A História da Publicidade, Rádio, Televisão e Teatro Brasileiros na Visão de Victor Berbara O Homem das Mil Faces A História da Publicidade, Rádio, Televisão e Teatro Brasileiros na Visão de Victor Berbara O Homem das Mil Faces Tania Carvalho IMPRENSA OFICIAL São Paulo - 2008 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO TRABALHANDO POR VOCÊ Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação A relação de São Paulo com as artes cênicas é muito antiga. Afinal, Anchieta, um dos fundadores da capital, além de ser sacerdote e de exercer os ofícios de professor, médico e sapateiro, era também dramaturgo. As 12 peças teatrais de sua autoria – que seguiam a forma dos autos medievais – foram escritas em português e também em tupi, pois tinham a finalidade de catequizar os indígenas e convertê-los ao Cristianismo. Mesmo assim, a atividade teatral somente se desenvolveu em território paulista muito lentamente, em que pese o marquês de Pombal, ministro da Coroa portuguesa no século 18, ter procurado estimular o teatro em todo o império luso, por considerá-lo muito importante para a educação e a formação das pessoas. O grande salto foi dado somente no século 20, com a criação, em 1948, do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, a primeira companhia profissional paulista. Em 1949, por sua vez, era inaugurada a Compa nhia Cinematográfica Vera Cruz, que marcou época no cinema brasileiro, e, no ano seguinte, entrava no ar a primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina: a TV Tupi. Estava criado o ambiente propício para que o teatro, o cinema e a televisão prosperassem entre nós, ampliando o campo de trabalho para atores, dramaturgos, roteiristas, músicos e técnicos; multiplicando a cultura, a informação e o entretenimento para a população. A Coleção Aplauso reúne depoimentos de gente que ajudou a escrever essa história. E que continua a escrevê-la, no presente. Homens e mulheres que, contando a sua vida, narram também a trajetória de atividades da maior relevância para a cultura brasileira. Pessoas que, numa linguagem simples e direta, como que dialogando com os leitores, revelam a sua experiência, o seu talento, a sua criatividade. Daí, certamente, uma das razões do sucesso desta Coleção junto ao público. Daí, também, um dos motivos para o lançamento de uma edição especial, dirigida aos alunos da rede pública de ensino de São Paulo e encaminhada para 4 mil bibliotecas escolares, estimulando o gosto pela leitura para milhares de jovens, enriquecendo sua cultura e visão de mundo. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural, para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada naquilo que caracteriza e situa também a história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, portanto, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza e o corpo de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico completo de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição, o entusiasmo e o empenho de nossos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, cenários, câmeras, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dedico este livro às pessoas que o lerem, na esperança de que as experiências de minha vida possam ter para elas alguma utilidade. Victor Berbara Para meu irmão Lula, cúmplice de toda uma vida. Tania Carvalho Apresentação Foi Victor Berbara quem inventou o slogan para si mesmo e que dá título a este livro. E quem melhor para resumir uma trajetória profissional de mais de meio século na Publicidade, Psicologia, Direito, Rádio, Televisão, Teatro e Cinema? Inventou e guardou para si próprio, no máximo compartilhou-o com os filhos e netas, interessados em conhecer a história do homem que revolucionou tantos meios de comunicação. E ele tem mil faces mesmo. Contar a sua história não é tarefa fácil. Pensei em dividir por décadas, mas não foi uma boa opção, porque Victor começou cedo e todas as suas profissões se entremearam. A solução foi contar aos pouquinhos, face por face: o publicitário que inventou slogans que perduram até hoje. Quer um? Coca-Coca, a pausa que refresca! O redator que viveu os anos de ouro do rádio brasileiro escrevendo novelas, roteiros de programas musicais, dirigindo humorísticos. O diretor e produtor teatral que colocou o Brasil no mercado mundial das grandes produções musicais com My Fair Lady, Hello, Dolly! e Evita. O homem de TV, que dirigiu a primeira transmissão de televisão do Brasil, em um programa musical do Frei José Mojica, grande ídolo da década de 50. E no Rio de Janeiro, embora alguns historiadores insistam em afirmar que foi em São Paulo que a TV brasileira começou. Victor tem provas, mas ficou calado por muitos anos. Low profile por natureza (minha mão direita não deve nunca saber o que a esquerda faz – é um de seus lemas), Victor só concordou com esta biografia após muita insistência, mas depois do sim, abriu portas, arquivos, memória e coração. Como um bom descendente de libanês, e a definição é dele, confia em sua intuição e, quando gosta de uma pessoa, é para sempre. E foi com a maior confiança que desfiou histórias do passado: de seu pai Félix Berbara, nascido no Líbano, em 1894, e que, em uma época em que o país era dominado pela Síria, a única opção que encontrou para melhorar de vida foi emigrar para as Américas; o casamento do imigrante árabe ortodoxo com a católica Aída, filha de abastada família portuguesa empobrecida pelo exílio; a infância perdida com a morte da mãe aos 10 anos; a joalheira no Largo da Carioca, em cuja porta pai e filho viram o Rio de Janeiro mudar; a morte do pai em seus braços. Contou ainda seu maior desejo: morar em Londres ou Buenos Aires e dirigir teatro até o fim da vida. Revelou o cotidiano de muito trabalho, mais de 12 horas diárias. Remexeu em dezenas de álbuns antigos, rememorando histórias. E ele é um bom contador de histórias! Nossas conversas foram semanais no escritório de onde comanda um grande business: a Century/Network/VTI, que distribui filmes, dubla, legenda, copia, é especializada em som para cinema e, em breve, deverá entrar na produção. Durante quase quatro horas, a cada semana, ele parava tudo, somente para enveredar pela estrada do passado. Cada passada de olhos por um canto da sala – em que se encontram fotos da família, pôsteres de teatro, uma imagem – lembrava uma história. E uma história puxava outra, que puxava ainda outra. Da sua devoção a Nossa Senhora de Lujan, cuja catedral visita todas as vezes que vai a Buenos Aires (onde tem uma casa), desde que teve uma graça conseguida, a uma briga com um famoso colunista, que desancava todas as peças que Victor dirigia, mas depois foi contratado para ser repórter de um de seus programas de TV, o que gerou mais confusão e uma carta, mistério agora revelado. Em toda a sua vida, a mão do destino esteve presente. Maktub – acredita ele. Quem sabe estava escrito que ele deveria contar a história da sua vida agora, depois de tantos anos? Victor tem orgulho de tudo o que fez. Digamos que não é modesto, e não tem por que ser. Mas também não é vaidoso. Tem horror só de pensar que, se continuasse no mundo da publicidade, precisaria estar presente em festas, coquetéis e, terror dos terrores, quem sabe até sair em páginas de revistas de celebridades. Muitas vezes, em meio ao depoimento, Victor Berbara questionou a mim e a si próprio se o que contava tinha importância, como se fosse possível não haver interesse na história de um homem que participou ativamente da implantação de grandes programas no rádio e na TV e trabalhou com Ari Barroso, Chacrinha, Fernanda Montenegro, Antônio Maria, Sérgio Porto, Ângela Maria, Chico Anysio, Radamés Gnatalli, entre milhares de outros. Cada pedacinho de sua vida representa um momento da história dos veículos de comunicação brasileiros. É também um pouco a história do Rio de Janeiro, um retrato do Brasil a partir da década de 40. Ou seja, um fascínio para qualquer pesquisador. Confira a sua trajetória no rádio, em que ele fala muito pouco de si mesmo e bem mais de um xará, Victor Costa, o homem que revolucionou a Rádio Nacional. Victor Berbara é afável, amigo de seus amigos, indiferente com os inimigos, de quem procura, se possível, nem citar os nomes. Sabe fazer favores, mas também sabe cobrá-los, quando necessário. Diversos exemplos surgiram ao longo de nossa conversa, que marcam um estilo – me permiti brincar com ele – meio Don Corleone de ser, uma máfia, porém, do bem, que salvou muitos e a ele também de várias enrascadas. Até mesmo de um cadáver no saguão do teatro, no meio de uma das exibições de My Fair Lady que, na ausência do rabecão, foi carregado no carro particular do delegado, um patrício. Não tem medo de polemizar ao afirmar que dirige teatro com mão-de-ferro, exige disciplina e tem um chicote em uma das mãos e um ramo de flores na outra. Digamos que durão, mas nem tanto. Presença constante no depoimento também é a minha mulher, aquela que aconselha, critica, apóia e até o domina: Amália Berbara, Lita para os íntimos, exprimeira bailarina do Teatro Colón, com quem Victor está casado há quase 50 anos e com quem teve quatro filhos: Roberto Aníbal, Victor Augusto, Ricardo Luiz e Maria Cristina, que lhes deram as netas Tatiana, Natália, Helena, Júlia, Laura e Carmem. A meu pedido, Victor Berbara fez algumas listas para este livro: o manual do bom diretor de teatro e televisão, o decálogo do publicitário e acrescentou outra, regras de vida, coisas que considera fundamentais, as Victor´s Rules, digamos assim. Divido-as com você, pois elas definem o grande personagem que ele é. 1. Cuide bem da saúde e mantenha a paz de espírito. 2. Brigue se tiver que brigar! Mas brigue para ganhar, avaliando antes a força de seu inimigo. Brigue na hora certa e no seu terreno. Nunca inicie uma briga! 1. Peça desculpas se tiver que pedir! Mas não deixe que ninguém lhe faça de bobo ou tente levar vantagens. Imponha respeito logo de saída. Pise forte! 2. Não minta! Seja confiável! Cumpra sempre com sua palavra! Não faça promessas! Não tenha medos exagerados! Não seja covarde! Enfrente os obstáculos com coragem e perseverança! Seja sempre leal, mesmo com seus adversários. 3. Cultive os amigos. Esqueça e despreze os inimigos. Lembre-se: se todo mundo falar apenas bem ou mal de você, pode considerar-se fracassado. O ideal é que, entre dez pessoas, cinco falem bem e cinco, mal. 4. Não seja vaidoso! Mantenha a honestidade sempre acima de qualquer suspeita! Cuidado com a bajulação. 5. Seja, em qualquer circunstância, mais você! Sonhe sempre, particularmente o sonho impossível! Nunca desista de lutar! Conquiste o inconquistável. 6. Tenha uma vida sexual amena – dentro de suas preferências! 7. Preocupe-se com a dor alheia. Seja humano e compreensivo! Ajude sempre que puder, sem esperar recompensa. Não empreste dinheiro a ninguém. Dê e esqueça! 8. Evite pisar em alguém quando estiver subindo os degraus do sucesso. A pessoa em quem você pisar estará esperando o dia em que, eventualmente, você descer. Só me resta assinar embaixo. Tania Carvalho Abril de 2004 Capítulo I A Vida Félix Meu pai, Félix Berbara, nasceu no Líbano em 1894. Na época, o Líbano era ocupado pela Síria, que mantinha um governo títere, mas, de fato, dominava o país. Havia muita pobreza no Líbano, naquela época, por ser um país invadido. E mais: a autoridade síria mantinha uma atitude despótica sobre o país, agravada pelo ciúme que os sírios sempre tiveram dos libaneses. Muito mais cultos, eficientes e progressistas, os libaneses eram perseguidos pela forma rústica de governo dos ocupantes de seu país. Sem contar com as diferenças religiosas, pois os libaneses, em sua grande maioria, eram cristãos e os sírios, muçulmanos. Legítimos e únicos descendentes diretos dos fenícios, com 10 mil anos de tradição e cultura, os libaneses viram-se obrigados a emigrar para as Américas em busca de um padrão de vida melhor. Assim aconteceu com parte da família Berbara. O patriarca Habib, a matriarca Zahie e mais quatro filhos – Zakie, Alenê, Zeque e Assaad – vieram para o Brasil, de navio, em 1916. Assaad, mais tarde, mudou seu nome para Félix. Originariamente, Habib era de uma cidade chamada Trípoli (não confundir com Trípoli na Líbia) e Zahie era de uma pequena aldeia chamada Zahle. Entretanto, toda a família Berbara provém de uma pequena cidade libanesa chamada Berbara, fundada há mais de 600 anos. Depois de uma longa viagem de navio, aportaram no Rio onde foram morar numa casa de cômodos, na atual Avenida Presidente Vargas, que na época não existia. Tais casas eram destinadas a receber emigrantes de todas as partes do mundo. Pouco depois de chegarem, enfrentaram a famosa epidemia de gripe espanhola que matou um terço da população do Rio. Felizmente, a família Berbara nada sofreu. Habib dedicou-se ao comércio e foi educando os filhos até que, em 1922, com o Líbano adquirindo sua independência, retornou à sua terra natal, com esperança de lá recomeçar a vida e assim levar a mulher e os filhos de volta. Mas o tempo foi passando e, quando isso foi possível, seus filhos já haviam se casado e se radicado por aqui. Portanto, nunca mais retornaram ao Líbano. Félix dedicou-se a atividades comerciais de vários tipos e, apesar de ter somente concluído o curso primário, tinha uma ampla cultura geral, obtida por meio da leitura constante e, estranho que possa parecer, do seu amor pela ópera. Falava fluentemente árabe, português,inglês e francês. Em italiano, ele era capaz de cantar várias árias das mais importantes óperas. Nos últimos anos de sua vida, foi proprietário de uma loja chamada Casa Félix, situada no Largo da Carioca, Rio. Ele morreu em julho de 1953, com 59 anos de idade. Aída A história de minha mãe é um pouco parecida com a de Félix: filha de abastada família portuguesa, que morava numa pequena cidade ao lado do Porto, chamada Oliveira de Azeméis, Aída nasceu em 1904 e cresceu em um ambiente de fartura, prosperidade e amplo nível cultural. Seu nome de solteira era Aída Correa da Costa. Em 1924, porém, todo o seu estilo de vida sofreu grande modificação devido à mudança de política no governo português. Assumia o poder um homem que foi símbolo de uma forte ditadura de extrema-direita: Oliveira Salazar. A família de Aída era constituída de liberais, intelectuais e democratas. Foram, então, perseguidos, e parte deles teve que, literalmente, fugir para o Brasil. Para cá vieram Aída, sua irmã Emília e seus pais. Instalaram-se em uma pensão na Rua do Catete, Rio. O pai de Aída trabalhava como jornalista, a mãe dava aulas e Emília e Aída foram trabalhar no comércio. Com o tempo, Aída, muito bonita e alta, foi descoberta pela principal loja de modas do Rio de Janeiro, a Casa Canadá, e contratada para ser sua modelo. Nessa época conheceu Félix. Entre os dois, aconteceu uma verdadeira love story. Apaixonada, ela resistiu à pressão familiar para não namorar aquele homem, vindo do Líbano, comerciante, sem nenhum tipo de educação. Para os padrões da época, isso era grave. Mas ela praticamente rompeu com a família e casou-se com Félix em 1927. Aída morreu em julho de 1938, com 33 anos de idade. Dessa união, nasci eu, Victor, filho único do casal. Victor Quando minha mãe morreu, eu tinha 10 anos e fui absorvido pela família do meu pai – avó, tias, primas, tive umas 40 mães. Cada uma com ciúme de mim, querendo cuidar. Não sei como não fiquei mimado. Aliás, fiquei sim. A família era enorme e eu vivia de uma casa para outra. As primas da minha idade até hoje perguntam por mim assim: Cadê esse menino? Era um aconchego muito grande. Havia, por exemplo, o ritual do resfriado. Quando eu tinha qualquer sinal de doença, a minha avó, com quem eu morava, tomava três providências. Primeira: Bota esse menino na cama. Segunda: Fecha tudo que é janela. Terceira: Mata um frango. Naquela época as pessoas tinham galinheiro em casa. O banho era o seguinte: água pelando, jogava álcool para que pudesse respirar o vapor, botava sais de banho, espremia dois limões, aí mandavam entrar na banheira. Doce recordação da infância. Tomava esse tipo de banho quando estava gripado até me casar, quando a minha mulher deu um basta nisso. A família da minha mãe era católica, apostólica, romana. Fui batizado na Igreja Católica. A família paterna não era muçulmana, e sim, cristã ortodoxa. Eu lembro que minha avó vivia dizendo um provérbio em árabe: Graças a Deus, meu Deus, que nos fizestes nascer cristãos e não muçulmanos. O conflito não foi tão grande. A cultura mais importante para mim, no entanto, sempre foi e será a libanesa. O Líbano e suas tradições moram dentro de mim. Embora seja 50% português, não consigo me sentir tão próximo assim desse meu lado materno. Digamos que demorei, inclusive, bastante tempo para tomar consciência disso. Meu pai brigou com a família inteira da minha mãe, por causa de sua doença e o tratamento. Ela sofria o que se chamava de coração de boi e estava internada havia vinte dias. Minha tia, irmã da minha mãe, insistiu, encheu a cabeça do meu pai que ele devia chamar o melhor cardiologista da cidade. Finalmente o meu pai cedeu. O cara foi lá numa sexta-feira e mudou todo o tratamento dela. Minha mãe ainda tentou resistir porque gostava dos médicos que estavam cuidando dela, mas acabou começando o novo tratamento num sábado. Na segunda-feira, morreu. Meu pai ficou louco, queria matar o médico. Rompeu com a família da minha mãe por causa disso. Por conseqüência, eu também acabei me afastando deles. Só fui me aproximar já adulto, depois da morte do meu pai. Fui a Portugal somente uma vez para conhecer a minha família de lá. Minha mãe tinha direito, por herança, a uma parte de uma quinta enorme. Como tinha morrido, a herança era minha. Meus parentes produziam vinho, me diziam do lucro e eu mandava que eles guardassem o dinheiro. Quando fui visitá-los, me mostraram tudo, inclusive uma casa, que era minha por direito, muito bonita de altos e baixos, no meio da cidade chamada Oliveira de Azeméis, perto do Porto. E me propuseram negócio porque uma prima em terceiro grau queria morar lá. Dei a casa de presente de casamento para ela, lavrei a escritura imediatamente, deixando a todos surpreendidos. Eu não me sentia vinculado a Portugal. Que Deus me perdoe e minha mãe não se zangue, onde quer que ela esteja, mas me sinto ligado à cultura libanesa. Estudei desde o primário no Colégio Brasileiro de São Cristóvão. Eu era um garoto brigão, pavio curto. Meu pai era freqüentemente chamado ao colégio para receber algum tipo de advertência. O colégio tinha duas diretoras, irmãs, D. Adalzira, que foi meu anjo da guarda durante o meu tempo de escola, e D. Augusta, que me odiava. D. Adalzira, que gostava muito de mim, vivia colocando panos quentes nas minhas brigas. Temos que ter paciência, ele perdeu a mãe cedo. Mas digamos que, sob esse aspecto, eu era um problema para o meu pai. Um dia, um amigo aconselhou que me colocasse para aprender jiu-jitsu com o Hélio Gracie. Meu pai não entendeu nada: Brigão como ele é ainda vou botar numa academia de jiu-jitsu? O amigo insistiu, garantindo que o Hélio daria um jeito em mim. Logo no primeiro dia, o Hélio me deu uma lição: Quando você souber jiu-jitsu, não vai mais brigar com ninguém, nem na escola, nem em lugar algum. Palavras proféticas: depois que aprendi a lutar, não briguei mais. Achava uma covardia enfrentar alguém que não soubesse jiu-jitsu. E assim cheguei a faixa preta. A lição ficou para sempre: Victor, você não é um covarde e brigar com quem não sabe o que você sabe é covardia. Quando estava no segundo ano científico, o equivalente hoje ao ensino médio, em 1945, pleiteei uma bolsa para os Estados Unidos. A guerra não tinha acabado ainda e havia glamourizado muito os americanos, Hollywood fazia sucesso e as músicas americanas eram tocadas no mundo todo. Todo mundo sonhava com os Estados Unidos. E fiquei aguardando. Nesse momento chegou a hora de servir ao exército, como já estava no científico fui fazer o CPOR, curso de preparação, de onde sairia oficial da reserva. Foi quando descobri que tinha pé chato. Hoje seria dispensado, mas naquela época quem tinha pé chato ia para a cavalaria. Eu adorei! Gostava de andar a cavalo, daquele ambiente e cheguei a segundo tenente da reserva. Só não continuei, confesso, por causa da bolsa e porque o coronel me aconselhou a dar baixa, porque acreditava que eu merecia uma carreira melhor, intelectualmente falando. Mas os meus anos de exército me deixaram as melhores recordações. Ali eu aprendi disciplina, lealdade e seriedade. Gente frouxa não podia estar lá. Criticaram muito o general Figueiredo por ter pavio curto, ser um cara brabo, decidido. Todos os oficiais de cavalaria são assim. Quem viu A Carga da Brigada Ligeira (The Charge of the Light Brigade), do Michael Curtiz, um filme de 1936 e, mais recentemente, O Último Samurai, com o Tom Cruise, tem noção do que é uma carga de cavalaria, porque foi bem retratada nos dois filmes. Quem faz aquilo não pode ser um diplomata, precisa de uma rudeza. Ao longo dos anos, me perguntei por que gostava daquilo. Naquela época, quando havia um pau, um motim, uma greve, uma confusão na rua, uma manifestação política, baderna, era o exército que ia. E do exército ia a cavalaria. E lá ia eu. Por que gostava daquilo, que não tinha nada a ver com meu espírito artístico? Não sei. Só posso dizer uma coisa: eu gostava. Em 1946, tive a notícia que havia ganhado a bolsa para estudar Medicina e precisava viajar em janeiro de 1947. Mas, para não fugir de uma das realidades da minha vida toda, o destino teve intervenção decisiva na hora de ir para os EUA. Eu nunca havia morado sozinho. Meu pai, para me fazer acostumar a depender de mim mesmo, em dezembro de 1946 me mandou ficar 15 dias na casa de um primo solteirão, Labib Berbara, comerciante de tecidos, em Curitiba. Para lá fui, ficar hospedado na casa dele. Mas, como todo libanês, o primo Labib jogava cartas todas as noites com os amigos. E era um papo em voz alta que se prolongava por horas, além da fumaça dos narguilés. Decidi que não queria ficar lá. Telefonei para meu pai, que me mandou dinheiro e fui morar no Palace Hotel, bem no centro de Curitiba. Conheci uma garota, Norma, algo mais velha que eu, e nos tornamos namorados. Ela estudava Medicina e, um dia, me convidou para visitar a faculdade que era num prédio muito bonito, ao lado do Teatro Guaíra. Estava tudo ótimo até que entrei numa sala e senti um cheiro terrível. Era o necrotério. Corpos e membros espalhados por todos os lados, pendurados em ganchos como carne em açougue. Todos conservados em formol, daí o cheiro. Senti-me mal. Ela e seus colegas me tiraram de lá, mas começaram a brincar que eu tinha que voltar. Eu não volto, falei. Ao retornar ao Rio, fui direto procurar meu coordenador no Ibeu (que me havia dado a bolsa), Mr. John Thompson. E disse que não queria mais estudar Medicina. Ele ficou horrorizado. Não podia desfazer o trato, pois era uma época, fim de guerra, em que os americanos ainda queriam fazer bonito com os brasileiros. Então combinamos: Você vai, não fala nada, assiste um mês de aulas, depois procura teu coordenador lá e diz que mudou de idéia. Ou seja: o cara passou a bomba – eu – para frente. Respondi: Desde que não tenha que ver cadáveres, topo. Ele me tranqüilizou: Em Medicina você só vê cadáveres no segundo ano. E assim fui para a Louisiana. Lá chegando, cumpri o plano. Esperei um mês tranqüilo, sem ver nenhum cadáver, e me apresentei ao coordenador que, por coincidência, também se chamava Thompson, só que Jack em vez de John. Falei que havia mudado de idéia, que não queria mais estudar Medicina e colocava o problema nas mãos dele. O cara ficou, também, apavorado. Mandar-me de volta para o Brasil podia constituir um problema até diplomático para a good will policy. Mr. Thompson me perguntou: Você quer voltar? – Não, respondi. Mas não quero ver cadáveres. Então vamos procurar outra carreira na área científica. Químico industrial? Biólogo? Agrônomo? Nada disso me agradava. Psicólogo? Aí... gostei. Lembrei-me de Spellbound, filme do Hitchcock, com a Ingrid Bergman e Gregory Peck, sobre análise freudiana. E lá fui eu. A Louisiana State University ficava numa pequena cidade chamada Baton Rouge, que era a capital da Louisiana. Era uma universidade pública, com conceito limitado, mas foi para onde a bolsa de estudos me mandou. Tinha direito aos estudos na universidade, a moradia e mais 300 dólares mensais para alimentação. Meu pai me mandava mais 300 e eu ainda pegava biscates de todo jeito: fui babá, jardineiro, garçom, enfim... o que aparecia nos fins de semana para pegar uma grana, eu ia. Aluguei um quarto na casa de uma senhora viúva, algo idosa, Mrs. Herthum, que havia perdido um filho na guerra. Ela começou a achar que eu era filho dela e me mimava de todas as formas, até demais. Em fevereiro, havia o Carnaval em Nova Orleans, o Mardi Gras, e na terça-feira era o dia dos desfiles carnavalescos. Combinei com alguns colegas que tinham carro que eles me pegariam em casa às nove da manhã para irmos a Nova Orleans, que ficava a uns 90 minutos de carro. Às dez, acordei apavorado. Cadê os caras? Falei com a Mrs. Herthum se meus amigos não tinham vindo me pegar. Vieram, disse ela, e eu mandei todos embora. Você precisa descansar. Tem estudado muito. Vai passar o dia aqui em casa. Fiquei louco. Mas já era tarde. Resolvi sair para tomar meu breakfast numa cafeteria onde os estudantes iam. Tudo deserto. Toda a Baton Rouge estava em Nova Orleans. Na caixa da cafeteria trabalhava uma linda garota, estudante, em quem eu já andava de olho. Peguei minha comida, paguei e fui me sentar, sozinho. Dali a pouco escuto: Posso tomar um café com você? Era ela. Cantei de galo: Meu carro (eu não tinha carro nenhum) não ficou pronto. Só vou para Nova Orleans de tarde. E ela me olhando. Arrisquei: Não quer vir comigo? Ela topou. A que horas você sai?, perguntei – À uma da tarde. – Ótimo. Vou pegar meu carro na oficina e à uma e meia te pego ali na praça. Você me espera. Saí dali louco. Tinha que comprar um carro. O dinheiro já estava reservado para isso. Comprei um jornal e vi um anúncio que me agradou: Vende-se um De Soto 42, com quatro portas, novo em folha. Fui ao local e fechei negócio. Havia um problema: eu não sabia dirigir, embora tivesse carteira de motorista. Na Louisiana, naquela época, você comprava sua carteira na drugstore por 5 dólares. Só tinha tomado uma única aula com os amigos que me ensinaram o básico. Mais nada. Fiz um plano. Vou em linha reta até a tal praça. Dali, sempre em linha reta, alcanço a estrada. E aí, veremos. Dito e feito. Na hora certa, encontrei a garota, Dorothy Fields era seu nome, e lá fomos nós. Tudo corria como planejado. Sempre em linha reta. No meio do caminho, encontrei meu Waterloo. Ela disse que estava morrendo de fome e resolvi parar em um diner. Mirei o lugar e fui em frente. Estacionei, comemos e voltamos para pegar o carro. Tragédia. Enquanto comíamos pararam vários carros na frente e atrás do meu. Não conseguia sair. Suava frio. Foi quando ela falou: Do you want me to drive?... Você quer que eu dirija? Apesar do vexame, respirei aliviado. Ela levou o carro até Nova Orleans e voltou dirigindo. Depois ficamos namorados e ela me ensinou a dirigir. Baton Rouge era uma small town típica americana. Pequena, charmosa, simpática. Mas, encravada no Sul, vivia o auge do problema racial que me incomodava demais. Para um brasileiro, o que se passava ali era inadmissível. Os negros eram tratados pior que animais. Lamentável. Um sábado fui jantar sozinho em um diner à beira da estrada. Senteime no balcão e fui atendido por um garçom negro. Puxamos papo. No tei que havia uma mesa com quatro homens que nos olhavam atentamente. A conversa foi muito simpática. Ele era veterano de guerra e voltara para a sua terra esperando vida melhor, mas nada. Depois do jantar, paguei e fui embora, antes apertando a mão do cara. Fui me encontrar com alguns amigos na drugstore onde minha namorada trabalhava. Gabei-me ao contar minha história. Notei que um deles ficou impressionado e me perguntou todos os detalhes do episódio. No final, disse-me que fosse para casa imediatamente e que aguardasse um telefonema dele. Sem entender bem o motivo, concordei. Uma hora depois, ele me telefonou. Tudo bem. Já acertei tudo. Um dos quatro homens que estavam no diner era meu pai. Pedi por você e eles refrescaram. Mas disseram: a próxima vez que você apertar a mão de um negro, vai morrer. Percebendo minha surpresa, meu amigo explicou: os quatro homens, inclusive seu pai, eram da Ku Klux Klan. Resolvi ir embora da Louisiana e tentei a Columbia University. Tive sorte e consegui a transferência. A despedida de Dorothy foi triste. Ela prometeu me esperar e eu prometi voltar. Nenhum dos dois cumpriu sua promessa. Mrs. Herthum? Outra triste despedida. Durante os anos em que vivi lá, ela me mandava Christmas Cake feito por ela para o Natal. Anos depois, levei minha mulher e meus filhos pequenos a Baton Rouge conhecer a casa onde morei. Mrs. Herthum havia falecido uma semana antes. E os cadáveres??? Fui me acostumando com eles. Nos estudos de Psicologia a gente vê alguns. Em Medicina Legal fui sempre o melhor aluno, particularmente nas aulas práticas do IML. E, como advogado criminalista, cansei de me encontrar com eles. Questão de hábito... Quando me formei na Columbia, precisei fazer seis meses de análise para receber o diploma. Era obrigatório, pelo menos nos Estados Unidos. O analista em geral é um professor e é ele quem diz se você é capaz ou não de exercer a profissão de psicólogo. Fiz seis meses de análise com um professor, de quem gostava muito. As sessões eram no apartamento dele em Manhattan. Quando terminaram e ele tinha que dar o parecer, me disse que estava indeciso. Você vai me ajudar a tomar a decisão. Aliás, você é quem vai decidir. – Indeciso em quê, professor?, insisti. – Sinto que eu tenho dois caminhos: ou recomendo que você seja internado num hospital psiquiátrico imediatamente ou aprovo-o para ser psicólogo com lauda. O que é que você me aconselha fazer? Atônito, agradeci pela opção, mas avisei que a escolha era dele: A decisão é sua, não é minha, inclusive porque eu sou suspeito. Ele parou, deu uma risada e disse: Você respondeu o que eu esperava que você respondesse. Eu vou aprová-lo com lauda. Você vai ser um grande psicólogo, cuide da sua profissão, mas nunca se esqueça de que você é meio maluco. E completou: Mas não se preocupe, porque eu também sou. Acho que ele tinha toda razão, sou meio louco mesmo! Bem, me formei e voltei para o Brasil, e minha família ficou muito triste porque não era doutor. E ainda achavam estranhíssima essa história de Psicologia. E com razão, porque ninguém sabia mesmo o que era isso no Brasil. Eu não tinha onde trabalhar. E queria ganhar dinheiro. E gostava de aventura. Na época, aconteciam as escaramuças que se seguiram à criação do Estado de Israel e pensei em me inscrever no exército libanês. Cheguei a pedir autorização ao Ministério da Guerra e ao Itamaraty. Fui nomeado capitão do exército libanês e, quando estava para ir, o rei Farouk, do Egito, entregou o ouro, foi embora, o maior exército era o egípcio, então a guerra acabou. Aí você dirá: Ele era um patriota árabe. Não, não era. Estava querendo aquelas mulheres maravilhosas e a dança do ventre. Uma aventura... Eu tinha um diploma da Columbia University, MS em Psicologia e resolvi procurar um emprego. Na época, a Panair do Brasil estava abrindo os vôos Rio-Beirute/Beirute-Rio e queria montar um serviço, com seis pessoas que se alternariam para levar e receber os passageiros no Galeão. Eu falava árabe fluentemente, fiz o concurso e passei. Naquela época não existia ponte para o Galeão, que fica na Ilha do Governador. Os passageiros faziam o check-in no Santos Dumont, no centro da cidade, de lá eram embarcados em limusines até a praia de Ramos. Do Social Ramos Clube, todo mundo atravessava a baía, em pequenas lanchas, rumo ao Galeão. E eu lá, de uniforme de aeronauta, confortando os passageiros. Uns tinham enjôo, outros, medo de mar e eu puxava papo em árabe para animá-los. Eu não queria prosseguir naquilo. Era apenas para ganhar algum dinheiro e seguir a minha vida. Um belo dia, sai um anúncio no jornal que uma agência de publicidade, a McCann Ericsson, estava procurando jovens formados em nível superior, que pudessem trabalhar em um serviço especial que estava fundando. E fui para a entrevista na sede da empresa, na Rua México. Tive a sorte de ser entrevistado por um homem fantástico, que era o presidente da agência naquela época: Armando de Moraes Sarmento, um homem de um valor enorme, com uma perspicácia muito grande, severo, um profissional de propaganda que hoje não se encontra mais. Porque a própria profissão mudou com o tempo. O Sarmento deve ter percebido em mim alguma coisa artística. Ele me fez muitas perguntas: do que eu gostava, no que eu tinha me formado, como era a minha vida, como tinha sido nos Estados Unidos. Num determinado momento ele quis saber se eu gostava de cinema e qual havia sido o último filme que havia visto. Não entendi nada quando ele disse: Eu quero que você se sente ali durante 15 minutos, vou te dar um papel e uma caneta e você escreve um comentário a respeito desse filme. Achei a tarefa meio absurda. Eu não estava querendo ser crítico de cinema, nem me julgava capaz disso. Mas ele me mandou fazer e fiz. Quinze minutos depois ele voltou, leu e decidiu que ia me colocar no departamento de rádio, para ser assistente do chefe, o Eliezer Burlá. O que ele mandar você fazer, você faz. Percebi que você escreve bem, que a tua redação é fluente, que você se comunica bem, eu acho que você vai dar certo ali. Quando é que você pode começar? Pedi um tempo para dar o aviso prévio na Panair e garanti que em uma semana poderia me liberar. Quanto você quer ganhar? O bom libanês nunca dá o primeiro preço. Quanto é que o senhor paga? Ele me ofereceu o triplo do que eu ganhava! Fiquei emocionadíssimo. E comecei a minha verdadeira carreira profissional, como publicitário, que me abriria as portas para o rádio, para a televisão, e me deu asas para investir no teatro. Já tinha um trabalho. Agora podia pensar em ser doutor para satisfazer a minha família. Resolvi estudar Direito e entrei na Universidade Federal do Rio de Janeiro no terceiro ano, porque pude aproveitar diversos créditos do curso feito nos Estados Unidos. E logo consegui a carteira de solicitador, que me dava direito a trabalhar em um escritório de advocacia. Era, digamos assim, um pré-advogado. Durante dois anos e meio trabalhei no escritório do professor José Reis Fontes, altamente especializado em falências e concordatas. Depois fiz uma prova de seleção rigorosa e, já formado, fui para o escritório do dr. Romeiro Neto, o maior de advocacia criminal do País. Tornei-me logo o favorito do rei, recebendo missões que exigiam, além do conhecimento jurídico, muita habilidade e sangue-frio. Entre as minhas tarefas, fazia o primeiro contato com os clientes do escritório e emitia um parecer se a história que contavam era verdadeira ou não. E o diploma de Psicologia ajudava muito! Pelo escritório passaram os maiores casos de advocacia criminal no Rio, dentre eles, o Crime do Sacopã, que abalou os anos 50. Afrânio fora encontrado morto, assassinado, em seu carro Citroën no alto da Ladeira do Sacopã, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Com o correr das investigações, um certo tenente da Aeronáutica, Jorge Franco Bandeira, foi sendo envolvido em uma teia de provas circunstanciais e, indiciado como o criminoso, foi a júri. Nosso escritório foi encarregado de defendê-lo. Havia a possibilidade de um acordo, que daria no máximo dois anos de prisão, caso ele se considerasse culpado. O tenente Bandeira não aceitou esta alternativa, declarando-se inocente e preferindo lutar até o fim por sua absolvição. Desgostoso, o Dr. Romeiro retirou-se do caso e, com a defesa de outro advogado, o tenente foi julgado e condenado a 15 anos de prisão. Nos anos 70, o caso foi reaberto e surgiram suspeitas sobre o Senador Alencastro Guimarães, figura importante do Governo Vargas, que teria mandado matar Afrânio, porque ele chantageava uma de suas filhas, que era casada. O executor do crime teria sido Pepe Caraballo, cidadão argentino, que era casado com outra filha do senador. O interessante é que Pepe, que era publicitário, trabalhou comigo na Century, de 1966 a 1967, e foi demitido por não ter conseguido a conta que tinha a missão de conquistar. E se ele fosse um matador? Nunca soube. Mas que é uma boa história, ah, isso é. Trabalhava de 14 a 18 horas por dia, entre a publicidade, o rádio, a televisão e o Direito. Até que um caso me fez desistir de ser advogado: um cliente queria o desquite, um procedimento na época bem complicado, ainda mais se fosse litigioso. Uma das bases mais comuns para o desquite era o adultério – que precisava ser provado com um flagrante perfeito do ato, com a presença de um comissário de polícia para atestá-lo. E ele tinha o flagrante feito no motel Gruta do Trampolim, em São Conrado, um dos primeiros da cidade. O trabalho era fácil, o processo seguia os seus trâmites, quando o cliente apareceu no escritório com sua mulher e mandou cancelar tudo: havia se reconciliado e perdoara a mulher. Ponderei, a sós com ele, que talvez ela não viesse a cumprir as juras de fidelidade eterna, mas ele acreditava nela e não podia viver sem a sua presença. Ela chorava e jurava que era outra pessoa, que amava o marido, que desejava filhos, família. Vejo-a ainda hoje diante de mim. Meu espírito romântico e algo ingênuo acabou me levando a achar que o amor havia triunfado. Dr. Romero foi incisivo: Você errou! Ela vai fazer de novo e aí poderá acontecer uma tragédia. Achei absurdo o argumento e pensei que ele estava aborrecido porque eu havia dispensado os honorários. Seis meses depois, leio na primeira página dos jornais: Homem desesperado pega mulher no motel, mata-a e se suicida. Era nosso cliente. Fiquei muito triste, embora não tenha sentido remorso. E decidi que era bastante complicado tomar parte da vida das pessoas. Melhor escrever novelas! Meu Deus, que devaneio! Aonde esta história me levou... Voltemos ao Rio de Janeiro dos anos 50. Meu Deus, era uma cidade perfumada, glamourosa! Eu me lembro do Largo da Carioca, onde meu pai tinha a sua loja de jóias, a Casa Félix. Havia duas confeitarias muito bonitas, a Lallet e a Paschoal. Em uma delas, vi uma vez a Ilona Massey, uma cantora húngara, que havia ido para os Estados Unidos e estrelado Balalaika ao lado do Nelson Eddy. Ela estava no Brasil para fazer um show no Cassino da Urca. Uma aparição: toda de branco, com um enorme chapéu, elegantíssima, ela se sentou na confeitaria, enquanto eu e meu pai tomávamos sorvete, embevecidos. Foi ainda no Largo da Carioca que vimos o progresso chegar: na Rua Sete de Setembro, esquina de Rio Branco, presenciamos a inauguração, com enorme estardalhaço, de uma loja moderna, onde se podia fazer lanches e tomar café em pé, o Café Palheta. Fomos até lá, tomamos o nosso cafezinho e meu pai profetizou: Você está vendo o começo da decadência do Rio de Janeiro. E ele tinha razão: abandonávamos naquele momento o modelo europeu, a cultura das confeitarias, dos cafés, para entrar na era das lanchonetes, o american way. Meu pai morreu poucos anos depois, em 1953, e não viu que a sua profecia se realizara. O Rio brilhava na década de 50: os espetáculos de Carlos Machado, os shows no Casablanca, Golden Room, Monte Carlo, Night and Day, Vogue. Tentei reproduzir na TV esse clima em um programa chamado Anjo Azul, na Tupi. O cenário era uma boate fictícia, a Anjo Azul, evidentemente inspirado no filme com a Marlene Dietrich, e por ela passavam todos os grandes astros que faziam turnê por aqui, além dos sucessos nacionais, bailarinos, cantores líricos e mulheres bonitas de montão. E o Anjo Azul era o sinônimo do Rio de Janeiro. Nessa ocasião, o Carlos Machado contratou 12 bailarinas e 12 bailarinos do Teatro Colón de Buenos Aires, uma das maiores casas de espetáculos de classe, de cultura, ópera, balé, do mundo, ao lado do Metropolitan de Nova York, da Ópera de Paris, do Scala de Milão, do Teatro de Moscou e da Royal Ópera de Londres. Eles faziam três números no show Grande Revista – dentre eles, um cancã fenomenal – e se apresentavam no Teatro Municipal. O patrocinador sugeriu que eu os levasse para a televisão. Pedi ao Grande Otelo, que trabalhava no show do Machado, que fizesse a ponte entre nós. Marquei a reunião com a representante do grupo, uma das bailarinas. Uma chata de galocha. Colocava problema em tudo: roupa, luz, pouco ensaio e eu tentava explicar que era jogo rápido, televisão. No dia seguinte, ela foi ver o espaço e nossas conversas continuaram entremeadas de agressividade mútua. Alguém se lembrou de um número que poderia ser adaptado para o estúdio com bailarinos, um trecho da ópera Carmem. Chamei o famoso barítono Paulo Fortes, uma meio-soprano do Municipal, coloquei-os no palco com os bailarinos argentinos, ensaiamos, porque a argentina exigiu e ficou bonito para burro. Ela, que era primeira bailarina do Colón, dançou também. Quando acabou, eu disse assim: A gente brigou até o fim, mas valeu a pena. Saiu muito bonito. Para selar o nosso armistício convidei-a para ver o filme Milagre em Milão. Depois jantamos. Ela topou e está comigo há 49 anos, é a minha mulher, companheira, amiga, cúmplice Amália Berbara, Lita. Entre o momento em que o Otelo levou-a na minha sala para a primeira reunião e nosso casamento passaram-se 33 dias. Ela era noiva de um tenente da Força Aérea Argentina; eu, de uma moça da família Jafet de São Paulo, a Denise. Desfiz o meu compromisso. Ela acabou o seu noivado – a sua mãe me odiou desde o primeiro dia – e estamos juntos até hoje. Não foi simples, porém, desfazer o meu compromisso. Tudo começara no verão de 1953, meu pai estava hospedado com a minha madrasta em Poços de Caldas e fui até lá em um final de semana. Eles estavam hospedados no Palace Hotel, que era um luxo, um dos hotéis mais bonitos do Brasil. Quando cheguei, meu pai me avisou que tinha conhecido uma moça que era de uma família da nossa terra, o Líbano. Era a Denise, filha do patriarca da família Jafet, Chedid, e de D. Violeta. Começamos a namorar no sábado e imediatamente nossa relação foi proibida pela família dela. Eu ia para São Paulo toda semana, a trabalho, e nos encontrávamos escondidos no Museu do Ipiranga. Às vezes íamos ao Cinema Majestic, na Rua Augusta. Um dia, D. Violeta concordou em conversar comigo e marcamos um chá no Clube Paulistano. Ela me fez muitas perguntas, foi profundamente antipática e deixou tudo sem conclusão. Dias depois, Denise me comunicou que a mãe definitivamente não queria o nosso namoro, porque eu morava no Rio e era artista. Mas nós nos queríamos bem e continuamos a namorar escondido. Um dia, D. Violeta me liga, deixando claro que sabia do nosso namoro, que a filha estava louca por mim e que a família havia se reunido e decidido me dar uma oportunidade, mas que eu devia conversar com o Nagib Jafet, seu cunhado, para que ele estabelecesse as regras. Quase que eu a mando àquela parte, mas eu gostava da Denise e ela de mim. A família era muito rica, muito mesmo, hoje talvez não tanto, mas eram donos de uma mineração em São Paulo, de um jornal no Rio e da Rádio Mayrink Veiga. Vi que o Nagib era simpático, o mais democrático da família, e ele me avisou que ia mandar me investigar porque não gostavam de mim, mas não sabiam o porquê. E que eu devia me comprometer de não ver a Denise enquanto essa investigação não acabasse. Concordei e mantive a minha palavra. Maktub. Uns 15 dias depois dessa conversa, meu pai morreu. Naquela época, eu ia para São Paulo todas as sextas-feiras de tarde e regressava às terças de manhã. Nesse fim de semana, decidi não ir. No sábado, fui ao cinema São Luiz sozinho ver Depois do Vendaval, de John Ford, um clássico. Cheguei em casa às 11 horas da noite e de madrugada sou acordado pela minha madrasta, porque meu pai estava passando mal. Ele ela cardíaco e sentia fortes dores. Meu pai morreu literalmente de dor nos meus braços. Foi uma morte lancinante. Em seu rosto havia uma expressão em que se misturavam horror, raiva, ódio, terror, uma máscara horrível. Pousei a cabeça dele no travesseiro, fui para a sala, angustiado. Não vou deixar meu pai sozinho – eu pensei comigo. Passaram-se 30 segundos, do momento em que pousei a cabeça dele, fui pra sala e voltei. No que tornei a pegar a cabeça do meu pai, ainda atordoado, tudo havia mudado. Notei uma expressão de total paz. Plácido, sereno, suave. Sou católico, mas respeito todas as religiões. Um amigo espiritualista me explicou: Sua mãe estava esperando pelo seu pai e veio buscá-lo. Você não acha que o semblante dele era de quem havia encontrado um velho e querido amigo que não via há muitos e muitos anos? Acho que me tranqüilizou um pouco a alma, sem diminuir a minha dor. Mas até hoje não sei por que, naquele fim de semana, resolvi, sem motivo, ficar no Rio. No túmulo de meu pai mandei escrever: Ele foi o melhor pai deste mundo. E foi mesmo. Cuidou de mim com um desvelo e carinho que extrapolava os limites de qualquer pai. Foi, ao mesmo tempo, pai e mãe. Casou-se de novo porque minha família dizia que eu precisava de uma nova mãe. Mas, na verdade, seu amor por minha mãe era eterno. Interessante, lembrei-me de uma poesia de Elizabeth Barret Browning que fala de duas pessoas que se amavam, mas não contavam uma a outra seu segredo de amor. Meu pai não vivia bem com minha madrasta... nem eu. Mas eles se mantinham juntos e eu não entendia por que não se separavam. E eu ficava morando em casa, mesmo depois de adulto e de ganhar bem, porque não tinha coragem de largar meu pai. Se ao menos eu soubesse a verdade... No velório de meu pai, que foi na Igreja Ortodoxa da Avenida Gomes Freire, no Rio, notei a presença de uma mulher bem vestida, com cerca de 45 anos de idade. Loura, bonita, alta, discreta. Eu não a conhecia. Mas quando a observava, notava sempre lágrimas em seus olhos. Perguntei a um amigo de meu pai quem era ela. Você não sabe? Eu não sabia. Ele me disse que ela se chamava Celeste e que tinha uma relação com meu pai havia cinco anos. Seu pai não deixou sua madrasta porque temia que um pai libanês separado de uma esposa libanesa pudesse prejudicar a vida de seu filho querido quando ele quisesse casar com uma libanesa de boa família. Lembrei-me da Denise. Era ela, sem dúvida, a moça libanesa de boa família com quem meu pai queria que eu me casasse. Nesse momento pensei: que estranha é a vida. Eu não saí de casa para evitar que ele brigasse com a mulher, culpando-a por minha saída. E ele não foi viver com Celeste por minha causa. Que comédia de erros! Fui em direção a D. Celeste, pedi licença, e sentei-me a seu lado no banco da igreja. Sei quem a senhora é. Não sabia, mas agora sei. Ela me olhou com um olhar de enorme ternura e disse: Seu pai e eu não queríamos que você soubesse. Mas fomos muito felizes durante cinco anos. Fiquei contente por isso. Dei-lhe um beijo no rosto e me afastei. Antes, perguntei: A senhora precisa de alguma coisa? – Preciso dele! – Nunca mais a vi. Na manhã seguinte à morte do meu pai, havia mandado um telegrama para Denise pedindo que ela viesse me ver. Eu preciso de você. Venha. Ela não veio, nem telefonou. Tempos depois, ela disse que tentou vir, mas a família a proibiu, trancou-a no quarto, foi um negócio meio dramático. Mas no fundo do meu coração, eu acho que eu nunca cheguei a perdoá-la. Não sei se fui justo ou injusto. Continuamos a namorar, fui aceito pela família, mas já havia outras pessoas na minha vida. Uma delas havia conhecido uma semana antes do meu pai morrer, ela trabalhava na Tupi, uma loura, alta, bonita que levava os prêmios para os ganhadores nos programas de sorteios. Era ainda uma vedete, que cantava e dançava. Seu nome era Léia Ribeiro, mas todos a conheciam pelo nome artístico, Bonnie Walker. Foi ela, na verdade, quem tomou o lugar da Denise no momento em que eu mais precisava e segurou a minha cabeça. Tive que negociar com a minha madrasta a divisão dos bens do meu pai. Eu queria ficar com a loja, ela, com a casa. E em 30 dias precisei sair de onde morava, sem me sentir capaz. A Bonnie começou a organizar minha vida, olhar apartamento para mim, foi fantástica! Nós chegamos a pensar em casar. Nesse meio tempo, continuava a namorar a Denise. O bispo da Igreja Ortodoxa nos benzeu na noite de Natal de 1954 e ficamos noivos. A relação com a Bonnie acabou no réveillon, uma semana depois. Eu havia ficado chateado com ela, porque a pegara em uma mentira, me aborrecera ao descobrir que seu carro estava no nome do ex-namorado e brigamos. Houve uma reunião em casa naquele 31, com os amigos. Ela foi uma anfitriã perfeita e fomos dormir. No dia seguinte, quando acordei ao meio-dia, 1.º de janeiro de 55, havia uma carta dela ao pé da minha cama. Nós temos brigado demais. Eu sei que você não consegue aceitar muitas coisas. Essas brigas não estão boas. Nós vamos nos separar. Você não vai me ver mais. Meu destino era casar mesmo com a Denise, embora a nossa relação tivesse esfriado muito da minha parte. Aí surgiu Amália na minha vida! Chamei D. Violeta, expus o que havia acontecido, que estava apaixonado por outra. Ela me fez ver tudo o que estava perdendo: A família te adora. Você vai ser presidente da Mineração Brasil. O presente de casamento da Denise é uma mansão na Rua Bom Pastor, no Ipiranga, toda mobiliada. Você já pensou no que vai deixar? Eu sabia, mas fiz a opção por uma mulher que não tinha nada. Eu tinha apenas o meu emprego e meu salário. Jamais me arrependi um só dia. Primeiro porque gostava – e ainda gosto e gostarei sempre – muito dela. E também porque ela sempre teve um quê de domínio sobre mim. Ela me controla, manda em mim, briga comigo. Ouço o que ela fala, porque sua personalidade é enorme. Sempre fui muito independente e uma pessoa assim talvez precise do seu Waterloo. De certa forma, ela é o meu Waterloo. Isso não tem nada a ver com ciúmes, cobranças bobas, isso ela nunca fez. Eu levo uma vida em que a presença dela é importante, mais do que isso, fundamental. As coisas que ela quer, ela domina. E bem. Aliás, a minha reunião com D. Violeta, que veio especialmente ao Rio para falar comigo, quase acabou com o meu casamento, pois aconteceu um lance cômico-dramático. O Ibrahim Sued nos viu conversando. E, sem saber o verdadeiro motivo, colocou no dia seguinte em sua coluna no Globo a seguinte notícia: Victor Berbara, sua noiva Denise e a futura sogra Violeta Jafet discutindo planos para o seu próximo casamento, tomavam chá no Copa. Lita leu a notícia e rompeu comigo. Foi uma loucura, tive que dar mil explicações para mais uma tolice do Ibrahim, mas tudo acabou bem. Eu só tenho a agradecer a Deus, por todas as mulheres que botou no meu caminho, a começar pela minha mãe. Minhas tias, minhas primas e as mulheres a quem amei. Muitos pensam que tive um harém, mas não é verdade. Foram poucas, mas valiosas. Da Denise continuo amigo até hoje. A Bonnie nunca mais vi, só soube notícias a vida inteira por um cunhado dela, que era meu amigo. Na época de My Fair Lady, recebemos um auto de infração, apelamos, fomos perdendo em todas as instâncias e já estava preparado para pagar uma multa astronômica. Um dia, soube que a Procuradoria havia encontrado um jeito de desqualificar o auto, dando um parecer que nos liberava do encargo. Quem havia dado o parecer? Dra. Léia Ribeiro. Bonnie havia se forma-do em Direito e era Procuradora do Estado. Seu cunhado me disse que era o presente de Ano-Novo que ela não havia me dado em 55. Eu já estava casado, pensei em mandar umas flores, telefonar, mas ele me desaconselhou: Não faz isso, porque eu conheço vocês dois. Se vocês se falarem, vão começar tudo de novo. Fiquei furioso, reagi, depois decidi que não iria fazer nada mesmo. De certa forma, fui covarde e ingrato. Algumas vezes liguei para o 102 para saber o telefone dela e me davam vários números de pessoas chamadas Léia Ribeiro. Outras vezes, eu olhava o catálogo. Cheguei a ter o telefone na mão para ligar. Hoje eu não sei se ela é viva ou morta. Dizem que o homem é polígamo por natureza e vivo no meio de mulheres. Muitas já deram em cima de mim, claro. Mas jamais passaram pelo meu crivo analítico. Quando alguém tenta se aproximar muito, penso logo: o que eu teria a melhorar na minha vida espiritual, física, profissional, material com essa pessoa? Nunca encontrei nada que justificasse ao menos um affaire. Confiança, companheirismo, personalidade, cultura, cama – minha mulher é imbatível em todos os quesitos. Com ela formei a minha família: Roberto Aníbal, economista e MBA pela Coppead; Victor Augusto, médico, com mestrado em Barcelona; Ricardo Luiz, agrônomo, PhD pela Universidade de Dundee, na Escócia, professor da Rural, cientista; e a Maria Cristina, que é formada em História da Arte, professora na Holanda e da USP e PhD pela Universidade de Hamburgo. Dos meus filhos, vieram as minhas netas: Tatiana,18 anos; Natália, 17; Helena,15; Júlia, 7; Laura, 4; e a Carmem, que tem 1 ano. Meninas maravilhosas! Ter seis netas, para mim, que sou místico, é uma prova da influência marcante das mulheres na minha vida. Algo como a presença do destino através de mãos femininas. E só tenho a agradecer a todas as mulheres que passaram pela minha vida, por quem tenho um enorme carinho. Capítulo II A Publicidade Dizem que a publicidade evoluiu. Eu acho que houve uma involução. No fim dos anos 40, quando comecei, para ser publicitário era necessário ser criativo, precisava ter IDÉIAS, era delas que partia uma campanha e não de efeitos de computador. A mídia não tinha a força de hoje, no Rio havia três jornais – O Globo, Correio da Manhã, A Noite – a televisão não existia e o rádio, que era o mais poderoso meio de comunicação, obrigava ao máximo de criatividade: eram veiculados spots de 30 segundos ou jingles e neles era preciso dizer tudo, não se podia perder tempo. Era necessário dar a mensagem rapidamente: quem você é, o que quer e quanto custa. Acabou. Era para ser entendido imediatamente pelo público. Eu me lembro das reuniões na Mc-Cann Ericsson, nas outras agências que trabalhei e na minha própria, em que toda a equipe de criação participava, o chefe de arte, de rádio, o redator, o contato da conta, em que ocorriam tantas idéias que era possível fazer mil campanhas. Hoje tem muita paisagem e gente bonita na TV, mas cadê a idéia? Era tão forte a mensagem que muitas vezes se tornava um dito popular. Da publicidade passava para a cultura do dia-a-dia e hoje ninguém sabe que foi um slogan de propaganda. Um exemplo? Precisei desenvolver uma campanha para a Esso e os americanos queriam que tivesse um toque sentimental e institucional, ao mesmo tempo. Eles, que foram mestres em publicidade, gostavam muito dessa técnica de vender, mas também agradar ao público. Tive a sorte de ter uma idéia que agradou e foi aprovada por unanimidade. Um slogan – e tudo partia dele: Cuidado! Atrás de uma bola vem sempre uma criança. As pessoas repetem essa frase desde então ao avistarem uma bola, está gravado no inconsciente. Para a Coca-Cola criei um slogan que é usado até hoje. Devia cobrar direito autoral. O cliente havia nos alertado sobre um problema – era assim que a coisa funcionava, a agência estava lá para isso, resolvê-lo: as pessoas só bebiam Coca-Cola quando estava muito calor e era preciso que ela virasse um hábito. Cada um deu um palpite. Um não, vários, porque as reuniões eram usinas de idéias. Até que dei o meu. Sorte, pura sorte. Coca-Cola, a pausa que refresca. O que estava por trás disso? Que ela devia ser usufruída a qualquer momento do dia, naquela hora da pausa no trabalho, em especial, não somente nas horas da sede, para matar o calor. Coca-Cola era para os momentos de felicidade. Criei outro slogan, do qual tenho orgulho, e que até hoje está impresso no rótulo do Vick Vaporub: Esfregue e Pronto. Pode até parecer óbvio, mas na época as pessoas não sabiam usá-lo. A premissa do Vick é que se deve respirá-lo, mas havia mãe que colocava dentro do nariz, na boca para ser engolido e até como supositório. Os americanos ficavam loucos. O slogan deixava claro que bastava esfregar no peito, que, ao ser inalado, aliviaria os brônquios, desentupindo o nariz. Acho que as crianças agradecem até hoje esse slogan. O biscoito Maizena, da Piraquê, que foi meu cliente até o final da minha própria agência de publicidade, vendia às toneladas através da idéia de que era feito com tanto cuidado que a mãe podia dar para o seu bebê quando ele começasse a comer. E até hoje é o primeiro biscoito que os nenéns comem! E quem não se lembra do verso Plá, Plé Plí, Pló, Plus Vita? Nos últimos anos, a única campanha em publicidade que vi nesses moldes, onde havia uma idéia central, foi a Não é uma Brastemp. Involução ou evolução? Naquela época, o homem de propaganda era um publicitário nato, criativo, anônimo, nunca era citado nas colunas ou revistas de celebridades. Armando de Moraes Sarmento chegou a presidente da Mc-Cann Ericsson mundial, com sede em Nova York, e ninguém fora do meio o conhecia. Todas as agências viviam da comissão, que era um número abstrato, que ninguém entendia direito como havia sido criado. Mil vezes perguntei e ninguém jamais me explicou. Era 17,65% do valor do anúncio. E pronto, não tinha desconto e ninguém estava preocupado com isso. A função de um publicitário era ser um criador. Hoje existe uma enorme fogueira de vaidades. O homem de propaganda, o dono de agência, é basicamente um homem de negócios – que quer saber quanto vai ganhar, qual o desconto que vai conseguir para o seu próprio bolso – e um homem de relações públicas, aparece na imprensa e é mais citado que todos os clientes na coluna social. Quer saber do seu status e dos prêmios. Não dá para abrir uma revista de celebridades sem encontrar uma meia dúzia de publicitários em festas. E o produto? E a criatividade? E o cliente? Evolução ou involução? O publicitário era o confessor. O cliente contava para o médico, para o advogado e para o publicitário coisas que ninguém mais sabia. Quantas e quantas vezes fui chamado para resolver questões pessoais de clientes importantes? Porque você era o deus deles. Você resolvia tudo. O publicitário era também alguém que resolvia problemas do próprio negócio do cliente com a sua criatividade. Os Supermercados Merci, por exemplo, sofriam, assim como todos os outros, com a falta de público nos primeiros dias da semana. Fui para a loja, fiquei olhando aquele corredor imenso e pensando uma solução para encher o supermercado nas segundas, terças e quartas-feiras. O que é que a mulher compra?, pensei. Estamos falando dos anos 50, em que ela era inteiramente responsável pela casa, pela compra dos mantimentos, absolutamente doméstica. Pensei, pensei, pensei e sugeri que o dono fizesse um açougue no fundo do supermercado com cortes especiais. Carne só era vendida em açougue. E mais, proibi que ele vendesse a carne nos finais de semana. Foi um sucesso. E até hoje se compra car-ne no supermercado. Com a Piraquê, que trabalhei de 1953 a 1988, coloquei na cabeça do dono da empresa, o Dr. Celso Colombo, que a marca não deveria fazer anúncios só por fazer. Deveria, sim, patrocinar eventos, programas, e ela se tornou, por exemplo, a primeira patrocinadora do Fantástico. Eu queria que a marca ficasse conhecida não só por fazer um anúncio dizendo Compre o meu biscoito porque ele é melhor, mas por dar algo em troca ao consumidor. Ou seja, por meio dessa participação em eventos importantes, a Piraquê reafirmava a sua própria importância. E se tornou a maior fábrica de biscoitos do Brasil, desbancando marcas poderosas como a Duchen, a Aymoré e a própria São Luiz, que era do pai do Dr. Colombo. Minha vida na publicidade começou na McCann Ericsson, como contei. Fui na história da agência o chefe de departamento mais novo, aos 21 anos, em uma época em que os jovens não tinham a força que têm hoje no mundo. Até hoje recebo anualmente uma carta relembrando isso. Adorava o departamento de rádio, e os clientes também gostavam muito de mim, porque eu tomava decisões, resolvia, trabalhava sábados e domingos. Um supervisor, que haviam colocado em cima de mim e de outros chefes de departamentos mais artísticos, resolveu me antagonizar. Tive um pega com ele enorme e, furioso, fui até a diretoria. Cada andar que passava avisava que ia dizer isso, aquilo para o Sarmento. Minha mulher garante, e ela é suspeita, que se não fosse o meu temperamento, eu seria Presidente da República, mas sou assim mesmo: brigo mesmo e não consigo esconder os meus sentimentos. Bem, cheguei no 11.º andar, onde ficava o escritório do Sarmento, depois de esbravejar desde o 19º. A secretária dele ainda me alertou, quando avisei que queria falar com o presidente: Pensa bem no que você vai falar. – Não, eu não quero pensar em nada. Eu quero é falar com ele. Se a senhora não me deixar entrar, vou arrombar a porta. Entrei e deixei clara a minha posição: Trabalho pra burro, sou o astro aqui, e ou eu ou ele. A resposta foi clara: Ele. Um ano e meio depois de ter entrado na McCann, saí. Muitos anos após, eu já era presidente da Associação Brasileira de Propaganda, encontrei o Sarmento em Nova York, que me recebeu superbem e me explicou que, se eu não tivesse anunciado para todo mundo o que iria fazer, ele teria me dito: Paciência, que ele vai embora. Mas eu não havia dado a ele esta opção. Concordei que o Armando tinha toda a razão. Meu antigo chefe estava na Standard. Liguei para ele e perguntei se havia lugar para mim. Ele respondeu: Vem pra cá. Trabalhava muito bem, meu cliente favorito era a Kibon e mais uma vez era onipotente e onipresente. A história da juventude me perseguiu, porém, de novo. O Cícero Leuenroth, que era dono da Standard, tinha fama de ciumento e de queimar as pessoas que estavam progredindo demais dentro da empresa. Eu já tinha visto ele queimar um companheiro próximo, o João Dória, que era seu braço direito e que todo mundo gostava. O Bernard Campos, que era casado com a filha da Condessa Pereira Carneiro, do Jornal do Brasil, me avisou: Cuidado, que ele vai te derrubar, já arrumou um esquema para te tirar da chefia do departamento de rádio, cinema e televisão para colocar o Sangirardi Jr., mas ele vai te enrolar, inventar uma promoção, mas o que deseja mesmo é te fritar. Dito e feito. O Cícero me chamou, avisando que eu precisava progredir e por isso me tornaria contato, que era uma posição hierarquicamente superior. Minha conta principal seria de uma fábrica de tratores. Retruquei que ele estava me dando um comando no meio de uma floresta na África. E ele acabou confessando que precisava de alguém de mais idade no departamento. Eu disse somente um sinto muito e fui embora. Nesse dia, de tarde, recebo um recado de Mr. Robert Sutherland, um inglês, presidente da Grant, uma das três grandes agências americanas no Brasil, que não existe mais. Ele me disse que o Cícero havia feito um favor tirando o Sangirardi de sua agência e me ofereceu o lugar dele. Enfim, o Cícero me deu de bandeja para a Grant. Fui para lá ganhando o dobro que ganhava na Standard e fiquei três anos, saindo de lá para fundar em 1956 a minha própria agência, a Century. Na época havia três clientes que não estavam satisfeitos com a Grant, gostariam de continuar trabalhando comigo e sugeriram que abrisse a minha própria agência. Eu mais uma vez sofria com problemas de autoridade: havia um supervisor, que começara a entrar em choque comigo. Procurei Mr. Sutherland, contei da proposta que recebera e que estava tentado a aceitá-la. Para ficar na Grant, queria que ele tirasse o supervisor de cima de mim e um aumento. Ele concordou em subir o meu salário, mas não com a autonomia e me deixou livre. OK, tive uma atitude ética: mandei que ele falasse com os clientes para ver se conseguia segurá-los, mas eles preferiram vir comigo para a Century -Café Moinho de Ouro, Biscoitos Piraquê e a Toddy, uma multinacional que pertencia a um dominicano, Santiago, que morava na República Dominicana, e seu genro tocava os negócios aqui no Brasil. Todos eles ficaram comigo por anos a fio. Seu Santiago, inclusive, me convidou para ser diretor-geral da Toddy, abaixo dele, quando transferiu a sede para Miami, mas não quis e ele deu um exemplo enorme de grandeza ao deixar a conta na minha agência. A Toddy ficou comigo até ser vendida para a General Foods. A Moinho de Ouro (muitos se lembrarão do slogan que criei para o seu café: Já no tempo dos barões era seguido nos salões) acabou com a saída de um dos três irmãos que eram os donos, Seu Adelino. Eram três pessoas fabulosas, mas o esteio, o cabeça, o gênio era o Seu Adelino. Um dia, os dois irmãos remanescentes me chamaram, certos que o único produto que poderia salvar a fábrica era uma jujuba que estavam lançando, com novos e gostosos sabores, feitas em máquinas especialésimas, e queriam uma campanha publicitária para que vendessem não sei quantas mil jujubas por mês. Fui para a Century e comecei a fazer as contas: para salvar a fábrica eles precisariam vender toneladas de jujuba, que não é um artigo de primeira necessidade. Não é café, nem chocolate. Sabia que aquilo estava errado, não daria certo e comecei a enrolar para fazer a campanha, eles se chatearam e foram para a MPM. O Luiz Macedo me telefonou se explicando, que havia sido procurado e não entendeu quando eu disse que ele havia me feito um grande favor. A Moinho de Ouro quebrou na mão dele. Na Piraquê, aconteceu outro problema. Com a aparente aposentadoria do Dr. Colombo, no fim dos anos 80, os filhos tomaram conta da fábrica e não tiveram a mesma visão, a de se atualizar sempre. A Piraquê foi perdendo a sua força. Em 1988, não quis mais trabalhar com eles e fui saindo de fininho. Minha mulher diz que sou assim mesmo; saio de mansinho, sem dizer adeus. Na época estava bastante desestimulado com a publicidade, me sentia totalmente deslocado quando começaram a surgir as disputas sem ética entre as agências, a concorrência desenfreada. Vantagens, lobbies, descontos, rachar comissão – minha mentalidade era outra e essas coisas não eram profissionais. Eu não conseguia me ver entrando em competição com alguém que tinha uma lancha de 60 pés e colocava dez mulheres dentro para oferecer ao cliente no final de semana. Eu não tinha – e continuo não tendo – essa capacidade. Mal conheço a minha própria mulher, que dirá dez. Arranjar uma apresentação de um deputado, para que ele vote determinada lei. Acabar com greve em fábrica. Enfim, meu mundo era outro. A minha agência, Century, foi, durante 20 anos, uma das maiores do Brasil, talvez a maior do Rio de Janeiro. Na época não havia agências nacionais, as americanas McCann Ericsson, Thompson e Grant dominavam o mercado e nós competimos de igual para igual com elas. Foi uma época muito boa e intensa. Fui presidente da Associação Brasileira de Propaganda, no biênio de 65 a 67. Foi a primeira vez que uma chapa de oposição ganhou a eleição na ABP. A primeira e a última. Eu fui candidato numa ala renovadora na ABP, que era acusada de só ter medalhões, pessoas de muita idade. Queriam um cara jovem e fui convidado pelo Sílvio Bhering, que era diretor comercial do Globo, pra fazer uma chapa. Ficou a chapa BB, Berbara-Bhering. E eu disse: Por que você não é o presidente e eu sou o seu vice-presidente? E ele me respondeu: Precisamos de sangue novo. Eu já fui presidente da ABP, então tem que ser você. Fui eleito pelas campanhas que fazia para os meus clientes, porque era um verdadeiro profissional de propaganda. E meu mandato ainda é lembrado como um dos mais criativos e profícuos. Meu sucessor foi o Mauro Salles. Comecei a me desinteressar depois. Não quis mais. Vi o que estava acontecendo e resolvi começar a diminuir a minha atividade em publicidade. Quando comecei a perceber que teria que enfrentar barreiras para mim difíceis de transpor, eu saí fora. Quando me telefonavam, eu nunca estava, estava viajando, não respondia. Assim. Fiquei com alguns clientes até o início dos anos 90, quando naturalmente a Century foi acabando. Em 1960, eu havia tido a idéia de que filme ia ser uma coisa importante na televisão e criado uma empresa, a Network, para fazer a distribuição. Anos mais tarde, resolvi criar um estúdio de dublagem, a VTI, e esses dois negócios seguiram de vento em popa, paralelos à Century, que era o principal. Hoje a Network/VTI, que distribui, dubla, legenda, faz co-produções, gravações, cópias e tem o único estúdio brasileiro com o selo Dolby, é uma potência e a Century tornou-se apenas a house da empresa. É uma agência de publicidade, digamos assim, hibernada. Não olho para trás. O que eu fiz já está feito e não me arrependo. Aliás, em alguns momentos penso que talvez devesse ter me adaptado aos novos tempos, mas basta abrir uma revista de celebridades para ter certeza que escolhi o caminho certo. Não posso me imaginar em uma ilha ou em um castelo, o que fatalmente ocorreria se ainda estivesse em publicidade e um cliente quisesse muito. Jamais entraria, por exemplo, na disputa do Zeca Pagodinho para vender mais cerveja! Eita falta de ética, de compostura e de... competência. Não posso negar, porém, que devo à publicidade muitas coisas que a vida me deu. Por exemplo, o conhecimento que eu fiz com pessoas fabulosas, que enriqueceram a minha vida. Decálogo do Bom Publicitário 1. Venda o produto do cliente, não você ou sua agência. 2. Torne-se confidente de seu cliente e guarde o que ele lhe revelar como se você fosse um sacerdote no confessionário. 3. Não faça seus anúncios ou quaisquer outras peças publicitárias com o objetivo de ganhar prêmios. 4. Não seja vaidoso! Deixe a vaidade por conta do cliente e do seu sucesso. 5. Seja honesto – lute sempre pelas melhores condições na mídia, nas gráficas, nos estúdios, e transfira todos os descontos e vantagens para o cliente. Viva apenas da taxa de serviços. 1. Nunca aceite qualquer tipo de suborno ou agrado. Recuse presentes caros de veículos e fornecedores. Viagens ou fins de semana regados a uísque e champanhe oferecidos por esses, nem pensar. Não se transforme em socialite nem seja figurinha fácil nas colunas sociais. 2. Esteja sempre à disposição do cliente, night and day, sunday to sunday. Ele deve confiar e depender de você até em assuntos não publicitários. 3. Seja pontual no atendimento às necessidades do cliente – não falte, não esqueça, não fique doente e não diga que não teve tempo. 4. Conheça bem o cliente, seus produtos, suas equipes de vendas e seus funcionários, e trate-os sempre bem. Não participe de uma reunião sem estar 100% up to date com tudo o que o cliente produz, vende, etc., inclusive suas instalações, lojas e fábricas. Conheça, também, todos os detalhes sobre a concorrência de seus clientes. 5. Não mame idéias dos outros. Não copie. Não dê uma de joão-sembraço com suas apresentações. Seja criativo! Implante um expediente extra, na solidão de seu quarto, às 3 da manhã, para pensar em idéias que possa sugerir a seu cliente. Seja sempre ético! Lembre-se: a publicidade deve dizer a verdade, mas... sempre muito bem dita! Capítulo III O Rádio Sem querer ser pretensioso, acho que tem alguém lá em cima – ou vários alguéns – que gosta muito de mim, me ajuda, me coloca no lugar certo na hora exata e me faz conhecer pessoas interessantes. Sou aquele sujeito que adora lutar e vencer obstáculos aparentemente intransponíveis. Sou apologista daquela canção, tema do Homem de La Mancha, The Impossible Dream. Acho que é preciso perseguir, não o sonho possível, porque esse é fácil, mas o sonho impossível. Aí está a grande virtude, o grande desafio. De uma forma ou de outra, acho que Deus sempre colocou para mim a possibilidade de obter, conquistar, o sonho impossível. Entrei na McCann Ericsson no departamento de rádio. Meu chefe era um publicitário extremamente competente, o Eliezer Burlá. Deus me abençoou também por colocar sempre gente muito competente a meu lado. E pessoas sem medo ou escrúpulo em passar os conhecimentos. Ele foi uma dessas. Emil Farhat foi outra. Um mês e meio depois que eu estava lá, o Eliezer teve uma altercação com o Sarmento, recebeu uma proposta e pediu demissão. Saiu numa sexta-feira. Havia três anos ele era o redator do Um Milhão de Melodias, programa que era exibido, ao vivo, na segunda-feira à noite no auditório da Rádio Nacional. O patrocinador era a Coca-Cola, que sempre fez questão de participar da vida brasileira. E nada melhor do que um programa musical na rádio, para isso. Naquela época, o rádio era o veículo por excelência, a televisão começou em julho de 50 e demorou uns cinco anos para se tornar, digamos assim, atrativa no meio de publicidade. A Rádio Nacional tinha uma cobertura muito abrangente, por causa da potência de 50 quilowatts reais de sua antena, que cobria o Brasil todo e o mundo, em onda curta. Quando fui morar na Louisiana, comprei um rádio e matava as saudades escutando a Rádio Nacional. Era um veículo que tinha uma característica eminentemente popular, que atingia as camadas de classe média para baixo, mas também alcançava da classe média para cima, com seus programas cultos, de gosto mais requintado. O rádio chegara ao Brasil nos anos 20. Nos anos 40, havia a Rádio Mayrink Veiga, a Rádio Tupi, a Rádio Clube do Brasil, mais tarde Rádio Mundial, mas um homem mudaria completamente a feição do veículo: Victor Costa, que não era um artista, mas sabia distinguir o que era bom, manobrava bem na política e colocou na cabeça do Getúlio Vargas e do diretor nomeado por ele, Gilberto de Andrade, que a Rádio Nacional precisava faturar, ganhar dinheiro. Victor Costa sabia que precisava criar programas que interessassem a todos, mas não podia perder a base popular, quase popularesca, e valorizar o radioteatro, na época conhecido como Teatro pelos Ares. Quando consultado sobre quanto queria ganhar, disse: Não quero ordenado, eu quero uma sala, um lugar para minha equipe trabalhar e uma porcentagem de 10% sobre o que o departamento de radioteatro faturar. Gilberto de Andrade perguntou: Mas que departamento é esse? Não existe isso. – Mas eu vou criar. E quero 10%. E morreu muito rico só com este percentual. A Rádio Nacional era um feudo, mas algumas pessoas das agências de publicidade dos patrocinadores conseguiram entrar lá. O Eliezer, que tinha uma cultura publicitária enorme, foi um deles. Toda segundafeira de manhã, ele chegava com o roteiro do Um Milhão de Melodias debaixo do braço e mandava rodar no mimeógrafo. Por volta do meiodia, ia para o ensaio na Rádio Nacional. Religiosamente. Pois bem, ele se demitira numa sexta-feira. Chegou segunda, a secretária perguntou: E o programa da Coca-Cola, quem vai fazer? Eu me muni de toda a coragem, fui à sala do Guilherme Figueiredo, que era o contato da conta, um cara fabuloso, uma fera na literatura e na publicidade, e me ofereci para escrever o programa. Ele me perguntou se eu era capaz e garanti que sim. Ele mandou que escrevesse e levasse para o produtor musical Paulo Tapajós e para o pianista, arranjador e maestro Radamés Gnatalli. Eles gostaram, fizeram umas mudanças e passei a ser o redator do programa. E comecei a influir em tudo, na produção, a escolher músicas, intérpretes, fazia mil loucuras e eles deixavam. Havia um trio feminino que se chamava As Moreninhas – uma delas está aí até hoje, a Zezé Gonzaga – e cismei que elas tinham que cantar Blue Moon em inglês. Elas não falavam a língua, ensinei-lhes a pronúncia e todo mundo achou divertido. Quando elas cantaram ao vivo, em inglês, foi um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida. Uma coisa linda! O convívio com o Radamés Gnatalli e com o Paulo Tapajós foi enriquecedor. Eles me ensinaram coisas de música que jamais sonhara aprender, teóricas e práticas. Eu me lembro do Radamés ensaiando a orquestra de 40 músicos. Parecia que estava tudo bem, mas ele dizia: Pessoal, estava ótimo, mas vamos limpar. Um dia, perguntei a ele o que queria dizer limpar. Victor, é acertar as notas. Estão tocando as notas corretas, mas alguns estão demorando uma fração de segundo para entrar, outros, uma fração de segundo para sair. Isso é limpar. Essa é uma expressão que uso até hoje. O Paulo Tapajós me ensinou a amar a música brasileira. Eu já gostava, é claro. Uma questão de oportunidade na vida, Deus me deu muitas. Meu pai se casou em segundas núpcias, eu tinha 10 anos, com uma moça que era da família Nássara, irmã do compositor. Ela morava na Rua Ibituruna, na Tijuca, Zona Norte carioca, eu ia lá e via o Nássara compondo, cantando, tomando café com Noel Rosa. Eu cresci com eles. E ali aprendi, percebi como eles compunham. Vi quando o Carlos Galhardo pediu uma música para cantar no carnaval, o Nássara olhou para ele e disse que ele tinha cara de árabe e a marchinha Alah lá ô, que é sucesso até hoje, saiu em meia hora. Essa convivência me ensinou muito. Mas, se já gostava, aprendi a amar com o Paulo. Ele era uma enciclopédia de música brasileira. Sabia tudo. Sem contar que era um excelente cantor. Ele era tenorino – aquele que atinge notas que só soprano alcança. Existe uma canção irlandesa, Macushla, que é símbolo do tenorino, e o Paulo a cantava em inglês como o melhor tenor irlandês. E tinha cúmplices na Radio Nacional, que eram gênios: o Almirante, e seu Incrível, Fantástico, Extraordinário, o Paulo Roberto, um médico que contava histórias muito bem e se tornou um grande escritor de rádio. O Paulo ficou meu amigo a vida inteira. Deu-me sua filha Dorinha para batizar em 1950. Durante anos, freqüentei a sua casa. Sua mulher Norma todos os domingos à noite fazia um lanche delicioso com waffles, que ela sabia que eu adorava. Foi mais uma prima mais velha que tive. Dorinha foi a fundadora do Quarteto em Cy, mas faleceu precocemente há uns 20 anos. Mantenho com muito carinho até hoje a foto de seu aniversário de 15 anos e as recordações. Eu fiquei fazendo Um Milhão de Melodias por dois anos. Por causa desse programa, me tornei compositor. Todas as versões das músicas italianas, francesas, americanas, quem fazia era eu. Não ganhava muito por isso, fazia porque gostava e algumas versões foram gravadas e tornaram-se grandes sucessos. Digamos que isso despertou em mim uma certa vontade criativa. Sempre fui um homem de idéias, elas jorravam da minha cabeça. Em dez, nove podiam não prestar, mas uma era muito boa. Conheci um rapaz, produtor de rádio e de shows, que era o responsável pelo fã-clube do Dick Farney, Haroldo Eiras. E começamos a compor juntos. Durante dois ou três anos fizemos várias músicas, minhas letras eram sempre de dor-de-cotovelo, não sei o porquê, porque nunca tinha tido uma perda de amor significativa. Compus também com o Altamiro Carrilho e com o pianista Muraro, mas gostava mesmo é de trabalhar com o Haroldo, que ainda por cima saía para caitituar as nossas músicas. Eu não tinha tempo, vontade nem disposição para fazer isso. E elas eram bem tocadas nas rádios, algumas versões foram gravadas no exterior por cantoras argentinas e francesas (Teus Olhos Entendem os Meus chegou a ser gravada por Edith Piaf com o título Tes Yeux Embrassent les Miens). Quando a minha mulher estava tendo o primeiro filho, eu ganhava bem na Grant, mas na hora que vi a conta da casa de saúde, na véspera de ela sair, descobri que não tinha o dinheiro para pagar. Passei a noite em claro e decidi pedir um adiantamento na agência. Antes, porém, fui ver um cliente na Rua Larga e pedi para o táxi parar um pouquinho antes, bem em frente à sede da União dos Compositores Brasileiros, a UBC, na época a única sociedade arrecadadora. Resolvi subir para ver se havia algum dinheiro e o tesoureiro me disse que estava me procurando porque havia uma grana dos direitos autorais que chegara do exterior de uma música minha gravada pela orquestra de Roberto Inglês. Era exatamente a quantia de que precisava para pagar o hospital. Naquele dia mesmo, assinei uma procuração para a UBC, doando a partir dali todos os meus direitos para instituições de caridade. Depois fiz as versões das músicas de My Fair Lady, Evita (a Cláudia canta até hoje Não Chores por Mim, Argentina) e muitas outras, sem receber nunca mais nada. A fase de compositor foi bonita. Cantavam minhas músicas pela rua. Ganhei até o título de Rei do Beguine. Quando eu chegava em um restaurante, o pianista tocava uma de minhas composições. E eu devo muito ao Haroldo Eiras. Ele teve a idéia, era um entusiasta e ia trabalhar. O Haroldo morreu jovem e depois de sua morte nunca mais compus nada, só fiz as versões para teatro. E nada disso teria acontecido sem Um Milhão de Melodias. Amava trabalhar na Rádio Nacional, mas tinha os meus limites. Afinal, era um publicitário. Mas, como já disse, alguém me coloca na hora certa no local adequado. Um dia, quando estava na Standard, a telefonista me avisa que o Seu Victor Costa estava no telefone. Eu . o conhecia, cumprimentava-o formalmente quando cruzava com ele na rádio e nada mais. Ele era um italiano que falava muito rápido e me perguntou se eu avalizaria um título de cem contos. Bem, eu não tinha nem um conto, mas respondi: Avalizo. Ele ficou de mandar o título. Esperei: passou a tarde, a manhã seguinte, o terceiro dia e nada. Uma semana depois o encontrei na porta do elevador da Rádio Nacional. Como vai você, garoto? Ele me chamava de garoto. Aí me animei com a cordialidade e perguntei por que ele não mandara o título de cem contos. Ele ficou muito surpreso, porque não sabia que havia falado comigo, porque na verdade havia telefonado para o dono da agência. Mais surpreso ainda ficara por saber que eu, o garoto, avalizaria para ele um título de cem contos, sem nem ao menos conhecê-lo bem. E que o Cícero, dono da agência, se recusara a avalizá-lo. Dali em diante, a minha vida na Rádio Nacional mudou. Passei a ter acesso a tudo. O povo das outras agências morria de inveja de mim. O Victor nunca mais esqueceu o meu gesto e ficou meu amigo até a sua morte. O Victor havia montado uma equipe excepcional: o publicitário Jair Picaluga comandava a parte publicitária; o Floriano Faissal dirigia o recém-criado departamento de radioteatro. Para fazer as novelas chamou os maiores artistas de teatro da época e formou um corpo de escritores e diretores maravilhoso. Janete Clair era uma de suas favoritas. Na parte musical, havia os maestros Léo Perachi, Lírio Panicalli, Chiquinho, Alberto Lazzoli, Eduardo Patané e o Radamés, o número um. Criou o jornalismo, foi o lançador do Repórter Esso. E, mais do que tudo, marcou a importância do horário, a grade de programação que, por incrível que pareça, é usada até hoje na TV Globo. Não foi o Walter Clark, nem o Boni, que criaram, mas, sim, o Victor Costa: programas infantis na parte da manhã, a programação para a dona-de-casa à tarde – culinária, O Mundo não Vale o Seu Lar, uma novela –, uma atração mais adolescente no final da tarde, Jerônimo, o Herói do Sertão; depois as novelas das seis, das sete, o noticiário, a novela das oito e shows. A Rádio Nacional era o que a Rede Globo foi durante muito tempo. Todo mundo queria trabalhar nela e até fazia mais barato, se necessário. Ela tinha um cast próprio de cantores: Emilinha Borba, Marlene, Heleninha Costa, Ângela Maria, Linda Batista, Dircinha Batista, todas eram exclusivas da Rádio Nacional. Não podiam trabalhar em outro lugar. A rádio, por sua vez, tinha um departamento que agenciava esses artistas. Era como a Hollywood nas décadas de 30 e 40. Só que o Victor Costa era um patrão muito humano. Era durão, daquele tipo que dava esporro sem motivo. Se não tivesse motivo, ele inventava, mas era um sujeito que sabia resolver a dor de barriga do funcionário dele. Exercia uma liderança carismática. O Victor era um gênio em tudo o que ele fazia. Na publicidade ele tinha uma força tão grande, que me lembro de um episódio que me deixou muito surpreendido. A Rádio Nacional era assim: programas de meia hora – 8h00, 8h30, 9h00, 9h30. Aí, um belo dia, ele convocou todas as agências de publicidade do Rio e de São Paulo para um coquetel às cinco da tarde, segunda-feira, na Rádio Nacional, em que iria anunciar importantes medidas. Ele queria todo mundo lá. E todo mundo foi. Eu era um mero assistente, mas fui também para ver o que era. Ao entrar em um salão grande na Rádio Nacional, havia uma mesa, sem exagero, de uns 10 metros de comprimento por dois de largura com bebidas estrangeiras, caviar, salmão, o que se puder imaginar de mais caro. Isso em 1952, por aí. E todo mundo lá, umas 40 pessoas. Victor abre a reunião, muito teatral: Eu queria comunicar aos senhores que a Rádio Nacional tomou certas medidas para aumentar o seu faturamento. E todo mundo achou que fosse aumento no preço da tabela. E continuou: A Rádio Nacional não quer aumentar os preços da sua tabela porque estamos cobrando bem, mas precisamos aumentar o nos-so faturamento porque estamos hoje imprensados com altos custos e não podemos manter a qualidade da nossa programação com o nosso faturamento atual. Os maiores big shots da publicidade brasileira ali e ninguém fez aparte. Nem ele concedeu nem ninguém pediu. Tivemos uma idéia que vamos pôr em prática: os programas de meia hora vão passar a ter 25 minutos e a Rádio Nacional vai criar dois programetes de cinco minutos para ficar entre cada um deles. Então vamos dizer, um programa vai de 8h00 às 8h25. De 8h25 às 8h30 a Rádio Nacional vai criar um programete de 5 minutos que vai vender. Não se preocupem que o número de comerciais dos senhores continua o mesmo nos programas regulares, só que nós vamos diminuir cinco minutos do tempo de cada programa e vamos criar o novo de cinco minutos cada um. Vamos criar seis programetes no horário nobre que estarão sendo comercializados pelo nosso Jair Picaluga, a partir da semana que vem. Os detentores dos atuais horários terão preferência e cada programete vai versar sobre temas variados e terá dois comerciais de 15 segundos. E acabou o papo. Ninguém nem contestou. Ninguém disse uma palavra. Esse era o poder da Rádio Nacional daquela época. A TV Globo, no seu auge, não teria coragem de fazer isso. Ele fez e não aconteceu nada. Criou os programas de cinco minutos, que eram muito bons, de utilidade pública: O que está acontecendo agora no Rio? O que está acontecendo agora em São Paulo? E assim foi a história dos programas de 30 minutos que passaram a ter 25 minutos. Quando ele teve a certeza de que as novelas eram o grande negócio, como são até hoje, construiu no 23.º andar novos estúdios de radioteatro. A idéia era sensacional: os diversos ambientes eram montados e uma passarela unia todos. As pessoas, separadas por um vidro, podiam assistir às transmissões. Diariamente cerca de 40 pessoas acompanhavam cada horário das novelas. A luz acendia exatamente onde estava acontecendo a cena: na sala de jantar, no quintal, na cozinha ou no living. O sonoplasta e o contra-regra eram espetáculos à parte. O Victor inventou promoções com os patrocinadores: junte dez tampinhas de Coca-Cola e veja como é feita a novela da Rádio Nacional. Um sucesso absoluto! A Rádio Nacional tinha uma hegemonia que durou mais ou menos 15 anos, de 1940 a 1955. Fiz diversos programas musicais lá. Em agosto de 54, Getúlio Vargas morreu e a situação do Victor Costa, que era muito amigo do Presidente, começou a declinar. O rádio, historicamente falando, iniciou a sua decadência com a queda da Rádio Nacional, porque a televisão já estava com 5 anos de vida e começando a tomar o seu espaço. Tenho certeza que o rádio duraria vigoroso mais 10 anos se o Victor e a Rádio Nacional permanecessem fortes. Hoje a Rádio Nacional é uma tristeza. Aquilo lá praticamente não existe mais. É o símbolo geral da decadência do rádio. A partir de 1952, a queda de Getúlio era previsível, digamos assim. O Victor Costa resolveu se garantir e comprou a Rádio Mayrink Veiga, do Sr. Antenor Mayrink Veiga, homem que negociava com madeira e armas. Comprou também a Rádio Clube e a concessão da primeira TV em São Paulo, a Paulista, canal 5, que depois foi comprada pela Globo. Mais uma vez ele deu provas de sua genialidade: como não dava para ganhar da Rádio Nacional durante o dia – embora em decadência, ela permaneceu líder por uns cinco anos –, ele resolveu inovar na programação noturna, ganhar no horário das 8 às 10 da noite e criou a grade humorística, de segunda a sábado. Levou grandes escritores que estavam na Rádio Nacional como o Haroldo Barbosa, Sérgio Porto, Lourival Marques, Max Nunes e foi um sucesso. Haroldo Barbosa dizia que preferia trabalhar mais barato para o Victor Costa do que fazer nada bem pago na Rádio Nacional, sem ele. O Sérgio Porto, com aquela maneira engraçada e irônica de encarar as coisas, dizia: Se eu precisar de um cala-boca, o Victor me dá, mas eu não quero ganhar fortuna na Rádio Nacional. Dessa geração de programas humorísticos feitos na Rádio Mayrink Veiga nasceu o humorismo na televisão brasileira. Eu sei porque eu participei disso. Havia um programa de muito sucesso chamado Aí Vem D. Isaura, com um elenco de comediantes exclusivo da Rádio Mayrink Veiga: Francisco Anysio, Ema D´Ávila, Walter D´Ávila, Antônio Carlos, Matinhos, Zé Trindade, Brandão Filho, Geraldo Alves, Mário Sena, um time de comediantes de primeiríssima linha. O programa era escrito pelo Haroldo Barbosa. E eu, na época, fiz uma negociação com o Victor e com o Luís Vassalo, que era o meu padrinho de casamento, para ele deixar que a Piraquê patrocinasse o programa. E assim foi. Nós compramos o Aí Vem D. Isaura na rádio para biscoitos Piraquê. Sucesso! Aí um dia, eu tive a idéia de levar esse elenco para a televisão. Criar o programa Aí Vem D. Isaura na televisão. Mas essa é outra história! O Victor não tinha medo de ousar. Quando eu trabalhava na Grant, a Souza Cruz queria aumentar a venda do Lincoln, um cigarro cujo slogan – que não era meu – era o seguinte: De ponta a ponta, o melhor. Bolei uma coisa. Todo mundo trabalhava no centro da cidade. O comércio, a indústria e os escritórios davam uma hora e meia, em média, para os funcionários almoçarem. Às vezes as pessoas não iam para casa e ficavam perambulando por ali mesmo. Pensei em fazer um grande espetáculo teatral, mas radiofônico também, com orquestra, cantores, números cômicos, dança. Dança no rádio? – perguntou o Victor espantado. Ele não vê a dança, mas escuta a música – argumentei. E assim criei o De Ponta a Ponta o Melhor, um show de uma hora, todas as terças-feiras no Teatro Glória. Eu queria que fosse transmitido pela Rádio Mayrink Veiga, mas o Victor, que não era bobo, achou melhor ver se a minha maluquice dava certo e colocou-o na Rádio Clube, que tinha menor importância. Foi um sucesso absoluto: a entrada era dez cartelas do cigarro Lincoln e os 800 lugares do teatro logo se mostraram insuficientes e mudamos para o Teatro Odeon, por sugestão do Victor, em que cabiam 1.800 pessoas e o programa ficou um ano e meio no ar. Eu escrevia, dirigia, fazia tudo. Adorando! Acho que tive o privilégio de conviver com dois homens fundamentais na história do rádio brasileiro: Victor Costa e Dr. Roberto Marinho. O Victor me permitiu, ao longo da vida, ir penetrando na Rádio Nacional e participando de tudo. Ele foi como um pai profissional para mim. Dr. Roberto me ensinou lições fundamentais, me abriu novos caminhos, me deu chance de escrever novelas. O Dr. Roberto Marinho, percebendo o sucesso do veículo, mais ou menos no fim da década de 40, comprou uma rádio chamada Rádio Transmissora no Rio de Janeiro, e a transformou em Rádio Globo. E começou a ter sucesso porque o jornal O Globo já era muito conceituado, importante e começou a dar suporte à rádio. A Rádio Globo, mais ou menos, seguia a trilha da programação da Rádio Nacional. Mais modestamente – como era o estilo do Dr. Roberto: devagar, com calma, seguro, sem dar passos largos. Nitidamente a Rádio Globo começou a ocupar um espaço interessante. Sem aliciar ninguém, pois o Dr. Roberto era uma pessoa muito ética, começou a formar o departamento de radioteatro. Nessa época, o Amaral Gurgel ficou zangado por algum motivo, saiu da Rádio Nacional e o Dr. Roberto o contratou. Ele levou uma turma de pessoas de teatro para escrever novela e para atuar. Formou o departamento de radioteatro da Rádio Globo com jovens como eu. Havia três horários de novela: uma às 10 da manhã (na Rádio Nacional a primeira era ao meio-dia); outra às três da tarde (na Rádio Nacional era às quatro); e outra às nove da noite, (a Rádio Nacional tinha às oito). Um dia, o Dr. Roberto me convidou para escrever novelas na Rádio Globo e eu topei. Ele confiou em mim e me deu o horário das três da tarde, às segundas, quartas e sextas. Eu tinha 23 anos. Meu Deus, como vou escrever novelas? Mas se o Dr. Roberto acreditara em mim, eu também precisava acreditar. O Victor Costa sempre respeitou o fato de ter sido na Rádio Globo que eu havia tido oportunidade de enveredar por esse caminho. Nunca me fez um convite formal para eu escrever novelas na Rádio Nacional. Também, digamos assim, eu não era um escritor tão renomado que pudesse ser cobiçado pela concorrente. Posso dizer que fiz novelas de grande sucesso comercial, porque a receita era fácil de aprender e é a mesma de hoje. Para se fazer novela, é preciso ser bom de trama e de diálogo. Mais do que tudo, no rádio a novela tinha que ter trama, porque não se mostravam paisagens, pássaros voando, aqueles beijos quilométricos. Dependia do que os personagens falavam, pois o público estava do outro lado, só escutando. Tinha que ter história pra contar. O próximo capítulo funcionava como até hoje. Você ia vendo a novela crescer, quais os personagens que agradavam e quais os que não colavam. Você matava ou afastava os que não colavam e crescia na trama os que colavam. E funcionava! Tudo ao vivo. Quando estava na minha sexta novela, coisa de jovem, achava que era meio sub-arte, que precisava fazer coisas melhores. Como havia vivido seis meses na Louisiana, nos Estados Unidos, e me chocara muito com o problema racial, resolvi dar um presente a mim mesmo e escrever uma novela que abordasse o preconceito. A novela chamava-se Uma Estrada Sem Retorno e era, intelectualmente, mais pretensiosa. Transformei-me meio no protagonista da história, um jovem brasileiro que vai morar na Louisiana, e conhece uma jovem, que, embora branca, tinha sangue negro nas veias, e era interpretada pela Clarita Ramos, filha do Graciliano Ramos, que era uma estrela da Rádio Globo. Um dia, Dr. Roberto me chama na sala dele para dizer que a novela não vinha tendo os mesmos resultados no Ibope que as minhas anteriores. Ponderei, argumentei e ele, sempre calmamente, deixando claro que era preciso agradar à audiência. Lá pelas tantas ele me diz assim: Victor, você reparou quem é o patrocinador do seu horário? Quando ele disse isso, eu pensei: Já perdi, dancei. – A Gessy Lever é uma grande indústria, então vamos agradar também aos patrocinadores? Em momento nenhum ele disse que eu deveria mudar ou que deveria parar e começar outra. Mas me deu a entender que havia situações que deveriam ser respeitadas. Eu, como publicitário, tinha que entender e admitir que ele estava certo. A minha admiração por ele cresceu ainda mais, por não ter me coagido em momento algum. Mudei um pouco a história, sem virar o foco principal, o Ibope cresceu e passei a entender mais claramente que era um negócio que dependia do público, do patrocinador, da audiência. Novela foi para mim, também, uma grande fonte de renda. Naquela época, seis meses depois da primeira exibição você podia vender para quem quisesse. Eu vendia para rádios de todo o Brasil, que tinham seus próprios elencos. Dr. Roberto era uma pessoa séria, mas cheio de idéias, muito criativo. Um empresário moderno, à frente do seu tempo. Victor Costa era um homem de criação, de ação publicitária, mas não era muito empresário. Se fosse, não teria começado a cair quando Getúlio caiu. Ele saberia se manter. Quando Getúlio se suicidou, Victor quis demonstrar a amizade e admiração que sentia pelo ex-Presidente, cuja memória, logo após o suicídio, estava sendo quase banida. Victor achou que precisava fazer um gesto. Eu participei por acaso dessa reunião com Floriano Faissal, Dario de Almeida, Edmundo Souza, Armando Louzada, Jair Picaluga. Ele me pediu para ficar, tinha total confiança em mim, embora sabendo que eu trabalhava na Rádio Globo, e já havia uma pinimba de audiência. Aí ele disse: Quero mostrar que eu não sou ingrato e vou comprar o Rolls Royce do Getúlio. Não era do Getúlio, era do governo, mas era nele que o Presidente andava, ia às festas, era um símbolo. Todo mundo avisou que não era uma hora boa para fazer isso, mas ele comprou e andava pra cima e pra baixo de Rolls Royce. Aquilo despertou uma inveja, um ódio, e ele foi massacrado. Ele tinha uma casa muito bonita na Lagoa Rodrigo de Freitas, e adorava criar passarinho e tinha não sei quantos mil. Era passarinho pra tudo quanto era lado. Coleções raríssimas. Não havia negócio de ecologia naquela época, não. Disseram que ele roubava dinheiro da Rádio Nacional para comprar passarinho, que ele gastava mais dinheiro pra alimentá-los do que o povo para comprar comida. Uma onda se abateu sobre ele. Mas o que o matou mesmo foi o câncer. E garanto: ele nunca roubou ninguém. Viveu dos seus 10% do radioteatro da Nacional. Bem, falta um terceiro personagem. O Assis Chateaubriand morria de ciúmes porque ele fazia tudo, mas a Rádio Tupi não saía do terceiro lugar. Estava sempre atrás da Rádio Nacional e da Rádio Globo. Um dia, ele colocou em prática duas idéias. A primeira: mandar vir da Europa um supertransmissor de 100 quilowatts de potência, que levaria as ondas da Tupi realmente a todos os rincões do Brasil. Com isso ele esperava aumentar a sua verba de publicidade e desbancar as concorrentes. Segundo trunfo: montou na Av. Venezuela um auditório maravilhoso e contratou a peso de ouro alguns astros da Rádio Nacional – Paulo Gracindo, Almirante, Paulo Roberto. Tentou me contratar para escrever uma réplica de Um Milhão de Melodias, mas deixei claro que era publicitário e fazia o programa na Rádio Nacional. Enfim, gastou uma nota e foi um desastre total. Em seis meses, todos queriam voltar e Victor aceitou-os de volta. A minha tese é simplória: ele levou todo mundo, mas não levou o Victor Costa. Essas três pessoas mudariam o perfil também da televisão brasileira. Mas, como já disse, essa é outra história. O meu grande aprendizado na vida foi ter tido contato com pessoas de altíssimo nível, que me ensinaram muito, me aceitaram e me ensinaram o pulo da onça. Essa foi a minha grande oportunidade na vida. Elas conseguiram com que eu fosse galgando posições, conquistando meu espaço. Por estranho que pareça, eu nunca pertenci a ninguém. Eu tinha um emprego base, e queria ser livre para fazer o que eu quisesse. E foi por ser livre que fui para a televisão! A outra história. Capítulo IV A Televisão A história da televisão é bastante controversa. E quem a conta, acrescenta ou subtrai alguns pontos, consciente ou inconscientemente. Desde a sua invenção. Todos pensam que foram os americanos, Thomas Edison e sua turma de cientistas, que inventaram a TV. Na verdade, a primeira vez que se transmitiu uma imagem pelo ar, de um lugar ao outro, foi em 1923, quando um cientista russo, Vladimir Zworykin, armou um esquema com um tubo iconoscópio e passou imagens de seu quarto para a sala. Os americanos, como sempre fizeram, aproveitaram, incorporaram e desenvolveram conhecimento de terceiros. Thomas Edison e um grupo de cientistas, a partir dessa experiência, começaram a trabalhar na idéia da TV. Na década de 30, a NBC, que era uma emissora de rádio, se interessou e começou a fazer programas de televisão bem rudimentares, que alcançavam pequenas áreas. Uma mostra de teatro, em 1937, por exemplo, foi transmitida pela NBC. Houve um fato interessante no primeiro programa externo feito pela televisão, pois nele nasceria também o primeiro comercial levado ao ar. Em 1939, na cidade de Nova York, acontecia a World´s Fair. A NBC, que já detinha alguma experiência em televisão indoors, decidiu transmitir ao vivo a cerimônia de inauguração da feira, onde falaria o Presidente Roosevelt. Foi combinado que o discurso do Presidente demoraria 10 minutos. Mais do que isso seria perigoso manter a emissora no ar. Na época, o mundo estava tumultuado com a Guerra Civil na Espanha e com o prenúncio de um amplo conflito armado na Europa. E Roosevelt começou a ir além do previsto. Quando ele já falava por mais ou menos 15 minutos, alguém avisou que ele tinha que parar. Foi quando ele disse: Bem, acho que estou falando demais. Olhou para o seu relógio de pulso e arrematou: Pelo meu Bulova, já estou falando há 15 minutos. É hora de parar. E esse foi o primeiro comercial (hoje chamariam de merchandising) da história da TV. Tudo caminhava muito bem, a TV tinha tudo para seguir firme, mas veio a guerra. Todos os esforços industriais americanos, então, se concentraram para produzir aviões, tanques, armas. Nos anos finais da Segunda Guerra, quando ficou nítido que a Alemanha perderia, as revistas americanas, como a Time, Life e Seleções – que existia também no Brasil – começaram a publicar anúncios de indústrias como General Electric, RCA Victor, mostrando o que seria . o mundo de amanhã, conduzindo o público todo a um esforço supremo para que eles realmente ganhassem a guerra. Havia um estímulo à compra de bônus de guerra, com a promessa que o futuro seria maravilhoso. Já nessa época, meados de 43 para frente, aparecia nesses anúncios uma tela e se falava em transmissão a distância. Você vai ver as suas coisas prediletas sem ter que sair de casa. Já imaginou . o seu futuro como será bonito depois da guerra? Portanto contribua para que a gente ganhe. Aquilo invadia o mundo. Todos queriam pular a etapa da guerra para viver aquele mundo fantástico que os anúncios prometiam. E que na verdade chegou: viagens aéreas curtas, televisão, geladeiras de alto nível, aparelhos de ar-condicionado (depois da guerra você não vai sentir calor – apregoava o anúncio). Os americanos realmente fizeram um trabalho de marketing maravilhoso, porque convenceram o mundo de que precisavam ganhar a guerra, porque estavam defendendo a liberdade ao mesmo tempo que prometiam que o mundo seria muito melhor depois da vitória. Com o fim da guerra, a NBC voltou a procurar os caminhos que havia deixado para trás. Em 1945, a TV começa a aparecer e dois anos depois era um fato consumado, com o formato comercial que existe hoje: programas de auditório, teleteatros, filmes. Nessa época, fui morar nos Estados Unidos e os programas de auditório ofereciam entradas, como até hoje, para o público ir lá para bater palmas, rir, gritar. Todas as oportunidades que tinha, ia ver um programa, levava um caderninho e ia anotando a posição das câmeras. Para quê, eu não sabia, estava estudando uma coisa completamente diferente. Voltei para o Brasil e já estava trabalhando na Standard. Era 1950. Aqui vamos dar um corte. Como se faz na televisão. Em 1950, a Igreja andava preocupada que ninguém mais quisesse se dedicar à carreira religiosa. Sou uma pessoa de profunda fé, católico, não daqueles que vivem na missa, confessando e comungando, mas que realmente acredita em uma força superior. É por isso que acho que aconteceu um milagre. Havia um cantor mexicano de enorme fama nos EUA, na Espanha e na América Latina que se chamava José Mojica. Era um índio, alto, muito bonito, com uma voz de tenor maravilhosa, que havia cantado óperas em Nova York, estudado no Carnegie Hall, mas que decidira se dedicar mais à música popular latinoamericana. Era um sucesso absoluto, um mito, um mágico. Naquela época, Hollywood se dedicava a explorar o mercado latinoamericano, de uma maneira que depois se perdeu no tempo. A Fox e a Universal foram grandes expoentes desse tipo de trabalho. Escolhiam um filme, Drácula, por exemplo, e durante o dia filmavam em inglês e, à noite, um elenco de fala hispânica fazia o mesmo filme, com as mesmas roupas, nos mesmos cenários, em espanhol. E distribuíam essa versão na América Latina, Espanha, nas colônias espanholas na África. José Mojica fez filmes em espanhol, por exemplo, Robin Hood ou Entre a Cruz e a Espada. Com isso, sua fama aumentou, porque ele virou um astro de Hollywood também. Fazia excursões, esteve no Brasil várias vezes. Era idolatrado pelas mulheres porque era um cara bonitão, com uma voz poderosa e linda. Coloca o Pavarotti misturado com o Júlio Iglesias, não chega aos pés do José Mojica. E o milagre? Um belo dia, esse homem resolveu chutar tudo para o alto – fama, dinheiro, mulheres, carrões e mansões – e se tornar padre. Doou toda a sua fortuna e foi ser padre da ordem mais humilde, no lugar mais pobre da América Latina. Tornou-se frade franciscano em Cuzco, Peru. Lá ele ficou, como o Frei José Maria de Guadalupe, nome em homenagem à Virgem de Guadalupe, do México. Um dia alguém teve a idéia, ninguém sabe direito quem, talvez tenha sido ele, algum bispo, o próprio Papa... eu não sei: mandar o Frei Mojica para fazer uma excursão como cantor pela Espanha, América do Norte, América Latina. A idéia era contar a história dele para o mundo, mostrar como um homem riquíssimo, cortejado pelas mulheres, no auge da fama, largara tudo para ser um frade franciscano e era uma pessoa infinitamente mais feliz. Depois do México, Hollywood, Nova York, Argentina, finalmente Frei Mojica viria ao Brasil. Os empresários do projeto eram dois argentinos chamados Eduardo Genovezi e Oscar Sanchez e venderam para os Diários Associados o direito de transmissão. A Rádio Nacional competiu, mas o Chateaubriand, com aquela loucura dele, pagou muito mais caro e contratou-o para que ele fizesse programas de rádio ao vivo no Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Bahia, Belo Horizonte, Vitória e Porto Alegre. O Chateaubriand procurou um patrocinador para tudo isso. Na época, a marca Peixe estava dando um grande salto industrial, abrindo uma fábrica no Rio e outra em São Paulo, além de sua matriz em Caruaru, Pernambuco, onde havia começado com a matriarca da família Brito, que ficara viúva e começara a fazer goiabada num tacho. Qual era a agência de publicidade da Peixe? A Standard. Quem trabalhava no departamento de rádio? Eu. Assim fui o encarregado de organizar o programa de rádio do Frei José Mojica. Nessa época, engenheiros americanos estavam montando a TV Tupi do Rio. Eu, que falava inglês fluentemente, e tinha maior curiosidade sobre televisão, me enturmei com eles. Em uma reunião o Chateaubriand perguntou para o Cícero: E se nós inaugurássemos a televisão brasileira com esse padre aí? Ele adorou a idéia e começaram os entendimentos com os engenheiros se era possível fazer a transmissão e eles garantiram que daria tempo para tudo ficar pronto até a chegada ao Brasil do Frei Mojica. Não existiam TVs ainda para vender e . o Chateaubriand teve a idéia genial de espalhar dez aparelhos pela cidade: um na porta da Rádio Tupi, na Av. Venezuela, no centro; outro nas Barcas, na Praça Quinze; outro nas Barcas, em Niterói; o quarto, no Largo da Carioca; o quinto, na Av. N. Sra. de Copacabana, em frente ao cinema Metro, na Zona Sul; o sexto, na Galeria Cruzeiro, na Av. Rio Branco; o sétimo, em frente ao cinema Odeon, na Cinelândia; o oitavo, no Largo do Méier, na Zona Norte. O nono e o décimo, confesso que não me lembro. O Chateaubriand perguntou aos engenheiros como seria o programa e eles disseram que havia um garoto que entendia tudo de televisão, um tal de Victor Berbara. O Cícero contou que eu trabalhava na sua agência, ele me chamou para uma reunião, perguntou se eu seria capaz. Como era totalmente irresponsável nos meus 20 e poucos anos, garanti que sim. E fui mais arrogante ainda ao ter certeza que convenceria o Frei Mojica a fazer um programa de televisão junto com o de rádio. Frei Mojica veio acompanhado do pianista e arranjador Frei Pacifico Chirinos. E, como outros casos que aconteceram na minha vida, graças a Deus, foi amor à primeira vista. Nós nos gostamos de cara. Os empresários deles, que eram dois senhores, me adotaram. Na primeira reunião, expliquei a nossa intenção de fazer um programa de TV. Lembro até hoje das palavras do Frei: Pero, niño, tu crees? Respondi sem hesitar: Creio. Os empresários quiseram logo saber da parte financeira. E o Cícero, espertamente, virou para o representante da Peixe e falou: Eu tenho certeza que, pra uma situação histórica dessa, a Peixe concordará em pagar mais para as obras da Igreja. E ficou tudo bem. Marcamos uma outra reunião, onde eu iria expor os meus planos, mas não tinha plano algum. Não tinha a menor idéia do que iria fazer. Ia inventar. No mesmo prédio da Rádio Tupi, havia o auditório da Rádio Tamoio, e me lembrei dele, porque caberia a orquestra. Decidi fazer um púlpito, no centro, como se o padre estivesse numa igreja, e colocar de cada lado um locutor. Uma câmera no padre e outra na orquestra. Eu sabia como funcionava, tinha visto nos EUA. Fiz um desenho e apresentei a idéia no dia seguinte. O Frei Mojica gostou muito. A iluminação era chapada total. Muita luz! Havia aprendido em Um Milhão de Melodias a distribuir os microfones, para conseguir um bom resultado no som. Pedi a um operador da Rádio Nacional que me desse uma mãozinha. Escrevi o programa e fizemos o primeiro ensaio. O maestro era o Milton Calazans. O Osvaldo Luiz, que tinha uma voz bonita, típica da época, muito impostada, seria o locutor, o que faria os comerciais. Queria mais dois para anunciar os números musicais: pensei em dois jovens que toparam na hora: J. Silvestre e Arnaldo Nogueira. A posição era assim: o padre no meio, no púlpito; o Osvaldo Luiz na cabine – ele não aparecia, só se ouvia a voz dele – a orquestra no meio atrás; e de cada lado, bem na frente, o Arnaldo Nogueira e o J. Silvestre. Quando o J. Silvestre estava falando, a câmera estava nele; quando era o Arnaldo Nogueira, cortava para ele. Quando o Frei José Mojica cantava, dava um long shot e, às vezes, um close. Era assim o programa. Tenho duas gravações em fita cassete que um amigo fez desses ensaios, guardo comigo até hoje, e é muito engraçado. Eu sempre fui duro no trabalho. Está gravado. Num dos ensaios, Frei Mojica fala diversas vezes com o maestro como deveria ser. E nada de sair direito. O padre interrompia e reclamava. Três ou quatro vezes e não saía como ele queria. Daí se escuta a minha voz (desculpe os palavrões): Puta que pariu, maestro! Faz o que o padre tá mandando, porra! Estréia. Frisson. Televisões ligadas. Multidões nos locais. Vai para o ar. Uma loucura. Foi um sucesso incrível. Inesquecível. Esta foi a inauguração da televisão brasileira. O tempo passou, as pessoas passaram, nunca contei esta história, e São Paulo abiscoitou a primazia de ter feito o primeiro programa artístico da televisão brasileira, mas não é verdade. Acompanhei o Frei Mojica em toda a excursão, que era patrocinada pela Peixe, cerca de quatro meses. E convenci-o, por exemplo, a cantar músicas que ele havia banido de seu repertório, por serem profanas: Solamente Una Vez, Perfídia, Granada. Comecei a convencê-lo de que o importante era a música; letra a gente mudava. Se eu fazia versões em Um Milhão de Melodias, podia mudar letras em espanhol. E assim fiz. Em um espetáculo em um campo de futebol, para 25 mil pessoas, em Recife, ele jurou que ia cantar para mim. Às 6 horas da tarde, começaram a entoar os acordes da Ave Maria, 25 mil velas, que haviam sido entregues ao público, foram acesas. Frei Mojica entrou no campo e dirigiu-se a um tablado montado no grande círculo central e, nessa hora, começou a garoar. Garoa em Recife?! A chuva fina se confundia com a luz das velas, criando uma auréola em volta de seus cabelos brancos. Poucas vezes na vida eu senti uma emoção tão grande como naquele dia. Ele deu um concerto maravilhoso e cantou Granada. O povo veio abaixo. Eu só tenho que agradecer a Deus pelas pessoas que Ele colocou e coloca pelo meu caminho. O Frei Mojica, porém, merece um lugar de destaque, foi um mestre, um mentor na minha vida pessoal e pro-fissional. Eu aprendi muito com ele, que se dedicou demais a mim. Acho que eu era para ele uma obra que precisava ser erguida e que o material estava todo no chão: o tijolo, areia, pedra. Ele me ajudou muito na minha formação profissional e na forma de encarar a vida: Seja sempre romântico – me dizia ele. Depois da temporada de shows com ele, decidi que ia estudar televisão e descobri um curso em Nova York de seis meses. Demorei dois anos e meio para conseguir uma vaga e, certamente, Frei Mojica me ajudou muito. Um dia, em Porto Alegre, no final da temporada, ele me benzeu e disse que eu tinha um caminho brilhante pela frente, mas precisava controlar o meu gênio, a minha irritabilidade. Aliás, lembro-me disso sempre. Quando ele foi embora do Brasil, continuamos nos correspondendo e para o curso eu precisava de três cartas de referência e me lembrei de pedir para ele, que era um homem conhecido nos Estados Unidos. Ele mandou primeiro que eu desse uma olhada. Na carta ele dizia das minhas virtudes, que era criativo, responsável, um verdadeiro profissional. Fazia um porém: que eu deveria conter o meu temperamento. Quando li aquilo só pensava em falar com o Frei. Como é que ele escrevia um negócio desses, pô?! Depois de três dias consegui falar com ele no Peru. E cobrei: Você escreveu uma carta em que diz que eu sou um cara irritado, que puxa briga. Está maluco? Ele me acalmou e deixou claro que, se mandasse uma carta só com elogios, eles iriam pensar que era sermão encomendado. Além disso, ele não podia mentir. E o mais importante: Tenho que deixar eles entenderem como você é. Se eles te quiserem, tem que ser assim. E fui aprovado. Eu já estava dirigindo programas nos primórdios da Tupi, Teatrinho Kibon, por exemplo, quando fui aceito no curso. A Grant me pagou o ordenado durante os seis meses em que estive em Nova York, impondo apenas uma condição: quando eu voltasse, tinha que ficar um ano na agência, sem pedir aumento, porque eles queriam aproveitar o meu know-how de televisão. O curso ensinava tudo: a parte artística, técnica, produção, figurinos, iluminação, cenografia, maquiagem, do ponto de vista do diretor. Os três primeiros colocados tinham emprego garantido nos EUA, obtinham o green card, que não era difícil como hoje. Fiquei em terceiro lugar e me ofereceram o cargo de diretor de um telejornal de uma emissora em Chicago. Eu balancei, mas três situações me impediram de ficar lá com a minha consciência tranqüila. Primeira: estávamos em junho de 1954 e meu pai morrera um ano antes deixando seus negócios com vários problemas, que estava sanando, um por um, direitinho, mas não havia acabado. Segunda: eu tinha responsabilidade de voltar pra Grant. Eu não podia falhar com a minha palavra. Terceira: eu tinha uma namorada de quem gostava muito. Os problemas se equivaliam e não estavam nesta ordem que os enumerei, tinham o mesmo peso. Se não fosse por isso, estaria nos Estados Unidos, teria me tornado diretor lá e a minha vida seria totalmente diferente. Mas o destino me trouxe de volta. O maktub dos árabes. A televisão prosseguiu o seu caminho, passando por muitas fases. Acho que da época pioneira, heróica, sou a única pessoa viva até hoje. Nos tempos de implantação da TV, de 1950 a 1955, tudo era improvisado, as pessoas eram autodidatas, loucas. São dessa época o Teatrinho Trol, os Espetáculos Tonelux, o Calouros do Ari, programa de rádio que foi para a TV e dirigi muito tempo, convivendo com Ari Barroso. Aconteciam coisas maravilhosas e outras catastróficas. Um grande diretor de shows da época, que fazia espetáculos maravilhosos no Cassino da Urca, foi ser diretor de TV: um português chamado Chianca de Garcia, uma lenda. Na Semana Santa, no início dos anos 50, ele resolveu encenar a vida de Cristo, na Sexta-feira da Paixão. Na hora, ao vivo; não havia videotape. O espetáculo durava duas horas e meia. Estava tudo bem até a hora da cena da crucificação. Tudo muito bonito, bem-feito para os parâmetros da época, o ator havia sido crucificado devidamente, estava com a cabeça posicionada, como as gravuras antigas mostravam. O Chianca precisava dar uma espécie de medium shot na cena, mostrando os fiéis embaixo, e cortar para o comercial. Parece que ele se animou, demorou um pouco além do que previra pra mandar cortar. Obra do destino mau, uma mosca pousou no ator que fazia o Cristo. Ele pensou que já não estava no ar mais e tacou a mão no nariz. Quase que o Chianca se suicida. Nunca mais fez televisão, porque era o cara da mosca no nariz de Cristo. Foi terrível. Comigo também aconteceram coisas inacreditáveis. Em um teleteatro, a Dayse Lúcidi morria estrangulada. Não me lembro qual era a peça. Morria estrangulada com a cabeça pendendo da cama. A câmera ia... música... taraaaaamm... para a cara da Dayse morta. Lembrando da mosca, avisei que ela não fizesse nada, ficasse quieta até escutar que a cena do outro lado já estava no ar. E a câmera foi. Não sei que diabo que deu nela, provavelmente ficou aflita, e num determinado momento, para ter certeza que era a hora de sair fora, ela abriu um dos olhos. Isso foi para o ar. Drama total, a morta que abre o olho. Era uma época maravilhosa. Em 1953, a Record de São Paulo inaugurou com um programa meu: Repto aos Enciclopédicos, apresentado por Blota Júnior. Era patrocinado pela GE e colocava duas equipes de universitários respondendo perguntas, formato criado por um americano, Buck Harris, que o trouxe para o Brasil. Em 1955, entrou no ar, também, a TV Rio, que ao contrário da Tupi, que formara a sua equipe no rádio, reuniu um grupo de pessoas idealistas, loucas, arrojadas, aventureiras e boêmias, no bom sentido. O Pipo Amaral, que era o dono, não dava muita bola para TV, era mais um negócio, e dava total liberdade, o que gerava uma criatividade enorme. Daí surgiu uma nova forma de fazer TV e apareceram profissionais que marcaram história na televisão brasileira. Na TV Rio, estreei o Aí Vem D. Isaura, programa que fazia sucesso na Rádio Mayrink Veiga e se tornou, como disse antes, o primeiro humorístico da televisão brasileira. Os artistas eram todos de rádio: Ema D´Ávila, Brandão Filho, Zé Trindade, Chico Anysio, um rapaz nordestino, jovem, casado com a Nanci Vanderley, uma comediante muito boa também. Eu queria manter o elenco e o Victor Costa cedeu. O Haroldo Barbosa era o roteirista e eu adaptei para a televisão. Nós ensaiávamos na terça e na quinta; no sábado à tarde era o ensaio de câmera. Tudo girava em torno das aventuras de D. Isaura, uma bilionária viúva, vivida pela Ema, que tinha um mordomo, o Zé Trindade; um secretário, o Altivo Diniz; e um cozinheiro, o Apolo Correa. No programa de estréia havia um garçom bem afrescalhado e eu escalei o Chico Anysio e senti uma resistência dele logo no primeiro ensaio. No dia de ir ao ar, recebo um telefonema dele: Victor, eu gostei muito do seu trabalho, você é um bom dire-tor, mas sou um ator de rádio. Eu não sei fazer televisão, não sei fazer tipo, garçom viado, não sei fazer isso. Portanto eu quero te dizer que vou desistir. Vi que estava ferrado, porque o Chico liderava o elenco. Chamei o Magalhães Graça, um ator de teatro, que terminou a vida como dublador de primeira qualidade, e pedi para ele quebrar o meu galho. Na hora, apresentei o Graça, marquei a cena dele, que foi estupendo. O elenco inteiro riu, o clima se desanuviou. A Ema pediu a palavra e encorajou a todos: Vamos fazer, é mole, o Chico está de frescura, somos capazes, sim. O programa foi ao ar. Sucesso absoluto! Na segunda-feira, eu tinha que escalar o programa seguinte. Toca o telefone de manhã, era o Chico. Victor, eu quero te dizer que você estava certo e eu estava errado. Eu vi o programa, achei ótimo. Foi frescura da minha parte. Eu quero fazer. Você me aceita? O Chico não só voltou, como colaborou comigo em vários outros programas como ator e autor e foi um dos melhores colegas de trabalho que eu tive. O D. Isaura ficou no ar, mais ou menos, um ano na TV Rio. Um belo dia, o Chico e a Ema vieram falar comigo, pois haviam recebido uma proposta da TV Tupi para levar o programa pra lá e nós queremos que você vá para dirigir. Leva o patrocinador (que era a Biscoitos Piraquê). Mas nós vamos, com ou sem patrocinador, com ou sem você. Eu achei que não era legal e não quis ir. O Haroldo Barbosa, que gostava muito de mim, e eu dele, me avisou que o Sérgio Porto tinha uma idéia de um programa para televisão. Conversa com ele e, de repente, vocês fazem um outro programa para o lugar do Aí Vem D. Isaura. Dito e feito. A idéia dele era um programa que se passaria numa vila. Naquele tempo, os bairros tinham vilas, casas de um lado, casas de outro e uma ruazinha no meio. E a vila era um antro de fofocas e acontecimentos. Todo mundo se metia na casa e na vida dos outros. Acabou se chamando Vila da Nossa Amizade. Construí um cenário no estúdio A da TV Rio, muito bonito, que era visto de frente e de fundos. Formei um elenco novo: Consuelo Leandro, Renata Fronzi, Grande Otelo, Pituca, Rose Rondelli. E foi um tiro. O D. Isaura na Tupi durou três meses. Segundo Chico, o erro foi não ter me levado também, porque eu era o que os mantinha juntos. O Vila da Nossa Amizade ficou três anos em cartaz. Daí criamos outros humorísticos: Folias das Mercearias, Noites Cariocas, Feijão, Arroz e Alegria. Eu cheguei a ter seis programas por semana na televisão. Um dia, um sócio, Manoel Galvão, me deu uma decisão: O que você quer ser? Diretor de televisão ou empresário? Ele me impeliu a acabar com a vida dupla e comecei a diminuir a minha participação em TV. Mais uma vez, porém, maktub, estava escrito. Em 1963, eu queria para a minha agência uma conta de uma loja de eletrodomésticos muito importante, a Cássio Muniz. Arrumei um encontro com o Hélio Muniz, dono do negócio, e com Lair Carbonara, que era o seu braço direito. Eles me dariam a conta sob uma condição: que eu voltasse à televisão para dirigir o show que tinham e que estava mal. Naquela época era uma tradição que as lojas de eletrodomésticos patrocinassem espetáculos de televisão – Times Square, Noite de Gala. Acabei aceitando para pegar a conta. Vi o show e ele não merecia um Ibope tão baixo. Não era bom, mas feito por excelentes profissionais. O principal problema é que batia de frente com a Praça da Alegria, que era um sucesso. Sugeri que o Hélio Muniz acabasse com o show, negociasse outro horário, enquanto pensava em uma idéia sobre o programa. Sempre fui assim, jamais me preocupei com os problemas antes de eles existirem. Bem, ele conseguiu novo horário, conversei com o Maurício Sherman, que era o diretor e iria ficar como meu assistente, e imaginei um formato. Estávamos em 1963, o videotape já existia, e tinha três horas à minha disposição. Aí me lembrei de um programa que o Almirante fazia na Rádio Nacional, o Rádio Almanaque Kolynos, que misturava as notícias da semana com números musicais, variedades e criei o E Agora... Cássio Muniz. Trouxe pessoas maravilhosas, como o Silveira Sampaio, que fazia uma entrevista, estilo talk show, tão em moda anos depois. No programa se lançou um quadro que se chamava A Garota do Calendário. Eram doze mulheres seminuas, o tanto quanto a nudez era permitida na época, cada uma em um mês, dizendo um versinho, uma espécie de horóscopo. Funcionava pra burro! Havia um outro quadro que se chamava Meu Sucesso Predileto, no qual uma pessoa famosa tinha que dizer qual era a música de que mais gostava e por quê. Quem entrevistava era a Bibi Ferreira. Um cantor de sucesso da época fazia o número musical com a música escolhida. O Paulo Francis era um dos nossos repórteres. Ele vivia me esculhambando no jornal, detestava tudo o que eu fazia, mesmo assim achei que ele podia fazer um quadro jornalístico bom, polêmico. Ele foi me conhecer e mostrou-se surpreendido por eu tê-lo convidado. Deixei claro que achava que ele tinha valor e contra a opinião crítica dele não poderia me rebelar. Ele começou a fazer reportagens externas, mas nunca se saiu muito bem, não conseguia se acertar e começou a me dar problema. Um dia, resolvi tirar o quadro dele do ar e demiti-lo. O Carlos Thiré, que era meu assistente, conversou com ele, que concordou, me esculhambou mais umas vezes na Última Hora, foi embora do Brasil e se passaram muitos anos. Um dia, meus filhos, que estavam com 10 e 12 anos, chegaram em casa cabisbaixos, porque um colega havia mostrado um livro em que eu era chamado de covarde. Era Cabeça de Papel, do Paulo Francis. Enfurecido, mandei uma carta para ele, que nas próximas edições modificou o que estava escrito no livro: que eu havia tirado o seu quadro do ar por pressões de um coronel, que teriam me deixado com medo. Anos depois, em 1983, na Folha de S. Paulo, ele esculhambou com as bailarinas de Evita, dizendo que elas pareciam umas patas chocas. E avisava que no domingo seguinte continuaria a crônica. Liguei para Nova York e deixei um recado que, se ele escrevesse mais alguma coisa, tornaria pública a carta. E nunca mais nada foi escrito. Tenho a cópia da carta guardada até hoje. Se essa não foi uma boa experiência, tive outras ótimas durante o E Agora... Cássio Muniz, que ficou cinco anos no ar. Ibrahim Sued, por exemplo. Eu já havia trabalhado no início dos anos 50 com ele, em um programa na Rádio Globo, chamado Boate Piraquê. Era o auge do Rio de Janeiro, da vida noturna, das boates maravilhosas, ninguém nem pensava em violência. A favela era aquela dos meus amores, como cantava a música do Sílvio Caldas. Todo sábado, às onze da noite, o programa ia ao ar, numa das boates do Rio de Janeiro, onde o Ibrahim entrevistava pessoas importantes, homens de sociedade, políticos. À meianoite e dez, mais ou menos, começava o show, que era transmitido. No primeiro programa, logo percebi que o Ibrahim dizia muita besteira. Pensei em um excelente locutor da Rádio Globo, advogado, que havia trabalhado na BBC de Londres, o Rubem Amaral. Chamei-o: Eu vou te contratar. Você fica sentado na mesa junto com o Ibrahim e presta atenção no que ele vai falar. Se ele disser alguma besteira, você põe a mão no braço dele e entra no ar. Tá combinado? Avisei ao Ibrahim também que, assim que o Rubem colocasse a mão em seu braço, ele deveria passar o microfone imediatamente para ele. E assim foi. Tudo muito bem. Sucesso o programa de rádio. Todo o mundo ouvia o Boate Piraquê na Rádio Globo. Um sábado, em que o programa era na Boate Vogue, fui buscar a minha namorada, que trabalhava em outra boate, a Casablanca, e quando volto encontro a maior confusão. Havia entrado um homem conhecido, um industrial famoso, e o Ibrahim noticiara a presença dele com uma mulher muito bonita, de quem deu todos os detalhes. A esposa legítima, que estava em casa, ligou para o cunhado, que correu para a boate para avisar ao irmão que a mulher estava vindo para quebrar tudo. Ele, meio bêbado, quebrou uma garrafa de uísque na cabeça do Ibrahim, que revidou. Dali a pouco chegou a mulher do cara aos berros. Fechou o tempo, quebra-quebra, camburão, todo mundo preso. Cheguei em casa às três da manhã e havia dois recados: um do Dr. Roberto Marinho e outro do Dr. Colombo, da Piraquê. O programa saiu do ar. E o Rubem, onde estava que não apertou o braço do Ibrahim? No banheiro, me contaram depois. Mesmo assim, resolvi levar o Ibrahim para a televisão. Eu gostava dele, que era um libanês típico: amigo dos amigos, inimigo dos inimigos. Eu criei um quadro, estamos falando de 63, antes da revolução, que era O Almoço no Copa. Naquela época, aos sábados havia uma famosa feijoada na piscina do Copacabana Palace, em que ia todo mundo que era alguém. Tive a idéia de fazer um quadro, gravado em videotape, em que o Ibrahim entrevistava as pessoas. Foi um sucesso. Um dia, estou na gravação, olho para cima e vejo o Edifício Chopin, onde morava o Presidente João Goulart e a Primeira-Dama Maria Thereza, e pensei que talvez pudéssemos fazer um especial para o programa, mostrando a casa do Presidente. O momento não era muito bom, o clima andava pesado, comício da Central, tomei precauções e ensaiei mil vezes com o Ibrahim. Aqui você entra. Na saída, tem um corredor, você se despede, agradece a ela, ela agradece a você... Desci e resolvi fazer pessoalmente o corte no caminhão. Se errasse, era preciso começar tudo de novo. E começamos muitas vezes. Uma vez era o Ibrahim que errava, noutras D. Maria Thereza. Eu, desesperado de calor, era fevereiro, mandava o Ibrahim falar menos e se limitar a mostrar a casa. Finalmente, chegou a última cena, eles vindo do corredor para a despedida. Chegam na porta, um em frente ao outro, não tinha mais erro, já haviam feito, inclusive gravado, umas dez vezes. Pedi para o Sherman terminar para mim e fui tomar um ar. Na hora da edição, nem olhei a cena, já havia visto mil vezes. Na segunda, quando o programa ia ao ar, eu dirigia a parte ao vivo. Quando rodou o VT, vejo a seguinte cena, assim como milhares de espectadores: os dois na porta, um em frente ao outro. O Ibrahim vira-se e diz: D. Primeira-Dama, obrigado pelo furo que a senhora me deu – apontando para baixo, mais precisamente para a região genital dela. Ela se vira e responde, também olhando para baixo: Obrigada, Ibrahim, às ordens. Minha primeira reação foi matar o Sherman. No dia seguinte, a imprensa não poupou. Estava em todas as manchetes: O Furo da Primeira-Dama. Logo depois veio a Revolução e o Ibrahim continuou, porque, na verdade, ele dava muito Ibope com essas coisas que ele falava. Se fosse depois da Revolução, se o acontecido fosse com a mulher de um dos presidentes militares, provavelmente eu ia ser preso, torturado, totalmente de gaiato. Juro que não tive culpa do furo que ela deu. E Agora... Cássio Muniz nada mais era do que o Rádio Almanaque Kolynos, assim como o Fantástico, que veio dez anos depois, e usou a mesma fórmula inventada pelo Almirante na Rádio Nacional. Em 1968, o programa terminou porque resolveram fechar a loja do Rio e se concentrar em São Paulo. Mas foram cinco anos no ar bem vividos. Em 1973, novamente a Piraquê me jogou dentro da televisão. O Chacrinha saiu da TV Globo, brigou e foi embora para a Tupi. Era o auge dele. Eu acho, sem falsa modéstia, que contribuí para que esse auge se prolongasse um pouco. Entrei em negociação com a Tupi para comprar o patrocínio do Chacrinha para a Biscoitos Piraquê. Acertamos tudo e impus uma condição, mudar o programa para sábado, porque sabia que a Globo ia reagir de maneira muito forte. O trabalho do Boni era insuperável, sabia que ele era um cara criativo e que ia botar pra quebrar no domingo à noite. E botou... com o Fantástico. Com certa dificuldade, a Tupi topou sair da linha de fogo. Resolvi mudar um pouco o Chacrinha, dar um ar de Folies Bergère, como defini na época: colocar as chacretes mais perto dele, luzes piscando, enfim uma coisa feérica, uma festa. Tirei-o do estúdio e coloquei-o no Grill, o teatro do Cassino da Urca. Foi lá que fizemos o Chacrinha por um ano, patrocinado pela Piraquê. Depois saímos, ele foi para a Bandeirantes, onde o Guga, irmão do Boni, um profissional excelente e talentoso, pegou a idéia visual que eu havia tido e melhorou ainda mais, tornou o Chacrinha um verdadeiro show. Encerrei a minha carreira de diretor de televisão com o programa do Chacrinha, um verdadeiro star! Sem falsa modéstia, porém, acho que colaborei muito com a TV brasileira, até mesmo de forma indireta. Posso dizer que mudei o curso da televisão. A TV Globo foi ao ar para valer no dia 25 de abril de 1965 (houve uma transmissão experimental no dia 11 de abril). O Dr. Roberto não tinha experiência de televisão e nomeou o Rubem Amaral, que era um homem de rádio, como primeiro diretor da TV. Chamou um profissional de propaganda, Herculano Siqueira, para ser o diretor de publicidade, e criou a figura do diretor artístico, que era um negócio de rádio que, na minha opinião, já estava meio superado e entregou esse cargo a uma pessoa chamada Abdon Torres. Dr. Roberto jogou todas as fichas em cima do Abdon, que era um capitão do Exército, um cara estudioso, culto, mas com um temperamento forte e que ha-via feito uma carreira rápida e complicada na Tupi. Ele havia batido de frente com muitas coisas, inclusive com o pessoal de engenharia, que pode fazer ou desfazer alguém. O Abdon resolveu fazer um grande teleteatro com Tereza Raquel e outros artistas famosos da época, em externa, na Praia da Urca, em 1963. E começou a brigar com a técnica. Os caras diziam que não podia, ele dizia que podia. Na hora da gravação, eu fui lá assistir na técnica. Começa a gravar, a câmera pifa e logo fica boa, daqui a pouco, outra câmera pifa. Depois é a mesa de corte que quebra e, nessa hora, o engenheiro-chefe pelo telefone avisa: Queimou a válvula 143P48. E não tem outra, só mandando vir de São Paulo. A externa parou. O Nereu Bastos, diretor executivo da Tupi, foi à loucura com a despesa inútil e mandou o Abdon embora. Naquela noite, eu perguntei ao pessoal da engenharia: Que válvula 143P48 é essa? – Ah, Victor, nós queríamos derrubá-lo. Bom, mas ele foi para a Globo com plenos poderes. Um dia fui visitar as obras e ele me mostrou muito orgulhoso o estúdio, o maior que existe. Percebi que a porta era pequena, que os cenários não entrariam, comentei com meus amigos e foi um tumulto, mudaram a porta, um clima. No dia da transmissão experimental da Globo, estava na minha casa na festa de aniversário de dois dos meus filhos e me avisaram que o Rubem Amaral me esperava na porta. Fui até lá e vi um vulto no carro, era Dr. Roberto. Nos reunimos no escritório e o Rubem me contou que o Abdon mantivera em sigilo o programa de estréia da Globo, não deixara ninguém ver, mas que, naquela manhã, ele havia entrado na marra, apanhado o videotape, mostrado para Dr. Roberto e os dois tinham achado abaixo da crítica. O Abdon entrara na sala e, aos berros, disse que ia embora. Dr. Roberto mandara que ele fosse. Pois bem, os dois estavam ali, oficialmente, para me convidar a assumir o lugar do Abdon. Eu sempre gostei muito da minha independência e detestaria me sentir preso. Não aceitei. Sugeri que o Dr. Roberto acabasse com a função de diretor artístico e criasse núcleos – veja que palavras proféticas – com diretores responsáveis pela sua parte na programação. Ele não me ouviu e entregou a direção ao Mauro Salles, um grande publicitário e jornalista, mas que não era adequado para o cargo de diretor artístico. E a Globo foi uma catástrofe. O Abdon Torres acabou seus dias como tradutor de legendas e dublagem na minha empresa VTI. Era uma pessoa muito culta, boa gente, mas não podia ter a responsabilidade que lhe foi dada. Em dezembro de 1965, Dr. Roberto me convidou mais uma vez. Novamente recusei, expliquei que eu era uma pessoa chata, gostava das coisas do meu jeito, tinha a minha agência, enfim, que não podia. Ele me pediu uma sugestão e indiquei o Walter Clark, que havia sido meu companheiro na TV Rio, estava insatisfeito lá e via uma grande possibilidade de ele dar muito certo na Globo. Dr. Roberto reclamou: Mas é um bêbado. Deixei claro: ele preferia uma pessoa certinha, de terno e gravata, para deixar a TV Globo onde estava, ou um bêbado que a colocaria em primeiro lugar de audiência? Liguei para o Walter, que reagiu: Ele é um velho chato. Mais uma vez banquei o mediador: você prefere um cara jovem, legal, que não te dá condições profissionais, ou o velho chato que vai te dar tudo para você fazer a maior TV do País? Os dois se acertaram e o Rubem jamais me perdoou. Você enfiou uma faca nas minhas costas – me disse. Não adiantou explicar que o Walter ia ser diretor artístico, que ele era o diretor-geral, que se cada um ficasse na sua, não haveria problema. Em uma semana, os dois brigaram e o Rubem saiu da TV Globo. Quando a água passa pelo rio, ela não volta mais – é um ditado árabe. É preciso aproveitar todas as oportunidades. Em janeiro de 1966, caiu a maior chuvarada no Rio, uma catástrofe, mortes, pessoas ilhadas. O Walter, esperto como ele só, criou o SOS Globo. Pegou tudo quanto era caminhonete da Globo, táxis, carros particulares e botou repórteres dentro para tirar pessoas de situações perigosas. Mandou remédio, comida; arrumou lugar para as pessoas morarem, enfim, uma operação de guerra para ajudar a população. E a TV Globo, em fevereiro, estava em primeiro lugar. Nesse momento, a Globo começou de verdade e ninguém segurou mais. Entre os seus méritos, estava o de formar equipe: levou o Boni para a parte artística, o Arce, no comercial, o Joe Wallach, numa espécie de direção administrativa. Este quarteto projetou a TV Globo. O Walter saiu da Globo anos depois, bastante decadente, mas o Boni foi um sucessor digno, 100% competente e a saída dele modificou muito o perfil da rede, que continua a ser a maior do mundo voltada para o entretenimento, mas carecendo de um líder. E o mundo precisa de líderes. Eu tive um terceiro convite do próprio Dr. Roberto, mais recente, que também não aceitei. Aliás, lembro-me do Dr. Roberto com enorme carinho. Era uma pessoa extraordinária, que não guardava rancores nem ressentimentos. Uma pessoa como ele não aparecerá no Brasil nos próximos 100 anos. E a TV Tupi – a pioneira – como ficou? Teve um fim muito triste. Problemas administrativos, má gestão, conflitos de vaidades, choques de interesse, previsões erradas, ciúmes entre os famosos condôminos, tudo isso e, talvez, alguma precipitação política e má vontade do governo levaram a Tupi e a maioria de suas afiliadas a fechar de forma fria e violenta. De certa forma, eu participei tentando salvar seus últimos momentos. Vivi o início na Avenida Venezuela, participei da transferência para o Cassino da Urca e fiz o que pude para ajudar a casa e os meus queridos amigos que a dirigiam: João Calmon, Paulo Cabral e Rômulo Siqueira. Rômulo, cearense de boa estirpe, valente, idealista e lutador, me telefonou um sábado à tarde: O Flávio Cavalcanti nos abandonou. Estamos sem nada para colocar no ar amanhã. Ele fazia quatro horas de programação. Todo mundo saiu fora, liderado por ele: equipe, artistas e patrocinadores. Você não tem aí um filminho para nos ajudar? Eu e minha empresa éramos credores da TV Tupi e tínhamos uma considerável soma para receber, já bastante atrasada. Pensei rápido: São meus amigos, ali comecei a minha carreira e conheci a minha mulher. Respondi que não tinha um filme de quatro horas, mas que havia uma minissérie, com quatro episódios de 60 minutos que poderia editar e fazer um superprograma de quatro horas. Você quer? Em resposta... silêncio. Creio ter ouvido alguns suspiros, talvez um pranto meio abafado. Combinamos que ele passaria às onze horas para apanhá-lo, eu e um funcionário, o Jorge Tubagí, trabalhamos no domingo para entregar o material para o Rômulo. Robinson Crusoé adiou a morte da Tupi por quase uma semana. Depois, o silêncio. Nunca recebi o que a Tupi me devia. Nem me habilitei no processo de falência. Com meu trabalho lá havia ganhado amigos, experiência, prestígio e... dinheiro. Anos depois, precisava de um lugar com bastante espaço para ensaiar Evita. Alguém me sugeriu a TV Tupi, no Cassino da Urca. Liguei para o Rômulo, que falou com o Paulo Cabral e me deu as chaves do prédio por cerca de dois meses. Quando nos transferimos para o Teatro João Caetano, telefonei para o Paulo Cabral e perguntei quanto devia. Resposta: Nós é que devemos a você, Victor. É bom viver assim... Esta é a minha história na televisão. Não me arrependo de nada do que fiz, nem mesmo de não ter aceito os convites para dirigir a TV Globo. Acho que minha vida foi maravilhosa e continua sendo. Deus me deu muito mais do que eu mereço, do que eu preciso. Eu jamais teria tido felicidade num lugar em que tivesse que enfrentar intrigas palacianas, situações em que o meu temperamento não me deixasse agir como gostaria. Se hoje a situação se repetisse, a minha postura seria a mesma. A única coisa que gostaria de ter feito mesmo – e quase fiz nos anos 80, mas a vida me obrigou a outro caminho – era morar em Londres ou Buenos Aires e dirigir teatro, que é o que, realmente, profundamente, amo. Capítulo V O Teatro Uma vez, um amigo, o Rubens Ewald Filho, que me viu durante o ensaio de Evita, me perguntou por que eu não largava tudo para fazer teatro. Você no palco voa de tanta felicidade. Esta pergunta já me fiz milhares de vezes. A resposta é simples: tenho muitos compromissos na vida, negócios, pessoas que dependem de mim. Não teria condições de chutar tudo para o alto para me dedicar somente ao teatro. Mas, com certeza, os momentos de maior alegria da minha vida me foram dados pelo teatro. E, embora não dirija mais no Brasil, continuo fazendo montagens na Argentina, no México, na Espanha e só saio de um palco no dia em que morrer. Sempre tive vocação para diretor. Primeiro no Colégio Brasileiro de São Cristóvão, depois nos EUA, numa companhiazinha de teatro na Universidade de Columbia, da qual participava ativamente. Eu começava de mansinho, mas acabava sempre coordenando, dirigindo, organizando, ensaiando, enfim, fazendo tudo. Foi na televisão, porém, que eu pude entrar mais ainda em contato com a dramaturgia: até meados da década de 60, quase não havia filmes na televisão e os teleteatros possuíam grande força. Sábado, domingo e segunda à noite a programação era preenchida com peças completas, de dois ou três atos. Eu dirigi dois programas do gênero: o Teatro Moinho de Ouro eo Studio A, ambos na TV Rio. Os dois tinham características muito diferentes: o primeiro era um teatro para fazer rir, um vaudeville, aquele entra-e-sai, abre porta, fecha porta, aquela confusão, característica do gênero. O Studio A era mais requintado: elenco conhecido, peças selecionadas, uma pretensão maior. Apesar disso, talvez por ter sempre um patrocinador a tiracolo, tinha que ter audiência. Era bem- feito, mas sem ser hermético ou transmissor de mensagens. Eu queria público e que o meu cliente, o patrocinador, vendesse o produto dele. A crítica adorava o Grande Teatro do Sérgio Brito, que ia ao ar segundafeira, de 9 às 11 da noite, na TV Tupi, que era elitizado e intelectualizado. Nós agradávamos o público. Assim foi durante vários anos. O elenco do Studio A, que fui formando ao longo do tempo, reunia, entre outros, Cilo Costa, Odete Lara, Liana Duval, Auri Caê, Madame Henriette Morineau, Dália Palma, Maria Sampaio e Fernanda Montenegro. Tive oportunidade de trabalhar com grandes artistas nessa época. Basicamente eu os dividia em dois grupos: os técnicos e os carismáticos. Bibi Ferreira e Tereza Raquel são exemplos de maravilhosas atrizes técnicas. Fernanda Montenegro e Libertad Lamarque – duas grandes artistas carismáticas. Fernanda me fez chorar duas vezes na vida. Na primeira, ensaiávamos para o Studio A a montagem de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. Fernanda fazia a Cathy, que se debatia entre seu amor por dois homens de temperamentos diferentes. Um ela amava como marido. O outro, como irmão. Na cena final, em seu leito de morte, ela tenta que os dois se tornem amigos depois do seu desaparecimento. E faz um longo e dramático speech. No dia do ensaio de câmera, eu forcei a barra. Queria tudo muito dramático. Comigo é assim: se é para rir, tudo. Se é para chorar, tudo também. Expliquei a cena e Fernanda fez. Não é assim que quero – ponderei. Insisti que ela tinha que dramatizar o texto. Ela repetiu e perguntou se estava como eu queria. Ainda não. Faltam lágrimas, Fernanda. Ela me disse que havia entendido e ensaiamos mais uma vez. Enquanto ela dizia seu longo texto, não se ouvia nada no estúdio. Cerca de 40 pessoas, entre artistas e técnicos, parece que silenciaram ao mesmo tempo. Quando ela terminou quis saber: É assim? E eu me descobri com lágrimas nos olhos. É assim, Fernanda! A segunda vez em que ela me fez chorar foi no filme Eles Não Usam Black Tie. Na cena final, depois de ver seu filho morrer, seu pequeno mundo acabar, ela se senta com o marido, interpretado pelo Gianfrancesco Guarnieri, e, silenciosamente, começa a catar feijão. Sua fisionomia vai se transformando, em total silêncio, até às lágrimas. Chorei junto com ela no antigo Cine Metro. A Fernanda é uma grande figura. Perdeu um pouco a esportiva quando não venceu o Oscar, mas tinha bastante crédito em sua vida pessoal e profissional para um pequeno deslize. Um dia, os artistas do programa me propuseram: Por que a gente não forma a Companhia Studio A para estrear em teatro? Isso foi em 1959, por aí. Eu nunca havia dirigido teatro de fato, era um diretor de televisão. A Odete Lara se prontificou a me ajudar. Sempre fiz teatro, muito Teatro Brasileiro de Comédia na minha vida, sem problema. A Liana Duval estava animada. O Cilo Costa via o lado financeiro: A gente pode ganhar muito dinheiro. A Odete Lara apareceu um dia com uma peça do Henrique Pongetti, Society em Baby-Doll. Uma comédia muito fresca de uma família que, de uma hora pra outra, por obra do destino, entra na grana, fica todo o mundo rico e vai morar em Copacabana. O termo society estava sendo lançado pelo Ibrahim Sued. A filosofia do Pongetti na peça era colocar a sociedade desnuda, de baby-doll, a roupa de dormir ousada da época. Alugamos o Teatro Mesbla, que o Adoldo Celi e a Tônia Carrero tinham acabado de largar, e começamos a ensaiar. Para dizer a verdade, o guru da montagem foi a Odete Lara, porque ela é que dava os palpites. Não faz assim, não faz assado, não pensa em televisão, pensa no público... Ela foi ótima. Transmitia coragem, e eu estava inseguro, mas fui me animando. Formamos uma cooperativa: as nove pessoas no elenco, cada uma tinha uma porcentagem. Eu tinha um percentual maior, porque era o diretor e também tomava conta da parte administrativa. Estreamos e foi uma loucura. Ficou em cartaz vários anos, cerca de nove, com muitos elencos diferentes e viajou o Brasil inteiro. Aí me animei, gostei. Pedimos ao Pongetti uma outra peça, que ele escreveu sob medida: Conheça seu Homem, uma comédia também sobre corneação. Foi um sucesso, não tão grande como o anterior. A companhia começou a se firmar e pintaram possibilidades novas de montarmos peças brasileiras e estrangeiras. O cenógrafo que trabalhava comigo na televisão – e que considero o maior que já conheci, porque, além de criador, executava os cenários –, Pernambuco de Oliveira, apareceu com o projeto de montar A Baronesa, do Josué Montello, com uma subvenção do Serviço Nacional de Teatro. Eu havia lido a peça e, com todo o respeito pelo autor, achei-a chata. Mas o Pernambuco se encantara, entrou como cotista da companhia e a dirigiu. A peça não funcionou. Nós tínhamos obrigação de mantê-la, em função da grana que havíamos recebido, por 30 dias. Foi aos trancos e barrancos e nós precisávamos decidir rápido o que iríamos fazer no mês seguinte. Apareceu uma peça americana, chamada Under the Yum Yum Tree, que traduzi, a toque de caixa, e dei o nome de Casar ou Experimentar. No elenco estava o Álvaro Aguiar, que tinha vindo da Rádio Nacional, uma jovem atriz do teatro, Gracinda Freire, e a Miriam Pérsia. A Baronesa acabou num domingo e Casar... estreou na quinta, sem propaganda alguma. Casa lotada. Isso é o que chamo mistério do teatro. 1962. Eu já havia fundado a Network para distribuir filmes para televisão, que representava a ABC, e me tornei muito amigo de Robert Lerner, que fazia a representação da ABC no México. Ele era irmão do Alan Jay Lerner, um dos autores de My Fair Lady. Não disse que tem sempre alguém que me coloca no lugar certo, na hora certa e, principalmente, com a pessoa certa? Pois bem, um dia fui visitá-lo e ele me perguntou se eu queria dirigir My Fair Lady (seu hobby era teatro, ele adorava financiar produção, viver no meio). Eu sabia o que era, já tinha escutado falar, mas nunca havia assistido e respondi imediatamente, sem pestanejar: Eu não tenho condições de fazer. Esquece. Alguns meses depois ele me avisa que vai montar a peça no Brasil, porque havia aparecido uma pessoa para fazer negócio com ele, e por isso estava me dando uma última chance. Iria montar no México, Argentina e queria triangular no Brasil. Insisti que não queria, tinha mil outras atividades. Maktub. Um dia ele me telefona e avisa que a pessoa no Brasil havia roído a corda e ele estava ferrado, porque a CBS, que era detentora dos direitos, já tinha fechado contrato com ele, incluindo o Brasil. A sua proposta foi que eu acompanhasse a produção no México, com diretor e coreógrafo americanos, e que depois montasse na Argentina e no Brasil. Eu fiquei meio indeciso, mas estava meio frustrado por não ter brigado mais da primeira vez, não ter corrido o risco. E, como estava escrito, lá fui eu para o México trabalhar com o diretor de montagem (stage manager) Greg Caine e o coreógrafo Crandall Diehl. Em pouco tempo, já estava me sentindo seguro e começando a palpitar em tudo. O investidor mexicano tinha muita grana e queria que a sua namorada, Rosita Quintana, fosse a Elisa Doolittle. Ela era uma cantora de bolero e atriz medíocre. E My Fair Lady, convenhamos, é única. É a fairest lady of them all, a mais querida de todas. Eu reclamei que ela era muito ruim, mas o que fazer? Ele exigia. Seguimos os testes: Plácido Domingo foi um dos que concorreram e ganhou uma vaga no coro. Eu vi o seu teste. A Rosita seguia nos ensaios aos trancos e barrancos. Ela tinha uma substituta, que também estava sendo ensaiada, e era fantástica. Cinco dias antes da estréia, a Rosita cai e quebra a perna. Todo mundo se desesperou e eu, intimamente, rindo de orelha a orelha. A jovem Esther, uma mexicana de 20 e poucos anos, foi um sucesso absoluto ao lado de Manolo Fábregas, ator mexicano de uma família tradicional de artistas. A Rosita ficou engessada um grande tempo, não participou da montagem no México, mas contratualmente ela deveria ser a estrela na Argentina. E lá fui eu para Buenos Aires – a peça iria estrear no Teatro Nacional – carregando a mala da protagonista, uma cantora ruim, que representava pior ainda. Mas o destino mais uma vez conspirou a meu favor. Um dia, a Rosita vem para mim com a cara muito consternada: Victor, eu tenho uma má notícia para te dar. O Sérgio – o patrocinador e namorado – está armando um negócio em Hollywood e eu vou ser a estrela do filme. E o problema é que eu tenho que começar as filmagens na semana que vem. Ela segurou no meu braço e disse: Vou ter que te abandonar em My Fair Lady. Eu me controlei para não ficar feliz demais. Ela entendeu aquele momento de pausa como uma grande manifestação de tristeza da minha parte. Aí eu disse: Vai com Deus. Nós nos arrumamos com a Beatriz. E foi assim que a Beatriz Bonnet estreou e foi um sucesso! Viemos para o Brasil e aqui não havia grana, porque não havia estrela patrocinada por ninguém. Nós tínhamos que levantar o capital. Eu já estava animado, querendo que as coisas acontecessem. Eu ganhava bem, as minhas empresas estavam sólidas e faturando, mas preferia seguir a lição que aprendera do Dr. Roberto Marinho: Nunca bote dinheiro teu. David Merrick, grande produtor da Broadway, também dizia a mesma coisa: Eu nunca ponho dinheiro meu na peça, só o meu nome e o meu trabalho. Eu ponho dinheiro dos outros. Procurei o meu padrinho de casamento, Luiz Vassalo, para que ele me aconselhasse. Estávamos em 1962, a situação no Brasil já estava um pouco confusa. Ele me mandou procurar o Oscar Ornstein, que era na época gerente-geral do Copacabana Palace e se não tem dinheiro, vai fazer com que ele apareça porque conhece todo mundo. Realmente o prestígio do Oscar era enorme. Ele era um maravilhoso public relations, talvez o melhor que tenha conhecido. E tudo acontecia no Copa: baile de carnaval, réveillon, desfiles de moda. Lembro-me da noite em que conversamos e ele se entusiasmou com a idéia – Oscar era um entusiasta, um otimista por natureza, acabou mal, talvez por conta desse otimismo todo. Fiz um planejamento financeiro, marquei o teatro e já estávamos falando sobre elenco. Oscar garantiu que conseguiria o dinheiro com o banqueiro José Luiz Magalhães Lins e mandei vir de Buenos Aires, de navio, os cenários e os figurinos. Eu adiantava o dinheiro para as despesas, mas quando o navio estava para chegar, comecei a me preocupar. Ele marcou um encontro comigo e quando cheguei no Copa ele agarrou no meu braço, chorando convulsivamente e me disse: Eu te enganei, o José Luiz já disse há 15 dias que não ia patrocinar a peça. Tentei arranjar outro patrocinador e não consegui. Não tenho o dinheiro e estou com vergonha. E chorava. Eu fiquei sem saber o que fazer, vendo aquele homem naquela situação patética. E eu também estava patético, claro! Mais calmo, o Oscar me disse que o Ibrahim tinha um amigo, que topava ser sócio capitalista, mas iria querer uma parte grande do negócio. Fiz as minhas contas, quanto tinha no banco, liguei para a minha mulher, que é uma pessoa valente, corajosa, do ramo, que me aconselhou a fazer o que achasse melhor, mas me pediu que não me esquecesse do Oscar, não o abandonasse. Pensei, pensei muito, lembrei-me da regra do Dr. Roberto e decidi aceitar o sócio capitalista, que ficaria, junto com o Oscar, com 50% e eu com a outra metade, mais uma grana como diretor e tradutor das músicas (o Henrique Pongetti traduziu os diálogos da peça). Fomos para a casa do Ibrahim no Arpoador. Eu quis saber de cara se era um capitalista ou alguém que iria colocar as economias numa aventura. Ele me garantiu que o cara tinha dinheiro. E me disse o nome: Rubem Amaral, que na época, era diretor da Rádio Globo. Mas ele não tem dinheiro para isso – foi a minha reação. Aí o Ibrahim me explicou que a família da mulher dele tinha muita grana e queria ajudar o Rubem a deslanchar. E, segundo eles, o Rubem topava ficar com 25% e eu com 75%. Lembrei-me do pedido da minha mulher. Como eu já te disse, na vida só tenho graças a Deus a dar. Uma delas é nessa questão de dinheiro, Deus me deu mais do que preciso e mereço. E sempre colocou meios para que ganhasse dinheiro quando precisava. Não sou rico ou milionário, mas, graças a Deus, vivo bem. Decidi dar 25% para o Oscar, dos meus 75%, para que ele fosse o public relations do espetáculo. O Ibrahim, que era um árabe muito esperto, pulou: Péra aí, e eu não ganho nada? Eu, árabe também, fiz uma conta rápida do que já havia posto no projeto e que, nesta nova composição, dificilmente iria receber, e propus que ele comprasse 25% meus. Ele perguntou se eu aceitava a comissão que o Rubem ia lhe dar como parte do pagamento e topei. Assim foi fechado o acordo e formada a Fair Lady Diversões: 25% para cada um dos sócios – eu, Oscar, Ibrahim e Rubem. Jamais me arrependi. My Fair Lady foi uma máquina de fazer dinheiro. Uma condição que impus, que é tácita em qualquer negócio que eu entrar, é que quem manda em tudo sou eu. Não tem conversa, dividir opiniões, mesa-redonda, reuniões intermináveis, não tem nada, eu é que mando. Poderes de ditador, não tem conversa, comigo não se discute. E assim foi no My Fair Lady. O Rubem tomava conta da parte administrativa, o Oscar fazia relações públicas, o Ibrahim fazia gracinha – estava lá para ganhar dinheiro, não tinha uma função determinada, mas podia ajudar aqui e ali como, de fato, ajudou em algumas situações. Eu era o responsável pela parte artística, mas decidi ser mais flexível na discussão do elenco, já que o dinheiro de todo mundo estava envolvido. E começamos a formar o elenco principal: Elisa, Professor Higgins, Doolittle, Pickering. Todo mundo tinha sua Elisa favorita. Um pouco antes, porém, eu tinha ido ver um show da Bibi Ferreira na boate Night and Day. Gostei dela, mas gostei mais ainda da mãe dela, a esposa legítima de Procópio Ferreira, D. Aída, uma senhora baixinha, encantadora, uma lutadora, uma guerreira. Ela era espiritualista e, embora eu seja católico, ela tentou me envolver com uma história que seus guias haviam dito que a Bibi devia ser a Elisa. Ela me procurava e insistia que eu devia testar a Bibi. Depois, conquistou uma aliança muito forte com a minha mulher, uma pessoa que ela sabia ser influente na minha vida. D. Aída era uma pessoa maravilhosa, tanto que com o correr do tempo eu passei a considerá-la como se fosse minha segunda mãe. E ela dizia que eu era o filho que ela não havia tido. Até seu nome era o mesmo da minha mãe de verdade. Eu era reticente com relação a Bibi, no entanto. Não achava que ela era adequada para o papel, que era complicado. A pessoa tinha que ser uma cantora e a Bibi não é; a atriz precisava ter muito carisma, o que a Bibi não tem. Ela sempre teve técnica. Mas D. Aída foi uma lobista forte e usava todos os recursos em favor da filha e acabou me fazendo lutar contra tudo e contra todos. A candidata do Oscar era a Tônia Carrero, que não cantava, mas estava no auge da beleza e da fama e não tinha a humildade em aceitar que não cantava. Ela achava que com aulas chegaria lá e não chegaria, tenho certeza. Quanto aos homens, o meu candidato a Professor Higgins era o Jardel Filho. O Rubem e o Oscar queriam o Paulo Autran. Eu não tinha a menor simpatia pelo Paulo, porque havia feito um programa de TV com ele e Tônia, tipo I Love Lucy, e eles não haviam sido 100% comigo. Eu era um cara jovem, estava lutando pelo meu espaço, eles já eram consagrados e tentaram até colocar outro diretor no meu lugar, foram direto na Piraquê, mas quebraram a cara. Na noite em que devia ser tomada a decisão, nos sentamos em um café na Rua Rodolfo Dantas, ao lado do Copacabana Palace. Ninguém admitia a Bibi, que não tinha lobby de imprensa e até hoje não tem. Ela é um pouco antipática. Depois que ficou viúva do Paulo Pontes, a imprensa começou a aceitá-la um pouco melhor. O Ibrahim ficou meio distante, mas o Oscar e o Rubem fizeram uma carga cerrada a favor da Tônia Carrero. Chegaram a dizer que a Bibi tinha um pescoço pequeno e na hora que aparecesse com aquele vestido, descendo a escada para ir ao baile no Palácio de Buckingham, ficaria ridículo. Coloco uma gargantilha no pescoço dela e pronto – argumentei. Finalmente, propus a seguinte solução: Não quero ser um ditador, porque, afinal de contas, o dinheiro de vocês está em jogo também. Eu aceito o Paulo Autran e vocês aceitam a Bibi Ferreira. E assim foi que se formou o elenco de My Fair Lady. Acho até hoje, porém, que o Jardel teria feito melhor. Com o Doolittle, fechei questão: Jayme Costa, velho ator de teatro, em processo de decadência, a quem precisei dirigir passo a passo, como a uma criança, porque sabia que era a chance dele de voltar. E foi um sucesso mesmo. Com o Pickering não fizemos uma boa escolha: o Sérgio Viotti entrou por lobby do Paulo Autran, mas não foi o ideal, deu para o gasto. Nada mais do que isso, tanto que ele foi substituído por outros atores ao longo da temporada, que eram melhores do que ele, mas ele sempre voltava porque era o dono do papel. O Paulo Autran também foi substituído, mas por causa de um acidente, que o deixou imobilizado por muitos meses. Edson França entrou em seu lugar, mas assim que o Paulo ficou bom ele voltou a ser o Higgins. Para a montagem de My Fair Lady, trouxemos apenas duas pessoas dos Estados Unidos: o coreógrafo Harry Woolever, até hoje diretor-geral do corpo de baile do Carnegie Hall, que fez um excelente trabalho; e o Greg Caine, diretor de montagem, que conhecia todo o cenário, a roupa, a luz, a contra-regra e havia participado das montagens no México e na Argentina. Formei uma equipe aqui que me seguiu a vida inteira. Eu tinha dois maîtres de ballet: um chamado Fernando Azevedo, ainda vivo; o outro, Johnny Franklin, que já faleceu. O meu homem de cenografia, que acertava o cenário todo, chamava-se Benet Domingo, que era um arquiteto e cenógrafo muito competente. O maestro, eu queria o Radamés Gnatalli, que não pôde, mas indicou o irmão dele, o Alexandre Gnatalli, um regente excepcional. Para fazer funcionar toda a cenografia, Luciano Trigo, que foi o meu ídolo nessa montagem. Nunca se havia feito esse tipo de espetáculo no Brasil até então. Ha-via experiência de ópera: cenas estáticas em três ou quatro atos. Em My Fair Lady, o cenário se modificava, se mexia durante a cena. Sem a equipe competente que me acompanhou nessa empreitada, jamais teria dado certo. Divido com eles todos os louros do My Fair Lady. Eu era o comandante, mas a equipe era muito boa. Uma das razões que eu não faço mais teatro no Brasil, é que, depois de Evita, nos anos 80, todos foram morrendo. A morte é terrível, leva as pessoas que você mais ama. Não tem mais ninguém daquela minha equipe original e não arranjo outros. Não existem mais pessoas como aquelas. Você tem gente que faz cenário fixo, por exemplo, montar a árvore da Lagoa. Montou, acabou, ficou lá. Com a minha equipe, deixava o espetáculo na mão dela. Ia lá de 15 em 15 dias e estava tudo perfeito. Muitos deles viajaram comigo: Espanha, México, Argentina em outros espetáculos. Essa equipe hoje eu tenho, mas na Argentina. Em My Fair Lady, formamos um elenco maravilhoso de substitutos e todos eles atuaram. Quem substituía a Bibi era a Lísia Demôro, uma mulher linda, cantora do Teatro Municipal. O espetáculo com ela crescia musicalmente, porque ela era muito melhor cantora do que a Bibi. As melhores recordações que tenho da Elisa de My Fair Lady são com a Lísia. Sua estréia foi absolutamente incrível. A Bibi ficou gripada, fez a matinê a meia voz, enquanto eu preparava psicologicamente a Lísia para entrar à noite. Ensaiamos e tudo bem. Avisei que estaria na coxia e qualquer problema, ela olhasse para mim. Na primeira cena, sua anágua começou a deslizar e caiu no chão. Todo mundo pensou que ela ia desmaiar, ter um troço, parar. Ela continuou cantando, não posso esquecer a expressão dela. Olhou pra mim com cara de confiança, tipo deixa comigo que eu resolvo. Quando terminou de cantar, em pé, não se mexeu, embora tivesse uma pequena coreografia. Se ela se mexesse, tropeçaria na anágua. Os companheiros compreenderam e ficaram ali em torno dela. Aquela improvisação mágica que só acontece em teatro. Aconteceu o aplauso e, nessa hora, ela passou por cima da anágua, deu um passo à frente, ninguém percebeu. Um colega se ajoelhou, pegou a anágua, meteu por debaixo do paletó e a cena seguiu. Lísia é uma memória maravilhosa na minha vida. Morreu em 1981, vítima de um câncer fulminante. Mas está always in my heart. Emoções como essa e gente como a Lísia você não tem em lugar algum, só no teatro. Um dia, Marília Pêra, que era uma das bailarinas do espetáculo, e que estava em cena quando a anágua da Lísia despencou, me pediu para ensaiar como a segunda substituta da Bibi. Expliquei que não havia esse cargo, que a Lísia segurava bem, mas acabei concordando em dar-lhe umas dicas, ensaiá-la no sábado à tarde. Pois bem, nesse dia a Bibi chegou mais cedo e irrompeu no palco: Você quer me matar! Já chega a Lísia e agora você está preparando essa aí pro meu lugar? A Marília ficou apavoradíssima. Não foram poucas as confusões em My Fair Lady. Sou uma pessoa que mantém a disciplina a todo custo e havia criado uma regra na qual todos precisavam estar no teatro no máximo até 45 minutos antes da função. Até determinada hora, os atores entravam pelos fundos. Depois disso, eles teriam que entrar pela frente, junto com o público. E ator detesta se misturar com a plebe. Ele é um deus e quer ficar na dele. Eu fazia de propósito. Um belo dia, a Bibi não apareceu no horário, e eu mandei a Lísia se preparar para substituí-la. Vinte e cinco minutos antes da função a Bibi bate na porta e o porteiro avisa que não pode deixá-la entrar. Ela estrilou, reclamou, avisou que ia falar comigo, que ia entrar. E eu estava do outro lado da porta e só avisei: Bibi, é o Victor. Se você não quer entrar pela frente, então não entra. Vai embora para casa. Mesmo que você entre, não vai trabalhar porque a Lísia já vai fazer o seu papel hoje à noite. Sabe aquele chamado silêncio sepulcral? Não adiantou ela brigar, espernear, que não fez o espetáculo. E entrou pela frente. Outra vez, uma cena pitoresca. Ela vivia pedindo vale. Chegava no fim do mês, às vezes a Bibi estava devendo dinheiro; noutras, recebia um valor pequeno. Num dia de pagamento, eu chego pela coxia do teatro e começo a ouvir a Bibi fazer um comício. Eu trabalhei o mês inteiro pra esse turco e olha o que ele está me pagando. É muito pão- duro esse turco! Turco era eu. Ela não me viu, e quando ela começou a diminuir o tom, eu apareci e decidi que ela não receberia mais vale, assim no final seria que nem os outros. Ela voltou atrás. Mas as confusões não eram só nos bastidores. Numa sessão noturna, eu estava no teatro (o Carlos Gomes, que tinha cerca de 1.200 lugares e ficava cheio nas nove funções semanais) e vieram me avisar que um homem estava passando mal. Mandei buscá-lo e retornaram com um homem de uns 60 anos, aparentemente desacordado. Chamamos a Assistência Pública – existia esse serviço, prestado pelo governo – e em cinco minutos os médicos chegaram, mas apenas constataram o óbito. Bom, era preciso chamar a polícia que, por sua vez, mandaria vir o rabecão. Dez minutos depois chegava o Delegado Farah, um policial à antiga, muito sério e altamente competente. O corpo foi colocado em um sofá no hall do teatro. Seus parentes contaram que, logo na primeira cena, quando o telão subira e o cenário iluminou-se, ele dissera que coisa bonita... E pendera a cabeça no ombro da mulher, aparentemente morto. O tempo passava, logo o primeiro ato ia acabar e nada do rabecão para remover o morto. A pobre viúva chorava copiosamente. Embora solidário com a sua dor só pensava na manchete do dia seguinte: Homem viu My Fair Lady e morreu. Pedi ao delegado que removesse o morto no seu próprio carro, mas ele permaneceu durão. Até que me ocorreu o approach salvador: Delegado, sou libanês como o senhor, que não vai deixar um irmão de sangue e raça nesta situação. Ele me olhou sem pestanejar e mandou colocarem o morto em seu carro. O público? Graças a Deus não viu nada. My Fair Lady foi um enorme sucesso. E todo mundo torcia a favor. Só uma pessoa ficou contra. Respeito a crítica, eu mesmo sou um forte crítico de tudo, um chato, mas uma pessoa, que está ativa até hoje, e eu não consigo entender ou explicar a razão da existência e da permanência dela, dez dias antes da estréia da peça, profetizou que não ia dar certo no Brasil. Além de destilar uma cultura de almanaque, ela garantiu que nós, brasileiros, não sabíamos fazer como os americanos, pois os artistas não cantavam, as bailarinas não dançavam, os diretores não entendiam nada e a orquestra era desafinada. Acho que ela fez e continua fazendo muito mal ao teatro brasileiro. O crítico argentino é um gentleman. Ele nunca diz que é uma droga, que o ator tinha que mudar de profissão, que o cenógrafo devia fazer cozinha modulada, como eu já vi essa senhora escrever. Não sei como ela persiste até hoje e como os jornais dão espaço a ela. Ela escreveu que My Fair Lady não duraria 20 dias em cartaz e ficamos cinco anos... Minha vida teve duas etapas: antes e depois de My Fair Lady. Anos depois, existiu a possibilidade de remontá-la. Estávamos nos anos 80. Houve uma reunião no prédio da Manchete, porque o Adolfo Bloch estava interessado que a peça fosse encenada em seu teatro. Logo surgiu a pergunta tradicional: Quem vai ser a Elisa? Eu tive uma idéia meio louca e disse que gostaria que fosse a Xuxa. Dizem que ela não canta, que não é atriz, mas na minha mão, ela vai ser. O Arnaldo Niskier, o Maurício Sherman – o cara que descobriu a Xuxa – foram conversar com a Marlene Mattos, que a princípio topou, e foi marcado um encontro no Aeroporto do Galeão, na sala VIP da Varig, com o Arnaldo, que me representaria. Ela tinha só uma hora antes de embarcar. Ele expôs meu plano, disse que ela precisaria dedicar ao projeto nove meses, como se fosse ter um filho: um de preparação, dois de ensaios e seis de temporada. Marlene foi clara: Conheço a reputação do Victor, me informei e acho que nós devemos topar, porque você precisa da disciplina e dos ensinamentos que ele vai te dar. A conversa terminou com uma quase aceitação e ficamos de nos falar adiante. O futuro, porém, jamais chegou: o Adolfo Bloch não tinha o dinheiro disponível que pensávamos que possuía, a TV Manchete já estava dando problemas e o projeto morreu. E a Xuxa deixou de ser Elisa. Depois de My Lair Lady, comecei a ensaiar Hello, Dolly!, uma comédia musical muito bonita, baseada na peça Casamenteira, de Thornton Wilder. Foi bem mais fácil escalar o elenco: pensei logo na Bibi e ela aceitou. Para um dos personagens cheguei a ensaiar o Vicente Celestino, mas ele ia bem no canto, não na representação, e Horácio acabou sendo interpretado – e muito bem – pelo barítono Paulo Fortes. A Lísia Demôro, o Hilton Prado, o Augusto César Vanucci também estavam no elenco. É claro que fiz a mesma besteira duas vezes. No primeiro dia de ensaios no Teatro João Caetano, aconteceu a maior confusão. O Ricardo Mayer, filho do grande ator Rodolfo Mayer, que era assistente de cenografia, decorou o camarim da Bibi, que detestou, fez um escândalo aos berros. O Ricardo todo cabisbaixo me disse: A Bibi está brigando comigo, porque eu pintei o camarim. Acho que não gostou da cor. Eu trouxe um móvel da minha casa, ela achou horrível. Não quer. Está me esculhambando. O ambiente ficou pesado. Eu reuni o elenco no palco e chamei a Bibi. Fiz umas palavras de introdução e ataquei: A colega Bibi Ferreira está esculhambando o Ricardo, porque pintou o camarim dela, trouxe móveis da casa dele, botou flores e ela está dizendo que não gosta. Eu quero te dizer que você é uma ingrata. Você não sabe tratar as pessoas. Na peça, ela usava uma peruca loura, que eu mandara vir dos Estados Unidos, e lentes de contato azuis, para ficar com cara de uma típica judia americana e a imprensa divulgara muito isso. E continuei: Ou você muda a sua atitude e pede desculpas ao Ricardo, ou eu boto esta merda dessa peruca e essas lentes de contato e vou fazer o papel melhor do que você, porque você está fazendo muito mal. Aí a Bibi começou a chorar, se retirou e foi embora. Depois voltou, pediu desculpas na frente de todo o elenco. Imagina se ela me enfrenta: eu teria que colocar a peruca, as lentes de contato e subir no palco. Bibi Ferreira como Dolly Levi, em Hello, Dolly! Minha relação com a Bibi foi sempre, digamos assim, conflituosa, mas nos gostávamos e nos respeitávamos. Hoje, no entanto, não nos falamos, nosso relacionamento está estremecido há uns 15 anos. Sou um cara chato, complicado, reconheço. E gostava demais de D. Aída, a mãe dela, como já contei. Insisto que a Bibi deve tudo a ela, inclusive a herança teatral. D. Aída vinha de quatro gerações de artistas, da Família Real Teatral Argentina, a família Podestá. O avô dela havia feito a primeira peça em circo. Já o Procópio era um grande ator, mas não tinha linhagem alguma. D. Aída era duríssima com a Bibi, mas foi quem a fez. Obrigava-a a estudar canto, piano e balé, a emagrecer. Quando a Bibi tinha alguma desilusão, era ela quem segurava a tristeza, a saúde da filha. E Bibi passou a vida endeusando o Procópio, que, na minha opinião, tinha ciúme e inveja dela. Um dia, D. Aída já havia morrido, vejo uma entrevista da Bibi para a Marília Gabriela em que ela só falava do pai e fiquei esperando o momento em que ela falaria de D. Aída. Pois bem, suas únicas palavras foram: Minha mãe me capava muito. Liguei para ela e soltei a língua. Disse que ela era uma ingrata, que D. Aída só a protegia e que a obrigara, sim, a ser a atriz completa que ela era. Minha mulher tentava me acalmar e mais eu crescia, mais subia o tom. Depois disso, nunca mais falei com a Bibi. Hello,Dolly!foiumsucessoenorme,masnãoficamostantotempoemcartaz, porque a temporada tinha data acertada para acabar. Ao contrário de My Fair Lady, que começou no México, Hello, Dolly! estreou aqui e depois a mesma montagem foi levada para a Argentina, México e Espanha. Na Argentina, aliás, convidamos a Libertad Lamarque para ser a estrela do espetáculo. No passado, Libertad havia sido uma grande estrela, cantora de tango, fez o primeiro filme falado na Argentina em 1932 e tinha um enorme prestígio. Fazia muito cinema. Na década de 50, ela era a estrela, junto com um cantor famoso chamado Hugo Del Carril, em A Cavalgada do Circo, em que trabalhava uma desconhecida chamada Eva Duarte. Como eles chamavam em teatro antigamente, uma dama galã. Nos cenários desses tipos de filme, de época, com figurinos pesados, que impedem as atrizes de se sentar ou se deitar, havia uma tábua, sustentada por um pé forte, em que elas se encostavam entre uma cena e outra. Só os grandes astros tinham esses encostadores. Os outros ficavam em pé mesmo. Eis que, num determinado momento, a Libertad sai de cena e... quem é que está no encostador dela? A Eva Duarte. Ela manda que a outra saia, mas Eva, que era brigona, defende que tem os mesmos direitos da estrela. Sai, não sai. A Libertad dá um tapa na cara da Eva, que não tem tempo de revidar porque a turma do deixa disso entra em ação. Um pouco depois, Eva volta e avisa a Libertad: Um dia vou te expulsar da Argentina. Dito e feito. Eva Duarte casou-se com Perón, que se tornou Presidente da República e Libertad recebeu um recado que tinha 24 horas para deixar o país. Se não saísse, seria presa sob qualquer acusação. Libertad foi embora para o México com a roupa do corpo. Lá fez nova carreira, chegou a ser dirigida até pelo Buñuel. Quando Evita morreu, Libertad voltou para a Argentina. Um amigo sugeriu que eu a convidasse para Hello, Dolly! e achei maravilhoso, especialmente porque a peça fala da volta de uma mulher a um lugar em que havia sido muito feliz. Fui à casa dela, mostrei fotos, cenas da peça que havíamos filmado aqui e ela aceitou o convite. Nos ensaios ela ia bem e era respeitada por todos. Afinal, era a mulher que havia esbofeteado Evita. Do Brasil levei toda a minha equipe técnica e 24 bailarinos. E tudo corria às mil maravilhas, até Libertad ver os chapéus. A personagem Dolly era marcada por vários chapéus enormes. E ela se recusou a colocá-los. Começou um comício no meio do ensaio, me chamando de maluco por pensar que ela, uma senhora, iria colocar aquelas coisas na cabeça. Eu só lá no fundo, ouvindo tudo. O elenco começou a formar uma roda em volta dela, sabe aquela coisa do palhaço que gosta de ver o circo pegar fogo! Ela não parava de falar, mas quando senti que o fôlego dela estava se acabando entrei de sola, lembrando que ela havia visto os filmes, as fotos e se a Bibi Ferreira, a Nélia Paula, que era substituta da Bibi, a Ginger Rogers e a Mary Martin, nos Estados Unidos, haviam usado os chapéus, ela também iria usá-los. – Não uso, sou uma senhora e vou cair – respondeu categoricamente. A substituta dela era a Elena Lucena, uma atriz muito boa, e que fazia um charme enorme para mim para ver se conseguia interpretar a protagonista mais de uma sessão por semana, o que era o nosso trato. Libertad, que sabia que o espetáculo seria um sucesso e que tudo estava muito bonito, sempre dizia que sentia pena de não poder ver Hello, Dolly! porque estaria sempre no palco. Não tive conversa: avisei que, se ela não colocasse o chapéu, ganharia naquela noite ingressos para a estréia da peça, porque a Elena iria começar a ensaiar e estrearia no lugar dela. Ela foi embora para o camarim, cercada pelas dez camareiras. Era a típica diva. A Elena não escondia a sua felicidade. De repente, Libertad me chama em seu camarim e diz: Você é um demônio! Eu vou fazer, eu vou botar o chapéu, mas se eu cair, me machucar, o meu marido vai te matar. Ela era uma deusa. Não tinha técnica alguma, mas quando entrava no palco era uma loucura. Quando terminou o contrato da Libertad, ficou combinado que ela ia para o México, ficava lá um mês fazendo um filme e voltaria pra continuar a temporada. O interessante é que, nos seis meses da temporada, Libertad não deu a Elena Lucena nenhuma chance de fazer o papel. Apesar de ter quase 70 anos, não ficava doente, nem rouca. Entretanto, nesse mês a Elena Lucena faria o espetáculo, mas no dia em que ela ia estrear, deu paúra, ficou nervosa, disse que estava passando mal e mandou chamar um médico. Havia uma moça, que fazia um papel menor e se chamava Mabel Manzotti. Hoje é uma atriz famosa na Argentina. Muito viva, eu notava que ela estava aprendendo. Quando eu ensaiava a Libertad, ela estava sempre vendo. Mandei chamá-la: Mabel, você topa fazer hoje à noite? Ela nunca havia ensaiado, só olhado. Em espanhol, existe uma expressão: salir al toro, que quer dizer encarar o touro. Ela topou, entrou em cena e foi muito bem. Ela foi Dolly até que Libertad voltasse. Elena Lucena desistiu. É o the miracle of the theatre. Só o teatro te dá isso. Nada mais te dá essa emoção. Libertad Lamarque ficou minha amiga para o resto da vida. Ela morreu fazendo uma novela na televisão mexicana. Anos antes de morrer, porém, ela esteve no Brasil, fez um show no Canecão e contou a história do chapéu. Brasileiro maluco, esse tal de Victor Berbara – comentava. Outra atriz que ganhei para toda a minha vida foi a Ítala Nandi. É uma das pessoas que eu mais quero bem da cena artística brasileira, uma amiga fraterna. Quando pensei nela para trabalhar em O Prisioneiro da Segunda Avenida, em 1973, ela era a musa das esquerdas, a deusa do Teatro Oficina. E todo mundo me desaconselhou: É uma louca, uma esquerdista, uma agitadora, um verdadeiro Trotsky. Insisti em conversar com ela. Ítala veio para o nosso encontro hippona, cheia de fita para tudo quanto é lado, com o cabelo desgrenhado. Muito bonita e inteligente. Expliquei que era uma peça americana do Neil Simon, e que isso, eventualmente, a ofenderia; coloquei todas as minhas exigências, em especial, profissionalismo e pontualidade; expliquei que não admitiria panfletagem porque não tinha envolvimento político. Ela ouviu atentamente e quando acabou me disse: Olha, eu preciso ganhar dinheiro e preciso também modificar um pouco o meu comportamento na vida profissional e pessoal. Se você pagar o que eu quero ganhar, eu topo. Fechamos negócio. A peça tinha um elenco de umas oito pessoas, mas era 85% ela e um outro ator no palco. Eu peço licença para não citar o nome do ator, pois ele está em atividade até hoje e é conceituadíssimo. Ele já havia trabalhado comigo, mas nessa peça não conseguia ensaiar, não decorava, cansava, ficava com dor de garganta, tinha que fumar cigarro toda hora, pedia cafezinho. Ia tudo aos trancos e barrancos. A Ítala, ao contrário, nos períodos dos ensaios, uma perfeita profissional. Chegava na hora, tinha paciência. Às vezes eu achava que ela ia explodir com o cara, mas não, segurava. Era a primeira a chegar ao ensaio, e a última a sair. Na véspera da estréia, que já estava vendida para o Clube Militar, me sentei em uma cadeira do Teatro Copacabana, sozinho, à meia-luz. E pensava: O que eu vou fazer? Está ridículo esse espetáculo. Lá pelas tantas, eu sinto alguém me segurar pelo braço. Olhei, era ela, pensei: Pronto. Ela vai se recusar a fazer o papel. Qualquer atriz teria esse direito. Ela sempre mantendo a mão no meu braço, falou: Eu estou acompanhando os ensaios, vendo o seu esforço. Eu tinha certeza que ela estava me preparando e ia me dar o bote, o tiro de misericórdia. Mas já havia levado tanto tiro naquele ensaio daquele cara, que tanto fazia mais um, menos um. Estava disposto a receber o tiro de onde viesse. Aí falando bem sério (e a Ítala é uma pessoa muito séria): Quando eu percebi o que estava acontecendo, resolvi por minha conta aprender o meu papel e o dele, as minhas marcas e as dele, de modo que, se você concordar, deixa comigo, marca um ensaio amanhã às seis horas, que eu vou fazer o papel dele e orientá-lo a fazer as marcas. Sabe o que é vontade de chorar? Até agora me vêm as lágrimas nos olhos. No dia seguinte, Fulano de Tal não entendeu nada, e o resto do elenco também não, quando marquei um ensaio e avisei que a Ítala iria conduzir o espetáculo. O cara em pé, lívido. Aí, antes que ele dissesse alguma coisa, eu ataquei: Olha, seu filho da puta, você vai concordar senão eu te encho de porrada. – Não... Tudo bem. É uma grande ajuda da colega. A Ítala pegou o embalo e continuou esculhambando com ele. Aconteceu o ensaio, a estréia, e ele no final das contas conseguiu e acabou saindo-se muito bem. É claro que chamar a Ítala foi um pouco vaidade de domador, queria do-mar aquela leoa. Foi ela, porém, quem me viu em uma situação que me deixava quase desamparado. Ficamos amigos até hoje. Muita gente, ao longo dos anos, sabe como é a natureza humana, insinuou que ela e eu mantínhamos um romance secreto, mentira, éramos, somos e sempre seremos, simplesmente, amigos fraternos. Sempre gostei de trabalhar com gente nova, gente que eu pudesse transformar, que se entregasse. Gosto até hoje. E posso dizer que lancei muita gente ou investi em pessoas que ninguém acreditava que pudesse fazer determinado papel. Em 1971, por exemplo, fiz Liberdade para as Borboletas. Eu já tinha três pessoas do elenco: Gracindo Júnior, com quem já havia feito Promessas e Promessas. A outra era a Mara Rúbia, uma vedete do teatro rebolado, uma mulher que havia sido deslumbrante, com umas coxas maravilhosas, mas que cometera o pecado de envelhecer. Eu decidira que ela ia ser atriz e coloquei-a em Promessas e Promessas em um papel pequeno e ela roubara a cena. Em Liberdade queria que ela fizesse um papel cômicodramático. Aliás, ela foi fantástica. Numa das apresentações, coitada, teve um infarto, caiu no palco. Socorreram e ela conseguiu se recuperar, mas não voltou mais à peça. Foi substituída pela Lourdes Mayer. O terceiro ator era o Jorge Botelho. Faltava o papel mais importante, a moça, uma hippie, que morava ao lado de um cego, o Gracindo. Quase acertei com a Leila Diniz. Ela era fantástica, maravilhosa, ótima. Cheguei a dizer que o papel era dela. Mas precisava usar biquíni e a Leila estava grávida. Se ela tivesse feito a peça, que ficou anos em cartaz, talvez não tivesse viajado, não tivesse morrido. A outra candidata que quase levou o papel foi a Adriana Prieto, que era conceituada no cinema, uma boa atriz, mas meu feeling me dizia que não era ela. Adriana morreu jovem também, em um acidente de carro. Um dia, o Gracindo me pressionou para que eu tomasse a decisão, porque já íamos começar a marcar as cenas e não ia dar mais para eu ficar fazendo o papel, como havia feito nas leituras e nos ensaios de mesa. Decidi ir assistir a um filme, que estava passando na Cinelândia, nem me lembro o nome. Uma jovem lourinha, que fazia uma empregada doméstica e servia cafezinho, me chamou a atenção. Aguardei os créditos para ver o nome dela: Sandra Bréa. Ao chegar em casa, liguei para a minha assistente, Irma Alvarez, e avisei que desejava fazer um teste com ela. Meio-dia do dia seguinte, ela foi ao meu escritório. Bati o olho e pensei: É ela. Começamos a trabalhar. Ela meio desconfiada, não estava acreditando ainda que ia ser a estrela de uma peça de teatro, mas era muito viva e esperta. A cena final do primeiro ato, porém, se tornou um grande problema: era uma sedução, em que ela acuava o Gracindo, até ele cair no sofá meio destrambelhado; e ela, então, caía em cima dele. Era uma cena erótica, mas ao mesmo tempo engraçada. Terminava o ato com um beijo. Há diretores que mostram a cena e marcam exatamente o que eles querem, até os gestos. Esse é o meu caso. Eu me colocava, ora no lugar do Gracindo, ora no da Sandra, para mostrar o que desejava. Só não dava o beijo, por uma questão ética, só chegava perto. É assim que se faz em teatro e grandes diretores já escreveram sobre isso. A Sandra estava meio atrapalhada. Aquilo precisava ser um balé, uma coreografia, para ficar bom, erótico e engraçado ao mesmo tempo. Um dia, o ensaio acabou à meia-noite e ela me pediu uma carona. Eu ia para Santa Teresa e ela, para o Leblon. Mandei que ela pegasse um táxi. Ela insistiu que eu a deixasse pelo menos na Cinelândia. Entramos no carro e ela foi direto ao assunto. Berbara, eu sei que não estou fazendo bem a cena, como você quer. Está tudo muito complicado, mas, quando eu ensaio com você, quando você está no lugar do Gracindo, eu sinto tudo o que você quer. Mas quando ele entra no teu lugar, eu não consigo fazer. Eu olhei pra ela e pensei: Não sei direito o que ela quer dizer. Pode ser muita coisa, depende da interpretação que eu queira dar. Resolvi dar um tiro de bala de chumbo, que acerta pra tudo quanto é lado. Com o carro parado na Cinelândia (naquele tempo não havia ladrão e o medo de ser assaltado), eu disse: Você está fazendo o papel pelos seus méritos e não deve nada a ninguém, nem mesmo a mim. Você não tem que tentar me dizer alguma coisa que acha que vou gostar. Por outro lado, tem que ter confiança, não em você, mas em mim. Eu vou fazer com que você faça a cena direito. Fica tranqüila. Ela olhou pra mim, eu também não sei direito o que significou o olhar dela. Mas me pareceu instintivamente que foi um olhar de alívio: ou ela ficou aliviada com a segurança que lhe dei, ou porque não tinha que ter nada comigo pra manter o papel. Eu até hoje não sei. Fosse o que fosse, no dia seguinte ela começou a melhorar. Essa cena terminava com aplauso e risada. Foi uma das raras vezes em que eu vi isso em teatro. O público ria pra burro e batia palma simultaneamente, de tão perfeito que ficou. E a Sandra virou uma estrela nacional. A Globo deu-lhe logo um papel importante de novela. As mulheres não gostavam muito dela, não... Ela era exuberante e bonita demais. Não gostavam, mas não paravam de falar nela. Um belo dia ela me telefona, me perguntando o que achava de ela fazer um show na boate Sucata, dirigido pelo Augusto César Vanucci. Eu acho ótimo. Um show bem-feito, Vanucci é um excelente profissional, tem experiência de teatro de revista muito grande, porque ele trabalhou com o Walter Pinto. Ele vai montar um grande show pra você. Você deve fazer. Aí ela me avisou de um detalhe: Ele quer que eu apareça nua. Mudei totalmente de opinião e tentei dissuadi-la de aceitar o convite. Eu te botei com um biquíni bem sumário. Podia ter te posto nua, mas não botei. Podia ter tirado o sutiã do biquíni, mas não tirei. O mistério você tem que manter, porque senão vão dizer que você tem o peito caído, a bunda grande e com celulite. Nua, não. Ela não me ouviu, fez e foi o começo do seu declínio. Claro que se juntou a isso uma série de fatores de natureza pessoal, equívocos que ela cometeu e que a levaram ao fim trágico que teve. A última vez que ela falou comigo foi quando eu estava procurando pessoas para fazer Evita. Ela, já doente, me ligou e me pediu para fazer um teste. Não queria melindrá-la e acabei confessando que já havia escolhido alguém, embora não tivesse saído nos jornais. Sandra foi a primeira a saber que Cláudia seria Evita. Em Evita, aconteceu algo semelhante ao que aconteceu em Liberdade para as Borboletas. Estava muito difícil escolher quem faria a protagonista: precisava ser uma grande cantora, com técnica e potência vocal, para enfrentar muitas sessões da ópera-rock sem ficar rouca, e uma intérprete com carisma. Fizemos milhares de testes – e ganhei vários inimigos – e não consegui encontrar a pessoa ideal. Tinha uma carta na manga: uma cantora muito boa, argentina, Valeria Lynch, que havia feito Evita no México, com sucesso. Coloquei-a lá, sob muita pressão, porque os mexicanos não concordavam com uma argentina no papel e precisei fazer uma composição com o sindicato. Ela ficou minha eterna devedora, porque a transformei em uma estrela internacional. Se não arranjasse ninguém, ela faria Evita no Brasil, falando portunhol, sei lá eu, a imprensa iria cair de porrada em cima de mim, mas, tudo bem, eu justificaria com o fato de a personagem ser um mito argentino. O Maurício Sherman, porém, insistiu para que eu testasse a Cláudia. Eu não queria ir a São Paulo, estava de má vontade, mas ela topou vir. Entrou no meu escritório com um vestido preto, modesto, sapato bem usado, meia fina, maquiagem leve. Queria cantar uma música do seu repertório, mas não deixei. Pedi que cantasse alguma coisa em inglês, mas ela, nervosa, não conseguiu se lembrar de nada. Falei, então: Você sabe cantar Cidade Maravilhosa? – Ah, claro! – Então canta. Fica em pé. Quando ela abriu a boca, tive certeza: É ela. Mas decidi testá-la de novo, na academia do Johnny Franklin alguns dias depois. Ela chegou com a mesma roupa e o mesmo sapato. Ela cantou, pedi que ela se movimentasse um pouco, dava para o gasto. Eu troquei uma atriz, nunca vou dizer quem, pela Cláudia, que nunca foi atriz. E o resto é história. Ela foi de uma dedicação absoluta ao trabalho. Um dia, o Maurício Sherman, que figurou historicamente como o diretor do espetáculo, me disse que a Cláudia estava um clone meu. Você está dando até os gestos que ela tem que fazer, especialmente na cena final de sua morte. Eu sabia, porém, que, em algum momento, ela soltaria a sua criatividade, mas fiquei pensando nas palavras dele, uma pessoa que respeito. Cheguei em casa e encontrei um presente para mim. O Paulo Perdigão me havia enviado o livro que escrevera sobre o filme Shane, em que entrevistara o diretor George Stevens sobre todos os detalhes da realização. Li o livro todo naquela noite, sou um devorador de livros. E me senti aliviado. As fotografias mostravam o George Stevens mostrando tudo para os atores, até a posição das mãos na cena clássica da luta corporal entre o Alan Ladd e o Jack Palance. O Paulo Perdigão chamava atenção para isso, comparava a foto com o fotograma. Aí pensei: estou em boa companhia, devo estar certo. E mantive a minha atitude e o sucesso da Cláudia foi imenso. Em Evita, não foi fácil a escolha de todo o elenco. O Che era um papel importantíssimo, porque necessitava um grande ator e um ótimo cantor. Muitos atores fizeram o teste, mas no final fiquei dividido entre o Armando Bógus – o meu preferido – e o Carlos Augusto Strazzer – que era a escolha do resto da equipe. O Bógus funcionava bem no papel, mas, em determinada canção, ele não conseguia alcançar a nota. Existe uma regra de ouro que não pode ser quebrada em musicais: não se pode mudar o tom, só para beneficiar determinado ator, senão precisa mudar o do outro, e do outro, e vira uma salada. O Strazzer se saía melhor cantando e alcançava a nota. Dúvida cruel! O coquetel de apresentação do elenco já estava marcado e chamei os dois no meu escritório. Os dois chegaram na mesma hora e coloquei cada um em uma sala. Fiquei enrolando-os, sem tomar a decisão. Aí, novamente, aconteceu o milagre do teatro. A minha secretária me avisa, entre uma entrada em uma sala e outra, que o Bógus tinha ido embora e deixado um bilhete. Nele, dizia que havia percebido a minha dúvida, reconhecia que não cantava no tom necessário e, para não criar mais problemas para mim, porque sabia que eu o queria, abria mão do personagem, renunciava e ia sair em viagem com a mulher. Olha que pessoa maravilhosa! E ficou o Strazzer que, acho, nunca percebeu o meu conflito. Até o dia em que precisei dizer que ele não era a minha escolha. Nos ensaios, ele começou a se desentender com o Maurício, havia um antagonismo entre eles. Decidi ver a cena que todos diziam em que ele estava mal e percebi que era falta de ensaio. Chamei-o e disse: Você não é a minha escolha, eu queria um outro ator, entretanto me convenci pelos argumentos da minha equipe (na verdade, se o Bógus não tivesse desistido espontaneamente do papel, eu não sei o que teria acontecido). Agora eles me chamaram e pediram que eu te substituísse. Eu acho que está havendo um desentrosamento, mas pode não ser só isso. Eles dizem que você é problemático, chega atrasado, vive reclamando. Olha para mim e fala, de homem para homem. Eu prometo ficar o tempo todo contigo, se quiser sair da peça te libero do contrato, mas se quiser ficar vai ter que me provar que não tem sacanagem, porque se tiver, eu te mando embora no dia da estréia. Ele segurou minha mão, me olhou e disse: Está fechado. Eu vou dar certo, mas fica comigo. Essa frase dele eu nunca me esqueci: Fica comigo. Assim foi. E ele foi ótimo. Melhor que ele só o Elymar Santos, que fez o Che na montagem de São Paulo. Ele não tinha técnica alguma de representação, mas tinha uma chama sagrada dentro dele. Foi uma loucura total colocá-lo no elenco. Com ele também, foi amor à primeira vista. Ele se entregou nas minhas mãos, como um bebê indefeso. Por exemplo, me confessou que tinha medo de olhar para a platéia, encarar o público deixava-o encabulado. Mas você é um cantor. Está acostumado. – Mas isso aqui é teatro. Eu tenho medo. Ensinei-lhe um truque simples: mandei que ele olhasse para o centro da quarta fila, imaginasse uma pessoa sentada lá e representasse olhando para ela, para mais ninguém. O teu mundo é aquela pessoa. Anos depois, a secretária de um médico meu me contou que havia visto o show do Elymar e que ele não tirava o olho dela: Acho que gostou de mim. Perguntei onde ela estava sentada e não deu outra: quarta fila, centro. O Elymar é uma das boas recordações que tenho do teatro. Como é o meu método de trabalhar com os atores? Com firmeza e coerência, dando uma de feitor e de paizão, de amigo e de patrão, com um chicote em uma mão e um ramo de flores na outra. É assim que conquisto a confiança das pessoas, em especial dos atores, que são pessoas muito peculiares, que precisam ser entendidas. No primeiro encontro com o elenco, deixo claras as minhas regras e sempre falo uma coisa: Vocês têm que vir trabalhar, mesmo mortos. Depois que todos riem, conto uma história que aconteceu com uma atriz muito importante, Elza O´Connor, figura antológica do teatro argentino. Um amigo meu estava presente e muitas vezes pedia que ele me contasse tudo de novo, só para que me deliciasse com os detalhes. Elza estava fazendo uma peça, em que, ao final, levava uma bofetada, rolava uma escada, se levantava, dizia uma frase e... blackout, a cortina era fechada. Final. Um dia, o colega deu uma bofetada erroneamente, Elza não conseguiu cair tecnicamente, acabou no chão e demorou um pouco para se levantar e dar a frase final. O timing não foi perfeito, mas Elza deu a frase final. Como sempre, blackout, cortina, o elenco se recompunha para receber os aplausos. Quando as luzes foram acesas, o corpo de Elza estava inerte no chão. Ela estava morta. Na autópsia, verificaram que não havia, do ponto de vista médico-científico, hipótese de ela ter se levantado e falado aquela frase, porque havia quebrado a coluna e tido morte instantânea. O que aconteceu ninguém sabe. Elza O´Connor passou para a história do teatro como a atriz que representou depois de morta. O máximo do the show must go on. Quando conto essa história, todos percebem o que espero deles. Tudo. Laboratório? Na maior parte das vezes não tenho tempo para isso. Quando Evita foi para São Paulo e montamos novo elenco, somente Cláudia ficou. E prometi uma coisa: que ela ia fazer melhor do que já fazia. E fiz um grande laboratório com o elenco, mas bem-feito, usando todos os meus conhecimentos de Psicologia. Laboratório bom é aquele que faz os atores saírem dele como de uma análise. Consegui fazer com que a Cláudia se sentisse a própria Evita. Mas foi uma exceção no meu esquema de trabalho, que é muito prático: ganho a confiança do ator, oriento, faço com que ele se identifique com o personagem e o interprete. Isso é direção. Meu teatro sempre foi comercial. Nunca fiz espetáculos em que pudesse ficar seis meses experimentando, sem saber o que iria fazer. Nos Estados Unidos, México, Espanha, Argentina, onde já dirigi, o normal é montar um espetáculo em quatro semanas. Teatro falado, comédia, drama são quatro semanas. Teatro musicado, oito semanas. E acabou. Se não entregar pronto nesse prazo, não trabalha mais. Ninguém te chama para mais nada. Não é como aqui no Brasil, onde os ensaios se prolongam infinitamente. Em países com a cultura muito forte, o teatro tem regras. Por exemplo, o diretor não pode ir para o palco e mandar o artista fazer o que quiser e o que sentir, para depois ser acertado. O ator pode se recusar. Não, o senhor é o diretor. Tem que me dizer o que fazer. Em contrapartida, o ator tem 15 dias para decorar o texto. Se ele não souber, a partir do décimo sexto, pode ser mandado embora ou multado pelo sindicato. Não tem conversa, são regras. Você lida com profissionais cientes de suas obrigações, mas também de seus direitos, e é preciso impor respeito, andar em cima de fio de navalha. Mas tudo funciona perfeitamente. Existe um compromisso de parte a parte. Lembro-me de quando quis montar Drácula no Brasil. Seria um Drácula sofisticado, meio comédia, meio terror. O vampiro seria objeto de desejo das mulheres, devia dar tesão nelas. Mandei meu assistente, Edgar Vasconcellos, falar com o Francisco Cuoco que me parecia perfeito para o papel. Cuoco havia trabalhado comigo em televisão, anos antes, quando estava começando na carreira. A resposta foi excelente. Ele se lembrava de mim e gostaria de trabalhar na peça. Mas estava acabando uma novela, sentia-se exausto, e ia fazer uma viagem ao exterior com a mulher para descansar. Mandei meu assistente perguntar a ele algo fundamental: Quando é que ele volta? Resposta: Só quando meu dinheiro acabar! Achei muito vago e desisti de montar a peça no Brasil. Preparei sua montagem na Argentina e cismei que queria um ator, Sérgio Renan, boa pinta, quarentão e, também, diretor de cinema. Fui a Buenos Aires e mandei convidá-lo para uma entrevista comigo. Na hora marcada, ele chegou. Conversamos. Expliquei o que eu faria com a peça, com o personagem dele, coloquei meus horários de ensaio, minha postura de diretor, etc. E ele disse: Conheço seu trabalho em teatro e topo. Só tem uma coisa que eu quero lhe pedir: durante cinco dias, no período de ensaios, eu tenho que viajar para os Estados Unidos. Perguntei para quê. Ele, modestamente, me disse: O filme que dirigi, La Trégua, é candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro. E eu tenho que ir a Hollywood participar da festa e das solenidades. Mas são só cinco dias. Concordei. Ele foi. Não ganhou o Oscar, mas se portou durante os ensaios e toda a temporada como verdadeiro profissional. Por isso, entre meus amores, a Argentina e os argentinos ocupam lugar de destaque. Por coisas assim, não trabalho mais no Brasil. Continuo em atividade plena na Argentina, no México, na Espanha, mas na minha terra, já fiz o que tinha que fazer. Não posso me submeter a muitas coisas. Um ator fecha contrato, estréia a peça e dez dias depois larga por causa de um convite da TV. Um dia encontrei Sérgio Britto que me contou que até o ensaio geral jamais havia reunido todo o elenco, porque sempre alguém tinha outro compromisso. Como ele ensaiava?, perguntei incrédulo. Com cadeiras no lugar dos atores. Não sirvo para isso. E ainda: o teatro no Brasil ficou extremamente dependente de o elenco ser global. Além disso, os atores não querem trabalhar com um diretor que realmente mande. Em alguns casos, eles até destituem o diretor quando não gostam do que ele diz. Eles querem armar o próprio esquema para ganhar dinheiro, virou um business: trabalha na televisão e fatura no teatro. Eu não faço nada que não seja para ganhar dinheiro. Digo e repito que meu teatro é comercial, não incubadora de idéias, nem veículo de mensagens políticas ou existenciais, mas acho que existe um parâmetro ético e profissional. Tem que ser bem-feito. Da qualidade não abro mão. É assim que trabalho há mais de 50 anos. E talvez por isso só tenha tido sucesso na minha carreira. Se errei? Claro que sim. Eu sou talvez um dos primeiros brasileiros que viram Hair, nos EUA. Mais um caso de amor à primeira vista. A música maravilhosa, um tema muito bonito, a montagem impecável, mas pensei: Não vou fazer isso no Brasil, nunca. Eu tinha a minha vida de publicitário. Quando alguém queria me tirar alguma conta, o ataque da época é que eu só queria saber de teatro. E eu pensava no Dr. Colombo e na D. Almerinda, paulistas de Piracicaba, donos da Piraquê, e achava que eles iriam me matar se eu montasse Hair no Brasil. Aquele nu, mesmo que tivesse gaze em volta, não seria perdoado. Então o Dr. Colombo e a D. Almerinda ficaram sendo o símbolo que me consolava por não ter feito Hair. Uma noite, eles vão jantar lá em casa. No meio do jantar a D. Almerinda, que se benzia cada vez que alguém falava sobre nudez, diz: O Celso e eu fomos ao teatro ontem. Fomos ver uma peça maravilhosa. Por que você não montou? – É, D. Almerinda? Qual foi a peça? – Hair. Burrice minha. Ato falho meu. Eu não percebi que, acima do nu e do tema, estavam a beleza do espetáculo, da música, da história. Passou por mim e, digamos, que nunca me perdoei. Mas em 99% das vezes, ousei e acertei. Se tiver que ser lembrado por uma só de minhas faces, escolheria o teatro, que me deu as maiores alegrias e emoções da minha vida! O palco é meu templo. Regras Fundamentais para o Diretor de Teatro e de Televisão 1. Não aparente maior ou menor simpatia por alguém do elenco. Se não gostar de alguém, não trabalhe com ele. Cuidado com o ator que se cansa, fica rouco com freqüência ou tem que parar a toda hora para um cafezinho ou um cigarro. 2. Conheça profundamente a peça teatral ou programa que vai dirigir. Não coloque seus artistas no palco ou no estúdio pedindo para eles fazerem o que sentirem. Você é o poderoso chefão, portanto, determine o que deseja. Em caso de espetáculos de origem estrangeira, tente ser o seu tradutor. 3. Corte logo o ator palpiteiro que sempre tem sugestões ou opiniões a dar. Estipule todas as suas regras logo de saída e exija o seu cumprimento. 4. Trate seus artistas com um ramo de flores na mão direita e um chi-cote na mão esquerda. Seja sempre verdadeiro e confiável com eles. 5.Não admita impontualidade. Nem permita interferências do Produtor ou do dono da emissora em seu trabalho. Imponha respeito logo de saída. 1. Não falte a ensaios nem permita que seus artistas faltem. Não comece os ensaios sem ter o elenco fechado e 100% disponível. 2. Conheça toda a parte técnica de seu trabalho, desde a cenografia até o guarda-roupa, da câmera ao microfone. 3. Forme sua equipe técnica e trabalhe com ela a vida toda. Delegue, mas fiscalize. 9.Não tenha casos amorosos com ninguém que trabalhe com você. Resista àtentaçãooureserve-aparaofimdatemporadaoudasériedeprogramas. 10. Faça do palco ou do estúdio o seu templo. Não trabalhe com ninguém que não participe da mesma veneração e respeito que você nutre. O Amanhã, por Victor Berbara Minha grande amiga Ítala Nandi me disse três coisas que me marcaram muito. Uma: Você é imortal! A outra: Siga sempre a sua intuição. E a última: Você tem 10 mil anos de cultura fenícia em seu sangue, pensará sempre como um fenício. Não tenho a pretensão de ser imortal, mas de fato, aos 79 anos, que completo neste 2008, ainda faço planos para o futuro. Ainda sou convidado por grandes empresas em várias partes do Brasil e do mundo para trabalhar para elas, nas mais diversas qualificações. Sinto-me como se tivesse 20 anos. Minha saúde é perfeita. Meu ritmo é o mesmo, 12 a 14 horas diárias de trabalho. Meu otimismo, vivo como nunca. Penso como um fenício, com muitos anos de experiência que posso passar adiante. Por isso mesmo pensei que este livro precisava de uma conclusão. Que ele não só relatasse a minha vida, falasse de um passado, mas que houvesse nele uma projeção analítica, baseada em meus pontos de vista, sobre o mundo do futuro na área do entretenimento. Quero falar da televisão e do teatro. O mundo está se modificando e, por uma série de circunstâncias, o homem está voltando a se enfiar nas cavernas. Cavernas tecnológicas, é verdade. Ninguém sai mais de casa. E como nossos ancestrais se divertiam fazendo pinturas nas paredes das cavernas, nós estamos vivendo uma revolução na maneira como assistimos TV, que vai mudar para sempre e em breve. Nos últimos anos, muito tem se falado sobre a rápida evolução tecnológica que estaria levando à convergência das diversas indústrias que, hoje, geram entretenimento e informação. Essa evolução mostra caminhos diferentes que podem levar tanto a uma maior concentração da programação ou, ao contrário, a uma democratização e regionalização do acesso à TV. Tanto podemos vislumbrar um futuro, em que grandes corporações controlarão a transmissão de dados e o acesso ao entretenimento, quanto outro, no qual a pulverização da oferta permitirá uma gama infinita de oportunidades. O caminho que seguirmos será determinante em um país como o Brasil, com tão grande população sem condições de se manter atualizada com os avanços tecnológicos que tornam obsoletas inovações de apenas 10 anos atrás. A exclusão de enormes camadas da população poderá acentuar diferenças que, no final, se tornarão crônicas, agravando o que hoje já se dá, com a internet ausente da maior parte dos lares brasileiros, e levando essa questão a um estágio insustentável. Adicione-se a isso a transmissão de imagens e áudio com uma definição nunca antes vista, a TV de alta definição, junto com a capacidade irrestrita de acesso em qualquer lugar e a qualquer tempo, através de recepção móvel. Isso tudo me leva a crer que a TV do futuro se renovará, reunindo funções de diversas outras indústrias, como a internet, o celular, o rádio. Em primeiro lugar, para cada banda de transmissão, será possível o envio de maior quantidade de informações através de sinais digitais e com uma qualidade muito superior. Com isso, as televisões serão aparelhos realmente interativos que não se limitarão a vídeo e áudio. Por outro lado, a capacidade de transmissão de quatro sinais em uma única banda já é usada e projetada por diversas redes de TV no mundo inteiro. Cada emissora poderá transmitir, ao mesmo tempo, quatro diferentes programações. Já imaginou a quantidade de programas a que teremos acesso? Se isso não for muito bem trabalhado, ninguém vai agüentar. Hoje na TV paga já é difícil encontrar alguma coisa boa para se ver. No entanto, acredito que a tendência mais óbvia é a existência de uma verdadeira variedade de programação, em uma pulverizada oferta que atenderá qualquer necessidade (tomara!). Na verdade, ninguém sabe ao certo como essa evolução se dará, mas uma coisa é fato: a maneira como assistimos TV irá mudar para sempre. Uma coisa, porém, que não mudará nunca é o Teatro! As pessoas continuarão a freqüentá-lo e nele encontrarão o que aqueles que viveram há 10 mil anos já haviam descoberto: o fascínio da arte que é dirigida, de forma viva, só para aqueles que, naquele dia, estiverem no teatro ou na arena para receber as sensações que lhes são diretamente dirigidas. Por isso, o teatro é único e continuará vivo, mesmo com todas as inovações tecnológicas. No mais, recomendo que pense sempre no amanhã e fique na expectativa de um novo dia, confiante nas alegrias que ele lhe dará. E lembre-se: The show always goes on! Críticas Ide ver Minha Querida Lady porque saireis de lá com o coração mais jovem, mais alegre, mais otimista. Porque é de otimismo que precisamos nestes dias de incerteza que estamos atravessando. Segui este meu conselho, porque Minha Querida Lady já é um fato histórico na história do teatro que contareis aos vossos netos. Marcos André - Coluna Bazar Tudo foi pensado, tudo foi feito como manda o figurino e o resto é este triunfo esplêndido no palco do Teatro Carlos Gomes, cujos aplausos todas asnoites,emcenaaberta,atestameprovamqueMyFairLadyéumabeleza. Van Jafa – Teatro Valeu. Se a idéia era montar Evita aqui, com elenco brasileiro, porém com o chamado padrão internacional, não há dúvida que os produtores e realizadores conseguiram tal proeza. E é com o maior prazer que se constata que a versão carioca de Evita não fica nada a dever à da Broadway. Flávio Marinho – Teatro – O Globo Notícias O arquiteto e cenógrafo escocês Norman Westwater, que chega hoje ao Rio para os preparativos da montagem de Evita, morou e trabalhou no Rio de 1951 a 1966, quando foi diretor de produção do musical Alô, Dolly! Westwater deixou uma contribuição importantíssima à vida carioca: foi quem introduziu o uso de estruturas translúcidas coloridas com iluminação interna na decoração de carnaval. Coluna de Carlos Swann – O Globo – 1982 Neste período de calor e azáfama pré-natalina, nada melhor do que uma peça digestiva, um recreio para quem deseja repouso cerebral, na medida da comédia sátira Sociedade em Baby-Doll. Lúcio Fiuza – Teatro&Música Textos Não sei se os homens que decidem a questão das diferenças entre os negros e brancos nos Estados Unidos puderam ouvir a nossa história. Mas se puderam, eu lhes faço um apelo nesse momento! Em nome de tudo o que sofremos e, principalmente, em nome daquilo que o futuro ainda reserva àquela pobre gente, eu lhes peço, encontrem uma solução. Abandonem esse caminho de ódio, essa estrada de incompreensão e de rancor. Procurem viver em comum como irmãos e não como animais que se odeiam. Dêem liberdade aos negros, dêem liberdade a eles que são escravos em sua própria terra, que não têm direitos no país que luta sempre pelos direitos humanos. Comecem a lutar em sua própria terra, dêem liberdade aos negros, peço mais uma vez. Eles são homens iguais a nós que temos a pele clara. Deixem essa estrada que estão percorrendo há tantos anos, saiam dela, afastemse dela, livrem-se de seus efeitos maléficos, porque ela é uma estrada sem retorno. (Monólogo final de Uma Estrada Sem Retorno, novela que estreou na Rádio Globo, em 1952) Uma novela diferente! Um enredo apaixonante que prenderá a atenção do ouvinte, do princípio ao fim... Uma história que poderia ser a nossa história A Poesia de um Amor Perdido Um original de Victor Berbara Texto de um anúncio publicado em jornal de Porto Alegre, em 1951 LOCUTOR: As Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S.A., fabricante dos produtos Marca Peixe, têm a grata satisfação de apresentar pelas ondas da Associadas e da Rádio Roquete Pinto, para o Brasil e para o mundo, a audição de estréia de Frei José Francisco de Guadalupe Mojica! ORQUESTRA (entra com o prefixo que cai em BG durante a fala) LOCUTOR (no sinal e falando com bastante sentimento nos momentos culminantes da apresentação): Bendito seja aquele que, após via-jar pelo mundo, numa peregrinação ideal pela verdadeira essência de todas as coisas sublimes, volta os olhos para o caminho de Deus, conseguindo encontrar nele a resposta para suas dúvidas e questões. (PAUSA) Bendito seja aquele que consegue achar a felicidade em sua crença. José Mojica encontrou seu verdadeiro caminho na vida e por ele andará, mercê de Deus, trilhando a senda do conforto moral e da alegria de espírito, espalhando assim, com sua santa presença, a semente de novos ideais cristãos. (pausa). Bendito seja! Trazendo Frei Mojica para esta série de audições dedicadas ao público brasileiro, os produtos Marca Peixe têm também o prazer de anunciar que, com esta grande temporada, inauguram-se oficialmente os aparelhos de televisão da Rádio Tupi. (pausa e tom) Agora, portanto, para dar alegria aos nossos corações com sua voz sublime e bela, Frei José Mojica, apresentado ao Brasil pelas Fábricas Peixe! Texto de abertura do primeiro programa de TV do Brasil, assinado por Victor Berbara – Rio de Janeiro – 1950 História de uma Carreira Teatro Alguns espetáculos teatrais produzidos e dirigidos no Brasil, Argentina, México e Espanha a partir de 1959. • Alô, Alô, Broadway, de sua própria autoria • As Árvores Morrem de Pé, de Alejandro Casona • A Baronesa, de Josué Montello • Blum, de H. S. Discepolo • Boeing, Boeing, de Marc Camoletti • Brasileiros em Nova York, de Pedro Bloch • Casar ou Experimentar?, de Lawrence Roman • Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman • Chapéu de Palha Italiano, de Eugene Labiche • Chicago, de Fred Ebb/John Kander • Com a Pulga Atrás da Orelha, de Georges Feydeau • Conheça Seu Homem, de Henrique Pongetti • A Dama da Madrugada, de Alejandro Casona • D. Xêpa, de Pedro Bloch • Drácula, de Bram Stoker • Está Lá Fora um Inspetor, de J. B. Priestley • Evita, de Andrew Lloyd Weber • Hello, Dolly!, de Thornton Wilder/ Jerry Herman • Hotel Paradiso, de Georges Feydeau • Irma La Douce, de Marguerite Monnot • Liberdade para as Borboletas, de Leonard Gershe • Mãe, de M. Gorki • Mame, de Jerry Herman • Maria Cachucha, de Joraci Camargo • Marty, de Paddy Chayefsky • Mary, Mary, de Jean Kerr • Mulheres Feias, de Alberto Moravia • My Fair Lady, de Lerner & Loewe • Obrigada pelo Amor de Vocês, de Edgar Neville • Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro • Onze Homens e Uma Sentença, de Reginald Rose • Período de Ajustamento, de T. Williams • Prisioneiro da Segunda Avenida, de Neil Simon • Private Lives, de Noel Coward • O Processo, de Mary Duggan, Bayard Veiller • Promises, Promises, de Neil Simon/ Burt Baccarach • Que Hago con Mis Dos Maridos?, de Júlio Porter • Romeu e Julieta, de William Shakespeare • Society em Baby-Doll, de Henrique Pongetti • Tio Vanya, Thecov • Últimos Dias de Amor e Paz, de George Harrison • Yerma, de Garcia Lorca Televisão Alguns programas dirigidos por Victor Berbara • Programas de Frei José Mojica Musical (duas vezes por semana) Emissora: TV Tupi Rio – 1950 Roteiro: Victor Berbara Elenco: José Mojica, J. Silvestre, Arnaldo Nogueira • Teatrinho Kibon Teatro (semanal) Emissoras: TV Tupi Rio e São Paulo – 1951 Roteiro: Silveira Sampaio Elenco: Silveira Sampaio, Teófilo de Vasconcelos, Nancy Wanderley • O Anjo Azul Show Cômico-Musical (semanal) Emissora: TV Tupi Rio – 1952 Roteiro: Elano D. Paula Elenco: Ariston, Mara Rúbia, Bonnie Walker, Paulo Fortes • Repto aos Enciclopédicos Perguntas e respostas (semanal) Emissora: TV Record São Paulo (programa inaugural) – 1953 Roteiro: Victor Berbara Elenco: Blota Junior • Calouros do Ari Musical – Calouros (semanal) Emissora: TV Tupi Rio – 1954 Roteiro: Victor Berbara Elenco: Ari Barroso e Fernando Lobo • Histórias da Ciência Cultural – Científico (semanal) Emissora: TV Record São Paulo – 1954 Roteiro: Miroel Silveira Elenco: Raul Duarte, Gabriel Migliori e sua orquestra • Teatro de Comédias Piraquê Cômico (semanal) Emissoras: TV Tupi Rio e São Paulo – 1956 Roteiro: Sérgio Porto Elenco: Tônia Carrero, Paulo Autran, Rosamaria Murtinho, Magalhães Graça • Teatro Moinho de Ouro Teatral (semanal) Emissora: TV Tupi Rio – 1956 Roteiro: Victor Lima e Amaral Gurgel, adaptação de diversos autores Elenco: Fernanda Montenegro, Henriette Morineau, Graça Mello, Mario Brasini, Thereza Austregésilo, André Villon, Eva Todor, Fernando Torres, Odette Lara • O Show de Ângela Maria Musical (semanal) Emissora: TV Paulista (hoje TV Globo) – 1956 Elenco: Ângela Maria e Grande Orquestra • Aí Vem D. Isaura Cômico (semanal) Emissora: TV Rio – 1958 Elenco: Ema D’Ávila, Zé Trindade, Antônio Carlos, Chico Anysio, Mario Sena, Geraldo Alves, Estelita Bell, Brandão Filho • Folias das Mercearias Cômico-musical (semanal) Emissoras: TV Rio/ TV Record São Paulo – 1959 Roteiro: Péricles do Amaral Elenco: Ângela Maria, Cauby Peixoto, Miltinho, Grande Otelo, Consuelo Leandro, Pituca, Brandão Filho • Studio A Teatro (semanal) Emissora: TV Rio – 1959 Roteiro: diversos autores nacionais e internacionais Atores: Tereza Raquel, Francisco Cuoco, Bibi Ferreira, Cilo Costa, Francisco Dantas, Maria Sampaio • Vila da Nossa Amizade Cômico (semanal) Emissora: TV Rio – 1960 Roteiro: Sérgio Porto Atores: Chico Anysio, Zé Trindade, Rose Rondelli, Consuelo Leandro, Matinhos, Grande Otelo, Renata Fronzi • Comédias Piraquê Cômico (semanal) Emissora: TV Rio – 1961 Roteiro: Haroldo Barbosa Elenco: Oscarito, Chico Anysio, Fada Santoro • Miss Campeonato Cômico-musical (semanal) Emissora: TV Rio – 1960 Roteiro: Antônio Maria e Sergio Porto Elenco: Marta Rocha e Rose Rondelli • Feijão, Arroz e Alegria Cômico (semanal) Emissora: TV Tupi Rio – 1961 Roteiro: Chico Anysio Elenco: César Ladeira, Nancy Wanderley, Chico Anysio • Um Milhão de Melodias Musical (semanal) Emissora: TV Paulista (hoje TV Globo) – 1962 Roteiro: Victor Berbara Elenco: Diversos cantores famosos da época • A Sorte é Sua Programa de Sorteios – Auditório (semanal) Emissora: TV Rio – 1962 Elenco: Murilo Néri • Jornal da Noite Jornalístico (diário) Emissora: TV Globo (primeiro telejornal da TV Globo, que inovou colocando um casal de apresentadores e usando o sistema de back-projection para ilustrar as notícias) – 1965 Apresentadores: Hilton Gomes e Nathalia Timberg • Jornal da Tupi Jornalístico (diário) Emissora: Rede Tupi – 1968 Apresentadores: Heron Domingues e Sandra Cavalcanti • E Agora... Cássio Muniz Variedades (semanal, com três horas de duração) Emissoras: TV Tupi Rio e São Paulo – 1963 a 1968 Roteiro: Silveira Sampaio, Paulo Francis, Carlos Thiré, Arnaldo Niskier, Mauricio Sherman Elenco: Silveira Sampaio, Paulo Francis, Bibi Ferreira, Ibrahim Sued, Orquestra e Cantores • As Loucuras do Chacrinha Variedades (semanal – sábados, às 21h00) Emissora: Rede Tupi – 1973 Apresentador: Chacrinha Rádio Participou de inúmeros programas, como Honra ao Mérito, Um Milhão de Melodias, Rádio Almanaque Kolynos e escreveu novelas escritas e transmitidas em várias emissoras, como Rádio Globo (RJ), Rádio São Paulo (SP), Rádio Farroupilha (RS), Rádio Jornal do Commércio (PE), Rádio Clube do Pará (PA), Rádio Sociedade da Bahia (BA), Rádio Guarany (MG), Rádio Clube de Vitória (ES), Rádio Clube Paranaense (PR), Rádio Cultura de Sergipe (SE), Rádio Cultura de Pelotas (RS), Rádio Sociedade de Caxias (RS), Rádio Clube do Amazonas (AM) e Rádio Cultura de Florianópolis (SC). • Um Destino e 4 Sonhos • Uma Estrada Sem Retorno • A Poesia de Um Amor Perdido • Em Nome da Justiça • A História de um Homem sem Alma • A Saudade Não Morreu • • Paixões em Fúria • Terra de Conflitos • Um Agosto Para Esquecer • Vivendo em Perigo • Cada Vez Te Amo Mais Músicas Músicas compostas e gravadas no Brasil • O Luar do Rio de Janeiro parceria com Muraro, Odette Amaral e Fernando Barreto • Nenhuma Ilusão parceria com Altamiro Carrilho e Rosita Gonzalez Parcerias com Haroldo Eiras • Ruínas gravação: Dóris Monteiro • Por que Voltei? gravações: Francisco Carlos (El Broto), Orlando Dias, Rosita Gonzalez, Neusa Maria/Britinho e Ivan de Alencar • Dizem por Aí... gravação: Johnny Alf • Noite após Noite gravação: Tito Romero e sua orquestra • Adeus, Meu Amor gravação: Ivan de Alencar • Você se Lembra? gravação: Dick Farney • Teus Olhos Entendem os Meus gravações: Jorge Goulart e Steve Bernard e seu órgão Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Apresentação – Tania Carvalho 11 A Vida 15 A Publicidade 53 O Rádio 69 A Televisão 91 O Teatro 121 Regras Fundamentais para o Diretor de Teatro e de Televisão 187 O Amanhã, por Victor Berbara 189 Críticas 192 Notícias 192 Textos 193 História de uma Carreira 197 Crédito das fotografias Carlos (Rio) 128, 129, 138, 139, 144, 145, 146, 147 Demais fotografias retiradas de programas dos espetáculos e do acervo de Victor Berbara Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Batismo de Sangue Roteiro de Helvécio Ratton e Dani Patarra Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Mauricio Zacharias, Karim Aïnouz e Felipe Bragança Cidade dos Homens Roteiro de Paulo Morelli e Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Claudio Yosida e Ricardo Elias Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Formato: 18 x 25,5 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 220 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial Carvalho, Tania A história da publicidade, rádio, televisão e teatro brasileiros na visão de Victor Berbara : o homem das mil faces / Tânia Carvalho – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. 220p. : il. – (Coleção aplauso. Série especial / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-596-2. 1. Publicidade – História 2. Radiodifusão – História 3. Televisão – História 4. Teatro – História I. Berbara, Victor, II. Ewald Filho, Rubens. III. Título. IV. Série. CDD 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Berbara, Victor : Biografia 920 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria