Agostinho Martins Pereira O Idealista Máximo Barro São Paulo, 2008 Imprensa Oficial Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniramse simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as conseqüências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileira vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de to-do o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo À Guisa de Introdução Dentre os cineastas que por largo tempo trabalharam influenciando os caminhos e descaminhos pelos quais trilhou o cinema paulista, dois foram dos mais ativos, mas que devido a retraimentos pessoais, avessos a entrevistas, poucas referências deles podem ser encontradas nas histórias e enciclopédias condenando-os, atualmente, ao quase esquecimento: Agostinho Martins Pereira e Fernando de Barros. Ambos portugueses, mediando em idade, trabalhando na Vera Cruz no seu momento áureo, com ambições semelhantes. Ao tempo em que me dedicava em obter informações seguras para elaborar um livro sobre a década de 50 no âmbito cinematográfico paulista, levei-os ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo para lá depositar oralmente suas memórias. Percebem por ai o quanto nos preocupávamos para seus registros biográficos porque conhecíamos a ambos, na intimidade, e sabíamos o quanto eram refratários a expor-se. Fernando de Barros faleceu e os necrológios dos jornais paulistanos foram perfunctórios, para falar o mínimo. Porém, graças à conscientização dos responsáveis, a Coleção Aplauso com este trabalho homenageia a Agostinho Martins Pereira, ainda em vida, cicatrizando feridas e recolocando o biogra fado novamente na esteira da história informando que ele foi partícipe de todas as peripécias e tentativas de estabelecermos aqui o que já vigorava há muitos anos na América do Norte e quase toda a Europa – a exceção era o neo-realismo na Itália – ou seja, a industrialização cinematográfica. A falência da tentativa industrial vai colocar Agostinho em variadas barricadas, atuando com denodo em todas mas, sempre recatado, permitiu que outros, afoitos e com menores méritos, tenham entrado para a história do cinema brasileiro, lugar a que Agostinho faz jus. Para que sua participação tenha o realce merecido, sempre o colocamos na perspectiva histórica em que viveu como uma moldura funcional do seu transcurso dos acontecimentos. Nesse contorno desenvolvemos os variados problemas e concretudes que o Brasil atravessou durante os anos 1950-2000. Veremos que ele participou não apenas de películas de longa-metragem, como ordinariamente por vezes é apresentado, mas, também, foi agente no campo do curta-metragem, do comercial de televisão, da fundação de órgãos defensores de minorias trabalhadoras e como produtor, batalhando com propostas para retirar o cinema brasileiro do limbo. Capítulo I Primórdios Agostinho Martins Pereira nasceu em Portugal, a 20 de dezembro de 1923, na Vila São Fernando, ainda hoje uma pequena aldeia distante quinze quilômetros da cidade de Guarda, capital da Província da Beira Alta. Fisicamente o rio Tejo não só divide ao meio o país, mas também seu clima, as variantes topográficas e a economia. A parte norte por sua vez é também dividida em duas partes pela Serra da Estrela. Toda a vida da região da Beira Alta é dependente direta desta serra. Beira Alta e Beira Baixa na antiga divisão administrativa portuguesa compreendiam terras limitadas ao norte pelo rio Douro e ao sul pelo Mondego. Para os portugueses, principalmente os residentes na região e ligados administrativamente à capital Guarda, as maiores atenções eram voltadas para a Serra da Estrela por ser, entre outros motivos, a principal formação montanhosa do país. Em linguagem técnica os geólogos a classificam como um grande maciço de formação granítica, com extensas planuras na região superior e algumas lagoas. A serra se apresenta exteriormente fortemente enrugada, ocasionando com freqüência fendas verticais, semelhantes a grandes tubos, por onde escoam as águas formadas na altura dos seus quase 2.000 metros e mananciais dos rios Mondego, Zezere e Alva. Seu ponto culminante marca oficialmente 1.995 metros, a mais alta do país, oferecendo oportunidade para esporte de inverno e hospitais especializados na cura de doenças pulmonares. Os 307.667 quilômetros que envolvem toda a região da Guarda e seus distritos são dependentes diretos do “clima de montanha”, 8,5 graus centígrados, provenientes dos ventos frios e intensos, mais a alta precipitação pluviométrica, 2.000 mm2, tornam a região propícia ao cultivo da batata, centeio, milho, oliveiras e, no setor pastoril, grandes pastos para o gado e caprinos que fornecerão a principal fonte de renda da região, os afamados queijos da Estrela. Diferentemente do sul, a economia da Beira é regida pelo minifúndio e a policultura. Agostinho lembra vagamente dos animais que possuíam e eram recolhidos para o interior da casa no inverno. A medida também os protegia de lobos e outros animais que desciam dos pontos mais altos da Estrela para atacar aves. Não as encontrando a fome os conduzia a animais maiores, cabras, gado e mesmo pessoas, motivo pelo qual ninguém se aventurava a ir sozinho a certos lugares altos da montanha. Os problemas sociais e econômicos que Portugal atravessava desde a início do século XIX, com uma monarquia que persistia em manter-se absolutista, mais o ataque napoleônico que obrigou a Casa Real a uma fuga burlesca para o Brasil, em 1808, tornariam-se insuportáveis quando o povo português foi submetido ao vexame canhesco de assistir a um embate entre tropas francesas e inglesas, dentro do território português, para decidir quem ficaria nos próximos seis meses de posse do país. Ainda mais desfavorável deve ter sido o fato de D. João VI apaixonar-se pelas terras tropicais e delongar ao máximo seu retorno a Portugal. Quando o fez, enfrentou sucessivos escândalos no íntimo familiar com a esposa e o segundo filho, D. Miguel, ambos absolutistas, tentando destroná-lo. Sua morte em 1826 escancarava novamente o crucial problema da sucessão. A maioria liberal da Câmara vota pela restauração aclamando o nosso D. Pedro I como monarca. Ele abdica do trono brasileiro em favor da filha, Maria da Glória, aceita o constitucionalismo e permite a volta do irmão do exílio, desde que case futuramente com a princesa brasileira Maria da Glória, nesta fase com sete anos. D. Miguel retorna, engendra outro golpe, anula a constituição e proclama-se rei. Do outro lado do Atlântico, D. Pedro I abdica, desligando-se completamente da monarquia brasileira e retorna a Portugal enfrentando o irmão em batalhas sucessivas que ainda mais desarticulam e empobrecem a população. Os revides aos escândalos e descalabros econômicos gerados pelos Braganças não tardam a se fazer sentir no seio de todas as classes sociais portuguesas insuflando e ampliando os propugnadores da filosofia republicana ampliando seus quadros diariamente. Os problemas para a monarquia tornam-se candentes quando assinam o Tratado de Lourenço Marques permitindo aos ingleses que tenham ingerência e poderes para explorar colônias portuguesas na África. O ultimatum termo sob a qual entrará para a história de Portugal não foi manipulado com eficiência pela minguada oposição de socialistas e anarquistas, mas ofereceu combustível farto para as crescentes hostes republicanas portadoras de um nacionalismo exaltado, apresentavam-se como intérpretes das vergonhas e rancores da nação perante o descalabro moral e econômico em que tombara o governo português. Foi a principal fonte irradiadora da insurreição no Porto a 31 de janeiro de 1891 que, apesar de abortada, novamente trará dividendo aos republicanos. A situação torna-se de tal maneira dramática para o governo que nos anos 1907-8 consentirá numa ditadura chefiada por João Franco. A brevidade é prova que deixou insatisfações não só para os rebeldes republicanos mas até para os próprios legalistas. E de repente, acompanhando os regicídios que haviam se tornado moda na Europa, chegam a Portugal com o assassinato do rei D. Carlos e do filho herdeiro, príncipe D. Luiz Felipe. Assume em circunstâncias traumáticas D. Manuel II que se verá no torvelinho das greves sindicais fomentadas por anarquistas, socialistas, republicanos e maçons. A miséria aliada à instabilidade marcará um número cada vez maior de representantes republicanos em cada eleição. Em meio ao caos surgirão guias que por algum tempo se imporão para pouco depois tombar na vala comum. Sebastião de Magalhães Lima, nascido no Rio de Janeiro, foi um deles. Figura proeminente, jornalista ativista, maçom e propugnador do pacifismo, nada aceitável naquele momento, assim mesmo participou de ministérios. Porém os acontecimentos ganhavam sofreguidão e vertigem suficiente para minar qualquer ato benéfico para o país. Nessas circunstâncias o insólito ganhava foros de tradicional. Outro golpe pouco traria de incomum. Ele aconteceu a 5 de outubro quando, finalmente, com ajuda de uma pequena tropa e aceitação civil proclamaram a República que vinha sendo cozida há tanto tempo e abertamente palpável em escritos que proclamavam: tantas eram as lojas, jornais, instituições, comitês espalhados pelo país que bastava apenas proclamá-la e avisar pelo telégrafo. Quando o último item foi cumprido D. Manuel fugiu para a Inglaterra. O primeiro Presidente português, Manuel José de Arriaga Brum da Silveira, foi empossado em 1911. Aceitando governar sob uma ditadura viuse rejeitado por unanimidade sendo substituído por Teófilo Braga que imediatamente elaborou com apoio de políticos e juristas um texto constitucional parlamentarista, com Câmara e Senado, democrático, com obrigatoriedade de ensino gratuito e leigo. Venceu as resistências clericais, sindicalistas, antidivorcistas. Concedeu o crédito agrícola, autonomia das colônias, reorganização do exército. Porém, ao invés de agruparem-se os republicanos já começaram dissidentes. Antonio Maria de Azevedo Machado Santos, comandante militar dos revoltosos, foi o deputado menos votado em Lisboa. Magoado, tentou outro golpe em 1916 que nada resultou mas custou-lhe a vida em 1921. Outro guia conturbado, militando vigorosamente em campos opostos, foi Bernardino Luis Machado Guimarães, também nascido no Rio de Janeiro, monarquista convicto, catedrático em Coimbra, maçom, faz parte do Ministério mas demite-se em 1893 por não concordar com a linha ditatorial assumida pelo governo. Aos poucos converte-se ao republicanismo chegando a participar do golpe de 1910, assumindo o Ministério de Negócios Estrangeiros, Presidente da República em 1915, deposto dois anos depois. Retorna presidente em 1925, deposto novamente, exilou-se na França, sendo-lhe concedido o retorno apenas somente em 1940. Se a isso somarmos uma sociedade que ignorara a Revolução Industrial ficando estagnada no medievalismo do arado de madeira e no tear manual gerando uma defasagem econômica propícia ao êxodo de famílias inteiras em busca de melhores condições para si e, principalmente, para seus filhos patenteia-se nos números alarmantes de um país que abrigando 6 milhões de habitantes vê-se despovoado em mais de um milhão dando enorme razão a assertiva que emigração, fado e saudade são palavras que andam frequentemente associadas na cultura portuguesa. Os sociólogos afirmam sem contestação que a imigração como forma aventureira de encarar o futuro somente pode ser creditada a parcelas ínfimas. Via de regra ela é proveniente de motivações sociais articuladas por forças opostas de atração e repulsão. Repulsão conseqüente das perseguições impostas a minorias religiosas como a judaica e a ortodoxa armênia perseguida pelos turcos, ou de desvalidos sociais, desta vez atingindo os milhões desprovidos de teto, roupa e alimentação na Europa e Ásia. A atração por áreas estrangeiras será promovida pelo vislumbre de terras virgens e baratas ou em oportunidades oferecidas pelos setores da indústria, comércio e educação. A propaganda lançada pelos governos das três Américas, carentes de mão-de-obra, deslavadamente pintava um céu de acesso fácil ao campo e cidade à mão-de-obra especializada, metas longinquamente prováveis na Europa. Fácil, portanto, localizar o ponto nodal da questão, formado pelo binômio religião e pão, proporcionador do motivo principal para que pequenos países como Irlanda do Norte e Portugal tornem-se os provedores demográficos para as Américas de 1880 a 1920, substituindo as grandes levas de italianos, alemães, russos e da Europa central dos primeiros cinqüenta anos de imigração do século XIX. Quando a imigração desregrada tornou-se dramática para a vivência normal do país, o governo português, na iminência de ver-se privado de boa parte da mão-de-obra e cérebros, recorreu à chantagem articulando empecilhos no formato de leis, derrubados quando da implantação da Constituição democrática de 1838 que incluía a liberdade imigratória: Todo Cidadão pode conservar-se no Reino, ou sair dele e levar consigo os seus bens, uma vez que não infrinja os regulamentos da polícia, e salvo o prejuízo público ou particular. (Artigo 12º) Capítulo II A Jornada Portugal estava dividido em 6 Divisões Regionais, correspondentes a aquilo que no Brasil denominamos Estados: Entre Douro e Minho, Traz os Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve. Por sua vez estas Regiões estavam divididas em dois ou mais distritos. Por ser Guarda cidade qua-se fronteiriça, consta que toda a região sentia-se orgulhosa de ser a última cidade portuguesa per-corrida pelo trem antes de entrar em território espanhol, ou a primeira a ser alcançada caso a proveniência fosse a Espanha. A situação portuguesa inspirava temores dos mais justificados nos pais de Agostinho. Após tantos desmandos monárquicos, por fim, com a república implantada esperava-se pelo apaziguamento dos espíritos, moralidade na administração e fim do descalabro econômico. Porém, o que viram foi a continuação dos interesses pessoais ser colocada adiante dos nacionais e logo mais os portugueses passaram a ver em tom republicano o que até então viam em toada monárquica. O Partido Democrático, lutando com o Evolucionista e os dois contra os unionistas. Os monarquistas se aproveitam do caos e tentam um contragolpe que não se concretiza. A luta passa a ser pró e contra o parlamentarismo. A instabilidade chega ao assassinato do presidente. Em 1925 um golpe militar prepara a ditadura do Estado Novo de Salazar. Quando a imigração se materializava sob a chancela do contrato era sabido que, mesmo considerando os gastos acrescidos de alojamento e alimentação, um trabalhador português que exercesse no Brasil a mesma profissão que tinha em Portugal podia, depois de pagar as suas despesas, obter uma poupança equivalente ao total dos salários portugueses. Foi escorada em garantia semelhante, ou seja, contar com o amparo de parentes estabelecidos, que proporcionou a legalização para que uma parte da família Pereira imigrasse para o Brasil. Animados pelo panorama promissor transmitido pelas cartas trocadas com familiares residentes em São Paulo, José Augusto Pereira, a esposa Ana Martins, partem em 1927, com três dos cinco filhos: Maria, a mais velha, Joaquina, a do meio, e Agostinho, o caçula. Antonio e Celeste permaneceram em Portugal com os tios, aguardando a família estabelecer-se definitivamente para também imigrarem, isso se concretizando somente cinco anos depois. Os cinco Pereiras viajaram de 3ª classe, em condições tão precárias quanto às que vemos no filme de Chaplin, O Imigrante, e que se tornariam trágicas caso o garoto de 4 anos imprudentemente debruçado sobre a amurada, segundo narração do próprio Agostinho, para melhor admirar o mar, não fosse fortuitamente salvo pelo próprio pai. Desembarcados em Santos, ali permaneceram de 1927 a 1931, o pai continuando a exercer a profissão de alfaiate, enquanto Ana com as filhas Maria e Joaquina montaram uma pensão. As pequenas posses obriga-os a alugar casas precárias, uma delas, na Av. Conselheiro Nébias, próxima ao porto, invadida pela água sempre que chovesse. Por essa época o garoto de quatro anos recebe as duas primeiras epifanias que o acompanharão nos futuros devaneios. Na Sexta-Feira Santa é conduzido pela mãe ao cineminha do bairro para sua primeira incursão no solar dos sonhos em preto e branco, assistindo A Paixão de Cristo. A segunda, menos sacral, porém, tão embaladora como a primeira, é encantar-se com o rádio do vizinho, objeto raro que viu pela primeira vez no Brasil, transmitindo a malícia de Carmen Miranda, imigrada como ele, cantando, T´ai eu fiz tudo pra você gostar de mim. Pelas referências que recebemos tudo leva a crer que José Augusto era um senhor metódico e calmo, costurando com garbo, mas lentamente. Ana, pelo contrário, era ativa e ambiciosa. Apesar dos problemas gerados pela quebra da bolsa de Nova York em 1929, abalando pobres e ricos de todo o mundo, o período santista propiciou a mudança da família para a capital de São Paulo, em 1931, alugando casa no Itaim, na Rua Joaquim Floriano, naquele momento, um bairro onde as últimas chácaras ainda resistiam à crescente urbanização do centro velho da capital e os bairros fabris. José Augusto continuou na agulha e Ana enveredou pela feira livre, onde imperavam os portugueses, ajudando o cunhado na banca de bananas. Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, os irmãos Antonio e Celeste aportam em Santos para finalmente reunir-se à família. Devido à convulsão social que a Revolução gerava, os dois jovens passaram por inúmeros problemas para desembarcar, por pouco não retornando no mesmo navio que os havia trazido. Por seu lado, ao completar oito anos, Agostinho freqüentará escola pública, o Grupo Escolar Aristides de Castro, atualmente Escola Estadual Aristides de Castro, que resiste ainda hoje, no mesmo lugar, Rua Leopoldo Couto de Magalhães Jr, formando-se quatro anos depois. Há documento comprovando que foi diplomado a 30 de novembro de 1935, com a média de 75,82, assinada pelo diretor do estabelecimento, A.J. Bonifácio Martins. Como todo morador da periferia daquele tempo, bateu bola nas ruas de terra do Itaim, quebrou vidraças, escolheu um time para sofrer e gozar, o Sport Clube Corinthians Paulista e na várzea não perdia jogo do Flor do Itaim. Freqüentou as limpíssimas águas do rio Pinheiros, próximo ao porto de areia onde muitos barqueiros ganhavam a vida retirando areia, infringindo todas as leis, para vendê-la aos pedreiros que edificavam o que na época era realçado como A Cidade que mais Cresce no Mundo. Apenas um acontecimento superava a magia daqueles bucólicos dias de infância buliçosa: o automóvel. Bastava um dos raros carros despontarem na rua esburacada para que a gurizada fugisse apavorada para dentro das casas. Sinal dos tempos. Capítulo III O Tempo das Imagens Chegou... Conheceu outras epifanias nas dominicais do cine Itaim, posteriormente Star, desta vez revelandolhe o mundo lendário dos mocinhos isentos de qualquer pecado, incólumes a balas, sobrevivendo com as roupas asseadas e chapéu impávido na cabeça apesar das quedas de precipícios ou furacões no centro do oceano dos seriados de Fu Manchu, Nioka, Flash Gordon e Homem de Aço. O fascínio pelo encantamento magnético gerado pelas imagens e sons da tela levou o garoto do Itaim à sua primeira e lídima proclamação vocacional quando agarrado às grades da porta pantográfica do cineminha, admirando os cartazes e fotos dos futuros lançamentos, pressagiava para si próprio: um dia vou me apoderar dos teus segredos, um dia farei isso... Posteriormente, na juventude, transitou para os modelos de Errol Flynn, Bogart e James Cagney, mas era atraído irremediavelmente pelos malabarismos adrenalínicos de Hitchcock. Depois, tornou-se servo de John Ford e, por fim, do inatingível René Clair, segundo sua própria classificação. Nesse ínterim, após fracassar com uma tinturaria, Ana Martins adquiriu sua própria banca na feira vendendo banana nanica para não fazer frente ao cunhado que vendia a do tipo prata. Agostinho depois de formado no primário ajudou a família tomando conta de uma pequena quitanda que mantinham na moradia. Um dia, não mais tolerando a passividade que o constrangia, fechou a porta mais cedo, vestiu-se e foi à cidade, na porta do Diário Popular, esperar a saída do jornal, às 14 horas, para ler e anteceder aos outros na procura de um emprego. Cinematograficamente, um senhor que o observava na calçada ofereceu-lhe um. Em 1939, portanto, começa a trabalhar como office boy no escritório de Despachante Alfandegário N. Giordano e Cia. Ele gosta de lembrar incidentes acontecidos nos primeiros dias entregando correspondência, principalmente a bancária, com tamanha rapidez que o chefe desconfiado que empregava algum ardil para esconder as cartas e mostrar trabalho, conferiu pessoalmente pelo telefone. A comprovação do seu empenho foi compensada pouco depois, pois na primeira saída de funcionário que o escritório teve, Agostinho foi alçado a auxiliar recebendo salário duplicado. No período da ditadura getulista, de 1930 a 45, o Ministério da Educação estabelecia que, após o curso primário de 4 anos, os alunos poderiam optar entre o curso ginasial e o comercial. Num fim de uma tarde, a mãe encantada com as promoções que Agostinho vinha obtendo no escritório e com isso imaginando que encontrara a vocação o presenteia com a matrícula, inteiramente a contragosto do rapaz, na Escola de Contabilidade Álvares Penteado ainda hoje funcionando no largo de São Francisco. No primeiro ano Agostinho pratica o que na época classificavam como preparatório, adaptando-se ao que viria pela frente. Seu ingresso inesperado e forçado em área que nunca o havia atraído particularmente é paralelo À montagem de uma papelaria, em 1943, aproveitando uma saleta no térreo do prédio em que morava, vendendo material, livros escolares e outras bugigangas. Isso o impedia de freqüentar com a mesma constância de antes o cinema, com todo o tempo ocupado, pois estudava à noite e trabalhava durante o dia. Intimamente, porém, o repto que lançara a si próprio na porta do cine Itaim, anos antes, continuava em atividade. Outras atividades também contribuíam para suas futuras aspirações prejudicando-o nos trabalhos escolares. Osmar Cruz, seu colega na Álvares Penteado, de forma pioneira, tentava incluir o teatro amador nas lides curriculares, para cobrir o vácuo permanente dessa atividade artística em São Paulo. Durante décadas os paulistanos só assistiam representações teatrais no Municipal e no Sant ´Anna, quando por aqui transitavam as companhias provenientes da Itália, Portugal e Espanha. Nos teatros menores e secundários tipo Cassino Antarctica e Boa Vista, é onde as companhias nacionais de Procópio Ferreira, Jaime Costa, Mesquitinha, Itália Fausta, Oscarito e Beatriz Costa, provenientes do Rio de Janeiro, exibiam-se. Os espetáculos rigorosamente produzidos pelos paulistas eram as esporádicas aparições de grupos diletantes dirigidos por Alfredo Mesquita ou os universitários dirigidos pelo futuro crítico teatral do jornal O Estado de S. Paulo, Décio de Almeida Prado. O ingresso de Agostinho no grupo teatral da Álvares Penteado vai momentaneamente tirarlhe o foco dos estudos, fazendo-o repetir o ano letivo. Numa daquelas atitudes típicas da adolescência, acaba culpando a escola pela repetição, ingressando em outro estabelecimento. No fim do ano, decepcionado, retorna à Álvares Penteado, conseguindo, sem grande empenho, terminar o curso de Ciências Contábeis e Aduturiais, em 1947. Há mais um documento, desta vez da Escola Técnica de Comércio Álvares Penteado, onde os contadorandos têm honra de convidar parentes e amigos para a missa no Convento do Carmo no dia 5 de janeiro de 1948 e a Colação de Grau no Teatro Municipal, na noite seguinte. Nessa quadra praticar cinema tornara-se tão imanente em sua vida, que nem mesmo interessou-se em regularizar o diploma esquecido na Álvares Penteado para sempre. A Segunda Guerra Mundial, entre 1939-45, primeiro européia, depois mundial, continuava influenciando a todos. O escritório alfandegário onde trabalhava fecha por não haver mais possibilidades de qualquer produto atravessar o Atlântico, infestado de submarinos alemães, obrigando Agostinho a perambular em vários escritórios. Em meio aos trabalhos paulificantes e das aulas que se tornavam cada vez mais desestimulantes, numa das tantas cabulações praticadas em 1945 ele conta que inopinadamente assiste Um Punhado de Bravos (Objective, Burma), de Raoul Wash, sendo sacudido por um novo deslumbramento. Por não ser comercial, a película produzida por Jerry Wald para a Warner nunca mais foi reprisada ou, mais tarde, transferida para VHS ou DVD. Apenas os madrugadores fanáticos da TV raramente podem desfrutá-la em sessões vampirescas entre 3 e 6 da manhã. Hoje o filme seria classificado como um semidocumentário. Cinqüenta páraquedistas americanos são lançados atrás das linhas japonesas na Birmânia para destruir uma base de radar. O apoio aéreo prometido não funciona. O horror da guerra, a incomunicabilidade proporciona a decadência física e mental dos participantes de ambos os lados dedicados apenas ao extermínio. Foi proibida na Inglaterra sob o pretexto de que inculcava nos espectadores a impressão de que os americanos haviam vencido sozinhos a guerra na Ásia. Pura mesquinharia porque quando foi liberado, em 1952, veio acompanhado de um prólogo para torná-lo mais palatável ao público. Ainda que não vendo possibilidades imediatas de fazer cinema profissionalmente, como era seu desejo, Agostinho tateava procurando inteirar-se de tudo que estivesse à sua disposição. Associar-se ao Foto Clube Bandeirantes, pouco depois transfigurado para Foto Cine Clube Bandeirante, foi seu primeiro patamar. Vindo a seu conhecimento que o veterano Gilberto Rossi mantinha uma produtora de cinejornais juntamente com um laboratório e estúdio foi visitá-lo para oferecer-se como técnico, mas o italiano o maquiou para um teste. Apesar de praticar teatro amador, sua pretensão era outra. O ano de 1949 foi importante na sua vida porque acumulou vários acontecimentos. Primeiro e em total desacordo com o desejado pelos pais ele vende a papelaria por um bom preço, devolve à mãe 40 mil cruzeiros que havia emprestado, restandolhe outro tanto. Logo depois, solidificando um namoro e noivado que se estendia por cinco anos, casou-se com Wilma Rodrigues, em outubro, indo residir em Pinheiros, na Rua Cunha Gago, num casarão pertencente ao avô da noiva. Livre da loja e com os conhecimentos obtidos no Foto Cine Clube Bandeirante tornou-se repórter fotográfico do semanário Radar um tablóide vigoroso que nada temia. Lá travaria conhecimento com o crítico da área cinematográfica, Walter George Durst, que mais tarde será o argumentista do seu primeiro longa. Capítulo IV Foto Cine Clube Bandeirante Outro veículo decisivo na vida de Agostinho e que muito contribuiu para sua posterior definição cinematográfica foi o ingresso no Foto Cine Clube Bandeirante. Um agrupamento de pessoas interessadas em fotografia entre os anos 1930-39, segundo o depoimento fornecido por José Donati ao Boletim da sociedade, em abril de 1948, explana com variados detalhes o ideário ansiado por muitos amadores interessados em ampliar seus conhecimentos técnicos e estéticos como José V. E. Yalenti, o carioca José Oiticica Filho, César Anderaus, Gaspar Gasparian, Ângelo Nuti, Mario Pugner, Antonio da Silva Victor e Kazys Vosylius. Havia se tornado hábito encontrarem-se no estabelecimento comercial Foto Dominadora, propriedade de Lourival Bastos Oliveira e Antonio Gomes de Oliveira, na rua de São Bento, ao lado do prédio Martinelli, onde normalmente adquiriam novos equipamentos, revelavam e copiavam seus trabalhos. Ainda segundo o depoimento de José Donati todos eles praticavam a fotografia amadoristicamente, nos fins de semana, sempre em exteriores. Nota-se pelos variados depoimentos que os associados deixariam em outros Boletim, o fito principal seria praticarem-na artisticamente, isto é, segundo os padrões que eles tanto admiravam em revistas estrangeiras e nas raríssimas exposições fotográficas ocorridas em São Paulo, desligando-a por completo do trabalho documental e jornalístico praticado pelos profissionais da especialidade e que trabalhavam sob encomenda para pessoas, fábricas ou à propaganda que já abundava no meio. A exceção do grupo era o futuro crítico de cinema do jornal O Estado de S. Paulo, Benedito J. Duarte, que aprendera com minudência todos os mistérios da arte fotográfica na França, nos melhores ateliês, incluindo o do dadaista Man Ray, que convivia diariamente tanto na ultravanguarda revolucionária como no academismo confortador da foto de casamento e batizado. Nesse momento, 1939, Benedito trabalhava como funcionário público lotado no Departamento de Iconografia do Estado de São Paulo que o remodelará por completo desde o instante em que lá ingressou pelas mãos de Mário de Andrade e Paulo Duarte quando os dois estiveram à frente do Departamento de Educação e Saúde do município. Os conhecimentos trazidos do exterior muito ajudaram Benedito na missão, tanto na forma como no conteúdo. Outra exceção, partindo da sua pouca idade e terminando nos horizontes que almejava, era a personalidade cativante do jovem Thomaz Farkas, estudante de engenharia e perene portador de Leikas último tipo, retirada da loja Fotoptica, propriedade de seu pai, também estabelecida a poucos metros do Martinelli. O entrelaçamento clubístico sugerido por Lourival Bastos foi antecedido por uma lista onde dezenas de interessados se comprometiam a fundar e pa-gar uma mensalidade para uma associação que congregasse os interessados onde, além de se reunirem com freqüência para analisar esteticamente material fotográfico, mantivessem um laboratório próprio. Baseados no elevado número de assinaturas colhidas marcaram data para uma reunião onde o destino da associação fosse sacramentado. Porém, poucos compareceram, obrigando-os a marcar outra reunião, quando e, apesar do número de pessoas consideravelmente menor, foi definitivamente fundado o Cine Clube Bandeirante, no dia 29 de abril de 1939, num salão do primeiro andar do Prédio Martinelli, cinco meses antes do início da grande hecatombe que iria convulsionar nos próximos anos, quase toda a Europa, parte da Ásia, América do Norte e Brasil. São Paulo anos 50, por Agostinho: coreto na praça A cerimônia foi solene com a participação de autoridades, filmada pelo órgão censor do Estado Novo, o DEI, e pelo jornal cinematográfico da Campos Filme. A partir de 1940 os fundadores do Bandeirante começaram sentir as agruras da Segunda Grande Guerra, com as restrições e preços que os ácidos empregados nos reveladores e fixadores passaram a ter. Ainda mais intensa foi a restrição ao material fotográfico específico, representado pelo negativo e pelo papel positivo, onde era grande a participação do petróleo, agora dirigido para acionar tanques, navios e aviões bélicos. Mas, e apesar das agruras, assim mesmo, em 1942 o Foto Clube Bandeirante promove o 1º Salão de Fotografia, na Galeria Prestes Maia, com boa receptividade pública estimulando-os a torná-lo internacional em 1944. Nesse momento o número de associados ascendia a 242. O momento nacional é explosivo, com o fim da Grande Guerra havida entre 1939 – 1945, resultando na rendição da Alemanha e Japão. Esse acontecimento que contou com participação nos últimos meses, da Força Expedicionária Brasileira iria eclodir na deposição do presidente Vargas, na democratização com as primeiras eleições livres da nossa história compondo um Congresso Nacional e conduzindo à presidência o General Eurico Gaspar Dutra. De concreto para a história teremos o lançamento do Boletim que inicialmente leva o título de Foto Clube Bandeirante, trazendo trabalhos dos associados, participações em concursos no exterior e, por vezes, intimidades como o casamento de algum colega, ostentando os seus amigos os tripés cruzados à guisa de espadas. Viagens a cidades interioranas que devido à precariedade das estradas de então demandavam muitas horas eram realizadas com alguma freqüência, para fotografarem novos horizontes. Nenhum fotógrafo importante estrangeiro transitou por São Paulo sem dar, pelo menos, uma palestra na sede do Bandeirante, no Martinelli. O Boletim insiste em proclamar que dispõem de laboratórios próprios. A vinculação de novos associados é anunciada e por elas ficamos sabendo da inclusão de José Medina, nome de importância excepcional no cenário do cinema mudo brasileiro, dirigindo em 1919, Exemplo Regenerador, em 1922, Do Rio para São Paulo para Casar, em 1925, Gigi e finalmente a obra-prima de 1927, Fragmentos da Vida. A partir de 1940 tendo alguns dos seus trabalhos não só censurado, mas proibido terminantemente de ser projetado, Medina dedicou-se inteiramente à vivência radiofônica. Outra conquista seria a de Stanislau Szankowski que na época já teria o laboratório de revelação, copiagem e sonorização em 16 mm. O transcorrer dos tempos o levaria a modernizar os equipamentos e, por fim, incluir a sonorização em 35 mm a partir da metade dos anos 70. Luis Sadaki Ossaki, funcionário do então recémorganizado Museu de Arte de São Paulo, Masp, ainda hoje lá trabalhando. O arquiteto Gregori Warchavchic foi capa de muitos Boletins do Bandeirante. Para todos eles a superação foi conseguida em 1946 quando realizaram o 5º Salão Internacional de Arte Fotográfica, na Galeria Prestes Maia. A presença do Interventor Estadual, José Carlos de Macedo Soares, e do prefeito, Abrahão Ribeiro, inaugurando a mostra imprime o real apreço que haviam adquirido. Ainda por vários números do Boletim o Salão é lembrado, sempre acompanhado das fotos mais sugestivas. Os futuros salões sempre terão o mesmo brilho e inaugurados pelos governadores eleitos. Virada importante foi a incorporação ao Clube também da área cinematográfica entre os associados. A partir da mudança estatutária desse momento a nova designação seria Foto Cine Clube Bandeirante ou, mais sinteticamente, FCCB. Começam os textos sobre a técnica de filmagens em 8 e 16 mm culminando pouco depois com um departamento autônomo supervisionado por Antonio da Silva Victor, de quem fomos alunos no Seminário de Cinema do Masp. O número cada vez maior de inscrições não mais ensejava como antes a utilização plena do laboratório e aulas teóricas no pequeno salão do Edifício Martinelli. Através de subscrições públicas incentivadas em todos os números do Boletim, finalmente conseguem comprar uma casa na rua Avanhandava, 316, onde o Foto Cine Clube alcançará seus maiores momentos. Com personalidades tão díspares nada estranhável que confrontos e rupturas fossem freqüentes promovendo variações para cima e para baixo no número de associados. Alguns abandonam a sede da Rua Avanhandava para nunca mais voltar. Outros retornarão e logo mais estarão em postos de responsabilidade. Imaginamos que o acréscimo do departamento cinematográfico deve ter sido o fator principal da aproximação de Agostinho Martins Pereira para com o grupo do FCCB, além da amizade que o unia a Geraldo de Barros possivelmente um dos fundadores. No Boletim de fevereiro de 1948 ele vem consignado como sócio nº 515, ingressando exatamente no dia 15 de janeiro, segundo documento, que pode nos oferecer um parâmetro da aceitação pública que o Bandeirante vinha obtendo. Ele adquire uma Kodak usada e passa a freqüentar as aulas para principiantes, laboratório, encontros para análise de obras, projeção de filmes educativos e outras atividades que vinham especificadas nos Boletins. Iniciava-se o momento em que Agostinho poderia começar proclamar e dar curso à promessa que fizera diante dos cartazes do cinema do Itaim, vou conseguir te decifrar. A notinha do Boletim de fevereiro de 1948 foi a única marca histórica de Agostinho que conseguimos destacar na pesquisa que realizamos. No arquivo pessoal de Agostinho há centenas de fotos, artigos e menções das caravanas que de tanto em tanto faziam. Wilma, nesse momento, já casada com ele, nos conta que por diversas vezes fotos de Agostinho foram dissecadas pelos associados nos encontros que realizavam aos sábados à tarde, na sede. No mesmo Boletim onde fica ratificada a participação associada de Agostinho vem também noticiado o ingresso de Arnaldo Machado Florence que empreenderá, através do Bandeirante, a publicação da biografia de Hercules Florence, seu bisavô e inventor da fotografia em 1842, em Campinas, e que somente trinta anos depois teria o verdadeiro reconhecimento universal quando Boris Kasoy levaria para a sede da Kodak, em Rochester, desenhos, formulas e instrumentos tornando-o juntamente a Joseph-Nicéphore Niepce e William-Henry-Fox Talbot o inventor da fotografia isolada no mundo. A associação que congregava alguns dos luminares da fotografia brasileira e, simultaneamente, começava abrigar outros que logo mais alcançariam importância internacional, vinha a calhar a um espírito aberto a novos horizontes como era o do jovem Agostinho. Convivendo com a diversidade de gostos e estilos que o Foto Clube abrigava poderiam ser encontrados espécimes de toda ordem: alguns a praticavam dentro dos mais rígidos cânones oficiais após demorada escolha de ângulos, filtros e experimentações de laboratório; outros ambicionando o instantâneo praticamente documental ou mais indicativamente, jornalístico. Finalmente, Geraldo de Barros que, isoladamente, fazia montagem e colagem recortando negativos de variadas procedências e que poderiam figurar nas vanguardas mais absolutas de qualquer parte do mundo. Quatro meses após a transferência do FCCB, do prédio Martinelli para a rua Avanhandava, portanto, em outubro de 1949, Alberto de Almeida Cavalcanti profere uma palestra sobre fotografia cinematográfica na sede do Foto Cine. As preliminares para concretização de um estúdio cinematográfico em São Paulo, pelo grupo Zampari, já haviam se concretizado acenando Cavalcanti com a contratação de sócios interessados em trabalhar como assistentes de câmara e fotografia na Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Recém-casado, Agostinho nesse sábado não compareceu às palestras como habitualmente fazia. O conhecimento do convite de Cavalcanti só chegou-lhe dias depois e imediatamente foi procurá-lo na sede da rua Major Diogo, anexo ao Teatro Brasileiro de Comédia. Capítulo V Mazzaropi Tempos atrás, caso se indagasse sobre quem indicara Mazzaropi para fazer testes na Vera Cruz, uma dúzia de pessoas, pelo menos, se auto-intitulava pai ou mãe da descoberta, ou no mínimo, encontraria um meio de ter participado indiretamente da sua entrada na companhia. As vidas artística e particular de Agostinho Martins Pereira e Mazzaropi se cruzaram tantas vezes e tão freqüentes foram as interferências que travaram nos anos 50 que julgamos mais coerente levantar alguns dados biográficos do grande cômico do que estilhaçá-los ao correr da nossa narrativa. Amacio Mazzaropi nasceu no distrito de Santa Efigênia, em São Paulo, em 1912. Os cuidados com que damos estas referências vêm estribadas no mito que muitos pretenderam levantar dando-o como filho de Taubaté. Durante o período em que sua produção, Jeca Tatu, foi exibida muitos pretendiam ligar Mazzaropi com Monteiro Lobato, o Sítio, o personagem e a cidade de Taubaté, coisa que com o andar do tempo ganhou alguma consistência porque o maior interessado, Mazza, a tudo aceitava passivamente ou, quem sabe, para faturar ainda mais. Filho de pai italiano e mãe de ascendência portuguesa são os primeiros elementos a ser lembrados em possíveis comparações futuras com Agostinho. É onze anos mais velho que Agostinho e filho único. Seu nascimento deve ter mediado com o do primeiro filho do casal Pereira, em Portugal. A infância pobre, o aprendizado das primeiras letras em escolas públicas, a escolha precoce da vida artística, percorre a vida de ambos. Aos 14 anos Mazza chegou a fugir de casa para ingressar na vida circense mais ou menos na idade em que Agostinho faz o repto um dia vou te decifrar! Por largo tempo moraram no mesmo bairro, o Itaim, sem nenhum contato pessoal. Nos anos 40 Mazza tinha um pavilhão instalado no Itaim, no fim da Rua Joaquim Floriano. Agostinho nesse momento era aluno da Álvares Penteado, freqüentava cinema e teatro, tinha algumas fumaças de literatura e a desmedida vanglória dos 15 anos. Foi assisti-lo e não se agradou daquele espetáculo de mambembes, a ainda menos do falso caipira, imitador de Genésio Arruda, contando causos e piadas caipiras. A mutação aconteceu em 1946, depois do golpe de estado e deposição de Getulio Vargas em 1945, por uma parte das Forças Armadas. A convocação de eleições democráticas dividiu o país em variados segmentos sociais. Agostinho não era quadro, mas acompanhava e votaria na União Democrática Nacional – UDN – formada em grande número de políticos que haviam sofrido cadeia ou exílio no período do Estado Novo. O espectro era amplo, variando do dono do jornal O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita Filho, liberal e burguês, até Raquel de Queiroz, socialista. Desta vez Agostinho vai vê-lo no Rinque de Patinação do Itaim, contratado por um candidato a deputado da UDN naquilo que hoje chamamos pejorativamente de Showmicio. É quando Agostinho percebeu todas as potencialidades do cômico, o que nos levaria a perguntar como o velho Machado: evoluira Agostinho ou Mazzaropi? Não foi a única participação do cômico em comícios políticos. Contava-nos Mazzaropi, no intervalo das montagens e edições de As Aventuras de Pedro Malazartes, Zé do Periquito e O Corinthiano, que para ele realizamos, que conseguira saldar muitos débitos com o que ganhava em atuações desse gênero, por vezes embaraçosas como a que fizera em pequena cidade do interior. O problema aconteceu porque as autoridades permitiram de boa ou má fé a realização de dois comícios, a mesma hora e dia, na Praça da Matriz, um da UDN e outro do PTB. Mazza não se recordava naquele dia a qual dos dois arlequins estava servindo. O ultraje acontecia porque o do adversário, em conseqüência de não apresentar artistas, esvaziara. O candidato não se fazendo de rogado lavava a roupa suja às claras pelo altofalante: o meu adversário não tem programa de governo, por isso recorre a expedientes. O público que está concentrado naquele palanque foi atraído pelo artista do rádio. 1949 não será apenas um ano importante para Agostinho mas também para Mazza. Quatro anos antes o cômico ingressara na Rádio Tupi, fazendo uma vinheta de 15 minutos, contando causos e piadas de caipiras sob a capa de Mazzaropi, o Bernard Shaw do Tucuruvi. Certa vez indaguei o motivo da alcunha mas ele não se lembrava de quem na rádio o rotulara. Sabia que desde o tempo de César Ladeira cantores e atores recebiam alcunhas: o cantor da multidões, o rei do samba, o samba em pessoa, e para uma dupla feminina que apresentou-se sem nome num programa de calouros mais tarde, no profissionalismo ficou renomada como As Irmãs Pagãs. Ele somente tinha certeza que desconhecia completamente Bernard Shaw apesar de ser citação constante no mundo literário, principalmente pelas comédias encenadas universalmente e de ter falecido exatamente em 1950. No Brasil, fora dos rigores do domínio autoral, Oduvaldo Viana fizera uma versão abrasileirada da peça que assistimos repetidas vezes radiofonizada por Manuel Durães, nos programas das tardes dominicais na Rádio Record. Oficialmente e pagando a SBAT a introdutora de Shaw nos palcos brasileiros foi a cunhada de Manuel, a atriz Dulcina de Morais, encenando, em 1944, César e Cleópatra mais Santa Joana. Pigmalião também foi estreada por ela em 1952. Antes, Eva Todor havia encenado Cândida. Até os anos 60 o autor ainda mantinha interesse suficiente para Cacilda Becker encenar novamente César e Cleópatra. Muitos afirmam que em 1948 Assis Chateaubriand estava em dúvida se devia dirigir parte dos seus interesses para a televisão ou cinema. Oduvaldo Viana se oferece para escrever e dirigir Quase no Céu, participando todos os que faziam novela e adaptações cinematográficas. Em vista do medíocre resultado artístico e comercial vai aos Estados Unidos e compra o aparelhamento para montar uma emissora de televisão. Após a primeira transmissão televisiva das América Latina, em 1950, com o frade e cantor José Mojica, Mazzaropi foi dos primeiros a aparecer na telinha porque a maioria dos intérpretes tinha receio de ser prejudicada pelas câmeras. Em 1949 Zampari funda a Vera Cruz e em 1950 aparece o primeiro filme da companhia, Caiçara. Voltando de Pelotas, após as atribuladas filmagens de Ângela, Agostinho percebeu que as linhas econômicas e artísticas estabelecidas por Cavalcanti já não vigoravam, ansiando a produtora por uma mina de ouro que através de filmes altamente populares a introduzisse nos braços das bilheterias. Indicou Mazza, que ainda residia no Itaim. Interessante é que o primeiro teste foi pouco satisfatório a ponto de ser descartado. Foi por insistência de Agostinho que Abílio Pereira de Almeida consentiu num segundo teste que o consagrou. Informação interessante temos no documentário, Mazzaropi – O Jeca Brasileiro, quando o amigo e colaborador João Restife lembra que ao ser convidado para filmar Sai da Frente, ele pediu um milhão de cruzeiros. Ante o espanto de Abílio e Zampari ele acrescentou: pode colocar uma cláusula dizendo que se o filme fracassar eu pago o prejuízo. Com os filmes de Mazza, Abílio pretendia fazer um laboratório e provar que era possível, contra as expectativas de Cavalcanti e dos ingleses que ainda atuavam na Vera Cruz, que o padrão de cinco tomadas por dia podia-se perfeitamente dobrar e ainda um pouco mais, filmar em tempo menor, gastando menos negativo, sem perder o padrão técnico de filmes populares. Foram nos três filmes de Mazzaropi que vários técnicos estrearam. Na fotografia, o inglês que aqui chegou como operador de câmara, Nigel C. Huke. O italiano Pierino Massenzi na cenografia e outros no som. Num filme onde ainda preponderava o exterior, Mazzaropi encarna um motorista de caminhão (Isidoro Colepicola) fazendo um carreto de São Paulo a Santos. O personagem acaipirado que ele já mantinha no rádio e televisão desaparece no filme de Abílio, incluindo o sotaque mais italianado. A utilização de um cão (Duque que era amestrado por Martinelli e constava que recebia mais que Anselmo Duarte e Alberto Ruschel, o que muito os constrangia) foi o primeiro dos animais utilizados em filmes de Mazzaropi, porque futuramente, quando se tornar produtor, será enriquecido com gatos, patos, burros, aquilo que os franceses denominam bestiário. Eram enormes as disputas de Abílio com o montador austríaco Oswald Hafenrichter que pouco conhecendo a língua portuguesa e os trejeitos arrastados de Mazzaropi pretendia cortar grande parte do filme, quase sempre a mais engraçada. A enorme receptividade do público perante Sai da Frente gerou imediatamente a continuação em Nadando em Dinheiro. Por se tratar de um sonho do personagem Isidoro Colepicola havia tentativas oníricas incluindo robôs. O escracho foi absorvido facilmente pelo público formado de antigos trabalhadores do campo que fugiam para a cidade a procura de trabalho. A enorme aceitação de bilheteria desta segunda comédia da Vera Cruz irá permitir Candinho, paráfrase do romance e personagem satírico Cândido, de Voltaire. Pela primeira vez teremos Mazza personificando um caipira no cinema, em sotaque, ambiente e idealização. Daí para a frente Mazza acrescentará sempre nos filmes um pouco mais da personificação para emoldurá-la completamente em Tristeza do Jeca e Casinha Pequenina. Os três filmes realizados no Rio de Janeiro muito desgostaram Mazza, tanto pelo descaso técnico – quando produtor Mazza poderia descuidar do argumento mas jamais da parte técnica, para isso contratava Rodolpho Iczey que iluminava obrigatoriamente os filmes de Walter Khouri, a música jazzística de Lagna Fieta, o som da Vera Cruz, o melhor que tínhamos e a Rex Filme como laboratório. Seus filmes deveriam ter o padrão Vera – serem bem ouvidos e bem olhados, segundo ele. Candinho é caipira, no meio rural. Interpreta e canta com sotaque. Como participou do argumento deve ter introduzido seus cacos. Mazzaropi soube retribuir o carinho de Agostinho de várias maneiras. Em 1962 quando Agostinho funda sua produtora de comerciais, AMP, o capital inicial partiu de um empréstimo do cômico e ainda mais tarde, e desta vez, sentimentalmente, quando produziu, Portugal... Minha Saudade, em 1973, haverá no filme um personagem português e bonachão de nome Agostinho. Capítulo VI Vera Cruz Vivendo na capital de São Paulo a partir de 1931, portanto, com sete anos de idade, é de se imaginar que ainda na infância Agostinho tenha acompanhado, por ouvir de familiares e adultos, as transformações urbanas que a cidade atravessava. Ele as confirmou pouco depois, na juventude, não só por ler, mas vivenciá-las no antigo centro nervoso da cidade – a área que mediava o triângulo formado pelas igrejas da Sé, São Francisco e São Bento – freqüentando cinemas e teatros, escola e escritórios. Transformações frenéticas, quase cinematográficas, palpitantes, estuantes para um rapaz atento e praticando fotografia, facultando-lhe, a cada pouco, uma perspectiva diferente, com o aparecimento de chaminés, cabos de alta tensão, viadutos, prédios e moradias que diversificavam a paisagem mês a mês. Para um morador do Itaim a abertura da Avenida Nove de Julho pelo prefeito Prestes Maia ganhava preponderância. Para quem trabalhasse no anti-go centro, como foi o caso de Agostinho, atingir o bairro do Itaim demandava horas e exaustão principalmente se isso acontecesse após um dia de trabalho e mais três ou quatro de estudo. O sulco aplainado que aos poucos substituía o antigo curso do riacho da Saracura, a transposição do antigo aterro que Eugenio de Lima fizera para dar continuidade à Avenida Paulista sem a necessidade de uma ponte, a continuação já no lado dos Jardins, em retas ou curvas suaves era um descortinar perene de novos ângulos cinematográficos. Logo em seguida, a ocupação das laterais, por altos prédios de apartamentos ou escritórios, empolgava. O próprio bairro em que morava, em pouco tempo, mudou a cenografia. Saem as chácaras, atoleiros, campos de futebol e casas de tijolos maciços substituídas por moradias bem edificadas e os primeiros prédios em concreto de três e quatro andares oficializando a novidade da moradia verticalizada, o apartamento. Ainda mais emocionantes e febris eram as metamorfoses cenográficas sofridas pela antiga Rua de São João que Agostinho conhecia apenas de leituras, quando em 1909 o Bijou, o primeiro cinema fixo da capital, de propriedade da Companhia Serrador, veio abaixo para estabelecer o alargamento e transformá-la em Avenida São João. Pouco depois, começaria o trabalho de fundação das estacas do prédio mais alto da América Latina, o Martinelli, orgulho de todos os cartões-postais, inaugurado em 1929, pouco antes do grande crack da bolsa de Nova York que desmontaria por vários anos a economia mundial, a crença na democracia e o estabelecimento de três ditaduras criminosas, transitando da superdireita à ultra-esquerda. Se até metade dos anos 30 havíamos construídos casas cinematográficas ainda ligadas a um passado convencional, quando não diretamente teatrais, como Paramount, Paratodos, Alhambra e Rosário, após 1930, já alargada, asfaltada e consolidada, a Avenida São João oferecia tudo o que seria desejável para uma concentração de cinemas, que a exemplo da Praça Floriano, no Rio de Janeiro, receberia a denominação de Cinelândia. As probabilidades visuais abertas com o distanciamento das duas calçadas da avenida, mais o entorno do Largo do Paissandu, permitiram aos arquitetos da modernidade exibir-se os cinemas como libélulas, atraindo clientes com luzes perceptíveis a distância, como o cine Ufa Palácio, de estilo germânico, inaugurado com a comédia alemã Bocaccio, no dia 9 de novembro de 1936, almejando fixar um enclave que favorecesse os lançamentos daquele país. Contrariando todas as possibilidades de interpretação sociológica, num local onde havia o predomínio insofismável do imigrante italiano evidente nos restaurantes, na arquitetura dos capo mastri do Brás, Bexiga e Barra Funda, no linguajar cantante acompanhado de gesticulação exuberante, de forma estranhável, somente a cinematografia alemã dispunha de público pagante para fazer frente aos americanos. Consta que o projeto arquitetônico era originário de Berlim, sendo apenas adaptado por Rino Levy. Quando criança, muitas vezes ouvimos de alemães idosos a frase: na minha cidade havia um cinema muito parecido com o Ufa Palácio. A produtora alemã UFA e seus dirigentes na América do Sul aspiravam exatamente isso: um local onde pudessem ser recepcionados como alemães e lançar a quantidade de películas que bem entendessem livre dos entraves de datas de exibição e celeumas sobre quantos dias continuaria sendo exibido. Essa política durou praticamente até 1943 quando o Brasil, rompendo relações diplomáticas com os nazistas, proibiu a entrada de filmes germânicos, obrigando a empresa a retirar o dístico da UFA, substituído pelo de Art Palácio com o qual ainda hoje funciona abrigando um pornô. Dezesseis meses depois era a Metro Goldwin Mayer que inaugurava, a 14 de março de 1938, o Cine Metro, com Melodias da Broadway, a quase 500 metros do UFA projetando exclusivamente longas-metragens daquele estúdio. O projeto arquitetônico também chegou pronto do exterior, sendo o standart de todos os cines Metros construídos na América do Norte. Diferindo do formato retangular do Ufa, a nova sala de projeção era praticamente quadrada com forrações pesadas, dando-lhe um tom solene, claustral. A novidade era o ar-condicionado. Hoje abriga uma igreja evangélica. A essas salas pioneiras dos anos 30 seguiram-lhes o Ipiranga e o Marabá de importância maior tanto no aspecto arquitetônico quanto no de programação, ao lado de outros cinemas menores e satélites, como o Bandeirantes, Opera, Ritz e Oasis. Importante é que apesar da prostituição da moeda brasileira, a ponto de Getúlio Vargas, em 1938, ter não só mudado a denominação de réis para cruzeiros, mas, também, ter retirado um zero, o tabelamento dos cinemas acrescia alguns centavos aos preços quando tudo, de alimentos a aluguel, já haviam sido alterados há muito. Esse milagre inexplicável, de melhorar o padrão sem os acréscimos monetários correspondentes, em muito ajudou o cinema a ser a primeira diversão do paulistano, porque, se para grande parte da população masculina além das salas escuras ainda havia o Pacaembu como fuga lúdica, para crianças e mulheres restava apenas o cinema. E não se pense que isso devíamos apenas a outras carências, porque no Rio de Janeiro, apesar da praia, Corcovado e Pão de Açúcar, o cinema também continuava como o entretenimento principal. Porém, e não explicável com facilidade, era o fato de que a magia se materializasse apenas na exibição, enquanto na produção esbarrávamos em deficiências múltiplas, algumas facilmente detectadas por historiadores e analistas – colonizador e colonizado – , enquanto outras, por exemplo, a capacidade de oferecer um produto que competisse com o estrangeiro era escamoteada e varrida para baixo do tapete. A produtora Cinédia, fundada no início do cinema sonoro, no Rio de Janeiro, percorreu toda a década de 30 como padrão do cinema brasileiro. No último dia de dezembro de 1941 os jornais publicavam uma carta de Adhemar Gonzaga participando o encerramento das produções de longa-metragem. O estúdio de Carmem Santos e a Sonofilme, de Wallace Downey, tentavam substituí-la com resultados ainda mais insatisfatórios. No Rio de Janeiro, desde 1943, ano de Moleque Tião, imperou no setor brasileiro a Atlântida Cinematográfica que se impunha de forma mais representativa que a Cinédia. Realizava em média, três filmes por ano, um dirigido por José Carlos Burle, normalmente uma comédia, outro por Moacyr Fenelon, preferenciando o melodramático. Mesmo quando os estilos invertiam-se, as rendas dificilmente cobriam o orçamento despendido. Para retirar a produtora do vermelho desde o ano da fundação o recurso era apelar para uma chanchada, normalmente dirigida por Watson Macedo, estilo que contrariava completamente o que os dois fundadores da produtora haviam estabelecido num pomposo manifesto onde pregavam que o público estava apto a receber coisa melhor do que lhe estavam impingindo. Em São Paulo o panorama era ainda mais consternador. Em toda a década de 30 ele havia produzido apenas dois longas-metragens, O Caçador de Diamantes, em 1933, e Fazendo Fitas, de 1935, ambas do italiano Vittorio Capellaro, que em seguida desloca-se para o Rio de Janeiro onde o panorama se desenhava mais propício aos seus anseios de longas-metragens. Se no Rio de Janeiro, ainda que mal equipados, ainda podia-se contar com Cinédia, Atlântida e a Brasil Vita Filmes de Carmem Santos, rodeados de outras ainda mais insignificantes, em São Paulo havia o estúdio da produtora Americana Filmes do Brasil, que superava tecnicamente os cariocas, mas pautava-se sob métodos de tal maneira inoperantes que se viu obrigada a erminar sua única produção, A Eterna Esperança, de Leo Marten, na Cinédia. Gilberto Rossi armara um barracão nos fundos da sua residência, no bairro do Bosque da Saúde, pouco usado como estúdio para curtas e longas de ficção, vivendo profissionalmente do laboratório e dos cinejornais. A Rex Filme dispunha apenas do laboratório, precário até o aparecimento da Vera Cruz. Mario Sydow, antigo funcionário da Byington, especialista em montar emissoras radiofônicas, adaptou o porão de sua residência na Rua Bahia, 530, e lá instalou um pequeno estúdio de dublagem e mixagem tendo ao lado um laboratório para o processamento de revelação e copiagem. Tudo num espaço que media 25 X 15 metros. Paulistas e cariocas, nacionais e estrangeiros, todos devem a nossa maior consideração, mas nem por isso poderemos esconder a verdade sobre o produto mal acabado, técnica e artisticamente deficiente, com os quais pretendiam competir. Esqueçamos o lamentável período da ditadura getulista, 1930-45, quando por vezes produzíamos apenas um longa-metragem por ano e vamos nos concentrar nos números a partir do golpe de 1945, quando Agostinho, aos 21 anos, tem capacidade de julgamento e encontra-se em fase de desabrochamento intelectual. 1945 – produzimos 9 filmes, todos cariocas 1946 – 10 filmes, dos quais 9 cariocas. O único paulista era Bandeirantes do Oeste, um docu mentário indianista sobre a Bandeira Piratininga de Willy Aureli filmado na Serra do Roncador. 1947 – 8 filmes, todos cariocas 1948 – 13 filmes, 12 cariocas. Apenas Palhaço Atormentado era paulista, dos estúdios de Rossi, com Arrelia. Realização lamentável. 1949 - 20 filmes, 18 no Rio. De São Paulo, Quase no Céu, de Oduvaldo Viana com os radioatores das emissoras Associadas. Luar do Sertão era a primeira aventura de Mario Civelli terminada por Tito Batini. 1950 – 24 filmes. 17 cariocas, 1 mineiro, 3 coproduções e de São Paulo, Lampião, o Rei do Cangaço, A Vida É uma Gargalhada e Caiçara, primeira produção da Vera Cuz. Estranho que ao lado deste deserto tantos sonhos foram engendrados. A partir de 1945 praticamente todos os jornais paulistas e cariocas passaram a ter um crítico opinativo e não mais funcionários das distribuidoras fazendo propaganda dos seus produtos. Surgem alguns nomes que se perpetuaram entre os maiores que tivemos até hoje: Rubem Biáfora, Benedito J. Duarte, Francisco Luiz de Almeida Salles, Moniz Viana, Salvyano Cavalcanti de Paiva, entre os jornalistas, e Otavio Gabus Mendes, pelo rádio. Havia participação ativa de interessados em cinema, tomando como modelo quase sempre o americano, e desejosos de praticá-lo. À medida que nos aproximávamos do ano 50 mais estes anseios se aceleravam e uma série de fatos paralelos contribuiu finalmente para sua materialização. O Teatro Brasileiro de Comédia, foi um deles. A inauguração quase simultânea do Museu de Arte e do Museu de Arte Moderna, ambos no mesmo prédio, na Rua 7 de Abril, com salas de projeção, especializando-se em cinema intelectualizado ou, pelo menos, sem maiores endereços comerciais, vinha acompanhada de apresentações e debates que congregavam os interessados num cinema mais direcionado para os problemas estéticos e sociais, coisa que anteriormente somente o Clube de Cinema conseguira, com grandes hiatos e público ínfimo, entre 1940-48. O Museu de Arte, além das projeções no grande auditório, abrigou um cineclube no pequeno auditório às segundas-feiras, com filmes em 16mm, alugados nas distribuidoras americanas e mantendo durante anos um Seminário de Cinema atuante, apesar de ser inteiramente teórico, de onde saíram alunos que mais tarde formaram o primeiro time do cinema paulista: Glauco Mirko Laurelli, Ozualdo Candeias, Toni Rabatoni, Milton Amaral, Galileu Garcia, Eliseu Fernandes Nordi, Trigueirinho Neto, Roberto Santos. Em 1949, concluído seu primeiro curso para técnicos de cinema, o Centro de Estudos Cinematográficos convidou Alberto de Almeida Cavalcanti para uma série de palestras mais tarde enfeixadas no livro Filme e Realidade. Sua vinda significou o divisor de águas do cinema brasileiro até 1950. Num ambiente inflamado, porejando cinema, a chegada de Cavalcanti ganhou aspectos de algumas seqüências de De Mille ou grand finale à Tchaikowsky. Saudado pelo velho Chateaubriand, no pequeno Auditório do Museu de Arte, onde funcionava o Seminário de Cinema, foi comparado ao marido de Sherazade, daí continuando numa catarata inesgotável e inconseqüente de gemas e pedras preciosas, típicas do astuto jornalista, quando nada tinha a dizer. Sentia-se que os superlativos bombásticos muito perturbavam Cavalcanti que ao agradecer portou-se com a discrição britânica que sempre o acompanhou. Não é de se admirar, portanto, fosse assediado pela classe industrial e artística, pois apresentava uma obra internacional importante e seu nome se prestaria como veiculo de possíveis empréstimos ou vendas de ações. Quando a Vera Cruz já lhe havia escapado das mãos, Zampari, numa entrevista, afirmava que aquele fora um período fácil para levantamento de capitais. Simultaneamente iniciava-se a gloriosa temporada do cheque sem fundo. Vultosas transações surgiam e desmoronavam em quinze ou dezoito meses. Era comum os incorporadores candidatarem-se a deputado ou senador para escudar-se em imunidades parlamentares, postergações e fuga de processo. Evidentemente pessoas íntegras como Zampari e seus financiadores jamais usaram ou precisaram destes expedientes. Porém, a euforia e o interesse popular pelo cinema, aliada às facilidades bancárias no plano geral da economia brasileira, devem ter modificado, de modo substancial, o primeiro objetivo de Zampari. O plano inicial do grupo do Teatro Brasileiro de Comédia era realizar um teste modesto, como modesta e semi-amadorística fora a primeira fase do TBC, auscultando possibilidades. Mas o que Cavalcanti significava como personalidade internacional e o estado de espírito reinante metamorfosearam a modesta experiência, na construção de um grande estúdio comparável ao que era empreendido no campo da urbanização com grandes avenidas, edifícios cada vez maiores, fábricas tentaculares e tudo que se acomodasse folgadamente no ditame: São Paulo, a cidade que mais cresce no mundo. Excetuando-se os laboratórios de revelação, teria autonomia completa. Ainda há pouco uma visita ao que sobrou do estúdio, em São Bernardo do Campo, provava isso. Para movimenta-lo e dar-lhe um cunho internacional, Cavalcanti retornou à Europa para adquirir equipamentos e contratar técnicos. A segunda atitude trouxe-lhe de imediato, a ira de todos os que aqui trabalhavam, nacionais e estrangeiros. Passados mais de 50 anos, podemos analisar desapaixonadamente os prós e contras, e cremos que sua atitude foi correta. Vimos em que consistia nosso parque cinematográfico: poucos homens num deserto de equipamentos. Desestimular qualquer contato com a Companhia Americana de Filmes deve ter sido fácil, ainda mais encontrando-se em pendência judicial com a Caixa Econômica, desde os anos 40. O equipamento fora vendido retalhadamente e o imóvel, até que fosse alugado como depósito da Loja Mappin Stores, era depredado de modo paulatino por desfavorecidos que lá iam apanhar material e com ele erguer, nas circunvizinhanças, a futura favela do Buraco Quente, que só deixou de existir quando o Grupo Pão de Açúcar construiu o Supermercado Jumbo. Mesmo no Rio, a renovação de material não se fazia há tempo e caso os técnicos tivessem alguma qualificação estariam cingidos a equipamentos inadequados. A evidência é visível na precariedade técnica de qualquer filme daquela época, mas cremos que a principal motivação de Cavalcanti, na fixação do técnico importado, foi o gigantismo do ponto de partida. Cavalcanti compreendera de imediato que o filme brasileiro não se pagaria no Brasil, precisava ser exportado e para isso teria que competir. A vinda de material e de pessoal dera-se em escala que escapava aos nossos horizontes. Marcos Margulies contou-nos que ao desembarcar no Brasil, e declarar-se cineasta, um guarda alfandegário, sorrindo, disse ao colega: Olha, mais um. A ironia da frase será bem compreendida pelos que, na época, tinham alguma vinculação com o cinema. Gente que nunca tinha visto uma câmera entrava, no Brasil, como assistente de Rossellini. E muitos começaram o aprendizado sem nenhuma experiência, apenas fiados neste rótulo. Em conseqüência, o início da prevenção contra os estrangeiros encontrava, às vezes, algum arrimo. Porém, os primeiros momentos da Vera Cruz, apesar de todo o dinheiro que rolava, foram tão claudicantes quanto as demais produções brasileiras. Jacques Deheinzelin, então com 22 anos, egresso da melhor escola de cinema do mundo, o IDHEC, chegava na Vera Cruz em janeiro de 1950 e nada pôde fazer porque a produtora não tinha nem mesmo uma câmera de corda. Mal dominando o português, Agostinho servirá por algum tempo como seu tradutor, por sua vez empregando o francês que aprendera na Álvares Penteado. Jacques é enviado ao Rio de Janeiro para comprar câmera e refletores mas a precariedade do material ofertado é pouco convidativa. Retorna a São Paulo e os testes dos intérpretes do Caiçara, Abílio Pereira de Almeida, Eliane Lage, Mario Sergio, Carlos Vergueiro e outros, são realizados no paiol da granja de Ciccillo Matarazzo, em São Bernardo, com uma antiga Parvo do laboratório Rex Filme que se encarregará da revelação e copiagem de todos os filmes da Vera Cruz. Agostinho será o foquista destes testes. A estrutura da Vera Cruz, nos termos em que foi imaginada, pode ser considerada hoje, a distância, como um dinossauro passeando no metrô. O anacronismo é sensível se recordarmos as mutações sociológicas e econômicas do cinema universal do após-guerra. Em 1945, esperava-se pelo retorno do fenômeno do expressionismo alemão como acontecera em 1919, mas quem despontou foi o neo-realismo italiano e a tão mal contada história do cinema inglês do mesmo momento de Carol Reed, David Lean, Michael Power, John Grierson, Lawrence Olivier, Anthony Asquith e, finalmente, de Alberto de Almeida Cavalcanti. A entrevista de Agostinho na Vera Cruz começou de maneira frustrante porque Cavalcanti imaginava que o candidato deveria ser bem mais jovem, típico da sua cultura inglesa que imperou durante a II Grande Guerra, pois desde 1940 somente garotos de 14 anos eram aceitos como assistentes nas diversas equipes do estúdio, porque eles imediatamente se deram conta que aquela não seria uma guerra de 4 meses, mas de vários anos. Agostinho respondeu a Cavalcanti que somente agora desejava entrar para o cinema porque até ali não vira um só estúdio brasileiro digno desse nome. Cavalcanti admirou-se da sinceridade e o contratou de imediato. Capítulo VII Caiçara Não tendo seus estúdios em condições de filmagem, a cúpula da Vera Cruz se via obrigada a procurar argumentos que preferenciassem exteriores em alta escala. Os interiores que não pudessem ser filmados em locações deveriam ser sucintos para não criar problemas de produção. A escolha da filmagem em Ilhabela certamente deve-se a Aldo Calvo, engenheiro, cenógrafo, artista plástico extremamente acatado por Zampari e Cavalcanti. A paternidade da trama central de Caiçara é ainda hoje uma incógnita. Já se falou em Gustavo Nonnemberg, provavelmente porque assinou os diálogos junto com Afonso Schimidt. Nos créditos, o original aparece como pertencente a Adolfo Celi. Pessoalmente ouvimos de Ruggero Jacobbi em ocasiões e locais diferentes, quando todos ainda estavam vivos e poderiam contradizê-lo, afirmar que apesar dos créditos não citá-lo a base do argumento era sua e mesmo o título, Caiçara, havia sugerido depois de ouvi-lo continuamente repetido por habitantes da ilha. No período em que fomos seu aluno de direção no Seminário de Cinema, ele dizia abertamente que fora participante de Roma, Cidade Aberta e escrevera um dos episódios de Paisá. Gostava de fazer piada com o número extraordinário de assistentes de Rossellini que moravam em São Paulo. Pessoalmente achamos que há enorme aproximação entre o Stromboli, de Rossellini, e Caiçara. Ambos descrevem as vicissitudes de uma forasteira que entra em conflito com o meio físico e social e que tenta devorá-la. Volcano, dirigido por William Dieterle, interpretado por Anna Magnani, em 1948, na ilhota do mesmo nome, é outro material que tem similitudes flagrantes com os dois anteriores. Se Jaccobi fora realmente íntimo de Rossellini alguém deve ter contado a alguém sobre o projeto conteudístico. Na Vera Cruz corria a anedota que os dois italianos haviam realizado uma aposta para saber qual deles filmaria primeiramente aquele argumento. Afirmava ainda Jaccobi que na sua versão a principal personagem feminina seria uma prostituta e que o armador de embarcações iria encontrála num prostíbulo e levá-la para a ilha. Quando Cavalcanti voltou da viagem à Europa, onde fora comprar equipamentos e contratar equipe, impôs a idéia de transformar a personagem em filha de leprosos e confinada num abrigo de moças, solução com a qual Ruggero nunca concordou. Ele era também figura considerada nos meios do TBC mas ficou possesso quando sua adaptação e direção de A Ronda dos Malandros foi retirada de cartaz apesar do sucesso que vinha obtendo. Consta que Zampari e Matarazzo foram intimidados pela plutocracia paulistana que havia sentido na carne a metáfora entre bandidos e banqueiros. Em Caiçara Agostinho empreendeu seu aprendizado teórico e prático. Os meses de trabalho duro tentando acercar-se dos problemas técnicos e estéticos se transformaram numa grande escola. Assistiu vaidades, erros brutais de produção perpetrados por homens calejados. Sua passagem da equipe de câmera para a de direção aconteceu também fortuitamente. Jacques Deheinzelin fora enviado ao Rio de Janeiro para filmar o carnaval, possivelmente para inclusão em alguma futura produção da Companhia. Pessoalmente cremos que serviria para a tão ambicionada biografia de Noel Rosa que Ruggero Jacobbi meditava há longo tempo. Com a ausência de Jacques, Agostinho estava em disponibilidade. Tom Payne, naquele momento, 1º assistente de direção de Afolfo Celi, o requisitou para ajudá-lo na formulação das folhas de planificação. Em pouco tempo e auxiliado pela enorme percepção do material cinematográfico que sempre o acompanhou, Agostinho já dominava toda a burocracia de fichas de intérpretes, roupas, cenografias, exteriores, apetrechos e material elétrico. Admirado pela exatidão das informações que Agostinho organizava, Tom Payne o requisitou para sua equipe na função de 2º assistente de direção. Durante as filmagens de Caiçara em Ilhabela, a equipe era uma sucursal da ONU, falando-se do espanhol ao dinamarquês e, por vezes, o português. Consta que as reclamações dos estrangeiros eram contínuas e de grande irritabilidade. Tudo isso pode ser compreendido se lembrarmos que se tratava de um grupo heterogêneo, com dificuldades de comunicação verbal e com a utilização de equipamentos que eles imputavam como precário dado que o material importado ainda não chegara por completo, numa temperatura exasperante aos estrangeiros, acrescidas de transfusões diárias de sangue a cargo dos nossos borrachudos. Em seguida Agostinho acompanhou a dublagem, montagem, música – Cavalcanti chamara Villa-Lobos que não aceitou –, corte de negativo e primeira cópia, ou seja, a longa gestação de um filme. Estréia no Cine Marabá, em São Paulo, no dia 1º de novembro de 1950 com grande sucesso. Enquanto Agostinho continuava assistente de direção, ligado à pós-produção, Cavalcanti e alguns remanescentes de Caiçara – Tom Payne, Chick Fowle, Renato Consorte e o próprio Cavalcanti – elaboravam a adaptação e produção de Terra É Sempre Terra, baseado na peça Paiol Velho, de Abílio Pereira de Almeida, que fizera relativo sucesso no palco do TBC. Como em Caiçara, novamente as filmagens seriam realizadas com preponderância de exteriores, numa fazenda decadente do período cafeicultor próxima a Campinas. Documentos da Vera Cruz que nos foram fornecidos pelo incansável Renato Consorte informam que Agostinho apesar de trabalhar desde novembro de 1949, somente foi regularizado a 1º de fevereiro de 1950, como 2º assistente de direção, ganhando Cr$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos cruzeiros). Em março, ainda acompanhando a sonorização de Caiçara, é promovido a 1º assistente e o salário elevado a Cr$ 2.500,00. Em depoimento que conseguimos de Eliane Lage, estrela de Caiçara, Ângela e Sinhá Moça, ela nos pede desculpa pelas poucas informações que relata, porque o meio século – que trans correu entre aqueles filmes e os primeiros anos de 2000 apagou muitas coisas da sua memória. Ainda assim, a figura de Agostinho era tão preponderante que ela o descreve com grande precisão e carinho: Agostinho Martins Pereira é uma das pessoas que mais me lembro do período Vera Cruz. Conheci-o em Ilhabela como assistente de direção de Caiçara. Era magrinho, elétrico, muito sério e exigente. Meu marido, Tom Pay-ne, gostava muito dele e dizia que Agostinho parecia adivinhar o que ia ser necessário antes mesmo de acontecer. Tom e Agostinho trabalhavam bem juntos, eram amigos e formavam uma equipe imbatível. Quando penso na Vera Cruz, Agostinho Martins Pereira faz automaticamente parte das melhores lembranças, ou seja, a pessoa integralmente dedicada ao cinema nacional. Ruth de Souza teve convivência maior e dele nos deixou um relato mais amplo: Os primeiros contatos que tive com Agostinho aconteceram durante as filmagens de Terra É Sempre Terra. Eu já havia trabalhado em quatro produções da Atlântida, Terra Violenta, Falta Alguém no Manicômio, Também Somos Irmãos e uma independente, Aglaia, infelizmente, interrompida. Agostinho era um dos três assistentes de direção de Terra É Sempre Terra. Naquele momento, ainda sob a tutela de Cavalcanti, todos os cargos técnicos tinham sempre vários assistentes, exatamente para formar quadros para a produtora. Meus contatos com ele foram poucos, porque ele foi retirado da equipe para preparar junto com Eros Martins Gonçalves a produção de Ângela. Voltamos a trabalhar juntos nesse filme com Agostinho exercendo sozinho a assistência de direção. Rapidamente havia se distinguido como técnico eficiente e benquisto pela equipe que sabia poder contar com sua solidariedade. As filmagens foram longas, exaustivas e inquietantes, repletas de dissabores como a destituição de Cavalcanti, a troca de diretores, a lentidão dos ingleses. Nesse momento mudei-me para perto dos escritórios da Vera Cruz, tornando-me quase vizinha do Agostinho e sua esposa, Wilma. Pude, então, conhecer em toda a extensão seu altruísmo. Pouco depois da filmagem de Sinhá Moça, com o fechamento da Vera Cruz, desempregada, e o cinema brasileiro em crise, ele empenhou-se ao máximo para que Osmar Cruz me contratasse para um dos personagens de O Milagre de Anne Sullivan. O enorme sucesso da peça montada pelo Teatro do Sesc deixou-me empregada e distinguida durante anos. Infelizmente, nunca mais tivemos oportunidade de trabalhar juntos, porém, a nossa convivência tornou-se praticamente diária. Filmar Sorte no Jogo, de Hoffmann, era um dos sonhos de Cavalcanti. Ele o afirmava a todo momento, juntamente com um romance de Charles Morgan, A Fonte, quando fomos seu aluno no Seminário. Será na adaptação desse conto, Ângela, para a Vera Cruz, que Agostinho trabalhará oficialmente como 1º assistente desde a pré-produção com o estreante de direção Eros Martim Gonçalves, renomado cenógrafo teatral e do segundo filme da Vera Cruz, Terra É Sempre Terra. Eros Martim Gonçalves seria a possível resposta de Cavalcanti aos que lhe dirigiam petardos por não crer nos brasileiros. Novamente empregaram o esquema de filmá-lo fora dos limites da Vera Cruz por não estarem os estúdios ainda inteiramente edificados. Pelotas foi a cidade escolhida e parece que novamente por indicação de Aldo Calvo. Nesse período, outubro de 1950, pode-se medir a performance de Agostinho, quando o salário é elevado pela segunda vez no mesmo ano atingindo Cr$ 4.000,00. Quinze dias após o início da filmagem Cavalcanti é chamado às pressas em São Paulo e destituído. Martim Gonçalves, em solidariedade, pede demissão. A direção iria para as mãos da dupla Tom Payne e Abílio Pereira de Almeida, que há pouco haviam terminado Terra É Sempre Terra. A saída de Cavalcanti gera uma polêmica ética no interior da produtora. Há um movimento para todos retirarem-se e grande parte fica com Cavalcanti. Ele por sua vez pede a todos que permaneçam porque o cinema brasileiro é maior que os homens. Jacques Deheinzelin, Johnny Waterhouse, Eric Razmussem, Marcos Margulies e muitos outros retiram-se em desaprovação ao ato de Zampari mas a maioria, acatando o pedido de Cavalcanti, permanece, entre eles, Agostinho. É difícil saber até que ponto Ângela com Cavalcanti seria diferente do que hoje existe. A temática da voracidade com que o jogo consome os seres fica na superfície, enquanto o tema amoroso entre Ângela e Dinarte ganha relevo. E caso os novos adaptadores pretendessem transferir o vício para um par romântico, Jango e outros personagens que vivem ao redor do casal principal ganham importância secundária. O clímax e o desenlace são rápidos e inconsistentes, mais indicando um fecho sintético das situações para conseguir permanecer na média dos 95 minutos de duração do longa-metragem de praxe. A fotografia de nítida conotação inglesa era um dos poucos redutos que funcionava. Lançado no Marabá a 15 de agosto de 1951 foi repudiado pelo público e crítica. Um dos itens que causaram a defecção de Cavalcanti foi a demora das produções de Caiçara e Terra É Sempre Terra. A substituição dele por Fernando de Barros em nada contribuiu para sanar o mal. As delongas nas filmagens continuaram em 80% das produções restantes. Os altos gastos permaneceram como a edificação da cenografia da pracinha de Santa Rita do Passa Quatro, nos fundos da Vera Cruz, para o filme Tico-Tico no Fubá, próxima participação de Agostinho na assistência. Futuramente, redecorada a cenografia, reaparecerá em Sinhá Moça, O Gaúcho e tantas outras produções que, finalmente, deve ter amortizado seus gastos iniciais. Durante as filmagens de Tico-Tico, em agosto de 1951, Agostinho é novamente recompensado passando a receber Cr$ 6.000,00. Tico-Tico no Fubá será um bom exemplo do desperdício que acompanhou a Vera Cruz em todo seu histórico. Iniciado pelo fotógrafo argentino José Maria Beltran, estendeu suas filmagens por muito além do inicialmente programado obrigando Beltran a abandonar a produção para não perder outros contratos já assinados. Seu substituto, Chick Fowle, o refaz por inteiro para manter uma fotografia uniforme. Um circo foi alugado e permaneceu nos fundos da Vera Cruz por nove meses. Quilômetros de negativo foram queimados para uma duração de 115 minutos. A temática tinha nítida conotação com as biografias romanceadas produzidas por americanos e italianos. Lançada no Cine Art Palácio e mais 21 cinemas em 21 de abril de 1952 obteve grande repercussão popular mas insuficiente para pagálo quando o desejado seria render. Agostinho trabalhava pela primeira vez naquilo que, segundo os termos nacionais, poderia ser encarado com uma super produção. Com Apassionata, imaginava-se que o responsável pela produção geral do estúdio, no posto que fora até então exercido por Cavalcanti, Fernando de Barros, que retornava à direção, estava em condições de provar que se podia realizar um produto de alta qualidade técnica em tempo menor e mais barato. Nesse retorno apoiava-se na tecnologia da Vera Cruz, diferente da sua realização imediatamente anterior, Quando a Noite Acaba, de 1950, praticamente, uma produção independente e semiprofissional da produtora carioca, Artistas Associados. Apassionata abordava um tema decididamente internacional, incluso com seqüências que indicavam a Europa. O elenco era altamente sofisticado com Tonia Carrero, Anselmo Duarte, Alberto Ruschel, Ziembinski, Abílio Pereira de Almeida, Paulo Autran, Dina Lisboa. Indagamos Fernando de Barros, quando o levamos ao MIS para um depoimento, o motivo de concentrar tantos intérpretes. Ele respondeu que todos recebiam da produtora e tinham que trabalhar. Fernando, assim como Moacyr Fenelon, jamais deveria ter-se enfronhado na direção, porque em essência não era exatamente um diretor e sim um produtor à americana, que decide coisas na área artística. Isso foi útil a Agostinho porque desde o início o roteiro ficou sob sua tutela. E tudo que de bom e ruim que existe em Apassionata tem o dedo dele. Faz uma ponta, aparecendo na seqüência do Teatro Municipal, e dirigiu várias seqüências sem a presença de Fernando. Apesar de todo o empenho internacionalista que pretenderam dar, público e crítica o ignoraram. Lançamento: 10 de setembro de 1952, no cine Ipiranga. Tamanha era a ascendência de Agostinho na Vera Cruz que, numa atitude insólita, ele escolhia os diretores com quem desejava trabalhar. A coisa havia começado logo no segundo filme, Ângela, quando se rebelou contra Tom Payne, que não respeitava horários e assacava os maquinistas, eletricistas e assistentes. Ao término do filme estavam rompidos. Contam que durante as filmagens, estando Agostinho sentado numa das cadeiras de lonas de estúdio, todas muito baixas, obrigou Payne, que era bastante alto, a quase ajoelhar-se – para ficar no nível do rosto de Agostinho – pedindo-lhe que o assistisse na sua próxima direção, usando o argumento de que em cinema as inimizades só deveriam existir fora do estúdio, no que foi repelido por Agostinho. Parece que entre Zampari e Ruggero Jacobbi a filosofia trabalhista de Payne vigorava, isso porque, apesar dos tristes acontecimentos de A Ronda dos Malandros, quando Ruggero pediu demissão de todos os cargos que tinha no TBC e na Vera Cruz, ambos voltaram às boas e Ruggero foi designado para assumir a próxima comédia da produtora, Esquina da Ilusão, com argumento de sua autoria e devidamente carimbado. Ela abordaria comicamente, no sentido inverso ao usual em 1953, as atribulações de dois irmãos italianos, um que ficara na Itália (Waldemar Wey) e outro imigrando para o Brasil (Luis Calderaro). Na troca de cartas o imigrante inventa maravilhas da sua fábrica, onde na realidade é simplesmente um funcionário. O irmão, pelo contrário, apesar dos problemas econômicos do após-guerra, progrediu, enricou a ponto de vir visitá-lo no Brasil. O imigrado consegue do dono da empresa que durante dois dias o torne dono da fábrica perante o irmão quando aconteceram as situações mais burlescas. Era indubitavelmente uma comédia na linha do pós-neo-realista tão cara a Ruggero, lembrando Luigi Zampa e Renato Castellani. Incrivelmente a crítica brasileira ignorou por completo o que estava na tela preferindo repetir o que era ensinado nos redutos da esquerda. Melhor sorte teria quatro anos depois, O Grande Momento, que em essência era igual, porém, não filmado no reino dos estrangeiros, a Vera Cruz. Quando Ruggero convidou Agostinho, apesar de pouco conviverem, este aceitou de imediato. Será a última participação dele como assistente de direção. Durante a elaboração deste filme, em novembro de 1952, recebe seu último aumento, Cr$ 8.000,00. O lançamento ocorreu no cine Ipiranga, a 15 de julho de 1953. Após o término de Esquina da Ilusão, a cúpula do estúdio confirmou que Agostinho estrearia na direção. A escolha vinha com diversos endereços: cria da casa desde os primeiros momentos da fundação da Vera Cruz ele conhecera e trabalhara diretamente com Tom Payne, Adolfo Celi, Fernando de Barros e Ruggero Jacobbi e indiretamente com todos os demais. Conhecia como poucos, não só a fachada mas também o intestino da produtora. Havia também um endereço político porque Zampari ignorava que Agostinho era português e nunca se naturalizara. Considerado brasileiro e somado a Abílio Pereira de Almeida serviria de antídoto para Alex Viany e o resto da esquerda, sempre alertas para desferir dardos contra os filmes e o estúdio tachado de cosmopolita, onde os brasileiros jamais passavam da assistência. O material escolhido pela produtora e aceito pelo próprio Agostinho para sua estréia foi Um Galã para Você, argumento cáustico de Walter George Durst, ambientado no meio da nascente televisão. Anselmo Duarte seria o galã. Agostinho trabalhou vários meses no acerto do roteiro, indicações para a produção, escolha de locais e elenco. Seu trabalho era paralelo às ten tativas desesperadas da Vera Cruz em concluir Floradas na Serra, às primeiras demissões, enfim, ao esfacelamento da companhia que conhecera na planta, apogeu e, agora, em fase terminal. Em 1954 foi-lhe anunciado que a produção não seria realizada por absoluta falta de recursos. Pouco depois, 28 de abril de 1954, faria parte do último grupo de técnicos dispensados da Vera Cruz. Os que restaram após estas demissões eram funcionários da manutenção. Meu prezado Máximo. Muita coisa eu teria para escrever sobre o Agostinho, mas iria gastar muito tempo: foi excelente profissional, cumpridor de seus deveres e obrigações (era dos poucos que tinha conhecimento de legislação trabalhista, principalmente a referente ao cinema). Muito eficiente como Primeiro Assistente de direção, passando posteriormente a diretor coadjuvante. Sempre dando muito apoio aos diretores com quem trabalhou, principalmente no filme Appassionata onde fui designado Diretor de Produção. O trabalho dele na Vera Cruz valeu muito para ele praticar o que já conhecia teoricamente, tan-to que, logo depois, dirigiu com sucesso o filme de Mazzaropi O Gato de Madame (na realidade foi A Carrocinha). Foi grande companheiro dentro e fora do trabalho, com algumas desavenças oriundas de nossas funções. Nós dois fomos muito “ cabeças duras”. Mas, no final... tudo bem. Pena não ter mais notícias dele, nem da ex-esposa, Wilma. Segue anexo a ficha de Registro de Empregado que possuo aqui nos arquivos do MIS. Sempre à sua disposição, aqui fica um abraço do Renato Consorte. São Paulo, 24-04-07. Capítulo VIII A Carrocinha A defesa total do patrimônio da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, incluindo a dos próprios adversários, quando anunciaram o fim da programação, atingiu o governo paulista que percebeu o quanto isso repercutiria desastrosamente para os que haviam investido em produtoras – além da Vera Cruz havia outras duas de grande porte, a Maristela e a Multifilmes – e, entre as menores, a Cinderela e a Bandeirantes, somado aos laboratórios de sonorização e processadoras de revelação e copiagem, além de toda a área indireta dirigida às suas especificidades de mecânica, ótica e eletricidade que mantinha o emprego de centenas. O Banco do Estado, atendendo aos pedidos das associações de técnicos e intérpretes que haviam realizado os dois últimos Congressos de Cinema, abriu empréstimos a juros módicos para realizadores. Uma comissão formada de representantes de distribuidores, exibidores, produtores, técnicos, artistas e do governo decidia baseada no roteiro e na respeitabilidade da equipe técnica e artística. Os que se candidatavam eram normalmente brasileiros, estreantes, com renome firmado nos estúdios que estavam em fase de fechamento. A medida propiciará o aparecimento de Roberto Santos, Galileu Garcia, Carlos Coimbra, César Memolo, Carlos Alberto de Souza Barros, os irmãos Santos Pereira, Osvaldo Sampaio, Walter George Durst, Agostinho Martins Pereira e mesmo de Walter Khouri que já estreara em Gigante de Pedra. Com a derrocada do cinema industrial paulista em 1954, praticamente 80% dos trabalhadores em cinema foram desmobilizados. Jacques Deheinzelin propõe a Galileu Garcia e Agostinho que se unam para mais facilmente voltar a trabalhar. O pensamento é oferecerem-se em grupo. A respeitabilidade dos seus nomes ajudará o produtor que estiver interessado em produzir eficientemente. Do outro lado, a crise gerara diversos interesses novos que, caminhando paralelamente, se entrelaçaram ao redor de A Carrocinha. Jaime Prades, uruguaio, provindo da distribuição, tendo dirigido a Suevia Filme, que lançava as fitas espanholas de Cesareo Gonzáles que, segundo muitos, era homem de confiança do produtor americano Samuel Bronston, que, naquela quadra, produzia na Espanha, por ser muito mais barato, superespetáculos do tipo A Queda do Império Romano e A Vida de Cristo. Desejando empreender vôo próprio e sentindo que poderia com alguma facilidade levantar dinheiro suficiente na Europa para completar o empréstimo do Banco do Estado, Prades, entabulou uma parceria com a Multifilmes, oficialmente comandada pelas mãos do sobrinho do maior investidor do estúdio, Anthony Assumpção, que forneceria estúdio, refletores, moviola, sonorização e alguns técnicos. Foi indispensável a participação da distribuidora Fama Filmes, presidida por Arnaldo Zonari. A somatória destes nomes e funções possibilitou a articulação da produção de A Carrocinha. Os maiores problemas aconteceram com a tormentosa contratação de Mazzaropi para encabeçar o elenco. Ninguém ignorava que ele comandara as extraordinárias bilheterias de Sai da Frente, Nadando em Dinheiro e Candinho. O grupo xenófobo questionava lembrando que Cangaceiro e Sinhá Moça haviam superado as cifras das três comédias enquanto outros levantavam novas cifras provando que o baixo orçamento das três produções mazzarópicas comparativamente era mais compensador porque enquanto os filmes de Lima Barreto e Tom Payne estavam amparados em múltiplos aspectos os filmes de Mazza ofereciam uma única referência, ele mesmo. Dizemos que Prades foi corajoso porque teve que enfrentar o grupo carioca da Cinelândia Filmes que o pretendia para as futuras produ ções de Fuzileiros do Amor, O Noivo da Girafa e Chico Fumaça. O material escolhido pelo trio de ex-assistentes da Vera Cruz foi o argumento que ganhara o Prêmio Quarto Centenário de Roteiro de Cinema, Quase Uma Guerra de Tróia, de Walter George Durst, já muito conhecido no rádio e televisão pelos seus programas sobre cinema e adaptações de textos universais para o teleteatro e fornecedor do original, Um Galã para Você, já citado. Pouco se comenta ou mesmo é sabido que Qua-se Uma Guerra de Tróia já fora adaptada dois anos antes por Marcos Margulies que desejava dirigi-la na Multifilmes onde supervisionava o departamento de argumentos. Por ocasião de uma das filmagens de O Destino em Apuros, onde exercíamos o cargo de assistente de produção, exatamente nos exteriores noturnos rodados no Museu do Ipiranga, pessoalmente presenciamos um encontro entre Marcos, Durst e Mario Civelli, produtor-geral da Multifilmes, todos sentados nos degraus que formam a escadaria que leva os visitantes ao térreo do palácio, que deixa bastante claro o quanto aquele argumento era temido e subversivo. Apesar de estarmos a 50 metros do trio ouvíamos as apreensões do italiano expressadas aos berros, como era seu costume quando precisava derrubar o adversário: não vou conseguir exibir o filme no interior de nenhum local do Brasil porque todos os prefeitos se sentirão ofendidos – não posso satirizar a Igreja – é contra o governo são algumas das frases que ainda hoje nos soam claramente. A Cinemateca Brasileira é depositária desse roteiro que, na primeira página impressa com a marca da Multifilmes, mais abaixo, logo após o título, A Carrocinha, contêm as inequívocas identificações: Argumento original de Walter George Durst Roteiro e direção de Marcos Margulies Produtor geral Mario Civelli. 18-12-52 e, em seguida, 09-01-53 É um trabalho detalhado, inteiramente diferente do que hoje ganha o apelido de roteiro. Além da numeração do plano, há o importante esclarecimento se acontecera em P.M., P.A., P.C., acompanhada da descrição minuciosa da movimentação interior do quadro e alguns desenhos do fotograma para maior esclarecimento. Material digno de quem estudara no Institut des Haut Études Cinematographique – IDHEC -e, logicamente, decorara o Tratado de Realização Cinematográfica de Leão Kulechov. Nós que fomos alunos de Marcos no Seminário de Cinema do Museu de Arte também bebemos nesse compêndio. O fato do seu argumento ter sido novamente cogitado deve ter alegrado Durst, que desejava ardentemente participar do cinema apesar da iconoclastia presente nas suas críticas no tablóide Radar classificando, maldosamente, Caiçara como Piquenique em Ilhabela. Jacques e Galileu começaram a adaptação que, a cada tanto, era submetida a Durst. Agostinho lembra que Walter lia o material com um lápis vermelho na mão vetando tudo que não lhe apetecesse. Enfim, após ter transitado por várias mãos e mentes, a narrativa do filme A Carrocinha começa nas agruras do prefeito Juca ( Modesto de Souza) da cidade de Sapiranga que é obrigado a dormir tendo na cama a cadela Bolinha entre ele e sua esposa, dominadora e amante de cachorros. Para esquivar-se das pendências domésticas ele articula um método arbitrário e comum aos que dominam o poder: elabora uma lei que proteja seus interesses dando uma aparência de legitimidade ao ser exercida por outro ou seja, decreta o confinamento de todos os cachorros da cidade para livrar-se da Bolinha. A apresentação do argumento e dos persona-gens principais se faz de maneira sintética numa inauguração burlesca evidenciando a soma do bombástico com o cafona, quando o prefeito inaugura, na pracinha da cidade, uma caricata carrocinha de cachorro conduzida por um funcionário, Jacinto, caipiramente fardado, interpretado por Mazzaropi. Como se fosse um navio, Dona Hortência (Luiza de Oliveira), esposa do prefeito, arremessa uma garrafa de pinga sobre o veículo que, errando o alvo, quase machuca o povo e as autoridades que estão no coreto. Apesar de estarmos nos instantes iniciais do argumento os roteiristas já lançaram vários elementos conflitantes que acompanharão o filme até o fim. A esposa é cinófila mas participa de uma cruzada anticanina enquanto do outro lado o laçador e pretenso matador de cães é também amigo dos animais. Logo na primeira incursão de Jacinto o cachorro laçado é protegido e alimentado em sua casa. Contrastando, Jacinto tem um concorrente Alinor (Gilberto Chagas) que deseja seu posto e praticará todas as malandragens possíveis para prejudicar o laçador oficial da prefeitura. Na segunda parte, o desenvolvimento começara quando o prefeito vê da sua janela, na Prefeitura, quando Jacinto laça e logo após relaxa o aprisionamente do animal do açougueiro. Juca manda chamá-lo e o conclama a dignificar a farda que veste. Nervoso, Jacinto sai e laça novamente o mesmo cachorro mandando o dono reclamar com o prefeito. Em seguida prende os cachorros das principais figuras da cidade, pároco, professora, barbeiro e até o líder da oposição na Câmara. Ao fim do dia, é vencido pela lábia de todos, que apelando para sentimentalismo, serviços prestados, acolhimento ao lar, fazem Jacinto, de bom grado, liberar todos. O diálogo reforça ainda mais a subversividade temática adjetivando com palavras de senti-do duplo animais ou pessoas. Repetidamente ouve-se, o cachorro do padre, nesta cidade tem muito cachorro. Finalmente, e com a conivência do próprio prefeito o cãozinho da esposa do prefeito é laçado e dado como desaparecido mas, pouco depois, é devolvido pelo amoral Alinor, para desespero do prefeito. Jacinto com suas atribuições passou a ser o Judas do local, odiado por todos. As crianças armam ciladas para ele não conseguir laçar os cães. Bolinha, no cio, é mandada para outra cidade ao encontro de um parceiro mais conveniente que os infectos cachorros de Sapiranga. Não percebendo as intenções do prefeito, a cidade revida ao aprisionamento culpando e insultando Jacinto que amolado, durante certo tempo, não laça nenhum. Novamente pressionado pessoalmente pelo prefeito laça o cachorro do barbeiro, mas, intimidado pelos reclamos do futuro eleitor, será o próprio prefeito quem o mandará soltar. Afinal, diz ele, todas as leis têm exceção. Em vista dos protestos veementes da população o acovardado prefeito passa a utilizar a carrocinha como elemento eleitoreiro, promovendo o passeio dos escolares. Numa das excursões da Semana da Ave, um pássaro engaiolado foge ou mais especificamente no dizer de Jacinto – o passarinho da professora fugiu. Ele propõe-se a procurá-lo no mato. É quando uma voz doce entoando uma canção a distancia o atrai. É Linda (Doris Monteiro) a filha do chacareiro Salvador (Adoniran Barbosa). Ele tem gaiolas com pássaros de todas as raças e presenteia Jacinto com um deles. Na realidade, Jacinto estica ao máximo a conversa porque deseja aproximar-se da amedrontada Linda. Por ver Jacinto de farda nova e engomada, Salvador o confunde com um militar e passará a chamá-lo de sargento. A carrocinha torna-se transporte de toda ordem: jogadores de futebol, porcos, arbustos, crianças. O padre não se furta em pedir a Jacinto que vá à cidade vizinha pegar uma estátua de Santo Antônio porque as casamenteiras locais pedem um protetor. Na volta, cai um grande aguaceiro e a caminhonete atola perto da chácara de Salvador. Jacinto vai pedir ajuda e finalmente tem um contato direto com Linda. Com o santo ao seu lado ele declara-se à jovem, em meio a termos técnicos proferidos por Salvador: tira o pé do breque, aumenta o acelerador, vai com tudo. Jacinto agora torna-se benquisto dos habitantes da cidade em razão dos seus préstimos carregando pessoas e coisas. A oposição ao prefeito, percebendo a mudança de atitude da população, o coopta transformando-o em chefe da torcida do Brioso Futebol Clube que tem como mascote um cachorro vestindo as cores do time. Na festa do clube há outra canção, desta vez cantada por Mazzaropi, habitual em todos os seus filmes porque ele se julgava bom cantor. Jacinto vai fazer o pedido de casamento, mas é recebido a tiros pelo futuro sogro. Feita as pazes e confirmado o noivado surge um grande problema, pois terá de arranjar mais de 1.500 cruzeiros para festa, móveis e roupas. Bolinha retorna ao lar trazida por Jacinto que aproveita para pedir aumento de salário. Juca o destrata. Se quiser aumento deve trabalhar. A proposta é sibilina: ganhará 20 cruzeiros por aprisionamento e afogamento consecutivo. Jacinto fica entre o amor aos animais e a necessidade do extra para casar. A revolta da população contra a caça aos cães exige a presença de um soldado armado na carrocinha. O problema é discutido na Câmara Municipal. O líder da oposição e presidente faz um discurso demagógico com todos os chavões usados na época pelos políticos. Juca revida e sai para a briga, mas é contido pelo grupo do deixa disso. Juca exige a ida de todos ao canil para verem pessoalmente o tratamento dado aos animais. Logicamente ele preparara ardilosamente o local e todos vêem e até provam a comida dada aos animais. Salvador não é tão adepto de animais quanto a filha. Suporta os primeiros, mas depois incomoda-se com a chegada diária e em quantidade exagerada que resolve investigar em Sapiranga. Simultaneamente o prefeito indica o local onde estão as crias resultantes do cruzamento da cadela de Hortência proclamando cinicamente que A lei é para todos. A população exaltada proclama a revolução e vai à Prefeitura exigir a extinção da lei do laço mas é recebida por soldados entrincheirados atrás de uma barricada de arame farpado. Conseguindo os 1.500 cruzeiros Jacinto deixa de laçar e prepara o casamento. Ao começar o clímax do filme, três acontecimentos serão desenvolvidos em montagem paralela: o casamento de Jacinto, a surra de 6 x 0 que o time de futebol da cidade está tomando dos visitantes Os Gigantes, e que os exaltados torcedores de Sapiranga lançam na conta do desaparecimento da mascote do Brioso, em poder de Jacinto. A torcida decide invadir a igreja, virar a carrocinha e seqüestrar Jacinto, tudo isso intermediado pela fuga dos cachorros do canil na chácara do Salvador. Quando a população exige novos propósitos do prefeito ele esgueira-se dizendo que a culpa do morticínio deve-se a Jacinto e que a situação já fugiu do seu controle. Todos voltam-se contra Jacinto que está casando. Ele é retirado à força da igreja e esbordoado. Defende-se dizendo que nunca matou os cachorros e pede o testemunho de Salvador. Nesse momento a matilha chega na porta da igreja e todos correm para pegar o seu animal. Juca inverte mais uma vez a situação dizendo que Jacinto terá uma recompensa, mas em seguida oferece o emprego ao desfeitado Alinor que quando vê a carrocinha tombada pelo povo foge de medo. Resolvida a questão e vendo que Jacinto portara-se bem todos passam a desejar-lhe boa sorte. Ele desce a escadaria com o paletó esfarrapado, abraçado à esposa, feliz e amado por toda a cidade. A montagem final de A Carrocinha resultou numa produção onde preponderavam 70% de exteriores. Indaguei a Jacques Deheinzelin e Galileu Garcia se acontecera por acaso ou de caso pensado. É sabido que durante muitos anos o cinema brasileiro, por falta de dinheiro e tecnologia, filmava apenas em exteriores, Há uma crítica de 1927 em que o responsável não aceita em absoluto que um pedido de casamento tenha sido feito na calçada. Há muitos filmes dos anos 30, 40, 50 e mesmo 60 que foram prejudicados pela não-filmagem de cenas internas. O motivo deve-se à mão-de-obra barata do povo brasileiro. Filmar em exterior, mesmo que durante três dias se espere parar a chuva, era sempre mais barato que construir cenografia e pagar refletores. Os estrangeiros, principalmente os americanos, invertiam o nosso processo, construindo ruas inteiras dentro do estúdio e iluminando-as artificialmente para não se escravizar a nuvens e chuvas e logicamente obter melhores gravações dos diálogos sem o trânsito. Inicialmente imaginamos que a barbearia fora escolhida exatamente porque sua grande porta permitiria a luz solar suficiente para diafragmar, ou os quintais e a área do portãozinho da entrada da casa do prefeito. Nisso se parece muito com os nossos filmes mudos quando os atores eram sempre colocados próximos a janelões. Foi com surpresa que o fotógrafo do filme, Jacques, que tantas informações técnicas nos forneceu, afirmou que se deslocaram para Santa Branca com caminhão de gerador e refletores. O filme muito ganhou com essa estilística de exteriores porque temos o povo participando, difícil hoje, onde predomina a claustrofobia dos quatro personagens na sala ou quarto. Esperava-se de um fanático seguidor da escola de René Clair como Martins Pereira optar-se pelo tom farsesco próximo a Lés Deux Timides ou Le Million, porém, o que temos é algo que esbarra em Mack Sennett. Agostinho advoga insistentemente o termo sátira para classificar sua obra. Essa escolha estilística praticamente o colocou em guerra com a crítica. Sente-se que os mandamentos jdanovistas, que Alex Viany, Salviano Cavalcanti de Paiva e a maioria da esquerda brasileira exigiam como verdade pontifícia muito tem a ver com a indisposição. De certa maneira estávamos novamente vivenciando uma repetição de Rio, Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos, que eles pretendiam o estilo neo-realista de Rio, Quarenta Graus num argumento que não permitia essa estilística. Pelas características gerais dos filmes de Agostinho M. Pereira percebe-se de imediato que ele preocupa-se mais em dirigir o filme do que o elenco. Se a maior liberdade que o intérprete gozará com esta liberdade oferecida pelo diretor favorecerá o artista para elaborar o personagem segundo conceitos próprios, o mesmo não acontecerá se o artista depender da mão do diretor. O veterano Modesto de Souza contando com um personagem bem delineado repete tudo que havia realizado com personagens próximos ou distantes de prefeito Juca, isso porque ele era ator de um só personagem. Basta lembrar o cientista louco de Falta Alguém no Manicômio, o político venal de Terra em Transe, além de outros caracteres de pai dedicado, tio corrupto ou avô policial. A todos ele interpretou de uma só forma, com as mesmas inflexões e os braços sempre abanando, fosse o diretor Glauber Rocha, José Carlos Burle, Nelson Pereira dos Santos, Watson Macedo, Adolfo Celi ou Marcel Camus. Quem o assiste pela primeira vez pode até agradar-se, mas, a partir da segunda, não aceita. Os demais foram escolhidos porque eram tipos e como podem ter sido dublados por outras pessoas não seria correto aclamar ou derrubar. A escolha do tom satírico deveria ter levado Agostinho para o ritmo ágil das outras comédias de Clair ou Sennett, mas ele preferenciou, excetuando os quinze minutos finais, um ritmo que ficaria mais aceitável num filme lírico. Carlos Manga narra que quando filmava com Oscarito deixava longas pausas para que gargalhadas não cobrissem a compreensibilidade dos diálogos que viriam em seguida. Teria Agostinho pensado semelhante esquema em relação a Mazzaropi? Galileu Garcia julgava que o aconselhável, dada a precariedade orçamentária e as dificuldades não pequenas que a produção deveria enfrentar, seria transferir a filmagem para o Vale do Paraíba pelas condições solares da região ao lado do estilo arquitetônico que o argumento pedia. Depois de O Cangaceiro, muitas equipes se aproximaram do Vale pelas franquias que recebiam das prefeituras e suas populações. Santa Branca foi a cidade escolhida. Ela era bem servida em transporte, podendo o negativo ser levado diariamente ao laboratório da Rex Filme, em São Paulo, pela empresa Pássaro Marron. Também os intérpretes do filme, a maioria morando na capital de São Paulo, poderiam ser transportados fácil e rapidamente de ônibus. Muitos moradores de Santa Branca e redondezas que tinham tipo adequado participaram do filme em pequenos pontas. Na seqüência inicial, inauguração da carrocinha de cachorros, boa parte da população ajudou. A esquerda não entendeu todo o veneno destilado no argumento de Durst que, bem ou mal adaptado, atingia o obscurantismo soviético e jdanovskiniano que atravessávamos e que Oswald de Andrade tanto apreciava desmoralizar. Raros notaram a malandragem das autoridades, o uso da máquina governamental e o dinheiro público em benefício próprio. Como já acontecera nos dois primeiros filmes de Mazzaropi na Vera Cruz, ambos escritos e dirigidos por Abílio Pereira de Almeida, os discursos do candidato a deputado, o funcionalismo sacripanta, fazendo palavras cruzadas enquanto o contribuinte espera em longas filas, o fato da razão estar com o primeiro que reclamar e falar alto, nem foi comentado. O cruzamento de duas críticas nos oferecerá outros elementos para entendermos os processos e idiossincrasias com as quais julgavam A Carrocinha,o ex-crítico do jornal O Estado de S. Paulo, Benedito J. Duarte, através da revista Anhemby e o futuro ministro Bresser Pereira, no jornal O Tempo. Benedito começa o longo arrazoado que a revista do irmão, Paulo Duarte, lhe permitia historian-do o erro da Comissão do Quarto Centenário ter oferecido um prêmio ao melhor roteiro de longa-metragem quando o mais adequado seria estilhaçar a mesma quantia em dez documentários sobre problemas dos paulistanos. Ele aprecia o trabalho premiado pela Comissão, apresentado sob o pseudônimo de Lao-Tse, mais tarde reconhecido como Walter George Durst. Cita na integra o parecer da Comissão: Trata-se, realmente, de um argumento inteligente e original, muito bem tratado por um roteiro de técnica movimentada e diálogos muito vivos, constituindo-se o conjunto numa sátira contundente e maliciosa dos costumes domésticos, burocráticos e políticos de uma pequena vila do interior, onde um simples veículo, destinado a recolher cães vadios da comunidade, provoca entre os habitantes uma verdadeira revolução, quase realmente uma guerra de Tróia, levada às proporções de uma cidadezinha da província paulista, a que não faltou sequer o famoso cavalo, na praça simbolizado pelo prosaísmo do veículo citado, uma carrocinha de cachorros vagabundos... Quase uma Guerra de Tróia não será talvez a peça perfeita. Ressente-se ela de algumas vacilações, que um tratamento definitivo poderá facilmente eliminar, o que, em futuro um diretor sensível e inteligente, há de fazer por certo. Tais restrições, entretanto, não invalidam, nem um pouco, a decisão tomada. Desejam, assim, os membros da Comissão encontre Lao-Tse um produtor, ou um realizador lúcido, capaz de apreender, até o cerne, toda a malícia e a sutileza de que está imbuído o seu trabalho. Luis Carlos Bresser Pereira começa seu artigo panoramizando o momento que atravessávamos: A Carrocinha, película paulistana realizada em plena crise econômica, merece total apoio do público. Quando o cinema nacional passa por sérias dificuldades e injustiças, as quais só poderão ser superadas com o apoio decisivo de todos os poderes governamentais, um filme como esse nos faz confiar no futuro. Trata-se de uma comédia simples, agradável e limpamente realizada, com parcos recursos, mas boa técnica. Certamente não atinge o máximo que se poderia desejar, mas situa-se entre as mais corretas realizações do cinema nacional, e cremos que, nesta semana, poucas películas valerão tanto a pena ver. E os nossos leitores habituais conhecem nossa posição acerca do cinema brasileiro: nem somos otimistas, nem elogiamos para “incentivar”. Benedito contradiz o exposto por Bresser, apesar de nenhum deles conhecer o que o outro estava escrevendo e manda seus dardos certeiros em quem até ali desancou todos e tudo, principalmente em matéria de cinema nacional: E diante dos resultados intelectuais, estéticos e cinematográficos, absolutamente negativos de A Carrocinha, ficamos a pensar na relatividade dos comportamentos humanos, sempre a se transformarem ao sabor das circunstâncias. Ao tempo que o sr. W.G. Durst escrevia nos jornais sobre cinema, tínhamos nele um Catão irreverente, incapaz de poupar pessoas e obras alheias. Bem nos lembramos das palavras ácidas que escreveu quando Caiçara estreou em São Paulo. Palavras desrespeitosas e cruéis para os realizadores e produtores da película, os quais, embora houvessem errado em muita coisa, eram os homens que estavam inaugurando uma nova idade no cinema brasileiro, merecedoras, por isso, do maior respeito e em cuja empresa veio o sr. W. G. Durst a trabalhar posteriormente. Agora, que, mais objetivamente, se passou para a produção de uma película, comete o sr. W.G.Durst os mesmos pecados, que tanto profligou no passado, assim agindo, principalmente, quando um argumento de boa origem se transformava cinematograficamente, comercializando-se com vistas às bilheterias. Assim se fez em relação a Quase uma Guerra de Tróia; uma história original ótima, escrita para o cinema, modificada, propositalmente, para a vulgaridade de Mazzaropi, um dos piores atores que já vimos, (horripilante, como diria o sr. W.G.Durst) e para os prodígios caninos de Duque (o tal cachorro ensinado que na Vera Cruz fruía de um ordenado mais alto que o percebido por Ruth de Souza). Bresser Pereira coloca os achados e perdidos num patamar diferente: Resta, porém, a comédia divertida que proporciona ao público duas horas alegres. Tanto o roteiro como a direção de Agostinho Martins Pereira, ex-assistente de direção da Vera Cruz, são perfeitamente aceitáveis. Não atingem alto padrão de expressividade, a forma cinematográfica não adquire todo o seu vigor, mas também não cometem erros definitivos. Tanto o diretor como o roteirista poderão dar ainda excelentes trabalhos. No elenco temos a figura dominante de Mazzaropi. Sua personalidade, muito forte, possivelmente prejudicou um pouco o filme, mas não há dúvida que diverte, e seu caipira Jacinto é aceitável. Adoniran Barbosa é o melhor do elenco. Doris Monteiro não convence em nenhum momento. Modesto de Souza, bom. Benedito conclui de forma pessimista: Com esses ingredientes se cozinhou A Carrocinha, um prato vulgar, trivial barato, típico, muito ao gosto aburguesado da grande massa popular, que acorreu às portas das salas escuras para assistir à fita, cuja renda, ao que parece, foi de três milhões de cruzeiros em sua primeira semana. Apenas num ponto os dois concordaram: Um ponto positivo apenas: a fotografia de Jacques Deheinzelin. Fluente, bem iluminada, foi o único setor da criação cinematográfica que não se deixou envolver pela mediocridade reinante, impedindo que A Carrocinha resvalasse definitivamente para a vala comum, em que muitas vezes se despenham em cheio, pensava Benedito, enquanto Bresser dizia: A fotografia de Jacques Deheinzelin é tecnicamente ótima, mas pouco funcional. O crítico do Diário da Noite – 10-09-55 –, sem assinatura, mas que pelo estilo e idéias deveria ser Flávio Tambellini, assinala os mesmos problemas e virtudes com outra ótica: Talvez se possa dizer desta comédia, em relação a outras produzidas no Brasil, que acrescenta ao gênero um melhor sentimento de articulação e desenvolvimento. A fita tem a sua estrutura e por isso sustenta-se, acontecendo com certo propósito. Infelizmente, porém, a sua construção fica apenas na procura didática da ação, ressentindo-se a todo instante de uma inventiva mais sedutora, seja no desencadeamento externo das situações, seja na observação dramática. Ou em outras palavras: o filme não sai da medida de uma inocentemente comercial e só nesse plano pode ser levada em conta. E outra coisa, parece-nos, não pretenderam os seus realizadores, a não ser esta: fazer uma fita de puro divertimento popular, destituída de ambição, leve e simples, com sua base de tratamento técnico atendendo a todo o quadro muito pouco estimulante a que está submetido o cinema nacional em seu próprio mercado interno. Na verdade chega a ser ato de coragem produzir filmes hoje no Brasil, tão pouco animadoras são as perspectivas financeiras e tão sérias e difíceis – penosas e mesmo cruéis – as dificuldades a vencer numa produção. Acrescente-se que Tambellini foi o primeiro crítico brasileiro a tomar consciência do grave problema econômico que atravessávamos e a tentar através da criação de Comissões, apelos e análises, criar medidas de amparo a um cinema que tinha consciência de que excepcionalmente a bilheteria talvez devolve o dinheiro empatado no filme, mas jamais o lucro suficiente para aventurar-se num próximo. Pena que tenhamos produzido apenas um Tambellini e um Cavalheiro Lima, discutindo com os pés no chão enquanto outros navegavam em teorizações repletas de terminologias usáveis em qualquer discussão de esquina, tão palatáveis que ainda hoje transitam obrigatoriamente no jargão dos professores de cinema, mestrandos e doutorandos. Ainda dentro dos confrontos de julgamento é interessante confrontar também a opinião de Armando Ribeiro Pinto, no Diário do Paraná do dia 18 de setembro de 1955. Trata-se de mais uma tentativa, bem intencionada, por certo, de nossos cineastas, heroicamente empenhados em contribuir para a desencantação da hístória do cinema nacional. A Carrocinha é uma realização primária, com características de amadorismo inscipiente, a começar pela seleção de intérpretes, todos, sem exceção, absolutamente inconvincentes e anticinematográficos, com uma recitação rudimentar impregnada de todos os vícios do mau teatro, onde avulta, permanentemente, a estereotipada gesticulação e movimentação de palco cênico. A mais grave debilidade da película reside justamente no plano técnico (onde o cinema brasileiro vinha demonstrando um domínio ponderável e que parecia um problema praticamente superado) destacando-se, pela precariedade, a post sincronização dialógica, mecanicamente simplista, sem nenhum discernimento de planos sonoros (particularidade que não se escapa nem às radiofonizações de novelas), além da indisfarçável discrepância entre as palavras e os movimentos labiais. No plano técnico expressivo, no que concerne à sintaxe cinematográfica, o filme se ressente de continuidade rítmica, de lógica narrativa, prejudicada, inclusive, por uma montagem cronológica confusa, cujo melhor exemplo é a passagem de tempo verificada abruptamente, em meio a uma excursão colegial inacabada, através de não menos abrupta e injustificável fusão encadeada, denotando incrível ausência de imaginação e de... pontuação. Opinião contrastante com a de Armando Ribeiro é a emitida por Walter Rocha, titular do Correio Paulistano, a 9 de setembro, na página 8. Após fazer intróito habitual das suas críticas dando em breves gotas o argumento da produção de estréia de Jaime Prades, ele muito se aproxima de Bresser Pereira: É em torno dessa história que Mazzaropi se movimenta com uma disposição tão natural, de tal forma integrado na personagem que, mais se diria ter sido o papel criado especialmente para ele. Graças à feliz inspiração do personagem criada com base numa trama convincente e apoiada num escrito sugestivo e bem elaborado, Mazzaropi encontra a oportunidade de se mostrar realmente engraçado e divertido. Não apenas as soluções são bem elaboradas e se sucedem numa narrativa harmônica e agradável, mas também os diálogos são vivos e espirituosos, ilustrando muito bem as ações e dando à comédia um valor especial. Em todos os seus elementos de criação, podese dizer que A Carrocinha mostra-se digna de elogios. Fotografia e som da melhor qualidade, assim como o aproveitamento inteligente da cenografia local para compor a fisionomia ideal para o cenário de tal história. A apresentação original já prepara o espírito do público para melhor apreciar a comédia, uma das melhores de Mazzaropi e uma das mais bem cuidadas já feitas em São Paulo. Bravos a Jaime Prades pela amostra do que nos poderá dar. Que continue assim, são os nossos votos. Para terminar, outra opinião, desta vez de L.F. que escrevia a coluna Tela em Foco para o jornal A Rua, de São Paulo: Sei, heróico leitor, que a gente sofisticada não vai gostar de A Carrocinha, e que os meus colegas vão logo usar de linguagem convencional para falar mal desta nossa produção. Porém, de minha parte, vou lhe dizer o segredo de Polichinelo: mesmo essa gente vai dar gostosas gargalhadas com o Mazzaropi naquelas gags mais ou menos excelentes. Em seguida, no mesmo tom, comenta o argumento de Durst (o mais severo de todos os críticos que jamais apareceram nestes pagos de Piratininga) a interpretação teatralizada, a direção que apresenta algo de bom e honesto e, finalmente: A Carrocinha vale as dez pratas que se deixam na bilheteria. Por que não? Pelo menos as sombras achatadas na tela falam linguagem de gente e aquilo é muito nosso. Por maior que seja a fila, heróico leitor, enfrente-a com denodo e vá desopilar o fígado com os rapazes da Fama Filme. Vale a pena, sim. Luiz Carlos Bresser Pereira foi o único que aceitou o filme com poucas restrições. Na segundafeira seguinte ele noticia que A Carrocinha em vista da bilheteria obtida dobrara a semana. Foi o único a alegrar-se com isso. De qualquer forma é útil informar que assim mesmo comparativamente com O Cangaceiro,o desempenho foi menor. Em 1953 O Cangaceiro vendeu 420 mil ingressos. A Carrocinha só obteria 350 mil dois anos depois. Na semana em que foi projetada teve que competir com filmes muito bem lançados e que haviam alcançado ótimas bilheteria americanas: O Cálice Sagrado, filmado em cinemascope, era um deles, ao lado de Conspiração do Silêncio, de fundo anti-macartista. Havia um Capitão Kid e a Escrava e Rifles para Bengala, para os amantes de aventuras e para todos os gostos, A Besta Negra, Bandoleiro por Vingança, Amor de Minha Vida, Amantes por uma Noite, portanto, altamente competitivo. Na votação do público que havia assistido ao filme, A Bolsa Popular do jornal A Folha da Manha A Carrocinha havia obtido 29,5 de ótimo, 36,8 de bom, 25,9 de regular e 7,9 de mau. Isso garantiu-lhe uma segunda semana encabeçada pelo cine Ópera e outros. Sinal dos tempos é a desconsideração total que o crítico da FOLHA, Noel Gertel, comunista histórico, defensor intimorato das coisas brasileiras, ignora por completo o filme, apesar de na mesma semana se ocupar de outros americanos. Ao fim da segunda semana as notícias estão totalmente voltadas para a exposição das obras da 3ª Bienal do Ibirapuera. A comparação de algumas rendas e datas de exibição talvez possa acrescentar algumas proposições: O Cangaceiro – 1953 – 420.000 ingressos A Carrocinha – 1955 – 350.000 O Gato de Madame – 1956 – 290.000 A seguir, um resumo visual do filme, em fotos de still. C Capítulo IX O Gato de Madame Lógico que as boas rendas de A Carrocinha gerassem a continuidade de parte da mesma equipe: Agostinho, Mazzaropi, Galileu. A Multifilmes foi substituída pela Brasil Filmes. Abílio Pereira de Almeida substituía tanto o produtor Jaime Prades quanto o argumentista Walter George Durst. Nesse momento Abílio é presidente da Brasil Filmes que nada mais é que a Vera Cruz, sem as dívidas, ofertando para os interessados em co- produções tanto o estúdio como equipamentos e parte de técnicos. Não são poucas as pessoas que transitavam pelo escritório da Brasil Filmes e que dizem que era plano de Abílio Pereira, usando o renome de Mazzaropi, instituir a locação dos filmes em lotes, método sistemático do cinema americano e que tanto abominávamos. O dono de cinema que pretendesse projetar uma produção como Mazzaropi seria obrigado a também locar outros filmes da produtora. Assim como em A Carrocinha também em O Gato de Madame mais de 50% da produção é realizada em exteriores com a participação do povo. É uma característica que o cinema brasileiro abandonará gradativamente até desaparecer por completo em filmes intimistas com três ou quatro persona-gens confinados num quarto e cozinha. O argumento de Abílio tinha a beligerância comum dos seus trabalhos cinematográficos e teatrais. Desprezo pela alta sociedade, ironia pela classe média e solidariedade para com a pobre. Possivelmente calcado na reportagem de Joel Silveira durante o período getulista evidenciando que os cavalos do Jóquei tomavam leite e comida balanceada enquanto o pobre ia pouco além de pão e banana, Abílio lança uma ponte entre essas duas classes brasileiras irreconciliáveis ainda hoje através da fuga de um gato da casa de madame, encontrado pelo engraxate Arlindo interpretado por Mazzaropi. O letreiro de apresentação é uma sátira aos filmes da Metro que apresentava o leão urrando circundado por um anel onde lia-se o dístico latino, Ars Gratia Artis, ser substituído por um gato miando com uma máxima macarrônica: Gaita Gratia Gatus. A primeira imagem nos transporta para um cortiço da Bela Vista, um dos bairros mais pobres que tínhamos em São Paulo antes da edificação das favelas. Na panorâmica que da rua nos leva para o grupelho de engraxates jogando bafa podemos ver um tanque coletivo ao fundo. Engraxates de várias idades jogam disputando figurinhas, entre eles o único de idade avançada, Arlindo (Mazzaropi). Sua esposa o chama várias vezes, a última com veemência. Ele retira-se e entra na sala, bastante humilde. Percebe-se que sua relação com a esposa é confrontatória, afinal ela é quem sustenta a casa lavando roupa para fora. As atenções de Arlindo dirigem-se para a filha de poucos anos. Ele promete comprar uma boneca de presente sob o olhar cáustico da esposa. Ela o chamou porque precisa dele para entregar roupas lavadas para uma cliente de bairro elegante. Sentimos a diferença brutal dos ambientes quando uma fusão sobre Arlindo nos remete da ruela do cortiço para a sua chegada na residência do dr. Pacheco, com portão gradeado, rua larga, pavimentada e arborizada. O comentário visual continua quando Arlindo atravessa uma alameda dentro da mansão. Ele entrega a roupa para uma empregada, discutem por causa do preço e despede-se mal-humorado. Na calçada há uma lixeira grande, de ferro. Ele fuça o interior do lixo e encontra um chapéu coco, luxuoso. Joga o seu no lixo e sai usando o outro. Novamente num ambiente contrastante teremos um quarto ricamente decorado, pertencente a madame, interpretada por Odete Lara lendo displicentemente na cama. Entra a empregadinha em lágrimas dizendo de Bentivi, o gato, foi roubado. Madame aflita pede uma reunião de toda a criadagem, incluindo advogado, mordomo. Em outro trecho de rua, ainda no bairro elegante, um detalhe de outra lixeira mostra um belíssimo gato dormindo em cima do jornal. Arlindo aproxima-se e retirando o caderno de empregos, faz cair o animal. O gato segue Arlindo que a contragosto tenta livrar-se do animal. A partir da próxima seqüência os dois roteiristas não souberam destrinchar um problema de espaço-tempo e por largo tempo o filme terá ações que não poderiam acontecer simultaneamente. A distância temporal entre o desaparecimento do gato e as ações de Arlindo deveria ter acontecido com a diferença de um ou dois dias. Lembramos que estes problemas de espaçotempo em 1953 eram considerados erros e não teriam nenhum teórico de plantão para explicar e louvar. A partir de 1965 o Cinema Novo e o da Boca do Lixo já contariam com críticos vanguardistas capazes de qualquer exegese. O contraste social novamente é evidenciado por Agostinho e Abílio quando a quantia de um milhão de cruzeiros é contestada pelo agente de madame que retruca que com 500 cruzeiros compraria outro gato. Ela desce o patamar para 100 mil cruzeiros. Em contraponto, Arlindo vai à feira para comprar a boneca da filha. É um diálogo delicioso para quem viveu nos anos 50 e conheceu a forma de comerciar nas ruas José Paulino, 25 de Março e Oriente. O preço da boneca no início estipulado em 100 cruzeiros, ao fim chega a 48,50. Sempre incorrendo no engano temporal, surgem dois bandidos perseguindo Arlindo porque viram no jornal a foto do gato. Arlindo entra num boteco para comer e dar um pouco de leito ao gato que o conquistou inteiramente. Os bandidos o acompanham a distância. No bar enquanto come e dá um pouco de leite ao gato, o garção destrata um engraxate por não ter toda a quantia para pagar a refeição. Arlindo recrimina o garção e paga a sua conta e a do garoto. Os bandidos vão à mesa e tentam comprar e, depois, roubar o gato. O garoto que há pouco foi socorrido por Arlindo volta e mostra a distância a Arlindo o jornal com a manchete de madame oferecendo 100 mil cruzeiros pelo resgate do gato. Os ban-didos se apossam do gato, Arlindo tenta fugir mas é seqüestrado em seguida. É levado para o reduto dos bandidos. Todos são mostrados como bandidos de opereta, burros e incompetentes apesar de se apresentarem como uma quadrilha nos moldes de Al Capone. O chefe do grupo (Carlos Cotrim) aparece mascarado. É uma seqüência longa e lenta para propiciar as sacadas de Mazzaropi como a imitação de gangster americano que ele diz ter aprendido no cinema. Arlindo foge pelo alçapão do teto e desce no meio de uma sessão espírita. À medida que o guia chama pelo espírito dizendo desça, vemos os pés de Arlindo aparecendo. Ele interfere na sessão porque o guia é falcatrueiro. É chocante ver-se Mazzaropi participar de uma caricatura torpe dessa religião porque sabemos que ele era espírita praticante. Ao conseguir passar a porta do Centro Espírita já é seguido pelos bandidos que também interferem na sessão. É evidente que a sessão espírita foi copiada da comédia dirigida por Alberto Cavalcanti e dialogada por Oswaldo Moles em Simão, o Caolho, de 1952. Museu do Ipiranga – Na tentativa de fuga, Arlindo mistura-se com um grupo de colegiais que visitam o museu, para fugir aos bandidos. No interior do prédio e usando objetos, quadros e a própria arquitetura, por vezes Agostinho chega ao surrealismo quando Arlindo faz funcionar um canhão do século XIX. Desde a fuga do Centro Espírita por várias vezes teremos montagem paralela com o engraxate que foi ajudado por Arlindo que tenta ajuda com guardas civis, outros engraxates e a família. O espaço-tempo tem novos problemas quando é mostrada a mesa da casa de Arlindo na noite de Natal. No museu, Arlindo continua fugindo até que exausto tomba na cama da marquesa de Santos. Pedro II se vivifica saindo da pintura e dialogando com Arlindo na discussão de temas modernos. Ao passar pelo óleo do Marechal Deodoro, D. Pedro II, interpretado pelo agente de publicidade de madame já visto (Lima Neto) diz com desprezo: esse é o homem a quem vocês devem a República. Continuam parafrasenado sobre presidentes que querem ser monarcas de sangue azul. Ao passarem pelos quadros de Pedro I interpretado pelo bandido mascarado (Carlos Cotrim) e a marquesa de Santos, interpretada pela madame dançando minueto ele não se contém: esse meu pai não se emenda. Arlindo dança um samba com a rebolativa marquesa. Por fim Arlindo acorda, foi um sonho. Foge novamente. No dia seguinte vai à casa da madame que tem fila quilométrica na calçada porque todos trazem, cachorros, bodes, papagaios, passarinhos no lugar do gato. Quando ele mostra o verdadeiro gato o fazem entrar. Está acontecendo um desfile de maiôs chefiado por madame. As modelos são tratadas caricaturalmente pela dupla Abílio-Agostinho. Feias e gordas são medi-las da forma desumana por Arlindo. Recebe os 100 mil em cheque (visado) mas ele quer em dinheiro provando o perigo de cheque sem fundo da época. Ao mesmo tempo começa a ser depenado pelos funcionários governamentais que cobram antecipadamente o imposto de renda, seguro, corretagem. Avisam que roubaram as jóias de madame. Cotrim enfia o furto no bolso de Arlindo, que é preso. Na cela da prisão Arlindo briga com um presidiário. Paralelamente a polícia, guiada pelos garotos, chega ao covil dos bandidos. Eles se escondem no teto e novamente, pelo alçapão, tentam fugir mas, desta vez, a polícia disfarçada de mediúnicos encarcera todos. Novamente na cela da delegacia. Chegam os bandidos e Arlindo é solto. O delegado agradece e entrega a Arlindo o que restou do dinheiro. Ele divide com os garotos. Na rua, filha e esposa o esperam. Narrada da forma como a estamos fazendo, O Gato de Madame pode parecer uma produção simples que, se bem preparada, poderia ser realizada em 35 dias, na época. Não era o que pensava Galileu Garcia, estreando como produtor executivo. O argumento seria complexo ainda se fosse realizado nos tempos de vacas gordas da Vera Cruz, jamais numa produção independente, com parcos recursos. Para Galileu Garcia, o grande numero de seqüências que transcorriam dentro do museu e sua complexidade para os meios técnicos disponíveis só poderiam ser materializadas se filmadas no Museu do Ipiranga, porém, a cessão poderia chocar-se com os ditames estreitos da burocracia governamental, apesar de já contar com um precedente na filmagem de O Destino em Apuros, da Multifilmes, em 1953. Galileu procurou o diretor do museu naquele momento, Sergio Buarque de Holanda, com o roteiro e fez o pedido de locação, gratuita, por quinze dias. Lendo ou não o roteiro, ele assinou a concessão. Galileu havia exposto claramente a Agostinho, ao fotógrafo Chick Fowle, ao chefe eletricista e maquinista a situação. Caso não se filmassem nos quinze dias concedidos, O Gato de Madame findaria ali mesmo. Portanto, todos eles passaram longas horas no museu escolhendo os ângulos, a possibilidades de luzes, a disponibilidade dos atores. Na segunda-feira marcada para o primeiro dia os caminhões com geradores, parque de luz e toda a parafernália de uma produção já estava a postos às nove horas. Galileu esconde-se atrás de uma coluna à espreita de Sergio Buarque. Ele desce do carro oficial lendo o jornal, sobe as escadarias tudo ignorando. Ao chegar no saguão estanca ao ouvir o lufa-lufa da equipe. Sobressaltado, abaixa o jornal, olha em redor, deparando com uma paisagem que jamais imaginaria ser a do museu, fez meia volta, desceu as escadas para não mais voltar nas próximas duas semanas. Espanto semelhante nos descreveu Jacques Deheinzelin quando a equipe de filmagem estacionou vários caminhões de filmagem em frente à barbearia de Santa Branca, com ordem já concedida pelo barbeiro. Seu pavor não tinha limites. De imediato expulsou os atônitos técnicos que não entendiam o porquê daquela atitude. Foram longos minutos de parlamentarismo para convencer o barbeiro que todas aquelas luzes não implicariam incêndio. A concessão do museu ainda rendeu para Sergio Buarque reprimenda de um vereador revoltado com o emprego de coisas santas numa sacanagem de Mazzaropi. Agostinho dirigiu o filme no mesmo tom de sátira que havia encaminhado A Carrocinha. Ban-didos e policiais, societe e pobres são moldados como charges de suas respectivas categorias. O estilo é novamente mais Mack Sennett do que seu ídolo René Clair. Chick Fowle, que substituiu Jacques Deheinzelin, tem novamente uma fotografia em desacordo com o tema que exigia algo mais radioso e alegre. Apesar dos longos anos passados no Brasil, Chick continuou um fotógrafo inglês. A exemplo de A Carrocinha, também em O Gato de Madame a direção novamente prefere imprimir um ritmo cadenciado, quase lento, oposto aos esperados balés de René Clair. O filme é lançado no cine Marrocos como cabeça e mais 2 cinemas, no dia 1º de outubro de 1956. Rubem Biáfora nas suas Indicações da Semana, tudo levando a crer que ele já havia assistido em projeção privada ao filme, tem uma posição de respeito para com a obra. Após fazer o histórico da produção e seus componentes, sintetiza o argumento para depois exarar alguns conceitos críticos: a história tem seqüências vivas e inteligentes e outras de puro divertimento. Uma credencial do filme é a fluência da narração, principalmente na sua primeira parte, demonstrando marcantes progressos do diretor Agostinho Martins Pereira à sua fita anterior. O semanário Cine Repórter, representante dos exibidores, recebe o filme de maneira agradável: O Gato de Madame é uma dessas agradáveis surpresas que muito raramente nos são oferecidas pelo cinema nacional. Desde sua apresentação, quando o gato faz as vezes do leão da Metro, até a cena final quando, em vez de Fim aparece The End, o filme é todo ele bem-feito, com um acentuado cuidado de realização. O argumento de Abílio Pereira de Almeida, escritor de sucesso do nosso teatro, apresenta uma história bem nossa, onde Mazzaropi, que até hoje ainda não tivera sua oportunidade no cinema, da demonstração do quanto pode fazer. Ainda no elenco, Odete Lara e Lima Neto, duas perfeitas vocações cinematográficas. O Gato de Madame é assim, um filme agradável e que certamente agradará também ao grande público, onde Mazzaropi goza de imenso prestígio. Novamente é ignorado por Noel Gertel. Desta vez a voz discordante vem de Walter Rocha que tanto apreciara A Carrocinha: As duas mais recentes comédias dos estúdios paulistas, A Pensão de Dona Estela e O Gato de Madame, constituem autentica decepção. A primeira que parece ser o canto de cisne da Maristela, já saiu do cartaz do cine Ipiranga e certamente não deixará saudades, tantas as falhas que apresentava, em qualquer dos seus elementos. A segunda, de quem se esperava merecer mais uma semana de exibições, prova que nem mesmo o público se satisfaz com chanchadas de mau gosto. Ainda em que a história, em sua concepção original, se mostre portadora de qualidades, o tratamento que recebeu, tudo faz para prejudicar a realização. É um roteiro cheio de falhas, omitindo situações, trocando cenários e resumindo arbitrariamente a narrativa que compromete a fita. Por sua vez, a direção também é insegura, não dando o devido apoio aos intérpretes secundários e preocupando-se apenas com Mazzaropi. Deixa a ação desenvolver-se sem muita vida, e, se não fosse a comicidade própria de Mazzaropi a fita resultaria muito sem graça, o que seria imperdoável para uma comédia. Temos algumas seqüências boas, como as inicias, situando o herói na sua aventura, no seu ambiente natural, assim como a adoção de Mazzaropi pelo gato, mas a grande maioria está mal realizada, principalmente o aparecimento dos gangsters na rua 13 de Maio, o encontro do cômico com o chefe da quadrilha, aliás muito mal representado por Carlos Cotrim, talvez num dos seus mais fracos desempenhos na tela, e quase tudo mais. O sonho do herói no Museu do Ipiranga, com veneráveis figuras da nossa história, é um pouco chocante pelo mau gosto que inspira o autor. O Gato de Madame, em suma, é uma comédia que se salvou graças à comicidade natural de Mazzaropi. Embora revele certo empenho de produção não resultou num espetáculo que os nomes dos seus realizadores faziam prever. É um fraco cartaz. Na semana de exibição ele teve que competir com Vidas Amargas, de Elia Kazan, Rififi, Sangue Aventureiro, Idílio Proibido, Fuga para a Morte, Amores de Frou-Frou, O Homem que Nunca Existiu, Dela Guardei um Beijo. Competia ainda com outros dois paulistas, A Pensão de Dona Estela e a reprise de Tico-Tico no Fubá. Interessante é a comparação que o público fazia entre as duas películas paulistas: O Gato de Madame Ótimo: 39,4 Bom: 36,9 Regular: 16,9 Mau: 6,8 A Pensão de Dona Estela Ótimo: 26 Bom: 42 Regular: 20 Mau: 5,9 As rendas da primeira semana ficaram ainda mais abaixo das proporcionadas pelo A Carrocinha, cumprindo segunda semana no cine Broadway, ainda na avenida São João, porém, inteiramente decadente. Os 350.000 ingressos vendidos pela A Carrocinha foram reduzidos a 290.000 em O Gato de Madame. No Rio a estréia aconteceu a 25 de abril de 1957. Capítulo X Pausa para o Comercial A veloz aceleração do parque industrial paulista, que no campo artístico já se refletia num teatro ambicioso, voltou-se também para a órbita cinematográfica e que, nos moldes do americano e europeu, iria encontrar na televisão seu último corolário. Não sendo governamental – como na época era comum na Europa – a concretização da televisão brasileira apoiou-se no modelo americano, amparada pelo capital particular. Com a experiência adquirida em jornais, rádios e revistas, o grupo dos Diários Associados escolheu acertadamente São Paulo para lançar a televisão na America do Sul, baseada em pesquisa de mercado. Seu nascimento em 1950 é, portanto, paralelo às tentativas de industrialização cinematográfica da Vera Cruz, Maristela e Multifilme. Apesar de já sabermos aqui os efeitos catastróficos que a TV estava produzindo na América e na Europa, baixando o número de espectadores cinematográficos, o fenômeno pouca atenção causou na década de 50, sendo notado apenas nos inícios da seguinte, quando as casas cinematográficas começaram fechar. A instituição do Prêmio Governador do Estado e Saci foi trombeteada à saciedade. Pouco depois do pioneirismo da TV Tupi aparecia a TV Record e, em seguida, a TV Paulista, enquanto desativavam-se a Maristela, Multifilmes e a Vera Cruz, transfigurada em Brasil Filmes, vivia sob a custódia do Banco do Estado. De imediato, a TV precisou do cinema em vários aspectos da sua programação: noticiosos, documentários, longas-metragens e comerciais, vulgarmente chamados de jingles, porque o primeiro deles na América do Norte fora realizado para as festas natalinas tendo como fundo musical a canção Jingles Bells. Este último item, o comercial, deslocaria para as TVs os primeiros técnicos de cinema das três grandes produtoras de longas-metragens, pois no primeiro momento a TV foi suprida no campo da iluminação e direção pelo pessoal dos jornais cinematográficos e vários jovens saídos do teatro e cinema amador. Nos demais itens ela, desde a inauguração, se apoiou ostensivamente no cinema estrangeiro. Historicamente os primeiros comerciais foram realizados pelos próprios integrantes dos quadros da TV, todos de baixíssima qualidade artesanal e artística, ofertados a preço mínimo, já que o interesse maior dos canais estava na sua exibição comercial. Gradativamente passou-se a exigir maior desvelo na qualidade da produção, tentando as agências de propaganda aproximar-se de realizadores profissionais do cinema, oferecendo melhor remuneração. Vários técnicos entraram neste setor como um paliativo que ainda os manteria relativamente dentro da indústria. Entre os produtores da primeira hora é justo lembrar a pessoa de Nicolau Fuwitsk, além da produtora Musa Filmes, que se debatia na tentativa de produzir o longa-metragem Entre o Chão e as Estrelas. Os percalços desta produtora equiparam-se aos que os técnicos cinematográficos atravessaram no mesmo momento. Ela fora fundada em 1951, no auge da euforia cinematográfica em São Paulo, com capital proveniente da venda de ações. A dificuldade para integralização do capital e as mudanças econômicas que o cinema brasileiro atravessaria adiaram a produção inaugural. A televisão, contrariamente, oferecia um novo campo com a propaganda do comercial que foi encampado, de imediato, pela Musa Filmes. Dela saíram os primeiros produtos de boa qualidade para a televisão e não podia ser de outra forma, pois lá reuniram-se, entre outros, Tito Batini, Johnny Waterhouse, Jacques Deheinzelin, Juan Carlos Landini e Walter Clark, técnico inglês homônimo ao do brasileiro que anos depois modificaria o destino da TV Globo. Mas também era a única nesses moldes, imperando no geral um corporativismo onde alguém que era ligado ao encarregado da conta da agência, procurava alguém que filmasse, que por sua vez iria à cata de alguém que alugasse uma Arriflex e 50 metros de negativo, enquanto sua prima figuraria como garota-propaganda segurando um sabonete no banheiro da casa do vizinho. As exigências sempre maiores das agências, secundadas pelas verbas atraentes, em pouco tempo eliminaram esta espécie de produção. Jacques e Johnny, desesperançados com a crise do longa-metragem, fundam a J. Filmes que, de um início modesto, cresceu gradativa, mas seguramente, acompanhando pari passu o próprio desenvolvimento da TV. Quando a produtora muda-se para um prédio próprio, abrigando cenografias, com departamentos bem instalados de montagem, produção, projeção, iluminação e até oficina de reparação, quase todos vaticinaram um fim breve. Tratava-se de outra quimera tipo Vera Cruz em grau mirim. Para contrariar os vaticínios César Memolo, outro desencantado, após os resultados do seu primeiro longa, Osso, Amor e Papagaio, encabeçava a Lince Filmes, que pouco depois alugaria os estúdios da Divulgação Cinematográfica Bandeirantes. Nicolau Fuwitsk acompanha o ritmo na NTM. Trabalho contínuo, ótimos salários e possibilidades de nos intervalos continuar no longametragem foram deslocando aos poucos todo o contingente técnico. A situação esdrúxula da economia cinematográfica invertia o processo histórico. Ao invés de receber contingentes formados nos comerciais o longa-metragem é que os fornecia. Em menos de dois anos a televisão apresenta no comercial um alto padrão técnico com o qual ela não podia competir, nem longinquamente, nos seus programas ao vivo. Contam-se nos dedos os diretores e produtores que não tenham trabalhado nos comerciais, de Roberto Santos a Carlos Richenbach, de Luis Sergio Person a Alfredo Palácios Nos outros setores desconhecemos exceções. Todos os iluminadores, de Chick Fowle e Rodolfo Icsay a Toni Rabatoni e Ruy Santos, lá trabalharam, quando não continuamente, pelo menos em escapulidas esporádicas. Montadores com João Alencar e Lucio Braun, por muitos anos, só a isso se dedicaram enquanto Silvio Reinoldi, Lorenzo Serrano, Luis Elias, Maria Guadalupe, Glauco Mirko Laurelli, Eduardo Llorenti, Mauro Alice e nós transitamos com maior ou menor freqüência. Não fosse o comercial e todo o aparato armado pelos laboratórios entre os anos de 1950 e 1955 acarretaria perda semelhante à da Vera Cruz. Por longo tempo o comercial movimentou 75% da economia do parque paulista cinematográfico, passando em pouco tempo de marginal intruso a senhor respeitado, enquanto o longa era encarado pelos laboratórios de processamento como bico. Pela importância que tomou com o tempo, o comercial está precisando de um historiador para não dizer de um sociólogo. Quem quiser conhecer as aspirações, os modismos do brasileiro de 1955 para cá, basta projetar estes produtos. Eles tornaram-se os espelhos fiéis de mais de 50 anos de história. Qualquer estatística, por mais sintética que seja, demonstra fartamente a crise que se instalara no cinema paulista, pois apesar do incentivo à indústria cinematográfica oferecida pelo Banco do Estado proporcionando aumentos anuais de produções, as bilheterias vendiam cada vez menos ingressos enquanto os orçamentos, comprimidos pela inflação crescente, disparavam. Produzir o longa deixou de ser atrativo. O próprio padrão diversificou-se. Se mesmo durante o período áureo da Atlântida já era uma produção onde economizava-se cada vez mais temendo a bilheteria, o que pensar quando o próprio Oscarito tornou-se uma incógnita? Para levantar capital para sua última chanchada, Rio, Verão e Amor, Watson Macedo amargou dois longos anos à cata de investidores enquanto via estiolarse o gênero em produções cada vez mais periclitantes nos estúdios de Herbert Richers. Nesse período Agostinho aliou-se ao antigo colega, Fernando de Barros, de quem fora assistente de direção em Apassionata, que ambicionava co-produções com Portugal e Espanha. Nada acontecendo de conclusivo Agostinho vê-se na contingência de ingressar no comercial para a televisão ou deixar o cinema de todo, usual em outros colegas do longa-metragem naquele momento. Agostinho preparou-se para as novas lides. O período Vera Cruz, seguido de dois longas posteriores, dera-lhe ensejo de vislumbrar quais as posições que o diretor de cinema tinha ao produzir uma obra para um público heterogêneo, formado por ricos e pobres, doutores e analfabetos, habitando locais com características próprias. O comercial obriga-se a vender um produto usando de metodologias diferentes. Para isso ele freqüentou e formou-se na pioneira das escolas de propaganda, que funcionava no prédio dos Diários Associados, junto a quase todas as agências de respeito naquela quadra. Ele gosta de narrar que nessa escola um dos professores era Marcos Margulies, já citado no capítulo de A Carrocinha. Agostinho, avesso a exteriorizações, costumava sentar-se no fundo da sala, sozinho. Certa noite Marcos diz para os alunos: O Agostinho que é produtor sabe disso. A partir desse momento todos tentavam aproximar-se dele, evidenciando o quanto o cinema era mágico. A primeira parceria de Agostinho foi com Cesar Memolo Jr. proveniente do cineclubismo, da crítica e estudante no Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma. No mesmo ano que Agostinho ultima O Gato de Madame, Memolo, em parceria com Carlos Alberto de Souza Barros, dirige Osso, Amor e Papagaios. Bem recepcionado pela crítica tem recusa frontal na bilheteria. Desgostoso mas ainda querendo permanecer nas lides cinematográficas Memolo encaminha-se também para o comercial de televisão. Estabelecida primeiro no entorno das avenidas São João e Ipiranga, mais tarde, e já contando com Agostinho, encampou uma pequena produtora, Cinematográfica Bandeirantes, pertencente à família do ex-governador Adhemar de Barros. Em 1960 Agostinho deixa a Linx Filme e sozinho aventura-se em produtora pessoal, cuidando de praticamente tudo, da procura de jingles em agências à execução final. Para abrir a AMP, Agostinho emprestou dinheiro de Mazzaropi e nela praticamente repetiu um modelo em miniatura da Vera Cruz. O espaço escolhido localizava-se na rua Santo Amaro, nº 230, um antigo banco que fechara. Além do pequeno set de filmagem, havia uma dependência para abrigar o cenógrafo Geraldo Ambrosio, ladeado por serra circular, lixadeiras, pinturas e móveis. A sala de montagem em que trabalhávamos tinha uma moviola de quatro pratos, de nossa propriedade. Havíamos estabelecido uma parceria em que em troca de lá podermos editar longas e curtas-metragens, executaríamos graciosamente todos os comerciais da AMP. Havia ainda sala de maquiagem, projeção, stock shot, escritório administrativo e sala para abrigar os negativos montados de todas as produções da AMP. O local era amplo a ponto de acomodar outra produtora, especializada em documentários industriais, a Indiana Cinematográfica dos sócios Werner Starling e Pedro Siaretta que Agostinho havia conhecido na Cinematográfica Bandeirantes e que também se lançavam em vôo solo. Os sérios problemas econômicos que o longa metragem brasileiro encarava no momento refletiam-se na AMP. As produtoras que já haviam se consolidado como J. Filmes, Nicolau Fuwitsk, Lince, puderam atravessar as agruras do insólito momento nacional das presidências de Janio Quadros e Jango Goulart mas não Agostinho que chegara depois e obrigara-se a portarse como os outros. Aluguel alto, equipe fixa e bem paga, refilmagens imprevistas, nem sempre recebendo das agências o levaram dois anos depois a desfazer-se da produtora, vendendo-a a um grupo carioca que liderava a Cine Castro. A pedido dos novos donos continuou dirigindo alguns trabalhos como free lance. É ainda na Cine Castro que dirige um piloto para um seriado de televisão, Cláudia, que não vingou. Tempos depois voltou a possuir outra produtora, a Studiun – Cinema e Áudio Visual Ltda., inicialmente associado a Carlos Paplauscas, posteriormente sozinho, domiciliada na rua Afonso Brás, nº 872. Segundo consta do contrato social a empresa ampliava horizontes ocupando-se de serviços de planejamento, criação e produção de filmes de propaganda, documentários e ficção, de curta, média e longa-metragem, áudio visual, trilhas sonoras, jingles, assim como qualquer outro serviço relativo ao gênero. Será em meio à curtas-metragens e comerciais que ele volta-se novamente para os seriados de televisão. A Outra Face do Sol, seria um road movie quando o gênero ainda não havia tomado a repercussão avassaladora que tem hoje. Alguns personagens fixos se movimentariam em pontos turísticos ou de interesse comercial por todo o país. Capítulo XI Campineiro – O Garotão para Madames Gaudêncio, apelidado de Tigrão (César Mace-do), e seu primo Orestes (Deni Cavalcanti) são dois refinados indolentes que só não podem ser classificados como malandros porque falta-lhes coragem para o ato proibido. Logo na primeira seqüência são expulsos da casa de sua tia, em Campinas, porque nada fazem e muito atrapalham. De mochila nas costas, a pé, chegam até próximo à estrada pedindo carona e insultando os que não param. Pouco depois deparam com uma senhora que tenta, a marteladas, consertar seu carro que não funciona. Eles se oferecem para ajudar e, apesar de nada entenderem de mecânica automobilística, o colocam em movimento. Agradecida, a senhora dá-lhes uma carona. Em São Paulo presenciam outra senhora distinta deixar cair a bolsa. Tigrão imediatamente encontra um jeito de escondê-la, mas como já foram vistos por um guarda, devolvem a bolsa à agradecida senhora, Diva (Zélia Martins), que pede ajuda por não saber dirigir. Orestes que é motorista presta-se e são contratados ainda em viagem. Diva mora numa mansão riquíssima. São apresentados ao marido dela, o industrial Dr. Paulo (José Toledo), que se encanta com a coincidência de Orestes ser campineiro e Tigrão, de Pelotas, pois segundo seus conceitos segregacionistas eles seriam inofensivos para as mulheres da casa. O mordomo e homo Cornelius (Kleber Afonso), de olhos arregalados pelos dois garotões, os introduz na mansão. A cozinheira Rosa (Maria de Fátima) é quem os levará ao quarto, sob a mira de Tigrão. Ao passarem pela piscina, Orestes não tira os olhos das garotas que estão nadando com seus namorados. Orestes é convocado para levar uma pessoa ao aeroporto de Congonhas. As duas garotas da piscina, filhas do dr. Paulo, discutem com seus namorados, cobiçadas a distância por Orestes e Tigrão. À noite, Tigrão leva Rosa para o quarto, enquanto os casais jovens se retiram. Logo após o jantar o dr. Paulo, cansado, pede licença e vai para o quarto. Diva, a esposa, e Ronaldo (Dario Pacheco), o gerente das empresas de Paulo, aproveitam para se beijarem. A filha de Paulo, Lúcia (Célia Artacho), vai à piscina e nua começa a nadar sob a mira, ao longe, de Orestes e do porteiro Chico. Percebendo o interesse de Orestes ela o atrai e o atira na piscina, beijando-o. Uma montagem paralela mostra Orestes e Lúcia se amando na piscina, Tigrão e Rosa no quarto e, em outro local, Ronaldo e Diva. No dia seguinte o dr. Paulo insiste com Ronaldo para que seja mais agressivo nas vendas. Percebese que Gilda, a secretária da firma (Yara Stein), é amante do dr. Paulo. Chico, Orestes e Tigrão cobiçam a outra filha de Paulo, Marly (Teka Andrade), nua no quarto. Percebendo o interesse ela telefona chamando Orestes para consertar a ducha. Em meio ao trabalho ele molha-se inteiro e ela o ataca. Orestes vende um trunfo para o porteiro Chico; a calcinha de Lúcia. Na mansão, Paulo e Ronaldo se despedem partindo para os Estados Unidos. No percurso para Congonhas, Paulo se lembra que não trouxe o desenho de uma planta. Avisa Orestes que ao voltar peça à secretária, Gilda, que envie o desenho faltante para Nova York. No escritório Orestes transmite o recado do dr. Paulo, mas ela finge não encontrar o material, prolongando o encontro até, por fim, se abraçarem. Lúcia e a irmã brincam com seus namorados na piscina. A contragosto, porque está traindo o primo, Orestes transa com Rosa, no carro, surpreendidos por Diva. Mais tarde ela sai de carro e irão para um motel. O dr. Paulo e Ronaldo chegam ao Brasil muitos dias depois do esperado. Simultaneamente veremos as duas filhas com enjôo, a secretária, Rosa e Diva vomitando. Paulo imagina que os culpados são os namorados das filhas mas logo depois percebe que só pode ser Orestes. Os primos são perseguidos por Paulo e os dois namorados em motos, mas Chico previdentemente abre os portões para os primos e joga a chave fora impedindo a saída dos outros. Os campineiros fogem resolvendo voltar para Campinas onde tudo é mais fácil. Este seria em linhas gerais um argumento que Deni Cavalcanti havia escrito satirizando os preconceitos que o brasileiro, em geral, lança sobre os nascidos em Campinas e Pelotas. Morando em Campinas por algum tempo também conheceu o que significa ser torcedor do Guarany ou Ponte Preta, naquela cidade, material que abunda no quarto dos jovens. Outra informação para os futuros exegetas do cinema nacional vai para o nome escolhido para o personagem principal. Cairá em descrédito quem abusando da semiótica associar o nome do personagem Orestes com a tragédia ou literatura helênica. Deni estava visando implicitamente ao ex-prefeito de Campinas, Quércia. Invertendo a polaridade, de homossexualidade para machismo desgarrado, Deni, inconscientemente, foi repetir clássicos que ele dignamente assume ignorá-los por completo na época. A idéia central de Deni em O Campineiro, Garotão para Madames era evidenciar a traição num formato universal onde todos traem com todos. As circunstâncias encaminham a infidelidade para variados graus, incluindo o adultério, praticado entre amigos e familiares de maneira tão casual a ponto de extrapolar e não mais poder ser julgada como exceção, algo parecido com o Cosi Fan Tutti, de Mozart e da Ponte. Antes deles Shakespeare a empregou repetidamente em várias comédias, Os Dois Cavaleiros de Verona, Como Quereis, A Comédia dos Erros, Trabalho de Amor Perdido, atingindo o formato mítico em Sonho de uma Noite de Verão. Marivaux, no início do século XVIII, a utilizou tão repetidamente, para não dizer, como método único, a ponto do conjunto da sua obra ganhar o adjetivo de marivaudagem. Anos depois veremos românticos novamente a empregarem, lógico que com os condimentos da época. Também não cremos que Deni tenha assistido A Regra do Jogo, de Jean Renoir, onde as idéias tornam-se muito afins porque transcorrem praticamente dentro de um só local. Renoir ambientou tudo num castelo. Em O Campineiro, uma mansão. Nas duas, o referencial são os ambientes semi claustrofóbicos onde empregados e patrões convivem e se confundem, praticam arbitrariedades e traições sejam elas aristocráticas ou proletárias. Ainda sob a mesma chancela não apenas o argumentista mas os roteiristas e o diretor colocaram o problema do homossexual no centro das disputas. Tanto o mordomo como os supostos garotões de madames desejam, participam, ameaçam, desagravam, porém, acompanhado de termos depreciativos como viado, bicha, campineiro, pelotense, apesar do tom bonachão que imprimiram ao filme, eles são vistos como marginais dignos do riso, poucas vezes com dignidade. Felizmente, parece que de 1980 para hoje evoluímos um pouco. O Campineiro transmite tudo isso sob a ótica do que timidamente nos anos 60 e 70 foi conquistado de filme a filme. O roteiro de Deni Cavalcante podia ser provocante, mas restava a distância considerável dos avanços sexuais encontrados em Noite Vazia, O Palácio dos Anjos, As Deusas, O Prisioneiro do Sexo ou qualquer obra de Walter Khouri já projetada até 1981. Era quem mais aprofundava a problemática sexual, imanente em toda a sua obra. O projeto de Cavalcanti andava pela Boca do Lixo lido por produtores, investidores, inimigos e amigos. Entre os últimos, os responsáveis pela Mori Filmes, Moacir de Aguiar Vallim e o falecido montador Sylvio Renoldi. Encantados com as possibilidades de bilheteria que o material propiciava eles procuraram Agostinho que andava à cata de um argumento adequado para o seu retorno ao longa-metragem. Também ele sensibilizou-se pelo material decidindo os três formalizarem uma união de esforços. A Mori Filmes se encarregaria de gerenciá-la com trabalho e parte do orçamento. Moacir se ocuparia de toda a produção executiva, Renoldi da montagem ficando também responsáveis pelo pagamento dos trabalhos executados pelo laboratório de revelação e copiagem. A Studium Cinema, representada por Agostinho e o diretor de fotografia Werner Stahelim se responsabilizariam pela direção, fotografia, equipamentos e mais o pagamento de intérpretes e técnicos. O interessado do terceiro grupo era Deni, que não participaria com dinheiro mas associando-se com o argumento, futuro trabalho no roteiro e interpretação. Receberia porcentagem da bilheteria. Não havendo mais nenhum documento das filmagens estamos nos apoiando nos depoimentos que obtivemos de técnicos e intérpretes. Toda a produção foi concentrada numa mansão inteiramente mobiliada, alugada na Granja Julieta onde filmaram exteriores e interiores por 60 dias. Moacir nos contou que a mansão fora descoberta nos classificados da Folha. Deni Cavalcanti, nascido em São Paulo mas criado no interior do Paraná, narra do quanto aprendeu nessa produção. Chegando de Curitiba aos 17 anos, por muito tempo trabalhará em casas noturnas de São Paulo como cantor até ser convidado para uma ponta em Será que ela Agüenta? de 1977. A experiência o agrada e no ano seguinte produzirá O Atleta Sexual, com elenco inteiramente desconhecido. A pobreza técnica do filme não é exaltada em nenhum compêndio de História do Cinema Nacional, porque ele não era filiado a nenhuma vanguarda ou experimentalismo, mas as carências de produção eram semelhantes. Efetivamente trabalhava-se quando havia dinheiro para alugar uma Arriflex no Honório Marin, mais duzentos metros de eastmancolor. Em 1978 fará outra participação no drama A Força do Sexo. Após tantas experiências que poderiam ser classificadas como semi-amadorística trabalhar com Agostinho foi algo que Deni proclama como revelador. Ele não imaginara que a câmara teria apenas uma posição para a tomada que estavam filmando e não em qualquer lugar como vira até ali. Perder algumas horas empapelando janelas com filtro para equilibrar os graus Kelvin da luz solar com a dos refletores, ensaiar exaustivamente e caso a primeira tomada não ficasse a contento filmar outras pouco se amolando com a quantidade de negativo gasto. Exigir dos atores compenetração para com os personagens. Deni afirma que a partir de O Campineiro,o cinema, para ele, ganhava dignificação. Pela sua descrição fica patente que Agostinho nada mais fazia que utilizar o carinho e respeito para com a obra, coisa que aprendera na Vera Cruz. Mas os tempos não eram mais de Vera Cruz bastando para isso para contrapor as outras obras de Agostinho Martins Pereira dentro do espaço de vinte e cinco anos que medeiam entre os dois filmes da década 50 e o de 1981, comparando os duplos sentidos de A Carrocinha, os requebros da Marquesa de Santos de O Gato de Madame classificados pelo grupo da Orientação Moral dos Espetáculos como grosseria e o recalque para com os nus por parte da censura militar. Nos inícios de 1960 uma revista italiana, pesquisando a importância universal que a sexualidade assumia, perguntava qual a atitude que deveríamos tomar com a intrusão do pelo nel cinema. Contrariamente a qualquer debate mais complexo, o golpe militar de 1964 permitiu que a censura retroagisse violentamente sem maiores debates. Enquanto na Europa e América do Norte política e sexo ganhavam liberdades ainda não alcançadas, no Brasil ela tornou-se vitoriana e idiota. Terminologias, beijos, nus e incidentes, que eram folgadamente permitidos em filmes estrangeiros, eram proibidos nos nacionais. O produtor e dire-tor Fernando de Barros curtiu algumas horas de cadeia porque lembrou a um coronel que fora enviado a São Paulo, incumbido de transmitir durante uma reunião com a classe cinematográfica os novos tempos que atravessaríamos – o governo é de força e vai exercê-la – que o filme de Nelson Pereira dos Santos, Fome de Amor, exibido no Ouro Preto, havia sido mutilado em cenas que poderiam ser vistas num filme francês em exibição a 100 metros dali, no cine Premier. A proibição do nu para os filmes brasileiros levou os cineastas ao conluio de mostrarem a mulher despida, mas de costas. Aos poucos e novamente enfatizando, de filme para filme, ela começará girar insinuando e depois mostrando o seio de perfil para, próximos aos anos 80, aparecer de frente, porém, cortada pela cintura para cima. Em seguida começará outra luta contra a censura que seria a de recuar a câmara até mostrá-la nua de corpo inteiro. Uma psicóloga explicava muito bem as exceções oferecidas, por vezes, para o fenômeno sexual. A censura militar brasileira não permitia nenhuma referência política na tela, mas, de tanto em tanto, premida pelos novos ventos, acenava com algumas exceções. Para isso a psicóloga empregava uma metáfora brilhante. A censura tinha sempre à sua frente um caldeirão breve a explodir pela alta temperatura da água em ebulição. Para que isso não acontecesse, a cada tanto, os censores levantam a tampa do caldeirão fazendo a fervura baixar. Cada levantar de tampa corresponderia a mais uma virada do busto feminino filmado. Os diálogos acompanhavam também, filme a filme, as tentativas de maiores liberdades no linguajar. A catalogação das violações impostas pela chefe de censura, sra. Solange Hernandes, forneceria ainda hoje ótimo material para teses de doutorado, principalmente no tocante ao que vinha escrito no papel timbrado da Censura Federal que acompanhava as latas das cópias e que nem sempre eram executadas. Nela depararemos com vocábulos esquecidos pelo desuso que vivenciavam ainda, porém, como termos petrificados apenas nos dicionários: triolismo, pornofônica, cunilíngua, felação, sodomia, zoófilo. As filmagens de O Campineiro realizaram-se nos meses finais de 1979. Cremos que a desvalorização avassaladora que acompanhava o cruzeiro impediu a compra do material necessário para o término da montagem, mixagem, corte de negativo e primeira cópia. Segundo Deni Cavalcanti, nesse ínterim, ele produziu e exibiu O Atleta Sexual. O hiato foi fatal para as pretensões de bilheteria em que o filme fora imaginado. Em 1980 os tempos haviam mudado de tal maneira que a indagação mais coerente da revista italiana seria perguntar por que esconder il pelo. Atacada, menosprezada, satirizada por manter um código arcaico, só vigorante em países governados por religiosos radicais, finalmente a censura brasileira liberou o filme japonês, Império dos Sentidos, quando, e só então, o sexo no Brasil ganhou cidadania. Acabara-se o período do filme erótico, substituído imediata e irrefragavelmente pelo sexo explicito. Em breve tempo conceituadas casas cinematográficas, como o Art Palácio, Marrocos, Windsor, Coral, retiraram os projetores e começaram a trabalhar em vídeo para uma clientela de tal maneira satisfeita com o que recebia que pouco se importava com a falta de qualidade vista na tela. Portanto, nada de incomum no fato do público do Art São Paulo e do Rio Branco onde erradamente foi apresentado O Campineiro, apreciador da novidade explícita, virar-lhe as costas. Seria interessante uma enquete na época para aclarar quais as ausências que o filme desprezara. Será que vendo material mais chocante nos trabalhos de Walter Khouri ou em Xica da Silva, O Campinieiro não mais poderia ser classificado como erótico porque já se insinuavam os novos tempos do explicito? Diante do fracasso a semana seguinte foi dramática. O filme fará um andamento claudicante, com grandes hiatos entre uma projeção e outra para finalmente cair no limbo do esquecimento dos próprios realizadores. O E. S. P. Lançado no Art-São Paulo, Rio Branco (Sala Vermelha) e circuito. 19 de março de 1981 O quarto lançamento nacional da semana é mais uma vez a privilegiada posição dos homens em relação às mulheres. Segundo o resumo, a história de dois amigos: um, Orestes, campineiro nato; o outro, Gaudêncio, pelotense (sem nenhum complemento gramatical – o grifo é nosso) que são despejados da pobre pensão onde moram em Campinas. Vão para São Paulo, onde Gaudêncio arranja emprego de chofer numa mansão na qual acaba por introduzir o amigo. O dono da casa os aceita, achando que são dois “inofensivos”, pois um é campineiro e o outro pelotense (sic) e, portanto, sua mulher, filhas e criadas estão a salvo de qualquer ataque ou insinuação. Muito se engana pois os dois passam a ser alvos das sempre desinibidas e ultradisponíveis madames, filhas e agregadas. Quanto às possibilidades fílmicas, a julgar pelas fotos, elenco, etc. são no mínimo apavorantes. Capítulo XII Associações, Sindicatos, Congressos As primeiras inquietações de Agostinho em relação à defesa dos direitos trabalhistas em cinema começaram na Vera Cruz. Resta indiscutível que convivendo com grande numero de técnicos ingleses que ainda naquela quadra, nas suas eleições nacionais, logo após o fim da guerra, em 1945, na disputa entre o aristocrata Churchill e o trabalhista Clement Atlee, haviam escolhido o segundo, possibilitou a inesperada vitória da esquerda britânica. Lógico que Agostinho recebesse referências do que se estava tentando em matéria de sindicalismo livre. Do melhor e do pior porque, anos depois, em conseqüência dos excessos cometidos, o povo em outra reviravolta indicaria Margaret Thatcher para pôr cobro às regalias que estava impossibilitando a Inglaterra de competir no mercado. Para que melhor se avaliem alguns dos problemas crônicos que a Vera Cruz atravessará provenientes da adoção de alguns dos exageros do trabalhismo inglês abordaremos dois aspectos contraditórios que todos os técnicos da companhia discutiam e chegaram a indicar como causadores do futuro colapso. Durante as filmagens de Caiçara e Terra É Sempre Terra, a qualquer problema mecânico que interrompesse o funcionamento da câmara, imediatamente, ela era circundada de inúmeros eletricistas, maquinistas e assistentes de produção, de martelo e alicate em punho prontos para consertá-la. Chick Fowle imediatamente os distanciava da Mitchell indagando se eram mecânicos especializados. Sobrava-lhe razão porque a maioria, apesar de bem-intencionados, não dispunha de mínimos requisitos. Porém, quando mandava chamar um assistente de cenografia, no fim do terreno do estúdio, distante quase quinhentos metros, para pregar um quadrinho na parede da cenografia, estava errado, porque qualquer maquinista ao seu lado poderia corretamente exercer a função. Cavalcanti, ao proferir o ciclo de palestras no Seminário de Cinema, deixou claro que, mesmo se uma equipe inglesa fosse diminuída de um terço de técnicos, o filme não seria prejudicado tanto na qualidade como no tempo de produção. Um técnico francês que militou muitos anos entre nós, Roger Blanch, narrava o pasmo de que foi acometido quando ao trabalhar num documentário realizado em regime de co-produção franco-britânica, viu um técnico inglês – fantasiado de claquetista – portando uma vestimenta ridícula, repleta de bolsos onde colocava as plaquetas indicativas de dia-noite, exterior-interior, números de 1 a 10, em tamanhos e cores diferentes para especificar se era para seqüência ou tomada. A claquete era enorme, a maior vista por ele até então, mesmo para longas-metragens de ficção. No momento de filmá-la o técnico adquiria uma postura especial iniciando um ritual, também oral, onde, praticamente, fazia uma síntese do filme. Se no primitivismo em que foi iniciado Caiçara ainda poderia faltar a câmara ideal, a quantidade desejada de refletores ou cinqüenta metros de trilhos para o travelling, em matéria de organização trabalhista tudo estava consolidado porque todos eram europeus, praticando-a, normalmente, há longo tempo. Estamos insistindo no assunto porque simultaneamente, na Maristela e Multifilmes, imperava o inverso. Sob as ordens do personalismo de Mario Civelli, versado em militarismo, sabíamos a hora de iniciar, mas, jamais, a do término. As oito horas consagradas pela CLT eram criminosamente desprezadas na errônea suposição que a produção ficaria menos onerada caso reduzida em dois ou três dias de filmagem, num estúdio onde todos eram contratados por ano. Qual a vantagem de realizar uma filmagem em 30 dias enquanto nas outras produtoras o normal seria de 32 ou mesmo de 35. Que adiantava a montagem trabalhar 24 e mesmo 48 horas seguidas se depois o filme, por incompetência do diretor geral de produção, ficaria seis meses na prateleira esperando vez na programação? Ainda antes da Vera Cruz, e já formado na mentalidade trabalhista dos escritórios e firmas comerciais respeitadoras da CLT, Agostinho não precisava, neste caso, do exemplo inglês, por isso, sempre batalhou pelas oito horas diárias, evitando prorrogações, ainda que pagas com extras. No cargo de assistente de direção e trabalhando sob a metodologia dos estúdios europeus era juntamente com o diretor e o fotógrafo uma das cabeças decisórias da equipe. Impôs a si mesmo batalhar pelos ideais que julgava os mais justos, indiferente se a origem fosse comunista, socialista ou social-democrata. Com isso, sua dispensa na produtora foi muitas vezes cogitada, mas a lealdade dos companheiros, ameaçando inclusive com uma greve, sempre o salvou. Entre 1950-52 com dois grandes estúdios funcionando, Vera Cruz, Maristela e um terceiro em formação, a Multifilmes, é lógico que o trabalhador percebeu que não se organizando sindicalmente, ou minimamente em associação, estaria desprotegido. A criação da APC, Associação Paulista de Cinema, tinha essa entre outras intenções. Dizemos – entre outras – porque o mais importante para os criadores da sigla era fazer política partidária, no caso deles, ligada ao Partido Comunista, na ilegalidade, porém, funcionando com certa desenvoltura. Membro fundador da APC, Agostinho percebeu de imediato que o jogo de Alex Viany, Carlos Ortiz, Ortiz Monteiro, e tantos outros, era executar o que o stalinismo exigia, mesmo que a duração da medida fosse por apenas 30 dias. Para que não paire nenhuma dúvida histórica sobre essa afirmação, como participante da APC assistimos pessoalmente a inúmeras aberrações, entre elas, quando Alex Viany pediu a Glauco Mirko Laurelli, numa das reuniões, que preparasse um ciclo sobre Henry George Clouzot. Semanas depois, quando o ciclo já havia atingido a metade, em outra reunião, intempestivamente, nem mesmo se lembrando que a idéia partira dele, Alex invectivou Glauco pela escolha de um diretor que primava pelo pessimismo. O escritor húngaro, Arthur Koestler, em O Zero e o Infinito, ironiza o personagem do líder comunista que recebe uma informação do partido discordante daquela que estava pregando no seu discurso. Apesar de já estar no meio da frase tem a capacidade de inverter o conteúdo da metade para o fim. Possivelmente, durante o dia, Alex houvesse recebido alguma informação que desmerecia o francês apesar de ter lutado na Resistência, fazer parte da esquerda cinematográfica, mesmo durante a ocupação. Havia ainda outros fatores que impediam a APC de ser honestamente formadora de um futuro sindicato porque intitulava-se um órgão de massa, porém, aceitando como sócio toda rama de interessado, começando pelo produtor e terminando no colecionador de fotos de Oscarito, principalmente os últimos. Quando da votação de problemas trabalhistas a maioria não tinha a mínima ligação com a classe, mas era obediente ao indicado pelos quatro ou cinco nomes em evidência na Associação. O formato vinha preparado e pronto pelas instâncias superiores do Partido e tudo cheirava à resolução de fevereiro de 1948 assinada por Andrei Zhdanov e Stalin dando início ao que se classificou como realismo socialista. Uma vez materializada a APC, os idealizadores perceberam de imediato que jamais alcançariam a notoriedade que buscavam caso se mantivessem ligados apenas à atitude de defesa e congraçamento da classe cinematográfica. A exposição pública, de horizontes mais largos, o aparecimento diário nos jornais, afinal, a comoção pública exigida pela esquerda. A perseguição deste esquema deve tê-los levado ao formato do Congresso, de vivência exterior, gozando da nomeada de artistas já consagrados ou talvez invertendo os propósitos conteudísticos que os historiadores de cinema propõem, a APC foi criada especialmente para chegar-se à visibilidade dos Congressos. Vale lembrar a velocidade imprimida ao fenômeno que mais tarde seria batizado de Cinema Industrial Paulista. Apesar de serem justas as reclamações da maioria dos analistas quando indicam a demora na produção e acabamentos dos filmes da Vera Cruz como fator determinante da sua futura banca-rota, ainda assim, quando a distância do tempo meditamos sobre as datas e os fatos gerais da companhia veremos que a nova produtora, lutando com o noviciado de 70% da sua equipe técnica e totalidade da equipe de intérpretes, mais os percalços dos locais escolhidos para filmagens de Caiçara, Terra é Sempre Terra e Ângela, o tempo correu, de certa forma, satisfatório. A Vera Cruz fora fundada em novembro de 1949. Nos primeiros dias de 1950 uma equipe ainda incompleta de Caiçara viajava para filmar 80% do roteiro em Ilhabsela. Em novembro de 1950 o filme estréia no Cine Marabá. A segunda produção, Terra é Sempre Terra, é assistida em abril de 1951. A terceira, Ângela, em agosto de 1951. A Maristela, fundada em agosto de 1950, lança Presença de Anita, em 1951, seguida das comédias Suzana e o Presidente e O Comprador de Fazendas, no mesmo ano. Os ensaios dos Congressos foram judiciosamente antecipados por Ortiz e Alex pelos prelúdios conhecidos como mesas-redondas. Na área cinematográfica brasileira o nome provinha dos tumultuados agrupamentos de críticos, atores, técnicos e fãs debatendo um filme no maior caos possível, em emissoras de rádio. Elas atingiam altos índices de Ibope exatamente pela virulência premeditada de alguns participantes. O plano da APC era tornar as mesas-redondas preparatórias a um Congresso regional que receberia o nome de Primeiro Congresso Paulista, por sua vez preparatório a outro, mais ambicioso, de formato nacional, Primeiro Congresso Brasileiro, de antemão localizado no Rio de Janeiro, medida racional porque lá, desde 1930, materializava-se a produção, legislação e cultura cinematográfica brasileira. As mesas formalizaram-se nos dias 30 e 31 de agosto e 1º de setembro de 1951, em ambientes fechados como auditórios ou salões de conferência, obedecendo a um ritual geométrico, estabelecido, diferente do que estávamos habituados a ver em outras ocasiões, mais se assemelhando a uma obra teatral quando dos primeiros ensaios. Alguém levantava um problema, outro o dissecava e quando terceiros aparteassem imediatamente eram rebatidos pelos acólitos do grupo formador, para que vingasse a proposição levantada. O azeitamento dos fins desejados era tão bem articulado que todos ficavam propensos a apoiar o texto por unanimidade. Os debatedores não se envergonhavam de repetir à exaustão o fraseado assimilado nas revistas em língua espanhola que o Partido distribuía no Brasil, para depois ser verbalizado, como se fossem da autoria de quem o estivesse dizendo, de preferência, nos barzinhos da Sete de Abril e nas esquinas da Praça D. José Gaspar do tipo: torre de marfim, bonde da história, burguesia decadente, capitalismo selvagem, nosso guia Stalin e outros chavões. Pessoalmente ficamos chocados com as contradições do nosso professor de argumento, no Seminário de Cinema, Carlos Ortiz que pregava a repulsa aos temas cosmopolitas e desnacionalizantes enquanto, ao mesmo tempo, estava projetando na Cinêlandia seu filme, Alameda da Saudade, 113. O momento crucial, tanto nas mesas-redondas quanto no Congresso Paulista e no Primeiro carioca, foi o debate sobre o Anteprojeto do Instituto Nacional de Cinema. Logo após a demissão de Cavalcanti da Vera Cruz e quase coincidente com a vitória do ditador Vargas nas eleições livres de 1950, apesar de ainda não estar empossado, pediu ao cineasta um anteprojeto para o cinema brasileiro que servisse de parâmetro para futuras discussões na Câmara Federal, sindicatos e associações ligadas à indústria cinematográfica. Custa crer que Cavalcanti tenha despendido mais de um ano para entregá-lo. Conhecedor profundo da sistemática inglesa e francesa por conviver nelas, regularmente da Anica dos italianos, da americana pela repulsa idiossincrática que tinha para com tudo que proviesse de lá no após-guerra e por maiores que fossem os buracos da brasileira, o tempo empregado foi longo. No ínterim, entre o pedido e a entrega do documento tantas foram as marchas e contramarchas noticiadas pelos jornais que paira muita dúvida se o documento final, assinado por Cavalcanti, era ainda, na íntegra, absolutamente sua posição ou o acomodamento de alguns interessados de dentro e fora do país. Em todas as mesas-redondas, Alex Viany bateuse denodadamente para inferiorizá-lo, levantando celeumas em itens que não estavam de todo esclarecidos tais como o governo controlando a compra de negativo, censura prévia ao argumento e definições pelo Ministério da Justiça em lugar do da Educação. A tática é muito bem esmiuçada por Arthur Autran na sua tese e livro, Alex Viany: Crítico e Historiador. Atacar alguns pontos frágeis para disso tirar normas gerais. A ironia ou perversidade dos óbices levantados por Alex eram cínicos se lembrarmos que, se por acaso, essas afirmações fossem dirigidas a qualquer órgão estatal cinematográfico da União Soviética, entre 1950-53, ele seria enviado no mínimo à Sibéria, porque eram decretos que vigoravam já nos tempos de Lênin. Se lá eram eficazes, por que não funcionariam no Brasil? Sete meses depois das mesas-redondas, nos dias 15, 16 e 17 de abril de 1952 o Primeiro Congresso Paulista de Cinema ganhava luz. Nesse momento programava-se o lançamento de Tico-Tico no Fubá, da Vera Cruz e Meu Destino é Pecar, da Maristela. Apesar da euforia reinante em jornais, revistas, rádios e mesmo na televisão, a Vera Cruz já iniciara seu gólgota a bancos particulares e oficiais. A inauguração do Primeiro Congresso Paulista de Cinema teria vez no auditório da Biblioteca Mario de Andrade. Carlos Ortiz assumia a presidência numa manobra de bastidores, consentida por todos, porque afinal era um dos que batalharam desde o início da APC. Simultaneamente para os demais cargos foram convocados Jackson de Souza, Roberto Giacomo, homens de confiança dos organizadores. As flores exóticas eram Marcos Margulies e Mario Civelli. Carlos Ortiz fez o pronunciamento de praxe na abertura do conclave e convocou a todos para a noitada que começaria às 20 horas. Com a presença de representantes do governo estadual, militar e do presidente e da Câmara Municipal foi solenemente instalado o Congresso. A nota discordante foi a presença na mesa e discurso do prefeito de São José dos Campos anunciando que a cidade ofereceria vantagens fiscais às produtoras que se instalassem no município. Estranho que lhe permitissem, da mesa diretora, proferir aquela propaganda. Estupefatos todos se indagavam se ele pertenceria ao Partido ou a APC levaria alguma vantagem, argumento não esquecido pela revista Anhembi que fazia do conclave, na oposição, política tão passional quanto a da esquerda. No dia 16 a presidência coube a Alex Viany. Carlos Ortiz expôs com grande eficiência o tema central da aflição daqueles primeiros anos de toda a classe cinematográfica: definição de filme brasileiro. Em noite inspirada ele expôs com clareza e objetividade as principais propostas de um tema já discutido sem maiores aprofundamentos nos anos 40 pelos fundadores da Cinédia, Brasil Filme, Waldow, Atlântida, Wulfes e candente desde os primeiros momentos da Vera Cruz e ainda sem definição. A maneira ponderada, a fala simples e objetiva de Ortiz foram de grande importância naquela noite, bastando lembrar que a proposta só viria a concretizar-se anos depois, mas consubstanciada nas principais metas que ele deflagrara. 1) O que é filme nacional? 2) Mínimo de 2/3 de brasileiros na equipe. 3) Laboratório de revelação e sonorização, bra sileiro. 4) Língua e temas nacionais. 5) Escolas de cinema. Em seguida o deputado Juarez Guizarde propunha o financiamento de parte do orçamento do longa-metragem pelo Banco do Estado, outra proposta que demandaria ainda algum tempo para concretizar-se mas que em linhas gerais pouco acrescentaria ao que ele levantara. Inteiramente absurda era a proposta de Salomão Wolf Kocken pedindo a instalação de uma fábrica de material virgem para nos livrarmos da dependência exterior. Trabalhando no vazio ele não sabia em quanto iria importar monetariamente a medida, nem que a metragem mínima diária deveria perfazer alguns quilômetros senão seria inteiramente antieconômica. Como o cinema brasileiro não teria capacidade de absorver todo o material a quem venderíamos? Apesar disso, a questão foi debatida nos dois futuros Congressos e só foi inteiramente esquecida posteriormente quando ficou latente que nem mesmo nossa água era adequada para o fabrico de filme virgem. No último dia Ortiz voltou à presidência quando foi lida a Declaração de Princípios e Resoluções, logicamente filtrada pelos secretários de confiança. Assinada por Mario Civelli, Ruy Santos, Alex Viany, Rodolfo Nanni e Alfredo Guilherme Gagliano é altamente otimista dando a impressão que o cinema brasileiro estava a salvo de maiores perigos: os cineastas paulistas verificaram com satisfação que foi atingida uma maturidade profissional e que chegou a hora de assumirmos compromissos em defesa do cinema nacional... queremos combater todas as histórias imorais e licenciosas, histórias que deseducam e tendem a inspirar nos jovens instintos bestiais... queremos combater os trustes, porque acreditamos que na livre concorrência... assumimos solenemente o compromisso de usar com honestidade este instrumento em função do progresso econômico, moral e social do nosso povo. Por mais extravagante que possa parecer, alguns conceitos que recheiam este documento se o compararmos com a coluna cedida pelo jornal A Gazeta, às quintas-feiras, ao grupo da Orientação Moral dos Espetáculos, sob a ordens do Arcebispado de São Paulo, que mais se assemelhava ao sermão de pároco de alguma vilazinha próxima à fronteira boliviana, fica patente quanto o Vaticano e o Kremlin irmanavam-se quando opinavam sobre matéria que eles designavam como moral. Pessoalmente podemos dar testemunho atestando esse obscurantismo medieval, porque ouvimos da própria boca de Alex Viany quando fomos seu aluno no Seminário de Cinema do Museu de Arte, em 1951, contar-nos entusiasmado que fizera uma adaptação de Capitães de Areia, escoimando tudo que pudesse inspirar sexualidade e proclamando que Jorge Amado também participaria daquela cruzada, ignorando que o baiano nesse momento abandonava seu primeiro estilo e embarcara nos preâmbulos de Gabriela, Cravo e Canela. O formato “introdutório” do Primeiro Congresso Paulista permitiu quatro meses depois, entre 22 e 28 de setembro de 1952, no Rio de Janeiro, que acontecesse o Primeiro Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, onde as teses foram aprofundadas. O aumento do número de dias do conclave permitiu a apresentação de número maior de teses. Nesse momento já haviam chegado às telas ou estavam em processo de propaganda Sai da Frente, Apassionata e Nadando em Dinheiro, da Vera Cruz, Meu Destino é Pecar e Simão, O Caolho, da Maristela. Aos problemas econômicos da Vera Cruz, agora somavam-se os da Maristela que, fugindo do controle do fundador Mario Audrá Filho, trabalhava apenas nos filmes que ultimavam montagem e finalizações. A produtora ficou ainda mais comprometida quando Mario Audrá, pai do fundador e financiador da Maristela, tomou medidas drásticas destituindo Mario Civelli e para seu lugar convocando Benjamim Finenberger. O velho, antigo e bem conceituado especialista da distribuição e exibição, ex-funcionário da Metro e Paramount, vê-se, de repente, sozinho e à frente de esquerdistas e direitistas que unanimemente o consideram pau mandado de Severiano Ribeiro e Hollywood. Sua inépcia no campo da produção vai gerar um amontoado de anedotas – até então Lulu de Barros era o português do anedotário do cinema nacional – a mais conhecida abordando a primeira visita que fizera ao estúdio da Maristela. Vendo uma grua funcionar ficou tão encantado com a máquina que decretou que dali para a frente todos os filmes do estúdio seriam inteiramente feitos com a grua. A maldade deve ter o endereço dos que, segundo a Cine Repórter, revista orientada pelos distribuidores e exibidores, narrava que dentro do estúdio, técnicos e funcionários, dias antes, haviam promovido o enterro simbólico, incluindo caixão, de Mario Civelli. O repúdio ao Anteprojeto do INC, de Alberto Cavalcanti, continuava unânime, apesar das explicações que o autor mais Décio Vieira Ottoni e outros colaboradores deram do documento. Também tiveram continuidade teses para a edificação da fábrica de filme virgem, definição de filme nacional, isenção de imposto para produtos cinematográficos, dublagem, distribuidora nacional, escolas de cinema, sindicalização, cineclubismo, documentário, incentivo para criação de cinemas que somente exibissem filmes nacionais. É nesse instante que aparece a tese de Agostinho Martins Pereira, Problemas dos Profissionais de Cinema, acompanhada da assinatura de Nelson Pereira dos Santos e Pedro Moacyr. Se do último, diretor de produção da Vera Cruz, pode-se admitir alguma participação a de Nelson deve ter ocorrido à última hora, para unificar e dar maior peso a assuntos paralelos. Diferente de outras teses onde nota-se o desconhecimento da matéria, elaboração mal detalhada e mal escrita, Problemas dos Profissionais de Cinema era apresentada com intróito dividido em blocos abordando com exaustão os itens e oferecendo soluções práticas, sem intuito demagógico ou grandiloqüente a inúmeras questões que Agostinho debatia conosco, há longo tempo, nas famosas rodinhas quando nos encontrávamos com outros interessados, nas reuniões da APC e nas sessões cinematográficas do Museu de Arte Moderna. A tese pedia medidas severas quanto ao abuso do aumento de horas trabalhadas determinadas pela CLT e, pior, sem remuneração extra. Insalubridade dos laboratórios, um técnico brasileiro para cada estrangeiro, equipe mínima, fiscalização sindical. Debatida, a tese foi aceita por unanimidade. O Primeiro Congresso foi intenso e ainda mais dramático por ter coincidido com a morte de Carmem Santos. Seu nome, opiniões e filmes foram usados com e sem decência por muitos, inclusive no enterro. Mas o Congresso realizado no Rio continuou dentro dos parâmetros anteriores. A situação mudaria com o correr do tempo porque Alex Viany destituído da Maristela e sem trabalho jornalístico em São Paulo voltou a morar no Rio, escrevendo para a Cena Muda e jornais. A APC mudou a diretoria entrando para a Presidência Alberto Ruschel, cabendo a Agostinho a secretaria geral. Os demais cargos eram ocupados por Mauro de Alencar, Rodolpho Nanni, Galileu Garcia, Roberto Giacomo, Pedro Moacyr e J.B. Pacheco Fernando. Apesar dos aprimoramentos que algumas teses haviam conseguido, pouco de prático se viu no espaço que intermediou o Primeiro do Segundo Congresso. Nesse ínterim houvera o aparecimento de Veneno, O Cangaceiro, Pulga na Balança, Sinhá Moça, Esquina da Ilusão, Família Lero Lero e Luz Apagada, todos da Vera Cruz. A recémformada e já dizimada Multifilmes apresentava o primeiro longa-metragem colorido, O Destino em Apuros e, em preto e branco, O Homem dos Papagaios, Uma Vida para Dois, Fatalidade. O próprio Alex finalmente estreara com Agulha no Palheiro e Carlos Ortiz voltava no conturbado, Luzes nas Sombras. Walter Khouri também aparecera e a Atlântida, apesar de fulminada pelo incêndio que dizimou todo o estúdio mais a dezena de negativos de imagem e som desde Moleque Tião, continuou com Carnaval Atlântida e Nem Sansão nem Dalila. Ainda que insuflados pelas enormes arrecadações de bilheteria de Cangaceiro, Sinhá Moça e todos da Atlântida, no ambiente carioca e paulista pairava o pessimismo geral, diferente da euforia de dois anos antes. A Vera Cruz em situação precaríssima, a Maristela-Kino agônica e a Multifilmes, natimorta. Tinha-se a certeza que ninguém mais investiria em cinema. Quando ficou decidido que haveria o Segundo Congresso do Cinema Brasileiro e ele estaria localizado em São Paulo, Agostinho tomou a si a decisão de administrar toda a preparação para que o Congresso fosse o mais democrático possível, e as candentes discussões fossem honestas e dirigidas a reorganizar as grandes linhas do cinema brasileiro. Nesse clima ambíguo transcorreu o Segundo Congresso de Cinema Brasileiro, entre os dias 14 e 20 de dezembro de 1953, início das festividades do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo que, contrariamente, porejava otimismo. Como já se tornara praxe, várias reuniões preparatórias aconteceram no Teatro Brasileiro de Comédia. Porém, a base organizativa funcionava na rua do Arouche, num prédio alugado, onde ocupávamos o primeiro andar inteiro. Praticamente todas as noites havia reunião, sempre presidida por Agostinho que pretendia dar um novo rumo, mais prático e menos partidário que os dois Congressos anteriores. Ele trabalhou intensamente, podemos garantir porque éramos uma espécie de assistente. Para que pudéssemos ter um quadro amplo dos problemas por que sempre passou o cinema brasileiro e dele tirarmos lições, convidamos e aos poucos tivemos a participação da velha guarda, formada por Achiles Tartari, José Carrari, José del Picchia, Hermantino Coelho, William Gerick. Com a participação desses veteranos que nos forneceriam os entraves por que haviam passado, dado que não dispúnhamos de nenhum material histórico sistematizado, nem mesmo as precárias 50 páginas da Pequena História do Cinema Brasileiro, de Francisco da Silva Nobre, que apareceria somente em 1955. Inaugurado festivamente no Teatro Federação, futuro Cacilda Becker, a 12 de dezembro de 1953, os demais encontros aconteceram no Teatro Leopoldo Froes. Após meses de trabalho organizativo, conhecendo detalhadamente todos os problemas, por lógica, Agostinho deveria ser designado Secretario-Geral, mas, no dia 12, sofreu uma rasteira política incrível, cabendo-lhe apenas uma das sete vice-presidências, isto é, presidir um dos sete encontros. A falta de sensibilidade, o obscurantismo soviético, tão repetido por Oswald de Andrade, ficou patente quando na segunda noite pretenderam votar uma moção inoportuna para abertura de relações diplomáticas com a União Soviética, que pouco tinha com o Congresso, mas imerso com o Jdanovismo ainda imperando na época. A tese de Carlos Ortiz vinha precedida do título digno de uma comédia dos Três Patetas: Sinhá Moça Deve Ir a Moscou! Alex defendeu-a deixando claro que o Congresso pedia a abertura de relações diplomáticas com a União Soviética e não apenas relações comerciais, como envidavam muitos. A eletricidade causada pelas confrontações antigas e amigáveis, que agora afloravam pela divisão dos congressistas, cada qual vendo nos contraditores não mais adversários de proposições econômicas que ainda poderiam se ajustar e sim uma luta aberta entre Camaradas X Pequenos Burgueses. Em certo momento Alex perdeu completamente as estribeiras e, bem representando um ataque de neurastenia ou realmente sofrendo um, foi interrompido pelo jovem Jece Valadão que, ainda mais teatralmente, vindo do saguão do teatro, reafirmou o pedido de Alex. Tentar vencer apelando para atos dessa ordem sofreu o repúdio dos contrários aos berros. Antes que a discussão degenere-se em conflito o presidente suspendeu a sessão esperando que as rodinhas do deixa disso conseguissem amainar o ambiente. O advogado e ator Lima Neto pede a palavra pela ordem – como se isso fosse possível no caos que imperava, e – no seu estilo gongórico invocou em nome da sobrevivência do cinema brasileiro, para que resolvesse de vez o impasse, passando-se imediatamente para os encaminhamentos finais, falando apenas um representante de cada facção e em seguida a votação. O linguajar de Lima Neto provoca sorrisos e mofa nos dois lados, mas, por fim, a sessão é reaberta, o pedido de Lima é votado e aceito. Após os dois encaminhamentos, ainda candentes, inicia-se a votação de Sinhá Moça Deve Ir a Moscou. Ela vence por cinco votos mas provoca a ruptura do Congresso. De imediato muitos deixam o teatro e não retornaram nos dias subseqüentes. Fendia-se de vez a linha entre cariocas e paulistas. Os vencedores eram companheiros de Alex e do Partido, votando segundo o pensamento jdanovista e nunca o que poderia ser uma real necessidade para o cinema brasileiro. Para o último dia do Congresso estava programada uma demonstração pública do poderio do cinema brasileiro junto às massas, com atores liderando uma passeata na avenida São João, acompanhados pelos técnicos. Haveria bicicletas e carros engalanados. No alto, uma faixa com a frase Sinhá Moça Deve Ir a Moscou. A passeata foi ridícula, com o alheamento dos estúdios raros atores e técnicos mais desservindo que o resto. A faixa, entre outras, durante anos foi guardada nas várias sedes em que a Apicesp e Atacesp perambularam até tornar-se Sindicato, no final de 1963, numa das últimas assinaturas de Jango Goulart. Quando do golpe de 1964 ela ainda encontrava-se na sede do Sindicato, rua Major Quedinho. Diante dos sérios problemas que poderiam advir ao Sindicato naquele momento militar tão paranóico quanto o dos Congressos, eu e Sergio Hingst a colocamos num pequeno tanque da sede, a embebemos em álcool e ateamos fogo. Nesse momento, na avenida Nove de Julho, que limitava os fundos do prédio, passou um carro da polícia com as sirenes em alto volume. Nós dois demos um salto de terror apesar de não ter acontecido nenhum comprometimento de Sinhá Moça em Moscou. Todos os anseios remanescentes e ainda depositados nos resultados do Congresso foram pulverizados quando dias após Jayme Pinheiro, presidente do Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica, através de jornais, enviava um documento informando que se retirava do Congresso que desvirtuara suas finalidades votando deliberações alheias e mesmo contrárias ao cinema nacional. O pouco amealhado, até então, esvaiu-se em meia hora. O Congresso terminou funebremente. Por vários meses pouco se tratou de qualquer assunto que nos empolgara pouco antes. 1954 iniciava-se sem um único lampejo para o futuro. São Paulo estava em festa pelo Quarto Centenário da cidade, o dinheiro corria solto, muita propagando de toda ordem, até cinematográfica. Rendeu, inclusive, um longa metragem da Musa Filmes, ... Se a Cidade Contasse... de Tito Batini, quando todo o material de noticiosos cinematográficos foi encadeado a um argumento que tentava ligar todos os acontecimentos com o bandeirismo. A Vera Cruz produziu um média-metragem dirigido pelo fogoso Lima Barreto e nada mais. Ainda gozando da amizade de todos, incluso da esquerda, Agostinho faz outra tentativa de agrupamento trabalhista. Envia cinqüenta cartas a trabalhadores de cinema de todas as cores, convidando-os para uma reunião no Museu de Arte de São Paulo, encarecendo que o convite não somente é pessoal mas também não dá direito de convidar mais ninguém, tomando, portanto, direção inversa à da APC que ainda funcionava como fachada. Na reunião estava representada parte da Vera Cruz, grupo menor da Maristela e Multifilmes, nós e Juan Carlos Landini pelos trabalhadores em produtoras que forneciam comerciais para a TV e outros técnicos pelos laboratórios Rex e Bonfanti. Agostinho, Carlos Cotrim e outros insistiram que aquela reunião significava o primeiro passo para a formação de um órgão de classe independente. Foram levantadas todas as normas exigidas pelo governo. Batalhamos pelo menos durante uma década transitando pelos vários estágios de associação, primeiramente a Apicesp, continuada pela Atacesp para finalmente atingirmos as prerrogativas sindicais. Em janeiro de 1964 nascia o Sindicato dos Trabalhadores da Industria Cinematográfica. Em todas elas Agostinho deixou a sua marca. Sempre intransigente, através da sua produtora Studium ele ainda hoje empreende trabalhos cinematográficos. Filmografia Longas-metragens dirigidos por Agostinho Martins Pereira A Carrocinha Produção: Jaime Prades Direção: Agostinho Martins Pereira Argumento: Walter George Durst Roteiro: W.G. Durst, Agostinho M. P., Galileu Garcia e Jacques Deheinzelin Fotografia: Jacques Deheinzelin Assist. fot: Honório Marin e Valentim Cruz Montagem: Lucio Braun Música: Enrico Simonetti Cenografia: Franco Cenni Maquiador: Maury Viveiros Estúdios da Multifilmes em Mairiporã Distribuição: Fama Filmes 100 minutos - P&b Elenco: Mazzaropi, Doris Monteiro, Modesto de Souza, Adoniran Barbosa, Nieta Junqueira, Kleber Macedo, Gilberto Chagas e o cão Duque. Exibição: Lançamento em 7 de setembro de 1955 no Art Palácio e Opera encabeçando um grande circuito. Segunda semana no Opera. O Gato de Madame Produção: Cinematográfica Brasil Filmes Produtores: Abílio Pereira de Almeida e Galileu Garcia Direção: Agostinho Martins Pereira Argumento: Abílio Pereira de Almeida Roteiro: Abílio P.A. e Agostinho M.P. Fotografia: Henry C. Fowle Assist. fot. – Jack Lowin, Geraldo Gabriel e Marcelo Primavera Montagem: Mauro Alice Música: Enrico Simonetti Cenografia: Pierino Massenzi Maquiagem: Jerry Fletcher Sonorização: Ernest Hack Estúdios: Cinematográfica Vera Cruz Distribuição: Columbia Picture do Brasil 90 minutos - P&B Elenco: Mazzaropi, Odete Lara, Carlos Cotrim, Gilberto Chagas, Roberto Duval, Lima Neto, Ayres Campos, Tito Livio Baccarini, Enricão. Exibição: 1º de outubro de 1956 nos cines Art Palácio, Marrocos e circuito. O Campineiro, Garotão de Madames Produção: Mori Filmes – Studium Cinema e Áudio Visual Produtor: Moacyr Águiar Vallim e Agostinho Martins Pereira Direção: Agostinho Martins Pereira Argumento: Deni Cavalcanti Roteiro: Agostinho M.P. e Deni Cavalcanti Fotografia: Werner Sta helin Assist. Fot.: Antonio R. Ravagnoli e Salvador Amaral Montagem: Sylvio Renoldi Música: Paulo e Pedro Freire Maquiagem: Francisco Frota Distribuição: Brasil Internacional Cinematográfica Som: Odil Fono Brasil Eastmancolor - ... minutos Elenco: Deni Cavalcanti, Zélia Martins, Kleber Afonso, José Toledo, César Macedo, Célia Artacho, Maria de Fátima, José Parisi F., Marcelo Meirelis. Exibição: 18 de março de 1981 no Art S. Paulo, Rio Branco e circuito. Como assistente de direção 1950 Caiçara 2º assistente de direção Direção: Adolfo Celi 1951 Terra é Sempre Terra Pré-produção Direção: Tom Payne 1951 Ângela 1º assistente de direção Direção: Tom Payne 1952 Tico-Tico no Fubá 1º assistente de direção Direção: Adolfo Celi 1952 Apassionata 1° assistente de direção Direção: Fernando de Barros 1953 Esquina da Ilusão 1º assistente Direção: Ruggero Jacobbi Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 À Guisa de Introdução 11 Primórdios 13 A Jornada 23 O Tempo das Imagens Chegou... 29 Foto Cine Clube Bandeirante 37 Mazzaropi 57 Vera Cruz 67 Caiçara 83 A Carrocinha 107 O Gato de Madame 159 Pausa para o Comercial 175 Campineiro – O Garotão para Madames 187 Associações, Sindicatos, Congressos 201 Filmografia 229 Crédito das Fotografias A presente obra conta com diversas fotos, contudo, a despeito dos enormes esforços de pesquisa empreendidos, as fotografias ora disponibilizadas não são de autoria conhecida de seus organizadores, fazendo parte do acervo pessoal do biografado. Qualquer informação neste sentido será bem-vinda, por meio de contato com a editora desta obra (livros@imprensaoficial.com.br/ Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 / Demais localidades 0800 0123 401), para que a autoria das fotografias porventura identificadas seja devidamente creditada. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Batismo de Sangue Roteiro de Helvécio Ratton e Dani Patarra Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Mauricio Zacharias, Karim Aïnouz e Felipe Bragança Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Paulo Morelli e Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de Invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Claudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboard de Fabio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, o Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 252 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Barro, Máximo Agostinho Martins Pereira : o idealista / Máximo Barro – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. 252p. : il. – (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-658-7 1. Cineastas – Brasil 2. Cinema – Produtores e diretores – Biografia 3. Pereira, Agostinho Martins, 1923. I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.430 981 Índice para catálogo sistemático: 1. Cineastas brasileiros : Biografia 791.430 981 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria