Mauro Mendonça Em Busca da Perfeição Mauro Mendonça Em Busca da Perfeição Renato Sérgio IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2009 GOVERNO DE SÃO PAULO Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniramse simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da Nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileira vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de to-do o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Introdução Mestre Nelson Rodrigues já dizia: O ser humano é capaz de tudo, até de amor sincero, só não é capaz de ser imparcial. Isso é uma verdade assustadora, aliás, como tudo, ou melhor, quase tudo que ele definiu, falando e escrevendo. Mas há exceções, uma delas exatamente aqui. Porque, embora admirador desse grande ator (com alma de comediante) chamado Mauro Mendonça, consegui ser imparcial. Deve ter sido porque a riqueza da vida íntima e profissional dele dispensa não só parcialidades, mas também truques, disfarces, imagens, metáforas, adjetivos, elogios ou críticas, cabalas, cambalachos, cambalhotas literárias, rapapés e salamaleques. Basta ouvi-lo, ou melhor, saber ouvi-lo (é meticuloso e detalhista, campeão dos pormenores, minúcia é com ele mesmo: em cada reencontro tem sempre alguma pequena retificação ou acréscimo ao que disse na conversa anterior). O problema é conseguir ouvi-lo, coisa que no labirinto das escalas praticamente diárias de gravações só acontece jogando xadrez, gamão e sinuca com o calendário e o relógio, com muito engenho e arte, de preferência, se possível, com um duende básico a tiracolo. Mas vale a pena esperar pelas brechas da agenda e o risco que se corre de que elas sejam poucas e breves, porque o homem tem é o que contar! Cercado de mães, pai, irmãos, filhos, netos e personagens em dezenas de porta-retratos de todos os tipos e tamanhos, ele mexe e remexe em velhos e montanhosos compartimentos mineiros íntimos, vai ao fundo dos seus baús internos e se desnuda como num remake de Dona Flor em que fosse não Teodoro Madureira, mas Vadinho, o outro marido. Então a memória dele se acende, enquanto o cachimbo se apaga, repetidas vezes (e o isqueiro, pléc, pléc, pléc, custa a funcionar). Na verdade, tudo nele, a vida toda, foi tão rico e tão intenso que certas passagens seriam cômicas se não fossem trágicas e vice-versa. De vez em quando até dá impressão – e aqui não vai nenhum exagero – de que a gente está diante de uma sinopse de novela. Nada mais coerente, aliás. O velho menino tímido de Ubá transformou-se, pouco a pouco, palmo a palmo, palco a palco, personagem a personagem, tela a tela, tipo a tipo, em uma das expressões mais autênticas dessa grande arte que é fingir que somos outros. Ser e não ser. Era uma primavera carioca suave como poucas, nesta cidade que um dia já foi maravilhosa, com temperaturas civilizadamente suportáveis, entre uma e outra frente fria que – contrariando famosa frase de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta – o Rio de Janeiro não conseguiu desmoralizar. Foram sempre em fins de tarde, nossas conversas, com aquele vozeirão tonitruante ecoando pela mata atlântica, tendo como imponente testemunha silenciosa, a Pedra da Gávea – que nasceu com o mundo e com ele vai morrer – do alto de seus 842 metros de altura e seu desenho nítido de um rosto humano esculpido pela chuva, o vento e o tempo que não pára. Parecia um flashback. Pisando aqueles paralelepípedos, a caminho do casarão onde ele mora, a sensação era de ter voltado a um Rio antigo do qual não sobrou nada, só saudade. De repente, poderia haver o olhar de mormaço da Capitu de Machado de Assis em alguma janela do caminho, a contar meus passos. Ou, a qualquer momento, eu poderia ter a subida honra de cruzar com o João Romão de Aluísio Azevedo, quem sabe até com o próprio João Paulo Alberto Coelho Barreto – também registrado João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Barreto – essencialmente João do Rio, flanando pela alma encantadora daquela rua bucólica do bairro carioca de São Conrado, sem nem sombra de qualquer espigão pra quebrar o encanto, enfim o clima. Sensível, aplicado, buscando a perfeição em seu ofício, eis aqui alguém que se aprimorou a vida inteira. Assim se pode sintetizar a trajetória desse mineirinho danado, tão cuidadoso com seu ofício que, texto já decorado, na ponta da língua, passa todas as falas com outros atores, para estar nos trinques, na hora do gravandooooo! Dono de uma incansável capacidade de trabalho, no caso dele, de luta. Atravessou muitos mares e vários desertos de todos os tipos (não só os cenográficos). Enxugou tempestades particulares, maremotos emocionais. E depois de muitos palcos e estúdios, paulistas e cariocas, chega agora até nós, de cabeça recauchutada e alma reconfigurada, com a pelo menos aparente sensação do dever cumprido, portanto, bem perto da chamada santa paz com (quase) tudo e (quase) todos, inclusive a crítica. E principalmente – que é o mais importante – com ele mesmo, depois de 39 peças de teatro, 53 novelas, 8 minisséries, 18 teleteatros, 23 participações em seriados, 15 Casos Especiais e 19 filmes, em exatamente 53 anos de carreira profissional, contados desde o dia 20 de dezembro de 1955, quando recém-contratado pelo TBC, o histórico Teatro Brasileiro de Comédia, ele participava da primeira leitura da peça A Casa de Chá do Luar de Agosto. Esse é Mauro Pereira de Mendonça, nome de personagem de romance água-com-açúcar, destino de grande ator, que entre mil e uma façanhas cênicas exercidas no teatro, no cinema e na televisão, contracenou com Cacilda Becker, esse sim, um dado mais que suficiente para coroar com fecho de ouro e grand-finale, qualquer biografia. Mas ele tem outras cartas na manga do currículo, conforme a gente pode ficar sabendo. É só virar a página. Renato Sérgio Capítulo I O Sonho: De Ubá ao Jardim das Delícias, via Shirley Temple Sem nem olhar pra trás, eu entrava depressa no vagão vazio, mas cheio de vozes e risos. Na minha mão esquerda, a passagem já meio amassada que eu tinha apertado tanto, com medo de perdê-la. Na direita, a leveza da mala sem nada dentro, embora fechada com todo cuidado, tinha até cadeado. Sentava na poltrona, suspirava fundo e, através do vidro da janela, dava um lento adeus para a estação deserta. Só que esse trem imaginário apitava uma, duas, três, muitas vezes, e não saía do lugar. Mais do que um sonho, repetido várias noites, aquilo para mim era um verdadeiro êxtase. Uma deliciosa sensação de pura e quase palpável realidade, pena que no final virasse abóbora. Eu acordava, ofegante. Porque era tão grande e tão forte meu desejo de um dia transformar em verdade aquela imensa vontade de ir pro Rio de Janeiro, que tudo parecia estar acontecendo mesmo. Naquele tempo, a Leopoldina Railways passava todos os dias às 10 da manhã, vinda de Ponte Nova, rumo ao Rio, aonde chegava por volta das cinco da tarde. Era o Expresso. E toda vez que não tinha aula, a gente ia ver aquele trem passar. Meus pensamentos galopavam, tentando imaginar o que aquele pessoal que estava dentro dele ia fazer na cidade que um dia, se Deus quisesse, eu haveria de conhecer (e Ele haveria de querer que eu conhecesse). Eu morava em Ubá – terra de Ari Barroso – Minas Gerais, onde nasci a 2 de abril de 1931, sob o signo de Áries, num bangalô, já derrubado, em frente à sede da famosa Banda 22 de Maio. Depois moramos num casarão que tinha pé de jambo no quintal, de meu avô, um comerciante abastado chamado Francisco Galdino da Silva Padilha, na esquina do Beco do Padilha com Rua Peixoto Filho. E, finalmente, na Rua Coronel Júlio Soares, 802, no bairro do Caxangá. Sou o último de sete irmãos sem nenhuma irmã: Francisco Galdino, Alceste, Marcelo, Euclides, Jacob, Olavo (subcaçula que disputava comigo as prerrogativas da caçulice) e eu. Filhos de Maria dos Santos Padilha de Mendonça, a Dona Santinha, do signo de escorpião, viúva desde os 44 anos do Dr. Euclides Pereira de Mendonça, escorpião também, advogado e promotor público, homem sério, mineirão íntegro que morreu cedo e eu nem cheguei a conhecer. Na verdade, tive duas mães. A outra era Francisca de Assis Alvim, a Chica, do signo balança, criada desde jovem lá em casa, solteira-virgem a vida inteira, transformada em nossa mãe-preta-postiça, de criação, solidária e amiga, embora contasse histórias terríveis de monstros, mulas-sem-cabeça e fantasmas de todos os tipos, ameaçando, a cada peraltice nossa, que o perna-de-pau ia nos pegar. Em compensação, sempre entrava de pára-raios nas situações domésticas mais delicadas, quando a paciência de Dona Santinha chegava perto do limite. Fui menino tímido, meio medroso até. No circo dos Fuzaro – a família que criou o refrigerante Mineirinho – havia uma grade na minha frente, simbolizando a fronteira entre o mundo real e o da fantasia, me separando daquilo do qual eu queria participar e não conseguia. Tinha um portão na minha vida, um portão psicológico e também social. Então eu ficava olhando a parte dos fundos do circo, assistindo de longe, imaginando, viajando, como se eu não tivesse acesso àquilo do qual gostaria de participar. No trapézio, por exemplo, nunca teria coragem de subir. De cavalhada também não gostava, por causa dos tiros. Tenho um troço aqui dentro de mim, devo ter morrido violentamente na outra encarnação, porque tenho verdadeiro pavor de violência. E, quando criança, além de franzino, eu era assim meio receoso, o Olavo até atiçava alguns inimiguinhos meus a me provocar, pra ver como eu reagia, querendo que eu brigasse como ele. Olavo era de ação, enquanto eu era de imaginação. Pra nadar, demorei, pra andar a cavalo também, futebol, tudo, quer dizer, estava sempre na rabada. Só que tem o seguinte: eu era retraído, mas quando me enfurecia, virava um animal, cego de raiva. Principalmente quando alguns meninos, pra xingar, humilhavam, me chamando de filho sem pai. Morria de inveja do palhaço, quando ele entrava em cena e as gargalhadas estouravam em ecos. Achava que aquilo, sim, eu queria – e, principalmente, podia – fazer. À primeira vista pode ser até que isso tenha sido o embrião da minha vocação artística, mas não só. Porque eu era um acanhado que procurava me desinibir fazendo graça através de um dom de nascença: imitando vozes, gestos, manias e cacoetes das pessoas (o que chegou até a me causar certos dissabores e alguns castigos, na escola e em casa). Eu queria aparecer, então fazia graça, as pessoas gostavam, riam, e eu me sentia aceito pelos outros. E mais. Eu conseguia imitar o som de filhote de passarinho perdido. A mãe vinha correndo de volta pro ninho. Foi meu primeiro sucesso. Mas, pensando bem, acho que tudo começou mesmo com a Shirley Temple. Foi a atração que senti por aquela garotinha através da tela do velho Cine Brasil, durante as saudosas matinês em que soltava as rédeas de minha fantasia e me projetava nos atores que contracenavam com ela. Uma verdadeira paixão. Era a minha namorada, portanto, eu é que tinha de estar ali, junto dela. Mais ou menos o mesmo que a Mia Farrow, no filme A Rosa Púrpura do Cairo. Um processo que muito mais tarde, estudando Stanislawski, fui entender que era a observação, a assimilação, a corporificação, a elaboração interna, enfim, os pontos iniciais do trabalho de ator. O se fosse. No caso, se eu fosse aquele que estava abraçando a Shirley Temple. Essa foi a verdadeira semente de tudo, o marco zero dos meus caminhos profissionais. Antes dela, meus personagens preferidos eram o Vingador, o Sombra, o Anjo, e as crianças da Escolinha da Dona Olinda, criação de Nhô Totico, campeões de audiência no rádio dos anos 40. Eu ouvia as histórias e criava outras, de repente o Vingador ia a Ubá, essas loucuras. A molecada ficava me ouvindo, meio sem saber se acreditava ou não. Desde então, já carregando, embora ainda impressentida, uma certa capacidade de liderança e uma boa dose de intuição, características dos arianos. Além do temperamento acentuadamente forte, às vezes explosivo, outra marca desse signo. (Embora atualmente eu esteja em plena fase light de amadurecimento de minha racionalidade. A gente acaba percebendo que muito do que é dito não havia necessidade de dizer. E há muito tempo vejo que, a não ser por motivo justo e incontrolável, não há necessidade de brigar. Essas mudanças ocorrem com a educação de nossa aura, através de um processo energético de humanização). Nas horas em que não estava namorando a Shirley na tela, me deliciava com gente como Glenn Ford, William Holden e Evelyn Keyes. Impossível esquecer de filmes como O Império da Desordem. Ou de Charles Boyer, Charles Laughton, Victor Francen, Paul Robenson, Edward G. Robinson e Rita Hayworth – minha primeira paixão de adolescente – em Seis Destinos, onde se contava a história de uma casaca que passava de mão em mão, ligando os destinos de vários personagens. Aliás, o Vicente Sesso, autor da novela Sangue do Meu Sangue, disse uma vez que eu era o Charles Boyer brasileiro e eu morri de rir, achei muito engraçado, acho até hoje. Eram dias ainda livres de super-heróis importados, máquinas eletrônicas individualizantes e outras perniciosas influências deformadoras, então eu me aprimorava nas artes e artimanhas de uma infância mais criativa indo ao encontro da vida, ao ar livre, pescando no riacho mais próximo, pegando passarinho e soltando pipa – que lá se chamava papagaio – com manivela e rabo grande. Ou visitando quintais alheios e escalando árvores em busca de maracujás, araçás – roxos e amarelos – abricós e, principalmente, mangas (ubaense patriota chamava a manga-carlotinha de manga-de-ubá, porque as de lá nasciam com uma consistência diferente e eram mais saborosas ainda). Mas a fruta preferida, nosso objeto de desejo, era a grumixama – no dicionário está escrito assim e diz que é da família das mirtáceas, mas a gente chamava de grumichame – que, aliás, voltei a comer depois de grande, quando estava gravando novela na Cinédia, onde havia uma frondosa grumixameira. Enfim, a gente ia roubar as frutas que às vezes brotavam também na nossa própria casa, só que as que davam no vizinho eram sempre muito mais gostosas. De vez em quando, uma visita à Biblioteca Pública da cidade, onde o primeiro livro que quis ler foi o Pimpinela Escarlate, mas desisti logo, não me interessei nem um pouco por aquelas aventuras dele. Acontece que eu era amigo do Rodrigo, menino rico que tinha livros em casa, então foi aí que comecei a me interessar pela leitura. Gostei logo dos policiais de Edgar Wallace, antes de chegar a Monteiro Lobato. Mas mais ou menos aos 11, 12 anos, descobri um novo brinquedo: as meninas. Eram aqueles olhares compridos, de longe, sem dizer uma palavra, nas idas e vindas do footing, homem de um lado, mulher de outro, rodando, rodando em torno da praça da Igreja de São Januário. Eu, muito tímido, rodava, rodava, olhava, olhava, quando ficava amigo, tinha acabado o namoro. Aí nóis conversava, né? A gente falava de algumas poucas coisas, menos de nós mesmos. Lembro de uma garota com quem eu flertei durante três anos. A gente só se olhava, sem falar nada, nunca se tocava, mas – vejam só que maravilha – trocava retratinhos. Um dia ela começou a namorar um outro e me pediu pra mandar um recado pra ele, foi a primeira e única vez que a gente se falou. E eu levei o recado! Teve um tempo que, pra namorar, eu comungava todo dia. E não perdia uma procissão, pra poder estar ao lado delas. Até porque, nos bailes, eu ficava parado num canto do salão, só olhando os meus colegas dançarem. Saber dançar, eu sabia, mas não dançava, de jeito nenhum. Pular carnaval, então, nem pensar. Até que aconteceu a primeira namorada. Maria era o nome dela, uma colega da mesma sala de aula, que sentava um pouco à frente de mim. Pedi o namoro por escrito (Estou gostando de você) no lado de dentro de um papelão que virava mataborrão, anúncio do Phymatosan, aquele xarope do homem tentando tirar a mordaça da boca e as palavras: Larga-me, deixa-me gritar! Por mera coincidência ou ironia do acaso, era exatamente o que eu queria fazer: que me largassem e me deixassem gritar. Depois de ler, ela virou-se pra trás e deu um sorriso maravilhoso, de aprovação. E, no recreio, ficamos conversando, embora timidamente, mas já namoradinhos. Assim se passaram meus primeiros 14 anos, quando o governador Benedito Valadares começou a construir campos esportivos, com piscinas, em várias cidades do interior de Minas Gerais, e durante 11 anos Minas foi campeã brasileira infantojuvenil de natação. O prefeito Levindo Ozanan Coelho, então, importou um técnico de Belo Horizonte, o sargento Rocha, logo promovido a tenente, e nós fomos participar de um campeonato de natação, em Uberaba. Foi quando deu-se um milagre: eu pegava o trem e ele andava! De uma estação chamada Astolfo Dutra, fizemos uma baldeação para Juiz de Fora, onde conhecemos uma famosa piscina suspensa do Esporte Clube de lá. Depois, Belo Horizonte, onde a piscina tinha 50 metros e uma água maravilhosa, todos nós de boca aberta, um espanto. E logo estávamos indo em direção a Uberaba, a bordo da Rede Mineira de Viação, a RMV, que a turma logo pegou as iniciais e apelidou de Ruim Mas Vai, porque conseguia a façanha de ser pior ainda do que a Leopoldina. Na disputa contra Barbacena, Montes Claros, Pará de Minas, Divinópolis, Juiz de Fora e outras cidades do interior mineiro, Ubá conseguiu só um ponto, terceiro lugar em nado livre, graças a uma menina da qual não me lembro mais o nome. Eu fiquei sem medalha, mas treinando, treinando, treinando, desenvolvendo asinha debaixo dos braços, aumentando o tórax, fortalecendo os músculos, me sentindo mais forte, portanto, bem preparado pra briga. Mas o melhor de toda a excursão foi na hora de embarcarmos num trem da Central do Brasil em Juiz de Fora, com destino a Belo Horizonte. Quando encarei aquela locomotiva, igual à que eu via no cinema americano, fiquei paralisado. Porque as máquinas da Leopoldina eram do tipo boca de cachimbo, maria-fumaça mesmo, e as da Central não, eram aqueles gigantes, pareciam uns touros de aço, cheias de pose, cuspindo fogo pelas ventas. Bem mais pesadas do que o ar, mas mais ajuizadas do que avião, tanto que não usavam asa alguma, que voar, pra mim, era um fascínio, mas ainda privilégio de bicho de pena ou cheque sem fundo. Eu nunca tinha tirado os pés do chão. Mas sabia dizer a marca de alguns aviões – Spitfire, Focke-Wulf – que apareceram na guerra (um assunto sobre o qual todos falavam, mas dela eu tinha ainda apenas uma idéia longínqua e fantasiosa). Via aquelas maravilhas voadoras nas revistas e até tentava desenhá-las. Acontece que avião, em Ubá, era motivo de festa. Cada vez que aparecia um, todo mundo corria, levantava a cabeça e ficava olhando pro céu. Como uns pilotos da FAB tinham parentes por lá, então, um dia chegaram três aviões ao mesmo tempo, daqueles de duas asas e no meio um motor a hélice. Ficaram sobrevoando a cidade, antes de pousar. Para nós, ali estavam três heróis vivos, tanto que ganharam presentes, manteiga, queijos, mangas, antes de irem embora, no fim da tarde. Um deles, o mais jovem, começou a convidar as pessoas para um vôo. E você, menino, não quer ir? O menino era meu irmão Olavo, que balançou a cabeça e disse não. Mas o Zizinho Brando, goleiro do Aymorés Futebol Clube, único time de Ubá, quis. Queria jogar uns panfletos de propaganda da loja dele lá do alto. Então sobe! Ele subiu, o piloto mal esquentou o motor, decolou e logo adiante bateu num fio, espatifando-se contra um morro próximo. Saímos correndo, todos. E, então eu, estarrecido, vi o Zizinho no chão, ferido, mas ainda vivo, ele só foi morrer no hospital. Ninguém sabia ainda o que tinha acontecido com o piloto. Mas, enquanto o pessoal procurava em volta, eu dei uma espiada dentro dos destroços e vi o corpo preso nas ferragens. O difícil foi tirar ele de lá, ninguém conseguia. O mais veterano dos três, então, resolveu ir para o Rio, providenciar a remoção do corpo do colega morto e comunicar a ocorrência à Força Aérea Brasileira. Foi quando a gente notou a diferença: ao contrário do companheiro, ele esperou o motor esquentar, rodou pela pista, deu uma volta, parou, rodou mais, acelerou bastante, deu mais uma volta testando os instrumentos, e só então subiu e desapareceu no horizonte. No dia seguinte, a cidade paralisada, comovida, chocada, chega um Focke-Wulf, bimotor alemão, no qual seria removido o corpo do piloto morto. Esvaziou metade do velório do Zizinho Brando, todos queriam ver o que nunca tinham visto, um aviãozão daqueles. Menos eu. Naquele momento, não me restava mais nenhum interesse pelaaviação.Então continuei sentado num banco da praça, ainda muito impressionado com o que tinha presenciado na véspera. (Eu só tinha tido três visões da morte. A de uma moça chamada Marta, daquelas beatas que gostam de cantar e decoram todas as músicas da igreja, enormemente gorda – e isso, na minha cabeça, era sinal de saúde – por isso, quando a vi no caixão foi um choque. A de um amigo epilético e a de um sapateiro muito popular na cidade). Só que, daquela vez, eu estava ali perto das vítimas. E vi o momento da morte deles. Pois,agora,recentemete,meconvidarampraparticipar do júri da escolha de Miss Pólo Moveleiro (Ubá tem cerca de 400 indústrias de móveis) e o André Luís Durmutout de Mendonça, meu primo distante, filho do fundador da Rádio Sociedade Ubaense, me ofereceu uma carona de avião. Mas aquela velha lembrança me voltou e tentei recusar: Não, o tempo está ruim, vamos de carro mesmo... Ele: Que nada, o piloto disse que o tempo lá está bom e garante que dá pra ir numa boa. Então fomos. Era um bimotor Cessna, quatro lugares. Lembrei imediatamente de uma frase da Rosamaria, segundo a qual, Cessna sempre cai. Agora era tarde. Decolamos com tempo encoberto no Rio, dei uma cochilada, o céu ficou azul, olha Ubá lá embaixo, tínhamos chegado, a pista que era de terra estava asfaltada, enfim, tudo na mais perfeita ordem. Fomos à festa, hotel e tal, no dia seguinte, a volta. Chovia e muito. Eu: Vamos de carro, né? Ele: Deixa de besteira, carro o quê, daqui até lá é um pulinho! O jeito era tomar umas cervejinhas. Só que não foramumas,foramumaseoutras. Ese aida tinha sido em 50 minutos, a volta foi em uma hora e 20, por causa do vento e outras atmosferas. Detalhe: num avião sem banheiro. O quadro era o seguinte: nuvem em cima, nuvem embaixo, e a bexiga já dando sinal de vida, tô aqui, ameaçando ligar o sinal de alarme. Foi fogo. Apesar do cinto de segurança afrouxado, os minutos se esticavam igual elástico e eu, desesperado, com uma certeza absoluta: não ia dar tempo. Um suplício que só terminou em terra outra vez. Mal o avião pousou, soltei os bichos, aliviei-me ali mesmo. A pista do aeroporto Santos Dumont tinha acabado de ser batizada. Uma sensação incomparável de leveza, difícil de descrever. Mal comparando – mas já comparando – mais ou menos como aquela, de muitos anos antes, quando chegou a notícia que nossa casa tinha sido vendida e nós iríamos morar no Rio de Janeiro! Aquilo era simplesmente fantástico, quase inacreditável. Ah, passei várias noites sem dormir! E no dia do embarque, minha primeira providência foi dar-me um beliscão, aliás, tão convincente, que a marca ficou no meu braço durante alguns dias. Eu não conseguia acreditar que aquilo estivesse acontecendo. O melhor é que estava. E, antes do embarque, uma grande e grata surpresa: a presença de uma jovem em frente à casa de quem a gente passava todos os domingos, a caminho da missa. Ela sempre na janela, na varanda ou na porta, sem que eu jamais percebesse qualquer sinal de interesse, de simpatia, de apreço, de amizade, de carinho, de qualquer coisa da parte dela e, por isso, jamais poderia imaginar que ela estivesse na estação, naquele dia. Pois, na hora em que eu ia embora, era exatamente quem estava na minha frente, perguntando:... Mas... você vai mesmo? Durante muito tempo me lembrei daquele mesmo, sintomático na frase. Ali estava dito tudo. Então veio o espanto por não ter percebido nada nela, nunca. Os dias eram assim, as iniciativas eram sempre nossas, nunca delas. E sem dizer nem uma palavra, fui embora, com uma quentura no peito doendo um pouco dentro da alegria da ida. Da janela, dei o mais lento e prolongado adeus da minha vida, para todas as pessoas que estavam na estação, uma por uma. Principalmente para ela. E lá estava eu, passando, de trem, por Ligação, uma estaçãozinhaacincoquilômetros de Ubá, eTocantins, lugares próximos aonde às vezes a gente chegava a pé pela estrada, até os riachos onde íamos pescar. Quantas vezes, ali, parado no tempo, esperando um peixe distraído morder meu anzol enquanto o mundo girava à minha volta, eu me perguntava, ao ver esse mesmo trem passar: Meu Deus, quando será que eu vou estar lá dentro dele? Pois naquele instante mágico e abençoado, inacreditavelmente real, poucos eram mais felizes do que eu, que, enfim, estava dentro dele. Eu era um dos passageirosdaquelaviagem tãosonhada.Tinhame livrado, finalmente, do pesadelo do trem que apitava e não saía do lugar. Porque o Expresso apitou e partiu, me levando na direção do meu desejo principal e mais profundo até então: morar no Rio! Uma longa viagem. A chuva tinha derrubado barreiras sobre os trilhos e tivemos de ficar parados na estrada à espera de uma solução, antes de seguirmos por outro ramal, dando uma volta enorme, entrando pela noite. Só chegamos ao Rio às seis horas da manhã do dia seguinte, eu praticamente sem dormir. Dois irmãos meus, Marcelo e Jacob, estavam nos esperando, e foi difícil arranjar táxi, por causa de uma greve. Mas estava diante de uma novidade até então inédita para mim e fiquei extasiado: o bonde. Eu observava e absorvia tudo e todos, a paisagem, as pessoas, o jeito de falar e de andar carioca, a voz de Dick Farney ao longe... Existem praias tão lindas, cheias de luz Nenhuma tem os encantos que tu possuis Tuas areias, teu céu tão lindo Tuas sereias, sempre sorrindo... Os sons que havia em tudo, o cheiro de maresia, o brilho no olhar das pessoas, uma cidade deslumbrante acordando! Até hoje eu me lembro, como se fosse agora: o paraíso se mostrando pra mim. Isso está tatuado na minha memória. Era o inesquecível dia 6 de janeiro de 1946. Pena que o primeiro encontro com o mar tenha sido uma grande decepção: a água escura da praia do Flamengonãotinha absolutamentenada aver com aquele incrível azul que eu via nas fotografias e nos cartões-postais. Mas, tudo bem, porque, vinda de uma janela qualquer, aquela música só faltou mudar a cor daquela água... Copacabana, princesinha do mar Pela manhã tu és a vida a cantar E à tardinha o sol poente Deixa sempre uma saudade, na gente Copacabana, o mar eterno cantor Ao te beijar ficou perdido de amor E hoje vive a murmurar Só a ti Copacabana, eu hei de amar. Copacabana, princesinha do mar que eu haveria de amar, ainda era apenas uma possibilidade. Eu, minhas duas mães, Dona Santinha e Francisca, e meus irmãos Olavo,Marcelo e Jacob,alémdo nosso canarinho de estimação, estávamos hospedados num apartamento da Rua Dois de Dezembro, no Catete (ainda bem que eram cinco os quartos, porque os dois irmãos da minha cunhada Marta também moravam ali), do meu irmão mais velho, o advogado Dr. Francisco Galdino Pereira de Mendonça. Ele e Alceste eram as figuras básicas da nossa família, os pilares. Um de capricórnio, outro de gêmeos, dois homens de fibra. O Dino, como eu chamava o Francisco Galdino, estudou Direito, casou, mas continuou colaborando no sustento da mãe e dos irmãos menores, assim como Alceste, o segundo na escadinha da filharada, que trabalhou muitos anos no Banco Mineiro da Produção. Eles tinham status de provedores, mas para mim eram os paizões. O Marcelo, terceiro de cima para baixo, era um geminiano meio mulherengo, portanto, ligeiramente irregular no cumprimento de suas ajudas domésticas. Na contabilidade de Dona Santinha, tanto Marcelo como Jacob, o quinto na seqüência da prole, eram, digamos, provedores-bissextos. Ao contrário do Dino e do Alceste, com quem ela podia contar todo mês, religiosamente. O Euclides – que a gente chamava de Velho Conselheiro – não contribuía. Estava estudando para ser padre e já no noviciado. O Dino depois foi Procurador do IBC, Instituto Brasileiro do Café, e mereceu até uma nota na famosa coluna do Ibrahim Sued falando da atuação dele naquele episódio do contrabando de café brasileiro. Era meu padrinho, isso porque minha mãe, muito católica, não acreditava em bruxas, mas admitia, que las hay, las hay. Então seguiu à risca o dito popular segundo o qual todo sétimo filho homem, se não fosse batizado pelo irmão mais velho, seria lobisomem (depois eu soube, Evita Perón também batizava todos os sétimos varões argentinos que nascessem). Pois uma noite, aos 52 anos de idade – e já com uma respeitável folha de serviços prestados no teatro, televisão e cinema – eu tinha participado das novelas Brilhante, Elas Por Elas e Louco Amor e estava numa festa na velha boate Hippopotamus, em Ipanema, quando encontrei o Maurício Sherman. Sem mais nem menos, ele me perguntou, de estalo: Ô Mauro, você canta? Quer dizer, pelo menos tive aulas particulares de cantocomuma senhora chamada MachaTchecova. E em Oh, Que Delícia de Guerra já soltei a voz no palco. Inclusive em Réquiem Para Uma Noite de Sexta-Feira, cantei em hebraico, mesmo não tendo nenhuma ascendência judaica... ... Você não quer fazer um teste amanhã, não? Queria. E no dia seguinte, depois de cantar Torna a Sorriento, o polegar do maestro Edson Frederico pra cima era o sinal de que eu tinha sido aprovado. Estava fechado, eu seria o Perón do musical Evita. Viajei, então, para Nova Iorque – com o Sherman e o coreógrafo Johnny Franklin – a fim de ver como era a montagem americana. Vi duas vezes e achei o espetáculo tão perfeito, de um nível tão alto, que duvidei que no Brasil fosse possível fazer igual. Mas Sherman, tranqüilamente, garantiu: É possível, sim! Somos capazes, sim senhor! Fui também a Londres, assistir à montagem original, inglesa, quejáestavaem cartaz há quatroanos. O único integrante do elenco da estréia era um figurante, me disse o diretor de cena, encarregado da supervisão da montagem brasileira. Não deu pra conferir a versão espanhola, porque quando cheguei a Madri, a Evita deles estava em Barcelona. E encerrei a viagem conhecendo Paris, afinal, isso tudo só tinha sido possível graças ao Prêmio Air France pelo meu desempenho no filme Dona Flor e Seus Dois Maridos. O curioso é que, antes de me escolherem para o papel em Evita, muita gente, conhecida minha ou não, inclusive de fora do meio artístico, já tinha comentado comigo ter visto o musical em Londres ou Nova Iorque e que havia um personagem sob medida para eu fazer. Foram tantas pessoas e tantas vezes, que eu passei a acreditar naquilo. A minha sensação era de que estava sendo esperado. Porque muita gente fez o teste, antes de mim, inclusive cantores profissionais, e o escolhido fui eu, que não tive a menor preocupação em disputar o papel. Caprichei, claro, afinal meu nome profissional estava em jogo, de certa forma. Mas fui como se fosse à praia ou ao cinema e cheguei com uma segurança enorme, parecia já saber – não sabendo – que o personagem era meu. Durante a temporada, por meio de uns turistas, fiquei sabendo daquela história da Evita ser madrinha de todo sétimo filho homem argentino. Então, na condição de sétimo filho homem – embora brasileiro – passei a me considerar, com todo respeito, afilhado dela. Minha madrinha espiritual. Orava por ela e para ela, antes de entrar em cena e pedia sua bênção na hora de ir para o balcão cantar. Eu realmente me sentia tenor, me sentia poderoso à beça. Até porque ela deve ter abençoado mesmo aquele Sucesso com S maiúsculo (o produtor inglês, Robert Stigwood, detentor dos direitos internacionais da obra, falou para o Victor Berbara, produtor da versão brasileira, que a Cláudia foi a melhor das Evitas que eleviu). Então,tevea mãodeDoñaEvita, sim, ela deve ter intercedido, mexido os pauzinhos lá em cima, junto aos amigos do plano espiritual, evidentemente. Acho que foi por aí. Uma superprodução: 59 atores, cantores e bailarinos, 31 músicos, mais 8 atores-substitutos, e 58 técnicos, inclusive um diretor-técnico e dois supervisoresdeiluminaçãoinglesesdamontagem original. Tudo e todos em perfeita harmonia, debaixo de um astral maravilhoso e sob a talentosa, brilhante e feliz direção-geral de Maurício Sherman, resultou naquele êxito absoluto, uma temporada de oito meses de casas lotadas, no Teatro João Caetano – com capacidade para dois mil lugares – desde a estréia, em 11 de janeiro de 1983. Quanto a mim, tenho a sensação de que era meu o papel, eu fui escolhido para aquilo! Como fui escolhido para o Teodoro Madureira de Dona Flor também. Um capítulo da vida real que até parece coisa de novela de Doña Glória Magadan. Porque eu, naquela época, tinha contrato por novela. E, como não recusava nenhum papel, estava sempre renovando. Até que, um dia, me recusaram. Eu ia fazer o papel de um voyeur impotente em O Grito, novela do Jorge Andrade, então tinha até começado a ler livros, a conversar com psiquiatras, enfim, começado a fazer todo um trabalho interior para a interpretação do personagem. Já tinha acertado o cachê e tudo, quando me ligaram avisando que a verba de produção tinha estourado, querendo saber se eu não queria fazer pela metade. Eu não quis. Disseram que eu tinha de conversar com o Walter Avancini, que ia dirigir. Eu disse que era ele que tinha de conversar comigo. Resultado: o Rubens de Falco acabou no meu lugar. Acontece que nós estávamos fazendo Feira do Adultério, uma coletânea de seis minipeças de um ato em tom de comédia-inteligente (O Repouso da Guerreira, de Armando Costa, com roteiro de Paulo Pontes; A Tuba, de Lauro César Muniz; Deus Nos Acuda, de Bráulio Pedroso; Curra na Secretaria de Educação, de João Bethencourt; O Flagrante, de Jô Soares, e Ejaculatio Praecox ou Exercício para um Boulevard Carioca, de Ziraldo) no Teatro Princesa Isabel, em Copacabana, com casas supercheias, antes de temporadas no Teatro João Caetano e no Teatro Santa Rosa, no Rio, e no Teatro Itália, em São Paulo. Foram muitas e inevitáveis mudanças – sem adulterar o adultério – na carreira de mais de mil apresentações e algumas remontagens, durante oito anos em vários palcos, inclusive inaugurando um teatro no subsolo do Centro de Formação Profissional do Senac, no subúrbio carioca de Bonsucesso. Com mudanças na escalação do elenco original, Rosamaria Murtinho, Arlete Salles, Jô Soares, Fúlvio Stefanini, Osmar Prado e eu, de terça a domingo, direto, toda semana. A receita da bilheteria era uma coisa fantástica, basta dizer que esta casa aqui, onde eu moro, tem muito da Feira. Quando o Osmar recebeu o primeiro salário, quer dizer, a semana que nós dividíamos, ficou espantado: Isso é mais do que eu ganho na televisão! A montagem foi produzida por nós mesmos, intérpretes das histórias, em regime de cooperativa que passamos a denominar conta de participação, inaugurando o que depois muita gente iria copiar. Mas, oito meses mais tarde, o Jô – que dirigia e fazia um dos gêmeos univitelinos com o Osmar Prado, em Deus Nos Acuda, uma sátira às novelas da Janete Clair – resolveu parar e a Arlete Salles foi junto. Pois nenhum de nós, os que ficaram, teve a iniciativa de tentar procurar substitutos. Ninguém é insubstituível. Tanto que no ano se guinte remontamos a Feira em São Paulo, com o Guilherme Corrêa no lugar do Jô, e depois com o Rubens de Falco no mesmo papel, de volta ao Rio, no velho e saudoso Teatro Santa Rosa, em Ipanema. Mas o que eu quero dizer é o seguinte: logo depois de nós termos parado, a Feira do Adultério já fora de cartaz, chega o Barretão, Luiz Carlos Barreto (que tinha nos assistido no teatro) e me convida para trabalhar num filme baseado no livro Dona Flor e Seus Dois Maridos. Isso depois de convidar o Ari Fontoura e o Rogério Fróes, que não puderam ou não quiseram aceitar. Ou seja, esse papel também estava destinado a mim! Acabei ganhando prêmio, além de um baita elogio de Jorge Amado, num telegrama, que está guardado no meu arquivo, assim: Parabéns pelo Doutor Teodoro pt Ninguém faria melhor. E em entrevista a uma revista perguntaram qual dos personagens que, em filmes, novelas ou minisséries, mais se aproximou daquilo que ele imaginou quando escreveu. Resposta: Teodoro Madureira pelo Mauro Mendonça. Também está arquivado. Aliás, honras das quais nunca falei publicamente, entre outros motivos, porque dizem que elogio em boca própria é vitupério e eu concordo. Mas o mais curioso é que eu estava morando no Jardim Botânico, no andar abaixo do secretário de Governo, comandante Baltazar da Silveira, num prédio dos Perlingeiro, de Campos. Ele soube que eu ia participar da filmagem do romance de Jorge Amado e quando eu disse qual seria o papel, não fez cerimônia: Aquele chato? Fui direto ler o livro, que eu já tinha comprado e ainda não tinha tido tempo de ler. Ora, Jorge Amado era um mágico, a gente lê uma história dele e vê os personagens dançando na nossa frente, mesmo os de menor expressão, com começo, meio e fim. E estava lá, naquelas páginas, o sacrifício que a mãe, viúva, tinha feito para que o filho estudasse e tudo o mais. O personagem estava inteirinho ali, humanizado, então dava pra gente entender o tipo de criatura que ele era. E não o achei chato, não, achei quadrado, repetitivo, o que é diferente. E que se sublimava através da música. Muito bem. Foram dois meses de Bahia, para mim, praticamente, umas férias, uma recarga nas baterias. Quando começaram as filmagens, o Bruno Barreto quis saber de mim: Você não acha que ele é edipiano? Eu: Olha, eu já fiz psicanálise, mas, se fosse você, não entraria nesse terreno. Entre outros motivos, porque ele tem uma grande dose de reconheci mento filial, uma atitude que já foi tradição neste país, na época em que se passa a história: os filhos ajudando os pais que se sacrificaram por eles. Não tinha Freud explica, não. Por isso ele não tinha se casado, porque cuidou da mãe até a morte dela, então ficou meio madurão, burocrático e repetitivo, nada a ver com mais nada. E assim fomos trocando e negociando muitas idéias. Teve até um dia em que a Sonia Braga ficou meio enciumada: Poxa, você só fala gênio pra ele... É que sempre que eu terminava uma cena, ele dizia gênio! Bruno e eu acabamos estabelecendo uma relação ator-diretor muito criativa, bastante construtiva. O esquema era filmar três dias e descansar outros três. Uma beleza, até porque dava tempo de conversar com Jorge Amado. O Teodoro Madureira dele é perfeito. Nenhum outro ator teria feito tão bem o papel. Sou sincero: o Mauro é um ator que dá prazer ao diretor, porque todo trabalho dele é construído, elaborado, minucioso. Quando dirigi o Marcello Mastroianni – que considero um dos maiores atores do nosso tempo – me lembrei muito do Mauro Mendonça, nesse aspecto da montagem do personagem. Em Dona Flor, ele ia incorporando cada detalhe sugerido pela direção e a cada ensaio já reagia diferentemente, dando uma interpretação nova. E isso é o mais gratificante que há para um diretor. Bruno Barreto Era um personagem muito bem-acabado, me-dido, e para interpretá-lo tive de apurar meu senso de limites, em tudo. Inclusive nas horas de manusear o fagote, um instrumento acima de tudo sutil, que, apesar da aparência bruta, pesada, exige um sopro leve. Igualzinho ao próprio Teodoro: grande e frágil. Mas houve, principalmente, um auxílio luxuoso, uma indicação brilhante, fundamental, da Maria da Glória Beutenmüller, que chegou pra mim e deu o toque: Não se esqueça que farmacêutico da década de 40 mexia com miligramas... Daí ele ser tão meticuloso, até quando dava aqueles goles milimétricos no licor. Inclusive as trepadinhas dele eram burocráticas, só às quartas-feiras, com direito a eventuais bis nos sábados. E, por isso, fora desses dias agendados, recolhia-se ao leito não de borzeguins, mas de pudicos pijamas, virava pro lado e dormia como um anjo, mesmo tendo Dona Flor acesa, a postos, disponível, ali pertinho, a centímetros de distância. Porque até o sexo dele era medido em doses homeopáticas... Ou seja, Teodoro Madureira não era chato, era miligrâmico. Outro fato curioso de Dona Flor é que eu não queria ver o filme, depois de pronto. Fiz umas três ou quatro tentativas, cheio de dúvidas, se o resultado tinha sido bom, se não tinha, eu não conseguia ver aquilo como uma obra completa. Achava que faltava muita coisa, que tinham deixado de fazer isso e aquilo, em relação ao script, que era muito bom, essas coisas. Só na exibição em São Paulo é que eu assisti numa boa. Mas, voltando a Evita. O supersucesso só saiu de cena – com casa cheia – porque o Brizola, que tinha sido eleito para o governo do Estado do Rio de Janeiro, queria montar a peça Getúlio, que não fez sucesso, apesar da alta qualidade de sua ficha técnica: Dias Gomes, autor; Flávio Rangel, diretor; e Paulo Gracindo, protagonista. Uma patriotada que Getúlio Vargas não merecia. E mais: eles não precisavam ter soltado aquele foguetório todo no último dia de Evita. Nunca soubemos, nem ninguém soube, de quem foi aquela iniciativa ridícula de festejar, afinal, o quê? O fim de uma ou o começo de outra? Muito barulho por nada, diria o grande mestre William Shakespeare. Só que não foi por nada. Mas, então, foi por quê? Pra mim, aquilo tudo foi muito estranho. E tive dificuldade em fazer outro trabalho, que só aconteceu dois anos mais tarde, quando fui o senador João Carioba em Direita Volver, de Lauro César Muniz. Apesar do horário alternativo das quartas, quintas e sextas às cinco da tarde e só às segundas e terças às nove da noite, a peça fez uma boa carreira durante quase seis meses no Teatro Vanucci, mas quando foi para o horário nobre, nove e meia da noite, foi um sucesso. Isso antes de nós irmos para o (saudoso) Teatro Mesbla, onde ficamos por mais quase meio ano e depois partirmos para uma excursão a quase 90 cidades do Norte, Nordeste, Leste e Sul do País. Mas o mais importante mesmo dessa encenação é que permitiu uma reaproximação de nós dois, Rosamaria e eu, que estávamos dando um tempo em nossas vidas. Durante seis anos, a partir de 1985, praticamente só fiz novelas, A Gata Comeu, Cambalacho, Sinhá Moça, Mandala, Mico Preto, Meu Bem, Meu Mal, Lua Cheia de Amor e O Dono do Mundo. Em setembro de 1991, fiz o personagem Igor, um diretor, em As Atrizes, de Juca de Oliveira. Não há muito o que comentar sobre essa montagem, a não ser que foi um fracasso. Houve um evidente conflito de pontos de vista entre o diretorautor Juca de Oliveira e a atriz Tônia Carrero, que não assumia a personagem-protagonista como ele queria. Acabou que o comparecimento de público oscilou de bom a apenas razoável e as melhores reações da platéia ficaram para Márcia Cabrita, que estava realmente muito engraçada. Osmar Prado, Lucélia Santos e eu deixamos o elenco, quando Tônia assumiu a peça para viajar com ela. Eu me sentia meio desajustado, estava sendo difícil voltar à rotina dos palcos. Evita tinha sido uma espécie de sonho, belíssimo, um marco na história do Teatro Musical Brasileiro, a confirmação de que nós tínhamos competência para montar grandes espetáculos internacionais, o que mais tarde veio se comprovar. E eu me considerava pronto para outras montagens do mesmo tipo, embora de porte menor, que acabaram acontecendo mais tarde, como A Noiva do Condutor, opereta de Noel Rosa e Arnold Glückmann, em novembro de 1994, no Centro Cultural da Light. Apesar de a crítica não ter comparecido – talvez por causa do horário das apresentações, ao meio-dia e às seis da tarde – foi outro sucesso extraordinário, guardando as devidas proporções. As pessoas retiravam os ingressos (a entrada era franca) e, no final, aplaudiam freneticamente aquela história simples, quase ingênua, mas inspiradamente dirigi da pela Karen Acioly. Muita gente voltou várias vezes e alguns até já sabiam os diálogos de cor. Era uma alegria contagiante e isso se refletiu no elenco, mantendo o astral sempre alto. Eu fazia o pai da noiva e, participar de novo de um musical, voltar a ter o prazer de trabalhar cantando, principalmente sob a direção musical do maestro Henrique Cazes, era tudo o que eu precisava. Pena que a temporada tenha sido curta, mas um dia ainda vou remontar essa opereta! E, mais recentemente, Ópera do Malandro, de Chico Buarque de Holanda, 11 meses no Rio e temporadas posteriores, um mês em São Paulo e 40 dias em Portugal. Pra tudo ser coroado com uma frase da crítica teatral Bárbara Heliodora impressa no jornal: Fica provado que no Brasil já se pode fazer um musical brasileiro com a qualidade de um musical da Broadway! Foi assim. Um ano depois de Caixa Dois – sucesso em São Paulo, fracasso no Rio – eu tinha sido sondado pela dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, por meio do meu empresário Marcos Montenegro, para fazer o papel de Fernandes de Duran numa remontagem suntuosa da famosa obra de Chico Buarque. As condições não eram muito atraentes, financeiramente falando, e minha primeira reação foi não aceitar o convite, mas falou mais alto a chance de voltar a participar de um grande musical, com 22 atores, 11 músicos, maestro-regente, arranjador e orquestrador, coreógrafo, desenhista de som, visagista, diretor de cena, diretor-assistente, assistentes de direção, assistente de cenário, figurinista, preparador vocal, pianista-ensaiador, sonoplasta, direção e assistência de produção, iluminador, 76 figurinos, 23 perucas e uma verba de um milhão, 250 mil, 394 reais e 70 centavos. Era outro verdadeiro presente para mim. Logo nos primeiros ensaios, uma afinidade plena com Lucinha Lins, minha esposa na história. E quando começaram os ensaios musicais pude constatar a quantidade e qualidade de grandes talentos que estavam no elenco, alguns deles cantores e cantoras excepcionais que eu não conhecia e dos quais não tinha nem ouvido falar. Fiquei então plenamente convencido de que estava diante de um grande acontecimento teatral. Mas não poderia imaginar que fosse tão excepcional, com o remodelado Teatro Carlos Gomes sempre superlotado em seus 685 lugares vendáveis – fora os camarotes de convidados da prefeitura – desde os ensaios abertos e, a partir da estréia, em 14 de agosto de 2003, ingressos só com dois meses de antecedência. Uma temporada prevista para sete meses, sendo prolongada várias vezes até quase completar um ano, saindo de cena sem um só lugar vazio. E sucesso também na excursão a Portugal. Nas ruas de Lisboa, Figueira da Foz e Porto, onde nos apresentamos, eu era saudado nas ruas com elogios e afagos duplos, porque estava sendo exibida a novela Cabocla e o Coronel Justino, que eu interpretava, era um dos personagens preferidos deles. Sem dúvida, Ópera do Malandro foi outro grande momento da minha vida de ator. Sob vários aspectos, inclusive o de se transformar numa espécie de compensação por algumas decepções artísticas anteriores. Capítulo II Alamares, Bombardinos, o Sapato Duas Cores e o Veado Novo Eu nem parecia mais aquele Mauro de anos antes, recém-chegado, literalmente embasbacado e boquiaberto com a então Capital Federal. Não posso esquecer do meu irmão Euclides, da sacada, me apresentando à vizinha de baixo, do sexto andar, um flirt (paquera, no linguajar da época) assumido, por ele e por ela: Esse é meu irmão menor, acabou de chegar de Minas. E eu, bem suave: Ei... Todo mundo caiu na gargalhada. É que na minha terra tinha muito disso, em vez de Oi, Olá, Como vai, Muito prazer, era um Ei, mas bem baixo, lento, cerimonioso, quase sussurrado. Além do que, naquele momento, eu estava meio desligado, tinha acabado de acordar, ainda cansado da viagem. Então fiquei no porco, como se dizia na minha terra, no meu tempo, tradução, fiquei encabulado, vermelho, cheio de vergonha. Foi minha estréia carioca. Ainda bem que no dia seguinte, no Leme, finalmente constatei que a imagem de jardim das delícias que eu tinha daquele mar azul e daquela areia branquinha e fofa, não era exagero. Copacabana era deslumbrante. O Rio de Janeiro era formidável (as pessoas ainda falavam formidável diante de uma coisa boa, bacana, do bem). Cidade maravilhosa mesmo, e tranqüila, tinha até footing à noite na Praia do Flamengo – onde eu e Olavo íamos mais, porque morávamos ali perto – e também na Avenida Atlântica, mais estreita, com menos carros e sem nenhuma arena esportiva na praia. O Braguinha, na voz do Dick Farney, tinha razão: aquilo era a vida a cantar, não precisava de evento musical nenhum! Dava pra o-u-v-i-r o som da paisagem exuberante! E tinha bonde, meu Deus, que beleza, indo e vindo, em duas mãos de direção, no meio da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Além de tudo isso, eu afinal tive a confirmação de que aquela água toda daquele marzão besta, era salgada de verdade.Umdetalhedoqualsempreduvidei, até aquele momento, apesar de ter estudado que rio era de água doce e mar de água salgada. Mas, mineiramente desconfiado, quis testar pra ver se era mesmo. Fiquei tão hipnotizado que entrei na onda daquele pessoal que pegava jacaré perto das pedras, acabei pegando um caixote e me arranhei todo. Foi a primeira lição: mar não é piscina; piscina é uma coisa, mar é outro departamento. Nunca pensei que um dia pudesse chegar tão perto daquele jardim das delícias. Eu me sentia como se tivesse acabado de nascer, finalmente. Apesar da importância fundamental da infância em Ubá, parecia que minha vida estava começando ali. Ou, pelo menos, que um novo capítulo dela estava sendo escrito. Assim como meus irmãos Marcelo e Jacob, eu também nadava no Fluminense e era sócio-atleta do clube. Com uma diferença, eles eram tricolores doentes, ao contrário de mim, flamenguista como meu conterrâneo Ari Barroso. E, num belo domingo, lá estávamos nós três na arquibancada social do clube, assistindo a um Fla-Flu. Meu primeiro Fla-Flu! O Flamengo com Luiz Borracha, Nilton e Dorival; Biguá, Bria e Jaime; Adilson, Zizinho, Pirilo, Perácio e Vevé. Nossa Senhora, um timaço, pelo amor de Deus! O Fluminense era um grande time também, tanto que depois foi campeão, mas nesse jogo eles levaram de 5 a 2. Mal começou a partida, eu comecei a torcer pro meu time e fui imediatamente contido por uma ordem dos meus dois irmãos: Senta, senta, senta! Torça, mas quieto, senão pode sair briga! Você é sócio-atleta do Fluminense! Mesmo assim, na hora que o Flamengo abriu o placar, dei um berro, goooooollllll!!! Eu era um garoto ainda e tinha sido levado pela minha espontaneidade, apesar de que, na verdade, simplesmente me esqueci que estava sentado no estádio do Fluminense, cercado de tricolores, que educadamente não fizeram nada, embora visivelmente surpresos com aquela presença insólita, inesperada, indesejada. E tive de comemorar os outros quatro gols na base do que chamei de silêncio de satisfação. O pior é que depois o Fluminense, com o Pinheiro, o Orlando, o Rodrigues, o Pas-coal, o Telê, o Ademir Menezes, não me lembro exatamente de todos, devolveu esses 5 a 2 em pleno campo do Flamengo, na Gávea. O técnico Gentil Cardoso tinha dito: Me dêem o Ademir Menezes que eu darei o campeonato. Deram-lhe o Ademir e ele deu o título do chamado supercampeonato ao Fluminense. Dias depois, presenciei também outro episódio sensacional. É que estava passando um filme comentadíssimo, chamado Gilda estrelado pela Rita Hayworth, no papel de uma mulher fatal. Então as torcidas adversárias, para provocar, começaram a chamar de Gilda, o famoso jogador Heleno de Freitas, centroavante do Botafogo. Naquela tarde, o estádio do Fluminense era um imenso coro de Gilda... Gilda... Gilda! O resultado foi uma cena insólita, certamente inédita em toda a história do futebol brasileiro. Ninguém me contou, eu vi: em determinado momento, Heleno, visivelmente descontrolado, chutou a bola com raiva, para o alto, e como quem fosse sair de campo, foi andando em direção aos vestiários, parou ostensivamente em frente à social do Flu, encarou aquela platéia olho nos olhos, baixou o calção até o joelho e, com a mão em concha, sacudiu os documentos, lentamente e várias vezes, numa atitude que os jornais depois chamariam cerimoniosamente de gesto obsceno. No Rio, minha mãe se sentia visivelmente tranqüila, perto do filho mais velho, provedor, paizão, e então nós dois, os mais moços, ficamos em plena bonança, tinha praia, de vez em quando aparecia um dinheirinho, não havia castigo e não apanhávamos mais, nem de chicote nem de nada. E não tinha mais calça rasgada, muito menos saia (aqui tem que ter uma explicação especial: lá em Ubá, quando elas, Dona Santinha e Francisca, não conseguiam mais impedir que eu e Olavo passássemos o dia desaparecidos, sem nem sinal do nosso paradeiro, começaram a rasgar nossas calças, mas como isso também não adiantasse nada, apelaram para as saias. De calça rasgada a gente continuava a fugir, mas de saia, aí realmente já era demais, suprema humilhação, não havia ânsia de liberdade que tirasse a gente do tal recesso do lar...). Eu tinha me adaptado maravilhosamente ao jeito carioca de viver. O único problema era o sotaque: no primeiro dia de aula no Liceu Franco-Brasileiro a lição foi a leitura de um texto e antes do segundo parágrafo a sala se transformou em uma gargalhada só. Mas logo depois, podando os maneirismos e mineirismos, eu era o maior palhaço da classe. Enquanto isso, era apresentado à Coca-Cola e aos famosos ChicaBom e EskiBom, duas maravilhas, porque lá na minha cidade, na minha infância, eram três picolés por um tostão, mas o sabor era muito diferente. E tomei chope pela primeira vez na vida. Em Ubá só tinha cerveja, uma vez eu provei e não gostei, achei amarga. Também, pra quem só tinha acesso à doçura do Guaraná Antarctica e do Mineirinho... Mas o chope tinha um gosto diferente. Foi outra experiência de vida na cidade cheia de novidades. Mais uma, depois da iniciação sexual, do entrosamento fácil com as meninas, do Cine São Luiz, dos filmes brasileiros, Oscarito, Mesquitinha, Modesto de Souza (em Ubá só passavam os americanos) sobre os quais eu fazia comparações, os bons e os ruins, e isso foi me ensinando aquele ofício que eu achava que podia ter. Evidentemente, Shirley Temple já tinha ficado pra trás, agora era Rita Hayworth... Nossa, que mulheraça! Um dia, um desmaio. Esquistossomose, herança dos córregos onde a gente pescava com peneira. Os primeiros sintomas já tinham aparecido em Ubá, o Dr. Djalma Carneiro receitou Iodobisman e pronto. Mas, nessa recaída, minha mãe ficou mais preocupada. Quanto a mim, relaxei em relação aos estudos, e com exceção de geografia, francês e uma ou outra matéria, minha aplicação na terceira série do Liceu Franco-Brasileiro era a palhaçada. Nisso eu era primeiro da classe. E como chegou a um ponto que eu não podia passar de ano mesmo, relaxei-me. Abandonei o barco. Naquele tempo tinha exame oral, depois da segunda prova parcial, foi quando o professor perguntou o que era estratosfera, eu não sabia, fez outras perguntas, tudo terminado em sfera, e eu não respondi a nenhuma. Então ele fez a última pergunta: Sabe o que é zerosfera? Isso eu sabia. Tinha tirado nota zero. Minha vontade, mas nunca me levaram, era de assistir um programa de auditório da Rádio Nacional, uma potência na época, com suas muitas novelas, Mais Forte Que o Destino, O Sol Nasce Amanhã, Em Busca da Felicidade, Ternura, Vidas Mal Traçadas, Fracasso, Um Lírio na Correnteza, Retrato de Cristina, O Direito de Nascer, Teatro de Mistério, os vários programas de auditório, de César Ladeira, de Paulo Gracindo, de Manuel Barcelos às quintas-feiras e de César de Alencar aos sábados, o Edifício Balança Mas Não Cai, a PRK-30, as Piadas do Manduca e mais Alma do Sertão, Um Milhão de Melodias, Jararaca e Ratinho, Tancredo e Trancado, Coisas do Arco da Velha, Gente Que Brilha, Nada Além de Dois Minutos, Canta o Seresteiro, Quando Canta o Brasil, Curiosidades Musicais, Quando os Maestros se Encontram e os cantores, Chico Alves, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Sílvio Caldas, meus ídolos, todos... Em Ubá, ao meio-dia dos domingos, passando pela rua, a gente ouvia a voz de Francisco Alves no programa Quando os Ponteiros se Encontram, vinda de todas as casas... O curioso é que muitos anos depois eu acabei cantando em cena... Na carícia de um beijo, que ficou no desejo, boa-noite, meu grande amor... na peça Caixa Dois. Aliás, essa montagem tem uma história à parte. Começa quando, em 2002, o Juca de Oliveira, autor da peça, telefonou me convidando para substituir o Fúlvio Stefanini que não estava legal de saúde, por isso querendo dar uma parada. A oferta incluía porcentual e participação societária na montagem. Aceitei de imediato, por todos os motivos. E lá fui eu pra São Paulo, outra vez. Foi num teatro muito bonito da cidade de Piracicaba, durante uma excursão deles pelo interior paulista, que vi Caixa Dois pela primeira vez, embora já conhecesse o texto e tivesse alguma visão particular das cenas. Na mesma noite, logo depois do espetáculo já troquei idéias com o Fauzi Arap, que era o diretor, e fui sincero, tinha achado o espetáculo meio burocrático e que o elenco estava mecânico demais. Ele concordou com quase todas as minhas ponderações, críticas construtivas, todas, e disse que também achava o espetáculo meio envelhecido. E que aproveitaria a substituição para dar uma limpada, uma renovada em tudo. Conversou muito com o elenco e, na noite seguinte, o resultado era outro. À medida que corriam os ensaios comigo, o Juca ficava mais satisfeito, dizendo que eu tinha dado mais humanidade ao personagem. Até eu estrear como o personagem Roberto, em Jaú, outra cidade do interior de São Paulo, no dia 20 de novembro de 2000. Os colegas tinham o hábito saudável de trocar idéias sobre o desempenho de cada um e, com humildade, ouvia todas as observações sobre minha atuação. E, assim, de cidade em cidade, de opinião em opinião, fui amadurecendo meu trabalho e me preparando para a estréia no Teatro Cultura Artística de São Paulo, o Culturão, em 4 de janeiro de 2001. A nova versão de Caixa Dois foi uma magnífica temporada, lotando aquele teatro enorme praticamente todos os dias. Juca e eu até assinamos um contrato com o Teatro Leblon, no Rio, mas a coisa acabou não dando certo, por falta de apoio dos hotéis contatados. Paga a multa pelo não cumprimento do contrato, o grupo resolveu visitar outra vez o próspero interior paulista e, em seguida, viajar pelo Norte e Nordeste, por sugestão do próprio Juca. Em Salvador, ele também parou, porque ia gravar a novela O Clone. Ofereceu então a peça a mim, se eu quisesse montá-la no Rio. Imediatamente comecei a batalhar apoios e patrocínios, com Marcos Montenegro e, tudo acertado, começamos os ensaios com Oswaldo Loureiro no lugar de Juca de Oliveira e Cláudia Mauro no de Suzy Rêgo. Enquanto isso, prosseguiam nossas conversas com a Eletrobrás, cujo patrocínio só foi fechado próximo à estréia. Mas o maior problema, com o qual eu não contava, foi a memória de Oswaldo Loureiro. Na estréia, em 14 de maio de 2002, ele atuou na base do ponto eletrônico e assim continuou por várias semanas, até ganhar autoconfiança e se livrar do aparelhinho. Discutia, teimava, discordava da direção, dava muito trabalho, mas acabou entrando no ritmo e, apesar de tudo, foi bem, e teve boas críticas. O espetáculo todo foi muito elogiado. E tudo ia bem, até eclodir a chamada síndrome do candidato Lula, quando nas vésperas da eleição para presidente o País parece que ficou com medo, os negócios praticamente pararam e, em conseqüência, as bilheterias tiveram uma queda brusca. Final infeliz: tive um prejuízo que não deixou saudades. Nem as fantásticas reações da platéia compensaram a tristeza com os últimos borderôs, magérrimos. Um fim melancólico. Uma grande decepção. Antes disso tinha acontecido Intensa Magia, de Maria Adelaide Amaral. Outra gangorra. Mas não quero deixar de salientar que essa peça foi um grande sucesso pessoal meu. Nas duas montagens. Em São Paulo, em 1977, foi um êxito absoluto, de público, de crítica, de tudo, dois anos depois do fracasso de bilheteria no Rio, compensado pelos espetáculos que vendemos bem para a Unimed e fizemos em Belo Horizonte. Foi a salvação da pátria, deu pra pagar todas as dívidas, ficamos zerados e ainda sobrou uns tostõezinhos. Fui indicado – mas não levei – ao Prêmio Mambembe de melhor ator; em compensação ganhei o Prêmio Shell, cuja divulgação dos escolhidos foi feita no Palácio do Catete (eu cheguei atrasado por causa do trânsito, e fui o último a saber) e a entrega, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Isso, referente à montagem do Rio. E, na montagem de São Paulo, também recebi o Prêmio Shell. Porque foram duas encenações completamente diferentes, nem parecia o mesmo texto. Elenco, direção, divulgação, bilheteria, tudo. Começa que, ao contrário do espetáculo do Rio, o de São Paulo teve patrocínio. A autora não tinha gostado nada da produção carioca, achando medíocres a direção, os cenários, a iluminação, inclusive alguns desempenhos. Acontece que a peça tinha entrado em cena de forma precária e precipitada, houve equívocos. Dela, participei apenas como ator. A estréia foi no Teatro Amazonas, em Manaus, em 15 de setembro de 1995, depois Belém, São Luiz e Fortaleza (com alguns atores tendo gravações de novela no Rio, uma verdadeira loucura) antes da temporada no Rio, no Teatro Vanucci, a partir de 10 de novembro do mesmo ano. Eu, fazendo o pai, Alberto, tive boas críticas. Mas Maria Adelaide não queria levar Intensa Magia para São Paulo, do jeito que estava, então ofereceu a remontagem a mim e a Rosamaria. Aceitamos, claro, até porque estaríamos atuando outra vez para a platéia paulista. Contratamos Montenegro&Raman para produtores-executivos e, para diretor, convidamos Silney Siqueira, que já tinha coordenado leituras da peça, portanto, conhecia bem o texto. O Banco Real entrou como patrocinador e a Rio Sul concedeu passagens aéreas. Nina de Pádua e Tereza Piffer aceitaram substituir Ana Maria Nascimento Silva e Priscila Camargo. Fechado o contrato com o Culturinha, espaço menor, 400 lugares, do Teatro Cultura Artística, os ensaios começaram no Rio, no auditório – depois transformado em teatro – do Jóquei Clube Brasileiro, graças à interferência de Luiz Macedo, nosso amigo e diretor de lá. Em São Paulo, ficamos no Hotel Excelsior, na Avenida Ipiranga, não muito longe da Rua Nestor Pestana, onde ficava o teatro. Enfim, estava tudo pronto, nos menores detalhes, dos cenários e figurinos de Marcos Weinstock, à iluminação de Roberto Lima e a trilha sonora de João Paulo Mendonça. O programa, com praticamente uma biografia minha e da Rosa, além da saudação a São Paulo, ficou lindo. E a estréia, no dia 22 de agosto de 1996 foi espetacular. Todos bem ensaiados, entrosados, tudo em cima. As críticas, elogiosas. Uma mudança radical em praticamente tudo. E valeu a pena, porque, além de tudo, ganhei o Prêmio Shell de Melhor Ator daquele ano. A luta era brava, dia e noite, sem parar. Mas dava tempo de um flashback, de vez em quando, até dias bem mais suaves que já eram parte do passado: minha primeira permanência carioca, em 1946, por exemplo. Era um refresco recordar aquilo tudo. Porque foi bom, muito bom demais, enquanto durou. Pena que depois de um ano, nós levantamos acampamento novamente. É que o Alceste veio nos visitar no Rio e, vendo o sacrifício do Dino, praticamente recém-casado, dividindo a vida dele e da mulher com aquela parentada toda, sugeriu que mamãe, Chica, Olavo e eu fôssemos morar com ele, que vivia sozinho em Tupaciguara, no Triângulo Mineiro, onde era gerente do Banco Mineiro da Produção. Ali seria nosso novo pouso. Sugestão dada, providências tomadas. Aquela, aliás, foi a única vez que, depois de adultos, os sete irmãos estavam reunidos, então fomos todos até um fotógrafo no Largo do Machado e registramos o momento histórico de nossa família para a posteridade. Essa foto, emoldurada, está numa parede da varanda da minha casa até hoje. Mas como encarar essa nova mudança de vida? Eu não tinha nem noção do que me esperava. A viagem foi num Douglas DC-3 da Aerovias Brasil, num vôo Rio-Uberaba-Uberlândia-Araguari. Era uma novidade e o desconhecido me atraía. O vôo tranqüilo em céu-de-brigadeiro anulou o medo inicial de entrar num avião pela primeira vez e passei a sentir um prazer ainda não experimentado, o de voar. Não tirei o olho da janela, vendo os desenhos que as nuvens faziam. Lá embaixo era praticamente um imenso deserto, estávamos em 1947 e o desenvolvimento ainda não tinha atingido aquelas bandas. Até a pista do aeroporto era de terra. Quando chegamos no poeirol de Araguari (naquele tempo, mineiro gozador dizia que tinha três cidades com a letra B: Beraba, Berlândia e a bosta de Araguari), meu irmão Alceste estava nos esperando, dormimos lá mesmo e no dia seguinte partimos rumo a Tupaciguara, num valente Ford V-8, comendo poeira numa estrada horrível, cheia de buracos. Aquilo era um desastre pra mim, um rapazinho que tinha descoberto duas novidades maravilhosas: o mar e o prazer. E agora, José? Como encarar a dura realidade? Havia a curiosidade de conhecer um novo lugar, mas a tristeza de ter deixado a capital do país pesava mais na balança. Sair do Rio de Janeiro foi uma perda, parecia que tinham tirado um pedaço de mim. E a gente estava numa cidade pequena demais, escondida na penumbra de uma iluminação escassa. Ainda bem que tinha footing, que lá chamavam de vai-e-vem, onde começamos a conhecer as menininhas locais, algumas agitadas com a chegada de dois forasteiros, irmãos do gerente do banco, figura respeitada na cidade, como o padre, o delegado e o prefeito. E logo fomos apresentados a uma delícia chamada pão-de-queijo, especialidade do Triângulo e de Goiás, que ubaense, da zona da mata, não conhecia. Cada família tinha sua receita. Mas lá, depois da sessão de cinema, sumia todo mundo da rua. Fazer o quê? Só restavam duas opções, dormir ou ir para a zona do meretrício, onde a mulher mais razoável era uma morena até que meio bonitinha, mas portadora de um papo que lembrava uma perua. Na falta de programa melhor, começamos a ler. Machado de Assis, de quem meu irmão tinha uma coleção bonita, toda encadernada de verde, e Humberto de Campos. E nos aprimoramos numa espécie de dialeto ubaense, que mais parecia um código secreto local. Muita gente de lá falava, inclusive meus irmãos mais velhos, os irmãos mais velhos do Ferdy Carneiro e de vários outros amigos e colegas nossos. Ninguém entendia, entretanto era português mesmo, só que invertendo as sílabas, de trás pra frente. Por exemplo: Será que esse gravador está funcionando? virava Rase que esse dorvagra táes donanciofun? O som ficava estranhíssimo e o significado, indecifrável. Eu e Olavo começamos treinando com palavras longas, como completamente, ou seja, tementaplecom. E praticamos tanto que chegamos a falar muito rápido, discutir até. Era um espanto geral. Uma vez, nós dois passeando pela Avenida Atlântica, começamos a conversar animadamente nessa língua e um senhor com pinta de diplomata quis saber de que região da Europa Oriental era aquele dialeto e se ele ainda era falado ou já tinha caído em desuso. É guêstupor momes, ós que dolafa ao riotrácon. (Tradução: É português mesmo, só que falado ao contrário. ) Diante do sorriso bem-educado dele, nós perguntamos: Deutenen? Claro que não entendeu. E, diplomaticamente, achou melhor seguir em frente. Ele e seu sorriso simpático. Até que acabamos indo estudar no Colégio Regina Paces, de padres holandeses da Congregação do Sagrado Coração, em Araguari. O uniforme era muito bacana, todo branco, com quepe e tudo, o da banda então, era mais emperiquitado ainda, com alamares no peito e aquelas dragonas de franjas em cada ombro, uma beleza. Um dia pegamos o trem da Mogiana e fomos até Uberlândia. Na estação formamos e descemos a rua principal, Afonso Pena, com a banda tocando pra valer, o melhor que sabia. Botamos pra quebrar mesmo. E foi saindo gente nas janelas e começaram os aplausos, foi a glória. Uberlândia não tinha uma fanfarra boa, então nós mostramos que, nesse quesito, Araguari dava de 10. Só daquele instrumento que parece tuba e bombardino, mas tem outro nome, que não me lembro agora, aquele que dá a volta pelo ombro e sobe igual um enorme girassol de metal, tinha quatro. Aquilo dava um visual e um som de arrepiar! Fora os seis clarins. E os padres, marchando com a gente, superorgulhosos daquilo tudo. Assistimos à missa na Matriz de Uberlândia, refizemos o caminho de volta até a estação, e regressamos, felizes, a Araguari. Para espantar o marasmo dos outros dias, resolvi agitar, tentando organizar festas, jogando vôlei e basquete (aqueles padres davam muita importância às práticas esportivas) e, como sempre tive um bom ouvido musical, tocando tarol, caixa, bumbão, bombardino, clarim, tudo, na nossa fanfarra. Mas o tempo foi passando e eu e Olavo chegamos à conclusão de que não dava mais para continuar sujeito àquela disciplina de mosteiro. A gente raras vezes podia sair e, quando saía, era obrigado a andar de mãos dadas, era demais. Eu tinha sido reprovado no Liceu Franco-Brasileiro, no Rio, porque não levava estudo muito a sério e também por problemas de saúde. Lá em Araguari, ao contrário, como não havia muita distração, aproveitei a calmaria e comecei a estudar à beça, resultado, passei de ano com média 9,4. Mas apesar de bom aluno, continuei com minhas molecagens, imitando todo mundo e botando apelidos nos padres holandeses. Um deles, muito louro, todo vermelhinho, olhos azulados, comecei a chamar de Izolica, que era o nome estranho de uma professorinha bonita do jardim-de-infância do Regina Paces, cujos dotes físicos os mais velhos louvavam devidamente no banheiro. O Padre Izolica tinha mania de cruzar os braços e encarar os alunos, em caso de reprimenda. Certa vez ele chegou na minha frente, eu o encarei também, fiz uma careta e ele desmontou. Foi uma risada geral. Ele perdeu o rebolado, mas me mandou pra fora de aula, levei castigo e fiquei sem sair. Outro, muito alto, virou logo padre-foguete e passou a vítima nossa, depois que combinei com a turma que depois do recreio ou do almoço, quando a gente entrava em forma, coluna por três ou quatro, no pátio enorme do colégio, os que ficassem mais atrás começariam um murmúrio em coro, de boca fechada, huuuuummmm, e quando ele fosse tomar satisfações, os da frente emendariam, huuuuummmm, e assim sucessivamente. Ele ficava indo de um lado pro outro, indo e vindo, esperneando, doidinho. Enfim, naquele ano que passei em Araguari, era muito estudo, muito esporte e algumas bagunças, só não consegui participar do teatrinho do colégio, privilégio dos meninos mais bem comportados, principalmente os Congregados Marianos, porque ali só entrava em cena aquilo que os padres aprovavam, textos com conteúdo moral. Fui assistir, algumas vezes, morrendo de inveja. Mais uma porta que ficou fechada pra mim. E não dava pra agüentar meses e meses trancado, longe de tudo e de todos. Era muito chato. Além disso, as professorinhas do primário provocavam em nós uma saudade das meninas que a gente conhecia, possíveis ou não candidatas a namoradas. Uma das coisas muito características da cidade eram as duplas caipiras, por influência do interior de São Paulo e de Goiás. Mas eram duplas sertanejas mesmo, com viola, tipo Tonico e Tinoco, aquelas histórias com enredo, A Vingança do Chico Mineiro e outros clássicos, não era esse negócio moderno, não. Aliás, por falar nisso, eu questiono muito essa coisa de dizer que pagode veio do Nordeste, porque quando tinha festa nas fazendas lá daquele pedaço de Minas, nós íamos comendo poeira pela estrada até os arrasta-pés nos terreiros. E o convite era verbal: Hoje tem pagode na fazenda de fulano de tal. Pagode era um acontecimento festivo. Estava no dicionário: Pavilhão onde alguns povos antigos do Oriente rendiam culto a seus deuses, antiga moeda da Índia. Pândega, farra, brincadeira. Nos pagodes começaram meus namoros, pena que as meninas de uma determinada idade, naquela época, só pensavam em casar. E uma namorada pela qual tive paixão mesmo, casou é com um fazendeiro, não comigo, estudante e duro. Mas como eu estava dizendo, eu e o Olavo começamos a imitar as duplas caipiras... Eu tenho uma mula preta / de sete parmos de artura... Ele fazendo a primeira voz, eu fazendo a segunda. Acontece que eu estava quase na idade de fazer serviço militar e em Ubá, como em quase todas as cidades, tinha um negócio chamado Centro de Instrução Pré-Militar, um pré-pré serviço militar, que o Getúlio tinha instituído para os jovens entre 14 e 16 anos, que inclusive desfilavam nas paradas patrióticas de Ubá. Mas em 1949, eu já estava com 18 anos, morando em Uberlândia, cursando o científico e fazendo o tiro-de-guerra 229, uma obrigação que rapaz de hoje não sabe, nunca ouviu falar e nem desconfia o que seja. E lá tinha um sargento cujo apelido era Cobra – tinha cara do bicho e era uma verdadeira cascavel – com quem imediatamente não simpatizei nem um pouco e que, não por acaso, também nutria o mesmo tipo de sentimento em relação a mim. Então ficou aquele negócio no ar. Só me restava caprichar em tudo, nos exercícios, na marcha, no tiro, na bandinha, e assim me mantive até o final. Até que tive da fazer uma prova de química, que era meu terror, no colégio, e passei a noite tomando Pervitin, quer dizer, não dormi nem um instante; no dia seguinte cheguei fardado, mas barbudo e maldormido, portanto, com o humor no pé. Aí um outro sargento, subalterno do meu desafeto, falou alguma coisa comigo, a resposta foi meio atravessada e ele ordenou que eu ficasse fora de forma. Imediatamente o sargento Cobra pegou meus papéis e mandou pra Juiz de Fora, sede da região militar que Uberlândia pertencia, me expulsando do tirode-guerra. Apelei para um tenente, um coronel, não adiantou nada, e tive o desprazer de ver todos os meus colegas receberem o certificado de serviço militar e eu, ficar na mão. E sem aquele documento a gente não podia fazer nada, nem trabalhar. Então só me restava duas opções: servir o Exército em Ipameri, em Goiás, um castigo, ou fazer o CPOR, Centro de Preparação para Oficiais da Reserva, no Rio. Optei pelo Rio, onde o Olavo tinha um amigo, o Eronildes, que conhecia um cidadão cujo nome era Alberto de Castro Simoens da Silva, mas era melhor chamá-lo de Bororó, senão ninguém ia saber quem era. Era o compositor de Curare e Da Cor do Pecado... Esse corpo moreno / cheiroso, gostoso / que você tem... Dois grandes clássicos da música popular brasileira. Bororó, por sua vez, tinha um cunhado que era major do Exército e, melhor ainda, inspetor dos tirosde-guerra do Estado do Rio. Frente a frente com o tal major, contei o que tinha se passado, com detalhes, honestamente, sem omitir nem um só detalhe, e ele, muito boa-praça, pediu que eu trouxesse os papéis de Juiz de Fora. Trouxe. E ele ficou de estudar aquela papelada, pra depois voltar a falar comigo. Nesse meio-tempo, mandou me chamar. E foi muito bacana comigo: Fui removido e não conheço quem vai me substituir, mas fique tranqüilo porque está tudo acertado. Já entrei em contato com o tenente de Nova Friburgo, você vai pra lá como se tivesse sido transferido de Uberlândia. Olha, pra mim, você já prestou o serviço militar! Fui a Friburgo, me apresentei ao tenente, um sargento não engoliu bem aquela história, mas como ele tinha um superior que era o tenente, que por sua vez tinha que obedecer ao major, ficou me olhando assim meio de banda e me deu umas prensas no começo, mas acabou ficando meu amigo, porque eu era bom de tiro, de ordem-unida e tocava na fanfarra, não era filhinhode-papai rico querendo passar no tapetão. Assim terminei o tiro-de-guerra em Friburgo, onde eu tinha guarida, porque meu irmão Euclides morava lá, era professor de um colégio-modelo da Fundação Getúlio Vargas, depois de ter feito especialização na Sorbonne. Pouco depois já estava com o certificado de reservista na mão. Eu era um cidadão brasileiro, apto a uma porção de coisas, inclusive voltar a trabalhar. E enquanto aguardava a solução dessa situação, morei numa pensão da Rua Conde de Baependi no Rio e comecei a trabalhar em uma agência do Banco Nacional de Minas Gerais, graças ao José Luiz Magalhães Lins, que era amigo do meu irmão Jacob. E fazia o curso clássico, visando ao vestibular de Direito, no Educandário Rui Barbosa, mais conhecido como Facilitário facilita tudo, slogan de uma loja tipo magazine, A Exposição, se não me engano. Alguns anos antes de tudo isso, com a ida do Olavo para Belo Horizonte, continuar os estudos, depois de ter terminado a antiga quarta série ginasial no Regina Paces, nossa dupla estava desfeita pela primeira vez. Ele no Banco Mineiro da Produção, em BH, e eu estudando no Colégio Estadual de Uberlândia. Como Alceste tinha me alertado que já estava na hora de eu começar a pensar em trabalhar, e na pensão em que eu morava tinha um rapaz que era meu companheiro no time de vôlei e funcionário da Fábrica de Balas Imperial, conversando com ele na hora do almoço, puxei o assunto, dizendo que estava procurando o que fazer. Fiquei sabendo que havia uma vaga no setor de expedição da fábrica. Ele intercedeu por mim e de noite me deu o recado: Amanhã dá uma passada por lá, pra fazer uma entrevista. O dono tinha um filho que, por acaso, era meu colega de colégio e do time de basquete. No dia seguinte eu começava a trabalhar, cuidando dos engradados e ganhando 400 cruzeiros por mês. Ao mesmo tempo, terminava a antiga quarta série do ginasial, com média 8,6. Pra quem tinha sido bombasticamente reprovado três anos antes, no Rio, era um progresso extraordinário. Em uma das pensões em que morei, aconteceu uma cena que continua viva em minhas lembranças até agora. Foi no dia em que pedi um guardanapo e ouvi a seguinte pérola: Nóis aqui num tem desses luxo, não! (como guardanapo era luxo, o jeito era o lado de fora da mão mesmo, a beira da toalha ou, em último caso, a manga da camisa...). Comparada a Tupaciguara e Araguari, Uberlândia, a antiga São Pedro de Uberabinha, era cidade grande. Tinha muitas máquinas de beneficiar arroz, então toda a produção da região ia para lá, onde, inclusive, havia um comércio bastante desenvolvido. Uma espécie de entreposto para todo o Estado de Goiás e parte de Mato Grosso. Muito caminhão rodando. Era um pedaço de Minas altamente influenciado por São Paulo, grande respeito ao trabalho, ao contrário de Ubá, cuja referência era o Rio de Janeiro. Quer dizer, uma vida bem melhor, com direito até a um bom cinema, onde os rapazes ficavam passeando de um lado para outro na sala de exibição, pra ver onde estavam sentadas as namoradas ou candidatas a namoradas, até apagarem as luzes. Aí era uma correria doida, no escuro, cada um se ajeitando no lugar já cuidadosamente estudado e previamente combinado com elas através de sinais em código e/ou olhares dissimulados. Muito engraçado. De vez em quando aparecia uma carona, na boléia ou em cima do caminhão, e eu encarava quase duas horas de estrada de terra, empoeirada, até Tupaciguara, pra visitar minhas mães. Fora isso, em Uberlândia, a diversão era jogar basquete. Tanta gente jogava bola na cesta que dava pra fazer um campeonato na cidade. Tinha o nosso time, chamado Boa Vontade, com o Pacu, que a gente tratava à inglesa por Peiques, o Orelha, também chamado de Oreínha, o Taioba, o Tostão, que era a minha turma, e tinha também o Fluminense, o Uberlândia e outros times, inclusive o dos veteranos, os véios, a veiêra. Enfim, os dias eram mais interessantes. Por exemplo, no verão, quase todo domingo o pessoal botava um terno de linho branco e ia pro clube, dançar. Aí eu já dançava também, não ficava, como antes, num canto vendo os outros dançarem. Pelo seguinte: durante aquele ano que moramos no Rio, um dia houve uma festa no nosso prédio, para a qual eu e Olavo fomos convidados, me lembro até da data, foi no dia 6 de abril, quatro dias depois do meu aniversário. Pra variar, me encostei na parede e fiquei só olhando. Eu parado e o salão girando em torno de mim. De repente, a aniversariante, ariana como eu, moça desinibida, cheia de iniciativa, carioca esperta, chegou perto e perguntou se eu ia ficar sozinho a noite inteira. Dei a desculpa de que não sabia dançar e ouvi o seguinte: Que não sabe, o quê! Fui arrastado pro meio da sala. Era meu primeiro contato físico, pele na pele, com uma parceira feminina. Eu estava com 15 anos e ainda trazia dentro de mim uma coisa muito repressora típica daqueles tempos, ligada a proibições, mistérios, descobertas, pecados, culpas, tudo misturado... E olha eu agora mexendo em compartimentos mineiros nos quais há muito tempo não mexia!... Daí a importância daquela noite em que dancei adoidado até o fim da festa. Pronto, nunca mais fiquei solitário num canto. Bolero, samba, valsa, qualquer ritmo, era comigo mesmo. Então, lá no clube de Uberlândia, na primeira nota da primeira música, lá estava eu, rodopiando. Os homens daquele tempo, no interior, usavam ternos, mas só azuis-marinhos, no inverno, e brancos, no verão, outras cores... fora. E gravatas, as discretas, não muito coloridas. Sapatos, pretos ou marrons. Uma vez, meu irmão Marcelo, que morava no Rio, já meio cariocão, adaptadíssimo à cidade, me deu um sapato dele que eu babava só de olhar. Era daqueles de duas cores, marrom e branco, alinhadíssimo, que a gente só via no cinema americano, naqueles musicais dos anos 40/50, nos pés do Fred Astaire, ou nas ruas da então ainda capital da República. E me deu também uma calça de gabardine verde-chumbo meio puxado para o cinza. É, mas só pude usar essa toalete uma vez na vida e por pouco mais de meia hora, porque o comentário mais elegante que ouvi foi que tinha veado novo na praça... Uma senhora zona, a de Uberlândia, onde os estudantes iam se divertir, à tarde! Nunca à noite, que era o horário dos marmanjos endinheirados, dos coronéis. Em compensação, nas matinês havia a possibilidade até de boca-livre, dependendo do enrabichamento – como se dizia – de cada uma daquelas moças de fino trato horizontal. Quer dizer, se uma delas simpatizasse com o freguês, a festa podia ser com desconto, ou até, às vezes, de graça, o que tornava a tarde ainda mais gostosa. Nessa época aconteceu uma descoberta fundamental em mim: que eu gostava de cantar e, melhor ainda, que cantava bem. Principalmente o repertório de Herivelto Martins, tanto que quando eu chegava num bar de lá, uma espécie de café-concerto que tinha um palquinho com um conjunto de piano, contrabaixo, violinos e violão, diziam logo: Lá vem o Caminhemos! Virou meu apelido. Caminhemos era o carrochefe do meu repertório... Não, eu não posso lembrar que te amei... Coincidência ou não, anos depois, morando definitivamente no Rio, conheci o Herivelto e ficamos amigos. E graças à minha voz de barítono, ganhei o primeiro lugar no programa de calouros Papel Carbono, do Renato Murce, na Rádio Nacional, interpretando Noches de Ronda, à moda de Pedro Vargas. Cantei também no Programa do Silvino Neto, na Rádio Clube do Brasil, a versão de Marta, um sucesso de Carlos Ramirez. Cada calouro representava um time de futebol, envergando a faixa do clube, a mim coube o Bonsucesso e tirei segundo lugar. E no Calouros em Desfile, do conterrâneo Ari Barroso, na Rádio Tupi, PRG-3, ganhei nota 3 (a mínima era 1 e a máxima era 5) interpretando Três Lágrimas, do próprio. A minha sorte foi que o Ari não estava julgando e mandando ou não o Tião Macalé bater o gongo, naquele dia quem aprovava ou reprovava era um calouro já gongado uma vez e um outro, que tinha tirado nota 5. Mas, por via das dúvidas, usei o pseudônimo de Sílvio Keter. Só não tive coragem de encarar a Hora do Pato, do Jorge Curi, porque achava o fim da picada aquele qüém-qüém-qüém pra quem não agradasse. E não era somente por causa da voz, que o pato berrava à beça, um dia um rapaz começou a cantar... Tu és / divina e majestosa / estauta generosa... Nem o pato agüentou a estauta do cara. Capítulo III Flávio, Juca, Boal, Freire e a Casa de Chá da Rua São Luiz Quanto à minha querida mãe, só fui tentar compreender os problemas dela já adulto, trabalhando em São Paulo, quando fiz psicanálise com o Roberto Freire (depois autor de Sem Entrada e Sem Mais Nada, direção de Antunes Filho, montagem da qual participei, anos mais tarde). Eu andava meio atormentado, em busca de um tempo perdido, talvez. Pelo menos procurando um ponto de equilíbrio nos trauminhas decorrentes dessa espécie de dupla maternidade sob a qual nós crescemos. De um lado, uma matriarca, carinhosa às vezes, mas nem sempre (lembro de um dia em que o Olavo estava levando uma coça, o chicote resvalou nos colhões dele, o negócio ficou roxo, ele urrando de dor, e logo depois, arrependida, ela fazendo festinha para o filho duramente castigado). Sozinha, viúva precoce, com dificuldades de sobrevivência, fazendo doce e vendendo pra fora, já que não era suficiente a ajuda que os filhos mais velhos, as freiras do Colégio Sacré Coeur de Marie e o padre Correia, padrinho de um dos meus irmãos, podiam dar, ela, como quase todas as mães daquela geração, era partidária da velha pedagogia infantil à base da palmada, chinelada, ou, em casos mais graves, da chicotada na bunda. Do outro lado, Francisca, a Chica, entrando de mediadora, apaziguando as situações mais complicadas. Nada de perfeição em nenhuma das duas, portadoras de muitas, muitíssimas qualidades, mas algumas falhas também. Ambas amparadas na religião, o temor a Deus, os castigos, os medos, do pecado, do inferno, de tudo. Em matéria de sexo, então, foi uma tragédia. Porque nós descobrimos lá em casa, em Ubá, uma edição antiga de Quo Vadis ilustrada com estampas da Lígia nua nos chifres do touro, o escravo abissínio e aquelas orgias todas. Escondiam o livro, a gente achava, acabava apanhando de chicote. E os mais velhos contando histórias das mulheres alegres da Pensão Elite, lá do outro lado da linha do trem. Lugar, aliás, onde nunca estive, mesmo depois de mais crescidinho, por motivo mais que justificado: um dia estava num consultório e comecei a ouvir berros desesperados vindos de dentro da sala do médico. Tinham enfiado um tubo cheio de bismuto na uretra do coitado. Era como se tratava a blenorragia (gonorréia) antigamente. Daí em diante, doença venérea, para mim, passou a ser uma coisa simplesmente apavorante. Isso com menos de 10 anos de idade, porque no interior, pelo menos naquele tempo, a noção de sexo vinha muito cedo, principalmente através dos animais, livres das convenções sociais e religiosas, das regras de boas maneiras, portanto, não obrigados a vergonhas, recatos, dissimulações ou quatro paredes na hora em que o instinto de procriação falava mais alto. Mas a minha primeira noite de homem foi só aos 15 anos, no Rio, da maneira mais clássica e convencional dos adolescentes daqueles dias altamente repressivos e castradores em matéria de iniciação sexual: com uma empregada doméstica do mesmo prédio onde meu irmão Dino morava e nós estávamos acampados, de bando. Apesar de eu ser caipira, tímido, dentuço, espinhento e levemente feioso, ela me dispensou um tratamento vip, superespecial, caprichando nas manobras eróticas, quando soube que se tratava de uma avant-première, minha estréia no ramo. O mundo rodou, o tempo passou e, por volta de 1957, 58, eu e Rosamaria Murtinho, quase noivos, fomos a uma reunião na casa do Fernando Sabino, então casado com uma grande amiga dela, Ana Beatriz Estill, depois nossa comadre. E lá estava o Hélio Pellegrino fazendo proselitismo para uma confraria mineira presente, inclusive, se não me falha a memória, o Paulo Mendes Campos. Apesar da psicanálise ainda não ter entrado na moda, eu já tinha idéia do que fosse. E não me lembro mais exatamente em que termos, mas naquela noite o Hélio defendia bravamente os benefícios que a psicanálise podia trazer ao ser humano, em termos de autoconhecimento, de evolução, et cetera. A situação, então, era a seguinte: depois de Casa de Chá do Luar de Agosto, em julho de 1957, eu tinha feito Rua São Luiz, 27 – 8o andar, de Abílio Pereira de Almeida, também no TBC, em São Paulo, muito bem acompanhado de Fernanda Montenegro, Rosamaria Murtinho, Nathália Timberg, Raul Cortez, Sérgio Britto, Ítalo Rossi e outros. Considero como meu primeiro sucesso real (enriquecido pelo fato de ali ter conhecido Rosamaria). A peça abordava um tema controvertido na época: a chamada juventude transviada e seus pais também transviados, apesar de já não mais tão jovens. Uma espécie de naturalismo intimista, como sintetizou um jornalista. A vida como ela era (é, sempre foi e deverá ser também no futuro), mas queriam que não fosse. Eram dias ainda sem – ou de poucas – pílulas e sem motéis (ainda havia garçonnières). Principalmente, sem aids, quando preservativo (bons tempos!) a gente usava apenas com as profissionais do ramo e só para evitar outras doenças do sexo, blenorragias (nome mais chique da popular gonorréia) e similares, todas bem mais brandas (penicilina nelas!) e nenhuma mortal, nem epidêmica. Em um cotidiano desses, encontros escusos, sem papel assinado, só podiam dar mesmo em acidentes de percurso, também conhecidos pelo nome de abortos, pecado capital das capitais, pecado mortal em alguns casos, quando matava mesmo. Por isso alguns gritinhos abafados, na platéia. E o desespero da cena final (Miséria, miséria, miséria!) fechando a cortina. Rua São Luiz, 27 – 8o andar, era uma controvérsia sem paralelos, no teatro brasileiro daqueles dias menos escancarados. A crítica (Essa voz espúria – segundo definição de Mário de Andrade) se dividia entre a boa vontade de Luiz Giovannini na Última Hora e a severidade de Helena Silveira e Décio de Almeida Prado em O Estado de S.Paulo e de Delmiro Gonçalves na Folha da Noite, enquanto o juiz de menores mandava redobrar a fiscalização. Menor de 21 anos não entra, de jeito nenhum! Não assisti, mas o volume de queixas que me chegam dão bem uma idéia da imoralidade que deve ser o que é mostrado! O chefe da Divisão de Divertimentos Públicos reforçava: O tema é escabroso e eu não posso cooperar para a degradação moral de nossa gente! Enquanto o debate esquentava, o público lotava o TBC. E a coluna Ronda, assinada por Mattos Pacheco, no Diário da Noite, mudava de assunto sem sair do tema: Por falar em Rua São Luiz, dizem que está havendo um romance entre Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça. Havia mesmo. Ele era fofoqueiro, mas bem informado. Foi em janeiro de 1958, minha estréia no Rio, em Dama de Copas (Pif-Paf), outra peça de Abílio Pereira de Almeida, quando tive boas críticas, de Paulo Francis, Bárbara Heliodora, Gustavo Dória e Brício de Abreu. Treze à Mesa e Quartos Separados – esta, primeira direção de Fernando Torres – vieram depois. Em Treze à Mesa, uma comédia de boulevard, gênero considerado teste para qualquer ator, eu estreava como protagonista, no papel de Antoine Villardier. Fiquei feliz porque, apesar das naturais dificuldades nos primeiros ensaios, fiquei mais à vontade já no início da temporada, a reação da platéia foi sempre boa e as críticas também foram favoráveis. O curioso dessa montagem é que tive a confirmação de uma lenda, segundo a qual o diretor Ruggero Jacobbi dormia durante os ensaios. Eu achava que isso era pura lenda de bastidores, mas numa tarde de verão carioca nós ouvimos, de repente, um ronco constrangedor em alto e bom tom. O boato estava oficializado, até porque aquela não foi a única, nem última vez que aquilo acontecia... Muito bem. Na remontagem de Rua São Luiz, no Rio, em outubro de 1958, no Teatro Ginástico, entraram sete novos atores no elenco original, Tereza Raquel, Liana Duval, Paulo Padilha, Francisco Dantas, Maria Pompeu, Moacyr Deriquem e Sebastião Campos. Encerrada a temporada, o TBC não renovou meu contrato. Como Rosamaria e eu já estávamos noivos, com intenção de casar, eu precisava trabalhar urgentemente. E, aos 28 anos de idade, participei de A Gaivota, um texto de Millôr Fernandes, dirigido por Carlos Murtinho, irmão da Rosamaria, com o grupo Studio 53, em abril de 1959. Mas era teatro amador, quer dizer, ninguém ganhava nem um só tostão. O bolso começou a reclamar e daí nasceu a necessidade de tomar uma decisão. Apelei então para a intuição, mais uma, que houve várias em minha vida, a maioria resultando em boas decisões. A não ser uma, desastrosa, para confirmar a regra, quando, dois meses antes de acontecer aquela grande virada do Francisco Lopes, eu estava com aplicações no banco e senti que seria melhor tirar esse dinheiro e comprar dólar. O gerente tentou me convencer: Que é isso, que bobagem é essa, nós estamos vivendo a estabilidade, não há surpresas mais na política econômica... Não segui meu insight, meu plim original, fui atrás do papo do gerente, a moeda americana subiu igual foguete e eu perdi uma bela bolada. Porque se eu tivesse comprado, a minha aplicação não seria desvalorizada em 40%. O dólar equilibrou, subiu, eu venderia os meus e estabilizaria meu capital. No entanto, bobeei e minhas aplicações ficaram desvalorizadas. Ou seja, exatamente o contrário daquela intuição divina de 1958/59, quando o TBC não renovou meu contrato, senti que a solução estava em São Paulo e, sem ir atrás de palpite de ninguém, me mandei pra lá. Na verdade, de certa forma, eu queria me afastar do Rio também porque nessa época dois irmãos meus, Olavo e Jacob, moravam comigo num apartamento de quarto-e-sala da Rua Gomes Carneiro, em Ipanema. Os dois dormiam na sala e eu, que tinha montado o esquema, ficava no quarto com a minha caminha de casal. Era uma guerra constante, e eu segurando a barra, levando uma mordida aqui e outra ali, mas tudo bem, afinal, irmão é pra essas coisas também. Em São Paulo, pra mim, o campo estava aberto e fui logo procurado pelo Antunes Filho e pelo próprio TBC. Nem perguntei ao Antunes – que ainda não era o enfant terrible de depois – com quem eu já tinha feito muito teleteatro, o que ele tinha pra mim. Só depois me lembrei que, além do palco, eu poderia também participar do Teatro das Segundas-Feiras, que ele fazia toda segunda-feira na TV Tupi Difusora, que tinha também a TV de Vanguarda e a TV de Comédia, com elenco contratado da emissora. Mas a intuição tinha me apontado para o porto mais seguro e optei pelo TBC, assinando contrato pela segunda vez. E, em julho de 1959, estava interpretando o embaixador russo de Romanoff e Julieta, texto do ator Peter Ustinov. Foi quando entrei em um boteco da Rua Major Diogo, no ainda não badalado bairro do Bexiga, então Bela Vista, pra tomar um cafezinho, e vejo Flávio Rangel, Juca de Oliveira e Augusto Boal respeitosamente ouvindo Roberto Freire, candidato a dramaturgo, discorrer sobre os benefícios da psicanálise para as artes cênicas. Entre outros argumentos, sintetizando, que seria muito bom para um ator ou diretor, que ele tivesse um autoconhecimento, para, assim, penetrar melhor nos personagens. A cena foi rápida, logo que puderam, os três arranjaram uma desculpa e saíram pela tangente, ou melhor, pela esquerda (marxista). Eu então me aproximei do Roberto Freire, me apresentei e disse que estava interessado no assunto. Ele deu o endereço, telefone, e marcamos uma entrevista. É que meu agudo senso de responsabilidade me apontava para a necessidade de estudar teatro a fundo, saber mais sobre a profissão que eu tinha abraçado com tanto empenho. Acreditava não estar preparado para ser colega de muita gente boa, como senti, pouco depois, ao ser apresentado a Cacilda Becker. Precisava abrir meus horizontes para poder interpretar melhor os personagens, exatamente como, de certa forma, ele tinha falado a Flávio, Juca e Boal e foi o que calou mais fundo em mim, então com dificuldades nos ensaios de Interesses Criados. Não fosse o Alberto D’Aversa, além de diretor ser um mestre paciente, eu não teria conseguido desempenhar o papel, inclusive até ter boas críticas. Principalmente nos textos que estudava com a professora Maria José de Carvalho (que fazia traduções bastante eruditas das tragédias gregas e dos clássicos ingleses e franceses, Shakespeare, Molière, Racine, assim como Gil Vicente, Alexandre Herculano e o repertório da Commedia Dell Arte, do qual eu ainda não tinha conhecimento). Maria José de Carvalho foi um marco profissional pra mim, não só porque me ensinou a botar o personagem pra fora, como através do trabalho sobre vários textos, conheci a História do Teatro, que até então não tinha tido chance de estudar. Aliás, ela sempre falou de mim com extremo carinho, da minha dedicação, disciplina, obstinação. Uma vez – nunca mais me esqueci – disse que eu era um determinado, que sabia o que queria e me empenhava para conseguir isso. Ela sempre achou que talento, sem determinação, não adianta nada. Maria José foi minha professora de aperfeiçoamento vocal em várias fases, a primeira ainda no tempo do TBC, depois em aulas particulares na casa dela e mais tarde no curso da Comissão Estadual de Teatro, durante praticamente um ano, lá na Sala de Cima do Teatro de Arena de São Paulo, na Rua Teodoro Baima. Foi então, através de interpretações de trechos de peças, de pequenas cenas de tragédias gregas, das leituras do Infante, do Pedagogo, dos clássicos todos que eu passava com ela, que realmente construí o alicerce da minha potência vocal. Ali foi o estalo. E me possibilitou o estudo de textos que não teria a menor chance de interpretar no palco. Quando fizemos Agamemnon eu já estava madurão. Porque antes eu era muito tenso e, como bom mineiro, falava pra dentro. Foi quando ela me disse que isso podia até ter seu encanto, mas que pra teatro não servia. Então eliminou a tensão do meu maxilar. Na terapia com Roberto Freire, ele começou por desbloquear o potencial que havia em mim, então comecei aprendendo a elaborar minha agressividade. Eu era um cabrito solto no pasto, um cavalo, às vezes. E eu não tinha muita certeza também de poder desempenhar um papel ainda nem ensaiado, o de homem casado. Estava com medo de, na vida real, assumir um compromisso de tal importância. Primeiro, porque me achava imaturo para encarar uma responsabilidade dessas, constituir família, montar casa e tudo o mais que eu imaginava que fosse um casamento com pompa e circunstâncias, como eram as uniões desse tipo naqueles dias. O mais grave é que não conseguia definir claramente as raízes desse medo. Além de detalhes como despesas, filhos e fim da liberdade, que já estavam teoricamente claros, havia algo mais forte que eu não sabia bem do que se tratava. Podia ser um medo já pressentido de teatro não dar futuro a ninguém, ou seja, um senso de responsabilidade à flor da pele. Não sei, eu não sabia. E pra saber isso tudo foi que me apresentei ao Roberto Freire naquele botequim em frente ao TBC e logo começamos quatro sessões semanais de uma hora. Assim foi. Até que, depois de um ano e meio, ele me liberou, cortou o cordão. Ele foi uma das primeiras pessoas em quem percebi uma coisa que hoje é óbvia para mim: há pessoas que nascem com um talento imenso e simplesmente não se realizam por culpa de bloqueios emocionais de repressão autoritária. Através de uma terapia ou às vezes por acidentes da própria vida, essa repressão cessa e o potencial da pessoa explode. No caso do Mauro, ele era muito torturado, altamente marcado pelo moralismo provinciano. Tinha um traço comum a outros dois artistas, Jardel e Glauber, mas ele se atormentava ainda mais, colocando o objetivo artístico acima de tudo. Tinha o caminho dele, quem ficasse na frente ele derrubava. Era capaz de se arrebentar, ia inteiro, numa entrega total, num vale-tudo, mas eu sabia que ele ia chegar aonde chegou. Só não sabia quando ia ser a erupção daquele vulcão. Roberto Freire Tempos depois, Roberto Freire me definia em duas palavras, numa entrevista: Determinação, obstinação. Só que às vezes eu levava essa determinação, essa obstinação, às raias da obsessão. Foi assim que cheguei a um grande fracasso – por isso mesmo, de importância profissional fundamental – não só quanto ao espetáculo em si, como principalmente à minha interpretação, como Noel Carradine, personagem principal de Patate, de Michel Achard. Era uma unanimidade: ninguém gostou de nada. Agora sei que fui profundamente pretensioso ao julgarme amadurecido o suficiente para encarar um vaudeville, com os pés nas costas. Mas, apesar de toda a amargura, tive humildade suficiente para assimilar o resultado, as opiniões, e fazer uma autocrítica. E pude dar a volta por cima, transformando aquele episódio negativo em importante lição de vida e de carreira. Afinal, meu primeiro papel como protagonista, tinha me mostrado que eu ainda não estava preparado para vôos maiores. Entrei então em um processo de auto-avaliação e a achar que devia ver mais teatro, estudar, me aprofundar. Meus primeiros passos no palco teriam sido eficientes, suficientes? Tinha apenas alguns anos de estrada, mas já algumas histórias para contar. Inclusive um episódio curioso durante meus primeiros passos no palco, nos ensaios de As Alegres Canções da Montanha ou Altitude 2010, quando eu a certa altura levava um soco e caía no chão. Desconfio que fiz aquilo com tal perfeição que meu irmão Olavo chegou a quase entrar em cena pra me defender, pensando que fosse briga de verdade e eu tivesse sido agredido mesmo. Rimos muito, todos, depois. Em 1959, pouco antes de Patate, eu tinha me casado, ainda com o tal medo. E estava bem casado – mas já sem medo – morando no velho e original Bexiga dos bons tempos do Cine Rex, pagando oito mil cruzeiros de aluguel por um apartamento em cima da loja de um estofador chamado Pascoal Ambrósio, vulgo Pascuá, na Via Giovanni Passalacqua, quero dizer, Rua João Passalacqua. Como eu ganhava 20 mil, ainda dava pra de vez em quando ir comer um macarrãozinho no Giggetto depois da sessão do teatro. Me lembro do dia em que fui acertar o contrato de aluguel com o Pascuá e ele só perguntou o que é que eu fazia na vida. Trabalho ali no teatro. Ele: Ah, artista... E me apresentou ao Juca Chaves, que era cliente dele: Conhece aqui, o artista... Eu não tinha nem nome nem nada, eu era simplesmente – com fortíssimo sotaque napolitano – o artista (mas só até eu e a Rosa começarmos a aparecer na televisão e houve uma campanha chamada Faça uma Criança Sorrir, na TV Excelsior. Aí eles ficaram nos conhecendo. Mudou até o tratamento. Seu Antonio, que nunca tinha fiado nem um tostão pra mim, comunicou: Olha, seu Mauro, se o senhor quiser pagar só no fim do mês, pode abrir uma “cardeneta” aqui... E o dono da casa de móveis Scarlatto até sorriu pra mim e não tirou mais a mulher da janela quando eu aparecia). Algum tempo depois, perguntei ao Pascuá desde quando ele não entrava num teatro. Acho que a última vez foi pra ver uma opereta lá no Rex... Então disse pra ele ir me ver no Teatro Maria Della Costa. Mas antes, avisei: Olha, só que tem o seguinte, teatro mudou muito, não é mais como antigamente, não! Claro que ele não entendeu o espírito do meu aviso, mas balançou a cabeça e fez uma exigência: Mas tem de ser num sábado! Sábado era dia da filial e não da patroa. Mas dia de casa superlotada, não tinha convite. Então comprei duas entradas e deixei na bilheteria. Na segunda-feira ele me chamou: Pelo amor de Deus, artista, então quer dizer que teatro agora é assim? Me deu vontade de subir lá e dar uma porrada naquele cara que você bateu nele. Pensei até que fosse de verdade... Ele tinha levado um susto. Era Plantão 21, um primor de montagem, direção do Antunes, deze nas de pessoas em cena, uma beleza, num clima que muito antes, já no histórico Teatro de Arte de Moscou, de Constantin Stanislavski e Vladimir Danchenko, era chamado de realismo espiritual: despojamento total de falsas convenções para criação de uma vida mais verdadeira e mais emocionante sobre o palco. Pascuá gostou tanto, que, de vez em quando, me pedia pra recomendar-lhe outra peça. E nunca mais deixou de ir ao teatro. Ele era estofador e alugava o andar de cima da loja para nós, Rosamaria e eu. A gente tinha entrado num apartamento absolutamente vazio, nem sombra dos móveis que despacharam do Rio, de trem. Seu Antonio, do armazém ao lado, emprestou o telefone, eu liguei pra Central do Brasil, expliquei a situação, o sujeito que atendeu perguntou se eu podia mandar buscar, eu não podia, ele entendeu meu problema, sentiu o drama, disse que ia dar um jeito, e deu, gentilmente – aquilo que existia antigamente – me mandando três móveis pra quebrar o galho, com os quais estreamos nosso primeiro lar de recém-casados: uma cama, uma cômoda e um armário. O resto ficou lá, depois fui buscar, um sofá de palhinha que a Rosinha tinha herdado, uma mesa de cozinha e duas ou três coisinhas mais, tudo simplesmente precário. Nós já tínhamos passado a lua-de-mel com ela gripada, tossindo, quer dizer, praticamente não tivemos; nosso primeiro endereço era um acampamento; e, se não bastasse isso tudo, na primeira manhã fomos acordados, às sete, por um falatório interminável na rua. Tinha feira-livre em frente e a gente não sabia desse pequeno detalhe geográfico-folclórico. Mas logo ficamos fregueses, quando soubemos que eles vendiam tudo em bacias, não tinha esse negócio de quilo. E uma bacia de laranja por cinco cruzeiros transformava qualquer falatório em mero sussurro. E os pregões dos vendedores e compradores ambulantes? Comprá... Comprá... Comprá... era o judeu que comprava roupa velha. Olha o biscoiteeeeeiro! Mas, um dia, a gente começou a ouvir o choro de uma mulher que se lamentava: Aai, meu Deus, ai, minha Nossa Senhora, ele construiu essa casa e agora não pode nem sair dela! Era uma vizinha. O marido tinha morrido, mas o caixão não passava pela escada, tiveram de chamar os bombeiros para que o finado descesse pela janela, em meio aos lamentos chorosos... Poverina, poverina. De vez em quando passava a figura de Adoniran Barbosa, a caminho de uns botecos ali da esquina da Rua Santo Antônio com São Domingos. E tinha os Móveis Scarlatto, cujo dono apelidei de Urso, porque quando eu chegava na janela e a mulher dele também estava na janela dela, em frente, do outro lado da rua, ele olhava pra mim de cara feia e, enciumado, a mandava pra dentro da casa. Até que certa vez, acordamos, altas horas da noite, com um grito novo, feminino, de dentro de um táxi que dava voltas no quarteirão: Nicola Ansermo, seu filho da puta... Corno... Seu pai é veado, sua mãe... Só depois da terceira passagem da dama deselegantemente apaixonada repetindo o xingamento como um mantra, o humilhado e ofendido resolveu sair da toca, magrinho, raquítico, com um fio de bigodinho ridículo, um tipo, parecia personagem saído de uma daquelas deliciosas comédias do cinema neo-realista italiano daquele tempo. Um homem que, pelo menos teoricamente, não despertaria a atenção de ninguém; no entanto, Nicola Anselmo era o gostosão da mulatinha espevitada e invocada, então visivelmente indignada. Ele devia ser da pá-virada, mas certamente tinha lá seus segredos, suas qualidades, suas habilidades, quem sabe. E porque, na véspera, certamente cometeu alguma infração no código lá deles, pisou na bola, quem pagou o pato fomos nós, que tínhamos escolhido morar ali só pra ficar perto do TBC, do Oficina e do Maria Della Costa, sem saber dos usos e costumes daquele pequeno pedaço de sucursal da Calábria encravado na cidade de São Paulo. Esse era o Bexiga velho de guerra! De certa forma um flashback, porque havia sido grande a influência dos italianos que tinham se radicado na minha cidade, tanto que entre outros costumes deles, pelo menos um chegou lá em casa: a gente comia macarronada todas as quintas-feiras e todos os domingos. Daí também, quem sabe, a grande facilidade com que eu assimilei o neo-realismo do cinema italiano, anos mais tarde, um cotidiano mais próximo do nosso e um rompimento com aquela máquina americana de sonhos que não tinha nada a ver conosco. Eu estava começando a descobrir Stanislawski. Antes, por exemplo, não podia nem pensar em fazer Interesses Criados, de Jacinto Benavente. Embora escrito por um espanhol, baseado na Commedia dell Arte, uma forma teatral nascida na Itália e desenvolvida, sobretudo, nos séculos 17 e 18, em que os atores improvisavam os diálogos baseando-se em um enredo previamente combinado, explorando situações cômicas. Tudo em tom de farsa, geralmente contendo críticas e lições de moral, através de personagens de caráter bem definido, tipos como o Capitão Fanfarrão, o Dottore, Spaventa, Pantaleone, Scaramuccio, Arlecchino, Pietrolino, Colombina e outros. Mas, em 1954, antes de me dedicar inteiramente ao teatro, o que me sustentava mesmo era o emprego de propagandista de produtos farmacêuticos, visitando médicos e apresentando novos produtos (a Terramicina, um antibiótico poderoso, estava sendo lançada e já era muito receitada). Eu trabalhava na Pfizer, indústria farmacêutica conceituada no mercado, com salário fixo e comissão nas vendas, que resultava em um bom e infalível dinheirinho na boca do caixa a cada fim de mês. Nas horas vagas do começo das noites, batia ponto no Vermelhinho, na Rua Araújo Porto Alegre, em frente à ABI, Associação Brasileira de Imprensa, no centro da cidade. Ponto de encontro do pessoal de artes plásticas, Scliar, Eneida, Iberê, teatro e cinema, além de alguns jornalistas. Nelson Pereira dos Santos estava pra fazer Rio 40 Graus e meu irmão Olavo ia ser um dos assistentes de produção. Lembro bem como foi apresentada a música do filme: o Zé Keti, já com alguns sucessos, mas ainda não famoso, chegou e fomos todos para um cantinho menos barulhento do Vermelhinho, ele pegou a caixinha de fósforos e mandou ver... Eu sou o samba a voz do morro sou eu mesmo, sim senhor sou eu quem trago a alegria para milhões de corações brasileiros... Eu já tinha feito figuração em Rua Sem Sol, de Alex Vianny, e pontas com pequenas falas em O Petróleo é Nosso, de Watson Macedo, e em Carnaval em Caxias, de Jorge Ilelli. Acabei ten-do uma participação bem razoavelzinha, com diálogo e conseqüências, em uma cena de Rio 40 Graus, como um turista paulista do Brás que leva a família (um sobrinho meu, José Bonifácio Azevedo Mendonça, filho do meu irmão Francisco Galdino, era meu filho, no filme) ao Pão de Açúcar e acaba protegendo um daqueles meninos vendedores de amendoim, perseguido pelo personagem de Sadi Cabral. A essa altura, eu tinha abandonado os planos de fazer vestibular para Direito. Cinema era, então, meu sonho de realização artística. Mas, certa vez, passeando pela Cinelândia, ali na Rua Álvaro Alvim, parei em frente ao Teatro Rival e fiquei olhando as fotografias, curioso, quando um sujeito assim de meia-idade começou a se aproximar de mim. Pensei logo: Ihhh, isso só pode ser veado... Não era. Devia ser da administração do teatro ou algum empresário, com certeza alguém do meio artístico. E como uma dessas coisas que acontecem e a gente não tem explicação, ele perguntou se eu não queria ver a peça. Eu queria. Ele foi até a bilheteria, pegou o ingresso e me deu. E lá estava eu assistindo Alda Garrido em Dona Xepa, com Glauce Rocha, recém-saída do Teatro do Estudante, e Milton Moraes. Acontece que Alda Garrido chanchava muito, tinha um estilo absolutamente pessoal e intransferível de representação, uma linha assim meio Dercy Gonçalves antes dela, brincando em cena, falando com a platéia... Isso é hora de chegar?... O senhor aí, tá com sono por quê?... Dentro de cada frase um caco, enquanto o resto do elenco trabalhava sem sair do texto, aquele teatrão altamente declamado e aqueles telões horrorosos no fundo do palco. Não gostei do que vi, tinham me tirado a magia da coisa. Por intuição, talvez, fazia idéia do que poderia ser ou não um bom teatro, pelo menos tinha essa pretensão. E, dias depois, resolvi comprar um ingresso para ver Obrigado Pelo Amor de Vocês, com Rodolpho Mayer, Lourdes Mayer e André Villon, no Teatro Dulcina. Aí, sim, gostei. Ri muito, com o resto da platéia, que se dobrava de dar risada. Acabei vendo Jaime Costa fazendo Dom João VI. Não gostei. Mas, de repente, estava assistindo Santa Marta Fabril S.A., de Abílio Pereira de Almeida, no Teatro Ginástico. Paulo Autran, Tônia Carrero, Eugenio Kusnet e outros, num cenário para mim maravilhoso, não tinha aquele negócio de telão pintado, não. Aí entrei no jogo deles. Adorei. E, absolutamente deslumbrado, pensei assim: Taí, esse teatro, eu até gostaria de fazer... O Paulo Autran tinha virado meu paradigma. Um dia eu quero chegar aonde esse sujeito chegou! Ele tinha passado a ser meu grande ídolo. Dias depois encontrei, no Vermelhinho, o Modesto e o Jackson de Souza, que me informou: Mauro, o TBC está fazendo testes pra formar um terceiro elenco e viajar com a peça Santa Marta Fabril pelo País. Eu indiquei seu nome. Modesto de Souza, pai dele, veterano ator de teatro, cinema, teatro-rebolado e circo, velho comunista, contestou: Não faça isso, Mauro, você está trabalhando num laboratório americano, eles vão ser donos do Brasil! Que é isso, pai. O Mauro é jovem, tem o futuro pela frente, o cinema brasileiro ainda está vivo, ele vai trabalhar no Rio 40 graus. E a televisão está apenas começando. Ele vai crescer, tem futuro! Nada disso... Nossa profissão é muito incerta, insegura. Mauro, você vai passar fome! E ficaram discutindo, pai e filho, sobre minha vida e meu futuro. Fiquei ouvindo os argumentos dos dois e pude medir os prós e contras para to-mar uma decisão. Acabei indo fazer o teste, num dos camarins do Teatro Ginástico, exatamente com um daqueles monstros-sagrados que tinha visto em Santa Marta Fabril: Eugenio Kusnet. Frente a frente com ele, não conseguia chamálo de você, era só senhor pra cá e senhor pra lá. Desfiei então meu ainda raquítico currículo no teatro amador: em 1953 tinha me matriculado na Escola de Teatro do SNT, Serviço Nacional de Teatro, antes de participar do grupo amador Teatro de Arte do Rio de Janeiro, onde fiz o personagem Armando, o vilão da peça As Alegres Canções da Montanha ou Altitude 2.010, de Julien Luchaire, tradução de Miroel Silveira, direção de Ribeiro Fortes, quando entrei em cena pela primeira vez, aos 22 anos de idade. Em 1954, com o mesmo grupo, tinha feito o papel do segundo moço na montagem de A Dama da Madrugada, de Alejandro Casona. Naquele ano ainda, passei a fazer o curso da Escola de Teatro Martins Pena, da então prefeitura do Distrito Federal, participando do espetáculo A Paixão, drama sacro em um prólogo e 14 quadros de Luiz Peixoto, inspirado na adaptação de Gustavo Cohen do texto de Arnoul Greban, direção de Gustavo Dória. Na ocasião, atuei também como o sertanista João Camargo, na peça Frankel, de Antonio Callado, e na montagem de Os Homens e as Armas, de Bernard Shaw, ambas pelo Pequeno Teatro de Comédia, de Maurício Lozinsky, no velho Teatrinho Follies, que funcionava no Posto 5 de Copacabana. Até ali, 1955, era só. Meio paizão, aquele tipo de russo simpático, Kusnet continuou o teste de reações me pedindo que mostrasse um trecho do diálogo com um índio que eu tinha feito em Frankel. Fui ficando à vontade e comecei a sentir que ele foi ficando satisfeito. Resultado: aprovado. A etapa seguinte era mais um teste, de improvisação, com outro monstro-sagrado: Ziembinsky. Improvisar era comigo mesmo, então comecei a imitar pessoas, a fazer uma série de brincadeiras que já fazia e inventei alguma coisa na hora. Senti que tinha agradado às pessoas em volta. Eles acharam graça. Fui o tipo do desembaraçado, a léguas de distância daquele menino de Ubá que não entrava no circo e não dançava com ninguém. Muito bem. Passa-se um tempinho e a idéia do terceiro elenco foi por água abaixo porque Tônia, Celi, Autran, Margarida Rey e outros, se desligaram do TBC para formar uma nova companhia. Então ficou resolvida a montagem em São Paulo, de um grande sucesso da Broadway, Casa de Chá do Luar de Agosto. E tome de teste. Dessa vez com Maurice Vaneau, que ia dirigir a peça, apesar de não falar uma palavra sequer de português. Mas era um grande mímico. Pra fazer o protagonista, Capitão Fisby – quem fez o papel no cinema foi o Glenn Ford, mas o filme ainda não tinha sido exibido no Brasil – senti logo que não tinha me dado bem. Em compensação, fui aceito para um papel menor, uma patente abaixo. Estreei como o sargento Gregovich, com críticas animadoras e estimulantes para um iniciante, como a de Décio de Almeida Prado, em O Estado de S.Paulo: Mauro Mendonça estréia bem em São Paulo, embora num papel de poucas possibilidades. Mas acabei sendo promovido depois a Capitão Fisby, inicialmente interpretado por Milton Moraes. Essa promoção foi mais que merecida, uma questão inevitável de hierarquia, e não me surpreenderia vê-lo como o general. Sorte e sucesso é o que eu desejo a ele. Maurice Vaneau Mal sabia Vaneau que acabei sendo promovido a general, tempos depois, fazendo o Perón em Evita... Mas, como estava dizendo, eu tinha participado da carreira toda de Casa de Chá do Luar de Agosto, um ano e meio em cartaz, entre São Paulo e Rio, recordista do TBC, 120 mil espectadores, número só ultrapassado 15 anos depois com Os Ossos do Barão, de Jorge Andrade. No entanto, na hora de acertar os ponteiros, depois de aprovado no teste, tinham me oferecido 3.500 cruzeiros. Fui absolutamente objetivo, mostrando minha carteira de trabalho e dizendo que, embora fosse do TBC o tipo de teatro que queria fazer, como propagandista da Pfizer eu ganhava exatamente o dobro, fora as comissões, o que no fim do mês resultava em 12 ou 15 mil. O Armando Paschoal, que era secretário do TBC, fez um silêncio, pediu licença, disse que eu esperasse um pouco e saiu. Foi a um superior seu, talvez o próprio Franco Zampari, dono do teatro, e voltou com uma contraproposta: sete mil cruzeiros, mais participação com as matinês extras e porcentual quando eu fosse para os ensaios, em São Paulo. Ou seja, segurança e tranqüilidade por dois longos e sonhados anos, que era a duração do contrato. Eu tinha ganhado a queda de braço, o menino de Ubá não teria tido tanta firmeza, quase audácia. Talvez a juventude – 24 anos – a aparência, a possibilidade de me transformarem em galã, mas, principalmente, meu desembaraço, tenham pesado na balança. E, moreno, alto, eu tinha um tipo físico bom para o papel. Vaneau depois confirmou, o tipo ajudou, sim, mas não foi só isso. Ele tinha chegado da Europa, onde era comum fazer testes até com atores consagrados. E tinha de conhecer com quem iria trabalhar, então fez teste até com gente que torcia o nariz, achava humilhante. Eu fiz na maior boa vontade. O próprio Vaneau disse depois que, além do aspecto físico, eu tinha mostrado um senso de humor que combinava com o personagem, um sargento imbecil. Segundo ele, eu transmitia aquela estupidez, apanágio dos militares do mundo inteiro. E tinha mostrado que para fazer o bobo, fazer a síntese crítica da burrice, era preciso ter uma boa dose de inteligência. O problema, então, passou a ser o seguinte: como é que eu iria me acertar com o americano da Pfizer? Acontece que, pouco antes, quando eu fazia a peça Frankel, publicaram uma fotografia minha no jornal, falando em um jovem promissor. E ele não sabia desse lado oculto da minha personalidade. Na ocasião, consegui botar panos quentes na história dizendo que aquilo era uma experiência, uma brincadeira, que meu futuro mesmo estava ali, na indústria farmacêutica. Só que tinha chegado a hora de dizer pra ele que aquela brincadeira tinha virado coisa séria e que meu futuro estava no palco, não nos remédios. Fui com a sugestão de que eles me demitissem, mas só ganhei um cala-boca. E em dezembro de 1955, estava contratado para o elenco fixo do TBC, por dois anos, encerrando assim a fase amadorística e iniciando minha carreira profissional. E no dia 20 de dezembro daquele ano, participei de meu primeiro ensaio no TBC. Lá estava eu, com Fregolente, Sérgio Brito, Nathália Timberg, Milton Moraes – que eu tinha visto em Dona Xepa – Maria Helena Dias, estreando em teatro, depois de ter estudado arte dramática nos Estados Unidos, Célia Biar, Oscar Felipe e, meu Deus, Eugenio Kusnet, na mesma mesa! Lendo o texto da peça e ajudando Vaneau, que não falava português. E ele, com aquela simpatia toda, a me apoiar e estimular, sempre dando dicas de Stanislawski, sem eu saber bem, ainda, quem era... Capítulo IV Um E.T. na Barão de Itapetininga e a Colega Chamada Cacilda Com lenço e com documento, mas sem a menor idéia da cidade de São Paulo, estava hospedado num hotelzinho da Praça da Bandeira, trajeto do bonde Bela Vista que, segundo me disseram, passava pela Rua Major Diogo, endereço do teatro. Mas pouco depois eu já morava ali perto, numa pensão da Rua São Domingos. À tarde, fazia exercícios vocais, falando alto, com entonação de arauto, repetindo alguns textos, como aquele de Alexandre Herculano em O Bobo, livro que tenho guardado até hoje, com a marca da Livraria Bertrand, Rua Garrett, 73, Lisboa... A morte de Afonso VI, rei de Leão e Castela, qua-se no fim da primeira década do século 12, deu origem a acontecimentos ainda mais graves do que os por ele previstos no momento em que ia trocar o brial... brial era uma túnica longa usada tanto por homens como por mulheres da Idade Média... de cavaleiro pelo cetro de rei, mortalha com que o desceram ao sepulcro no Mosteiro de Sahagun... até que um dia recebi de volta algumas daquelas palavras, no mesmo tom de proclamação, mas enxertadas de uma reclamação explícita... Acontece que eu não tenho nada a ver com a morte desse tal de Afonso, rei de não sei onde, porque trabalho a noite toda e só posso dormir de tarde, então, por favor, pára com essa lengalenga, pelo amor de Deus!... Era um motorista de táxi, também inquilino da pensão, bastante incomodado com aquele falatório, importante para mim, mas sem o menor sentido para ele. Depois de muitas risadas, entramos em acordo e acabamos amigos. E passei a exercitar minha voz em outros lugares e em tom um pouco mais baixo e menos solene. Eu tinha chegado do Rio livre, leve e solto, todo queimadinho de praia, calça de verão e camisa de manga curta. Desci de um ônibus da Cometa ou do Expresso Brasileiro, não me lembro mais, numa esquina da Avenida Ipiranga quase com São João, fui andando, Praça da República, Barão de Itapetininga, então, de repente, notei que as pessoas me olhavam, meio como se eu fosse quase um E.T. Aí passei a reparar em quem me olhava como um estranho no ninho e vi que mesmo as pessoas visivelmente mais humildes, operários, quem sabe, andavam de paletó, gravata e chapéu. Ainda tinha a famosa garoa caindo no final da tarde. Fazia frio, muito frio. A sorte foi que o Walmor Chagas estava fazendo uma peça no Rio e me cedeu o apartamento dele. O gauchão tinha uns casacos maravilhosos e nossas medidas eram praticamente as mesmas, então, no inverno, eu passei a ser olhado pela minha elegância, não mais como um extraterrestre. Eram os primeiros dias dos 18 anos que morei em São Paulo, de 1955 a 73 (casado, de 1959 a 73). À medida que os ensaios da Casa de Chá avançavam, eu ficava mais à vontade, cada vez me enturmava mais, tanto que durante um ensaio dei um palpite, que ficava bem melhor usar outra palavra nas falas da peça, no lugar de saquê, que estava no texto original. Sugeri cachaça e eles toparam. Eu já tinha virado uma espécie de amigo de infância do Fregolente, ator veterano, carioca, simpático, bonachão, que gostava de umas e outras no boteco em frente e eu lhe fazia companhia. Um dia, Fregolente e eu subimos a escada dos camarins em direção ao saguão de entrada e cruzamos com Franco Zampari entrando, em companhia de uma famosa atriz, que reconheci logo. Virou-se para ela e disse: Cacilda, quero apresentar seus novos colegas, Fregolente e Mauro Mendonça. Ele estava simplesmente nos apresentando a uma senhora atriz chamada Cacilda Becker! Primeira dama do teatro brasileiro, porta-estandarte do TBC. Já a havia visto antes no filme Floradas na Serra, mas agora estava apertando a mão dela! Minhas pernas tremeram, literalmente. Imagina, eu, colega de Cacilda Becker! De repente, essa palavra colega situou-me e, mais do que nunca, senti um misto de medo e de enorme responsabilidade. Porque com aquele meu modesto currículo e aquela minha pequena experiência, estava contratado pelo nosso maior teatro, ao lado de monstros-sagrados do palco brasileiro. Eu precisava estudar muito, para ser digno desses colegas! Anos depois fiz A Rainha Morta com Cacilda, na TV Bandeirantes. Eu era o rei e ela, Inês de Castro. Comecei, então, uma série de trabalhos com grupos independentes, como a Companhia Carioca de Comédia. Oh, Que Delícia de Guerra, encenada no Teatro Ginástico, no Rio, em janeiro de 1967, onde interpretei vários pequenos personagens, tinha um elenco que ia de cruuuzes! a pôoorra!, uma mistureba danada. Mas parei no meio da temporada. Coitado do Sérgio Mamberti, companheiro de camarim, deve ter sofrido muito, porque eu estava desnorteado, malucão mesmo. A peça era dirigida por Ademar Guerra, o que fez com que o rigoroso crítico Yan Michalski, do Jornal do Brasil, a elogiasse rebatizando a peça de Oh!, Que Delícia de Ademar Guerra. Sobraram elogios para mim, que estaria numa fase excelente, segundo ele. Sem saber que, sob o ponto de vista pessoal, a fase era exatamente o contrário. Entre essa peça e a seguinte, Agamemnon, houve um intervalo de dois anos onde não fiz nem teatro, nem cinema, nem televisão, nem nada. Estava no fundo do poço, atravessando um período desesperado de ateísmo, cheio de minhoca na cabeça. Inclusive morrendo de ciúmes, querendo saber o que a Rosamaria ia fazer toda quarta-feira de tarde, quando ela sumia de casa. Um dia ela chegou, com a Ruthinéa de Moraes, e me contou que estava freqüentando reuniões espíritas numa casa de família. Uffff!, tirei um peso de cima de mim! Só saí dessa fase negativa com ajuda do Roberto Freire, que me encaminhou a um clínico, Dr. Ivo Bussoloti. E mais, depois da Medicina, graças a um eletricista do TBC chamado André e outro, Arquimedes Ribeiro, também do teatro, me encaminhando para desmanchar um trabalho, uma macumba que tinham feito pra mim na Bahia. Aí conheci a Irmã Madalena e comecei minha vida espiritual. Foi a grande virada, essa descoberta, e a conseqüente solução de meus problemas profissionais, financeiros e, principalmente, de saúde. Eu tive de tudo, entre 1963 e 68. Era uma folha na correnteza. As pessoas encontravam comigo na rua e iam dizendo logo: Seu Mauro, o senhor vai me dar licença, mas eu tenho notado na televisão, o senhor deve estar com algum problema... De fato, eu já tinha ido ao médico, tinha tratado de uma porção de coisas, esquistossomose, ameba, hipertireoidismo e até enterocolite, que é inflamação do intestino delgado e do cólon. Na verdade, eu estava indo para uma fase aguda de angústia. Quando eu imaginava que morrer era o fim, o nada, acabou, eu não existo mais, me dava um mal-estar desgraçado. Dinheiro não parava na minha mão, toda hora aparecia um problema no carro, estava agressivo, criei várias inimizades. Pessoas me aconselhando a procurar um centro e eu mais materialista do que nunca, implicando com a babá quando ela acendia velas em casa. Não quero saber dessas coisas aqui, não! E ela era pessoa queridíssima, uma maranhense chamada Joana de Jesus, que foi babá da Rosamaria, cria da família dela e que, eu sentia, gostava muito de mim. E ela, vendo a fera que eu estava, acendia vela era, com certeza, para mim mesmo. De uma hora pra outra, comecei a ter taquicardia, aí fiquei apavorado, porque as batidas do coração eram muito fortes. Eu estava na TV Excelsior, mas de vez em quando ia jogar pôquer lá no TBC, com o André Eletricista, com o maquiador Leontj Timonszchenko e o maquinista-chefe do teatro, Arquimedes Ribeiro. Comprava dois pacotes de bala Toffee e ficava comendo o tempo todo, comendo, comendo, quando via, não tinha sobrado nenhuma. E estava tão ranheta que um dia o André, magrinho, baixinho, me agarrou e me encostou na parede... Escuta aqui, você tem alguma coisa, chega, não é possível, você é jovem, era alegre e amigo, agora só encrenca com os colegas, com todo mundo. Pelo amor de Deus, deixa eu levar você lá na federação! No auge da taquicardia, concordei. No dia seguinte, estava na fila da Federação Espírita do Estado de São Paulo, pensando: Meu Deus, sou psicanalisado, o que é que estou fazendo aqui? Mas uma pessoa foi me passando a mão na cabeça e ao redor do meu corpo (eu ainda não sabia que aquilo era um passe). E quando cheguei em casa, a Rosa quis saber: O que é que houve, Mauro? Você está mais calmo, hoje. Eu estava mesmo, tranqüilo. Pensei: Opa!, isso regula... Passado um tempinho eu ouço o Leontj, o André e o Arquimedes conversando sobre um centro espírita em Guarulhos, então disse que se visse uma coisa daquelas que eles estavam relatando, eu passaria a acreditar. Duvidei, mas acabei indo no tal lugar, sozinho. Era o Centro de Mamãe Iemanjá, de Pedrinho Baiano. Na fila ouvi histórias, casos de pessoas que já tinham desmanchado trabalhos, fiquei impressionado. Logo eu estava em frente a uma mulata com alguns traços de índia que foi logo me descartando. Ihhhh, esse aí eu não atendo não, tá muito pesteado! Intercederam: Matias, atende, ele é gente boa! Matias: Tá bem, espera a sua vez. Quando a vez chegou, Matias disse: Não vamos perder tempo, vou logo dizendo, você está com uma macumba pesada. Vou mandar você fazer umas coisas, você faz? Eu disse: Primeiro eu preciso saber o que é pra fazer, pra saber se posso fazer. Mandou acender uma vela, rezar assim e assim e tomar um chá. Daqui a três dias você volta, mas fala com aquela moça gorda lá. Apontou e avisou: É um menino que está com ela, junto dela, ouviu? E me deu um passe. Eu fui embora e, pela primeira vez em muito tempo, deixei vários carros passarem na minha frente. Porque, até então, eu não admitia isso, se um carro me ultrapassasse eu ia atrás que nem um louco, pra voltar a ficar na frente dele. Acendi a vela, rezei, tomei o chá, fiz tudo direitinho e fui falar com a moça gorda que hoje chamo de Dona Iolanda. Era o menino Pedrinho que estava dentro dela. E cada vez que ia lá, via mais fenômenos que iam ficando comuns para mim. Um dia, Pedrinho me disse: Agora, São Tomé, que precisa ver pra crer, agora que você amadureceu eu posso dizer. Tem coisa dentro de sua casa. Marca com meu cambono pra eu ir na sua casa. Fiz tudo conforme foi combinado e levei-a à minha casa. Depois das preces, veio o Pedrinho e foi logo dizendo: Vocês têm um vaso... Descreveu. Rosamaria explicou que nós tivemos o tal vaso, mas quebrou. Como tinha sobrado a planta e a terra, ela plantou no jardim. É isso que eu quero – ele disse, mandando pegar o que tinha sobrado. Eu fui, descobri onde estava, só tinha sobrado a terra, ainda com o formato do vaso. Mexi, não vi nada demais e levei para o Pedrinho, que perguntou se eu tinha achado alguma coisa. Tem só um coquinho. Ele: É isso que eu quero. Mandou partir o coquinho. Tentei, mas não consegui. Era pequeno, mas muito duro. Pega um martelo e quebra, sem muita força. Quebrei. E dentro dele apareceu um bilhete queimado com duas palavras escritas nas bordas: Morram malditos. Rosamaria começou a chorar. Ele cruzou com vela e disse que lá no nosso quarto tinha mais. Rasga esse colchão! No colchão que nós dormíamos, uma pequena imagem de São Benedito e uma vela roxa, lá dentro. Ele pegou tudo aquilo, cruzou, ou seja, anulou o malefício, e disse: Joga em água corrente, rio ou córrego! Alguém tinha pedido pra fazer, uma entidade negativa tinha feito, e ela então tinha materializado e desmanchado. Porque o que há é o seguinte, sob o ponto de vista espiritual: a inveja é uma energia absolutamente negativa. Tanto que tem gente que entra na sua casa e alguma planta murcha, é a tal de seca-pimenteira. Tem gente que faz magia negra, espeta boneco e tudo. E tem gente que pede para as entidades negativas fazerem mal a uma determinada pessoa (sem saber que está plantando o mal pra colher depois). Aqui a gente faz, aqui a gente paga. Agora, se a pessoa não estiver vulnerável, não pega. Portanto, eu estava vulnerável, altamente vulnerável. Foi esse meu contato com a realidade transcendental do mundo espírita. Através de um centro, mesa branca, as pessoas se sentindo bem, apesar de um certo preconceito, achando que é coisa de pobre e ignorante. Eu mesmo pensei assim. Mas havia um impulso, uma força me levando. E os fenômenos espiritualistas passaram a ser uma coisa natural e concreta, para mim. Quase científica. Uma psicoterapia espiritual. Sou melhor médium em cena do que num terreiro ou numa mesa, mas sinto meu corpo inchar e uma espécie de envolvimento, quando chego lá, onde pessoas mais humildes apelam para o sobrenatural a fim de resolverem problemas que a psicologia não alcança. Meu caso foi exatamente esse, eu cheguei à umbanda porque já tinha tentado tratar de meus males por outros caminhos e atalhos, o Roberto Freire me indicou um clínico-geral, o Dr. Ivo Bussolotti. A gente conversava muito, um problema atrás do outro, uma doença seguida de outra, ele acabou descobrindo que eu estava com hipertireoidismo, tomei mil remédios, mas só quando fui ao centro, desmanchando um trabalho feito, é que comecei a melhorar de saúde, a engordar, ficar tranqüilo, corado, normal. A partir de 1968 os caminhos se reabriram, comecei a trabalhar outra vez, estava economizando dinheiro, cessaram todos os fatos negativos de qualquer espécie, físicos, emocionais, artísticos, profissionais, financeiros e automobilísticos. Passei a me sentir bem melhor a cada dia que passava. Até que, depois de um tempo, o Dr. Ivo me confessou: Mauro, eu fui seu médico, seu psiquiatra, seu amigo, seu conselheiro, fui tudo que podia ser pra você e seus problemas continuaram. No entanto, você agora é outra pessoa, depois que foi a esse lugar. Eu tenho que reconhecer isso. E olha que sempre fui absolutamente cético em relação a sessão espírita! Palavras de quem tinha se referido, meses antes, a um colega da faculdade de medicina que acabava com qualquer sessão espírita, sob a argumentação científica de que aquilo tudo não passava de uma grande bobagem. Mas a minha mudança tinha sido tão radical, tão saudável – eu tinha me transformado numa pessoa normal, corado, tranqüilo e robusto – que ele se convenceu de que algo de fantástico, de sobrenatural, tinha acontecido. Passados uns tempos, ele me chamou querendo saber se eu podia interceder junto àquela senhora: É que meu filho não está bem, não está estudando direito... Aquela senhora era a Irmã Madalena. Fui até ela, que recomendou ao menino uma novena para São Luiz Gonzaga, protetor dos estudantes, e tudo foi se normalizando. Porque a Irmã Madalena nem sempre mandava ir a um centro, muitas vezes sugeria novenas para santos católicos. Por exemplo, no caso de casais em dificuldades, pra São Tomás de Aquino, pros namorados, São Tarcísio, pra desmanchar os nós da vida, São Sebastião, pra pessoa perturbada, com má influência, São Miguel das Almas, pros endividados, Santa Edwiges, pra causa impossível, Santa Rita de Cássia, pros doentes, São Camilo, pra marido que bate em mulher, Santa Catarina, e assim por diante. Na novena, a pessoa, durante nove dias seguidos, faz preces com as próprias palavras, conversando com o santo, antes de um pai-nosso e uma ave-maria. E acende velas. Mas tem de ser nove dias seguidos, se interromper, tem de recomeçar. As pessoas tinham começado a comentar comigo: Até há pouco tempo você estava magro, pálido, cara de doente, a gente pensava até que você estava com câncer. E agora você está calmo, gordo, corado, o que houve? Eu contava o que tinha havido e o fato de começar a falar no assunto fez com que muita gente pedisse me leva lá. E eu os levei pra falar com Matias e Pedrinho Baiano, porque essas pessoas precisavam, como eu precisei. Mas houve um tempo em que fiquei fanático, exagerei, esquecia até de cuidar da família, da profissão, porque eu ia visitar muita gente necessitada de ajuda, teve até o caso de uma moça que fui ver na base da intuição e fiquei sabendo que ela já tinha sentado na janela duas vezes, querendo se suicidar. Cheguei com uma rosa vermelha, ela chorou e sossegou. Eu já tinha ido visitar Cacilda Becker também, levando-lhe uma flor de Irmã Madalena, uma entidade espiritual. Ela ficou tocada. E falamos de coisas espirituais, o significado de se oferecer uma rosa, para ter bons fluidos, boas vibrações. O Walmor estava por perto (ele é muito cético, pelo menos era, não sei se ainda é) quando ela me disse que ficou emocionada com a visita e que a rosa era uma beleza. Mas o mais interessante disso é que alguns anos depois, em meados de 1972, eu estava numa reunião lá na Irmã Madalena e uma vidente me falou assim: Olha, Mauro, quem está aí do seu lado é a Cacilda Becker. Ela está muito sorridente pra você, cheia de felicidade. Salve, Cacilda – eu disse. Porque, pra ter aparecido, ter participado de uma reunião, ela já deve ter evoluído lá no plano espiritual. Então me senti feliz, primeiro porque fui assim uma espécie de agitador espiritual dela e segundo porque ela estava numa reunião da Irmã Madalena, quer dizer, estava na corrente, devia estar na corrente. Tempos depois, já me preparava para voltar pro Rio, quando a Irmã Madalena me aconselhou a ficar em São Paulo. Mas fui voto vencido, Rosinha e os meninos queriam vir, viemos, em 1973. E aqui, na Rua Paula Freitas, 44, apartamento 102, em Copacabana, onde moravam 12 pessoas e mais um cachorro, começaram a acontecer coisas absolutamente estranhas. Fiquei pinel, tinha delírios, emudeci, quando as pessoas falavam, eu ficava tonto, dormia mal, tinha pesadelos. Acabei perdendo a noção de realidade e a capacidade de controle sobre mim mesmo. Ficava vivenciando todos os delírios e fantasias. Era como se você tivesse uma couraça e ela tivesse sido retirada, como se seu anjo-da-guarda tivesse abandonado você. Fiquei à deriva. Então, já pensando numa reciclagem, resolvi procurar o Hélio Pellegrino e fiquei uma hora e meia contando o que estava acontecendo. Você foi claro, eu entendi seu caso – ele disse. E não é de psicanálise que você precisa, é de remédio! Vou dar o nome de um neuropsiquiatra, vá procurá-lo, que ele resolve isso. Cheguei em casa tontinho e fui pro quarto, me refugiar. E dei um berro selvagem, como uma espécie de agressão às pessoas que eu julgava meus inimigos. A família toda veio correndo pra ver o que tinha acontecido comigo, que já andava meio estranho, muito quieto demais. O jeito foi dizer que aquilo era exercício vocal. E o alívio foi geral. Mas o quarto, que era refúgio, acabava me angustiando. Baratinei. E nem procurei o tal médico. Um passarinho voando, um esbarrão na rua, uma pessoa na janela, tinham significados misteriosos. Era época do universo racional e comecei a imaginar uma outra sociedade, da qual algumas pessoas faziam parte e eu não. Mas que sociedade, que grupo era esse, eu não sabia. Até que, através da Maria Inês Souto de Almeida, recebi um recado: a Fernanda Montenegro queria falar comigo. Liguei e fiquei sabendo que havia planos de fazer uma peça e tal, se eu podia ir até a casa dela no dia seguinte. Entrei em pânico. Porque meu pensamento era o seguinte: enquanto eu estivesse saindo com minha mulher e meus filhos, que eram protegidos da tal sociedade, não ia me acontecer nada. Quis que eles fossem comigo. Que é isso, Mauro, vai sozinho! Suando, o organismo completamente descontrolado, assustadíssimo, vi meu irmão me dando um adeus da janela, pensei, pronto, é que eu vou morrer mesmo, isso é uma armadilha, a nova sociedade não me aceita mais. E eu dirigindo um carro, nesse estado mental, indo da Rua Paula Freitas, em Copacabana, pela Avenida Atlântica, o Corte de Cantagalo, até a Rua Frei Leandro, na Lagoa, no trânsito complicado do Rio de Janeiro. Trêmulo, consegui chegar. E ouvi: São três personagens, é uma história muito bacana de Dürrenmatt... Eles nem precisavam falar nada, poxa!, fazer uma peça com Fernanda e Fernando, por mim já estava tudo certo, na ligação da véspera eu já tinha topado... Até porque estava parado. Rosamaria fazendo a novela Carinhoso, mas eu, pirado. Você está muito bem, Mauro! Por fora, Fernanda, por fora... Tempos depois ela me confessou que ficou impressionada. Porque estava desempregado, ia à praia todas as manhãs, então minha aparência, queimado de sol, era a própria negação do que estava acontecendo lá dentro de mim. Pelo meu bom aspecto, ninguém diria que eu estava muito mal por dentro. Além disso, a entonação que dei ao por fora mais parecia o eco fúnebre de uma catedral submersa... Começamos a ensaiar. Celso Nunes era o diretor. A peça mexia com o casamento, com a fé, com a religião, com uma porção de coisas. E como eu estava monossilábico, balbuciando as palavras, Fernanda falou: Mauro, você está projetando sua voz pra dentro! Vou indicar uma pessoa, uma fonoaudióloga, mas não se espante, porque ela é muito franca, o que tem de dizer ela diz, sem meias palavras. Telefonei e fui. Menos apavorado, com a certeza de que estavam adiando a minha morte. As primeiras palavras que ouvi de Glorinha Beutenmüller foram as seguintes: Você dorme mal e acorda pior ainda! Aquela mulher, pra mim, era a diaba, a feiticeira, era ela que ia me introduzir na nova ordem. Ninguém pode imaginar os nós que minha cabeça dava. Mas fui ouvindo o que ela dizia e fazendo o que ela mandava, embora meio relutante (sem sequer imaginar que, anos mais tarde, ela me ajudaria tanto na composição do persona-gem Teodoro Madureira, em Dona Flor e Seus Dois Maridos). Eu ainda não sabia que estava diante de uma pessoa altamente competente, extremamente capacitada, que tinha criado o método do espaço direcional, uma cientista que, através dos gestos e do som da voz de uma pessoa, descobre quase tudo dela. Até porque determinados problemas vocais não são apenas físicos, mas psíquicos. A maioria dos atores realmente sérios já tinham passado por ela, um pronto-socorro aparentemente só vocal, mas às vezes mais mental do que outra coisa. E a primeira coisa que fiz ao entrar de volta no meu quarto foi dar um berro, um grito primal que deve ter ecoado por Copacabana inteira. Os ensaios correram, estreamos em Brasília, no Teatro Villa-Lobos, dia 15 de março de 1973, e no Rio, na Maison de France, 12 dias depois. Eu, sobrevivendo. Ainda pinel, mas nem tanto quanto antes, pelo menos tinha Kurt, o personagem de Friedrich Dürrenmatt, pra me distrair. Seria Cômico Se Não Fosse Sério era o título da peça, mas bem que poderia ser uma síntese do que estava acontecendo comigo. Uma atuação inconsciente, mecânica, a minha, como se um robô estivesse em cena, tal o processo depressivo delirante que eu vivia. Eu, um pedaço de algodão ao vento, fazendo papel de amante. Que porcaria de amante que eu devo ter sido! Nem sei o que foi falado, não tenho críticas dessa peça, só sei que não fui malhado. Mas agora, mais de 30 anos depois, vou tentar ter acesso ao que o Gilberto Braga – quando ainda era o crítico de teatro Gilberto Tumcitz – escreveu no jornal O Globo. E como as sessões eram de quinta a domingo, me mandei pra São Paulo numa quarta-feira, fui ver a Irmã Madalena, chorei, só sei que voltei pro Rio mais leve e, no dia seguinte, tive uma interpretação bem melhor. Fernanda até comentou: Você esteve muito bem, hoje! Na verdade eu estava mais aliviado, descarregado. E fui tocando o barco. Ele é uma pessoa que sempre se aprimorou, pela vida afora. E participou de muitos espetáculos importantes que estão na História do Teatro Brasileiro. É um homem sensível, aplicado, que busca a perfeição em seu ofício. Fernanda Montenegro Acabei indo até o centro do Herivelto Martins, a Cabana de Pai Cipriano das Almas, em Realengo. Na verdade, quem freqüentava era a Rosamaria – pelo menos foi lá algumas vezes – por orientação da Irmã Madalena. Houve também alguns trabalhos de cachoeira aqui perto. Mas uma vez, na casa dele, na Urca, Pai Cipriano, incorporado em Lourdes Torelli, mulher de Herivelto, me disse simplesmente o seguinte: Zi fio tá com problema muito sério. Só zi fio sabe... Nem os seus de sangue sabem o que está acontecendo... Era o Preto Velho falando pra mim. ...Nem parente de sangue sabe o que zi fio tem... Mas vai ficar tudo fromoso, viu zi fio ? Deu um passe e me mandou tomar uns banhos de mar. Poucos dias depois, eu, Rosamaria e Ana Beatriz conversando, ela me diz: Eu tenho nota-do você meio estranho. Você era conversador, agora anda quieto demais... Olha, uma amiga minha teve uma coisa parecida com essa que você está tendo agora. Era um processo depressivo, ela foi a um médico e se curou. Você não quer procurá-lo, não? Era o Dr. Cláudio Lins, na Rua Conde de Irajá e tal, um neuropsiquiatra. Fui até ele e, durante quase três horas, contei o que estava se passando comigo. Falei, falei, falei, falei... E ele disse: Você está com um problema depressivo, manias delirantes. Mas eu vou curar isso. Tome esse remédio aqui, esse outro aqui... Fui tomando. Mantive os contatos com ele, comecei a dizer as coisas mais claramente e ele de fato me curou. Era uma tremenda depressão. Aí veio o convite para fazer O Espigão, de Dias Gomes, ao lado de Rosamaria, mais Betty Faria, Milton Moraes, Cláudio Marzo, Débora Duarte, Ary Fon 166 toura, Suzana Vieira, Carlos Eduardo Dollabela, Milton Gonçalves, Mário Lago e Suely Franco. Além de o salário ser bom, o fato de participar pela primeira vez de uma novela completa, na Globo, foi importantíssimo pra mim, pra consolidar minha cura. Além disso, eu finalmente estava morando com minha mulher e meus filhos, só nós, imagina a felicidade que foi! E meu personagem fazendo sucesso, o Donatello, aspone – assessor de porcaria nenhuma – de um incorporador imobiliário sem nem sombra de qualquer sinal de escrúpulo, interpretado pelo Milton Moraes. Foi o Grande Otelo quem me deu a medida do que estava acontecendo: Você, hein, chega de mansinho e já tomou conta da novela! Foi gostoso fazer o Donatello, até porque o personagem tinha um pouco do que eu sugeria, foi o próprio Dias Gomes quem me disse. Depois ele ficou sabendo que eu cantava e comentei que seria engraçado se o Donatello, na noite de núpcias, resolvesse soltar a voz. Pois isso virou meio marca registrada e funcionou muito bem. Era 1974 e começava minha carreira na Globo. Logo me chamaram para participar de O Rebu, do Bráulio Pedroso, ao lado de Ziembinsky, Lima Duarte, Bete Mendes, Isabel Ribeiro, Edson França, Buza Ferraz, Rodrigo Santiago, Carlos Vereza, José Lewgoy, Arlete Salles, Maria Cláudia, Yara Côrtes, Felipe Wagner, Regina Vianna, Ruth de Souza, Marília Branco e Tereza Rachel, contando a história de um assassinato durante uma noitada de gala numa mansão elegante, contada em três estágios que se intercalavam, o dia da festa, os dias seguintes e os dias anteriores, em flashback. E eu, felizmente, recuperado, tranqüilo, decorando fácil, com uma imagem muito boa, absolutamente galã. Mas, como comecei a engordar um pouco, e o Dr. Cláudio me receitou um outro remédio. Quando li o nome... Hummmm, é esse, é isso... O mesmo moderador de apetite que o Dr. Ivo tinha me indicado. Eu não vou tomar isso, não... Aquele remédio que tinha me desestabilizado. Finalmente matei a charada, depois de ter sofrido tanto, ter tomado essa lição, feito essa revisão interna, isso que eu chamo de verdadeiro exorcismo, embora a medicina chame de depressão. Tinha se misturado tudo em mim, o lado pessoal, o espiritual, o familiar, o profissional, o sentimental, foi dose cavalar. Mais tarde procurei um analista da escola de Wilhelm Reich e contei o que tinha se passado comigo. Ele: Mas você foi ao inferno! Eu tinha ido ao inferno, mesmo. Isso tudo me amadureceu muito, me deu mais humanidade, mais compreensão das pessoas e das coisas. E à medida que eu pude me recuperar, talvez tenha me tornado um pai melhor, menos tirânico... Há males que vêm para o bem... Passei por essa dor imensa, sublimei esse sofrimento, e isso me deu mais humildade. Não quero dizer que tenha me purificado, ainda carrego meus defeitos, mas tenho muito mais cuidado com eles, muito mais controle sobre eles. Cuidado e controle sobre os limites das possíveis qualidades, também. E, posso falar disso tudo com a maior tranqüilidade, olhando para esse passado com serenidade. Porque, afinal, essas dores passaram. Entre 1976 e 77, eu estava fazendo Estúpido Cupido, de Mário Prata, relembrando a juventude dos anos 60, com uma candidata a Miss Brasil e tudo, ao lado de Françoise Forton, Ricardo Blat, Ney Latorraca, Djenane Machado, Luiz Armando Queiroz, Elizabeth Savalla, Nuno Leal Maia, Leonardo Villar, Maria Della Costa, Marilu Bueno, Oswaldo Louzada e Célia Biar. Eu era o delegado Siqueira. A próxima atração foi Espelho Mágico, de Lauro César Muniz, em 1977, onde eu era Nelson Novaes, personagem bem podado pela censura, numa história sintetizando o mundo da comunicação, ficção e realidade, uma novela dentro de outra, onde eu era gloriosamente disputado por duas mulheres, Vera Fischer e Pepita Rodrigues. Em 1978, Dancin’ Days, de Gilberto Braga, eu outra vez entre duas mulheres, Joana Fomm e Sonia Braga, pra terminar com a Danuza Leão. Tudo embalado pelo ritmo de discoteca, então em moda. Em Te Contei, eu ficava entre Maria Della Costa e Ilka Soares. Quer dizer, uma fase excelente, com parceiras maravilhosas. Em 1979, Feijão Maravilha, outra do Bráulio Pedroso, uma proposta de brincar com as chanchadas da Atlântida, com Lucélia Santos, Marco Nanini, Stepan Nercessian, Felipe Carone, Cazarré, Walter D Ávila, Brandão Filho, Ivon Curi, Grande Otelo, Anselmo Duarte, Eliana, Adelaide Chiozzo, José Lewgoy como o vilão Ambrósio e eu como Mr. Ziegfeld. Apesar de saber que estava atingindo 30 milhões ou mais de pessoas e que isso é impossível em teatro, mesmo que um ator viva 200 anos, havia em mim uma permanente saudade do palco, meu berço esplêndido, então a vontade de voltar era constante. Constante e tão presente que de vez em quando me lembrava de uma certa noite, depois que Franco Zampari me deu o imenso prazer e a grande honra de ser apresentado a Cacilda Becker. Eu tinha assistido uma comédia na qual ela estava atuando, Filhos de Eduardo, e depois da representação, quando fui cumprimentála, participei de uma cena, real e insólita, que ficou gravada em mim para o resto da vida. Na porta do camarim superlotado, Rubens de Falco, Leonardo Villar, Jorge Chaia, Benedito Corsi e Ziembinsky, que me olhou firme e disse: Você sabia que todo ator, para ser verdadeiramente um grande ator, tem de dar a bunda? Fiquei chocado, paralisado, sem saber o que dizer. Era a pergunta mais embaraçosa que até então eu tinha ouvido na vida. Calouro, na profissão e naquele grupo, não entendi absolutamente nada. E, mineiramente, fiquei em silêncio, sem saber se respondia ou partia pro pau. Preferi falar que essa não era a minha ou coisa parecida. E diante do constrangimento geral, acho que foi o Jorge Chaia quem tentou amenizar a situação: Ziembinski, o rapaz está chegando agora, o que é que ele vai pensar? Algum tempo depois me disseram que aquilo tinha sido brincadeira dele. Acontece que, à luz da mineirice, acho que às vezes é brincando que se diz aquilo que a gente pensa. Mas nunca pude comentar isso com ele, quando trabalhamos juntos. O tempo amenizou o acontecido e o episódio perdeu a importância. Capítulo V A Bolsa da Nathália, o Doce Pássaro e o Amargo Kowalski Mais uns dias e o Armando Pascoal me dizia: A temporada de Filhos de Eduardo está terminando, eles vão para o Rio, e o TBC, antes da Casa de Chá, vai montar uma outra peça. Quem vai dirigir é o Kusnet. O protagonista será o Maurício Barroso, e as atrizes, Célia Biar, Nathália Timberg e Elizabeth Henreid. Mas tem um papel que querem que você faça. Era um garçom que entrava em cena e dizia uma pequena e única frase: Cárpano, Vermute ou Cinzano? No entanto, não sei por que motivo, que tipo de inflexão eu usava, sei é que a platéia dava muita risada. O Maurício Barroso até falou (de uma forma simpática, não agressiva, foi um comentário, de certa forma uma espécie de elogio até): Poxa, tenho piada o tempo inteiro, chega esse rapaz, diz três palavras, e é a maior gargalhada da peça inteira! E eu ali, toda noite, perguntando: Cárpano, Vermute ou Cinzano? Existe uma tradição em teatro, a pergunta: Como é que você estreou? E a resposta: Ah, eu comecei carregando uma bandeja. Pois eu estreei, classicamente, carregando uma bandeja! Tudo corria muito bem pra mim, mesmo no dia em que entornei a tal bandeja na roupa da Elizabeth, ela me deu uma bronca em cena e passei a maior vergonha. Afinal, O Sedutor, de Diego Fabri, um autor italiano, era minha primeira experiência profissional no palco. As críticas não foram muito boas, em compensação houve uma cena real, maravilhosa, fora do palco, no dia da estréia, 12 de janeiro de 1956. Eu tinha uma entrada só, então ficava nos bastidores um tempo enorme. De repente, vi um estranho por perto, me olhando meio assustado, de um jeito que me pareceu bastante suspeito. Os camarins do TBC ficavam dos dois lados de um corredor comprido, debaixo do palco. A ligação entre os camarins e o palco era feita por uma escada e, debaixo dela, havia um banheiro. O sujeito entrou lá. Aí, eu, mineiro velho, garotão sagaz, me levantei, fingi que subia a escada, com passos imaginários, fiquei olhando, pela fresta, e vi a sombra dele caminhar em direção aos camarins. Fui pé ante pé e peguei o homem com a mão na botifa dentro da bolsa da Nathália. Agarrado a ele, pedi a alguém que chamasse a polícia, veio um maquinista, me ajudou a segurá-lo. Era um daqueles famosos ratos de teatro. O Lima Barreto, cineasta, diretor de O Cangaceiro, apareceu e me perguntou se eu tinha certeza. Ora, eu vi o cara com a mão na massa, minha convicção era total! Tanto que depois, pelo delegado, a gente ficou sabendo que se tratava de um marginal já conhecido, que entrava nos teatros assim como quem não quer nada, pra roubar os camarins. Pois no dia seguinte, Mattos Pacheco, um irreverente, mordaz e temido colunista – que Deus o tenha, tinha mais inimigos do que amigos na classe teatral paulistana da época – escreveu uma nota altamente venenosa: É preciso falar de Mauro Mendonça, que estreou numa ponta dizendo o pior texto da peça. O importante mesmo que ele fez foi fora do palco: surpreendeu um ladrão roubando a bolsa de Nathália Timberg no camarim dela. Não deixa de ser uma estréia sensacional e, talvez, o fato mais importante ocorrido ontem no teatro da Rua Major Diogo. Eu tenho esse recorte até hoje! O pobre Kusnet ficou arrasado com as críticas nada favoráveis a O Sedutor. Fiquei triste também, afinal ele era meu paizão teatral. Mas, enquanto isso, comecei a ficar bem chegado, muito amigo, do pessoal do chamado Elenco A do TBC. Já fui considerado meio malucão, em São Paulo, criei até a fama de agressivo e criador de casos, naqueles dias. Acontece que eu tinha mesmo um jeito meio agressivo de reivindicar, talvez baseado num conceito rígido de correção, de honestidade, então dizia as coisas com absoluta clareza e honestidade. Isso chocava. É que eu tinha meu caminho e quem ficasse na frente eu derrubava. Alguns colegas – depois fiquei sabendo – comentavam que eu ficava doido em cena. Só que, no fundo, todos respeitavam, quando eu estava assim. Quando eu saía do palco era uma coisa terrível, porque estava absolutamente eriçado, os nervos esticados até o limite. Se alguém me dissesse alguma coisa, eu tinha uma reação ou uma resposta explosiva, abrupta. Claro que as pessoas achavam isso ruim. É que eu não desligava imediatamente. Ora, eu tinha estado em cena num estado emocional imaginário, mas estava num estado emocional! E saber desligarse, só o tempo ensina. Em 1960, tinha deixado, amigavelmente, o TBC depois de uma pequena participação como Trillini, em Quando Se Morre de Amor, onde tive a chance de pôr em prática alguns ensinamentos de Stanislawski. Serviu ainda para me dar um certo equilíbrio artístico, além de aguçar-me o desconfiômetro, pra medir minhas limitações. Embora, na ocasião, eu estivesse partindo para um gigantesco desafio: assumir o papel principal de Plantão 21, à frente de um elenco de quase 40 atores, a convite de Ademar Guerra, do Pequeno Teatro de Comédia, de Armando Bógus, Nagib Elchmer, Felipe Carone e Antunes Filho. Uma montagem grandiosa, num cenário glorioso, em dois andares, de Túlio Costa reproduzindo a delegacia de polícia de um bairro pobre de Nova Iorque. A oferta era irrecusável: de 18 mil cruzeiros, eu passaria a ganhar 25. Mas era trocar o certo, TBC, pelo duvidoso, PTC. A hesitação durou só um minuto, como acontece a todo bom ariano. Tudo na vida resolvi assim, no corte rápido, me separar de meus irmãos, desistir do vestibular de Direito para estudar teatro, trocar o Rio por São Paulo, fazer análise, casar, e, naquele dia, largar uma carreira certa e tranqüila no TBC. Quem fazia o papel era Jardel Filho. Eu soube que no dia da estréia houve uma festa na casa do Carone, que acabou tarde, mas eles queriam esticar e foram até o restaurante Parreirinha, aberto dia e noite, para esperar o Estado de S.Paulo chegar às bancas, com a crítica do Décio de Almeida Prado. Jardel meteu-se em uma briga com o cozinheiro e, na confusão, o guarda que veio prendê-lo, quebrou-lhe a cabeça. A peça saiu de cartaz no dia seguinte. E enquanto resolviam o que fazer com Plantão 21, remontaram Alô 36-5499, do Abílio Pereira de Almeida, que tinha saído com casas cheias. Até o Ademar Guerra me chamar. Ele já era um ator de verdade, mas ainda não tinha nome nenhum. Hesitou, claro, ia entrar numa substituição, sem garantia de continuidade, sem segurança alguma, mas acabou topando a parada e entrando no lugar de Jardel brilhantemente. Ademar Guerra Era 1960 e, sinal dos tempos, a platéia ficava escandalizada com um palavrão do texto, termo que hoje está até em capa de livro: puta. Uma época cheia de contradições hipócritas, em que o título de um filme baseado em obra de Sartre chamada La Putaine Respecteuse foi traduzido para A P... Respeitosa, embora Leonardo Villar e Egídio Eccio se beijassem todas as noites no palco do TBC, em Panorama Visto da Ponte. Eu estreei impondo emoção demais ao personagem, imprimindo talvez doses exageradas à figura do Detetive MacLeod, cujo problema era que a mulher dele tinha feito um aborto. Depois fui equilibrando, limpando aquilo que estava over na interpretação. Mas, se por acaso caísse uma cadeira em cena, fora da marcação da direção, eu imediatamente pediria para alguém botar ela de pé novamente. Mais uma vez Stanislawski: a ação que acontecer no palco, sem querer, fora do que estava previsto e ensaiado, pode ser transformada numa ventilação da cena. Entretanto, os atores caíam na risada. E tinha aqueles – me contaram – que faziam coisas exageradas só pra me provocar. Porque eu estava ainda me iniciando no método de vivenciar o personagem. Estava apaixonado pelo teatro e o sujeito apaixonado é meio cego. Então não via malícia nos outros. Ainda bem que uma noite ouvi o seguinte: Você não tem idéia do que fez no palco, hoje! A frase, do Roberto Freire, me deu a dimensão de como estava sendo bom o meu desempenho. Uma proeza. Afinal, o trabalho do Jardel tinha sido superelogiado pela crítica. Mas desde a minha entrada no papel, as casas estiveram sempre lotadas. Era um grande sucesso. Minha decisão tinha valido a pena. Estava aberto meu caminho para Doce Pássaro da Juventude, como Chance Wayne – que Paul Newman estava fazendo na Broadway – protagonista masculino da peça de Tennessee Williams, ao lado de Glauce Rocha como a Princesa Kosmonópolis, no Teatro Maria Della Costa. Consta que não foi uma escolha fácil, porque o personagem era um homem belíssimo. Eu era pesado e peludo, mas Ademar Guerra apostou no que ele chamava de bonito por dentro. Na dúvida, resolveram clarear um pouco meu cabelo, pelo menos. Durante muito tempo, Ademar lembrava, rindo, que a montagem foi um fracasso (naqueles bons tempos, fracasso era quando os corredores laterais não se enchiam de cadeiras extras): lotava só às sextas, sábados e domingos, de terça a quinta dava apenas 300 espectadores. Mas o que Doce Pássaro teve de melhor foi a confirmação da idéia que eu já tinha sobre o Mauro: um ator muito bom e, melhor ainda, extremamente disciplinado, humilde, disposto inclusive a se submeter à direção de alguém como eu, que estava começando. Ademar Guerra Desde então, trabalhamos muito, juntos, inclusive na televisão, que eu fazia pouco. Não por espírito de panelinha, mas porque a alma do teatro é a emoção, e nós dois, Ademar e eu, éramos afinados. Ainda em 1960, eu faria o John Proctor de As Feiticeiras de Salem, dirigido pelo Antunes Filho, que tinha acabado de chegar da Europa, graças a um Prêmio Molière. Foi o primeiro diretor que voltava de lá enlouquecido, pelo menos era o primeiro com o qual eu trabalhava. Depois eu encontraria outros, mas o primeiro é sempre mais traumático, a gente não esquece. Antunes falava muito de um francês, Planchon, de Brecht e do Berliner Ensemble. Ainda engatinhando em Stanislawski, eu tinha de pegar umas apostilas, estudar, entender e digerir Brecht, por exemplo. Então fazer Arthur Miller criou muita confusão. Porque ao imaginar um trabalho absolutamente crítico e distanciado, ele fundiu algumas cucas, inclusive a minha. O resultado, claro, foi insatisfatório, tanto de crítica como de público. Eu sempre fui louco e acredito em qualquer jovem, até prova em contrário. No caso do Mauro, ele provou que eu estava certo em acreditar no seu potencial, porque revelou-se um grande profissional, um ator excepcionalmente bom. Antunes Filho E, um ano mais tarde (depois de Sem Entrada e Sem Mais Nada, de Roberto Freire, com um cenário exuberante de quatro andares e mais de 30 pessoas em cena, inclusive eu) o PTC, Pequeno Teatro de Comédia faliu. O crítico Décio de Almeida Prado chegou a dizer que tinha havido um equívoco no nome da companhia, porque nada que Antunes Filho fazia era pequeno, tudo era colossal. Na verdade, Sem Entrada e Sem Mais Nada, que estreou em abril de 1961 em São Paulo, foi um fracasso colossal. Dois anos depois eu estava em Um Bonde Chamado Desejo, no Oficina, a convite de Augusto Boal. Levando em consideração as inevitáveis comparações com Marlon Brando, que fazia o mesmo papel no cinema, minha interpretação de Stanley Kowalski teve muito boas críticas. Mas o melhor dessa temporada foi a notícia do nascimento de meu primeiro filho, João Paulo, na Casa de Saúde São José, no Rio, pelas mãos santas do tio de Rosamaria, Dr. Carlos Hastings de Melo. Recebi a maravilhosa notícia por meio de um bilhetinho que Maria Fernanda me pas-sou, em pleno palco e tive de fazer um grande esforço para me controlar e levar a peça até o fim. Só pude soltar a emoção que estava sentindo, quando a peça terminou e, outra vez, Maria Fernanda anunciou a novidade, publicamente, para a platéia, que aplaudiu muito, com direito até a parabéns pra você. Aí fiquei sabendo que os propagandistas, meus ex-colegas, estavam ganhando muito bem, 150 mil cruzeiros – e os inspetores, de 180 a 200 mil – em comparação com os salários nossos, de atores. Eu recebia 35 mil como Kowalski (e Maria Fernanda 50 mil, como Blanche Du Bois), enquanto um auxiliar na farmácia da esquina ganhava 45 mil. Entrei em parafuso. E fui conversar com o John Herbert, que era sócio da Associação Brasileira de Atores de Cinema. Ele foi muito legal comigo, intercedeu, como se fosse meu empresário, e acabei sendo aumentado para 47 mil e 500. Já melhorou um pouquinho. Mas me lembrei dos antigos companheiros da Pfizer e fui até uma agência de propaganda onde Juca de Oliveira e Gianfrancesco Guarnieri tinham trabalhado, a Rino Publicidade. Na função de contato, a tarefa que me coube foi a de buscar anúncios relativos ao 25º aniversário de A Gazeta Esportiva. Peguei as Páginas Amarelas e pesquisei os endereços de lojas especializadas em material ligado a esportes, fabricantes de troféus, bolas, chuteiras, tênis, acabei indo até em metalúrgicas que fabricavam arame para alambrado de campo de futebol. Durante três meses, rodei São Paulo inteiro, Lapa, Jabaquara, Brás, Mooca, Penha, Butantã, Freguesia do Ó, o diabo, onde houvesse uma fabriqueta, um revendedor, lá estava eu. Resultado: consegui vender duas páginas e meia, quase três, de gente saudando publicitariamente aquele tradicional jornal de esportes. Acabei encontrando pessoas maravilhosas, figuras incríveis. E fiquei conhecendo a cidade como a palma da minha mão. De volta à agência ouvi: Mas... Só isso? Charme do dono da agência. Malandragem. O tom de voz era de tristeza, mas pra enganar trouxa. Eu tinha conseguido uma coisa espantosa, segundo me disse depois um outro contato, que já conhecia os truques de lá. Mas tudo bem, porque o Alberto D’Aversa me salvou, chamando pra fazer Seara Vermelha, adaptação para cinema do romance de Jorge Amado e receber 200 mil cruzeiros. Gritei obaaaa e parti pra Joazeiro da Bahia, onde ganhei de prêmio mais uma dose de esquistossomose e recebi um telegrama da Rosamaria dizendo que a TV Excelsior estava interessada em nós dois. Voltei de lá devidamente macumbado – sem saber, claro – mas com um contrato de dois anos e salário mensal de 180 mil cruzeiros – que, corrigidos, chegaram a 250 mil – esperando minha assinatura. (Rosa assinou por 150 mil), seis meses depois passou para 180 e, no segundo ano do contrato, para 250. Dava até pra comprar carro, um possante Volkswagen alemão, dourado, estofamento verde, que a gente chamava de Pátria Amada. Aí já dava até pra ter mais filho, então Rodrigo e Maurinho nasceram, também cariocas. Era 1963 e eu estava na TV Excelsior de São Paulo, participando do elenco de duas novelas, Aqueles Que Dizem Amar-se e Corações em Conflito. Em 1964, mais duas, Os Irmãos Pereira e Uma Sombra na Minha Vida. E, em 1965, outras quatro, Eu Quero Você, como assistente de direção do Walter Avancini, Ontem, Hoje e Sempre e Aquela Que Deve Voltar, como diretor, além de A Grande Viagem, voltando como ator. Tinha havido uma virada. Os salários subiram igual foguete e nosso poder aquisitivo, claro, subiu junto. Os maiores salários da televisão naquela época somavam 50, no máximo 60 mil cruzeiros, Lima Duarte, Glória Menezes, na Tupi. E a Excelsior vinha com 180, 200, 250, 300 mil na mão! (Saí de lá ganhando – embora não recebendo – 600 mil). Era salto triplo de Ademar Ferreira da Silva. E tudo com grandes planos na retaguarda, inclusive o Teletatro 63, com Túlio de Lemos e Walter George Durst como autores. Tinha o Teatro 9, anunciado como tentativa de criação de uma dramaturgia brasileira de televisão. A proposta em si já era motivo de estímulo. E a iniciativa acabaria lançando pelo menos dois autores de talento, então desconhecidos: Lauro César Muniz e Walter Negrão. Ao lado de autores consagrados e que também colaboravam, Jorge Andrade, Roberto Freire, Gianfrancesco Guarnieri, Marcos Rey, Antonio Callado, Dias Gomes, Lygia Fagundes Telles e Oduvaldo Viana Filho. Um timaço. Incluídas no projeto, adaptações de obras literárias de Machado de Assis, Gonçalves Dias, Martins Pena e Aluízio de Azevedo. Alto nível. Diretores: Flávio Rangel e Ademar Guerra. Além de um elenco variado, pela ordem alfabética: Célia Biar, Cleyde Yáconis, Elísio de Albuquerque, Eugenio Kusnet, Felipe Carone, Flávio Migliaccio, Glauce Rocha, Juca de Oliveira, Leonardo Villar, eu, Milton Gonçalves, Nathália Timberg, Raul Cortez, Rosamaria Murtinho e Stênio Garcia. Na programação, Tarcísio Meira e Glória Menezes em 25944 Ocupado, a primeira novela diária, dirigido pelo argentino Tito di Miglio, que Dulce Santucci havia adaptado de um original também argentino de Alberto Migré. Acontece que quase todos nós já tínhamos uma posição definida em teatro, Armando Bógus, Fúlvio Stefanini, Jairo Arco e Flexa, Geraldo del Rey, eu, e outros, que nos reuníamos todas as noites ao redor de uma mesa do velho restaurante Giggeto, na Rua Nestor Pestana, numa casa enorme em frente ao Teatro Cultura Artística. E toda noite o tema em discussão era o mesmo: Vocês são malucos... Fazer novela, essa subliteratura... O comentário era esse. E com direito a cobrança. Vocês não têm vergonha, não? Era um elitismo deslavado, um preconceito explícito do pessoal de teatro contra a televisão e, principalmente, contra a novela. Contudo, eu, apesar de ser ator de teatro, tinha um motivo mais do que suficiente para não pensar assim: meu padrão de vida, nosso – da Rosamaria junto – tinha mudado. Inclusive o nosso endereço também era outro, de um pequeno apartamento na sobreloja de um estofador na Rua João Passalacqua, no Bexiga, fomos para uma casa com quintal na Rua Nhambiquaras, em Indianópolis. E foi isso que, pouco a pouco, amenizou a fúria antieletrônica daquela gente. Porque, automaticamente, os que ainda não estavam fazendo novela, foram sendo chamados também. E, docemente constrangidos, mas regiamente recompensados, mudavam de opinião. Ainda bem, porque Ivani Ribeiro – pseudônimo de Cleyde de Freitas Alves Ferreira – experiente autora de histórias radiofônicas, já tinha começado a escrever para a TV Excelsior a primeira superprodução no gênero, em 1965: A Deusa Vencida, com Glória Menezes, Tarcísio Meira, Edson França e a estreante Regina Duarte. E, um ano depois, ela seria a responsável pela primeira novela com texto brasileiro: Ambição – na qual eu fazia um vilãozinho, o Doutor Ulisses – focalizando o cotidiano de uma família de classe média com seus acertos e desacertos. Um dia, no meio da novela, o Dionísio de Azevedo foi ao noticiário do Kalil Filho, um Jornal Nacional da época, e convidou o público a ajudar na figuração de um casamento que ia acontecer na história. Simplesmente a igreja da Consolação superlotou, o trânsito nos arredores ficou engarrafado, nós todos tivemos de sair de radiopatrulha e fomos parar no parapeito do Teatro Cultura Artística, com a multidão toda lá, gritando o nome dos personagens principais. Tudo no Canal 9 de São Paulo, onde, em 1964, a Rosamaria era uma empregada doméstica que mantinha um romance afetivamente incorreto com o filho do patrão, interpretado pelo Hélio Souto, em A Moça Que Veio de Longe. Um sucesso tão estrondoso que resolveram comemorar o último capítulo à altura, programando três grandes festas populares, com a presença do casal principal. A primeira, em São Paulo, lotou o estádio do Pacaembu; a segunda, parou Ipanema, interrompendo o trânsito na Rua Visconde de Pirajá em frente à TV Excelsior do Rio (onde tinha funcionado o Cinema Astória) e, a terceira, na praia do Gonzaga, em Santos, que juntou mais gente do que um histórico comício de Luís Carlos Prestes tinha conseguido, anos antes. Essa era a TV Excelsior. Através dela, o Brasil tinha entrado na Idade da Tela. E estava começando a se encerrar o ciclo Glória Magadan, autora de uma frase no mínimo emblemática: Meu ofício é fabricar evasão! Confesso que fui meio visionário. Eu falava assim, pro pessoal de teatro: Olha, nós perdemos o mercado de trabalho de cinema. A Vera Cruz ea Maristela faliram. E a televisão é exatamente uma abertura de mercado, pode dar trabalho pra muita gente. Ali pode, realmente, estar nosso futuro. A reação era: Que nada... Que futuro o quê... Isso é passageiro, vai acabar logo, como a Vera Cruz acabou! A telenovela ainda era discriminada. Para um ator de palco, aderir ao gênero era se prostituir. Mas eu já tinha aderido, depois de sentir os primeiros resultados na própria pele, aliás, no bolso também. Daquela turma de palco, só eu acreditava no novo veículo, inclusive, que o nível das novelas fosse melhorar. Na verdade, a qualidade na feitura das novelas foi melhorando mesmo, pouco a pouco. Começaram a fazer adaptações de romances clássicos, escritores já aceitavam as propostas de trabalho, até que em 1968, no meio (antes e depois) de dramalhões exóticos como O Direito de Nascer, Paixão de Outono, Eu Compro Essa Mulher, O Sheik de Agadir, O Rei dos Ciganos, A Sombra de Rebeca, A Rainha Louca, Sangue e Areia, O Santo Mestiço, O Passo dos Ventos, A Gata de Vison, A Última Valsa, Rosa Rebelde, A Ponte dos Suspiros, A Cabana do Pai Tomás, et cetera, surgiu aquele que eu considero o primeiro persona-gem realmente brasileiro, um marco histórico: o Beto Rockefeller, do Bráulio Pedroso. Cinco anos antes do Beto, entrava no ar a campanha Eu Estou no 9, que era o número do canal da TV Excelsior. Tudo bem, eu também estava no 9, porém, completamente despirocado, magérrimo, criando um caso atrás do outro, experimentando dirigir novelas quatro vezes, mas não gostando daquilo. Não gostando também das histórias que tinha de participar como ator, detestando os enredos e os papéis que me davam, louco pra deixar de fazer televisão. Só quero saber de teatro! Fiquei lá até 1965, um ano antes da Excelsior lançar Redenção (adaptação de uma história de Raimundo Lopes sobre o cotidiano de uma cidade do interior paulista, transmitida em 1957 pela Rádio Mayrink Veiga), um tipo de épico caipira, como alguém a chamou, gravada na primeira cidade cenográfica da TV brasileira, erguida em São Bernardo do Campo com réplica de estação ferroviária e tudo. A previsão era de 100 capítulos, segundo o contrato com a Gessy-Lever, mas a novela foi esticada para 596 capítulos, ficando no ar de 16 de maio de 1966 até 2 de maio de 1968, recorde de persistência, de fidelidade do público. E como telespectador também tem imaginação, acabou inventando uma história paralela: um ator, abstêmio, que fazia o filho bastardo e renegado do prefeito, criado por uma cigana, e por isso chegado a um gargalo, depois de beber durante tanto tempo, acabou alcoólatra, na vida real... Em 1966, o Zé Celso tinha me chamado para participar da Campanha de Salvação do Grupo e para participar de montagens retrospectivas deles, depois do incêndio que destruiu o Teatro Oficina. Aquele pessoal ainda dava valor a Stanislawski e ao Eugenio Kusnet, que ensinou o método a todos eles. Então participei de A Vida Impressa em Dólar, no papel de Moe Axelroad, no auditório da sede da Federação Paulista de Futebol. Em seguida, Andorra, também dirigido pelo Zé Celso, no mesmo espaço, depois na Maison de France, no Rio. Eu fazia um soldado e a minha crítica cênica aos militares tinha um retorno enorme. Em crítica no Jornal do Brasil, Yan Michalski escreveu: Em destaque, o desempenho de Mauro Mendonça, pela sua comunicabilidade histriônica e pelo extraordinário efeito crítico da abjeta figura do soldado, que compõe com admirável vulgaridade. Passada minha fase pessoal negativa, voltei para a Excelsior, em 1968, quando ela estava verdadeiramente lançando a telenovela no Brasil. Peguei a grande virada da televisão. Aí aconteceu o que sempre considerei um divisor de águas na minha carreira: A Muralha, adaptação de Ivani Ribeiro do romance de Dinah Silveira de Queiroz contando a Guerra dos Emboabas, acontecida em São Paulo de Piratininga, em conseqüência da ambição de aventureiros portugueses e brasileiros do Norte que tentaram se apoderar de terras e minas conquistadas pelos bandeirantes paulistas, um dos quais, Dom Braz Olinto, que eu interpretava. A novela mais cara produzida no Brasil até então: 200 mil cruzeiros novos mensais. E a mais premiada da temporada. Dezenas de figurantes, cenas externas, cenários fiéis à época, mais de 100 figurinos e um elenco que tinha Fernanda Montenegro (Mãe Cândida), Nathália Timberg (Basília), Nicette Bruno (Margarida), Gianfrancesco Guarnieri (Leonel), Paulo Goulart (Bento Coutinho) e Rosamaria Murtinho (Isabel, de cabeleira negra, lentes de contato azuis e um filhote de onça a tiracolo, uma semi-selvagem, órfã de um bandeirante que tinha morrido no sertão, solitária, agressiva, que preferia a companhia dos índios, quer dizer, um papel oposto ao das moças meigas e sonhadoras que tinha feito até então). E eu, de cabeleira, bigode e longas barbas brancas, tudo postiço. Mas, logo que me olhei no espelho pela primeira vez, acreditei naquele personagem. Hoje, com essa alta resolução da imagem, aquele Dom Braz ficaria meio ridículo, mas a cor nem tinha chegado ainda e, em preto-e-branco, certos defeitos de caracterização nem eram percebidos. Pena que a emissora estivesse começando a entrar na fase de decadência pré-falimentar e quem pôde ir para a TV Tupi, foi, quem pôde vir para a TV Globo, veio. Regina Duarte, Cuoco, Glória e Tarcísio vieram. Rosamaria e eu ficamos em São Paulo, fazendo O Preço, de Arthur Miller – pela primeira vez juntos em cena – ao lado de Jaime Barcellos e Luís de Lima, que também dirigiu a montagem. Uma produção independente de Antonio Abujamra e Roberto Vignatti. Peça extraordinária, trabalho de mestre, na linha divisória entre o drama psicológico e o melodrama doméstico, que o autor preferia chamar de dramaturgia social. Obra exemplar onde valia o que se dizia, não o que se fazia, os diálogos sobrepondo-se à ação, a palavra sobrepujando o gesto, quando dois irmãos que pouco se viram durante 15 anos, voltam a se encontrar em plena crise econômica dos Estados Unidos e, separados por uma barreira de velhos ressentimentos, travam uma das mais intensas batalhas verbais do teatro contemporâneo. Embora não fosse a mensagem explícita do texto, ficava no ar uma conclusão, a de que cada um paga o preço de suas opções de vida. E eu estava pagando um preço muito alto por ter optado pela televisão: passamos por uma fase dificílima, vendemos os carros e passamos a andar de ônibus, ficamos devendo dois meses de mensalidade da escola dos três filhos, algumas prestações da casa que estávamos comprando na rua Arizona, no Brooklin Novo, atrasaram. Eu e Rosamaria estávamos vivenciando o tema da peça. Foram seis meses de O Preço em cartaz em São Paulo, no Teatro Maria Della Costa, no Teatro da Aliança Francesa e no TBC. Até que Rosamaria começou a trabalhar na TV Cultura e eu fui fazer novela e teleteatros – o Teatro Aplauso – com direção de Carlos Manga, na TV Record. Depois participei de A Idade do Lobo, com Walter Avancini, na TV Tupi, em 1972. E na noite de 16 de julho de 1979, O Preço era mostrado na tela da TV Globo, como uma das atrações da série Aplauso, com Rosamaria, Paulo Gracindo, Leonardo Villar e eu. Estava criado o hábito da novela (criado, não, transferido, do rádio para a televisão). Tanto que uma revistinha especializada, a InTerValo, da Editora Abril, que só publicava duas ou três páginas sobre a nossa TV, o resto era território privativo do Doctor Kildare, Ben Casey, Os Intocáveis e outras séries importadas, inverteu as prioridades editoriais dela, a partir das telenovelas, com fotos, entrevistas e matérias. As outras emissoras, então, vendo que ali estava um grande filão, que aquele era o mapa da mina, seguiram o exemplo da Excelsior. E aquilo não era mais do que uma redescoberta, porque já se fazia novela antes, mas não diárias e ainda debaixo de um esquema pouco comercial da fase pré-industrial, pouco lucrativo. Antes de se transformar nessa grande indústria de entretenimento popular que é hoje. Quer dizer, apesar de tudo, apesar do preço pago por encarar o preconceito antinovelesco, eu estava certo, no meu pioneirismo (mas isso eu ainda não sabia, só soube depois). Em 1966, o Antonio Abujamra tinha me convidado pra fazer José, do Parto à Sepultura e eu recusei. Ele se espantou com meu não e quis saber o motivo. Porque você voltou da Europa e quem volta de lá vem fazendo loucuras. Logo o Zé Celso Martinez Corrêa também voltaria assim. Era mais um diretor que ia à Europa e vinha doidão de lá. O fato é que todos eles acabavam assistindo ao Berliner Ensemble, da Alemanha Oriental, que fazia um teatro social evidentemente marxista, sob o prisma de Brecht, e se fanatizavam pela crítica à burguesia e ao capitalismo. E aí, fazer certos autores, criava um tipo de confusão política, estética e artística, inclusive no público e na crítica (o público não aceitando ser julgado e a crítica julgando contra). Enlouquecido, Zé Celso queria fazer o teatro do gesto crítico. E como em Os Inimigos eu fazia um promotor, o Nikolai – que era uma espécie de Carlos Lacerda do Górki – ele dividiu uma frase minha de três linhas em 18 gestos críticos. Depois resolveu perguntar ao Líbero Rípoli o que achava daquilo. Acho chato. Na minha vez eu disse: Estou fazendo profissionalmente, não estou sentindo nada. Depois de mais dois ou três atores, ele quis saber a opinião da camareira. Não consigo entender. Do rapaz da iluminação. Eu também não. Aí ele entrou em parafuso. Zé Celso tinha visto o filme Diário de uma Camareira, do Buñuel, e chamou o Kusnet pra dizer que o trabalho de representação seria dramático, mas com a crítica por trás e dentro do Método de Stanislawski. O Kusnet começou a trabalhar todo mundo e a peça foi bem aceita, tanto em São Paulo, em janeiro de 1966, como no Rio, em maio do mesmo ano. Com elogios da crítica. A partir daí, encerrei a fase de contratos com companhias permanentes, passando a trabalhar com grupos independentes, em teatro, cinema, televisão e comerciais de publicidade. Fiz então o personagem Sholem de Réquiem para uma Noite de Sexta-Feira (Kidush), em maio de 1968, no Teatro Itália, uma tragédia religiosa em que há um conflito entre pai e filho. Eu cantava em hebraico e assumia a figura de um hazan, na liturgia judaica, companheiro do rabino e cantor do templo. Alguns patrícios não acreditaram que eu fosse gói; no entanto, era tudo fruto de uma profunda e intensa pesquisa por todas as sinagogas mais ortodoxas de São Paulo. Até que, em dezembro de 1968, associei-me a Lélia Abramo e minha mestra Maria José de Carvalho – ela estreando na direção – para produzir um clássico do teatro grego: Agamemnon, de Ésquilo. No elenco, alguns atores novos, como Carlos Augusto Strazzer, Edwin Luisi, Rui Rezende e Lu de Moraes. Uma aventura. A peça era linda, os desempenhos maravilhosos, figurinos e cenografia elogiadíssimos, mas era uma tragédia grega em montagem rigorosamente clássica. E o público, não acostumado a esse tipo de alimento cultural, reagiu negativamente. No entanto, só o fato de botar Agamemnon em cena (no Teatro da Federação Paulista de Futebol, mais tarde, Teatro Cacilda Becker) já tinha sido uma epopéia. Lélia Abramo teve, inclusive, de empenhar o apartamento dela junto à Comissão Estadual de Teatro. Uma das maiores dificuldades da empreitada foi que Lélia tinha que apresentar dez espetáculos em dez cidades, como parte daquele compromisso. Então estive em São José dos Campos, São Caetano, Santos e várias outras cidades paulistas para tentar vender o Agamemnon, enquanto mexia com os contratos e administrava a companhia. É aí que entra a história do Dr. Antonio, um advogado amigo dela, que estava tratando do aspecto jurídico dos contratos dos atores, em regime de cooperativa. Um senhor muito simpático, que durante nossas primeiras conversas, me falou que era Rosacruz e até conversamos sobre o assunto e tal. Muito bem. Um dia, cheguei no escritório dele e perguntei para a secretária: Por onde anda o Dr. Antonio? Há seis dias que eu estou procurando por ele! Ela ficou meio pateta, gaguejando, sem saber me responder direito, quando surge um cavalheiro falando grosso, dizendo-se major e que aquilo era um caso de segurança nacional. E que eu me dirigisse para a outra sala. O senhor pode me explicar o que é que está havendo? Ele: Lá dentro eu explico. A outra sala estava toda revirada. E eu já em pânico, porque tinha ido buscar os contratos para registrá-los em cartório e vejo aquela papelada toda, pastas, livros, arquivos, tudo revirado. Preocupado com isso, até esqueci que o que estava acontecendo, naquele escritório de advocacia, era um caso de segurança nacional. O Dr. Antonio estava detido e quem chegava – inclusive o sócio dele – era submetido a averiguações. Pensei: E agora, nessa bagunça, como é que vou achar o que me interessa? De repente, pura sorte, verdadeira loteria, reconheci o envelope com os contratos, jogado num canto, no chão. Não tive dúvida, peguei aquela papelada, joguei dentro da minha pasta 007, e me afundei na poltrona mais próxima. A aflição era tanta que acabei dormindo. E ronquei. Foi o bastante para me considerarem inocente, porque quem por acaso tivesse culpa no caso, numa situação daquelas podia ter qualquer reação, menos a de dormir tão profundamente, como um anjo. Até que, horas depois, chega um delegado da Operação Bandeirantes e nos libera a todos, entre eles, eu e a secretária do Dr. Antonio. Podem ir embora, os senhores estão liberados. Peço desculpas, é um caso de segurança nacional. Eu quis saber: Mas pelo menos o senhor pode nos dizer, afinal, o que é que está acontecendo? Senhor Dom Braz Olinto... (Eu estava fazendo a novela A Muralha e já tinha sido identificado como meu personagem, minha ficha certamente já devia ter sido consultada até no SNI). ... o Dr. Antonio homiziou o Capitão Lamarca na casa dele. Eu já sabia mais ou menos que os dois tinham algum tipo de ligação, mas, cinicamente, fingi surpresa: O Dr. Antonio? Mas ele me disse até que era Rosacruz! Ele e eu já tínhamos conversado muito sobre assuntos espirituais. Nem uma só palavra sobre política, nem municipal, nem estadual, nem nacional, nem mundial. Eu tinha dito que freqüentava reuniões na Irmã Madalena, numa casa de família, onde a gente ficava reunido em torno de uma mesinha, na chamada mediunidade tiptológica, ou seja, de efeitos físicos, numa espécie de psicoterapia espiritual. Contei casos em que Irmã Madalena encaminhava para o Pedrinho Baiano, quando a pessoa tinha trabalho feito, macumba e tal. Dias depois a senhora do Dr. Antonio esteve lá, se apresentou, enfim, ficamos nos conhecendo. E achei que ela devia estar com alguma dificuldade. Então, dias depois, peguei uma rosa vermelha da Irmã Madalena, igual à que tinha dado para a Cacilda Becker, e levei para ela. Toquei a campainha, quem atendeu foi o Dr. Antonio: Foi bom você ter vindo. Quero apresentar um amigo meu, gaúcho... Estendemos as mãos e depois do muito prazer de um lado e de outro, eles foram lá pros fundos da casa. Entreguei a rosa e fui embora. Pois dias depois vejo na primeira página do jornal: Capitão Lamarca atira num guarda-civil. Olhei para a foto e reconheci: o amigo gaúcho que estava na casa do Dr. Antonio era o Lamarca! Em abril de 1972, na peça Em Família, de Oduvaldo Viana Filho, Antunes Filho já não dirigia mais com aquela paranóia européia (apenas os cenários criticavam e traziam mensagens sociais) e passou a trabalhar os atores escrevendo a gênese dos personagens. Paulo Autran até comentou, um dia: Quero ver essas gênesis todas na hora do vamos ver mesmo!. Eram uns ensaios de mesa muito demorados e eu tinha preguiça de fazer aquilo, então aproveitava que os colegas iam falando do meu personagem, Jorge, e assim construí a imagem dele. A estréia foi em 26 de abril de 1972, no Teatro Itália, em São Paulo, a temporada foi muito boa e eu ganhei o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante, da APCA, Associação Paulista de Críticos de Arte. No elenco estava o Walter Stuart, um comediante circense. Muita criatividade e um altíssimo astral, uma pessoa naturalmente engraçada, em cena e fora dela. Mas o Antunes não conseguia segurá-lo e o Paulo Autran, que contracenava com ele, era quem mais sofria. Um dia, o Walter Stuart, em vez do cinzeiro, usou o jato de água daquela seringa em forma de bola de borracha vermelha usada antigamente em lavagens íntimas femininas, para apagar o charutinho com que entrava no palco. O pior era que, na cena seguinte, ele vinha pro meu lado. Meu personagem estava com um problema seriíssimo e ia ter uma conversa definitiva com a mulher, sobre o pai e a mãe. Ali o Vianinha mandava uma de suas mensagens. Foi difícil começar o diálogo, a platéia não parava de rir. Esperei um pouco. Mas um sujeito não acabava mais de rir, então eu encarei. Um outro personagem deu a deixa duas vezes, e eu lá mudo, olhando pro homem. Só quando ele ficou quieto, nós recomeçamos. E foi uma das noites em que a cena funcionou melhor. O palco tem dessas coisas. Em 1973, eu tinha voltado para o Rio, definitivamente (na bagagem, 11 salários para receber da TV Excelsior). Sobre Crimeterapia, encenada no Teatro Glória em outubro daquele mesmo ano, não tenho muito que comentar, a não ser que a peça era fraca e o desempenho do elenco foi burocraticamente profissional, enfim, um espetáculo ruim e fim de papo. Aliás, Fim de Papo, uma comédia de autor argentino, levada ao palco do extinto Teatro Serrador, no centro da cidade, em julho de 1977, que fiz com Arlete Salles, Jayme Barcelos, Edson França e Lícia Magna, também não deu certo, embora o tema fosse muito interessante: a terapia que um casal aparentemente harmonizado é obrigado a fazer depois de dez anos de vida em comum, depois que a televisão da casa apresenta um defeito e não tem mais conserto. Os conflitos vão surgindo e provocam uma lavagem de roupa suja, um verdadeiro exorcismo. A televisão lá de casa estava funcionando perfeitamente, em 1980, e eu fazia a ensolarada Água Viva, de Gilberto Braga, onde aconteceu o primeiro topless da teledramaturgia nacional. Em 1983, com os ensaios de Evita, uma participação em Louco Amor, no papel de um embaixador que vai salvar o neto, cai do telhado e morre. Depois, A Gata Comeu, reedição de A Barba Azul, de Ivani Ribeiro, que até hoje é lembrada e apreciada por muita gente. Sinhá Moça, em 1986; Vida Nova, em 88; Mico Preto, em 90. E, em 1997, Anjo Mau, de Maria Adelaide Amaral, baseada num original de Cassiano Gabus Mendes, que considero um dos bons trabalhos que fiz em telenovelas, ganhei até prêmio da APCA, Associação Paulista de Críticos de Arte. Sem esquecer de Cabocla, em 2004, um verdadeiro presente, um prazer enorme de fazer, uma equipe maravilhosa, os dois coronéis, o Tony Ramos e eu, um elenco de primeira, tudo dando certo. Ainda hoje, quando a gente encontra alguém da equipe, é aquele abraço, aquela alegria, porque houve um entrosamento tão grande, tão feliz, e deu tudo tão certo que o trabalho ficou inesquecível. E teve também as minisséries, com destaque para A-E-I-O-Urca, primeira e única vez que fui dirigido pelo Mauro Mendonça Filho. E o remake de A Muralha, em 2000, na Globo, eu outra vez como Dom Braz Olinto, mas com barba autêntica, uma cabeleira muitíssimo bem-feita que nem a televisão em cores revelava. Aquela primeira versão, da Ivani Ribeiro, na Excelsior, se passava no tempo dos bandeirantes com os emboabas, que é onde o romance da Dinah Silveira de Queiroz se situava, e, nessa relei tura da mesma história, Maria Adelaide Amaral adaptou para o começo da colonização do Brasil, alguns anos depois. E gostei muito também de fazer alguns episódios de A Vida Como Ela É, principalmente aquele em que faço o dono de uma frota de lotações, um cafajeste-padrão. Assim, passei por quase todas as emissoras, fazendo teleteatro ou novela, Excelsior, Tupi de São Paulo, Record e Globo. Um ou outro insucesso, poucos, entre muitos sucessos. No palco, insucesso mesmo foi em maio de 1980, no Teatro Copacabana. Era A Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O’Neill, que tinha tudo para emplacar, no entanto teve muita coisa negativa. Um problema de saúde de Nathália Timberg interrompeu a temporada, pensou-se até que fosse enfarte. Eu, interpretando o James Tyrone, Otávio Augusto e Wolf Maia testamos todos os uísques nacionais no chá de cena e no segundo ato já estávamos meio de pileque. A tradução de Ana Golombek e Roberto Vignatti era primorosa, mas o público, de um modo geral, estava viciado nos diálogos da televisão, tinha perdido o contato com uma linguagem poética e rebuscada como aquela de autores do quilate de O’Neill, que levou 30 anos pra escrever essa peça sobre aquele homem que tinha a mulher com problemas, um filho tuberculoso, outro, beberrão, que se amavam, porém se agrediam. Na vida real mesmo, dele, uma família complicadíssima, meio maldita, com uma grande carga de sofrimento, inclusive com o suicídio do irmão mais velho. Pra fazer um O’Neill, o ator tem de ter uma enorme dose de estoicismo, porque vai sofrer, e se mergulhar dentro daquilo não vai sair incólume, alguma marca pode ficar. Por isso, todas as noites eu chegava em casa e tomava um banho com sal grosso, pra relaxar e, principalmente, descarregar. Pior do que com A Longa Jornada Noite Adentro tinha sido com A Corrente, de Consuelo de Castro, Jorge Andrade e Lauro César Muniz, em setembro de 1981, no Teatro Senac, no Rio, e em 1982, no Teatro FAAP, em São Paulo. Tenho até dificuldade de falar sobre isso, por uma série de razões, pessoais e profissionais, portanto, o silêncio, aqui, é o mais aconselhável. (Mas Lauro César Muniz não tem nenhuma dificuldade, muito pelo contrário, em falar sobre Mauro Mendonça): Da farsa à comédia sofisticada, do humor estilizado à graça sutil naturalista, um autor tem sempre nele o ator ideal para a deflagração do riso. Se Mauro se destacou pela criação de personagens dramáticos, na comédia ele se impõe pelo absoluto domínio de uma técnica de humor rara, ou seja, a economia e precisão em sintetizar o gesto e a fala cômicos. Em tudo, a revelação de um excepcional comediante. Em vez de atrair o personagem para seu universo pessoal, Mauro dá a ele características próprias, máscaras autônomas. É um ator que não usa de suas idiossincrasias pessoais em cima do personagem. Lauro César Muniz Teatro tem também o seu lado insólito. Há pouco tempo, por exemplo, em dezembro de 2004, interpretei o Ebenezer Scrooge de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, na Praça Padre Miguel, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Realengo, no Rio, e em mais outros 13 lugares públicos da cidade. Representar para aquele tipo de platéia, em cima de um caminhão transformado em palco, foi uma experiência absolutamente inédita em minha carreira. Era a história de um avarento que perdia completamente a sensibilidade e, sem qualquer sinal de justiça, desprendimento ou bondade, se transformou num patrão desalmado que não mais se comovia com o Natal, apesar dos apelos do sobrinho. Até que acontece a aparição de seu falecido sócio, aconselhando a não seguir o mesmo caminho dele, senão iria sofrer muito. E dizendo que Scrooge ia receber a visita de três espíritos bons que mostrariam o presente, o passado e o futuro dele. Os espíritos então aparecem e lhe dão uma lição de vida. Arrependido, ele implora para recomeçar, sem que lhe aconteça o que o espírito do futuro havia mostrado. E ele se modifica mesmo, decide comemorar outra vez o Natal, vai à casa do sobrinho, pede perdão, ajuda um filho do empregado, doente, enfim, muda completamente, transformando-se num novo homem. Um relato simples, mas de belo conteúdo moral e sob medida para os tempos materialistas em que estamos vivendo. Depois de vaiá-lo no começo, o povão o perdoava e cantava Noite Feliz com ele, no final. O mais interessante aconteceu na Ilha do Governador, quando a chuva quase provocou um adiamento, mas vendo tanta gente de guardachuva aberto, esperando por nós, acabamos representando, também de guarda-chuva na mão. E fomos duplamente aplaudidos. Nunca mais vou esquecer a sensação de dar esse tipo de emoção àquela gente que não tem aces-so a nenhum outro tipo de teatro tradicional. E também por uma cena fora do roteiro, quando uns rapazes, estudantes, chegaram e começaram a perturbar. Eu saí do meu papel e avisei: Olha aqui, se vocês continuarem assim, chamo a segurança. Ou eu mesmo vou aí e então o pau vai quebrar pra valer! Pedi desculpas à platéia e todos me aplaudiram. Os moleques sentiram que todos estavam contra eles, foram saindo de fininho e simplesmente sumiram, no ato. Porque acontece uma coisa: no palco, você fica investido de um tipo impressionante de autoridade. Um mês depois, em janeiro de 2005, participei de outra iniciativa semelhante, no papel do governador Daciano, num espetáculo também em lugar público, na arena erguida pela prefeitura de São Vicente na Praia do Gonzaguinha. Era Fundação da Vila de São Vicente, com centenas de atores e figurantes, roteiro de Cláudio Botelho e direção de Charles Möeller (os mesmos de Ópera do Malandro ). Choveu todos os dias, então nós – menos os índios,claro – terminávamos a representação molhados e suados ao mesmo tempo, porque as roupas eram de tecido grosso e de couro. Em cena, Vicente, João Ramalho, Bartira, Dom Valério, Valéria, Martim Afonso, Padre Gonçalo Montrito, governador Daciano e outros personagens históricos daquela cidade do litoral paulista, diante de várias multidões, na areia, um recorde que foi para o Guinness. Detalhe: sem absolutamente ninguém do Ministério da Cultura presente... * Foi de repente. Só tive certeza de que era mesmo um ator, vendo a reação das pessoas, o feed-back delas. Nunca mais me esqueço daquele belo dia do final de 1959 ou começo de 60, quando o Augusto Boal, o Zé Renato e o Dionísio Azevedo subiram aos pulos a escada do Teatro de Arena de São Paulo até a Sala de Cima, quando comecei a declamar um trecho do Infante, príncipe da Inês de Castro... que direi, que farei, que clamarei, ó fortuna, ó crueza, mal tamanho... e minha voz chegou até onde eles estavam. Porque saiu-me uma voz tão potente, tão sonora, tão redonda, que mesmo eu percebendo que os três vieram e ficaram me assistindo atentamente, mesmo assim continuei inteirado, em perfeita comunhão com o personagem. Ao mesmo tempo, podendo vê-los, sentindo a reação deles e da Lélia Abramo, do Renato Borghi, do Jairo Arco e Flexa e do cangaceiro Milton Ribeiro, meus colegas do curso da professora Maria José de Carvalho. E, com a mesma emoção, poder continuar a interpretação. Ali, naquele momento, estava acontecendo o nascimento de um ator! Boal, Zé Renato e Dionísio tinham subido pra ver o que estava acontecendo, enfim, o que significava aquele vozeirão, o que ele queria dizer. Mal sabiam que simplesmente era mais um ator que estava surgindo. Foi um desses tais momentos mágicos. Stanislawski explica isso muito bem: o ator está viajando, com sua sensibilidade à tona, à flor da pele, mas sem perder a consciência, nem virar sonâmbulo. E isso é emocionante em nossa profissão: atingir aquela enorme felicidade que é estar interpretando uma personalidade e não perder o domínio do resto. Eu estava dentro de outra pessoa, mas não tinha saído do Mauro Mendonça. Ou seja, meu consciente alimentando o inconsciente fez com que houvesse uma comunhão, que é quando irradiamos uma emoção e recebemos um retorno, de quem está contracenando a gente e de quem está nos assistindo. Uma situação artificial, claro, um fingimento, mas é um ponto em que você tem a sensação de que pode até voar. É o estado de ser em cena, como dizia mestre Constantin. Quando cheguei a esse ponto, ah, aí tive plena certeza de que eu era um ator e que não ia parar nunca mais! Estava consumado. Mas, para ser ator, um bom ator, é preciso ter saúde! Se tiver vocação e talento, melhor. Mas, mais do que tudo, é fundamental que tenha saúde. Se tiver um desempenho físico de decatleta ou astronauta, melhor ainda. Porque nosso trabalho, embora seja uma viagem maravilhosa, consiste em experimentar o que a gente seria, como pessoa, se fôssemos aquele ser imaginário que estamos encarnando. Um processo de autoconhecimento que acaba sendo quase uma purificação. Uma evolução pessoal, através do contato com outras pessoas – os personagens e os demais atores – mas que encerra um grande componente sadomasoquista. Isso, às vezes, cansa, muito. É que através desse caminho da imaginação, do se fosse, do faz-de-conta, nós podemos chegar ao fundo das emoções, a dor, o sofrimento, a lágrima ou a grande gargalhada de alegria extrema do personagem. Quando o ator estiver lá no fundo dos problemas de quem está fingindo ser, quanto mais doer-lhe o corpo e a alma, quanto mais desconfortável se sentiu em cena, melhor ele terá desempenhado seu papel, melhor terá exercido sua função. Em 1972, por exemplo, entre O Preço e Seria Cômico Se Não Fosse Trágico, eu fiz Em Família, de Oduvaldo Viana Filho, que apesar de ter uma grande dose de amor é bastante dramática. E isso me afetou. Fiquei envolvido emocionalmente e tive problemas. Por isso, não aceitei fazer uma peça excelente que me propuseram em seguida, sobre um policial inglês. Tive uma reação física contra a história. Não suportaria interpretá-la. E passei uma temporada preferindo fazer trabalhos sérios, mas que tivessem pelo menos uma pequena dose de humor, uma certa leveza. Sem uma anestesia de vez em quando não dá pra agüentar! Porque aí está a dimensão do bom intérprete: ao realizar aquele ato de mentira, vivenciar sentimentos em toda sua mais profunda plenitude, mesmo que isso seja profundamente doloroso, dolorido. E esse mecanismo meio alucinante é nosso instrumento de trabalho. Quer dizer, tratase de uma coisa meio maluca, uma profissão de doido mesmo. Mesmo assim, pretendo trabalhar como ator – que é a única coisa que sei fazer – até onde der. Aliás, quem quiser que tire conclusões: por mera coincidência ou não, a maior parte dos atores é caçula (inclusive eu) ou filho único, o que significa ter sido centro de atenção desde pequeno. Assim será, se lhes parecer. Moral da história: embora sendo um tipo incomum de orgasmo – no sentido de atingir a plenitude das sensações – trata-se de um ofício com altas taxas de insalubridade. É uma atividade simplesmente diabólica. Eis, pois, uma profissão que exige sacrifícios e, que se não for exercido com amor, a pessoa larga e foge dele, correndo. Eu fiquei. Paguei esse preço. E, apesar de tudo, acho que valeu a pena, porque, entre mil e muitos motivos, pelo menos, quando a cortina fecha tem o aplauso que sopra a ferida! The Fim Resumo da Carreira Teatro 1956 • Sedutor, de Diego Fabri – Direção de Eugênio Kusnet • Casa de Chá do Luar de Agosto, de John Patrick – Direção de Maurice Vaneau 1957 • Nossa Vida com Papai, de Howard Lindsay e Russel Crouse – Direção de Gianni Ratto • Rua São Luiz, 27 – 8o andar, de Abílio Pereira de Almeida – Direção de Alberto D’Aversa • Interesses Criados, de Jacinto Benavente – Direção de Alberto D’Aversa 1958 • Dama de Copas (Pif-Paf), de Abílio Pereira de Almeida – Direção de Armando Paschoal • Treze à Mesa, de Marc Gilbert Sauvajon – Direção de Ruggero Jacobbi • Quartos Separados, de Saint Garnier e Philippe Bonnières, Direção de Fernando Torres 1959 • A Gaivota, de Millôr Fernandes – Direção de Carlos Alberto Murtinho • Romanoff e Julieta, de Peter Ustinov – Direção de Alberto D’Aversa • Patate, de Marcel Achard – Direção de Alberto D’Aversa • Quando se Morre de Amor, de Giovanni Patroni Griffi – Direção de Alberto D’Aversa. 1960 • Plantão 21, de Sidney Kingsley – Direção de Antunes Filho e Ademar Guerra • Doce Pássaro da Juventude, de Tennessee Wiliams – Direção de Ademar Guerra • As Feiticeiras de Salem, de Arthur Miller – Direção de Antunes Filho 1961 • Sem Entrada e Sem Mais Nada, de Roberto Freire – Direção de Antunes Filho 1962 • Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams – Direção de Augusto Boal 1965 • A Vida Impressa em Dólar, de Clifford Odets – Direção de José Celso Martinez Corrêa 1966 • Andorra, de Max Frisch – Direção de José Celso Martinez Corrêa • Os Inimigos, de Maximo Górki – Direção de José Celso Martinez Corrêa 1967 • Oh! Que Delícia de Guerra, de Charles Chilton e Joan Littlewood – Direção de Ademar Guerra 1968 • Réquiem Para Uma Noite de Sexta-Feira (Kidush), de Germán Rozenmacher – Direção de Roberto Vignatti • Agamemnon, de Ésquilo – Direção de Maria José de Carvalho 1970 • O Preço, de Arthur Miller – Direção de Antonio Abujamra e Roberto Vignatti 1972 • Em Família, de Oduvaldo Vianna Filho – Direção de Antunes Filho 1973 • Seria Cômico Se Não Fosse Sério, de Friedrich Dürrenmatt – Direção de Celso Nunes • Crimeterapia, de Dennis Wentworth (Edgar da Rocha Miranda) – Direção de João Bittencourt 1976 • Feira do Adultério, Seis peças de um ato, de Armando Costa/Paulo Pontes, Lauro César Muniz, Bráulio Pedroso, João Bethencourt, Jô Soares e Ziraldo – Direção de Jô Soares 1977 • Fim de Papo, de Sérgio de Cecco e Armando Chulak – Direção de Eloy Araújo 1980 • A Longa Jornada Noite Adentro, de Eugene O’Neill – Direção de Roberto Vignatti 1982 • A Corrente, de Consuelo de Castro, Lauro César Muniz e Jorge Andrade – Direção de Luís de Lima 1983 • Evita, de Tom Rice e Andrew Lloyd Webber – Direção de Maurício Sherman 1985 • Direita Volver, de Lauro César Muniz – Direção de Roberto Frota 1991 • As Atrizes, de Juca de Oliveira – Direção de Juca de Oliveira 1994 • A Noiva do Condutor, de Noel Rosa e Arnold Glückmann – Direção de Karen Acioly 1995/1996 • Intensa Magia, de Maria Adelaide Amaral – Direção de Paulo Cezar Saraceni 2001/2002 • Caixa 2, de Juca de Oliveira – Direção de Fauzi Arap 2003/2004 • Ópera do Malandro, de Chico Buarque de Holanda – Direção de Charles Möeller e Cláudio Botelho 2004 • Um Conto de Natal, de Charles Dickens – Direção de Gustavo Paso e Alexandro Bordallo 2005 • Fundação da Vila de São Vicente, de Cláudio Botelho – Direção de Charles Möeller 2007 • Um Barco para o Sonho, de Alexei Arbuzov – Tradução de Cécil Thiré – Direção de Carlos Artur Thiré Televisão Novelas 1963 • Aqueles Que Dizem Amar-se, de Alberto Migre – Direção de Tito di Miglio – TV Excelsior • Corações em Conflito, de Ivani Ribeiro – Direção de Dionísio de Azevedo – Personagem: Rodolfo – TV Excelsior 1964 • Os Irmãos Pereira, direção de Waldemar de Moraes – Personagem: Irmão mais velho – TV Excelsior • Uma Sombra na Minha Vida, de Cristina Leblon (pseudônimo de Ivani Ribeiro em novelas de rádio) – Direção de Dionísio Azevedo – Personagem: Reinaldo – TV Excelsior 1965 • Eu Quero Você, de Vitor Martins – Direção de Walter Avancini e Mauro Mendonça (assistente de direção e depois diretor) – TV Excelsior • Ontem, Hoje e Sempre, de Fernando Bacelar – Direção de Mauro Mendonça – TV Excelsior • Aquele Que Deve Voltar, Direção de Mauro Mendonça – TV Excelsior • A Grande Viagem, de Ivani Ribeiro – Direção de Walter Avancini – Personagem: Júlio – TV Excelsior 1966 • Ambição, de Ivani Ribeiro – Personagem: Dr. Ulisses – TV Excelsior 1968 • A Muralha, de Ivani Ribeiro (do romance de Dinah Silveira de Queiroz) – Direção de Sérgio Brito e Gonzaga Blota – Personagem: Dom Braz Olinto – TV Excelsior 1969 • Sangue do Meu Sangue, de Vicente Sesso – Direção de Sérgio Brito – Personagem: Conde Giorgio de la Fontana – TV Excelsior 1971 • Editora Maio, Bom Dia!, de Walter Negrão – Direção de Carlos Manga – Personagem: Vicente – TV Record • O Príncipe e o Mendigo, de Marcos Rey (do livro de Mark Twain) – Direção de Dionísio Azevedo – Personagem: Mister Canty, o rei dos mendigos – TV Record 1972 • A Idade do Lobo, de Sérgio Jockyman – Direção de Walter Avancini e Carlos Zara – TV Tupi 1973 • Carinhoso, de Lauro César Muniz – Direção de Walter Campos – Personagem: Vicente, o pai – TV Globo 1974 • O Espigão, de Dias Gomes – Direção de Régis Cardoso – Personagem: Donatelo – TV Globo • O Rebu, de Bráulio Pedroso – Direção de Walter Avancini e Jardel Melo – TV Globo 1976 • Estúpido Cupido, de Mário Prata – Direção de Régis Cardoso – Personagem: Delegado Circulando Siqueira – TV Globo 1977 • Espelho Mágico, de Lauro César Muniz – Direção de Daniel Filho e João Gabriel – Personagem: Nelson Novaes – TV Globo 1978 • Te Contei, de Cassiano Gabus Mendes – Direção de Régis Cardoso – Personagem: Rogério – TV Globo • Dancin’Days, de Gilberto Braga – Direção de Daniel Filho e Gonzaga Blota – Personagem: Artur – TV Globo 1979 • Feijão Maravilha, de Bráulio Pedroso – Direção de Paulo Ubiratan – Personagem: Mister Ziegfeld – TV Globo 1980 • Água Viva, de Gilberto Braga, com colaboração de Manoel Carlos – Direção de Roberto Talma e Paulo Ubiratan – Personagem: Evaldo – TV Globo • As Três Marias, de Wilson Rocha e Walter Negrão (da obra de Rachel de Queiroz) – Direção de Herval Rossano – Personagem: Conrado – TV Globo 1981 • Brilhante, de Gilberto Braga, com colaboração de Euclides Marinho e Leonor Basseres – Direção de Daniel Filho, Marcos Paulo e José Carlos Pieri – Personagem: Fernando – TV Globo • Jogo da Vida, de Sílvio de Abreu – Direção de Roberto Talma, Guel Arraes e Jorge Fernando – Personagem: Álvaro Pires Camargo – TV Globo 1982 • Elas Por Elas, de Cassiano Gabus Mendes – Direção de Paulo Ubiratan, Wolf Maya e Mário Márcio Bandarra – Personagem: Átila – TV Globo 1983 • Louco Amor, de Gilberto Braga – Direção de Paulo Ubiratan, Wolf Maya, Ary Coslov e José Wilkar – Personagem: Embaixador André Dumont – TV Globo • Champagne, de Cassiano Gabus Mendes – Direção de Paulo Ubiratan, Wolf Maya e Mário Márcio Bandarra – Personagem: Jurandir – TV Globo 1985 • A Gata Comeu, de Ivani Ribeiro, com colaboração de Marilu Saldanha – Direção de Herval Rossano – Personagem: Horácio Penteado – TV Globo 1986 • Cambalacho, de Marilu Saldanha e Sílvio de Abreu – Direção de Jorge Fernando – Persona-gem: Testamenteiro (participação) – TV Globo • Sinhá Moça, de Benedito Ruy Barbosa (do livro de Maria Dezone Pacheco Fernandes) – Direção de Reinaldo Boury e Jayme Monjardim – Personagem: Doutor Fontes – TV Globo 1987 • Mandala, de Dias Gomes, com colaboração de Marcílio de Morais – Direção de Ricardo Waddington e José Carlos Pieri – Personagem: Adroaldo – TV Globo 1988 • Vida Nova, de Benedito Ruy Barbosa, com colaboração de Edmara Barbosa – Direção de Reinaldo Boury e Luís Fernando de Carvalho – Personagem: Coronel Antenor – TV Globo 1990 • Mico Preto, de Marcílio de Moraes, Leonor Basseres e Euclydes Marinho – Direção de Dennis Carvalho e Denise Saraceni – Personagem: Honório – TV Globo • Meu Bem, Meu Mal, de Cassiano Gabus Mendes – Direção de Paulo Ubiratan e Reinaldo Boury – Personagem: Padre (participação) – TV Globo • Lua Cheia de Amor, de Ana Maria Moretzson, Ricardo Linhares e Maria Carmen Barbosa, com colaboração de Márcia Prates e supervisão de Gilberto Braga (da peça Dona Xepa, de Pedro Bloch) – Direção de Roberto Talma – Persona-gem: Maurício – TV Globo 1991 • O Dono do Mundo, de Gilberto Braga – Direção de Dennis Carvalho, Mauro Mendonça Filho e Ricardo Waddington – Personagem: O debatedor (participação) – TV Globo 1992 • Despedida de Solteiro, de Walter Negrão – Direção de Reinaldo Boury, Carlos Manga Jr. e Cláudio Cavalcanti – Personagem: Sirineo Farfan – TV Globo 1993 • O Mapa da Mina, de Cassiano Gabus Mendes, com colaboração de Maria Adelaide Amaral, Gugu Keller e Walquíria Portero – Direção de Denise Saraceni, Flávio Colatrelo e Paulo Ubiratan – Personagem: Rodolfo Torres de Almeida – TV Globo • Sonho Meu, de Marcílio Moraes e Lauro César Muniz, com colaboração de Margareth Boury e Maria Adelaide Amaral (adaptação de A Pequena Órfã e Ídolos de Pano, de Teixeira Filho e Carmen Lídia) – Direção de Reinaldo Boury, Roberto Naar, Cláudio Cavalcanti e Marcelo Travesso – Personagem: Carlos – TV Globo 1994 • Pátria Minha, de Gilberto Braga, com colaboração de Leonor Basseres, Sérgio Marques, Alcides Nogueira e Ângela Carneiro – Direção de Dennis Carvalho, Roberto Naar, Ary Coslov, Alexandre Avancini e Mauro Mendonça Filho – Persona-gem: Doutor Olavo, dono de jornal – TV Globo 1995 • A Próxima Vítima, de Sílvio de Abreu, com colaboração de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira – Direção de Jorge Fernando, Rogério Gomes e Marcelo Travesso – Personagem: Otávio – TV Globo • Irmãos Coragem (remake do original de Janete Clair), de Dias Gomes e Marcílio Moraes – Direção de Luís Fernando de Carvalho e Mauro Mendonça Filho, depois Reinaldo Boury, Carlos Araújo e Ary Coslov – Personagem: Guimarães – TV Globo • Cara & Coroa, de Antonio Calmon, com colaboração de Ângela Carneiro, Lílian Garcia e Eliane Garcia – Direção de Wolf Maya, Carlos Magalhães, André Schultz e Ignácio Coqueiro – Personagem: Kleber – TV Globo 1996 • O Fim do Mundo, de Dias Gomes, com colaboração de Ferreira Gullar – Direção de Paulo Ubiratan e Gonzaga Blota – Personagem: Lawyer – TV Globo • Anjo de Mim, de Walter Negrão, com colaboração de Elizaberh Jhin, Ângela Carneiro. Lílian Garcia e Eliane Garcia – Direção de Ricardo Waddington, Roberto Naar, Edson Spinello e Alexandre Avancini – Personagem: Coronel José Balbino – TV Globo 1997 • Anjo Mau, de Maria Adelaide Amaral (do original de Cassiano Gabus Mendes), supervisão de texto Sílvio de Abreu, colaboração Bosco Brasil, Vicenti Villari e Djair Cardoso – Direção de Carlos Manga, Denise Saraceni, José Luis Villamarin, Carlos Araújo e Emílio de Biasi – Personagem: Rui Novaes – TV Globo 1998 • Meu Bem Querer, de Ricardo Linhares, com colaboração de Leonor Basseres, Nelson Nadotti e Maria Elisa Berred – Direção de Marcos Paulo, Roberto Naar, Luis Henrique Rios, Alexandre Avancini e João Camargo – Personagem: Pastor Bilac Maciel – TV Globo 2003 • Kubanacan, de Carlos Lombardi, com colaboração de Emanoel Jacobina, Margareth Boury e Thiago Santiago – Direção de Wolf Maya, Alexandre Avancini e Marco Rodrigo – Personagem: Sandoval – TV Globo 2004 • Cabocla, de Benedito Ruy Barbosa (da obra de Ribeiro Couto), com colaboração de Edmara Barbosa e Edilene Barbosa – Direção de José Luiz Villamarim, Rogério Gomes, Frederico Mayrinque, Pedro Vasconcelos e André Binder – Personagem: Coronel Justino – TV Globo 2005 • Bang-Bang, de Mário Prata, com colaboração de Felipe Miguel, Ana Ferreira e Reinaldo Moraes – Direção de Ricardo Waddington, José Luiz Villamarim, Paulo Silvestrini e Cláudio Boeckel – Personagem: Paul Bullock – TV Globo. 2006 • O Profeta, de Ivani Ribeiro – Adaptação: Duca Rachid e Thelma Guedes. Escrita por: Duca Rachid, Thelma Guedes e Julio Fischer. Colaboração: André Ryoki e Tereza Falcão. Supervisão de texto: Walcyr Carrasco. Direção de Alexandre Boury e Vinícius Coimbra. Direção geral: Mário Márcio Bandarra. Direção de núcleo: Roberto Talma – Personagem: Francisco – TV Globo 2008 • A Favorita, novela de João Emanuel Carneiro. Escrita por João Emanuel Carneiro. Colaboração Marcia Prates, Denise Bandeira, Fausto Galvão, Vincent Villari. Direção de Paulo Silvestrini, Roberto Vaz, Gustavo Fernandez, Isabella Secchin. Direção-geral: Ricardo Waddington. Núcleo: Ricardo Waddington – Personagem: Gonçalo – TV Globo Minisséries 1983 • Moinhos de Vento, de Daniel Más e Leilah Assumpção – Direção de Walter Avancini, Adriano Stuart e Hugo Barreto – Personagem: Fausto – TV Globo 1989 • República, de Walter Avancini e Wilson Aguiar Filho (roteiro), com colaboração de Joel Rufino dos Santos – Direção de Walter Avancini – Personagem: Benjamin Constant – TV Globo 1990 • A, E, I, O... Urca, de Doc Comparato, Carlos Manga e Antonio Calmon – Direção de Dennis Carvalho e Mauro Mendonça Filho – Persona-gem: Ministro Damasceno – TV Globo 1992 • Tereza Batista, de Vicente Sesso (do romance de Jorge Amado), Direção de Paulo Afonso Grisolli e Fernando Rodrigues de Souza – Personagem: Hipólito – TV Globo 1994 • Incidente em Antares, de Nelson Nadotti e Charles Peixoto (do livro de Érico Veríssimo) – Direção de Carlos Manga, Paulo José e Nelson Nadotti – Personagem: Geminiano Ramos, presidente do Sindicato – TV Globo 1995 • Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados, de Leopoldo Serran (da peça Asfalto Selvagem, de Nelson Rodrigues), com colaboração de Carlos Gerbase – Direção de Carlos Manga, Denise Saraceni e Johnny Jardim – Personagem: Benedito Valladares – TV Globo 2000 • A Muralha, de Maria Adelaide Amaral (do romance de Dinah Silveira de Queiroz), com colaboração de João Emanuel e Vicenti Villari – Direção de Denise Saraceni, Carlos Araújo e Luís Henrique Rios – Personagem: Dom Braz Olinto – TV Globo 2002 • O Quinto dos Infernos, de Carlos Lombardi (dos livros O Chalaça, A Imperatriz no Fim do Mundo e As Maluquices do Imperador), com colaboração de Margareth Boury e Thiago Santiago – Direção de Wolf Maya – Personagem: Padre Melo – TV Globo 2004 • Um Só Coração, de Maria Adelaide Amaral, Alcides Nogueira e Lúcio Manfred, com colaboração de Rodrigo Arantes – Direção de Carlos Araújo, Marcelo Travesso e Ulisses Cruz – Personagem: Coronel Bento de Carvalho – TV Globo Teleteatros 1955 • Teatro Cacilda Becker – Direção de Ziembinsky – TV Record 1956 • Teatro das Segundas-Feiras – Direção de An-tunes Filho – TV Tupi 1956/57/58 • Grande Teatro Tupi – Direção de Sérgio Brito – TV Tupi Rio 1957/58 • Câmera Um – Direção de Jacy Campos – TV Tupi Rio 1957/58 • TV Mistério – Direção de Moacyr Masson – TV Rio 1958 • Grande Teatro Infantil Trol – Direção de Fábio Sabag – TV Tupi Rio • Teatro Moinho de Ouro – Direção de Vitor Berbara – TV Rio 1959 • Teatro das Segundas-Feiras – Direção de Ademar Guerra – TV Tupi • Teatro de Comédia – Direção de Ademar Guerra – TV Tupi 1960 • Caminhos da Medicina – Direção de Antunes Filho e Geraldo Vietri – TV Excelsior 1961/62 • Teleteatro 9 – Direção de Ademar Guerra e Flávio Rangel – TV Excelsior 1963 • Teatro Bibi Ferreira – Direção de Bibi Ferreira – TV Excelsior • Teleteatro 63 – Direção de Walter George Durst e Túlio de Lemos – TV Excelsior 1964 • Teatro Como no Teatro – Direção de Alberto D’Aversa – TV Excelsior 1968 • Grande Teatro Cacilda Becker – Direção de Walter George Durst – TV Bandeirantes 1970/71 • Teatro Aplauso – Direção de Carlos Manga – TV Record 1972 • Teatro 2 – Direção de Ademar Guerra e Antonio Ghigoneto – TV Cultura Seriados 1958 • Falcão Negro, de Péricles Leal – TV Tupi 1972 • Jerônimo, Herói do Sertão – TV Tupi 1973 • Shazan & Sherife – Direção de Reinaldo Boury – TV Globo 1978 • Ciranda, Cirandinha, de Antonio Carlos da Fontoura e Euclydes Marinho Episódio: Momento de Decisão – Direção de Daniel Filho e Paulo José – TV Globo • Sítio do Picapau Amarelo, de Marcos Rey Episódio: Quem Tem Boca Vai a Roma – Direção de Geraldo Case e Reinaldo Boury – TV Globo 1979 • Malu Mulher, de Armando Costa Episódio: O Doce Inferno da Burguesia – Direção de Paulo Afonso Grisolli – TV Globo • Carga Pesada, de Péricles Leal Episódio: O Arrocho – Direção de Alberto Salva – TV Globo 1981 • Plantão de Polícia, de Doc Comparato Episódio: Sangue, Calçada e Milk-Shake – Direção de Luís Antonio Piá – TV Globo 1982 • Sítio do Picapau Amarelo, de Marcos Rey Episódio: Ali-Babá e os 40 Ladrões – Direção de Roberto Vignatti – TV Globo 1988 • Tarcísio & Glória De Cassiano Gabus Mendes – Episódio: As Duas Faces de Eva – Direção de José Carlos Pieri De José Antonio de Souza – Episódio: Romance de um Triste Viúvo – Direção de Tarcísio Meira – TV Globo 1990 • Delegacia de Mulheres, de Maria Carmen Barbosa, Patrícia Travassos, Charles Peixoto e Ronaldo Santos Episódio: Um Dia a Casa Cai – Direção de Denise Saraceni – TV Globo 1996 • A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues, adaptação de Euclides Marinho, com colaboração de Denise Bandeira e Carlos Gregório Episódios: O Monstro – Cheque de Amor – Pai por Dinheiro – Mártir em Casa e na Rua – A Grande Mulher – Dama do Lotação – Direção de Daniel Filho – TV Globo 1998 • Mulher, de Maria Helena Nascimento Episódio: Ética – Direção de Daniel Filho – TV Globo 2001 • Brava Gente Da literatura de cordel, adaptação de João Emanuel Carneiro Episódio: A Moda do Chifre – Direção de Carlos Araújo De Altimar Pimentel, adaptação de Fausto Galvão e Carlos Alberto Ratton Episódio: O Diabo Ri Por Último – Direção de Luís Henrique Rios – TV Globo • A Grande Família, de Oduvaldo Viana Filho, com texto de Cláudio Paiva, Bernardo Guilherme e Marcelo Gonçalves Episódio: Quem Manda Aqui é Ela – Direção de Mauro Mendonça Filho e Maurício Farias – TV Globo 2003 • Os Normais, de Alexandre Machado e Fernanda Young Episódio: É Uma Questão de Química – Direção de José Alvarenga Jr. – TV Globo 2007 • Toma Lá, Dá Cá, de Maria Carmem Barbosa e Miguel Falabella Episódio: Nem Tudo é Realidade – Direção de Mauro Mendonça Filho Episódio: O Seqüestro – Direção de Mauro Mendonça Filho – TV Globo Especiais 1974 • Caso Especial Episódio: Confissões de Uma Mãe de Família na Véspera de Natal – De Janete Clair – Direção de Herval Rossano – TV Globo 1975 • Caso Especial Episódio: O Remate – De Leilah Assumpção – Direção de Antonio Abujamra – TV Globo 1981 • Caso Especial Episódio: O Último Desejo – De Nelson Rodrigues (adaptação de Antonio Carlos da Fontoura) – Direção de Antonio Carlos da Fontoura – TV Globo 1982 • Caso Verdade Episódio: O Menino do Olho Azul – De Walter Negrão – Direção de Walter Campos – TV Globo Episódio: Simone – De Alberto Salva – Direção de Milton Gonçalves – TV Globo Episódio: A Grande Promessa – De Walter Negrão – Direção de Walter Campos – TV Globo Episódio: Um Amor Sem Limites – TV Globo 1983 • Quarta Nobre Episódio: A Dama das Camélias – De Alexandre Dumas Filho (adaptação de Doc Comparato) – Direção de Dennis Carvalho – TV Globo 1984 • Caso Verdade Episódio: Perdoa Teus Inimigos – De Margareth Boury – Direção de J. Marreco – TV Globo 1990 • Teletema Episódio: O Guru – De Ben Johnson – Direção de Walter Campos – TV Globo 1992 • Você Decide Episódio: Armadilha do Destino – De Charles Peixoto – Direção de Marcos Paulo – TV Globo 1994 • Você Decide Episódio: Premonição – De Antonio Carlos da Fontoura Episódio: O Bêbado e o Biscate – De Fernando Rabelo – Direção de Flávio Colatrelo – TV Globo 1995 • Você Decide Episódio: O Motim – De Tiago Santiago – Direção de Fábio Sabag – TV Globo 1997 • Sai de Baixo Episódio: Caco, o Magnífico – De Cláudio Paiva, Flávio de Souza, Flávio Marinho, Juca Filho, César Cardoso, Mauro Wilson e Jorge Fernando – Direção de Dennis Carvalho, Daniel Filho, José Wilker e Jorge Fernando – TV Globo Cinema 1952 • O Petróleo é Nosso, direção de Watson Macedo • Rua Sem Sol, direção de Alex Vianny 1953 • Carnaval em Caxias, direção de Jorge Illeli (primeiro papel com pequenas falas) 1955 • Rio 40 Graus, direção de Nelson Pereira dos Santos (primeiro pequeno personagem) 1957 • Uma Certa Lucrécia, direção de Fernando de Barros 1960 • Dona Violante Miranda, direção de Fernando de Barros 1962 • Seara Vermelha, direção de Alberto D’Aversa 1973 • Maria Sempre Maria, direção de Eduardo Llorente • O Descarte, direção de Anselmo Duarte 1976 • Dona Flor e Seus Dois Maridos, direção de Bruno Barreto 1978 • Os Embalos de Ipanema, direção de Antonio Calmon 1982 • Amor Estranho Amor, direção de Walter Hugo Khouri 1983 • Doce Delírio, direção de Manoel Paiva 1988 • Natal da Portela, direção de Paulo César Saraceni 1989 • Kuarup, direção de Rui Guerra 1991 • A Grande Arte, direção de Walter Salles 2003 • Benjamin, direção de Monique Gardenberg • Didi, o Cupido Trapalhão, direção de Paulo Aragão e Alexandre Boury • O Redentor, direção de Cláudio Torres Cursos 1953 • Escola do Serviço Nacional de Teatro, Rio de Janeiro 1954 • Escola Martins Pena, da prefeitura do Distrito Federal, Rio de Janeiro • Curso de Canto com a professora Marsha Tchekova Kelner, Niterói 1956 • Aperfeiçoamento vocal com a professora Maria José de Carvalho, da Escola de Arte Dramática de São Paulo, ministrado inicialmente no Teatro Brasileiro de Comédia 1958/59 • Aperfeiçoamento vocal, ainda com a professora Maria José de Carvalho, patrocinado pela Comissão Estadual de Teatro do Estado de São Paulo. Estudos de textos desde as tragédias gregas, as tragédias românticas, a Commedia dell Arte, Shakespeare, clássicos italianos, franceses, portugueses, de Gil Vicente e Alexandre Herculano a Molière e Racine até Ionesco, além de poetas e dramaturgos brasileiros modernos 1965 • Curso de iniciação ao Método de Stanislawski, pelo ator e professor Eugenio Kusnet 1967 • Trabalho de corpo com a coreógrafa Marika Gidali, durante os ensaios da peça Oh, Que Delícia de Guerra! 1968 • Estudo de canto em hebraico para a peça Réquiem Para Uma Noite de Sexta-Feira ou Kidush 1973 • Trabalho vocal dentro do método de Espaço Direcional com a fonoaudióloga Maria da Glória Beutenmüller (que prosseguem até hoje) 1983 • Estudo de canto para o musical Evita, com o professor José Spinto 1991 • Expressão corporal, com Joel Rocha 1994 • Preparação musical para a opereta A Noiva do Condutor, por Márcia Cabral e Henrique Cazes 2003 • Preparação vocal para a peça Ópera do Malandro, com Cláudio Botelho e a cantora Alessandra Verney Prêmios Teatro 1973 • Melhor Ator Coadjuvante, Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, na peça Em Família, de Oduvaldo Viana Filho • Melhor Ator Coadjuvante, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, na peça Em Família, de Oduvaldo Viana Filho 1996 • Melhor Ator, Prêmio Shell do Rio de Janeiro, na peça Intensa Magia 1997 • Melhor Ator, Prêmio Shell de São Paulo, na peça Intensa Magia 2004 • Prêmio Qualidade Brasil do Estado de São Paulo. Prêmio Especial de Teatro, pelo conjunto da obra Televisão 1997 • Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo trabalho na novela Anjo Mau, como o personagem Rui Novaes Cinema 1976 • Melhor Ator de Cinema, Prêmio Air France, pela atuação como Teodoro Madureira em Dona Flor e Seus Dois Maridos • Melhor Ator Coadjuvante, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, pela atuação como Teodoro Madureira em Dona Flor e Seus Dois Maridos Créditos das fotografias David Drew Zingg - capa Adriana Pitigliane 84, 86 Anna Janini 216 Câmara Três 164 Campelo Neto 282 Cedoc / TV Globo 61, 165, 173, 174, 221, 222, 223, 254, 260, 261, 264, 265, 267, 269, 272, 273, 277, 279, 280 Cláudia Ribeiro 68 Correio Braziliense / Armando Favaro 295 Ed. Abril / Adhemar Veneziano 170 Ed. Abril / Joel Maia 169 Ed. Abril / Paulo Salomão 202, 201, 203, 204, 205 Ed. Abril / Robson de Freitas 172 Guga Melgar 69 Hago 188 J. Kunis 106, 124 Mazzei 16, 25 O Globo 225 Paulo Lorgus 145 Regina Helena Paiva Ramos 246 Sebastião Barbosa 234 TV Globo / Bazilio Calazans 226, 233 TV Globo / Jorge Baumann 63, 224, 276 TV Globo / Nelson Di Rago 62, 228, 229, 230, 231, 232, 268 A presente obra conta com diversas fotos, grande parte de autoria identificada e, desta forma, devidamente creditada. Contudo, a despeito dos enormes esforços de pesquisa empreendidos, uma parte das fotografias ora disponibilizadas não é de autoria conhecida de seus organizadores, fazendo parte do acervo pessoal do biografado. Qualquer informação neste sentido será bem-vinda, por meio de contato com a editora desta obra (livros@imprensaoficial.com.br/ Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 / Demais localidades 0800 0123 401), para que a autoria das fotografias porventura identificadas seja devidamente creditada. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Máximo Barro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma Rodrigo Murat Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto O Bandido da Luz Vermelha Roteiro de Rogério Sganzerla Batismo de Sangue Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior Klecius Henrique Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir Remier João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina Marcel Nadale José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Mauro Alice – Um Operário do Filme Sheila Schvarzman Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra Antônio Leão da Silva Neto Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Orlando Senna – O Homem da Montanha Hermes Leal Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto Carlos Alberto Mattos Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Alfredo Sternheim Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Celso Nunes – Sem Amarras Eliana Rocha Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas Reinaldo Braga Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética Reni Cardoso Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira Eliana Pace Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira Isabel Ribeiro – Iluminada Luis Sergio Lima e Silva Joana Fomm – Momento de Decisão Vilmar Ledesma John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão Nilu Lebert José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Lolita Rodrigues – De Carne e Osso Eliana Castro Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa Vilmar Ledesma Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Nívea Maria – Uma Atriz Real Mauro Alencar e Eliana Pace Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Regina Braga – Talento é um Aprendizado Marta Góes Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sônia Guedes – Chá das Cinco Adélia Nicolete Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Vera Nunes – Raro Talento Eliana Pace Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90 g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 316 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Coleção Aplauso Série Perfil Coordenador Geral Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Projeto Gráfico Editor Assistente Editoração Tratamento de Imagens Revisão Rubens Ewald Filho Marcelo Pestana Carlos Cirne Felipe Goulart Selma Brisolla José Carlos da Silva Dante Pascoal Corradini © 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Sergio, Renato Mauro Mendonça: em busca da perfeição / Renato Sergio – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 316p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil/ Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-719-5 1. Atores e atrizes de teatro – Brasil. Atores e atrizes de cinema – Brasil 3. Atores e atrizes de televisão – Brasil 4. Mendonça, Mauro, 1931. I. Ewald Filho, Rubens II. Titulo. III. Série. CDD 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia e Obra 791.092 Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998 Foi feito o depósito legal Lei nº 10.994, de 14/12/2004 Impresso no Brasil / 2008 Todos os direitos reservados. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria