Zuzu Angel roteiro Sergio Rezende e Marcos Bernstein Imprensa Oficial São Paulo, 2006 Governador Cláudio Lembo Secretário Chefe da Casa Civil Rubens Lara Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira Coleção Aplauso Cinema Brasil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Carlos Cirne Assistência Operacional Andressa Veronesi Editoração Aline Navarro Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O caso dos irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Prefácio Zuzu Angel é meu quinto filme inspirado em personagens reais. Depois de Tenório Cavalcanti (O homem da capa preta, 1986), Carlos Lamarca (Lamarca, 1994), Conselheiro (Guerra de Canudos, 1997) e Mauá (Mauá, o imperador e o rei, 1986), pela primeira vez me debrucei sobre uma personagem feminina de nossa história. Uma mulher fascinante, e, de uma maneira muito particular, uma aventureira, como todos os personagens dessa série iniciada com O homem da capa preta. Um ingênuo talvez acredite que contar uma estória real seja mais simples que partir do zero com um personagem de ficção. Engano absoluto. Sempre achei muito mais fácil criar e desenvolver livremente a partir de minha imaginação. É certo que personagens reais nos indicam uma trajetória, muitas vezes nos propõem um começo e um fim. Mas não facilitam a vida do escritor, frequentemente o levam à exasperação criativa. Não há cópia possível, não há cenas prontas, não há espaço num filme de 100 minutos para abarcar as dezenas de anos de vida dos personagens. Não há pesquisa bem feita que reconstitua momentos íntimos, hesitações, humores, sentimentos passageiros, memórias, medos, desejos, todas essas coisas sem as quais não se faz um filme. Eu digo sempre, com o risco de ser mal compreendido, que fazer um filme sobre um personagem real é inventar mentiras para contar a verdade. Mentira no sentido de que muitas das cenas que escrevemos e filmamos nunca aconteceram de fato, mas é com essas “mentiras” poéticas que buscamos revelar a “verdade” dos retratados. Curiosamente já recebi críticas apontando inverosimilhanças em episódios retratados ao pé da letra e elogios pela precisão na recriação de fatos que nunca aconteceram... O poder da ficção vence sempre. Foi com a consciência bem clara a respeito de tudo isso que Marcos Bernstein e eu nos lançamos ao trabalho. Não deixamos de pesquisar, o personagem e seu tempo. O livro de Virgínia Valli Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho, quase uma autobiografia, nos foi valiosíssimo. E também as conversas com parentes, amigos, funcionários, gente que conviveu muito tempo com Zuzu. Trabalhamos sempre juntos durante seis meses, perdi a conta de quantas versões fizemos antes de chegar na definitiva. Embora estivéssemos certos de que toda a vida dessa mineira de Curvelo fosse muito interessante, incluindo sua maravilhosa trajetória profissional, abandonamos a idéia de uma cinebiografia. O filme se concentra num período de cinco anos, que vai da morte de Stuart, em maio de 1971, a abril de 1976, quando Zuzu morre na saída do túnel que hoje leva seu nome, no Rio de Janeiro. Há qualquer coisa de tragédia grega, de Antígona, na vida de Zuzu. Elke Maravilha, mulher inteligente e sensível que desfilou para ela e com quem conversei bastante sobre o projeto, diz sempre isso, que Zuzu não era uma dramática, era uma trágica. Que não se fazia de coitada, não vivia chorando pelos cantos mostrando suas dores; que era uma guerreira, que agia, as ações é que norteavam sua vida, sua luta incansável pelo corpo de seu filho e por justiça. É comum pais que oferecem a própria vida pela vida de seus filhos. Zuzu Angel foi além: ela deu sua vida por um filho que já estava morto, deu sua vida pela memória de Stuart e pela idéia fundamental de que a Lei e a Justiça não podem ser deixadas de lado, sob qualquer hipótese, em qualquer tempo. Nesse sentido, a história dessa mulher que partiu há 30 anos continua atualíssima. Sergio Rezende Introdução O roteiro é o momento de criação que vem do vazio, da famosa folha em branco, para resultar em algo entre 80 e 120 páginas. Quando feito sozinho, é um tempo em que o roteirista, mesmo nos momentos mais ferozes de trabalho, irá se defrontar com suas questões pessoais naquele instante da sua vida. Quando feito acompanhado, o roteirista irá ter com seu parceiro um convívio intenso como em nenhuma outra circunstância teria. Essa intimidade, às vezes momentânea, é necessária, até para que ambos se sintam soltos para dar idéias, sabendo que vez por outra dirão algo estapafúrdio sem se constranger muito. Quando fui chamado pelo Sergio Rezende e pelo Joaquim Vaz de Carvalho para fazer o roteiro de Zuzu Angel, já imaginava que seria esse último caso. E tanto isso, a colaboração, quanto o assunto me eram instigantes. Bem no início de minha carreira, eu havia feito apenas um roteiro biográfico que não chegou a ser filmado. Já o Sergio é bastante conhecido por esse tipo de filme e nos melhores deles consegue manter uma abordagem pessoal da história ou da História com “H” maiúsculo. Como ele mesmo diz em seu prefácio, “inventar umas pequenas mentiras para contar a verdade”. E foi assim com Zuzu Angel. Tivemos margem para criar coisas no intuito de falar dessa personagem fascinante, sofrida, às vezes exagerada, mas sempre apaixonante que era Zuzu. Por outro lado, tenho a sensação de que essas mentirinhas ajudam a revelar não só o persona-gem da história, mas também o ponto de vista do autor, do criador. Por isso uma abordagem pessoal da História, tanto em relação ao personagem retratado, como em relação ao criador. E, o mais curioso, é que às vezes essa sintonia entre criador e criatura é tão grande que a tal mentira não só retrata a verdade como se “torna”, ou melhor, se revela uma verdade. Vou dar um exemplo que foi uma grata surpresa no caso desse projeto. Desde o início do roteiro, aumentamos o papel na vida de Zuzu, da elaboração de um dossiê com denúncias, não só sobre o desaparecimento de seu filho, Stuart, o foco de nossa história, mas também de casos semelhantes ocorridos durante a ditadura. Tínhamos que materializar o desconforto que essa mulher causou ao governo e aos órgãos de repressão, ao ponto de explicar as ameaças e finalmente o acidente-atentado por ela sofrido. Tínhamos bases concretas para seguir esse caminho, afinal a investigação mais recente do acidente de carro que matou Zuzu tende para a hipótese de assassinato. Resolvemos que esse dossiê seria um balizador da ação, com um preâmbulo que estabeleceria o estado de espírito de Zuzu, seu medo, para depois realmente começarmos sua história, voltando um pouco ao passado, contando sua aventura até chegar àquele momento em que o filme se iniciou e daí seguir adiante. Os americanos chamam esse recurso de “book ending”, que são aqueles pesos que seguram uma fileira de livros em seu início e seu fim. Pois bem, após o trabalho costumeiro, tínhamos uma versão do roteiro de que todos gostaram bastante. No entanto, o terço final do filme ainda carecia de tensão crescente, de um clímax mais definido. Como durante a execução dessa versão ficamos (sobretudo eu) preocupados em não exagerar o papel do dossiê para a mentirinha não virar mentirão, Sergio resolveu arriscar nesse momento e aumentar sua importância, tornar o desfecho mais nitidamente ligado ao destino desses documentos. Deu certo. Após essa mexida, o que estava meio frouxo se encaixou. Poderia aí se questionar -eu, no caso -se o papel do dossiê não tinha ficado um pouco exagerado em relação a realidade, mas o Sergio estava tranqüilo com sua opção. Até porque nesses casos, sempre vale o argumento de que o filme precisa ficar bom e não se trata de um documentário. E ele acabou “premiado” pelos fatos. Semanas depois, conversando com uma de nossas “fontes”, o Sérgio lança o assunto do dossiê. Eis que surge a revelação de que realmente, pouco antes de sua morte, Zuzu afirmara estar prestes a entregar um importante dossiê. Sinal da sintonia entre criador e criatura. Pois é isso que espero que esse roteiro reflita; que desse modo seja honesto com essa mulher tão especial. Marcos Bernstein "ANGEL" Procurei-o e não o encontrei Vou levantar bem cedo e correr toda a cidade Nas ruas, nas praças, vou procurar aquele que meu coração busca Procuro e não o encontro... Só gente armada vigiando a cidade Mas eu pergunto: Viram aquele que meu coração busca? “Cântico dos Cânticos“ FADE IN EMBALADA POR MÚSICA DOS ANOS 60, IMAGENS QUE MARCARAM ESSA ÉPOCA. O MUNDO EM EBULIÇÃO. MANIFESTAÇÕES DE RUA, REPRESSÃO POLICIAL. CRESCE O RUÍDO DE HELICÓPTERO. 1 -EXT. PRAIA MARAMBAIA -DIA Plano aéreo, a restinga da Marambaia num dia extraordinariamente belo. O oceano azul, a linha de areia que divide o mar vai se afinando cada vez mais. Uma imagem deslumbrante, um paraíso perdido. A restinga agora é vista da praia. O ruído das hélices cresce quando um helicóptero passa sobre a câmera e vai se distanciando em direção ao mar. O helicóptero parte, passando diante do sol, estourando a imagem... TUDO BRANCO... até que o “Sol” começa a se mexer, revelando que... 2 -INT. SALA, CASA DE ZUZU – NOITE ...O “Sol” na verdade é a lâmpada de um abajur, cujo foco está sendo ajustado por ZUZU ANGEL, mulher madura de traços firmes, a expressão tensa e concentrada. Sentada diante de uma mesa, seu rosto é varrido pela luz do abajur. ZUZU Eu estou com medo de morrer... Ela interrompe a frase, perturbada. Olha fixo pra lugar nenhum. Respira fundo. Prossegue. ZUZU Não... Se eu aparecer morta por acidente, assalto ou qualquer outro meio... Ela baixa os olhos e posiciona a luz sobre um pa-pel de carta na mesa à sua frente, onde escreve: “ “...terá sido obra dos mesmos assassinos de meu amado filho Stuart Edgar Angel Jones”— corta para: 3 -INT. SALA, CASA DE ZUZU – NOITE Zuzu empurra caixas com documentos até a porta de entrada. Apaga a luz, chega à janela e observa a rua. Um carro sai de uma vaga, afasta-se. Ela deixa a janela. 4 -INT. TÚNEL – NOITE O carro corta um túnel deserto, enorme e em curva. Não há luz no final dele. 5 -EXT. RUAS – NOITE Zuzu estaciona diante de uma casa. Desce, vai até a caixa de correspondência e deixa ali uma carta para Chico Buarque de Hollanda. 6 -INT. CARRO DE ZUZU – NOITE Zuzu chegou às margens da Lagoa. Diminui a velocidade. Ansiosa, procura alguém nas calçadas. De repente uma moto surge junto ao seu carro, colada à janela do carona. Zuzu grita, assustada. O motoqueiro, de capacete, faz um gesto para que ela abra a janela. Zuzu obedece. O motoqueiro não diz nada. Tira um envelope do bolso da jaqueta, joga pra dentro do carro. Depois desacelera bruscamente, vai ficando para trás. Zuzu apanha o envelope, guarda em sua bolsa. O carro se perde na noite. 7 -INT. BOTECO, CURVELO – DIA Um bar de beira de estrada. Um cartão de visita sobre o balcão. Nele se lê: RAY BUNKER – ANISTIA INTERNACIONAL. Zuzu conversa ao telefone em inglês. O DONO DO BAR a olha com estranheza. ZUZU Mr. Ray, eu finalmente consegui aquela peça que faltava pra completar o dossiê. RAy (DO TELEFONE) Oh, isso é incrível. Realmente incrível. A senhora não mostre a ninguém. Eu vou pessoalmente ao Brasil apanhar. ZUZU (NERVOSA) Ah, sim? Mas quando? RAy (DO TELEFONE) Bom, eu não sei exatamente... ZUZU Oh meu Deus! RAy (DO TELEFONE) A senhora está correndo algum perigo? Zuzu não responde de imediato, tensa. RAy (DO TELEFONE) Dona Zuzu... Em três dias estarei aí. ZUZU (DETERMINADA) Ok. Três dias. Vai estar tudo pronto. RAy (DO TELEFONE) Os contatos estão feitos. Assim que tiver o dossiê desencadeamos nossa ação. Terça-feira estarei aí. Tome cuidado. ZUZU Não se preocupe. Nos vemos na terça. Ela desliga. Olha a rua e deixa o bar. 8 -EXT. ESTRADA – MADRUGADA O carro de Zuzu passa pela placa: “DIVISA ENTRE OS ESTADOS DO RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS”. 9 -EXT. PRAÇA – DIA O Karmann Ghia estaciona diante de um modes-to hotel na praça de uma cidade do interior. Ainda é bem cedo, as lojas estão fechadas, o movimento nas ruas é quase nenhum. 10 -INT. QUARTO DE HOTEL -DIA Numa montagem tensa: Zuzu desempacota as caixas, espalha papéis, documentos e fotografias sobre a cama. Fotos familiares se misturam a documentos oficiais e jornais brasileiros e americanos. Uma deles mostra a foto de um cadáver e a manchete “Morre Lamarca”. Zuzu apanha então um pequeno gravador cassete, coloca-o diante de si na mesa. Põe para gravar e começa a falar. ZUZU Me chamo Zuzu Angel. Nasci em Curvelo, Minas Gerais. Fui casada com o americano Norman Angel Jones, que me deixou com três filhos. Interrompe a gravação. Por um instante apóia a cabeça nas mãos. Mas logo religa o gravador, retoma seu depoimento. ZUZU Quando eu me separei, já morando no Rio, sustentei minha família costurando pra fora. Aos poucos firmei um certo nome. No começo dos anos 70 estava no auge da minha carreira profissional. corta para: 11 -EXT. Ny -ENTARDECER A silhueta dos prédios imensos de NY. 12 -INT. SALÃO Ny -NOITE Flashes espocam. No salão esplendoroso MODELOS desfilam a coleção de Zuzu. É um desfile com elementos tradicionais da cultura brasileira, rendas nordestinas, miçangas e bordados misturados com pássaros, borboletas. Tudo muito alegre e cativante. Escondida nos bastidores, Zuzu observa a passarela e a platéia. ELKE, uma linda e voluptuosa modelo loura, entra com o principal vestido da coleção. Ela dá meia-volta ao final da passarela e termina triunfalmente o desfile. APLAUSOS. Zuzu se ilumina. Sai dos bastidores e entra na zona de luz. Elke começa a aplaudir Zuzu, que toma a dianteira e o destaque que merece. Fotos, flashes, aplausos, sucesso total. Zuzu contém sua felicidade num sorriso incrédulo. É o melhor momento da vida de um ser humano. 13 -EXT. PRAIA DE COPACABANA – DIA A praia de Copacabana num esplendoroso dia de sol. Em off se ouve a voz de Zuzu. ZUZU (OFF) O êxito do desfile em Nova York abriu meu horizonte profissional. Voltei para o Rio de Janeiro entusiasmada, todos os meus sonhos estavam acontecendo. Zuzu chega à porta de sua loja, entra, cumprimenta funcionárias e compradoras. Sua voz segue em off. ZUZU (OFF) Eu tinha certeza de que se conseguisse um bom financiamento poderia expandir os negócios e colocar minha moda no mundo inteiro. 14 -EXT. FRENTE COPACABANA PALACE -DIA Um Karmann Ghia entra pela alameda do Hotel Copacabana Palace. Um PORTEIRO abre a porta do carro. Zuzu desce, acompanhada de sua amiga LUCIA. ZUZU Agendei reuniões, fiz contatos, mergulhei nesse projeto. Por outro lado, eu não tinha como me enganar, minha vida não era só alegria e sucesso. 15 -INT. PÉRGULA, COPACABANA PALACE – DIA Zuzu e Lucia chegam à Pérgula do hotel. De uma mesa um CASAL a saúda. ESPOSA Zuzu, parabéns! Zuzu vai sentar-se. Lucia nota que algo a perturba. LUCIA Que que foi? Está te faltando alguma coisa? ZUZU (DISTANTE) Hoje faz seis meses que não ouço a voz do Stuart. 16 -INT. BANCO – DIA STUART, nome de guerra PAULO, jovem de vinte e poucos anos, bonito e forte, parado junto à porta interna de uma agência bancária. Há alguma coisa estranha acontecendo, a agência está vazia, somente dois rapazes e uma moça se deslocam diante dos guichês, recebendo grandes volumes de dinheiro. Pela porta do cofre forte no fundo da agência surge LAMARCA, obviamente o comandante da operação, trazendo um malote de dinheiro. A seu lado vem o gerente, apavorado. Lamarca abre a porta do banheiro, onde estão já presas várias pessoas e tranca o gerente lá. Rapidamente os revolucionários começam a deixar a agência, rumo aos carros que os esperam do lado de fora. A jovem é a última a sair. Mal ela chega à rua, um vigilante surge com uma arma nas mãos. Vê a jovem na rua e atira. 17 -EXT. BANCO -DIA O tiro acerta a moça na perna, ela cai. De dentro do carro, Lamarca responde ao fogo. A companheira se levanta, tentando alcançá-lo, mas recebe outro tiro. Lamarca finalmente acerta o atirador no banco, que cai fora de combate. Stuart sai de seu carro, corre até a companheira caída e, arrasado, constata que ela está morta. Volta para o carro, que sai em disparada. 18 -INT. PÉRGULA, COPACABANA PALACE -DIA Um BANQUEIRO DE TERNO chega apressado. BANQUEIRO Desculpem o atraso. A cidade está parada. Tem blitz por todo lado. Zuzu apaga a recordação, incorpora outro personagem. ZUZU Não me diga que houve outro seqüestro? BANQUEIRO Não. A turma do tal Lamarca assaltou uma agência do meu banco. ZUZU (FAZENDO CHARME) Mas não levaram aquele dinheirinho que você separou pra gente não, né? BANQUEIRO (SORRINDO) Não se preocupa. O seguro paga. 19 -INT. CASA DE ZUZU – NOITE Zuzu abre a porta de casa, carregando a correspondência do dia. O apartamento não é muito grande, contrasta com o sucesso que temos visto, mas é de bom gosto. A Televisão está ligada num jornal, que passa NOTÍCIAS do mundo. TV Você verá hoje no seu jornal: Pelé anuncia sua despedida da seleção brasileira... ZUZU (ALTO) A televisão agora fala sozinha? Da mesa ela apanha um enorme buquê de flores, lê o cartão:“Parabéns à nossa grande parceira. Fábrica de Tecidos Santa Isabel”. TV (O.S.) Mais um assalto a banco no Rio de Janeiro. Hippies invadem a praia de Arembepe na Bahia. O jornal americano New York Times faz novas revelações sobre a atuação americana no Vietnã. Zuzu sorri e sai para a cozinha com seu buquê. ANA, um moça de 21 anos, chega semi-vestida, trajando uma mini-saia. ANA Mãe? Zuzu retorna da cozinha. ZUZU (O.S.) Oi, filha. Tudo bem? ANA Tudo. Parabéns pelo financiamento. ZUZU Ufa! Vamos poder fazer a nova coleção sem desespero. ANA A Hilde ligou. O jornal dela quer uma entrevista com você. ZUZU Não sabia que tua irmã era dona de jornal. ANA Não. Eles querem que ela entreviste você... ZUZU Oba! Vou ligar pra ela depois, pra combinar. 20 -INT. SALA, CASA DE ZUZU – NOITE A noite vai alta. Zuzu veste uma roupa caseira, está sozinha na sala, a televisão desligada. A única luz acesa é da luminária sobre a mesa onde ela trabalha. Já há alguns desenhos de vestidos prontos, ela trabalha agora numa saia. O telefone toca. Ela confere as horas, passa de meia noite. ZUZU Alô. HOMEM (NO TELEFONE) Paulo “caiu”. ZUZU Como? HOMEM (NO TELEFONE) Presta atenção: Paulo “caiu”. Procure na PE. ZUZU Que brincadeira é essa? Não sei quem é Paulo. Ela desliga. Volta à mesa, mas o telefone recomeça. Zuzu pára. Pensa. Parece compreender algo. Ela quase pula em cima do telefone. Fala num turbilhão. ZUZU Caiu como? HOMEM (NO TELEFONE) Prenderam. ZUZU Ele tá vivo? Tá machucado? HOMEM (NO TELEFONE) Eu só sei que levaram pra Polícia do Exército. ZUZU Mas ele tá bem? HOMEM (NO TELEFONE) Não sei dizer, ninguém sabe. ZUZU É o Tuti, não é? O Stuart?.. HOMEM (NO TELEFONE) Vai pra PE. Antes que seja tarde. Vai logo. Dessa vez quem desliga é o Homem. Ouvimos o tradicional som de ligação interrompida... Ana surge com cara de sono. ANA Quem era? ZUZU (ATôNITA) Seu irmão, ele foi preso. 21 -FLASH-BACK -EXT. RUA IPANEMA – DIA O rosto de Stuart, 10 anos, voltando da escola com dois colegas, todos de uniforme. Stuart traz uma bola de futebol nas mãos. MENINO 1 (PRA STUART) Minha mãe falou que eu não vou mais na sua casa. Nem você na minha. STUART Porque? MENINO 1 Ela não quer filho de desquitada lá. STUART Minha mãe não é desquitada... MENINO 2 Ah não? Cadê teu pai? Ele mora em casa? STUART Não, ele... MENINO 1 Não enrola. É separada mesmo! STUART E daí? MENINO 2 E daí que é vagabunda. Os dois meninos olham Stuart, gozadores. Louco de ódio, Stuart joga a bola em cima de um dos meninos, atraca-se com o outro. Rolam pelo chão. 22 -INT. SALA, CASA DE ZUZU – DIA Stuart entra em casa. Só o vemos de costas, a roupa está imunda. O almoço está sendo servido. Ele tenta seguir direto para o quarto, mas é interceptado por Zuzu que traz uma tigela de feijão fumegante. ZUZU Tuas irmãs já tão cheg— Ela se interrompe ao ver o estado do filho: seu rosto está cheio de machucados e arranhões. ZUZU Você não vai dizer o que foi, vai? Stuart se senta à mesa. Ele a olha ressabiado. STUART Na rua tão falando mal de você... Ela compreende tudo num instante. ZUZU Porque eu me separei... Esquece. São uns bobos. Sorri. Dá um beijo em Stuart e coloca bastante feijão em seu prato. ZUZU Agora, se você quer defender a mamãe, você tem que fazer alguma coisa pra ficar mais fortinho. Que só esse feijão não vai dar conta, não... corta para: 23 -EXT. LAGOA – DIA Um remo singra as águas da Lagoa. Um jovem Stuart faz um enorme esforço, competindo pela equipe do Flamengo numa regata. Seus 3 COMPANHEIROS já começam a abrir o bico, o barco está em último lugar. Vendo o esforço de Stuart, o PATRÃO começa a exigir dos outros mais empenho. Olhando por um binóculo, Zuzu torce. É um momento em que não se guarda ou protege, é apenas uma mãe coruja. Perto dela uma jovem bonita e interessante, SONIA, acompanha a regata, também de olhos fixos em Stuart. Ela sabe que é inútil gritar, fecha os pulsos, fala para si mesma, mas com o maior entusiasmo. SONIA Vai, Tuti! Stuart continua seu esforço sobre-humano e agora os companheiros seguem seu ritmo. O barco começa a ganhar posições, termina em segundo. O orgulho de Zuzu e Sonia, cada uma no seu canto, é imenso. 24 -INT. QUARTO, CASA DE ZUZU -NOITE Zuzu acaba de enxugar o rosto. Ana está atrás. Zuzu quer manter o controle da situação. Procura agir com calma, fazer as coisas ordenadamente. ANA Não é possível, mãe. A pessoa não disse quem era, não se identificou? ZUZU Não, filha. ANA (NERVOSA) Você não acha que pode ter sido um trote, mãe? ZUZU Não. Abre uma gaveta, apanha uma blusa. Mas quando a fecha, vemos como ela se sente verdadeiramente: num gesto atabalhoado, bate com a gaveta nos próprios dedos. Grita de dor. corta para: 25 -EXT. RUAS -DIA Em CÂMERA LENTA milhares de esferas de vidro quicam e rolam por uma superfície negra. Patas de cavalos a galope vêm em direção contrária até pisar nelas: é a polícia montada da PM. Um dos cavalos desaba bem perto da barricada, o cavaleiro rola pelo asfalto, seu capacete vem bater numa barricada tomada por estudantes. Num gesto impulsivo, Stuart salta a barricada, apanha o capacete, coloca-o na cabeça. Entusiasmados, os colegas aplaudem sua audácia. Stuart sorri para eles, troca um olhar intenso com uma moça, SONIA. volta para: 26 -INT. SALA, CASA DE ZUZU -NOITE Soprando o dedo machucado, Zuzu abre uma gaveta. Mexe e remexe, finalmente acha a certidão de nascimento do filho. Fala com a filha. ZUZU Liga pra tua irmã. A gente tem que sair rápido. corta para: 27 -INT. CARRO DE ZUZU/ TUNEL – NOITE Zuzu dirige. Sua filha Hilde, vai a seu lado, Ana atrás. Elas passam por um túnel. As luzes com seu efeito ligeiramente strobo. HILDE O homem não disse como ele foi preso, se teve tiroteio, alguma coisa, se ele foi ferido? ZUZU Não, nada. Só disse que estava na PE. HILDE Será que ele não avisou mais alguém? ZUZU Não, nessas horas só avisam a mãe, que é bicho besta. Cadê o povo que ele defende pra agora ir tirar ele de lá? ANA Hilde... Tuti foi te ver no teatro? HILDE Foi. Eu não sei, eu acho que foi. porque do palco a gente não vê a platéia direito. Mas teve uma noite que eu, que eu tive certeza que ele tava lá. ZUZU Só espero que ele agora caia em si e vá embora duma vez. O carro vai rápido, dá ligeiras cantadas de pneu. O olhar de Zuzu parece perdido nas luzes do túnel passando refletidas no pára-brisa. 28 -EXT. BATALHÃO DA PE -NOITE O acesso ao portão do Batalhão é impedido por uma barricada que avança sobre a rua. O carro de Zuzu está parado ali e ela fala de dentro do veículo com um SOLDADO com uma metralhadora a tiracolo. Atrás outros SOLDADOS armados os observam, atentos. Zuzu percebe um movimento na lateral do Batalhão. Uma Kombi chega, pára junto a um enorme portão. 29 -EXT. LATERAL DO BATALHÃO -NOITE Zuzu chega a pé até a Kombi parada diante do portão. Já há alguns homens dentro dela, outros dois vem saindo do quartel. Zuzu os aborda. Um deles, o agressivo, leva a mão à cintura, mas sem revelar a suposta arma. ZUZU Por favor, eu estou procurando meu filho... O AGRESSIVO A essa hora é difícil. ZUZU (AGRESSIVA TAMBÉM) Vou esperar o quê? O galo cantar? O AGRESSIVO Quem não deve, não teme. Um agente com ar gentil se aproxima, com um gesto pede calma ao colega. O GENTIL Calma, calma... Qual o nome do seu filho? ZUZU Paulo. O GENTIL Paulo de quê? O AGRESSIVO Vambora! A gente trabalha em outro setor, estamos cansados, a senhora está nervosa. ZUZU Como eu devia estar? O AGRESSIVO Só tava tentando ajudar. ZUZU Tudo bem, o senhor me desculpe... Eu gostaria de mostrar a foto de meu filho. Ela mexe na bolsa. O Agressivo se retesa, pronto para reagir, mas Zuzu tira a foto de Stuart. Mostra. ZUZU O nome dele é Stuart Edgard Angel Jones. Ele é filho de americano... O Agressivo olha. Os outros também. Ninguém o reconhece. Ela se desespera. AGRESSIVO Me diz uma coisa: o nome dele é Paulo ou é Stuart? Porque se nem a senhora sabe direito o nome de seu filho, aí fica difícil. ZUZU É que chamavam ele de Paulo. GENTIL “Chamavam” quem? ZUZU Os companheiros. Mas o nome dele mesmo é Stuart. AGRESSIVO Mas ele é brasileiro ou americano? GENTIL Ele fala inglês? Zuzu começa a ficar confusa. É uma metralhadora verbal, os rostos se sucedem fazendo perguntas diante de uma atônita Zuzu... AGRESSIVO Se falasse facilitava. GENTIL Sinceramente, esse rosto eu nunca vi. AGRESSIVO E a gente nem trabalha com isso. GENTIL Desculpa, minha senhora, não vai dar pra ajudar. A kombi tá esperando. ZUZU Eu só preciso saber se ele está aqui. Se ele está bem. GENTIL A senhora vem na “hora de visita”... AGRESSIVO Vem cá, seu filho vive com nome falso, é? Zuzu está atônita. 30 -FLASH-BACK INT. SALA, CASA DE ZUZU -DIA Um jornal com a foto de Stuart de capacete na passeata, com Sonia sorridente a seu lado, é atirado com violência sobre a mesa da sala. Zuzu está chegando da rua, possessa, chama. ZUZU Stuart! Mas quem aparece na sala é Hilde. ZUZU Cadê seu irmão? HILDE Tá a tarde toda trancado no quarto com a Sonia... ZUZU Ainda tem mais essa?! Trazendo essa moça pra casa todo dia? HILDE Que grossura, mãe... ZUZU Grossura? Ele vai ver comigo... Sai pisando firme pela casa. Chega junto à porta do quarto do filho. Chama ao mesmo tempo em que abre a porta, de sopetão. ZUZU Stuart, que estória é essa?! Mas o que vê a desarma. Stuart e Sônia estão mais que bem comportados, sentados diante de uma mesa coberta de livros. STUART Que estória o quê? Zuzu vinha embalada, não teve como frear. ZUZU O que é que vocês tão fazendo aqui trancados? Stuart aponta a mesa, faz cara de “é o óbvio”... STUART Estudando... ZUZU (DESCONCERTADA) Não tem coisa melhor pra fazer, não? Stuart sorri para a mãe, dá um rápido beijo na boca de Sonia, sorriem um para o outro. Derrotada no primeiro round, Zuzu se prepara para o segundo. ZUZU E essa fotografia no jornal? STUART Demos uma lição naqueles porcos imperialistas. ZUZU Quem são os porcos, Tuti? STUART O FMI é um deles. SONIA USAID... STUART Mas ontem eles aprenderam! ZUZU Aprenderam o quê? Sonia entra na conversa. SONIA Demos uma lição neles. Zuzu faz um muxoxo irritado, sai do quarto, falando pela casa. ZUZU (IRôNICA) É, eu ouvi no rádio. Duas vidraças quebradas da Sears e uma do Banco Lar Brasileiro... Lá do quarto Sonia grita. SONIA É preciso que os gringos saibam que não vão explorar o Brasil impunemente! STUART (COMPLEMENTANDO) O povo não aceita! Tivemos total apoio da massa. A insatisfação é profunda! Já na sala, Zuzu retruca. ZUZU Santa ingenuidade... Stuart e Sonia aparecem na sala. SONIA Não há liberdade! STUART (SURDO AOS ARGUMENTOS) Artistas perseguidos. Fascistas espancaram atores de cinco peças! Mas o povo vai dar um basta em tudo isso. ZUZU Vocês estão enganados. Gente, eu vejo as minhas costureiras. Elas viajam que nem sardinha em lata, tomam condução de madrugada. Não tem tempo nem cabeça pra ficar andando atrás de vocês. Stuart fica indignado. STUART Minha mãe, está defendendo a ditadura?! ZUZU Foi isso que eu falei? Foi isso que eu falei, Tuti? Você sabe que não. Só que está todo mundo lutando pra sobreviver. Ninguém tem tempo pra política. STUART Pois saiba que o capitalismo está agonizando no mundo todo. ZUZU Descobriu isso nos livros, estudante? Stuart a encara, antes de afirmar, muito sério. STUART Não sou só um estudante, minha mãe. Sou um militante político. Socialista. Ficam se olhando, muito sérios. ZUZU (PARA SONIA) Você devia pôr juízo na cabeça dele e não ficar dando apoio a essas loucuras. STUART Ela concorda comigo. SONIA Não decidimos não fechar os olhos pras injustiças do mundo. fim do flash-back 31. PORTA DA PE – EXT. NOITE Zuzu vê os policiais entrando na kombi, se preparando para partir. 32 -INT. ESCRITÓRIO DE FRAGA – DIA É um escritório elegante, mas sem luxo. Fraga, um advogado de 40 e poucos anos, entra com Zuzu, a expressão cansada e tensa, e Lucia. ZUZU Um deles era pelo menos educado... FRAGA E o outro agressivo. Um morde, outro assopra. É a técnica deles na... Ele não completa a frase. ZUZU Tortura? Fraga assente levemente. FRAGA É uma realidade. Lucia, sentada na cadeira ao lado de Zuzu, põe a mão em seu braço, mas Zuzu o retira suavemente. Não vai se deixar levar. FRAGA A PE nega que Stuart ou “Paulo” tenha sido preso. Dizem que ninguém foi pra lá nos últimos três dias. LUCIA Você não pode entrar com um Hábeas Corpus? FRAGA Não. A ditadura acabou com Habeas Corpus para crimes políticos. Eles agora podem ficar até 45 dias com com o preso sem prestar contas a ninguém. ZUZU E Tuti ser americano não ajuda? FRAGA O pai tem algum contato na embaixada? ZUZU Não dá pra contar com Norman. Abriu um orfanato em Minas, foi morar lá. Fraga faz um gesto de estar com as mãos atadas. ZUZU Fraga, me diz o que precisa fazer que eu faço. Eu sempre resolvi minhas coisas sozinha. Quanto mais com filho. 33 -INT. CASA DO GENERAL BOSCO – DIA Uma Zuzu completamente diferente, afável, sedutora, toma chá com ELAINE. Só se nota seu nervosismo ao pegar a xícara. A mulher do General, pouco menos de 60 anos,é a típica dona de casa. Percebe-se que se vestiu melhor para receber a figurinista famosa. Elaine vê recortes de jornais americanos com fotos do desfile de NY. ELAINE São roupas...exuberantes. ZUZU Procurei fazer uma coisa bem brasileira. ELAINE Que se eu usasse, minha senhora, o Bosco me matava. ZUZU Mas eu ainda costuro sob encomenda. Roupas mais tradicionais. A hora que a senhora quiser, é só marcar... Elaine não diz nada. A conversa morre. Depois de um tempo Elaine fala, sem levantar os olhos dos jornais. ELAINE O Bosco já deve estar descendo. Zuzu força um sorriso. 34 -INT. CARRO DE BOSCO / RUAS – DIA Zuzu viaja com o general BOSCO, fardado, no banco de trás do carro oficial. O quepe está no banco entre os dois. Um SARGENTO dirige. Na frente e atrás motos da PE escoltam o carro com sirenes ligadas. BOSCO Se seu filho está com a gente, eu garanto que ele está sendo bem tratado. ZUZU Nem sei como agradecer. BOSCO Nós estamos em guerra com a subversão. Por isso eu aplico a Convenção de Genebra nos meus prisioneiros. Ao pé da letra. 35 -EXT. BATALHÃO DA PE – DIA A chegada de Zuzu ao batalhão, no carro do general, contrasta com sua ida anterior. Os soldados abrem rapidamente a barricada e batem continência. 36 -INT. CADEIA, BATALHÃO DA PE – DIA Bosco conduz Zuzu por um corredor ladeado por celas. Sua roupa elegante contrasta com o lugar. Eles são escoltados por um Capitão, que vai abrindo as portinholas das celas para Zuzu olhar. Na primeira ela vê um jovem que parece recém saído da escola. BOSCO Eu passo aqui todo dia pra olhar os presos. Nessa cela aí, teve uma moça que vivia chorando. Perguntei porquê. Zuzu parece mais interessada em olhar a celas, mal presta atenção na história. Passa por outra que está vazia. BOSCO Ela disse que tinham matado o marido. Bosco praticamente encena a situação. BOSCO Sabe o que fiz? Peguei o marido, que também tava preso, botei o casal junto. Todo dia eu passava, perguntava se tava tudo bem e eles diziam que sim. Em outra cela, um PRESO deitado de bruços na cama. BOSCO Mas quando foi depor na auditoria, o rapaz vai e diz que foi barbaramente torturado aqui. A senhora imagina? Eu me queimei. “Que história é essa? Trato vocês como filhos e tenho que passar por isso?”. Depois ele admitiu que o advogado mandou dizer aquilo pra livrar ele da pena... Zuzu não consegue ver o rosto do preso. ZUZU Posso entrar? Bosco e Capitão se olham. BOSCO Pode. Capitão abre a porta da cela. Ela vai até o rapaz, toca nele... Ele se vira e não é Stuart. ZUZU Desculpa... Você viu um preso chamado Paulo por aqui? O rapaz não sabe o que fazer. Olha Bosco e o Capitão. BOSCO Pode falar. RAPAZ Não, não sei quem é... ZUZU Stuart...? Ele faz que não. 37 -EXT. ESCADAS, BATALHÃO DA PE – DIA Zuzu e Bosco descem as escadas. BOSCO Eu já sabia que seu filho não estava aqui. Mas quis que senhora visse com seus olhos... ZUZU E o que eu vi eu não gostei! BOSCO Por quê? ZUZU O senhor acha que eu vou acreditar naqueles lençóis limpinhos, esticadinhos? Isso aqui está me parecendo uma farsa, General. BOSCO Minha senhora, o seu filho deve ter saído do Brasil. ZUZU Ele não fez isso... CAPITÃO Eu respondo pelo meu comando. A senhora já viu na Marinha e na Aeronáutica? Zuzu apenas o olha. 38 -EXT. BASE DO GALEÃO – DIA Zuzu caminha acompanhada de Fraga em direção à entrada da base. 39 -INT. SALA DE MOTA, BASE DO GALEÃO – DIA Zuzu e Fraga se acomodam diante da mesa do Capitão MOTA, fardado. O capitão é extremamente gentil. Estranhamente gentil. MOTA Dona Zuzu, por que a senhora acha que seu filho pode estar aqui na Base Aérea? ZUZU Com o Exército não está. Mas sei que ele foi preso. MOTA Desculpa. É isso que eu quis dizer. Por que a senhora acha que ele está preso? 40 -INT. CORREDOR, BASE DO GALEÃO – DIA Um Sargento bate numa porta. Uma voz vem de dentro da sala. VOZ (O.S.) Entra. Sargento entra. 41 -INT. SALA DE MOTA, BASE DO GALEÃO – DIA Mota parece não compreender algo. MOTA Só não entendi uma coisa. Se eu recebesse um telefonema daquele eu ia achar que era um trote. Mas a senhora acreditou. Porque? Zuzu olha Fraga, que faz sinal de positivo para ela ir adiante. ZUZU Meu filho foi do movimento estudantil... MOTA Mas já faz tempo que o movimento estudantil se dispersou. E depois? ZUZU Ele saiu de casa. MOTA (SURPRESO) Clandestino?... 42 -INT. CORREDOR, BASE DO GALEÃO – DIA Brigadeiro segue pelo corredor, acompanhado do Sargento. Eles vão até uma porta guardada por um SOLDADO armado. BRIGADEIRO Onde eles tão? SARGENTO Na sala do Capitão Mota. O Soldado bate continência e abre a porta. Eles entram. 43 -INT. SALA DE MOTA, BASE DO GALEÃO – DIA Mota continua extraindo informações de Zuzu com sua gentileza. MOTA A senhora disse que falaram em Paulo, não foi? ZUZU Sim. MOTA A senhora então sabia que ele tinha um codinome. Como? ZUZU Um dia ele mencionou isso. MOTA Por quê? ZUZU Caso acontecesse alguma coisa. MOTA Então ele tava fazendo coisas perigosas?... Mota encara Zuzu. Ansiosa, ela tamborila ligeiramente a mesa. DETALHE da luminária sobre a mesa, onde um microfone está afixado. FRAGA Capitão, o senhor é melhor informado do que nós, com certeza sabe que dona Zuzu tem todos os motivos do mundo para ficar preocupada.... 44 -INT. SALA DE ESCUTA, BASE DO GALEÃO -DIA Os carretéis de um gravador de rolo girando. Em off ouvimos o diálogo. Uma mão aumenta o volume, a voz de Mota passa a sair por um sistema de som poderoso. Subimos pela mão: é o Brigadeiro, tirando fones do ouvido. MOTA Depois que o Doutor Fraga ligou, eu tentei me informar sobre o Stuart, ou Paulo. A senhora ouviu falar sobre algum assalto a supermercado, a banco? ZUZU Não.... MOTA Seqüestro político, nem pensar? ZUZU Faz dois anos que eu vejo meu filho muito pouco. Brigadeiro faz uma expressão de desagrado. Má pergunta. 46 -INT. SALA DE MOTA, BASE DO GALEÃO -DIA MOTA (O.S.) Mas uma coisa a senhora deve saber. Seu filho era comunista? Zuzu olha Mota, que engole em seco. Ele sabe que passou dos limites. Zuzu olha Fraga em seguida. Ele dá a impressão de que não sabe o que fazer. Zuzu ameaça falar algo... FLASH do Brigadeiro aguardando a resposta, ansioso. ZUZU (INTERROMPENDO) O senhor é uma pessoa bastante gentil. Mas o que isso tudo vai me ajudar a achar meu filho? MOTA Ah, até informações físicas podem ajudar. Se tem alguma cicatriz, marca de nascença, algum ferimento à bala... ZUZU Não, o senhor quer outra coisa. Quer que eu diga se meu filho é subversivo? Ou terrorista? Uma pequena sucessão de CLOSES ansiosos: Mota, Fraga, Brigadeiro... MOTA Ele era? CLOSE de Zuzu, que baixa o olhar. STUART (O.S.) Você fica fazendo isso! 47 -INT. QUARTO, CASA DE ZUZU – NOITE Stuart mostra um vestido careta para Zuzu, que segura uma almofada de alfinetes. STUART Costurando pra mulher de general! ZUZU (IRôNICA) Você faz o seguinte. Ganha a tua revolução e depois eu vou costurar para as mulheres do comitê central... Ele não contém o riso. STUART Poxa, mãe... 48 -INT. SALA DE MOTA, BASE DO GALEÃO – DIA De volta à sala de Mota, as mãos de Zuzu se mexem nervosas. MOTA (O.S.) E então, dona Zuzu? Zuzu desvia o olhar de suas mão e se volta para Mota. corta para: 49 -INT. SALA DE INFORMAÇÕES, BASE DO GALEÃO -DIA De um CLOSE do Brigadeiro, começamos a abrir a imagem e revelar a mesa do gravador com seu “escutador”. Atrás dela outra mesa com gravador; ao lado delas outras mesas; e assim por diante até termos uma visão geral: é uma enorme sala composta por dezenas de mesas de escuta. Brigadeiro, na primeira delas, aguarda a resposta de Zuzu. Quando ela vem, o homem abaixa rapidamente o volume, tal a força de reação da mulher... ZUZU (O.S.) Tá achando que vou delatar meu filho? Isso é uma palhaçada! Eu quero saber o que vocês fizeram com ele. Que teatro é esse?! 50 -INT. SALA DE MOTA, BASE DO GALEÃO – DIA Zuzu está de pé, o dedo em riste apontado para Mota. Fraga a seu lado não sabe como reagir. FRAGA Calma, Zuzu... ZUZU Calma, nada. Eles sabem do Stuart. Senão não faziam isso. MOTA Senhora... ZUZU Vocês podem ter coisas contra Stuart, tudo bem. Se ele cometeu algum crime, e foi preso, que seja julgado. E se for justamente condenado, eu vou levar maçãs pra ele no dia de visita. Agora, não aceito fingir que ele não existe; nem condenar sem julgamento. Isso vocês não podem fazer. Ela sai pela porta, seguida por Fraga. 51 -INT. SALA DE INFORMAÇÕES, BASE DO GALEÃO – DIA Brigadeiro desliga o gravador. Vai até a janela. Vê Zuzu atravessando o pátio. A porta se abre às costas dele. É Mota. MOTA Essa mulher é louca. BRIGADEIRO Não. Louca ela não é. É perigosa. Fica de olho nela. 52 -INT. SAÍDA DA BASE DO GALEÃO – DIA Zuzu e Fraga estão saindo da base. FRAGA Zuzu, eu vou dar entrada em petições na Auditoria Militar. Eles vão ter que dizer oficialmente se Stuart está ou não preso. Zuzu nota um CAPELÃO despedindo-se de um OFICIAL, depois se afastando. Ela reduz o passo. FRAGA Que foi? ZUZU Nada. Me dá um minutinho... Ela vai falar com o Oficial. Fraga fica olhando a cena, intrigado. 53 -INT. IGREJA – DIA Zuzue ocapelão estão sentados bempróximos,falam baixo, num clima quase de confessionário. CAPELÃO São tempos duros, dona Zuleika, tempos duríssimos. ZUZU Eu sei o que eu estou passando... Meu filho Stuart está preso. Talvez na Base Aérea... pensei que talvez... O senhor cuida de todos que estão lá? PADRE Os presos, infelizmente, são quase todos ateus. ZUZU Meu filho é um rapaz de bom coração...Em todo lugar que vou me dizem que ele não está. Mas é óbvio que foi preso! PADRE Fique calma... ZUZU Como posso ficar calma. Não sei como estão tratando ele, se estão batendo... CAPELÃO Dona Zuleika, fique descansada. Tudo isso que se diz sobre as prisões é propaganda comunista. Não sei se seu filho está na Base. Vou procurar saber para a senhora. ZUZU Eu lhe agradeço muito, padre... CAPELÃO Uma coisa lhe garanto. As torturas de que tanto falam, não é nada disso. Os tais choques são levezinhos, não dão pra matar ninguém. ZUZU Mas padre, ainda que sejam leves, a Igreja con-corda com isso? CAPELÃO Quem escolheu o caminho da violência foram esses rapazes. ZUZU (PERPLEXA) Padre, o que é que o senhor está me dizendo?! CAPELÃO O pastor deve proteger seu rebanho. ZUZU E não basta a lei, padre? Agora vale tudo? O capelão não responde. Zuzu está estarrecida. ZUZU O senhor não representa o pensamento da Igreja brasileira, que nunca apoiou a tortura. E por tudo que está me dizendo, o senhor é que devia ajoelhar e rezar. Ela sai. O Padre a olha sem se abalar. 54 -INT. SALA DO GENERAL BOSCO – DIA Um estafeta sentado diante de uma máquina de escrever. De pé diante dele, o General Bosco dita BOSCO Anota, por favor. Em atenção aos termos do ofício 692 dessa Auditoria, informo que Stuart Edgard Angel Jones... O estafeta datilografa numa velocidade espantosa. BOSCO ... não esteve preso em qualquer unidade deste Exército. corta para: 55 -INT. SALA DO COMANDO DO DISTRITO NAVAL – DIA Uma folha timbrada da Marinha (num aparente erro de continuidade) é enfiada numa máquina de escrever. E vemos o texto sendo ditado por um ALMIRANTE e escrito ao mesmo tempo. ALMIRANTE Informo que o civil Stuart Edgard Angel Jones não está ou esteve preso neste Distrito Naval. corta para: 56 -INT. SALA DE BRIGADEIRO – DIA Brigadeiro de pé dita o seu ofício. BRIGADEIRO Confere: o civil Stuart Elgard Angel Gomes não se encontra preso na Jurisdição dessa Zona Aérea. O escrevente termina de bater, retira o papel da máquina. 57 -INT. CARRO DE ZUZU / ESTRADA -DIA Zuzu dirige numa velocidade razoável por uma estrada. Parece exausta, coloca os óculos escuros, segue em frente. 58 -EXT. VARANDA, CASA DE NORMAN – DIA Na varanda de um sítio em zona rural Zuzu encara NORMAM, seu ex-marido, um homem meio desleixado, cabelo grande, barba por fazer. Norman fala português com forte sotaque americano. Ao fundo, várias crianças estão espalhadas pelo jardim, algumas se mexendo, outras paradas. Só lentamente descobrimos que as imóveis são anões de jardim. NORMAN Ele é meu filho também, Zuleika. Por que você não me falou antes que o Stuart tinha sumido? ZUZU Se a gente costumasse se falar, Norman... Se pelo menos você telefonasse pra saber notícia... NORMAN Eu não entendo o que você veio fazer aqui. ZUZU Eu pensei que o Tuti pudesse estar escondido na sua casa, ou que ele pudesse ter passado por aqui fugindo... NORMAN Stuart veio aqui umas vezes. Sempre trazia roupas pras crianças do orfanato. Eu disse a Stuart que ele me lembrava meu pai. ZUZU Teu pai era pastor, Norman. NORMAN Isso mesmo. Os dois querendo mudar as coisas. Meu pai combatendo os pecados, e Stuart as injustiças do mundo. ZUZU Certamente o Tuti não veio aqui pra ficar ouvindo a tua filosofia... Norman sorri. NORMAN Não... Era só um filho querendo ver o pai... Quando ele foi embora, achei... Eu sabia que não ia mais ver ele. ZUZU Norman! NORMAN Tão cedo. A última vez... ele disse que ia casar. A menina... ZUZU Sônia. Isso. Ele botou ela nas alturas, disse que ela era maravilhosa, só pensava nos outros. 59 -EXT. CASA DOS PAIS DE SONIA – DIA Stuart e Sonia estão se casando numa cerimônia íntima na casa da noiva. Estão ali Alberto, os pais de Sonia e mais alguns poucos AMIGOS. Mas Stuart e Sonia mal conseguem desviar os olhos um do outro, beijam-se. Zuzu chama o filho, eles se aproximam da mesa ocupada pelos convidados, todos posam juntos para a foto. 60 -EXT. RUA DA LOJA DE ZUZU -ENTARDECER A tarde está caindo. Stuart caminha assustado pela rua, a todo instante olha para trás. Chega à loja de Zuzu, de onde saem alguns operários, já sem a roupa de trabalho. Atrás deles vem Zuzu. Ela se surpreende ao vê-lo. ZUZU O que houve, Tuti? Ele não responde, vai entrando na loja. Zuzu o segue. 61 -INT. LOJA DE ZUZU EM OBRAS -NOITE Já não vem quase nenhuma luz da rua e na loja em obras não há lâmpadas. Assim, a conversa se dá quase na penumbra. E os sacos de cimento e madeiras espalhadas fazem um clima de cidade bombardeada. Tuti está frágil como nunca o vimos antes, o militante se eclipsou, o que vemos é um filho procurando o amparo da mãe. Ele abaixa a cabeça, fala muito baixo. STUART Sonia foi presa. ZUZU Ai meu Deus do céu! Contrastando com o filho, imóvel sobre uma pilha de madeira, Zuzu caminha pela loja. ZUZU E o que a gente pode fazer? STUART O pai dela é militar, vai tentar tirar ela de lá. Você não precisa fazer nada. ZUZU Se você nunca quer me envolver em nada, porque é que você veio, Tuti? Por um instante ele não tem qualquer reação. Subitamente perde suas últimas defesas, cai num choro convulsivo. Zuzu se surpreende mais uma vez, se aproxima dele, abraça-o. Aos poucos Stuart se acalma. Zuzu não consegue se conter. ZUZU Isso tudo é uma loucura, Tuti. STUART Você não entende, mãe... ZUZU Entendo, sim senhor. Um grupo de jovens da classe média do Rio de Janeiro “decidiu” que vai fazer uma revolução no Brasil. E meu filho é um deles. Ela se cala, ele se levanta. O militante voltou a respirar. STUART Desculpa, mãe. Eu não devia ter vindo. Foi um momento de fraqueza. ZUZU Ah, como seria bom se você tivesse mais momentos de fraqueza, para entender que tem ótimos sentimentos e péssimas idéias. STUART Já disse que tive um momento de fraqueza, mãe. Não se aproveite disso, por favor. Zuzu se cala, cansada. STUART Eu tenho que ir, mãe... Ela passa a mão na testa, desconsolada. Imobiliza-se. 62. EXT. RIO DE JANEIRO – NOITE As luzes da cidade vistas de um helicóptero em movimento. Ouve-se em off a voz de Zuzu. ZUZU Stuart foi embora, desapareceu nas ruas da cidade e eu fiquei muito tempo sem notícias dele. Um dia me disseram que Sonia tinha sido libertada e que os dois estavam vivendo na clandestinidade. 63 -INT. LOJA DE ZUZU – NOITE Zuzu se mexe, nervosa. Ela vai até a porta receber Stuart e Sonia. Eles entram, esbaforidos. Zuzu tranca a porta da rua e vai encontrá-los. Abraça o filho, demoradamente. Faz o mesmo com Sonia. Stuart vai direto ao ponto, assim que as duas mulheres se separam. STUART Sonia vai embora do Brasil amanhã, mãe. ZUZU (ESPERANÇOSA) E você vai junto! STUART Não, eu não. Não posso. Sonia é porque acabou de sair da prisão, não tem condição de ficar. SONIA Eu não estou fugindo, dona Zuzu. Passo um tempo lá fora e volto. ZUZU Mas... STUART Assunto encerrado, mãe. Só queremos dormir aqui hoje, tivemos um problema e estamos sem lugar. Pode ser? Zuzu olha para eles um instante, balança a cabeça. ZUZU São tão racionais... Com certeza não vão nem sentir saudade um do outro. Percebe que foi longe demais, o casal fica chocado com a observação. ZUZU Me desculpe, eu já nem sei o que eu falo. Vou pegar um negócio pra vocês comerem. Ela vai até sua sala, volta com um pacote de frutas. O casal come com voracidade as pêras, uvas e maçãs. Zuzu examina as roupas de Sonia, calça jeans e camisa social masculina. A nora percebe. SONIA O que foi, Zuzu? Ela não responde, vai pro salão da loja. Volta carregada de roupas. STUART O que é isso, mãe? ZUZU Você não vai querer que Sonia viaje com essas roupas horrorosas... SONIA Não acredito, Zuzu... ZUZU Paris exige isso de uma nora de Zuzu Angel... STUART (IRôNICO) Ela vai pelo Paraguai... ZUZU Experimenta. Vai ficar ótima. Sonia dá uma mordida na maçã, coloca um vestido diante do corpo. Tempo. Stuart vê pela janela Zuzu cruzando a rua e sumindo de vista. Ele se volta para Sonia, que está linda, vestida com as roupas de Zuzu. O cabelo penteado de outra maneira, tem aparência mais leve e jovial. STUART (ENCIUMADO) Vai ficar bonita assim para os franceses? Ela vem até ele, beija-o . SONIA Seu bobo... um revolucionário ciumento. Ele a encara longamente, antes de dizer. STUART Soninha, ainda que dê tudo errado.. SONIA Nós vamos vencer, Tuti. STUART Mesmo que a gente não volte a se encontrar... SONIA Eu volto, te prometo. STUART Tudo pode acontecer... Mas eu quero te dizer que eu te amo muito e que nossos sonhos compensam qualquer sacrifício. Estão profundamente emocionados. SONIA Também sinto isso, Tuti. Mas essa noite nós não precisamos sofrer, meu amor. Essa noite não, Tuti... Ela solta a alça, deixa cair o vestido, está inteiramente nua. Stuart a cobre com seu abraço. Tempo. Todas as luzes da loja estão apagadas, o silêncio é total. Mas aos poucos começamos a ouvir suspiros, gemidos. A câmera procura e acha: deitados sobre uma pilha de roupas, Stuart e Sonia fazem amor. FIM DO FLASH-BACK. 58ª (CONT.) EXT. CASA DE NORMAN De volta à casa de Norman. NORMAN Quer dizer que Stuart agora está preso. ZUZU Na melhor das hipóteses... Normam engole em seco, controlando a emoção. Por um instante Zuzu olha o ex-marido com algum carinho. Eles não têm mais o que se dizer. Zuzu fica olhando as crianças brincando no jar-dim, num pique-pega. Norman acena para um menino, de uma maneira especial. Zuzu repara. ZUZU Teu filho? NORMAN É. Zuzu segue o menino com o olhar. Inveja? Não, parece saudosa... 64 -INT. CARRO ZUZU / ESTRADA – DIA Zuzu passa de volta ao Rio pelo mesmo trecho de estrada que vimos quando foi para a casa de Norman. Está pensativa, o rádio do carro está ligado, ela dirige devagar. Narra em off. ZUZU Voltei da casa de Norman desanimada. Só o desespero para me fazer acreditar que Stuart pudesse estar escondido com o pai. Agora, sem ilusões, estava claro que alguma coisa muito séria estava acontecendo com meu filho. Mas eu não imaginava o que me esperava no Rio. 65 -INT. SALA, CASA DE ZUZU – NOITE Zuzu entra em casa, chegando da viagem. Cansada, traz nas mãos a correspondência. Joga-a sobre o toca disco, vai para o banheiro. 66 -INT. BANHEIRO, CASA DE ZUZU -NOITE Zuzu abre as torneiras da banheira. A água jorra. Ela coloca a tampa no ralo e volta à sala. 67 -INT. SALA, CASA DE ZUZU -NOITE O barulho de banheira invade a sala. Zuzu apanha a correspondência, aproveita que está junto da vitrola e põe um disco para tocar. Surgem os primeiros acordes de Cartola cantando “As rosas não falam”. Zuzu examina as cartas, vai vendo do que se trata, nem se dá ao trabalho de abrí-las. Uma delas chama sua atenção. Na frente só há escrito: “Para: Zuzu Angel”. Ela vira o envelope, mas não há nada no verso. Ela a joga sobre a mesa, se encaminha para o banheiro. No meio do caminho desiste, volta e apanha o envelope. Abre. Começamos a ouvir a voz de Alberto. ALBERTO (V.O.) Minha senhora, esse é para mim um assunto doloroso e sei que deverá ser ainda mais para a senhora. Ela desdobra as várias folhas de papel enquanto volta ao banheiro. Começa a ler. ALBERTO (V.O.) Não me é fácil descrever as coisas de forma tão crua, sabendo que com isso estarei destruindo algumas esperanças, que, por mais irreais que possam ser, sempre permanecerão numa mãe aflita pelo desaparecimento de um ente tão querido. Zuzu reduz o passo... ALBERTO (V.O.) Ainda mais que, nesse caso, tenho uma ligação e um envolvimento emocional específico. A morte de seu filho me diz respeito também. Perto do umbral da porta, Zuzu perde o equilíbrio. Apóia-se na parede para não cair. Uma das folhas cai. Ela tenta pegá-la no ar e não consegue. Repetimos a última frase, meio distorcida... ALBERTO (V.O.) A morte de seu filho me diz respeito também. Ela abaixa, apoiando-se ainda na parede e apanha a folha que caiu... E deixa-se sentar no chão, retomando a leitura... 68-INT. BAR -DIA Alberto, um dos assaltantes do banco, sentado num bar, leva uma xícara de café a xícara até à boca, a mão trêmula e machucada. Dá um gole num grande esforço. Quando baixa a xícara, acompanhamos a trajetória da mão até o pires e descemos para baixo da mesa até chegarmos a seus pés. Discretamente, uma algema prende sua perna à mesa. Alberto enxuga o suor da testa, olha a praça à sua frente. 69 -EXT. PRAÇA – DIA Um fusca entra na praça, contorna-a lentamente. 70-INT. BAR – DIA Alberto vê Stuart ao volante do fusca. Apavorase. Stuart passa lentamente diante do bar, vê o companheiro. Faz menção de estacionar, depois muda de idéia, começa a dar outra volta. De dentro do balcão, o agente Mota, disfarçado em garçom, fala num rádio transmissor. MOTA É ele. Chegou. No fusca verde. 71 -EXT. PRAÇA -DIA Uma violenta pancada estilhaça o vidro traseiro do fusca. Stuart se assusta, olha para trás, perde alguns segundos preciosos tentando entender o que se passou. Quando se volta para a frente vê o carro cercado por agentes, que lhe apontam suas armas. Stuart faz menção de sacar a sua, mas um agente é mais rápido, abre a porta e domina-o. 72-INT. BAR – DIA Ao ver a cena, Alberto tenta se levantar da mesa. Mas Mota percebe e bate com sua cabeça no tampo de mármore. Ele fica assim um instante, mas mesmo zonzo levanta a cabeça, vê: 73 -EXT. PRAÇA – DIA Um agente franzino, Tenente, que só vemos de costas, empurrar Stuart para dentro do portamalas do Opala. ALBERTO (V.O.) Stuart, quando caiu, portava uma calça verde garrafa, camisa clara e um casaco bege.Foi levado no porta-mala de um Opala para a Base Aérea do Galeão. 74 -INT. SALA, CASA DE ZUZU – NOITE Onde Zuzu estava sentada, resta apenas uma das folhas da carta. ALBERTO (V.O.) Na noite de 14 de maio fui torturado ao lado de Stuart. 75 -INT. SALA DE INTERROGATÓRIO, BASE DO GALEÃO – DIA Stuart está no pau-de-arara, cercado por torturadores. Está exausto, com dificuldade para respirar, fios da máquina de choque ligados ao seu corpo. Sentado numa cadeira ao lado está Alberto, capuz na cabeça. Mota comanda os trabalhos, fazendo o “gentil”, auxiliado por Tenente, o “agressivo”, que continuamos só vendo de costas. MOTA Paulo, isso aqui é uma questão de tempo e de dor. Mais tempo, mais dor. Menos tempo, menos dor. Stuart não abre a boca. TENENTE Não adianta, esse gosta de sofrer. Liga a “Maricota”. Stuart começa a tomar choques. 76 -INT. QUARTO, CASA DE ZUZU – NOITE Zuzu vai se desesperando à medida que lê, mas não chora, nem grita, é um desespero físico, como se ela mesma estivesse sendo torturada. Com uma das mãos segura o que resta da carta e com a outra começa a se despir: vai tirando a calça, as meias, a blusa. A música de Cartola prossegue, parece ter sido compostas para o momento que ela está vivendo. ALBERTO (VOICE OVER) Durante a madrugada ouvi um grande alvoroço no pátio. Barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, perguntas e uma tosse constante de engasgo que se seguia sempre às acelerações. 77 -INT. CELA DE ALBERTO – NOITE Alberto agora está diante da pequena janela no alto de sua cela. Olha por um instante. Dá um salto, a expressão de dor deixando evidente seu esforço, e agarra as barras da janela. Superando a dor, ele ergue o corpo e vê o que se passa lá fora. ALBERTO (V.O.) Consegui, com muito esforço, olhar pela janela e me deparei com algo difícil de esquecer. 78 -INT. QUARTO, CASA DE ZUZU – NOITE Num balé macabro, um travelling em CÂMERA LENTA revela as roupas de Zuzu jogadas no chão, as folhas da carta espalhadas como que marcando o caminho até o banheiro... 79 -EXT. PÁTIO DA BASE DO GALEÃO – NOITE O asfalto pára de passar. A parte posterior da cabeça e os cabelos de Stuart tomam a tela. 80 -INT. BANHEIRO, CASA DE ZUZU – NOITE Meio escondida pelo vapor da água quente que tomou o ambiente, vemos Zuzu dentro da banheira. Somente sua cabeça está para fora, atônita, suada... ALBERTO (V.O.) Como era hábito após uma sessão de tortura, cortaram a águas das celas para aumentar a sede que ocorre depois dos choques. Stuart ficou numa cela ao lado da minha. Percebi que estava em estado precário. STUART (O.S.) Água. Água, por favor... 81 -INT. CELA DE ALBERTO – NOITE Sentado, Alberto se espreme num canto da cela, as mãos próximas aos ouvidos, numa posição qua-se fetal. Um barulho de TOSSE. A passagem do tempo se dá com a mudança de sua posição. ALBERTO (V.O.) Tossia sem parar, uma tosse angustiante, que ouvi durante toda a noite. Três frases se repetiam sempre... STUART (V.O.) “Água”, “Vou morrer”, “Tô ficando louco”. TENENTE (V.O.) Deixe de frescura, Paulo, vou te dar uma injeção, você não vai morrer ainda não. 82 -INT. BANHEIRO, CASA DE ZUZU – NOITE Zuzu está submersa, seus olhos esbugalhados. ALBERTO (V.O.) De madrugada, quase ao amanhecer, abriram a cela e retiram Stuart inerte, certamente já morto. Alguém disse: TENENTE (V.O.) “Mais comida de peixe na restinga de Marambaia”. A água da banheira começa a transbordar e a seguimos escorrendo pelo chão, invadindo o quarto e molhando as folhas da carta deixadas pelo chão. 83 -EXT. CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA – DIA Em contraste com a imobilidade da cena anterior, Zuzu, vestida de luto fechado, caminha rapidamente entre as aléias do cemitério. Alguns passos atrás dela vem um funcionário, esbaforido. Ele avisa. FUNCIONÁRIO Senhora, é esse aí, à direita... Zuzu pára diante de um túmulo. O funcionário seca o suor com um lenço. Ingenuamente pergunta. FUNCIONÁRIO Pra quem é? ZUZU Meu filho. FUNCIONÁRIO E quando vai ser o enterro? ZUZU (DESCONTROLADA) Eu não sei, eu não sei! O senhor podia me deixar sozinha? O homem se afasta. Zuzu senta-se sobre o mármore do túmulo. Na solidão do cemitério ela chora, chora, chora. 84 -EXT. RUA DA TIJUCA -DIA Vista do bairro da Tijuca. As encostas dos morros. Uma rua modesta. Zuzu, ainda vestida de luto, caminha com o olhar obstinado em direção a uma loja de sapateiro. 85 -INT. LOJA DO SAPATEIRO – DIA Um velho sapateiro, ANTONIO, segura pequenos pregos de sapato entre os lábios. Com um pequeno martelo vai trabalhando a sola de um sapato. Ele nem percebe a entrada de Zuzu, que se dirige ao balcão. ZUZU Seu Antonio? Ele então a olha. ANTONIO Pois não? Zuzu hesita, parece que vai embora... ZUZU O senhor tem filhos, não tem? O homem apenas a olha. ZUZU Pois o meu, não tem 10 anos, tava no colégio, no grêmio. Daí foi pra política estudantil. Mas sempre odiou armas, violência. Antonio não diz nada, sua perturbação só é notada por um pequeno movimento na boca, os pregos se mexendo. ZUZU Passou um tempo sumido. Me falaram que tava preso. Fui em tudo que é lugar e nada dele. Agora recebi uma carta. Diz que ele foi preso, torturado... (embargada) Muito torturado. Tanto que mataram ele. Sabe por quê? O rosto do homem tem uma expressão de dor. ZUZU Porque ele não quis falar um endereço. O nome de uma rua e um número. (agressiva) O senhor sabe de que endereço eu tô falando, não sabe? Zuzu encara Antonio e ele não diz nada. Só o movimento de seu queixo aumentou, treme levemente, revelando seu abalo emocional. ZUZU Meu filho morreu pra salvar o seu! Há uma profunda tristeza no olhar do homem. O queixo ainda treme, um pequeno filete de sangue escorre do canto da boca ferida pelos pregos, mas ele não se dá conta. ZUZU (SEM JEITO) Senhor... Sua boca– O homem percebe o que ocorreu e retira os pregos com cuidado. ZUZU (CAINDO EM SI) Desculpa, eu... Eu estou confusa... Eu não devia ter vindo aqui... Nossos filhos foram companheiros, devem ter sido amigos... Uma troca de olhares de pais órfãos dos filhos. 86 -INT. REDAÇÃO DE JORNAL – DIA Uma redação em plena atividade. Pela porta da sala do redator, vemos Zuzu sentada, de costas. O REDATOR se levanta, e fecha a porta da sala. 87 -INT. SALA DO REDATOR – DIA O Redator se senta. Tem a carta de Alberto nas mãos. REDATOR Nenhum jornal no Brasil vai publicar essa carta... Devolve a carta pra Zuzu, baixa o tom de voz. REDATOR Proibiram de escrever o nome do seu filho. Nem se a senhora quisesse pagar um anúncio fúnebre eu podia publicar... Ante a cara de Zuzu. REDATOR (CAINDO EM SI) Desculpa, não foi isso que eu quis dizer... 88 -INT. SAGUÃO DO AEROPORTO SANTOS DUMONT – DIA Um cartaz com os dizeres: “Terroristas Procurados – AJUDE A PROTEGER SUA VIDA E A DE SEUS FAMILIARES -AVISE a polícia” e várias fotos – uma delas é de Stuart – está sendo colado numa pilastra. Elke caminha com uma AMIGA em direção ao check-in do aeroporto. Elas passam pelo FUNCIONÁRIO pregando o cartaz. Elke dá uma xeretada, mas não consegue ver direito. Segue até outra pilastra com o mesmo cartaz. Elke pára. AMIGA Que foi? ELKE É seu irmão! Ele tá morto! Eles... Num impulso, ela arranca o cartaz. AMIGA Pára, Elke. ELKE Eles mataram, agora põe cartaz procurando? Decidida, vai até o funcionário. Aponta a foto de Stuart no cartaz. ELKE Eu vim avisar que eu conheço esse aqui. FUNCIONÁRIO Como? Amiga tenta dissuadi-la. AMIGA Ela tá brincando... Vamos embora. ELKE Brincando nada! Esse é Stuart Angel, que mataram num quartel da aeronáutica. Dois AGENTES chegam. A amiga sai de fininho. AGENTE Que aconteceu? ELKE Nada. Para surpresa dos agentes, Elke arranca e rasga o cartaz. 89 -INT. ATELIÊ DE ZUZU – DIA Zuzu tem diante de si uma pilha de folhas xerocadas, que vai dobrando e pondo em envelopes, que joga depois numa grande caixa de papelão. Lucia entra. LUCIA Só pra te avisar que a nova coleção tá seguindo amanhã pro Estados Unidos. ZUZU Ah, ficaram prontas? Lucia assente. ZUZU Que bom que eu tenho você pra segurar a barra por aqui. LUCIA Sempre Zuzu, sempre. Trocam um sorriso. Lucia vai saindo, Zuzu a chama. ZUZU Lucia. Lucia pára. ZUZU Manda botar essas cartas no correio. Lucia vai até a caixa de papelão. Fica surpresa com a quantidade de cartas. Centenas. ZUZU Cada intelectual, artista, deputado, cada pessoa importante desse país vai receber uma carta minha. LUCIA Mas tanta gente... ZUZU E essa última é pro Presidente... Pra ele não poder fingir que não sabe o que aconteceu com Tuti. Zuzu vai até a janela. Dali ela vê a rua. Pessoas caminham, tocando suas vidas. ZUZU Olha. Vê como é fácil andar fingindo que nada está acontecendo. Num impulso, ela apanha uma das cartas, volta para a janela. ZUZU (GRITANDO) Senhora! Zuzu atira a carta pela janela. Lucia tenta impedila sem sucesso e carta voa para— 90-EXT.A RUA -DIA Até cair aos pés de uma TRANSEUNTE que se sobressalta. Ela vê Zuzu na janela, gritando— ZUZU Isso é o que está acontecendo no seu país! A Transeunte sai andando, assustada. ZUZU Apanha. É importante. NO ATELIÊ, Lucia tenta chamar Zuzu à razão. LUCIA Pára, Zuzu. Vai assustar os clientes. ZUZU Pára não, Lucia! Eles são que nem eu era. (aponta os pedestres) Eu na minha santa ignorância, fazendo moda, vestidinho com flor e passarinho. Moda alegre, descontraída. Moda e liberdade, no “país do futuro”... Um futuro sem meu filho, sem os filhos de outras pessoas! Ela anda pela sala, nervosa. ZUZU Sabe do quê? LUCIA (PREOCUPADA) Não... ZUZU Suspende esse carregamento. LUCIA Como? ZUZU Suspende. LUCIA Mas e os prazos, e as multas? ZUZU Eu mando outra coisa, eu dou um jeito. LUCIA Não mistura moda com política... Aqueles milicos são capazes de tudo, Zuzu. ZUZU Mais do que já fizeram? Eu morri no dia em que recebi essa carta. Lucia baixa os olhos. O telefone toca. Zuzu atende. ZUZU Oi Fraga... O quê? Lucia percebe que é algo importante, faz um gesto para Zuzu, que tapa o bocal com a mão para informar. ZUZU Prenderam a Elke... Ela ouve Fraga algum tempo, depois explica a Lucia. ZUZU ...Mas ele acha que tira ela rápido. (para Fraga) E a segunda notícia? Fraga diz alguma coisa que deixa Zuzu estatelada. 91 -INT. SAGUÃO TRIBUNAL MILITAR – DIA Um oficial da Justiça Militar, empertigado, um documento nas mãos, grita bem alto no hall do Tribunal para o corredor vazio. OFICIAL Stuart Edgard Angel Jones!!! A Auditoria da Justiça Militar convoca o réu Stuart Edgard Angel Jones para depor no processo em curso nessa Auditoria. Silêncio absoluto. OFICIAL Última convocação! Stuart Edgard Angel Jones! Mais uma vez silêncio. O oficial dá por cumprida a formalidade e volta ao tribunal. A porta BATE. 92 -INT. SALA TRIBUNAL MILITAR – DIA Em meio a uma quase totalidade de militares presentes na assistência do tribunal, está Zuzu, de pé, mais uma vez toda vestida de preto. Hilde está a seu lado. Com uma mantilha negra sobre os ombros, as feições de Zuzu transmitem uma serena obstinação, “uma firmeza desafiante que a converte num autêntico órgão acusador da sessão judiciária”. Antes de se sentar, Zuzu troca um olhar confrontador com os JUÍZES que ocupam a mesa principal do tribunal. O Oficial de Justiça acaba de entregar um papel ao Juiz Relator. Mota entra na sala e vai sentar-se atrás de Zuzu, com ar provocador. JUIZ RELATOR Uma vez cumpridos todos os requisitos e trâmites legais, declaro revel no processo movido pela União federal, por crimes contra a segurança nacional, o réu Stuart Edgard Angel Jones. Zuzu fulmina-o com o olhar, cresce um ruído de ondas se quebrando na praia. 93 -EXT. PRAIA – DIA FLASH-BACK. Stuart em close. Está seríssimo. STUART Eu não me chamo mais Stuart. Diante dele, no final da praia do Leblon, Zuzu reage atônita, dá um riso nervoso. ZUZU (INCRÉDULA) Não se chama mais Stuart...? STUART Não. ZUZU Por quê? STUART É mais seguro. Zuzu olha o mar um instante, pensativa, absorvendo a notícia. Depois volta-se para ele. ZUZU Você não se sente mais Stuart? STUART Como é?.. ZUZU O que me preocupa é você virar alguém que você não é. Você pode se chamar Manoel, João, Pedro. Não me interessa. Eu só quero que você seja você mesmo. STUART A gente está sempre mudando, mãe.. Ela baixa os olhos, triste. Ele segura o rosto dela. STUART Quer saber de uma coisa? Eu vou continuar sendo Stuart pra você... só pra você. Ele se mexe. Ela fica quase desesperada. ZUZU Você já tá indo? FIM DO FLASH-BACK. 94 -INT. SALA TRIBUNAL MILITAR – DIA O julgamento prossegue no tribunal. Fraga está discursando. FRAGA Senhores, encerro minhas palavras com um profundo temor e uma certeza absoluta. Fraga olha para Mota, sentado próximo a Zuzu. FRAGA A certeza é a de que estou defendendo um morto; que o Excelentíssimo Procurador Militar sabe que acusa um cadáver; e os senhores juízes sabem que julgam um defunto. E o temor, senhores, é de que essa farsa escabrosa macule para sempre o nome desse tribunal. Os Juízes se mexem desconfortáveis em suas cadeiras. 95 -INT. SALA, CASA DE ZUZU -NOITE Zuzu costura numa máquina. É noite e ela está cansada. De repente, uma xícara de chá surge na mesa. Ela olha para frente. É Stuart ainda criança, 8 anos, quem trouxe. Sorriem. Som de telefone chamando... corta para: 96 -INT. SALA TRIBUNAL MILITAR – DIA CLAREIA. Zuzu segue sentada no tribunal, o mesmo ar de acusação. O Juiz está proferindo a sentença. JUIZ RELATOR Por quatro votos a um, este tribunal julga o réu Stuart Edgar Angel Jones inocente por falta de provas no processo. Os Juízes começam a se levantar. Zuzu também, para falar, indignada. ZUZU Tudo isso é vergonhoso! Só com liberdade se pode prender, só com ela se pode julgar. E também é preciso liberdade para condenar ou absolver! Mas aqui, assassinos se arvoram em juízes! A afirmação faz todos pararem. JUIZ RELATOR A senhora meça suas palavras ou será presa por desacato a esse tribunal. ZUZU Desacato é não terem cumprido a lei na hora em que prenderam Stuart. Desacato é não terem cumprido a lei na hora de interrogá-lo. Desacato é torturar e matar! Desacato é impedir o direito sagrado de uma mãe enterrar seu filho. E agora essa farsa, em nome de um Estado de Direito. Nisso ela encara Mota de frente. Ele dá as costas e abandona a sala. ZUZU Mas que Direito é esse?! Um a um os Juízes vão saindo. ZUZU Mas que Direito é esse?!!! Um SOLDADO se aproxima para conduzi-la para fora. Fraga tenta o mesmo. Suas filhas estão perplexas. 97 -EXT. RUA DE COPACABANA – NOITE Zuzu e Elke entram em quadro caminhando apressadas por uma rua de Copacabana. ELKE Você é louca de ter feito aquilo no tribunal... Mas lavou minha alma. ZUZU E você a minha, no aeroporto. ELKE Mas tudo tem um preço, né? Sabe que cassaram minha cidadania? Tomaram meu passaporte. Eu agora sou apátrida... ZUZU Que loucura... Ela ainda vai dizer alguma coisa, mas estão chegando à porta de um cabaré de segunda linha. ELKE É aqui, Zuzu. Elas entram. 98 -INT. CABARÉ – NOITE É o mais improvável dos lugares. Um cabaré em Copacabana. No palco, uma cantora alemã entoa uma canção. Numa das mesas, Elke e Zuzu tomam drinques e conversam. ELKE Depois desse namorado alemão eu conheci um grego. ZUZU E aprendeu grego também? Elke faz que não. ZUZU É uma língua muito difícil? ELKE Que nada. Difícil era a língua do meu namorado. A cantora começa uma nova canção. ELKE Olha, é essa música. À medida que a cantora canta seus versos em alemão, Elke, numa consonância perfeita, traduz para o português. ELKE (CANTANDO) Nos quartéis eles esperam / Nos quartéis eles são treinados / sempre foi assim e nunca termina / Nos quartéis eles esperam... / Com meninas bonitas, eles sonham / as meninas bonitas eles têm que abandonar / sempre foi assim e nunca tem fim / com meninas bonitas, eles sonham... Zuzu olha encantada de uma para outra. A emoção começa a aflorar. Ela pega um lápis de maquiagem e um baton e começa a desenhar num guardanapo. Um desenho vai se formando aos poucos no papel em sintonia com a música que ainda ouvimos. 99 -INT. PASSARELA, Ny – DIA Modelos desfilam. Nas roupas, ao invés de passarinhos e borboletas, bordados de tanques, armas, pássaros engaiolados, anjos amordaçados. É chocante, especialmente comparado com o outro desfile que vimos. Na platéia, os ESPECTADORES reagem das mais diversas formas: alguns surpresos, outros chocados. As modelos se sucedem, o impacto do desfile é enorme. Ao final, a impressionante entrada de Zuzu na passarela: vestida de negro, com um cinto feito por dezenas de cruzes e um anjo de porcelana no pescoço, ela distribui para a platéia uma foto de Stuart e a carta de Alberto. 100 -EXT. FACHADA DO CONGRESSO AMERICANO – DIA Sobre a imponente fachada do Congresso Americano a legenda informa: “Washington DC”. 101 -INT. GABINETE SENADOR – DIA Zuzu está reunida com o SENADOR CHURCH, a quem entregou um jornal com uma matéria sobre o desfile: “Fashion Takes Political Turn” . CHURCH Senhora Angel, estou enviando hoje correspondência para o Secretário Geral da ONU, relatando os fatos e anexando a carta de Alberto; vou enviar correspondência também para o Embaixador brasileiro em Washington e para nosso Secretário de Estado pedindo que cobre de Brasília esclarecimentos sobre o destino de seu filho. ZUZU Não sei como lhe agradecer, Senador. CHURCH Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance. Embora a senhora saiba que estou longe de concordar com as idéias de seu filho. É por meu senso de justiça. 102 -EXT. RIO DE JANEIRO – DIA A Baía de Guanabara, deslumbrante, vista de um avião. 103 -INT. AVIÃO – DIA Zuzu olha pela janela de um avião bastante ocupado. Sai do devaneio quando ouve a voz da comissária de bordo. AEROMOÇA (SOM) Dentro de alguns instantes pousaremos no aeroporto internacional do Galeão no Rio de Janeiro. Por favor coloquem seus cintos e mantenham seus assentos na posição vertical. Ao contrário do que foi pedido, Zuzu se levanta, vai até a comissária e toma o microfone de suas mãos. ZUZU Senhores e senhoras, eu sou Zuzu Angel, figurinista brasileira. Queria dizer que nesta cidade maravilhosa onde estamos chegando, meu filho... A AEROMOÇA tenta reaver o microfone, Zuzu a rechaça. ZUZU ...Meu adorado Stuart foi preso, torturado e assassinado pela ditadura que esmaga esse país. E cadê o corpo dele? Sumiu. A Aeromoça fica chocada, se afasta um pouco. ZUZU Não tiveram coragem de assumir essa barbaridade. Queria que vocês soubessem disso, que esse paraíso que vocês podem ver pela janela está marcado por crimes vergonhosos. Ela pára, sem fôlego. Os passageiros estão perplexos. 104 -INT. AEROPORTO – DIA Zuzu está apresentando seu passaporte na imigração. O agente Mota aguarda logo depois da cabine do funcionário. Assim que Zuzu passa ele a aborda. MOTA Dona Zuleika. A senhora podia me acompanhar? Zuzu se assusta. ZUZU Onde? MOTA Uma pessoa gostaria de lhe falar. ZUZU E minha bagagem? MOTA Deixe isso por nossa conta. Ele indica um caminho, ela o segue. 105 -INT. SALA DE MOTA, BASE DO GALEÃO – DIA Zuzu está na sala de Mota, a mesma onde esteve antes com Fraga. Diante dela está o Brigadeiro. Zuzu consegue energia para encarar o responsável pela morte de seu filho. BRIGADEIRO Soube que a senhora deu um show no avião. ZUZU (IRôNICA) O senhor se informa rápido... BRIGADEIRO (IRRITADO) E bem. Saberia dizer até mesmo a cor de sua roupa de baixo. Zuzu se choca com a grosseria. Esforça-se para conter as lágrimas. O Brigadeiro prossegue como se tivesse feito um comentário banal. BRIGADEIRO Sei de muita coisa. Só não sei de seu filho. Nunca vi. Mas a senhora foi pro exterior me acusar de assassinato. Sem provas. E eu tenho família, tenho mulher e filhos, estão todos chocados com isso. ZUZU Seus filhos devem estar indo à praia e a festinhas. O meu foi torturado, morto. BRIGADEIRO Quem disse? Um terrorista. Quais as provas? Nenhuma. ZUZU O corpo de Stuart é o mínimo que eu posso exigir. BRIGADEIRO Não há corpo. Zuzu fica chocada com a declaração. ZUZU Como é que é? BRIGADEIRO Não há corpo. Se seu filho morreu mesmo, como a senhora acredita, depois de tanto tempo já não há mais corpo, em lugar algum. ZUZU Mas ainda há assassinos soltos. BRIGADEIRO Pois então reúna provas contra eles. ZUZU (ENCARANDO-O) Farei isso. Quem matou Stuart um dia vai ser preso e julgado. BRIGADEIRO Dona Zuleika, eu não a aconselharia a me transformar em seu inimigo pessoal. Ele lhe dá as costas, caminha até a porta. Medo e ódio se confundem nos olhos de Zuzu. Instintivamente seus lábios se mexem, sem emitir som, mas nele se pode ler a palavra “Assassino!” O Brigadeiro se volta junto à porta. VOZ Além do mais, é vergonhoso se aproveitar de seu filho para faturar em seu negócio. Ele sai, bate a porta com delicadeza. 106 -INT. QUARTO DE HOTEL CURVELO – ENTARDECER Emoldurado pela janela do quarto de hotel, Zuzu observa o céu carregado de Curvelo. Em tudo há melancolia, na luz, nos pássaros que cantam lá fora. Depois de um tempo deixa a janela, vem até a mesa do quarto. Senta-se diante do gravador, com esforço retoma seu depoimento. ZUZU Depois de meu desfile em NY, durante dois anos minha vida congelou. A ditadura continuou impondo a censura aos jornais, minhas denúncias não eram ouvidas por ninguém. O caso de Stuart não avançou um milímetro. Em 1973, nova tragédia: a viúva de meu filho, Sonia, foi presa quando voltou clandestina ao Brasil. Antes de ser assassinada, ela levou choques, foi espancada, seviciada com um cassetete e teve os seios arrancados. Seu corpo também não foi entregue à família. Zuzu interrompe a gravação, emocionada. Volta a olhar pela janela. O barulho de um trovão distante chega até ela. Volta a gravar. ZUZU Confesso que desanimei diante de tanta violência e impunidade. Continuei a tocar meus negócios sem grande entusiasmo. Foi só em 1975 que um fato novo me deu ânimo para prosseguir a minha luta. 107 -INT. MANSÃO – NOITE Uma garrafa de champanhe é estourada. Gritos de alegria, taças sendo servidas, uma música animada começa. À medida que a câmera recua revela-se uma festa de reveillón no Golden Room do Copa. O ambiente traduz uma alegria quase eufórica, conversas animadas nas mesas em volta da pista onde casais elegantes dançam. Tudo é visto por Zuzu, que acaba de chegar, bastante atrasada. Claramente ela não compartilha do “mood” da festa. Apesar disso não recusa uma taça de champanhe e sorri para alguns conhecidos que passam felizes. Fraga caminha em sua direção, parece um pouco alto. BANQUEIRO Que bom que você veio, Zuzu. Vamos dançar. FRAGA Desculpa Almeida, mas Zuzu me prometeu a primeira dança... BANQUEIRO Mas se ela acabou de chegar... FRAGA Combinamos pelo telefone... FRAGA Zuzu, você anda triste, mas continua linda. Ele a puxa pelo braço, vira uma outra taça de champanhe e partem para a pista. 108 -EXT. VARANDA DA MANSAO – NOITE Zuzu e Fraga dançam ao som de Miriam Makeba, Pata-pata. Zuzu não parece muito entusiasmada. FRAGA Zuzu, estava pra te ligar há vários dias. ZUZU Pra combinar essa dança? FRAGA Festa boa, não... ZUZU Pode ser que sim, mas eu não estou muito nesse clima não... FRAGA (SÉRIO) Então somos dois. ZUZU Problemas no escritório? FRAGA Talvez problema, talvez solução... Mas deixa pra lá. ZUZU Quando a gente começa a falar de trabalho, acho que está na hora de ir embora... FRAGA Não. Espera aí. Tem a ver com você. ZUZU Comigo? FRAGA Com Stuart. Hoje me procurou uma pessoa... ZUZU Quem foi que te procurou, Fraga? Eles param de dançar, vão para um canto do jardim. FRAGA Quem me procurou? Um homem da máquina da repressão. ZUZU Ai meu Deus! FRAGA Um dos dias mais loucos da minha vida. ZUZU Foi te ameaçar? FRAGA Não. Foi me dizer que está disposto a contar tudo. Depor mesmo. Quer falar com você. ZUZU Comigo? FRAGA Só fala pra você. ZUZU Porque pra mim? FRAGA Diz que sabe coisas do Stuart. Zuzu está estarrecida, Fraga percebe. FRAGA Devia ter ido embora mais cedo. Pra não te contar uma maluquice dessas... Em off se ouve a voz de Lucia. LUCIA (OFF) Porque ele resolveu falar? 109 -EXT. VISTA CHINESA – DIA O Rio de Janeiro, visto do alto. Zuzu está lá com Lucia e Elke, as três excitadas e preocupadas ao mesmo tempo. ZUZU Vingança. Se achava um agente “modelo”, você imagina o que isso significa... Depois diz ele que foi acusado injustamente de ter ficado com o dinheiro de um assalto da guerrilha. O cara tá morto de ódio. LUCIA Você não deve falar com ele de jeito nenhum. ZUZU Será? Vai que ele de fato sabe o que aconteceu. O depoimento de alguém do sistema acaba com essa farsa toda. LUCIA Amiga, até pra falar sobre isso a gente tem que fingir que é turista. Medo de ser seguida, de terem grampeado os telefones, medo de tudo. E você ainda quer ir mais fundo nesse horror? Você é figurinista, não agente do FBI... ZUZU Eu sei, mas... ELKE Zuzu, entrar numa caverna é fácil, mas se perder lá dentro é mais fácil ainda. Ficam um tempo em silêncio. ZUZU Vocês tem razão. Melhor esquecer essa história. Zuzu está triste, mas a paisagem da baía de Guanabara, vista do alto, é deslumbrante. 111 -INT. VAGÃO DA CENTRAL – ENTARDECER Zuzu viaja no trem da Central. Não há ninguém a seu lado, o vagão está bem vazio. Ela olha os poucos passageiros, pobres, cansados. Um ou outro cochila. Pela janela vê casas do subúrbio passando. Fica assim um bom tempo. Uma voz masculina a tira de seu devaneio. VOZ (OFF) Nunca vi seu filho, mas sei o que aconteceu com ele. A carta de Alberto era um trunfo. A senhora usou e não ganhou o jogo. Zuzu se volta, assustada. Sem que ela percebesse um homem sentou-se a seu lado. É TENENTE, jovem, pouco mais de 25 anos. Franzino, vestido discretamente, fala baixo e rápido. TENENTE E agora está sozinha, sem nada nas mãos, e assim não vai longe. Concorda? Zuzu esperava outro tipo de pessoa, meio no susto faz que sim com a cabeça. Parece sem coragem de encarar o homem. TENENTE Bom começo. Me chame de Tenente. E fale baixo. Qual é sua estratégia? ZUZU (SURPREENDIDA OUTRA VEZ) Estratégia?... TENENTE Sim, para ferir quem nós queremos ferir. Quero saber se vale a pena eu lhe fornecer a minha munição. Zuzu respira fundo. Nitidamente o rapaz a amedronta. Ainda assim ela o encara pela primeira vez. ZUZU Quero justiça. TENENTE (NUM ROMPANTE) Injustiça é a pior coisa que tem. Ele está falando de si mesmo, não do caso de Zuzu, ela percebe. Depois de um instante ele volta a falar, um sorriso curto na boca. TENENTE É curioso que dois inimigos possam se ajudar, não acha? ZUZU Não sei... TENENTE Vamos ficar sempre em lados opostos, a senhora e eu. Ainda assim eu posso lhe ajudar, se a sua estratégia for boa e meu ódio não passar. O trem vem chegando a uma estação. TENENTE Vamos ver isso daqui a um mês. Se eu ainda estiver me sentindo como eu estou hoje, vou lhe dar meu depoimento. Mas, sim ou não, eu lhe aviso. Ele se levanta, preparando-se para descer. Zuzu toma coragem para questionar. ZUZU E que garantias eu tenho de que você realmente... TENENTE Sou um aliado em vez de um inimigo? Ela confirma com a cabeça. Ele arremata, quase zombeteiro. TENENTE Nenhuma. Vai pela intuição. Ele desce na plataforma com o trem ainda em movimento. Zuzu está atônita. 112 -EXT. RESTAURANTE – NOITE Ao fundo do salão, Zuzu conversa com um homem. Ele segura sua mão, parecem namorar. é Ray, da Anistia Internacional. Falam em inglês. RAy Todos nós da Anistia Internacional temos uma grande admiração pela senhora. Estamos à sua disposição. Zuzu dá um sorriso, sem jeito. Ray solta sua mão. ZUZU É possível que eu consiga o testemunho de um homem do sistema. Vocês publicariam? RAy Claro! Claro! Isso teria uma repercussão política extraordinária! Mas... Ele deixa a frase no meio. Zuzu insiste. ZUZU Sim... RAy É um grande risco. A senhora sofreu ameaças? ZUZU Avisos. RAy Pode piorar. ZUZU Os assassinos têm que ser presos, julgados, condenados. E também os particulares que financiam a repressão. Não vou descansar enquanto isso não acontecer. RAy Eu queria ter sua coragem. ZUZU Eu? Não...Quem tinha coragem era meu filho. Eu tenho legitimidade. 113 -EXT. RUA COPACABANA – DIA Um imenso prédio em Copacabana. Na portaria o entra e sai de moradores. 114 -INT. CORREDOR APARTAMENTO DE TENENTE – DIA Um corredor a perder de vista, com dezenas de portas. Lá no fundo vemos Zuzu. Uma porta se abre, ela entra. 115 -INT. APARTAMENTO DE TENENTE – DIA O apartamento é lúgubre. Um conjugado com janela fechada, poucos móveis velhos, tapete sujo e gasto. Ninguém deve morar ali. Tenente está de pé, a mão estendida para Zuzu. Ela se esforça muito para aceitar o cumprimento, que não passa de um roçar de mãos. Antes mesmo de se sentarem, Tenente fala. TENENTE Já gravei meu depoimento, dona Zuleika. Mas sua estratégia está fraca. ZUZU Ah é? TENENTE Esse pessoal da Anistia não serve. O mal estar de Zuzu atinge um ponto insuportável. ZUZU Preciso ir ao toalete... Ele aponta a porta, ela entra no banheiro. 116 -INT. BANHEIRO, APARTAMENTO DE TENENTE – DIA Zuzu lava o rosto no banheiro de aspecto tão ruim quanto a sala. Não há toalha, sequer papel higiênico com que ela consiga se secar. Abre a bolsa, acha umas amostras de tecido, seca-se como dá. Respira fundo. Procura se acalmar. Quando acha que conseguiu, retoca ligeiramente a maquiagem, deixa o banheiro. 117 -INT. SALA, APARTAMENTO DE TENENTE – DIA Zuzu volta à sala. Surpreendentemente, Tenente não está mais lá. Ela vai até a porta, está trancada. O desespero bate. Ela chega à janela, mas está emperrada. Já ia começar a gritar quando ouve o ruído de chave na fechadura. Tenente está de volta. Zuzu finge que não se preocupou. Tenente traz um envelope nas mãos. TENENTE Tinha esquecido uma coisa no carro... Vamos sentar. Eles se sentam. Tenente coloca o envelope sobre a mesinha de centro, bem perto do alcance de Zuzu. ZUZU Você anda me seguindo? TENENTE Eu? Estou aposentado. ZUZU Como soube de meu encontro com a Anistia? TENENTE Ainda tenho alguns amigos. Olhe, seus telefones estão grampeados, a senhora está sendo seguida. Não duvide disso. Ele se levanta, agitado. TENENTE Eu não vou poder ficar muito tempo. ZUZU Foi você quem me chamou. TENENTE Vamos ser objetivos: Anistia não serve. ZUZU Eles são capazes de fazer um bom barulho. TENENTE (COMO NUMA AULA) Nesse caso, o barulho do inimigo é previsível e não tem efeito. Melhor seria o ataque inesperado de um amigo. Essa é a boa estratégia. Inesperadamente ele dá um bote sobre a mesinha, apanha o envelope. Com ele nas mãos, encara Zuzu. TENENTE Se a senhora conseguir, meu depoimento é seu. 118 -INT. HALL SHERATON -NOITE Zuzu atravessa o hall com ar decidido, passando por agentes americanos e brasileiros. Vai direto à recepção. ZUZU (EM INGLÊS) Por favor, tenho um encontro com os assessores do Sr. Kissinger. Qual o andar da comitiva? Sua aparência de americana e o inglês perfeito enganam o funcionário. Meio no susto ele responde, também em inglês. FUNCIONÁRIO Décimo quinto, senhora... Zuzu dá as costas, se encaminha para os elevadores. O funcionário percebe que cometeu um erro. FUNCIONÁRIO Mas a senhora não pode subir, madame... Zuzu nem se volta. Outros hóspedes atraem a atenção do funcionário, quando ele volta a procurar Zuzu, ela desapareceu no hall. 119 -INT. ELEVADOR/CORREDOR SHERATON -NOITE A porta do elevador se abre, Zuzu desce. Há um agente postado no hall, Zuzu passa rapidamente por ele. O agente a chama, sai em seu encalço. AGENTE Senhora! A senhora não pode circular nessa área! Zuzu não se detém. O agente está prestes a alcançá-la quando o Secretário de estado surge por uma porta, cercado de assessores. ZUZU Mr. Kissinger! Ele se volta, mas fica parado onde está. O agente alcança Zuzu. AGENTE A senhora precisa sair daqui, agora. Mas Zuzu não arreda o pé. Fala de longe mesmo. ZUZU Sr. Kissinger. Sou Zuzu Angel, figurinista brasileira. Meu filho Stuart, de pai norte-americano, foi preso, torturado e assassinado pela ditadura brasileira. Nem o corpo me entregaram. Esse documento explica tudo. É preciso prender e julgar os responsáveis. Peço sua interferência junto ao governo. É um ato de justiça! Kissinger não se aproxima. Faz um gesto para um assessor, que vem buscar o envelope de Zuzu. Kissinger some em outra porta. 120 -INT. CARRO DE LUCIA – NOITE Zuzu e Lucia de volta do Sheraton. Zuzu está no auge da excitação, ao contrário de Lucia, preocupada. ZUZU Consegui! Entreguei o documento pra ele. LUCIA Mas será que ele vai ler? Se bobear fica com um assessor que passa direto pra polícia brasileira. ZUZU Que passe! Quem eu quero, vai saber o que aconteceu. Viajam um tempo em silêncio. Lucia olha pelo retrovisor, cismada com um carro que a acompanha a uma pequena distância. Zuzu percebe, olha para trás, vê o carro, que diminui a velocidade e fica para trás. ZUZU Estão nos seguindo. LUCIA (MENTINDO) Bobagem... ZUZU Não se faça de ingênua, Lucia. Voltam a ficar quietas. Lucia olha de novo pelo retrovisor, o carro que as segue é agora um pontinho lá atrás. ZUZU Desculpa te envolver nos meus problemas... LUCIA Eu acho que você devia ir comigo pra serra. Passar uns dias fora do Rio. O que é que você acha? ZUZU Pode ser. Vou pensar. O carro delas se afasta. A câmera fica parada na rua deserta. Depois de um tempo um carro negro invade o quadro, indo na direção do carro de Lucia. 121 -INT. SALA, APARTAMENTO DE ZUZU – DIA Zuzu fala ao telefone, ar de preocupação. ZUZU Não, minha filha. Só vou ficar três dias... A Lucia insistiu. Uma empregada entra na sala, traz um carta. Zuzu desliga o telefone. EMPREGADA Mandaram entregar, dona Zuzu. Zuzu abre o envelope. Está escrito à maquina: “SUA ESTRATÉGIA MELHOROU. DÊ UMA VOLTA EM TORNO DA LAGOA, HOJE, ÀS DUAS HORAS DA MADRUGADA”. Zuzu respira fundo. Olha fixo em lugar algum. Uma mala de viagens repousa num canto da sala. Ouve-se uma máquina datilográfica. É Zuzu que escreve. O telefone TOCA. Ela atende. VOZ (DO TELEFONE) Zuzu? ZUZU Quem quer falar? VOZ (DO TELEFONE) Eu quero falar com dona Zuzu Angel. É a senhora? Pausa. ZUZU Ela viajou. Desliga o aparelho. Volta à máquina. O som altíssimo de uma buzina de caminhão invade a cena. 122 -EXT. CARRO DE LUCIA / ESTRADA – DIA Close de Lucia, ao volante. Apavorada, olha pelo retrovisor. Close da frente de um caminhão aproximando-se rapidamente, a buzina soando irrealmente. Lucia grita para a amiga que viaja com ela. LUCIA Marina, esse caminhão! Não tem tempo de dizer mais nada. O caminhão abalroa violentamente o carro, jogando-o fora da estrada, ribanceira abaixo. A imagem do carro voando se funde com o ... 123 -INT. SALA, CASA DE ZUZU – NOITE O telefone de Zuzu toca. Ela continua à máquina, atende irritada. ZUZU Vai falar quem é ou vai conti... Oi, Hilde... Como? HILDE Mãe... ZUZU Oi Hilde... HILDE Mãe, você não viajou com a Lucia.. que loucura, mãe! ZUZU O que houve, filha? HILDE Um acidente horrivel na estrada, soube agora. Seus olhos se enchem de água... ZUZU Não pode ser... A Lucia...Ela passou aqui, na última hora eu desisti ... HILDE Levaram a Lucia pro Hospital, mas ela não resistiu. Um horror. Zuzu solta um urro de dor. HILDE A senhora quer que eu vá pra aí? ZUZU Não! Te ligo daqui a pouco, estou chocada. Ela desliga o telefone, mas não sai da mesa. Apanha um papel, uma caneta fala e escreve ao mesmo tempo. ZUZU Se eu aparecer morta por acidente, assalto ou qualquer outro meio... Ela pára um instante. O ódio começa a crescer em seus olhos. As imagens se embaralham. Numa rápida sucessão vemos Zuzu saindo de casa com suas caixas de documentos, cortando a cidade, recebendo a fita do motoqueiro, cruzando a estrada para Minas, até fundir com... 124 -INT. QUARTO DE HOTEL -NOITE ...um close imenso do envelope que Tenente jogou no carro. A mão de Zuzu entra em quadro, hesitante. Ela começa a abrir o envelope, como um jogador de pôquer ao “chorar” a carta fechada de um baralho. Zuzu respira fundo, enfia a mão no envelope. Uma chuva de verão desabou, raios e trovões se sucedem, o rosto de Zuzu ilumina-se e entra na sombra ao sabor da tempestade. Do envelope saem um documento escrito à mão, algumas fotografias e cópias de documentos. Zuzu olha o documento primeiro. É a carteira de identidade do Tenente, expedida pelo Exército. Pega agora uma foto de Tenente fardado, numa cerimônia qualquer. Outra foto, Tenente ao lado de Brigadeiro e Mota. ZUZU (DESCONTROLADA) Oh meu Deus! Oh meu Deus! Zuzu faz menção de deixar tudo de lado, mas fazendo um esforço sobre-humano apanha o depoimento de Tenente. Começa a ler. Ouvimos a voz de Tenente, como sempre falando rapidamente, uma palavra atropelando as outras. TENENTE (OFF) Meu nome é Marco Aurélio Carvalho, Oficial da Aeronáutica. Presto este depoimento por livre e espontânea vontade. Servi dois anos na Base Aérea do Galeão. Sob ordens de meus oficiais superiores investiguei e participei da prisão do civil Stuart Edgar Angel Jones. Zuzu parece que vai desfalecer de emoção. 125 -INT. VAGÃO DE TREM – DIA INSERT: close de Tenente ao lado de Zuzu no vagão de trem. TENENTE Nunca vi seu filho, mas sei o que aconteceu com ele. 126 -EXT. PRAÇA – DIA INSERT: O vidro traseiro do fusca de Stuart sendo estraçalhado por Tenente. corta para: 127 -INT. QUARTO DE HOTEL – NOITE Completamente fora de si, Zuzu segue lendo o depoimento de Tenente. TENENTE (OFF) Também participei do interrogatório do civil Stuart Angel. Zuzu larga a carta, fecha os olhos, cobre a cabeça com as mãos. corta para: 128 -EXT. PÁTIO DA BASE DO GALEÃO – NOITE Subimos pelo corpo de Stuart que está deitado ao solo e tem sua pele esfolada, sangrando. Suas mãos estão amarradas no pára-choque traseiro de um jipe da Aeronáutica. Junto a ele, Mota fala algo. Seus quatro torturadores, alguns oficiais e soldados, observam a cena. Tenente – nunca vemos seu rosto -enfia uma porrada na cabeça de Stuart, que solta um URRO de dor. Depois puxa sua cabeça e a aproxima do cano de descarga. Stuart tenta recuar o rosto queimado pelo cano fumegante... TENENTE Fala seu desgraçado! Cadê o Lamarca, rapaz?! Stuart força a cabeça para trás e TOSSE. Não se ouve mais o que falam os espectadores desse espetáculo de mau gosto. Tenente então reduz o tamanho da corda que prende Stuart, forçando seu rosto a não se afastar do cano. A TOSSE piora. Mota faz um sinal para o motorista do jipe, que acelera. Stuart baixa a cabeça... Lê e ouve-se a voz de Tenente. TENENTE Atesto a veracidade das declarações do preso Alberto Dias. O corpo de Stuart, morto na tortura, foi jogado ao mar. corta para: 129 -EXT. MAR – DIA Um corpo caindo feito uma flecha no mar. Demoramos uma fração de tempo para perceber que é Zuzu. Atingida por uma onda forte, ela vai ao fundo, seu corpo gira e gira ao sabor da onda. corta para: 130 -INDEFINIDO- ...Stuart morto, estendido numa bancada de mármore imaculadamente branca, num ambiente também inteiramente branco. Ela lava longamente suas feridas. Ajeita seu cabelo, beija sua testa. Depois segura suas mãos. Subitamente ela começa a ter calafrios, seu corpo treme sem controle. corta para: 131 -INT. QUARTO DE HOTEL – NOITE Tremendo, como num transe, Zuzu coloca num envelope endereçado à Anistia a carta e os documentos de Tenente. Procura outros papéis, a carta de Alberto, outra assinada por ela. Com grande dificuldade, devido aos calafrios, encerra a tarefa. Deixa o envelope sobre a mesa, vai se deitar. Mesmo coberta não pára de tremer. A câmera se aproxima dela, seus olhos estão fixos na porta do quarto, parece delirar. 132 -FLASH-BACK -EXT. PRAIA MARAMBAIA -DIA Stuart menino, completamente sozinho numa praia imensa, chora desesperadamente, as lágrimas correndo pela cara. Zuzu surge na beira da água. Stuart a vê. Ainda chorando, grita. STUART Você me abandonou! Você me abandonou!!! ZUZU Não, não... Ela corre em sua direção. Apesar disso ele continua chorando, cada vez mais desesperado. Quando está prestes a chegar junto dele, quando vai tocar seu corpo o que ela vê é... corta para: 133 -INT. HOTEL -NOITE Suavemente a porta do quarto se abre. Stuart adulto entra e pára no umbral. Sorri para Zuzu, que ainda treme, depois se aproxima da cama, acaricia o rosto da mae, sempre sorrindo. STUART Fica tranqüila, mãe. Eu estou aqui com você... Aos poucos Zuzu vai se acalmando, sorri ternamente para Stuart. STUART Quer dar uma volta? Acho que ia te fazer bem. 134 -EXT. PRAÇA – NOITE Mãe e filho caminham pela praça deserta. A chuva parou, as ruas estão molhadas e os reflexos dão a tudo um tom mágico. Eles param debaixo de uma árvore imensa. Há um banco ali. Cavalheirescamente, Stuart tira um lenço do bolso, seca o assento para a mãe, depois se senta junto dela. STUART Porque tanta angústia, mãe? A vida é a vida. A gente faz escolhas, sonha... (sorri, bem humorado) mas às vezes a realidade cisma de ser maior que nossos sonhos, o que é que a gente vai fazer? ZUZU Sabe o que é, Tuti? Às vezes eu penso que não te dei todo o apoio que eu podia. Você quis mudar o mundo e eu só quis mudar a minha vida e... STUART Deixa de bobagem, mãe. ZUZU Eu às vezes tenho medo que você ache que eu te abandonei. STUART(SORRINDO) Você? Me abandonou? ZUZU Lembra aquela vez na praia que eu te deixei sozinho e fui nadar? STUART Não... ZUZU Não lembra? Você chorava loucamente, a praia estava deserta, quando eu voltei você estava tão desesperado, eu me senti tão mal. Você não lembra? Ele nega com a cabeça, um sorriso no olhar. STUART Não, mãe. Mas eu me lembro de um abraço que você meu deu na praia uma vez, e eu nunca me senti tão protegido, tão amado. Será que foi nesse tal dia? Zuzu se comove, lágrimas escorrem por seu rosto e ainda assim ela sorri. ZUZU Tuti, eu... Ele faz um gesto para que ela se cale. Abraça-a. Aproveitam esse momento único. Depois de um bom tempo ele se levanta. STUART Agora você vai dormir. Descansar. Ela a põe no colo, sai carregando Zuzu pela praça – é a imagem de uma madona invertida, o filho acolhendo a mãe. 135 -INT. QUARTO DE HOTEL – NOITE Zuzu, o rosto absolutamente tranqüilo, dorme em sua cama. O silêncio reina em Curvelo. Lentamente a imagem escurece. 136 -EXT. RIACHO – DIA Amanhece na pequena cidade. Zuzu nada em um riacho. 137 -EXT. ESTRADA – DIA ...As faixas centrais de uma rodovia passando. Zuzu dirige de volta para o Rio de Janeiro. 138 -INT. LOJA DE ZUZU – NOITE Hilde caminha em direção à loja de Zuzu. Bate na vitrine, a mãe vem atender. HILDE Você sumiu... ZUZU Precisava descansar... Ficar sozinha um pouco. Zuzu não consegue esconder uma ponta de preocupação. Hilde percebe. HILDE Mãe, o que está acontecendo? Você está escondendo alguma coisa da gente? ZUZU Não, nada. 139 -INT. APARTAMENTO DE TENENTE – NOITE Tenente ao telefone, no apartamento onde encontrou Zuzu. Parece estar recebendo uma má notícia. Bate o telefone, apanha uma maleta 007, deixa rapidamente o local. 140 -INT. ESCADA PREDIO DE TENENTE – NOITE Tenente descarta o elevador, vai para a escada de serviço. Saca sua arma. Perscruta os andares acima, parece tudo calmo. Fecha a porta do hall, a escuridão toma conta das escadas. Ele não con-segue enxergar nada, acende a luz. Vai descendo, silenciosamente. Quando está quase chegando a um novo andar ouve um barulho de porta em algum andar abaixo. Preocupado, tenta entra no hall. A porta está trancada. Procurando manter o controle, volta correndo ao andar superior, mas também essa porta está trancada agora. A luz se apaga automaticamente, Tenente prefere não acende-la de novo. Vai descendo, tateando na escuridão. Ouve portas que se abrem e se fecham, acima e abaixo de si. Começa a descer mais rápido, se desequilibra, rola pela escada, seu revolver dispara sozinho, depois escapa de sua mão. Tenente agora está completamente desorientado. Procura o revolver tateando com pés e mãos os degraus, mas não consegue nada. Nem encontrar outro interruptor. Passos ecoam, há gente descendo as escadas. Ele desiste de encontrar a arma. A cena agora é vista do térreo – melhor dizendo, entrevista, posto que só nos andares muito altos há alguma luz. Mas pode-se ouvir muito bem os passos nos degraus, os de Tenente mais próximos, outros, pesados, vindo em sua perseguição. Já quase chegando ao térreo, Tenente resolve deixar a escada e entrar num hall. 141 -INT. PORTARIA DO PRÉDIO DE TENENTE -NOITE Tenente vê diante de si o agente Mota, apontando-lhe uma pistola. MOTA Solta a maleta. A maleta é aberta. Em seu interior maços e mais maços de dólares. Tenente, derrotado, é cercado pelos agentes que vinham pela escada. MOTA Temos muito o que conversar Tenente? Tenente não diz nada. Parece já saber o que o espera. 142. LOJA DE ZUZU -NOITE Zuzu e a filha entram no ateliê. A figurinista tem a curiosidade despertada por um pequeno envelope sobre a mesa. Um bilhete está preso nele: ‘DONA ZUZU – O SEU CHICO BUARQUE MANDOU DEIXAR PRA SENHORA.” Zuzu abre o envelope, é uma fita cassete. Sorri, satisfeita. Bate uma súbita preocupação. Zuzu apanha sua bolsa, certifica-se que o dossiê para a Anistia está lá. Suspira aliviada. HILDE Que foi, mãe? ZUZU (DISFARÇANDO) Queria te mostrar uma coisa. Ela tira uma carta da bolsa. ZUZU Achei uma carta que Tuti me escreveu há muitos anos. Quer escutar? HILDE Claro... ZUZU Então vamos sentar. É o que elas fazem. ZUZU (LENDO) “Você me pergunta se acredito em Deus. Eu te pergunto: que Deus? Tem sido minha missão te mostrar Deus no homem. Pois somente no homem Ele pode existir. Não há homem, pobre ou insignificante que pareça ser, que não tenha uma missão.” HILDE Que lindo. ZUZU “Todo homem, por si só, influencia a natureza do futuro. Através de nossas vidas nós criamos ações que resultam na multiplicação de reações”. Zuzu pára. ZUZU “Esse poder, que todos nós possuímos; esse poder de mudar o curso da história é o poder de Deus. Confrontado com essa responsabilidade divina, eu me curvo diante do deus dentro de mim. Assinado, Stuart Edgard Angel Jones.” Zuzu abaixa a carta. Hilde disfarça uma lágrima. 143 -EXT. PORTA DA LOJA – NOITE A loja de Zuzu vista do interior de um carro. Não obtém resposta. Logo em seguida a luz do ateliê se apaga. 144 -INT. TÚNEL -NOITE O carro entra no túnel Lagoa Barra. Zuzu dirige pelas ruas desertas. Tira da bolsa a fita, coloca no cassete do carro. Mas o toca-fita parece estar com defeito, a fita não toca. Irritada, Zuzu dá uns tapas no aparelho, tentando fazê-lo funcionar. Inútil. Distraída com a fita, Zuzu não percebeu que um carro se aproximou, está quase colado ao dela. Ela procura acelerar, o outro carro vai ficando para trás, some na curva do túnel carro vem deixando o túnel. 145 -EXT. ESTRADA – NOITE Assim que deixa o túnel em São Conrado, Zuzu percebe, apavorada, que o carro de seus perseguidores se aproxima velozmente. Ela tenta dar maior velocidade ao seu, mas isso é impossível. Num instante o carro negro emparelha com o seu, abalroando-o. Zuzu ainda consegue controlar o veículo, mas uma nova batida lateral faz com que ele escape completamente de seu con trole. O carro capota e despenca do alto de um viaduto, se esborrachando na pista lá embaixo, com os pneus para cima. 146 -EXT. RUA DO ACIDENTE – NOITE Zuzu está morta dentro do Karmann Ghia, as rodas girando. Mota se aproxima. De repente, uma música começa. Com o acidente, o toca-fitas começou a tocar sozinho. A música é Apesar de Você. CHICO (CANTANDO) “Hoje você é quem manda/ Falou tá falado/ Não tem discussão...” Mota procura alguma coisa dentro do carro. Só o que vê é a bolsa de Zuzu. Puxa-a para fora. Abre, descobre o dossiê da Anistia. Satisfeito com a descoberta, no entanto fica irritado com a letra da canção de Chico. Volta a enfiar o braço pela janela. Tenta desligar o som, mas o teto foi amassado e é impossível chegar ao toca fitas. CHICO (CANTANDO) “Hoje você é quem manda/ Falou tá falado/ Não tem discussão / A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão viu / você que inventou esse estado, que inventou de inventar toda a escuridão /você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão. Chico canta, alto e bom som, para a irritação impotente do agente, que se levanta, chuta a lataria do carro. Afasta-se levando o dossiê. CHICO (CANTANDO) “Apesar de você / Amanhã há de ser outro dia / Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia / Como vai proibir quando o galo insistir em cantar? Água nova brotando e a gente se amando sem parar. Outros carros de polícia chegam, a grua sobe e aos poucos deixa a cena do acidente, revelando por fim o céu que começa a clarear. LETREIROS: “A morte de Zuzu Angel, em 1976, foi declarada acidental. Chico Buarque distribuiu 60 cópias da declaração de Zuzu a personalidades e imprensa. Nenhum jornal a publicou. Vinte e dois anos depois, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos constituída pelo governo brasileiro, através de uma perícia irrefutável e uma testemunha ocular, concluiu que ela foi assassinada. Hildegard e Ana Cristina Angel fundaram o Instituto Zuzu Angel para preservar a memória de Zuzu e Stuart. Nunca puderam velar o corpo de seu irmão.” FIM Ficha Técnica Elenco Patrícia Pillar: Zuzu Angel Daniel de Oliveira: Stuart Angel Leandra Leal: Sônia Angel Alexandre Borges: Fraga Luana Piovani: Elke Othon Bastos: Brigadeiro Ângela Vieira: Lúcia Flavio Bauraqui: Mota Elke Maravilha: Lieselotte Paulo Betti: Carlos Lamarca Aramis Trindade: Tenente / Informante Regiane Alves: Hildegard Angel Nelson Dantas: Sapateiro Fernanda de Freitas: Ana Angel Caio Junqueira: Alberto Chico Expedito: General Bosco Ângela Leal: Elaine Ivan Cândido: Capelão David Hermani: Ray Bunker Isio Ghelman: Norman Antonio Pitanga: Policial gentil Camilo Bevilacqua: Policial agressivo Equipe Diretor: Sergio Rezende Produtor: Joaquim Vaz de Carvalho Roteiristas: Sergio Rezende e Marcos Bernstein Produtora Executiva: Heloisa Rezende Produtora Associada: Mariza Leão Co-Produtor: Daniel Filho Diretor de Fotografia: Pedro Farkas Diretor de Arte: Marcos Flaksman Figurinista: Kika Lopes Diretores de Produção: Laís Chamma e Pimenta Jr Técnico de Som: Márcio Câmara Maquiagem: Martin Macias Trujillo Montagem: Marcelo Moraes Música: Cristóvão Bastos Edição de Som: Miriam Biderman Mixagem: Rodrigo Noronha Fotos do making of Joaquim Vaz de Carvalho e Sergio Rezende Sergio Rezende Sergio Rezende e Aramis Trindade Pedro Farkas Mariza Leão e Hildegarde Angel Luana Piovani e Sergio Rezende Luana Piovani, Regiane Alves e Sergio Rezende Regiane Alves, Luana Piovani e Sergio Rezende Elke Maravilha e Patrícia Pillar Luana Piovani e Elke Maravilha Elke Maravilha, Patrícia Pillar e Luana Piovani Índice Apresentação -Hubert Alquéres 05 Prefácio -Sergio Rezende 11 Introdução -Marcos Bernstein 15 "ANGEL" 21 FADE IN 23 Fotos do making of 197 Créditos das fotografias Zeca Guimarães Coleção Aplauso Perfil Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Aracy Balabanian -Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Bete Mendes - O Cão e a Rosa Rogério Menezes Carla Camurati - Luz Natural Carlos Alberto Mattos Carlos Coimbra - Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach - O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra Cleyde Yaconis - Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso - Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Djalma Limongi Batista - Livre Pensador Marcel Nadale Etty Fraser - Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri - Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça Ilka Soares - A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache - Caçadora de Emoções Tania Carvalho João Batista de Andrade - Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano John Herbert - Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont - Do Cordel às Telas Klecius Henrique Niza de Castro Tank - Niza Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti - Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo Goulart e Nicette Bruno - Tudo Em Família Elaine Guerrini Paulo José - Memórias Substantivas Tania Carvalho Reginaldo Faria - O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi - Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte - Contestador por Índole Eliana Pace Rodolfo Nanni -Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Rolando Boldrin - Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho - Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco - Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza - Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst - Um Ator de Cinema Maximo Barro Sérgio Viotti - O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Sonia Oiticica - Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Ugo Giorgetti - O Sonho Intacto Rosane Pavam Walderez de Barros - Voz e Silêncios Rogério Menezes Especial Dina Sfat - Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Gloria in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Maria Della Costa - Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca - Uma Celebração Tania Carvalho Sérgio Cardoso - Imagens de Sua Arte Nydia Licia Cinema Brasil Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Carlos Reichenbach e Daniel Chaia Cabra-Cega Roteiro de DiMoretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Vittorio Capellaro comentado por Maximo Barro A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Luís Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet Como Fazer um Filme de Amor José Roberto Torero De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Dois Córregos Carlos Reichenbach A dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade por Ariane Abdallah e Newton Cannito Narradores de Javé Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Teatro Brasil Alcides Nogueira - Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta e o Circo Teatro Danielle Pimenta Luís Alberto de Abreu - Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Trilogia Alcides Nogueira - ÓperaJoyce Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso -Pólvora e Poesia Alcides Nogueira Ciência e Tecnologia Cinema Digital Luiz Gonzaga Assis de Luca Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 216 Tiragem: 1.500 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rezende, Sergio Zuzu Angel / Roteiro por Sergio Rezende e Marcos Bernstein. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. 216p. : il. – (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 85-7060-233-2 (obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-483-1 (Imprensa Oficial) 1. Cinema – Roteiros 2. Zuzu Angel (Filme cinematográfico) 3.Filmes brasileiros -História e crítica I. Bernstein, Marcos. II. Ewald Filho, Rubens. III. Título. IV. Série. CDD 791.437 098 1 Índices para catálogo sistemático: 1. Filmes cinematográficos brasileiros : Roteiros : Artes 791.437 098 1 2. Roteiros cinematográficos : Filmes brasileiros : Artes 791.437 098 1 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP T 00 55 11 6099 9800 F 00 55 11 6099 9674 www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 6099 9725 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual