Denise Del Vecchio Memórias da Lua Tuna Dwek Imprensa Oficial São Paulo, 2008 Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação A relação de São Paulo com as artes cênicas é muito antiga. Afinal, Anchieta, um dos fundadores da capital, além de ser sacerdote e de exercer os ofícios de professor, médico e sapateiro, era também dramaturgo. As doze peças teatrais de sua autoria – que seguiam a forma dos autos medievais – foram escritas em português e também em tupi, pois tinham a finalidade de catequizar os indígenas e convertê-los ao cristianismo. Mesmo assim, a atividade teatral só foi se desenvolver em território paulista muito lentamente, em que pese o Marquês de Pombal, ministro da coroa portuguesa no século XVIII, ter procurado estimular o teatro em todo o império luso, por considerá-lo muito importante para a educação e a formação das pessoas. O grande salto foi dado somente no século XX, com a criação, em 1948, do TBC –Teatro Brasileiro de Comédia, a primeira companhia profissional paulista. Em 1949, por sua vez, era inaugurada a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que marcou época no cinema brasileiro, e, no ano seguinte, entrava no ar a primeira emissora de televisão do Brasil e da América Latina: a TV Tupi. Estava criado o ambiente propício para que o teatro, o cinema e a televisão prosperassem entre nós, ampliando o campo de trabalho para atores, dramaturgos, roteiristas, músicos e técnicos; multiplicando a cultura, a informação e o entretenimento para a população. A Coleção Aplauso reúne depoimentos de gente que ajudou a escrever essa história. E que continua a escrevê-la, no presente. Homens e mulheres que, contando a sua vida, contam também a trajetória de atividades da maior relevância para a cultura brasileira. Pessoas que, numa lingua-gem simples e direta, como que dialogando com os leitores, revelam a sua experiência, o seu talento, a sua criatividade. Daí, certamente, uma das razões do sucesso, dessa Coleção, junto ao público. Daí, também, um dos motivos para o lançamento de uma edição especial, voltada aos alunos da rede pública de ensino de São Paulo e encaminhada para 4 mil bibliotecas escolares, estimulando o gosto pela leitura para milhares de jovens, enriquecendo sua cultura e visão de mundo. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural, para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada naquilo que caracteriza e situa também a história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontarem o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso País. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro, quanto no cinema e na televisão, adquirindo, portanto, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse consigo, desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza e o corpo de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico completo de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado – é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição, o entusiasmo e o empenho de nossos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, cenários, câmeras, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão, que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado da São Paulo Para Yeda e Aurelio Michiles, meus amados afilhados, Ruth e Milton Hatoum que tão bem conhecem a coragem. Para que Antonio, João e Gabriel dêem prosseguimento ao que seus pais iniciaram. Agradeço a Alcides Nogueira – eternamente –, Analu Ribeiro, Cláudio Erlichman, Dani Ferrera, Denise Godoy, Edison Paes de Melo, Evelyn Baruque, Luiz Alberto Santana Zakir, Simone Yunes, Vilmar Ledesma. Tuna Dwek Introdução Cai o pano. Corre o ator ao camarim despir-se de sua maquiagem e ainda povoado das emoções vivenciadas pelo personagem, vai encontrando sua unidade. Entre a cortina que se abre e os aplausos finais da platéia, vidas se cruzam, amores, embates, encontros e conflitos tomam corpo. Os refletores que aquecem a imaginação trazem aos nossos olhos fragmentos de nós mesmos e de nossas existências cotidianas. O que chamamos de momento ideal é certamente aquele em que se diluem todos os percalços tornando possível a realização de um desejo. Muitas vezes, este livro nos pareceu como que encantado, tamanhos os adiamentos e mudanças de planos aos quais ele se teve que submeter. Assim, tivemos que esperar, Denise Del Vecchio e eu, alguns meses desde nosso primeiro contato, para iniciarmos nossos encontros e vermos materializadas as condições mais favoráveis para o balanço de vida gerado pela proposta da Coleção Aplauso. Atrizes que somos, estávamos continuamente às voltas com o trabalho. Desta vez, faríamos parte da mesma obra, a minissérie JK, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira para a Rede Globo de Televisão, gravada no Rio de Janeiro. Enquanto eu gravava minha participação no Rio, Denise decorava suas falas em São Paulo e dedicava-se a profundas pesquisas sobre a adorável Naná, irmã do presidente Juscelino Kubitschek, sua personagem na terceira fase da minissérie. Tão logo terminara minhas gravações, ela começava as dela e nosso ritmo de trabalho nos impossibilitaria iniciar o mergulho biográfico. Deixamos seguir o fluxo da vida, única solução possível para que se descortinasse o espaço necessário à realização do livro. Pouco a pouco, conseguimos organizar nossas agendas e nos dedicar apaixonadamente à feitura da obra. O processo de gestação vem acompanhado de saborosas coincidências talvez porque nos sentíamos aguçadamente receptivas a tudo o que o acaso nos pudesse proporcionar. Num de nossos encontros, Denise contou sua história artística com o ator e diretor Carlos Zara, saudoso colega de trabalho e amigo. Naquela noite, encontraríamos a esplêndida atriz Eva Wilma, grande amor de Zara. No encontro seguinte, falaríamos do diretor Marcio Aurelio e da atriz Maria Fernanda Can-dido. No mesmo dia em que inscrevia seus nomes, eu os encontraria numa estréia teatral. Era como ver personagens de um livro tomarem vida, saltarem das palavras para a realidade, caindo no colo de nosso imaginário. Denise Del Vecchio é desses exemplos raros e preciosos de coerência entre a vida e a arte. Avessa a qualquer situação capaz de tolher a liberdade humana, Denise sempre que possível optou por personagens de forte impacto, libertárias e comprometidas com alguma luta interior. Desafiando limites, existências angustiadas ou enfrentando inimigos declarados como a censura e a repressão impostas pela de tão triste memória ditadura militar, Denise assumiu os riscos indissociáveis da consciência coletiva que reinava no universo teatral nas décadas de 60 e 70. Quis mais uma coincidência que, para a Coleção, eu tivesse a honra de compor mais um livro sobre uma artista de obstinado e perseverante talento, consistente formação ideológica e sólidos princípios éticos. Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral, anteriormente biografados, desbravariam um caminho em que falar de resistência era algo orgânico e inevitável. A criação já é em si, um inescrutável universo. Aliado ao fato de que, muitas vezes, esquecemos o que vivemos, o processo de construção deste livro teve como pano de fundo a história do teatro brasileiro das últimas décadas. Do lendário e revolucionário Teatro de Arena, de Augusto Boal, à TV Globo, passando pela extinta TV Tupi, pela TV Record e a pela TV Bandeirantes, Denise teve a oportunidade, ao exercer seu talento, de construir uma história indelével nas artes cênicas do país, e ainda criou um filho, André Frateschi, ator e musicista, com quem já dividiu o palco. Queríamos prolongar o tempo de feitura do livro tamanha a atmosfera lúdica, sensível, transparente e profundamente prazerosa que havíamos criado entre nós. As singelezas da memória e as armadilhas da psique, o riso frouxo e algumas teimosas lágrimas, a emoção crescente e a história pessoal geravam a bola de neve que desvenda o oculto. Um novelo de lembranças ávidas por existir. Sentíamos ansiosa saudade, uma efervescência interior quando tínhamos que nos ausentar dos relatos e pouco a pouco, ainda que inesgotável o túnel da memória, era preciso delimitar, desenhar e definir não um ponto final, mas as reticências de um capítulo inacabado que promete ainda incontáveis emoções. De conversa em conversa, me voltariam à memória as palavras de Tadeusz Kantor, o extraordinário encenador polonês que transformou o cenário teatral europeu de modo irreversível. As inesquecíveis montagens de Kantor, que tive o privilégio de ver, me remetiam tal o relato de Denise Del Vecchio ao conceito de liberdade como bem supremo, como objetivo e mote de vida. Dizia ele: A liberdade da arte não é uma dádiva da política ou do poder Não é das mãos do poder que a arte obtém sua liberdade A liberdade existe em nós devemos lutar pela liberdade sozinhos com nós mesmos em nosso interior mais íntimo na solidão e no sofrimento É a matéria mais delicada da esfera do espírito. Uma vez mais eu podia vivenciar um círculo que se fecha, uma vez que este livro não se pode dissociar do dramaturgo e escritor Alcides Nogueira, nosso amigo comum, para quem Denise é um ícone e superlativa atriz. Da mesma forma que a finalização desta obra deu-se num dia ensolarado de outono, em que Sua Santidade, o 14o Dalai Lama Tensyn Gyatso proferia, em São Paulo, sua palestra sobre o poder da compaixão. Ao escrever, constato a cada livro, que a vida é decididamente mais rica e criativa do que a ficção e por isso já me emociona. Tal como a Lua de Cetim, de Alcides Nogueira, espetáculo dirigido por Marcio Aurelio que, rendeu à atriz um Prêmio Molière, a lua cheia cria um círculo perfeito, harmônico e hegemônico. O céu é pontilhado de estrelas e de tanto em tanto algumas nos caem no colo, sendo que uma delas se chama Denise, não por acaso, em grego, a deusa do prazer. Tuna Dwek Para meu pai, minha mãe, meu filho e meu amigo Alcides. Agradeço a Ney por ter aceitado dividir comigo luz e sombra todos esses anos. Denise Del Vecchio Capítulo I Aeromoça Para quem sonhava na infância e no início da adolescência em se tornar aeromoça para sair do chão e ter uma vida diferente daquela caseira, ser atriz não deixa de ser a possibilidade de alçar vôos. Pela própria possibilidade de ser outras pessoas, são vôos ainda que dentro de uma técnica, de uma consciência, por outras vidas e personalidades. Como que querendo ir além do que eu via, do que me era dado. Aos 13 anos, meu desejo de atuar se havia acentuado, mas me achava velha demais uma vez que por influência de minha mãe, para ser atriz eu teria iniciar a carreira com a idade de Shirley Temple. Assistíamos a todos os seus filmes, mas a menina-prodígio já era profissional desde os 3 anos de idade e eu, com 10 anos a mais, de fato sentia que já era tarde para começar. Assim, conversando com uma amiga no Ginásio, comentei que nunca tinha andado de avião, que achava lindos os comerciais com aeromoças vestindo aquela roupinha, pegar suas coisas e sair voando. Era mágico e comecei a alimentar aquele sonho. Mas minha mãe se indignava e não se cansava de dizer: Imagine, isso é trabalho de moça que não presta. Sempre tive profundo respeito pelo que meus pais diziam porque minha história de vida, de nascença, é trabalho. Todas as casas de infância onde morei eram acopladas às oficinas de trabalho, e não independentes como na maioria dos casos, em que meus amigos moravam numa casa e os pais trabalhavam fora. Nossa primeira morada, na Rua Wandenkolk, no bairro da Mooca, era a casa de minha querida tia e madrinha Raquel. Foi lá que passei anos idílicos. Nasci na Maternidade de São Paulo e logo me levaram para casa. Havia duas dependências. Na parte do fundo, um quarto e cozinha onde moravam meus pais e eu, e no corpo principal da casa moravam meus tios. Havia no corredor da casa, a oficina de roupas de couro e luvas de amianto de meus tios, pais de Vicente e Gilberto. Se eu pensar em paraíso, esse período é o meu Jardim do Éden. Minha primeira infância, com meu primo Vicente, que anos mais tarde morreria assassinado num estúpido assalto. Eu era uma verdadeira moleca. Vicente, por ser mais velho, tinha os meninos da rua como amigos, jogava bolinha de gude, batia bafo, eu aprendi a bater bafo, com aquela mãozinha dele. Eu queria fazer xixi de pé, porque o meu primo fazia xixi de pé e eu queria ser como ele. Os detalhes dessa época permanecem nítidos em mim e fui realmente muito feliz. Muito do que me aconteceu até os cinco anos de idade permanece vivo na memória, como por exemplo, os pedaços de queijo parmesão que eu esquentava com o Vicente no fogão, espetando o garfo que, quente, acabava inevitavelmente queimando a boca. Esse primo era meu grande amigo, até minha adolescência, foi o irmão mais velho que não tive. Como não havia televisão em casa, eu ia assistir na casa da vizinha. Um dia, minha tia comprou um aparelho e ficávamos eu e meu primo, parados vendo aquela roda com o índio no meio, símbolo da TV Tupi. Nós adorávamos olhar aquilo com a TV fora do ar, esperando o desenho animado do Pica-Pau. Foi com o desenho do Pica-Pau que eu conheci a televisão. Quando minha mãe ficou grávida outra vez e teve minha irmã Alzira, em 1954, já não cabíamos naquele espaço. Nos mudamos para a Rua Padre Adelino, no Belém. Meu pai tinha uma joalheria– relojoaria na parte da frente da casa e nós morávamos na parte de trás. Era tudo muito simples, eu não tinha quarto, dormia na sala, num sofácama, minha irmã, bebê, dormia no quarto com meus pais. Ali ficava ouvindo os barulhinhos da televisão a que os adultos assistiam até tarde. Devia ser umas dez horas da noite, o que para mim era muito tarde, e eu ia me embalando com aquele som até dormir. Essa minha infância na zona leste influenciaria toda a minha vida profissional e pessoal. Especialmente minha formação ideológica porque meu pai sempre foi um homem de esquerda. Um verdadeiro socialista que fez questão de transmitir valores de igualdade e democracia para as filhas. Minha mãe não compartilhava o mesmo entusiasmo, pensava na estabilidade da família em primeiro lugar e tinha aspirações de ascensão social. Já meu pai nunca quis ter casa própria, foi uma guerra para que minha mãe o convencesse a comprar uma. Para ele, propriedade era uma bobagem. Para que ser dono, ser proprietário? E ela preocupada com o dinheiro do aluguel. Felizmente o bom senso feminino venceu. Eu cresci entre essas idéias. Não conheci meu avô paterno. Ele morreu quando papai ainda era muito moço, mas sei que era um homem que gostava muito de ópera, de música erudita. Meu avô era nascido no Brasil, com origem no sul da Itália, e minha avó, italiana de Roma, não gostava que a chamassem de italiana. Ela gostava de dizer que era daqui, que era brasileira e não tinha nada a ver com a Itália, com aquele sotaque carregadíssimo. Tinha um imenso orgulho de ser brasileira. Em casa, prolongava-se esse orgulho, nada de colonizações, não se podia tomar Coca-Cola, meu pai não comprava. Refrigerante, se quisesse, era Guaraná, e da Antárctica. Não entrava nada que fosse americano. Qualquer coisa que fosse norte-americana lhe causava horror. No entanto, é interessante porque nos anos 50 no Brasil, com o pós-guerra na Europa, toda a influência americana se fazia sentir através do cinema. Curiosamente, tanto ele quanto minha mãe adoravam o cinema americano. Ele não gostava de musicais, minha mãe os amava. Em compensação, ele não perdia um clássico. A ida ao cinema era sempre um ritual. Eles iam aos sábados, quando me deixavam na casa de meus avós maternos, na Rua Caetano Pinto. Meu avô sírio e minha avó portuguesa. Uma combinação explosiva! Era a ocasião que meus pais tinham para ficar a sós, a noite do cinema do pai e da mãe. Mamãe me levava às vezes à tarde, porque trabalhava em casa como pespontadeira de sapatos finos. Operária qualificada, tinha uma máquina de costura especial para sapatos. Montava o sapato e costurava naquela máquina todos os dias ouvindo radionovelas, que eu acompanhava e adorava. Assídua ouvinte de rádio ao pé da máquina de minha mãe, cantava todas as canções da época. Conhecia tudo de Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Ângela Maria e os boleros. Como trabalhava por empreitada, muitas vezes pegava 50 pares para montar e trabalhava sem parar durante 4 dias. No quinto dia, tirava uma tarde de folga e íamos juntas ao cinema. Sempre muito vaidosa, ela se arrumava muito. Naquela época, uma operária especializada era bem remunerada o que lhe permitia ter roupas lindíssimas como tailleurs feitos por sua dedicada costureira. Além disso, tinha sempre belos sapatos e bolsas, comprados a baixo preço nas fábricas para as quais prestava serviço. Eu também ia toda arrumadinha com vestidos que ela mesma costurava. Era uma festa. Há uma história muito saborosa que mostra o quanto não gosto de mentir. Eu tinha 3 anos, quando estreou no cinema A Viúva Alegre, filme de 1952 dirigido por Curtis Bernhardt com Lana Turner e Fernando Lamas, que ela queria me levar pra ver. Como o filme era livre para crianças acima dos 5 anos de idade, minha mãe ficou me dizendo: Olha, quando chegar lá, você fala para o homem que você tem 5 anos, você diz que você tem 5 anos. Lá fui eu martelando os cinco anos na cabeça. Quando chegamos ao cinema, o bilheteiro olhou para mim e perguntou minha idade. Eu disse que tinha 5 mostrei a mão segurando mostrando 3 dedinhos. Só por isso ele me deixou entrar. Assisti A Viúva Alegre e nunca esqueci a música. Quando íamos passear no litoral, não deixávamos de assistir ao que estivesse passando. A programação da televisão acabava cedo nos anos 50. Hoje ela fica no ar vinte quatro horas sem interrupção nas emissoras a cabo. O cinema foi definitivamente a grande opção de lazer e encantamento de muitas gerações. Capítulo II A Lua da Minha Infância Alzira, minha amada irmã, é quatro anos mais jovem do que eu. Na infância parece uma grande diferença e, na medida em que se vai crescendo, ela passa a ser quase que imperceptível. A ponto de hoje termos uma comunicação tão profunda que nos entendemos com um olhar. Entretanto, Alzira era um bebê quando fomos morar atrás da relojoaria do papai, numa rua muito movimentada e acabei ficando longe do meu primo Vicente. Era como perdê-lo, de tão longe que me senti. Fiquei muito sozinha nesse período e durante dois ou três anos não conseguia ter amigas. Não gostei de lá. Eu tinha apenas uma amiga, lembrança recorrente por causa de Lua de Cetim, de Alcides Nogueira, espetáculo definitivo em minha vida, que me faria resgatar detalhes preciosos de uma infância que eu jamais quero apagar de mim. Essa amiga era filha do alfaiate. Os adultos diziam que ela era bobinha, diferente das outras crianças, mas eu a adorava, porque ela era quieta, assim como eu, éramos quietas juntas. Íamos brincar nos locais de trabalho, era engraçado, onde o pai dela costurava, as duas embaixo da mesa do alfaiate. Ele ficava recortando as roupas e nós duas, sentadas no chão, catávamos os retalhinhos de pano para brincar e fazer bonecos e quebra-cabeça. Tudo isso voltaria com a Candelária, minha personagem em Lua de Cetim. Esse resgate da memória foi fundamental e para alguém que sabe escrever com a delicadeza do Alcides, tudo pode se transformar em material dramatúrgico. Com ele, pude visualizar aquele contexto, a infância provinciana de São Paulo, dos anos 50, inteira retratada em Lua de Cetim. A Zona Leste, aquela gente simples vivendo de pequenos negócios, poder brincar na rua sem medo. Através da relação da mãe com seu filho no texto, voltava também aquele universo impregnado em mim. Meu encontro com o Alcides nessa peça foi impressionante. Nosso primeiro encontro casual, se é que o acaso existe, deu-se na casa do grande ator Renato Borghi. Foi um convite para a leitura de um texto chamado Lua de Cetim. Como sempre, atores buscando textos para montar. Estávamos Borghi, Elias Andreato, Alcides Nogueira, Marcio Aurelio e eu. Quando terminamos a leitura, fiquei completamente embasbacada. Não há outra palavra. Mas eu me achava jovem demais para o papel, a personagem teria uma trajetória em que precisaria envelhecer muito, e o o Borghi também se achava inadequado para o papel. Entretanto, Marcio Aurelio, apaixonado pelo texto, viu meu estado de identificação e emoção, me convidou para fazer a Candelária, chamou Umberto Magnani para interpretar meu marido e Elias Andreato para ser Junior, meu filho. Foi o que de mais perfeito podia acontecer. Capítulo III Inadequada e Rebelde Parece que esse senso de total inadequação vinha me perseguindo desde a infância. Estou convencida de que esse sentimento gerou muitos atores. Na escola, por exemplo, me sentia um peixe fora d’água. Me achava feia, sem graça, tinha medo de responder pergunta em voz alta, mesmo que soubesse a resposta. Se me chamassem para uma chamada oral eu gelava da cabeça aos pés, tinha pânico. Meu pai me dizia sempre que era melhor não ser a primeira, e sim ficar no meio, ou seja, é o avesso de tudo o que se ouve atualmente. Acho que era uma forma de me proteger porque, para ele, quem não se destaca demais corre menos riscos. Talvez seja algo relacionado com esse senso de igualdade que ele tinha. O fato é que foi difícil superar isso, porque isso te deixa na metade, na mediocridade, no meio. Eu adorava ler. Aos 7 anos, ganhei do meu pai uma coleção de livros de Monteiro Lobato. Eram 17 livros e eu não queria mais sair de casa. Enquanto não terminei os livros todos, eu só saía para ir para a Escola e voltava correndo para ler e desvendar aquele universo. Como eu sabia ler desde os cinco anos e meio, aos 7 eu já lia bem e dos 7 aos 10 eu lia, relia, voltava para os meus capítulos prediletos. Descobri a Mitologia Grega e até mesmo o próprio teatro através da literatura. Monteiro Lobato foi tão importante em minha vida que eu não só não achava problema algum em ficar em casa, como não me lembro de ter tido alguma outra amiga além da filha do alfaiate. Eu era um bichinho mesmo. Eu estudava numa escola da prefeitura que era de madeira verdinha, Do Hipódromo Escolas Reunidas. Naquela época o material não ficava com os alunos. Havia um armário onde tudo ficava trancado, lápis de cor, cadernos de colorir e os livros todos. Eu gostava de lá, mas havia uma professora péssima no 4º ano primário. Era uma mulher horrível que um dia me tratou mal, eu levantei e disse que queria ir embora, que naquela classe eu não ficaria mais. Eu gritava: Pode abrir meu armário e me dar as minhas coisas, porque eu vou embora. O engraçado é que essa minha rebeldia que nunca aparecia, de repente surge do nada e se torna definitiva. A professora, atônita, abriu o armário, peguei meus livros, meus lápis de cor, fui andando, porque se ia a pé para a escola, voltei para casa andando e ao chegar, minha mãe estava de cama, adoentada e eu disse que nunca mais iria àquela escola, que tinha brigado com a professora e não queria mais olhar para a cara dela. Não havia jeito de me demover daquilo. Ela teve que arranjar outra vaga para mim, no meio do ano, e fui para o grupo escolar Amadeu Amaral. As crianças diziam: Entra burro e sai animal. Era um grupo escolar bastante grande no largo São José do Belém onde achei que teria minha primeira experiência de teatro. Íamos montar a Cinderela, para a festa de encerramento de ano, e eu ia fazer uma das fadas. Fiquei felicíssima com o papel. Minha mãe fez o chapéu em cone com cartolina e um véu pendurado na ponta, fez a roupa, os adereços, quando dois dias antes da estréia, a diretora disse que eu trocaria de papel, que outra menina faria a fada. Eu disse que não, que já tinha até a roupa e queria fazer a fada de qualquer maneira. Irredutíveis as duas, disse que então não faria nenhum dos papéis, virei as costas e até hoje lembro da minha solidão naquele corredor, indo embora. Não fiz a peça, cheguei a ensaiar, mas não me apresentei. O figurino foi pro lixo. Foi uma frustração horrível. Mas me ensinou a não desistir dos meus direitos. Nunca mais quis encarar aquele corredor vazio. Ao mesmo tempo era visível que eu já tinha princípios. Depois de adulta, já profissional, voltei a fazer a mesma cena, na extinta TV Tupi, quando fui convidada para fazer minha terceira novela. Eu tinha acabado de fazer um papel maravilhoso dado pelo Carlos Zara e tinha um bom contrato na televisão, quando me ofereceram um papel completamente insosso. Na novela anterior, Um Dia, o Amor, eu fazia par com o Zara. Eu era mais jovem do que ele, iniciante, e nosso entendimento foi maravilhoso. Carlos Zara é uma pessoa que eu amo e por quem tenho imensa admiração e saudade. Um amigo generoso e profissional sábio e competente em todas as funções que desempenhou. Depois da novela Ídolo de Pano, de Teixeira Filho, onde contracenava com Dennis Carvalho e Tony Ramos – logo depois contratados pela TV Globo –, foi com Zara que fiz esse segundo trabalho na televisão, numa feliz e inesquecível parceria. Já em plena crise da TV Tupi, por volta de 1978, houve uma mudança na direção da emissora e me lembro que um novo diretor me entregou 10 capítulos de uma novela, dizendo que eu faria parte de uma turma de jovens. Levei os capítulos para casa e constatei ser uma figuração, não havia personagem. Devolvi os 10 capítulos e comuniquei que não queria fazer. A resposta dele foi óbvia, eu era obrigada a fazer por força de contrato. Coloquei os capítulos na mesa pedindo desculpas e que ele fizesse o que quisesse com meu contrato. Fui embora e fiquei na geladeira, como se diz quando uma emissora não escala um ator durante um certo tempo, até terminar o contrato. Quando saí da sala não senti a solidão do corredor do grupo escolar, mas o orgulho de ter lutado pelo que era meu direito, mesmo com medo do desemprego. Sempre paguei pelas minhas atitudes e não me arrependo quando elas envolvem princípios. Sou uma pessoa muito maleável, tenho jogo de cintura, aceito muita coisa, mas quando chega num ponto em que eu enfrento e digo que não quero, e não vou fazer, é porque realmente ultrapassou meu limite. Na minha família ninguém era artista. Só havia a Tia Inês que tocava um pouco de piano, e só na sala da casa da vovó. Fui a pioneira de uma família conservadora a penetrar nesse universo, sendo seguida depois por minha irmã, minha sobrinha, meu filho. Fui também a primeira pessoa que se divorciou na família, de todos os meus primos, nunca ninguém tinha se separado. Fui a primeira que se tornou artista e senti bastante essa não-aceitação. Tive que enfrentar estigmas e romper com as barreiras da classe média baixa paulista imigrante, em função de ser verdadeira. Capítulo IV Depois de Cacilda, Nunca Mais Fui a Mesma Assim, aos 15 anos entrei em contato com um divisor de águas em minha vida. Eu freqüentava uma escola maravilhosa, o Instituto de Educação Professor Alberto Conte, em Santo Amaro. Os professores eram extraordinários. A professora de Filosofia, o professor de Geografia, o querido professor Gáudio, a professora de História, Eles despertaram em mim o fascínio por aprender. O professor Gáudio não dava aula de Geografia, ele nos levava ao Teatro. Ele era até conhecido na classe teatral paulista naquela época porque lotava as matinês dos espetáculos com as turmas dele. Ele adorava aquele mundo, achava que tudo estava contido no teatro. De que adiantava ficar ensinando mapas, estatística, rios, dizia ele, se a vida era mais ampla do que isso? O que ele fazia era discutir a Geografia humana, a partir dos textos teatrais. A primeira vez que fui ao teatro, em 1966, levada por ele, assisti Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto, com músicas de Chico Buarque e direção primorosa de Silnei Siqueira. O espetáculo tinha acabado de ganhar o festival de teatro de Nancy, na França e estava no Teatro Municipal de São Paulo. Fiquei extasiada com tudo aquilo, me perguntava o que era, eu nunca tinha visto nada parecido, nunca tinha entrado num teatro. De repente eu estava vendo aquela obra-prima. Foi uma revelação. Com o mesmo professor, estávamos na sessão de Esperando Godot, de Samuel Beckett, com direção de Flávio Rangel na qual Cacilda Becker sofreu o aneurisma cerebral que a levaria à morte. Era de tarde, fomos de ônibus comum, não se alugava ônibus como hoje em dia. Estávamos no teatro e me lembro perfeitamente do Walmor Chagas, chegando no intervalo e avisando que não haveria o segundo ato, uma vez que a atriz Cacilda Becker tinha passado mal. Os ingressos foram devolvidos para o dia em que ela estivesse bem novamente. Não tive, no momento, a dimensão do que estava acontecendo, e até hoje lamento por não ter guardado aquele ingresso. Essa experiência fortíssima que o teatro me deu e a maneira como Cacilda viria a morrer depois de permanecer 45 dias em coma, me traduziram a noção de que o teatro é uma coisa imprevisível como a vida. É o imponderável onde tudo pode acontecer. Esse sentimento voltou com muita precisão quando visitei a artista plástica Mira Schendel. Quando a conheci, fomos eu e Celso Frateschi, meu marido na época, à sua casa, onde ela nos mostrou os trabalhos feitos em papel de arroz e disse algo que jamais me saiu da cabeça. Naquele dia ela fez uma síntese de toda a sua obra dizendo: Eu faço neste papel para acabar mesmo. Não é para permanecer. Isso, você está olhando agora, daqui a pouco não existe mais. Eu gosto de fazer umas esculturas em papel que eu monto na própria sala de exposições porque quando acaba eu digo ao faxineiro: ‘Pode varrer’. Porque o que importa é o instante em que a obra está sendo concebida, está sendo desfrutada. A experiência vivida naquela tarde com Cacilda Becker despertou algo irreversível em mim. Eu era jovem demais para saber que existe algo que chamam de vocação e que, provavelmente, a minha havia despertado com a visão daquela mulher arrebatadora no palco e a situação-limite que o teatro nos tinha apresentado. Devo isso ao professor Gáudio, a todos os espetáculos a que ele nos levou. Capítulo V A Bravura Secundarista Não bastasse sua nobre missão de nos levar ao teatro e despertar em nós o encantamento, o professor Gáudio nos fazia apresentar os trabalhos acadêmicos dramatizando os temas. Ele não queria trabalho escrito, e sim que achássemos uma maneira de apresentar algo no palco do teatro da escola. Era uma turma muito criativa que inventava cenas e mais cenas. A professora de Filosofia também queria que se fizessem os trabalhos de Filosofia de forma dramatizada e eu me lembro de uns lençóis pintados com letras gregas onde fizemos os Diálogos de Platão. Eles revolucionaram tanto o modo de ensinar que o professor Gáudio convenceu a diretoria da escola a chamar Fernando Muralha, diretor de teatro, que escolheu montar alguns poemas de Beltolt Brecht. Foi aí que eu entrei em contato com a obra de Brecht. Isso em 1965, 1966. Embora o regime militar fosse endurecer violentamente após a promulgação do Ato Institucional nº5 em 13 de dezembro de 1968, tudo isso aconteceria depois do golpe militar de 31 de março de 1964, o que significa que aqueles professores tinham uma coragem inusitada e uma atitude que eu chamaria de revolucionária. Era maravilhoso para nós porque a professora de Filosofia nos levava para sua casa e nos dava para ler as obras de Jean-Paul Sartre. Soube mais tarde, quando já tinha saído do colégio, que os professores haviam sido demitidos, o colégio se tornou um horror. Todo o movimento estudantil do qual eu participei foi nesse colégio, com esses professores. E ainda contava com o apoio do meu pai. Ele tinha mudado de profissão e a cantina da escola, assim como o bar na frente da escola, era dele. Quando havia alguma passeata, ele juntava um saco de rolhas para jogar nos cascos do cavalo. Eu participava das passeatas no centro da cidade como secundarista, sem muita organização, nunca fui liderança de nada. Eu tinha a consciência do que a juventude permite. Não tinha a real consciência do perigo, e sim a da maravilha que era sair e combater a opressão. Inesquecível foi assistir a Os Fuzis da Sra. Carrar, de Brecht com direção de Flávio Império, montagem do Tusp, sendo que o estudante Alexandre Vanucchi Leme, já tinha sido morto pela Polícia Militar, e tínhamos visto sua camisa ensangüentada. Cada ida teatro era uma manifestação. Voltávamos tomados por um desejo irrefreável de liberdade. E tudo isso ainda no colégio. Os professores de Física, Biologia, Francês eram todos militantes, democratas. Então, pegaram aquela turma e deram um ar de instrução. Através da Educação nos ensinaram a lutar pela democracia. No meu caso, direcionei esse anseio para o teatro. Comecei a participar do grêmio da escola no departamento cultural. Os jornalistas Sérgio Gomes e Paulo Markun eram de lá. Sérgio era um dos editores de O Boré, nosso jornal interno e lá organizávamos ciclos de cinema. Assim, vi os filmes de Luis Buñuel, Ingmar Bergman e inúmeros clássicos. Apesar de tudo, continuava muito tímida e minha mãe se incomodava com isso. Ela esperava que eu fosse mais extrovertida, como ela talvez. Eu não tinha nem namorado, demorei a namorar, não me interessava por ninguém. Na verdade, eu tinha medo da rejeição, pois, não me sentindo bonita, achava que ninguém iria sequer olhar para mim, o que também a incomodava. Capítulo VI Situações-limite O fato é que, nesses anos em que cursava o Curso Clássico, meu grande interesse era estudar. Comecei a freqüentar um curso no jornal Folha de S. Paulo, sobre teatro. Estudava História do Teatro, Direção Teatral, havia professores interessantíssimos, mas a questão emocional persistia. Acho que essa questão da auto-estima, de sentir-me sempre inadequada, essa solidão intrínseca, só consegui enfrentar realmente no trabalho. O teatro me ajudou muito a superar coisas dificílimas. Entretanto, existe um momento na vida em que grandes crises acontecem por questões externas e detonam um processo de depressão embutido. Tive uma primeira crise quando ainda trabalhava na TV Tupi, e vivia uma separação conjugal. Eu, que sempre refutara a questão da psicanálise e tinha até certo preconceito, me deparei com uma situação em que precisaria de ajuda profissional. Me dei conta disso um dia em que eu simplesmente estava numa rua, no bairro do Sumaré e me perdi. Saí da TV Tupi e perdi o rumo. Nesse dia, sem saber o que fazer, um amigo pas-sou por mim. Acho que uma mão divina o fez passar por lá. Ele me levou imediatamente ao consultório de um psicólogo, lá perto. Fui melhorando, e descobrindo o poder das palavras no processo de autoconhecimento. No início de 1998, eu participava, com o querido Othon Bastos e Laerte Morrone, de O Desafio de Elias, uma minissérie bíblica na TV Record, e mais uma vez a coisa me pegou. Felizmente, tinha a minissérie para gravar. Chegava ao estúdio arrasada e vestia aqueles figurinos bíblicos lindos da Leda Senise, fazia calor, o estúdio não tinha arcondicionado, mas nada disso me incomodava, eu gravava, me concentrava, convivia com atores e amigos maravilhosos, e aquilo foi muito importante para mim. O trabalho sempre me salva, não por ser a arte de representar, mas por ser trabalho e eu gostar de fazê-lo. Se gostasse de Medicina, tenho certeza que seria o mesmo. Nessa ocasião outra grande amiga me ajudou também, Riwka Schwarc, produtora teatral, falecida, eficientíssima e cheia de vigor. Eu a conhecia desde a montagem de Feliz Ano Velho, nos anos 80. Éramos amigas, mas nos víamos muito pouco. Ela gostava de me telefonar às vezes para contar piadas. Num desses telefonemas ela percebeu que eu não estava bem e propôs que nos encontrássemos. Fomos ao cinema, conversamos e ela fez a ponte com uma profissional exemplar e pessoa maravilhosa, que sem me conhecer telefonou para minha casa, em pleno Carnaval, e se colocou à minha disposição para que eu a chamasse caso necessário. Esse encontro foi um divisor de águas e, a partir daí, fui encontrando equilíbrio e crescimento pessoal. Capítulo VII O Acaso que Não é Acaso Ironicamente, quando fiz Lembranças da China, de Alcides Nogueira e com a direção deslumbrante de Jorge Takla, Laura, minha personagem sofria de síndrome de pânico e eu não sabia o que era. Até então, eu não tinha sofrido minhas crises. Alcides me explicava e eu não entendia. Não havia tanta literatura a respeito, era algo de que se falava pouco, que estava começando a aparecer. Até aquele dia em que eu me perdi no meio da rua, no Sumaré e não tinha idéia do que me acontecia. Acabei usando muitas experiências pessoais nas personagens. Aprendi que é sempre necessário tomar muito cuidado consigo mesmo, porque, talvez pelo fato de vivermos estimulando emoções, talvez pela vida instável que temos, a exigência emocional é maior. É muito importante saber que raramente se tem uma vida estável escolhendo essa profissão. Estamos continuamente encontrando e nos despedindo de pessoas, de elencos, de trabalhos. Alternamos momentos de fartura com momentos de escassez, então é preciso buscar esse equilíbrio para se manter dentro da profissão, para não desistir e num momento de vazio, não jogar tudo para o ar e ser infeliz pelo resto da vida. Existem muitos de nossos colegas que sucumbem e isso é penoso. É preciso ter consciência de que isso é apenas mais um momento, que passa, que depois alguém lembra de você, ou que você organiza um grupo, ou que você acha uma peça e consegue um dinheiro e consegue montar. Atualmente me parece que em todas as profissões se encontram essas dificuldades. Mas no nosso caso a emoção está empenhada até a raiz, todos os dias de trabalho. Convivemos com essa instabilidade, sempre preocupados com quantas pessoas há na platéia, quanto será a minha porcentagem hoje, se vou conseguir pa-gar as minhas contas no final do mês, e ainda temos que trabalhar a plenitude da persona-gem. São muitos acúmulos, e só a maturidade me deu a compreensão e a aceitação para lidar com cada um deles. Como, por exemplo, para fazer uma personagem louca, é quando você tem que estar o mais equilibrada possível, para não perder o eixo. Quando interpretei Florbela Espanca, em 1991, personagem trágica, uma das mais contundentes que Alcides construiu, eu enfrentava um momento muito difícil de nossa vida, minha e do Alcides. Cada qual com seus dramas pessoais, perdas pessoais devastadoras, além das dificuldades financeiras para uma produção grande e difícil. Eu interpretava uma mulher desestruturada. Genial, sofrida, e desequilibrada. Apaixonada, como todas as personagens que o Alcides escreve. Acredito que todas essas depressões e tragédias pessoais podem se transformar em ensinamentos e é importante ressaltar que teatro não é terapia, as pessoas têm que saber disso, tem que ter rigor e domínio técnico e saber separar ator e personagem. O teatro pode ser libertador, pode fazer desabrochar a essência de um ator, mas jamais ser usado como uma válvula de escape. Capítulo VIII A Arte Cura mas Não é Remédio Suponho que minha timidez não iria durar a vida inteira. Estávamos no final dos anos 60. Minha mãe, sempre preocupada com esse fato, tinha visto um anúncio no jornal que apresentava um curso de desinibição, no TBC, ministrado pelo ator e diretor Emílio Fontana. Ela me inscreveu e comecei as aulas, paralelamente aos cursos na Folha de S. Paulo. Num dos cursos da Folha, eu me lembro, por exemplo, do dia em que foi o elenco de Arena Conta Tiradentes, e vi Dina Sfat na minha frente, cantando, fazendo uma cena. Um registro indelével em mim. Os professores faziam parte do corpo docente da Universidade de São Paulo, o nível intelectual era altíssimo. Eu atravessava a cidade. Saía do Brooklyn, descia na Praça das Bandeiras, andava até a Folha de S. Paulo no centro, voltava de noite, pegava ônibus na Praça das Bandeiras, voltava pra minha casa, andava, e fazia isso duas vezes por semana, porque eu adorava esses cursos. Eu gostava de ver teatro, aquele que o professor Gáudio tinha me ensinado a amar. Fiz o curso do Emílio Fontana durante seis meses. Não tenho muita consciência do que fiz, não me lembro com nitidez das aulas, mas sei que na última prova, no último dia, ao cabo de seis meses, ensaiamos uma cena da Antígona de Sófocles, e Emílio veio me dizer que eu tinha talento. Eu gostava de fazer as aulas, achava divertidos aqueles jogos, fazia aula de voz, mas jamais tinha imaginado ouvir isso. Eu que queria ser aeromoça, fazer Curso de História, ao ouvir a opinião do Emílio e o conselho de continuar o curso fiquei perplexa. Aquilo pra mim foi um assombro, como é que alguém podia dizer que eu era boa em alguma coisa, já que nunca ninguém tinha dito que eu tinha alguma capacidade para alguma coisa? Um dos alunos do curso, me indicou o curso do Teatro de Arena. Me encaminhei para lá, fiz uma entrevista com a saudosa Heleny Guariba, que fazia a seleção com a Cecília Thumin, esposa do Augusto Boal. Eu sabia que era uma seleção e me perguntava como passaria por aquele teste. Seriam 15 selecionados e fui escolhida. O obstáculo maior é que eu não tinha dinheiro para pagar. O curso era mais caro que os outros, então propus ao meu pai que eu trabalharia em sua cantina e ele me daria o dinheiro para que eu pagasse o curso. Eu estava no 3º colegial, trabalhava na cantina, de noite ia para a escola de teatro e meu pai me dava o dinheiro pra pagar. Foi aí que comecei efetivamente minha vida no teatro, fazendo o curso com Cecília e Heleny. Era maravilhoso. Eu convivia com os atores que faziam a remontagem de Arena Conta Zumbi, os artistas do Chiclete com Banana. Eu me lembro de Zezé Motta dormindo num banco lá em cima no Teatro de Arena. Aquela visão pra mim, linda, dormindo num banco, descansando entre um ensaio e outro. Me lembrei de quando tinha ido ver Paulo Autran, fazendo Édipo Rei, levada pelo professor Gáudio, de uniforme de colegial, deslumbrada com o Paulo fui ao camarim e ele me recebeu. Eu o observava tirando a maquiagem, uma coisa mágica, ali no Teatro Maria Della Costa, e ele ainda fazia debates com os alunos no fim do espetáculo para analisarmos Édipo Rei. Ele tinha essa capacidade de escuta, gostava de saber o que as pessoas achavam, e ouvia de verdade. Era lindo, porque ele recebeu crianças, jovens. Isso também é um momento inesquecível. Quando comecei a ir para o Teatro de Arena eu comecei a conviver com a simplicidade dos grandes artistas. Eu via fascinada Plínio Marcos, ainda um garoto, que ficava por ali na porta, conversando com todo mundo. O grande Plínio Marcos. Depois até consegui que ele fosse até meu colégio falar com os alunos. Eu pedi e ele foi, falou com todas as turmas. Ao mesmo tempo em que estudava no Arena, entrei na faculdade de História. No curso do Teatro de Arena conheci Celso Frateschi. Começamos juntos e logo nos entendemos. Por exemplo, Heleny nos mandou formar um grupo e ensaiar em casa a primeira cena de Hamlet, de William Shakespeare. Fomos então Isa Kopelman, Celso e eu para a casa da Isa. A partir do trabalho é que começamos a namorar; Celso e eu acabamos nos casando. Até mesmo o amor, o afeto, a maternidade entraram na minha vida pela porta do teatro. Capítulo IX Teatro de Arena, uma Ode à Liberdade Mais do que um curso, era uma vivência. Aprender com Heleny Guariba, Cecília Thumin, Augusto Boal. Encontrei pessoas deliciosas, vigorosas, e as aulas não tinham hora para acabar. Eu tinha um problema seriíssimo, porque eu ficava até meia-noite, uma hora da manhã, minha mãe me esperava todos os dias na janela dizendo que eu mataria meu pai do coração se continuasse daquele jeito. Papai realmente sofria do coração e está vivo até hoje, graças a Deus. Foi Heleny, militante importante na luta revolucionária brasileira, quem me deu o entendimento da dramaturgia de Bertolt Brecht. O raciocínio, a estrutura do pensamento, a dialética, as questões da função da arte. Isso serviu de base para minha proposta de trabalho a partir daí. Até hoje é profundamente doloroso saber que Heleny não está mais entre nós, covardemente assassinada pela tortura. Já Cecília Thumin trabalhava com o aspecto emocional, os primórdios de Stanislavski, a identificação com a personagem, a memória emotiva, e um pouco de Grotowski, o Teatro Físico, a importância do corpo no trabalho de palco. Tivemos aulas com o extraordinário ator Rodrigo Santiago, recém-chegado dos Estados Unidos, com técnicas de Stella Adler e do Actor’s Studio. Fui cercada por essas duas correntes e sendo formada por isso. É nesse momento, em 1970, que surge a oportunidade de participar do primeiro festival internacional da minha vida, em Buenos Aires. Boal tinha fortes ligações com a Argentina, já que sua mulher Cecília Thumin, uma das pessoas mais adoráveis que conheci, é de lá. E lá fui eu, pela primeira vez entrando num avião e saindo do país. Pela primeira vez acompanhada e, o melhor de tudo, para trabalhar num outro lugar. Viajamos com Teatro Jornal e com o elenco do Arena Conta Zumbi: Antonio Pedro, Bibi Vogel, Lima Duarte, Hélio Ari. Já no desembarque, recebemos no aeroporto, carteirinhas do sindicato de atores, nós que no Brasil trabalhávamos com a documentação que nos caracterizava como prostitutas. Recebemos também um impresso descrevendo os direitos que teríamos como trabalhadores temporários naquele festival. É fácil imaginar como se sentiu aquela menina de 19 anos que eu era. Lá, pude acompanhar vários debates e conhecer alguns importantes diretores latino-americanos entre eles Enrique Buenaventura, da Colômbia. Ainda em Buenos Aires, comecei a ensaiar o papel de Cecília Thumin, que pedira substituição em Zumbi por não poder participar do Festival de Nancy, na França, que se daria no ano seguinte, em 1971. Ao mesmo tempo, o Arena vivia uma crise econômica muito grande e Boal, que tinha uma participação política importante na luta contra a ditadura, acabou sendo preso naquele ano. Foi terrível, um pandemônio, todos desnorteados, não sabíamos o que fazer. E ainda havia o convite do Festival de Nancy. Com a prisão de Boal, formou-se um movimento nacional e internacional muito grande para que ele fosse libertado. O ator Luiz Carlos Arutin, sócio e administrador do teatro, levantou uma dívida, reuniu doações, e conseguiu comprar as passagens para que fôssemos para Nancy. Tudo isso fazendo parte do movimento para a libertação do Boal. Entrei então no elenco do Zumbi no lugar de Cecília. Com a conclusão do curso, estávamos ensaiando também Arena Conta Bolívar, porque queríamos levar os dois espetáculos para Nancy. Bolívar estrearia no Brasil e depois iria para a França. Com Boal preso, interrompeu-se todo o processo, mas era importante não desistir e fomos para o Festival. Praticamente, minha estréia no teatro profissional se deu em Nancy, com Antonio Pedro no elenco, Lima Duarte, Bibi Vogel, Margot Baird, Celso Frateschi e os músicos. Tudo era absolutamente desconhecido para mim. Paralelamente ao Zumbi, resolvemos levar o Teatro Jornal que tínhamos levado para Buenos Aires. A partir do curso, formou-se um pequeno grupo, chamado Grupo de Teatro Núcleo, que trabalhava no Areninha no andar de cima do Teatro de Arena, onde havia um teatrinho de 70 lugares. Lá, tínhamos apresentado o Teatro Jornal, Primeira Edição, considerado por Sábato Magaldi, um de nossos críticos mais importantes e apreciados, um exercício de liberdade. Sábato e o Professor Anatol Rosenfeld nos incentivavam muito. Não passávamos pela censura, era um desafio cívico não se submeter a ela, e levamos os dois espetáculos para a França. Fomos com Dulce Muniz, Hélio Muniz, seu marido na época, Edson Santana, Ana Jovert e Jaques Jovert, que jogava capoeira. Porém, não havia onde apresentar o Teatro Jornal. Por ser um teatro de intervenção, fazíamos as representações no refeitório onde todos os participantes do Festival se encontravam e nos pátios das Universidades. Era de uma ousadia absoluta em que se denunciava a tortura no Brasil, a partir de notícias de jornal dramatizadas. Um grande impacto. Soubemos que o mítico diretor inglês Peter Brook havia montado um espetáculo em que se queimava uma borboleta pra denunciar as bombas de gás napalm usadas pelos americanos na Guerra do Vietnã, com conseqüências desastrosas. Isso nos levou a pensar que teríamos de ter algo contundente no Teatro Jornal a fim de denunciar as torturas que estavam acontecendo no Brasil. Decidimos usar uma pomba numa cena antológica, e de grande violência. Hoje jamais faria isso. O movimento estudantil mundial era muito forte. Nos Estados Unidos, os alunos estavam sendo reprimidos dentro das universidades e chegaram a ser assassinados porque protestavam contra a Guerra do Vietnã. Gravamos então uma notícia em que falávamos de um estudante americano, Jeffrey Miller, assassinado numa manifestação. Fazíamos uma cena com toda a descrição do fato, como se fosse um telejornal. Durante a narração, um ator entrava com fraque, cartola, e um figurino de mágico. Ele tirava a pomba da cartola, dava um pedacinho de pão e mostrava a pomba para o público, no Areninha. Em seguida, ele colocava a pomba bem bonitinha em cima da mesa, pegava uma pedra e a massacrava. A certa altura da cena, eu fugia, ia me esconder no andar de baixo, no Teatro de Arena porque era forte demais para mim, mas é preciso compreender que naquele momento era a força da denúncia, de uma coragem que só quem viveu aquele momento pode entender por que fizemos isso. Boal preso, as pessoas morrendo, Heleny desaparecida. Aquilo era das denúncias mais impressionantes que se podia fazer, ao vivo, com sangue de verdade. Fizemos no Areninha e na França. Dentro desse espírito do teatro de intervenção, fomos para o refeitório do Festival e começamos a roubar comida de todos os pratos dos outros. As pessoas gritavam, diziam que a comida era delas. Os europeus se assustavam, não estavam habituados a algo tão violento, embora os movimentos estudantis estivessem acontecendo, desde maio de 68 com as barricadas em Paris. Essa vitalidade do grupo brasileiro era impressionante. Acabei fazendo a abertura do Zumbi em francês, língua que eu mal falava, tendo feito apenas um curso básico, mas o Boal escreveu um texto para mim, enfrentei a insegurança naquele teatro imenso em Nancy e foi maravilhoso. Minha estréia em teatro foi assim, assustada, mas glamourosa, porque na França, a atividade artística era louvada. Viajamos pelo País com o espetáculo e, ao ser libertado, Boal foi nos encontrar em Roma. Muitos brasileiros viviam na Europa naquela época. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jards Macalé e tantos outros. Todos tinham imensa saudade do País e viviam se reunindo para achar algum consolo para aquela dor. Foi grande a tentação de ficar por lá também. Não voltar para a atmosfera asfixiante de um País sem liberdade de expressão. Entretanto, eu sabia que era aqui que eu poderia continuar exercendo meu trabalho como atriz. Minha pátria é minha língua. Era importante que aqueles que tivessem uma visão crítica da situação do país sem correr um risco iminente de vida, ficassem trabalhando no País. Assim voltamos, deixando em Roma, numa dolorosa despedida, nosso querido diretor, amigo, mentor Augusto Boal. Enquanto grupo, mantivemos por muito tempo ainda tudo o que havíamos aprendido com Boal desde construir até apresentar o ato teatral, sendo a nossa raiz até hoje. É cristalino que o teatro entrou em minha vida não como uma profissão ligada a um desejo de ascensão ou sucesso, mas se constituiu numa transformação pessoal em sua totalidade. A cada dia, o curso de História da Universidade de São Paulo monitorado pela ditadura me parecia menos interessante e mais burocrático se comparado à força criativa que se manifestava a cada ensaio, a cada apresentação. Carta de Boal para Denise Capítulo X Nosso Mestre Usurpado Ali nos despedimos, Boal permaneceu no exílio e nós voltamos para o Brasil. A triste e inevitável separação do grande mestre, Augusto Boal, nosso líder que brincava dizendo que ele era um jesuíta e nós o devíamos seguir. O Teatro Jornal foi, na verdade, a origem do Teatro do Oprimido, que Boal desenvolve até hoje. Ao voltarmos para o Brasil, Celso Frateschi, Dulce e Hélio Muniz, Edson Santana, Antonio Pedro, Margot Baird e eu formamos um grupo e tentamos com Luiz Carlos Arutin impedir a morte do Teatro de Arena. Montamos uma pequena colagem latino-americana, fruto do encontro com outros grupos da América do Sul em Nancy; Doce América, Latino-América tinha a coordenação de Antonio Pedro e texto do Plínio Marcos. Fizemos algumas apresentações, mas não tínhamos mais condições de convivência. O teatro estava completamente sem dinheiro, começavam as discordâncias sobre como garantir a sobrevivência do teatro e acabamos saindo. Saímos com a idéia de que o teatro era um movimento de grupo, e como tínhamos nascido no núcleo 2 do Arena, criamos o Grupo de Teatro Núcleo. Era um núcleo de trabalho. Maurício Segall nos acolheu no Studio São Pedro e fizemos, com Fernando Peixoto, em 1972, uma comemoração dos 50 anos da Semana de Arte Moderna com texto de Carlos Queiroz Telles, cenário e figurinos deslumbrantes de Helio Eichbauer em que interpretei Daisy, primeira mulher de Oswaldo de Andrade por quem fiquei totalmente apaixonada. Eu vivia como a personagem, num clima permanente de paixão, e foi nesse estado que Celso e eu nos casamos, fazendo esse espetáculo. Nós nos casamos na casa do Celso, onde também fizemos uma festa. O Padre Augusti, muito amigo nosso, celebrou a cerimônia. É o mesmo Padre Augusti, que aparece em Lua de Cetim, porque o Alcides, que eu ainda não tinha encontrado, conhecia-o, da cidade de Guaxupé. Uma dessas coincidências inexplicáveis. Padre Augusti era ligado à Teologia da Libertação, fazia um trabalho extraordinário no interior de São Paulo, onde fizemos vários espetáculos. Batalhador incansável, criou uma olaria para fazer tijolos e ajudar o problema de moradia dos trabalhadores da região. Foi uma cerimônia muito bonita, com os nossos amigos e um texto lindo que ele leu. O Fernando Peixoto, nunca esqueço, tinha um Fusca e foi nos levar para casa. Como tínhamos que apresentar o espetáculo no dia seguinte não teríamos luade-mel. Fernando se ofereceu para nos acompanhar em casa, mas o carro não andava, quebrou, aí saíram noiva, noivo, amigos, todos a empurrar o Fusca dizendo: Ai, meu Deus, não dá sorte dar carona pra noiva. Capítulo XI Impetuosa Revolução Trabalhamos no Teatro São Pedro, com Maurício, mais algumas vezes. Fizemos um espetáculo sobre a queda da Bastilha inspirado em 1789, espetáculo dirigido por Ariane Mnouchkine, que tínhamos visto na França no Théâtre du Soleil. Descaradamente, pegamos algumas cenas e colocamos no espetáculo, porque não acreditávamos nessa história de propriedade intelectual. Vivíamos debaixo de uma ditadura tão terrível, sem condições de trabalho que usaríamos tudo o que fosse considerado importante e útil para o trabalho. Até Enrique Buenaventura, o autor colombiano que admirávamos tanto dizia que as idéias não têm dono. Nossa intenção não era a de roubar as idéias, mas não deixamos de nos inspirar no que tínhamos visto. O espetáculo foi muito bem-sucedido, uma vez que através da história da Revolução Francesa, se falava da burguesia brasileira e da ditadura militar. Havia uma cena extraordinária em que panfletávamos sobre a platéia com papel em branco. O simples ato de panfletar, em 1973, era uma loucura. Sempre tivemos esse conceito do teatro ativo, participante, caminhando passo a passo com as necessidades da sociedade, isso era uma coisa muito importante para nós e, naquele momento, funcionou muito bem. O espetáculo foi tão bem recebido que estreou no Studio São Pedro e desceu para o Teatro São Pedro, o teatro grande. Era maravilhoso, porque se vendia para escolas ininterruptamente, e chegamos a nos apresentar no Teatro Municipal, naquelas semanas maravilhosas que o Sábato Magaldi proporcionava aos espetáculos dentro do Teatro Municipal, quando era secretário Municipal de Cultura. A Queda da Bastilha começava na rua. Começávamos vestidos de mendigos e éramos atores absolutamente desconhecidos, jovens. Nos apresentávamos como guardadores de carro. No Teatro São Pedro, Beatriz Segall e um elenco estelar apresentavam Frank V, de Friedrich Dürrenmatt, com direção de Fernando Peixoto. Íamos então pedir esmolas na fila, para aquele público mais tradicional de teatro e as pessoas acreditavam que fôssemos mendigos. Quando elas subiam para a platéia e nos viam no palco, era um choque, porque a maioria das pessoas nos tratava mal. Quando elas chegavam aos seus lugares e viam que éramos atores, o desconforto se instalava. Ou seja, fazíamos uma provocação constante com a platéia, era nossa preocupação permanente: denunciar a letargia, chamar atenção para a questão social. Foi fazendo esse espetáculo que acabamos presos. Eu e Celso, na porta do teatro, vestidos de mendigos, eu ainda pedi que me deixassem trocar de roupa, subi, deixei o figurino no camarim, mas o Celso foi de mendigo. Não pensei em fugir porque os policiais estavam armados com um revólver enorme. Nunca tinha visto nada parecido. Fomos levados ao DOI-CODI, a assustadora sede do Segundo Exército e da temida Operação Bandeirantes, a OBAN, que perseguia os oponentes ao regime militar, onde permanecemos desaparecidos, seqüestrados. Passados 15 dias, nos soltaram. No DOI-CODI, percebi que muita gente da Faculdade de Geografia da Universidade de São Paulo estava presa. Nós trabalhávamos na formação de grupos de teatro na universidade, e acho que foi com essa alegação que acabamos presos. E lá também, descobri que se encontrava Idibal Pivetta, o César Vieira, dramaturgo e advogado que, no fim dos anos 70, defendeu muitos presos políticos. Um dia, resolveram que podíamos ir embora. Viramos as costas e fomos saindo daquele quartel e eu nunca me esqueço daquela sensação de medo, e de nos perguntarmos se era mesmo para sair, atravessar o pátio ou se algo poderia nos acontecer. Foi um momento de horror, ninguém nos esperando, entramos num táxi, sem dinheiro e fomos pra casa de minha mãe, que pagou a corrida. Capítulo XII Um Anjo Dentro de Mim Em conseqüência desse grande susto ficamos totalmente abalados, mas voltamos a trabalhar no Studio São Pedro e começamos a ensaiar O Prodígio do Mundo Ocidental. Foi, então, que César Vieira nos convidou para integrar o elenco de O Evangelho de Zebedeu, dirigido por Silnei Siqueira, com um grupo de Santo André, do qual fazia parte a querida Sônia Guedes. O espetáculo participaria do Festival de Manizales, na Colômbia. Acho até hoje que ele nos convidou por um gesto de solidariedade, para nos tirar do Brasil. E foi na Colômbia que eu engravidei. Sempre tive verdadeira paixão por mambembar com o teatro. Não permanecer numa cidade ou no mesmo espaço por muito tempo, com um espetáculo. Jamais me fixar. Descobrir cidades, países, públicos com um trabalho cênico é algo estimulante, especialmente porque adoro o desafio de um palco desconhecido, um público novo e, acima de tudo, a mudança. Isso exige maior rapidez na adaptação das marcas, na apuração do ouvido para entender a reação do público. O ator é colocado em estado de alerta permanente, de extrema prontidão, e isso me fascina. É também por esse motivo que me emocionei até as lágrimas com Il Viaggio di Capitan Fracassa, o esplêndido filme que Ettore Scola realizou em 1990, com um elenco europeu como poucas vezes se viu. Além de Vincent Perez, Ornella Mutti, Emanuelle Béart, o inesquecível Massimo Troisi prematuramente falecido, entre muitos outros, até Ciccio Ingrassia, célebre comediante italiano dos anos 60 fazia parte de uma das obras que mais fielmente retrataram o universo mambembe. Sem deixar de lado o não menos pungente Les Enfants du Paradis, o Boulevard do Crime, dirigido por Marcel Carné em 1945, com o grande Jean-Louis Barrault como Baptiste e Arletty como Garance, em que se pode vivenciar em detalhes as teias de nosso ofício. Fomos para o Festival, fizemos um estágio maravilhoso no Teatro de Cali de Enrique Buenaventura, no qual pudemos aprofundar as técnicas de trabalho de grupo. O grupo de teatro Experimental de Cali era extraordinário. Pudemos ver como eles trabalhavam, faziam a criação coletiva, que depois se tornou uma febre no Brasil. Eles baseavam-se no texto de Buenaventura, ensaiavam cena a cena, e o Enrique reescrevia as cenas. E assim por diante, até adquirir uma forma final. Algo como o que Alcides Nogueira viria a fazer com Feliz Ano Velho. De Cali, fomos a Buenos Aires, onde viviam Augusto Boal e Cecília, depois de retornarem da Europa. Boal nos convidou para ficar em Buenos Aires e formar um grupo de teatro latino-americano, mas eu sentia enjôos intensos. Cecília olhou pra mim e foi a primeira a me dizer que eu estava grávida. Então me lembrei de algo inexplicável que durante algum tempo aconteceu comigo na Colômbia. Fui acometida de um sono incontrolável. Chegava a cochilar em cena, quando ficava ao fundo embalando uma boneca esperando minha entrada. Cheguei a ser sacudida pelo Celso, que também fazia o espetáculo! Pensei ter sido mordida por uma mosca tropical causadora do tal sono. Dormia na platéia de outros espetáculos, no ônibus; eu simplesmente dormia... Era o André que se preparava dentro de mim. Voltamos para o Brasil para organizar algumas coisas e nossa intenção era voltar para a Argentina e trabalhar com Boal e Cecília. Durante nossa volta aconteceu o golpe militar na Argentina, Boal teve que ir embora e não pudemos voltar para lá, obviamente. Eu digo que o André me salvou, o André é o anjo da minha vida que começou me salvando ali, com essa gravidez. Ele me tirou de lá. Não quero imaginar o que teria sido do Celso e de mim, jovens, debaixo daquele golpe. Felizmente Boal e Cecília conseguiram escapar e voltaram para a Europa. Na volta, continuamos no Studio São Pedro com a Bastilha e comecei a traduzir de um livro espanhol que eu tinha comprado na Argentina, os diários de Bertolt Brecht, para que pudéssemos estudar e usar. Até o final da minha gravidez eu ficava traduzindo do espanhol para o português os diários de Brecht e as obras de Buenaventura que tínhamos trazido. André nasceu com 8 meses em 1974. Olho para trás hoje e não me dou conta de que eu tão jovem era mãe e não tinha noção dessa responsabilidade. Eu sabia que precisava ganhar dinheiro para sustentar meu filho. A situação era mais delicada. Estávamos montando Frei Caneca, de Carlos Queiroz Telles, com direção de Fernando Peixoto, no teatro grande que chamávamos de São Pedrão. Eu tinha um papel pequeno, porque quase não havia papéis femininos, e fazia assistência de palco e de direção. Trabalhava sem parar, um dos atores nunca chegava no horário, e Maurício gritava comigo, eu tinha que pegar o meu Fusca e pegar o ator que estava dormindo em casa porque tinha bebido demais, achei que iria enlouquecer. Foi nessa produção que conheci Othon Bastos, pessoa extraordinária, um ator maravilhoso, e um amigo de quem gosto muito até hoje. O Othon fazia o Frei Caneca, um espetáculo lindo também com cenários do Helio Eichbauer. Esse foi praticamente o final da nossa participação no Teatro São Pedro. A essa altura, Maurício Segall também tinha sido preso e o teatro já estava se encaminhando para um outro processo. Capítulo XIII Filhos Pródigos Com a ajuda de um patrocínio, Edson Santana, Reinaldo Maia, Lali Wright, Celso e eu alugamos uma sala de ensaio, um espaço no bairro do Bixiga, na Rua Treze de Maio, que se tornaria mais tarde o Café do Bixiga. Era um lugar abandonado, a casa caía aos pedaços, mas era tão barata que conseguimos alugar. Limpamos tudo, chamamos a prefeitura para desratizar e criamos um local de trabalho. Queríamos retomar os primórdios do Teatro Jornal e fazer um espetáculo de teatro jornal histórico, divertido e colorido. Assim, começamos a ensaiar A Epidemia, que o Celso escreveu a partir dos nossos ensaios e pesquisa sobre a epidemia de gripe espanhola no Brasil de 1918. Íamos à Biblioteca Municipal procurar material em jornais antigos e queríamos fazer um paralelo com a conjuntura do País. Recuperamos o entusiasmo de sempre. Minha irmã, Alzira, passou a trabalhar conosco como atriz nesse espetáculo. Havia vários atores iniciantes, outras pessoas que desistiram da carreira, e o espetáculo ficou extraordinário. Começamos a trabalhar na zona leste da cidade e a nos apresentar em clubes e escolas. Enquanto isso, para podermos sustentar nossa casa, Celso e eu trabalhávamos durante o dia na cantina escolar do meu pai. Às seis horas da tarde, íamos para a Bela Vista fazer todo o trabalho no teatro. Naquela época não havia trânsito nas ruas, então se chegava rapidamente aos lugares. Através de uma organização internacional de apoio à cultura, conseguimos um patrocínio para Grupo Núcleo. Preenchemos formulários, fizemos um projeto, mandamos tudo e conseguimos alugar um galpão, um armazém na zona leste de São Paulo que transformamos em uma sala de teatro. Nosso objetivo era formar grupos de teatro naquela região. Fomos para a zona leste e precisávamos de um fiador para garantir o aluguel. Nossa fiadora foi Ruth Escobar. Nenhum de nós tinha imóvel próprio ou parentes que pudessem nos garantir, mas Ruth ofereceu-se porque acreditava em nosso projeto. Nunca atrasamos o pagamento, mas ela correu um risco conosco. Tenho muita gratidão por ela por causa desse gesto. Montamos um teatro inteiro lá com arquibancadas, e passamos a trabalhar na Estrada de São Miguel 2002, um lugar inacreditavelmente longe de nossas casas. Nós trabalhávamos com grupos do Mobral, dando aulas de teatro e conseguimos também dar aulas no Teatro Martins Pena, na Lapa, na Penha e começamos a montar a sala de espetáculo. Foi nesse momento, no final de 1974, que me chamaram para participar de O Ídolo de Pano, de Teixeira Filho, minha primeira novela na TV Tupi. Dirigida por Henrique Martins com Tony Ramos, Dennis Carvalho e Laura Cardoso, que eu conheci aí e se tornaria uma companheira insubstituível, amiga de uma vida. Eu tinha muito medo da televisão, em primeiro lugar, e muito preconceito em relação a ela. Fui chamada porque o autor tinha me visto no palco e gostado do meu trabalho. Quando fui convidada disse ao Henrique que fa-ria a novela, mas como eu fazia teatro teria que sair para fazer meus espetáculos numa certa hora. Ele me disse que iria ver se isso seria possível. Nunca deixei de fazer um espetáculo sequer. Ele sempre se lembrava de que eu tinha que sair e dizia no meio da gravação: Vai embora, Denise, com aquele seu jeito maravilhoso. Fiz a novela toda, minha personagem se chamava Renée, foi o maior sucesso de Teixeira Filho, e o último grande sucesso da TV Tupi. Tanto, que depois dessa novela Tony e Dennis foram embora para a TV Globo. O teatro naquele momento ainda era mais importante na minha vida. Dentro do grupo, depois da bem-sucedida temporada de A Epidemia, montamos Os imigrantes, fruto de uma profunda pesquisa sobre a imigração italiana. Como trabalhávamos num bairro operário, queríamos justamente falar sobre a formação da classe operária brasileira com a chegada dos primeiros imigrantes italianos, e assim também falaríamos da nossa história, da nossa origem do Celso. Resultou num espetáculo lindíssimo, que mereceu do Sábato Magaldi uma página inteira, em negrito, no Jornal da Tarde, onde ele era crítico. Uma noite chegamos a São Miguel Paulista e havia dois carros oficiais com ele e toda uma comitiva da Secretaria Municipal de Cultura que tinham ido assistir ao nosso trabalho. Sábato sempre foi uma pessoa que levou em conta todas as mudanças e os fatos importantes que ocorriam no teatro. Ele não tinha preguiça, tinha e ainda tem uma devoção maravilhosa. Tudo isso foi um fator que nos facilitaria para obtenção de algumas verbas do Inacen, o Instituto Nacional de Artes Cênicas, que nos permitiria prosseguir com o trabalho. A importância desse homem no teatro brasileiro é impressionante. Capítulo XIV O Filho do Palco Os Imigrantes nos deu imensas alegrias. Profissionais e pessoais. Era 1977 quando meu filho André de quase 3 anos entrou no palco pela primeira vez. O cenário foi feito pela Alzira, minha irmã, que tinha acabado de se formar em Artes Plásticas na Faap, assim como os figurinos e a programação gráfica, e era tudo muito bonito. Não havia camarins e trocávamos de roupa embaixo dos praticáveis. Como André não tinha onde ficar, e muito menos babá, ele ia para o teatro conosco todas as noites e ficava debaixo dos praticáveis. Ele conhecia o espetáculo de cor, sabia tudo direitinho. Acho que naquela época já se desenhava a trajetória do meu filho, como algo orgânico entre a música e o teatro. No espetáculo cantávamos uma música que começava com Mamma, se manca vino que o André adorava. Uma noite, ele resolveu entrar em cena porque conhecia a música. Estávamos fazendo a cena e ele entra cantando Fa bene, fa bene, fa bene, bem pequenininho, com um público muito popular que lotava o teatro todas as noites, foi uma beleza. Ele continuou cantando na cena, com aqueles olhinhos lindos, então o carreguei no colo, continuei cantando e depois o deixei na coxia e disse: Você fica aqui, quietinho. Ele não entendia, queria mesmo era entrar em cena e cantar. Ele sempre foi comigo, mesmo depois que nos separamos, Celso e eu, ele continuou indo comigo. Durante os seis anos de temporada de Feliz Ano Velho, ele me acompanhou de perto, sempre que possível. Antes disso, na temporada de Lua de Cetim, em 1981, acontecia uma coisa maravilhosa. Umberto Magnani, meu marido no espetáculo, um grande companheiro de palco, levava seu filho Beto para o teatro. Nossos filhos ficavam atrás do palco e no início da peça, em que eu ficava sozinha em cena, uns cachorros latiam. Magnani, fora de cena, ficava atrás com os dois meninos latindo. As crianças adoravam isso e iam para fazer os cachorros. O André, no entanto, saía quando a Candelária, minha personagem, morria. Antes da cena da morte ele saía do teatro, não agüentava assistir porque era como ver a mãe morrendo. Ele viu uma vez e depois não viu mais. Quando ia chegando a hora ele saía, não agüentava ficar. O Alcides conta muito essa história. Afinal ele tinha 6 anos de idade. Mesmo viajando muito com Feliz Ano Velho, ele vinha se encontrar comigo todo fim de semana. Quando tinha aula, ele ficava morando com meus pais, nos fins de semana eu mandava uma passagem de avião e ele ia me encontrar, se achando muito importante, porque ele acabava conhecendo muitas cidades. Com 10 anos, ele conhecia todo o Brasil, adorava viajar sozinho, paparicado pelas aeromoças. Eram momentos muito especiais em nossas vidas. Comemoramos seu aniversário de 10 anos com uma festa que fizemos no hotel em Porto Alegre com todas as pessoas que acompanhavam o espetáculo. Inclusive o querido Marcelo Paiva. Às vezes, ele estava cansado para ir para o espetáculo, ficava no hotel e pedia batata frita e bife. Para ele, tudo era uma festa. De tanto acompanhar Feliz Ano Velho, quando ele passou a integrar o elenco na remontagem de 2000, Paulo Betti dizia que ele era a nossa memória, porque se lembrava mais do espetáculo do que nós todos que tínhamos feito. Ele podia reproduzir falas inteiras e marcas. Mesmo porque o espetáculo foi muito transformador na vida dele, como foi na de toda uma geração. Hoje, ele confessa que tinha muito medo por ser filho de quem é, de assumir que queria ser ator. Ele demorou a decidir se queria ser músico ou ator e hoje ele é os dois e não parou mais. Não por ser meu filho, mas ele é bom no que faz e vejo que uma de suas qualidades é ser um ator muito corajoso, que arrisca. Ele não fica no lugar comum e sempre diz: Se é para errar, eu erro grande. Ele cresceu vendo que o ato teatral pode se realizar das formas menos convencionais. Por exemplo, ainda na Zona Leste, nós levávamos o trabalho para as igrejas, praças públicas, fazíamos espetáculos musicais com Cleston Teixeira, músico, então casado com minha irmã. Havia também um espetáculo infantil, Robin Hood e o Xerife, que apresentávamos nos pátios das igrejas enquanto as mães faziam reuniões para discutir os problemas do bairro. Show de Primeiro de Maio era no altar. Trabalhamos muito essa proposta de popularizar, de fazer grupos de música, grupos de teatro nas escolas, nas igrejas, era momento muito importante. Tínhamos subsídio, mas o dinheiro não sobrava, nós precisávamos ter outras atividades, fazíamos trabalhos paralelos para viver. Eu estava, na época, na TV Tupi onde permaneci até 1978. Lá fiz quatro novelas, Ídolo de Pano, Um Dia, o Amor, com o insubstituível Carlos Zara, Um Sol Maior, em que eu e Marco Nanini éramos dois pianistas, e a segunda versão de O Direito de Nascer, com Carlos Augusto Strazzer e Beth Goulart. Consegui caminhar com minha carreira de televisão, continuando o trabalho do grupo de teatro, o que me custou muito na época, uma vez que havia preconceitos com relação a quem fazia televisão. Quase fui expulsa do grupo, fui praticamente julgada. Uma espécie de julgamento político. Foi um momento difícil da minha vida, porque receava estar traindo a arte que eu tinha escolhido. Demorei muito em ver o trabalho de televisão como algo importante, do ponto de vista artístico e uma atividade muito prazerosa. Carlos Zara me ajudou muito a ampliar minha visão. Zara era um homem extremamente íntegro que participava da atividade política brasileira. Com ele pude ver que o fato de fazer televisão não me tornaria uma alienada ou alguém que estivesse compactuando com a ditadura. Nesse momento, a partir dessas contradições que já estavam aparecendo, o Núcleo enquanto grupo estava chegando ao fim, assim como meu casamento com Celso. Ainda montamos Dois Homens Numa Mina, um texto de Enrique Buenaventura, com Celso e Reinaldo Maia, numa de minhas primeiras experiências como diretora. Quanto ao Núcleo, os obstáculos internos não conseguiram ser superados, os interesses começaram a mudar, assim como o País. Estávamos próximos da Anistia de 1979, e os partidos políticos começando a se reorganizar. Vimos que o trabalho das comunidades começava a ser usado pelos partidos em surgimento e a nós isso não interessava. Não queríamos ver instrumentalizado nosso trabalho. Não queríamos que nossa proposta de fazer com que cada um descobrisse seu potencial criativo fosse manipulado por partidos políticos. Foi um desgaste natural, o grupo dissolveu-se, algumas pessoas continua ram, mas eu saí e tomei a resolução de partir para uma carreira individual. Foi aí que me senti sozinha pela primeira vez. Eu não tinha mais um grupo, era uma atriz que teria que entrar no mercado sozinha. Com o fim do casamento, a transformação era radical. O primeiro espetáculo de que participei já desgarrada, era a montagem de Vejo um Vulto na Janela, me Acudam que Eu Sou Donzela, texto de Leilah Assumpção, dirigido por Emílio de Biasi, que disse ter me chamado por causa do meu passado político. Não gostei muito e disse que preferia que ele tivesse me chamado porque me considerava uma boa atriz. Hoje eu sei que ele queria dizer que eu tinha a experiência de vida necessária para compor a personagem. Mas, naquela época, até por causa dessa solidão e porque eu precisava provar que eu podia existir sozinha, eu queria ouvir que eu era boa atriz. Estreamos no Teatro Aliança Francesa. Uma peça que depois foi filmada. Entrei em contato com atores já consagrados: Ruthinéia de Moraes, Imara Reis, Cláudia Mello, Christina Pereira, Yolanda Cardoso, enfim um elenco só de mulheres. O Emílio deve ter-se quase enlouquecido com tantas mulheres. Muitas vezes, minha memória não é cronológica e isso é um dado importante para mim. O registro interior de certos momentos, verdades, sensações mais do que fatos que podem se confundir. Como, por exemplo, essa sensação que eu tive quando encarei pela primeira vez a carreira sozinha é tão atual para mim que parece ter acontecido ontem. Em Dois Irmãos, o escritor Milton Hatoum traduz essa sensação quando ele diz que: A memória inventa, mesmo quando quer ser fiel ao passado. Capítulo XV A Lua da Minha Vida O apartamento da Alameda Santos em que Renato Borghi nos recebeu para a leitura de Lua de Cetim abrigou momentos de uma emoção intraduzível. Como contei, ficamos arrebatados. Marcio Aurelio e eu. Não se pensava em outra coisa que não fosse montar o espetáculo. Ele chamou Umberto Magnani, um dos melhores parceiros de cena que tive na vida e começamos os ensaios numa das salas do Teatro Sérgio Cardoso, um teatro sempre generoso, onde até hoje inúmeros elencos podem ensaiar. Nossa equipe era maravilhosa: Elias Andreato, Ulysses Bezerra, Julia Pascale. Vivemos um processo extraordinário. Marcio Aurelio é um diretor que conhece tudo sobre os atores, não é à toa que ele é um professor admirado na Universidade de Campinas, a consagrada Unicamp. Além de tudo, é um esteta e consegue conjugar essas duas qualidades. Muito menino, trabalhando com um texto de uma maturidade assombrosa. Éramos todos, de certa forma, ainda muito jovens em 1981 ante a magnitude daquele texto. Era uma constante descoberta, todos os ensaios, todos os dias, um aprendizado, um enriquecimento. Eu não queria fazer outra coisa, ou pensar em outra coisa. Não se pensava em dinheiro, nada mais importava, só aquela paixão. Havia uma produção impecável, cenário e figurinos de Marcio e Elias, iluminação do Marcio, e houve uma repercussão que nenhum de nós esperava. O espetáculo causou imensa comoção na estréia, na Sala Funarte da Alameda Nothmann, e a temporada foi um sucesso. Nós não esperávamos essa reação extraordinária, especialmente porque sabíamos que era um texto arriscado. A anistia política era recente, e o texto colocava a questão da luta armada dentro da ditadura, da organização social alternativa e do crescimento através da educação. Mais espantoso ainda foi quando ganhamos o Prêmio Molière, eu e Magnani juntos – a coisa mais justa que poderia ter acontecido – e o texto ganhou os prêmios da Associação Paulista dos Críticos de Arte, a Apca, e do Instituto Nacional de Artes Cênicas, o Inacen. Era também a primeira vez que eu fazia no teatro um trabalho mais naturalista, mais psicológico, apesar de não ser uma atriz que se baseia de maneira fundamental no conhecimento psicológico da personagem. Pela primeira vez eu fazia uma mulher de família, muito inspirada em minha mãe e em minha avó Angelina. Eu a visitava e via como ela andava, como cozinhava, quais eram seus gestos cotidianos, porque não usava maquiagem ou aparato algum. Foi um trabalho de muita observação. Marcio Aurelio é extraordinário nisso e me ensinou muito. Com Lua de Cetim tive certeza de que era uma atriz, e que essa seria minha profissão para o resto da vida. Essa é uma vocação, acredito, porque vi muita gente que queria, até se esforçava, mas não conseguia seguir adiante. É preciso fôlego para suportar esse mergulho, essa verticalização que a profissão pede. Sinto que hoje, aos 55 anos depois de 36 de carreira, faço meu trabalho sem o sofrimento de tanto esforço. O treino, o conhecimento do outro, aprender o jogo, vão facilitando, dando o instrumental que permite abordar as personagens e as relações humanas envolvidas no processo, de uma forma cada vez menos sofrida. Fico tensa, mas não tenho mais medo. A ansiedade não leva a lugar algum. Numa leitura aberta ao público, ou no primeiro ensaio, do qual naturalmente faz parte a tensão, não tenho medo de errar, ou melhor, a necessidade de acertar. Desfruto o prazer da oportunidade. Gosto desse momento que eu estou vivendo como atriz e só lamento não ter percebido tudo isso antes, mas sou lenta, taurina. Sinto como uma grande conquista. Como tenho uma escola de teatro, vejo nos alunos e nos atores iniciantes, uma grande ansiedade, a necessidade de ter respostas imediatamente. As respostas estão muito escondidas, não estão escancaradas. É preciso desconfiar das respostas escancaradas. Além do que, existe uma urgência de ir para a televisão, de ser reconhecido, de fazer o primeiro papel. Do meu ponto de vista e a partir da minha experiência, não foi assim. Quanto mais tolerante me tornei, quanto mais me exercitei, mais tranqüila fui-me sentindo, menos assustada diante da minha própria profissão. Entretanto, houve momentos – depois de receber o Prêmio Molière, por exemplo –, em que a dificuldade de sobrevivência se sobrepôs. Pare-cia até que o prêmio era uma marca, como se as pessoas não oferecessem mais trabalho depois que você ganha um Molière. Acabei entrando como sócia numa lanchonete, no final da Av. Brigadeiro Luiz Antonio. Se há uma coisa na vida para a qual não tenho talento, é ser comerciante. É claro que o negócio fracassou. Mesmo assim, sempre à procura dessa segurança que não existe, tentei novamente, abrindo outra lanchonete com minha irmã. Depois de um tempo concluímos que, se era para continuar trabalhando como doidas para nosso sustento, o melhor a fazer era voltarmos para o que conhecíamos e acreditávamos. Foi o início da Oficina Teatral. O momento em que você quase desiste tem algo de contraditório, porque ele fascina sempre. Eu pensava que finalmente me livraria desse universo de competição, carência, dificuldade financeira, insegurança, inconstância e esse eterno recomeçar depois de um espetáculo, uma novela. Afinal, são anos e anos em que tudo se repete. Não é porque fizemos uma novela a que o país inteiro assistiu que nos chamam automaticamente para trabalhar. É preciso apresentarse novamente, dizer que você está à disposição, que você gostaria de fazer aquele trabalho, enfim, que você está no mercado. Não sei se isso é uma característica do Brasil. Li várias vezes que a grande Bette Davis colocou um anúncio no jornal pedindo emprego. Mas aqui é muito difícil, sempre foi, e eu tive que reinventar formas para sobreviver. É também por isso que, com todos os obstáculos inerentes à nossa profissão, tenho imenso orgulho de ter conseguido comprar uma casa com meu trabalho. Capítulo XVI Divina Providência Existe um fato aparentemente paradoxal. No mesmo tempo em que eu jamais passei em testes para filmes publicitários, porque desconheço esse universo e não sei transitar nele, assim que ingressei na televisão nunca mais parei. Trabalhei em todas as emissoras, com aquelas pausas que evidentemente geram a insegurança de não voltar a trabalhar. As chamadas entressafras. Mas os acasos, a sorte e as coincidências acabavam ocorrendo. E algumas histórias deliciosas. Como, por exemplo, o convite para participar da novela Os Imigrantes, da TV Bandeirantes. Eu iria participar de um programa vespertino para divulgar Lua de Cetim. Cheguei ao estúdio, gravei o programa e, ao sair, alguém me esperava para me dizer que o diretor Attilio Riccó queria falar comigo. Quando cheguei à sala do Attílio, era o Antonio Abujamra quem queria me ver. Ele dirigia a novela e me convidou para fazer a Mariinha, personagem que entraria na mudança de fase da obra e seria mulher do Paulo Betti, que eu já conhecia do teatro, mas com quem ainda não tinha trabalhado. Fiquei impressionada porque tinha ido gravar um programa de televisão e saí contratada para trabalhar numa novela. Chegando em casa, recebi um telefonema, em que me diziam que eu tinha ganhado o Prêmio Molière de melhor atriz de teatro, por Lua de Cetim. Eu já tinha negociado o salário com a televisão, mesmo porque nunca tive agente ou alguém que negociasse por mim. No dia seguinte, quando eu voltei à emissora, o Abujamra disse: Se você viesse acertar o salário hoje, iria pedir o dobro, não é? E caiu na gargalhada. Só de birra carinhosa escolhi o Abu para me entregar o Prêmio Molière. Eu simplesmente adoro o Abujamra, uma pessoa querida, inteligente e culto como poucos, diretor importantíssimo na cena brasileira e na minha vida. Me ensinou que não há lugar para a ingenuidade. É preciso estar sempre pronta. Agradeço a lição. Começamos a gravar, a novela era um grande sucesso e nos corredores do estúdio começou a esboçar-se um projeto de espetáculo com o Paulo Betti que, mudando de percurso, culminaria com Feliz Ano Velho, de Alcides Nogueira. Paulo me falou do livro, contou que havia sido professor de Marcelo Rubens Paiva e Marcos Kaloy na Universidade de Campinas. Antes disso, porém, nós queríamos montar algo que o Alcides escrevesse para o nosso querido Adilson Barros, grande ator já falecido, Paulo Betti e eu. O espetáculo se chamaria Fruto Verde, mas por um feliz acaso do destino, fomos a uma assembléia de atores e diretores organizada pelo Abu no TBC, em prol da preservação do teatro como Patrimônio Histórico da cidade. Marcos Kaloy procurou o Alcides já entusiasmado com o livro do Marcelo. Deixamos o antigo projeto e nos debruçamos no que seria Feliz Ano Velho, incorporando outros atores. Havia então duas pessoas oriundas de grupos. Paulo Betti que vinha do Pessoal do Vítor e eu do Grupo Núcleo. Naquela tentativa eterna de recuperar o trabalho de grupo decidimos reunir o que se chamaria Núcleo Pessoal do Vítor composto por Adilson Barros, Lília Cabral, que fazia a novela conosco, Christiane Rando que eu já tinha visto como Desdêmona numa montagem de Otelo, de Shakespeare, com Juca de Oliveira e Ney Latorraca entre outros, e direção coletiva. Capítulo XVII O Aprendizado é a Melhor Recompensa Ensaiávamos sem um tostão, nas condições mais precárias que se possa imaginar, num frio intenso dentro de um galpão na Praça Benedito Calixto. Mais parecia um porão, para onde também ia o Alcides, a fim de criar conosco. Nós improvisávamos com o material colhido a partir das entrevistas com Marcelo e sua mãe Eunice Paiva, e o Alcides escrevia uma cena mais linda que a outra. O formato final foi, mais uma vez, arrebatador. Podíamos mais uma vez denunciar, através do teatro, os anos de opressão que desagregaram tantas famílias como a do deputado Rubens Paiva, mostrando a dignidade de uma mulher extraordinária como Eunice Paiva sempre próxima de seus filhos. Mostrar o sofrimento sem pieguice, sem melodrama. O público recebeu nosso espetáculo de coração aberto, assim como a crítica especializada, que lhe deu 18 prêmios. Feliz Ano Velho foi para mim o espetáculo mais bem-sucedido. Foi também o trabalho que me possibilitou comprar minha casa, o que adquire um significado muito forte quando penso em toda a minha trajetória. É extremamente gratificante quando, além do reconhecimento do público, um elenco pode percorrer o Brasil inteiro, entrar em contato com uma gama imensa de pessoas, par ticipar de festivais internacionais e, ainda, ter o retorno financeiro que torna possível adquirir um bem fundamental como uma casa. Esse período da minha vida me trouxe presenças definitivas como a de Paulo Betti, um grande e querido amigo, uma pessoa que eu admiro e respeito. Desenvolvemos uma forte identidade, desde nosso encontro na novela. Além de seu talento ímpar, Paulo é uma pessoa simples, generosa. Nunca nos abatemos pela dificuldade de montar o espetáculo. Como não tínhamos verba, pedimos dinheiro emprestado para minha mãe, para o Adilson Barros, e assim fomos construindo nosso sonho. A estréia, no Centro Cultural São Paulo, em 1983, foi um escândalo. O público chegou a quebrar uma porta de vidro tamanha a aglomeração. Assim como em Lua de Cetim, foi um susto maravilhoso, porque não esperávamos a recepção calorosa e emocionada que duraria seis anos. Na verdade, estávamos sintonizados com o momento que vivia o País. Marcelo nos ofertou a possibilidade, com seu livro, de entrar em contato com o que estava mudando no Brasil e Alcides com seu texto visceral nos deu a voz da liberdade. O público fazia filas intermináveis nas bilheterias. Curitiba foi a primeira cidade para a qual viajamos em turnê, antes de fazermos uma bela temporada no Rio de Janeiro. Estávamos hospedados num hotel próximo ao Teatro Guaíra e meu prazer era levantar cedo e às 9 horas da manhã ir até a porta do teatro para ver a fila que dava voltas. Todas as noites, o teatro recebia duas mil pessoas. Uma experiência extraordinária. Assim como foi nossa ida para Cuba. Fomos convidados para abrir o Festival de Teatro de La Habana, em 1995. Como não havia vôo direto para Cuba, passamos pela Jamaica, aonde chegamos atrasados por causa do vôo que vinha do Brasil. Havia apenas um vôo semanal da Jamaica para Cuba, sendo que o nosso acabara de partir. Não podíamos permanecer uma semana em Georgetown, uma vez que o Festival de Cuba nos esperava para a abertura. Criou-se uma verdadeira ONU com Paulo e Marcelo indo às embaixadas brasileira e cubana para tentar resolver o problema. O governo brasileiro conseguiu obter uma autorização para que um avião cubano pousasse em Georgetown. Embarcamos num aviãozinho militar cubano, cheio de furos de balas e chegamos na véspera da abertura do festival, com o cenário no meio do avião que, por ser militar, não tinha bagageiro. Fomos recebidos como diplomatas, foi maravilhoso e nos encaminhamos diretamente para um teatro de 3 mil lugares. Nós éramos muito desinformados e achávamos que em Cuba não encontraríamos uma tecnologia avançada. Levamos 2 gravadores de rolo, ou seja um fardo, com a trilha sonora deslumbrante composta por Tunica Teixeira, nos achando o máximo com aqueles aparelhos modernos. Quando chegamos ao teatro, encontramos uma tecnologia alemã de última geração. Naquela época, Cuba ainda tinha subsídios da União Soviética. Era o que mais moderno se podia imaginar. Não sabíamos onde esconder nossos cômicos e precários gravadores e nossa vergonha. O teatro era equipadíssimo e, ao lado disso, ocorria um fato curioso e marcante. Antes do início do espetáculo, a camareira distribuía aos seis atores do elenco, 6 copos de vidro para tomarmos água, uma vez que não havia copos descartáveis. Ao final, ela recolhia e guardava os copos, o que nos dava a noção de como se dava valor a tudo e da falta de desperdício, acostumados que somos a certa fartura e a jogar fora os copos de plástico. A abertura do Festival contou com a presença dos Ministros da Cultura, da Defesa e de vários secretários. No dia seguinte, haveria uma entrevista coletiva e nós, ainda imbuídos de certa nonchalance brasileira, ouvimos o Adilson dizer que não precisávamos ter pressa, que sempre havia atrasos e que um ônibus estava à nossa disposição. Quando chegamos ao local da entrevista, atrasados, à nossa espera estavam o ministro da Cultura, uma centena de jornalistas e morremos de vergonha. Mas foi uma entrevista maravilhosa, tivemos enorme cobertura, fomos às emissoras de televisão e aprendemos uma grande lição. Foi um período feliz da nossa vida. Participamos ainda de festivais em Nova York, Porto Rico e México. Como Lilia Cabral já tinha um contrato com a TV Globo, minha irmã Alzira a substituiu algumas vezes. Lilia Cabral e Marcos Frota saíram diretamente pra TV Globo, pelo trabalho que faziam no espetáculo. Paulo Betti foi imediatamente chamado para dirigir todas as peças do Rio de Janeiro, porque foi um sucesso enlouquecedor na cidade, na qual eu fazia o espetáculo e gravava a minissérie, A Máfia no Poder, dirigida pelo Roberto Faria, onde eu fazia a mulher do Reginaldo Faria, na verdade meu primeiro trabalho na TV Globo. Em 1988, a temporada de Feliz Ano Velho tinha terminado e fui chamada pela TV Globo para fazer a novela Fera Radical, de Walther Negrão. Lá, reencontrei Rodrigo Santiago, que eu conhecia desde o teatro de Arena, onde ele tinha sido um maravilhoso professor de interpretação naturalista, era um ator extraordinário e eu faria sua mulher na trama. Tive muita sorte com meus parceiros de cena. Na televisão trabalhei com os melhores atores que este país já produziu. Além de Rodrigo, fui casada com Otávio Augusto em Esperança, de Benedito Ruy Barbosa; com Osmar Prado em Chocolate com Pimenta, de Walcyr Carrasco; além de Jonas Bloch, Laerte Morrone, Geraldo Del Rey, Luis Carlos Arutin, Otávio Augusto, Paulo Betti; mais recentemente com Tato Gabus na minissérie JK, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira e, sintetizando o talento de todos, o grande Hugo Carvana. Cada um deles merece um capítulo à parte pela importância que tiveram na minha carreira e na minha vida. Depois da novela, retomamos Feliz Ano Velho, em 2000, com outro elenco de que faziam parte Claudio Fontana, revezando com Marcos Frota, Genésio de Barros, Márcia Brasil, Juliana Betti que revezava com Maria Ribeiro, André Frateschi e eu. Apesar do grande frescor do elenco, vi que a remontagem adquiriu uma cara de recordação, e teatro é urgência. A primeira montagem tinha essa urgência, ela dizia o que precisava ser ouvido. A segunda tinha uma aura de curiosidade, era mais nostálgica, não teve aquele impacto, mesmo porque era outro momento histórico. Até hoje, há pessoas que dizem que se transformaram depois de assistirem ao nosso espetáculo. Ele veio com os movimentos de rock dos anos 80, com Legião Urbana, Lobão, Arrigo Barnabé. Não tiro o valor nem o mérito da segunda montagem, mas não era tão contundente. Falar de Rubens Paiva antes do Movimento pelas Eleições Diretas era revelador, uma vez que quase não se falava da questão dos presos políticos, dos desaparecidos. No dia da votação da Emenda Dante de Oliveira, que estabeleceria as eleições diretas, estávamos em cartaz no Teatro Augusta. Foi o único dia em que suspendemos o espetáculo por acharmos imprescindível acompanhar na Praça da Sé a votação no Congresso. Todos nós choramos com a derrota da emenda. Com o êxito de Feliz Ano Velho nos anos 80 e as excursões pelo País, eu tinha conseguindo viver de teatro pela primeira vez na minha vida sem precisar fazer televisão paralelamente. Além de minha função como atriz, eu ainda administrava o espetáculo. Durante seis anos, permaneci totalmente tomada por aquela paixão. Eu sabia, no entanto, que uma dádiva desse porte não ocorre muitas vezes em nossa carreira. Era como um presente do céu. Capítulo XVIII A Intuição Veio me Visitar e Ficou Por tantas surpresas é que desisti de buscar explicações racionais para o que não compreendo de imediato como, por exemplo, quando surgem situações que em segundos nos levam a transformações radicais em nossas vidas. Se com Lembranças da China descubro o que é o pânico, é também a partir daí que aprendi a seguir minha intuição sem me questionar, simplesmente porque o modo como o texto chegou às minhas mãos foi algo mágico para mim. Estava em São Luís do Maranhão em excursão com Feliz Ano Velho, e continuaríamos subindo rumo a Manaus. Era nosso dia de folga em São Luís. Marcos Frota, Marcos Kaloy e eu resolvemos conhecer a cidade de Alcântara, que todos diziam ser uma maravilha. A viagem para lá não era simples. A distância é grande e a travessia enfrenta um mar batido. Ao chegar lá, é preciso descer numas canoas, ou pequenos barcos até a areia para desembarcar, visto que não há profundidade suficiente para atracação de barcos maiores. A ida foi maravilhosa. Fomos bem cedo, com o sol subindo em alto mar e o vento batendo no rosto. Lá chegando, fiquei fascinada com o lugar. Místico, com ruínas históricas importantes. Passei por ali o dia todo e ambos, Kaloy e Frota resolve-ram dormir na casa de uns amigos que tinham conhecido e voltar no dia seguinte. Uma ansiedade incontrolável tomava conta de mim. Queria voltar para o hotel em São Luís sem entender a causa daquela urgência. Sozinha, voltei à praia aonde chegava o barco. Quando estava chegando, vi o barco saindo e somente naquele momento eu ficaria sabendo que ele não respeitava horários, mas a maré. Era a última embarcação do dia. Fiquei em desespero, precisava voltar. Havia um pequeno barco, cujo dono me ofereceu carona, assim como a algumas outras pessoas na mesma situação, dentre as quais um homem cego que precisava chegar para uma consulta no dia seguinte cedíssimo. Adorei a idéia e fui. Não demorou muito para me dar conta da cilada na qual me encontrava. O tal dono do barco tinha acabado de comprar a embarcação e não sabia manejá-la. O mar começou a encrespar, o vento a ficar cada vez mais forte e a noite a cair. Não se via costa para lado algum. O barco jogava tanto que o cego teve que ser amarrado ao mastro pra não cair. Foram horas nessa travessia maluca, todos encharcados, correndo risco de naufrágio. Depois fiquei sabendo que isso era mais comum do que eu imaginava, naquela região. Finalmente, conseguimos chegar ao porto. Branca como cera, corri para o hotel, já noite alta e encontro Marinho, administrador do espetáculo, que me diz: Chegou do Tide para você. Era Lembranças da China. Era ele que me chamava do outro lado do mar. Extasiada com o texto, fiz de tudo pra montálo. Só sei que queria a direção de Jorge Takla. Só me lembro de chegar a sua casa, entregar o texto e convidá-lo para dirigir. Era a primeira vez que o convidavam sem que a escolha do texto tivesse sido dele ou da produção. Nos associamos, perdemos dinheiro os dois, mas foi dos espetáculos mais lindos que eu fiz. É uma pena não termos tido muito público. Ainda acho que devo alguma coisa a esse texto, mas não sei se tenho a coragem suficiente pra reviver Laura. O cenário do Serroni era deslumbrante. Escadas e praticáveis suspensos diante de um ciclorama imenso. No primeiro plano, uma imensa árvore, de verdade, que precisou de 20 homens para ser carregada. Um buraco foi feito no palco, e ela foi plantada ao lado de um buraco de terra que cavávamos no final. Era impressionante. O Jorge foi um maestro, um esteta e um grande amigo durante todo o processo. Foi também cupido do meu romance com Ney Bonfante. A história com o Ney é curiosa, porque começa na montagem de Lua de Cetim em 1981, onde nos conhecemos. Ele não era iluminador ainda. Quem operava a luz, criada por Marcio Aurélio, era Giancarlo, que um dia apareceu no teatro, nos apresentou o Ney, a quem ele estava ensinando o trabalho dizendo que seria sua primeira vez como operador de luz. Durante a temporada, na sala Funarte, não tivemos contra-regra. Na verdade nós é que fazíamos tudo. Eu chegava ao teatro, fazia uma sopa instantânea que tomávamos em cena e enquanto eu fazia a sopa, o Ney me ajudava a organizar a casinha, porque eu tinha que colocar os pratos na mesa. Ele sempre fazia uma brincadeira comigo. Como havia um pingüim em cima da geladeira, a cada dia ele escondia o pingüim em algum lugar do cenário, menos em cima da geladeira. Era uma brincadeira nossa. Eu ia abrir o forno e lá estava o pingüim, pegava um objeto de cena, o pingüim estava lá. Eu só descobria em cena porque ele escondia o pingüim depois que eu tinha arrumado o palco. A temporada acabou, muitos anos se passam e, em 1986, estou ensaiando Lembranças da China com Jorge Takla, que criou uma iluminação esplêndida no lindo cenário do Serroni. Mas, na hora de montar a luz, nosso diretor não estava satisfeito com nenhum dos iluminadores. Perto da estréia res-surge o Ney que eu nunca mais tinha visto. Nos reencontramos e ele continuava como antes, com seu cabelo cacheado e já era um excelente profissional. Nossa sintonia no trabalho era profunda e nunca esqueço que o cenário tinha uma escadaria sem proteção dos lados, era toda vazada, suspensa no ar por cabos que não se viam. Eu andava, subia e descia aquelas escadas, sem nenhuma proteção. Havia uma seqüência em que eu falava e a luz me acompanhava, a cada degrau que eu descia a luz ia me acompanhando. Um dia, um dos refletores queimou e eu continuei a cena, falei, mas vi que a luz não abria; desci dois degraus, e o Ney imediatamente me iluminou. Fazíamos juntos. Naquela época não se gravava o mapa de luz no computador, era tudo na mão. Esse jogo do trabalho, essa sintonia foi fazendo com que nos sentíssemos seduzidos um pelo outro. No Teatro Maria Della Costa eu olhava para cima, para a cabine de luz e via aqueles olhos azuis assistindo ao espetáculo, me observando. E no tempo da luz nos apaixonamos. Nos casamos e ainda ganhei uma enteada, palavra que não expressa bem seu significado, absolutamente adorável, terna, que amo como uma filha, a Carol. Capítulo XIX Alcides Nogueira, Emblema da Paixão Meu encontro com Alcides Nogueira, o Tide, é um dos mais belos mistérios de minha vida. A maneira como nos conhecemos, simples, casual, e o fato de nunca mais nos termos perdido de vista, adquire uma conotação mágica. Com a montagem e o sucesso da Lua de Cetim fomos nos aproximando e percebendo nossos pontos de identidade. A maneira de pensar o mundo, ver as pessoas, de fazer teatro. Com a nossa afinação no palco foi-se consolidando nossa amizade. Considero o melhor dramaturgo atual. Ousado, não escreve para simplesmente ter sucesso, mas para dar vazão à sua alma sensível, para servir ao teatro e à arte das palavras benditas. Sua generosidade no processo de criação de Feliz Ano Velho é inesquecível. Ele assistia a todas as nossas improvisações, criou um mapa de todas as personagens, um mapa gráfico com o desenho de todas as personagens, mostrou para o elenco e para o Paulo Betti que nos dirigia. Cada personagem tinha uma cor e uma trajetória. Fazíamos as improvisações a partir desse mapa, e em cima delas ele fazia a dramaturgia. Foi um trabalho maravilhoso, um bordado. Só um grande talento consegue ter a dedicação absoluta de criar para cada personagem a lingua-gem que se encaixa na boca do ator. Tide nunca gostou de viajar de avião e quando fomos para o Festival Latino de Nova York, ele disse que tentaria ir mais tarde porque estava muito ocupado naqueles dias. Dois ou três dias depois, recebemos um cartão lindo, com uma lágrima dizendo que ele não viria, não conseguiu embarcar. Mas era apenas um detalhe, porque ele sempre esteve presente. Com Florbela Espanca, apaixonei-me completamente pela língua portuguesa, pela riqueza de significados e a sonoridade das palavras, com a imensa capacidade dessa língua de traduzir o pensar e o sentir de seus herdeiros. Os textos do Tide têm esse rigor. Possuem a singularidade de cada palavra e de cada frase. Em Floberla não se percebia exatamente o que era Alcides e o que era Florbela, tal a integração de linguagem que ele conseguiu. Há um texto no final do espetáculo que traduz exatamente o estado de alma em que eu me encontrava naquele momento e de alguma maneira responde a todas as perguntas que eu me fazia sobre meu pragmatismo taurino: Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura. Grave e metódica até a mania, atenta a todas as sutilezas dum raciocínio claro e lúcido, não deixo, no entanto, de ser uma espécie de D. Quixote fêmea a combater moinhos de vento, quimérica e fantástica, sempre enganada e sempre a pedir novas mentiras à vida, num dom de mim própria que não acaba, que não desfalece, que não cansa! Em Força de um Desejo, novela de Gilberto Braga e Alcides, na TV Globo, nos encontramos pela primeira vez na televisão. A personagem era um primor, bem como a novela em sua totalidade. Bárbara Ventura era uma rede de contradições e surpresas. Foi meu retorno à TV Globo depois de 5 anos de ausência, e me abriu as portas para importantes trabalhos que se seguiram. Mais recentemente pude interpretar na minissérie JK, escrita em parceria com Maria Adelaide Amaral, o papel de Naná, irmã do Presidente Juscelino Kubitschek, na terceira fase da minissérie, um trabalho emocionante para mim porque eu gosto de Brasília, adoro aquela arquitetura, os espaços abertos, o vermelho da terra, a flor de cerrado. É uma herança da minha infância, quando meu pai deixou nossa casa pela primeira vez para via-jar e estar presente na inauguração da cidade. Ele acreditava que a fundação da nova capital seria a grande virada no Brasil. Finalmente estava nascendo o País mais justo e desenvolvido com o qual ele sempre sonhara. Papai criou um prendedor de gravatas que tinha de um lado, em alto-relevo, um esboço do Corcovado e do outro o Palácio do Planalto. Era lindo, e me resta um que guardo com muito carinho. Quando estreou a minissérie, meu pai pediu que eu presenteasse o Tide com o prendedor. Não tive coragem, mas meu amigo sabe que é dele. Com uma mala cheia desses mimos, partiu de trem até Goiás e de lá de carona num caminhão de cerveja até Brasília. Não sei que eldorado ele esperava encontrar. Mas aquela não era a terra prometida da liberdade e da justiça. Lá se repetiam os vícios e defeitos da antiga capital. Ele, que pretendia abrir caminho para que fôssemos toda a família, morar lá, descobriu que não seria fácil. Sem capital, não conseguiria abrir sua pequena joalheria e relojoaria para começar um mundo novo. Não conseguiu vender muitos prendedores. Sempre dizia que se tivesse ido vender cachorro quente teria enriquecido. Voltou exausto, mais pobre, mas encantado. Nos trouxe uma toalha de mesa com o rosto do presidente Juscelino e a cidade ao fundo, e um disco 78 rotações, com o hino de Brasília. Eu amava ouvir aquela música e sei cantá-la até hoje. Depois disso, de volta a São Paulo, ele desistiu de ser ourives, vendeu sua pequena loja na Rua Padre Adelino, no Belém, abandonou a zona leste e foi cuidar de um restaurante industrial no Brooklyn Paulista. A vida da família mudou totalmente. Aos 10 anos de idade passei a ajudálo diariamente e entrei em contato com os operários do setor metalúrgico. Soube pela primeira vez o que era um sindicato. Brasília sempre conterá os sonhos de meu pai. Tide conhecia toda essa história e sabia da minha ligação umbilical com o nascimento de Brasília e estar na minissérie foi revisitar um período importantíssimo da minha vida. Repensar o País que poderia ter existido e que foi abortado em 64, para desencanto de meu pai. Nesses anos todos de parceria, especialmente a partir de Florbela, selamos nossa profunda amizade. Temos uma identidade estética e uma identidade na apreensão do Universo. Eu tenho uma compreensão do texto do Alcides que vai além da própria razão, ela entra pelos meus poros, pela minha emoção. Capítulo XX Minha Família Televisiva Existem pessoas especialmente importantes na minha vida. Uma delas, com quem tenho tido a felicidade de me encontrar, desde 1974, em vários trabalhos, é Laura Cardoso. Em Ídolo de Pano, ela interpretava uma mulher linda, elegante. Eu fazia uma mulher apaixonada por Jean de Clermont, personagem de Dennis Carvalho. Comecei a ficar muito impressionada com o trabalho de Laura, que eu acompanhava da coxia. Como eu nunca tinha feito televisão, e não havia escola de interpretação para televisão, eu me sentava do lado de fora do cenário e ficava vendo a Laura fazer suas cenas. Todas as cenas em que eu não estava com ela, eu acabava assistindo. Faço isso até hoje. Todos os trabalhos que eu faço com ela, sou sua platéia e continuo aprendendo com tudo que ela faz. Trabalhamos mais algumas vezes juntas e nos reencontramos quando fui para a TV Globo fazer Fera Radical, minha primeira novela na emissora. Quem também fazia parte do nosso núcleo de gravação era Yara Amaral. Eu era uma falsa filha da Yara, que no decorrer da história se descobria filha da Laura Cardoso. Era um sonho porque nessa minha primeira novela na TV Globo, eu estava cercada dessas duas atrizes extraordinárias. Tive muita sorte na televisão por ter contracenado com grandes atrizes e atores. Capítulo XXI Aprender Fazendo A televisão é um grande exercício para o ator. Como não existe uma vasta literatura específica, o ator aprende assistindo, ao vivo, ou como eu, contracenando com atores experientes. Quanto mais você faz, melhor você fica. Isso se observa em atores jovens que nunca fizeram nada, que começam, fazem uma primeira novela e talvez nem se saiam tão bem, mas se tiverem algum talento, no terceiro ou quarto trabalho, acabam sobressaindo porque vão aprendendo no exercício da profissão. Laura Cardoso e Yara Amaral foram referências para mim, não só na forma de interpretar, mas enquanto comportamento, postura no universo da televisão. Existe um comportamento em cena e um fora de cena, no camarim, nos bastidores, na sala de maquiagem, muito diferente de tudo o que eu conhecia. No teatro é tudo muito aberto, afetuoso, transparente, impulsivo, espalhafatoso às vezes, e na TV comecei a descobrir uma outra forma de relacionamento. Como se relacionar com todos e como conviver com a competição mais acirrada sem criar problemas. Aprendi com elas a ter um olhar profissional. Não se magoar à toa, sabendo que você consegue o melhor de todos os profissionais se também der o melhor de você. É preciso estar focado no trabalho. Na televisão não há tempo a perder. É preciso chegar todos os dias preparado, com a cena estudada, não só decorada, e vir com uma proposta sempre pronta a ser modificada. Às vezes, o ator idealiza algo para a cena, o que é sempre uma tentação e o diretor quer o avesso daquilo. O ator tem que ter maleabilidade para abrir mão de sua idéia em nome do que o diretor pede, porque este tem uma visão total da obra. No teatro, é possível ver a obra inteira, na TV e no cinema não. O ator faz suas cenas, no máximo acompanha algumas outras gravadas no mesmo cenário. Então não adianta trombar com o dire-tor, por mais que você tenha absoluta certeza da atitude que escolheu para a personagem. Só o diretor sabe se ela é adequada à obra. Trabalhei uma vez mais com a Laura, mais recentemente, em Como uma Onda, novela de Walther Negrão na qual ela fazia uma cega numa composição extraordinária. Esses trabalhos, além do aspecto profissional, proporcionaram-nos uma convivência deliciosa. Apesar de morarmos em São Paulo, encontrávamo-nos muito mais no Rio de Janeiro, no Hotel Everest. Tomávamos café da manhã juntas ou saíamos para jantar na Fiorentina, comer uma massa depois das gravações. Durante alguns anos o hotel foi o ponto de encontro dos atores paulistas que iam gravar no Rio de Janeiro. Ali, no meio de Ipanema, era o refúgio paulista. Para muitos, funcionava como um consolo para a distância de casa, da família. Era muito mais do que um hotel, aconteciam mil coisas, queríamos todos saber quem tinha chegado naquele dia, que elenco, de que produção, enfim, aquilo era uma grande festa, um grande encontro. No hotel reencontrei Maria Fernanda Cândido que também estava em Como uma Onda. Maria Fernanda era uma menina que eu tinha conhecido anos atrás numa peça de teatro produzida pelos padres jesuítas, sobre a vida do Padre José de Anchieta para comemorar o IV Centenário de Anchieta. Fui convidada pelo padre César Augusto, homem culto e sensível, para dirigir e levei um susto, porque, com meu passado e formação nunca fui muito próxima de questões religiosas. Fui honesta com o padre e disse que achava não ser a pessoa mais indicada para dirigir o trabalho. Ele, então, me fez uma pergunta e me propôs um desafio: se eu acreditava em Deus, e em caso de resposta positiva, se aceitava fazer o retiro espiritual de Santo Inácio. Para um iniciante, são oito dias sem falar, meditando e estudando a Bíblia. Eu aceitei, e Maria Fernanda fez parte desse grupo, porque tinha estudado no Colégio São Luís e o padre a conhecia, assim como sua família. Ela trabalhava como modelo, era uma ótima aluna, e ele sugeriu que ela fizesse parte do elenco. Vi aquela menina deslumbrante, uma mulher linda que tinha acabado de chegar da Bahia, morena e de cabelos cacheados, fiquei encantada com sua empatia e incorporei-a ao elenco. Fomos para o retiro, e a experiência do silêncio foi extremamente enriquecedora. Ela cobra uma disciplina e um autocontrole que normalmente não temos. Somos derramados, verborrágicos, perdulários com a palavra, e lá se vive a experiência da contenção, do pensamento, da meditação, do valor e do significado da palavra. Quer algo mais apropriado para o teatro? Descobre-se também que a relação com o outro não precisa passar necessariamente pela palavra, mas encontrar outros meios. Descobrir o valor do olhar, da respiração, enfim uma experimentação de contato com o divino e o autoconhecimento. Resolvi que dirigiria o espetáculo dando ênfase à fundação da cidade de São Paulo, que tem sua origem num colégio. Pudemos fazer esse trabalho dentro da igreja do Pátio do Colégio e o levamos para Coimbra, em Portugal. Lá tive a oportunidade de aumentar o espetáculo acrescentando oito atores portugueses ao elenco brasileiro, o que reforçou os aspectos da colonização portuguesa. Teve grande receptividade. Pude acompanhar o crescimento de Maria Fernanda, que estava começando e tinha entrega, disciplina e determinação no trabalho. Nos reencontramos na novela, deslumbrante, já senhora de si, atriz consagrada, tendo sido eleita a mulher mais linda do mundo. Hoje ela é uma grande amiga, mãe, uma colega exemplar. Quando eu olho para trás vejo como na minha vida, todas as experiências artísticas também foram experiências de vida. Ao fazer esse balanço, constato que meu trabalho me ajuda a evoluir. Nunca separei as duas coisas, são duas linhas que sempre caminharam juntas, não paralelas porque as paralelas não se tocam, e elas são linhas que vão se cruzando o tempo inteiro: a minha vida e o meu trabalho, a minha arte. Capítulo XXII O Tempo Não Existe Penso que todas as vezes em que eu quis desistir de tudo, eu não consegui, porque seria desistir de mim mesma, desistir da minha existência, não era o fato de mudar de profissão. Não há essa possibilidade na minha vida, porque a minha vida e a minha profissão são a mesma coisa. Quando eu fiz a falsa filha da Yara Amaral em Fera Radical, ela estava na Globo há muito tempo. Eu estava começando ali, tentando entender aquele universo, eu disse para ela que queria passar uns 6 meses para ver se ficaria no Rio de Janeiro. Ela riu, e disse: Seis meses, Denise? Pelo menos seis anos. Naquele momento achei um exagero, mas hoje eu sei que ela tinha absoluta razão, porque o tempo para ser aceita noutra comunidade é muito longo e demanda muita aplicação. Ela disse que tinha vindo de São Paulo há muito tempo e só recentemente se sentia aceita e reconhecida lá. Ela tinha acabado de comprar e pagar uma casa e estava feliz com aquela casa que conheci. Sempre foi uma doçura comigo. Algumas pessoas achavam que ela tinha uma personalidade muito forte e comigo foi sempre qua-se que maternal. Fui assistir Filomena Marturano, de Edoardo Di Filippo que ela fazia e ainda ficou me perguntando se eu achava que o final que ela fazia estava bom. Era muito carinhosa. Logo depois da novela ela morreu, naquele trágico acidente do Bateau Mouche. Terminamos de gravar a novela em novembro e na passagem do ano ela morreu. Ao acordar de manhã, liguei a televisão que trazia aquela notícia de uma tristeza imensa. Passaram-se os anos e, em 2004, a TV Globo resolve fazer uma reconstituição do fato para o programa Linha Direta. Me convidaram dizendo que eu era muito parecida com ela. Levei um susto, nunca me tinham dito isso. Comecei a olhar umas fotos e a achar que realmente havia alguma semelhança. Talvez no jeito de olhar, não sei, alguma semelhança havia. Pude fazer esse programa, importante para mim, na medida em que me reaproximou da Yara, e trouxe novamente à luz a questão daquele estúpido acidente e da falta de punição para os responsáveis. Como atriz, fazer a gravação do barco afundando foi uma experiência impressionante e tive um impacto emocional muito forte. Fiquei bastante abalada. O barco que reconstruíram era muito bem-feito, a reconstituição da época era impecável e aconteceu algo inexplicável. Ao provar a roupa de Ano-Novo, com a qual eu gravaria a cena do barco, esta era uma pantalona que estava larga na cintura. A figurinista disse que, como eu iria colocar uma blusa por cima, não revelaria que a calça era grande para mim. Comecei a gravar. Para a simulação do barco afundando à noite, era um barco mecânico, havia uma piscina enorme, no meio do Projac, uma com mais de 2 metros de profundidade, onde eu devia mergulhar para fazer a cena do corpo dela morta. Estava frio, era inverno, e no Projac faz muito frio durante a noite. O diretor deu-me as coordenadas de que eu tinha que ficar boiando um pouco, esvaziar o pulmão para poder afundar e desaparecer e assim ele captaria a imagem. Essa piscina tem ondas artificiais que reproduzem o mar. Deitei na água gelada. Quando eu afundei, havia ondas em movimento, e foi até engraçado porque elas tiraram a minha calça, que desceu por estar larga e enroscou nos meus joelhos. Fiquei lá embaixo, com as pernas amarradas, sem conseguir subir. Com muita força batendo os braços para subir e percebendo que eu era duas, eu era uma personagem Yara e era eu, Denise perguntando a Deus que experiência era aquela que eu estava passando. Quase me afogando porque eu não tinha mais fôlego e continuava lá embaixo. Felizmente, eles são muito profissionais, havia vários seguranças, nadadores, salva-vidas e, ao perceberem que eu estava demorando para voltar, um deles mergulhou e me puxou. A calça foi embora, e eu fiquei só com a blusa. Depois eu continuava me perguntando por que eu tinha que passar por isso, desde a calça que estava larga, como uma coisa que vem anunciando outra e fiquei pensando se a Yara também não teve alguns sinais que a avisaram antes do acidente. Ao assistir, achei um belíssimo programa, muito bem-feito e acho que ela ficou contente. Abrir espaço na minha vida para as questões menos pragmáticas, menos objetivas, menos racionais é um exercício constante. Porque pela minha educação dos primeiros anos sempre tive preconceito, talvez até medo, de tudo o que é inexplicável, impalpável. Na nossa profissão isso acontece o tempo inteiro, não sei se são energias, deuses, mas a sorte, o destino, o acaso estão presentes o tempo inteiro. Não querer controlar tudo e explicar tudo sempre foi um exercício. Hoje eu deixo fluir muito mais, hoje eu sei que existe um outro universo que corre em paralelo. Existe um fato recorrente. Muitas vezes, quando eu ficava desempregada, quando eu tirava o último dinheiro do banco, o telefone tocava e surgia um trabalho. E outras vezes, perder um trabalho não é uma perda, mas um aprendizado e um encaminhamento para algo melhor, ainda que não pareça naquele momento. Capítulo XXIII Um Oásis Assim que cheguei ao Rio de Janeiro para gravar Fera Radical, reencontrei Lilia Cabral que hoje é uma grande amiga, quase uma irmã. Nos conhecemos através do Paulo Betti na montagem de Feliz Ano Velho. Durante a temporada, éramos até distantes. Eu era muito amiga da Cristiane Rando, querida amiga até hoje, com quem tinha trabalhado na TV Bandeirantes em Os Imigrantes. Fui para o escritório no bairro do Jardim Botânico com uma malinha, assinei meu contrato e estava ali na Rua Lopes Quintas sem saber para onde ir, porque eu não tinha casa para morar, não tinha hotel, estava perdida ali no meio da rua pensando o que fazer. Passa um Fiat caixotinho, daqueles antigos, com a Lília dentro. Ela toca a buzina e me pergunta o que eu estava fazendo ali, e eu respondi que tinha acabado de assinar o contrato e não sabia para onde ir. Entra aí e vai pra minha casa, ela disse. Foi assim que eu passei a novela inteira morando com ela, em seu apartamento no Jardim Botânico, e que nos tornamos essas amigas que somos até hoje. A partir daí nos acompanhamos pela vida, moramos juntas muito tempo, e fizemos um espetáculo chamado Unha e Carne, de Chico Azevedo. Fizemos no Rio e depois viajamos para algumas capitais brasileiras. Esses laços me remetem a uma das coisas mais prazerosas em nossa profissão. Os encontros que se realizam a cada vez que um elenco se reúne. São meses de convivência, não apenas profissional, mas emocional e afetiva. Não é possível trabalhar indiferente a quem nos cerca. Uns um pouco mais, outros menos, mas acabamos criando uma ligação com os colegas de elenco, tanto na televisão como no teatro e no cinema. Alguns perdemos de vista por anos e voltamos a nos encontrar mais tarde. Com outros conseguimos manter uma constância maior nos aproximando mais. Às vezes, parece que só ficamos próximos das pessoas com quem estamos trabalhando no momento, mas o que ocorre é que cada trabalho exige tanto de nosso tempo e energia que acabamos vivendo nossa vida social junto às pessoas com quem estamos compartilhando o trabalho. Sou grata pelo privilégio de ter trabalhado com tantas pessoas enriquecedoras ao longo desses anos. Talento, paciência, capacidade de compreensão, tolerância, disponibilidade de trabalho, criatividade e vontade de trocar, tudo isso está embutido numa relação cênica. Procuro sempre aprender com o outro. Capítulo XXIV Os Mestres O primeiro diretor que me vem à mente é sempre Augusto Boal. Até hoje trago a raiz do que aprendi e da forma como aprendi a trabalhar no teatro de Arena. A interpretação, o teatro como proposta de vida. Marcio Aurelio é de uma importância fundamental, além de ser até hoje um grande amigo – fiz recentemente outro trabalho com ele, Sossego e Turbulência no Coração de Hortência, de José Antonio de Souza para o Teatro Nas Universidades, mas estamos nos devendo um trabalho tão forte quanto Lua de Cetim. Além de ser um diretor muito habilidoso com todos os atores, ele nos conhece profundamente e eu sempre tenho a impressão de que diz a palavra certa na hora certa. Ele revela, abre um leque de possibilidades. Fiz com ele uma montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues que não foi bemsucedida em termos de público, mas eu adorava. Era um momento em que a dramaturgia de Nelson Rodrigues não tinha voltado à luz. Ninguém montava suas peças e o Marcio teve essa visão de realizar o espetáculo. Fiz Madame Clessy com Hugo Della Santa, grande ator que nos deixou muito cedo. O Marcio dá segurança ao ator. Pé-de-boi, traz sempre um ensaio preparado, cheio de propostas e sugestões e, com seu olhar, rigoroso, corrige todos os detalhes. Na televisão tenho um carinho muito especial por Henrique Martins, meu primeiro diretor na TV Tupi, me deu a primeira cartilha, me ensinou os primeiros passos. Carlos Zara, saudoso, me mostrou que a televisão não era um lugar de gente alienada, como muitos pensavam por puro preconceito. Era importante fazer televisão, ele me dizia, e mais do que isso, ele era um artista. Antonio Abujamra, na televisão, me ensinou o respeito pelo outro. Ele não gosta de movimento enquanto se trabalha, gente andando para lá e para cá, enquanto se está gravando, atores lendo jornal, ou seja, ele dizia que se você está no set de gravação, você tem que somar com o set. Foi das coisas fundamentais que aprendi. Uma vez que ele trabalhava em plano fechado, ou seja, nos detalhes de olhares, ele me ensinou uma maneira de me relacionar com o outro imaginando e levando a câmera em consideração. No avesso do naturalismo na televisão porque ele colocava o ator numa proximidade não realista com a pessoa com que estava contracenando. Há diretores que têm uma capacidade de liderança incomum, conseguem unir a equipe com carinho e respeito e garantir a qualidade técnica e artística. É o caso de Dennis Carvalho, com quem tive oportunidade de fazer trabalhos recentes. Não sei trabalhar com diretores déspotas. Não posso deixar de citar Fernando Peixoto, que eu tinha visto uma dezena de vezes como ator, no extraordinário espetáculo Galileu Galilei, dirigido por José Celso Martinez Correa do Teatro Oficina, e que dirigiu Tambores na Noite, colocando na prática grande parte da teoria de Bertolt Brecht. Foi ele também que me revelou a beleza da Semana de Arte Moderna de 1922, sabendo usar a irreverência de um elenco jovem a favor das personagens da geração dos anos 20. Dessa fase tenho a lembrança forte de Dulce Muniz, corajosa e cheia de talento. Umberto Magnani é um presente para qualquer atriz. Colaborativo, bem-humorado, trabalhamos tão afinados que acabamos ganhando o prêmio Molière juntos. Tive depois um outro marido inesquecível. Adilson Barros, no papel de Rubens Paiva. Dedicado, cheio de energia e iniciativa, ator brilhante. Divertido nas viagens, sempre pronto para um passeio, uma festa, uma assembléia. Saudades. Jorge Takla é o diretor que trouxe a sofisticação, a elegância, e principalmente a admiração por seus atores. Criou lindos espetáculos, sem tirar o espaço da criatividade do elenco. Foi ele também que montou o camarim mais bonito que já tive no Teatro Maria Della Costa. Lilia Cabral, não me canso de repetir, é uma amiga querida, atriz extraordinária, uma pessoa plena de solidariedade. Incansável, nunca se furtou a ajudar os amigos na busca de trabalho. No discreto e talentoso Plinio Soares, encontrei um ator sempre disposto a ajudar o colega a resolver uma cena, sempre pronto a liderar um aquecimento, um exemplo de ator sólido e flexível que conjuga o verbo somar. Tive também a alegria de ter Luciano Chirolli fazendo Apeles, irmão de Florbela. Vibrante e vigoroso é puro fogo em cena. Da Florbela me lembro ainda da corajosa Cibele Forjaz, que não teve medo de encarar a direção de texto tão denso e complexo, apesar de toda sua juventude. Aliás, soube usar sua juventude para imprimir grande intensidade e ousadia ao espetáculo. Capítulo XXV Entre o Útero e a Escola de Teatro Alzira Andrade, minha irmã querida, é um grande exemplo para mim. Uma relação muito forte. É curioso que durante toda a nossa infância e adolescência fomos muito diferentes. Ela sempre foi atlética, elétrica, espevitada, magra, enquanto eu era mais quieta, gostava de ficar lendo meu Monteiro Lobato e, claro, era a gordinha. Estudamos no mesmo colégio e eu nunca consegui fazer esporte algum. Já Alzira foi selecionada para treinar atletismo no Clube Pinheiros. Corria, saltava, era ágil. Nossos interesses começam a coincidir quando ela passa a acompanhar os espetáculos do Grupo Núcleo, como A Queda da Bastilha. Como ela estudava artes plásticas na Faap, entendi que seu interesse fosse restrito à área de cenografia e figurinos, mas ela logo passou para o palco, depois para a dramaturgia, a direção e as aulas. Alzira é uma artista muito mais completa do que eu. A idade nos trouxe uma deliciosa sintonia e identidade. Chegamos a pensar a mesma coisa, ao mesmo tempo, eu no Rio e ela em São Paulo. Dessa profunda ligação surgiu a idéia de criarmos uma escola de teatro. Usar o teatro como instrumento para a emancipação do ser humano, trabalhar a expressão de cada um e a comunicação com o outro eram os objetivos principais do nosso trabalho no Grupo Núcleo e se encontravam na base do Teatro Jornal. Foi pensando nisso que a escola se estruturou e segue trabalhando. Lembrando as palavras de Sábato Magaldi e do professor Anatol Rosenfeld, é o exercício da liberdade que procuramos levar até os alunos. Ser ou não ator ou atriz pro-fissional é uma conseqüência. Ser uma pessoa livre e criativa em qualquer área de atuação é uma realização pessoal. Nossa empatia transcende os laços de sangue, temos uma paixão em comum e encontramos a plenitude no que amamos fazer, além de nossa mútua admiração. A Oficina Teatral é fruto de uma vida, minha e da Alzira, acreditando no poder do teatro como elemento transformador. No início da minha vida artística, achava que mudaria o mundo. Hoje, sei que, se ajudar uma pessoa, se ela for mais feliz, o mundo estará melhor. Nossa escola tem esse espírito. Embora eu não tenha cursado uma escola convencional, acho importantíssimo atualmente formarse numa escola de teatro, não por questões de mercado, e sim por uma busca de qualidade no trabalho, para o aprimoramento pessoal. Freqüentar uma escola não garante um lugar no mercado de trabalho, mas os que se formam estarão certamente mais preparados. Há muitas lacunas na informação que podem ser supridas. É necessário ler muito, familiarizar-se com os clássicos, descobrir os autores nacionais e uma escola de teatro é um espaço onde esse aprofundamento pode se realizar. Assim como é interessante que haja mais escolas que preparam atores também para a interpretação para a câmera tanto de televisão como de cinema. Capítulo XXVI Ser uma Camaleoa Muitas vezes, os atores são estigmatizados e se encaixam em tipos específicos e é muito rico quando um ator pode ter uma gama de personagens nos quais ele pode transitar. Como fazer desde uma socialite milionária até uma camponesa. Quando comecei a fazer novelas na TV Globo, fazia sempre a mulher traída, até A Via-gem, novela baseada na primeira versão de Ivani Ribeiro. Depois de A Viagem, fiquei 5 anos sem voltar para o Rio de Janeiro e fiquei trabalhando em São Paulo, no SBT, onde participei de várias novelas mexicanas, nas quais aprendi a fazer as mulheres sofredoras. Tanto que quando Marcelo Rubens Paiva me conheceu, o SBT exibia uma novela chamada Acorrentada. A acorrentada em questão era eu, uma mulher maltratada por um homem horrendo, interpretado por Jonas Mello. A abertura da novela era minha fotografia que se quebrava num espelho e se desmanchava inteira. Me especializei nas traídas, depois nas sofredoras, e nas novelas mexicanas acabei treinando muito a memória, uma vez que os textos eram imensos, especialmente os da protagonista. Muita gente me pergunta qual o segredo pra decorar e eu digo que não há fórmulas. Tenho a sensação de que nunca passei de ano, que estou sempre de segunda época, coisa do meu tempo de estudante, pois, quando gravo tenho sempre que estar sábado e domingo estudando. Não conheço outro jeito senão se concentrar e decorar. Conheço atores que conseguem gravar sem estudar, sem decorar, mas eu não consigo e morro de inveja deles. Depois dessa fase das sofredoras, comecei a descobrir um caminho para colocar algum humor nas personagens, foi também um pequeno aprendizado que eu fui fazendo. Quando voltei para a TV Globo para fazer Força de um Desejo, de Gilberto Braga e Alcides Nogueira, consegui abrir um pouco meu leque de personagens. Como o Tide me conhecia bem e tinha visto o meu humor no palco, ele foi incorporando essa tônica na personagem que eu interpretava. Bárbara Ventura se revelaria uma assassina no final da trama, mas eu não sabia. Eu fazia uma mulher apaixonada pelo marido infiel, meio deslumbrada e limitada intelectualmente, que queria ascensão social a qualquer preço, mas não tramava. Ou seja, não tinha a maldade explícita. É claro que ela fazia tramóias, mas eu como atriz não sabia que ela estava armando todos os assassinatos. Foi aí que a TV Globo percebeu que eu podia fazer comédia também. Acho que eu consegui diversificar a gama de personagens, mas ainda não fiz a grande malvada que eu gostaria de fazer, porque a malvada é sempre fascinante e como eu tenho cara de boazinha é um grande desafio pra mim. A novela era um primor em todos os sentidos. A direção geral de Marcos Paulo era maravilhosa, e Maurinho Mendonça, um grande diretor. Em seguida veio a novela Esperança, de Benedito Ruy Barbosa onde eu era uma mulher popular, trabalhadora, costureira, pé no chão, deliciosa de fazer. Apesar de ter sido uma novela um pouco conturbada, gostei muito de fazer parte daquele trabalho, adorei contracenar com Otávio Augusto e novamente encontrar Luiz Fernando Carvalho, com quem tinha trabalhado numa pequena participação da qual me orgulho muito, em Lavoura Arcaica, filme que considero um momento no cinema brasileiro da maior importância. Eu interpretava a prostituta que inicia sexualmente o personagem central, feito pelo Selton Mello. Luiz Fernando trabalha na verticalização, na pesquisa. Apaixonado pela palavra, ele gosta do silêncio quando está dirigindo e trabalha sério numa busca radical de uma linguagem original. Capítulo XXVII Um Toque de Fellini Antes de Lavoura Arcaica, eu tinha participado de Doramundo, filme de João Batista de Andrade, com Irene Ravache e Antonio Fagundes. Rodamos em Paranapiacaba, em 1977, e dormíamos dentro dos vagões de um trem. Eu achava tudo bonito. É uma característica que eu tenho de adorar uma novidade e buscar sempre o lado inédito, pitoresco ou desafiador de um trabalho. Filmávamos o dia inteiro, naquela cidade estranhíssima, construída pelos ingleses, cheia de névoa, no alto da serra. Era um filme policial com roteiro de Vladimir Herzog. O filme era também uma homenagem ao Vlado, morto na tortura em 1975. Meu personagem tinha certo mistério e eu gostava de andar pela cidade à noite como que em outro mundo, outra dimensão. Com Jecão, um Fofoqueiro no Céu, de Mazzaropi, vivi o ápice da fantasia no cinema. Uma vez mais, um trabalho me levaria a outro. Eu trabalhava na TV Tupi onde conhecí Geny Prado, eterna parceira de cena de Mazzaropi, que me encaminhou ao escritório dele. Cheguei um pouco assustada e vi um homem pequeno atrás de uma escrivaninha enorme, que foi logo me dizendo que eu faria o filme sem nem me conhecer. Perguntei pelo roteiro, ao que ele me respondeu que eu o leria no dia da filmagem. Eu faria uma moça rica, que namorava com Paulo Castelli, e era isso que eu precisava saber. Disse, ainda, que eu usaria seis ou sete roupas, que eu teria que levar, porque lá não se fazia figurino. Pediu que eu escolhesse roupas bonitas, levasse numa mala, porque eu ficaria 20 dias filmando em Taubaté. Cheguei a Taubaté e comecei a achar divertido, porque havia duas alas separadas, a masculina e a feminina, para que ninguém corresse o risco de atravessar as alas. Mas era só o que acontecia durante a noite. Não se podia beber, mas de manhã, com a chegada do pessoal da limpeza, tínhamos que esconder as garrafas de bebida debaixo da cama. Ninguém sabia nada sobre seu personagem, seu texto e toda noite chegava uma ordem do dia com os horários de filmagem. Eu levava a roupa, passava pela maquiagem e ao chegar ao set, Mazzaropi nos dava a cena do dia com um texto a ser decorado na hora. Ainda assim, no meio da cena ele acrescentava outras falas. Não era uma improvisação. Eu tinha que falar o que ele pedia. Ele sim improvisava, criava naquele momento. Era extraordinário. Mazzaropi chegava num Galaxy preto, rodeado de pessoas e começávamos a filmar. Havia um cenário representando o céu. Era puro Fellini. Um céu de mentira, anjinhos de mentira. Era um telão azul balançando no fundo, com as bambolinas molinhas de tela. Achei lindo. Tenho um imenso orgulho de ter feito esse filme, porque foi uma oportunidade maravilhosa de conhecer de perto um dos maiores cineastas brasileiros, o mais popular de todos. E mais uma vez levada por uma amiga, Geni Prado, que tão carinhosamente me encaminhou. Capítulo XXVIII Meu Processo de Criação Hoje, é na verdade, uma síntese de todas as fontes. No início da minha carreira, eu acreditava somente no método de Stanislavski, de construir a personagem. Compor a gênese, escrever a carta do passado e de sua história, buscando as sensações correlatas. Na prática, porém, tinha uma imensa necessidade de descobrir fisicamente a personagem. Quando descobria o sapato que ela usava, todo o resto ia se montando. Percebi isso numa criada que mancava, que eu fazia em Tam-bores da Noite, de Brecht, que Fernando Peixoto dirigiu em 1972. Essa peculiaridade física me forneceu o conjunto de contradições e sutilezas da personagem. A partir daí, criei um vício de definir, antes de mais nada, qual seria o sapato da personagem. Se eu soubesse como ela andava, eu saberia de todo o resto sobre ela. Sempre precisei de estímulo físico pra começar a ensaiar ou fazer o espetáculo. Muito aquecimento. Não uma concentração abstrata, mas física. Sempre gostei de chegar de duas a três horas antes do ensaio ou do espetáculo pra ficar no palco me alongando, dançando, pulando, cantando, sentindo a magia do lugar. Até hoje, quando o fôlego já não é o mesmo. Com Marcio Aurelio aprendi a análise exaustiva e prazerosa do texto. As contradições, entrelinhas e segredos, que nem o autor sabia ter escrito. Nomear cada movimento do texto e da personagem. Esse batismo esclarece tudo. Quando comecei a fazer televisão sofri muito pois tentava passar métodos que conhecia de interpretação no palco, para a tela. Não há tempo. Na televisão, sempre ouço a voz do Abujamra repetindo Shakespeare em Hamlet: É preciso estar pronto. Tudo o que se aprendeu como técnica deve estar totalmente assimilado, a ponto de desaparecer. A intuição e o treino entram em cena e gritam alto. Adoro acertar a primeira vez em que a cena é gravada. Tem o frescor daquele ensaio em que descobrimos um grande momento da personagem e que nos próximos ensaios tentamos repetir sem conseguir. Só vamos reencontrar depois de muitos ensaios, quando conseguimos solidificar em pequenas ações, gestos, respirações, emoções, a conquista primeira. Como na televisão não podemos fixar nada, o ideal é gravar na primeira. Caso tenhamos que repetir, eu prefiro arriscar outra coisa a buscar repetir a cena perdida. Levei dez anos pra deixar de tremer no GRAVANDO. Hoje em dia, não forço a personagem a chegar aonde eu acho que ela deve ir. Dou-lhe liberdade. Vou lendo e, depois da análise, deixo que ela se instale através de suas ações. Hoje consigo integrar o físico, o emocional e o racional. Eles caminham de mãos dadas. Não preciso dividilos e trabalhá-los isoladamente. Não sei explicar como faço isso. É resultado de muito trabalho, prática, treino, experimentação. Quando estou muito cansada ou indisposta, também lembro da Heleny Guariba dizendo que atriz não tinha cólica. Cada vez que cogitei cancelar um espetáculo por algum problema de saúde, via os olhinhos negros e brilhantes da Eleni e removia aquele pensamento. Nunca cancelei uma seção ou faltei a uma gravação. Fiz espetáculo engessada, doida de enxaqueca e sempre saí melhor do que entrei. Com a Heleny aprendi a ouvir o texto sem olhar a cena, durante os ensaios. Não é possível fazer consigo mesma. Mas se ao ouvir uma cena no teatro ou na televisão, de olhos fechados, ela soar falsa é porque está errada. Um ótimo método para dirigir atores e alunos. Com Fernando Peixoto aprendi a não economizar. Entro para o ensaio como se fosse o último da minha vida. Arrisco. O pior que pode acontecer é errar e afinal, estamos ensaiando para isso. Num ensaio não há ridículo. É preciso errar pra descobrir o original. Quando fiz O País dos Elefantes, de Louis Charles Sirjacq, com Antonio Fagundes, em 1989, acabei quase assustando o diretor Alain Millianti, quando no primeiro ensaio entrava me arrastando no chão, emitindo sons guturais. Ele comentou que uma atriz francesa levaria um mês para chegar àquilo. Eu respondi que nós não podemos nos dar a esse luxo. Antonio Abujamra me ensinou a economia, tarefa difícil para uma descendente de italianos, portugueses e sírios. Limpar os gestos, objetivar o texto, clarear o objetivo. Não perfumar a flor. Sou uma devota do texto. Sei que todas as respostas estão lá. E não só nos grandes textos do Alcides, mas também nos textos corriqueiros da telenovela. Quando estou perdida e cheia de dúvidas, pergunto ao texto e ele sempre me responde. Cheguei a ser radical com a análise do texto. Não fazia nada até achar que tinha total domínio da intenção da obra. Semanas na mesa, lendo branco, tentando entender. Mas descobri que o caminho do entendimento não passa só pela razão. Eu gosto do trabalho de mesa, das descobertas e infinitas interpretações que cada frase pode ter. Hoje, faço isso decupando o texto e, ao mesmo tempo, sentindo as emoções que ele desperta, o som das palavras e qualquer outro elemento que ele possa me oferecer. Sou obcecada pelo texto. No teatro e na televisão. Se me perco durante uma temporada, volto ao texto leio e procuro a resposta que ele tem pra me dar. Sempre tenho meu texto de trabalho no camarim, durante toda a temporada. O teatro é um organismo vivo que vai se modificando e às vezes perdemos uma cena durante a temporada. É preciso voltar ao texto pra que ele mostre outro caminho. Como disse, só consigo me concentrar através da atividade física e lúdica. Quando fiz Crime Perfeito, de Alzira Andrade, com direção do Roberto Vignati, sofri por ser um monólogo. O problema do monólogo não é o momento em que o espetáculo acontece, porque lá existe a platéia para jogar com o ator. Mas é o que vem antes. O silêncio excessivo dos camarins, a disciplina necessária pra aquecer-se sozinha. Recomendo nesses casos um bom personal trainer de palco. Gosto daquelas rodas que os atores fazem antes de cada espetáculo. Às vezes ganham um caráter meio místico, mas no geral são importantes para haver o contato das mãos e dos olhares dos atores. Nos trazem para o momento presente. Quanto mais ligados nesse momento melhor correrá o espetáculo porque a energia fica mais harmoniosa. Durante o espetáculo, não converso na coxia e não gosto que conversem. Acho um desrespeito com quem está em cena. Mesmo no camarim, durante o espetáculo, não sou muito de falar. Gosto de ouvir o que está acontecendo em cena pra não entrar com outro tom. Talvez por isso nunca tenha histórias muito engraçadas para contar quando me perguntam sobre coisas curiosas de cena. Penso sempre no artista de circo que não pode errar. E a graça está no erro que eventualmente cometemos. O palco é sagrado para mim. Peço licença para estar lá e agradeço o privilégio. É lindo ver que as pessoas saem de suas casas para assistir a um espetáculo. Olho a platéia, por menor que seja e me sinto honrada. Quando o espetáculo acaba, não levo comigo a personagem. Ela fica lá na casa dela. Nos reencontramos no dia seguinte. Às vezes, alguma característica interessante na personalidade de uma personagem acaba penetrando em mim, que não tinha aflorado até então e me propondo trabalhá-la. Aprendi com algumas personagens a ser mais extrovertida, rir mais facilmente. As chamadas peruas que tenho feito na televisão me ajudaram muito. Não com sua superficialidade, mas com sua leveza. Uso tudo o que aprendi até hoje, mesmo sem ter consciência de que estou usando. Às vezes, a Alzira, que acompanha meu trabalho desde sempre e que tem enorme capacidade de observação e análise, me chama a atenção para alguma coisa que estou fazendo e da qual não havia me dado conta. Minha intuição acaba funcionando. Capítulo XXIX Pegar Leve Quando participei de Malhação, tive uma experiência inédita. Muito divertida, mas não menos concentrada. Tive a sorte de trabalhar com Guilherme Leme, ator maravilhoso, e ríamos muito. As cenas eram deliciosas e aparecíamos no Video-show da TV Globo, naquele quadro que flagra as falhas e imprevistos das gravações quase toda semana. Um desandava a rir do outro, porque não agüentávamos as palhaçadas. É o jogo que dá prazer, contracenar porque só se joga a dois, sozinho é muito difícil. O Guilherme também vem do teatro, então criamos uma química perfeita. Para minha felicidade, raramente trabalhei com atores que não contracenam. Há aqueles que não contracenam por inibição, às vezes por incapacidade e outras vezes por egoísmo, achando que a cena vai ficar para ele. Isso já ma abalou em outras épocas, eu ficava muito tensa, ficava muito nervosa, sofria muito. Hoje em dia, não me atrapalha. Se trabalho com alguém que não contracena, sei que terei de resolver à minha maneira, apelando para meus recursos. Faço a cena, jogo propostas e como o outro não está compartilhando, acabo fazendo minha parte. Na comédia, isso pode prejudicar mais do que no drama, porque a comédia tem que ser mais precisa no tempo. Se a pessoa interrompe uma fala antes do estabelecido ou dá uma pausa muito grande, se ela não entra no jogo, o todo pode ser prejudicado. Aceito e toco o barco adiante, porque penso que foi só mais uma cena. Como na televisão fazemos muitas cenas por dia, não se pode querer fazer todas bem, não é possível. É preciso esforçar-se para fazer o máximo, mas não existe perfeição e é recorrente que quando terminamos uma cena nos venha uma idéia, mas a cena está gravada. E ficamos pensando se tivéssemos feito isto ou aquilo. Não há tempo de refazer a cena, então eu me desapego, vou à outra cena tentando me lembrar do que surgiu na mente para aproveitar uma próxima vez. Hoje em dia, depois de muita terapia, assisto às minhas cenas. Antes, não conseguia assistir sem me criticar, não me aceitava. Agora eu assisto para me corrigir, e não exercendo o narcisismo. Vejo os defeitos, mas não sofro mais com isso. Aprendi a ver as qualidades também. Consigo rir de mim mesma e tudo ficou mais leve, até mesmo o drama. Como, por exemplo, quando Isabelle Huppert, a grande atriz francesa veio ao Brasil em 2003, ela deu declarações que desmistificam a aura pesada que as pessoas colocam sobre persona-gens mais densos ou sofridos. Ela vinha apresentar 4.48 Psicose, texto contundente da inglesa Sarah Kane, com direção do francês Claude Régy, em que ela interpretava uma mulher à beira do suicídio, dialogando com seu psicanalista, uma voz que se ouvia no fundo do palco. Durante o espetáculo ela se mantinha imóvel, garantindo a tensão crescente na platéia. Numa entrevista, lhe perguntaram qual era a maior dificuldade no espetáculo, ao que ela respondeu desconcertando a todos, que uma delas era não poder se coçar. Em seguida desejavam saber de que maneira ela se concentrava para interpretar personagens tão complexas, tanto no teatro quanto no cinema, como A Professora de Piano, de Michael Haneke, ou nos filmes de Claude Chabrol, ao que ela respondeu que tirava um cochilo de uma hora antes de entrar em cena. Finalmente, a pergunta era de que forma ela se desligava dessas personagens. Contrariando a expectativa de uma revelação, ela responde: Simplesmente fumo um cigarro e abro uma lata de cerveja. É preciso levar a sério o seu trabalho, mas não se levar a sério, dar-se uma importância indevida, é algo pedante, arrogante, que distancia as pessoas. Existe um tipo de caráter de quem cria essa aura em torno de si querendo mostrar que está fazendo uma missão impossível, algo que ninguém faz, sofrendo para executar seu trabalho. Para mim, é exatamente o contrário. Simplesmente gosto de chegar antes no teatro porque gosto de estar naquele espaço. Dançar e cantar com os colegas e concentrar-me para o trabalho. Num dos programas da série Inside the Actor´s Studio, apresentada na televisão a cabo, em que James Lipton entrevista atores e diretores, a atriz americana Julianne Moore dizia exatamente isso. Que ela achava que a concentração vinha da tensão, do esforço, até que um diretor lhe disse que o segredo era o relaxamento, a descontração. É como diz Diderot em sua obra Paradoxo do Comediante: É o personagem que sofre, não o ator. É dessa forma que o ator abre todos os canais, quando relaxa, dança, canta, brinca, e aí a interpretação vem, porque só o que a emoção quer é espaço pra se manifestar. Se o ator está tenso, concentradíssimo, tudo se torna insuportável, com aquela densidão desagradável. Quando acaba o espetáculo, ou acabo de gravar, me sinto ótima. Gosto de tirar a maquiagem; é um momento que eu amo, limpar a pele, sair para jantar, passear, me sentir leve. Tudo já aconteceu. Agora só no dia seguinte. Capítulo XXX O Que Fica e o Que Vai Há obras de arte que permanecem na gente durante muito tempo, interpretações marcantes, outras nos tocam o coração naquele momento e se esvaem. O Baile, belíssimo filme dirigido pelo italiano Ettore Scola, é uma das obras que mais amo. Já quis até montar por se tratar de uma peça de teatro. Existe um trabalho de construção de personagem que me encanta. Sou apaixonada pela obra de Federico Fellini, o que não é nada original porque acho que a maioria dos fãs de cinema quase que o idolatra. Gosto de como ele mostra que tudo é fictício, de modo escancarado. Talvez por isso também é que eu tenho tanto carinho pelo filme de Mazzaropi, com aquele cenário felliniano, mostrando que é alguém contando uma história. La Strada, que Fellini realizou com sua mulher e musa Giulietta Massina e Anthony Quinn, é um dos filmes mais marcantes de minha vida, assim como Noites de Cabíria me emociona todas as vezes que tenho a oportunidade de assistir. Em La Strada me emocionei com a relação de interdependência daquele homem forte com a mulher frágil e sedutora, feia e linda ao mesmo tempo. Houve uma época em que fui muito apaixonada pelos trabalhos que o sueco Ingmar Bergman realizava, com a também sueca Liv Ullmann, quando eram casados. Hoje em dia, esses filmes me transmitem muito sofrimento, uma angústia que não acaba. Continuam sendo maravilhosos, mas já não me tocam tanto. Acho que, ao longo dos anos, passei a adquirir uma visão mais leve da vida e do próprio sofrimento. São filmes que eu veria por uma curiosidade estética. Já Fanny e Alexander é um dos depoimentos mais bonitos de toda a sua obra e uma homenagem à nossa profissão. Apaixonada por cinema, não posso deixar de lado Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, de Elio Petri com Gian Maria Volonté, ator italiano deslumbrante que influenciou politicamente toda uma geração de atores, diretores e espectadores. Meu lado de fã incondicional se alimenta com outro italiano. Marcello Mastroianni é um ator definitivo em meu universo, e Jorge Takla rememora uma história saborosíssima. Capítulo XXXI É Ben Trovato Como dizem os italianos, non só se é vero, ma é ben trovato. Algo como não sei se é verdade, ou exatamente assim, mas a história é boa. O Prêmio Molière que eu tinha ganhado dava direito a uma passagem de ida e volta para Paris, aonde fui me encontrar com Marcio Aurelio. Jorge Takla também estava na cidade e nos levou ao Café de Flore, local cultuado pelos parisienses, tendo abrigado nos anos 60 mais do que qualquer outro lugar na cidade, o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Quando nos sentamos, olhei em volta e me deparei com uma mesa na qual jantavam Mastroianni e o ator francês Michel Piccoli. Só os dois. Desde então, o Jorge conta uma história de que meu ídolo ficava olhando para mim. Eu acho que é uma invenção da cabeça dele, mas ele insiste ser verdade, o Marcio Aurelio reforça a história e como é mesmo uma história maravilhosa, eu acredito. Fiquei completamente paralisada, porque eu jamais conseguiria levantar e falar com ele. Fiquei olhando para ele o jantar inteiro e não acreditava que eu estava vendo, materializado na minha frente Marcello Mastroianni. Ele tinha essa linha de pensamento de que é impressionante que me paguem para fazer o que mais gosto e para me divertir. Compartilho esse espírito do trabalho e, de fato, embora sendo um trabalho que exige muito de nós, ele nos permite fazer o que amamos, descobrindo outras pessoas e criando relações com elas. No cineclube da escola, além dos filmes de Buñuel que eu tinha descoberto, passei inevitavelmente pela fase Jean-Luc Godard. Eu não entendia nada, mas achava o máximo ver aqueles filmes, tentando decifrar o que ele queria dizer com aquilo. Hoje eu ficaria cansada só de pensar. Mas foi algo forte da juventude. Algumas atrizes continuam me impressionando. Se Liv Ullmann foi uma espécie de ícone do passado, a inglesa Vanessa Redgrave permanece intacta, especialmente depois de sua composição em Julia, de Fred Zinnemann, com Jane Fonda. Me deslumbra seu despojamento como atriz que não arma nada, é direta, honesta, cristalina em sua interpretação. No Brasil, Eva Wilma é das maiores atrizes que conheço. Seu trabalho é muito sério, sempre foi e é das que mais conhecem de teatro, cinema e televisão. Além de ter uma beleza que persiste, que resiste ao tempo. Acompanho seu trabalho desde o programa Alô Doçura, a que eu assistia religiosamente. Tenho imensa admiração e afeto por Eva Wilma. Acho importante ressaltar que o Brasil, assim como produz grandes jogadores de futebol, produz atores e atrizes extraordinários. São muitos, das mais variadas gerações. Dos mais velhos aos mais jovens, e não me canso de admirar e desfrutar o trabalho desses contadores de história, gente diferente e inquieta, sempre procurando traduzir as aflições e alegrias da alma humana. Capítulo XXXII Basta Tocar uma Alma Por mais utópico que possa parecer, acredito sem questionar que a linguagem da arte, seja ela visual, cênica, cinematográfica, literária, tenha a capacidade de propor transformações em pessoas, situações ou impasses e plantar irreversíveis sementes para uma reflexão mais profunda. Se pudermos com nosso trabalho tocar verdadeiramente uma alma que seja, o sentimento de gratidão e plenitude que se instala já é recebido como uma recompensa. Existe sempre o desejo de ampliar esse horizonte e abrir um espaço cada vez maior com platéias cada vez mais numerosas. Seria a situação ideal, mas nem sempre o que ocorre, o que de forma alguma enfraquece nossas esperanças. Recebi, há algum tempo, uma carta que sintetizou o que de mais gratificante um profissional pode receber. Não importa a profissão que se tenha, porque cada um segue a vocação que lhe compete ou escolhe, se puder, o que dará mais sentido à sua vida. Uma jovem que jamais tinha ido a um teatro, me mandou seu emocionante depoimento após ter assistido Florbela, em 1991. Seu nome é Andrea e, de tão bonita e emblemática, eu poderia reproduzir integralmente sua carta. O fato é que ela contava ter esperado muito anos pela oportunidade de me contar como tinha se tornado importante em sua vida o espetáculo. Vivendo na periferia de São Paulo, brincava de reproduzir coreografias de cantores americanos na rua e não sabia da existência de cursos de teatro . Um dia, o professor Carlos, de Educação Artística, organizou uma excursão em que a classe iria ao teatro. Logo me veio à mente o querido Professor Gáudio, da minha adolescência. Seria a primeira vez que Andrea pisaria num teatro. A primeira vez em que veria um palco de verdade, com atores de verdade dizia ela. Uma noite fria, com cheiro de pipoca, pessoas em frente a uma porta pequena, o TBC. Como seria lá dentro? Não era luxuoso, a rua era escura, eu tinha medo. Estava longe de casa. O nome do espetáculo me fugia toda hora da cabeça, nome estranho, Flor alguma coisa. Entramos, lotou, mas fiquei bem na frente. Tudo escuro, toques de campainhas, não sabíamos para que servia. De repente, tudo começa. Luzes, poesia, âmbar, lágrimas, desespero. Será que podiamos chorar no teatro? No cinema podia, mas e ali? Não agüentei, acho que quase me matei de chorar, era a história mais linda do mundo. Saí de lá com a cara vermelha e inchada, meus amigos acharam que eu tinha dormido. Nunca me esqueci de Florbela Espanca. Nunca me esqueci de você, do rosto do ator que fazia o irmão, das cenas onde o irmão sobrevoava os céus e ela admirava do chão,da queda, do amor fatalmente rompido e proibido. Saí do teatro com uma certeza, fosse o que fosse era aquilo que queria. Me mostrou que o teatro existia, eu não sabia. Me mostrou que era possível e eu não sabia. Me ensinou que minha profissão era essa. Hoje é. Muitos anos sonhei em te encontrar, te contar tudo isso. Acho que o ator com o tempo perde a noção da importância do seu trabalho, e nem sei se sabemos o que provocamos nas pessoas ao subirmos no mundo divino dos palcos. Obrigada. Graças a você, pude iniciar meus passos neste tablado extasiante. Sou atriz, de pequenos trabalhos, todos importantes, porque a cada um jogo toda a minha alma. Antes de cada estréia, sinto o cheiro de pipocas e o frio na barriga que senti quando as luzes se apagaram e você surgiu em meio a tanta luz. E em cada palco que subir, espero que você conquiste o coração de novos jovens, novos atores escondidos atrás de nossa periferia sem sonhos, sem ilustrações. E assim, continuo me surpreendendo com os pequenos milagres que recebo como preciosas lições, a cada dia e a cada cortina que se abre. Fim Cronologia Profissional Teatro 1970 • Teatro Jornal, Primeira Edição Texto: Augusto Boal e Grupo Núcleo - Direção: Augusto Boal - Elenco: Celso Frateschi, Dulce Muniz, Edson Santana, Hélio Muniz Produção: Teatro de Arena São Paulo / Teatro Núcleo Independente 1971 • Arena Conta Zumbi Texto: Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal -Direção: Augusto Boal - Elenco: Lima Duarte, Antonio Pedro, Bibi Vogel, Hélio Ari Produção: Teatro de Arena • Doce América, Latino América Texto: Augusto Boal, Plínio Marcos, trabalho coletivo - Elenco: Celso Frateschi, Dulce Muniz, Paulo Ferreira, Luiz Carlos Arutin Produção: Teatro de Arena / Grupo de Teatro Núcleo Independente 1972 • Tambores na Noite Texto: Bertolt Brecht - Direção: Fernando Peixoto - Elenco: Celso Frateschi, Dulce Muniz, Edson Santana, Renato Dobal, Abrãao Farc, Antonio Maschio, Cecília Rabelo • A Semana - Esses Intrépidos Rapazes e sua Maravilhosa Semana de Arte Moderna Texto: Carlos Queiroz Telles – Direção: Fernando Peixoto – Elenco: Margot Baird, Celso Frateschi, Dulce Muniz, Edson Santana, Antonio Maschio. • A Vida de Frei Caneca Texto: Carlos Queiroz Telles – Direção: Fernando Peixoto – Elenco: Othon Bastos, Celso Frateschi Produção: Theatro São Pedro 1973 • A Queda da Bastilha Texto: Trabalho coletivo, sobre o texto 1789, de Ariane Mnouchkine – Direção: Trabalho coletivo – Elenco: Celso Frateschi, Dulce Muniz, Cleston Teixeira, Edson Santana, Selma Pelizzon, Antonio Maschio Produção: Theatro São Pedro • O Evangelho Segundo Zebedeu Texto: Cesar Vieira – Direção: Silnei Siqueira Festival de Manizales, Colômbia – Elenco: Sonia Guedes, Celso Frateschi Produção: Teatro da Cidade de Santo André 1975 • A Epidemia Texto: Trabalho coletivo com organização de Celso Frateschi – Direção: Trabalho Coletivo – Elenco: Celso Frateschi, Cleston Teixeira, Edson Santana, Alzira Andrade, Paulo Ferreira 1977 • Dois Homens na Mina Texto: Enrique Buenaventura – Direção: Denise Del Vecchio – Elenco: Celso Frateschi, Reinaldo Maia Produção: Grupo Núcleo 1978 • Os Imigrantes Texto: Celso Frateschi sobre pesquisa coletiva – Direç ão: Coletiva – Elenco: Celso Frateschi, Cleston Teixeira, Paulo Ferreira Produção – Teatro Núcleo Independente 1979 • Vejo um Vulto na Janela, me Acudam que Sou Donzela Texto: Leilah Assumpção - Direção - Emílio De Biasi -Elenco – Yolanda Cardoso, Ruthinéa de Moraes, Maria Eugênia de Domenico, Claudia Mello, Denise Del Vecchio, Imara Reis, Christina Santos, Sonia Loureiro. 1980 • Ato Cultural Texto: Ignácio Cabrujas – Direção: Marcos Fayad – Elenco: Marcos Fayad, Henri Pagnoncelli, Jalusa Barcellos, Reinaldo Maia, Christina Rodrigues. São Paulo, SP Sala Guiomar Novaes – Funarte 1981 • Lua de Cetim Texto: Alcides Nogueira - Direção: Marcio Aurelio – Elenco: Denise Del Vecchio (Prêmio Molière), Umberto Magnani (Prêmio Molière), Elias Andreato, Julia Pascale, Ulisses Bezerra 1983 • Mahagonny Songspiel Texto: Bertolt Brecht – Direção: Cacá Rosset – Elenco: Cacá Rosset, Luiz Roberto Galízia, Ana Braga, Cyda Moreira, Chiquinho Brandão • Feliz Ano Velho Texto: Alcides Nogueira, baseado na obra de Marcelo Rubens Paiva – Direção: Paulo Betti – Elenco: Marcos Frota, Adilson Barros, Lília Cabral, Christiane Rando, Marcos Kaloy Produção – Núcleo Pessoal do Victor 1986 • Lembranças da China Texto: Alcides Nogueira – Direção: Jorge Takla – Elenco: Denise Del Vecchio (Prêmio Governador do Estado), Noemi Marinho, Fernando Bezerra, Mauro de Almeida, Nicola Christensen. Produção: Takla Produções Artísticas e Associados. 1987 • Electra Texto: Sófocles, com adaptação de Maria Adelaide Amaral – Direção: Jorge Takla – Elenco: Denise Del Vecchio, Walderez de Barros, Pedro Pianzo, Françoise Forton, Cacá Amaral, Antônia Chagas, Alzira Andrade, Luciana Pereira, Val Folly. Produção: Takla Produções Artísticas • Vestido de Noiva Texto: Nelson Rodrigues – Direção: Marcio Aurelio – Elenco: Alzira Andrade, Christiane Rando, Hugo Della Santa, Denise Del Vecchio, Marcelo Andrade, Márcio Ribeiro, Jandira de Souza, Lílian Sarkis, Cissa Camargo, Fernando Neves. 1989 • O País dos Elefantes Texto: Louis Charles Sirjacq – Direção: Alain Millianti – Elenco: Antonio Fagundes, Aldo Rabelo, Denise Del Vecchio Produção: Companhia Estável de Repertório Estréia: Teatro Maria Della Costa / Festival de Avignon 1991 • Florbela Texto: Alcides Nogueira – Direção: Cibele Forjaz – Elenco: Luciano Chirolli, Carlos Martins, Bri Fiocca, Christiane Rando, Eloísa Elena, Helena Bagnoli, Marco Stocco, Décio Pinto Produção: Talento e Formosura Ltda. 1992 • Cobras Voadoras Texto: Leonor Corrêa – Direção: Denise Del Vecchio – Elenco: Alzira Andrade, Eloísa Elena, Nanna de Castro Produção: Cobras Voadoras 1996 • Três Maneiras de Dançar um Tango Texto: Denise Bandeira – Direção: Paulo Betti – Elenco: Roberto Bontempo, Vera Fajardo Produção - Casa da Gávea 1997 • Anchieta, Nossa História Texto: Alzira Andrade e Alceste Madella -Direção: Denise Del Vecchio – Elenco: Marco Ribeiro, Maria Fernanda Cândido, Daniela De Vecchi, Pedro Guilherme, Alceste Madella, Liziette Navarro, Marcelo Banzato, Lenna Jotta, Klever Ravaneli Produção: Comissão IV Centen. de Anchieta 1998 • Um Crime Perfeito Texto: Alzira Andrade e Mauro Toledo -Direção: Roberto Vignati Produção: Mana Produções Artísticas 2000 • Feliz Ano Velho Texto: Alcides Nogueira – Direção: Paulo Betti – Elenco: Marcos Frota, Claudio Fontana, Genésio de Barros, Maria Ribeiro, Márcia Brasil, André Frateschi, Juliana Betti Produção: Casa da Gávea, Rio de Janeiro 2002 • Silvia Texto: A. R. Gurney, adaptação Flávio Marinho – Direção: Aderbal Freire Filho – Elenco: Louise Cardoso, André Valli, Marcelo Saback Produção: Louise Cardoso 2003 • Unha e Carne Texto: Chico Azevedo – Direção: Chico Azevedo – Elenco: Lilia Cabral e Denise Del Vecchio Produção: Sérgio Saboya 2004 • A Máscara do Imperador Texto: Samir Yazbek – Direção: William Pereira – Elenco: Otávio Martins, Eduardo Semerjian, Patrícia Dinely, Plínio Soares, Priscila Carvalho 2005 • Sossego e Turbulência no Coração de Hortência Texto: João Antonio de Souza – Direção: Marcio Aurélio – Elenco: Maria Manoella,Renato Scarpin, André Frateschi, Vanessa Goulart, Plínio Soares, Olívia Araújo, Marco Barreto. Projeto Teatro nas Universidades, São Paulo/SP 2007 • Leituras: Antígona, de Sófocles e A Gaivota, de A. Tchecov Direção: Hugo Coelho Projeto Paixões Humanas Teatro Sérgio Cardoso – Sala Pascoal Carlos Magno • Mar de Gente Coreografia e Direção Geral: Ivaldo Bertazzo -Direção Teatral: Fábio Namatame • Leitura: Querida Mamãe De: Maria Adelaide Amaral – Direção: André Frateschi – Elenco: Denise Del Vecchio e Tuna Dwek Letras em cena – MASP • Leitura: Avental Todo Sujo de Ovo De Marcos Barbosa – Direção: Toninho do Valle – Elenco: Denise Del Vecchio, Roberto Arduin, Maria do Carmo Soares, Dagoberto Feliz Projeto Dramaturgias - CCBB • De Corpo Presente Texto e Direção: Mara Carvalho – elenco: Tato Gabus, Mara Carvalho, Dani Luque, Samantha Dalsoglio, Luiz Ferreti, Mario Dieguez Espaço Incenna Televisão Set 1974 / Maio 1975 • Ídolo de Pano TV Tupi / SP Novela de Teixeira Filho – Direção: Henrique Martins – Supervisão: Carlos Zara – Elenco: Dennis Carvalho, Tony Ramos, Elaine Cristina, Laura Cardoso, Carmem Silvia, Suzana Gonçalves Set 1975 / Maio 1976 • Um Dia, o Amor (212 capítulos) TV Tupi / SP Novela de Teixeira Filho – Direção: David Grinberg – Supervisão: Carlos Zara – Elenco: Carlos Zara, Maria Estela, Nadia Lippi, Henrique Martins, Lélia Abramo, Denise Del Vecchio (Adriana), Geny Prado Maio 1976 / Outubro 1976 • Um Sol Maior (150 capítulos) TV Tupi / SP Novela de Teixeira Filho – Direção: Edson Braga – Elenco: Zanoni Ferrite, Sandra Barsotti, Rodolfo Mayer, Marco Nanini, Laura Cardoso, Iara Lins, Denise Del Vecchio (Betty) Outubro 1976 / Abril 1977 • O Julgamento TV Tupi / SP Novela de Carlos Queiroz Telles e Renata Pallottini – Direção: Edson Braga e Álvaro Fugulin – Elenco: Carlos Zara, Eva Wilma, Cláudio Correa e Castro, Tony Ramos, Cleyde Yaconis, Lélia Abramo, Denise Del Vecchio (Sofia) Julho 1978 / Maio 1979 • O Direito de Nascer TV Tupi / SP Texto: Teixeira Filho e Carmem Lídia – Direção: Antonino Seabra e Álvaro Fugulin – Elenco: Carlos Augusto Strazzer, Eva Wilma, Beth Goulart, Cléa Simões, Denise Del Vecchio (Rosário) Henrique Martins, Geny Prado, Alzira Andrade Novembro 1979 / Julho 1980 • O Todo Poderoso TV Bandeirantes Texto de Clovis Levy e José Safiotti Filho -Direção: J. Marreco, Henrique Martins, David José e Maurício Capovilla – Elenco: Eduardo Tornaghi, Selma Egrei, Lílian Lemmertz, Geraldo Del Rey, Kate Hansen, Marco Nanini, Denise Del Vecchio (Carmem Silvia) Abril 1981 / Junho 1982 • Os Imigrantes (333 capítulos) TV Bandeirantes Novela de Benedito Ruy Barbosa e Renata Pallotini – Direção: Henrique Martins, Atilio Riccó, Emílio Di Biasi e Antonio Abujamra – Elenco: Paulo Betti, Denise Del Vecchio (Mariinha), Herson Capri, Othon Bastos, Christiane Rando, Maria Estela, Lilia Cabral, Rubens de Falco 1982 • Maria Stuart TV Cultura De Carlos Lombardi, baseada na peça de Friedrich Schiller – Direção: Edson Braga – Elenco: Kate Hansen, Nathalia Timberg, Fernando Peixoto, Diogo Vilela • Pic-nic Classe C TV Cultura De Walther Negrão e Carlos Lombardi, adaptação de contos e crônicas de Oswaldo Molles – Direção: Edson Braga – Elenco: Herson Capri, Denise Del Vecchio (Marieta) Henrique César, Maria Célia Camargo, Ruthinéia de Moraes 1983 • Acorrentada SBT Novela de Henrique Lobo – Direção: David Grinberg – Elenco: Denise Del Vecchio (Laura), Jonas Mello, Hélio Souto, Iara Lins, Elias Gleiser, Walter Stuart • Pecado de Amor SBT Novela de Henrique Lobo, baseada no original de Marisa Garrido – Direção: Antonino Seabra – Elenco: Denise Del Vecchio (Helga), Yara Lins, Rogério Márcico, Renato Master, Tereza Teller 1984 • A Máfia no Brasil TV Globo Minissérie de Paulo Afonso Grisolli – Direção: Roberto Farias 1988 • Fera Radical (203 capítulos) TV Globo Novela de Walther Negrão – Direção: Gonzaga Blota e Denise Saraceni – Elenco: Malu Mader, José Mayer, Carla Camuratti, Thales Pan Chacon, Laura Cardoso, Yara Amaral, Rodrigo Santiago, Denise Del Vecchio (Olívia) 1989 • Colônia Cecília TV Bandeirantes Roteiro: Carlos Nascimberri e Patrícia Melo – Direção: Hugo Barreto – Elenco: Paulo Betti, Edith Siqueira, Gabriela Duarte, Geraldo Del Rey, Denise Del Vecchio (Duzolina) Setembro 1989 / Maio 1990 • Top Model (197 capítulos) TV Globo Novela de Walther Negrão e Antonio Calmon -Direção Geral: Roberto Talma – Elenco: Malu Mader, Taumaturgo Ferreira, Nuno Leal Maia, Jonas Bloch, Denise Del Vecchio (Lia) 1990 • Mãe de Santo TV Manchete Minissérie de Paulo César Coutinho – Direção: Henrique Martins – Elenco: Zezé Motta, Ítala Nandi, Julia Lemmertz, Denise Del Vecchio 1991 • Ilha das Bruxas TV Manchete Minissérie de Paulo Figueiredo – Direção: Henrique Martins e Álvaro Fugulin – Elenco: Miriam Pires, Maria Helena Dias, Rubens Correa, Ana Cecília, Eduardo Conde 1992 • Anos Rebeldes (20 capítulos) TV Globo Minissérie de Gilberto Braga – Direção: Dennis Carvalho – Elenco: Cássio Gabus Mendes, Malu Mader, Cláudia Abreu, Marcelo Serrado, Pedro Cardoso, José Wilker, Geraldo Del Rey, Denise Del Vecchio (Dolores), Sonia Clara, Terezinha Sodré, Geórgia Gomide 1994 • A Viagem (167 capítulos) TV Globo Novela de Ivani Ribeiro – Direção: Wolf Maya – Elenco: Antonio Fagundes, Christiane Torloni, Mauricio Mattar, Andréa Beltrão, Nair Bello, Denise Del Vecchio (Glória) Dezembro 1994 / Julho 1995 • As Pupilas do Sr. Reitor (186 capítulos) SBT Novela de Lauro César Muniz, Bosco Brasil, Supervisão de texto Chico de Assis - Direção Geral: Nilton Travesso – Direção: Del Rangel e Henrique Martins – Elenco: Juca de Oliveira, Débora Bloch, Luciana Braga, Tuca Andrada, Elias Gleiser, Eduardo Moscovis, Denise Del Vecchio (Joana) Outubro 1995 / Setembro 1996 • Tocaia Grande (236 capítulos) TV Manchete Novela de Duca Rachid, Mario Teixeira, Marcos Lazzarini – Supervisão: Walter George Durst – Direção: Regis Cardoso e Walter Avancini -Elenco: Roberto Bonfim, Tânia Alves, Carlos Alberto, Taís Araújo, José Dumont, Denise Del Vecchio (Jacinta) 1997 • Os Ossos do Barão (115 capítulos) SBT Novela de Jorge de Andrade, escrita por Walter George Durst – Direção: Antonio Abujamra – Elenco: Leonardo Villar, Juca de Oliveira, Ana Paulo Arósio, Jussara Freira, Bia Seidl, Rubens de Falco, Laerte Morrone, Denise Del Vecchio (Rosa) • O Desafio de Elias Rede Record Minissérie de Yves Dumont – Direção: Luís Antonio Piá – Elenco: Guilherme Linhares, Mayara Magri, Laerte Morrone, Leonardo Villar, Othon Bastos, Adriano Stuart, Denise Del Vecchio (Rebeca) • Serras Azuis (120 capítulos) TV Bandeirantes Novela de Ana Maria Morehtzon, baseada na obra de Geraldo França de Lima – Direção: Nilton Travesso – Elenco: Petrônio Gontijo, Bete Coelho, Giuseppe Oristâneo, Joana Fomm, Leonardo Villar, Claudia Mello, Ana Lúcia Torre, Maria Fernanda Cândido, Denise Del Vecchio (Netinha) Maio 1999 / Janeiro 2000 • Força de um Desejo (227 capítulos) TV Globo Novela de Gilberto Braga e Alcides Nogueira – Direção: Marcos Paulo, Mauro Mendonça Filho, Carlos Araújo – Elenco: Malu Mader, Fábio Assunção, Selton Mello, Reginaldo Farias, Paulo Betti, Cláudia Abreu, Nathália Timberg, Louise Cardoso, Denise Del Vecchio (Bárbara) Abril 2000 / Maio 2001 • Malhação (280 capítulos) TV Globo Texto: Emanuel Jacobina – Direção: Luiz Henrique Rios e Edson Spinello – Elenco: Giuseppe Oristanio, Giselle Tigre, Guilherme Leme, Mário Frias, Priscila Fantin, Roger Gobeth, Denise Del Vecchio (Ioiô) Junho 2002 / Fevereiro 2003 • Esperança (209 capítulos) TV Globo Novela de Benedito Ruy Barbosa e Walcyr Carrasco – Direção: Luiz Fernando Carvalho, Carlos Araújo – Elenco: Ana Paulo Arósio, Reynaldo Gianecchini, Raul Cortez, Maria Fernanda Cândido, Paulo Goulart, Lúcia Veríssimo, Lígia Cortez, Laura Cardoso, Otávio Augusto, Denise Del Vecchio (Soledad) Setembro 2003 / Maio 2004 • Chocolate com Pimenta (209 capítulos) TV Globo Novela de Walcyr Carrasco – Direção: Jorge Fernando – Elenco: Mariana Ximenes, Murilo Benício, Elisabeth Savalla, Priscila Fantin, Drica Moraes, Osmar Prado, Lília Cabral, Laura Cardoso, Denise Del Vecchio (D. Mocinha) Julho de 2004 • Bateau Mouche TV Globo Programa Linha Direta: Justiça Roteiro: Charles Peixoto – Direção: Milton Abirached – Denise Del Vecchio como Yara Amaral Novembro 2004 / Junho 2005 • Como uma Onda (179 capítulos) TV Globo Novela de Walther Negrão – Direção: Dennis Carvalho – Elenco: Alinne Moraes, Henri Castelli, Herson Capri, Maria Fernanda Cândido, Hugo Carvana, Mel Lisboa, Ricardo Pereira, Denise Del Vecchio (Mariléia) Outubro de 2005 • Se o Anacleto Soubesse TV Cultura Programa Senta que lá Vem Comédia Texto: Paulo Orlando – Direção: Bete Dorgan – Elenco: Ângelo Brandini, Francisco Bretas, Andréa Bassit, Pedro Pianzo 2006 • JK TV Globo Minissérie de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira – Direção: Dennis Carvalho, Amora Mautner, Vinicius Coimbra, Christiano Marques – Elenco: José Wilker, Marília Pêra, Julia Lemmertz, Débora Falabella, Wagner Moura, Tuna Dwek, Cássia Kiss, Dan Stulbach, Luiz Mello, Tato Gabus, Denise Del Vecchio (Naná, 2ª fase) Julho 2006 / Março 2007 • Bicho do Mato Rede Record Novela de Christiane Freedman e Bosco Brasil – Supervisão: Thiago Santiago – Direção: Edson Spinello – Elenco: Beatriz Segall, Paulo Gorgulho, Ana Beatriz Nogueira, Jonas Bloch, Ewerton de Castro, Angelina Muniz 2007 • Amor e Intrigas Rede Record Novela de Gisele Joras – Direção: Edson Spinello – Elenco: Vanessa Gerbelli, Heitor Martinez, Luiz Guilherme, Esther Góes, Castrinho, Jonas Bloch, Luciano Szafir • Louca Família Rede Record Especial de Natal Com: Tom Cavalcante, Rogério Fróes, André Matos, Angelina Muniz, Karina Bacchi, Christina Pereira Cinema 1977 • Jecão... Um Fofoqueiro no Céu De Amâncio Mazzaropi – Elenco: Amâncio Mazzaropi, Geni Prado, Denise Del Vecchio, Elizabeth Hartmann, Edgar Franco, Paulo Castelli 1978 • Doramundo De João Batista Andrade – Elenco: Antonio Fagundes, Irene Ravache, Denise Del Vecchio Kikito de Melhor Filme – Festival de Gramado 2001 • Lavoura Arcaica De Luiz Fernando Carvalho – Elenco: Raul Cortez, Selton Mello, Juliana Carneiro da Cunha, Simone Spoladore, Leonardo Medeiros, Denise Del Vecchio Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Introdução 13 Aeromoça 21 A Lua da Minha Infância 33 Inadequada e Rebelde 37 Depois de Cacilda, Nunca Mais Fui a Mesma 43 A Bravura Secundarista 47 Situações-limite 51 O Acaso que Não é Acaso 55 A Arte Cura mas Não é Remédio 59 Teatro de Arena, uma Ode à Liberdade 63 Nosso Mestre Usurpado 77 Impetuosa Revolução 81 Um Anjo Dentro de Mim 85 Filhos Pródigos 91 O Filho do Palco 99 A Lua da Minha Vida 109 Divina Providência 121 O Aprendizado é a Melhor Recompensa 125 A Intuição Veio me Visitar e Ficou 139 Alcides Nogueira, Emblema da Paixão 147 Minha Família Televisiva 155 Aprender Fazendo 157 O Tempo Não Existe 163 Um Oásis 167 Os Mestres 171 Entre o Útero e a Escola de Teatro 177 Ser uma Camaleoa 181 Um Toque de Fellini 189 Meu Processo de Criação 193 Pegar Leve 201 O Que Fica e o Que Vai 207 É Ben Trovato 209 Basta Tocar uma Alma 213 Cronologia Profissional 217 Créditos das fotografias Ary Brandi 107 Cedoc TV Globo 135, 136, 151, 153, 186, 187, 216, 239, 242, 243, 250, 251 Clóvis Torres 231 Cristina Granato 184 Edmar Fonseca 146 Edson Iwassaki 244, 245 Guga Melgar 228, 229 Iolanda Huzak 110, 113, 115, 116, 120 João Caldas 225 Lenise Pinheiro 133 Maiza Borges 126, 128, 130, 224 Marcelo Pestana 54, 138 Nelson Di Rago / TV Globo 183, 202 Rui Mendes 124 Silvio Pozatto 168, 175 Stefan Kolumban 146, 149 TV Record 246 Vailton S. Santos 118, 119 Vânia Toledo 12, 170 Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person Cidade dos Homens Roteiro de Paulo Morelli e Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 272 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Coleção Aplauso Série Perfil Coordenador Geral Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Projeto Gráfico e Editoração Editor Assistente Editora Assistente Tratamento de Imagens Revisão Rubens Ewald Filho Marcelo Pestana Carlos Cirne Felipe Goulart Viviane Vilela José Carlos da Silva Heleusa Angélica Teixeira © 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial Dwek, Tuna Denise Del Vecchio : memórias da lua / Tuna Dwek. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. 272p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-570-2 1. Atores e atrizes de teatro – Brasil 3. Atores e atrizes de televisão - Brasil I. Del Vecchio, Denise, 1954 II. Ewald Filho, Rubens. III.Título. IV. Série. CDD 791.092 81 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia : Representações públicas : Artes 791.092 81 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401