mas os críticos gostaram porque ganhei o prêmio de melhor ator. A bem da verdade esse prêmio me foi dado pelo meu trabalho nesse filme e por O Anjo Loiro, de Alfredo Sternheim, o primeiro filme da Vera Fischer, que tinha na ocasião dezoito lindos aninhos. Ela era (e é) linda... E muito inteligente. Eu fazia o papel do namorado dela e a gente conversava bastante nos intervalos de filmagem. E ela dizia: – Eu sei que estão me chamando para fazer cinema, porque acabei de ganhar o concurso de Miss Brasil. Eu sei que eles querem explorar a minha beleza... Querem me botar nua na tela para vender o filme! Tudo bem! Eu faço, porque eu quero aprender e um dia eu serei uma grande atriz. E ela conseguiu. Transformou-se numa grande atriz! E continua linda. Fiz com ela a minissérie Riacho Doce, lá em Fernando de Noronha. Eu me lembro que o jipe passava nos hotéis pegando os atores. Passava no meu, depois na casa onde ela estava hospedada. Essa mulher às seis e meia da manhã, sem um pingo de maquiagem, era deslumbrante. Nesse ano, eu fiz mais três filmes. Ford Maverick, um média metragem do George Jonas; O Poderoso Machão, direção de Roberto Mauro. O roteiro do Silvio de Abreu era muito bom. Por motivos econômicos, para baratear a produção, acabou virando um filmezinho qualquer. Foi uma pena desperdiçar uma idéia tão boa. E A Noite dos Desejos, do Fauzi Mansur. Ele havia rodado um filme com Ney Latorraca e a censura cortou tanto que acabou ficando abaixo da metragem de um longa. Então, ele desenvolveu a personagem da Selma Egrei, que no antigo filme era bem pequena e introduziu a minha personagem que contracenava com ela. Por que a censura cortou? Em 1973 um seio já era motivo de escândalo. Hoje até na novela das 6 vemos mamilos e bundas de todos os tipos. A chamada pornochanchada era na verdade um tipo de cinema, apenas um tanto quanto safadinho. E só. Não tinha nada de pornográfico. Da turma de jovens atores considerados sérios, da época, só eu, o Antônio Fagundes e o Nuno Leal Maia nos propusemos a fazer esse tipo de filme. Por quê? Porque eu queria aprender a fazer cinema. E como o mercado não me oferecia outros filmes que não fossem esses, eu fazia. Fiz todas as pornochanchadas possíveis e imagináveis, mas aprendi a fazer cinema. Aprendi porque queria aprender, porque na verdade participar desses filmes era um desaprendizado. Como eram feitos? Era assim: O diretor entregava o roteiro para o ator, isso quando existia roteiro, e dizia: – Amanhã você filma. Você pegava esse roteiro, lia, decorava, chegava no set de filmagem, e o diretor dizia: – Esta é a atriz que vai fazer o papel da sua esposa. – Prazer. – Prazer. – Tirem a roupa e deitem na cama. Como podia existir a cumplicidade das duas personagens casadas há algum tempo se os atores nem se conheciam direito? Fora isso não havia direção de atores. Era desanimador, porque exatamente neste momento o mundo explodia com filmes de incríveis diretores. Só que lá, estuda-se, constrói-se personagem, ensaia-se!!!!! Aqui no Brasil não tinha absolutamente nada disso. Em 1988 participei de Quarup, com direção do Ruy Guerra. Finalmente um filme onde houve ensaio, discussão, análise! Só que, na hora de filmar, tudo o que havia sido discutido, analisado e ensaiado foi esquecido. Falo disso depois Poucos diretores tentavam dirigir: o Alfredinho Sternheim... O Francisco Ramalho, por exemplo, quando dirigiu Sabendo Usar Não Vai Faltar. Era uma pornochanchada, mas a proposta dele era um filme com humor chapliniano. Fomos ao Museu Lasar Segall e assistimos a vários filmes do cinema mudo. Eu baseei meu trabalho dentro do estilo desses filmes e funcionou. Aliás, tudo que é elaborado e trabalhado de verdade tende a funcionar. Participei de As Pessoas da Sala de Jantar, um texto do Guarnieri, dirigido pelo Dennis Carvalho; depois de O Pivete, outro texto do Guarnieri que ele mesmo dirigiu. Eram os teleteatros que a TV Tupi fazia. O Guarnieri sempre gostou muito de mim, ele sempre me chamava para trabalhar nos seus textos. Nosso último trabalho juntos foi em A Luta Secreta de Maria da Encarnação, em 2001. Nesse ano fiz também duas novelas na TV Record: Vidas Marcadas, do Amaral Gurgel, e Meu Adorável Mendigo, de Emanuel Rodrigues, ambas dirigidas por Valdemar de Moraes. Capítulo X Comecei o ano de 1974 dirigindo um infantil para a Nydia Licia (ela fazia teatro para estudantes no Teatro Nydia Licia, lá na Domingos de Moraes). Era Lição de Viver, da filha dela, Sylvia Cardoso, e Alceu Nunes. Nesse ano dirigi uma leitura dramatizada de O Homem que Enganou o Diabo e Ainda Pediu Troco, de Luiz Gutenberg. É bem dentro da escritura do cordel (meu trabalho em direção começava a aumentar de volume). Nessa leitura dramática eu quis ir mais além. Chamei o elenco e perguntei se em uma semana eles não topavam decorar o texto, para a gente fazer a leitura com movimentação, com pequenas fichas na mão, para não ter problema de esquecer. Todos toparam. Convidei o maestro e compositor Murilo Alvarenga, que já tinha feito tantos trabalhos memoráveis para compor músicas inéditas para a leitura. Ele topou mas voltou atrás no primeiro dia de ensaio, consciente de que seria impossível compor a trilha sonora em uma semana. Eu o incentivei a aceitar o desafio e sugeri que o próprio elenco poderia sugerir frases musicais e ele topou a minha loucura. Nessa época, a minha primeira mulher estava fazendo Viva o Cordão Encarnado, onde trabalhavam duas grandes atrizes cantoras que estavam iniciando as suas carreiras. Eu chamei as duas para fazer o coro das músicas compostas especialmente! Vejam que luxo: o coro dessa leitura era feito por Elba Ramalho e Tânia Alves. E nós resolvemos fazer com figurino. Acabou se transformando numa montagem real. Carlos Augusto Strazzer fazia o herói, Jussara Freire a mocinha, Sadi Cabral fazia o papel de Deus e Péricles Flaviano fazia o Diabo. E tinha também Marcos Caruso e Hilton Have. O texto é muito interessante e ainda não foi montado comercialmente. Uma pena! E nesse mesmo ano, nessa linha de teatro de cordel, eu dirigi e fiz os cenários de Teatro de Cordel-74. A Vic Militello me disse: – Você não quer dirigir um cordel para mim? Como eu adorava (e adoro) cordel, aceitei na hora. – Só que... (sempre existe este só que...) não temos dinheiro. Eu disse: – Bom, vamos ver o que podemos fazer E ainda mais. Ela disse: – O elenco já está escalado. Os atores eram a própria Vic, Zódia Pereira, Neuza Borges, Péricles Flaviano, Tião D’Ávila, René Mauro e Décio Tangará, um tio da Vic vindo do circo. Apesar de gostar de todos, eu não os havia escolhido para os papéis, que nem sempre eram adequados a este elenco. Então eu resolvi acentuar a inadequação. Se não havia nenhum ator com característica de galã eu escolhia para o papel o mais antigalã que eu tinha no elenco. Assim é que a Neuza Borges ficou com o papel da princesa virgem e a Vic era a Sedutora Maldita. O René tinha um pequeno problema de emissão de voz, eu, então, fiz com que ele fizesse um galã fanho. O resultado era muito engraçado, bem dentro do espírito primitivo da literatura de cordel. Léo Leoni foi chamado para ser nosso figurinista. Ele fazia coisas inacreditáveis. Numa das histórias, que recebeu tratamento de teatro infantil, ele fez a capa da rainha com capas de gibis da Luluzinha. Era de uma criatividade! O cenário, assinado por mim, foi criado a partir das nossas reduzidas possibilidades. Eu pedi para o Sandro Polônio sete biombos com rodinhas que ele havia usado no espetáculo Bodas de Sangue. Em cada biombo fez-se de um lado a capa de um cordel e do outro um pano colorido. Esses biombos eram posicionados de inúmeras maneiras fazendo o espaço cênico e informando ao espectador qual das sete histórias de cordel estava sendo contada. Os atores movimentavam estes biombos de uma tal forma, que o resultado era fantástico! Outro problema: não havia teatro vago, para a gente estrear. A Dirce e a Vic Militello (a Dirce era mãe da Vic) eram de família circense. Então eu perguntei: – Não existe mais nenhum pavilhão funcionando? (pavilhão é um barracão de telhado de zinco e chão de terra batida – que abriga uma platéia – e um palco montado em cima de um praticável. Era móvel e podia ser montado em qualquer terreno. Nele eram apresentados os espetáculos de circo-teatro). – Tem sim. Eu disse: – Aluga e monta num terreno vazio da Prefeitura. Montaram, mas num terreno particular!!! Erraram o lugar, ainda mais esta! Além disso, o pavilhão era muito velho e o palco tinha buracos que eram verdadeiras crateras que tinham que ser evitadas pelos atores, principalmente pelas atrizes quando usavam salto alto. Outra coisa: o terreno era inclinado e, quando chovia, a platéia (de chão de terra) ficava encharcada e os espectadores sujavam os pés no barro. Mesmo assim, foi um sucesso! Ganhamos muitos prêmios. Eu, inclusive, ganhei o Prêmio de Revelação de diretor da APCA. Participei de um filme de instrução de vendas em média-metragem, intitulado: Ford Motor Graft, com direção do Pedro Paulo Hathayer. Depois fiz um curta-metragem da Raquel Monteiro, O Acidentado, e outro curta do José de Anchieta, Ponto Final. Este último ganhou vários prêmios. Tinha um elenco cheio de estrelas – o Antônio Fagundes e tantos outros que agora não vou lembrar. E fiz um longa chamado As Delícias da Vida, do Maurício Ritner. Era a reedição do teledrama Happy End, do Antônio de Pádua, feito na TV Cultura dois anos antes. Eu fazia o mesmo papel: um alemãozinho gay, que era muito engraçado... No elenco: Vera Fischer, Dorothy Leirner, John Herbert e Bete Mendes, no papel da minha prometida. Nesse ano fiz o meu primeiro grande sucesso em televisão: Ídolo de Pano, novela de Teixeira Filho, na TV Tupi. O diretor Henrique Martins mandou me chamar. Um pouquinho antes eu havia feito um comercial para a Varig, onde fazia o papel do Gafanhoto, do Kung Fu. Tinha feito todos os testes com a careca de látex, mas não deu certo e eu tive que, para filmar, raspar o cabelo com navalha. Quando o Henrique me viu, foi logo brigando. O meu papel seria de um galã jovem e não poderia estar careca. Eu expliquei que estava daquele jeito porque havia feito um comercial e ganhado uma boa quantia. Ele entendeu as necessidades do ator brasileiro de ter que se sujeitar às imposições do mercado e deu um jeito que acabou sendo até mais interessante. Para justificar a minha aparência, ele e o Teixeira Filho bolaram que o João, minha personagem, era diabético e tinha um aspecto doentio e desleixado que o cabelo curto dava. A novela e o João fizeram muito sucesso. Mas falando em comerciais, eu participei de muitos. Nem vou me dar ao trabalho de enumerá-los aqui. Seria, com certeza, traído pela memória e deixaria de citar muitos deles. Inclusive não ficaram registros deles. Lembro-me que eram três os comerciais que fiz, careca, como Gafanhoto. Um deles passava-se na Transamazônica e foi filmado na rodovia dos Imigrantes, ainda em construção. Um outro era uma luta do Gafanhoto com o seu Mestre, emoldurada por um crepúsculo avermelhado digno de superprodução. Para essa luta tive aulas com um professor de artes marciais que acabou fazendo o papel do mestre. E no comercial lutávamos de verdade com bastões compridos. Recentemente Andrés Bukowinski, um amigo diretor de cinema e dono da ABA, produtora de comerciais onde trabalhei por diversas vezes, me deu de presente um tape com alguns dos comerciais que fiz no início da minha carreira. Foi curioso ver de novo esses comerciais, depois de tanto tempo. Parece que não sou eu quem está lá na tela, mas sim um dos meus filhos gêmeos: Daniel e Rafael. Um dos comerciais era para o Banco Itaú. Nele trabalhávamos o Taubaté e eu. Fizemos num terreno em Alphaville, quando aquele bairro ainda era deserto. Eu entrava numa casa que não existia. O Taubaté ia me “mostrando” os cômodos e eu ia enxergando a casa inteira à medida que ele ia descrevendo. Um outro comercial, que até ganhou prêmio em Cannes, era sobre papel higiênico. (Produto difícil de ser vendido.) Eu falava: – Em se tratando de bundas... E toda vez que eu falava a palavra bunda, os lábios se mexiam, mas não se ouvia a palavra. No seu lugar ouvia-se um bip. – Para bundas, bundinhas e bundonas: papel higiênico... (não me lembro o nome do papel!) O comercial era fantástico, porque tinha muita classe. Não se camuflava o tema. Ao contrário, a palavra bunda era bastante repetida mas absolutamente sem malícia, tirando a conotação chula. Todos percebiam o que eu falava, mas só ouviam bip, bip, bip. Ao mesmo tempo o comercial resultava como uma crítica à censura, muito acirrada na época. Fez um sucesso, que vocês não fazem idéia! Então, também nessa área de propaganda, eu fiz coisas muito interessantes. Capítulo XI Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, dirigido pelo Osmar Rodrigues Cruz, no Sesi. Fazia de novo o Alcoforado, com o Cláudio Corrêa e Castro, Annamaria Dias, Abrahão Farc, Nize Silva e outros. Os figurinos e cenários eram da Beth Bourbonais (mãe do João Bourbonais, que acabou dando aulas na minha escola e se tornando meu amigo). A Beth era francesa e fazia pesquisa de materiais. Nosso figurino era todo feito com estopa, com novas tramas de fios... Só para vocês terem idéia, tinha um casaco, usado pelo Cláudio Corrêa e Castro como Duque que se parecia com um sobretudo, feito com os pêlos da estopa. Ele parecia um urso. Eu estava fazendo Leonor de Mendonça, quando o Celso Nunes foi lá me ver e levou o texto do Equus para que eu lesse. – Meu Deus do Céu! Eu não posso deixar de fazer esse papel. Tanto o papel como a peça são maravilhosos. Cheguei para o Osmar e disse: – Osmar, eu sei que você não gosta que os atores abandonem as suas peças. Mas, eu te peço: Leia este texto (dei o texto do Equus para ele) e me diga se eu devo ou não fazer este papel. Ele leu e disse: – Quando é que você quer sair do espetáculo? Vejam, como este homem foi decente! Ele será eternamente lembrado pelo seu indispensável trabalho de popularização do teatro formando platéias. Eu sabia que, abandonando Leonor de Mendonça, talvez nunca mais trabalhasse no Sesi, mas eu não podia perder aquela oportunidade. O Osmar chamou Carlos Alberto Riccelli para me substituir e lá fui eu fazer o Alan de Equus. Trabalhar com o Celso Nunes foi muito, muito bom mesmo. Ele é um grande diretor. Os atores sentem o pulso e a segurança que ele transmite. E ele sabe o que quer. O Antunes me deu um senso de responsabilidade de ser dono do espetáculo. Deu-me a certeza que só através do estudo e da dedicação plena podemos exercer esse ofício e crescer como atores. Mas eu nunca senti no Antunes o pulso e a certeza. O Celso diz: – Eu quero que você faça isso e o caminho é esse. Vamos trabalhar? E você chega onde ele quer. Ele sabe tirar o melhor do ator, conduzi-lo. Ele vai dizendo: – Não, não você está buscando a motivação errada. Ou seja, através do diálogo, ele vai orientando. O Antunes não. Ele só diz: – Tá uma merda! Não é assim! Acha outro jeito Então, o que acontece? Quando o ator que trabalha com ele é um sujeito centrado, que sabe o que quer, chega num bom resultado. Passa noites em claro estudando, pesquisando, matutando como vai chegar lá e chega. Agora, se for um ator verde, ainda imaturo, e ainda por cima desestruturado – não chega. Fica perdido como muitos ficaram nas montagens de A Cozinha e de Peer Gynt. Eu e Celso nos demos muito bem profissionalmente, tanto que cinco anos mais tarde repetimos a parceria em A Patética. Sempre com prêmios. Com Equus ganhei o Prêmio Melhor Ator Coadjuvante, Governador do Estado 1975. Com A Patética ganhei o Molière. Nesse mesmo ano participei de uma leitura dramatizada – Anabela no Mundo das Maravilhas, do José Safiotti. Mas a leitura da peça do Safiotti foi badaladíssima. Regina Duarte, Nicette Bruno, um elenco de primeira. Novamente Vic Militello me procurou para que eu dirigisse uma peça. E de novo sem dinheiro, teatro, atores. No elenco ela e a mãe Dirce. O texto, O Último Bolero em Sorocaba, de Mah Luli, era muito ruim, apesar do título ser um achado. Detestei desde a primeira leitura. Mas novamente a amizade falou mais forte e aceitei a empreitada. Comecei cortando mais da metade do texto e situando a ação num hospício que era revelado na última cena, para dar alguma coerência ao espetáculo. Como cenógrafo, fiz milagres para criar alguma coisa razoável, sem dinheiro. Uma das minhas invenções foi uma cortina feita com videoteipe de 4 polegadas, que era usado antigamente. A TV Tupi jogava no lixo uma grande quantidade desse teipe, quando eles não serviam mais para gravar imagens. Eu consegui uma quantidade bem grande e nós mesmos confeccionamos a cortina de fundo do cenário que, com a incidência da luz, ficava fantástica. A estréia ocorreu no Teatro de Bolso, do extinto Teatro das Nações, na Av. São João, que naquela época já era bastante decadente. Resultado: FRACASSO TOTAL. Restou a lição de que não há amizade, nem outro compromisso, que não seja o artístico, para se agregar a uma produção teatral que não tenha o mínimo de condições para poder dar certo. Ou seja, só faça teatro se estiver apaixonado pelo projeto e se ele for viável. o que Tem, escondia boas intenções e era feito de episódios. O episódio em que eu participei era Uma Grande Vocação, escrito e dirigido pelo grande autor de novelas Silvio de Abreu. Fazia o papel de um seminarista orientado por um bispo hilário interpretado pelo Miéle, que sofria todas as tentações possíveis e imagináveis, mas permanecia puro. O outro, de título igualmente dúbio, também feito de episódios tão em moda na época, era Sabendo Usar Não Vai Faltar. O meu episódio se chamava Joãozinho, escrito e dirigido por Francisco Ramalho. Foi para esse trabalho que eu e Ramalho fizemos a pesquisa sobre atores do cinema mudo. Essas duas experiências cinematográficas foram muito positivas e obtiveram muito sucesso na época. Em cinema participei de dois filmes importantes. Um deles, de título bastante dúbio: Cada um Dá Na TV Tupi o trabalho continuava intenso. Eu emendava uma novela na outra, sem descanso ou férias. Depois do sucesso de Ídolo de Pano, fui ser Bentinho, um frade milagreiro em Ovelha Negra, de Chico de Assis e Walter Negrão. Essa novela tinha as cenas externas gravadas em Tremembé, adiante um pouco de Taubaté. O fato curioso é que o núcleo do qual eu participava vivia num lugar chamado Pedregal, ou seja: cheio de pedras. O terreno foi escolhido à noite e era cheio de montes de cupim. Outro fato marcante é que, como o Pedregal era um lugar descampado, a Tupi não providenciou banheiros para o elenco e todos nós tínhamos que satisfazer as nossas necessidades fisiológicas no matinho, inclusive Laura Cardoso e Joana Fomm. E elas, tão profissionais que, mesmo reclamando e com razão, gravaram a novela até o final nessas condições precárias. Quando Ovelha Negra foi chegando ao seu final aconteceu um fato marcante na minha carreira. Carlos Zara era o diretor artístico da Tupi e me chamou para me comunicar que eu iria emendar mais uma novela. Eu seria o Alexandre de A Via-gem de Ivani Ribeiro. Aceitei as determinações do meu diretor e fui gravar cenas de Ovelha Negra. No final do dia levei para casa a sinopse da nova novela e fiquei enlouquecido com a possibilidade de poder interpretar o Alexandre, que morria logo nos primeiros capítulos e durante toda a novela atuaria como um espírito obsessor que vinha se vingar das outras personagens da trama. Além do quê seria um excelente exercício para mim, que vinha de um galã bonzinho do Ídolo de Pano e estava vivendo um frade mais do que bonzinho em Ovelha Negra. Finalmente teria um vilão para atuar! E que vilão!! Logo um Exu!!!! Já separei uns livros para ler, entre os quais Nosso Lar, de Chico Xavier. Precisava com urgência conhecer a teoria kardecista. Precisava entender como atua um espírito de alguém que se matou e tem tanto ódio em seu coração, que só se preocupa em fazer o mal aos outros. Qual não foi a minha surpresa ao chegar na emissora no dia seguinte e receber a notícia de que eu não mais faria o Alexandre. Fui procurar o Zara. Ele me explicou que eu tinha cara de bonzinho e não conseguiria convencer o telespectador de que eu era Alexandre, o grande vilão. O Fagundes é quem ia fazer o Alexandre. Meu papel seria do Júnior, o filho bonzinho da personagem interpretada pelo Altair Lima. – Zara, isso que você está dizendo é um absurdo. Pelo amor de Deus, você é um profissional que veio de teatro. Você não pode pensar dessa forma. Eu sou um ator e posso fazer qualquer papel. Basta trabalhar para isso. Eu tanto insisti e atormentei a vida do Zara que ele resolveu me dar uma chance. Ivani Ribeiro, a autora da trama, que influenciada pelas teorias motivadas pela minha cara de bonzinho, estava agora em dúvida se era eu mesmo quem deveria fazer o papel. Zara me mandou ir falar com ela em sua residência no Alto de Pinheiros, perto da Tupi. Não tive dúvidas. Se o problema é a minha cara, vou ao encontro dela com a cara do Alexandre. Fui até a sala de maquiagem, coloquei um bigode, botei o cabelo para trás com gomalina no topete, à la Elvis Presley, blusão de couro, peguei a moto que seria do Alexandre (que eu ainda não sabia dirigir) e fui para a casa da Ivani Ribeiro. Toquei a campainha. – Por gentileza, a Dona Ivani Ribeiro. – Quem é?, perguntou a moça que atendeu a porta. – Diga que é o Alexandre. A Ivani abriu a porta, olhou e disse: – Ewerton? – Sim. – Pode entrar Alexandre! E eu ganhei o papel! O Carlos Alberto Riccelli foi quem fez o papel do Júnior. A minha carreira e a do Riccelli foram, por um tempo, entrelaçadas. Ele me substituiu em Leo-nor de Mendonça. Estávamos ambos cogitados para ser o Tião de Eles Não Usam Black-Tie, do Guarnieri. Ele acabou fazendo. Fomos irmãos em Éramos Seis... O Alexandre foi um sucesso inacreditável! Convenci tanto como vilão que até fui agredido algumas vezes na rua. Um dia, por exemplo, estava chegando para gravar, nos estúdios da Tupi e uma mulher agarrou uma de minhas orelhas, com as unhas muito compridas que me feriram e dizia: Pára de fazer maldade com o Tony Ramos, espírito dos infernos! Eu dizia, tentando me libertar: Minha senhora, eu não sou o Alexandre! Eu sou um ator. Mas, não adiantava. Ela não desgrudava da minha orelha. Foi Lolita Rodrigues quem me salvou. Ela ia chegando naquela hora e me defendeu. A Viagem teve uma nova versão feita pela TV Globo. Hoje em dia ficou bastante fácil fazer trucagens. Essa nova versão assombrava pela técnica perfeita. Em 1975 lutávamos com a incapacidade técnica de realizar algumas cenas. Mais uma vez a criatividade falava mais alto e conseguíamos com o nosso esforço e imaginação executar as cenas mais difíceis. Como desaparecer de cena repentinamente? Como atravessar portas e portões? Desaparecer era fácil. O diretor de imagens cortava para uma outra personagem e nós, atores que fazíamos espíritos, nos atirávamos no chão, literalmente, e saíamos de cena nos arrastando. Uma vez fiquei me equilibrando no alto de uma escada de pintor para dar a impressão que flutuava no ar sobre a cabeça do Tony Ramos. Como fazer para atravessar um portão? (sem abri-lo, é claro, pois éramos espíritos). O ator caminhava até o portão, se encostava bem nele, dava volta, se encostava no outro lado e continuava a caminhada. Depois era só emendar o teipe e tinha-se a impressão de ter atravessado o portão. Com A Viagem, fui elevado à condição de protagonista. Tanto é que fui chamado para fazer um grande teleteatro, que se chamava 2000 Anos de Teatro, uma coletânea de textos dirigidos por Flávio Rangel. Eram trechos de peças famosas. Tinha Galileu, Galilei, com Tony Ramos, Antígona com a Eva Wilma... O meu era O Auto da Compadecida, do Suassuna. Foi um programa incrível. Um verdadeiro documento histórico! Não sei se perdeu-se na falência da Tupi. Há várias fotos em revistas da época. Capítulo XII Em 1976 participei de uma nova versão de cordel: Teatro de Cordel-76. Adaptei, iluminei e dirigi. Viajamos por algumas cidades do interior. No elenco Laerte Morrone, Silvana Lopes e Sílvia Leblon. Eram adaptações que fiz de outras histórias, diferentes do outro cordel. Em cinema fiz A Noite das Fêmeas, do Fauzi Mansur, com roteiro do Marcos Rey que, originalmente, chamava-se Ensaio Geral. Essas mudanças de título aconteciam porque o distribuidor sempre pedia um título que chamasse público. Por isso, essa coletânea de títulos que prometiam muito e ofereciam bem pouco. No elenco: Kate Hansen, Maria Isabel de Lizandra, Nádia Lippi, Hélio Sou-to. Antônio Fagundes, Dionísio Azevedo, Flora Geny. A idéia era muito interessante, porque, quando chegava no final do filme, o espectador percebia que havia sido um espetáculo de teatro. Ele tinha uma metalinguagem o tempo inteiro. O elenco era tão all star que o Fauzi não conseguia reunir todos os atores suficientes para filmar as cenas. Todos faziam teatro ou novela. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. Então ele alugou o Teatro Municipal de Santo André, montou o cenário todo naqueles três palcos imensos e transformou os camarins em dormitórios. Quando terminavam os espetáculos de teatro, ele passava pelos teatros pegando os atores. Levava para Santo André, a gente se maquiava, botava a roupa da personagem e ia dormir. Ficávamos dormindo nos camarins. Daí ele preparava as cenas e ia chamando os atores. Por exemplo, me chamava. Eu ia lá, dizia uma fala olhando para tal lugar e voltava a dormir. Então, na verdade, nós não contracenamos. Como a história já era bastante complicada, até hoje ninguém entende o filme! Mas, enfim! Em seguida, ainda em 1976, fiz À Flor da Pele, novamente sendo dirigido pelo Francisco Ramalho, com o Juca de Oliveira e a Denise Bandeira, que agora é escritora. O Juca estava muito bem. Eu gosto sempre do Juca. Nesse ano, eu ainda emendei mais duas novelas na Tupi. Trabalhava feito um alucinado! Fiz Xeque-Mate, do Chico de Assis e Walter Negrão. Onde eu casava de novo com a Sílvia Leblon. Nessa novela trabalhavam também o Laerte Morrone e a Silvana Lopes. Eles eram marido e mulher. A cidade cenográfica do Xeque-Mate (a Tupi, enfim, começou a fazer cidade cenográfica) foi construída no terreno da caixa d’água que ficava no terreno em frente à Tupi. Eles pediram licença e construíram lá umas ruas, umas casinhas. A próxima novela, sempre no horário das 8, foi O Julgamento, da Renata Palottini e Carlos Queiróz Telles, que era uma adaptação de Os Irmãos Karamázov, do Dostoiévski. Eu fazia o irmão assassino, o filho bastardo que Fiódor tinha tido com a empregada, Smierdiákov. Cláudio Correa e Castro era Fiódor, o pai dos quatro filhos: Dimítri, o mais velho, era o Carlos Zara, o Adriano Reys fazia o Ivan. O frade, Aliócha, era o Tony Ramos. A minha personagem sofria de epilepsia. Por causa dessa característica, eu tinha que ter um aspecto doentio (mais uma vez!). Daí o Arnaldo, cabeleireiro da Tupi, na época, disse: – Quer ficar com cara de doente? Pinta o cabelo de preto. Mas eu não podia, porque eu estava terminando Xeque-Mate. Então passavam uma pomada no meu cabelo, que o deixava preto. Escureciam as sobrancelhas e eu ficava com cara de doente, porque sou muito branco. Até um dia que eu tive que fazer uma cena, onde a personagem tinha um pesadelo. Coloquei a minha cabeça no travesseiro e comecei a ter o pesadelo. À medida que mexia a cabeça a fronha branca ia ficando preta, da cor do meu cabelo. Suspenderam a gravação. Como eu já tinha terminado de gravar Xeque-Mate, fui para o cabeleireiro da Tupi e pintaram meu cabelo e as minhas sobrancelhas de preto. Preto graúna! Preto, preto... Era uma coisa horrorosa. E nesse fim de semana, nós tínhamos um espetáculo do Teatro de Cordel. Chegamos na cidade (não me lembro qual), fui de boné, me escondendo, direto para o hotel. Minha aparência era um horror! Eu tinha muito cabelinho entre as duas sobrancelhas e elas viraram uma enorme taturana negra. Eu fiquei a tar-de inteira tentando me livrar desse cabelo mais preto que as asas da graúna. A Silvana Lopes, alma caridosa, passando um óleo especial para tirar tintura de cabelo. Três toalhas de banho branquinhas do hotel ficaram completamente pretas e o meu cabelo continuava preto do mesmo jeito. Foi um vexame! Aí aos poucos, depois de muitas lavadas, o preto desapareceu. Capítulo XIII Em 1977, voltei ao Sesi para fazer O Poeta da Vila e seus Amores, de Plínio Marcos, direção de Osmar Rodrigues Cruz. Devo dizer que, a princípio, não gostei do texto, que não era parecido em nada com os textos desse grande autor já falecido. A parte falada era muito pequena em relação à parte cantada. Parecia mais um show do que uma peça de teatro. Como construir uma personagem sem nenhuma base do texto? Foi então que me lembrei dos ensinamentos adquiridos nos trabalhos feitos com Antunes Filho e fui à luta. Conversei com muitos estudiosos da vida e obra de Noel, entre os quais o Miécio Caffé. Miécio Caffé era muito mais que um estudioso propriamente dito: tremendo caricaturista, colecionador de música popular brasileira, foi ele quem me possibilitou conhecer algumas músicas do Noel, em gravações raras. Li os livros biográficos sobre Noel Rosa e fui entrevistar pessoas que tinham sido ligadas a ele. Falei com o Silvio Rocha, companheiro da Tupi que já havia feito por várias vezes o papel de meu pai; e conversei com Mário Lago, o grande ator, também ligado à música e que escreveu o grande sucesso Amélia. Pude constatar que as opiniões sobre Noel Rosa eram as mais conflitantes. Cada um o via de maneira diametralmente oposta. Como tirar daí dados para a construção da personagem teatral? Cheguei a conclusão que Noel era tanto o que o Silvio Rocha e o que o Mário Lago achavam que ele tinha sido. Os grandes problemas enfrentados por Noel a partir do seu defeito físico tinham feito dele um ser multifacetado e contraditório. Resultava daí uma ironia e uma forma de se defender na vida, sem dar a ela nenhuma importância. O resultado foi o maior sucesso! Ganhei o Prêmio de Melhor Ator – APCA 77. O Osmar ganhou o Molière como Melhor Diretor e Melhor Espetáculo. O grande Flávio Império também foi premiado pelos belíssimos cenários. Ah! Sim, esse espetáculo inaugurou o teatro do Sesi da Av. Paulista. Eu me lembro que fiquei um tempo longe da televisão. Acabou O Julgamento, eu tirei férias, digamos assim. É que eu já havia emendado tantas novelas: O Ídolo de Pano, Ovelha Negra, A Viagem, Xeque-Mate e O Julgamento. Cinco novelas no mesmo horário, sem descanso. Foram dois anos e meio de trabalho sem férias. Durante a temporada de O Poeta da Vila e seus Amores, as minhas filhas Tatiana (1974) e Talita (1977) pegaram catapora. A Talita, como tinha meses, teve apenas uma feridinha no nariz. Mas eu fiquei em chaga viva, com febre de 42º C, era uma loucura! Eu variava, falava bobagem. A peça parou por duas semanas, que é o máximo que se podia deixar um espetáculo fora de cartaz no Sesi. Estou contando isso porque, quando terminou a fase de contágio da catapora, eu voltei fraco, fraco. A catapora como que esvai um adulto. Meu rosto todo cheio daquelas bolinhas purulentas, pareciam espinhas, como se eu fosse adolescente. Foi aí que a TV Tupi chamou-me para participar de Éramos Seis, novela baseada no romance de Maria José Dupré, escrita por Sílvio de Abreu e Rubens Ewald Filho. Eu fazia o Julinho. Então, vejam só, as bexigas da catapora viraram espinhas. Era perfeito e até um determinado período da minha vida eu sempre tive cara de muito mais novo do que sou. Então, comecei a novela com cara de adolescente cheio de espinhas e o tempo passava, as espinhas sumiam e o personagem ficava adulto. Na última fase já estava de cabelos brancos e velho (até onde minha cara de bebê podia suportar). Foi a primeira versão de Éramos Seis, com a Nicette Bruno fazendo a mãe, Carlos Augusto Strazzer fazendo o tuberculoso que morre na guerra, o Carlos Alberto Riccelli fazendo o Alfredo, Maria Isabel de Lizandra no papel da irmã. Estava também no elenco muita gente boa: Geórgia Gomide, Nydia Licia, Silvio Rocha e muitos outros. Beth Goulart, com 16 anos, fazia o papel da 1ª namorada do Julinho. Capítulo XIV Continuei na temporada de O Poeta da Vila e seus Amores que ficou dois anos em cartaz. Eu só não fiz os três últimos meses. O Vicente Barcelos entrou no meu lugar. Eu estava muito cansado e achava que o espetáculo tinha se mecanizado e perdido a espontaneidade do início da temporada. Esse é o grande problema que ocorre em peças de longa temporada. Com o tempo os atores vão apenas repetindo o que acham que sabem fazer. Em Noel, que como eu disse anteriormente, havia muito pouco texto, os atores começaram a esquecer em cena o pouco que diziam. Isso é sinal de mecanização. Isso me desagradava muito. Gosto de fazer teatro por prazer e não por obrigação. Com muita tristeza em deixar de fazer o Noel, eu preferi sair da peça, ainda fazendo um trabalho de qualidade. Participei de Adultério por Amor, escrito e dirigido por Geraldo Vietri, com Selma Egrei, e de O Mudo, escrito e dirigido pelo Julinho de Alcântara. Nesse ano também participei de O Estripador de Mulheres, dirigido por Juan Bajon. Esse filme virou cult. Era o primeiro filme do Juan Bajon. Cheguei no primeiro dia de filmagem e nada acontecia. Eu dizia: – Vamos começar logo, porque eu tenho que fazer o Noel hoje à noite! E nada acontecia até que o diretor me perguntou: – Ewerton, se você estivesse dirigindo esse filme, como faria a cena que vamos filmar hoje? Eu então percebi. Era o primeiro filme dele, ele devia estar inseguro e não sabia como começar! Eu, então, decupei toda a cena, com posicionamento de câmera e tudo mais. E foi exatamente como eu tinha sugerido que ele filmou. A partir desse dia, todo dia de manhã, para poupar tempo, eu dava idéias sobre a cena do dia. Até que tive umas idéias legais como, por exemplo, a cena da dissecação do gato e a do elevador pantográfico. Nesta última, Aldine Muller, se não me falha a memória, estava dentro do elevador em movimento e a câmera revelava as pernas do assassino (no caso, eu mesmo), que a seguiam descendo as escadas. Era puro suspense. Participei também de O Médium – A Verdade sobre a Reencarnação, escrito e dirigido por Paulo Figueiredo. Acho que foi o único filme dele. O Paulo sempre foi um ator e autor de grande qualidade. E é muito bom ser dirigido por um ator, assim como foi, alguns anos mais tarde, quando Paulo Autran me dirigiu em O Homem Elefante. O Médium contava a história de um grupo de ciganos e a outra encarnação das mesmas personagens. Geórgia Gomide era minha mãe na primeira e minha amante na segunda. Jussara Freire era minha amante e na segunda encarnação ela era minha mulher. A trama era bastante interessante, mas o filme não fez sucesso na época. Eu acho que eu não tinha o physique du rôle da personagem. Para a primeira encarnação ainda passava. Com toda a caracterização eu convencia como cigano. Mas na segunda, eu não tinha o peso que o executivo de sucesso precisava ter. Nesse ano voltei a exercer uma função artística que não exercia há muito tempo. No início da carreira, antes de me profissionalizar, fiz radionovela e dublagem. A dublagem acabou se transformando numa constante da minha carreira, pois todos os filmes não tinham som direto. Isto é, o som não era captado no momento da filmagem. Havia apenas um som guia para orientar os atores na hora da dublagem. Na sua maioria, todos os atores de cinema se dublavam. Isso barateava a produção e era mais prático o próprio ator dublar-se. Como fiz muitos filmes acabei adquirindo uma prática nessa função. Bom, o fato é que fui chamado para dublar um outro ator. Nada menos que JeanLouis Trintignant (que fazia o papel de Roberto Mariani), no Aquele que Sabe Viver (Il Sorpasso), do grande diretor italiano Dino Risi. Esse filme é de 1962. José Carlos de Moraes dublou Vittorio Gassmann, que fazia o papel do Bruno. Capítulo XV Fiz Na Violência do Sexo, do Cassiano Esteves, em 1979, e eu nem sequer me lembro de como era este filme. Era tão ruim, que apaguei da minha memória. Abaixo da crítica. E por que um ator conceituado, como eu, fez um filme tão ruim? No Brasil não há, ou pelo menos não havia, condição de se avaliar o resultado de um projeto cinematográfico. Lia-se um roteiro, quando existia um, e confiava-se nas intenções dos profissionais envolvidos. O tempo todo nós estávamos sujeitos a grandes fracassos. Nesse ano, dediquei toda a minha energia, criatividade e tempo para dirigir o meu primeiro e único longa-metragem, Viúvas Precisam de Con-solo. Foi uma experiência gratificante, apesar das dificuldades. Naquela época, o mais importante era a rapidez com que se filmava, porque, quanto menos tempo se levava, mais barata seria a produção. Consegui filmar o meu primeiro longa em 18 dias. Como? Planejei de tal forma cada detalhe que não podia haver nenhum erro. Aluguei uma mansão no Ipiranga, cujo porão era enorme. E lá fiz um refeitório, escritórios de produção, camarim das mulheres, camarim dos homens, uma sala enorme de maquiagem e cabeleireiro e um depósito de materiais. No térreo, a cozinha, além de cenário, funcionava para serem preparadas as refeições de toda a equipe (contratei cozinheiro, ajudantes). Os outros vários e imensos cômodos eram todos cenários. Um hall de entrada, um imenso hall no meio da casa, com vitral no teto, um escritório, uma sala de estar, outra enorme sala de estar, outra sala fantástica, a sala de jantar, depois a copa e a cozinha e uma escada com corrimão de bronze, que sobe para o andar de cima, onde existem vários quartos, todos enormes (tipo 7 x 7 m); e uma ala num estilo diferente da parte principal, que servia de cenário da casa do sócio do personagem principal, o falecido (interpretado por Hélio Souto). Mobiliei luxuosamente todas as salas e quartos. Minha grande amiga Ana Mauri me ajudou muito, pois, além de possuir um enorme talento para a direção de arte, também era atriz e fazia uma pequena participação como a madre superiora do colégio, onde estudava a filha noviça (Mayara de Castro, minha esposa na época, carregando no ventre os meus dois filhos gêmeos, Daniel e Rafael). O velório, cenário mais usado, ficava na grande sala de estar e no imenso hall central eram filmadas as cenas da alucinação do detetive (Guilherme Corrêa). Ele contava uma versão absurda do crime e tudo que narrava ia acontecendo de verdade. O hall se transformava num cabaré de quinta categoria, num campo de batalha com montanhas de serragem e destroços de guerra, como por exemplo um pedaço de jipe, etc. Esta casa maravilhosa foi usada muito em novelas. Ossos do Barão, que fiz no SBT, e Metamorphoses, que minha filha fez na TV Record. Ela tem um jardim de entrada fantástico. No início do filme, a câmera fazia um travelling do portão de entrada até as escadarias que levavam ao hall de entrada, ao som do 1º movimento do Concerto nº 1 de Branderburg, de J. S. Bach; era Marcos Caruso, no papel de agente funerário, que vinha trazendo nas costas o primeiro caixão de defunto. Seu carro, um desses fordecos usados por palhaços, tinha explodido na seqüência inicial de letreiros, em preto e branco e com velocidade acelerada, como no cinema mudo. O cronograma de filmagem não podia furar. E, para que isso acontecesse, enquanto a gente filmava uma determinada cena em um dos cômodos da casa, o pessoal da produção ia preparando um outro cômodo para a nova cena. O Carlos Reichenbach, o grande diretor de cinema, foi o meu diretor de fotografia. Ele dizia que admirava a minha capacidade de organização. Antes do primeiro dia de filmagem eu fui com o Carlão até a casa e expliquei tomada por tomada do roteiro que eu havia decupado. A partir daí ele pôde fazer a programação da luz. Era tudo especificado. Sabia-se, de antemão, quantos refletores ia-se usar em cada seqüência. Durante os dezoito dias de filmagens a rotina era a seguinte: Todos chegavam de manhã bem cedo. Os atores iam se maquiar e se trocar. Os técnicos, montar a luz. Eu posicionava a câmera para o primeiro take. No decorrer do dia, os atores descansavam no andar de baixo, na sala de estar e só subiam no momento de filmar. Na hora do almoço, atores, técnicos e produção se reuniam no refeitório. Logo em seguida os trabalhos eram reiniciados. Funcionava como um relógio. Houve dias em que ficamos até um pouco mais tarde para não furar o cronograma, mas em geral, conseguíamos terminar com 8 horas de trabalho. E em 18 dias o filme estava pronto. Os problemas desse filme foram: 1 – O título. Não deveria ter sido Viúvas Precisam de Consolo porque é um nome muito sacana e o filme não era; 2 – A estratégia de divulgação. O distribuidor do filme mandou fazer um cartaz onde todas as atrizes apareciam seminuas (até mesmo Riva Nimitz) bolinando um defunto/espírito também seminu. Isso passava uma idéia errada do filme. O ruim é que depois do seu filme pronto você perde o controle sobre ele. O distribuidor achava que só havia um meio de vender filmes, naquela época: era através do apelo sexual. Se você não cedesse, o seu filme não era exibido. E havia investidores além do meu próprio dinheiro em jogo. Então você acaba cedendo às imposições de profissionais experientes nessa área. Foi uma pena. Fiz uma sessão especial para a classe, no Teatro Anchieta e foi um sucesso. Todos se divertiram muito e consideraram o filme uma ótima comédia aos moldes dos filmes italianos, que era exatamente ao que eu havia me proposto. Quando o filme foi exibido nos cinemas, o que acontecia é que o público que queria sacanagem comparecia e não gostava porque era uma comédia. Havia alguns nus, é claro, mas com um tratamento de classe. Quem queria ver uma comédia não ia porque o título e o cartaz prometiam altas sacanagens. Agora o mais triste é que o negativo se perdeu com a falência do laboratório onde eles haviam sido processados. Consegui encontrar partes do negativo no acervo da Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Adoraria poder recuperar esses negativos e colocar o filme em julgamento novamente. Até onde a minha memória pode alcançar o resultado final de Viúvas Precisam de Consolo não era de todo ruim. Adoraria poder rever esse trabalho, que foi feito com muito suor e paixão. Nesse ano, praticamente, me dediquei só a esse filme. Mas deu para fazer a minha última novela na TV Tupi: Salário Mínimo, de Chico de Assis. Muita gente boa no elenco: Lilian Lemmertz, Helio Souto, Edney Giovenazzi, Edson Celulari (fazendo uma ponta, no seu primeiro trabalho) e Sílvia Leblon, novamente fazendo par comigo. A Tupi já estava nos estertores. Um dia, estávamos gravando, a Etty Fraser e o Elias Gleiser eram os meus pais, os dois eram italianos (e os dois, na verdade, são judeus). Mas, como italianos, comiam muito. Daí, íamos gravar um café da manhã na nossa casa. O contraregra chegou, meio triste, meio desenxabido e disse: – Sinto muito, mas não tem verba para comprar nada. Bom, fizemos uma vaquinha para comprar leite, pão, manteiga, etc... Para podermos gravar. Imaginem como estava mal a Tupi! Calculem o amor que nós tínhamos por aquele local de trabalho e ter que conviver com essa decadência! Outro fato curioso. Os atores recebem os capítulos por blocos semanais. Uma semana, recebemos um bloco de capítulos que não tinha nenhuma conexão com o anterior. O elenco foi procurar o diretor (Attílio Riccó), que também havia notado o problema. Ele disse: – Vou ligar para o autor (Chico de Assis). Logo depois o Attílio voltou: – O Chico colocou na porta de entrada do escritório vários ímãs. Cada ímã é de um personagem e segura as idéias que ele vai tendo para cada um deles. A empregada bateu a porta com força. Caíram todos os ímãs e os papéis misturaram-se todos. Ele vai começar a novela de novo!!!!! Capítulo XVI Outro grande sucesso foi A Patética, de João Ribeiro Chaves Netto,em 1980. Inicialmente quem iria fazer o papel da mãe seria Lélia Abramo. Problemas de saúde a impediram de participar. Para esse papel foi chamada Lilian Lemmertz. Mais uma vez estávamos juntos em cena. Eu adorava trabalhar com ela, ela era uma mulher fantástica, uma grande amiga e uma profissional, no sentido privilegiado da palavra. Participavam também Regina Braga, Antônio Petrin, Vicente Tuttoilmondo e um anão. A peça, escrita pelo cunhado de Vladimir Herzog, tinha estado proibida por muito tempo. Com o fim da censura, Celso Nunes resolveu montá-la sob a sua direção e, para viabilizar a empreitada, assumiu também a produção. A ação inicial tinha lugar num circo falido e decadente, perseguido pelas autoridades. Bolota, a minha personagem, que era um palhaço, começava dançando sobre patins a Patética, de Tchaikóvski. E no meio de números circenses fracassados, Bolota interrompia o espetáculo para, com o auxílio dos seus companheiros, con-tar a história de Vlado, que não era outro senão Vladimir Herzog. No primeiro dia de ensaio, o Celso disse que podíamos modificar o número circense de Bolota. Eu, que sempre gostei de um desafio, garanti que iria aprender patinação e na estréia estaria pronto. Lá fui eu para a Sociedade Esportiva Palmeiras, que tem a tradição dos Periquitos em Revista, uma espécie de Holiday on Ice sobre patins de rodas. O começo foi muito dolorido por causa dos tombos inevitáveis. Eu nunca havia andado de patins em toda a minha vida. O mais difícil da empreitada é que Bolota tinha que patinar mal e levar alguns tombos. E levar tombos todas as noites não é nada fácil. Mas o mais complicado é que logo em seguida, já com as roupas de Vlado, eu deveria ficar balançando num trapézio que representava a instabilidade da juventude da personagem, quando chegava ao Brasil com os pais, como imigrantes. Trapézio para mim era familiar desde Sonho de uma Noite de Verão. Mas o problema é que eu subia no trapézio logo depois de tirar, em cena, a maquiagem do Bolota, com óleo Johnson. Pedi à produção que providenciasse breu para eu passar nas mãos antes de me agarrar no trapézio e começar a me balançar. Com o sufoco da estréia ninguém providenciou e no primeiro espetáculo aconteceu um acidente que poderia ter interrompido a temporada. Quando percebi que não tinha breu, esfreguei as mãos nas minhas calças, enquanto subia os andaimes para pegar o trapézio, mas isso não foi suficiente. Agarrei a barra e me joguei no vazio e quando fui jogar as pernas para cima, para me sentar na barra, as minhas mãos engorduradas escorregaram. Eu caí. Mas a sorte foi que caí de pé ao lado de uma espectadora sentada na primeira fila. Pedi desculpas e voltei para o trapézio e lá permaneci com o coração aos pulos, enquanto Lilian e Petrin, assustados, faziam a cena da chegada de navio. O mais engraçado é que um fotógrafo presente à estréia veio falar comigo no final do espetáculo e disse que eu deveria pedir ao diretor para tirar a marca em que eu caía do trapézio, porque era muito perigosa. Os ensaios foram estimulantes e criar as personagens sob a batuta de Celso foi algo que nunca esquecerei. Apesar de fazermos pesquisa sobre as personagens reais que eram retratadas na peça, não houve uma preocupação excessiva em sermos fiéis a eles. O Celso acertou em eleger como prioritárias as personagens dramatúrgicas. Isso permitiu que o excessivo respeito que tínhamos pelas pessoas reais não prejudicasse nossa composição. E, seguindo esse caminho, acabamos retratando seres humanos e, por isso mesmo, muito parecidos com as personalidades retratadas. Tenho orgulho em dizer que, apesar de não ter nenhuma semelhança com o Herzog, muita gente que assistiu à peça, me achava parecido com ele. A mesma coisa tinha acontecido com Noel Rosa. Essa é a magia do teatro. A crítica teceu os maiores elogios ao trabalho de todos, mas o público não compareceu. Por quê? Em primeiro lugar creio que o fato era muito recente e a ferida ainda estava aberta. Quem havia vivenciado o assassinato de Herzog ainda não estava pronto para enfrentá-lo novamente. Porque o teatro é poderoso e faz com que todos os participantes, atores e públicos, revivam o fato com toda a intensidade. Em segundo lugar havia um grande número de pessoas que, infelizmente, nem sabia quem era esse tal de Vladimir Herzog. Que tristeza!!! Em terceiro lugar, o espectador de teatro ainda não estava habituado ao fim da censura. E, por fim, São Paulo havia sido o palco do assassinato. Tanto é que, sendo o espetáculo um fracasso comercial nesta cidade, quase levando à falência o nosso companheiro Celso Nunes, conseguimos enorme sucesso em outras cidades. O Celso queria parar com tudo, vender a casa dele e pagar as dívidas. Eu e a Lilian insistimos para fazer uma tournée. Estaríamos arriscando também, mas nós tínhamos certeza de que, com a viagem, o Celso recuperaria o dinheiro perdido em São Paulo. A excursão começou em Porto Alegre. Tínhamos muito medo da repressão política e até nos prevenimos para qualquer reação mais violenta. Fizemos um sucesso tão grande que acabamos ficando duas semanas lotando o Cine-Teatro Presidente. E foi assim em todos os lugares, culminando em Salvador, onde nos despedimos para uma platéia que lotava o Castro Alves e, ao final do espetáculo, acenava lenços brancos. Uma emoção poucas vezes alcançada. A Patética acabou dando um merecido lucro para o Celso e muitos prêmios, entre os quais o Molière de 1980 para Melhor Diretor, Melhor Autor e Melhor Ator. A noite de entrega foi emocionante, com festa dirigida por Flávio Rangel. Lá estavam minhas filhas Tatiana e Talita, lindas como se fossem bonecas, e Lilian Lemmertz, escolhida por mim para ser a minha madrinha. Em 1980 fiz também uma leitura dramatizada do Hipólito, do Eurípedes, dirigida por Tereza Aguiar, onde eu era o próprio. Sempre gostei de participar de leituras. É um exercício muito bom para quem faz e para quem ouve. Uma das minhas mais gratificantes experiências como diretor foi com: Foi Bom, Meu Bem?, de Luís Alberto de Abreu. O Mambembe era um grupo de pessoas que trabalhavam sempre juntas: Genésio de Barros, Rosi Campos, Norival Rizzo, Maria do Carmo Soares, Calixto de Inhamuns e Ana Lúcia Cavalieri. Eles haviam desenvolvido com o autor um texto que falava sobre a sexualidade, desde a infância até o casamento. O texto resultou excelente. Até hoje, de vez em quando, eu a monto novamente (já montei três vezes). Essa montagem de 1980 fez um sucesso incrível. Ficou em cartaz mais de dois anos. Adorei ter feito esse trabalho! E no cinema fiz Os Rapazes da Difícil Vida Fácil, dirigido pelo Luiz Miziara. A história, muito interessante, era sobre um cantor de músicas napolitanas em uma pizzaria, mal de grana à beça, namorando uma menina que ele adorava, queria casar, mas não tinha dinheiro e, de repente, ele é procurado por um homem (Régis Monteiro) e uma mulher (Elizabeth Hartmann) que eram do-nos de um prostíbulo de homens e eles convidam o cantor para trabalhar nesse prostíbulo. No começo ele fica muito bravo, mas depois acaba aceitando, porque dava muito dinheiro. Havia lances muito engraçados, como por exemplo uma cena em que um antigo prostituto (Guilherme Corrêa), já velho, vinha dar conselhos à minha personagem: – Você precisa se fortificar, comer muito ovo de codorna, porque as mulheres são exigentes Mas eu fui logo dizendo para o Miziara: – EU NÃO FAÇO CENA DE SEXO. Já fiz muitas, não quero fazer mais. E o Miziara: – Tudo bem. Leia o roteiro... E não havia mesmo nenhuma cena desse tipo. Só insinuava, o que era muito mais interessante. Um dia, depois do filme terminado, estava em casa, o Miziara me liga (eu estava fazendo A Patética): – Ewerton, pelo amor de Deus, só você pode me salvar. – O que foi, Miziara? – O produtor viu o filme e disse que precisa de cenas picantes e eu só posso fazer cena picante com a sua persona-gem. Não tem outro jeito. Pelas minhas filhas, me ajuda. – Miziara, eu te avisei que não faço mais esse tipo de cena. – Pelo amor de Deus! São só três ceninhas. Eu garanto pra você que eu faço da melhor maneira possível, pelas minhas filhas!... E lá fui eu ajudar um amigo. De repente eu me vi na janela do 13º andar do Hotel Comodoro, nu, em cima de uma mulher nua. A cena era o seguinte: a câmera dava uma geral na cidade inteira, recuava e revelava esse casal pelado transando no umbral da janela. Uma outra cena era com uma mulata linda, que trabalhava com o Sargentelli e que tinha umas pernas de mais de um metro. A câmera fazia uma panorâmica vertical das pernas dela, começando pelos pés. Quando ia chegando nas coxas, a minha cabeça subia e entrava em quadro, sugerindo que eu estivesse fazendo sexo oral. Era dantesco! Acabei cedendo em fazer essas cenas para atender a um amigo, que sei ser um profissional sério, mas obrigado pelo mercado a fazer um tipo de filme que sou contra. Da mesma forma como fui obrigado a dar um nome equivocado, ao realizar o meu longa-metragem. Em televisão participei de O Príncipe Encantado, da Leilah Assumpção, que era o último episódio do Malu Mulher, onde a minha personagem se casava com a Malu (Regina Duarte), na TV Globo, direção de Dennis Carvalho. Participei também de Castro Alves, direção de Geraldo Vietri, episódio da série Cabaret Literário, na TV Cultura. Eu não era nem um pouco parecido com o Castro Alves, mas o Timochenko, que era o maquiador da TV Cultura e que havia sido maquiador do TBC, esculpiu o Castro Alves no meu rosto e eu acabei ficando parecido com ele e convenci, como o nosso grande poeta. Capítulo XVII 1981 foi o ano de O Homem Elefante, cinema e muitos trabalhos na televisão, entre os quais, na TV Cultura, um programa que é um documento da história do teatro: A Aventura do Teatro Paulista. Fiz com Éster Góes. Foi escrito e dirigido por Júlio Lerner. Foi fan-tás-ti-co! Mas vamos lá! Um trabalho de cada vez. A peça O Homem Elefante de Bernard Pomerance, me deu minha personagem preferida, de todas as que interpretei até hoje. Tenho verdadeira fascinação por John Merrick. Esse fascínio, no entanto, começou de forma estranha. Quando terminei a primeira leitura, que fiz do texto, eu me perguntava: – Por que o Paulo Autran me escolheu para esse papel? Eu não tenho nada a ver com essa personagem! Mas trabalhar com o Fagundes, sob a direção do Paulo, não era convite para ser recusado, de forma nenhuma. Li novamente o texto e comecei a me interessar. Ao final da terceira leitura eu já estava completamente envolvido. Eu sempre fui um ator muito intuitivo e quando leio um texto já vou imaginando tudo. O cenário, as personagens... E nesse texto eu não conseguia visualizar nada. A diferença é que o autor pede para que o intérprete de John Merrick faça o papel sem nenhuma maquiagem. Ao contrário. No início, o ator deve estar seminu, mostrando para os espectadores que ele, ator, não tem nenhum defeito físico. Quem é bastante defeituoso é a personagem. E à medida que o Dr. Treves (Antônio Fagundes), o médico que cuida dele, vai descrevendo as anomalias que essa pobre criatura tem, o ator vai, através do corpo, assumindo a postura dele. O resultado é que a deformidade, apenas sugerida, é muito mais criativa e dá margem para que o espectador use a sua imaginação para visualizar, no ator, o monstro que imaginou. Essa é uma prerrogativa única do teatro. Nenhum outro meio de comunicação pode usar esse recurso. Quando o Homem Elefante foi filmado, não puderam usar esse recurso teatral e o filme teve de ser feito em branco e preto para não denunciar a complicada maquiagem que o ator tinha que usar para ficar parecido ao verdadeiro Merrick. Mas, como ia dizendo, a partir do que o texto pedia, ficava difícil visualizar o resultado. Fui para o primeiro dia de ensaio bastante preocupado. Pela primeira vez estava iniciando um trabalho, pelo qual já estava apaixonado, mas que não tinha idéia nenhuma do resultado. Comecei lendo o texto em branco e com a ajuda do Paulo fui vencendo as inúmeras dificuldades. Quando passei ao Paulo a minha preocupação em começar a pensar na postura física ele me revelou que eu, apesar de estar sentado numa mesa durante as leituras do texto, já estava, inconscientemente, assumindo uma postura bem próxima ao da personagem. Quanto à voz havia uma dificuldade ainda maior. Ninguém entendia o que John Merrick dizia, tal a sua dificuldade em emitir sons. Mas a velhinha surda da última fila teria que entender claramente tudo o que eu dissesse no palco. Tentei vários tipos de emissão da voz: gagueira, articulação, fanho, etc. Nada dava resultado. O dia da estréia ia se aproximando e eu não conseguia encontrar a maneira certa de falar como John Merrick. A descoberta aconteceu num exercício de interrogatório (cada ator assume a sua personagem e é interrogado pelos atores que fazem parte do elenco. O exercício é muito eficaz e serve para checar o grau de conhecimento que cada um tem da sua personagem). Todos os atores já tinham sido interrogados. O Paulo me chamou para ir à frente. Protestei dizendo que ainda não estava pronto, mas fui. Assumi a postura de John Merrick e qual não foi a minha surpresa que, ao responder a primeira pergunta, uma voz estranha e gutural, que eu ainda não havia testado, saiu da minha garganta! Diante do espanto de todos, John Merrick passou a responder. Estava pronta a persona-gem. O resultado foi excelente! Nesse trabalho recebi as melhores críticas da minha carreira. Curiosamente, não recebi nenhum prêmio por ele. O único prêmio, e o melhor de todos, foi ter tido a oportunidade de participar desse espetáculo e ter podido conviver, durante quase um ano, com uma das criaturas mais incríveis que já conheci: John Merrick. A bem da verdade devo dizer que, hoje, analisando o processo, chego à conclusão que usei o método errado para construir essa personagem. A maneira como eu trabalhei, construindo a personagem de dentro para fora, nesse caso, era muito fácil não dar certo. Mais correto seria ter partido da postura da personagem, que é descrita em detalhes no texto, e fazer um treino rigoroso para acostumar meu corpo a essa posição. A partir daí, poderia começar a vivenciar a personagem, sem me preocupar mais com a sua postura, que para o verdadeiro John era orgânica. Mas Deus é brasileiro e gosta de teatro. Mesmo com esse erro, fiz o que acredito ser o melhor trabalho da minha carreira em teatro. Cinema Participei de uma cena do novo filme de Juan Bajon – A Noite das Depravadas (Meu Deus, os títulos dos filmes naquela época!!!!). Por incrível que pareça eu fazia o papel de um homem que trabalhava capturando vira-latas na rua, e que acabava virando um cachorro! INACREDITÁVEL! Televisão: Muiiiiiiiiito Trabalho Primeiro foi na TV Globo: O Povo de Deus e o Milagre dos Coronéis, um episódio para a série O Bem-Amado, de Dias Gomes. A minha personagem era o padre italiano, aquele padre que exercia uma atividade política junto aos sem-terra. O Dias Gomes, com sua exacerbada consciência política, sempre tratava de assuntos de interesse social. Como era bom trabalhar em textos desse grande autor! A TV Cultura, sob a direção artística de Nydia Licia, contratou muitos atores para fazer parte de um cast que atuaria nos telecontos (novelas diárias de 5 capítulos, baseadas em grandes contistas brasileiros) e telerromances (novelas diárias de 25 capítulos, baseadas em grandes romancistas brasileiros). Tive o privilégio de participar dos seguintes: Quincas Borba, de Machado de Assis, teleconto de Marcos Rey; Domingo com Cristina, de Mário Donato, teleconto de Marcos Rey, com Selma Egrei; Menina do Olho no Fundo, de Mário de Andrade, teleconto de Maria Adelaide Amaral; O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto, teleconto de Geraldo Vietri; Partidas Dobradas, de Mário Donato, telerromance; O Fiel e a Pedra, de Osmar Lins, telerromance; O Comprador de Fazendas, de Monteiro Lobato, teleconto de Chico de Assis; e, por fim, A Aventura do Teatro Paulista, uma série de 20 programas, escritos e dirigidos por Júlio Lerner, contando a história do nosso teatro. Para mim (e sei que para Ester Góes também) é um orgulho ter participado desse projeto. Cada programa fala de um ator (ou atriz) importante da história do teatro paulista e, através da história deles, era contada a história do nosso teatro. Há um programa sobre Maria Della Costa e Sandro Poconi, um sobre Cacilda e Walmor, e assim por diante. Nós, que apresentávamos o programa, fazíamos trechos de peças que haviam sido representadas por aqueles artistas. Por exemplo, no programa dedicado a Cacilda Becker e Walmor Chagas, nós fizemos trechos do Esperando Godot, de Samuel Beckett, a última peça em que a nossa Cacilda trabalhou. Foi um ano fértil para a TV Cultura e, por isso mesmo, para a TV brasileira. Capítulo XVIII Voltei a produzir teatro. Uma peça a que eu e a minha primeira mulher havíamos assistido em Nova York. Nós éramos sócios, naquela ocasião, da Ana Mauri e do seu marido, Rafael Golombeki. Aliás, foram eles que sugeriram os nomes de Rafael e Daniel para os nossos filhos gêmeos, que nasceram em 1979. Bom, nós assistimos off-Broadway à peça Cloud Nine, da Caryl Churchill. Era fantástica. Eu fiquei imediatamente fascinado pela peça. Trata-se de um texto de tese. A autora, Caryl Churchill, advoga a idéia de que a mulher do século XIX não tinha sexo. Ela só servia para reprodução. Como ela consegue demonstrar isso nesse texto? Ela pede que um ator (homem) se vista de mulher, sem busto e sem maquiagem (apenas com uma peruca) para fazer o papel de Beth no primeiro ato (eu fiz esse papel aqui no Brasil). Bem, o resultado é ridículo. E, através do ridículo, mostrar uma pessoa incompleta. O primeiro ato passa-se na África, num país colonizado pelos ingleses. A mãe de Beth é o protótipo da Rainha Vitória, portanto repressora. O marido de Beth tem um caso com uma vizinha. Beth tem dois filhos – um menino, que é homossexual, e uma menina, que ainda é muito criança, e é representada por uma boneca, manipulada o tempo todo pela babá. Ou seja: esta persona-gem não tinha vontade própria. Estava sendo educada para ser uma nova Beth. O menino, ao contrário, era educado solto, livre, mas tinha um caso com um aventureiro que era a grande paixão da Beth. Toda a sexualidade dela ia para esse aventureiro e, obviamente, não era correspondida. O aventureiro estava mesmo a fim do garotinho. A autora pede também que o criado nativo, totalmente colonizado, seja um ator de pele bem clara e a fala de apresentação dessa personagem é: – Minha pele é negra. O primeiro ato passa-se, portanto, há cem anos e o segundo, na atualidade. E, em tempo de ação, na realidade, você vê que o Edward – o menininho de 12 anos do primeiro ato – é no segundo um homem feito. Passaram-se cem anos, mas a civilização só avançou 20 anos. O ator que faz o marido da Beth no primeiro ato, pai do homossexual e da boneca, que é um homem absolutamente machista, opressor e tirano, no segundo ato vai ser o filho homossexual. O ator que faz a Beth no primeiro ato, que é a submissa, a mulher sem sexo do primeiro ato, vai ser Jerry, o marido de Edward no segundo ato. A atriz que faz Edward no primeiro ato, o menininho homossexual, no segundo se transforma na Vitória (a menina-boneca), que é casada com uma personagem, cujo ator fazia o aventureiro do primeiro ato. A autora conserva as duplas sexuais do primeiro ato, mudando o papel que elas representam na sociedade. A Rainha Vitória do primeiro ato transforma-se em uma lésbica no segundo ato, mãe de uma menina, que é feita pelo ator que fazia o negro do primeiro ato. A atriz que fazia a babá, que cuida da Vitória no primeiro ato, é a Beth do segundo – uma senhora, mãe do Edward e de Vitória, e que não entende o que está acontecendo. No final da peça, a Beth do segundo ato, a senhora, mãe do Edward já maduro, conta como ela descobriu a sexualidade: escondida, tocando-se sob a mesa. O monólogo em que ela conta esse fato é lindo! Depois ela se levanta, encontra-se com a Beth do primeiro ato (feita pelo ator) e se abraçam, representando o encontro que ela teve consigo mesma. O texto tinha uma linguagem bastante realista. Fizemos uma pré-estréia na Hebraica, que havia cedido o seu teatro para os ensaios. Quando começou o monólogo de Jerry, contando uma aventura sexual no metrô de Londres, quase metade da platéia se levantou e foi embora. Puro preconceito. Hoje em dia, acredito que o mesmo monólogo não causaria tanta indignação. O público daquela época, principalmente o da Hebraica, era muito conservador. Agora, imaginem o que significa para um ator, que está estreando uma peça, começar um monólogo e ver o público levantando-se e saindo. Perde-se a segurança diante do fato de não estar sendo aprovado. No meu caso o choque era ainda maior porque além de ser o ator, que estava dizendo aquelas coisas, também era o produtor e tinha investido dinheiro no projeto. Tudo isso seria contornável mais facilmente se, antes, eu já não tivesse passado maus momentos durante a montagem desse espetáculo. Tudo começou quando vi o espetáculo em Nova York e me apaixonei por ele. Os direitos para encenação do Brasil, no entanto, haviam sido comprados por André Addler, que também ha-via traduzido o texto para o português. Ele só cederia os direitos de montagem se a tradução fosse a dele e se ele dirigisse a peça. Estive para desistir do projeto, mas alguns atores brasileiros, que estavam em Nova York na ocasião e conheciam a figura, deram ótimas informações sobre ele. Segundo esses atores, o André já havia dirigido teatro e era um profissional bastante interessado e atualizado. Ele me mostrou um currículo, onde apontava vários espetáculos, que haviam sido dirigidos por ele. É claro que nada foi comprovado e, hoje, eu duvido que fosse verdade. O que mais me levou a topar contratá-lo foi o fato de ele se dizer especialista em Alexander Technique. Na ocasião, essa técnica estava ganhando espaço e era apontada como um grande achado para o ator. Atécnicaé realmente fantástica, depoiscomprovei. Tanto que, quando abri a minha Escola Profissionalizante de Ator, convidei a Isabella Garcia, filha do Clóvis Garcia, que treinou o Alexander Technique na França, para dar Expressão Corporal. Bem, para participar deste espetáculo – aqui batizado de Numa Nice –, chamei um elenco ótimo: Célia Helena, Paulo Betti, Flávio Galvão, Bruna Lombardi (depois substituída por Sílvia Borges), Ana Mauri (que era nossa sócia), Miguel Ramos e eu. Conseguimos, eu e Ana Mauri, juntar recursos para uma grande montagem. Havia dois cenários grandes (do inesquecível e saudoso Flávio Império). Aluguei um espaço maravilhoso para podermos ensaiar e convenci os atores a fazer o espetáculo sob a direção do André Addler. Um dos argumentos é que ele dominava o Alexander Technique e gostaria de transmitir esses conhecimentos para o elenco. Começaram os ensaios e eu percebi que ele não sabia absolutamente nada de Alexander Technique, nada de teatro e muito menos de tradução. Por exemplo, ele traduziu, brave por bravo. Eu tive que mexer na tradução (retraduzir), eu tive que ensaiar os atores em particular, porque eles estavam possessos. A Célia Helena gritava: – Eu quero um diretor! E o Alexander Technique?! – Quando você vai começar o curso do Alexander Technique? Ele botou os atores sentados em cadeiras e disse: A coluna vertebral começa aqui! (apontando para a nuca). E o curso acabou aí! Ele não tinha mais nada para dizer sobre o Alexander Technique!!! Meu Deus do Céu! Eu não podia brigar com o André Addler, porque perderia os direitos da peça. Ele simplesmente iria embora e eu não poderia montar o espetáculo. E já havíamos gastado muito dinheiro. O Teatro Anchieta já estava contratado e era o teatro ideal para essa montagem. Nós não tínhamos nenhum patrocínio. O dinheiro era meu e da Ana Mauri. Consegui grátis apenas tecidos e coisas mais simples. A solução foi contornar as dificuldades. Consegui cortar a peça, sem que ele percebesse. Consegui ensaiar o elenco em particular... Tudo sempre sendo feito com muito cuidado para não botar tudo a perder. Fomos estrear em Curitiba, no Guairinha, eu tirei o elenco do hotel, escondido, levei para o teatro de um amigo em Curitiba, para a gente poder ensaiar, antes dos ensaios à noite, no Guairinha. Estreamos! Por incrível que pareça, as críticas foram boas! Sábato Magaldi elogiou muito o espetáculo. Também, com esse elenco! Quando terminou a temporada em São Paulo, o nosso diretor-tradutor queria levar o espetáculo para o Rio de Janeiro. Eu não quis. Ele perguntou se podia revender os direitos para o Rio e eu disse: – À vontade! E ele conseguiu um elenco legal também no Rio: o Edwin Luisi, Maria Helena Dias, Sílvia Bandeira. Eu fui assistir ao espetáculo carioca. E qual não foi o meu espanto, quando vi o Edwin entrar em cena fazendo a Beth, maquiado, com busto, como se fosse uma mulher mesmo. Assim, a personagem não tinha por que não ser aceita pelo Clive: a personagem era uma mulher e a Beth deveria ser uma aberração em cena. Ela não podia ter nenhum atrativo, ela tinha de ser capada, sem busto. O busto é o signo feminino mais forte. A Beth jamais poderia ter busto. E o Edwin com toda aquela peitaria! Ou seja, lá no Rio, sem ter quem o controlasse, ele montou o espetáculo do jeito que quis e mostrou que nunca entendeu o que o texto de Caryl Churchill significava. Enfim, foi mais uma experiência, não perdi dinheiro, os atores ganharam bem, a temporada no Teatro Anchieta foi maravilhosa. Fiz uma participação em Cavalo Amarelo, de Ivani Ribeiro, na TV Bandeirantes. Ela pediu que fizesse esta participação em alguns capítulos e fiz porque tinha uma dívida de gratidão para com ela, por me presentear com Alexandre, de A Viagem. Capítulo XIX Passei uma temporada no Rio de Janeiro participando da novela das 22 horas da Globo, Eu Prometo, a última novela de Janete Clair. Ela estava com câncer, em fase terminal. Foi terrível, porque ela nem pôde ir à reunião de elenco e não chegou a concluir o trabalho. Quem terminou de escrever a novela, se não me engano, foi Glória Peres. Eu fazia um bandidão. Um papel superlegal. O ator principal era o Francisco Cuoco. Nesta novela estreavam em televisão Malu Mader e Fernanda Torres. Elas faziam duas irmãs, filhas do Cuoco. Também na Globo, fiz A Quinta Coluna, do Doc Comparato. Era um teleteatro. Os teleteatros da Globo eram muito bons. Havia uma diretora de arte fantástica, a Cristina Médici. Eu adorava trabalhar com ela. Ela me disse: – Você viu o que eu coloquei na sua mesa? (eu fazia um nazista) Era o Mein Kampf (Minha Luta), do Hitler, em alemão! Eu falei: – Meu Deus, que maravilha! Muito obrigado! Mas quem vai ver? Ela respondeu: – Não importa que ninguém veja. Você sabe que ele está aí. Enquanto estava no Rio, fazendo televisão, aproveitei para atuar em uma peça que eu adoro: O Colecionador, do Alan Parker, com tradução e adaptação do texto do Juca de Oliveira. Eu fiz com a Lídia Brondi. Depois a Lídia foi chamada para fazer uma novela e a Selma Egrei entrou no lugar da Lídia. Quem dirigiu foi o Luiz Fernando, na época casado com Ana Lucia Torres. A Ana, o Luiz e eu produzimos. Fizemos temporada no Teatro Delfim do Rio e depois viajamos por algumas capitais do Brasil. Essa peça, que já foi filme com Terence Stamp e Samantha Eggar, conta a história de um jovem solitário que ama platonicamente uma moça chamada Miranda. Um dia ele ganha na loto, compra um castelo e transforma o porão num luxuoso apartamento (o cenário era esse apartamento). Rapta Miranda e prende a moça nesse porão, para que ela venha a amá-lo. A personagem do rapaz é fascinante. Foi uma bela experiência! Fato curioso aconteceu durante a temporada no Teatro Delfin. Estávamos Lídia Brondi e eu na cena em que Miranda tenta seduzir minha personagem. Eu de cueca e ela de calcinha. Nisso eu ouço uma voz: – Ewerton! Levei um susto, mas continuei representando. Outra vez ouvi: – Ewerton! Pensei comigo que se me chamassem mais uma vez, devia ser alguma coisa muito importante. Ao ouvir o terceiro Ewerton cobri a Lídia com o lençol e de cuecas fui para a boca de cena perguntar o que estava acontecendo. Era nosso iluminador Aurélio de Simoni me dizendo para pedir para as pessoas da terceira fila saírem do lugar. Ele precisa subir numa escada para colocar a máscara de ferro de um refletor posicionado em cima da platéia que tinha saído do lugar e estava para cair na cabeça de algum espectador. Depois de corrigida a falha voltamos a atuar a partir do momento da interrupção, sob os aplausos da platéia. De volta para São Paulo participei de mais um filme dirigido pelo Geraldo Vietri: Parabéns, Marta, onde eu fazia um padre seduzido por Marta, que era cega. Ela era uma espécie de anjo mau, destruidor. Era uma ceguinha linda, mas destruidora! Selma Egrei fazia Marta. Linda, com aqueles olhos azuis enormes. Ela seduzia o padre no altar da Igreja. Fazer esta cena de sexo no altar foi uma das coisas mais difíceis da minha vida. Eu (pessoa) me sentia tão mal... Respeito muito a crença dos outros. Acho que Casa de Oração, de Culto é sagrada e tem que ser respeitada. E o Vietri falava: – Não ligue para isto! – Mas Vietri... Se aparecer alguém... – Então vamos filmar logo! E eu tive que levantar a batina e mandar ver... Diversificar é bom e eu gosto muito. Nesse ano fui apresentador de um programa de prêmios da TV Bandeirantes chamado Olho Vivo – A Sorte é Sua! Éramos três atores: o Luiz Armando Queiróz, o Jonas Bloch e eu, que fazíamos cada qual um segmento, um jogo diferente dentro desse programa de prêmios. Quando me chamaram, eu disse: – Mas eu não sou apresentador. – Nós queremos um outro tipo de apresentador. Então eu construí uma personagem, que era um apresentador e eu representava esse apresentador, que era um misto de Gugu, Sílvio Santos, um pouquinho de cada um. E deu certo. Capítulo XX Fiz com a Tizuka Yamasaki em 84, o Patriamada. Um filme bastante contundente do ponto de vista de denúncia política, mas que não resultou em termos artísticos. E o elenco era muito bom! Débora Bloch, Lilian Lemmertz, Walmor Chagas... Eu sou da opinião que o empreendimento, inclusive o cinematográfico, só pode dar certo se as cabeças todas estiverem pensando na mesma direção. Como é que um diretor de cinema pode conseguir isto de atores que reúne, mas que nunca sentou com eles para conversar sobre o que é o filme? Acho que os diretores superestimam-se. Pensam que, na hora da filmagem, vão dar ao ator a orientação exata do que eles querem e que o ator vai fazer. Porque, vejam bem, tem que haver um acordo inicial das partes: o diretor tem que explicar como é a personagem, vamos discutir sobre ela, a função da personagem na história, sobre o que esse filme está falando, que denúncia estamos tentando fazer... Vocês entendem? O ator entra no set de filmagem desorientado. E como o cinema capta o pensamento do ator, se o ator não estiver pensando como a persona-gem.... Nada acontece! Novamente em São Paulo, dei um Curso de Interpretação para a Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo, na Casa de Cultura Mazzaropi, para professores da rede estadual de ensino e no curso só se inscreveram mulheres. Montei com elas A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca. Foi uma experiência enriquecedora! Primeiro eu dei um curso básico, explicando como se constituia uma personagem. A Beth Dorgan era secretária da Casa de Cultura e nem pensava em fazer teatro. Escalada para acompanhar o curso e me vigiar, acabou se interessando e participando dos exercícios. Mostrou ser uma atriz promissora. Eu a escalei para fazer Poncia. Depois disso, ela fez Escola de Arte Dramática da USP. Hoje ela é professora de interpretação, diretora, e fez mestrado na ECA. Sidney Courtique, que fazia o papel de Bernarda, tempos depois cursou a minha escola profissionalizante de ator. Eu pedi para meus sócios o cenário de O Colecionador, que estava encostado e com ele fiz, com as minhas próprias mãos, uma casa espanhola. As atrizes costuraram os figurinos. Ficava muito mais barato comprar tecidos cru, depois passamos uma noite no galpão da Casa de Cultura Mazzaropi tingindo todas as roupas de preto. Ficou um preto ruço, meio desbotado e quando a luz batia, ficava velho e sem brilho. A montagem resultou muito boa. Gravei para a TV Bandeirantes a minissérie Colônia Cecília. Trabalhavam Paulo Betti, Denise Del Vecchio... Fomos para Palmas, no Paraná, a cidade onde os anarquistas viveram. Eu fazia uma personagem maravilhosa: um argentino. Eu falava castalheanado (se isto é possível...). Este sujeito era um malandro, que se metia no meio destes anarquistas revolucionários.... No Rio de Janeiro novamente, participei de Santa Marta Fabril, minissérie de Geraldo Vietri, na TV Manchete. Meu papel era muito bom. Na TV Globo fiz um Caso Verdade, chamado Júlia, de Wilson Aguiar Filho, outro chamado Eleições Parciais, de Eduardo Clark, e outro ainda chamado Quem te Viu, Quem te Vê, de Márcia Prates. Eram programas semanais, no fim da tarde. Capítulo XXI Em 1985 voltei para o Rio de Janeiro participando da peça O Avesso do Avesso (Noises off), de Michael Frayn, sob a direção de José Renato. Aceitei fazer esse espetáculo porque a temporada seria no Rio de Janeiro e eu queria acostumar meus filhos com a minha ausência. Estava decidido a me separar da minha primeira mulher. Passei a ver os meus filhos, apenas nos finais de semana. E, como Deus escreve certo por linhas tortas, além da peça fui convidado para fazer a novela de maior sucesso da televisão brasileira: Roque Santeiro. Meus filhos tiveram que se habituar com minha ausência e acho que foi mais fácil quando descobriram que a mãe e eu estávamos separados. Bom, a gente nunca sabe. Não existem fórmulas para essas coisas. O Avesso do Avesso eu gostaria de montar de novo. Em inglês chama-se Noises off, ou seja, nada de ruídos, porque na coxia do teatro não se pode fazer barulho. No elenco estavam Marcos Caruso, Sandra Bréa, Sônia Guedes, Priscila Camargo, Jacques Lagoa, Nina de Pádua, Santa Cruz... A peça começa num chalé na Suíça e cinco minutos depois é interrompida por um cara da platéia, que é o diretor do espetáculo. Logo o espectador percebe que o primeiro ato é um ensaio de uma peça. E, durante esse ensaio, o espectador vai descobrindo as tramas das relações entre os atores, o diretor, assistente de direção, contraregra, etc. Porque, ao mesmo tempo que existe a trama da peça, há essa outra trama dos bastidores. O espectador vai descobrindo, por exemplo, que a comediante é a dona da companhia (atriz principal), que tem um caso com um rapaz, que só tem caso com ela para conseguir o papel (era eu quem fazia essa personagem). No segundo ato, o cenário vira e o espectador passa a ver a coxia do cenário. Ele vê o tráfego dos atores, enquanto estão atrás do cenário. E os atores só falavam, lá dentro, o texto da peça. Na coxia, ninguém fala, só age. A platéia ria muito, porque um queria matar o outro. Um cara vai entrar em cena e tem um ator com um machado para matá-lo; um outro ator no segundo andar segura o machado antes que o ator mate o colega... É uma peça cronômetro, porque se eu levanto o machado aqui, o outro tem que estar lá para me impedir. E tem que ser a fala certa lá dentro do cenário, senão o ator que vai entrar em cena não tem motivo para entrar. Uma das personagens é um velho ator que só é chamado porque é amigo de longa data da dona da companhia, mas é alcoólatra. Então, o tempo todo ele é vigiado na coxia: Uma das ações é não deixar que ele beba. E, em determinado momento, ele some e enche a cara... E vai chegando a hora de ele entrar em cena, ele é trazido carregado para a coxia... Tudo em silêncio, não se faz um ruído. E ele entra na sala pela janela. Ele é colocado na janela, alguém abre e ele é empurrado para dentro. No terceiro ato o cenário volta a ficar de frente para a platéia e é final da temporada. Os atores representam de saco cheio, mas o espectador que conhece a peça, que está vendo pela terceira vez, morre de rir! Uma das coisas que aconteciam no terceiro ato: a moça que fazia o papel da amante da minha personagem descia com malas. Só que a atriz é tipo loira burra, esquece as malas no topo da escada. A minha personagem vinha lá de cima, tropeçava e rolava a escada inteira (toda noite) e desmaiava. O elenco inteiro entrava por todas as portas do cenário para ver o que havia acontecido com o colega. Eu acordava e as personagens não ten-do o que fazer improvisavam, apresentando-se umas às outras. Isso num vaudeville, onde ninguém nunca sabe que existem outras pessoas na mesma casa. Num outro momento, ia chegando a hora de o ladrão entrar em cena. É dada a deixa e ele não entra. O espectador sabe por que ele não entrou. Deve estar bêbado. Nisso entra o contra-regra vestido de ladrão. Em seguida, entra o diretor vestido de ladrão e, se não bastasse, por último entra o ator alcoólatra que faz o ladrão. Então, ficam três ladrões dizendo o texto em jogral. Durante a temporada eu comecei a urinar sangue e fui ao médico. Ele me perguntou: – Você bateu o rim, ultimamente? Ao que eu respondi: – Toda noite! Espantado ele ouviu o meu relato que no espetáculo eu despencava escada abaixo toda a noite e ficou horrorizado ao saber que eu não podia deixar de cair e bater o meu rim toda a noite. Coisas do ofício! A peça é muito boa e na época não fez o sucesso que merecia. Creio que teria muitas possibilidades de grande sucesso hoje em dia. Eu andava muito triste. Sempre fui muito ligado aos meus quatro filhos, eu estava distante deles. Só os via às segundas-feiras porque naquela época o teatro funcionava de terça a domingo. Não era como agora, que mal funciona de sexta a domingo. Eu estava mal no Rio, com o casamento acabando. Não foi uma época fácil para mim. Uma noite Paulo Ubiratan e Natália do Valle (casados na época) foram assistir O Avesso do Avesso. Ele, que havia sido montador na TV Tupi, agora era um dos grandes diretores de televisão. Foram falar comigo no camarim. O Paulo Ubiratan me disse: Você não quer fazer uma novela? Vai lá conversar comigo. Eu não queria ficar muito mais preso, queria pelo menos um dia (a segunda-feira), para ver os meus filhos. Nem tinha ido ainda até a Globo sondar trabalho. Meio a contragosto, fui visitar o Paulo na Vênus Platinada. Ele todo entusiasmado dizia: – Nós vamos fazer o Roque Santeiro. Você não quer fazer o papel do diretor de cinema? É um papel maravilhoso. Aceitei sem nenhum entusiasmo. Imaginem! Essa novela foi um sucesso, eu adorei fazer. E quase não participo, por problemas pessoais. A Regina Duarte deixa definitivamente de ser a Namoradinha do Brasil. Inteligente e grande atriz, a Viúva Porcina, que ela fez, brilhantemente, foi mérito todo dela. Foi ela quem criou a personagem, tendo mesmo que brigar com as pessoas, para fazer a viúva como ela fez. Ela sempre foi boa. Estava muito bem em Black-Out fazendo o papel de uma menina de 14 anos. Na Megera Domada, ela fazia a Bianca muito, muito bem. Acho o trabalho de Regina em Roque Santeiro uma das melhores coisas já feitas em televisão. Ela teve a ousadia de romper as convenções que lhe haviam sido impostas e apostou todas as fichas numa visão exuberante da Viúva Porcina. Ela correu todos os riscos e acertou em cheio. Aliás, correr riscos faz parte desta profissão, principalmente por parte dos grandes artistas. Roque Santeiro foi um sucesso coletivo e individual para todos nós que tivemos a sorte de poder participar dessa verdadeira revolução da telenovela brasileira. Capítulo XXII Comecei o ano de 86 como produtor e ator de Férias Extra-conjugais, de Peter Yelbhan e Donald Churchill. Era uma comédia muito engraçada. Elenco: Cláudia Jimenez, Tamara Taxman (que fazia o papel da minha mulher), Mário Cardoso, Solange Couto, Adele Fátima (uma das mulheres mais lindas do Brasil) e o filho da Tamara, Henrique Taxman. Que elenco! A história era a seguinte: eu e a Tamara éramos um casal quadrado. O Mário e a Cláudia Jimenez eram um casal moderninho. Então, as nossas esposas iam viajar para um dado lugar e a personagem do Mário e a minha bolavam um esquema de falar para elas que nós também íamos viajar. Claro que não íamos. Chamávamos mulheres de programa e ficávamos na casa. Depois da chegada das mulheres de programa, as nossas esposas voltavam. E aí começava o sofrimento da minha personagem e a comédia que isso causava. A peça tem uma estrutura de vaudeville, onde ninguém encontra ninguém, apesar de estar numa mesma casa... Eu corria o espetáculo inteiro e suava como um condenado! Havia uma escadaria no cenário. Eu subia e descia correndo, inúmeras vezes. Abria a porta e, ao ver que era a minha mulher, fechava na cara dela, pois as moças seminuas estavam na sala. Corria para baixo e limpava tudo enquanto conversava com a minha mulher atrás da porta, tentando achar uma desculpa por ter fechado a porta na cara dela. Subia correndo a escada e quando abria a porta a minha mulher não estava mais lá. Descia correndo e levava o maior susto com minha mulher no meio da sala, pois tinha entrado por outra porta. E o público rolava de rir. A direção deste espetáculo foi do Attílio Riccó, na época nós éramos sócios. Foi nessa mesma época que dei um Curso de Interpretação na Casa de Criação Attílio Riccó, no Rio. Nesta Casa de Criação havia cursos de televisão e cursos de teatro. Quem dava os cursos de teatro era eu. Montei mais uma vez: Foi Bom, Meu Bem? de Alberto de Abreu, desta vez com 15 casais de alunos. Cada quadro era feito por um casal diferente. E todos eles faziam os quadros musicais. Neste espetáculo fui diretor, cenógrafo e iluminador. Fiz Amor por um Fio, de Ana Maria Moretzsohn, um teletema, na TV Globo. Desta vez eu e Sandra Bréa fazíamos um casal. Dirigi um documentário sobre instrução de trabalho, para os funcionários do Bob’s. Escrevi, dirigi, sonorizei e editei. Quase enlouqueci. O mais difícil era gravar no Bob’s mesmo. Precisei gravar de madrugada, quando o Bob’s não funcionava. As lojas boas ficavam em lugares muito movimentados e cheios de ruídos... Era difícil. Trabalhei com muita gente. Havia tomadas do Bob’s inteiro lotado de figurantes. Além do mais tive que fazer em tempo recorde por falta de grana para a produção. O pior é que não ganhei nenhum tostão pelo meu trabalho, porque o sujeito que fez a produção e me chamou para executar o vídeo era um picareta e não nos pagou. Nem a mim nem aos atores. Capítulo XXIII Dois na Gangorra, de William Gibson em 1987. De novo produzi, fiz a cenografia e trabalhei como ator. Fui dirigido por Beto Silveira. A Cristina Müller e eu atuávamos. Fizemos no Rio e em várias outras cidades do interior. Foi uma pena que a pessoa com quem eu havia feito sociedade não correspondeu às expectativas e a temporada teve de ser abortada. Nosso cenário deveria ser transportado em uma Kombi que era conduzida por dois ajudantes, que montavam o cenário e faziam iluminação e sonoplastia. Encontrei uma Kombi para comprar, pois sairia mais barato do que alugar uma. Pois esse meu sócio acabou me convencendo que era melhor alugar uma, pois todas as despesas de manutenção correriam por conta do dono. Confiei na palavra dele. A Kombi que ele alugou estava caindo aos pedaços e, além de o aluguel ser muito alto, acabei tendo de gastar com a manutenção, porque o dono não tinha como fazer isso. Eu me lembro que uma vez em Ribeirão Preto, no dia da estréia, eu estava dando uma coletiva para a imprensa, no hall do teatro, com um olho na rua, para ver se a Kombi chegava. Eu estava falando da estréia daquela noite e o cenário não havia sequer chegado! No fim da entrevista, lá pelas 6h00 da tarde, eu vi a Kombi chegando. Montamos o cenário, afinamos a luz, em tempo recorde. Tomei um banho e entrei em cena. Sabe por que o cara demorou tanto? – Furou o pneu e não tinha estepe. – Mas você pegou dinheiro comigo para comprar o estepe?! – Ah! Mas não deu para comprar... Quer dizer, as histórias eram todas estapafúrdias. Claro que os ajudantes estavam implicados. Foi a Cristina que, apavorada, comunicou que não podia mais fazer o espetáculo. Aproveitei a deixa e disse: – Bom, então vamos parar, porque eu não vou ensaiar outra atriz. Eu acho que a boa-fé que tenho para com as pessoas deve ser sinônimo de i-di-o-ta. Neste ano dirigi Corda Bamba, da Ligya Bojunga Nemes. Que história linda! É um primor! Eu adaptei e convenci esta grande escritora a me deixar encená-la, porque ela não dava autorização para ninguém adaptar suas obras para o teatro. Ela dizia que o único bem que ela tinha era a obra dela. Ela vivia disso. E ela não podia deixar que ninguém destruísse a obra dela. – Ewerton, não é por você. Mas eu não confio em ninguém. – Mas eu vou fazer a adaptação, mostro pra você e, então, você aprova ou não. Ela morava em Londres e tinha uma casa em Santa Teresa, no Rio. Quando ela chegou no Brasil, eu não larguei mais do pé dela. Ela leu a minha adaptação e autorizou a montagem: Foi um sucesso! Hebe Cabral que fazia a “barbuda” ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante e a Sílvia Bastos concorreu como atriz e eu como cenógrafo. Além de cenógrafo eu adaptei, dirigi, fui o figurinista e fiz a iluminação. Depois do sucesso de Roque Santeiro, fiquei um ano longe das novelas. Voltei nesse ano em O Outro, de Aguinaldo Silva, tendo o Francisco Cuoco no papel principal. Eu fiz muito sucesso como Vidigal, o bandidão, que perseguia o Cuoco o tempo todo. Claúdia Abreu fez sua estreia nessa novela, sofrendo as maldades que Vidigal fazia. Capítulo XXIV Em 1988, o Miguel Falabella convidou um grupo de atores para fazer o espetáculo Panorama do Teatro Brasileiro, que seria apresentado numa Convenção da IBM, em Belo Horizonte. Era um espetáculo de uma hora e meia. O roteiro de Flávio Marinho juntava cenas de peças, que fizeram história no Teatro Brasileiro, intercaladas por músicas da época. Os atores chamados eram Walmor Chagas, Tony Ramos, Arlete Salles, Cássia Kiss, Maria Padilha, Beth Goulart, Osmar Prado, Tales Pan Chacon e eu. O cachê era muito bom. Fora isso, seria um excelente exercício para nós, atores. Fazer várias personagens, cantar (cantávamos muito!), dançar e usar mais de dez figurinos completos, cada um. Mas nenhum convidado da IBM sabia do espetáculo, só os diretores. Estavam todos presentes ao Palácio das Artes lá em Belo Horizonte, que é enorme, e ouviam os n discursos da convenção. Por último aparecia Walmor Chagas, o que já era uma surpresa. Ele dizia que era um homem de teatro e gostaria de contar a sua história. Nisso o pano se abria e os espectadores podiam ver um enorme cenário cheio de rampas, uma orquestra em cena e todos os atores de costas para a platéia. Nossas primeiras falas eram citações de grandes nomes teatrais. E para dizer essas falas nós nos virávamos de frente para a platéia. Nisso éramos reconhecidos e a platéia vibrava. E, quando terminou o espetáculo, fomos intimados a comparecer a um jantar oferecido a todos os quase mil convidados, regado a champanhe. Foi um sucesso tão grande que a IBM resolveu apresentá-lo em outras capitais. Então, nos apresentamos também em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Todos os espetáculos em grandes teatros e só para os convidados da IBM. Houve jantar em todas as cidades e neles havia o corpo-a-corpo dos funcionários da IBM com os clientes. Nesse ano eu dirigi História de Contos e Lendas, que era uma adaptação minha de contos sufis, Teatro de Cordel 88 que era aquele mesmo Cordel 74, agora numa nova montagem com 13 atores em cena. E essas duas peças mais Corda Bamba faziam parte do projeto O Teatro vai à Escola, patrocinado pela Coca-Cola. Nós colocávamos todos os cenários em cima de caminhão cedido pela Coca-Cola, íamos até os colégios do Rio de Janeiro e apresentávamos os três espetáculos para níveis diferentes. História de Contos e Lendas para criancinhas; Corda Bamba para o nível médio e Teatro de Cordel para o colegial. Foi uma experiência enriquecedora. Apesar das dificuldades de locomoção, tínhamos muito respeito pelos nossos jovens espectadores. Levávamos o cenário completo. Eram mais de 100 os figurinos dos três espetáculos. Que loucura! Quando acabou esse projeto fui para a selva participar de Kuarup, filme de Ruy Guerra baseado na obra de Antonio Callado. Morei três meses numa barraca de camping, no Xingu. O livro do Callado é fantástico, o roteiro não era tanto, a filmagem muito menos. Mas, o que aconteceu? A gente tem que analisar para saber por que as coisas não dão certo. Logo que a gente chegou no local das filmagens, o Ruy Guerra queria porque queria fazer funcionar uma grua alemã que ele tinha comprado para essa produção, de oito milhões de reais. Essa grua é montada num carrinho que faz travelling sem precisar de trilhos e é acionada pelo cameraman. Ao mesmo tempo que ele enquadra e faz foco, pode subir, descer, e andar em qualquer direção. O diretor determina como serão os movimentos e o cameraman executa sozinho. Mas a bendita grua não funcionava, ou então não sabiam como fazê-la funcionar. Veio um técnico da Alemanha tentar resolver o problema (acho que até hoje não foi resolvido, porque nunca mais vi ou ouvi falar da tal engenhoca). Então,enquantoa grua não ficava pronta para uso, resolveu-se que nós iríamos estudar o roteiro. Eu adorei a idéia. Finalmente ia participar de um filme com ensaios, discussões e análises do roteiro. A gente se reunia todos os dias, vestidos com o figurino das personagens, e discutíamos cada uma delas. Chegamos a conclusões maravilhosas, em termos de construção de personagens. Uma semana se passou e nada de a grua ficar pronta. Ruy resolveu começar as filmagens com uma grua tradicional que tinha 5 metros de comprimento, pesava “uma tonelada” e os maquinistas tinham que transportar para todas as locações no meio da selva. Dava até dó! Assim que começaram as filmagens, Ruy Guerra se esqueceu de tudo o que a gente tinha estudado nos oito dias de discussões. Ele subia na grua (a tradicional) e criava esteticamente como seria aquele plano-seqüência. Em seguida ele dispunha os atores dentro do quadro que a câmera iria enquadrar e, só então, se importava com o que as personagens diziam: – O que é mesmo que vocês falam? O que adiantou todo o estudo em cima do texto que nós iríamos dizer, se o texto que a gente dizia, de Antonio Callado diga-se de passagem, não tinha a menor importância na estética dele? Ele desmembrou estética e conteúdo e só se ateve à estética, se é que eu possa definir dessa forma. Outro grande erro: ele começou fazendo um filme de quase três horas. Quando veio a ordem do distribuidor que o filme não podia passar de uma hora e quarenta, era tarde demais. Quase toda parte do planalto central já havia sido filmada e não tinha mais como diminuir. Foi uma pena, porque todo mundo esperava tanto esse Kuarup. E depois ele se encantou de tal forma com a Cláudia Raia, quando ela chegou lá pra filmar, que só filmava ela nadando nua no Tuatuari: um rio de águas límpidas onde você enxerga até o fundo e os peixes nadando. É completamente transparente. Era nesse rio que a gente pescava e às vezes tomava banho. Era muito mais gostoso do que o chuveiro. Deixe-me contar um pouquinho como é que era o acampamento e nossa vida lá. Era uma pequena cidade de mais ou menos 150 barracas. A maioria delas era individual. Tinha a Zona Norte, tinha a Zona Sul. Eu morava na Vieira Souto à beira do rio e o Roberto Bonfim, meio isolado, no Recreio dos Bandeirantes. Era muito divertido. Só não era mais divertido porque o Cláudio Mamberti roncava, e o acampamento inteiro ouvia. Outro problema é que no Xingu faz muito calor de dia e bastante frio à noite. Como barraca de camping não tem calefação, a gente tinha que dormir de abrigo, com três, quatro cobertores. Mas era gostoso. Na minha barraca, por exemplo, tinha um quartinho de vestir, onde eu botei uma arara com as roupas penduradas, um escritório onde havia uma mesa, que eu pedi para ser construída, uma cadeira e o meu colchão era protegido por um mosquiteiro para não entrar escorpião, nem cobra e mosquitos. No escritório tinha o meu aparelho de som onde ouvia música erudita enquanto escrevia meu diário do Kuarup: o que tinha acontecido, como tinham sido as filmagens... Ah, e havia também o terraço de frente para o Tuatuari com uma rede, onde eu lia muito, porque eu levei muitos livros. O dia que você não filmava precisava ser preenchido com alguma atividade. A leitura era uma das únicas opções. Fora isso, eu e Fernanda Torres sempre descobríamos alguma outra atividade, como ir a festas indígenas ou andar de bicicleta. Uma das festas mais incríveis foi a do Papagaio. Levantamos de madrugada e fomos de jipe até uma aldeia longínqua para assistir a esta festa. Valeu a pena!!! Quanto aos passeios de bicicleta eram sempre nas redondezas do acampamento, mas mesmo assim, algumas vezes, nos deparamos com algum animal selvagem. Uma das maiores aventuras, que vivemos durante as filmagens, foi quando embarcamos a bordo de um avião Hercules, junto com geradores e veículos, e fomos para Araguaia, que fica ao norte de Mato Grosso. Lá existe uma cachoeira belíssima onde filmamos algumas cenas entre as quais a que aviões jogavam fardos enormes com alimentos. Um dos fardos caiu na água e quase pegou o Roberto Bonfim, que acenava para o piloto (essa cena está no filme). Mas a maior aventura não foi essa, nem mesmo a coral que estava debaixo de uma pedra onde estávamos sentados. Nós só a percebemos quando Hélio Eichbauer teve que removê-la para compor o cenário. Atrás da queda-d’água que era imensa, moravam centenas de pássaros que saíam em bandos. Admirávamos esse espetáculo quando um outro bando começou a voar para fora de uma caverna ao lado da queda-d’água. A noite se aproximava e, por isso mesmo, era impossível que fossem pássaros. Nisso, recebemos ordens para não nos movermos em hipótese alguma. E imóveis vimos centenas de milhares de morcegos enormes passarem sobre as nossas cabeças. Sentimos a mesma sensação de impotência quando, no meio da noite, ao terminar as filmagens nesse local, tivemos que fazer um percurso de uns 500 metros no meio da floresta, com apenas uma lanterna para iluminar os nossos passos. Víamos, na escuridão, vários pares de olhos que, felizmente, não nos atacaram. E havia um problema pessoal: nessa época, meus filhos Daniel e Rafael moravam comigo no Rio de Janeiro. Eu havia deixado os dois com os meus pais. Fui para ficar um mês e fiquei três. As filmagens estavam muito atrasadas. A saudade que eu sentia era muito grande! Então com um mês e meio eu disse: – Eu vim para cá para ficar um mês e ir embora. Nós estamos aqui há um mês e meio e a previsão é de permanecer ainda mais um mês. Não interessa o quão longe eu esteja de casa, estou indo para o Rio de Janeiro para ver meus filhos. Eu estava transtornado. Levaram-me para o Rio. A viagem para o Rio era longa: primeiro um Cessna nos levava até Brasília. Depois tomávamos um avião de carreira e íamos para o Rio. Este Cessna eu pilotei várias vezes. Eu fiquei amigo do piloto e ele me deixava conduzir o avião, quando estávamos no ar. Na minha última viagem para casa ele me deixou decolar. É uma sensação muito boa. Fiz também algumas viagens de Cessna para a cidade mais próxima do parque do Xingu, onde, diariamente, iam buscar alimentos para as quase 200 pessoas que estavam acampadas. Como não há estradas, toda a comida que a gente consumia vinha de avião. Quanto custava cada viagem daquela? Quando alguém se queixava: – Ah, mas a comida daqui é uma porcaria! Eu dizia: – Mas é a comida mais cara que você já comeu na sua vida! Mas eu adoro aventuras e adorei ter participado desta. Foi uma pena que o resultado artístico do filme tenha deixado muito a desejar. Capítulo XXV 1989 participei no Rio de Lulu, do Frank Wedekind, que é uma peça amaldiçoada. Nunca deu certo. Desta feita o fracasso coube a nós. Naum Alves de Souza, diretor, cenógrafo e figurinista e no elenco Maria Padilha como Lulu, Guilherme Leme, Tonico Pereira, Bety Goffman e eu. Concomitantemente a Lulu eu fiz, na TV Manchete, Kananga do Japão, sob a direção de Tizuka Yamazaki. A novela era interessante, mas eu não gostava da minha personagem. Na sinopse ela tinha uma série de funções. E você sabe como é novela, não é? Depois que começa, ela vai mudando. Ainda bem que a minha personagem morria antes de a novela acabar. Morria numa cena linda, dançando tango, que foi uma das coisas que aprendi a fazer, em Kananga do Japão. O início da gravação atrasou bastante porque não achavam a atriz para fazer a personagem central, que depois foi defendida por Cristiane Torloni. Nós estávamos todos contratados e passávamos o tempo ensaiando dança de salão. Eu, Elaine Cristina, Elisa Lucinda, Karen Aciolly e muitos outros aprendemos a dançar quase todos os ritmos musicais. Afinal, Kananga do Japão era um cabaré freqüentado pelas nossas personagens que dançavam o tempo todo. Além disso, os homens tinham aulas de sinuca, pois havia cenas importantes, onde jogávamos. Foi um belo aprendizado. Aprender é sempre muito bom. Capítulo XXVI Daniel e Rafael estavam morando comigo no Rio e estudavam no Colégio Sion. Nesse ano eles cursavam a quarta série e a professora deles me chamou para conversar. – Ewerton, você não conhece nenhuma peça para eu montar com os meus alunos? – Várias, mas quantos alunos você tem? – Setenta. – Peça com setenta personagens! Não existe. – Não? Eu precisava de uma com setenta. – Bom, eu posso tentar escrever alguma coisa. Foi aí que eu escrevi Viagem ao Mundo Encantado. O que eu fiz? Um núcleo de personagens que convocavam os outros para irem até o Bosque Encantado para uma reunião de personagens dos contos de fadas. Então entravam Branca de Neve, os Sete Anões, os Três Porquinhos, Rapunzel, Aladim, Cinderela... Entravam todos. Apresentei o texto à professora. Ela adorou! Havia uma parte onde as árvores do bosque encantado conscientizavam as crianças sobre a importância de se preservar a natureza. O texto até que acabou ficando razoável. Ela então me disse: – Agora você tem que dirigir, porque eu não sei. Eu sabia que isso ia acontecer! Convoquei a mãe de um dos alunos que já tinha sido professora de balé para dar coreografia para as meninas. Recebi ajuda de outras mães para vigiar as coxias e ajudar no tráfego de setenta crianças cheias de energia. Primeiro dirigi o núcleo central onde estavam Daniel e Rafael, é claro, uma menina que era ótima no papel de Emília... O núcleo central era Dona Benta, Tia Anastácia, Emília, Visconde, Narizinho e Aladim. Esses quatro últimos viajavam num tapete mágico e encontravam as personagens dos contos de fadas, que estavam se reunindo para salvar o Bosque Encantado, porque o “homem” estava cortando as árvores. A montagem foi um sucesso. As freiras lá do Sion me chamaram: – Você tem que dar um curso de teatro aqui para os alunos e funcionários! Aceitei. Como pagamento, não precisava mais pagar as mensalidades dos meus filhos. Todo sábado de manhã eu dava aulas. E eu tinha várias classes, porque não cabiam todos numa única turma. Quando foi se aproximando o final do ano as freiras me chamaram: – Você não montaria um Auto de Natal? Montei com 250 participantes, ao ar livre, no pátio de trás, do colégio Sion. Foi uma loucura! A narração, as falas e a música grandiosa foram previamente gravadas e eram transmitidas por potentes caixas de som. Como cenário eu usei o bosque que ficava no morro que delimitava o fundo do terreno, usei o primeiro e o segundo andares das arcadas que davam para o fundo, construí um grande tablado no meio da quadra de esportes e instalei as cabinas de controle de luz e som, ao lado. As personagens eram José, Maria, a mãe de Maria (interpretada por uma da freiras que adorava teatro), os Três Reis Magos, cada um com o seu séquito, os pastores, um batalhão de soldados romanos, o povo, os convidados para o casamento de Maria, um enorme coral de crianças (onde Daniel e Rafael cantavam), etc. Uma funcionária do Sion, que também era costureira, fez todo o figurino. O casamento de Maria e José era lindo. Feito de acordo com as tradições judaicas. Foi uma pena não ter sido filmado. Só para se ter uma idéia, num dos momentos do espetáculo, um pouco antes do nascimento de Jesus na manjedoura, o coral, posicionado no segundo andar das arcadas, cantava Noite Feliz. E no momento em que a letra diz: Entre os astros que espargem a luz, todas as luzes se apagavam e o público só via os fachos de luz das lanternas das crianças do coral em constante movimento. No primeiro andar das arcadas, por exemplo, era feita a caminhada de Maria e José, rumo a Belém para o recenseamento. O público assistia a tudo de pé no pátio e podia se locomover para acompanhar mais de perto as cenas. Devia ter umas 600 pessoas assistindo, porque cada um dos participantes havia levado a família. Enfim, foi extremamente gratificante essa minha experiência em superproduções. Nesse ano de 1990, eu ainda fiz Uma Escola Atrapalhada, filme dos Trapalhões, dirigido pelo Del Rangel, onde também estavam a Angélica e o Supla. Gostei muito de fazer esse filme. É sempre muito bom trabalhar sob a direção do Del. Eu fazia um vilão muito doido, que tentava matar a personagem da Angélica no final. E olha o que eu fiz de televisão esse ano! Meu Deus do Céu! Na TV Manchete participei de Pantanal, a novela do Benedito Rui Barbosa, sob a direção de Jaime Monjardim. No elenco estavam Paulo Gorgulho, Tânia Alves, Jussara Freire... Eu e Marcos Caruso fazíamos dois peões bem caipiras que morriam no fim da primeira fase. Nossas mortes desagradaram os espectadores e o Benedito, arrependido, escreveu um capítulo lindo em homenagem aos dois onde ele dizia que agora eles estavam no céu, onde cada estrela é uma fogueira, rodeada de peões contando causos. Continuei na Manchete trabalhando como escritor e diretor num programa chamado Fronteiras do Desconhecido. É preciso que eu conte como eu acabei escrevendo e dirigindo na TV Manchete, e como foi essa experiência. Logo que terminei de gravar Pantanal, Attílio Riccó que dirigia a série Fronteiras do Desconhecido me disse: – Nosso grande problema é que não existe quem escreva os programas... Não temos textos. Sempre gostei de escrever e já havia escrito muitos roteiros de filmes e textos teatrais. Fronteiras do Desconhecido era um programa que abordava fatos extraordinários, que haviam acontecido realmente. Daí eu tive a idéia de escrever uma história sobre um acidente de carro onde a mãe pede desesperadamente para um motorista, que passa na estrada, ajudar a salvar o filho dela que está preso nas ferragens bem próximo do mar, e que pode morrer afogado porque a maré está subindo. Quando ele consegue salvar o menino, descobre que a mulher já tinha morrido fazia tempo. Quer dizer, o espírito dessa mãe fez com que alguém salvasse essa criança antes que o mar a afogasse. Tive a ideia e escrevi o texto numa noite. No dia seguinte fui para a Manchete e entreguei o texto para o Attílio. Ele adorou. – Só que eu quero dirigir... Ele concordou. Eu escolhi o elenco que eu queria: Cássia Kiss (a mãe), Raul Gazolla (o motorista, que presta socorro), Riva Nimitz (a avó), Henrique César (o avô) e para fazer o menino que fica preso nas ferragens do carro escalei os meus filhos gêmeos Rafael e Daniel. Por que dois e gêmeos? Eu explico. Numa das cenas em que o menino está praticamente morto, o espírito dele sai do corpo e vai chamar a mãe. Como eu não tinha possibilidade de fazer nenhuma trucagem, usei os dois nesta cena. O que estava deitado na frente da câmera continuava deitado de olhos fechados. O que estava deitado atrás se levantava de olhos abertos. O truque funcionou. Mas para que tudo desse certo eu acompanhei todos os passos da produção. Um dos grandes problemas era o carro que despencava morro abaixo e ia parar na praia, perto da arrebentação das ondas. Para a queda em si, eu não precisava destruir o carro porque o acidente seria simbolizado por um novelo de lã que está sendo tricotado pela avó. No momento do acidente o novelo escapa das mãos dela e vai caindo em câmera lenta, batendo nos móveis até rolar pelo chão. E sobre essas imagens se ouvia o som do verdadeiro acidente. Mas durante grande parte do programa, o cenário era o carro amassado e de pernas para o ar. Outra dificuldade é que a maré, à medida que fosse subindo, deveria avançar no carro, pondo em perigo a vida do menino que estava lá dentro. Junto com o produtor executivo do programa escolhi um gol branco, para ser mais visível nas cenas noturnas, completamente destruído e sem motor, portanto leve o suficiente para que os integrantes da produção pudessem ir levando o carro para dentro do mar, à medida que o tempo fosse passando e a maré fosse subindo. Preciso dizer que tudo isso pôde ser planejado porque eu decupei todo o texto e sabia como seriam realizadas todas as tomadas. Sabia o posicionamento de câmera de cada take, já que o programa era feito com uma câmera só. Escolhi pessoalmente todas as locações e planejei cada minuto da gravação para que ela pudesse ser feita no tempo combinado. No primeiro dia de gravação eu ia fazer uma tomada numa sala de conferências onde Raul Gazolla fazia uma explanação sobre um projeto arquitetônico. Para isso eu havia escolhido um hotel em Niterói, cuja sala, toda de vidro, mostrava ao fundo a ponte Rio-Niterói. A vista era linda e no entardecer o sol sumia exatamente atrás da ponte. Já imaginaram como seria linda a tomada? Era perfeito, levei o iluminador e o cameraman até o local. Mostrei como seria a tomada e pedi à produção que providenciasse o que fosse necessário. No dia da gravação, chegamos ao hotel bem cedo. O cenário foi arrumado, a câmera e os refletores foram posicionados, e a cena foi ensaiada. Ficamos esperando, então, o momento ideal para a gravação. O sol foi se pondo e no momento preciso, quando ia iniciar a tomada, fui informado pela produção que haviam esquecido o cabo de luz, e nós não teríamos luz para gravar. O sol se pôs, anoiteceu e o cabo não veio. Quando o cabo chegou já era de noite. Esse primeiro boicote destruiu a minha primeira cena. A partir daí fui percebendo, ao longo da produção, que isso era proposital. O boicote maior foi quando nós íamos passar a noite inteira gravando as cenas do resgate do corpo. Era a maior parte do programa. Eu passei pelo local, onde as cenas seriam gravadas, vi que o carro havia chegado e estava em cima de um caminhão. Eu falei: Gente, é só jogar o carro lá embaixo. Quanto mais amassado ele ficar melhor Enquanto isso eu vou fazer outras cenas. Fizemos toda a sequência dos carros em movimento pelas estradas. O carro dirigido pela Cássia, que era um gol branco igual ao gol amassado, o carro dirigido pelo Gazolla e o carro esporte dirigido pelo casal de jovens que provoca o acidente. As tomadas ficaram muito boas, principalmente a do carro da Cássia surgindo no horizonte, com o pôr-do-sol ao fundo. Dentro do carro, ela e um dos meus filhos, que revezavam cada um uma cena, cantando em cânon Alouette, gentille Alouette, Alouette je te plumerai... Quando voltei ao local das cenas de resgate vi que o Gol amassado continuava em cima do caminhão. – Ué, por que o carro ainda está em cima do caminhão? – Porque estamos esperando chegar um guindaste pra tirar o carro daí de cima. – Não, gente! o carro é bem leve. Não tem motor. – Esse que está aí tem motor! – Mas como?!! Chamei o produtor, que veio completamente embriagado, cheirando a pinga. – Cadê o carro que eu escolhi? – Eu não peguei aquele, peguei um outro de um amigo meu. Algum boicote teve. Não sei de quem, mas teve. Eu mandei chamar o Attílio, que era o diretor- geral do programa e expliquei a situação. Por incompetência da produção eu não tinha condições de gravar a cena. Eu quero mais um dia pra gravar! – Infelizmente não tem outro dia. Você vai ter que gravar assim mesmo. – Mas é impossível! Até o guindaste chegar eu não vou ter mais tempo hábil. E como é que eu vou fazer para a maré avançar sobre o carro se ele não pode sair do lugar? Você só tem hoje pra gravar. Faz tudo num plano geral. Dizendo isso, Attílio foi embora. Engoli a raiva, percebendo de onde tinha vindo o boicote. Esperei o guindaste chegar e colocar o carro na areia da praia, mandei o produtor pinguço e incompetente embora e redobrei forças para realizar o que tinha planejado. Não ficou como eu queria porque as ondas que em determinado momento deveriam começar a açoitar o carro foram feitas com baldes de água do mar que eu mesmo jogava contra o carro. Mas eu consegui gravar tudo, do jeito que eu queria, com os planos que eu queria, até o amanhecer. O último take foi feito no limite da luz do dia. O boicote seguinte foi no dia marcado para fazer a edição: a continuísta não compareceu. A função dela é anotar todos os takes e saber em que fita eles se encontram. Na hora da edição fica muito mais fácil, se a gente tem essas anotações. Felizmente eu sabia tudo de cabeça e quando ela chegou, eu já tinha o primeiro bloco completo. Eu consegui, também, fazer a edição no tempo que estava estipulado, e segundo o Jayme Monjardim o melhor programa da série Fronteiras do Desconhecido foi este, que eu havia dirigido. E, por incrível que pareça, eu nunca mais dirigi nenhum. É, não deixaram. O outro que eu escrevi se chamava O Fenômeno, o Attílio dirigiu. Era uma história muito interessante de uma moça que tinha poderes telecinéticos. Participavam Rubens Correia, Sônia Guedes e Ingra Liberato, a mulher do Jayme Monjardim, fazendo a moça. O Attílio contratou vários especialistas em efeitos especiais e, mesmo assim, não ficou tão bom quanto aquele que dirigi. Ao longo dessa produção eu descobri que, às vezes, ser bom é prejudicial. Neste país se você tem talento, você não consegue fazer as coisas. Bom, daí só para você ter uma idéia, fui afastado da direção sendo escalado como ator num dos papéis de Escrava Anastácia. Eu tinha que trabalhar. Aceitei. Logo em seguida, felizmente, o Paulo Ubiratan me chamou de novo. O Paulo sempre foi meu amigo. Ele, que havia me chamado para fazer o Roque Santeiro, desta vez me chamou para fazer Riacho Doce. E foi um presente, porque essa minissérie foi gravada em Fernando de Noronha. Eu tive a chance de ir para lá três vezes. A primeira vez a gente passou 12 dias, na segunda 6 dias e na última vez, acho que 4 dias. Lá é um paraíso, é fantástico! Terminada Riacho Doce eu fui chamado para fazer a novela Araponga, do Dias Gomes, Lauro César Muniz e Ferreira Goulart. Essa novela teve uma particularidade: era uma tentativa de fazer uma novela criticando as novelas... O Tarcísio Meira fazia o Araponga, um detetive anti-herói que tinha uma coleção de calcinhas, tomava mamadeira antes de dormir e pedia colo para a mãe, que era a Zilka Salaberry. Os dois tinham sido mãe e filho na famosa novela Irmãos Coragem. Eles estavam repetindo a dupla de mãe e filho, só que de uma forma crítica, farsesca, criticando a novela tradicional. Depois de um mês no ar, a Globo simplesmente obrigou os autores a mudarem as características da personagem central. Colocaram o Tarcísio pra transar com a personagem da Luísa Brunet. Ele não podia ser fraco, frágil e infantil. Eu era um cientista enlouquecido, que vivia caçando moscas para as experiências científicas de mutação genética. No começo era completamente pirado, mas doido de pedra. Depois acabou virando um cientistazinho normal. Uma pena que não tenha dado certo. Eu adorava as propostas iniciais dos autores. Capítulo XXVII 1991 foi muito fértil também. Eu fiz coisas à beça. E uma delas foi uma peça que eu dirigi e atuei que chamava Se, do Sérgio Jockman. Fazíamos eu e a Jalusa Barcelos. É uma peça muito interessante porque ela troca os papéis. No começo eu era um marido chato casado com uma típica mulher chata. Os dois se queixavam que a vida do outro era muito melhor. Então, por um passe de mágica, eu me tornava um marido, dono de casa e a minha mulher passava a ser uma grande executiva. Ela chegava em casa e ele falava: – Meu amor você está se atrasando cada vez mais; já sei: você arrumou outro. Entendem? São todos os clichês da mulher, que passam a ficar do homem e os clichês do homem ficam da mulher. A mulher diz, por exemplo: – Eu chego cansada do trabalho, e você só vem com reclamações. Eu não agüento mais! É muito interessante porque nessa troca de papéis existe a crítica da função que cada um de nós representa no casamento. Através da comédia Jockman vai criticando o papel que a mulher e o homem exercem na sociedade. Eu e Jalusa nos entendíamos muito bem em cena e o resultado era muito engraçado. O curioso é que essa peça do Sergio Jockman, escrita na década de 80, acabou servindo de base para os filmes Se Eu Fosse Você 1 e 2, com Tony Ramos e Glória Pires dirigidos por Daniel Filho. Apresentamos a peça em Teresópolis, Petrópolis, Angra dos Reis e muitas outras. E sempre com muito sucesso. E junto eu levava A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho, a peça que eu escrevi em parceria com Heloísa Perissé e que encenei tantas vezes. A história é assim: um grupo de atores, com todos os seus problemas, tenta ensaiar, sem a presença do diretor, a peça infantil Chapeuzinho Vermelho. Durante esse ensaio mais livre, eles acabam exteriorizando as suas ressalvas em relação à história e questionam a atitude de todas as personagens. Chegam à conclusão que é tudo muito inverossímil. Imagine se a vovó caberia na barriga do lobo e, ainda por cima, viva! Como é que esta mãe, sabendo que existe um lobo mau, manda a filha levar doces para a vovozinha, que mora sozinha no meio da floresta. Ela queria que a menina fosse comida pelo lobo? Há muitas coisas nessa história que, se forem analisadas de maneira realista, são um absurdo, aliás como todo conto de fadas. E aqui é isto que os atores em questão fazem. Eles não consideram o fantástico, o maravilhoso, os mitos, as lendas. Assim, nasce uma história engraçada, no próprio fato da leitura, digamos, realista destes atores. A atriz que fazia o papel de vovozinha era uma dondoca da alta sociedade. Ela fazia teatro por hobby. Sem compromisso nenhum com o ofício, ela botava a boca no mundo e criticava tudo mesmo. É uma personagem fantástica. A Dag, diminuitivo de Daguimar, fazia a mãe e a vovozinha. O lobo era interpretado por um ator recém-saído de um curso de teatro, muito certinho. Ele não admitia que nenhum ator criticasse a sua personagem. A atriz que interpretava Chapeuzinho era uma espécie de mediadora da discussão entre os dois. Na nova versão criada por eles e chamada de A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho o lobo não conseguia engolir ninguém. Ele levava a pior o tempo todo. Para facilitar a excursão das duas peças, eu bolei um cenário que cabia na carroceria de uma Saveiro. E o cenário era feito de tal maneira que os elementos serviam, com alguma modificação, para as duas encenações. Viajávamos Jalusa, que fazia a peça adulta; eu, que fazia a peça adulta, a luz e o som do infantil; Lourdes Braga, que fazia a Vovozinha; Alethea Miranda (que tinha feito Riacho Doce comigo), no papel de Chapeuzinho; e Hélio Zacchi, que fazia o papel de Lobo e a luz e o som do espetáculo adulto. A montagem do cenário era feita por todos. Em Angra dos Reis fizemos os dois espetáculos numa Igreja em ruínas, local em que a Prefeitura fazia eventos. Foi uma experiência enriquecedora. Nesse ano dei continuidade ao curso de interpretação no Colégio Sion e montei mais uma superprodução: O Teatro Através dos Tempos. Desta vez, eu tinha que colocar em cena 92 atores (alunos, professores, pais e funcionários da escola que tinham feito o curso). Para atender a um elenco tão grande, bolei um roteiro que contava a história do teatro, começando pelos rituais religiosos. Um grupo de mulheres antigas fazia uma coreografia ao som de percussão e sons emitidos por elas mesmas, reverenciando alguma divindade. Estas mesmas mulheres faziam, em seguida, um trecho de Medeia, de Eurípedes. Depois vinham trechos de Júlio César e Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare. Bodas de Sangue de Federico García Lorca, Aurora da Minha Vida de Naum Alves de Souza, etc. O espetáculo não se limitava só ao teatro declamado, havia trechos de musicais (West Side Story), ópera (Nabuco: Va Pensiero), balé (A Valsa das Flores). O espetáculo terminava com todo o elenco cantando e dançando One de Chorus Line. Eles vinham dançando a coreografia desde o fundo. Mas como conseguir um palco no qual coubessem 92 atores? O Colégio Sion, tem um auditório imenso com um mezanino em forma de U, onde o público também pode sentar. Tinha o palco e ao fundo um anfiteatro circular onde os alunos sentam nas comemorações, entrega de diploma, etc. O que eu fiz ? Eu inverti. O público sentavase no anfiteatro e o palco e toda a plateia eram o nosso espaço cênico. Do mezanino que ficava na lateral e na parte de trás da platéia eu prendi cicloramas dourados que tinham sobrado da produção de Numa Nice. A área de representação media cerca de 300 metros quadrados. Foram alugados refletores para a iluminação e eu mesmo comandava a operação de luz do mezanino, no qual também fazia uma pequena participação no papel de Marco Antonio em seu famoso discurso no enterro de Julio César. Todos adoraram! Público e participantes. E, nesse mesmo ano, escrevi um novo texto de teatro chamado Prazer em Te Conhecer. O interessante é que levei um ano para concluir o trabalho. Não conseguia achar um final para o João e a Maria, as duas personagens criadas por mim. Cheguei a encostar a peça durante um bom tempo, até que, um dia, acordei com o final pronto. Fui para a máquina de escrever (que saudades da minha máquina elétrica portátil) e concluí o texto que até hoje, com exceção de uma leitura pública, ainda está inédito. Mas um dia eu ainda dirijo esse espetáculo. O Caso do Martelo foi gravado no Rio Grande do Sul, em Bento Gonçalves, sob a direção de Paulo José. Gosto muito do Paulo na direção. Ele vem confirmar a minha teoria de que é muito bom trabalhar com diretores que também são atores. Participei também de um Você Decide chamado O Desaparecido, do qual não tenho lembrança. Tenho uma lembrança muito clara de todas as peças de teatro que fiz, até as que foram fracassos. Mas há trabalhos em televisão e cinema que foram apagados da minha memória. Neste ano, escrevi um infantil que chamava Zip Zap Zum, a pedido de três atrizes que eram minhas amigas (Silvia Bastos, Monah Magalhães e Tetê Dias). Eu dirigi o espetáculo que resultou numa peça muito engraçada. Eram três palhacinhas que faziam esquetes clássicos de circo. As famosas entradas de palhaço com muitas quedas e tapas. Quando a temporada acabou, convidei a Silvia Bastos para uma remontagem de A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho, no teatro do Planetário. Aletheia estava morando em Angra dos Reis e não podia mais trabalhar conosco. Lourdes Braga continuava a brilhar como Dag e eu entrei no papel do Lobo. Continuei a dar aulas no Colégio Sion. Para a nova montagem resolvi escrever um texto especial no qual havia um papel específico para cada um deles e foram batizados por mim, com os mesmos nomes dos atores. Então os gêmeos da peça chamavam Rafael e Daniel. A peça contava a estória de um grupo de oito crianças que estudavam num colégio um tanto quanto retrógrado, com regras muito rígidas de comportamento. Era o meu subconsciente falando do Colégio Sion. Nesse colégio tinha uma inspetora boazinha e outra muito má. Ou seja no maniqueísmo que existe em todas as estórias infantis. Os oito tinham um clubinho onde se reúnem para conversar. A insatisfação de todos é muito grande. Na discussão cada um é acusado pelos demais, do defeito que tem: Preguiça, gula, covardia, soberba, etc. Ninguém admite a sua culpa e acabam acusando o colégio pelas suas infelicidades. A inspetora má ouve e ameaça suspender todos. Para se livrar do castigo eles são obrigados a cumprir sete missões. Em cada missão, cada um deles consegue vencer as suas limitações e provar que são diferentes da maneira como foram criticados pelos colegas. Ou seja, o covarde mostra ser, na verdade, valente; o egoísta se mostra solidário; e assim por diante. A peça ensina que a amizade é o mais importante e que as pessoas têm tudo dentro de si, só que você às vezes não exercita aquele outro lado. Nós somos bons e maus, covardes e valentes. O texto é didático sem ser chato. Estava montando a peça quando meus filhos gêmeos resolveram voltar para São Paulo. Sem os meus filhos no meu dia a dia e estudando no Sion, não havia mais lógica continuar dando aulas de teatro lá. Passei um período bastante deprimido. Não queria saber de voltar ao Sion. Mas os meus ex-alunos me procuraram e imploraram para que eu voltasse. Apesar de muito deprimido resolvi aceitar com algumas condições. A Turma do Barulho não seria mais montada. Os ensaios seriam em outro lugar. Com os adolescentes montei A Gata Borralheira, da Maria Clara Machado, e com os adultos, Bodas de Sangue de Federico García Lorca, um texto que eu adoro. O grupo adulto era composto de alunos mais velhos e alguns pais. Nós alugamos um teatro fora da escola e apresentamos as duas peças lá. Foi muito bom! Eu sempre gostei de trabalhar dessa maneira porque acho que sou um diretor pedagogo. Eu tenho facilidade de ensinar, de transmitir o que é preciso ser feito e como conseguir isso. Por outro lado me cansa um pouco o ranço do profissionalismo deturpado. Cansa-me o pensamento quase geral que depois de se atingir um certo estágio na carreira, com a prática, não se precisa mais estudar. Cansa-me o estrelismo de certos atores que acham autossuficientes. Essas coisas me enchem o saco. Isso não é teatro. Capítulo XXVIII Em 1992, fiz em inglês um filme chamado Mission of Love, dirigido pelo Dino Risi, o grande diretor italiano, importantíssimo, autor de Aquele que Sabe Viver (Il Sorpasso), no qual eu havia dublado o papel de Jean Luis Trintignhan. Eu só tinha uma cena, fazendo um cônsul italiano no Brasil, mas sabem com quem eu contracenei? Fernando Rey. Isso mesmo! O Fernando Rey, ator preferido de Buñuel. Eu cheguei com o texto todo de cor em inglês, é claro. A gravação ia ser na capela da Santa Casa. Quando cheguei estavam fazendo uma tomada na rua em frente. Fui para a capela que ainda não estava preparada para a filmagem e fiquei memorizando o meu texto certo de que só iríamos filmar depois do almoço. Logo em seguida eles começaram a chegar e fui apresentado ao Dino Risi. Que emoção! Estar participando de um trabalho sob a direção de um dos meus ídolos, numa grande produção. Era uma espécie de minissérie para a televisão, filmada na Índia, na Itália e no Brasil. O Dino Risi ainda não me conhecia pessoalmente. Eu tinha sido escolhido através do curriculum e de fotografia. Tinham feito uma seleção com quase todos os atores do Rio de Janeiro. Perguntei como ele queria que eu encaminhasse a minha personagem. Ele me deu algumas instruções e perguntou: – Ah, você pode tirar o bigode? Eu havia sido selecionado por uma foto, onde não estava usando bigode. Como eu não estava fazendo nenhum papel em televisão nem em teatro, concordei. Falava um pouco em italiano, um pouco em inglês e a maior parte em português. É incrível como quando, diante de um ídolo, a gente não fala nem a nossa língua! Fui para a maquiagem e cortei o bigode com uma tesoura e depois passei a navalha. Botei a roupa e nisso o assistente de produção disse: – Ewerton, já tá pronto? – Estou, por quê? – Estão esperando por você! Eu entrei na capela onde tudo estava pronto. As luzes, a câmera e os atores posicionados. Atrás de uma grande mesa estava ele: Fernando Rey, vestido e investido de Bispo. Estavam lá também Carol Alt que fazia a protagonista e Ethan Wayne filho do John Wayne. Fui apresentado a todos, sentaram-me numa cadeira e o Dino disse: – Vamos passar a cena. Graças a Deus não errei e consegui dizer o meu texto com sotaque italiano. Dino aprovou e ordenou: – Câmera! Ação! Depois do: – Corta! o Dino Risi elogiou a cena e, sem perder tempo, disse: – Ok, vamos fazer o seu close. A câmera foi novamente posicionada e lá estava eu em close, tendo Fernando Rey dando as minhas deixas. Depois fizemos o close dos outros. Quando tudo terminou fui cumprimentado por todos. Aliviado fui almoçar com eles. É uma pena que o filme não tenha sido exibido no Brasil. Nem pude ver o resultado do trabalho. Mas ganhei em dólar (e muito bem) e tive a oportunidade de conviver profissionalmente com tão grandes artistas. Paulo Ubiratan me chamou. Ele sabia que eu já havia escrito e dirigido na TV Manchete. Ele havia pedido ao Aguinaldo Silva a adaptação de uma peça de teatro chamada O Matador. Seria um especial para TV, mas cuja linguagem deveria se aproximar da linguagem cinematográfica. Minha versão, com toda a modéstia, ficou muito boa, com mais ação do que diálogos, como o Paulo queria. Aliás, tive o cuidado de registrar a minha adaptação na Biblioteca Nacional, como faço com todos os textos que escrevo. No final das contas, o especial foi gravado com a versão do Aguinaldo. Ganhei um muito obrigado e uma vaga na oficina de teledramaturgia da TV Globo. Os professores eram Flávio Campos e Luiz Carlos Maciel. Nesta oficina eu tive oportunidade de escrever vários teletemas, mas nenhum foi aproveitado. Era material de estudo mesmo. Era treinamento. Aprendi várias técnicas de escrever para televisão e para cinema, que são basicamente a mesma coisa. Foi muito interessante. Nessa oficina conheci Margareth Boury e com ela escrevi alguns textos em parceria. Como ator participei de As Noivas de Copacabana, uma minissérie do Dias Gomes, na Globo, onde Miguel Falabella fazia um serial killer. Nesse ano consegui um grande sucesso pessoal como Guedes, na novela De Corpo e Alma, da Glória Perez. Essa novela tem uma triste recordação, pois durante as gravações Daniela Perez, filha da Glória, foi assassinada por um companheiro de elenco. Foi muito difícil para todos nós terminarmos a novela. Mas, enfim, profissionalmente tínhamos que continuar. Agora o que é mais triste ainda é saber que os assassinos estão muito bem, livres e no convívio social, como se não tivessem feito nada de errado. Que país é este? Onde a justiça se escondeu? Mas voltando ao Guedes, ele suscitava a raiva das mulheres e a grande maioria dos homens tinha-o como herói. Por quê? O que o Guedes fazia? Tinha a esposa em casa (Vera Holz), tinha amantes fora e fazia o que queria da mulher. Então era uma situação machista ideal. Depois o Guedes começou a pegar pesado e chegou mesmo a colocar a mulher no hospício, quando descobre que ela havia pago com a mesma moeda a sua traição, mantendo um caso com um rapaz mais jovem. Muitas vezes eu me deparei com homens na rua que diziam: – Aí, é isso mesmo! Tem que botá a mulher no hospício e matá a tesourada. Esta era a forma que a Daniela Perez havia morrido. Eu ainda me assusto com a forma como os espectadores entendem o nosso trabalho. É para isso que serve o nosso esforço em dar veracidade às personagens que interpretamos? Uma vez uma mulher, é um fato também que eu nunca me esqueço, parou na frente do meu carrinho de supermercado e disse: Eu te odeio!... Mas disse de uma forma contundente, como se ela odiasse a mim e não ao personagem Guedes. Mesmo sabendo que a confusão das identidades é que havia provocado essa manifestação tão negativa, não deixei de ficar abalado. O consolo é saber que a maioria das pessoas vê o nosso trabalho como arte e valoriza o nosso ofício, sabendo separar o ator do personagem. Capítulo XXIX Apresentei um projeto no Centro Cultural Banco do Brasil, para montar uma ópera infantil: A Cigarra Cinara e a Formiga Ida, Parentes Afastadas de La Fontaine, de minha autoria. Consegui um elenco excepcional para trabalhar comigo: Sílvia Massari, fazendo o papel da cigarra; a Cláudia Netto, fazendo a formiga; e o Lício Bruno, fazendo o papel de La Fontaine. Naquela época ele já cantava ópera, depois disso ele foi para a Bulgária se aperfeiçoar. Estudou muito fora do país, hoje em dia é reconhecido internacionalmente. Os três vieram se juntar nessa aventura em fazer uma ópera para crianças. E para se montar uma ópera é preciso de música. Música original de acordo com o meu projeto. Contratei Adelino Neto para essa tarefa, já que ele tinha familiaridade com esse tipo de música, mas ele foi o ponto destoante nesse trabalho. Não deu conta e acabou ficando dele só a música inicial da Cinara e o tema de trabalho da formiguinha. Aliás, a letra que ele colocou na boca da cigarra não tinha nada a ver com a personagem e com o gênero de teatro que estávamos fazendo. Sem músicas originais recorri ao meu conhecimento do gênero e selecionei algumas árias de óperas. Em cima da melodia escrevi novas letras, que tinham a ver com as personagens, a ação e o gênero de teatro que estávamos fazendo. A Sílvia Massari adorou, porque ela cantava, e muito bem, vários desses trechos. E como Deus é brasileiro, e gosta de teatro, tivemos sucesso. Além da ajuda de Deus, contribuíram bastante os três integrantes da orquestra: Cléo Boechat (piano), Luis Cuevas (flauta) e Fiorella Solares (violoncelo). Contribuiu sobretudo uma grande amiga que era a minha assistente, o meu braço direito: Patrícia Bueno, a quem devo muito, tan-to do ponto de vista artístico como no terreno pessoal. Os cenários eram meus, a coreografia de Cristiana Lara Resende e os figurinos (belíssimos) eram de João Gomes. O Dia de Alan, de Vladimir Capella, foi o meu trabalho seguinte em teatro. Eu sempre gostei muito de dirigir teatro Infantil, porque a maneira de se comunicar com as crianças é peculiar e muito perigosa. O Vladimir é autor de teatro infantil, mas de uma forma totalmente diferente: ele não vê a criança como um débil mental, o que é muito bom. Mas, por outro, ele trata o teatro infantil de uma forma muito adulta, e às vezes há conflitos. Por exemplo, ele adora botar gente pelada em cena, o que no teatro infantil é (ou era) ainda inviá vel. Não pelas crianças, eu acho que as crianças aceitariam numa boa, mas os pais ficam horrorizados. Ele conseguiu colocar a Gata Borralheira tomando banho pelada na cachoeira; conseguiu botar a Miranda completamente nua, quando tem que provar que é mulher, apesar de estar vestida de homem. Isso sem contar os cavalos, que são sempre rapazes bonitos, vestidos apenas com um tapa-sexo e com a bunda de fora. Bem, isso quando ele dirige os próprios textos. Só que na minha direção de O Dia de Alan, havia um nu impossível de ser tirado, pois o Alan tirava a roupa na frente da classe para poder ser ouvido pelos colegas e pela professora. O fato era a base do espetáculo e sem ele não havia peça. Eu, então, inventei um jeito dele ficar pelado atrás de uma mesa que cobria a sua nudez, já que ele era pequeninho e a mesa, grande. As crianças em cena conseguiam ver a sua nudez, mas o público não. Dessa forma consegui agradar a gregos e troianos. Mantive a nudez da personagem, mas o público não conseguia ver as suas partes íntimas e, portanto, não tivemos nenhuma reclamação dos pais. Ao contrário, o espetáculo fez muito sucesso. Mais uma vez tive a valiosa assistência de Patrícia Bueno. Na época, Vic Militello fazia sucesso com o seu teatro de terror, às sextas-feiras à meia-noite, no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro. Cada semana era apresentada uma nova peça com elenco e direção diferentes. Muita gente famosa passou por lá. Era muito divertido ter que ensaiar, decorar e levantar toda a produção em uma semana. A maioria das peças encenadas era originária do circo-teatro, que eu adoro. Convidado a participar, aceitei. A peça escolhida foi O Mundo não me Quis e convidei o Diogo Vilella para o papel do jovem galã de vinte anos. Na última hora, o Diogo, que estava excursionando pelo Brasil com a peça Solidão, a Comédia, não pôde fazer e, então, entrei eu. Peguei uma peruca na televisão (na TV Globo), com um topete à la Elvis Presley. Era ridículo! Aquela peruca era absolutamente falsa e eu tentei, então, explorar este outro lado dos velhos atores que faziam o papel de galã e ficavam engraçados por isso. E toda vez que eu dizia que tinha 20 anos, a platéia caía na risada! E, aconteceu um fato muito curioso: o Lafayete Galvão fazia o frei que cuidava do meu personagem desde que fora abandonado, recém-nascido, na porta do convento. E, no final, quando eu morria, tocava a música de A Força do Destino, de Verdi. Então eu pedi ao Lafayete que espichasse a fala do frei até um determinado ponto para que, em seguida, quando eu desse a última fala da peça, que era justamente: – Não! O mundo não me quis!, coincidisse com o final da música. Mas na hora do espetáculo, com o nervosismo da estréia e a insegurança de tão poucos ensaios, ele não espichou a sua fala e vendo que ainda faltava muito tempo para a música chegar ao final, eu disse 38 nãos, de todas as formas possíveis e imagináveis, até chegar o momento em que eu pudesse dizer: – O mundo não me quis!, nos acordes finais da música. A platéia rolava de rir. Os atores também. E Patrícia Bueno, que mais uma vez havia sido a minha assistente e operava a sonoplastia do espetáculo, também ria a valer. Foi realmente muito engraçado. Eu sou um apaixonado por esse tipo de teatro. Sempre que posso eu me envolvo nesse tipo de montagem. O circo-teatro é a raiz da nossa cultura teatral. São melodramas na sua essência, mas que acabam se transformando em grandes comédias quando levados às últimas consequências. Nesse ano aconteceu um fato inusitado. Eu e a Patrícia Bueno estávamos namorando. Ela foi convidada para fazer parte do elenco de Perdoame por Me Traíres, o fantástico texto de Nelson Rodrigues. Ela fazia a Judith. Eu fiquei muito satisfeito, porque a Patrícia tem frustrada uma carreira de atriz. Durante muito tempo ela foi grande atriz, trabalhou em inúmeras novelas na TV Globo e, de repente, parou. Uma pena. Mas com esse convite ela estaria de volta num texto excepcional e num papel muito bom. Iam fazer temporada no Teatro Villa-Lobos e participar do Festival de Edimburgo. Ela me pedia para eu ir assistir aos ensaios e dar algumas dicas pra ela e eu dizia: – Não, Patrícia. Eles sabem que eu sou diretor e não é bom que pensem que eu vou dar palpites no seu trabalho. Faça do jeito que o diretor está mandando e vê o que acontece. Só que nas vésperas da estréia a Patrícia veio desesperada e disse: – O Aurélio Di Simoni não vai mais poder fazer a luz do espetáculo e nós não temos quem faça. O espetáculo já é uma catástrofe, vai lá, pelo menos fazer uma luz! – E o que disse o diretor? – Ele adoraria que você nos ajudasse. Então eu fui. Assisti a um ensaio e fiz uma luz com o que tinha à mão. Havia poucos refletores no Villa-Lobos e o diretor tinha me dito: – Se você precisar de mais refletores é só dizer. Eu disse, mas não adiantou nada! Eu tive que inventar. Para a cena inicial do jardim eu usei dois refletores helipsoidais com gelatina verde e gobos meus, que projetavam folhagens (gobo é uma máscara de amianto que vai dentro do refletor e projeta o desenho, que é a parte vazada dele). A cena do aborto eu fiz com luminárias, dessas de latão, que projetam a luz para baixo. Coloquei nelas luzes bem fortes e no momento preciso as luminárias desciam e iluminavam a cena, dando um clima de hospital. Criei luzes loucas... E ficou interessante. Davam os climas. Bem, eu salvei a produção que pôde estrear no dia previsto e, ainda, fui operar a luz tudo sem cobrar nada. Como prêmio fui incluído na viagem para Edimburgo. Uma semana antes da estréia naquele festival, a Patrícia e eu fomos para Londres e lá ficamos até o dia de seguir viagem para a Escócia. Aproveitamos bem esta viagem. Assistimos muito teatro. (Miss Saigon, Les Misèrables, The Phantom of the Opera, Sunset Boulevard, Cats, An Inspector Calls e Crazy for you.) Tivemos também a sorte de entrar em contato com Judith, uma gentil senhora que mora em Londres, amiga da família da Patrícia, que nos ciceroneou através de várias cidades. Conhecemos Stratford-up-Avon (a cidade de nascimento de William Shakespeare), Windsor, Bath, Wells e Stonehenge. Às vésperas da nossa apresentação em Edimburgo a Patrícia e eu pegamos um ônibus, e fomos para lá. O resto do elenco iria direto de avião para Edimburgo. O ônibus era muito desconfortável. Um horror! Passamos a noite neste ônibus, sem dormir, é claro. Chegamos em Edimburgo bem cedo, por volta das 5 h da manhã. Entramos num pub, tomamos um café da manhã e depois fomos direto para o local onde íamos nos apresentar. Era um colégio. O Festival de Edimburgo apresenta cerca de 580 peças. Para que isso aconteça, todas as salas disponíveis da cidade viram teatro. Os espetáculos acontecem em todos os horários: às 10h da manhã, às 2h da tarde, às 2h da manhã, a hora que você quiser e nos lugares mais inusitados! Por exemplo, vimos uma peça na sacristia de uma Igreja. Era um monólogo: o ator representava Cristo e trabalhava apenas com o auxílio de uma escada de pintor. Os espetáculos que nós vimos foram todos nos lugares mais incríveis. E para dez, 15 pessoas. Havia gente do mundo inteiro. É muito interessante, porque nas ruas você vê os grupos de teatro vestidos com roupas da peça filipetando, quer dizer, cada um tem que chamar o público para o seu espetáculo! Eu vi um musical chamado Chess (Xadrez), que tem uma música que é famosíssima: I Know Him so Well. Um dueto famoso. Está em tudo quanto é antologia de musicais. Este espetáculo estava sendo apresentado em uma Igreja desativada. No lugar do coro ficava a orquestra, tudo muito improvisado. Chegamos então na escola onde iríamos nos apresentar. Eu queria ver o espaço, já que eu ia ter que montar e operar a luz do espetáculo. Esperamos um pouco até chegar a secretária da escola, que era um travesti. Ele abriu a escola, entramos, fomos até a Secretaria, eu me apresentei como iluminador do Perdoa-me por Me Traíres (uma observação: eles não traduzem os títulos) from Brazil e eu queria saber quantos refletores eu teria à disposição. Ela me disse: – Four (quatro). Eu não acreditei e perguntei: – Forty (quarenta)? Ela repetiu: – Four (quatro). Eu tornei a perguntar: – Fourteen (quatorze)? Ela disse já impaciente: – NO!! FOUR. Eu disse que seria impossível fazer a luz com quatro refletores e perguntei se haveria possibilidade de se conseguir mais alguns. Ela então disse que poderia conseguir outros, ao preço de 5 dólares por dia cada um. Fui até o diretor e disse: – Com quatro refletores não dá! Eu sei fazer luz, não milagres! Ele respondeu: – Você tem razão! Vamos alugar dois refletores. É de chorar, mas tive que iluminar a peça com seis refletores! E sabe que até foi possível!... Fiz umas loucuras. Tirei a lente de um refletor, ele espalhava luz pelo palco inteiro. Criei uns efeitos. Deu certo. Agora, sabe onde era o nosso teatro dentro da escola? No porão! Havia, em cada andar, várias peças em cartaz. O nosso porão era grande. Havia colunas. E não havia cadeiras! Eram fardos de feno, que eram colocados em forma de arquibancada. Mas havia coisas inusitadas. Por exemplo: onde eu estava, um dia durante o espetáculo, eu vi a Leina Crespi trocando de roupa para entrar em cena. Ela ficou peladinha na coxia. Eu pensava: – Meu Deus! Assim como eu estou enxergando, o público também está! Era um absurdo. E olha outra loucura: chegávamos no teatro e tínhamos que montar o nosso espetáculo, porque havia tido um outro antes. E quando terminávamos, tínhamos que tirar tudo o que era nosso rapidinho, porque tinha um Romeu e Julieta, logo em seguida. Este era da Iugoslávia. Apresentamo-nos lá os três dias. Quanto ao local onde ficaríamos hospedados, o diretor do espetáculo havia dito: – Já aluguei o local onde vamos ficar. Um dúplex no coração de Edimburgo. Quando a Patrícia e eu chegamos, o dúplex ficava no último andar de um prédio sem elevador. Vou descrever o apartamento: tinha uma cozinha, que para ser suja tinha que limpar muito. Dois quartos lotados de atores. Tinha um banheiro semidestruído e uma escada que subia para o segundo piso onde havia uma banheiro inacabado e quatro quartos: um da Leina Crespi, outro do Rubens de Falco, outro onde moravam duas moças, que nunca tínhamos visto antes. O quarto que coube à Patrícia e a mim era uma mansarda sem janela. O telhado descia para cima da cama, com um vidro, por onde entrava claridade. Eu tive que tapar este vidro, porque o sol nascia na cara da gente. Eu tapei com papelão. Mas o pior: o arranjo de cama era marrom de tão sujo. Resolvemos primeiro limpar o pardieiro. Debaixo da cama tinha até pedaço de pizza... Para resumir: passamos um dia limpando. Como não tínhamos arranjo de cama, a gente dormia vestido para não ter contato com aquele pele-go... Os travesseiros nós forramos com camisetas minhas para não colocar nossas cabeças direto naquela sujeira. E o frio que fazia! Vários cobertores sobre nós... Apesar disso tudo foi muito bom, porque visitamos todos os museus de Edimburgo, todos os lugares históricos e todos os palácios. De volta ao Brasil fui chamado pela Coca-Cola para dar um curso de habilidade de comunicação. Chamava-se Power Talk (O Poder da Fala). Eu dar o curso? Eu nem sabia do que se tratava. Era um curso americano e eles pediam que o professor fosse ator, também fosse diretor e que tivesse experiência em dar aulas de interpretação. Então não achavam ninguém. Só acharam duas pessoas: a Ítala Nandi e eu. A Ítala não era diretora, mas tinhas experiência de dar aula, na Faculdade da Cidade, no Rio de Janeiro. Eu nunca ganhei tanto dinheiro na minha vida. Ganhava em dólar. Mas nunca trabalhei tanto também! Para começar eles me deram um imenso calhamaço e me disseram: – Daqui a uma semana você estará dando aula. Estude. O calhamaço era em inglês. Eu o devorei. Eu perguntei: – Eu posso dar aula lendo as instruções? – Não, você tem que decorar. – Eu não vou conseguir! Estudei feito um condenado e a Patrícia me ajudou muito nessa tarefa. Para que vocês tenham uma idéia do volume de informação que eu tive que decorar, vou contar como era o curso. No primeiro dia a aula ia das 8 às 17 horas. No intervalo para o almoço eu tinha que comentar os vídeos que tinham sido gravados pela manhã. No segundo dia novamente das 8 às 17 horas, terminava com a entrega dos certificados de conclusão e eu estava morto de cansaço. E por que isto? Porque é imersão. Você não pode parar um minuto de falar sobre o assunto. Você tem que convencer as pessoas de que elas são capazes. Agora, o curso era muito bom. Havia alguns exercícios, que depois eu usei, quando dava aula no curso profissionalizante de ator. Enfim, eu dava dois cursos por semana, ou seja: segunda, terça, quarta e quinta. Sexta televisão: Radical Chique, sábado e domingo eu descansava. A noite anterior à minha primeira aula eu não dormi de nervoso. Eu fiquei estudando. – Depois que eu falo sobre isso eu mando os alunos fazerem tal exercício. Em seguida eu ajudo cada um preparar o seu. Tenho que dizer isto de tal forma. Tenho que dizer aquilo logo que acabarem o segundo exercício... Era tudo cronometrado. O programa tinha de ser seguido à risca e não podia deixar de passar nenhum dos conceitos. Acima de tudo eu tinha que demonstrar a confiança de quem domina a matéria e tem certeza de tudo o que está falando. E tudo sem consultar o imenso calhamaço que tinha estudado em casa. No primeiro dia eu cheguei na Coca-Cola pronto para desistir da tarefa e voltar correndo para casa. Eles não me deixaram ir embora. Eu tentei e consegui. E acabei fazendo muito sucesso. Depois que acabaram os cursos dentro da Coca-Cola, a Nilsen (agência de publicidade da Coca-Cola) me chamou para dar os cursos em São Paulo. Um dos diretores foi fazer o curso no Rio, adorou e quis que toda a Nilsen fizesse. E sabe qual é o objetivo deste curso? É o funcionário ter o poder da palavra, saber expressar as idéias dele. Porque, se o meu funcionário não souber se expressar, eu posso estar perdendo grandes idéias para o progresso da minha empresa. E não estão com a razão? Em 1993, eu fiz Radical Chic, que foi uma bênção na minha vida. Fui chamado pela linha de show da TV Globo. Era uma espécie de gincana estudantil comandada pela Maria Paula. A Radical Chic era Andréa Beltran e só aparecia em vídeos previamente gravados. Eu fazia o garçon Oliveira que atuava com a Maria Paula. O esquema era mamão com açúcar. As gravações eram às sextasfeiras, dia da minha folga da Coca-Cola quando gravávamos todos os programas da semana. Um belo dia a direção da TV Globo me chama e pergunta: – Por que é que você está fazendo Radical Chic? Você é um ator e tem que fazer novelas. Eu disse: – Há um pequeno engano: eu não sou funcionário da casa, eu sou um ator que faz o trabalho para o qual foi chamado. A linha de show me chamou e eu aceitei. Estou contratado por eles até o final do ano. Não! Você é ator de novela e não pode fazer a linha de show. Tanto posso, que estou fazendo! Mas não pode ! Então, faz o seguinte: contratem-me como funcionário e quando tiver novela vocês me escalam, quando não tiver vocês me deixam descansando. A TV Globo não tem planos de contratá-lo como funcionário. Bom, então eu vou continuar fazendo Radical Chic. Faz o seguinte: você vai fazendo Radical Chic até surgir uma novela que você possa entrar. Aí você vai fazer novela. E para não continuar a discussão eu disse : – Tá legal! E continuei fazendo Radical Chic. Então fui convidado para dirigir Sweet Charity, um musical americano, que já foi filme estrelado pela Shirley MacLaine. Eu adoro musical! Eu aceitei, é claro! O curso Power Talk já havia acabado e eu tinha todo o tempo do mundo, menos às sextas-feiras. Comecei a fazer testes para formar o elenco. Eu tinha que achar um ator para fazer o galã e pensei no Sidney Magall. Eu sabia que ele era bom ator porque interpretava as suas canções. Lembram de Sandra Rosa Madalena? Apesar dos protestos de alguns resolvi fazer um teste com ele. Telefonei: – Sidney, você gostaria de fazer um musical americano? – Claro, adoraria! – Você toparia fazer um teste? – Sem o menor problema! Feito o teste, ele era melhor do que a bailarina/ produtora que ia fazer o papel de Charity. Então, ele foi contratado. Nisso, a TV Globo me chama: – Nós queremos que você venha fazer Fera Ferida. – Que papel? – Você vai fazer o amigo do Flamel (Edson Celulari). – Não, orelha eu não faço mais. (Orelha é a personagem que ouve. Você está na novela porque o mocinho, o galã tem que falar; tem que extravasar com alguém o que ele pensa. Então, ele sempre tem um amigo. Este amigo é o que a gente chama em teledramaturgia de orelha, ou seja, ele só serve para ouvir. Não tem vida própria, não tem sentimento, não tem nada). – Não quero. Eu vou continuar fazendo Radical Chic. – Não! Você vai fazer a novela, porque nós precisamos de você. – Eu tenho um contrato para fazer Radical Chic e pretendo cumpri-lo. – Se você não vier fazer a novela, você será despedido do Radical Chic. Bem, diante de tantas opções, eu fui fazer a novela. Olha a tirania de alguns diretores da TV Globo... Deixei Sweet Charity e fui fazer a novela. Mas não fiquei de orelha, porque eu briguei para ter uma vida própria. O Gusmão, a minha personagem, existia dentro da novela. Quase casou com a personagem da Arlete Salles. No final ele se casou com a personagem da Luiza Thomé. Mas antes de aceitar a imposição tirânica, estabeleci uma condição: – Está bom! Eu venho fazer Fera Ferida, só que eu já prometi aos meus filhos que em dezembro eu vou levá-los à Disneyworld. Vocês vão me dar esta folga em dezembro, são duas semanas. Já está combinado porque eu teria essa folga no Radical Chic, eu prometi e vou! – Tudo bem! Quando chegou às vésperas da minha viagem, o Dennis Carvalho disse: – Infelizmente não vai dar para você ir para a Disneyworld. Vai ter uma festa na novela e o Gusmão não pode deixar de estar presente. Eu contei até dez e disse: – Estou com as passagens compradas. Eu estou indo para Disneyworld. Se vocês quiserem, matem a personagem. Eu estou indo. Foi trato nosso. E fui. Daí botaram um dublê, porque era uma festa a fantasia, que demorava duas semanas e, é claro, o dublê estava atrás de uma máscara. Depois resolvi ressuscitar A Verdadeira História e Chapeuzinho Vermelho e o Teatro de Cordel, num projeto de Teatro Popular. Consegui o Teatro Cacilda Becker, no Rio de Janeiro e fomos à luta. Patrícia novamente me ajudando e fazendo a minha assistência. Consegui também um salão enorme e montei lá a sala de ensaio e um atelier para confeccionar os inúmeros figurinos usados no Cordel. Levei para lá todo o meu acervo de figurinos para serem reciclados pela figurinista Beth Filipeque e seu marido. Os dois espetáculos, eram muito interessantes. O que aconteceu? O Teatro Cacilda Becker já tinha tido sua época de glória, mas estava passando por um ostracismo imenso. Então, o público nem mais se lembrava dele. Para o leitor ter uma idéia o condomínio do prédio não deixava colocar nem mesmo um luminoso na frente! Nem o público que passava pela porta sabia onde era o teatro. Nessa ocasião, eu peguei uma fantasia de car-naval, que tinha ombros bem largos, botei um plástico na frente e atrás e escrevi: Teatro Cacilda Becker -Teatro de Cordel 94 – 5ª-6ª SAB 21 horas Domingos 20 horas. E ficava de homem sanduiche na calçada, indicando para o público que o teatro era ali. Chamei até jornalistas para verem isso, porque era um absurdo. Mas, não adiantou nada. A temporada foi um fracasso. No final desde ano, eu fiz um especial para O Você Decide, na TV Globo, intitulado As Flores do Mal, do Geraldo Carneiro. Direção do Roberto Talma. Marcos Frota estava no elenco, eu fazia o amigo dele. Não fui bem-sucedido. Nem sempre a gente acerta! Capítulo XXX Recordando 1995, vejo como fiz pouco teatro. Quase nenhum. Mas há uma explicação: eu havia morado no Rio de Janeiro por doze anos. Estava morrendo de saudades dos meus filhos! Eu os via raramente e resolvi voltar para São Paulo. De repente arrumei as minhas coisas, coloquei num caminhão e vim. Demoraram a se acostumar com o fato de que eu estava novamente morando em São Paulo. Fiz leituras dramáticas, na Sociedade Lítero-dramática Gastão Tojeiro. A primeira como ator em Itararé, a Batalha que não Houve, de Ênio Gonçalves. Na segunda dirigi o meu texto ainda inédito: Prazer em te Conhecer. Para os papéis convidei Cláudia Mello e Luiz Guilherme. O texto agradou, mas continua inédito. Um dia, ainda vou produzir e dirigir esse texto, que adoro. Participei do curta-metragem – Nelson – baseado num conto de Mário de Andrade, com direção, roteiro e adaptação de Carlos Cortez. O filme resultou muito bom. Ele conseguiu captar o clima da escritura do nosso Mário. Nelson ganhou muitos prêmios, pelos festivais afora. Novela de novo e desta vez no SBT: Sangue do meu Sangue, original de Vicente Sesso e escrita por Rita Buzzar e Paulo Figueiredo (o ator que já havia me dirigido no filme O Médium). No meio da novela houve muitos desentendimentos. O Paulo parou de escrever e o Vicente Sesso assumiu. Foi problemático. Quando o Vicente Sesso assumiu, ele trouxe a Tônia Carrero, fazendo uma amiga da Bia Seidl, que fazia o papel que Tônia havia feito na primeira versão. Tudo muito confuso. Capítulo XXXI Eu me encantei com uma peça de Gerald Moon intitulada Corpse e que Bárbara Heliodora havia traduzido para o português como Um Crime Quase Perfeito. O texto de suspense era muito bom e havia a possibilidade de interpretar dois irmãos gêmeos: Rupert e Evelyn, que eram diametralmente opostos. Para viabilizar o projeto, resolvi produzir eu mesmo e convidei Ben Hur (não a personagem famosa do filme épico, mas o meu companheiro de diretoria da Apetesp) para ser meu sócio. O espetáculo tinha tudo para dar certo, mas não foi um verdadeiro sucesso. Vários fatores contribuíram para isso: a escalação de Abraão Farc para o papel de assassino, por exemplo. Ele tinha o physique-du-rôle, mas não tinha a energia, talvez a capacidade física para fazer a personagem. Ele estava adoentado. Ele ficou doente em cena, tivemos que parar o espetáculo no meio... Talvez Jacques Lagoa não fosse o diretor ideal para levantar a peça... Não sei. Só sei que não fizemos o sucesso que o texto merecia. Para mim, como produtor, foi complicado. E também como ator, porque a linguagem teatral é um todo, se algo não está bem, os problemas vão se agravando. O teatro é sagradamente coletivo. Se nem tudo foram flores, pelo menos tive uma grata satisfação nesse trabalho: era necessário um dublê para fazer alguns truques. Eu explico: o autor escreveu os papéis dos gêmeos de tal forma que, para serem possíveis as trocas de roupa, é preciso que um doublé entre em determinados momentos. Por exemplo: Evelyn sai do seu apartamento acompanhado do matador. O último diálogo é dito enquanto os dois sobem uma escada de incêndio, que é vista através de uma grande janela... Então eu saía pela porta e, enquanto eu trocava de roupa e dizia as falas, quem subia a escada com o matador era o dublê. Havia uma cena em que um irmão atirava no outro, então eu atirava no doublé e jogava o corpo dele para fora de cena. Em uma outra cena, em que eu levava um tiro e caía atrás de um sofá. Havia um mecanismo que fazia com que um braço falso do persona-gem tombasse para dentro de cena. Eu, então, entrava por um buraco que existia atrás do sofá e trocava de roupa para entrar em cena em seguida, vestido como o outro irmão. Ostruques eramfantásticose opúblicovibrava com a trama e com o fato de eu me duplicar em cena. Bem, a minha alegria foi que, como meus filhos, que também são gêmeos (eles se parecem muito comigo), eu os chamei para serem os meus dublês e convivemos durante toda a temporada. Cada dia um deles estava comigo no palco. No último espetáculo os dois participaram, cada um fazendo uma cena. Junto conosco estavam meu amigo Paulo Gama, fazendo o papel do guarda, Malu Pessin como a locatária e Javert Monteiro que havia entrado para substituir Abrahão Farc. Mais uma vez Patrícia Bueno foi impressindível criando soberbos figurinhos. Dirigi Nem Sim, Nem Não, Muito Pelo Contrário, uma adaptação da Marisa Aché, de textos do Machado de Assis, para um Projeto Escola. Aqui também fiz, além de direção, cenografia e iluminação. Gosto de trabalhar sem muita verba de produção. Parece que nessas situações nossa criatividade aflora e acabamos por resolver melhor os problemas cênicos. Vinha de uma produção que tinha um cenário enorme: dois apartamentos, um para cada um dos irmãos. Havia inclusive uma enorme parede no apartamento de Evelyn que se abria para mostrar o apartamento de Ruppert. Em Nem Sim, Nem Não, Muito Pelo Contrário, trabalhei com três módulos com rodinhas. Cada um deles tinha três lados. A mutação de uma cena para a outra era feita pelos próprios atores que giravam esses módulos e compunham o novo cenário. Era um espetáculo bastante simples, mas que atingia os seus objetivos. Fui jurado do I Festival Nacional de Teatro de Jacareí, onde dei uma Oficina de Interpretação. Comecei a me encantar com o ato de ensinar e resolvi dar cursos. Coloquei no jornal uma nota que estava abrindo inscrições para um curso de interpretação. A resposta foi imediata. Muita gente estava querendo fazer um curso comigo. Fato curioso é que essa mesma nota saiu no Jornal Cruzeiro de Sul de Sorocaba e a maioria das pessoas interessadas eram moradoras daquela cidade. Achei mais lógico dar o curso em Sorocaba. Seria só uma pessoa se locomovendo, no caso, eu. Falei com o João Caramez que é dono do Teatro América daquela cidade, combinamos tudo e ficou acertado que o curso seria dado nos finais de semana quando tinha folga da televisão. Todo sábado de manhã eu ia para lá, dava aula das 14 às 18 h, dormia e no domingo a aula ia das 9 até as 17 com intervalo para o almoço. O curso teve duração de quatro meses e no final montei Sorocaba, Nossa Cidade, adaptação feita por mim da peça de Thornton Wilder – Nossa Cidade.A gente contava a história de Sorocaba, não de uma cidade americana. O texto partiu de pesquisas que os alunos fizeram da cidade de Sorocaba. Eles me traziam os dados sobre a cidade e eu ia escrevendo a peça. Havia uma extrema colaboração e entrosamento entre todos, o que é vital para o teatro. E na hora da produção do espetáculo contei com a ajuda de todos, mas a ajuda mais eficaz foi de Hânia Cecília Pilan que comandou o grupo conseguindo inclusive patrocínio para uma montagem de nível. Essa experiência me foi muito prazerosa, tanto que ela originou a fundação da minha escola profissionalizante de atores. Outro presente que o destino me ofereceu foi ter conhecido Hânia que, depois do término do curso se tornou a minha mulher. Neste ano eu fundei a Escola de Teatro Ewerton de Castro, com Curso Técnico de Habilitação Pro-fissional para Ator. As atividades da escola começaram em fevereiro de 1997. Ela começou modestamente, com poucos professores. No começo éramos: eu, interpretação; Isabela Garcia, corpo (Alexander Technique); e Maria do Carmo Bauer, voz. À medida que a escola ia se transformando em profissionalizante, outros professores vieram (chegou a ter 25). Meu orgulho é que a minha escola acabou se transformando numa das melhores escolas de teatro de São Paulo. É realmente uma pena que, hoje, ela já não exista mais. Qual era a diretriz básica desta escola? Era transformar aspirantes a atores em pessoas cultas (na medida do possível!), interessadas, pesquisadoras em primeiro lugar, para a partir daí começar a estudar a técnica do teatro. Ora, o ator é o porta-voz da humanidade, portanto ele tem que estar informado de tudo que está acontecendo nesta humanidade, para poder ser este porta-voz. E todo ator tem como instrumento de trabalho o seu próprio corpo e se não exercitarmos esse instrumento, ele não vai corresponder às expectativas de cada personagem. A persona-gem expecta – ela não é uma espectadora, mas um expectador – ela espera, exige, reclama do ator, que a leve da melhor maneira possível até o público. Não quero aqui dizer que o ator deve se deixar possuir (o teatro não é terreiro de umbanda ou centro espírita), o que desejo é mostrar que nós temos que ser como o pianista: se ele não se exercitar no piano todos os dias, se ele não fizer exercício todos os dias, os seus dedos não obedecem mais. É a mesma coisa que acontece com o ator. Se ele não estiver em constante exercício, ele perde a embocadura. Eu odeio ator que chega no teatro 15 minutos antes de o espetáculo começar, bota a roupa e entra em cena. Além de você ter que entrar no clima da personagem, é imprescindível que se faça um aquecimento vocal e corporal. Como o esportista aquece o seu corpo antes de entrar no jogo. E como fazer isso? Eu vou contar então como eu faço. O verdadeiro professor é aquele que usa as suas próprias teorias. Eu chego geralmente duas horas antes do início do espetáculo, leio o texto da peça (que às vezes estou fazendo há vários meses), ou as partes mais importantes. E quantas vezes eu descubro novos significados, que haviam me escapado! Nessa leitura eu vou mergulhando no universo da personagem e vou revivendo todas as motivações que o levam a agir como age. Depois faço um aquecimento vocal e corporal e por último me coloco no estado físico da personagem ao entrar em cena. Exemplo: Minha personagem chega correndo, agitada fisicamente. Então eu me locomovo até atingir esse estado físico e acaba resultando num estado psicofísico, porque ele se completa com a instalação do interior da personagem. Se a personagem é introvertida, não tem muita ação física e vive solitária, então eu me isolo num canto da coxia até o momento de entrar em cena. O ator tem que estar preparado para qualquer situação. Ou seja, tenho que estar apto a agir como a personagem, em qualquer circunstância. Eu tenho horror ao modelo (no sentido de você ter uma forma para fazer teatro). Não é nada disso que estou falando. Falo da manutenção do papel. Tenho que estar apto para reviver a personagem a cada nova apresentação. Depois de dois anos de espetáculo temos um público que estará vendo o espetáculo pela primeira vez, e o ator tem que fazer o espetáculo naquele dia, como se fosse o primeiro da carreira da peça. De fundamental importância é a construção da personagem. Se o ator não fizer uma construção sólida ela desmoronará com o passar do tempo e ele não vai conseguir mantê-la. Na estréia existe uma adrenalina que faz milagres em teatro. Quase todo mundo se sai bem. Com o decorrer da temporada é que vamos constatar quem realmente se preparou ou não. Quando não há base real dos alicerces da personagem, o ator, assim que passa o frenesi da estréia, vai mudando à medida que a temporada avança e vai mudando para pior, automatizando, aproximando a personagem à sua própria personalidade. Por isso é tão importante construir e manter a personagem. Quantas vezes você assiste a um espetáculo na estréia e depois de um, dois meses volta para ver de novo e encontra um outro espetáculo! O ritmo está desajustado, parece que os atores estão cumprindo uma obrigação que não lhes dá prazer. É obvio que os atores não haviam construído a personagem e ao longo da temporada vão desconstruindo o que eles não chegaram a construir. Muitas vezes o ator se deixa enganar pela reação da platéia. Se a platéia riu numa determinada fala, ele passa a explorar essa fala para conseguir mais risadas. A partir daí ele passa apenas a fazer a piada e não mais a personagem. Não dá certo! Chega um momento em que a platéia não acha mais graça daquela piada. Daí o ator coloca a culpa na platéia que não ri daquilo que ele acha que ainda é uma piada. Durante o tempo de criação do papel o ator tem que se condicionar fisicamente para colocar seu corpo a serviço da personagem. Se o ator for fazer um papel de um atleta, tem que estar preparado fisicamente para transmitir isso em qualquer movimento. Se ele se mostrar sem mobilidade física, cansado, vai ser um vexame! Quando fiz Puck no Sonho de uma Noite de Verão, aprendi a fazer trapézio; quando fiz Bolota na Patética aprendi a dançar sobre patins de rodas. Se estivermos fazendo um musical onde é necessário cantar, é importante o ator estar apto para cantar. Não se aprende a cantar de uma hora para outra, por isso é importante estar sempre treinando a nossa voz. E todo mundo sabe que todo ator de musical tem aulas diárias de canto para a manutenção da voz. Na minha escola eu queria formar atores que tivessem essa consciência do que realmente significa ser um ator. Que soubessem que o sucesso de um espetáculo depende do trabalho árduo de cada um e que, ao mesmo tempo, soubessem que sozinho nós não somos nada. Graças a Deus, Teatro é a mais coletiva de todas as artes. E eu acho que eu consegui pelo menos que os mais interessados aprendessem essa lição de ética, que é mais importante do que qualquer técnica. O que é afinal o Pequeno Organon? Ele surgiu da necessidade que eu tinha de unificar o pensamento pedagógico da minha escola. Sempre dei muita liberdade aos meus professores. Eles eram de total confiança e haviam sido convidados a dar aulas porque os achava absolutamente capazes para essa tarefa e todos tinham tido a mesma formação que eu tive. Ocorre que às vezes a nomenclatura difere um pouco e os alunos se ressentem muito disso. Às vezes dois professores, falando sobre um mesmo assunto, têm maneiras diferentes de defini-lo. Isso é fatal para o aluno iniciante. Então, para que isso não voltasse a ocorrer, resolvi colocar no papel o método que havia aprendido ao longo da vida e que misturava minha experiência profissional, meus estudos e o aprendizado com grandes mestres como Stanislavski e Eugênio Kusnet. Durante um longo período fiquei absorto na atividade solitária de redigir o Pequeno Organon. Quando dei a tarefa por concluída resolvi mostrar primeiro aos funcionários da escola que não tinham nenhum conhecimento teatral. Queria testar a capacidade de comunicação desse compêndio para que ele fosse entendido por todos. Odeio livro hermético. Acho que o escritor e o educador têm que ser o mais claro possível para atingir o objetivo de ensinar, passar algum conhecimento. Enquanto o meu contador e a secretária tiveram alguma dúvida de entendimento eu não parei de reformular o meu trabalho. Só quando eles o consideraram acessível é que me dei por satisfeito e distribuí primeiro aos professores, depois aos alunos que já cursavam a escola. Aos alunos que estavam iniciando criei a matéria Teoria da Interpretação onde pessoalmente dava aulas baseadas no Pequeno Organon que começa indagando: o que é ser ator? Em primeiro lugar é ser preparado intelectualmente, culturalmente, para poder estar apto a pesquisar, compreender o mundo em que vivemos e em que vivem as personagens e construir a vida dessas personagens. Isto é condição sine qua non. O que é que o ator faz para construir a vida de uma personagem? Em primeiro lugar partimos da nossa matéria-prima que é o texto-escrito onde estão contidas as informações sobre a vida dessa personagem. Selecionadas essas informações, o ator vai ter um esqueleto de quem é essa personagem. Mas isso é muito pouco. Porque nós somos complexos, nós somos muito mais do que uma lista de características. É primordial fazer uma pesquisa da época da ação e da geografia onde a ação tem lugar. Essa pesquisa vai nos ajudar a entender melhor a trama da peça, como as personagens pensam e por que elas agem da maneira como o texto indica. É preciso fazer um estudo sobre o ofício ou ocupação que a sua personagem exerce no decorrer da ação. Muitas vezes o ofício determina características peculiares da personagem. Temos que estudar também as relações que essa personagem tem com as outras. Depois disso o ator vai ter uma idéia um pouco mais completa de quem é a personagem. O próximo passo é escrever a história dessa personagem. E no seu passado vamos criar acontecimentos, que façam com que ela aja da forma como age no presente da ação. Ou seja, se ela tem algum trauma, alguma característica marcante no tempo da ação, isso deve ter sido adquirido na vida pregressa dessa personagem. Então, ao mesmo tempo que justifico as ações da personagem, eu crio motivos para ela agir dessa maneira. Se por acaso, num determinado momento, essa personagem se mostra claustrofóbica e eu, Ewerton, não tenho nenhum medo de estar sozinho e fechado em algum lugar, eu tenho que criar uma história que fique orgânica e possa ser reavivada com um toque de dedo do mouse do meu cérebro, quando essa ocasião se mostrar necessária. Por exemplo: quando eu tinha sete anos, eu personagem, fiquei preso no porão da minha casa. Se eu criar essa história com todos os detalhes e conseguir visualizar (a poderosíssima visualização!) como se fosse um filme, no momento em que for necessário ter medo de estar fechado, vou reviver esse momento na minha mente. Ela fará parte do passado da personagem. É o que Stanislavski chamava de Memória Emotiva no seu livro A Preparação do Ator. Só que, no livro, ele sugere que quando a personagem tiver que ter uma determinada emoção você se lembre de um fato parecido ao que aconteceu na sua vida. Acredito que, quando Stanislavski começou a pesquisar o seu método, seu objetivo era fazer com que os atores da época atuassem com verdade. Naquele tempo o teatro era feito de forma exacerbada e bombástica, sem nenhum resquício naturalista. Para fazer com que os atores atuassem com verdade, Stanislavski usou do recurso de fazer com que eles buscassem uma emoção da sua própria vida. E se o ator não tiver essa experiência, como é que faz? Troca-se por uma lembrança analógica. Por exemplo, a mãe da personagem morre, mas a mãe do ator está viva. E aí? Bem, na sua vida quem morreu que era muito querido? Ah, o meu cachorrinho. Então lembra da morte do cachorrinho. Bolelávski, que era discípulo de Stanislavski, ensinava assim. Eu sou completamente contrário a isso. Sou de opinião de que o ator tem que criar uma situação na vida da personagem, de tal maneira real, que possa acreditar nela e possa se lembrar dela quando for necessário. O próprio Stanislavski refez essa teoria mais tarde, mas os diretores e atores que só seguem A Preparação do Ator fazem tudo através da experiência emocional do ator. Isso é errado porque a emoção que eu tive, quando meu cachorrinho morreu, não tem nada a ver com a emoção da personagem com a perda da mãe. Eu costumo citar como exemplo o que aconteceu comigo. Estava atuando em Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, no Sesi. Abrahão Farc fazendo meu pai, Ana Maria Dias era a duquesa, o duque era o Cláudio Corrêa e Castro (o Osmar Rodrigues Cruz dirigiu). Minha personagem era o Alcoforado, que é apaixonado pela duquesa, que por sua vez é casada com um duque muito ciumento. Mas ele está tão apaixonado pela duquesa que pede um encontro a sós com ela. Ela, cansada dos maus-tratos do marido e embevecida pela paixão do rapaz, concorda em recebê-lo à meia-noite nos aposentos dela. Ele, todo feliz, vai ao seu encontro sabendo que vai morrer. Antes de ir, no entanto, despede-se do pai. A cena é muito emocionante, mas o Alcoforado não demonstra, para que seu pai não fique preocupado. Durante a temporada morreu a minha avó Hermínia, mãe da minha mãe, que eu adorava. Liguei para o teatro e disse: Osmar, eu não posso fazer o espetáculo hoje. Eu sinto muito, mas eu não tenho condições de atuar. O Osmar concordou em suspender o espetáculo e pediu que eu levasse o atestado de óbito no dia seguinte, por causa da burocracia do Sesi. Muito bem! Duas semanas depois, morre o meu avô Túrbio, pai do meu pai. Mas eu não era muito ligado a ele e fui fazer o espetáculo, porque inclusive desanuviaria a mente. Mas eu, meu irmão e meu primo Francisquinho vestimos meu avô e o colocamos no caixão. Fui para casa, tomei um banho, fui fazer o espetáculo e, depois eu iria para o velório. Eu estava bem, esqueci a morte do meu avô, brinquei com os colegas, fiz o primeiro ato inteiro sem nenhum problema. Segundo ato: eu entro em cena para me despedir do meu pai (Abrahão Farc). Ele ficava de costas para mim, de cabelinho branco. E era o meu avô! Eu fiquei muito emocionado, e passei a me despedir do meu avô. Eu chorava muito e o Abrahão estava apavoradíssimo. Depois ele me disse que pensava: – Mas, o que deu neste menino? Ele está exagerando! Os atores vieram até a coxia olhar o que era aquilo. A voz embargada, eu não conseguia dizer o texto. Agora eu pergunto: – A emoção não era verdadeira? Absolutamente verdadeira, mas não se adequava para a situação da personagem! O Alcoforado se despedia do pai e o Ewerton estava se despedindo do avô morto! E eram situações completamente diferentes e tinham peso diferente. Nesse dia eu aprendi na prática que o ator não pode querer trazer uma experiência da sua vida para a personagem, porque jamais será compatível. Mesmo que a sua mãe já tenha falecido, não pense na morte dela na cena em que a sua personagem perde a mãe. Mesmo sendo situações parecidas, elas nunca serão exatamente iguais. As circunstâncias são completamente diferentes. O que o ator tem que fazer é criar uma vida para a sua personagem, criar relações fortes, verdadeiras, com as outras personagens e, a partir daí, vivenciar as emoções da vida da sua personagem. A peça sendo psicológica ou não, você tem seres humanos como personagens e seres humanos têm sentimentos. Eu posso ter sentimentos humanos numa peça não-naturalista, não-psicológica. Nada impede. Outra coisa: depois que eu criar a vida da minha personagem e a relação que ela tem com a sua mãe, eu posso lamentar a morte dela e no segundo seguinte dizer um texto completamente sem emoção. Ou seja, a morte da mãe da minha personagem só existe realmente no momento da representação. No momento seguinte, eu estou completamente distanciado. Mas se eu estivesse lamentando a morte da minha mãe seria difícil me livrar da emoção com tanta facilidade. Isto é, não posso usar o meu estado psicológico, mas sim o estado psicológico da personagem. Mais uma vantagem de não partir nunca das suas próprias emoções é se poupar psicologicamente. Como deve ser terrível abrir feridas em todas as apresentações do espetáculo!!! O Actor’s Studio, por exemplo, segue à risca o primeiro livro de Stanislavski e todas as improvisações são feitas a partir da maneira com que o ator agiria em uma determinada circunstância proposta. Ou seja, sem ter construído a persona-gem, o ator improvisa cenas da personagem. Isso limita todas as personagens criadas por esse ator a pensar exatamente como ele pensa. E nós sabemos que nem todas as personagens pensam da mesma maneira e certamente nenhuma delas pensa como eu penso. Que pobreza de criatividade para um ator que cria todas as personagens da sua carreira à sua imagem e semelhança! É por isso que estamos cansados de ver na televisão, atores que fazem há anos a mesma personagem, só mudando o penteado e a cor do cabelo. A pesquisa é outro item importantíssimo. Quando você tem um novo trabalho para fazer, uma nova personagem para interpretar, analise o texto. Ele vai determinar a condição social, a época, a economia, vai dar muitas outras informações. Como é que a sua personagem se insere neste contexto? Eu costumo dar como exemplo Romeu e Julieta. À primeira leitura, você pensa assim: – Verona, naquela época devia ser uma cidadezinha muito pequena. Como é que Julieta não conhecia Romeu e Romeu não conhecia Julieta? Então você tem que entender que a condição social da época fazia com que as mulheres ficassem presas dentro de casa. Diante disso eu posso entender e acreditar no fato de que eles não se conheciam até a noite do baile. Daí, você pergunta: Se a Julieta viveu o tempo todo presa, como é que esta menina conseguiu esta coragem toda para fazer o que ela faz durante a ação da peça? É um grande desafio para a atriz fazer a gênese dessa personagem. Ela só tem 13 anos, mas toma uma droga para se fingir de morta, desobedece ao pai e casa-se com Romeu e acaba se matando com uma adaga. Ela faz coisas impressionantes para a época e para quem viveu isolada do convívio social. Como construir o passado dessa mulher para que ela seja capaz de realizar, com lógica, todos os seus atos? Tem que haver algum fato ocorrido na sua vida pregressa, que faça dela o que ela é no tempo da ação. Pesquisando você vai descobrir que, na época, muitos pais, que não tinham condições de criar seus filhos, mandava-os para morar com parentes próximos. Pode-se concluir que Tebaldo foi criado pelo pai de Julieta e ele sempre foi um pestinha briguento. Então você pode imaginar Tebaldo e Julieta, até uma certa idade, brincando juntos? Theobaldo desafiando Julieta a pular muro, a subir em árvores, a esgrimir. Ela pode ter tido em Tebaldo um fator que a fizesse diferente das outras meninas. Através da pesquisa, você descobre coisas inacreditáveis e isso vai ajudar a fazer a gênese da personagem. E Romeu? Ele estava apaixonado pela Rosalina e, de repente, se apaixona pela Julieta! Ele é leviano? Volúvel? Não. As mulheres quase não saíam de casa. Ele tinha visto Rosalina apenas uma vez, saindo da igreja, coberta por um véu que açoitava o rosto dela. Eu costumava brincar com meus alunos, que eu sou apaixonadíssimo pela Julia Roberts! Só que ela não sabe que eu existo! É o caso do Romeu. Ele é apaixonado pela Rosalina, mas só que ela não sabe que o Romeu existe. Numa época em que um rapaz não conseguia ver nem mesmo o rosto de uma garota, quando ele via uma, que mais ou me-nos lhe agradava, ele ficava disposto a morrer por ela. Mas quando ele encontra Julieta, eles conversam, se tocam, se beijam e trocam juras de amor, aí sim nasce o amor verdadeiro, que é correspondido. Ele se apaixona verdadeiramente pela Julieta e a partir daí Rosalina não mais existe, pois nunca havia existido. Se o ator entender a época, vai entender que Romeu não é volúvel, nem leviano. Agora, se a ação se passasse nos dias de hoje, ele poderia ser considerado volúvel. Tanto é que em West Side Story, adaptação moderna de Romeu e Julieta, não existe a personagem Rosalina. Além da pesquisa, o ator tem que aprender a usar a ação contínua. O que é ação contínua? O ator tem que entender que a continuação da gênese é a ação da peça e dentro da ação da peça, a personagem tem uma ação contínua, isto é, a personagem não deixa de existir mesmo estando fora de cena. E, para que isso aconteça, o ator tem que criar as pequenas gêneses, entre uma cena e outra. Ou seja, o que acontece com a personagem quando ela sai de cena até ela voltar na próxima entrada. Para quê? Para ligar uma cena na outra e você ter a ação contínua dessa personagem, durante a ação da peça. Os fatos que acontecem nesse período de ausência vão modificar a minha personagem e ela estará amadurecida na sua próxima entrada em cena. Às vezes esse amadurecimento ocorre mesmo sem o ator sair de cena. Por exemplo: em A Luta Secreta de Maria da Encarnação (da qual eu falarei mais adiante), eu tinha uma cena, em que se passavam dez anos e a personagem ia amadurecendo aos poucos entre uma fala e outra. Eu tive que criar a vida dessa personagem nesses dez anos e isso me fazia mudar nesses pulos que a peça dava, porque ninguém é a mesma pessoa depois de algumas horas de vida, quanto mais quando se passam anos. Cada vez que a minha personagem, em cena, cruzava a perna, havia passado alguns anos. E eu, como ator, tenho que ter na minha cabeça exatamente o que aconteceu nesse período. Porque nossa mente é como um supercomputador e se a gente abre um arquivo, temos em uma fração de segundo o que aconteceu nesses anos todos. E a personagem incorpora mais esses dados e amadurece. E a cada novo arquivo que o ator abre, mais dados são incorporados e mais amadurecida a personagem vai ficando. Há, na verdade, uma transformação da personagem aos olhos da platéia. Se o ator não fizer esse trabalho preliminar de estabelecer os fatos que ocorreram durante esses dez anos, em cena ele vai apenas fingir que está ficando mais velho. Um outro exemplo que eu gosto de dar é o de Frei Lourenço, de Romeu e Julieta. Sua gênese termina no momento em que começa a sua ação na peça: ele está colhendo ervas para fazer as suas poções e Romeu chega para contar que está apaixonado por Julieta. Ele não sabe da briga na praça, da festa na casa de Julieta, onde Romeu e seus amigos entraram de penetra. Ele desconhece qualquer das ações já testemunhadas pelo espectador. Depois da conversa com Romeu ele o julga volúvel, pois até ontem amava Rosalina. Quando ele descobre ser verdadeira e correspondida a paixão por Julieta, ele vê aí a possibilidade de unir as famílias e acabar com a guerra entre elas e, então, aceita realizar o casamento. Fora dos olhos dos espectadores ele tem toda uma ação nessa preparação que só será interrompida quando voltar a entrar em cena para casar os dois jovens. Depois de recomendar cautela a eles para que os pais não saibam prontamente que já estão casados, inicia uma nova ação contínua enquanto Tebaldo mata Mercúcio e Romeu mata Tebaldo. E assim por diante. Os atores esquecem de criar essa ação contínua e fingem, em cena, que não sabem dos fatos que ocorreram na sua ausência, e desconhecem a ação realizada pela sua personagem enquanto estava fora de cena. O ator tem que saber tudo, mas a personagem, só o que cabe a ela saber. Se o ator cria uma história para ser a ação da sua persona-gem enquanto Romeu está matando Tebaldo, antes de entrar em cena novamente ele abre esse arquivo e nele não consta a morte de ninguém. É bom deixar bem claro que essas histórias são criadas a partir do raciocínio da personagem dentro da sua lógica de ação. Tanto a gênese, como a pesquisa, como a ação contínua, acabam sendo uma análise lógica sobre o texto-escrito. Na televisão é muito difícil fazer esse tipo de trabalho e, geralmente, nossa atuação acaba resultando num estereótipo. Por exemplo, em A Hipocondríaca, de Tiza Lobo, para o Você Decide, em 2000, a minha personagem não pôde ser devidamente construída. Recebi o capítulo em um dia, no dia seguinte eu estava no Rio. Cheguei no Projac, cumprimentei os meus colegas de trabalho e gravei. Mesmo assim eu tentei criar um pouco de cumplicidade com a Cláudia Lira que fazia o papel da minha mulher. A situação era a seguinte: ela era uma compradora compulsiva e colocava a minha personagem em maus lençóis com os gastos que fazia no cartão de crédito. A primeira providência seria estabelecer uma razão lógica para esse casamento continuar existindo apesar disso e era preciso que essa razão lógica fosse compartilhada por nós, os atores que iriam interpretar essas personagens. Cheguei com uma história pronta e a Claudia foi muito receptiva e aceitou minhas idéias. A partir desse conhecimento pudemos criar uma cumplicidade comum a um casal. Mesmo assim, quando vi meu trabalho na TV eu não senti verdade nas relações entre as personagens. E quando isso acontece acabamos forçando a representação e o resultado é sempre estereótipo. Devo dizer que ao longo da minha carreira tenho sempre procurado construir as minhas personagens feitas na televisão de acordo com meu método. Ele é poderosíssimo, principalmente quando se faz uma novela, porque embasa a personagem para enfrentar qualquer circunstância proposta. Depois de construída a personagem dessa forma, o diretor pode criar à vontade que o ator não vai ter dificuldades de atuar. A personagem adquire vida própria e sobrevive em qualquer circunstância. A montagem terá uma linguagem de clown. Tudo bem! Eu só preciso acrescentar mais esta circunstância que me foi proposta. O que eu não posso é fazer de forma clownesca aquilo que eu não conheço. E vejam bem: Ser clown não é só botar um nariz vermelho! Fazendo um parêntesis no meu raciocínio sobre a construção da personagem, gostaria de voltar ao assunto da construção John Merrick de O Homem Elefante. Eu deveria ter partido do exterior, para não ter tido tantos problemas com minha coluna. Eu quase me entortei inteiro. Mas isso não significa, que ao codificar gestos exteriores primeiro, eu deva me esquecer do interior. Eu tenho que fazer os dois tipos de trabalho concomitantemente. O interior nunca pode ser relegado a segundo plano. Eu não posso apreender o exterior da persona-gem e ficar só nisso. Fazer só o exterior é pior ainda. O exterior pode ser uma alavanca, para se chegar ao interior. Eu deveria ter usado a deformidade do Homem Elefante para chegar ao seu interior. Depois de treinar a sua postura física e torná-la orgânica, ela acabaria por me dar um estado psíquico da personagem. Na minha escola, depois que os alunos já estavam familiarizados com o processo de construir uma personagem de dentro para fora, eu dava um exercício contrário, para que eles tomassem conhecimento de como seria construir uma personagem de fora para dentro. Os alunos observavam alguém na rua, que tivesse um gestual característico, e traziam para a sala de aula. Esse aluno mostrava o gestual para a turma e todos analisavam racionalmente e codificavam os gestos. A partir daí o ator treinava fisicamente esse gestual para poder realizá-lo organicamente. Nessa fase do trabalho não se usava nenhuma ação psicológica. Depois de dominada a ação física a turma fazia uma análise das características do colega ator e elegia o oposto para serem as características da sua personagem. Isso para evitar semelhanças entre a personagem e seu ator. Esses dados iam dando material para que cada ator construísse o interior da sua persona-gem. Com isso as gêneses iam sendo criadas. Ou seja, paralelamente ao trabalho de ação física, a ação interior ia sendo construída. E toda ação física acaba por provocar, de alguma forma, uma ação interior. O interior também pode ser criado através do estímulo do exterior, ou seja, pode-se atingir um estado emocional a partir de uma forma física. O exercício mostrava ao aluno que a construção da personagem é uma rua de mão dupla. O importante é não esquecer que a vida interior da personagem é o mais importante e deve ser construída através da ação física, da gênese e da pesquisa (época, ofício, etc.). Quando se cria verdadeiramente uma persona-gem, ela vai existir sempre, em qualquer gênero de representação e, sendo revivida a cada dia, poderá durar indefinidamente. Fui Noel Rosa durante dois anos e ele permaneceu vivo até o último dia de representação. Nunca foi mecanizado. Sua presença era tão poderosa que convencia o espectador até da veracidade de sua deformação física. Noel, como todos sabem, não tinha queixo por um problema de nascimento quando o fórceps afundou o seu maxilar inferior. Essa característica era marcante e tinha provocado em Noel um complexo muito grande. Eu conseguia me aproximar da deformidade dele, recolhendo o queixo, mas nessa posição não conseguia falar e muito menos cantar. Então resolvi o problema da seguinte maneira: quando acendia a luz para começar o espetáculo, a primeira impressão que o público tinha é que eu não tinha queixo porque eu estava fazendo fisicamente essa deformidade. Estabelecida essa convenção teatral, eu soltava o queixo e fazia a peça inteira sem me preocupar com isso e todos juravam que eu ficava deformado a peça inteira! Porque este é o milagre do teatro: a convenção. Vamos convencionar que eu não tenho queixo. A partir daí o público me vê e me aceita sem queixo o tempo todo! Exemplo maior disso era a encenação de O Homem Elefante. Havia uma convenção de que o ator que iria interpretar John Merrick não tinha nenhuma deformidade física. A apresentação da personagem era feita a partir da exposição do corpo sem defeitos do ator. Em seguida o Dr. Travis fazia uma descrição física pormenorizada da personagem e a cada novo detalhe eu ia assumindo a postura que ilustrava essa deformidade. Ao final da descrição eu, que não tinha defeito físico, estava com a postura que sugeria todas as deformidades físicas da personagem. E o público via e aceitava em mim a deformidade de John Merrick. Digo mais: cada espectador via em mim o monstro que tinha imaginado a partir da descrição. O cinema não tem essa capacidade e o filme sobre a mesma personagem teve que ser em branco e preto para não delatar a maquiagem falsa que tentava reproduzir a deformidade real. A televisão, como o cinema, tem também uma linguagem essencialmente realista. O Teatro é uma arte artesanal envolta na maravilhosa magia da cumplicidade entre o ator e o espectador. Essa convenção é arma exclusiva do Teatro e deveria ser muito mais explorada na luta de formação de platéias. Voltando a falar sobre o método preconizado pelo Pequeno Organon da minha escola de formação de atores, gostaria de discutir um pouco o que eu chamo de palavra-chave. A Palavra-chave Toda oração tem uma palavra-chave, que determina a intenção desta frase. Quando a palavrachave é errada, o sentido fica deturpado. Estou cansado de ver, em televisão, atores dizendo frases e mais frases com as palavras-chave erradas. Como você chega na palavra-chave? Através da análise lógica. Ou seja, com o entendimento do texto e da maneira de raciocinar da personagem eu fico sabendo o que ela quer dizer em cada frase e dessa forma eu direi essa frase de forma correta onde surgirá a palavra-chave certa. Se, por outro lado, eu sei qual a intenção da frase, eu posso eleger uma palavra-chave para que essa intenção fique mais clara. Eu dava sempre como exemplo o discurso de Marco Antônio, no Júlio César, de Shakespeare, onde ele diz três vezes: Brutus é um homem honrado. Os grandes atores sempre disseram essa frase da seguinte forma: 1ª – Brutus é um homem honrado! (Dando mais ênfase à palavra Brutus); 2ª – Brutus é um homem honrado! (Dando mais ênfase ao verbo); 3ª – Brutus é um homem honrado! (Dando mais ênfase à palavra honrado). Tente dizer essa frase das três maneiras diferentes e verá como o significado muda a cada uma das maneiras, além de o som criado diferenciar uma da outra eliminando a idéia de repetição. Elas acabam parecendo três frases diferentes. Se você tiver consciência plena de como a sua personagem pensa depois de fazer a análise do texto, você estará apto a selecionar a melhor palavra-chave para aquela intenção. Nada deve ser deixado ao acaso, o ator tem que pensar, analisar. Um bom exercício é tentar descobrir palavras-chave em textos de Shakespeare porque ele costumava repetir palavras como, por exemplo em Romeu e Julieta, na famosa cena do balcão (tradução de Onestaldo Pennaforte) onde ela diz: Toma outro nome! Um nome! Mas que é um nome? Essa repetição da palavra Nome poderia resultar num erro de estilo e tirar a beleza da fala. Então a forma certa de dizer essas frases seria: Toma outro nome! Um nome! Mas que é um nome? Desta forma não existe a incômoda repetição da palavra nome e o pensamento de Julieta fica muito mais claro. Quero falar agora um pouco sobre as minhas direções teatrais na escola. Como já disse, eu ensinava Teoria da Interpretação para o primeiro termo onde explicava e exercitava o Pequeno Organon, dentro da cadeira de Análise e Interpretação do Texto Teatral, que constava dos quatro termos. Os segundo e terceiro termos eram dedicados à análise de textos clássicos e no quarto termo desta cadeira era dada Dramaturgia para que os alunos tivessem uma base dramatúrgica maior para analisar os textos enquanto atores. E foi através desse método que eu ministrava que dirigi as peças encenadas pelos meus alunos. Não vou falar de uma por uma, porque seria muito exaustivo. Preciso contar, no entanto, a respeito da encenação de A Boa Alma de Tse-Tsuan e O Círculo de Giz Caucasiano, ambas de Brecht e encenadas no mesmo período com turmas diferentes. Eu dirigi as duas segundo os preceitos do método já exposto por mim. Só depois das personagens já construídas é que dei alguns toques de distanciamento. E não houve o menor problema por parte dos alunos/atores. A cada nova indicação eles iam incorporando a personagem que já existia. Mesmo quando eu pedia que em determinado momento eles deixassem de vivenciar a personagem e se transformassem nos atores que estavam atuando, nenhum aluno encontrou nenhuma dificuldade. Aliás, sou de opinião que só se pode incorporar a personagem ou deixar de vivenciá-la em fração de segundos, se conhecermos muito bem quem somos e quem é a personagem que estamos interpretando. Ou seja, só é possível praticar o Distanciamento ou Estranhamento brechtiano, se tivermos construído a nossa personagem pelo método de Stanislavski. A prova disso é que Eugênio Kusnet, o maior mestre e seguidor de Stanislavski que nós tivemos, era considerado o maior ator brechtiano brasileiro. E ele construía todas as suas personagens, brechtianas ou não, de acordo com o famoso método de Stanislavski. A Escola de Teatro Ewerton de Castro foi e sempre será motivo de orgulho para mim. Tenho certeza absoluta e a consciência tranqüila de que não medi esforços para oferecer o melhor aos alunos que nos procuraram na ânsia verdadeira de aprender. E agora que a Escola de Teatro Ewerton de Castro não existe mais, pois teve que ser fechada por motivos financeiros, quero deixar aqui a minha homenagem sincera aos professores, funcionários e alunos que compartilharam comigo esse sonho, que infelizmente acabou. Capítulo XXXII Mas nesse ano de 1997 a escola estava apenas começando e me sobrou tempo para participar no SBT da novela Os Ossos do Barão, de Walter George Durst, dirigida por Antônio Abujamra. Meu papel era de um banqueiro muito rico. Fato curioso é que a minha personagem e vários familiares moravam numa mansão. Éramos Rubens de Falco, Imara Reis, Dalton Vigh, Rubens Caribé, Otávio Muller, Mika Lins, Paula Sarda, Jerusa Franco, Renato Caldas e eu. Enfim, esta casa deveria ter, no mínimo, seis suítes. Pois o cenário era tão pequeno que no quarto da minha personagem e da Imara, a cama de casal tinha um dos lados encostado na parede. E a sala de jantar era tão pequena que não cabíamos nós todos mais as cadeiras e a mesa. Eis o tipo de economia idiota. Nesse ano, antes de dirigir as duas peças de Brecht, adaptei e dirigi outros dois textos que eu gosto muito. Em Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souza, cortei toda a parte da morte do Bobo, que me parece fugir da leveza e comédia que o texto contém. Em Bodas de Sangue, do grande Federico García Lorca, eliminei a parte da floresta com seus personagens mágicos e me ative no drama de Leonardo, o noivo, e a noiva, como já havia feito na encenação que realizei no Rio de Janeiro com os meus alunos do colégio Sion. Capítulo XXXIII Apesar do trabalho intenso na escola em 98, que me absorvia o tempo todo, consegui matar saudades da televisão participando de uma novela que se chamava Velas de Sangue. Era uma novela religiosa feita por produtores independentes sob encomenda da TV Record. Minha personagem era um pai de família às voltas com uma esposa possuída pelo demônio. O resultado não foi dos melhores, mas valeu para desenferrujar e pelo convívio com os meus colegas: Suely Franco, Gerson de Abreu (falecido), Elizabeth Hartmann, Sandra Barsotti e tantos outros. Participei do filme falado em inglês e português, com roteiro e direção de Lucas Amberg: O Sonho no Caroço do Abacate (foi exibido como Caminho dos Sonhos). O diretor era inexperiente e cometeu erros crassos. O filme, apesar de ter no elenco Elliott Gould e Talia Shire, foi um desastre. Como vocês podem notar pelo meu relato, estou, aos poucos, me afastando da minha carreira. Faço um ou outro trabalho esporádico para matar saudades, mas vou ficando cada vez mais envolvido pela escola. Nesse ano dirigi seis espetáculos com os meus alunos. Teatro na Escola Teatro Grego era uma adaptação que fiz de trechos de várias peças (Agamenon, Antígona, Orestia, etc.). Com essa adaptação fiz duas montagens diferentes com as turmas da noite e do final de semana. O Destino Assim o Quis era um melodrama escrito por mim. Uma peça curta que era representada três vezes dentro do espetáculo. A primeira era feita seriamente. A segunda, era como se os atores já estivessem numa temporada longa, representando de forma exagerada e sem verdade. A terceira era o fim da temporada. Qualquer nota! A atriz que fazia o papel da escrava era alcoólatra. Entrava bêbada em cena, não conseguia dizer o texto. Para salvar a situação a assistente de direção entrava com o rosto meio pintado de preto e dizia as falas que a outra não conseguia dizer. A cada nova entrada a assistente vinha um pouco mais caracterizada. No fim ficavam duas escravas, dizendo o texto ao mesmo tempo e tentando repetir as marcas da primeira versão e não conseguiam. Era muito engraçado. O público assistia à primeira versão e tomava conhecimento da trama. Na segunda, com todo o exagero, o público quase decorava a peça e na terceira ele rolava de rir porque os atores não conseguiam fazer a peça, que até o público talvez pudesse. Esse texto também teve duas montagens, com duas turmas diferentes. Esse sistema além de facilitar o meu trabalho criava uma competição saudável entre as turmas. Milkshakespeare adaptação que fiz de textos de Shakespeare (Sonho de uma Noite de Verão, Romeu e Julieta, Macbeth, Ricardo III, As Alegres Comadres de Windsor, etc.). Orquestra de Senhoritas, de Jean Anouilh, foi uma experiência prazerosa. Já tinha assistido à versão feita por atores e sabia que a peça só funcionava se as personagens tivessem um toque fake. Então fiz as atrizes carregarem na caracterização e na composição das personagens. Foi um sucesso! Essas duas montagens foram apresentadas no Teatro da Cultura Inglesa de Pinheiros. Neste ano ainda tive tempo de aceitar o convite que o Colégio Módulo me fez para dar aulas de interpretação e montar um espetáculo com os alunos interessados. O texto que escolhi foi A Turma do Barulho, que eu havia escrito para os meus filhos Daniel e Rafael. A montagem foi bem sucedida e ocorreu na nova sala de espetáculos daquele colégio que havia sido construída obedecendo a um projeto meu. Usei os meus conhecimentos teatrais e os adquiridos na Faculdade de Arquitetura. O resultado foi muito bom. Capítulo XXXIV A escola me absorvia cada vez mais. Era impossível fazer qualquer outra coisa. Dirigi sete espetáculos, além de fazer toda a administração, o que não era fácil. Havia uma diretora pedagógica, lógico, que assinava os papéis e cuidava da parte legal, mas eu comandava os 25 professores e resolvia todos os problemas. Minha escola possuía um acervo enorme de figurinos e cenários que ficavam à disposição dos alunos. Isso demandava mais trabalho e mais funcionários para manter tudo isso, a limpeza e a parte burocrática. Todas as nossas montagens eram muito bem produzidas. Eu comandava a construção dos cenários de todas as montagens. E sempre que dirigia fazia também a cenografia, figurinos, iluminação e sonoplastia. Os sete espetáculos de 1999 foram: Histórias de Contos e Lendas, era um texto meu, baseado em contos sufis. Que já havia montado no Rio. Comédia da Vida Privada, que adaptei dos contos de Luís Fernando Veríssimo. Eu selecionava o conto que eu acreditava que tivesse mais possibilidades teatrais e improvisava com a turma. Em seguida, usando os próprios diálogos do autor, eu colocava no papel em forma dramatúrgica e começávamos os ensaios. Alguns dos contos ficaram ótimos em sua versão teatral, como o das velhinhas que vão a um cinema para assistir a um filme de sacanagem. A Vida Como Ela É, que adaptei de contos de Nelson Rodrigues. Foi a primeira vez, como diretor, que trabalhei com Nelson e adorei a experiência. Para Pequenos Burgueses, de Máximo Górki, eu fiz uma adaptação onde mudei o nome próprio das personagens, porque, em quase todos os espetáculos de peças russas, os atores não sabem pronunciar os nomes e acaba ficando artificial. Além disso reduzi a trama ao essencial, para não ficar espichado. Mais uma mudança para abrasileirar a trama. A família sempre se reunia à mesa para comer e não para tomar chá. Nos Tempos de Martins Pena, era uma adaptação que fiz de O Diletante de Martins Pena. Além dessa trama, usei um pouco das idéias de outras de suas obras. Com isso foram introduzidas outras personagens. Mas a grande inovação foi a forma como esse espetáculo era apresentado. O público entrava em grupos e ia passando pelas personagens que, uma a uma, iam, através de monólogos, contando a trama ao mesmo tempo que dava as boas-vindas ao jantar de comemoração dos 25 anos de casamento do dono da casa. No final dessa peregrinação o público ia dar numa sala onde um pianista tocava músicas da época. Em seguida os atores faziam um pequeno recital para mostrar como o dono da casa, O Diletante, era maníaco por ópera (uma verdadeira mania da época). É claro que todos cantavam muito mal ao tentar executar famosas árias. Tudo isso era muito divertido. Em seguida os atores conduziam o público (no máximo 70 pessoas) para um salão, aí era servido um jantar numa mesa em forma de U, onde no centro os atores continuavam a representar enquanto o público comia. O casamento da mocinha terminava e o público, então, passava para o salão do sarau onde havia bolo e champanhe para todos. Havia a valsa dos noivos e o público era chamado a participar. O espetáculo terminava com a despedida dos noivos que saíam em lua-de-mel. O resultado foi tão bom que meus alunos prosseguiram com a temporada por quase dois anos, sempre em restaurantes. Bonitinha, Mas Ordinária foi minha primeira direção de um Nelson Rodrigues dramaturgo. Adorei a experiência e pretendo repeti-la quando puder. Theatro como Antigamente foi uma adaptação que fiz de Geração Trianon, de Ana Nunes. Resolvi mexer na obra porque queria introduzir na trama um espetáculo inteiro que seria encenado pelos atores/personagens. Sempre gostei muito de O Céu Uniu Dois Corações, espetáculo de circo-teatro de autoria de A. Perez. Para que isso pudesse acontecer, muito pouca coisa sobrou de Geração Trianon. Um fato curioso é que os próprios atores iam mexendo sete tapaderias que faziam o cenário. Dessa forma tínhamos no espetáculo: 1 – a coxia do teatro onde se apresentava A Ceia dos Cardeais; 2 – um palco vazio sem cenários; 3 – a casa de Nely; 4 – a mansão de Della Torre; 5 – uma praça com igreja; 6 – um bar humilde; e 7 – as cortinas dramáticas, que resultavam cômicas. Tudo isso feito com sete tapadeiras! Gostei muito do resultado dessa montagem, sobretudo pela solução dos cenários. E pelo luxuoso figurino oriundo do acervo da minha escola. Capítulo XXXV Em 2000 consigo aceitar um convite para participar de um Você Decide: A Hipocondríaca, de Tiza Lobo. Como já disse, a televisão é feita de forma muito urgente. Eles ligam para você e avisam: A semana que vem você grava um especial. Você pega o texto, lê, decora, e prepara sozinho a sua personagem. Encontra os atores já no local de gravação e grava sem ensaio, discussão ou preparação. Acaba não existindo a cumplicidade entre as personagens, a vivência. Fica tudo muito falso. Havia uma orientação, por parte do dire-tor, para tentar dar comicidade às personagens. Isso cabia mais à minha personagem, que era técnico de um laboratório de análises que está tão estressado com a mulher que acaba trocando os resultados dos exames. A personagem que era interpretada por Suzana Vieira recebe a notícia que vai morrer. Quando minha personagem descobre que cometeu o erro, a trama se desenvolve. O resultado desse trabalho é que a minha personagem acabou ficando estereotipada. Em 2000 fiz ainda uma participação na novela Uga-Uga, do Carlos Lombardi. Fiz uma cena só, muito engraçada. Tive também a honra de participar de Os Maias, macrossérie de Maria Adelaide Amaral, direção de Luiz Fernando Carvalho. Eu considero Os Maias uma obra bem acabada em todos os sentidos: texto, direção, iluminação, direção de arte, cenografia, atuações, etc. Só tenho a lamentar o fato de que na junção das duas personagens interpretadas por mim, o Vilaça pai e o Vilaça filho, não ter havido uma unificação psicológica deles. O Vilaça pai era o protótipo do mordomo inglês, aquele que é uma sombra, que apenas existe para servir. Aliás, eu me inspirei na interpretação de Anthony Hopkins, em Vestígios do Dia. Lembram-se? Há um momento em que a governanta (Emma Thompson) vem avisá-lo da morte de seu pai e ele diz: – Eu já vou. Antes tenho que levar água quente para o Lord fulano. Eu tentei fazer o Vilaça pai como este mordomo que se anula para melhor servir. Ocorre que o Vilaça filho era um deputado. Um homem completamente oposto ao pai. Como conciliar essas duas personalidades dentro de uma mesma pessoa? Felizmente parece que, apesar desse deslize, consegui convencer como Vilaça. No cômputo geral essa produção resultou muito acima da média. Na Escola, dirigi apenas dois espetáculos: Cala Boca Já Morreu, de Luiz Alberto de Abreu, como se fosse um grande teatro de revista, com vedetes subindo e descendo escadarias. E aí fiz de novo cenografia, figurinos, iluminação, sonoplastia e direção. E, para finalizar minhas atividades em 2000, dirigi, também, O Fantástico Mistério de Feiurinha, do Pedro Bandeira. A história é muito interessante: um escritor, que está sem inspiração nenhuma e de repente é visitado por um ser estranho vestido com roupas antigas. Ele é o Arauto, servidor da Branca de Neve. Está à procura de um escritor que possa achar Feiurinha. Ninguém mais sabe onde ela está. E como ela some? (Vejam que coisa mais bonita!) Feiurinha é uma personagem de contos de fadas. Vocês conhecem? Ela não existe... Por que não existe? Porque nunca ninguém escreveu a história dela. Então a Branca de Neve, a Rapunzel, a Cinderela, etc. reúnem-se para decidir o que vão fazer. Uma heroína dos contos de fadas, como elas, sumiu! E junto com ela o seu Castelo, seu Príncipe Encantado, tudo. Quando a peça começa todas as heroínas estão casadas, grávidas e seus príncipes encantados estão gooordos, só pensam em caçar. Por quê? Porque eles estão vivendo o “Felizes para Sempre”. Não é uma maravilha? Mas este escritor, que está sem inspiração, tem uma empregada velha que cuida dele e adora contos de fada. Estão todos desesperados para descobrir como é a história de Feiurinha. Ao ser lembrada, tanto a heroína como o seu príncipe Encantado e o seu Castelo vão aparecer novamente. Mas ninguém se lembra da história dela. Mandam e-mails para o mundo inteiro, para todos os escritores e as respostas são sempre as mesmas: Não conhecemos essa história. Nisso, a velha empregada diz que se lembra da história de Feiurinha. Todos pedem que ela conte e, assim que ela termina de contar, Feiurinha aparece, também grávida e com o seu Príncipe Encantado. Todos então pedem ao escritor que escreva rapidamente a história dela, para que nunca mais ela seja esquecida. A mensagem da importância da palavra escrita, no nosso mundo atual é muito importante. O Pedro Bandeira foi ver e gostou muito da nossa montagem, inclusive da adaptação que eu fiz, fazendo com que a empregada velha aparecesse logo na primeira cena, deixando claro que ela era louca por contos de fadas. Isso facilitava o desenlace da trama quando ela declarava que conhecia a história de Feiurinha. O autor gostou tanto que nos autorizou levar a sua peça para fora dos limites da escola e fizemos uma bela temporada de mais de um ano em várias cidades do interior e no Centro Cultural São Paulo. E de novo eu era diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador e sonoplasta... Capítulo XXXVI Em 2001, dirigi O Casamento do Pequeno Burguês do Brecht, Foi Bom Meu Bem? de Luís Alberto de Abreu e Esperando Godot de Brecht., todas encenadas pelo meu método de trabalho. Em O Casamento do Pequeno Burguês, enquanto os atores iam construindo todas as personagens, havia a Silvinha Leblon ensinando clown para eles. Para esta encenação, construí móveis desmontáveis, porque eles, construídos pelo noivo, iam se quebrando ao longo do espetáculo. Na peça original são quebrados três móveis. Na minha adaptação e encenação todos se quebravam. A mesa tinha seis pernas. As duas da frente caiam em uma determinada hora e, ninguém entendia como a mesa continuava em pé. As duas pernas do meio eram articuladas, então com um pequeno empurrão na mesa, ela caia, se quebrando ao meio, e servia de cama para os noivos no chão. Até o quadro da Santa Ceia, que é o símbolo da família, ficava dependurado na parede. Tinha uma cristaleira que era presa de um lado na parece e do outro tinha uma perna móvel, articulada e num determinado momento o noivo chutava esta perna da cristaleira e ela também caia. Dentro dela havia um saco de estopa cheio de vidro, o som que fazia ao cair dava a impressão de que tudo que estava dentro havia se quebrado. Quando a peça chegava ao fim, era uma montanha de madeira destruída, no palco e daí é que os noivos se encontravam e iam se conhecer melhor. Aí os atores cantavam a música do Chico Buarque, feita para esta peça na primeira montagem, enquanto reconstruíam o cenário. Quando a música terminava, a casa estava inteirinha montada para os agradecimentos. Em Esperando Godot eu também usei clown, mas de uma outra forma.. O que eles tinham de clownesco era a humanidade deles, a situação em que eles estavam envolvidos! Da miséria, do submundo. A própria situação leva a ser uma coisa engraçada. Isto também está em Chaplin, que, aliás nós pesquisamos profundamente. E eu tentei agilizar a encenação, dentro de uma movimentação quase circense. Isto tudo resultou num espetáculo tão humano que as pessoas riam e se emocionavam muito. Nesse mesmo ano, eu estava retomando minha vida de ator, me afastando da escola. Era uma opção consciente. Tudo me indicava que a escola não duraria muito mais tempo e eu me sentia cada vez mais carente de exercer o meu ofício. Eu pensava no início, que a escola iria me realizar. E, na verdade, realizou-me no sentido pedagógico mas eu fui impedido de exercer a profissão, por tantos problemas cotidianos: dinheiro, formação intelectual precária dos alunos, inadimplência. Nem tudo é poesia! As picuinhas do cotidiano tiravam-me 95% do meu tempo! E a poesia foi afundando! Passei a considerar a minha volta ao teatro, em tempo integral, para inclusive saldar dívidas da escola. Fui convidado, então, para participar de A Luta Secreta de Maria da Encarnação, de Guarnieri. E o mais incrível é que o convite veio, por incrível que pareça, antes mesmo que o meu papel estivesse escrito. A bem da verdade essa peça era um monólogo escrito pelo Guarnieri, que estava sendo transformado num grande musical para 32 atores, para cumprir um contrato feito com a Petrobras. Mesmo assim eu aceitei, claro que aceitaria... Eu gostava do Guarnieri (pessoa e artista) e eu sei que ele me admirava como profissional. Creio que a peça resultou em uma grande encenação, embora dramaturgicamente ela não conseguisse superar a deficiência da transformação. Ela resultou muito narrativa e o único personagem da peça, além da Maria da Encarnação, que existia, que era consistente, que tinha vida própria era o Caieiras. Eu o defendi com muita garra por ser uma personagem rica, multifacetada, com uma vida interior muito intensa. Depois de oprimido pelo pai passou a integrar a TFP e acabou sendo torturador nos negros tempos da ditadura. Isso tudo casado com Maria da Encarnação, uma mulher politizada, mãe de uma revolucionária. O espetáculo foi sendo montado na base da tentativa de acerto e erro. O mesmo aconteceu com o cenário; a primeira versão era melhor. Depois o palco ficou entulhado. Havia informação demais, o que não é característica do Serroni. Sou fã incondicional dele. Ele é um cenógrafo genial. Como é frágil a realização de um espetáculo! A soma de pequenos erros acaba pesando na linguagem geral. Agora, o que mais doeu nessa encenação foi termos feito tão poucos espetáculos! Chegamos a ponto de nós, atores, ganharmos um mês sem trabalhar. Isso nos incomodou muito. Para o ator não interessa ganhar sem trabalhar. Eu achei muito estranho irmos para o Rio de Janeiro, levando todo aquele imenso cenário, a Orquestra Jovem, da Secretaria de Cultura do Estado, mais de cem pessoas, para fazermos apenas três espetáculos. Segunda, terça e quarta-feira. Não justifica. Eu sei que é caro manter tanta gente no Rio de Janeiro, mas era necessário haver um esquema para conseguir que ficássemos em cartaz no mínimo por duas semanas e em horário nobre. Até hoje não entendi tal fato. Para quem tem uma carreira longa, como a minha, é um fato absolutamente inusitado. Valeu trabalhar com colegas tão ilustres como Suely Franco, Vanessa Gerbelli, Cláudia Mello, Chico de Assis, Ênio Gonçalves, Flávio Guarnieri, Wilma de Souza, etc. Valeu por atuar num texto do grande Guarnieri. Valeu ter vivenciado o Caieiras, essa personagem tão vibrante! Nesse ano participei de apenas um trabalho em televisão, no programa Os Normais, na TV Globo. O episódio chamou-se Desesperar é Normal. Acho que mais uma vez fiz um estereótipo. O que o Luiz Fernando Guimarães e a Fernanda Torres faziam era de altíssima qualidade. Eles já dominavam aquelas personagens. Agora, quem é chamado para participar de um episódio o faz sem a menor base. Neste, eu era marido da personagem que a Ângela Vieira fazia. Nós não tínhamos nenhuma cumplicidade em cena. É terrível! E fica mais terrível ainda, quando você conhece o caminho para chegar lá e não pode seguir esse caminho, porque não tem chance, não tem tempo. Então o que fazer? Não aceitar esses trabalhos esporádicos? O ideal seria não fazer, mas eu não posso deixar de trabalhar. Capítulo XXXVII Em 2002, fiz a direção de atores de um espetáculo do Oswaldo Montenegro chamado A Lista, escrita por Oswaldo Montenegro, onde trabalhavam a Mayara Magri, a Talita Castro (minha filha), Bruna de Túlio, Heloisa Sarttore, Rafael Greic e Tchelo Palma. O Oswaldo precisava de alguém que pudesse cuidar da construção das personagens. Ele dirigia o espetáculo, mas tinha dificuldade para dirigir ator. Ele me convidou e me deu espaço para fazer um trabalho com os atores e o que era necessário pelo espetáculo, inclusive modificando o que ele já havia feito. Foi um trabalho de respeito mútuo. Apesar de o Oswaldo não ter uma familiaridade profunda com o teatro, ele se mostrou uma pessoa aberta para aprender e respeitou muito o trabalho do elenco comigo. Isso é raro! Nesse ano ainda dirigi, fiz a cenografia e o figurino de Quem Casa, Quer Casa, de Martins Pena. Foi um espetáculo encomendado. Estreamos no Dia das Mães, porque o colégio que nos encomendou esse espetáculo queria-o como comemoração dessa data. Depois fizemos em vários colégios, com um elenco de dez atores. Estes atores haviam sido formados pela minha escola. Nessa ocasião, eu estava com muita vontade de levar adiante um projeto, que era criar uma Companhia Estável de Teatro, com alunos formados na minha escola. Sempre tive uma preocupação, que muitos chamam de idealismo romântico, uma inquietude filosófica: Eu estou formando atores para quê? Será que vai existir campo de trabalho, pelo menos para alguns deles? Como é que eles vão iniciar a carreira? A gente sabe que a maioria das pessoas que fazem uma escola de teatro não vai conseguir viver do ofício. Qual é a porcentagem dos que conseguirão tal intento? Então vem o questionamento da validade da sua função como formador de atores. O que eu poderia fazer para ajudar esses atores a conseguir um lugar ao sol e começar suas carreiras? Sempre acreditei que o melhor aprendizado é aquele que se faz na prática. Minha escola montava espetáculos com os alunos em todos os semestres para que essa prática acontecesse. Se o ator pudesse sair da escola e não interromper a seqüência de montagens seria o ideal. Mas como começar uma carreira praticando o ofício? A resposta era participar de um grupo. De que grupo? Sempre incentivei a criação de grupos formados pelos ex-alunos, que tinham a mesma formação e que comungassem os mesmos ideais. Eles poderiam desenvolver um trabalho, que no futuro poderia levá-los a uma posição de destaque no cenário teatral e daí se transformarem em atores profissionais, ganhando a vida com isso – o que é difícil, mas enfim!... Resolvi reativar essa idéia e chamei uma série de atores, que haviam se formado na minha escola, para propor a formação de um grupo. Muitos responderam ao meu chamado. Decidi chamar também alguns atores, profissionais há mais tempo, e tentar com isso uma troca, onde os mais antigos passariam um pouco de suas experiências para os mais jovens. O resultado foi uma montagem extraordinária, porque era muito simples, calcada apenas no trabalho dos atores. Para a preparação levei os atores para uma cidade do interior de uma rua apenas, chamada Pereiras. Lá fizemos nosso laboratório para vivenciar o que era viver numa cidade do interior em meados do século 19. Levantávamos às 5 horas da manhã, tirávamos leite das vacas, rachávamos lenha. Ficamos um final de semana inteiro vivenciando as personagens da peça. Tentei fazer exatamente o que Stanislavski e Dântchenko fizeram nos primeiros anos do Teatro de Arte de Moscou. Isso era consciente e proposital. Eu tentei fazer com que, em cena, as pessoas fossem apenas o reflexo de uma verdade interior e não uma representação desta verdade. Para quê? Eu queria que todos os atores chegassem a uma naturalidade crível para o espectador. A idéia seria: não ter o menor tipo de ranço teatral. Uma experiência viva e vibrante! Pessoas de carne e osso que não representavam, mas sim vivenciavam as situações, da mesma maneira como os atores das encenações de Czar Fiódor e A Gaivota (ambas de 1898), criada por Stanislavski e Dântchenko. Felizmente consegui o meu intento. Eliminei os vícios de representação dos atores profissionais e todos atuavam com um frescor natural de quem está passando por aquela situação pela primeira vez. Foi uma experiência que deixou saudades e que eu gostaria de repetir, assim que for possível. Deu certo enquanto eu pude estar à frente do elenco. Infelizmente não podia ficar com eles o tempo todo. Quando eu me afastei, o projeto inicial começou a degringolar. Os atores já não se concentravam para entrar em cena, já não chegavam ao teatro com antecedência... Alguns ficavam até as 21 horas na porta do teatro, para ver se havia público o suficiente para só depois ir colocar o figurino. É o famigerado: – Eu me troco num minuto. O grupo começou a desvirtuar-se a tal ponto que, um dia, um ator dos antigos entrou em cena descalço e sem o figurino completo porque estava conversando na coxia e perdeu a deixa de entrar em cena. Bem, nesse ponto eu resolvi interromper esse processo e mudar tudo. Preparei outros atores para substituir os que tinham saído e eu mesmo entrei no elenco, como ator. Funcionou! Eu estando lá toda noite dando o exemplo, mostrando como um ator profissional deve se comportar. E isso não transformou a coxia em convento. Nós brincávamos dentro de um limite do razoável, mas quando dava o segundo sinal cada um cuidava apenas da sua personagem. O espetáculo cresceu muito. Quando fomos fazer uma temporada no Teatro Maria Della Costa, o espetáculo estava muito bom. O público se esquecia que estava no teatro, porque a naturalidade dos atores em cena era tamanha, que as pessoas não se lembravam que estavam vendo atores representar. A peça era Nossa Pequena Cidade que já havia montado em Sorocaba, agora numa versão nova. Eu transformei toda a peça de Thorton Wilder. Eu não queria falar apenas de uma cidade, eu queria falar de todas as cidades que povoam o passado de todos nós. Durante o processo de construção das personagens eu propunha improvisações ao elenco e algumas delas eu incluí no texto. Quando chegou o momento de pedir autorização para montá-la, enviei à SBAT a minha adaptação para ser colocada em julgamento pelo agente do falecido Thorton Wilder, para ele autorizar ou não a montagem. E qual não foi minha surpresa com a resposta, dizendo que a minha adaptação não poderia ser considerada como tal. Ela havia sido transformada numa obra de minha autoria, apenas baseada na peça de Wilder e eles me liberavam do pagamento de qualquer direito autoral. Além do que a minha peça era mais otimista que a do Thorton Wilder. O texto original termina no cemitério com os mortos se queixando dos vivos, dizendo que eles são muito chatos e só sabem se lamuriar. No final da minha versão dei outro destino à personagem principal, Jorge. Quando a heroína morre, o Jorge fica arrasado por um tempo, mas volta a se encontrar com a antiga namorada (personagem que introduzi na história para fazer o triângulo amoroso com o casal principal) e casa-se com ela. Minha versão termina com todos os mortos felizes com os vivos. A heroína morta aproxima o Jorge deste novo amor. É um hino à vida e não à morte. Diante disso, acabei registrando na Biblioteca Nacional como: Nossa Pequena Cidade, de Ewerton de Castro, baseado em Thorton Wilder. Essa encenação estreou em 2002 e eu entrei como ator em 2003. Depois de quatro anos voltei a fazer cinema em um filme da maior importância, dirigido pelo grande Ugo Giorgetti: O Príncipe. Roteiro fantástico! A personagem principal chega do exílio e encontra tudo diferente. Os amigos mudaram. A cidade mudou! É um olhar espantado sobre a realidade. A minha personagem era um crápula sem escrúpulos, que vende a alma para fazer um bom negócio. Eu adorei fazer. O filme ficou realmente muito bom, mas acho que poderia ficar ainda melhor se tivesse havido reuniões para análise do roteiro, construção das personagens e ensaio das cenas. Foi com muita dor no coração que resolvi encarar a realidade de que seria impossível manter a escola por muito mais tempo. Mas para acabar com as atividades de forma digna, ainda restava um último sacrifício. Tinha que ir terminando as atividades aos poucos. Era necessário formar os que estavam cursando a escola. Mas tive que parar de admitir novos alunos em meados desse ano de 2002. Isso acarretou mais problemas. Com a diminuição de alunos o faturamento seria cada vez menor e alguns cortes de gastos teriam que ser feitos. A escola não suportaria mais a despesa de tantos professores e de aluguel das várias salas que ocupava. Foi penoso ter que ir dispensando os professores e funcionários que durante tantos anos tinham trabalhado ao meu lado, vestidos com a nossa camisa. Fui desativando os teatros e as salas de aula à medida que as turmas iam diminuindo e entregando os imóveis ao proprietário do prédio. Isso ocasionou mais gastos com a reforma para transformar os teatros em salas comuns. O espaço que ocupávamos perdeu a energia e a alegria. Começou a se transformar numa sala de velório onde a escola ia morrendo lentamente. Capítulo XXXVIII Em 2003, substituí Fúlvio Stefanini em A Peça Sobre o Bebê, do Edward Albee, sob a direção de Aderbal Freire Júnior. Estreei no Teatro das Artes, no Rio de Janeiro. Foi uma experiência fascinante, por se tratar de um texto importantíssimo do teatro contemporâneo. Apesar do tempo exíguo para construir a personagem, consegui com a ajuda do Aderbal realizar um belo trabalho, tendo recebido excelentes críticas. Trabalhei nesse espetáculo com Marília Gabriela. Aliás, eu fico muito bravo quando alguém diz que ela não é atriz, é jornalista. Isso é de um preconceito sem limites. Eu reputo Marília como uma grande atriz, além de ser uma atriz inteligente. Ela atuava em A Peça Sobre o Bebê num papel dificílimo como se fosse uma veterana. O entendimento que ela possuía da personagem era genial! Ela dava um show! Adorei ser dirigido pelo Aderbal. Ele é muito inteligente. Ele aceita as contribuições do ator para o espetáculo. É o oposto desses diretores prepotentes que chegam com o espetáculo pronto e consideram o ator um mero robô. Foi ele quem dirigiu A Mão na Luva, com o Nanini. Ele é um grande diretor! É motivador e nos demos muito bem. Gostaria de repetir a dose... Fizemos uma temporada interessante, no Rio de Janeiro, depois começamos a viajar pelo Brasil e a produção, infelizmente, interrompeu a carreira da peça. Atuei em Maria, a Mãe do Filho de Deus, dirigido por Moacyr Góes, que é também diretor de teatro. Gostei muito de trabalhar com ele. Padre Marcelo é muito boa gente! Entusiasmado! Dizia que a minha interpretação do Joaquim o emocionava. Ainda nesse ano fui chamado pelo SBT para participar da novela Canavial de Paixões no papel de um bispo que contracenava com Jonas Mello em duas cenas! Aceitei! Nunca tive problemas em aceitar pequenos papéis. Capítulo XXXIX A escola chegava mesmo ao seu fim. O nosso país é desanimador em certos aspectos. Corre grande risco financeiro quem empreende um projeto dessa envergadura. Construí três pequenos teatros dentro da escola: Sala Dias Gomes (60 lugares – palco italiano); Sala Vianinha (100 lugares – teatro de arena) e Sala Eugênio Kusnet (80 lugares – palco italiano também podendo ser aproveitado como arena). Havia um alojamento para 50 pessoas, 7 salas de aula, cantina e uma imensa biblioteca (com 4.000 títulos) e esta biblioteca estava à disposição dos alunos. Havia também um enorme acervo de figurinos e uma grande quantidade de elementos cênicos, que atendiam às necessidades de qualquer tipo de cenário. Havia também toda uma infra-estrutura de vídeo, projetor de slides e os teatros eram equipados com sistema de luz e som. Além do curso profissionalizante de ator, havia um curso livre para adolescentes e cursos livres de história, interpretação para a câmera, acrobacia, etc. Quanto ao conteúdo, minha escola era tida como uma das melhores escolas do Brasil. É muito triste um empreendimento dessa natureza não dar certo por falta de poder aquisitivo dos alunos. É certo que o Brasil estava passando uma fase terrível de inadimplência. Mas como fica a educação, a arte? Fui de pires na mão pedir ajuda a todos os órgãos públicos. Nunca pedi dinheiro, apenas reivindicava bolsas de estudo para os alunos inadimplentes. Nada foi feito. Nenhum movimento foi vislumbrado por parte das autoridades para tentar salvar a minha escola, que prestava um serviço valioso à sociedade formando novos e bons atores. Além disso, havia excelentes profissionais que trabalhavam na escola e que perderam o emprego. Confesso que fiquei numa situação econômica dificílima. O meu acervo de figurinos, elementos cênicos e cenários foram doados à TV Cultura. No final do primeiro semestre de 2004 a escola fechou, apresentando os dois últimos espetáculos das duas últimas turmas de formandos. Os espetáculos eram As Bruxas de Salem, de Arthur Miller, considerado o máximo do naturalismo americano, dirigido por Moisés Miastkosviki, e O Percevejo, de Vladímir Vladímirovitch Maiakovski, considerado o máximo da vanguarda russosoviética, dirigido por João Bourbonnais. Em março de 2004, Miguel Falabella me chamou para substituir Tuca Andrade no espetáculo Veneza. Eu não havia assistido a este espetáculo no Rio de Janeiro, porque na mesma ocasião estava em cena no mesmo shopping, fazendo A Peça Sobre o Bebê, mas Hânia, minha mulher, foi me visitar no Rio e aproveitou para assistir a outros espetáculos que estavam em cartaz. Ela ficou particularmente impressionada com Veneza. Quando contei que havia sido convidado para fazer a peça ela disse: – O Tonho! Que maravilha! Preparei-me aqui em São Paulo assistindo a um vídeo do espetáculo. Achei fantástica a história. Muito engraçada e a direção do Falabella muito, muito boa. Foi-me enviado o texto do argentino Jorge Accame adaptado pelo Miguel e comecei a trabalhar. Depois de analisar bem o texto, fiz a gênese da personagem, depois a ação contínua. Tudo o que eu estudava ou escrevia sobre a peça ia surgindo de uma forma muito natural. Tonho entrou na minha cabeça de uma forma muito fácil em menos de 15 dias. A primeira vez que pedi pra Hânia que tomasse o texto, eu sabia tudo de cor. É claro que a minha interpretação era bem diferente da do Tuca. Qualquer ator vai construir a mesma personagem de um modo diferente. Dentro do espetáculo uma das coisas mais difíceis era a montagem do avião feita com elementos cênicos e que Tonho deveria realizar sozinho. Eu anotei toda a movimentação, vendo o vídeo e decorei a seqüência mesmo sem ter os objetos. Quando cheguei no Rio, Adélia, a assistente do Miguel que me ensaiou, pediu que começássemos justamente pela montagem do avião. Eu pedi: – Me deixa montar uma vez e você vê onde estão as falhas. Resultado: Eu já sabia a ordem e montei o avião inteiro. Repeti os movimentos mais duas vezes e fui chegando no tempo exigido pela música. Ela então se deu por satisfeita. O teatro tinha que ser entregue numa determinada hora. Nunca há tempo para se ensaiar uma substituição. Pedi a ela que aproveitássemos o tempo que sobrava, estudando o texto. Fui dizendo o texto com as intenções das falas e ela foi dando o ok! No dia seguinte tinha ensaio com o elenco, mas Arlete Salles não estava, porque tinha outro compromisso, e a Laura Cardoso, que naquele dia não poderia ensaiar, acabou aparecendo. A gente ensaiava com quem estivesse. E eu ia treinando a montagem do avião e da gôndola. No dia seguinte demos uma passada no espetáculo com a Arlete e sem a Laura. Na véspera da minha estréia, fizemos o ensaio geral com o Miguel. Passamos uma vez a peça inteira. Estreei. Sucesso absoluto! Nunca errei o texto, nunca me deu branco. É que Jorge Accame e Miguel Falabella são muito bons e todas as personagens de Veneza são fantásticas. A Rita, personagem da Arlete, é de uma riqueza incrível! A Gringa, personagem da Laura! E o Tonho é um verdadeiro presente para qualquer ator. Aproveitei com unhas e dentes essa oportunidade e consegui um fato inédito: Ser aplaudido em cena aberta em todos os espetáculos! Em alguns mais de uma vez. Fui convidado para participar da montagem de Os Sete Gatinhos do grande Nelson Rodrigues, no papel de Noronha. É claro que aceitei, apesar de o sistema ser de porcentagem e, portanto, sem nenhuma remuneração, a não ser um percentual de bilheteria. O projeto era grandioso, com um elenco ótimo. Os ensaios começaram e durante um mês, onde foram feitas leituras de mesa, nós todos fomos construindo nossas personagens. Ao final desse período fizemos uma leitura pública para os produtores. Foi como uma checagem para saber até onde tínhamos chegado. O resultado era bastante interessante. No dia seguinte começaram os ensaios de marcação de cenas e, qual não foi a minha surpresa, ao constatar que as marcas impostas pela direção não correspondiam ao que havíamos estabelecido e conquistado nos ensaios de mesa. Tentei me adaptar às novas circunstâncias propostas. Tentei fazer com que o meu Noronha conseguisse existir e florescer dentro da nova proposta. Eu até teria conseguido, mas não quis submeter o meu Noronha a uma leitura que nem eu nem ele concordávamos. Preferi sair do projeto para não fazer um trabalho contrariado. Teatro tem que ser prazer total, sempre. Por que motivo eu iria me contrariar a cada representação? Isso prejudicaria o meu trabalho e eu prefiro deixar de fazer a fazer mal. Foi com muita tristeza que me despedi do meu Noronha, a quem um dia ainda pretendo reencontrar. Herval Rossano me chamou para conversar. Que bom! Já sabia que a TV Record estava iniciando um núcleo paulista de teledramaturgia, mas não tinha ido pedir emprego. Uma das falhas da minha personalidade é não ter ainda, na minha idade, aprendido a humildade de mendigar trabalho. Digo isso porque, com raras exceções, é dessa maneira que, no nosso meio, é encarado um profissional que busca trabalho. Não consigo en-tender a razão disso. Em qualquer outra profissão é comum que um profissional visite empresas oferecendo o seu trabalho e é tratado com todo o respeito. No nosso ofício esse fato é desabonador e o profissional é sempre menosprezado. Talvez isso aconteça porque este é um ofício de vaidades e egos expandidos até o limite do inacreditável. Tive a sorte de nunca ter precisado pedir para trabalhar. Toda a minha carreira, graças a Deus, foi feita através de convites. Se assim não fosse, acho que teria morrido de fome ou mudado de profissão. Tremo em pensar nessa possibilidade! Mas voltando à TV Record, Herval Rossano ainda não era meu amigo. Eu o conhecia do tempo em que ele era casado com Nívea Maria e Patrícia Bueno, minha namorada, era muito amiga do casal e madrinha de uma de suas filhas. Não o via havia quase dez anos. Mas ele me chamou para conversar e me convidou para participar de Escrava Isaura, a novela que iria dirigir na Record. A idéia, que a princípio poderia parecer desinteressante, numa segunda análise era genial. A decisão de Herval, de reeditar um antigo sucesso pessoal que acabou se transformando no maior fenômeno da televisão brasileira e até hoje é vendida no mundo inteiro, era bastante acertada. Novela é trama, história. Então por que não reeditar a maior trama novelística de todos os tempos? Achei a idéia muito boa. Será que desta vez vamos conseguir? Herval me propôs interpretar aquele que viria a ser um dos maiores presentes que já recebi na minha carreira: Belchior, o jardineiro disforme apaixonado pela Isaura. Tratava-se de uma composição. Teria que construir uma personagem bem diferente de mim e dar veracidade a ela. E como eu adoro desafios, aceitei com muita alegria. Mandaram fazer uma corcunda, mas eu tinha outras idéias a mais. Gosto sempre de raciocinar tendo por base a função da personagem que vou interpretar e a função de Belchior era ser, pela sua feiúra e deformidade, o grande castigo para Isaura. Em determinado momento da trama, quando Leôncio, o grande vilão, desiste de tentar conseguir a escrava para si, rejeitado, ele impõe a ela o castigo de se casar com o monstrengo. Então eu precisava ser o mais horrível possível. Pensei logo em uma prótese com dentes podres. Isso causaria má impressão no visual de Belchior, principalmente na televisão que vive de closes. A todo o momento o espectador estaria sendo lembrado da feiúra da personagem diante da imagem de dentes podres. E para completar a feiúra facial contida nos closes, pedi sobrancelhas bem grossas que eram colocadas em cima das minhas, enormes, peludas... Graças a Deus todas as minhas solicitações foram atendidas. Fui a um amigo protético e juntos fizemos a dentadura. Ficou horrorosa! Gengivas roxas! Dentes podres e tortos! Eu já havia usado uma prótese dentária no espetáculo Um Crime Quase Perfeito, para fazer a velhinha do início. Sabia que a voz emitida com um elemento estranho na boca sai diferente da sua voz normal. Isso também iria ajudar a compor a personagem. Ajudei também com idéias, a confeccionar a minha corcunda e passei horas no alfaiate para que ele moldasse as roupas em cima do corpo disforme de Belchior. Gosto de participar de todas as etapas da construção das minhas personagens. Isso as torna mais minhas, mais íntimas. Paralelamente a esse trabalho fui fazendo a pesquisa da época, leitura do romance de Bernardo Guimarães e a gênese de Belchior. Fato curioso é que Tiago Santiago, o autor da novela, pediu aos atores que mandassem para ele as gêneses das suas personagens. O pedido causou espécie por ser inusitado em televisão. Minha admiração por ele começou neste momento. Finalmente um autor que acredita no método da construção da personagem e aceita opiniões. Coisa rara e preciosa! Mandei a minha gênese via e-mail e qual não foi minha satisfação ao constatar que Tiago Santiago havia aprovado a história de vida de Belchior e a estava usando nos diálogos. A primeira vez que coloquei toda a caracterização e fui diante das câmeras para fazer o teste de imagem, todos ficaram impressionados. Herval aprovou e perdemos o medo de que a minha caracterização pudesse tirar a autenticidade de Belchior. Eu tive que treinar muito para dizer o texto com a prótese e ser entendido. No começo, nem eu entendia o que eu dizia. Mas com trabalho as falas ficaram inteligíveis. A primeira cena da no-vela, que foi gravada, era com Belchior e Rosa, interpretada por Patrícia França. Foi emocionante ver nascer essa personagem maravilhosa, fruto de um árduo trabalho. Lá estava presente aquele Quasímodo disforme, mas cheio de vida interior e muita humanidade. Uma das minhas colegas me disse: – Ninguém vai te reconhecer. – Ainda bem! Eu quero que reconheçam o Belchior e não o Ewerton. Desde a primeira cena pude constatar a existência de Belchior e de como a nossa convivência seria frutífera e prazerosa. As minhas costas ficavam doloridas por causa da postura torta, a dentadura incomodava, a malha que acondiciona a corcunda esquentava demais, mas nada disso importa. Isso faz parte do meu ofício. O que importa realmente é que uma personagem foi criada e ela adquiriu vida própria. O ofício do ator é este: a cada novo trabalho, não medir esforços e trabalhar muito para chegar a um bom resultado. A verdade é que para ser um bom ator é necessário tanto suor quanto talento. O sucesso que conseguimos com esse trabalho foi enorme. Provamos que se pode fazer novelas de qualidade fora do Projac (central de produções da TV Globo). Provamos que o público não se im porta de mudar de canal, contanto que ele seja recompensado com qualidade nessa mudança. Orgulho-me em dizer que, também graças ao meu trabalho, consegui um sucesso pessoal muito grande. Belchior foi um grande presente, talvez o maior que já recebi, (Muito obrigado, Herval! Muito obrigado, Tiago!) e retribuí com toda a minha dedicação para não decepcionar e aproveitar ao máximo esse presente. A recompensa é que fui contratado por mais dois anos pela TV Record onde é muito prazeroso trabalhar. Posfácio Quero terminar estas minhas narrativas agradecendo aos meus filhos pelo desprendimento em dividir o pai com suas inúmeras atividades. A vivência teatral me fez feliz e dessa forma pude ser o pai amoroso que, tenho certeza, sempre fui. Tenho certeza também que apesar de sempre trabalhar muito nunca deixei de dedicar a eles um tempo que, se não primou pela quantidade, espero ter tido a qualidade de quem ama. Gostaria de agradecer às minhas companheiras de vida que sempre me deram suporte e apoio para que eu pudesse me desdobrar nos vários papéis dos palcos e da vida. Elas foram o meu esteio emocional e fraternal. Um agradecimento especial a Hânia Cecília Pilan, minha atual companheira, que espero permaneça ao meu lado até o cair do pano. Gostaria de agradecer aos meus amigos (o que seria da vida sem amigos?) e a todos os colegas que direta ou indiretamente trabalharam ao meu lado, contribuindo com o seu profissionalismo para que eu pudesse ser útil ao projeto que me dedicava no momento. Gostaria também de agradecer a todas as centenas de personagens que me ajudaram a moldar a minha arte e me ensinaram sobre a vida e as relações humanas. Ao finalizar este meu depoimento, preciso dizer que, depois de passar por todas essas experiências, ainda me sinto um garoto, agora aprisionado num corpo de 60 anos. Quando me olho no espelho e vejo que o tempo passou e os sinais da idade começam a aparecer, dou Graças a Deus pelo dom que me deu para que eu exercesse esse ofício, onde a experiência é primordial e onde sempre haverá o papel de um velhinho feio e disforme, como o inesquecível Belchior, que o meu corpo envelhecido ainda possa interpretar. Pós-Posfácio Em 2005 esse trabalho foi concluído pela Reni Chaves Cardoso, minha grande amiga/irmã e cúmplice teatral, apesar de nunca termos trabalhado juntos profissionalmente. De lá para cá, muita coisa aconteceu. A mais traumática foi o desencarne de Reni, após uma penosa e injusta doença. Ela descansou e deixou um vazio intelectual e afetivo em todos os seus amigos. O que mais incomoda é o fato de que, dona de um conhecimento muito acima da média, talvez pelo seu caráter reservado, nunca lhe foi dado, no meio acadêmico, o devido reconhecimento. Felizes daqueles que puderam beber em sua sapiência lições de vida, conhecimento e cultura. Mas nós, afortunados amigos, lhe seremos eternamente gratos. De lá para cá continuei a minha caminhada artística e, para ser correto às minhas memórias, tenho que relatar esses acontecimentos. Tive o privilégio de participar de Limbo, curtametragem do meu amigo Andrés Bukopwinski. É sempre prazeroso e proveitoso trabalhar com ele. O filme ganhou diversos prêmios, entre os quais o de melhor curta de ficção no Festival de Gramado 2005. Com amigos também participei de Corpus Aladus curta metragem de Domingos Meira e Paulo Furtado. Outro projeto várias vezes premiado onde o próprio Domingos e minha filha Talita trabalharam. Em televisão fui emprestado a HBO para atuar no episódio João Santos da série Mandrake e participei de Essas Mulheres de Marcílio de Morais, Bicho do Mato e Chamas da Vida de Cristianne Fridman. Todas na TV Record, onde estou contratado até final de 2012. No teatro tive o privilégio de atuar no maior espetáculo de areia de praia do mundo, a Encenação da Vila de São Vicente sob a direção de Charles Möeller, no papel de Martim Afonso de Souza. Uma experiência inesquecível! E depois de duas leituras públicas, uma com Beth Goulart e outra com Lavínia Panunzio, finalmente foi à cena com Flávia Pucci sob a direção do autor Márcio Araújo, Não Esqueça de Aguar as Plantas. Recentemente estive em O Santo e a Porca, o clássico de Ariano Suassuna. Tenho feito pouco teatro, acomodado que estou no longo contrato que tenho com a Record e temeroso de, fazendo novelas, ser incapaz de cumprir horários. Como já disse, gosto de chegar com antecedência ao teatro para estar apto a dar o melhor de mim. São estressantes as apressadas viagens de um trabalho para outro, sempre temeroso de não conseguir chegar a tempo. Por outro lado estou um tanto quanto desencantado com o que fizeram do Teatro, esse ofício privilegiado pelos deuses. Sem medo de ser saudosista e já sendo, tenho a nítida impressão que não se faz teatro como antigamente. Fiquei muito impactado quando assisti em outubro de 2007 Les Ephémères, do Theatre de Soleil, dirigido por Arianne Mnouchkine. Ali se respirava o verdadeiro teatro. O trabalho da construção das personagens tinha sido levado às últimas consequências. No palco não se via atores com suas vaidades e cacoetes, mas pessoas de carne e osso, que não representavam, mas sim vivenciavam as situações que apesar de cotidianas e corriqueiras, ganhavam uma dimensão de obra de arte. Desde a chegada do público, ia sendo desmistificada a imagem icônica do ator e o que se via eram dedicados trabalhadores se preparando para exercer o seu ofício. E no palco, os cenários iam desfilando em carinhos que eram empurrados por atores que, apesar da humilde função, se portavam com a dignidade e a responsabilidade de quem estivesse fazendo próprio Hamlet de Shakespeare. Mas nem por isso, quem estava no momento exercendo a função de protagonista se portava como tal no mal sentido da palavra. Ninguém queria derrubar ninguém, muito pelo contrário. Quem empurrava o carrinho estava no mesmo clima do protagonista e sem tentar desviar a atenção do espectador para a sua atuação. Estava apenas colaborando com sua participação pequena, mas importantíssima, para a completa realização do espetáculo. Não havia estrelismo e durante os intervalos esses mesmos protagonistas vinham servir água para o público ou varriam o palco. Isso me fez lembrar de Yoshi Oida e seu O Ator Invisível. Eu me apaixonei pelo grupo que, a meu ver, faz o verdadeiro Teatro. Até deu vontade de me oferecer para empurrar carrinhos. Acho que com o meu currículo seria aceito ao menos para isso. Um pouco triste por não conseguir fazer no meu país o teatro que eu gostaria, vou dando continuidade a minha carreira sem descartar a possibilidade de, num dia desses, fazer as malas e ir bater na porta de La Cartoucherie. Ewerton de Castro Fevereiro de 2009 Histórico 1950/1959 • Diversos trabalhos na 1ª Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo 1960/1962 • Diversos trabalhos na 1ª Igreja Presbiteriana Independente de S. José do Rio Preto, entre os quais Feia, de Paulo Magalhães • Fundação do Terp (Teatro Estudantil de Rio Preto) Teatro • O Diário de Anne Frank, de F. Goodrich e A. Hackett (cenógrafo, ator e diretor) 1963 Teatro • A Moratória, de Jorge Andrade (cenógrafo, ator e diretor) • A Bruxa, de Lauro César Muniz (cenógrafo, ator e diretor) 1965 • Ingresso na Faculdade de Arquitetura Mackenzie 1966 Teatro • O Inspetor de Fadas, de Barros Plinto • O Amor Através dos Tempos (coletânea) • Chiquinha Manhosa, infantil de Jorge Ovalle • Travessuras de Natal, infantil de Jorge Ovalle • O Excluso, de Ari Chen Televisão • Os Anjos do Brooklyn (TV de Vanguarda, direção de Benjamim Cattan) 1967 Teatro • O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna (diretor supervisor – S. José do Rio Preto) • O Diletante, de Martins Pena (cenógrafo e diretor – S. José do Rio Preto) • Antígone, de Jean Anoilh (cenógrafo e diretor – • José do Rio Preto) • A Dádiva, adaptação de Tatiana Belinky (cenógrafo e diretor – 1ª Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo) 1968 Teatro • A Rainha Esther, adaptação de Tatiana Belinky (cenógrafo, ator e diretor) • O Castelo de Mulumi, infantil de Jurandir Pereira (cenógrafo, ator e diretor) • A Cozinha, de Arnold Wesker (direção Antunes Filho) • Profissionalismo DRT Nº 765 – Livro Nº 765: ator, cenógrafo, figurinista, diretor, iluminador, montador e diretor de filme cinematográfico Cinema • Filme de Instrução de Vendas para Abril Cultural (direção de Pedro Paulo Hathaier) • O Jeca e a Freira, de Mazzaropi • O Quarto, de Rubem Biáfora Televisão • Sítio do Pica-pau Amarelo (Visconde de Sabugosa) adaptação Tatiana Belinky, direção de Júlio Gouveia • Histórias de Natal, teleteatros de Tatiana Belinky, direção de Júlio Gouveia, TV Bandeirantes 1969 Teatro • Os Sete Pecados Capitais, de vários autores nacionais, direção de Carlos Murtinho • Um Gosto de Mel, de Shelagh Delaney (cenógrafo, iluminador e diretor) • O Diletante, de Martins Pena (cenógrafo, ator e diretor) • A Celestina, de Rojas (direção de Ziembinsky) Cinema • As Gatinhas, de Astolfo Araújo • Paraíso das Solteironas, de Mazzaropi (roteirista) • As Armas, de Astolfo Araújo Televisão • Heide (Velho da Montanha) novela de Tatiana Belinky, direção de Júlio Gouveia, TV Bandeirantes 1970 Teatro • Medeia (Mensageiro) de Eurípedes, direção de Silney Siqueira, com Cleyde Yaconis • Martins Pena – Comédia, de Martins Pena, espetáculo composto das peças O Cigano e O Diletante (cenógrafo, figurinista e diretor) • Os Convalescentes, de José Vicente Cinema • Terra dos Índios, de Ari Fernandes, série Águias de Fogo • Paixão na Praia, de Alfredo Sternheim • Prêmio Melhor Ator, 1º Festival do Guarujá 1971 Teatro • Peer Gynt, de H. Ibsen, direção Antunes Filho • O Patinho Preto, de Walter Quaglia, SESI • Arlequim, Servidor de Dois Patrões, de Goldoni • O Coelho Cowboy, de Oscar Felipe (diretor) • Natal na Praça, de Henri Ghéon (diretor) Cinema • ...Em Última Análise – Super-8 (diretor, roteirista e montador) • Prêmio Melhores Filmes/71 – Cine Clube Paiol 1972 Teatro • Missa Leiga, de Chico de Assis, direção Ademar Guerra • Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller, direção de Odavlas Petti • Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, direção de Yacov Hillel • Sonho de Uma Noite de Verão (Puck) de William Shakespeare, direção de Kiko Jaess Televisão • O Tempo Não Apaga, novela de Amaral Gurgel, TV Record • Happy-End, de Antônio de Pádua, teleteatro, TV Cultura • A Revolta dos Anjos, novela de Carmem da Silva, TV Tupi 1973 Teatro • Tango, de Mrozek, direção de Amir Haddad (Preparação de ator de Eugênio Kusnet) • Da Necessidade de Ser Polígamo, de Silveira Sampaio, direção Jaime Barcellos Cinema • Último Êxtase, de Walter Hugo Khoury • Prêmio Melhor Ator Coadjuvante, 1º Festival da Baixada Santista • Ford Maverick, média-metragem de Jorge Jonas • Anjo Loiro, de Alfredo Sternheim, com Vera Fisher • O Poderoso Machão, de Roberto Mauro • A Noite dos Desejos, de Fauzi Mansur Televisão • As Pessoas na Sala de Jantar, de Gianfrancesco Guarnieri, teleteatro, TV Tupi • O Pivete, de Gianfrancesco Guarnieri, teleteatro, TV Tupi • Vidas Marcadas, novela de Amaral Gurgel, TV Record • Meu Adorável Mendigo, novela de Emanuel Rodrigues, TV Record 1974 Teatro • Lição de Viver, infantil de Sílvia Cardoso e Alceu Nunes, Teatro Nydia Licia (diretor) • O Homem que Enganou o Diabo, de Luiz Gutenberg, leitura dramatizada (cenógrafo e diretor) • Teatro de Cordel / 74, adaptação de Orlando Senna (cenógrafo e diretor) • Prêmio Revelação de diretor – APCA 1974 Cinema • Filme de Instrução de Vendas para Ford Motor Craft, direção de Pedro Paulo Hathaier • O Acidentado, curta-metragem de Raquel Monteiro • As Delícias da Vida, de Maurício Ritner • Ponto Final, curta-metragem de José de Anchieta Televisão • Ídolo de Pano, novela de Teixeira Filho, TV Tupi 1975 Teatro • Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, direção Osmar Rodrigues Cruz, SESI • Equus, de Peter Shaffer, direção Celso Nunes • Prêmio de Melhor Ator Coadjuvante – Governador do Estado 1975 • Anabela no Mundo das Maravilhas, de José Safiotti, leitura dramatizada • O Último Bolero em Sorocaba, de Mah Luli (cenógrafo, iluminador e diretor) Cinema • Cada Um Dá o Que Tem (episódio: Uma Grande Vocação, de Sílvio de Abreu) • Sabendo Usar Não Vai Faltar (episódio: Joãozinho, de Francisco Ramalho) Televisão • Ovelha Negra (Bentinho) novela de Chico de Assis e Walter Negrão, TV Tupi • A Viagem (Alexandre) novela de Ivani Ribeiro, TV Tupi • 2000 Anos de Teatro, Grande Teleteatro. Coletânea de textos dirigida por Flávio Rangel, TV Tupi 1976 Teatro • Teatro de Cordel / 76 (adaptador, iluminador e diretor) Cinema • A Noite das Fêmeas, de Fauzi Mansur • À Flor da Pele, de Francisco Ramalho Televisão • Xeque-Mate, novela de Chico de Assis e Walter Negrão, TV Tupi • O Julgamento, novela de Renata Pallottini e Carlos Queiróz Telles, TV Tupi 1977 Teatro • O Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio Marcos, direção de Osmar Rodrigues Cruz, SESI • Prêmio de Melhor Ator APCA 1977 Televisão • Éramos Seis (Julinho) novela de Sílvio de Abreu e Rubens Ewald Filho, baseada na obra de Maria José Dupré, TV Tupi 1978 Teatro • O Poeta da Vila e Seus Amores (continuação da temporada de 2 anos) Cinema • Adultério por Amor, de Geraldo Vietri • O Mudo, de Julinho da Alcântara • O Estripador de Mulheres, de Juan Bajon • O Médium, a Verdade Sobre a Reencarnação, de Paulo Figueiredo • Aquele Que Sabe Viver (Il Sorpasso), de Dino Risi (dublador de Jean-Louis Trintignan) 1979 Cinema • Na Violência do Sexo, de Cassiano Esteves • Viúvas Precisam de Consolo, de Ewerton de Castro (produtor, roteirista e diretor) Televisão • Salário Mínimo, novela de Chico de Assis, TV Tupi 1980 Teatro • Patética, de João Ribeiro Chaves Netto, direção Celso Nunes • Prêmio de Melhor Ator – Molière 1980 • Hipólito, de Eurípides, leitura dramatizada • Foi Bom, Meu Bem?, de Luis Alberto de Abreu (diretor) Cinema • Os Rapazes da Difícil Vida Fácil, de Luiz Miziara Televisão • O Príncipe Encantado, de Leilah Assumpção (episódio da série Malu Mulher, TV Globo) • Castro Alves, de Geraldo Vietri (episódio da série Cabaret Literário, TV Cultura) 1981 Teatro • O Homem Elefante, de Bernard Pomerance, direção Paulo Autran Cinema • A Noite das Depravadas, de Juan Bajon Televisão • O Povo de Deus e o Milagre dos Coronéis (Episódio de Dias Gomes para a série O Bem-Amado, TV Globo) • Quincas Borba, de Machado de Assis (5 capítulos), teleconto de Marcos Rey, TV Cultura • Domingo com Cristina, de Mário Donato (5 capítulos), teleconto de Marcos Rey, TV Cultura • Menina do Olho no Fundo, de Mário de Andrade (5 capítulos), teleconto de Maria Adelaide Amaral, TV Cultura • O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto (5 capítulos), teleconto de Geraldo Vietri, TV Cultura • Partidas Dobradas, de Mário Donato (25 capítulos), teleromance de Marcos Reys, direção de Edson Braga, TV Cultura • O Fiel e a Pedra, de Osman Lins (25 capítulos), teleromance de Jorge de Andrade, direção de Edson Braga, TV Cultura • O Comprador de Fazendas, de Monteiro Lobato (5 capítulos), teleconto de Chico de Assis, TV Cultura • A Aventura do Teatro Paulista, Série de 20 programas escritos e dirigidos por Júlio Lerner, TV Cultura 1982 Teatro • Numa Nice (Cloud Nine), de Caryl Churchill, (produtor e ator) Televisão • Cavalo Amarelo (participação especial) novela de Ivani Ribeiro, TV Bandeirantes 1983 Teatro • O Colecionador, de Alan Parker, tradução e adaptação de Juca de Oliveira, direção de Luís Fernando, Rio de Janeiro e várias cidades Cinema • Parabéns Marta, de Geraldo Vietri Televisão • Eu Prometo, novela de Janet Clair, TV Globo • A Quinta Coluna, de Doc Comparato (teleteatro para a série Quarta Nobre, TV Globo) • Olho Vivo, a Sorte é Sua!, Programa de prêmios (apresentador), TV Bandeirantes 1984 Cinema • Patriamada, de Tisuka Yamasaky Televisão • Santa Maria Fabril, minissérie de Geraldo Vietri, TV Manchete • Colônia Cecília, minissérie de Patrícia Melo e Carlos Nascimento, da peça de Renata Palottini, direção de Hugo Barreto, TV Bandeirantes • Júlia, de Wilson Aguiar Filho, Caso Verdade, TV Globo • Eleições Imparciais, de Eduardo Clark, Caso Verdade, TV Globo • Quem Te Viu e Quem Te Vê, de Márcia Prates, Caso Verdade, TV Globo 1985 Teatro • Curso de Interpretação para a Secretaria de Estado de Cultura de São Paulo, Casa de Cultura Mazzaropi • A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca, montagem de final de curso (cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor) • O Avesso do Avesso (Noises Off), de Michael Frayn (direção José Renato), RJ Televisão • Roque Santeiro (Gérson do Valle) novela de Dias Gomes, TV Globo 1986 Teatro • Férias Extra-conjugais, de Peter Yelbhan e Donald Churchill, direção de Attílio Riccó (produtor e ator), RJ • Curso de Interpretação na Casa de Criação Attílio Riccó • Foi Bom, Meu Bem?, de Luis Alberto de Abreu, montagem de final de curso (cenógrafo, iluminador e diretor) Televisão • Amor Por Um Fio, teletema de Ana Maria Moretzsohn, TV Globo • Documentário de Orientação aos Novos fFncionários do Bob´s (editor, sonorizador e diretor) 1987 Teatro • Dois na Gangorra, de Willian Gibson, direção de Beto Silveira (produtor,cenógrafo e ator), Rio de Janeiro e várias outras cidades • Corda Bamba, de Ligya B. Nunes (adaptador, cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor) Cinema • Rádio Pirata, de Lael Rodrigues Televisão • O Outro, de Aguinaldo Silva, TV Globo 1988 Teatro • Panorama do Teatro Brasileiro, roteiro de Flávio Marinho, vários autores, direção de Miguel Falabella • Histórias de Contos e Lendas, infantil baseado em contos milenares SUFIS (adaptador, cenógrafo, figurinista e diretor), RJ • Teatro de Cordel / 88, adaptação de Orlando Senna (cenógrafo, figurinista e diretor), RJ • Projeto o Teatro Vai à Escola, patrocinado pela Coca-Cola, composto dos espetáculos Corda Bamba, Cordel/88 e Histórias de Contos e Lendas, RJ Cinema • Kuarup, de Ruy Guerra (filmagens no Xingu) 1989 Teatro • Lulu, de Frank Wedekind, direção de Naum Alves de Souza, RJ Televisão • Kananga do Japão, novela de Wilson Aguiar Filho, TV Manchete 1990 Teatro • Viagem ao Mundo Encantado, infantil de Ewerton de Castro. Montado com os alunos da 4ª série do Colégio Sion do Rio de Janeiro (autor, cenógrafo, iluminador e diretor) • Auto de Natal, de Ewerton de Castro. Montado no pátio externo do colégio Sion do Rio de Janeiro, com 250 participantes entre alunos, pais, professores e funcionários (autor, cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor) Cinema • A Escola Atrapalhada, de Deo Rangel, produção Renato Aragão Televisão • Pantanal, novela de Benedito Ruy Barbosa, TV Manchete • O Acidente, de Ewerton de Castro, episódio da série Fronteiras do Desconhecido (autor e diretor), TV Manchete • O Fenômeno, de Ewerton de Castro, direção de Attílio Riccó, episódio da série Fronteiras do Desconhecido, TV Manchete • Escrava Anastácia, minissérie de 5 capítulos da série Fronteiras do Desconhecido, TV Manchete • Riacho Doce, minissérie de Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretzsohn, TV Globo • Araponga, novela de Dias Gomes, Lauro César Muniz e Ferreira Gullar, TV Globo 1991 Teatro • Se, de Sérgio Jockman (Várias cidades), (cenógrafo, iluminador, ator e diretor) • A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho, de Ewerton de Castro e Heloísa Perissé (várias cidades), (autor, cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor) • Curso de Interpretação para alunos, pais, professores e funcionários do colégio Sion • O Teatro Através dos Tempos, de Ewerton de Castro. Espetáculo com a participação de 92 alunos (roteirista, cenógrafo, figurinista e diretor) • Prazer Em Te Conhecer, de Ewerton de Castro (texto inédito) Televisão • O Caso do Martelo, de José Pozenato, episódio para a série Terça Nobre, TV Globo • O Desaparecido, de Carlos Fontoura, Você Decide, TV Globo • Nós da Escola, telecurso, TV Educativa 1992 Teatro • Zip, Zap, Zum, infantil de Ewerton de Castro (autor, cenógrafo, figurinista e diretor), RJ • A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho, de Ewerton de Castro e Heloisa Perissé (autor, cenógrafo, figurinista, iluminador, ator e diretor), RJ • A Turma do Barulho, infantil de Ewerton de Castro • Curso de Interpretação para Alunos, Pais, Professores e Funcionários do Colégio Sion • A Gata Borralheira, infantil de Maria Clara Machado. Espetáculo com alunos do Colégio Sion, RJ (cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor) • Bodas de Sangue, de Federico García Lorca. Espetáculo com os alunos do Colégio Sion, RJ (cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor) Cinema • Mission of Love, de Dino Risi Televisão • Participação na Oficina de Teledramaturgia da TV Globo, RJ (Professores: Flávio Campos e Luís Carlos Maciel) • As Noivas de Copacabana, minissérie de Dias Gomes, TV Globo • De Corpo e Alma, novela de Glória Perez (Guedes), TV Globo 1993 Teatro • A Cigarra e a Formiga Ida, Parentes Afastadas de La Fontaine, Ópera infantil de Ewerton de Castro, sob o patrocínio do Centro Cultural Banco do Brasil (autor, cenógrafo e diretor), RJ • O Dia de Alan, infantil de Wladimir Capella (cenógrafo e diretor), RJ • O Mundo Não Me Quis, peça de circo-teatro encenada no Teatro de Terror (Teatro de Praia cenógrafo, iluminador, ator e diretor), RJ • Perdoa-me Por Me Traíres, de Nélson Rodrigues (iluminador), Festival de Edimburgo • Curso de Habilidade de Comunicação para a Coca-Cola e para a Nilsen, RJ Televisão • Radical Chic (Oliveira) de Miguel Paiva, programa de auditório diário para público juvenil, TV Globo • Lucíola, de José de Alencar, adaptação de Geraldo Carneiro, Terça Nobre, TV Globo • Fera Ferida, novela de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, TV Globo 1994 Teatro • Um, Dois, Três, Era Uma Vez, infantil de Marília Curi Vitari e Tetê Dias (cenógrafo, iluminador e diretor), RJ • A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho, de Ewerton de Castro e Heloisa Perissé. Dentro do Projeto de Teatro Popular (autor, cenógrafo, iluminador e diretor), RJ • Teatro de Cordel / 94, adaptação de Orlando Senna. Dentro do Projeto de Teatro Popular (produtor, cenógrafo, iluminador e diretor), RJ • Júri do 1º Concurdo de Peças de Língua Inglesa para a Cultura Inglesa do Rio de Janeiro • Recebe o Título de Cidadão Honorário de São José do Rio Preto Televisão • As Flores do Mal, de Geraldo Carneiro, episódio de fim-de-ano Você Decide, TV Globo 1995 Teatro • Itararé, a Batalha Que Não Houve, de Ênio Gonçalves. Leitura dramática na Sociedade Lítero-Dramática Gastão Tojeiro (ator) SP • Prazer Em Te Conhecer, de Ewerton de Castro, leitura dramática na Sociedade Lítero-Dramática Gastão Tojeiro (autor e diretor) SP Cinema • Nélson, de Mário de Andrade. Curta-metragem com direção, roteiro e adaptação de Carlos Cortez Televisão • Sangue do Meu Sangue, novela original de Vicente Sesso. Escrita por Rita Buzzar e Paulo Figueiredo, SBT 1996 Teatro • Um Crime Quase Perfeito, de Gerald Moon (produtor e ator) • Nem Sim, Nem Não, Muito Pelo Contrário, adaptação de Marisa Aché (cenógrafo, iluminador e diretor) • Oficina de Interpretação em Jacareí • Júri 1º Festival Nacional de Teatro de Jacareí • Júri da Final Regional de Teatro Amador de Agudos do Mapa Cultural • Oficina de Interpretação no Colégio William Shakespeare • Curso de Interpretação no Teatro América, em Sorocaba (duração 4 meses) • Sorocaba, Nossa Cidade, de Ewerton de Castro, baseado em Nossa Cidade, de Thornton Wilder (cenógrafo, iluminador e diretor) • Fundação da Escola de Teatro Ewerton de Castro, na Rua Sebastião Pereira, 135 • Curso Técnico Habilitação Profissional Ator (Autorizado por Portaria DRE da 12º DE – Capital, Decreto 39902/95, Deliberação 11/87, Processo 1062-0812-98, publicado no D.O.E.). 1997 Teatro • Professor de Interpretação Curso Profissionalizante Espetáculos da Escola de Teatro Ewerton de Castro. • Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souza com a primeira turma noturna de alunos da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Bodas de Sangue, de Federico García Lorca. Com a primeira turma de final de semana da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • A Boa Alma de Tse-Tsuan, de Bertolt Brecht, com as turmas noturnas da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, com as turmas de final de semana da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) Televisão • Os Ossos do Barão, novela de George Durst, SBT 1998 Teatro • Professor de Interpretação Curso Profissionalizante Espetáculos da Escola de Teatro Ewerton de Castro. • Teatro Grego, adaptação de Ewerton de Castro, com os alunos das turmas noturnas (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Teatro Grego, adaptação de Ewerton de Castro, com os alunos das turmas de final de semana da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • O Destino Assim o Quis, de Ewerton de Castro, com os alunos da turma do primeiro termo noturno (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • O Destino Assim o Quis – Parte 2, de Ewerton de Castro, com os alunos da turma do primeiro termo do final de semana (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Milkshakespeare, coletânea de textos de Shakespeare, adaptação Ewerton de Castro, com os alunos do 4º termo final de semana (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Orquestra de Senhoritas, de Jean Anouilh com os alunos do 4º termo noturno (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Professor de Interpretação - Colégio Módulo • A Turma do Barulho, de Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador e diretor) Cinema • O Sonho do Caroço do Abacate, de Lucas Am-berg, baseado na obra homônima de Moacyr Scliar (Falado em inglês e português) Televisão • Velas de Sangue, novela, TV Record 1999 Teatro • Professor de Interpretação Curso Profissionalizante • Histórias de Contos e Lendas, de Ewerton de Castro com os alunos do 1º termo da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Comédia da Vida Privada, de Luís Fernando Veríssimo, adaptação de Ewerton de Castro, com os alunos do 1º termo de final de semana da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues, adaptação de Ewerton de Castro, com os alunos do 1º termo noturno da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • • Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki com os alunos do 4º termo de final de semana da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Nos Tempos de Martins Pena, adap. de Ewer-ton de Castro de textos de Martins Pena com os alunos do 4º termo noturno da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Bonitinha, mas Ordinária, de Nelson Rodrigues com os alunos do 4º termo de final de semana da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • Theatro como Antigamente, de Ewerton de Castro, com os alunos do 4º termo noturno da Escola de Teatro Ewerton de Castro (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) 2000 Teatro • Professor de Interpretação Curso Profissionalizante • Cala Boca Já Morreu, de Luiz Alberto de Abreu (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) • O Fantástico Mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira (cenógrafo, figurinista, iluminador, sonoplasta e diretor) Televisão • A Hipocondríaca, de Tiza Lobo para o Você Decide, TV Globo • Uga-Uga, novela Carlos Lombardi, TV Globo • Os Maias, macrossérie de Maria Adelaide Amaral, direção de Luiz Fernando Carvalho, TV Globo 2001 Teatro • Professor de Interpretação Curso Profissionalizante. • Claque, de Jordão, leitura dramática • O Casamento do Pequeno Burguês, de Bertolt Brecht (cenógrafo, figurinista e diretor). • Foi Bom, Meu Bem?, de Luís Alberto de Abreu, músicas de Wanderley Martins (cenógrafo, figurinista, e diretor) • Esperando Godot, de Samuel Beckett (cenógrafo, figurinista e diretor). • O Mundo Não Me Quis, de A. Peres Filho e Marina Peres, circo-teatro (diretor e Ator – leitura dramática para a Sociedade Cultural Gastão Tojeiro) • A Luta Secreta de Maria da Encarnação, de Gianfrancesco Guarnieri (Ator) • Júri do Prêmio Panamco de Teatro Infanto-Juvenil Televisão • Os Normais, episódio: Desesperar é Normal, TV Globo 2002 Teatro • Professor de Interpretação em Curso Profissionalizante. • A Lista, de Oswaldo Montenegro (direção de atores) • Quem Casa, Quer Casa, de Martins Pena (cenógrafo, figurinista e diretor) • Júri do Mapa Cultural, última fase • Adaptações para teatro com João Bourbonnais dos seguintes textos: Memmon, de Voltaire; Fuga Além da Imaginação, de Rod Serling; O Amor, de Lygia Fagundes Telles, Orlando Bastos, Sandra Werneck e Raquel de Queiroz. • Nossa Pequena Cidade, de Ewerton de Castro, baseado em Thorton Wilder (iluminador, ator e diretor) Cinema • O Príncipe, de Ugo Giorgetti 2003 Teatro • Darwin e o Canto dos Canários Cegos, de Murilo Dias César, leitura dramática (ator) • Nossa Pequena Cidade, de Ewerton de Castro, baseado em Thorton Wilder (iluminador, ator e diretor) • A Peça Sobre o Bebê, de Edward Albee, Teatro das Artes, RJ Cinema • Maria, a Mãe do Filho de Deus, de Moacyr Góes Televisão • Canavial de Paixões, SBT 2004 Teatro • Veneza, de Jorge Accamme, direção de Miguel Falabella • Vírus, de Marcio Araújo. (Leitura dramática no Bastidores, com Beth Goulart) Televisão • Escrava Isaura (Belchior) de Tiago Santiago, TV Record. Dir. Herval Rossano Cinema • Limbo, de Andrés Bukopwinski. (Curta-metragem) – Prêmio Melhor Curta de Ficção do Festival de Gramado 2005 2005 Teatro • Não Esqueça de Regar as Plantas, de Marcio Araújo. (Leitura dramática com Lavínia Panunzzio) Televisão • Essas Mulheres (Duarte) de Marcílio Morais, TV Record Cinema • Corpus Aladus, curta-metragem de Domingos Meira e Paulo Furtado. 2006 Teatro • Encenação da Fundação da Vila de São Vicente, (Martim Afonso de Souza) direção de Charles Möeller. O maior espetáculo em areia de praia do mundo. • Não Esqueça de Aguar as Plantas, de Márcio Araujo. Com Flávia Pucci Televisão • Bicho do Mato, de Cristinne Fridman, TV Record 2007 Teatro • Juri do XXXI Festival de Teatro de Pindamonhangaba Televisão • João Santos, da série Mandrake 2008 Teatro • O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna. Direção João Fonseca Televisão • Chamas da Vida, de Cristianne Fridman Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso - Hubert Alquéres 7 Uma Nota Introdutória a Meia Voz – Reni Chaves Cardoso 13 Capítulo I – Sou um Homem de Teatro 21 Capítulo II – 1964: O Frustrado Vôo para a Liberdade 37 Capítulo III – 1965: Faculdade de Arquitetura 41 Capítulo IV – Muito Teatro Infantil, O Excluso e o Primeiro Trabalho em Televisão 45 Capítulo V 49 Capítulo VI – O Início no Cinema: O Quarto e O Jeca e a Freira 67 Capítulo VII 81 Capítulo VIII 99 Capítulo IX 113 Capítulo X 123 Capítulo XI 131 Capítulo XII 149 Capítulo XIII 153 Capítulo XIV 159 Capítulo XV 165 Capítulo XVI 175 Capítulo XVII 187 Capítulo XVIII 199 Capítulo XIX 209 Capítulo XX 215 Capítulo XXI 219 Capítulo XXII 231 Capítulo XXIII 237 Capítulo XXIV 241 Capítulo XXV 249 Capítulo XXVI 251 Capítulo XXVII 265 Capítulo XXVIII 275 Capítulo XXIX 281 Capítulo XXX 305 Capítulo XXXI 307 Capítulo XXXII 341 Capítulo XXXIII 343 Capítulo XXXIV 347 Capítulo XXXV 351 Capítulo XXXVI 357 Capítulo XXXVII 365 Capítulo XXXVIII 373 Capítulo XXXIX 377 Posfácio 393 Histórico 401 Créditos das fotografias A presente obra conta com diversas fotos, grande parte de autoria identificada e, desta forma, devidamente creditada. Contudo, a despeito dos enormes esforços de pesquisa empreendidos, as fotografias ora disponibilizadas não são de autoria conhecida de seus organizadores, fazendo parte do acervo pessoal do biografado. Qualquer informação neste sentido será bem-vinda, por meio de contato com a editora desta obra (livros@imprensaoficial.com.br/ Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 / Demais localidades 0800 0123 401), para que a autoria das fotografias porventura identificadas seja devidamente creditada. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 448 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Coleção Aplauso Série Perfil Coordenador Geral Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Projeto Gráfico Editor Assistente Assistente Editoração Tratamento de Imagens Revisão Rubens Ewald Filho Marcelo Pestana Carlos Cirne Felipe Goulart Edson Silvério Lemos Selma Brisolla Aline Navarro dos Santos José Carlos da Silva Wilson Ryoji Imoto © 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Cardoso, Reni Ewerton de Castro : minha vida na arte : memória e poética / Reni Cardoso – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 448p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-668-6 1. Atores e atrizes cinematográficos – Brasil – Biografia 2. Atores e Atrizes de teatro – Brasil – Biografia 3. Atores e atrizes de televisão – Brasil – Biografia 4. Castro, Ewerton de, 1945. I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia 791.092 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2008 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria