Beatriz Segall Além das Aparências Nilu Lebert Imprensa Oficial São Paulo, 2007 Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo   Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Paulo Moreira Leite Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro Clodoaldo Pelissioni Diretora de Gestão Corporativa Lucia Maria Dal Medico Chefe de Gabinete Vera Lúcia Wey Coleção Aplauso   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico e Editoração Carlos Cirne Assistente Operacional Felipe Goulart Tratamento de Imagens Ailton Giopatto José Carlos da Silva Revisão Wilson Ryoji Imoto Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que já ultrapassou os 100 títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais preexistentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Prefácio Beatriz Segall: o Segredo da Eternidade Nilu Lebert é culpada por este convite de desvendamento do nosso amor a Beatriz Segall. Comovidos agradecemos. Não se deixe enganar. Este livro não é um registro, nem biografia, nem depoimento. O que você lerá a seguir é o segredo da juventude. Beatriz Segall entrega o ouro. Se você for esperto conseguirá ler nas entrelinhas como Beatriz consegue ser cada vez mais bela, talentosa e exemplo de uma experiência de vida que não tem época. Se você preferir encare como livro de auto-ajuda. Por que não? Mas não espere baboseiras, nem conselhos. Embarque na fala solta e articulada de uma professora de vida inteira que nunca escondeu que sua missão é ensinar, como atriz, sobre ética, amizade, dignidade e amor pela profissão. Conhecemo-nos em 1997 em casa de uma amiga em comum. Um almoço, feijoada, era o motivo do encontro. Quando sugerimos um CD de ópera para trilha sonora, Beatriz atacou: Não combina com feijoada. Que tal uma Clementina de Jesus? Esta é nossa amiga e professora, não de profissão, mas de vocação. Há uma marca facilmente reconhecível em sua personalidade. Ela é capaz de enquanto caminha em Campos do Jordão perguntar a uma criança: Por que está arrancando flores? A criança, atônita, não pela admoestação possível, mas pela intenção de ensinar de nossa professora, responde: Porque sim! Beatriz: Pare de arrancar, eu compro as que você não tirou! Pode chamá-la de patriota sim! Beatriz nunca teve vergonha nem medo de arcar com riscos de ver um país melhor. Enfrentou polícia na ditadura, até hoje encara autoridades para dizer o que pensa e poder construir uma sociedade mais justa e inteligente. Faz questão de falar ao público de cada cidade em que passa com seus espetáculos sobre as condições do teatro local. Se estiver bom – o que é raro – elogia. Se a casa está malconservada, sobra pra todo mundo... Beatriz reluta, mas acaba viajando com seus espetáculos. São caros, não há patrocínio, o público se acostumou com comédias fáceis e a atriz nunca se limitou ao fácil. Até mesmo sua última peça, Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa, se transformou em estudo sobre o envelhecimento e a amizade. Talvez tudo tenha início na escola. Beatriz praticamente nasceu na escola. Seus pais eram educadores e assim como faziam com os outros exigiram que sua filha fosse bem formada. Beatriz, boa moça, aceitou a determinação para uma vida recatada, comportava-se como tinha de se proceder. Discreta e exemplar, foi esperta, pois absorveu rapidamente os códigos da sociedade para depois provocar um silencioso escândalo em sua família. Aquela jovem criada para ser professora, esposa, mãe e depois avó digeriu de forma bastante peculiar os estudos aos quais se dedicou. E aqui aconteceu algo que ela mesma ainda percebeu: Beatriz subverteu os planos traçados para si e resolveu abdicar muito cedo do seu pretenso destino. Não! Ela não foi uma rebelde nem contestadora. Fez tudo direitinho por anos. Casou-se, teve e criou muito bem seus filhos, cuidou do marido quando foi preciso, ainda é exemplo de mãe e de avó. Entretanto, talvez mesmo sem saber, Beatriz escolheu sua trajetória despojada de transmitir aos outros o que aprendeu em seus anos de dedicação aos estudos, à cultura, à arte, às boas maneiras, à ética e à estética. Beatriz percebeu muito cedo que como atriz teria a chance de se oferecer ao público numa oportunidade de conhecimento e debate por meio da beleza e do talento. Não há respostas ou explicações para a vocação, há sim a urgência de dar vazão a um desejo interno de coerência, de possibilidade de satisfação. Este salto entre o desejo e realização fez toda a diferença. Somente as artimanhas de uma boa moça comportada conseguiriam convencer sua família que poderia viajar à Europa para estudar. Para quê? Logo após a Segunda Guerra, em um continente devastado? Beatriz, atriz marota, já interpretava e gargalhava escondida de sua capacidade para conseguir uma bolsa de estudos e embarcar sozinha para a Europa. Já sabia que o motivo seria a busca de uma educação artística melhor. A desculpa era estudar letras, em pós-graduação, mas já namorava o teatro. Dividiria o dia entre as letras e as noites com os textos. Acreditava que teria chance de uma boa educação na França. Sua mãe surpreendeu-a costurando pesado manteaux no calor do verão carioca e fingiu aceitar que era para o inverno brasileiro que se aproximava! Assim Dona Déborah descobriu sobre a viagem a Paris. Rapidamente conseguiu reconhecimento pela aplicação nos estudos, pela capacidade de absorver os ensinamentos e de se comunicar com o público. Apaixonou-se definitivamente pela carreira artística, pela idéia de construir uma linhagem e ao mesmo tempo sedimentar uma vida exemplar que unia e uniu a continuidade de dois investimentos: família e arte. Convites para ficar na França: recusados! De volta ao Brasil, ainda nos anos 50 e ligada à família Segall, Beatriz participou de rádio, teatro, cinema, da televisão que começava. Ainda conseguia tempo para posar para o sogro, Lasar Segall, que retratou e eternizou seu olhar. Não espere que no depoimento a seguir a atriz vá ratificar esta história. Ela não é tão fácil. Beatriz se recusa a ensinar pelo óbvio. É instigadora para que encontremos o caminho com nossa própria leitura. Mas se não contarmos aqui, quem o fará? Nos primeiros anos de carreira a fonte européia se confirmou como ótima opção. Beatriz foi convidada pelos melhores e continuou aprendendo. Pausa. Filhos. Uma boa mãe tem de se dedicar aos filhos, pelo menos nos primeiros anos. Beatriz fez como qualquer outra esposa dedicada ao marido, à família, às crianças: acordar, levar à escola, cobrar lições, acompanhar ao pediatra, educar. Realizada como mãe, volta aos palcos. Os ensinamentos do mestre Sadi Cabral e de Madame Morineau não poderiam ser interrompidos. Beatriz voltou à carreira artística e escolheu o teatro para retornar sua missão. Foram quinze anos, de 1964 a 1979, que Beatriz se dedicou às mais memoráveis produções das melhores companhias, dos melhores diretores, dos textos nacionais e estrangeiros mais poderosos. Naquela época, ditadura militar, o teatro era a mais intensa forma de arte a fazer a ponte entre cidadão e política, entre público e verdade. Beatriz e seu marido, Maurício Segall, fundaram uma companhia radicada no Teatro São Pedro por eles arrendado para edificar o que talvez seria o maior foco de resistência intelectual à tirania. O São Pedro foi local fervilhante para a produção cultural de qualidade, o que já rendeu teses, estudos e se eternizou no belo edifício que ainda existe. Beatriz se despojou do lugar de estrela para produzir, dirigir, cuidar das finanças e continuar atuando. Com o marido preso por um ano após o AI-5, coisas do despotismo, suas funções dobraram. Todo dia levava comida ao esposo e às vezes a outros companheiros de prisão, passando por todas as humilhações evidentes de um desgoverno estúpido e brutal. Surpreendente como esta face desta complexa e sofisticada mulher não é citada nem comentada. Ela mesma nos contou certos fatos, mas aos pedaços, sem drama ou sofrimento autopiedoso. Quando em nosso imaginário formavam-se as imagens terríveis da mulher cujo esposo não retorna de madrugada, as crianças assustadas, o teatro, seu trabalho em andamento... Três dias até a confirmação da prisão e início do ordálio que durou mais de ano. Ao comentarmos sobre esse tempo ela nos consola e minimiza nossa aflição. Não há uma palavra de crítica aos colegas que não a apoiaram e até se afastaram fugindo da repressão e do fato de ela ser uma mulher visada pelo sistema. Marido solto, compromisso familiar cumprido. O casal reconhecera que os caminhos ali se separavam e Beatriz é definitivamente jogada na cova dos leões: a televisão. Chamada inicialmente para participação especial, seu papel de Celina, esposa traída e mãe dominadora, comoveu o País ao morrer no auge do sucesso em Dancin’ Days. Daí em diante, somente papéis marcantes, até o mais popular personagem da telenovela de todos os tempos: Odete Roitman. A poderosa senhora que odiava pobre e voltava ao Brasil para sugar nossas riquezas, explorar empregados e perturbar a família! – Exatamente o oposto da posição engajada de Beatriz na vida. – Marca da grande artista transformar assim o clássico papel de vilã em uma metralhadora de verdades politicamente incorretas, mas adoráveis. Odete Roitman dizia o que muitos pensavam, mas ia muito mais além. Transformava pensamento em ação. Aí pudemos aprender sobre o perigo dos preconceitos, as conseqüências da impunidade. Beatriz tem certeza que a personagem contribuiu para o esclarecimento da população sobre o que viria a acontecer. Assim como o Expressionismo alemão apontava para o nazismo, Odete Roitman anunciava que a era Collor seria a desenlace da devassidão cultivada há décadas no Brasil. Depois de Odete, o que fazer? Beatriz percebeu que o limite da televisão impediria novidades de impacto. Quase todos os papéis posteriores teriam de ser diferentes da vilã de Vale Tudo, mas a TV gosta de se repetir. Assim Beatriz voltou a investir novamente na carreira teatral. Monólogos memoráveis como Lilian e O Lado Fatal, os lugares disputados a gritos e tapas pela platéia em Três Mulheres Altas, o retorno ao grupo Tapa em O Fundo do Lado Escuro. Todas as peças de impacto, confirmando que a carreira de Beatriz teria de privilegiar o teatro. Beatriz certamente adoraria fazer mais filmes, mas no Brasil há uma curiosa opção por mostrar miséria e violência. Não houve diretor corajoso para chamá-la a trabalhar sob a mira de revólveres. Ela aceitaria! Na verdade Beatriz é apaixonada por cinema. Mantém-se atualizada, vai muito ao teatro, coisa rara para artistas. Ela prestigia ao máximo as montagens de amigos e até de quem não mais o é. Se uma peça lhe interessa não se faz de exigente. É capaz de ir ao teatro mais distante, à montagem mais simples. Às vezes, mesmo não se dando bem com seu autor, diretor ou mesmo protagonista, Beatriz vai assistir ao espetáculo. Se gostar é capaz de ser absolutamente sincera e elogiar o colega que não faz o mesmo com ela. Elegâncias à parte, Beatriz Segall segue a coerência da busca pelo belo, pelo justo, pelas coisas de valor, pela dignidade da profissão. Após assistirmos ao marcante Os Sete Afluentes do Rio Ota, Beatriz, comovida, foi cumprimentar os artistas. Estes, num imenso camarim comum, iniciaram longo aplauso assim que ela entrou. Com sua autoridade exigiu silêncio e declarou: Estou aqui para aplaudi-los e agradecer, fiquem quietos! Obviamente obedecida, os atores ouviram-na atenciosamente elogiar de forma precisa e crítica o texto, cenário, interpretação e direção. Ao olharmos suas expressões, estas revelavam a comoção do reconhecimento – os aplausos dos atores recomeçaram e desta vez ela não os admoestou – mas avançou e abraçou-os... Uma das coisas que mais gosta é um programa duplo de filmes, com intervalo para uma pequena refeição. É o que chama de programa colosso, termo aprendido com a mãe, da infância desta no Rio de Janeiro, na época em que, antecedendo aos grandes espetáculos, era comum a exibição de seriados e cinejornais. Daí o colosso: horas extasiadas de Dona Déborah em frente à tela. Nada de violência gratuita, porém. Pode ser qualquer tipo de filme, menos aqueles com perda de sangue e tempo. Quem tiver curiosidade assista ao making of de Desmundo, em que Beatriz dá uma entrevista em pleno set de filmagens. Lá você perceberá a estrela em sua plenitude de inteligência e bom humor. Nada daquelas análises bobocas sobre o personagem ou a importância do filme. A atriz fala da qualidade da produção e do prazer de atuar. O que mais é preciso para esta profissão? Conhecia o livro, estudara profundamente o texto e transmite aquela sensação deliciosa para quem a assiste que está se divertindo muito com o que faz. Beatriz odeia pretensão e deverá odiar este prefácio. Não suporta culto à personalidade – não a chamem de diva! –, pois tem certeza que sua carreira foi fruto de esforço e estudo. Ela acredita que não nasceu com dom algum. Aprendeu a ser atriz com dura dedicação, além de enfrentar uma sociedade que na época de sua escolha profissional confundia atriz com prostituta. Talvez por isso a natureza a escolheu para mostrar que o conceito de velhice é uma bobagem. Beatriz não tem idade. Pode falar que tem 20, 50 ou 80 anos. Não há a mínima possibilidade de identificarmos esta senhora com nenhuma época. Beatriz é do presente que pensa no futuro. Uma de suas melhores tiradas – e ela as tem em profusão – foi ao ser entrevistada por uma jovem e saltitante repórter da Globo em noite de estréia de Ponto de Vista: No que a senhora está pensando, está feliz com seu trabalho atual? Ela: Estou, mas já penso no próximo. Beatriz não pára, não quer parar e tem energia extraordinária para continuar. É claro que se cuida, exercita-se, trata-se bem, mas não abdica de comer o que quer, dormir quanto for preciso e adora viajar. Moda, não se preocupa. Suas roupas clássicas anunciam que não há preocupação com modernices. No mundo não há limites. Recentemente foi sozinha à China. Qual o problema para quem chegou desacompanhada a uma Paris devastada pela Segunda Guerra? São poucos que agüentam seu fôlego para andar, vasculhar cantos, envolver-se com as histórias do local e nada de fotos! Beatriz guarda tudo na memória e é capaz de lembrar de um fim de semana que passou na praia em sua juventude. Vá anotando, pois nem cremes, nem plásticas, alimentação ou ginástica garantem a juventude. Beatriz ensina que o segredo da eternidade se faz com a dedicação apaixonada aos amigos, parentes e à profissão. Beatriz adentra a vida de maneira peculiar, única. O mergulho é tão intenso que atordoa o desavisado. Curiosa, nunca se furta a nada. Jamais se ouvirá dela: Isto não me interessa. Sai no meio de filmes ou peças que não lhe digam nada, mas é capaz de ficar horas conversando, analisando, refletindo sobre temas relacionados à sua arte. Isto é viver, dar um sentido pessoal a tudo. Que privilégio estar com ela nesta jornada. Andres Santos Jr. e José Paulo Fiks Inverno, 2004 Beatriz Segall Além das Aparências Apresentação Todo mundo sabe, todo mundo vê o magnetismo e o talento de Beatriz nos palcos e nas telas. Todos reconhecem sua classe, seu refinamento. E eu, que tive o privilégio de ir com ela bem além das aparências, agora posso revelar algo a mais sobre uma das mais importantes figuras do nosso cenário artístico. Um privilégio, sem dúvida. Conheço Beatriz há décadas, e tenho o orgulho de dizer que somos amigas. Por isso, quando Rubens Ewald Filho me convidou para escrever a biografia dela, fui tomada por uma alegria quase infantil, parecida com a de uma criança que recebe o presente desejado antes do Natal. Finalmente agora, depois de mais de uma dúzia de (prazerosos) encontros para falarmos do livro, posso ir mais fundo e mostrar que Dame Beatriz é uma excelente cozinheira e dona de casa, faz uma carne assada inesquecível e tem um humor invejável. Posso contar também da maravilha que é o jardim de sua casa em Campos do Jordão, onde Beatriz caminha como uma menina descobrindo o paraíso, vivendo com cada planta, com cada árvore e com cada flor uma intimidade conquistada, traduzida em paz. Aqui e agora posso falar, inclusive, da amiga chegada em boas travessuras, como sair por aí disfarçada para fazer compras. O engraçado é que Beatriz se acredita mesmo irreconhecível, só porque amarra um lenço na cabeça e usa óculos escuros... E já que tive esse espaço para revelações, preciso contar uma coisa importante: a vilã que mobilizou a ira dos telespectadores em duas das novelas de Gilberto Braga exerce sua cidadania como gente grande e se engaja também nas questões da profissão lutando com unhas e dentes por tudo que considera justo, fora e dentro de casa, sem esforço: Não faço mais do que minha obrigação, ela diz. E interrompe o papo para telefonar para a ex-nora que se transformou em amiga querida – veja que coisa rara –, mas perfeitamente cabível quando se trata de Beatriz Segall. Ninguém me contou, eu mesma vi (e aplaudi silenciosamente) gestos de grande generosidade que Beatriz pretendeu ocultar de mim. Nunca falamos sobre isso e sei que ela prefere que eu me cale. Obedeço, então. Quando eu era adolescente, meu pai assinava a Seleções Reader’s Digest, uma revista mensal tipicamente norte-americana, que continha a seção Meu Tipo Inesquecível. Eram pequenos relatos dos leitores que elegiam alguém que admiravam e usavam uma página da revista para expressar esse respeito ou estima, ou os dois juntos. Relendo tudo que escrevi aqui, me lembrei disso e – sem constrangimento – posso afirmar que Beatriz é um dos tipos inesquecíveis da minha vida. Inclusive como atriz, porque sua atuação em Emily, Três Mulheres Altas, O Manifesto, Hamlet e A Carta me fez ver a necessidade de conjugarmos constantemente os verbos imprescindíveis, aqueles que começam com a sílaba re: reavaliar, repensar, rever, reconsiderar, rememorar, realçar, reajustar, reanimar, realizar, reaparecer, reatar... Espero que o mesmo aconteça com você diante dessa história que agora, além das aparências, Beatriz vai nos contar. Nilu Lebert Abril de 2006 Capítulo I O que trago dentro de mim está além das aparências. (Hamlet, primeiro ato, cena II) Quando me convidaram para fazer este livro, confesso que não fiquei muito animada porque não gosto muito de mexer nas recordações e de olhar para trás. Além do mais, sempre tive muito cuidado em não expor minha vida particular por uma questão de respeito comigo mesma e com os meus. Talvez isso explique minha resistência em aceitar este convite. Acho que minha vida não é da conta de ninguém, e não é uma questão de querer me esconder, é uma questão de preservar o que é meu. Sou capaz de expor o meu trabalho, a minha vida profissional, mas o problema de falar sobre ela é que, de fato, não sei quantas novelas ou peças já fiz, não guardo programas de teatro e nem tenho fotografias das montagens. Para mim, o que conta mesmo, o importante, é o dia de hoje e como vou vivê-lo. Nas raras vezes em que olho para trás, eu vejo que mudei, mudei muito, e continuo mudando. De 2003 para cá passei por uma grande transformação e continuo me transformando. Sou uma pessoa nova, e estou contente com essa nova Beatriz. Isso se deve ao fato de eu ter voltado a fazer análise. Aconselho as pessoas que tentem descobrir o analista que mais lhes agradar e que se entreguem à análise para o resto da vida. Não sei se os outros perceberam a minha mudança; só sei que estou gostando muito dela. Claro que você aí está curioso para saber por que (depois de tudo que eu disse) aceitei o convite para fazer este livro. É que eu resolvi enfrentar os oitenta anos que completei em julho de 2006. Sempre disse que uma atriz não tem idade. Mas completar 80 anos, com a saúde e a disposição que eu tenho, é motivo para agradecer aos deuses. E mais ainda porque sinto que um novo capítulo está se abrindo. Tem gente que leva uma vida sempre igual, mas comigo isso felizmente não acontece. Mudei muito ao longo dos anos e, como já disse, não gosto mesmo de ficar olhando o que passou. Acho que é por isso que não guardo raiva de ninguém e cada vez alimento menos os ressentimentos. Ressentir é sentir novamente, é patinar no mesmo buraco como a roda de um carro atolado. Não gosto de olhar pra trás porque me cansa, eu quero olhar pra frente, e não é nem por princípio. Acho que é por esperteza, por estar mais amadurecida, mais focada. Meu lazer principal é ler. Eu costumo dizer que, se tivesse lido com muita atenção tudo o que já li, hoje eu seria uma enciclopédia ambulante. Mas acontece que eu não leio com muita atenção, não tenho boa memória para essas coisas e concordo com aquela definição de cultura que diz: Cultura é o que resta daquilo que você já se esqueceu! Digo isso para que as pessoas não pensem que eu me considero uma mulher culta, coisa que, sinceramente, não sou. Eu sou uma mulher que sabe um pouco a respeito de algumas coisas. Dizer isso eu acho importante, é uma questão de honestidade. Meu primeiro lazer é ler. O primeiro romance que li se chamava O Homem Põe e Deus Dispõe. Era um livro delicado, meio água-com-açúcar, uma história de amor que me fez pensar que eu era a heroína, ao lado de um príncipe maravilhoso, vivendo aquela história emocionante. Vale dizer que eu tinha 8 ou 9 anos quando isso aconteceu e, mesmo não me lembrando mais o nome do autor, me recordo do profundo prazer que aquele livro me deu. Estou sempre em busca de novos autores, e leio muita coisa por indicação de amigos. Acho que eu tenho mesmo um fetiche com livros: pegar um livro novo nas mãos é um enorme prazer. Não grifo os livros, mas faço anotações paralelas, em cadernos e blocos. São frases que eu guardo para ler de vez em quando. Reler também é muito bom, sobretudo Proust e Balzac. Para uma atriz, A Comédia Humana é fundamental. Outro lazer prazeroso é conversar. Adoro conversar com gente inteligente, gente que acrescenta, instiga, informa. Ir ao cinema e viajar também são grandes prazeres. Capítulo II Viagem à China Já viajei muito por este mundo, mas ainda há muito para conhecer. Fiz, em 2004, uma viagem à China, um país que me surpreendeu. Pequim é uma cidade incrível, com avenidas larguíssimas e construções novas. Aliás, está havendo por lá uma reação contra essas construções mais ocidentalizadas por medo da perda das tradições da arquitetura chinesa que eles querem valorizar, com toda a razão. Ver aquele país que, imaginava eu, estava atrasado com relação ao resto do mundo por não viver no sistema capitalista, foi uma grande surpresa. Lá, você nem se lembra de que não está em um país capitalista. Eles cresceram tanto! São simpáticos, falam um inglês correto, do ponto de vista gramatical, mas a pronúncia é muito engraçada. Eu tinha uma dificuldade enorme em entender o que eles queriam dizer, sobretudo entre os guias turísticos, e ficava pedindo que eles repetissem, tentando adivinhar o que eles falavam. Fui visitar as Muralhas da China, outra experiência emocionante. Quando você se vê ali, diante de uma construção que tem mais de sete mil anos, é uma sensação fantástica que nos leva, inevitavelmente, a repensar sobre a nossa significância. Ou insignificância, melhor dizendo. Sempre gostei muito de arte japonesa, mas tinha certa resistência para com a chinesa. Achava tudo muito dourado, muito vermelho, aquelas cores muito vivas. Ignorância total da minha parte. Depois que eu vi uma exposição de arte chinesa aqui em São Paulo e, mais ainda, vendo as coisas lá, percebi que eles têm uma sutileza incrível. Fui a Xi Yang, que fica a duas horas de avião de Pequim. Lá é que foi descoberto, acidentalmente, o exército de terracota. Em matéria de arqueologia, a China vai de vento em popa, eles têm descoberto coisas fantásticas. O pouco que eu vi da parte rural é muito bonita e você percebe que o país vive uma fase de grande progresso. Outra coisa que me surpreendeu foi a qualidade da hotelaria, dos restaurantes. Hotéis de primeiríssima linha, com restaurantes internacionais da melhor qualidade, não faltam em Pequim. Dentro dos hotéis ficam as lojas mais chiques da cidade, como Hermès, Christian Dior etc. Pena que eu fiquei menos de três semanas... Voltei a São Paulo, onde moro oficialmente, e a vida seguiu seu curso normal de trabalho. Entre 2003 e 2006 fiz duas peças de teatro: Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa, de Mário Brasini, que ficou em cartaz quase dois anos entre Rio de Janeiro, São Paulo (capital e interior) e algumas capitais do Sul. O espetáculo sofreu uma interrupção quando fui para o Rio de Janeiro cumprir um outro contrato no Centro Cultural Banco do Brasil para fazer a personagem Regina de As Pequenas Raposas, de Lillian Hellman, e que foi um grande sucesso. Em seguida retomei, por mais cinco meses, o Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa. Amo o meu trabalho. Adoro trabalhar com pessoas em quem eu confio, pessoas honestas, eu diria que pessoas antigas, porque hoje em dia boa parte dos jovens já não vê o teatro como a gente via, como um sacerdócio. A maneira de encarar o trabalho mudou muito. Agora, o importante é você aparecer na mídia, e não se entregar e se dedicar ao trabalho em si, à peça em si, mas sim ao sucesso pessoal. Deve ser o espírito da época, não é? Nós vivemos sob o jugo do marketing, você pode ter muito talento, ser muito capaz, ser inteligente, ser um ótimo elemento dentro da sua profissão, mas se você não aparece, se você não é badalado, será sempre considerado um valor menor... Que pena! Eu vibro quando encontro pessoas que vão para o palco para fazer um trabalho pelo trabalho, pelo prazer do exercício da profissão, e pela honestidade com que enfrentam isso, não só a honestidade em relação ao trabalho, mas a honestidade em relação aos colegas. Trabalhar sem confiar no seu colega, sem ter a certeza de que ele vai te auxiliar, no palco, no momento em que você precisa, ou ter certeza de que ele não vai fazer nenhuma (vamos usar a palavra certa) safadeza que te atrapalhe, isso é primordial. Já me aconteceu de trabalhar com atores (jovens e velhos, isso não é questão de idade), que se portam mal em cena porque se esquecem do público, do trabalho, do produtor, da profissão, e ficam mais preocupados em atrapalhar os que possam estar fazendo sucesso. Felizmente, não encontrei muita gente assim. A primeira vez que pisei num palco, e diante de uma platéia elitizada, foi integrando o grupo amador de alunos da Aliança Francesa. Representei a Cathos, de As Preciosas Ridículas, de Molière, no original, como exercício do curso de língua francesa. Naquela mesma noite, fui convidada para participar do grupo profissional Teatro de Câmera do Rio de Janeiro. Mas, com grande tristeza, não pude aceitar o convite porque meu pai disse que eu lhe daria um grande desgosto se me tornasse atriz. Com isso, aprendi a não pedir mais licença para nada e a decidir só pela minha cabeça. Fiz muitos cursos de teatro, inclusive na Sorbonne, em Paris, mas o melhor que fiz foi no Rio de Janeiro, no final dos anos 40: o Curso Prático de Teatro do Serviço Nacional de Teatro. O curso era dirigido pelo Santa Rosa, artista plástico que foi um dos grandes inovadores da cenografia brasileira. O professor principal era o Sadi Cabral, foi um grande ator, um ator de cultura, introdutor do método Stanislawski no Brasil. Esse foi o melhor curso de teatro que fiz. Foi em uma das aulas desse curso que Jean-Louis Barrault gravou uma cena na qual eu interpretava um personagem em Les Mains Sales (As Mãos Sujas, de Sartre) e a fita foi usada num programa de rádio que ele realizou, de volta a Paris, contando sua viagem à América do Sul. Ainda neste curso, fiz – pela primeira vez no Brasil – O Belo Indiferente (J. Cocteau), mas meu primeiro trabalho profissional foi, de fato, em Manequim (Henrique Pongetti) no Teatro Copacabana, ao lado de Jardel Filho e, em seguida, Jezabel (Jean Anouilh), com Mme Morineau, Sônia Oiticica e Jardel Filho. Todo intérprete vai construindo sua arte a partir de um sentimento muito íntimo que lhe dá uma grande força e faz dele um artista: autoconfiança, carga de sofrimento, sentido trágico da vida – ou quem sabe mesmo – o contrário disso: uma alegria de viver. Beatriz Segall, que conheci como Beatriz de Toledo, tem seu segredo: constrói sua arte a partir de um devotado empenho no saber. Aprendeu isso com seu mestre Sadi Cabral: tudo ver, tudo observar, tudo analisar. Na verdade, o cultivo paciente da inteligência, entre pessoas, fatos e livros, trazendo para a personagem (sempre uma sombra do que poderá vir a ser) a clarividência das coisas verdadeiras. Maria Thereza Vargas Uma das coisas mais importantes que nos foi ensinada no curso era a ética no trabalho, o respeito pela profissão. É claro que você não pode exigir do ator que ele seja tão modesto a ponto de se apagar, mas você tem que exigir dele que ele seja tão correto a ponto de não apagar os outros. Você nem pode imaginar como é maravilhosa a sensação de encontrar colegas que têm esse tipo de mentalidade, que é uma mentalidade característica dos anos 50, 60. Depois do golpe de 1964, as coisas mudaram muito no Brasil e mudaram muito no teatro. Capítulo III O Começo Criança ainda, aos cinco anos, fui assistir a um balé e voltei para casa dançando. Minha mãe ficou encantada e disse ao meu pai que gostaria que eu estudasse balé. Você enlouqueceu, respondeu ele. Imagine, Beatriz ir estudar balé! Isso pode levá-la a querer ser atriz, que absurdo! Preciso dizer que meus pais (Déborah e Mário de Toledo Fonseca) eram professores, donos do Colégio Pio Americano, em São Cristóvão, e que eu tive uma educação rígida. Posteriormente, meu pai foi diretor do Colégio Lafayette, na Tijuca. O comportamento da nossa família era pautado pelos princípios morais da época, ou seja, eles viam a profissão de atriz como uma coisa meio marginal, pouco séria. Com isso, não estudei balé, claro. Mais tarde, no curso do Sadi Cabral, fui aluna – nada mais nada menos – da Tatiana Leskowa! Com ela, aprendi bastante, mas eu já era uma mocinha taluda, não dava mais para seguir a carreira de bailarina. Aquelas aulas me ajudaram, mais adiante, quando enfrentei o palco. Anos depois, já formada em Letras pela Faculdade de Filosofia e lecionando francês no Rio de Janeiro, vivi um período que mais parecia uma maratona, porque eu lecionava pela manhã, tinha aulas de teatro à tarde e ainda representava à noite. E foi assim por alguns anos, até conseguir uma bolsa do governo francês e poder ir para a França estudar teatro. Naquele tempo, a França tinha uma importância intelectual muito grande no mundo. E continuava tendo, especialmente no Brasil. Eu mesma sou um exemplo disso: sou brasileira, superbrasileira, filha de brasileiros, mas minha mãe foi educada no Sion, ficou seis anos interna lá, com as freiras francesas, e a influência de tudo o que ela aprendeu com elas foi muito grande na minha vida. Meu pai também tinha uma formação absolutamente francesa. Não se concebia, por exemplo, que uma moça bem educada não soubesse falar francês. Mesmo depois de eu terminar a faculdade, onde também eu fiz curso de línguas neolatinas, me especializei em francês. Tudo era a França. A moda daquela época era ir estudar fora, só que era muito difícil conseguir uma bolsa que nos permitisse isso. Eu tinha uma fé muito grande que conseguiria uma para a França, porque havia um professor, lá no Rio, um divulgador de cultura francesa, chamado Michel Simon (homônimo do ator de cinema francês) que trabalhava na embaixada. Éramos muitos amigos, ele se preocupava com o meu futuro e, um belo dia, se prontificou a escrever comigo uma carta solicitando a sonhada bolsa. Para minha surpresa, ganhei. A dificuldade maior foi contar aos meus pais que eu iria passar pelo menos um ano fora do Brasil estudando teatro. Minha mãe dizia que eu só poderia fazer uma coisa dessas se ela fosse junto. E eu ficava apavorada porque intuía que, com a mamãe indo junto, não seria possível fazer nada. Eu sabia costurar muito bem, costurava todas as minhas roupas. Numa tarde em que eu estava fazendo um manteaux de lã preta, também forrado de lã e por cima dele outro forro, de seda, mamãe estranhou. O que é isso? Um manteaux forrado de lã aqui no Rio de Janeiro? Foi aí que eu disse: É que lá faz muito frio. Escapou, sem querer. E ela perguntou: Lá, onde? Então foi aquela surpresa, quase um susto, mas, no fundo, sei que ela sentiu um certo orgulho por eu ter conseguido a bolsa. Acredito que só a ganhei porque eu havia me destacado no curso do Serviço Nacional de Teatro e também porque já tinha feito um pouquinho de teatro profissional com o Silveira Sampaio e com Madame Henriette Morineau. Quando eu estava trabalhando com a Morineau, o adido cultural da França foi ver o espetáculo e se entusiasmou. O fato de que eu falava francês também deve ter ajudado, e aí papai e mamãe não tiveram como proibir. Paris foi uma experiência extraordinária, e não só pelo curso que fiz. O mais importante foi alargar os horizontes, conhecer outra cultura, ver outro povo, viajar pela Europa. Quando cheguei a Paris, em outubro, o dia estava cinzento e eu não encontrei ali toda a beleza que esperava. Mas isso durou pouco, e logo depois eu já estava integrada e de bem com a cidade. Descobri que Paris – mesmo com chuva, frio e neve – é uma maravilha. O povo ainda estava muito chocado com a guerra, e não tratava bem os estrangeiros. Mas eu contava com os amigos brasileiros e o meu interesse se ampliava, sobretudo depois dos dois cursos na Sorbonne: um, de teatro, com os atores da Commédie Française, e outro de língua e literatura francesa. Convivi com gente de diversas nacionalidades, meus colegas eram japoneses, indianos, africanos... Tudo ficou ainda melhor depois que consegui um emprego na Rádio Difusão Francesa, de onde eu fazia programas para o Brasil. Foi um dos períodos mais maravilhosos da minha vida, com uma liberdade que eu não conhecia. Voltei mais independente, confiante. O fato de ter tido uma educação conservadora acabou me ajudando muito quando, de repente, me vi sozinha no mundo, morando fora. Mesmo morando lá, fui várias vezes à Inglaterra. Na Páscoa de 1953 cheguei a ficar quinze dias em Londres e até gravei, na BBC (a convite de Sérgio Viotti), alguns programas de rádio. As lições que meus pais haviam me ensinado foram valiosas, me permitiram discernir melhor as coisas e optar corretamente sempre que surgia alguma dúvida. Eu dei muita sorte. Fui para a Europa de navio (o Augustus), e fizemos escala em Cannes. Dois amigos brasileiros que moravam em Paris foram até lá me buscar de carro e viajamos juntos. Fui a Provence antes de conhecer Paris, passeei bastante com eles e, na noite em que chegamos a Paris, esses mesmos amigos me levaram para jantar num restaurante que era muito freqüentado por brasileiros, estudantes ou não. Me avisaram que entre eles havia um rapaz judeu. Acho que por medo de que eu desse algum fora... Conheci diversas pessoas naquela noite e, entre elas, estava o Maurício Segall, de família judia, que me tratou muito mal no primeiro dia. Surpreendentemente, logo depois começamos a namorar. Ele era professor da USP, em São Paulo, e estava por lá fazendo um curso de pós-graduação. Eu não tinha a menor noção do que era ser anti-semita, apesar dos meus 26 anos. Essas coisas não me preocupavam mesmo. O fato é que o namoro começou a ficar sério, com pedido de casamento e tudo, mas ele teve que voltar para o Brasil antes do que eu. Quando chegou a hora de eu vir embora, meus pais foram me encontrar na Europa e viemos, de navio. Eu sabia que o Maurício estaria nos esperando quando o navio encostasse lá no Rio. E foi só na hora em que estávamos chegando que eu me lembrei que precisava contar a respeito dele para os meus pais, porque eu não tinha falado ainda. Durante toda a viagem eu não falei nada. Então, criei coragem e comecei assim: Papai, você tem algum preconceito contra os judeus? Por que eu haveria de ter? respondeu ele. Não, não tenho preconceito algum. Os dois colégios que eu dirigi tinham muitos alunos judeus, você não se lembra? Aí me lembrei, inclusive, que quando eu estava na escola primária fiquei muito amiga de uma menina que se chamava Mina Fuks, que era refugiada de guerra. Isso foi na década de 30, e fomos muito próximas, os pais freqüentaram minha casa, e nunca ninguém comentou se a menina era judia ou não. Não dávamos importância a isso. Capítulo IV Beatriz de Toledo, agora Segall Maurício e eu nos casamos no ano de 1954. A família dele se orgulhava de ser judia e conservava alguns hábitos e tradições ancestrais. Eles celebravam as datas importantes, mas não eram praticantes da religião, e nunca fizeram nenhuma objeção ao casamento dos filhos com mulheres não-judias. Não havia preconceito. Lembro-me de um dia em que o Sérgio, meu filho mais velho, já com 4 ou 5 anos, queria porque queria uma árvore de Natal em casa. E, como para mim a árvore de Natal também não tinha conotação religiosa, fiz a árvore. Então minha sogra, Jenny Klabin Segall, disse assim: Vamos fazer Hanukka também! (Hanukka é uma festa judaica que comemora o dia das luzes e a revolta dos macabeus). Naquele ano, as datas coincidiram e fizemos Hanukka no dia de Natal. E assim ficou: eu fazia o Natal e ela fazia a Hanukka. Depois que Dona Jenny morreu, a irmã dela continuou a tradição. Eram festas muito bonitas, e sempre vinha alguém de fora, em geral um rabino, que falava sobre os macabeus, conversava com as crianças e lembrava os fatos históricos, ainda que elas, naturalmente, estivessem mais interessadas nos presentes que iam ganhar. Mas eu achava isso muito positivo, meus filhos tinham que conhecer as origens deles. Tivemos três filhos, Sérgio, Mário e Paulo, e morávamos ao lado da casa dos meus sogros, Lasar e Jenny. Posso dizer que (quase) morávamos juntos, porque nossos jardins se comunicavam, ao fundo, e eu ia à casa deles sem ter que sair à rua. Nossa convivência era um pouco cerimoniosa, mas eles eram extremamente gentis, agradáveis, delicados. Convivi alguns poucos anos com Lasar Segall, que morreu em 1957. Depois disso, Dona Jenny se mostrou mais formal ainda, mas permitia que eu entrasse todas as manhãs no quarto dela, enquanto ela tomava o café da manhã. Uma noite, jantando lá em casa, Segall estava olhando meus livros e encontrou um álbum com fotos e recortes meus, alusivos às peças de teatro que fiz quando era solteira. E ele passou uma descompostura no Maurício, disse que eu tinha que continuar a fazer teatro, que eu não podia parar... A decisão de parar com a carreira e realizar o sonho de ficar em casa, de ser dona de casa, mãe de família, foi unicamente minha. No começo, eu não tinha a menor vontade de voltar a fazer teatro e me lembrava sempre da Madame Morineau dizendo: Menina, você tem talento, mas não tem vocação. E era verdade. Minha vocação era a festa que o teatro significava. Eu gostava de representar, gostava dos ensaios, gostava do dia da estréia, gostava da primeira semana, mas depois que tudo isso passava eu achava que a peça não precisava continuar. O que mostra realmente que, na época, eu ainda não tinha vocação. Ninguém me disse: Você tem que parar porque se casou, vai ter filhos, tem que ficar em casa. Eu é que não imaginava voltar a fazer teatro. Achava que eu tinha mesmo era que ficar em casa cuidando dos filhos, ficando bonitinha no final da tarde para quando o marido chegasse e fazendo tudo o que as feministas diziam que não era para fazer. Naquele tempo o feminismo estava começando a atingir o Brasil. Devo dizer que não me arrependo de nada; achei muito bom ter ficado todos aqueles anos em casa, sem um trabalho regular. Até o ponto em que eu comecei a sentir falta de ter uma atividade fora. Foi assim: eu queria ser dona dos meus horários, queria ter tempo para os filhos. Engraçado, eu só tive filhos homens, mas não fiquei frustrada por não ter uma menina. Minha mãe vivia dizendo que o primeiro filho devia ser varão, e se eu não tivesse tido um menino para começar, aí sim, talvez eu tivesse ficado frustrada. Mas veio o Sérgio e quando chegou o segundo, Mário Lasar, tanto fazia, mas o fato de ter sido outro homem me deixou muito contente. Quando engravidei do terceiro, pensei que seria bom se fosse uma menina, mas comecei a me lembrar da minha mãe, que dizia que era muito mais complexo criar uma menina, e o Paulo foi muito bem-vindo... Troquei fraldas, me dediquei completamente a eles e, agora que sou avó, já avisei para os meus filhos e noras que só quero ser avó para brincar. Albúm de Família O que me ocorre quando me perguntam sobre minha mãe é o seu exemplo como mulher perseverante, forte e determinada. Seja em sua vida pessoal, seja em sua vida profissional, ela nunca desistiu, sempre enfrentou os muitos dissabores que a vida lhe apresentou e seguiu em frente. Não creio que as coisas tenham sido fáceis, desde os primeiros anos no Rio de Janeiro. Mas, de alguma forma, ela foi moldando o seu caráter para resistir com força. Penso que, ainda hoje, depois de tantos anos, tantos desafios e tantas realizações, o seu sonho mais íntimo segue sendo o mais simples, o mais dócil e, por que não, o mais feminino: ter uma família à maneira tradicional, cuidando dos seus. Tanto é assim que, para realizá-lo, abriu mão por doze anos de sua maior paixão, o teatro e a arte de representar. O fez para cuidar dos filhos e do marido. E, ao fazê-lo, perdeu seus melhores anos para o exercício da profissão e atrasou sua carreira. Já na adolescência, pude acompanhar o seu difícil retorno ao trabalho, como atriz coadjuvante, quando suas colegas de geração já estavam estabelecidas no estrelato. Algum tempo depois, vi sua luta, as humilhações inevitáveis de um reinício tardio, quando ela foi para a televisão, trabalhar em uma estrutura industrial e altamente competitiva. Eram tempos difíceis também para mim, posto que seu casamento chegou ao fim e ela se separou de meu pai. Como é natural nessas situações, todos os membros da família se sentem confusos e inseguros. Mas, aos poucos, minha mãe foi estabelecendo seu nome no cenário artístico brasileiro, foi ganhando espaço até chegar ao primeiro time. Essa sua trajetória, naquelas circunstâncias,  foi inspiradora e, de algum modo, me ajudou também a ter segurança, a crescer e superar meus próprios desafios. A vida de minha mãe pode ser dividida em três fases: a primeira antes do casamento, lutando para se tornar atriz e sonhando em construir uma família. A segunda com seu casamento, o nascimento dos filhos e seus primeiros anos. E a terceira, com a separação, a solidão e, por outro lado, o desabrochar de uma sólida carreira profissional. Hoje, pensando em tudo isso, nos melhores e piores momentos, acho que ela tem tudo para se sentir uma mulher realizada. Do jeito torto e imperfeito que a vida sempre tem, ela realizou tudo o que queria. Teve e ainda tem uma carreira de grande sucesso, com um nome que é sinônimo de talento, qualidade e respeitabilidade. Como pessoa, é uma lutadora. Com seu exemplo, certamente ajudou a construir o perfil da mulher moderna no Brasil: independente, criativa e participativa. Mas mais que tudo, acho que, ao fim e ao cabo, ela também conseguiu realizar o seu sonho mais profundo. Com três filhos, mais de três noras vejam vocês (!!!) e vários netos, ela tem, sim, uma grande família que tem orgulho de tê-la como inspiração. Sérgio Segall A grande lição que recebi de minha mãe, e à qual espero ter feito jus, é seu senso de profissionalismo. Essa mania de levar cada trabalho muito a sério, de não medir esforços para realizar o melhor, de respeito aos colegas, chegando ao teatro uma hora antes do espetáculo, se concentrando, vencendo oposições e desafios ao longo da vida. E encontrando tempo, nessa jornada, para educar os filhos e dividir seu carinho com a família. Parabéns por uma trajetória pessoal e profissional de sucesso. Mário Lasar Segall Eu gostaria de falar da minha mãe como mãe, porque como atriz, como pessoa pública, muito já foi dito. Ela sempre foi uma mãe muito presente, e desempenhou um papel importantíssimo na minha infância, sobretudo durante o tempo em que meu pai esteve preso. Sou o filho caçula e vejo que a dedicação dela, naquele momento, assim como em outros ao longo dos meus 41 anos, foi decisiva para a minha formação e a de meus irmãos. Devo dizer que minha mãe sempre enfatizou minha determinação em correr atrás de meus objetivos com muita dedicação e independência, e acho que isso colaborou para a formação da minha auto-estima. Hoje, mais velho, percebo como a nossa relação foi se aprimorando ao longo dos anos. Sinto que ela foi construída (e sedimentada) através, inclusive, de vivências não programadas como, por exemplo, a de eu ter criado os cenários de duas das peças em que ela atuou. Essa parceria profissional aconteceu acidentalmente, e eu a considero um marco na nossa relação de mãe e filho, pois, embora sem perder em nenhum momento o senso mútuo de profissionalismo, eu percebi que de alguma forma a presença familiar nos ensaios, nos momentos pré-estréias, nos foi muito positiva e bem-vinda, mesmo para ela, apesar de toda sua experiência e vivência nos palcos. Isso nos proporcionou momentos de grande afeto. Tudo começou com um almoço em sua casa. Era um dia 5 de janeiro, e como não tínhamos nos visto no final do ano, eu propus almoçarmos juntos logo na primeira semana. Só que eu não sabia que o produtor executivo da peça que ela iria fazer, Histórias Roubadas, estaria lá também e, como filho, fiquei me sentindo “injustiçado” por compartilhar aquele momento com mais alguém, já que o encontro, supostamente, seria para falarmos de nossas respectivas festas de ano-novo. Fiquei quieto o almoço todo, enquanto eles não paravam de falar na peça. Em um dado momento, quando começaram a fazer conjecturas de quem iria fazer o cenário, em meio às sugestões de possíveis nomes, eu mesmo disse que poderia encarar o desafio de fazê-lo; haja auto-estima!!! (deixando minha mãe de saias justas, coitada) Como se manifestar contra o filho e ao mesmo tempo não furar o lado profissional com o produtor (Emilio Kalil) e com o diretor (Marcos Caruso)? Felizmente todos aceitaram o risco; acabei adorando o almoço!!! Tempos depois, fiz também o cenário de mais uma peça em que ela atuaria, Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa. Esse exercício profissional enriqueceu muito o nosso relacionamento e, para mim, foi uma das experiências mais emocionantes que vivi com minha mãe. Além disso, por conta desses trabalhos que não teriam sido possíveis sem o envolvimento de minha mãe, pude ampliar meus horizontes profissionais como arquiteto; hoje faço cenografia para outros produtores, o que até então nem sequer cogitava fazer. Paulo Segall Meus filhos são a coisa mais importante da minha vida. Sem eles, eu seria completamente frustrada, e agradeço a Deus todos os dias pelo que eles são: homens bons, bonitos, inteligentes, com bom caráter. São bons pais, responsáveis, benquistos por todos que os conhecem e, sobretudo, são meus amigos. É claro que cada um deles tem suas características próprias, um jeito único de ser. Sérgio, o mais velho, foi um cineasta reconhecido, premiado várias vezes dentro e fora do Brasil. Diante de tantas dificuldades que encontrou para seguir na carreira, tomou corajosamente a decisão de abandoná-la. Hoje é um muito bem-sucedido executivo, realizado e feliz. Me deu dois netos lindos: João (13) e Fernando (9). Mário é o segundo, o mais alto, o que está sempre brincando, mas que tem uma seriedade enorme em tudo o que faz. É arquiteto, professor universitário, e faz as maquetes mais lindas do Brasil. Me deu três netos: Pedro (20), Francisco (5) e Julio (1). São três encantos. Paulo, o caçula, está sempre pronto para brigar pelo que acha justo e, nesse ponto, não dá trégua nem a si próprio. Tudo tem que ser feito com a maior responsabilidade. É carinhoso, empenhado, tem uma veia artística presente em tudo o que projeta. É arquiteto como o Mário, desenha lindos tapetes e fez o cenário de duas das minhas peças. Me deu dois netos, Joaquim (9) e Olívia (7). E, assim, sou avó de sete netos, cujas idades variam entre 1 e 20 anos. Todos me dão enorme prazer. Já viajei algumas vezes com o mais velho e costumamos sair juntos; às vezes ele me telefona para saber se eu quero ir ao cinema com ele e eu duvido que muitas avós recebam esse tipo de convite... O de treze anos tem muito jeito para escrever poesias, e eu gostaria muito de agora, com a idade que tenho, escrever o que ele escreve! Tenho dois com nove anos, bem diferentes um do outro, mas igualmente divertidos. São todos adoráveis, bonitos, saudáveis, companheiros. O de cinco anos, desde que fez quatro, adora ir à livraria comigo! Tenho uma única neta, de sete anos, que é a feminilidade ambulante. É bonita, dona do nariz dela, e vai dar muito trabalho para os pais... De alguma maneira, estar com os netos me faz voltar ao tempo em que os meus filhos eram pequenos, em que eu optei por ficar ao lado deles, acompanhando o crescimento, adubando tudo isso com a minha presença. Mas chegou um momento em que não consegui mais ficar longe da carreira. Antes de voltar a abraçá-la completamente, participei dos programas da Tatiana Belinky e do Júlio Gouveia na TV Tupi. E fiz o primeiro seriado, também na Tupi, sobre ficção científica, com o Lima Duarte. O nome era Lever no Espaço! Uma coisa totalmente insipiente. A idéia era boa, mas foi muito mal executada. Acho que posso dizer que participei da primeira produção de uma minissérie na televisão brasileira, e logo uma minissérie de ficção científica! Depois dessa experiência acabei por me juntar ao grupo de teatro semiprofissional do Teatro de Arena. Lá estavam o Gianfranceso Guarnieri e o Vianinha (Oduvaldo Viana Filho). Fazíamos grupos de estudo, líamos muito. Guarnieri, Vianinha eu estávamos sempre juntos. Foi um período extremamente frutífero. Eu morava na Vila Mariana, na rua Afonso Celso, e a peça Eles não Usam Black-Tie (G. Guarnieri) foi lida pela primeira vez na minha casa. Um belo dia eles me convidaram para integrar o grupo de teatro que tinham formado, o Teatro Paulista de Estudante (TPE), do qual eu acabei tomando conta, já que a sede ficou sendo na minha casa. Fizemos um bom trabalho com peças de autores nacionais e acabei dirigindo algumas delas, feitas no Teatro de Arena. Cheguei a ter boas críticas, inclusive do Décio de Almeida Prado, e quase me convenci de que eu era diretora de teatro... Mas felizmente tive juízo e não continuei dirigindo. Acho que direção não é mesmo o meu forte. O que eu sabia fazer era representar, e então optei por voltar a ser atriz. Não fiz mais televisão porque fazer as duas coisas juntas seria muito difícil, atrapalharia muito minha vida particular. E, como tudo na vida acontece quando está na hora de acontecer, voltei quando recebi o convite do Zé Celso Martinez Correa para substituir Madame Morineau em Andorra (de Max Frish), no Teatro Oficina, uma oportunidade que eu não poderia deixar passar. Meus filhos já estavam crescidos, eu tinha uma boa estrutura doméstica e decidi aceitar o convite. Só tivemos cinco dias de ensaio, mas, ainda assim, enfrentei o desafio. Depois disso, não parei mais e trabalhei em várias outras peças, ainda no Oficina. Mesmo sendo jovem, eu não tinha mais dezoito anos, achava que nunca iria chegar a ser uma primeira atriz, apesar de, naquele espetáculo, estar substituindo uma grande atriz. Mas eu estava perfeitamente acomodada com isso. Acreditava que – se fizesse bons papéis – já seria o suficiente. No começo da carreira fui mal recebida por muitos colegas de profissão, e isso se deve a um boato que se criou, o de que eu era grã-fina e que estava tomando o lugar dos outros, uma postura maldosa e destrutiva que me prejudicou muito. Grã-fina eu nunca fui, e tomar o lugar dos outros é uma coisa que eu nunca fiz, porque trabalhar é um direito que a Constituição brasileira me concede. E, além do mais, sempre fiz meu trabalho com a maior seriedade e profissionalismo. Mas eu tinha essa fama, fazer o quê? Só para ilustrar o que estou dizendo, quando fiz Os Inimigos (de Gorki) no Teatro Oficina, o figurino mandava que eu estivesse vestida de renda e coberta de jóias, porque o personagem era o de uma mulher muito grossa e muito rica, que fazia questão de exibir suas qualidades financeiras, uma vez que dotes morais e de inteligência ela não tinha mesmo. E aí a classe teatral inventou que eu trazia, de casa, todas as minhas jóias para usar na peça quando, na verdade, eu entrava em cena coberta por bijuterias que a Etty Frazer havia comprado numa fábrica na Mooca. Corria o ano de 1964 e eu estava recomeçando a carreira praticamente do zero. Só que, desta vez, com mais profissionalismo e vocação. Algumas coisas me deixavam animada e admirada, como o talento exuberante do Zé Celso Martinez Correa (Teatro Oficina), e a seriedade e dedicação de um grupo de atores empenhadíssimos em fazer teatro a sério. Por outro lado, havia também uma coisa muita engraçada que não me atingia diretamente porque eu não me considerava uma atriz de nome, eu estava apenas recomeçando minha carreira. O grupo tinha um tipo de postura que anulava o respeito pelos mais velhos. O que não deixava de ser uma bobagem pretensiosa, essa de achar que todos os atores deviam ser iguais. Todos ali eram socialistas e pensavam de forma moderna, achando que todo mundo era igual e, portanto, deveriam ser tratados da mesma forma. Na ocasião eu nem raciocinei muito sobre o assunto, mas ficou a pergunta: era justo tratar um ator com a experiência e a grandeza do Eugênio Kusnet, a estrela do Oficina, sem as devidas regalias? O lema de que ninguém é melhor do que ninguém já é, para início de conversa, um grande erro, porque é claro que quem tem mais experiência sabe mais, ou deveria saber mais, ter mais a transmitir. Faço essa observação porque acho que é preciso respeitar, sim, aqueles que já fizeram mais do que aqueles que estão chegando. Além disso, aconteceu a ditadura. A Revolução nos impediu de fazer uma série de coisas. Tudo em função da censura retrógrada, acanhada e burra como toda censura de Estado. Eu não sou totalmente contra uma censura a certos costumes, certas coisas condenáveis, mas eu sou totalmente contra uma censura impeditiva, policialesca, e que promove o atraso. É preciso dizer que nesse período, até 1968, a classe teatral foi bastante corajosa em reagir através de passeatas, encontros, assembléias, declarações contra a opressão da ditadura. Havia até uma certa união e solidariedade dentro da classe. O ano de 1964 foi um marco na minha vida. No começo de março tive meu terceiro filho, o Paulo. O nascimento de um filho é, sempre, uma alegria e nos mudamos para uma casa que havíamos construído, bem atrás do Museu Lasar Segall e que hoje é a entrada principal do museu. No final de março, porém, tivemos a Revolução, esse episódio triste, mas novembro me trouxe a grande alegria de voltar a fazer teatro (Andorra, no Teatro Oficina). Capítulo V O Refúgio A casa que compramos em Campos do Jordão, também em 1964, é, até hoje, o lugar da minha serenidade. Não, não é isso. Eu vivo procurando a minha serenidade e talvez em Campos eu possa vislumbrá-la, porque é onde eu tenho um jardim que me enche de amor pela vida, é onde eu estudo, hospedo os amigos, recebo a família, descanso e leio. Quando leio, saio de mim mesma para entrar em um outro mundo e, na volta, me sinto tão enriquecida quanto depois de uma viagem. Mesmo sem ter planejado, acho que preparei uma boa velhice para mim. Digo isso porque aprendi a ficar sozinha e a gostar disso também. Descobri que sou uma ótima companhia para mim mesma, tenho meios de me distrair sozinha, mas isso não quer dizer que eu não preciso dos amigos, da família, dos outros, das conversas, das trocas que são extremamente necessárias. Mas acho que preparei meu corpo e a minha mente para não depender dos outros em relação às minhas satisfações. E é isso que aconselho aos jovens que não pensam na velhice. Se você não fizer da sua vida uma aventura que recorde com prazer, que tipo de velhice você vai ter? Em Campos, quando vou sozinha, me atrevo até a escrever, uma atividade que também me dá muito prazer. Esse pequeno conto, Dona Maria Portuguesa, foi escrito em uma daquelas noites frias de inverno jordanense, na frente da lareira... D. Maria Portuguesa D. Maria portuguesa era uma senhora que passava umas peças de roupa lá em casa, quando eu era criança, como forma de pagamento pelo amparo que minha mãe lhe dava. Acho que foi através de um anúncio de jornal, em que ela pedia auxílio para a filha doente que, aos vinte anos, vivia em cadeira de rodas e tinha a mente de um bebê (sofria de paralisia cerebral ou algo no gênero). Haviam sido abandonadas pelo marido e pai. Mamãe passou a dar a ela uma mesada e cesta básica, que naquele tempo não se chamava assim, e teve a sensibilidade de dar-lhe também o direito de, dignamente, nos pagar com uma ou duas horas semanais de trabalho. D. Maria portuguesa foi uma figura muito especial para a minha infância. Era baixinha, usava saias compridas, não era gorda e tinha os cabelos longos, de um branco amarelado de maus tratos, enrolados em um enorme coque afofado, preso ao alto da cabeça por grandes “marrafas” (travessas de osso) trazidas de Portugal. Enchia as narinas de fumo que tirava de cigarros baratos (ela não fumava) e fazia isso para evitar doenças do pulmão! E usava, mesmo no calor do Rio de Janeiro, os seus abafos – xales de lã que ela mesma tricotava. Não vivia sem essas coisas. Não ria nem sorria. Não tinha razões para alegria. Não falava com criança mas... contava histórias quando eu pedia. D. Maria portuguesa foi muito importante na minha infância. Esses momentos de atenção eram de suma importância para uma menininha acostumada a ouvir dizer que criança não tem vontade. As histórias que ela contava eram macabras, certamente de origem medieval e conservadas oralmente, que enchiam a minha imaginação e a minha solidão infantil de emoções extraordinárias. A Moura Torta e o Aleijado do Chapéu Preto foram meus grandes companheiros, além de outros elementos altamente perturbadores que freqüentavam o repertório da portuguesa. Papai proibia, da mesma forma que eu, inutilmente, tento proibir meus netos de brincar com video-games violentos. Tudo na vida depende do uso que se faz do que se recebe. Minha mãe nunca se deu conta de que umas poucas peças de roupa passadas a ferro não eram nada se comparadas ao prazer e às lembranças que uma velha analfabeta me proporcionou. Além dos monstros, bruxas, assombrações, sapos e lindas camponesas passeando pelos bosques e encontrando príncipes, eu fiquei conhecendo alguns fatos verdadeiros da vida em uma aldeia portuguesa. D. Maria nasceu no último quartel do século XIX, no alto de um morro, onde as derradeiras casas, as mais altas, eram as mais pobres. A cada três ou quatro meses chegava por lá o barbeiro que, além de cortar, tosar e barbear a população masculina, aplicava sanguessuga nos doentes para renovar o sangue e arrancava os dentes que doíam. O povo, apesar de pobre e desesperançado, nem por isso deixava de ser generoso e hospitaleiro. Em cada casa em que entrava, além do pagamento devido, o barbeiro recebia sua caneca de vinho. O morro era alto e bem povoado. Ao chegar ao topo, os cabelos eram cortados em desenhos estranhos, os rostos eram lanhados e os dentes, ai meu Deus... eram arrancados os bons e ficavam os inflamados. E eu, nos meus inocentes sete anos, acreditava mais na Moura Torta do que no infortúnio dos aldeões, pois eu já ia ao dentista e sabia que se tomava injeção de analgésico, ora bolas! Com tudo isso, dona Maria tinha idéias e opiniões rígidas e, algumas vezes, surpreendentes, porque sendo originária de um país ultracatólico, tinha horror a padres e beatas. Usava uma cruzinha de ouro no pescoço, mas não entrava em igreja. Hoje, a minha imaginação vivida e malandra me diz que o ódio às beatas e batinas é porque, certamente, sua pobre filha Ludovina era filha de mãe solteira e pai casado, o que também explica a vinda das duas para o Brasil, sem família e sem auxílio, enxotadas por virgens de cinqüenta anos que, naturalmente, não suportavam a felicidade de ninguém. Afinal, dona Maria Portuguesa, pecadora ou não, tinha tido, pelo menos uma vez na vida, uma noite de amor. Pagou caro, mas teve. Sobre essas coisas nunca se falava, lá em casa. E além do mais não era conversa para criança. Certa vez meu pai estava com o rosto inchado, tomando caldos e se queixando do incômodo e da dor da extração de um dente. D. Maria pensou bem, observou o aspecto do “doentinho”, sempre tão forte e – naquele momento – alquebrado e saiu-se com esta: Mas... rico também sente dor?!!! Um dia tudo isso acabou e essa mulher primitiva e tão íntegra dentro da sua diferença saiu bruscamente da minha infância apenas porque mamãe, sempre tão discreta, em uma bela tarde conversando, permitiu-se indagar da vida da portuguesa, perguntando por que e como ela tinha conseguido chegar ao Brasil. A resposta veio rápida: Esta boca tem uma grade de ferro que não se abre. E as duas se ofenderam mutuamente. Resultado? fiquei sem minhas histórias. D. Maria nunca mais voltou, mas, para mim, essa figura ficou e foi muito importante na infância. Na minha tenra idade, nunca achei necessário dizer-lhe muito obrigada. Beatriz Segall Campos do Jordão, 26 de dezembro de 1998 Capítulo VI O Poder da Aparência A maneira de as pessoas se apresentarem, seja no trabalho, na rua ou nos compromissos sociais, é uma forma de comunicação muito importante. Eu aprendi muito cedo que a maneira com que você se veste reflete, inclusive, o seu auto-respeito. Não estou falando de roupas caras, estou falando de um cabelo limpo e arrumado, de um broche bem colocado na lapela da camisa, de cores que se harmonizam, dos pequenos detalhes que mostram cuidado. Parece bobagem, mas não é. Algumas pessoas dizem que eu sou muito arrumada, mas isso é apenas o reflexo da minha visão do mundo. Se eu cuido da minha aparência é, em primeiro lugar, porque eu me respeito. E, em segundo, porque é uma forma de ser amável para com os outros. Quando um homem se apresenta em um teatro de camiseta, sandália e bermuda, ele está desrespeitando nosso trabalho. Talvez esta seja uma visão muito particular, já que, para mim, ir ao teatro é uma festa. E ir a uma festa malvestido me parece é uma grosseria. Não se trata de futilidade, não é a antiga rigidez que havia quando as pessoas tinham que usar paletó e gravata para entrar no teatro, apesar do nosso clima tropical. É que – através da roupa que usam – as pessoas estão me passando uma informação. O desleixo com a aparência é um menosprezo para com as pessoas com quem convivemos e também para conosco. Acho que cuidar do visual faz parte da alegria de viver. Já me convenci que isso não tem nada a ver com poder aquisitivo. Simplesmente faz parte da visão da beleza na sua forma mais pura de comunicação. A beleza me fascina, me cativa, me alegra e me emociona. Amo o Belo acima de tudo, e quero com-preender a beleza, no sentido de prender com. Guardo em algum compartimento do meu coração as emoções, sensações, impressões e dúvidas, procurando descobrir a beleza nessa matéria-prima vital. Sendo assim, preciso me cercar de beleza, ela me faz uma pessoa melhor. Capítulo VII O Teatro São Pedro Muito já se disse e muito também já foi escrito sobre a importância do Teatro São Pedro, especialmente nos anos da ditadura. Ele foi idealizado, construído e inaugurado em 1917, no coração de São Paulo, pelo imigrante português Manoel Fernandes Lopes, um verdadeiro presente para a Barra Funda. O bairro, naquela época, era muito elegante. Pouca gente sabe disso, mas os Campos Elíseos e a Barra Funda eram bairros chiques, onde moravam famílias abastadas que freqüentavam a Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Quando cheguei a São Paulo, em 1954, ainda havia por lá algumas casas lindíssimas, mesmo que já estivessem decadentes. Todos esses casarões acabaram desaparecendo como tudo no Brasil, onde a memória é desvalorizada por ignorância. Voltando ao Teatro São Pedro, que foi transformado em cinema e posteriormente abandonado, ele veio às nossas mãos completamente deteriorado, depois de uma tentativa de recuperação do imóvel por parte de Lélia Abramo, Vicente Amato Filho, Maria José de Carvalho e Marcos de Salles Oliveira. Problemas financeiros, no entanto, impediram que o grupo concretizasse o projeto de restaurá-lo, e Maurício Segall e eu decidimos, em 1968, assumir o São Pedro. Estávamos partindo para uma aventura desconhecida e que se revelou um marco na história cultural da década de 70 em São Paulo. Maurício Segall, para quem o teatro era uma boa tribuna naquela época de ditadura, decidiu que deveríamos ficar com o teatro e fazer as reformas necessárias. Não tínhamos meios para fazer uma restauração profunda, mas reconstruímos a platéia, melhoramos os camarins e refizemos toda a acústica do teatro. Esta última foi a parte mais cara da reforma. Ficamos muitos anos com o teatro, que arrendamos dos herdeiros de Manoel Fernandes Lopes, já falecido. Certa ocasião nós quisemos trocar o prédio do São Pedro por imóveis que eram nossos, mas a família não se interessou. Nosso desejo, do Maurício e meu, era o de fazer do São Pedro um centro onde se pudesse dizer coisas que a imprensa escrita e falada estava impedida de divulgar naquela época. Não podíamos dizer claramente o que pensávamos, mas havia uma espécie de código preestabelecido que o público entendia. Se falássemos de uma melancia, ele entendia a metáfora e sabia que estávamos falando do Brasil... Fizemos, no Teatro São Pedro, um número enorme de peças nacionais e várias peças estrangeiras que tinham muito a ver com aquele momento. Só para dar um exemplo, me lembro de que no ano do sesquicentenário da independência, quando se festejava muito D. Pedro I e não se podia falar em ditadura, nós fizemos uma peça do Carlos Queiroz Telles chamada Frei Caneca que revelava como D. Pedro, ao contrário do que era celebrado nos festejos, tinha sido um grande ditador. Mostramos como Frei Caneca foi martirizado por tentar defender a liberdade e o curioso é que a censura liberou. Outra peça muito emblemática e importante, entre muitas outras, foi O Interrogatório (de Peter Weiss), que estávamos ensaiando no momento em que Mauricio foi preso por motivos políticos. Ela narra a história dos processos de Frankfurt que aconteceram 20 anos depois do fim da guerra, em que entrava em cena toda a indústria alemã que se aproveitou do holocausto para ter trabalho escravo nas suas fábricas. Falávamos da Bayer, da Siemens, de uma série de outras. Foi a primeira vez que se mostrou, no teatro de São Paulo, um pau-de-arara em cena. Como disse, eu estava ensaiando esse espetáculo quando o Maurício foi preso pela primeira vez. Ele ficou detido, ao todo, um ano e 3 meses. Da primeira vez, um ano inteiro. Levei 5 dias para descobrir onde ele estava. Soube que ele havia ficado no Sítio do Fleury, uma propriedade do delegado Fleury, famosa pelas torturas que ali eram realizadas. Depois, Maurício foi levado para o DOI-Codi, na Rua Tutóia, onde muita gente foi assassinada. Soube que ele ficou lá por alguns dias antes de ir para o Dops. No Dops eu consegui vê-lo apenas uma vez, mas eu ia até lá ao menos uma vez por semana para levar mantimentos e roupas. Só o vi um mês e meio depois que ele foi preso. Durante esse tempo, recebi um grande amparo moral e prático de alguns amigos. Dois deles me tocaram muito: o Edney Giovenazzi, que foi a primeira pessoa que chegou à minha casa para saber do que eu estava precisando; o outro foi o Flávio Rangel, que tomou um avião e veio me visitar e se colocar à minha disposição. Foram gestos inesquecíveis. Várias outras pessoas se manifestaram de maneira útil, solidária. Seria difícil citar todas elas, mas tínhamos muitos amigos decentes e antifascistas. No entanto, não posso deixar de mencionar o poeta, escritor e tradutor Carlos Queiroz Telles, que escreveu várias de nossas peças, traduziu outras tantas, e cuja amizade foi inesquecível. Tão inesquecível como foi a minha ligação com Gianni Ratto, que tanto me ensinou sobre a arte de representar. Dele, ouvi algumas sérias advertências e repreensões, com as quais aprendi muito. Em meio a tantos aprendizados, aprendi, inclusive, a tomar conta do Teatro São Pedro, da casa e dos filhos, da reforma do Museu Lasar Segall e de um marido preso. Um ano depois, Maurício foi solto para responder o processo em liberdade. Foi julgado e voltou a ser preso por mais três meses. Ele foi condenado, e eu continuei nosso trabalho sozinha. De início, não sabia nem onde mandar imprimir os bilhetes para os espetáculos. Não sabia nada dos mecanismos do teatro. Nada, nada, nada. Não entendia rigorosamente nada de produção. Resolvi sair do elenco do espetáculo e continuei trabalhando em O Interrogatório apenas como produtora. Fui aprendendo na marra. Foi um momento difícil, porque eu não podia abandonar o espetáculo, cuidava da situação do Maurício com os advogados, cuidava dos meus filhos que eram pequenos e cuidava também do Museu Lasar Segall, que estava em obras para ser reinaugurado. Deixei de falar sobre isso durante muitos anos em respeito à atitude do Maurício de jamais se colocar como mártir. Ele nunca se referia ao fato de ter se arriscado para ajudar muita gente a escapar das prisões da ditadura através do seu apoio e da sua ajuda pessoal. Naquela época, escondemos muita gente em casa, demos empregos, batalhamos. Para mim essas experiências resultaram em um processo de crescimento e de fortalecimento interior. Aprendi a ser mais prática, a lidar com os problemas de forma objetiva. Aprendi a exercer a solidariedade de uma forma mais eficiente. Voltando ao Teatro São Pedro: cumpriu-se ali a proposta de fazer dele um centro de resistência, e isso era o que importava. Infelizmente não foi devidamente apoiado, nem mesmo pela classe teatral, e nem teve seu papel reconhecido pela crítica ou pela mídia. Ao contrário, fomos tratados de uma maneira muito seca, muito pouco inteligente por parte das pessoas que não se deram conta do trabalho que estava sendo desenvolvido, com tanto esforço e risco, pessoal e financeiro. Com a Palavra, Maurício Segall Aproveito a ocasião para relatar episódio pouco conhecido da atuação de Beatriz Segall no Teatro São Pedro, e que reforça as suas já conhecidas características de coragem e força de caráter e temperamento. Em 1970, em pleno regime militar, o elenco estável do Teatro São Pedro, Beatriz e eu, escolhemos para estréia no 2º semestre daquele ano, a peça O Interrogatório, de Peter Weiss, que confirmava nossa posição de oposição e que, entre outras coisas, pela primeira vez no teatro nacional daquele período, até onde eu saiba, colocava em cena a crueldade da tortura no pau-de-arara, experiência que eu viria a sofrer na própria carne logo em seguida. Beatriz integraria o elenco da peça em condições de igualdade com os outros atores, como já vinha fazendo na sua postura inédita de atríz no panorama teatral brasileiro, de participar de um teatro sem vedetismo, no objetivo da criação de um teatro substantivamente coletivo e participativo, prática já antecipada quando ela abriu mão de chamar o Teatro São Pedro (seu nome histórico), do qual era co-proprietária comigo, de Teatro Beatriz Segall. Algumas semanas antes da estréia da peça, fui preso e, como tantos, fiquei desaparecido, com nome fictício, durante um período inicial, nos diversos aparelhos de repressão, sem que ninguém, inclusive minha família, soubesse do meu destino. Nessa fase, confinado em isolamento total numa solitária do Dops, lembro-me com clareza da minha preocupação, entre tantas outras mais, de que o elenco não deixasse de estrear a peça, o que eu julgava politicamente importante. Sem ter conhecimento de tudo que se passava fora de minha cela individual, mas o que vim a saber posteriormente, o elenco da peça, liderado por Beatriz, após algumas reuniões, onde predominava uma atitude de extrema cautela para as possíveis repercussões da estréia da peça, no que se referia à minha segurança, mesmo sem saberem onde ou se estava vivo ou morto naquele momento, o elenco concluiu que deveria estrear a peça. Beatriz foi substituída por outra atriz no seu papel na peça, para assumir a responsabilidade da produção do espetáculo, até sua estréia na data prevista, a partir de quando passou com extrema coragem e sabedoria a dirigir e administrar o Teatro São Pedro, além de cuidar da casa e dos filhos, e de me apoiar em tudo que podia enquanto preso, tarefas todas as quais se dedicou de corpo e alma, sempre com muita sensibilidade e dedicação. Beatriz dessa forma revelou, de um lado, uma postura política de vanguarda e, de outro, uma capacidade de se colocar na minha posição e de assumir o papel que eu desempenharia, caso não tivesse sido preso, pois julgaria fundamental estrear a peça para a coerência do Teatro São Pedro, na sua atuação de explorar o possível na denúncia do Regime Militar, apesar dos riscos que eram comuns para todos naquela época. Algumas semanas após minha prisão, sendo conduzido pelos corredores do Dops para meu chuveiro semanal, acompanhado de um policial para impedir que não me comunicasse com algum preso com quem porventura cruzasse, o que de fato aconteceu, semanas depois, ao cruzar com um outro preso, não confinado em solitária, filho de uma conhecida minha e de Beatríz que, ao passar por mim, me sussurrou apenas isto: O Interrogatório estreou, o que sua mãe, que já podia visitá-lo na prisão, por solicitação de Beatriz, lhe tinha pedido que me comunicasse, caso me visse. Minha alegria foi enorme e me tranqüilizei naquele aspecto que me preocupara, o que devo em grande parte à coragem, atitude enérgica e responsável de minha ex-esposa Beatriz, a quem reitero o meu agradecimento, de todo coração. Maurício Segall São Paulo, 12 de agosto de 2004 Capítulo VIII Ecos da Ditadura É impossível esquecer o efeito devastador da ditadura na educação brasileira, com a proibição do ensino da História do Brasil e do mundo, de sociologia e de todas as outras matérias que pudessem abrir novos horizontes e despertar questionamentos nos estudantes. Tudo isso passou a ser pasteurizado dentro de uma matéria chamada Estudos Sociais. Na escola dos meus filhos, essa matéria era ministrada por um sargentão que ensinava coisas absurdas às crianças. Se os meninos não tivessem aulas dentro de casa, teriam crescido como muitos cresceram: absolutamente ignorantes do que foi história do mundo e a história do Brasil. Todas as ditaduras são perniciosas e, até hoje, não conseguimos nos recuperar dos estragos que a nossa impôs ao País. Não foi só a ditadura no Brasil como também uma série de outros movimentos no mundo. Houve maio de 68, houve a Guerra do Vietnã, houve a Guerra da Coréia, as ditaduras nas Américas. Havia em todo o mundo um momento de confronto e perigo permanentes. Acho que isso minou a criatividade dos artistas. Não sou crítica literária, mas vejo que no Brasil surgiram bons escritores, nas últimas décadas, mas não grandes escritores. Você não tem mais um Guimarães Rosa, uma Clarice Lispector. E o teatro, que justamente aqui em São Paulo estava fazendo coisas extraordinárias na década de 50 e no início dos anos 60, criando um teatro realmente brasileiro, como o Oficina e o Arena, também parou, foi decepado pela ditadura. Hoje eu acho que o fenômeno é mundial. Em que país você continua tendo uma grande literatura, uma grande dramaturgia, uma grande pintura? O mundo está assim, violento, sem amor, sem compreensão, sem caridade. A solidariedade que ainda existe é insuficiente. Há reações contra tudo isso, evidentemente. No Brasil criaram-se as ONGs e as reuniões de voluntários, que têm uma função muito importante. Não temos uma análise profunda do que acontece conosco, na nossa cultura. E não sou eu quem vai dar uma explicação porque não seria capaz, eu não tenho nenhuma base para falar disso. Apenas observo, vejo o quanto é difícil fazer uma boa peça nacional. Continuamos montando Plínio Marcos e Nélson Rodrigues. Capítulo IX Novos Tempos Recebi um convite do diretor Flávio Rangel para atuar em Hamlet fazendo a rainha Gertrudes, e foi a primeira vez que eu saí do Teatro São Pedro para trabalhar no Teatro Anchieta, em dezembro de 1969. No elenco, Walmor Chagas, Cláudio Corrêa e Castro e Lilian Lemmertz, um trio de grandes atores, e eu não pude recusar. Depois dessa peça, voltei a trabalhar várias vezes no São Pedro, em diversos espetáculos. Entre eles, A Longa Noite de Cristal (com a qual Oduvaldo Viana Filho ganhou o Prêmio Molière daquele ano) e Figaro – Um Dia Muito Especial (de Beaumarchais) com um elenco de quase 40 atores, dirigidos por Gianni Ratto. Não posso deixar de citar também A Grande Imprecação Diante dos Muros da Cidade (de Tankred Dorst), com direção, cenografia e figurinos do Gianni Ratto, um espetáculo que adorei fazer. Mas Maurício e eu acabamos nos desligando do teatro, e foi aí que surgiu o primeiro convite para trabalhar na TV Globo. Como disse, eu já tinha feito algumas novelas na Tupi, mas não me interessava muito por televisão. O convite era para trabalhar em Dancin’ Days, a primeira novela do Gilberto Braga, fazendo a personagem Celina. Foi um enorme sucesso e depois dela eu fiz tantas outras (na Globo e em outras emissoras) que até perdi a conta... Devem ter sido 15 ou 20 novelas na Globo, e algumas foram grandes sucessos. Então, a verdade é que comecei a aparecer mesmo, como atriz, depois que saí do São Pedro, principalmente porque nossa preocupação, ali, estava mais voltada para o conteúdo dos textos do que na escolha de um bom papel para mim. Naquele teatro passei bons momentos e, também, momentos duros e difíceis. Conheci pessoas competentes, criativas, que me ensinaram e me ajudaram; mas também tive que lidar com figuras menores, mesquinhas, aproveitadoras, e que não honram nossa profissão. Não gosto de lembrar delas. Um novo degrau na minha carreira começou com Hamlet e com À Margem da Vida (de Tennessee Williams), ambas com direção de Flávio Rangel e apresentadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. A partir de então passei a receber muitos convites e me dediquei ao teatro, como faço até hoje. Foi então que Maurício e eu nos separamos. É claro que um casamento de 30 anos não acaba da noite para o dia, você vem se separando há pelo menos uma década antes de concretizá-la. E por mais que as pessoas envolvidas no casamento sejam corretas (como no nosso caso), chega um momento de desencontro que torna o rompimento inevitável. É um processo difícil, já que esse tipo de ruptura nunca é simples, mas hoje, tantos anos depois, me parece que foi uma decisão acertada. Acredito mais em mim do que acreditava antes, testei minha dimensão (como atriz e como pessoa) ao longo desses anos e agora tenho uma outra percepção do mundo. A idade me trouxe lucros, minha auto-estima aumentou. Já divorciada, passei a produzir minhas peças sozinha. Fui criando coragem, as novelas me fizeram conhecida do grande público, porque a televisão dá uma visibilidade que o teatro não pode dar e, com a experiência adquirida no Teatro São Pedro, passei a ser produtora dos meus espetáculos. Ultimamente, trabalhei em algumas produções teatrais do Alexandre Doria, como Ponto de Vista (de David Hare) e a Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa (de Mário Brasini). Não imaginei, no começo da profissão, que chegasse onde cheguei. Não falo disso com convencimento ou por vaidade, falo disso com muito orgulho. Orgulho, sim. Porque eu tive que aprender muito. Tive que me dobrar muito. Tive que lutar muito, para chegar aqui fazendo essas produções. Eu não tinha dinheiro para montar todas as peças que montei, não tinha mecenas dispostos a correr riscos; eu tinha que ter patrocínios e lutar por eles, como luto até hoje. Lutei e tive a sorte de fazer essas coisas numa época em que o patrocínio, felizmente, era mais fácil de se conseguir. Agora está cada vez mais difícil, sobretudo nestes últimos anos. É quase impossível conseguir um patrocínio para teatro. Acho que, de repente, foi dada muita importância ao cinema. Foi uma importância merecida e vitoriosa, pois o cinema brasileiro cresceu muito, e isso é importante. Mas o teatro, que é básico numa cultura, é básico para o cinema, é básico para a televisão, foi deixado na lata do lixo pelo Ministério da Cultura. Nós não temos nenhum apoio, ao contrário, temos que estar sempre lutando, sempre correndo atrás do Ministério da Cultura para ele não piorar as leis. Não nos dão a menor atenção, não nos protegem de maneira alguma. É como se o teatro não precisasse de auxílio, mas o teatro é o que mais precisa, porque é o menor, é o que tem o público menor. E ele é extremamente necessário. Não só na educação de um povo, na formação de um povo, como no desenvolvimento das outras artes cênicas. Na minha experiência como produtora e atriz tive a oportunidade de trabalhar com diversos diretores jovens, alguns estreantes. Eu gosto de novidades... Quando aparece um jovem que me inspira confiança, que à primeira vista me causa uma boa impressão, sempre acho que vale a pena tentar. O primeiro diretor jovem com quem eu trabalhei foi o Miguel Falabella, em Emily (de William Luce). Quando ele veio me trazer a peça, eu disse comigo mesma: Ele é um garoto, nunca fez nada em teatro, é um moleque que vive fazendo brincadeiras nos corredores da televisão, não é para levar a sério. Mas eu o achava simpático e inteligente e, quando ele chegou à minha casa com o texto, fez duas coisas que me conquistaram: a primeira foi quando ele disse: Olha, eu trouxe pra você uma tradução da peça que eu mesmo fiz, de modo que a tradução precisa ser refeita por alguém que entenda do assunto, por um bom poeta com capacidade de traduzir as poesias da Emily Dickinson. Isso já me deu uma segurança muito grande, ele estava disposto a refazer alguma coisa já bem-feita, e a peça finalmente acabou sendo traduzida pela Maria Julieta Drummond de Andrade, ajudada pelo pai, Carlos Drummond de Andrade. Logo em seguida, Miguel me descreveu a peça como ele a via. Estava tudo pronto na cabeça dele: a luz, as músicas, ele já tinha uma idéia definida de cenário, ele sabia tudo. Eu fiquei tão confiante que o aceitei como diretor e, na verdade, foi uma maravilha de trabalho, um sucesso muito grande, verdadeiro, merecido, porque ele fez uma direção que era uma jóia. Ganhei, por Emily, o Prêmio Mambembe e outros mais. Ficou muito tempo em cartaz e até hoje me perguntam se esse espetáculo não vai voltar a ser encenado. Não vai, não. Comigo, não vai. O que foi, foi. Nunca mais vai ser igual. Outra experiência com um jovem diretor, desta vez nada positiva, foi com o Gabriel Villela. Eu havia visto um espetáculo dele que me deixou encantada, e disse que tinha muita vontade de trabalhar com ele, mesmo achando que ele nunca iria me convidar porque ele só trabalhava com gente muito jovem. Menos de um ano depois ele me convidou para integrar o elenco de A Guerra Santa. Aceitei, e foi um erro total. Eu nunca deveria ter aceitado. Não só porque o ambiente de trabalho era muito desagradável, mas também porque às vezes ele perdia completamente as estribeiras, não sabia como se conduzir. Não gostei foi da maneira de ele ser, da maneira de ele trabalhar, do desrespeito, das pretensões, enfim não é uma pessoa com quem eu voltaria a trabalhar. Não gosto de falar mal das pessoas, mas nesse caso eu não tenho motivo nenhum para poupá-lo, uma vez que ele também não me poupou durante o trabalho. Não era para eu estar lá, cercada por um grupo que não me merecia. Eu não tinha nada que ver com aquilo e o espetáculo não me satisfez, não me agradou, e é uma coisa que eu não repetiria. Isso estava entalado na minha garganta há mais de dez anos e mostra, portanto, que nem sempre eu acerto. Mais um diretor com quem trabalhei, da mesma faixa etária, talvez até mais moço, é o Alexandre Reineck. Também ele veio me trazer uma peça (Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa), e já tinha consultado a Myriam Pires sobre a possibilidade de trabalhar conosco, e ela havia dito: Se a Beatriz fizer, eu faço. Eu li a peça, fiquei meio hesitante no início, mas depois decidi fazer. É uma peça nacional, uma comédia que termina de uma forma muito séria, é bem-feita e eu gostei. Vou arriscar com esse moço, pensei comigo mesma. E foi ótimo. Ele dirigiu bem a peça, nos entendeu bem, nos tratou muito bem, e foi um sucesso bastante grande. Se surgir algum outro jovem que tenha características que me agradem, sei que vou tentar acertar novamente. Às vezes, como você viu, a gente erra. Mas de qualquer jeito, no meu caso foi 2 x 1, certo? Por enquanto ainda estou ganhando. Beatriz é essencialmente uma mulher de teatro, desde o seu início no Rio de Janeiro, seus estudos em Paris, sua passagem pelo Teatro Oficina, sua responsabilidade na criação do Teatro São Pedro (em São Paulo) e sua tão bem-sucedida carreira como atriz protagonista e produtora de seus próprios projetos.  Percebemos em sua trajetória a escolha de personagens adequados que construíram sua imagem e reputação. Beatriz é uma artista exigente e apaixonada pelo seu ofício; tive a oportunidade de dirigi-la em quatro espetáculos, e nesses quase 20 anos de convivência construímos uma relação baseada na amizade, na fidelidade e na admiração. Sou fã da sua elegância, do seu requinte e de seu humor muito especial, que ela guarda aos amigos mais caros. José Possi Neto De um modo geral, sempre tive ótimas experiências com os diretores, fossem eles jovens ou não. E, falando em idade, sempre me espanta o medo que costumamos ter dela, seja com a chegada dos 30, 40, 50 ou 60. Esse medo assusta mais do que deveria. Os fantasmas são menos feios do que foram pintados, acredite. Tem gente de trinta anos que já se considera acabada, que aos 40 começa a lamentar não ter 30 e, aos 50, pensa: Ai Deus meu, eu tinha 42, era maravilhosa e não sabia. Uma atriz não tem idade. Se ainda posso viver, no palco, personagens com vinte anos menos do que tenho, por que vou sair por aí dizendo em que ano nasci? Vejo mulheres de 70, 75 anos, viajando, amando, trabalhando, no auge da sua capacidade. É nelas que me inspiro sempre. Até eu mesma virar um exemplo. Capítulo X Telas Grandes e Pequenas Acho que posso me considerar uma cinéfila. Adoro ver cinema, é uma diversão maravilhosa, inigualável. O cinema está passando por um período fértil e corajoso. São cada vez mais numerosos os filmes de conteúdo que provocam, informam e intrigam nos dando assunto para pensar. A primeira coisa que me chama a atenção num filme não são os atores nem a direção: é o script, são os diálogos, a parte básica do trabalho que dá origem a tudo. Adoro rever os filmes das décadas de 40, 50 e 60. Ai, como eu queria ter sido a Bette Davis, ou ter tido o encanto da Audrey Hepburn! É uma pena não ter feito tanto cinema como gostaria. Em Pixote, meu papel era tão pequeno que nem conta... Mas acho que posso me gabar de ter trabalhado no pior filme já feito no Brasil, A Beleza do Diabo. Era eu, no papel-título, mas nem eu mesma entendi a história depois do filme pronto. Com o Francisco Ramalho fiz À Flor da Pele (que me rendeu o grande prêmio do Festival de Gramado) e O Cortiço (ao lado de Betty Faria e Armando Bogus), e trabalhei também em O Diário da Província, do Roberto Palmari. Participei de Cléo e Daniel, dirigida pelo autor do livro homônimo, o psicanalista Roberto Freire. Já com Roberto Santos, um belo diretor, fiz Os Amantes da Chuva. Houve um hiato muito grande na produção de cinema no Brasil, sobretudo depois do governo Collor, como todo mundo sabe. Só de alguns poucos anos para cá, com Fernando Henrique Cardoso, é que a situação mudou. Para ser bem sincera, acho que não há papel para mim no tipo de cinema brasileiro que é feito hoje. Ele está quase que inteiramente voltado para um determinado segmento, que é o segmento da violência e dos desafortunados. Os cineastas acham que não posso fazer esses papéis, não tenho esse perfil. Apesar disso, estou esperando que eles (cineastas, roteiristas, diretores) descubram que no Brasil existe uma classe média, que existe também uma classe alta, e que elas têm o que dizer. Parece que ainda ninguém percebeu isso. E enquanto não perceberem não estarão fazendo filmes de verdade, porque o outro veio acaba se esgotando, embora a violência esteja aí e a pobreza também, mas não é só isto que existe aqui. Concordo que os filmes brasileiros que vão para o exterior estão dando uma visibilidade importante para nós. Mas, por outro lado, se nós só mandarmos esse tipo de tema, estaremos contribuindo para reforçar uma imagem deformada do Brasil. Não somos só isso, afinal existem professores, existem intelectuais, por que excluí-los? Eu gostaria de fazer cinema hoje, com a qualidade que o cinema brasileiro já alcançou. Em 2003, fiz um filme que quase rejeitei porque o papel era muito pequeno, mas como era um filme do Alain Fresnot, e como ele insistiu muito, acabei aceitando. Foi ótimo que ele tivesse insistido porque foi um papel que me deu muito prazer, justamente porque era o de uma mulher grosseira, feia, horrorosa. O nome do filme é Desmundo. Foi o último que fiz e foi muito gratificante ter trabalhado nele. Tive muita sorte também com meus trabalhos na televisão. Especialmente nas três novelas do Gilberto Braga (Dancin’ Days, Água Viva e Vale Tudo), novelas de grande qualidade, tanto de texto quanto de produção, direção e elenco. Vale Tudo tinha um elenco como a Globo não reúne há muito tempo. Lá estavam Nathália Timberg, Glória Pires, Carlos Alberto Riccelli, Renata Sorrah, Antônio Fagundes, Sérgio Mamberti, Reginaldo Farias e Cássio Gabus Mendes. Hoje, em boa parte das vezes, você tem quatro ou cinco bons atores e o resto, bem, deixa pra lá... Eu fiz algumas cenas, por exemplo, com Cássio Gabus Mendes em que até inventava alguma fala no meio do texto, mas que cabia muito bem, e ele respondia em cima, sem a gente ter ensaiado. O que eu quero dizer é que esse tipo de coisa não dá para fazer sozinha, depende das pessoas com quem você trabalha. Isso explica o sucesso da novela, a razão de eu ter até hoje o codinome de Odete Roitman. Eu continuo andando na rua e ouvindo as pessoas me chamando Dona Odete... Todo mundo acha que eu não gosto de falar desse trabalho. Eu não gosto é quando as pessoas repetem sempre as mesmas brincadeiras, que já têm quase 20 anos e que eu não agüento mais ouvir. Mas que foi um orgulho do tamanho de um bonde eu ter feito a personagem, ah, isso foi! Além do mais, seria uma enorme ingratidão eu dizer alguma coisa contra esse presente fantástico que recebi, um presente raro. Outra vilã maravilhosa foi a Lourdes Mesquita (de Água Viva). No início, eu não percebi que ela era má. Fui percebendo aos poucos e, como ela não fazia maldades logo no começo, fui mostrando que ela era uma pessoa comum, e foi aí que aprendi que – para representar uma pessoa má – o maior erro é fazê-la má, porque o mau não sabe que é mau, não admite que seja mau. Então, quanto mais inocência ela passava, pior ficava, mais víbora se tornava. Ambas me projetaram muito, profissionalmente falando. A verdade é que Gilberto Braga me deu 3 grandes personagens: Celina, em Dancin’ Days; Lourdes Mesquita, em Água Viva; e Odete Roitman, em Vale Tudo. Não conheço ninguém, na televisão, que tenha recebido presentes tão valiosos. A personagem Celina era muito pacata, era uma dona de casa que nunca havia trabalhado fora do lar, casada com um jurista, filha de um jurista, uma senhora de bom comportamento e boas maneiras, ao mesmo tempo formal, boa e simples. Eu sabia que a personagem tinha que morrer no vigésimo capítulo, mas acabou morrendo no capítulo 50, quase na metade da novela. E no capítulo anterior ao da morte, ela oferecia uma festa pelo noivado do filho, que era o Antônio Fagundes. Então eu conversei com o Gilberto Braga e sugeri que a Celina, de repente, no meio da festa, exagerasse no champanhe e se soltasse, mostrasse quem ela era de fato, os sentimentos que escondia e tudo o mais que havia ficado abafado na vida dela durante aqueles 49 capítulos... Ele aproveitou lindamente a idéia, e a Celina pôde finalmente dizer o que pensava e contar tudo o que havia sofrido. A cena durou praticamente o capítulo inteiro e foi feita em um fôlego só. Houve um momento em que eu me perdi no texto e daí eu disse: Por favor, não se mexam; quem estiver com o capítulo na mão me dê a fala seguinte. E continuamos a gravação até o final. Foi um grande prazer. Outra cena inesquecível foi uma que eu tive com a Renata Sorrah, em Vale Tudo. Aliás, foram várias as cenas inesquecíveis dessa novela, sobretudo algumas que tive com o Ricelli, que fazia o papel de meu namorado. Mas a cena que tive no final da novela, com a Renata, foi maravilhosa. Ela fazia o papel da minha filha Heleninha e eu estava na cabeceira da sala de reunião da companhia de aviação que eu, ou melhor, Odete Roitman, dirigia. Renata, que estava tentando deixar de ser alcoólatra (na novela), aproveitou o final da reunião e, quando os outros se retiraram, veio falar comigo, com a mãe dela. E a personagem começa a dizer coisas que nunca havia dito, deixando vir à tona as mágoas que ela nunca tinha posto para fora. Entre elas, a minha falta de atenção, a minha omissão em relação às suas necessidades. Eu tinha estudado a cena, que era mais da Renata, mas havia um momento em que eu devia chorar. E eu não via como. Eu lia e relia aquela cena e pensava: Como é que eu vou chorar? Essa menina vai me dizer coisas horrorosas e a Odete Roitman vai ficar sem responder para ela? Eu realmente não sabia como resolver o dilema. Passamos a cena uma vez e gravamos. Ela sabia o texto muito bem e aí aconteceu uma coisa muito bonita. Como a cena era dela, talvez eu não a tenha lido com a atenção devida, como ela fez. Ela começou a falar calmamente, sem agredir a mãe em nenhum momento, mesmo tendo todos os elementos para isso. Ela estava apenas contando para a mãe dela uma coisa que a estava machucando e que a mãe precisava saber. Contou tudo o que sentiu, desde pequenininha, deu uma pincelada nas pequenas coisas, situações em que eu a magoara, sempre com muita clareza e muito carinho. E ela foi falando, falando, e quando terminou a cena, eu estava debulhada em lágrimas, soluçando. A Renata me deu a cena de presente, me pegou, tocou meu sentimento. Ela fez isso com tamanha verdade que eu chorei até não poder mais. Foi um momento lindo, e agora posso tornar público o meu agradecimento a ela. Depois de Vale Tudo fiz muitas, muitas outras novelas, de autores diferentes. Gostei de algumas, detestei outras, como é de se esperar. Mas esta cena com a Renata vai ficar dentro de mim para sempre. Como telespectadora, também vejo TV aberta. Procuro assistir aos jornais e programas de entrevistas e, de vez em quando, dou uma espiada em todos os canais para ver o que estão passando, se há alguma novidade, alguma coisa melhorando. Infelizmente é difícil encontrar um bom programa. Não existem programas artísticos de qualidade, e é uma pena, porque a televisão educa. Com esses programas que estão aí, o nível do gosto, inteligência e cultura do povo vai piorando. De um jeito ou de outro, isso se aplica também às novelas e até minisséries, em que se vêem cenas totalmente descabidas ou absurdas, como comportamentos morais incompatíveis com a época em que a história se desenrola. Acho extremamente válida, no entanto, a preocupação que alguns autores de novelas demonstram em abordar temas atuais e palpitantes. A Glória Perez é um bom exemplo. Primeiro, ela trouxe à baila a discussão sobre inseminação artificial, em Barriga de Aluguel. Depois, os avanços da genética em O Clone. O Gilberto Braga, algumas vezes, abordou o controle do alcoolismo. Eu acho que essas coisas precisam ser divulgadas pelo Brasil inteiro. Mas a resposta que logo vem é a de que a televisão é para divertir, não é para educar. Isso é uma grande bobagem. A verdade é que ela educa, ou... deseduca. Capítulo XI Construindo Personagens Qualquer que seja o papel, se você tiver um bom texto, já tem meio caminho andado. Quando o texto é ruim, é melhor nem começar porque, por melhor que seja o ator, nenhum é capaz de salvar um texto medíocre. Eu, pelo menos, nunca vi isso acontecer. É claro que cada profissional tem o seu jeito próprio de criar, de construir seus personagens. Trabalhei por diversas ocasiões com o Sérgio Mamberti, e um dia ele fez uma observação interessante. Ele disse que, nos ensaios, minhas personagens nasciam como se fossem bebezinhos, que depois se transformavam em crianças, daí viravam adolescentes e só então passavam a ser adultos, para poder estrear. E era assim mesmo! Mas, do momento em que ele me deu consciência disso, do percurso que ocorria dentro de mim, esse sistema acabou. Hoje em dia não é mais assim. Pudera, tantos anos se passaram, ganhei experiência, aprendi com os colegas. Devo muito ao Sérgio Mamberti, ao Fauzi Arap, ao Gianni Ratto, à Myriam Muniz – a quem mais? – ao Carlos Augusto Strazzer e a tantos outros atores que me disseram coisas importantes, no momento em que eu precisava ouvi-las e, com tanto carinho, que até hoje eu uso os ensinamentos deles. São coisas básicas, mas que você só vai aprendendo na proporção em que vai trabalhando, evoluindo, se observando.... Hoje posso dizer que não sigo um método de trabalho específico. Cada papel é um novo desafio e exige de mim uma postura diferente. Eu também tenho enorme satisfação em passar adiante o que aprendi. Meus pais eram professores, eu fui professora, e eu guardei uma espécie de obrigação didática – descobri isso não faz muito tempo. O Maurício dizia sempre que quem sabe mais tem mais obrigações. Não que eu me julgue detentora de grande saber, mas estou sempre pronta para dizer alguma coisa que eu saiba e que o outro, não. Às vezes eu estresso e até afugento as pessoas. Mas é uma coisa intuitiva, faz parte da minha formação. Quando os atores iniciantes me procuram, sempre tento aconselhá-los. Não me canso de dizer que um ator tem que saber um pouco sobre tudo, tudo mesmo, e desenvolver sua curiosidade. Isso inclui assuntos como química, história natural, física, história do mundo etc. O ator tem que ler jornal para estar informado do que se passa no mundo e no seu país. É dentro dele mesmo que estão (ou deveriam estar) as fontes para executar o seu trabalho. Claro que ele não vai ser um especialista em nenhuma dessas coisas, nem vai ter um conhecimento enciclopédico de tudo, seria absurdo. Mas ele tem que ser capaz de saber onde estão as fontes e por onde pode começar uma determinada pesquisa para um determinado trabalho. Sempre que posso digo que o ator tem que se abastecer, é exatamente como um carro que não anda se não tiver gasolina. E esse combustível começa com uma boa escola primária, um bom segundo grau, se possível uma faculdade, estudo de línguas e observação das pessoas, do mundo à sua volta. É importante procurar se cercar de pessoas que possam nos dar bases sobre tudo. O ator tem que saber sobre música, se interessar por artes plásticas, desenvolver o próprio gosto, se educar. Há coisas que são imprescindíveis e que devem ser feitas metodicamente: ler muita literatura, desenvolver a imaginação através da ficção e ler um bom compêndio da História da Civilização, da história do homem. Precisamos saber quais são as diversas épocas pelas quais o homem passou, os períodos importantes da história da arte, porque isso nos ajuda a desenvolver nossa capacidade de fazer comparações de épocas, a nos situar no tempo e no espaço. O ator representa o ser humano no palco, ele tem que saber desde a pré-história, o início da civilização, até... No Brasil é muito comum um ator ir fazer Shakespeare sem conhecer a história da humanidade, sem nunca ter ouvido falar em Elizabeth I. Já vi atores chegando ao primeiro ensaio de uma peça de Pirandello e perguntando: E esse Pirandello aí, quem foi? Não dá, não dá. Ele pode até fazer bem um determinado papel, mas o conjunto não sai bom, não adianta, é preciso ter uma base cultural boa para fazer certas coisas. E observar. Sempre e muito. Para fazer, por exemplo, uma peça como essa que eu acabei de fazer (Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa), do Mário Brasini, que foi escrita nos anos 60, portanto 45 anos atrás, você tem que – ou ter vivido isso – ou se lembrar de coisas ou ir consultar pessoas da época, porque senão você vai fazer absurdos, como os que freqüentemente vemos acontecer na televisão. Eu acho que o ator tem que construir as bases dentro dele mesmo. O Chaikin, um grande diretor norte-americano, dizia que a ferramenta do médico é o bisturi, a do engenheiro é o compasso e a do ator é o corpo dele – que vai do alto da cabeça até as pontas dos pés – com todas as instruções que ele dá a esse corpo. Temos que instruir nossa mente, informar e formar o caráter, preparar o corpo, fazer ginástica e, se possível, fazer balé, aprender esgrima, tudo o que pudermos fazer para saber, por exemplo, como anda uma dama, como se movimenta uma mulher do povo, como anda um soldado, um político... Acho que temos (especialmente os jovens) que experimentar o método que outros atores usam, ouvir o que eles dizem, mas sempre procurando descobrir nosso próprio caminho. No palco, mesmo que você não chore de verdade, não adianta só fingir que está chorando. Você tem que convencer a platéia de que você está se debulhando em lágrimas, ainda que as lágrimas não corram. E onde é que você vai buscar essa força? Você tem que saber como é que se chora. E, para embutir verdade nisso, você tem que ter essa vivência e ir atrás de uma dor real. Até mesmo de uma dor que você viu no cinema. Ou se inspirar na dor de alguém que você sabe que passou por aquilo e que você imagina como seja. Claro que isso depende de cada ator, do papel que ele está fazendo e do que é capaz de fazer, mas temos que ter uma memória emocional bem desenvolvida, disso não tenho a menor dúvida. Na alegria e na tristeza, na melancolia (que é diferente da tristeza), na exuberância, no êxtase, em toda essa gama de emoções, o ator tem que saber como elas se manifestam dentro dele. E, para isso, o velho Stanislawsky está aí. Eu, pessoalmente, descobri que não tenho um método. Ele nasce conforme a peça que eu estou compondo ou conforme a personagem me pede. Com o Sadi Cabral aprendi o método Stanislawsky, e ainda acho que ele tem grandes méritos, é básico para afinar o instrumento, a ferramenta. É óbvio que se eu tiver que representar uma personagem que tenha alguma fobia, por exemplo, fora do meu campo de ação, eu tentaria colocar essa fobia dentro de mim o mais intensamente possível, eu teria que imaginar como seria a sensação. Mas eu não sairia do teatro com ela. Se a personagem for claustrofóbica, eu, Beatriz, não deixaria de andar de elevador... Não, eu não tenho nada dessas firulas de acreditar nessa história de que baixa o santo e você encarna o papel. Uma vez estávamos fazendo um laboratório no Teatro Oficina (é uma pena que hoje em dia não se faça mais esse tipo de exercício), em que nós representamos uma das cenas da peça, ainda que ninguém soubesse de cor o texto. Então, a encenamos à nossa moda, com as nossas palavras, com a nossa situação, fazendo o que a gente tivesse vontade. Era uma cena de susto, de perseguição, e eram 4 ou 5 atores fazendo o exercício. Eu me entreguei à ação e não percebi que o exercício havia acabado, continuei representando. As pessoas ficaram em silêncio, olhando para mim, até que um dos colegas me disse: Beatriz, pára, pára, já acabou, já passou, meu bem, achando que eu tinha entrado em transe. Eu não estava em transe, eu estava representando aquilo, eu simplesmente não tinha me dado conta de que os outros tinham parado. Todo mundo ficou achando que eu tinha feito com tanta veracidade que só podia ser um transe mesmo, e não foi nada disso. Eu até deixei eles pensarem que era isso, mas não era verdade. Não era verdade, eu só represento, eu não entro em transe. Uma coisa que eu faço, em relação aos meus trabalhos, é que eu tento, o mais possível, não levar a personagem para casa. Fechou a cortina, acabou. Volto a ser a Beatriz. Mas isso só é possível quando o espetáculo está pronto. No período de ensaios eu levo a personagem para casa, sim, ando com a personagem 24 horas por dia. Sonho com ela, sonho que não consigo decorar as falas, eu sonho que ainda não acabei de fazer o papel, tenho sonhos aflitivos e convivo diuturnamente com a personagem durante dois, três meses de ensaio. Aí sim, sem dúvida, ela está comigo o tempo todo. Se vou a um jantar, fico aflita porque as pessoas estão falando de outra coisa que não a minha peça, porque eu só consigo falar da minha peça. É assim mesmo, durante os ensaios fico totalmente tomada. Depois, quando a peça já está em andamento, são outras coisas que me aborrecem. Às vezes é uma reação do público que não me agrada, às vezes é uma cena que eu acho que não consegui fazer bem. Não sei, há sempre uma novidade e cada dia você sai do teatro de um jeito. Às vezes muito contente, às vezes menos contente. Uma etapa que eu adoro é a da leitura da peça em volta da mesa, que nós chamamos ensaio de mesa. Eu acho que é importante esse momento em que a gente pode falar, dialogar com os colegas. É um momento de descobertas, de coisas que você não pensou sobre a personagem, de pistas que você descobre dos personagens dos outros. É um momento importante, gratificante, porque o processo continua no palco. E você continua descobrindo coisas, e isso vai até o último dia do espetáculo. É uma coisa mágica. Às pessoas que me perguntam se é monótono fazer a mesma peça por muito tempo, costumo dizer que cada espetáculo é único, diferente, surpreendente e, embora você faça os mesmo gestos e diga as mesmas falas com as mesmas entonações, no mesmo cenário, o ânimo muda. Muda por causa do público, do cansaço dos atores ou, ao contrário, pelo seu vigor e entusiasmo. Experimente ver um bom espetáculo mais de uma vez. Ele nunca se repete, até porque a platéia também nunca se repete. Há platéias com talento e sem talento e, do palco, a gente costuma ter a pretensão de perceber isso. Eu tenho certeza de que não é tão fácil assim, e já me enganei algumas vezes. Você pensa que a platéia está silenciosa, imóvel, porque deve estar se chateando ou porque não está entendendo, mas quando termina a peça ela se levanta e urra de prazer de ter visto o espetáculo. Outras vezes (no mesmo espetáculo) a platéia se manifesta muito, ri muito, ou chora muito, e você tem uma resposta mais imediata, mas é muito difícil ter uma visão de como a platéia está reagindo. Você só sabe no final. Eu tenho muita tendência de julgar o público durante o trabalho, e me critico por isso, porque a gente se engana muito. Às vezes, pensamos que a platéia não está acompanhando e está. Outras vezes, a platéia realmente não acompanhou e você sai do palco não só frustrada como com raiva. Capítulo XII Uma Questão de Cumplicidade A menos que você esteja fazendo um monólogo, a cumplicidade entre os atores é fundamental para o êxito do espetáculo. Aí entra também a auto-observação, uma ferramenta importantíssima para o ator. Tive duas experiências bem significativas da importância disso na peça Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa. Na primeira montagem éramos a Myriam Pires e eu, em cena. Havia uma confiança mútua entre nós, mas aconteceu, algumas vezes, de ela ou eu trocarmos uma palavra do texto, ou dizermos uma fala antes da hora, algum engano que poderia atrapalhar a outra. Quando isso acontecia, uma de nós, ou as duas juntas, davam um jeito de voltar e dizer o que não havia sido dito. Isso nos dava uma maravilhosa segurança em cena, mas infelizmente é muito raro. Há atores que têm a generosidade de ajudar os outros, o espetáculo tem que vir em primeiro lugar. Sempre que me deparo com alguém assim fico muito feliz. Veja você: nessa mesma peça acho que fui abençoada, pois quando voltei a representá-la com Nicette Bruno, outra colega competente, bem preparada e talentosa, pude me alegrar por dividir o palco com ela. Nos divertimos muito, foi um grande prazer! Prefiro me lembrar das boas experiências, das coisas bonitas, dos atores que eu admiro não porque sejam badalados ou reconhecidos, mas pelo valor humano e pelo talento que têm. Alguns não tiveram a sorte de ver essas qualidades devidamente ressaltadas e homenageadas. Um deles é o Cláudio Corrêa e Castro, que foi um ator maravilhoso, inteligente, capaz, cuja carreira, apesar de ter sido muito boa, não teve o reconhecimento que ele merecia, ficou aquém do que ele poderia fazer. Ele fez, no teatro e na televisão, trabalhos antológicos que a mídia e o público em geral não estavam preparados nem para perceber e reconhecer. Há outros atores como ele que eu acho que poderiam aparecer muito mais, mas que como não fazem muita televisão ou não estão na mídia das fofocas, não se destacam. Ao lado de bons atores o nível do espetáculo cresce, o desafio é maior, é uma sensação maravilhosa. Não foi à toa que eu convidei Nathália Timberg para trabalhar comigo em Três Mulheres Altas... Capítulo XIII Palavra de Produtora Quando o Teatro São Pedro de Porto Alegre foi construído, no tempo de Pedro II, havia uma entrada separada para os escravos, que ficavam lá em cima, na torrinha. Era um tempo em que havia, mesmo, o hábito de freqüentar teatro, por parte dos ricos e dos pobres. Esse hábito foi se perdendo ao longo do século XX, sobretudo com a chegada da televisão. Logo no início ela trouxe público aos teatros, principalmente nas cidades onde não havia teatro permanente, onde as pessoas queriam ver de perto os atores que trabalhavam na televisão. Era um sucesso quando eles representavam nessas cidades, fosse a peça qual fosse. Isso passou, acabou de vez, não garante mais a presença do público no teatro. Então, as pessoas agora preferem ficar em casa vendo televisão, que desligam quando querem, que é utilitária. Alegam que o teatro é muito caro. É mais caro do que o cinema, concordo, mas ninguém se pergunta quanto ele custa para ser feito, quanto nos custa para chegar ao ponto de estrear uma peça. Então, acho justo o que é cobrado, sobretudo se levarmos em consideração que não temos o apoio dos Ministérios. Até mesmo em um bom governo, como o do Fernando Henrique Cardoso, você tinha um Ministério da Cultura apático. Atualmente, no governo Lula, digo que ele é inexistente, inoperante, não toma conhecimento das dificuldades da produção teatral. Estamos muito desprotegidos. Uma das coisas que oneram muito a produção teatral é a publicidade. Nós vivemos no mundo do marketing, em que é preciso aparecer. Você sabe quanto custa um espaço em jornal? Precisamos de um orçamento enorme só para anunciar as peças. Os impostos que nós pagamos são absurdos. Os impostos que os atores pagam sobre os ordenados deles são cumulativos. Os impostos que os teatros pagam para poder funcionar são astronômicos. Quando você soma tudo isso, vê que as coisas ficam cada vez mais difíceis. E, assim, fica inevitável o enfraquecimento de uma arte que é fundamental. Ela é fundamental pela maneira com que atinge rapidamente o público. Ela é fundamental por que sem ela não há cinema e nem televisão e o povo fica culturalmente mais pobre. Dei-me conta, por experiência, que fazer teatro de graça ou teatro barato é um erro, um desrespeito com a profissão. Um erro pensar que isso traga público. Mentira. Nenhum teatro barato forma platéia. Se você faz teatro de graça (como o Sesi faz na Avenida Paulista, aqui em São Paulo), o teatro está sempre cheio porque é de graça, não se paga nada, mas são sempre as mesmas pessoas, porque elas não saem de lá pra comprar entradas em outros lugares, elas não aprenderam como é importante ir ao teatro. E, além disso, dar ao público a idéia de que teatro é tão pouco importante que pode ser feito de graça é um desrespeito com os profissionais. Reforçar no público uma idéia (já generalizada) de que ator está brincando, de que ator não está trabalhando, de que o ator leva uma vida de boêmio, é um desrespeito e uma ofensa à classe teatral. Eu não aceito de maneira nenhuma fazer teatro a R$ 1,00, ou fazer teatro de graça. O nosso trabalho não pode ser menosprezado. E aquilo que você dá, gratuitamente, sempre é menosprezado. Eu vou contar uma história que parece anedota, mas que é verdade e que aconteceu comigo no Rio de Janeiro. Tomei um táxi e o motorista, muito amável, me disse assim: Pô, como vai a senhora? Que bom ter a senhora no meu carro. A senhora, hein, que coisa bacana, a sua profissão é maravilhosa, vida de artista é que é bom, né? E eu disse: Por que é que a vida de artista é que é bom? Ah, porque não tem nada pra fazer, respondeu ele! Eu retruquei na hora: É verdade. É que nem a do senhor, não é mesmo? A sua vida também é muito boa, o senhor fica sentadinho aí na frente do volante, passeando pela cidade, vendo a paisagem, não tem nada pra fazer não é? Acho que isso ilustra bem o que se pensa do ator. E se uma Secretaria de Cultura ainda por cima reforça isso, oferecendo teatro a R$ 1,00, está cometendo um erro e um desrespeito. A minha luta nesses últimos cinco ou seis anos é uma luta, por enquanto, solitária. É a luta contra a meia-entrada. Não entendo a razão de isso ter se transformado em uma obrigação, se nós somos profissionais liberais, independentes, e temos a maior dificuldade para conseguir patrocínios. Por que não se exige também que o médico dê 50% aos idosos, aposentados e estudantes? Por que não se pede para as farmácias que dêem 50% de desconto? Por que não se consegue que os bancos cortem suas taxas para os idosos? Por que é que só o teatro é que tem essa obrigação? Eu não tenho a obrigação de dar meia-entrada, sem uma contrapartida do Estado. O Estado é que tem essa obrigação. Então se o Estado me obriga a dar os 50% deveria me compensar de alguma forma. Só o que ele faz é nos cobrar impostos altíssimos. Eu pago tantos impostos no teatro quanto a quitanda da esquina. Por que então eu devo cobrar metade da entrada? E aí ocorrem coisas lamentáveis, como aconteceu nessa minha última temporada, no Rio de Janeiro, com Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa. Fomos obrigados a tirar a peça de cartaz depois de três meses, com a casa cheia, porque estávamos tendo um enorme prejuízo. Me explico: como é uma peça que interessa muito à terceira idade e interessava muito também aos jovens, nós tínhamos uma quantidade tão grande de meias-entradas que tivemos prejuízo. E ainda há políticos por aí dizendo que a meia-entrada é um investimento para o futuro, porque atrai o público e faz com que ele se acostume a ir ao teatro. À minha custa? Acredito que o ator, por ser uma pessoa pública, acaba transmitindo ao seu público uma determinada forma de pensamento, de ação, segundo suas convicções. Não falo nem em exercício de cidadania, porque acho que o exercício de cidadania é obrigação de todos. Estou dizendo que devemos aproveitar a posição que temos e tentar esclarecer determinadas coisas. Não estou falando de posição política, e sim de uma posição ética e moral. De vez em quando, quando eu acho que alguma coisa vale a pena, até faço uma campanha, posso até ajudar um político. Já fiz isso muitas vezes e nem sei se adianta, mas eu vou e cumpro com a minha obrigação. Mas cumpro por compreensão e vontade, por mim mesma. Não sou filiada a nenhum partido político, porque não há nenhum que me dê confiança suficiente para eu me filiar. Já fui do PT, mas faz muito tempo que não acredito mais nele. Capítulo XIV Carpe Diem Comecei nossa conversa dizendo que o importante é o dia de hoje. É verdade, mas seria mentira dizer que não planejo o amanhã. É claro que tenho planos, sonhos. Mas procuro me manter atenta e só sonhar com personagens factíveis, personagens que eu tenha condição de realizar, porque afinal, como diz um dos personagens do Gorki: O destino quem faz é você. Para finalizar, devo dizer que me acautelo contra a pretensão de ter feito mais do que fiz. Mas sei apreciar o que conquistei, aquilo que talvez tenha dado aos outros e o que eu pude realizar. Já passei dos 80 anos! Tive, até agora, uma vida variada e plena, com mais altos do que baixos. E continuo fazendo planos. Planos que pretendo realizar nos próximos 30 anos! Cronologia Beatriz Segall 1950 • Le Bel Indifférent 1951 • Trabalhou com Henriette Morineau no grupo Os Artistas Unidos, em que faz ainda Um Cravo na Lapela, de Pedro Bloch, e Jezabel, de Anouilh 1952 • Viagem a Paris com a bolsa de estudos do governo francês: Curso de Teatro para Estrangeiros e Curso de Literatura e Língua Francesa, na Sorbonne, e Curso de Interpretação com Balachowa • Jezabel • Manequim 1954 • Casa-se com Maurício Segall e afasta-se dos palcos • Alguns trabalhos para a televisão com Júlio Gouveia e a direção do Teatro Paulista do Estudante, com Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho e Aracy Balabanian • Poliana, de Júlio Gouveia, teleteatro na TV Tupi/SP 1957 • Lever no Espaço, série de ficção científica na TV Tupi/SP, com Lima Duarte 1960 • Apresenta o teleteatro Sansão, Sol Esplêndido, na TV Tupi/SP 1964 • Pequenos Burgueses, com direção de José Celso Martinez Correa • Andorra, de Max Frisch, no Teatro Oficina • Esses Fantasmas 1966 • Os Inimigos, de M. Gorki, no TBC 1967 • Angústia de Amar, novela na TV Tupi/SP 1968 • Ana, novela na TV Record • Passa a integrar a Companhia de Teatro São Pedro 1969 • Marta Saré, de G. Guarnieri, no Teatro São Pedro • Um Inimigo do Povo, de Henri Ibsen, também tradutora, no Teatro São Pedro • Hamlet, no Teatro Anchieta 1970 • Longa Noite de Cristal, dirigida por Oduvaldo Viana Filho, no Teatro São Pedro 1971 • O Interrogatório, de Peter Weiss, no Estúdio São Pedro, direção Celso Nunes 1972 • Fígaro, um Dia Muito Especial, em benefício da equipe pernambucana da Feira da Bondade, no Teatro São Pedro • A Grande Imprecação Diante dos Muros da Cidade, no Estúdio São Pedro 1973 • Frank V, no Teatro São Pedro • O Prodígio do Mundo Ocidental 1975 • Os Executivos, de Mauro Chaves, no Teatro São Pedro, também produtora 1976 • À Margem da Vida, de Tennessee Williams, em cartaz em São Paulo, de maio a setembro, e no Rio de Janeiro, de outubro a dezembro 1977 • O Cortiço, filme • Maflor, peça de Sérgio Viotti • Dancin’ Days, novela na TV Globo 1978 • À Flor da Pele, filme 1979 • Pai Herói, novela na TV Globo 1980 • Pixote - A Lei do Mais Fraco, filme de Hector Babenco • Água Viva, novela de Gilberto Braga, direção de Roberto Talma e Paulo Ubiratan, TV Globo • A Carta, de Somerset Maugham, no Teatro Maria Della Costa 1981 • O Velho Diplomata, teleconto da TV Cultura • Os Adolescentes, novela na TV Bandeirantes, direção de Roberto Palmari 1982 • Sol de Verão, novela na TV Globo • Amantes da Chuva, filme • O Ninho da Serpente, novela na TV Bandeirantes 1983 • Champagne, novela na TV Globo 1984 • Emily, peça de William Luce, Troféu Mambembe/RJ 1985 • Emily, peça de William Luce, em São Paulo 1986 • O Tempo e os Conways, com o Grupo Tapa 1987 • Carmem, novela na TV Manchete 1988 • O Manifesto, direção José Possi Neto, com Cláudio Corrêa e Castro, no Rio e em São Paulo • Vale Tudo, novela na TV Globo 1989 • Lilian, peça de William Luce 1990 • A, E, I, O, Urca, minissérie na TV Globo 1991 • Barriga de Aluguel, novela na TV Globo 1992 • Clube de Mulheres, de Glória Perez, novela na TV Globo 1993 • Sonho Meu, novela na TV Globo • A Guerra Santa, direção Gabriel Villela 1994 • Três Mulheres Altas, peça de Edward Albee 1996 • O Lado Fatal, monólogo de Lya Luft 1997 • Do Fundo do Lago Escuro, com o Grupo Tapa • Anjo Mau, novela na TV Globo 2000 • Estórias Roubadas, teatro em São Paulo 2001 • Ponto de Vista, peça de David Hare 2002 a 2004 • Quarta-feira, sem Falta, lá em Casa, peça com Myriam Pires, em São Paulo e no Rio e com Nicete Bruno, em São Paulo 2003 • Desmundo, filme de Alain Fresnot 2004 • Pequenas Raposas, peça no Rio de Janeiro 2005/2006 • Bicho do Mato, novela na TV Record Índice Apresentação – Hubert Alquéres 5 Prefácio – Beatriz Segall: o Segredo da Eternidade – Andres Santos Jr. e José Paulo Fiks 9 Beatriz Segall – Além das Aparências – Apresentação – Nilu Lebert 17 Capítulo I 21 Viagem à China 25 O Começo 47 Beatriz de Toledo, agora Segall 53 O Refúgio 67 O Poder da Aparência 71 O Teatro São Pedro 73 Ecos da Ditadura 81 Novos Tempos 83 Telas Grandes e Pequenas 111 Construindo Personagens 125 Uma Questão de Cumplicidade 129 Palavra de Produtora 131 Carpe Diem 135 Cronologia Beatriz Segall 137 Crédito das fotografias Alair Gomes 104, 105, 106, 107 Bazilio Calazans 120, 121, 122, 124 Beti Niemeyer 30, 31 Carlos - Rio 35, 40 Cedoc TV Globo 119, 171 Ching C. Wang 117 Cristina Granato 182 Denildo Pinto 172, 173 Ernesto - Rio 23 Fredi Kleeman 63, 149 Gerson Zanini 152 Graça Aguiar 24 Half Davis 109, 175 Henrique S. Neves 152 Jorge Baumann / TV Globo 179 Nelson Di Rago / TV Globo 97, 168, 170, 178 Rachel Guedes 8 Serginho Massa 182 Vânia Toledo 134 Retrato de Beatriz Segall à página 52 de Lasar Segall Demais fotografias do acervo de Beatriz Segall Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Formato: 23 x 31 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Número de páginas: 200 Tiragem: 1500 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2007 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial Lebert, Nilu Beatriz Segall : além das aparências. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado, 2007. 200p. : il. – (Coleção aplauso. Série especial/coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-565-8 1. Atores e atrizes cinematográficos – Brasil 2. Atores e atrizes de teatro – Brasil 3. Atores e atrizes de televisão – Brasil 4. Segall, Beatriz, 1933 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.092 81 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros :Biografia : Representações públicas : Artes 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei no 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria