Batismo de Sangue Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Baseado na obra de Frei Betto IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2008 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO TRABALHANDO POR VOCÊ Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação A relação de São Paulo com as artes cênicas é muito antiga. Afinal, Anchieta, um dos fundadores da capital, além de ser sacerdote e de exercer os ofícios de professor, médico e sapateiro, era também dramaturgo. As 12 peças teatrais de sua autoria – que seguiam a forma dos autos medievais – foram escritas em português e também em tupi, pois tinham a finalidade de catequizar os indígenas e convertê-los ao cristianismo. Mesmo assim, a atividade teatral somente se desenvolveu em território paulista muito lentamente, em que pese o marquês de Pombal, ministro da coroa portuguesa no século 18, ter procurado estimular o teatro em todo o império luso, por considerá-lo muito importante para a educação e a formação das pessoas. O grande salto foi dado somente no século 20, com a criação, em 1948, do TBC –Teatro Brasileiro de Comédia, a primeira companhia profissional paulista. Em 1949, por sua vez, era inaugurada a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que marcou época no cinema brasileiro, e, no ano seguinte, entrava no ar a primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina: a TV Tupi. Estava criado o ambiente propício para que o teatro, o cinema e a televisão prosperassem entre nós, ampliando o campo de trabalho para atores, dramaturgos, roteiristas, músicos e técnicos; multiplicando a cultura, a informação e o entretenimento para a população. A Coleção Aplauso reúne depoimentos de gente que ajudou a escrever essa história. E que continua a escrevê-la, no presente. Homens e mulheres que, contando a sua vida, narram também a trajetória de atividades da maior relevância para a cultura brasileira. Pessoas que, numa linguagem simples e direta, como que dialogando com os leitores, revelam a sua experiência, o seu talento, a sua criatividade. Daí, certamente, uma das razões do sucesso desta Coleção junto ao público. Daí, também, um dos motivos para o lançamento de uma edição especial, dirigida aos alunos da rede pública de ensino de São Paulo e encaminhada para 4 mil bibliotecas escolares, estimulando o gosto pela leitura para milhares de jovens, enriquecendo sua cultura e visão de mundo. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural, para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado secolocaramemreflexões que seestenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada naquilo que caracteriza e situa também a história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, portanto, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza e o corpo de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico completo de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição, o entusiasmo e o empenho de nossos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, cenários, câmeras, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Notas do Diretor e Co-Roteirista Batismo de Sangue, de Frei Betto, conta a trajetória de frades dominicanos que se envolveram na luta contra a ditadura militar e pagaram um alto preço por sua ousadia. Quando li o livro, percebi logo que aquela era uma história para ser contada no cinema, com momentos de ação e suspense alternados com outros de grande delicadeza e espiritualidade. Mas percebi também que não seria um roteiro fácil de ser feito. Emtodososmeusfilmes,sintonecessidadedeparticipar ativamente da criação do roteiro, não somente dirigindo o processo de escrita, mas escrevendo também cenas, diálogos e trabalhando a própria estrutura. Entro num filme a partir da escrita. E foi assim também com o Batismo de Sangue. Convidei para trabalhar comigo a roteirista Dani Patarra que, além de talentosa, preenchia um requisito que eu achava importante: Dani não tinha vivido os anos de chumbo, era muito pequena naquela época. Como eu tinha participado ativamente do período, buscava um parceiro mais jovem para ter no roteiro o olhar de outra geração, distanciada daqueles anos. E Dani tinha proximidade com a história, já que seu pai, o jornalista Paulo Patarra, recentemente falecido, era personagem do livro de Frei Betto e está também no filme. No livro, assim como na História, foram mais de dez os dominicanos que participaram do movimento contra o regime militar. Por razões dramatúrgicas, decidimos reduzir para cinco: os freis Tito, Betto, Ivo, Fernando e Oswaldo. Encontrar a melhor estrutura para o roteiro, o recorte para contar a história, revelou-se um desafio e foram necessários muitos tratamentos até chegarmos a uma versão que consideramos sólida o bastante para ser filmada. Decidimos centrar a narrativa em Frei Tito e ao mesmo tempo mantermos certo protagonismo coletivo com os outros frades. Abrimos o filme com o suicídio de Tito para jogarmos de imediato uma luz sobre o personagem. Quando apresentamos os demais frades nas cenas seguintes, o espectador já sabe que aquele personagem irá se destacar. Além disso, não era função do filme informar o espectador sobre a morte de Frei Tito, interessavanos mais a desconstrução de seu gesto. Na medida em que o livro de Frei Betto conta uma história real, decidimos buscar mais informações em torno dos fatos narrados por ele. O roteiro de Batismo de Sangue condensa uma extensa pesquisa histórica realizada em documentos oficiais, nos testemunhos de quem viveu os fatos narrados, em livros sobre o período, arquivos de fotos, noticiários de TV, jornais, revistas, filmes rodados na época e documentários. Foram camadas e camadas de informação que alimentaram o roteiro. Tomei a decisão de promover um encontro entre os quatro personagens vivos, os Freis Betto, Oswaldo e Fernando, e Ivo, que deixou a batina, com os atores e principais técnicos do filme. Esse encontro, que durou dois dias, além de emocionante trouxe novas informações e detalhes que foram essenciais. Para citar um exemplo, quando falamos da missa rezada nos porões do Dops, com certeza uma das cenas mais fortes do filme, Frei Fernando se lembrou que não havia hóstias e que eles haviam realizado a missa com biscoitos Maria. O cinema se alimenta de preciosidades como essa, e o uso da bolacha no lugar da hóstia nos deu a chave para filmarmos a cena, o clima de catacumba dos primórdios do cristianismo. Como disse Frei Fernando, foi o momento em que o céu encontrou o inferno. De forma diferente de outros filmes sobre o período, as cenas de tortura no Batismo de Sangue não são apenas ilustrativas. A tortura é parte da estrutura dramática do roteiro, contada do ponto de vista do torturado, e usada não por sadismo, mas como instrumento de Estado para arrancar informações que mudaram o curso da História e aqui fazem avançar o filme. Dani e eu discutimos muito sobre o quê e quanto deveríamos mostrar. A tortura a que foram submetidos os freis Fernando e Ivo durou um dia e uma noite; Frei Tito foi torturado durante três dias e três noites, as equipes de torturadores se revezavam e faziam horas extras. Suavizar a violência sofrida pelos dominicanos, torná-la mais palatável, seria uma traição à memória de Tito e ao testemunho de todos aqueles que passaram pelos porões da ditadura. Decidimos então mostrá-la de forma breve, as cenas de tortura duram poucos minutos no filme, mas com força suficiente para expressar toda a dor e humilhação sofridas. Desde a criação do roteiro, nossa proposta foi a de um filme aberto aos espectadores mais jovens, que desconhecem o que se passou naqueles anos, mas interessante também para um público mais velho e melhor informado, capaz de perceber as sutilezas do roteiro. Sem querer dar aula para ninguém, buscamos contextualizar os acontecimentos e passar informações sobre aquele momento histórico de forma orgânica, no desenrolar da narrativa. Ou seja, buscamos mostrar o fundo de onde se recortavam os personagens e suas ações. Embora trate de acontecimentos políticos, o roteiro de Batismo de Sangue não foi concebido para dar lições de moral ou defender certa visão do mundo. O que nos interessava era extrair da história vivida por aqueles homens um conhecimento mais profundo da vida, da condição humana e do passado recente de nosso país. Helvécio Ratton Dani Patarra (roteiro) Por uma nota de jornal soube que Helvécio procurava um roteirista jovem para Batismo de Sangue. Depois de reler o livro, conversamos pessoalmente e fui contratada. Além das entrevistas que fiz com algumas das figuras reais da história, li diversos livros ligados ao tema: do próprio Frei Betto, de Elio Gaspari, Oldack Miranda, Emiliano José, Percival de Souza, Judith Patarra e revistas – sobretudo a Realidade, onde Paulo Patarra (meu pai) era chefe de Redação e frei Betto teve o primeiro emprego como jornalista. A cena com o meu pai, que aconteceu e está no livro, foi incluída porque mostra como Betto ajudava as pessoas perseguidas pela repressão a fugir. Foi ótimo trabalhar com o Helvécio porque ele me deu liberdade para criar cenas e juntar personagens. O maior problema era justamente a quantidade de personagens, lugares e ações interessantes. Mas como ele me disse na época: Caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Por isso fico muito feliz de ouvir o texto que minha avó escreveu sobre o Pai-Nosso na boca do padre Martim e de ver a Cynthia Falabella como guerrilheira em homenagem a Jana Moroni, morta no Araguaia. Para mim, foi um trabalho dedicado e emocionante sobre a vida e a morte de pessoas que lutaram para mudar o Brasil. Acho que o filme faz com que aquele período sombrio permaneça na memória das novas gerações, em que quase só se morre de acidente, droga e doença. A resistência daqueles companheiros, utópica e romântica, ensina-nos a viver. Roteiro TITO SE ENFORCA EXT. TERRENO BALDIO – AMANHECER Visto do alto, TITO caminha pelo campo. Chega ao pé de uma velha e grande árvore, ao seu redor há objetos abandonados. TITO sobe na árvore. Ainda visto do alto, TITO surge entre os galhos da árvore e senta-se num deles. Olha para baixo. Do seu ponto de vista, vemos FLEURY chegar, óculos escuros, mãos nos bolsos do terno branco. TITO tira uma corda debaixo do casaco. Amarra-a em um galho grosso, acima de sua cabeça, e dá vários nós, bem apertados. Seus movimentos são firmes, decididos. TITO puxa a corda algumas vezes, confirmando que está bem amarrada, enfia e ajusta o laço da outra ponta em seu pescoço. TITO olha novamente para baixo e vê FLEURY. TITO sorri para ele, desafiante, e joga-se da árvore. O galho se enverga e balança com seu peso. No chão de terra, caem os óculos de TITO com uma das lentes rachadas. Um pouco acima da terra, seus pés balançam. À luz do amanhecer, o corpo de TITO pára aos poucos de se mexer. Imóvel, parece fazer parte da árvore. FLEURY não está em lugar nenhum. DE OLHOS VENDADOS INT. CARRO – DIA Sente-se o movimento do carro e ouve-se o ruído da cidade, mas tudo está escuro, exceto pelas entradas de luz, que passam. TITO (OFF) São noites de silêncio. Vozes que clamam num espaço infinito. Um silêncio do homem e um silêncio de Deus. Talvez seja esta a voz humana de nosso tempo. Sente-se que o carro breca e pára, mas ainda nada se vê. TITO Chegamos? JOÃO ANTONIO Não, outro sinal. IVO É longe, hein?! Sente-se que o carro arranca. JOÃO ANTONIO (RINDO) Ou sou eu que fico dando voltas e mais voltas? FERNANDO Assim ele vai embora. JOÃO ANTONIO Nunca vi um anfitrião sair antes de chegarem os convidados. Sente-se o carro acelerando e fazendo curvas. Alguém liga o rádio, tenta sintonizar alguma estação com notícias, mas só se escutam anúncios, jingles ou música. O carro breca de novo, lentamente. CHEGADA NA FáBRICA EXT. FRENTE DE FáBRICA – DIA O carro estaciona. JOÃO ANTONIO, o motorista, desce do carro e abre a loja rapidamente. Em seguida, ajuda FERNANDO, IVO e TITO, de óculos escuros, a sair do carro e a entrar na fábrica. ENCONTRO COM MARIGHELLA INT. FáBRICA – DIA Nada se vê, na quase completa escuridão, TITO tira os óculos escuros ao ouvir JOÃO ANTONIO. JOÃO ANTONIO Pronto, podem abrir os olhos. FERNANDO e IVO também tiram os óculos escuros e abrem os olhos. Estão numa fábrica. FERNANDO, IVO e TITO colocam os óculos de grau. Seguem JOÃO ANTONIO pela escada e dão de cara com MILITANTE, armado com metralhadora. No fundo da fábrica estão BETTO, OSWALDO e MARIGHELLA, conversando. TITO estende o braço para MARIGHELLA, apertam-se as mãos. TITO Muito prazer, eu sou o Tito. MARIGHELLA É melhor não dizer o seu nome verdadeiro, você deve usar um nome de guerra... TITO fica sem-graça, olha para FERNANDO e IVO, que estão sérios. MARIGHELLA Não devemos escrever nomes e endereços em cadernetas, papéis ou em qualquer lugar! (apontando a própria cabeça) Tudo na cuca. TITO concorda com a cabeça e MARIGHELLA faz sinal para que se sentem no sofá. MARIGHELA senta-se na poltrona em frente. BETTO e OSWALDO encostam-se numa das paredes. IVO é o primeiro a se sentar, em uma das pontas, TITO no meio, FERNANDO na outra ponta. MARIGHELLA O apoio de vocês chega em um momento crucial para a ALN. (pausa) Não adianta mais lutar apenas com palavras. Daqui pra frente, quem samba fica, quem não samba vai embora! (grave) Vamos intensificar as ações armadas, com assaltos a bancos e ataques às forças da ditadura. BETTO (SÉRIO, PARA OS TRêS) Mas nosso papel é só na retaguarda. MARIGHELLA Contamos com vocês para esconder companheiros, para transportar, levar mensagens, fazer contatos... E no que mais vocês puderem colaborar. BETTO tira um envelope do bolso e estende-o para MARIGHELLA. BETTO Conseguimos algumas doações. MARIGHELLA pega o envelope, abre, conta o dinheiro e o devolve, sorrindo. MARIGHELLA Acho que dá pra comprar um fusca e vocês vão precisar de um. TITO Professor Menezes, como é que nós vamos conscientizar o povo? MARIGHELLA Pela ação, tudo nasce da ação. A consciência do povo vai brotar é da luta armada, do próprio combate. MARIGHELLA se levanta e entrega a TITO o embrulho em papel cor-de-rosa. MARIGHELLA São uns livrinhos que escrevi, quem sabe vocês aproveitam alguma coisa... TITO se levanta, em seguida IVO e FERNANDO. MARIGHELLA É muito bom ter vocês do nosso lado. MARIGHELLA sorri e sai com MILITANTE, JOÃO ANTONIO à frente. TITO abre o pacote, retira os quatro livros. Enquanto isso, BETTO se aproxima do vidro e vê JOÃO ANTONIO abrir a porta da fábrica para MARIGHELLA e MILITANTE saírem. TITO Teoria e Ação Revolucionária, Manual do Guerrilheiro Urbano, Por que Resisti à Prisão, Os Lírios já não Crescem em Nossos Campos. TITO abre um dos livros de poesia, folheia e lê com seu sotaque cearense, todos a olhá-lo. TITO Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma, que não existe força humana alguma que esta paixão embriagadora dome. E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome. TITO sorri para eles. TITO (CONT.) Adivinhem qual é o nome da donzela? (pausa) Liberdade! Todos olham para TITO, que os encara. O enorme silêncio paira sobre os rostos sérios dos cinco dominicanos. BETTO NO JORNAL INT. REDAÇÃO – DIA BETTO está em frente à mesa repleta de jornais abertos, há um telefone e a máquina de escrever. Ele lê suas anotações em um bloquinho, datilografa em uma lauda e risca do bloquinho o quê escreve na máquina. REPÓRTER chega esbaforido, aproxima-se de BETTO, que olha para ele preocupado. REPÓRTER (BAIXO) Tô vindo do Dops, vão prender vários jornalistas, inclusive o Paulo, seu amigo... BETTO agradece, pega a carteira na gaveta e anda rápido até a grande mesa, no fundo da redação, do DIRETOR DO JORNAL. BETTO Preciso sair. DIRETOR DO JORNAL Algum problema? BETTO Parece que sim, mas espero chegar a tempo de resolver. DIRETOR DO JORNAL, sério, faz gesto para que BETTO saia logo. Quando BETTO vai sair da redação chega TAEKO, máquinas fotográficas penduradas, sorrindo feliz ao vê-lo. TAEKO Estou precisando falar com você... BETTO Depois, estou com muita pressa. BETTO sai. BETTO AVISA AMIGO INT. PORTA DO APARTAMENTO – DIA PAULO abre a porta para BETTO, suado, entrar. PAULO Que surpresa boa, entra. BETTO não se mexe. BETTO (MEIO OFEGANTE) Você tem de sair já! PAULO se assusta. PAULO Então deixa eu só pegar umas coisinhas. BETTO (SÉRIO) Nada disso. Vamos embora imediatamente! BETTO E PAULO SAEM A TEMPO INT. / EXT. PORTARIA – DIA BETTO e PAULO acabam de sair quando a C-14 do DOPS estaciona na frente do prédio. FERNANDO CHEGA NA GALERIA EXT. / INT. GALERIA – DIA FERNANDO anda numa galeria com livros em vitrines. FERNANDO NA LIVRARIA INT. LIVRARIA – DIA FERNANDO entra na livraria e cumprimenta SEBASTIANA, que abre uma caixa de livros. FERNANDO Como estamos, tudo certo por aqui? SEBASTIANA Tudo em ordem, e olhe que beleza: nosso pedido já chegou. FERNANDO A senhora poderia colocá-los na estante? SEBASTIANA Claro, frei Fernando, tome a nota. FERNANDO sorri para ela, pega a nota fiscal e vai até a sua mesa. FERNANDO enfia a nota num prendedor de papéis pontudo sobre a mesa e espeta a mão. Ele leva a mão à boca e chupa o ferimento. FERNANDO organiza sua mesa quando o telefone toca. FERNANDO Editora e Livraria Duas Cidades, boa-tarde. (pausa) Ahn, sei, acho que sim, só um momento. FERNANDO levanta-se, procura pelas estantes cheias de livros, acha um exemplar e volta ao telefone com o livro nas mãos. Entra um CLIENTE e SEBASTIANA vai atendê-lo. FERNANDO (CONT.) Temos um último exemplar. Posso reservá-lo por alguns dias. FERNANDO pega a caneta e senta-se com o telefone no ouvido. FERNANDO Três dias está ótimo. O nome do senhor? FERNANDO anota. TITO NA AULA INT. SALA DE AULA NA UNIVERSIDADE – DIA Entre dois alunos que fumam, uma morena de minissaia ouve o PROFESSOR, encantada. Ele segura o livro Eros e Civilização aberto, em uma das mãos. PROFESSOR O grande atrativo que a natureza colocou no processo reprodutivo é o prazer. A sexualidade tem um lugar predominante na estrutura instintiva. Mas, ao longo da história, a sociedade e as mais diversas religiões buscam controlar o instinto sexual... Se não for para reproduzir não pode! O mito da virgindade, a proibição do incesto, enfim todos aqueles tabus... Na porta, JOÃO ANTONIO faz sinal para TITO, que está sentado em um dos cantos, rabiscando em seu caderno. O colega cutuca TITO e mostra a porta com um gesto de cabeça. TITO vê JOÃO ANTONIO, que faz sinal para ele vir. PROFESSOR ... O que Marcuse está afirmando aqui é que, segundo Freud, os processos mentais primários são governados pelo princípio do prazer... TITO pega seu caderno e vai saindo da sala meio sem-graça, sem olhar para o PROFESSOR, que segue dando sua aula. PROFESSOR ... E o instinto sexual, que atua firmemente sobre o princípio do prazer, é o que sustenta a própria vida, ou seja: o instinto sexual deve ser o instinto de vida! CORREDORES DA UNIVERSIDADE INT. CORREDOR/CANTINA – DIA TITO e JOÃO ANTONIO caminham apressados pelo corredor. Nas paredes há diversas pichações e alguns cartazes. Eles passam pela área da cantina onde vários estudantes comem, fumam, conversam, tocam violão. CONGRESSO NO INTERIOR INT. SALA DO DCE – DIA JOÃO ANTONIO e TITO entram e se sentam ao lado de OSWALDO e CATARINA. IVO e ALUNA estão entre outros ESTUDANTES. LÍDER I ... a proposta que venceu é a do congresso ser no interior! As outras propostas, de que fosse dentro da universidade ou em um prédio do centro, foram derrotadas. Nós temos certeza de que essa decisão final é a melhor. No campo vai ser mais seguro. LÍDER II levanta a mão, LÍDER I faz gesto para que ele fale. LÍDER II Nossa proposta foi derrotada e estamos aceitando a decisão, mesmo sem concordar com ela. Mas continuamos a achar que não vai ser nada fácil encontrar um lugar assim: afastado mas nem tanto, de fácil acesso mas seguro, e ainda por cima onde caiba tanto estudante! CATARINA Estamos pensando em quase mil, são lideranças do Brasil inteiro que vão ter de comer, de dormir. Não vai ser fácil mesmo! JOÃO ANTONIO faz carinho nos cabelos de CATARINA. Eles ficam de mãos dadas. OSWALDO (PARA TODOS) Bom, está decidido e nós vamos ter de dar um jeito. Esse congresso da UNE tem que acontecer. IVO Precisamos decidir muitas questões. E eleger nosso novo Presidente! LÍDER I Então, vamos achar logo esse lugar! OSWALDO fala alguma coisa no ouvido de TITO, que escuta pensativo. CONVENTO DOS DOMINICANOS EXT. CONVENTO – ENTARDECER Na rua calma e arborizada, ladeado de casas residenciais, está o convento dos dominicanos. TITO (OFF) Louvai ao Senhor. Louvai, servos do Senhor, louvai o nome do Senhor. GRUPO DA ESQUERDA (OFF) Seja bendito o nome do Senhor, desde agora para sempre. Câmera se aproxima da Igreja do Convento, na parede ao lado da grande porta está pichado: Fora padres comunistas. GRUPO DA DIREITA (OFF) Desde o nascimento do sol até ao ocaso, seja louvado o nome do Senhor. GRUPO DA ESQUERDA (OFF) Exaltado está o Senhor acima de todas as nações, e a sua glória sobre os céus. FRADES REZAM SALMOS INT. IGREJA DO CONVENTO – ENTARDECER Com o breviário nas mãos, os dominicanos estão em pé, atrás do altar, nas estalas do coro. Ao centro está o prior, FREI DIOGO. Os outros frades estão localizados conforme suas funções e idades. Entre eles estão BETTO, IVO, FERNANDO, OSWALDO e TITO. Todos continuam a cantar o Salmo 113 do Velho Testamento. GRUPO DA DIREITA Quem é como o Senhor nosso Deus, que habita nas alturas? GRUPO DA ESQUERDA O qual se abate, para ver o que está nos céus e na terra! GRUPO DA DIREITA Levanta o pobre do pó, e do monturo levanta o necessitado. GRUPO DA ESQUERDA Para fazê-lo assentar com os príncipes, mesmo com os príncipes do seu povo. GRUPO DA DIREITA Faz a mulher estéril presidir o lar, como feliz mãe de família. Aleluia! TODOS Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre, Amém. TITO ESCREVE POEMA INT. CELA NO CONVENTO – NOITE TITO, de cueca, está sentado na sua cama, com a máquina de escrever portátil em seu colo. Ele termina de escrever um pequeno poema, retira o papel da máquina e relê o que escreveu. TITO (MURMURANDO) Andarei na sua presença / Seus caminhos são minha luz / Em suas mãos encontro abrigo... TITO sorri e fecha os olhos, sabe o final de cor. TITO Vós sois o sal da terra / Vós sois a luz do mundo. TITO coloca o papel sobre a cama, ao lado do seu rosário de madeira. TITO liga o rádio, muda as estações até sintonizar uma que toca Noite dos Mascarados. CANTORA ... O meu tempo inteiro só zombo do amor. TITO canta com eles, imitando as duas vozes, baixinho. CHICO E TITO Eu tenho um pandeiro. CANTORA E TITO Só quero um violão. CHICO E TITO Eu nado em dinheiro. CANTORA E TITO Não tenho um tostão. Fui porta-estandarte, não sei mais dançar. CHICO E TITO Eu, modéstia à parte, nasci pra sambar. CANTORA E TITO Eu sou tão menina. CHICO E TITO Meu tempo passou. CANTORA E TITO Eu sou colombina. CHICO E TITO Eu sou pierrô. JANA PRECISA SAIR INT. REFEITÓRIO DO CONVENTO – DIA BETTO, IVO, FERNANDO, OSWALDO e TITO tomam café com pão e bolo. BETTO está contando um caso. BETTO ... Aí eu disse pra ela que um frade podia fazer tudo o que uma freira pode. E não podia fazer o que uma freira também não pode. Todos riem da história de BETTO. JOÃO ANTONIO chega apressado, faz um gesto com a cabeça na direção da porta, onde está JANA. JOÃO ANTONIO (BAIXO) Aquela é a Jana, precisa ir a Santos o mais rápido possível. Vocês podem levá-la? IVO levanta-se da mesa prontamente e sai. BETTO faz um gesto para JOÃO ANTONIO. BETTO Senta aí, aproveita e toma café, que hoje tem até bolo! JOÃO ANTONIO Não vai dar, fica para a próxima. JOÃO ANTONIO vai saindo, mas dá meia volta. JOÃO ANTONIO Pensando bem... JOÃO ANTONIO pega pedaço de bolo e sai comendo. O FUSCA DOS DOMINICANOS EXT. FRENTE DO CONVENTO – DIA Ao lado de JANA, IVO acaba de colocar uma maleta no porta-malas do fusca azul. JOÃO ANTONIO aparece, ainda comendo bolo, quando os dois estão entrando no carro. JOÃO ANTONIO Hasta la vista! JANA faz sinal de paz e amor, sorrindo para ele, enquanto IVO dá a partida e sai. TITO ENCONTRA SÍTIO EXT. SÍTIO – DIA TITO caminha ao lado do DONO DO SÍTIO, que lhe mostra a propriedade. Na varanda, TITO olha o horizonte quando o DONO DO SÍTIO traz um copo de água para ele. TITO Obrigado. TITO bebe o copo de água de uma só vez. TITO (CONT.) Puxa vida, que lindeza isso aqui. DONO DO SÍTIO São muitos estudantes? TITO Mais de mil, do Brasil inteiro. Mas vai dar tudo certo, você vai ver. DONO DO SÍTIO Acho melhor eu nem ver! TITO sorri para ele. TITO FALA DO SÍTIO INT. SALA DO DCE – DIA LÍDER I e LÍDER II, JOÃO ANTONIO, CATARINA, TITO, IVO, OSWALDO e ALUNA estão reunidos entre os mesmos estudantes de antes. JOÃO ANTONIO O Tito traz boas novas! (para TITO) Vamos lá companheirinho, é a sua vez. TITO Bom, consegui um sítio e acho que está tudo certo. Parece um lugar seguro. Não é longe, nem é difícil de chegar. LÍDER I Ótimo. Agora precisamos pensar muito bem no esquema de transporte. As pessoas só devem saber aonde vão no próprio dia. E, claro, terão que ter uma senha. Todos concordam com ele. MARIGHELLA FALA DA GUERRILHA EXT. ALAMEDA CASA BRANCA – NOITE Dentro do fusca,IVO, nadireção eBETTO, nobanco do passageiro, ouvem MARIGHELLA no banco de trás, mapa aberto na mão, apontando um lugar. MARIGHELLA O Bico do Papagaio é aqui, norte de Goiás, sul do Maranhão e do Pará. É uma região de muitos conflitos de terra. A topografia favorece a guerrilha... BETTO Nosso convento fica em Conceição do Araguaia. É bem perto, aqui ó. (BETTO aponta no mapa) MARIGHELLA Então? BETTO Acho que sim. Vamos conversar com al-guns irmãos. MARIGHELLA Ótimo. Precisamos de todo apoio que for possível. IVO Conhecemos uma casa religiosa em Marabá, quem sabe podemos contar com alguém de lá também. MARIGHELLA Façam o contato com todo cuidado. Todos olham o mapa. No rádio toca baixinho um samba de Noel. MARIGHELLA aumenta o volume e batuca no mapa, acompanhando o ritmo. MARIGHELLA Grande Noel! O fusca estacionado na rua tranqüila. TITO E A BIBLIOTECáRIA INT. BIBLIOTECA DO CONVENTO – DIA TITO segura Quarup, enquanto olha BIBLIOTE-CáRIA guardar alguns livros na estante. Ela sente que está sendo observada, vira-se de repente e dá de cara com TITO que, ao ser flagrado por ela, deixa o livro cair. BIBLIOTECáRIA Tito! Envergonhado, TITO pega o Quarup e o entrega à BIBLIOTECáRIA. BIBLIOTECáRIA Nossa, você já acabou de ler?! TITO sorri e faz que sim com a cabeça. BIBLIOTE-CáRIA coloca o livro em seu lugar na estante. TITO Você tinha razão, é muito bom. BIBLIOTECáRIA E o Nando não parece com vocês? TITO Parece sim. Tanto nas certezas como nas dúvidas. BIBLIOTECáRIA Deve ter sido muito difícil para o escritor criar um personagem padre. TITO Por quê? BIBLIOTECáRIA Ah, saber o que se passa dentro da cabeça, do coração de um padre, sem ser padre... eu acho bem difícil. TITO São míseros mortais, como todo mundo. BIBLIOTECáRIA sorri para TITO, que abaixa os olhos. IVO APONTA RAUL CARECA INT. IGREJA DO CONVENTO – DIA FREI DIOGO celebra a missa. IVO, TITO, FERNANDO, OSWALDO, BETTO e outros DOMINICANOS estão nos primeiros bancos. FREI DIOGO Para ser um bom filho de Deus não basta vir à missa de domingo. Precisamos saber ouvir a voz de Deus todos os dias, todas as horas... Junto à caixa de som está RAUL CARECA, com o pequeno gravador em uma das mãos, sorriso irônico no rosto. FREI DIOGO Vivemos em um país onde milhares de criaturas humanas morrem de fome e de sede. Precisamos acordar para as injustiças e lutar contra elas porque nosso Deus é o Deus da justiça e do amor... Não é tão difícil escutar o chamado de Deus, difícil é perceber que Deus exige nossa presença é ao lado do humilhado, do miserável, do injustiçado. Nós, cristãos, não podemos engolir a ditadura de cabeça baixa. A ditadura é conivente com a má distribuição da riqueza, com a exploração do povo oprimido. Não devemos nos calar, temos que nos fazer ouvir e, mais do que isso, precisamos agir! Num banco atrás de IVO está ALUNA, que repara em RAUL CARECA. ALUNA fala algo no ouvido de IVO, que também olha para RAUL CARECA. No púlpito, IVO lê o Evangelho (MT 10, 16-20). IVO Eis que eu envio vocês como ovelhas no meio de lobos. Portanto, sejam prudentes como as serpentes e simples como as pom-bas. Quando entregarem vocês aos tribunais, não fiquem preocupados como ou com aquilo que vocês vão falar, porque, nessa hora, será sugerido a vocês o que vocês devem dizer. Com efeito, não serão vocês que irão falar, e sim o Espírito do Pai é quem falará através de vocês. IVO fecha a Bíblia e olha para a platéia. IVO Aquele senhor sentado ali no canto, com um gravador na mão, é polícia, do DOPS. O nome dele é Raul Careca. DOMINICANOS e FIÉIS, perplexos, olham para RAUL CARECA e para IVO. IVO (CONT.) Será que ele veio rezar, ouvir a palavra de Deus? Ou está aqui só para nos vigiar, para depois mandar prender?! RAUL CARECA levanta-se e grita para IVO. RAUL CARECA E você é um comunista desgraçado, que usa a batina e o nome de Deus pra pregar a desordem e a subversão! IVO encara RAUL CARECA, no meio do burburinho geral. A CAMINHO DO CONGRESSO I EXT. RUA – DIA Com a Veja nas mãos, ALUNA espera em uma esquina. A CAMINHO DO CONGRESSO II EXT. BANCA DE JORNAIS – DIA ESTUDANTE, segurando a Veja, anda de um lado para o outro. A CAMINHO DO CONGRESSO III EXT. PONTO DE ôNIBUS – DIA Vários ESTUDANTES, com a Veja nas mãos, en-tram em um ônibus fretado. A CAMINHO DO CONGRESSO IV EXT. BAIRRO – DIA Na esquina de um bairro nobre, ESTUDANTE com a Veja na mão. TITO A CAMINHO DO CONGRESSO EXT. ESTRADA – DIA JOÃO ANTONIO dirige ao lado de CATARINA. TITO, atrás dela e ao lado de ESTUDANTE, canta. TITO Vai, vai, vai começar a brincadeira... CATARINA começa a cantar com ele, JOÃO ANTONIO olha para ela e pisca, sorri para TITO pelo espelhinho retrovisor. POLÍCIA PáRA IVO EXT. ESTRADA – DIA IVO dirige o fusca com OSWALDO a seu lado. No banco de trás estão LÍDER I e LÍDER II. GUARDA RODOVIáRIO faz sinal para que IVO pare no acostamento. GUARDA RODOVIáRIO Documentos. IVO entrega os documentos. GUARDA olha para os ocupantes do carro, olha para IVO e confere os documentos. GUARDA RODOVIáRIO Ah, são religiosos... Estão indo para o seminário dos Salesianos? IVO Sim, estamos. GUARDA RODOVIáRIO É na próxima entrada, três quilômetros. Vão com Deus. GUARDA RODOVIáRIO devolve documentos, IVO agradece com um gesto de cabeça e arranca com o carro. OSWALDO (SORRINDO ALIVIADO PARA LÍDERES ESTUDANTIS) Se ele soubesse quem são vocês! IVO olha as horas no relógio de pulso. IVO (PARA OSWALDO) Acho que dá pra fazer mais umas duas viagens. Espero que esse guarda não pare o carro de novo... O fusca segue pela estrada. CONGRESSO DESCOBERTO INT. REDAÇÃO – DIA BETTO escreve em sua máquina quando REPÓRTER chega afobado. REPÓRTER (ALTO) Descobriram o congresso da UNE! Os estudantes compraram todos os pães e leites das padarias de Ibiúna! O povo estranhou, ligou pra polícia, já devem estar chegando no tal sítio. BETTO Vai cobrir, leva a Taeko. REPÓRTER sai rapidamente. BETTO, que não tem como avisá-los, levanta-se de sua cadeira e vai até a mesa do DIRETOR DO JORNAL, arrasado. BETTO Imagine só, a liderança estudantil do País inteiro está lá... DIRETOR DO JORNAL (SÉRIO E BAIXO) Parece que eles não nos deixam outra saída. Você sabe que eu não tenho peito, mas, a cada dia que passa, tenho mais certeza: só com a luta armada... (tentando brincar) É, os cristãos agora vão ter de armar-se uns aos outros. BETTO não acha graça nenhuma. TAEKO SE DECLARA INT. REDAÇÃO – NOITE A redação está deserta, só BETTO sentado à mesa. TAEKO chega e entrega várias fotos, a primeira é a de um policial empurrando uma estudante que está descendo de um ônibus. TAEKO Quer um café? BETTO Quero sim. TAEKO vai buscar o café, enquanto BETTO observa as fotos dos estudantes sendo presos em Ibiúna. TAEKO volta com o café, senta-se sobre a mesa em frente a de BETTO. BETTO Obrigado. Estão muito boas. Ela sorri. BETTO toma o café enquanto olha as fotos. Ela olha para ele, parece apaixonada. BETTO percebe, fica meio sem-graça. TAEKO toma coragem. TAEKO Eu sei que não é hora, mas é que eu preciso tanto te falar uma coisa... BETTO Pode falar. TAEKO Sabe o que que é? (pausa) É que eu gosto muito de você. BETTO Eu também. TAEKO Eu gosto... Não só como amiga. BETTO Acho você muito bacana, mas não vai dar. Eu sou dominicano, Taeko. TAEKO Mas e daí? Eu sou japonesa. BETTO sorri para ela. ESTUDANTES PRESOS EXT. PáTIO DOPS – NOITE O pátio do Dops está cheio de ESTUDANTES, vigiados por PMs armados e com cães. Entre eles estão TITO, JOÃO ANTONIO e CATARINA. ESTUDANTES são conduzidos por policiais para salas no corredor. Do pátio, TITO vê RAUL CARECA rindo de LÍDER II, que é levado para a carceragem por POLICIAIS truculentos. TITO vê que LÍDER I também está sendo levado para a carceragem. TITO É FICHADO INT. SALA DO PUDIM – NOITE PUDIM interroga TITO, com a carteira de identidade dele nas mãos. ESCREVENTE bate à máquina. PUDIM Tito de Alencar Lima... PUDIM procura nome de TITO numa lista. Não encontra. Olha a carteira. PUDIM Mas você é um nordestino... Está fazendo o quê, em São Paulo, ô, cabeça chata? PUDIM entrega carteira para ESCREVENTE copiar dados. TITO Eu estudo Filosofia na Universidade de São Paulo. PUDIM Mas não é isso que vocês estavam fazendo lá em Ibiúna! ESCREVENTE entrega o papel para PUDIM. PUDIM Vai, assina e pode ir. PUDIM estende o papel para TITO assinar. TITO SAI DO DOPS EXT. DOPS – AMANHECER TITO sai, dá alguns passos pela calçada e se volta. CATARINA e JOÃO ANTONIO saem atrás dele. JOÃO ANTONIO Não se preocupe, companheirinho. Mais cedo ou mais tarde, venceremos! TITO sorri levemente e vê JOÃO ANTONIO e CATARINA virarem a esquina, sem olhar para trás. PRIOR ADVERTE FRADES INT. / EXT. CLAUSTRO DO CONVENTO – DIA FREI DIOGO, BETTO, FERNANDO, IVO, TITO e OSWALDO estão reunidos. FREI DIOGO O que nós temos que nos perguntar agora é até onde nós podemos, ou melhor, até onde nós devemos ir. E vocês estão indo longe demais. Eles olham para FREI DIOGO em silêncio. FREI DIOGO Vocês sabem o perigo que estão correndo? TITO Mas a opção pelos pobres é uma exi gência do trabalho apostólico. E nós estamos apenas defendendo a causa dos humilhados, dos homens e mulheres de pés descalços. FRADE chega. FRADE Tito, telefone pra você. TITO Frei Diogo, auxiliar os perseguidos é uma tradição da Igreja! TITO sai com FRADE. FREI DIOGO (PARA OSWALDO) E o senhor não tem feito o que deveria, que é estudar. OSWALDO Mas tenho lido São Tomás de Aquino. Ele já dizia que, em caso de tirania evidente e prolongada, o povo tem o direito de se defender! BETTO E Paulo VI disse algo bem parecido: esgotadas todas as possibilidades, é legítimo o uso da violência! FERNANDO Se queremos realmente mudar alguma coisa, temos de ir além das palavras! OSWALDO E dos estudos! IVO Não pegamos em armas, não assaltamos, só damos o nosso apoio! FREI DIOGO olha para eles em silêncio. FERNANDO No concílio, os bispos também concluíram que a violência revolucionária pode ser a última saída. Por acaso temos alguma outra?... TITO chega, branco, trêmulo e interrompe a fala de FERNANDO. TITO O João Antonio e a Catarina! Estão dizendo que foi um acidente de carro. Morreram... TITO não consegue conter o choro, IVO o abraça, consolando-o, enquanto os outros ficam em silêncio alguns segundos. IVO (PARA TITO) Estão com Deus, Tito. Não chora. FREI DIOGO (FALA BAIXO, GRAVE) Cada um de vocês deve parar e pensar muito bem nos riscos dessa opção. (para OSWALDO) Está determinado há muito tempo que o senhor deve ir para a França. Já demorou demais. OSWALDO Mas eu não quero, não posso ir embora e abandonar tudo! FREI DIOGO (PARA BETTO) E você é jornalista, está muito visado... Você não ia para a Alemanha? BETTO No final do ano, mas estou pensando em ir antes pro Cristo Rei, me preparar. Lá ninguém me conhece. CENSURA NO JORNAL INT. REDAÇÃO – DIA BETTO chega e estranha CENSOR, sentado em frente a uma das mesas, riscando trechos de uma das laudas da matéria que lê. BETTO nem olha para TAEKO, que o vê chegando. Ele vai direto à mesa do DIRETOR DO JORNAL. BETTO Colega novo? DIRETOR DO JORNAL Éo homem dacensura. A partir de agora vai ler tudo e cortar o que lhe der na telha. BETTO e DIRETOR DO JORNAL se olham em silêncio. De repente, BETTO se aproxima. BETTO Acho que estou indo embora na hora certa... BETTO e DIRETOR DO JORNAL se abraçam. DIRETOR DO JORNAL Sorte sua. Dê notícias. BETTO faz que sim com a cabeça, sai e vai até sua mesa. TAEKO se aproxima enquanto BETTO abre as gavetas, pega agenda, caderneta de telefone, um lenço e um livro. TAEKO (MUITO SÉRIA) O que foi? BETTO olha rapidamente para CENSOR, que continua lendo a matéria. BETTO Não gosto de despedidas. BETTO SE ENCONTRA COM JANA EXT. ESQUINA – DIA BETTO lê a manchete: ASSALTO A BANCO FOI ATO TERRORISTA em um dos jornais da banca. BETTO olha as horas e caminha até a esquina, onde está JANA, com uma sacola de feira na mão. BETTO A senhora pode me dizer onde fica a igreja de Nossa Sra. da Consolação? Ela deixa a sacola no chão e aponta com a mão. JANA Você segue em frente por aqui e vira na primeira à direita. (baixo) Vários companheiros caíram, estão sendo muito torturados. BETTO Fica com Deus. JANA caminha na outra direção, BETTO pega a sacola e segue para onde ela apontou. MARIGHELLA FALA DO SUL INT. IGREJA – DIA Na igreja vazia, BETTO reza de olhos fechados, não resiste, afasta as alfaces na sacola de feira aos seus pés e vê que está cheia de dinheiro. MARIGHELLA, com uma estranha peruca, se senta atrás de BETTO, ajoelha-se, olha a sacola, fala ao seu ouvido. MARIGHELLA (SUSSURRA) Fiquei sabendo do seminário no sul. Precisamos montar um esquema para passar os companheiros pela fronteira. BETTOfazquesimcom acabeça.MARIGHELLA olha rapidamente para trás, pega a sacola e se levanta. BETTO observa MARIGHELLA sair da igreja, olha para os lados e sai também. SEMINáRIO NO SUL EXT. CRISTO REI – DIA Na paisagem fria, SEMINARISTAS caminham com lenha nos ombros. À frente deles, numa pequena colina, o seminário CRISTO REI. PADRE CASTELHANO INT. SALA DE AULA DO CRISTO REI – DIA BETTO assiste à aula de Teologia ao lado de SEMINARISTA. O professor é PADRE MARTIM, mais velho, com sotaque espanhol, muito simpático. PADRE MARTIM No Pai-nosso são formulados sete pedidos. Se analisamos com amor cada um deles, reconhecemos que só mesmo Deus poderia criá-los. Cristo nos diz que Deus é nosso Pai e, se o é, deve amar como pai e, se nos ama como pai, está sempre ao nosso lado como um grande amigo que não nos abandona, quer nos momentos tristes quer nos alegres. PADRE MARTIM se aproxima de BETTO, olha para ele. PADRE MARTIM (CONT.) Deus é nosso Pai. Só depois de afirmar isso, Jesus compõe a oração divina que, nos sete pedidos, encerra tudo quanto necessitamos para sermos filhos fiéis e amorosos. TITO TEM DÚVIDAS INT. BIBLIOTECA DO CONVENTO – DIA OSWALDO e TITO estão perto da janela. Ao fun-do, arrumando os livros, está a BIBLIOTECáRIA. OSWALDO (BAIXO) Vou ter de ir embora mesmo. TITO olha para ele e não diz nada. OSWALDO prossegue, falam baixo. OSWALDO Pensei que agora você podia passar a fazer os contatos com o Professor Menezes. TITO Ah, não sei, Oswaldo, estou meio confuso, acho que preciso pensar. OSWALDO Tudo bem então, eu vou falar com o Fernando. TITO É, talvez seja melhor o Fernando. OSWALDO dá um tapinha nas costas de TITO e fala com voz normal. OSWALDO Ânimo, rapaz, o que é isso?! OSWALDO sai. TITO olha para a BIBLIOTECáRIA que se aproxima dele. BIBLIOTECáRIA Que foi Tito? Você está com uma cara... Está preocupado? Ele faz que sim com a cabeça. BIBLIOTECáRIA Não guarda não, põe pra fora. Pode se abrir comigo. TITO dá um leve sorriso para ela. SENHA DO ENCONTRO COM MARIGHELLA EXT. ALAMEDA CASA BRANCA – NOITE Dentro do fusca, IVO está na direção, OSWALDO ao lado dele, MARIGHELLA atrás. MARIGHELLA Aqui é o Ernesto. Vou na gráfica hoje. OSWALDO Continuo achando muito perigoso. IVO Deixa isso com a gente aqui. Você tem que se preocupar é com o que vai fazer lá. OSWALDO E o que é que eu vou fazer? Como vou poder ajudar de tão longe? MARIGHELLA Vai poder entrar em contato com a esquerda do mundo inteiro. Isso é muito importante. OSWALDO abre a porta do carro e sai. MARIGHELLA, que estava atrás dele, desce também. MARIGHELLA E quando você voltar, vai combater ao nosso lado novamente. A luta não vai acabar tão cedo... MARIGHELLA e OSWALDO se olham e se abraçam rapidamente. BETTO E PADRE EXT. HORTA DO CRISTO REI – DIA BETTO ajuda PADRE MARTIM a colher as hortaliças e a colocá-las nas cestas. BETTO Gostava muito de trabalhar na terra, lá no seminário, em Belo Horizonte. PADRE MARTIM A horta é sua também. Sempre que quiser, venha ajudar. BETTO É outra coisa comer uma verdura que você plantou, viu crescer, colheu... PADRE MARTIM Que bom seria se todos pudessem ter um pedacinho de terra, não é mesmo, meu filho? BETTO sorri afirmativo para PADRE MARTIM, que sorri de volta para ele. Em silêncio, terminam de colher e encher os cestos. PADRE MARTIM pega um cesto, BETTO o outro, vão em direção ao carro do PADRE MARTIM, é uma Rural velha. Colocam os cestos atrás. PADRE MARTIM Quer passear um pouco? BETTO Claro! PADRE SEM FRONTEIRAS EXT. ESTRADA DE TERRA – DIA BETTO olha para PADRE MARTIM, que dirige com prazer. PADRE MARTIM Você vai gostar de conhecer a dona Mercedes. Ela aproveita muito bem as verduras, faz um belo caldo, alimenta muita gente. BETTO Que bom! BETTO fica pensativo. BETTO Padre Martim, o senhor atravessa muito a fronteira? PADRE MARTIM (OLHANDO PARA BETTO) Para mim não existem fronteiras! Uruguai, Argentina, Brasil, é tudo a mesma terra. BETTO sorri para ele e, em seguida, olha a paisagem. CHEGADA NA LUA INT. SALA DE ESTAR DO CONVENTO – NOITE Entre outros FRADES, FERNANDO, IVO e TITO acompanham na TV a transmissão da chegada do astronauta na Lua. FERNANDO A ciência está transformando a história humana depressa demais. IVO Acho bacana. Mas com tanta pobreza aqui na Terra, bilhões de dólares para passear na Lua... FERNANDO Acho que está errado. TITO toca violão e canta Lunik 9. TITO A mim me resta disso tudo uma tristeza só / Talvez não tenha mais luar / Pra clarear minha canção / O que será do verso sem luar? / O que será do mar / Da flor, do violão? VISITA NA PORTARIA EXT. MARGENS DO LAGO – DIA Sentado em um banco nas margens do pequeno lago, à sombra das árvores, BETTO lê. SEMINARISTA aproxima-se de BETTO rapidamente. SEMINARISTA Sabia que tu estavas por aqui. Tem uma visita para ti na portaria. BETTO se levanta e entrega o livro de Santa Teresa de ávila para ele. BETTO Leia um pouco de Teresa, ela nos ensina que Deus está bem aqui... (apertando o peito na altura do coração)... Dentro de nós! MENSAGEM PARA FIDEL EXT. CHURRASCARIA – DIA BETTO, com roupas normais, ao lado de DIRETOR DO JORNAL. Eles comem churrasco e tomam vinho. DIRETOR DO JORNAL (BAIXO) Costurei a mensagem do Marighella dentro da gravata! Logo eu, que não vou a nenhuma reunião, fui escolhido para conhecer el comandante Fidel Castro! BETTO faz um brinde. BETTO Bueno, entonces à inauguração da passagem pelo Sul! DIRETOR DO JORNAL olha sério para BETTO. DIRETOR DO JORNAL As coisas não vão nada bem. Tem muita gente sendo presa e torturada. Até pessoas que não têm nada a ver com nada... Estamos todos com muito medo. BETTO SE DESPEDE DO DIRETOR DO JORNAL EXT. FRENTE DO CRISTO REI – ENTARDECER PADRE MARTIM está no volante da Rural, BETTO abraça DIRETOR DE JORNAL, que entra no carro. O carro se afasta e BETTO acena para eles. BETTO LEVA VERDURAS EXT. FUNDOS DO CRISTO REI – DIA Com sacolas de verduras nas mãos, BETTO e SEMINARISTA entram na parte de trás do seminário. NOTÍCIA DO SEQÜESTRO INT. COZINHA DO CRISTO REI – DIA COZINHEIRA prepara o almoço no fogão de lenha. Ao lado do SEMINARISTA, BETTO lava verduras, quando ouve a notícia do seqüestro no rádio. LOCUTOR E atenção para uma notícia de última hora. Foi seqüestrado no Rio o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Sr. Charles Burke Elbrick. Os seqüestradores exigem a leitura em todas as rádios de um manifesto e a libertação de quinze presos políticos que deverão ser mandados para o exterior. BETTO com os olhos grudados no rádio se assusta quando SEMINARISTA fala. SEMINARISTA Essa foi a melhor coisa que os terroristas já fizeram, hein?! BETTO olha para ele, feliz, mas preocupado. QUINZE É POUCO INT. CLAUSTRO – DIA FERNANDO e IVO estão de macacão e botas. TITO com o rádio na mão. IVO varre, enquanto FERNANDO molha o pano no balde, coloca sob o rodo e passa no chão varrido. TITO Quinze é muito pouco! Eles deveriam ter mandado soltar logo uns trinta de uma vez, trinta não, todos! FERNANDO Quinze já vai ser uma bela troca, Tito. Uma vitória e tanto! IVO Oswaldo é que vai gostar dessa notícia! TITO Saudades do Oswaldo. Do Betto também... FERNANDO RECEBE TELEFONEMA INT. LIVRARIA – DIA SEBASTIANA coloca o livro sobre o papel de embrulho para CLIENTE quando o telefone toca. FERNANDO, que estava organizando livros na estante, vai até o balcão e atende. FERNANDO repara no jornal de CLIENTE com a manchete: POLICIA CAÇA BANDO DE MARIGHELLA. FERNANDO (CONT.) Editora e Livraria Duas Cidades, boa-tarde. Fernando. Sim... FERNANDO, preocupado, olha para SEBASTIANA e CLIENTE, desliga o telefone. MARIGHELLA VAI SUMIR EXT. ALAMEDA CASA BRANCA – NOITE Dentrodofusca,IVOnadireção,MARIGHELLA,tenso, com peruca, ao seu lado e FERNANDO atrás. MARIGHELLA Depois do seqüestro, muitos companheiros caíram. O Toledo deve sair pelo Sul o mais rápido possível. E eu vou sumir por um tempo. É hora de curar as feridas... MARIGHELLA sai do carro e desaparece na noite. CHEGADA DE TOLEDO EXT. CRISTO REI – AMANHECER BETTO abre a porta do fusca e dá a mão para IVO sair. Eles se abraçam forte. BETTO Que bons ventos! TOLEDO, de clergyman cinza-escuro, colarinho eclesiástico, pequena cruz na lapela, sai do carro sorrindo para BETTO. IVO alonga os braços e pernas, estica-se todo. IVO A noite toda, mil e duzentos quilômetros, só duas paradas! BETTO Vamos tomar café da manhã, aí você descansa, precisa dormir antes de voltar... e Tito, Fernando? Estão bem? TOLEDO PREOCUPADO EXT. JARDIM DO CRISTO REI – ENTARDECER BETTO e TOLEDO dividem um chimarrão, enquanto caminham no jardim do seminário. TOLEDO está sem o colarinho e sem a cruz. Os dois se sentam em um dos bancos do jardim. TOLEDO se delicia com o chimarrão. TOLEDO Humm, como é bom esse troço, hein? Quente de queimar a língua... BETTO Esse mate daqui é especial. TOLEDO (BAIXO) O motorista do Menezes caiu também. Como ele sabe do apoio de vocês, estamos preocupados. BETTO olha para TOLEDO, pára de beber, permanecem em silêncio. RUÍDO NO TELEFONE INT. CONVENTO – DIA FERNANDO e TITO observam IVO, ao telefone. Ele escuta antes de falar. IVO Vamos chegar no Rio sábado de tarde. (pausa) Então tá combinado, domingo de manhã na sua casa. Até lá. Antes de desligar, o telefone faz um barulho esquisito e IVO se surpreende. TITO Que que foi? IVO Um barulho estranho, no telefone. TITO e FERNANDO olham para IVO, todos intrigados. RIO DE JANEIRO EXT. / INT. ôNIBUS – DIA Vista do Rio passa através da janela do ônibus. FERNANDO em pé no ônibus, junto a IVO sentado, observa a paisagem do Rio pela janela. FERNANDO Que beleza! IVO sorri e suspira fundo. PRISÃO NO RIO EXT. RUAS DO RIO – DIA ônibus pára junto à calçada e IVO e FERNANDO descem. Os dois passam por PEDESTRE enquanto caminham pela calçada. De repente, são seguros por trás e empurrados para dentro de uma perua por POLICIAIS. IVO O que que é isso?! PUDIM Isso você vai ver daqui a pouco... PEDESTRE, que viu tudo, pergunta a um dos POLICIAIS. PEDESTRE Ei, o que houve? PUDIM Não é da sua conta! PUDIM mostra arma para PEDESTRE que se assusta. A CAMINHO DO INFERNO EXT. / INT. VIATURA / TÚNEL – DIA A viatura entra num túnel. Sentados atrás entre POLICIAIS, IVO e FERNANDO, atônitos. FERNANDO Pra onde vocês estão nos levando? PUDIM, sentado na frente, vira-se para eles. PUDIM Pra conhecer o Papa! O carro avança dentro do túnel. ENCONTRO COM FLEURY INT. CORREDOR DO CENIMAR – DIA POLICIAIS conduzem IVO e FERNANDO por um lon-gocorredor.Aofinal,dãodecaracomFLEURY,mãos nos bolsos do terno branco, sorriso vencedor. FLEURY (APONTANDO FERNANDO) Esse aqui vai para a sala dos arquivos. O outro para a sala das mesas. FERNANDO NO PAU-DE-ARARA INT. SALA DOS ARQUIVOS – DIA Em pânico, FERNANDO se vê rodeado por quatro TORTURADORES comandados por PUDIM. Sobre os arquivos há traves de madeira, cordas e pequenas caixas enlaçadas de fios. FLEURY entra na sala. FLEURY Sabemos que vocês apóiam o terrorismo do Marighella. FERNANDO, mudo, nega com a cabeça. PUDIM Tem coragem de dizer ao Papa que não ia se encontrar com ele aqui no Rio? FERNANDO Só conheço de jornal... FLEURY Tira a roupa! FERNANDO, petrificado pelo terror, não consegue se mover. FLEURY esbofeteia FERNANDO no rosto. FLEURY Tira a roupa, seu terrorista filho da puta! FERNANDO fica de cueca. Os TORTURADORES o derrubam no chão e enfiam uma das traves de madeira sob seus joelhos, curvam-no passando suas mãos por baixo da trave, amarram-nas com cordas à frente das pernas e o dependuram sobre os arquivos. TORTURADOR bate em FERNANDO com cano. FLEURY Na cara não. FLEURY grita no ouvido de FERNANDO. FLEURY Onde está o Marighella? FERNANDO olha para FLEURY e não responde. IVO NO PAU-DE-ARARA INT. OUTRA SALA – DIA Quatro TORTURADORES abrem a roda para RAUL CARECA se aproximar de IVO, que também está pendurado no pau-de-arara. RAUL CARECA Claro que você sabe o meu nome, somos velhos conhecidos, não é mesmo? IVO não responde, amedrontado. RAUL CARECA Também pertence à ALN? IVO Não! RAUL CARECA Cadê o Marighella? IVO Não conheço. Só de foto no jornal. TORTURA DE FERNANDO INT. SALA DOS ARQUIVOS – DIA FERNANDO, todo machucado, está quase desmaiando quando PUDIM joga um balde de água nele. TORTURADOR coloca pinças no corpo dele. A corrente elétrica o faz tremer inteiro e não o deixa apagar completamente. FLEURY grita com ele, a voz parece vir de um lugar distante, de repente, e depois sumir em um profundo silêncio. FLEURY Onde está o Marighella?... Como marcam os encontros? As perguntas se repetem em eco, a voz de FLEURY fica distorcida. FERNANDO vê pedaços dos TORTURADORES, vê FLEURY escurecendo. TORTURADORES espancam FERNANDO, dão um telefone em seus ouvidos. PUDIM (BERRANDO) Quem pôs vocês em contato com Marighella?... Onde é o encontro? FLEURY NO CORREDOR INT. CORREDOR CENIMAR – DIA FLEURY sai de uma das salas e caminha pelo corredor. TORTURA DE IVO INT. OUTRA SALA – NOITE IVO, concentrado, leva choques, tem espasmos, mas não emite nenhum som. FLEURY entra na sala e fica ao lado de RAUL CARECA, que berra. RAUL CARECA Vocês são base-fixa dele! Onde é que ele se esconde? Como vocês fazem para se encontrar? IVO fecha os olhos, faz força e ouve a voz de TITO. TITO (OFF) E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome. Feliz, indiferente à dor. Indiferente. FERNANDO DESMAIA INT. SALA DOS ARQUIVOS – NOITE FLEURY observa os TORTURADORES, que seguem espancando FERNANDO, já bem machucado. FLEURY (GRITA) Como marcam o encontro? FLEURY faz um gesto e os TORTURADORES colocam pinças nas orelhas de FERNANDO, que grita muito e desmaia. FLEURY (PARA TORTURADOR) Vai chamar o doutor. TORTURADOR sai. PUDIM joga água em FERNANDO, que não se mexe. FLEURY e PUDIM observam MÉDICO examinando FERNANDO. MÉDICO E como anda o tempo em São Paulo? FLEURY Como sempre. Nublado sujeito a garoas, chuvas e trovoadas. MÉDICO Nesse feriado eu vou para Ilhabela, conhece? Um colega da Marinha tem um barco lá, me chamou pra navegar. FLEURY sorri para ele. FLEURY É o meu sonho: um barco na Ilhabela! IVO PENSA QUE FERNANDO MORREU INT. OUTRA SALA – NOITE TORTURADOR, que saiu para buscar MÉDICO, entra na sala. TORTURADOR (PARA RAUL CARECA) O outro não agüentou, já pifou. RAUL CARECA (SARCáSTICO PARA IVO) Melhor você abrir o bico logo! IVO ouve e fica chocado, acha que FERNANDO morreu. FERNANDO FALA DO TELEFONEMA INT. SALA DOS ARQUIVOS – NOITE MÉDICO acaba de aplicar injeção e observa FERNANDO, que acorda. MÉDICO (PARA FLEURY) Tudo okay. Se precisar de mim é só chamar. MÉDICO sai da sala. A tortura recomeça. PUDIM Fala de uma vez! (grita) Como vocês mar-cam o encontro? FERNANDO não agüenta a corrente elétrica. FERNANDO (BAIXO) Pelo telefone. FLEURY sorri, faz sinal para que os TORTURADORES continuem dando porrada sem parar, os choques se intensificam ainda mais. FLEURY (BERRA) Que telefone? FERNANDO não responde, PUDIM insiste e chuta FERNANDO no saco várias vezes. PUDIM Que telefone, porra? FERNANDO (FRACASSADO) Da Livraria... PUDIM (SATISFEITO) E se identifica como? FERNANDO Não me lembro. FLEURY (PARA TORTURADORES) Aumentem a dose. Até ele se lembrar. IVO FALA DA SENHA INT. OUTRA SALA – NOITE IVO, muito machucado e cheio de hematomas, grita desesperadamente de dor, toma choques em vários lugares, seu corpo se agita sem parar em torno da trave de madeira. FLEURY observa, ao lado de RAUL CARECA. RAUL CARECA (GRITA) Como ele se identifica? FLEURY Tira ele do pau-de-arara. FLEURY faz um gesto para que os POLICIAIS o tirem dali, vai até a mesa e serve um café. FLEURY toma café e observa como RAUL CARECA e os POLICIAIS fazem uma roda em volta de IVO e o espancam com chutes e socos nas costas, barriga, cabeça e órgãos genitais. RAUL CARECA bate com cano de borracha em IVO, que urra enquanto tenta respirar entre os golpes que leva. IVO Uma senha. A pancadaria geral aumenta ainda mais. FLEURY Que senha? IVO não responde. FLEURY Olha aqui, é a coisa mais fácil: a gente te mata, corta os teus dedos para ninguém descobrir as impressões digitais, e te en-terra num lugar qualquer. Ninguém vai sentir tua falta, nem seus colegas... (berra) Qual é a senha? IVO não responde e leva um chute nas costas, de FLEURY, que o faz levantar e tombar. IVO (BAIXO) Ele diz que é Ernesto, que vai na gráfica... FERNANDO FALA DO PONTO INT. SALA DOS ARQUIVOS – NOITE Ainda no pau-de-arara, FERNANDO tem o corpo crivado de agulhas elétricas, tenta erguer-se no ar para fugir dos choques e estremece. PUDIM (BERRA) Onde é a gráfica que o Ernesto encontra vocês? FERNANDO não fala. FLEURY faz sinal para TORTURADOR, que aperta fortemente o fio em seus orgãos genitais. FERNANDO grita de dor. FLEURY Onde fica a gráfica? FERNANDO (BAIXO) É na Alameda Casa Branca... Na altura do número 800. FLEURY, contente, enfia as mãos nos bolsos do paletó. FLEURY PRENDE TITO INT. CONVENTO – NOITE FRADE entra correndo no hall do convento, assustado com campainha e batidas na porta. FRADE Calma, calma, já vou abrir. FRADE abre a porta e vê POLICIAIS, FLEURY à frente. FLEURY Polícia. FRADE O que os senhores desejam? FLEURY empurra FRADE e entram no convento. POLICIAIS sobem escadas e chegam no hall dos corredores. FRADE bate à porta de FREI DIOGO, que abre e dá de cara com POLICIAL empunhando metralhadora. FREI DIOGO O que significa isso!? FRADE Vieram buscar Tito, frei Diogo. FREI DIOGO (PARA POLICIAL) Tenha calma, senhor. PUDIM, RAUL CARECA e POLICIAIS abrem os quartos à procura de TITO. FRADES, assustados, ficam nas portas das celas. PUDIM Onde está aquele nordestino terrorista de merda?! FREI DIOGO vê TITO saindo de sua cela, cercado por RAUL CARECA e POLICIAIS armados. TITO Meu rosário... Por favor! FRADE entra na cela de TITO, que está sendo algemado. FREI DIOGO O que está acontecendo? FLEURY Ele vai comigo. Está preso. E o convento fica ocupado. FREI DIOGO Mas... Por quanto tempo? FLEURY Até prendermos o Marighella. No máximo dois dias. FRADE volta com o rosário e a Bíblia de TITO. TITO Obrigado, irmão. FRADE Vai com Deus. FREI DIOGO e outros FRADES seguem policiais que conduzem TITO até escadaria. POLICIAL com metralhadora impede que eles desçam. POLICIAIS descem escadaria do convento levando TITO. FLEURY AMEAÇA TITO EXT. / INT. VIATURA POLICIAL – NOITE TITO entra na viatura e senta-se ao lado de POLICIAL. PUDIM entra e senta-se do outro lado de TITO. FLEURY senta-se no banco da frente e vira-se pra trás. FLEURY Você não confessava na igreja? Agora vai confessar pra mim! FLEURY bate a porta e viaturas policiais arrancam. Fusca azul dos dominicanos segue por último. BETTO FOGE EXT. HORTA DO CRISTO REI – DIA BETTO está agachado, cuidando da horta, quando SEMINARISTA se aproxima correndo, aflito e sem fôlego. SEMINARISTA A polícia! Na portaria, atrás de ti! BETTO se levanta, assustado. BETTO Avise o padre Martim! SEMINARISTA Ainda não voltou. Tem um primo meu... Me liga mais tarde. SEMINARISTA tira dinheiro do bolso e entrega a BETTO. SEMINARISTA Toma, corre. BETTO Obrigado, irmão. BETTO sai correndo pelo mato. POLÍCIA CHEGA NA GALERIA EXT. / INT. GALERIA – DIA A viatura policial estaciona na porta da galeria. Outros veículos estacionam atrás da viatura. FERNANDO desce da viatura e entra na galeria acompanhado de PUDIM, RAUL CARECA e vários AGENTES DO DOPS. ESPERANDO TELEFONEMA INT. LIVRARIA – DIA SEBASTIANA, aterrorizada, fica acuada em um canto. AGENTE DO DOPS coloca FERNANDO sentado à mesa, na frente do telefone. RAUL CARECA e vários AGENTES rodeiam a mesa. FERNANDO olha para AGENTES que o cercam. Vê o revólver do AGENTE DO DOPS que lhe sorri, sarcástico. FERNANDO tenta rezar, mas não con-segue. Olha para o telefone, que toca. RAUL CARECA Atende de uma vez! FERNANDO Alô?... A linha cai. FERNANDO olha para RAUL CARECA que sorri para PUDIM, em um canto, ao lado de uma extensão telefônica. RAUL CARECA E então, quem era? FERNANDO Ninguém, caiu. RAUL CARECA (IRôNICO) Sei... FERNANDO Preciso fumar. RAUL CARECA faz sinal para POLICIAL acender um cigarro e passar para FERNANDO. FERNANDO dá uma longa tragada e olha para o prendedor de papéis pontudo sobre a mesa. RAUL CARECA percebe o olhar de FERNANDO e tira o prendedor de papéis da mesa. RAUL CARECA Se tentar alguma besteira vai se dar mal! PUDIM, ainda ao lado da extensão telefônica, olha o relógio. MILITANTE AO TELEFONE EXT. TELEFONE PÚBLICO – DIA MILITANTE desce do carro, tira o maço de cigarros do bolso, lê o número e disca o telefone. MILITANTE Alô. Frei Fernando? Está tudo bem? FERNANDO CONFIRMA ENCONTRO INT. LIVRARIA – DIA PUDIM ouve na extensão, enquanto FERNANDO demora a responder, rodeado pelos curiosos AGENTES. FERNANDO Tudo bem... MILITANTE FALA SENHA EXT. TELEFONE PÚBLICO – DIA MILITANTE continua falando ao telefone, enquanto rasga o número do maço de cigarros e pica o papel. MILITANTE O Ernesto vai à gráfica hoje. FUTEBOL NA TV INT. BOTECO À BEIRA DA ESTRADA – NOITE BETTO entra no boteco, há muitas mesas ocupadas. Todos estão atentos à TV. BETTO se aproxima do balcão, olha para o telefone e pergunta ao dono do boteco. BETTO Posso usar o telefone? Ele faz que sim com um gesto e BETTO se senta na frente do telefone, disca o número. LOCUTOR ... E dentro de alguns segundos a bola vai rolar no Pacaembu. Santos e Corinthians já estão em campo e é muito grande a expectativa entre os torcedores de todo o Brasil. É hoje, minha gente, que o rei Pelé poderá fazer o seu milésimo gol! Está tudo preparado para o grande jogo e esta pode ser uma noite histórica, uma noite inesquecível! MORTE DE MARIGHELLA EXT. ALAMEDA CASA BRANCA – NOITE Na Alameda Casa Branca há alguns carros estacionados. Dentro do fusca azul estacionado, FERNANDO e IVO estão algemados. MILITANTE sobe a rua passando ao lado do fusca, vê IVO e FERNANDO sentados na frente do carro. MILITANTE olha o carro do outro lado da rua, o casal de namorados está abraçado. São a investigadora e FLEURY, fingindo que namoram. MILITANTE caminha até a esquina de cima, vê uma caminhonete vazia estacionada. Alguns segundos depois, MARIGHELLA, reconhecível apesar da peruca, sobe a rua pelo lado oposto ao do fusca. IVO vê MARIGHELLA e quando ele vai na direção do fusca, FLEURY desce do carro e dá um grito de comando. Descem vários POLICIAIS armados da caminhonete, RAUL CARECA, PUDIM, delegado e mais POLICIAIS surgem das esquinas de baixo e de cima. O tiroteio intermitente começa. FERNANDO e IVO são retirados e deitados na calçada bruscamente. INVESTIGADORA é baleada na testa. MARIGHELLA é baleado. DELEGADO é baleado na coxa. MARIGHELLA é baleado de novo e cai. MARIGHELLA está caído no meio da rua, FLEURY se aproxima e aponta a arma para ele. MARIGHELLA levanta a mão na frente da sua cara, para se defender do revólver, FLEURY atira, arrancando fora o dedo de MARIGHELLA, que morre. IVO e FERNANDO são jogados dentro da viatura. Pelo vidro traseiro, eles conseguem ver alguns POLICIAIS arrastando o corpo de MARIGHELLA para dentro do fusca azul. GENERAL CUMPRIMENTA FLEURY INT. SALA DO FLEURY – NOITE FLEURY, com a camisa ensanguentada, fala ao telefone enquanto olha para FERNANDO e IVO, prostrados em um canto da sala, algemados. FLEURY A operação foi um tremendo sucesso!... Obrigado, general... FLEURY olha para FERNANDO e IVO. FLEURY (CÍNICO) Os dois estão aqui comigo, rezando o Pai-Nosso. PUDIM bate na porta e entra. PUDIM Papa! Todos te esperam pro brinde! BETTO OUVE NOTÍCIA INT. BOTECO À BEIRA DE ESTRADA – NOITE O dono do boteco tira o prato de jantar da frente de BETTO e coloca o café e o açúcar, quando a televisão interrompe os comentários sobre o clássico entre Santos e Corinthians, no Pacaembu. LOCUTOR E atenção senhoras e senhores: foi morto num confronto com a polícia em São Paulo o líder terrorista Carlos Marighella. BETTO, chocado, olha em volta e percebe que ninguém presta atenção na notícia. TORCEDOR Bah, que golaço do Rivelino! Acho que hoje não sai o milésimo do rei. OUTRO TORCEDOR Nem a pau. RAPAZ entra no boteco, olha ao redor e vê BETTO no balcão, perto do telefone. RAPAZ se aproxima de BETTO. RAPAZ Tu és o Betto? Sou primo do teu colega. Vamos embora, que dá pra ver o segundo tempo em casa. FLEURY COMEMORA INT. CELA 5 – NOITE PUDIM chega bebendo champanhe no gargalo ao lado de RAUL CARECA. PUDIM passa a garrafa para RAUL CARECA, que bebe. PUDIM (CANTANDO) Olê, olá, o Marighella se fodeu foi no jantar! Olê, olá, o Marighella se fodeu foi no jantar! TITO chega junto da grade. FLEURY entra na carceragem, a Bíblia de TITO na mão. IVO e FERNANDO atrás dele, arrasados. FLEURY Nós matamos o chefe de vocês! Cortamos a cabeça da cobra! Foi muito fácil! Os dominicanos entregaram tudo, de mão beijada! FLEURY tira de dentro da Bíblia uma fotografia de Marighella morto dentro do fusca e mostra para TITO e outros presos. FLEURY Quer rezar pelo professor Menezes? Ele deve estar precisando. FLEURY entrega a Bíblia para TITO. A porta da cela é aberta, IVO e FERNANDO são jogados para dentro. FERNANDO encosta-se na parede, muito triste e desanimado, escorrega e senta-se. COMPANHEIRO o abraça e abre espaço para ele. COMPANHEIRO Deita aí. TITO se aproxima de IVO, olha para seu rosto ainda bem machucado e o abraça, nenhum dos dois diz nada. FERNANDO (PARA COMPANHEIRO) Tem um cigarro? COMPANHEIRO entrega um cigarro e um fósforo para FERNANDO, que acende. IVO se aproxima de FERNANDO. TITO ouve em silêncio a conversa deles. IVO Não consigo entender. Ele disse que ia viajar. FERNANDO Como eles sabiam que o Marighella ia nos procurar? Nem nós sabíamos... IVO Alguém muito próximo abriu, só pode ser. TITO suspira fundo, pega seu rosário no bolso e vai para um canto da cela rezar. BETTO CHEGA AO SÍTIO EXT. / INT. SÍTIO – NOITE A Variant do RAPAZ entra pela porteira do sítio. BETTO entra na casa ao lado de RAPAZ. MARINHEIRO CONTA HISTÓRIA INT. CELA 5 / CORREDOR – DIA Os PRISIONEIROS em roda ouvem MARINHEIRO contar um trecho de sua história. MARINHEIRO Entrei pro Partidão quando eu era fuzileiro naval... Na Marinha eu tenho amigos, não seria torturado como aqui. ADÃO abre a cela. ADÃO Jeová, subir! O silêncio é total, os companheiros a olhar JEOVá levantar-se do chão e ir em direção a ADÃO. FERNANDO Pai-Nosso que estais no céu... FERNANDO, IVO E TITO Santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu... Enquanto se afasta da cela, JEOVá olha agradecido, através das grades, para FERNANDO, IVO e TITO, que continuam a rezar o Pai-Nosso. RAPAZ CHEGA NO SÍTIO INT. / EXT. COZINHA DO SÍTIO – DIA Da porta da cozinha, BETTO vê quando a Variant do RAPAZ estaciona. RAPAZ desce com pães e vários jornais. BETTO e RAPAZ sentados em volta da mesa repleta de jornais. Nas primeiras páginas as fotos de BETTO e do Convento de Perdizes com as manchetes: O Homem da Fronteira, Padres do terror tinham formado célula comunista, Aqui se escondiam os terroristas. No canto, o box O Beijo de Judas. BETTO lê um trecho. BETTO Estão dizendo que eu sou o chefe da ALN no Sul, que fui o responsável pela fuga do Lamarca, pelos contatos entre os militantes brasileiros, os uruguaios e os argentinos... BETTO percebe que RAPAZ está atônito, chocado. BETTO É tudo mentira! DISCUSSÃO NA CELA INT. CELA 5 – DIA FERNANDO fuma no canto da cela, IVO ao lado dele encara PRESO, enquanto TITO, sentado no chão, enterra a cara nas mãos. PRESO 1 Quem entra numa guerra tem de estar preparado pra tudo! Vocês pensaram o quê? (alto) O que é que vocês achavam que fosse? PRESO 2 Calma lá, cada um tem seu limite! E não dá pra saber qual é antes de se chegar nele. PRESO 1 Passarinho que come pedra sabe o cu que tem! FERNANDO Eu sei que não sou santo, que também não fui mártir e muito menos herói. Não agüentei mesmo. Mas não fui o primeiro a falar! IVO Como é que eles sabiam que o Marighella ia fazer contato? O Fleury sabia o dia e a hora. Nós, não. Ele tinha dito que ia sumir por um tempo... Eles ficam em silêncio. JEOVá VOLTA ENSANGÜENTADO INT. CELA 5/CORREDOR – ENTARDECER A comida nos pratos fede e tem gosto de salitre. TITO Humm, que delícia... TITO come e dá risada. IVO se anima um pouco, consegue rir dele. FERNANDO, bastante amuado, não acha graça nenhuma e mal consegue comer. JEOVá, todo ensangüentado, passa carregado e olha para TITO, FERNANDO e IVO, que vêem quando ele é depositado em uma solitária no final do corredor. RAPAZ PREOCUPADO INT. SÍTIO – ENTARDECER BETTO toma café com bolacha na cozinha quando o RAPAZ entra. RAPAZ Tô preocupado de ficares aqui, já fiz umas reuniões com estudantes, pode ser perigoso. Vou te levar pra um lugar mais seguro. Pela janela da cozinha vê-se que começa a chover. BETTO E A CHUVA EXT. BOTECO À BEIRA DE ESTRADA – NOITE Chove torrencialmente quando o RAPAZ pára a Variant. RAPAZ Vou telefonar... BETTO estranha, RAPAZ percebe. RAPAZ Avisar que estamos chegando... RAPAZ desce e entra no bar. BETTO, sozinho no carro, vê o RAPAZ telefonando no balcão. BETTO pensa em fugir, olha para os lados, para a frente e para trás, observa a chuva torrencial e não tem coragem de sair debaixo dela. RAPAZ TENSO EXT. ESTRADA – NOITE A Variant segue na estrada, debaixo de chuva. BETTO percebe o nervosismo do RAPAZ. BETTO vê luzes à frente na estrada, depois de alguns segundos percebe que são as luzes de um posto da polícia rodoviária. BETTO olha para RAPAZ, que olha fixamente para a frente, enquanto dirige. BETTO É PRESO EXT. POSTO RODOVIáRIO – NOITE RAPAZ pára junto ao posto policial e rapidamente desce do carro com as mãos para cima. Surgem vários POLICIAIS que cercam o carro. INVESTIGADOR abre a porta para BETTO sair. INVESTIGADOR Frei Betto, tu estás preso. BETTO olha para RAPAZ, que abaixa a cabeça. CÉU E INFERNO INT. CELA 5 – DIA TITO, encostado à grade, observa ADÃO, que abre a cela e joga PRESO 3, arrebentado, para dentro. ADÃO (PARA TITO) Frei Tito, aqui é ao contrário, embaixo fica o céu, lá em cima, o inferno. TITO não consegue dizer nada para ADÃO. FERNANDO ajuda PRESO 3 a se deitar, limpa seus machucados, acende um cigarro e passa para ele. TITO olha para a janela no fundo da cela, vê um pedaço do céu através dela. TITO (OFF) (V.O.) Vozes do silêncio, vozes das dores, voz de um sofrimento mesclado com tua maneira de ser diante de mim. Qual é a palavra do teu silêncio? CARDEAL COM FLEURY INT. SALA DO FLEURY – DIA Observados por FLEURY, TITO, IVO e FERNANDO encontram o CARDEAL, que os trata friamente. CARDEAL Quero saber se tudo o que dizem a respeito de vocês é mesmo verdade. Os DOMINICANOS não respondem e o cardeal insiste. CARDEAL (CONT.) Podem falar, não vai acontecer nada com vocês. FERNANDO Como o senhor pode garantir isso? Fomos muito torturados e somos ameaçados constantemente, cardeal. CARDEAL Mas os senhores não foram presos celebrando a missa, não é verdade? FLEURY sorri ironicamente. BETTO REENCONTRA FRADES INT. CELA 5 – DIA TITO, encostado à grade, vê quando BETTO vem pelo corredor, trazido por ADÃO, para ocupar uma das solitárias do fundo. TITO (PARA IVO E FERNANDO) Adivinhem quem chegou?! IVO e FERNANDO se aproximam. ADÃO deixa que eles apertem as mãos através das grades. IVO, FERNANDO, TITO e BETTO olham-se nos olhos, solidários e indignados, mudos. Pelas grades das outras celas, BETTO vê alguns PRESOS deitados, marcados pela tortura. Outros se exercitam, preparando o corpo para mais tortura. BETTO vê PRESA 1, PRESA 2 e JANA na solitária em frente ao corredor. BETTO e JANA sorriem levemente um para o outro. TIO GENERAL INT. SALA DO FLEURY – DIA Em pé, ao lado de PUDIM, BETTO olha para as fotografias que estão sobre a mesa: ele e os outros dominicanos na porta do convento, com os líderes estudantis, com João Antonio e Jana. Sentado atrás da mesa está FLEURY. FLEURY Eu sei que você é o responsável pelas ações armadas lá do Sul neste ano. Quero saber os nomes de todos os outros terroristas. BETTO Só ajudei na saída de perseguidos políticos pela fronteira. FLEURY Inclusive a do Câmera Ferreira, não é mesmo? Para onde você levou ele? BETTO não responde. FLEURY Onde ele está agora? BETTO não diz nada. FLEURY olha para ele longamente, em seguida olha o relógio. FLEURY Estou esperando há exatos três minutos. PUDIM empurra BETTO. PUDIM Desembucha de uma vez! BETTO não fala nada. FLEURY Eu sei que foi você quem tirou o Câmera Ferreira do Brasil... PUDIM O Toledo, Velho ou sei lá que outros nome ele tem. BETTO continua quieto. PUDIM (CONT.) Se você não abrir o bico, nós vamos acabar com a reputação dos padres de uma vez por todas. BETTO Nas últimas páginas do Evangelho há um discípulo que traiu e enforcou-se, outro que negou e ficou complexado, um terceiro que só acreditava vendo... A nossa fraqueza começou cedo. PUDIM se irrita muito e parte para cima de BETTO, mas pára antes de dar a porrada. PUDIM (PARA FLEURY) Porra de tio general! FLEURY faz um gesto para POLICIAL que está na porta, ele sai com BETTO. HISTÓRIA DE JEOVá INT. SOLITáRIA – DIA Pelas grades BETTO consegue ver JEOVá na outra solitária, braços e pernas engessados, o dorso nu. JEOVá sorri para ele. JEOVá Quatorze horas seguidas de pau-de arara e não lembrei de nada, de ninguém. Então eles ligaram a máquina de choque num aparelho de TV. Aí eu falei: muda de canal que esse tá fraco... BETTO ouve impressionado. PRESA RECLAMA DE PUDIM INT. CORREDOR/SOLITáRIAS – DIA TITO, encostado à grade, vê quando PRESA 2 passa carregada. BETTO, PRESA 1, JANA e JEOVá assistem chocados quando PRESA 2 é colocada na solitária, as solas dos pés em carne viva, o sangue pingando no chão. PRESA 1 se aproxima de PRESA 2, abraça-a, mas ela se afasta. JANA traz água para ela beber e, em seguida, lava seus pés. PRESA 2 O Pudim fez eu ficar nua no pau de-arara de novo, mas não foi só isso... Preciso me lavar... JANA e PRESA 1 ajudam PRESA 2, que começa a chorar com raiva, a ir se lavar. TITO, com os olhos marejados, vai se sentar no canto da cela com o rosário entre as mãos, olha para ele, mas não reza. MISSA NA CATACUMBA INT. CORREDOR/CELAS DO DOPS – DIA De dentro das celas e em silêncio, os COMPANHEIROS PRESOS observam a movimentação. Encostados às grades, BETTO, IVO e FERNANDO esperam, pacientes. TITO está ansioso. ADÃO se aproxima com uma pequena mesa, uma caneca de alumínio e uma tampa de caixa de pizza cheia de biscoitos Maria. FERNANDO Deus te abençoe, Adão. ADÃO Amém, padre. Outro CARCEREIRO libera TITO, IVO, FERNANDO e BETTO. JEOVá, sentado em uma cadeira ainda engessado, está encostado na grade de sua solitária. Os PRESOS e PRESAS se espremem nas grades de suas celas para participar. Os CARCEREIROS se dividem entre as duas pontas do corredor, de onde a TROPA DE CHOQUE da PM aponta as metralhadoras para os RELIGIOSOS. FERNANDO Companheiros e companheiras, vamos iniciar a nossa celebração, cantando. Santo Agostinho dizia, com muita razão, que cantar é próprio de quem ama... FERNANDO faz um sinal para TITO, que inicia o canto do Salmo 67. Alguns COMPANHEIROS PRESOS assistem encantados. Outros ficam indiferentes. Só MARINHEIRO parece desaprovar. TITO Deus tenha misericórdia de nós e nos abençoe; e faça resplandecer o Seu rosto sobre nós. IVO E FERNANDO ParaqueseconheçanaTerraoteucaminho, e entre todas as nações a tua salvação. TITO E BETTO Louvem-te a ti, ó Deus, os povos; louvemte os povos todos. IVO E FERNANDO Alegrem-se e regozijem-se as nações, pois julgarás os povos com eqüidade e governarás as nações sobre a Terra. TITO E BETTO Louvem-te a ti, ó Deus, os povos; louvemte os povos todos. FERNANDO faz o sinal-da-cruz seguido pelos DOMINICANOS e alguns PRESOS. FERNANDO Nós vos acolhemos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. QUASE TODOS Amém. FERNANDO volta-se para os COMPANHEIROS PRESOS e abre os braços. FERNANDO Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo. QUASE TODOS Amém. FERNANDO passa a bíblia para TITO. Os CARCEREIROS e os POLICIAIS armados olham espantados e curiosos para TITO, que lê pausadamente um trecho do capítulo 11 de Isaías. TITO Julgará os fracos com eqüidade, fará justiça aos pobres da Terra, ferirá o homem impetuoso com uma ordem de Sua boca, e com o sopro dos Seus lábios fará morrer o ímpio. TITO fecha a bíblia. BETTO olha no fundo dos olhos de cada PRESO enquanto faz seu comentário. BETTO Não há conciliação possível entre opressores e oprimidos. Do lado de dentro destas grades encontram-se comunistas e cristãos. Os PRESOS, sérios e atentos, encaram BETTO de volta. PRESA 2, sentada, encostada na grade da solitária, as solas dos pés em carne viva e o sangue no chão, geme de dor. PRESA 1 a abraça forte. BETTO olha para elas e para JANA. BETTO (CONT.) Foi o amor por nosso povo e a luta por justiça que nos aproximou e nos uniu. TITO repara quando MARINHEIRO se afasta das grades e se senta no canto da cela, sozinho. MARINHEIRO cruza os braços, aborrecido. PRESO 3 senta-se ao lado dele e acende um cigarro. BETTO olha para JEOVá, que presta muita atenção no que ele diz. BETTO (CONT.) Um dia, não existirão mais diferenças de classes, todos viverão como irmãos, em torno do mesmo Pai... Haverá igual partilha de comida e de bebida, como aqui nesta mesa eucarística. Alguns POLICIAIS dão risada. ADÃO olha para o chão. IVO pega a bíblia que TITO lhe estende e lê um trecho de As bem-aventuranças, do Evangelho de São Mateus. IVO ... Bem-aventurados os aflitos... RELIGIOSOS Porque serão consolados. IVO Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça... RELIGIOSOS Porque serão saciados. MARINHEIRO olha para PRESO 3 e tapa os ouvidos. PRESO 3 sorri. IVO Bem-aventurados os misericordiosos... RELIGIOSOS Porque alcançarão misericórdia. MARINHEIRO destapa os ouvidos. MARINHEIRO (PARA PRESO 3) Dá um cigarro aí, vai. PRESO 3 acende e dá um cigarro para MARINHEIRO, que fuma e tosse. IVO Bem-aventurados os puros do coração... RELIGIOSOS Porque verão a Deus. IVO Bem-aventurados os que promovem a paz... RELIGIOSOS Porque serão chamados filhos de Deus. IVO Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça... RELIGIOSOS Porque deles é o Reino dos Céus. MARINHEIRO coloca as mãos em forma de concha na frente da boca. MARINHEIRO (ALTO) E os traidores, vão pro céu também? Os PRESOS olham para MARINHEIRO. PRESO 3 acha graça. COMPANHEIRO (PARA MARINHEIRO) Cala a boca! TITO olha para IVO e fica com os olhos marejados. Zunzunzum geral entre os PRESOS. Os POLICIAIS se divertem com o desentendimento. BETTO Silêncio, por favor! Aos poucos volta o silêncio entre os PRESOS. Os POLICIAIS e os CARCEREIROS ficam sérios. BETTO (CONT.) Agora, quem quiser pode manifestar suas intenções... JANA, ao lado de PRESA 1, ainda abraçada a PRESA 2, que começa a chorar baixinho, fala alto. JANA Eu queria que o Pudim nos deixasse em paz! QUASE TODOS Senhor, ouvi as nossas preces. COMPANHEIRO Que nada aconteça à minha mulher e ao meu filho. QUASE TODOS Senhor, ouvi as nossas preces. OUTRO COMPANHEIRO Queria pedir ao Deus de vocês que talvez também seja nosso, que nos faça ganhar essa luta, um dia. QUASE TODOS Senhor, ouvi as nossas preces. Muitos PRESOS estão emocionados, alguns choram, outros sorriem. Poucos continuam indiferentes. MARINHEIRO apaga o cigarro e olha para PRESO 3 com a cabeça enterrada entre os joelhos. FERNANDO levanta a tampa da caixa de pizza com as bolachas. FERNANDO Bendito sejais, Senhor, Deus do Universo, pelo pão que recebemos de Vossa bondade, fruto da terra e do trabalho do homem, que para nós se vai tornar pão da vida. FERNANDO levanta a caneca de alumínio sobre a mesa. FERNANDO Bendito sejais, Senhor, Deus do Universo, pelo vinho que recebemos de Vossa bondade, fruto da videira e do trabalho do homem, que para nós se vai tornar vinho da salvação. RELIGIOSOS Bendito seja Deus para sempre! FERNANDO dá um pequeno gole e comunga. Ele passa a caneca e as hóstias para IVO, que bebe, comunga e passa para BETTO, que faz o mesmo e passa para TITO. FERNANDO, BETTO e IVO rezam em silêncio. TITO leva as hóstias e a caneca até as grades das celas. Muitos PRESOS bebem, comungam e rezam em silêncio. Quando TITO olha para JEOVá, ele murmura. JEOVá Eu também quero comungar. TITO vai até JEOVá com a caneca e a hóstia. JEOVá, comovido, bebe e comunga, os olhos de TITO e os dele cheios de lágrimas. A CAMINHO DO PRESÍDIO EXT. RUAS DO CENTRO – DIA A cidade é vista pelas frestas da viatura. TITO (OFF) Eu levanto os olhos para os montes e procuro o Deus da minh’alma... Minha casa é sua casa. CHEGADA NO PRESÍDIO EXT. PRESÍDIO TIRADENTES – DIA A viatura entra no pátio do presídio maltratado. Os quatro frades descem da traseira. O PRESÍDIO EXT. PáTIO INTERNO TIRADENTES – DIA BETTO, TITO, FERNANDO e IVO são conduzidos por policiais pelo pátio interno do presídio. Eles vêem as paredes altas do presídio, com pequenas janelas onde rostos observam sua chegada. NOVOS COMPANHEIROS INT. CELA 7 – DIA Na cela há muitos presos políticos. BETTO, TITO, IVO e FERNANDO são recebidos por NESTOR. NESTOR Na medida do impossível, sejam bemvindos! BETTO Obrigado. NESTOR Estamos aqui dando um duro danado. Os DOMINICANOS vêem que os PRESOS fazem diversos trabalhos manuais: tapeçaria, sacolas com fios de plástico, bolsas e carteiras de couro com pirógrafo. MADEIRA Parece que estávamos só esperando por vocês... MADEIRA mostra os dois beliches vazios. BETTO, TITO, FERNANDO e IVO colocam suas coisas sobre as camas. IOGA E CABELEREIRO INT. CELA – DIA Na cela, NESTOR orienta muitos PRESOS na ioga. BETTO e IVO fazem os exercícios e relaxam. TITO observa FERNANDO cortar os cabelos de PRESO enquanto dedilha seu violão. FERNANDO Que felicidade ter seu violão de volta, hein?! TITO sorri para ele, em seguida olha para o corte de cabelo. TITO (PARA PRESO) Vai ser corajoso assim na China! PRESO O que não tem remédio, remediado está. TITO sorri e volta ao violão. ROTINA NA PRISÃO I INT. CELA 7 – NOITE Os PRESOS lêem, conversam, dormem. BETTO, compenetrado, escreve uma carta, sentado em sua cama. Na cama de baixo está TITO com o rosário nas mãos, rezando. IVO ronca na cama ao lado de BETTO e FERNANDO fuma, deitado na cama de baixo. ROTINA NA PRISÃO II INT. CELA 7 – DIA Os PRESOS afastaram camas e beliches e, com pilhas de livros, fizeram os dois gols. Eles estão sentados em roda, em volta do campo. BETTO, IVO, TITO e NESTOR jogam futebol com uma bola de meia, observados por outros PRESOS. NESTOR faz um gol, que TITO comemora. TITO Golaço! (abraçando-o) A taça vai ser nossa! BETTO e IVO se sentam e dois PRESOS se levantam. TITO pega a bola com o pé e desafia os dois PRESOS. TITO Estamos invictos! NESTOR É, vai ser difícil alguém ganhar da gente hoje... PRESO (TENTANDO Já PEGAR A BOLA) Vamos ver, vamos ver. TITO Calma, o juiz nem apitou. Um dos PRESOS, que observa o jogo em pé, acaba de anotar com giz no placar improvisado na parede e assobia com os dois dedos, dando início ao jogo, que eles começam a jogar de novo. ROTINA NA PRISÃO III INT. CELA 7 – DIA OS PRESOS, FERNANDO entre eles, fazem trabalhos manuais. BETTO e IVO fazem a faxina na cela. TITO lê carta de NILDES. BETTO se aproxima. BETTO Carta da Nildes? TITO Hum, hum. BETTO Ela está bem? TITO Tá ótima. Tá juntando dinheiro pra me visitar. A passagem de Fortaleza pra cá é muito cara... BETTO ENCONTRA OS PAIS EXT. PáTIO DO TIRADENTES – DIA Obervado por POLICIAIS, BETTO abraça e beija sua MÃE e seu PAI. Ao fundo, outros presos, entre eles FERNANDO e IVO, conversam com familiares. TITO está com eles, mas sem nenhuma visita. BETTO Tudo bem lá em casa? Como vão todos? E Tonico? MÃE Estão todos bem, meu filho. E vocês aqui? BETTO Vamos bem, todos inteiros... PAI Oadvogadovaipedirofimdaprisãopreventiva de vocês. O prazo já acabou e até hoje o promotor não apresentou a denúncia... BETTO Eles não vão soltar a gente, mas pode ser que isso apresse o julgamento. TITO se aproxima deles, devagar. MÃE Tito! Trouxe umas coisinhas pra você também, viu?! A MÃE tira da sacola e entrega a BETTO e a TITO comidas, roupas, livros. BETTO e ela se abraçam emocionados. DONO DO SÍTIO FOI PRESO INT. CELA 7 – ENTARDECER Os DOMINICANOS, sentados em roda, fazem colares de miçanga. O BOIEIRO traz o jantar. BOIEIRO Opessoaldacelaaoladomandouavisarque o dono de um sítio em Itaúna foi preso. IVO Itaúna ou Ibiúna? BOIEIRO É isso, é Ibiúna. TITO fica preocupado. TITO Mas faz tanto tempo... BETTO olha preocupado para TITO. FERNANDO, pensativo, solta bolinhas com a fumaça do cigarro. FRADES REZAM INT. CELA 7 – NOITE Os beliches dos DOMINICANOS foram ajuntados. BETTO e FERNANDO estão sentados na frente de TITO e IVO. TITO segura seu rosário de madeira, enquanto eles rezam juntos, baixinho. DOMINICANOS Ave Maria cheia de graça, Senhor é convosco, Bendita sois Vós entre as mulheres, Bendito é o fruto do Vosso ventre Jesus. Santa Maria mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte, amém. TITO É LEVADO INT. CELA 7 – DIA TITO e IVO jogam batalha naval enquanto os PRESOS fazem trabalhos manuais, lêem, escrevem, jogam forca. IVO Eu tinha certeza que era um cruzador! TITO sorri. TITO Tinha, é? IVO Tito! Onde foi que você escondeu esse cruzador, hein?! TITO olha seu jogo e não responde. TITO D 13. IVO D 13: água! (pausa) L 5. TITO risca seu papel e olha desconfiado para IVO. TITO Chuá. Humm... D 15. IVO Ahn, não, afundou! CARCEREIRO abre a cela junto a dois POLICIAIS. CARCEREIRO Frei Tito! TITO não se move. O CARCEREIRO aponta onde está TITO e os dois POLICIAIS vão pegá-lo. IVO Ei, o que é isso, o que vocês querem com ele? POLICIAIS algemam TITO e o empurram para a porta. BETTO (ALTO) Ei, estamos sob custódia da Justiça Militar, vocês não podem levá-lo! Os POLICIAIS vão embora com TITO. IVO coloca a cara entre as grades. IVO (GRITA) Assassinos! FERNANDO e alguns PRESOS aderem e gritam também. FERNANDO Covardes! MADEIRA Coragem, Tito! DAVID Seja forte! BETTO sobe na janela e olha para o pátio. TITO JOGADO NA VIATURA EXT. PáTIO EXTERNO TIRADENTES – DIA POLICIAIS conduzem TITO até a viatura onde CAPITÃO os espera do lado de fora. CAPITÃO (PARA TITO) Você agora vai conhecer a sucursal do inferno! POLICIAIS colocam capuz negro em TITO e o jogam dentro da viatura, que arranca. PREOCUPADOS COM TITO EXT. PáTIO DO PRESÍDIO – DIA NILDES está tensa. Ouve com apreensão FREI DIOGO e ADVOGADO conversarem com BETTO, IVO e FERNANDO. FREI DIOGO Há três dias que estamos pra baixo e pra cima e nada. Um verdadeiro calvário... ADVOGADO Eu recebi ontem à noite um telefonema anônimo dizendo que frei Tito está preso no DOI-CODI, um órgão que o Exército acabou de criar. BETTO Deve ter sido alguém lá de dentro que ligou. ADVOGADO A pessoa não disse mais nada e desligou. NILDES Tô com muito medo. O que será que eles estão fazendo com meu maninho? Todos ficam em silêncio, muito preocupados. IVO abraça NILDES. IVO Fique firme, Nildes! Deus está com Tito. TITO SE CORTA INT. DOI-CODI – NOITE Sozinho na cela, TITO com a barba de quatro dias, extremamente machucado pelas torturas, lê uma bíblia. De repente, vê uma latinha vazia, amola sua ponta no cimento. TITO (V.O.) O Pai exige o sacrifício do Filho como prova de amor aos homens... TITO tenta cortar a dobra interna do cotovelo com a lata, arranha-se todo, mas não consegue. TITO vê, através da portinhola, um SOLDADO passando no corredor, voltando do banho, com toalha, saboneteira e aparelho de barbear nas mãos. TITO o chama. TITO Ei! Por favor! Tô precisando fazer a barba! Me empresta seu aparelho? SOLDADO olha para TITO, vê sua barba sem fazer. SOLDADO passa o aparelho de barbear para ele. SOLDADO Vê se faz rápido, que eu já volto pra pegar. TITO Deus te proteja. TITO espera o SOLDADO sair, tira a gilete e a enfia com força na dobra interna do cotovelo esquerdo. O jato de sangue mancha o chão da cela. TITO se apóia com a outra mão na pequena poça de sangue e se arrasta até a privada, debruça-se sobre ela e aperta o braço, fazendo o sangue jorrar mais depressa. TITO (V.O.) Minha Igreja está em ruínas... Em luzes e trevas derrama o sangue da minha existência. TITO NÃO PODE MORRER INT. HOSPITAL MILITAR – NOITE POLICIAIS do DOI-CODI guardam a porta do quarto. O MÉDICO ouve o coração de TITO, pálido e desmaiado. Ao lado dele, preocupado, CAPITÃO com uniforme do Exército. CAPITÃO O senhor faça tudo que for possível... (pausa) Esse padre não pode morrer de jeito nenhum! O MÉDICO concorda, com um gesto de cabeça. TITO abre os olhos, vê os dois. CAPITÃO Você vai ser expulso da Igreja, seu padre suicida. TITO VOLTA AO PRESÍDIO INT. CELA 7 – DIA TITO, pálido e fraco, chega carregado na cela. NESTOR (GRITA) Tito está de volta! BETTO, IVO e FERNANDO se aproximam e ficam em volta da cama onde ele é colocado. Estão felizes de vê-lo, e chocados. TITO está todo machucado, o rosto inchado, o braço esquerdo enfaixado. TITO Fiquei firme, lembrando dos que morreram... Os PRESOS cercam TITO de cuidados e afeto. BETTO se ajoelha ao lado de TITO e segura sua mão direita. DAVID Vamos fazer um exame clínico geral. Com laudo. FERNANDO e BETTO se afastam de TITO para que MADEIRA e DAVID o examinem. DAVID tira a faixa do braço de TITO e examina o corte quase cicatrizado. MADEIRA abre a camisa de TITO, seu corpo está coberto de hematomas e queimaduras de cigarro. MADEIRA Onde dói, Tito? TITO Dói tudo. No peito, nos ombros. MADEIRA apalpa o tórax e os ombros de TITO. MADEIRA Aqui? TITO faz que sim devagar com a cabeça. Todos os PRESOS, em silêncio absoluto, observam o exame clínico geral e ouvem o laudo que MADEIRA anota em um papel. MADEIRA Paciente queixando-se de dores generalizadas pelo corpo, sendo mais acentuadas em todo o tórax, principalmente na região esternal, ombros... BETTO Lê RELATÓRIO INT. CELA 7 – NOITE Os PRESOS conversam entre si. Deitado, TITO olha para BETTO, que está ajoelhado ao seu lado, escrevendo um relatório sobre as torturas que ele sofreu. BETTO Quer ouvir como ficou? TITO demora a fazer que sim com a cabeça, os PRESOS silenciam e ouvem, atentos. BETTO Preciso dizer que o que ocorreu comigo não é exceção, é regra. Raros os presos políticos brasileiros que não sofreram torturas. Muitos morreram na sala de torturas. Outros ficaram surdos, estéreis ou com defeitos físicos. A esperança desses presos coloca-se na Igreja, única instituição brasileira fora do controle estatal-militar. Sua missão é defender e promover a dignidade humana. Onde houver um homem sofrendo, é o Mestre que sofre... TITO RENOVA VOTOS EXT. PáTIO DO PRESÍDIO – DIA TITO chega carregado por BETTO, IVO e FERNANDO. FREI DIOGO e ADVOGADO os esperam no meio das visitas. TITO senta-se num banco do pátio. FREI DIOGO Os militares proibiram a renovação dos votos de Tito. BETTO balança a cabeça em um gesto de desagrado. IVO E daí que proibiram?! O senhor não vai obedecer, não é mesmo? FREI DIOGO faz que não com a cabeça e olha para TITO, sério. FREI DIOGO (PARA TITO) O que procuras? TITO A misericórdia de Deus. FREI DIOGO O que prometes? TITO demora um pouco para responder. TITO (BAIXO) Prometoseguiro Evangelho deJesus,estando sempre junto dos pobres e oprimidos. FREI DIOGO Eu o recebo como um de nós, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. FREI DIOGO faz o sinal-da-cruz, abençoando TITO. BETTO entrega a FREI DIOGO o relato das torturas que TITO sofreu. BETTO O testemunho de Tito, frei Diogo, é uma denúncia, e um apelo... JUIZ QUESTIONA TITO INT. SALA DO JUIZ – DIA ADVOGADO e TITO ouvem o JUIZ, nervoso. JUIZ Então, o senhor recebeu até prêmio jornalístico na revista americana. Como teve a ousadia de divulgar um relato totalmente falso?! O ESCREVENTE escreve tudo o que TITO diz. TITO O senhor sabe muito bem que é tudo verdade. Fui torturado no pau-de arara e na cadeira-do-dragãodurantetrêsdias.Tomando choque, porrada, paulada no corpo inteiro e na cabeça. Sem comer nada, quase sem dormir. E isso foi só o começo... PAIXÃO DE TITO INT. SALA DE TORTURA DOI-CODI – DIA TITO, pelado, está sentado na cadeira-do-dragão, rodeado por CAPITÃO e outros TORTURADORES. TORTURADOR liga os fios nos membros de TITO. CAPITÃO Quando venho para cá, deixo o coração em casa. Tenho verdadeiro pavor de padre e nada me impede de matar mais um terrorista. CAPITÃO faz sinal para TORTURADOR aplicar o choque. TITO estremece e grita de dor. CAPITÃO (SARCáSTICO) Todo não que você disser, mais forte vai ser o choque. (pausa) Quem são os outros padres terroristas! TITO Não sei! TORTURADOR aplica outro choque, mais violento, em TITO. CAPITÃO Quero nomes e aparelhos. TITO não diz nada e leva outro choque, mais forte. CAPITÃO Isso é só a estréia do que vai acontecer com os outros dominicanos. TITO está pendurado no pau-de-arara. TORTURADORES queimam TITO com cigarro, batem com palmatória nos pés e nos ombros. CAPITÃO circula em volta de TITO. CAPITÃO Os padres não casam porque são um bando de viados. Todos viados. (pausa) Por que será que a Igreja ainda não expulsou vocês?... Nós sabemos que vocês assaltaram bancos. TITO Nós nunca assaltamos nada. TORTURADOR Confessa logo, porra! TITO, ainda pelado, está ajoelhado na frente de CAPITÃO e TORTURADORES. CAPITÃO (GRAVE) Se você não falar, eu vou te quebrar por dentro. Para sempre. POLICIAL vestido com a batina entra na sala. POLICIAL Abre a boca! CAPITÃO (IRôNICO) Pra receber a hóstia sagrada. Dois TORTURADORES abrem a boca de TITO, POLICIAL enfia o fio e dá a descarga elétrica. TITO fecha os olhos de dor e cai com as mãos no chão, a cabeça baixa. TITO vê pés que se aproximam dele. Olha para cima e vê FLEURY, de terno branco. FLEURY Traidor da Igreja, traidor do Brasil... FLEURY tira a mão do bolso e a coloca na cara de TITO. FLEURY Beija a mão do Papa! JUIZ PROÍBE DENÚNCIA INT. SALA DO JUIZ – DIA O JUIZ, incomodado, olha para o ESCREVENTE. JUIZ Proíbo que inclua essa denúncia no depoimento do réu. ADVOGADO Mas eu insisto para que as palavras de frei Tito sejam todas transcritas no processo. JUIZ Mas vocês tentem compreender, a tortura é uma coisa de tal modo horrível, que é melhor nem falar dela... TITO ESTá NA LISTA INT. CELA 7 – DIA TITO, ajoelhado em frente à sua cama, reza em silêncio, o rosário entre as mãos, sua Bíblia aberta sobre a cama, com muitas anotações. BETTO pica a cenoura e a cebola, coloca-as na panela. Mexe o cozido, cheira. BETTO Até que não está mal. FERNANDO e IVO fazem ginástica com outros PRESOS. NESTOR e COMPANHEIRO procuram notícias no rádio, escondido debaixo de uma das camas, quando entra a notícia. LOCUTOR E atenção, terroristas seqüestraram o embaixador da Suíça no Brasil, Giovanni Enrico Bucher. NESTOR Silêncio! Os PRESOS fazem silêncio total e se aproximam. BETTO abaixa o fogo, chega mais perto do rádio e olha para TITO, que se senta na cama, cabisbaixo. LOCUTOR E desta vez querem a liberdade de setenta presos políticos. Os PRESOS fazem festa, falam ao mesmo tempo, abraçam-se, comemoram. MADEIRA Soltura coletiva graças ao grande advogado: o doutor embaixador! NESTOR Pera aí, vamos ouvir os nomes, pô! Os PRESOS ficam quietos. LOCUTOR ... Tito de Alencar Lima... NESTOR Tito! Você, Tito! Os PRESOS vão até TITO, levantam-no da cama. PRESOS Viva o Tito! Viva! TITO faz força para se desvencilhar dos PRESOS, que o soltam. Ele vai se deitar em sua cama, deprimido. BETTO senta-se com ele. BETTO Tudo bem? TITO não responde, tira os óculos, esfrega os olhos e se encolhe todo. BETTO coloca os óculos dele sobre sua bíblia, ao lado da cama, olha TITO por alguns segundos, ele não se mexe. BETTO volta para a comida na panela. TITO SE ISOLA INT. CELA 7 – NOITE BETTO, IVO e FERNANDO observam TITO, prostrado na cama. FERNANDO Fala com a gente, Tito. TITO não responde, não se mexe. BETTO olha para FERNANDO e IVO, faz cara de que é melhor deixá-lo sozinho e vai se deitar. IVO e FERNANDO vão se deitar também. NILDES VISITA TITO EXT. PáTIO DO PRESÍDIO – DIA NILDES está sentada ao lado de TITO, segurando suas mãos entre as dela. TITO olha para o chão em silêncio. Tempo. NILDES Ô, bichim, vai ser bem melhor pra ti. TITO (BAIXO) Não tenho medo de ser fuzilado. (pausa) Eu não quero ser banido do meu país! Não queria estar em lista nenhuma. NILDES Mas, mano, então não vá! TITO Não posso! Eu não posso recusar, entende? Não quero virar traidor. TITO É FOTOGRAFADO INT. CARCERAGEM DO PRESÍDIO – DIA Contra uma parede branca, TITO é fotografado nu, de todos os ângulos. POLICIAL (V.O.) A que organização política você pertence? TITO Pertenço à Igreja. PRESOS SÃO LIBERADOS EXT. PáTIO INTERNO DO PRESÍDIO – DIA Cercados de POLICIAIS, TITO e COMPANHEIROS ouvem a gritaria de alegria que vem das galerias do presídio. Os PRESOS cantam o Hino da Independência, saudando a libertação deles. PRESOS Brava gente brasileira, longe vá temor servil, ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil, ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil... Dajanela, BETTO,IVOeFERNANDOacenam,fazem sinal de positivo, levantam os punhos fechados. TITO, desanimado, acena de volta para eles, o violão nas mãos. BETTO ESCREVE CARTA INT. CELA 7 – NOITE IVO lê um livro sobre a fundação da Igreja em seu colchão. FERNANDO reza. Passa uma barata, que FERNANDO esmaga com o pé descalço. BETTO escreve. BETTO (V.O.) Queridos pais e manos, recebemos os livros com grande alegria. As receitas de mamãe também estão fazendo sucesso. Nós três, como sempre, estamos lendo e estudando muito. A cada dia que passa temos mais certeza: a prisão nunca conseguirá tirar a nossa liberdade! Soubemos que Tito foi para Roma. Por algum motivo não quis ficar no Chile. Fiquem com Deus, beijos a todos, Betto. IVO fecha o livro e dorme. BETTO coloca a carta no envelope, deita-se. FERNANDO fuma. As luzes se apagam. FERNANDO ouve quando começam os gritos, batuques e cantos desesperados dos presos comuns. BETTO vira-se para o canto. TITO EM PARIS EXT. TORRE RUAS DE PARIS – DIA Com roupas de verão, TITO e OSWALDO caminham. TITO Não me aceitaram em Roma, Oswaldo. Para eles, eu não passo de um padre terrorista. OSWALDO Paris tem coisas muito interessantes, Tito. TITO não diz nada, caminha de cabeça baixa. OSWALDO (CONT.) Tem notícias da sua família? TITO não responde. OSWALDO Como vai a Nildes? TITO Não sei... TITO vê homem de costas, vestido de branco, parecido com FLEURY, assusta-se. TITO Oswaldo, tem policiais brasileiros aqui na França? OSWALDO Tem sim. Nós identificamos uns dois ou três infiltrados entre os brasileiros. TITO No Chile também tinham muitos. TITO olha de novo para trás e vê FLEURY que sorri irônico para ele. TITO NO PSIQUIATRA INT. CONSULTÓRIO PSIQUIáTRICO – DIA TITO, sentado na frente do psiquiatra, não diz nada. Mexe as mãos, olha para seus pés e finalmente toma coragem. TITO Il me poursuit. Ça ne sert à rien que je suis venu ici. (Ele me persegue. Não adiantou nada eu vir para cá.) PSIQUIATRA Ça doit être très malheureux d´avoir accepter ce qu´on veut se débarrasser... En ce moment vous n´arrivez pas à vous débarrasser de l´écho qui accompagne vôtre douleur. (Deve ser muito ruim ter de conviver com aquilo de que queremos nos livrar... No momento, o senhor não está conseguindo se livrar do eco que acompanha a sua dor.) TITO Vê FLEURY NO CAFÉ EXT. CAFÉ EM PARIS – DIA TITO e OSWALDO esperam em silêncio durante algum tempo. TITO observa a fumaça do cigarro de OSWALDO, que olha para ele. TITO Eu estou agonizando, sabia?... Mas tem agonia que serve pra alguma coisa, como a de Jesus... A minha não vai servir para nada, pra ninguém. OSWALDO Tito, por favor, você precisa enfrentar tudo isso. TITO Tínhamos tanto para dar, não é Oswaldo? Tanto pra fazer. Mas os donos do mundo não deixaram, nunca vão deixar. O garçom traz o vinho. OSWALDO apaga o cigarro e levanta-se para ir ao banheiro. OSWALDO Vou ao banheiro, já volto. TITO ouve a risada de FLEURY, procura à sua volta e, assustado, descobre que FLEURY olha para ele, de uma mesa próxima. TITO se levanta e sai do café, apressado. OSWALDO volta, procura por TITO, senta-se, espera, pede a conta. IVO INVENTA CHUVEIRO INT. CELA 7 – DIA IVO acaba de fazer a engenhoca de lata para servir de chuveiro. IVO Vocês acharam que eu estava brincando? Quando sair daqui vou virar inventor! IVO a instala sob os olhares atentos de BETTO e FERNANDO. BETTO (PARA FERNANDO) É, parece que vai dar certo mesmo. FERNANDO Que bom, enfim teremos um banho decente em casa! IVO tira a roupa e começa a tomar banho, feliz da vida. JULGAMENTO DOS FRADES INT. TRIBUNAL – DIA A sala repleta de PARENTES, FRADES e AMIGOS. Ao lado do ADVOGADO, BETTO, IVO e FERNANDO, sentados no banco dos réus, ouvem o veredicto. JUIZ ... A cômoda posição de linha auxiliar ou setor de apoio de uma organização criminosa, cuja finalidade é, mediante a transformação do Brasil num campo de ódio e sangue, implantar no País o regime comunista e, quando descoberto, alegar, com cinismo, que o que ocorre é que a Igreja está sendo perseguida no Brasil; fazê-lo, assim, é injuriar e ofender gravemente a Igreja de Cristo, de quem o Brasil é filho, desde a Cruz da Primeira Missa; fazê-lo é ofender a Venerável Ordem de São Domingos de Gusmão. Em conseqüência, resolve o Conselho julgar procedente em parte a Denúncia, para, com base no artigo 14 do Decreto-lei 898/69, condenar Fernando de Brito, Yves do Amaral Lesbaupin e Carlos Alberto Libânio Christo às penas de quatro anos de reclusão. BETTO, IVO e FERNANDO não escondem a tristeza. ADVOGADO olha para FREI DIOGO, inconformado, entre o raivoso PAI de BETTO e a MÃE, que enxuga as lágrimas que caem dos seus olhos. TITO PRESO PARA SEMPRE INT. CLAUSTRO DO CONVENTO DE LA TOURETTE – DIA De hábito, magro, com muitos cabelos brancos e barba por fazer, TITO conversa com XAVIER. TITO Il me poursuit depuis Paris. Ça ne sert à rien que je soit venu ici. (Ele me persegue, desde Paris. Não adiantou nada eu vir para cá.) XAVIER Tu as besoin de reprendre le traitement chez le psy. (Você precisa voltar ao tratamento psicológico.) TITO olha para o outro lado, não responde. TITO Betto, Ivo et Fernando sont en taule il y a plus de trois ans, mais un jour ils sortirant... Mais moi, j´y serais à jamais. (Betto, Ivo e Fernando estão presos há mais de três anos, mas um dia eles vão sair, eu não, eu estou preso para sempre.) TITO NA HORTA OUVE FLEURY EXT. HORTA – DIA TITO está desgrenhado, barba por fazer, mais magro e com muitos cabelos brancos. Ele cultiva a horta, parece feliz. De repente pára, deixa as ferramentas caírem no chão. FLEURY (OFF) Beija a mão do Papa! (rindo) Você vai receber a hóstia sagrada! TITO sai apressado. MORTE DE ALLENDE INT. REFEITÓRIO DO CONVENTO DE LA TOURETTE – NOITE TITO e XAVIER tomam sopa e bebem vinho junto com os outros FRADES. FRADE Quelle tragédie absurde! Un président mort comme ça, une telle brutalité... Pauvre Salvador Allende! Que Dieu protège le peuple du Chili. (Que tragédia absurda! Um presidente morto assim, tão brutalmente... Pobre Salvador Allende. Que Deus proteja o povo chileno.) TITO olha para o FRADE chocado, levanta-se e sai. TITO NÃO TEM PAZ INT. CELA DO CONVENTO DE LA TOURETTE – NOITE TITO, deitado na cama, estremece e geme com os gritos que ouve. Em um dos cantos da parede está encostado o violão. PUDIM (OFF) Tira a roupa! NILDES (OFF) Não! Por favor, não! (grita) Me deixe, me solte! FLEURY (OFF) Beija a mão do Papa! PAI DE TITO (OFF) Me larga! (grita) Não! O PAI e NILDES gritam de dor. TITO se joga no chão, tampando os ouvidos. TITO Vê A áRVORE EXT. ESTRADINHA / TERRENO BALDIO – DIA TITO, ainda mais magro, com roupas amarfanhadas, muitos cabelos brancos, barba sem fazer. Ele perambula pela estrada, quando vira numa curva, há duas crianças vindo com mochilinhas nas costas, quando elas o vêem, fogem dele, com medo. TITO não percebe, tem o olhar vidrado. TITO pára em frente a uma enorme árvore num terreno baldio. Objetos sem uso estão jogados ao pé da árvore: um sofá de cabeça para baixo, uma máquina de lavar enferrujada, uma espuma apodrecida. TITO (MURMURA) Ruínas da terra... Trevas do mundo... TITO olha a árvore longamente. TITO (V.O.) Quando secar o rio de minha infância secará toda dor. TITO NA CHUVA EXT. BOSQUE DO CONVENTO DE LA TOURETTE – ENTARDECER TITO caminha sem parar, dá voltas, parece per-dido. XAVIER aparece. XAVIER Viens, on va rentrer maintenant. (Venha, vamos entrar agora.) TITO Je ne peut pas, il me l´interdit. (Não posso, ele me proíbe.) XAVIER Qui te l´interdit? (Quem te proíbe?) TITO Fleury ne veut pas que je rentre. (O Fleury não quer que eu entre.) XAVIER Mais il n´est pas ici, Tito, il est au Brésil. (Mas ele não está aqui, Tito, ele está no Brasil.) TITO C´est un mensonge. Il est dans le Couvent. Si je rentre il me bat. (Mentira. Ele está no convento. Se eu entrar, ele me espanca.) Começa a chover, XAVIER vai voltar para dentro, mas TITO continua a caminhar. TITO senta-se sob uma árvore. XAVIER senta-se ao lado dele. A chuva diminui até parar. TITO DELIRA EXT. BOSQUE DO CONVENTO DE LA TOURETTE – ENTARDECER TITO e XAVIER continuam sob a árvore, parecem quase secos. De repente TITO se levanta gritando. TITO Por favor, meu pai não tem nada a ver com isso, ele nunca fez nada! Pelo amor de Deus, não faça isso! (grita) Não! Não toque na Nildes! XAVIER tenta acalmá-lo, mas é em vão. XAVIER Viens on vas rentrer, il est tard, il fait froid. (Venha, vamos para dentro, é tarde, está frio.) TITO abraça a árvore e escorrega até sentar-se, encostado nela. ANOITECE. XAVIER (CONT.) Je reviendrais. (Eu já venho.) XAVIER encosta uma caminhonete junto à árvore, ajuda TITO a entrar no veículo. XAVIER À tout de suite. (Já volto.) XAVIER traz sopa e comprimidos para TITO tomar. Quando TITO adormece, XAVIER sai do veículo e entra no convento. TITO AO PÉ DA áRVORE EXT. BOSQUE DO CONVENTO DE LA TOURETTE – AMANHECER XAVIER encontra TITO sob a árvore, semi-adormecido. ESPERANDO SER FUZILADO INT. HOSPITAL – DIA A ENFERMEIRA observa TITO, amedrontado como um bicho que vai ser atacado, o rosto colado à parede, os braços abertos em cruz, sem se mover. ENFERMEIRA Pourquoi vous vous tenez comme ça? (Por que o senhor está nessa posição?) TITO J´attend d´être fusillé. (Estou esperando para ser fuzilado.) A ENFERMEIRA ajuda TITO a deitar-se. ENFERMEIRA Le docteur viens vous examiner... (O médico está vindo examinar o senhor...) A ENFERMEIRA sai do quarto. TITO olha fixamente para a janela. TITO (V.O.) Algumas vezes quando te encontro te vejo só. Incompreendido. Também abandonado. Meu pai, meu pai, por que me abandonaste? Senhor, será que teu Pai te abandonou? TITO NÃO CRê EM MAIS NADA INT. HOSPITAL – ENTARDECER TITO está deitado, barba feita, parece calmo, OSWALDO ao lado dele. TITO Eu podia ter feito tanta coisa, mas não fiz nada. Nem no Brasil, nem no Chile. Nada... Uma vida em vão. OSWALDO Que é isso, Tito? Você ajudou tanta gente no Brasil, foi preso, torturado, banido. (pausa) E ainda bem que você não ficou no Chile, podia ter morrido lá. TITO Talvez seja melhor morrer do que perder a vida. OSWALDO olha para ele em silêncio, depois abre a bíblia de TITO, cheia de anotações. OSWALDO (CONT.) Trouxe sua bíblia. Vamos rezar? TITO Não rezo mais, Oswaldo. Não acredito mais em Deus. Não acredito em mais nada. Nem Cristo, nem Marx, nem Freud. TITO suspira muito profundamente e se vira para o outro lado, dando as costas para OSWALDO. OS FRADES ESTÃO LIVRES EXT. PáTIO DO PRESÍDIO – DIA BETTO, IVO e FERNANDO caminham pelo pátio até ADVOGADO que está ao lado de FREI DIOGO. ADVOGADO Temos boas novas! A Justiça acatou nosso recurso e reduziu a pena de vocês para dois anos. Como vocês já estão presos há quase quatro, estão livres. FERNANDO Quê? ADVOGADO É isso mesmo, estão livres. BETTO Então agora são eles que nos devem dois anos de liberdade! FREI DIOGO E vão sair no Dia de São Francisco! BETTO, IVO, FREI DIOGO e FERNANDO se abraçam. NILDES CHEGA AO CONVENTO EXT. FRENTE DO CONVENTO DE LA TOURETTE – DIA XAVIER dirige a caminhonete, que encosta na frente do convento. NILDES desce do veículo, sente frio e abraça seu próprio corpo, sorrindo para XAVIER que pega sua mala e faz sinal para ela entrar no convento. TITO DISTANTE INT. QUARTO DE HÓSPEDES / DE LA TOURETTE – DIA TITO, da porta do quarto de hóspedes, observa NILDES abrir a mala sobre a cama. Ela retira discos, castanhas e comidas do Ceará de dentro da mala, entrega a TITO, que recebe os presentes com frieza. Ele está todo desgrenhado, muito magro, cheio de cabelos brancos, sério. Ela lhe faz festa, abraça-o. NILDES Meu bichim mais queridinho, que saudades! TITO se afasta, esforça-se para parecer normal, mas é distante, seco. TITO Nildes... NILDES Paim ficou tão feliz que eu vinha... TITO Não fale comigo de dia, venha ao meu quarto à noite. NILDES Mas, por quê? TITO Estamos sendo vigiados. TITO ASSUSTADO INT. CELA NO CONVENTO DE LA TOURETTE – NOITE TITO está tenso do lado de dentro da porta meio fechada. NILDES, do corredor, passa a mão em seu rosto, carinhosa e triste. NILDES O que foi, mano? TITO (BAIXO) É melhor você voltar pro seu quarto. NILDES O que houve? TITO Vá embora, ele pode chegar e nos en contrar aqui. NILDES Ele quem? TITO O Fleury. NILDES olha TITO nos olhos por alguns segundos, ele está tão assustado que a irmã fica com os olhos cheios de lágrimas, segura as mãos dele com força e sai. TITO CHORA NO BOSQUE EXT. BOSQUE DO CONVENTO DE LA TOURETTE – DIA TITO e NILDES caminham entre as árvores. NILDES abraça TITO e dá um pulinho, para juntar seu passo com o do irmão, eles caminham juntos. NILDES O Afonsito disse que em setembro ele vem. Mas nós todos já decidimos que eu é que venho todo Natal! TITO olha para os lados e para trás, preocupado. NILDES Faz frio aqui, hein?!... Mas a natureza é muito bonita, diferente, parece tudo tão calmo. (pausa) Tito, meu maninho, fale um pouco de ti, vai. TITO pára de andar e sorri profundamente triste. TITO Eu não agüento mais isso aqui, preciso voltar pro Brasil. Morro de saudades do meu país, da minha gente. (pausa) Me sinto tão sozinho. Quero minhas raízes de volta, a minha língua, a minha terra. (alto) Quero meu povo, é por ele que eu lutei e dei a minha vida! TITO e NILDES se abraçam, TITO encosta sua cabeça no ombro da irmã e chora alto, que nem criança. NILDES Mas por que eles não te deixam ir pro convento em Portugal, Tito? Por que, hein? TITO não responde. Ela chora também. NILDES e TITO olham o cemitério dos dominicanos. TITO vê FLEURY, acelera o passo, puxando a irmã. NILDES O que foi, meu bichim? TITO não fala nada, continua a puxar NILDES, parece estar fugindo. NILDES Ai, Tito, não queria ter de te deixar assim. TITO Preciso encontrar uma força... DESPEDIDA DE NILDES EXT. FRENTE DO CONVENTO DE LA TOURETTE – ENTARDECER Com o táxi esperando, NILDES, emocionada, abraça TITO, que parece feliz. TITO Leve beijos pra paim, Afonsito, Nilza, Nadir, Nailde, João, Neuza, Nicia, Nilma e Jorge! NILDES abraça TITO e o beija muitas vezes. NILDES Levo sim, Tito, pra paim e todos manos, vão ficar contentes, viu? NILDES entra no carro, que parte devagar. Ela olha para TITO acenando e acena também, através do vidro, as lágrimas caindo dos olhos dela. TITO vai ficando cada vez mais longe. NILDES se vira para a frente, tenta enxugar as lágrimas que não param de cair. TITO pára de acenar, continua olhando o táxi com serenidade, até ele desaparecer. TITO SOBE NA áRVORE EXT. TERRENO BALDIO – AMANHECER TITO anda decidido por um caminho no campo. Olha para trás e vê FLEURY, de terno branco e óculos escuros. FLEURY o segue. TITO passa pelos objetos jogados, vê a enorme árvore e sobe nela, perde-se no meio das folhas e dos galhos. A velha árvore é enorme, comprida, só termina quando o céu surge, rosa e logo azul, clareando, imenso e sem-fim. TITO (V.O.) Quando os regatos límpidos de meu ser secarem, minh’alma perderá sua força. Buscarei, então, pastagens distantes, lá, onde o ódio não tem teto para repousar. Ali erguerei uma tenda junto aos bos ques. Todas as tardes deitarei na relva e nos dias silenciosos farei minha oração. Meu eterno canto de amor: expressão pura de minha mais profunda angústia. Nos dias primaveris, colherei flores para meu jardim da saudade. Assim externarei a lembrança de um passado sombrio. FIM Ficha Técnica V&M do Brasil e Petrobras Quimera Filmes e Downtown Filmes Apresentam Batismo de Sangue de Helvécio Ratton Baseado no livro homônimo de Frei Betto, vencedor do prêmio Jabuti Com Caio Blat, Daniel de Oliveira, Cássio Gabus Mendes e Ângelo Antonio Apresentando Léo Quintão e Odilon Esteves Elenco Caio Blat: Frei Tito Daniel de Oliveira: Frei Betto Ângelo Antonio: Frei Oswaldo Léo Quintão: Frei Fernando Odilon Esteves: Frei Ivo Cássio Gabus Mendes: Delegado Fleury Marcélia Cartaxo: Nildes, irmã de Tito Marku Ribas: Carlos Marighella Murilo Grossi: policial Raul Careca Renato Parara: policial Pudim Jorge Emil: Prior dos Dominicanos Ficha Técnica Direção e Produção: Helvécio Ratton Roteiro: Dani Patarra e Helvécio Ratton Fotografia e Câmera: Lauro Escorel Montagem: Mair Tavares Direção de Arte: Adrian Cooper Figurino: Marjorie Gueller e Joana Porto Música: Marco Antônio Guimarães Som: José Moreau Louzeiro e David Miranda Produção Executiva: Guilherme Fiúza e Tininho Fonseca Produção: Quimera Filmes Distribuição: Downtown Filmes Brasil, França – 2006 -110 min -Dolby Digital – 1.85 Projeto premiado no Concurso de Produção Cinematográfica da Ancine Este filme foi contemplado pelo Programa Petrobras Cultural Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Notas do Diretor – Helvécio Ratton 11 Dani Patarra (roteiro) 15 Roteiro 19 Ficha Técnica 185 Crédito das Fotografias Divulgação: fotos de Estevam Avellar e Bianca Aun. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Mauricio Zacharias, Karim Aïnouz e Felipe Bragança Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Paulo Morelli e Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de Invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Claudio Yosida e Ricardo Elias Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, o Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 208 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Patarra, Dani Batismo de sangue / Dani Patarra e Helvécio Ratton – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. 208p. : il. – (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) Baseado na obra de Frei Betto. ISBN 978-85-7060-584-9 1. Cinema – Roteiros 2. Cinema – Brasil -História 3. Batismo de sangue (Filme cinematográfico) 4. Betto, Frei, 1944 I. Ratton, Helvécio . II. Ewald Filho, Rubens. III. Título. IV. Série. CDD 791.437 0981 Índices para catálogo sistemático: 1. Filmes cinematográficos brasileiros : Roteiros 791.437 098 1 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria