Agildo Ribeiro O Capitão do Riso Agildo Ribeiro O Capitão do Riso Wagner de Assis IMPRENSA OFICIAL São Paulo, 2007 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO TRABALHANDO POR VOCÊ Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Paulo Moreira Leite Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro Clodoaldo Pelissioni Diretora de Gestão Corporativa Lucia Maria Dal Medico Chefe de Gabinete Vera Lúcia Wey Coleção Aplauso Série Especial Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Carlos Cirne Editoração Aline Navarro Assistente Operacional Felipe Goulart Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Carlos Leandro Alves Branco Revisão Dante Pascoal Corradini Sarvio Nogueira Holanda Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas lingua-gens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o cres cimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dedico este livro aos meus pais, Agildo e Maria, e a Didi, fiel companheira. Agildo Ribeiro Introdução Antes de qualquer coisa, aqui vale um aviso aos leitores: este livro está cheio de um conteúdo altamente contagiante – riso. Motivos e histórias não faltam na vida deste que é um dos maiores humoristas brasileiros. Seria até bobagem chamá-lo de o maior. Ele faria piada disso, certamente. Mas, nesse momento de homenagens, eis que se faça justiça. Se não for o maior, está no pódio. É, portanto, um livro de risos e palmas. Agildo Barata Ribeiro Filho, carioca da gema, brasileiro d’alma, português de outras encarnações provavelmente, é figura tão marcante e importante na vida cultural brasileira – e, de certa forma, no país de Camões pelas últimas décadas – que este relato pode ser perfeitamente interativo e acompanhado da memória do público que o assiste por mais de meio século, completado em abril de 2004. Por isso, não é difícil ouvir sua voz quando dá palhinhas de personagens; também pode-se facilmente imaginar as reações do rosto, os gestos, os movimentos das mãos, que sempre pertenceram aos inúmeros tipos que ele protagonizou – e provocam a mesma reação: uma deliciosa, quem sabe divina?, gargalhada. Quem não se lembra do Coisa horrorosa! Posso esclarecer? Todos inesquecíveis. Dos bonecos do Cabaré do Barata, com a mais completa e inusitada reunião de políticos brasileiros; ou, mais longe ainda, as memórias vão resgatar o maravilhoso ratinho Topo Giggio. Quem não recorda, não viveu no Brasil na época. Não viu televisão. Não riu com Agildo. Não é um livro de piadas. Tem papo sério. Tem emoção. Mas, impregnado, tem humor em todos os níveis. Que se percebe até quando ele explica como fazia a imitação do Chacrinha. Em frações de segundos, Agildo muda o olhar, os músculos da face ganham formas diferentes, os braços levantam-se e a voz simplesmente sai no mesmo tom. Pronto, é só fechar os olhos e Chacrinha, Clodovil, Dercy e tantos outros ilustres da vida pública que já foram docemente caricaturizados por ele aparecem. Não é imitação perfeita. É sátira criativa que acrescenta um algo a mais na vida de tantos imitados. Esse algo a mais é arte. Vale ressaltar também que o homem e suas idéias que o prezado leitor está prestes a conhecer é autêntico em todos os instantes. Não tem compromissos senão com sua própria liberdade. Demonstra a mágica vocação daqueles que nasceram para alegrar a vida mesmo quando fala dos erros do passado, de desentendimentos profissionais. Suas memórias são plenas. E importantes também sob o ponto de vista histórico. Afinal, Agildo é testemunha viva da existência do Partido Comunista Brasileiro durante o século 20. Aos pesquisadores, vai uma dica: é uma ótima fonte de informações, com sentimentos ainda à flor da pele, com lembranças intensas e mesmo engraçadas das décadas em que Karl Marx e suas idéias ainda eram um ideal de vida. E tem motivos de sobra – sua família esteve totalmente envolvida nesse capítulo da história brasileira. Por isso, em justa homenagem a seu pai, o capitão Agildo Barata – um dos fundadores e também vereador eleito pelo Partido Comunista Brasileiro – tem seu capítulo especial na biografia do filho. Agildo tem orgulho e se emociona quando fala do militar que lutou por tantas vezes pelo país; assim como a mãe, d. Maria, ativista, mulher dedicada que multiplicou-se no papel de cuidar do filho único. Desta vez, em respeito ao eterno ciclo da vida, é Agildo, o filho, quem ganha merecida patente – é o Capitão do Riso, que comanda batalhas artísticas travadas contra platéias frias, contra a tristeza de populações, contra a mesmice, os dogmas, os medos, a hipocrisia, com sagacidade, genialidade, sutileza ou intensidade por vezes, mas sempre com o grande dom que recebeu. Com sua arma mais poderosa, este capitão demonstra que alimenta-se do humor para manter a saúde e a jovialidade. Seu olhar é de menino, sua inquietação é de estreante. A experiência, todavia, é de quem “já fez muita coisa” neste mundo. Ao mesmo tempo, as palavras demonstram que mau humor não tem vez. Rancor e ódio ficam no final da fila. Afinal, para quem tem sempre uma boa piada para contar, o mundo é mais feliz. Acima de tudo, Agildo Ribeiro é homem inteligente. Essa verve, aliada à sensibilidade, formou um projeto único. Talvez seus pais estivessem certos ao não lhe dar irmãos. Agildo é mistura rara. Tinha tudo para ser general e virou humorista. Estreou em teatro e cinema depois de anos de Colégio Militar. Ganhou prêmios tanto em projetos considerados sérios como em trabalhos de humor considerados menores. Enfim, não tem mais nada a provar, nem ao Brasil nem ao mundo. Porém, tem tudo a nos legar. Poderia muito bem sentar-se à frente da lareira em seu sítio no interior do Estado do Rio de Janeiro e ficar vendo a TV Lareira, como ele mesmo define quando seu olhar se perde nas chamas que o aquecem e a mente vagueia pelo passado. Mas, ao contrário, levanta-se e ainda encontra disposição para gravar semanalmente os quadros do programa Zorra Total da Rede Globo, do qual, sem dúvidas, e com todo o respeito aos outros artistas envolvidos, é a grande estrela. Além disso, anda lendo peças para voltar aos palcos; tem sempre um pocketshow pronto para quem quiser ver sua graça; está sempre falando de Portugal e a sempre esperada viagem; enfim, tem compromisso quase todos os dias. Quando não tem, inventa. Afinal de contas, este é um capitão que anda sem medo por todos os mares do mundo. Porque, além de navegar, rir também é preciso. Wagner de Assis Capítulo I As palmas do temporal Eu morava com minha mãe e com os meus avós numa casa muito grande na Ilha do Governador – papai estava preso no presídio da ilha de Fernando de Noronha cumprindo pena de 10 anos após condenado e sentenciado por causa da Intentona Comunista. Na frente da casa, tinha uma calçada onde família e vizinhos colocavam as cadeiras para conversar. Vida típica de interior, clima bucólico. Havia um pomar imenso no quintal. A janela do meu quarto, onde dormíamos eu e minha mãe, abria diretamente para a calçada. Minha cama ficava colada à janela. Entre nossas camas havia um espelho onde eu ficava me admirando e dizendo: Você é lindo! O mais bonito do mundo! Colava o rosto nele, que chegava a embaçar com minha própria respiração, e beijava a minha própria imagem. Eu tinha uns 8 anos de idade. Uma noite, caiu um temporal de verão daqueles, em plena madrugada. Eu estava dormindo a sono solto. O barulho dos pingos d’água, muito pesados, batendo na calçada, entrou no meu sono. Produziu um som que invadiu meu inconsciente como uma interminável salva de palmas. Naquela mistura entre sono e realidade, eu me senti como se estivesse num palco, agradecendo a uma multidão que não via, mas tinha a noção de existir porque havia aquelas palmas. Foi um momento inesquecível. A partir de então, eu sabia que meu mundo seria o palco, o espetáculo, as palmas. Era uma coisa inconsciente, claro. É a primeira vez que falo sobre isso. Mas, naquele momento, me bateu uma primeira certeza, típica daquelas que vêm do fundo d’alma, que eu seguiria uma carreira teatral, artística. Seria uma previsão do meu futuro? Alguns anos depois, com uns 12 de idade, já matriculado no internato do Colégio Militar, eu pegava um bonde na São Francisco Xavier, Tijuca, para saltar no Largo de São Francisco. Tinha que ir para Santa Tereza, onde minha mãe me esperava na casa da tia Isabel. Era sábado, 11 horas da manhã. Eu e alguns colegas – hoje todos general – estávamos na Cinelândia, passando em frente ao Teatro Glória, um dos pontos culturais mais importantes do então Distrito federal. Teatro esse que, hoje, se não virou banco ou igreja, é estacionamento, como inúmeros outros da cidade. Afinal, estamos no país do futebol. A porta principal estava semi fechada. Não pensei duas vezes. Abaixei no chão e meti a cabeça lá dentro para olhar. Arregalei os olhos. Tinha uma luz de serviço acesa, uns homens da limpeza tentando arrumar a sujeira que ainda perdurava na platéia da noite anterior. Havia um cenário que aparentava ter sido recentemente pintado, exalando aquele cheiro forte de tinta em lugar de pouca circulação de ar. Era um cheiro muito específico, que sentimos sempre quando chegamos ao teatro mais cedo. Acho que é cheiro de fantasia – se é que ela tem um. Nessa hora, eu tive outro momento mágico. Sentindo a energia daquele teatro no meio de uma faxina, tive novamente a mesma certeza de anos antes quando ouvi aquelas palmas do temporal: aquele seria o meu mundo. E foi. Hoje, de certa forma, ainda me sinto o mesmo menino. E falo isso logo depois da comemoração de 50 anos de carreira. Sabe de uma coisa? Eu ainda tenho a sensação de estar estreando. Pareço iniciante. Estreei profissionalmente em teatro no dia 23 de abril de 1954. Foram muitos palcos, incontáveis histórias e piadas. Alguns momentos difíceis. Outros de pura galhofa. Fiz sucesso, sou reconhecido pelo meu talento, pelo meu trabalho. E continuo com o prazer de estar atuando, fazendo humor. Nunca pensei nessa história de me sentar na almofada do sucesso para descansar dos louros da glória. Isso é bobagem. Mas chega de frescura. Capítulo II Um mantra Voltando ao passado, sou carioca nascido no Catete, no meio da gema da cidade, mas me criei na Ilha do Governador. As ilhas estão na minha vida. Morei também um tempo na Ilha Grande. Só que era no presídio, onde meu pai estava preso pela ditadura do Getúlio Vargas. Sou filho único. Costumava dizer que meu pai tinha feito tanta revolução que só teve tempo de me fazer. Meu pai era o capitão Agildo Barata Ribeiro. Famoso demais. Vou falar dele depois. Mas foi um dos grandes homens deste país. Meu avô também tinha sido militar. Então, sou filho e neto de militares. E a coisa não poderia ser diferente: aos 11 anos de idade, minha família me matriculou no Colégio Militar, onde fiquei por seis anos. Acho que eles não me colocaram lá por questões ideológicas. Mas porque era de graça. Como todo interno, eu só saía aos sábados, após a leitura do boletim, que acontecia por volta das 10 ou 11 horas da manhã. Quando ficava preso por motivo disciplinar, e, devo confessar, isso acontecia com certa regularidade por causa desse meu temperamento, eu ficava muito fulo da vida. Sempre fui uma pessoa hiperativa, desde menino. Não tem jeito, não saberia ser de outra forma. Mas, no colégio, eu tinha que comer aquela gororoba e odiava. O ensino era impecável, o corpo docente também. Mas a comida... Essa parte doméstica... Era braba, uma droga mesmo. Nesse tempo, eu desenvolvi uma paixão pelo fim de semana, porque significava minha liberdade. Tempo de ir para a casa da minha mãe, d. Maria. Eu adorava a comida dela – feijão, arroz, bife, batata frita e ovo... Tudo feito em fogão a lenha. Tinha também a companhia das minhas tias, dos meus avós, era uma festa, era o Rio de Janeiro dos anos 40, a cidade realmente fazia justiça ao apelido de maravilhosa. O único problema é que meu pai era preso político e estava na Ilha Grande. Era a época da Revolução Comunista. Fora isso, eu chegava em casa, tirava a farda do colégio, vestia um calção e ficava sem camisa, pés no chão, solto o resto do dia. Reencontrava o bairro onde eu havia morado e curtido tanto antes de ir pro colégio -a Ilha do Governador, um lugar paradisíaco, desértico, onde grande parte da minha família morava. Mar verde, transparente, não tinha ainda a ponte que liga ao continente. Era a famosa Barca da Cantareira. Isso foi na década de 30. Na ilha, tinha apenas um bonde que serpenteava as margens, o trilho ia passando com o mato rente ao vagão, e o mato roçava na nossa perna. Nossa, eu tenho essa sensação até hoje. A Ilha do Governador era uma comunidade onde todo mundo se conhecia. Tinha um cinema apenas – o Cine Jardim, localizado no bairro da Ribeira. Minha mãe me levava e eu assistia a todos os filmes de terror do Frankenstein, da Múmia. Chegava em casa apavorado. E, acho que para relaxar, inconscientemente, imitava os monstros pra família. Todo mundo fingia que estava com medo. Eu me divertia. Adorava chamar a atenção. Fazer rir. Eu não tinha nenhum modelo de artista em casa. Nem minha mãe, nem os avós de ambos os lados, nada. Fazia aquilo por puro instinto. As pessoas adoravam e eu insistia. Falavam: Esse menino é um artista, Ele tem muito talento, Artista, Artista, e isso virou uma espécie de mantra, uma oração na minha cabeça. Quanto mais falavam, mais eu inventava performances para chamar a atenção da família. Como conseqüência natural, essa mania de imitar as cenas dos filmes, de inventar histórias sobrenaturais, seguiu comigo no Colégio Militar. Eu era um menino informado, gostava de leitura. Foi um hábito incentivado pelos meus pais e pelos comunistas amigos deles. Vivia ganhando livros de presente. Tenho muitos deles ainda comigo. Livros dados pelo Marighella, pelo Gregório Bezerra, pelo Prestes e, principalmente, meu pai. No próprio colégio, adorava ir para a biblioteca e ficar mergulhado nas histórias, que me fascinavam, me faziam vivenciá-las como se fosse eu mesmo. E, com essa bagagem, ia formando minha base artística sem saber. Às vezes, imitava o personagem de um livro porque tinha lido e pensado nele e, de repente, me via tentando viver aquilo. Era muita imaginação para uma cabeça só. Além disso, tinha aquela coisa mágica chamada cinema. Eu passava os sábados e domingos enfiado na sala escura, vendo os filmes norte-americanos que estavam no auge. A guerra ainda não tinha acabado, então não havia o cinema francês ou o italiano. Era só Warner, Metro, Columbia, RKO, Paramount. Conhecia todos. Mais tarde, aprendi a admirar filmes brasileiros também, principalmente por causa do Oscarito. Aguardava com ansiedade o lançamento do Severiano Ribeiro no final do ano, que tinha uma espécie de premiére no dia 31 de dezembro. O Brasil inteiro via os filmes. E todo mundo adorava o Oscarito – de quem sou pleno admirador até hoje. O fato é que eu chegava no colégio na segunda-feira e imitava as cenas dos filmes que tinha visto. Além disso, também cantava, fazia palhaçada, tentava imitar o Oscarito, ou então mostrava como era a cena dramática do filme. Fazia versões das músicas, reinventando com outras letras. Isso tudo no intervalo de uma aula pra outra. Juntava um grupo sempre para ver o Agildinho fazer graça. Óbvio que, por conta desse meu comportamento, e porque todo mundo curtia, os professores, inspetores, colegas de turma, viviam dizendo que eu tinha que ser artista, que eu não tinha nada a ver com militar, com meu pai, que era um comunista revolucionário. O coro artista, que já existia na minha família, repercutiu no colégio. Era hora de atuar de verdade. Capítulo III A dialética artística marxista Uma das primeiras atuações mesmo foi ainda na escola primária, na Ilha do Governador, onde uma peça amadora foi montada. Todo mundo fantasiado de papel crepom, imagina só, eu estava vestido dos pés à cabeça. E também tinha uma fala: O que será? Entrava no palco, olhava para uma pessoa, todo em crepom, e perguntava: O que será? Fiquei tão empolgado que passei meses ensaiando a fala. Mas, apesar dessa tendência clara que eu mostrava para a vida artística, minha mãe tinha medo. Vivia me protegendo por causa das questões políticas que envolviam nossa vida. Era uma época muito ruim, de repressão, papai preso, o Colégio Militar era um local de direita. A minha casa na Ilha vivia cercada por policiais porque ali morava “a mulher do Agildo Barata”. Um dia, um tira apelidado de Book Jones me ofereceu um caramelo. Quis ser amável. Mas, na mesma hora, dona Maria saiu voando da famosa calçada de cimento e arrancou a bala da minha mão. Olha aqui, ô tira, sua função é vigiar minha casa. Não quero que você dê nada para o meu filho, ela disse aos berros. Meu tio, Zamiro Barata Ribeiro, tinha um amigo que, além de ser dono de uma casa de borracha na Rua do Senado, ao lado do antigo Teatro Recreio – que hoje também virou estacionamento – era irmão do Cláudio Nonelli, galã de Teatro de Revista. Era um cara boa pinta, tipo italianão, cantava naquelas operetas que se fazia muito na época. Esse amigo do meu tio Zamiro tinha acesso à bilheteria do teatro por causa do irmão dele. Um dia, meu tio disse para ele: Quero levar o meu sobrinho pra ver uma revista. O menino é louco por esse negócio de teatro. Minha mãe não foi contra. Então, meu tio conseguiu as entradas e fez a bobagem de me levar para ver uma peça de Teatro de Revista chamada Trem da Central, uma das revistas mais famosas já feitas. Detalhe: eu fui sem farda, algo impensável para um aluno do Colégio Militar. Outro dia inesquecível. Oscarito era a estrela da peça. Eu já o admirava, achava-o um deus. Vê-lo ao vivo era demais. Lembro da sala de espera, saguão, detalhes do Teatro Recreio com as árvores no pátio ao ar livre, um bar lateral, as pessoas bem vestidas, as vedetes com aquele colorido de suas roupas cheias de plumas, lantejoulas, paetês, miçangas. As pessoas levantavam-se rapidamente ao final da primeira sessão e tinham que esvaziar logo a sala para o público da segunda sessão, que já estava louco para entrar. Oscarito entrou no palco e eu me emocionei, comecei a chorar silenciosamente, a lágrima escorrendo, o peito inundado de emoção, um sentimento que confirmava toda aquela certeza que tinha dentro de mim de que aquela seria a minha vida. As palmas do temporal voltaram à minha cabeça. Acontece que, durante os seis anos que estudei no Colégio Militar, praticamente repeti em todos os anos. O primeiro, o segundo, o terceiro, não passava direto nunca. Meu pai dizia que eu era tão bom aluno que os professores pediam bis. Até que proibiram a repetência. Vai ver foi por minha causa... E eu tive que sair do colégio. Fui para o Educandário Rui Barbosa, que tinha o apelido de Facilitário Rui Barbosa porque era muito fácil e quase não reprovava. Para ser reprovado, tinha que ter pistolão. E isso me propiciou assumir o que eu realmente queria na vida – tempo para fazer teatro. Meu pai, marxista, quis me mandar trabalhar. Achava que mesada era uma forma de corrupção. Eu tinha uns 17 anos. Esse negócio de artista não pode, ele disse. Eu insisti. Ele ponderou. Você tem certeza que quer? Eu disse: Tenho, sem titubear. Ele deu o veredicto: Então você tem um ano para estar ganhando dinheiro como artista. Aqui vale uma homenagem. Desde pequeno, eu tinha como explicador para o colégio, o professor João Ramos de Souza, médico, latinista, militante marxista. A própria direita dizia que, no Brasil, só havia dois homens que entendiam de dialética marxista: João Ramos de Souza e Agildo Barata. Ele foi um dos meus maiores incentivadores. Sempre me cultivou a liberdade de pensamento, nunca me impôs a sua própria ideologia. E, certamente, teve uma influência muito positiva quando conversava com o meu pai sobre minha vida. Os dois devem ter criado uma dialética sobre a minha vida artística. Capítulo IV Coisa horrorosa! Só que antes de começar minha vida artística de verdade, era a época do serviço militar obrigatório. Ou seja, lá estava o exército de novo na minha vida! Eu não precisaria servir por conta do Colégio Militar, onde eu já tinha cumprido meu dever cívico ao desfilar em paradas de sete de Setembro; conhecia todos os hinos nacionais, tinha feito exercícios de balística, regimentos etc. E a minha família: Como não vai servir?, Não é possível! Antes de virar um conflito familiar, eu cedi. No primeiro dia, um sargento estava conferindo os recrutas. Ao seu lado, estava um tenente chamado Creso, um gordinho e baixinho de meia bota, com um rebenque na mão. Quando meu nome foi dito em voz alta, o tenentinho perguntou: Peraí, você é filho daquele barulhento da Praia Vermelha? Se o senhor está perguntando se sou filho do Agildo Barata, sou sim, e com muita honra! Agora, se o senhor acha que ele é barulhento, vai lá dizer isso pra ele, se tiver muita coragem! Irônico, ele disse: Que ótimo, você vai ser meu ordenança enquanto estiver por aqui. E, durante dez meses, lá estava eu de farda servindo no Forte de Copacabana como ordenança do tenentinho Creso. Não me serviu para nada, a não ser cantar diariamente essa xaropada do Hino Nacional. Foi a pior época da minha vida. O tempo passou, eu finalmente saí do exército e, imediatamente, fui pro teatro, buscar meu sustento como queria meu pai, e realizar meu sonho, como queria meu coração. Não tinha mesada, não tinha que ser filhinho do papai e da mamãe, tinha que me virar. Ser filho único é bom e ruim ao mesmo tempo. Nessa mesma época, abriram os testes para o Teatro do Estudante, que existia no Teatro Duse, coordenado pelo professor Paschoal Carlos Magno. O teste era anunciado com antecedência, tinha todo um procedimento. Até o teatro amador tinha um tom profissional. Além disso, era famosa a dificuldade de entrar no teatro do professor Paschoal por causa da rigidez da avaliação. O teste consistia num monólogo cômico e em outro dramático. O Paschoal era muito amigo da mamãe e das minhas tias nos tempos de solteiras. Ele disse: Meu filho, se prepara!. E me deu uma edição de uma revista cultural chamada Dom Casmurro e umas peças de Molière. Disse para eu escolher um texto. Eu pensei, procurei, mas não encontrava. O que eu fiz? Imitei o próprio Paschoal. Anos mais tarde, essa imitação transformou-se num dos meus personagens de maior sucesso, o Professor de Mitologia. Até hoje eu tenho que repetir o Coisa horrorosa!, seja no Brasil, em Portugal, em qualquer lugar. Mas fiz a imitação apenas por curtir, nem foi realmente uma homenagem, nada disso. E não era para valer. Eu o imitava como imitava a todo mundo. E adoravam. Mas, na hora do teste de verdade, tive que escolher um texto e peguei uma parte de Romeu e Julieta, quando Romeu vê que Julieta tomou veneno e está morta. Fui na casa da d. Luiza Barreto Leite, que era nossa vizinha, comunista-trotskista e crítica de teatro do Jornal do Commercio. Ela me ensaiou e deu umas orientações. Vesti terno e gravata – olha que cafona! – passei gumex no cabelo com topete e tudo. Era uma coisa meio Elvis Presley, estávamos em plenos anos 50. Cheguei e declamei: Ó, tu que estás rosada. Será que a morte ainda não se apossou do teu... e por aí fui. Naquele teste, quem estava comigo era o Paulo Francis, Augusto Cesar Vannucci, Oswaldo Loureiro, Tereza Rachel, que tinha uma voz linda, o Edson Silva, o Rui Cavalcante, a Consuelo Leandro, com quem depois me casei. Eu era magro, uma coisa engraçada, tinha orelha de abano, e, com aquele terno e gravata, fico imaginando a presença de cena. Minha esposa, Didi, vê os filmes de antigamente que passam no Canal Brasil -filmes como Esse Milhão é Meu, A Espiã que Entrou em Fria, Tocaia no Asfalto, onde faço um papel sério (que é mais fácil do que o papel cômico) -e comenta: Mas você fazia sucesso com as mulheres? Como? Olha que coisa horrível! Outro dia, a empregada entrou na sala, olhou a televisão e deu um grito: Seu Agildo, parece até o senhor!, e eu emendei: Chispa daqui, sou eu mesmo!. Ela ficou com a vassoura na mão, boquiaberta: Não é possível. Na hora de darem o resultado do teste, os professores foram dizendo os nomes dos aprovados. E nada do meu aparecer. Já estava achando que era perseguição – na verdade, eu tinha um certo complexo por razões óbvias, não por causa do meu talento, mas por conta de meu pai. Sempre ouvi: Ele é filho do Agildo Barata, e isso parecia um estigma a certa altura da minha vida. Mas meu nome acabou chegando. Capítulo V Um pupilo talentoso As aulas eram aos sábados e domingos. Tínhamos ensinamentos de esgrima, dança, canto, até improvisação. Aula de improvisação é o máximo, não é? A gente vivia no faz de conta e deixava a mente livre, criando, inventando. Era assim: nos davam um tema – você chega em casa e recebe um bilhete da namorada do amigo com quem você divide o apartamento. O amigo chega, vê que você está lendo o bilhete da mulher dele. Pensa em traição. Pronto, a partir dali era com a gente. É incrível dominar esse poder de improvisar. Uma delícia. Você veste uma roupa que não existe, pega um papel que não existe, mora numa casa que também não está ali. Muito divertido. Claro que devíamos ser todos canastrões, só que não sabíamos. De qualquer maneira, só o fato de estar no palco, movendo-se, falando, já era sensacional. Esses exercícios de improvisação eram julgados por outros alunos, que davam notas, criticavam e davam idéias. Também tínhamos aulas de direção, além de impostação de voz, com a d. Éster Leão, uma portuguesa rigorosa – que chegou a dar aulas a Carlos Lacerda e Juscelino. Não tenho lembranças da utilização de métodos exóticos de interpretação, como o do Stanislavski, no Teatro do Estudante. O Paschoal era um pouco arredio a essas coisas. Ele era um cara mais tropicalista, não sei se essa é a melhor definição, mas é assim que posso imaginá-lo ao compará-lo com a sisudez desses métodos rígidos de interpretação. Nós até comentávamos sobre o “distanciamento brechtiano”. Mas o fato é que entrávamos no palco, dávamos a fala, e não tínhamos distanciamento de nada. Enfim, cada método deve ser respeitado. O professor Paschoal Carlos Magno era crítico de teatro do Correio da Manhã, que, nos anos 50, era um jornal rico. E suas opiniões eram esperadas por todos nós porque ele falava sobre novos atores, jovens promissores que via no fim de semana atuando. Enfim, ele era uma figuraça. Um personagem mesmo. Se criticasse uma peça, todo mundo criticava também. Além disso, dava cursos fora do Brasil. Foi Adido Cultural na França, depois esteve trabalhando na Inglaterra, na Grécia. Era uma atividade intensa. Ele mal dormia, mal comia, tinha uma vida particular precária. Às vezes, quando ia ao teatro, cruzava as pernas, esticava o peito, dava cinco minutos observando e... Dormia. Tombava a cabeça e pronto. Moral da história: ele acordava no primeiro ato, com todo mundo vibrando e aplaudindo. E escrevia uma crítica perfeita, com a qual todo mundo concordava. Até hoje não sei como ele conseguia captar aquela coisa toda. Acho que deixava uma anteninha ligada. No Teatro do Estudante, onde era o professor de teatro dramático e de teatro grego, ele dava aula pra gente no sábado à tarde. Acontece que, depois do almoço, tomava um bom vinho italiano e enfrentava 80 alunos. Começava: Porque Eurípedes... e todo mundo prestava atenção. Ele engolia em seco, piscava e cochilava. Silêncio total na sala. Daqui a pouco, um aluno simulava uma tosse estrondosa. O Paschoal acordava em noutro assunto: Porque a Varig... Esse pigarro virou a Campanhia da Múmia Paralítica tão bem interpretada pelo comediante Farneto no quadro televisivo que virou uma homenagem ao professor. A ditadura militar, na época, pensou burramente que era uma crítica ao regime. Mas não era. Também, ditadura pensando... Dá nisso. O fato é que o Paschoal determinava o que era bom ou não. E eu virei um pupilo dele. Inicialmente porque ele era amigo das minhas tias, lá da Ilha do Governador; e depois porque ele realmente acreditava em mim, achava que iria arrebentar. Sempre repetia isso. Mas não era protecionista. Criticava quando era necessário. Quando encontrava minha mãe, dizia: Maria, vai ser um crime se vocês levarem esse menino pra política e a mamãe respondia: Não quero que ele seja comunista!, já aceitando o meu destino. Durante o tempo de estudo, nós montávamos sempre uma peça no fim do ano. E dava para sentir o gostinho do palco, do público, aquela magia. Fiz uma peça infantil chamada Joãozinho anda pra trás, da Lúcia Benedetti, uma autora famosa. Era a história de um rei que ficou doente por muito tempo e ao sarar, esqueceu de como andar para frente. Só andava de costas. Além disso, obrigava a todos do reino a andarem de costas também. Uma grande brincadeira. Tinha uma princesa traidora que queria casar-se com ele para levá-lo ao castelo dela aonde tinha um poço muito fundo. Como o rei andava de costas, não veria o poço e cairia lá dentro. E a onça poderia comê-lo. Engraçado, né? Na história, tinha também um sapateiro pobre, mas que era amigo do rei e acabava impedindo a tragédia. Eu fazia o rei. Inventei um jeito de falar que todo mundo morria de rir. Nessa época as palmas da tempestade começaram a aparecer. Ainda era uma garoa. Mas eu já estava feliz. Capítulo VI Estrear é bom? Mas muito mesmo! Estreei no teatro aos 22 anos. O Brasil era o país da cuba libre e da cerveja, não havia whiskie por aqui ainda. Eu não gostava daquelas bebidas, não bebia nada. Fazia ginástica, tinha o corpo todo no lugar, era todo vaidoso e me achava bonitinho. Ainda, tinha uma disposição física à toda prova. Se tinha que fazer uma peça de manhã e filmar à noite, eu topava. Perguntava: o horário encaixa? Caso positivo, aceitava. Como toda a vida de ator é pautada por convites, quando eu recebia um, vibrava, ficava maluco de felicidade. Nunca tive empresário, agente, nada disso. Eu mesmo ia lá receber meu salário, acertar os horários, definir os rumos da minha carreira. As chances apareciam quando uma companhia de teatro ia montar uma peça. A estratégia era boa: os produtores da peça chamavam algum aluno do Paschoal. E isso era mais para agradá-lo do que qualquer outra coisa. Ele poderia até criticar, mas não iria falar mal da cria dele. E, nessa história, muita gente teve chance de estrear profissionalmente, de ser revelada ao público. Foi o meu caso. Estreei no Teatro Follies, com o Zilco Ribeiro, numa peça de teatro de revista, Doll Face. Ganhava salário e ficava todo feliz por estar cumprindo o acordo que tinha feito com o meu pai ao me sustentar pela minha profissão. Outras pessoas também estrearam assim. O Zilco era todo sofisticado. Nos anúncios do Doll Face tinha um monte de nomes. O meu era um dos últimos, bem pequeno. Mas tudo bem. A grande atração era o Ivaná, um travesti francês que o Walter Pinto tinha trazido da Europa um tempo atrás e que era uma das coisas mais notáveis da noite. Ele foi capa da revista Manchete, que era o auge da época. Quando estreei, o gênero teatro de revista era uma grande moda, uma coqueluche. Fazia-se de tudo: desde cópias dos musicais da Metro a paródias da política brasileira. O fato é que cada apresentação era muito disputada pelo público. Teatro sempre lotado. Eu entrava como dançarino. Tinha que sobreviver e que-ria estar no palco. Podia não ser o que tinha sonhado inicialmente – mas estava ótimo. É verdade que eu não tinha a técnica para dançar na ponta da sapatilha. E o jeito era me virar como dava. Enfim, aquelas palmas que eu ouvi com a chuva na calçada vieram a se confirmar realmente numa segunda revista que fiz com o Zilco Ribeiro, depois de Doll Face. Chamava-se Mas muito mesmo. Na época, essa era uma resposta muito usada no populacho. Gostou do filme? E a resposta era: Mas muito mesmo. Nesse espetáculo, batiam muitas palmas pra mim. Mas muito mesmo. Era uma delícia. Tinha um esquete onde a Consuelo Leandro fazia uma empregada comunista que requisitava todas as empregadas do prédio a se reunirem no pátio e fazer reivindicações salariais. Só que a Consuelo era a única mulher entre todas as empregadas. Todas as outras mulheres eram feitas por homens vestidos de mulher. Uma era francesa, outra era portuguesa. Tinha uma mulata. E eu fazia uma inglesa, Miss Churchila (numa alusão ao primeiro ministro inglês, Winston Churchill). Usava uma peruca ruiva, tinha uma maquiagem que deixava a cara branca, com um vestido todo de seda. O público ria do começo ao fim. Inesquecível. O palco tem esse mistério, essa magia, a presença do inexplicável. Pode ser um palco de um palmo de altura. Subiu ali, muda tudo. Depois, tinha a coisa da fama, do glamour. Todo mundo corria nos bastidores para falar com a gente. Eu ainda não tinha domínio do palco, não me movimentava com liberdade, claro. De certa forma, aquele momento era um prolongamento das farras, das brincadeiras, das imitações, danças, na rua, na casa e mesmo no próprio Colégio Militar. Só consegui ficar à vontade muitos anos depois. Mas ia aprendendo como dava. Como, por exemplo, numa apresentação na famosa Boate Casablanca. A revista chamava Nós, os Gatos, outra produção do Zilco. Eu era um dos dançarinos. Numa noite, o Benjamin Vargas estava na platéia. Irmão do Getúlio, o homem que mandava prender meu pai tantas vezes quantas fossem necessárias. Numa das cenas, as seis bailarinas vinham na boca do palco. Nós vínhamos atrás. Depois, elas retornavam e evoluíam para cima de nós, que as segurávamos, rodávamos, enfim, era um movimento bem ensaiado. Só que as cadeiras da primeira fila avançavam um pouco para a pista onde o show acontecia. E não tinha jeito, sempre era perigoso. O Benjamin estava exatamente numa dessas cadeiras que invadiam a pista. Todo posudo, tinha uma mulher bonita do lado, o paletó pendurado na outra cadeira e, no cinto, um revólver Parabellum. Para piorar a situação, ele esticou os pés na pista. Quando eu vi aquilo, pensei que ia quebrar a perna dele, derrubar o homem, ele ia mandar me prender, descobrir que eu era filho do capitão Agildo, ia dar um problema danado. As meninas foram evoluindo, eu fui atrás, a minha parceira voltou e eu iria cair exatamente em cima do homem. Mas consegui me controlar. Dei uma pirueta e não esbarrei nele, que ficou me olhando impressionado. Só que ainda ouvi o comentário: Que bonitinho esse viadinho do Zilco! Comecei a rir sozinho, no meio do show. E nunca mais esqueci da pirueta salvadora. A minha vida estava andando por esses lados do teatro de revista até que veio minha primeira peça dramática e o real impulso para minha carreira recémcomeçada. Foi O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, com produção de Fernando de Barros e Miroel Silveira, na qual, fazendo o João Grilo, ganhei um monte de prêmios e decolei. Era 1957. A estréia foi no Teatro Alumínio, em São Paulo. O nome era assim por causa do teto com o mesmo material. Conclusão: choveu, já era. Ficava uma barulheira danada, não tinha como competir com a bendita da chuva. (olha a chuva de novo aí!). Ou, então, fez sol, derreteu. Mas a trajetória da peça foi fenomenal. Fui morar em São Paulo, fiquei num hotel que a produção pagou para mim. Foi realmente a primeira contratação profissional. Vinha regularmente para o Rio de Janeiro com a passagem paga pela produção. O Auto era dirigido inicialmente pelo Ermílio Borba Filho. Fiz por quase cinco anos. Acho que o teatro brasileiro inteiro passou pelo elenco, que ia mudando a cada temporada. Só eu ficava. Nós ensaiávamos à tarde, atuávamos de noite. Chega uma hora que você já tá de saco cheio daquilo. Só no personagem Mulher do Padeiro teve a Consuelo Leandro, a Dulcina Di Moraes, Nancy Wanderley e outras. Como Chicó foram vários: Valdir Maia, Edson Silva, Jackson de Souza, Clênio Vanderley – que também era diretor do Teatro Amador de Pernambuco, um dos mais sérios e competentes grupos que eu conheci. O Jô Soares também entrou no elenco fazendo o Bispo. O Haroldo Costa fazia o Cristo Negro. Entre as peças chamadas sérias, depois do Auto eu fiz Romanof e Julieta, do Peter Ustinov, no TBC, que era realmente um grupo de trabalho da maior seriedade. No elenco, estavam o Francisco Cuoco como uma grande revelação, um galã, bonito pra cacete; Tereza Rachel, Fregolente e outros. Daí, eu fui fazer uma comédia – acho que para equilibrar o meu lado psicológico... (mentira, claro, foi porque apareceu a chance e eu topava mesmo) -A Tia de Carlito, uma peça inglesa de nome original Charlie’s Aunt, de Brandon Thomas, foi produzida e dirigida por Fabio Sabag. Muito engraçada. A peça foi no Teatro Jardel que, para variar, já foi abaixo. Depois fiz uma outra peça chamada Procura-se uma Rosa, com o Jece Valadão, Norma Bengell e Dirce Miggliacio. Inauguração do Teatro Santa Rosa, que, claro!, virou estacionamento. A peça era baseada num fato real escrito por Vinícius de Moraes, Pedro Bloch e Gláucio Gil. Fiz também Direitos da Mulher, de Alfonso Paso, com Sonia Dutra, Mario Lago, Célia Biar, Jacqueline Lawrence, no Teatro Ginástico. Em seguida, veio As Aventuras do Ripió Lacraia, do Chico de Assis, na qual eu fazia 7 papéis na peça! Imagina isso hoje em dia? Não dá mais. Eu saía de dentro de uma barrica com uns ratos e perguntava: Quem quer comprar rato? Logo depois, vinha um balé e eu já estava com outra roupa. Na verdade, eu estava com 3 figurinos vestidos ao mesmo tempo e me trocava em cena mesmo. Ah, que saudades dos meus 60 quilos. Capítulo VII Na hora H Quando eu tinha feito a revista Mas Muito Mesmo, a atração era o Ankito. Nós ficamos amigos durante a temporada. E foi justamente o Ankito que me levou para o cinema. Conseguiu um papel para mim num filme que ficou famoso depois de ser lançado chamado Angu de Caroço. Foi minha primeira participação em cinema. Acho até que fui dublado pelo Costinha anos mais tarde. Eu fazia um meganha (gíria antiga para policial). O papel era tão grande que, se o expectador abaixasse pra pegar alguma coisa no chão, quando voltasse a olhar o filme, eu já tinha desaparecido. Depois fui fazer O Grande Pintor, também com os irmãos Ramos, Eurípedes e Alípio, que produziram e dirigiram o Angu. Nesse filme, eu já tinha um papel melhor, atravessava quase toda a história. Infelizmente, nunca mais vi esse filme. Nem na TV. Eles gostaram do meu trabalho e fui fazer Fuzileiros do Amor, com o Mazzaroppi – esse passa de vez em quando no Canal Brasil. Depois, ainda fiz uma participação em O Feijão é Nosso, em 1955. Um dia, no início de 1958, quando eu estava casado com a Consuelo Leandro e morava em Copacabana – na Rua Rainha Elizabeth -resolvemos visitar o Zilco Ribeiro, nosso padrinho de casamento. Estávamos conversando, e, de repente, me deu uma dor de barriga. O Zilco avisou: se for ao banheiro, tem um balde cheio de água porque tá faltando água. Pra mim, já era. Tenho o hábito de me lavar e não usar papel. Então eu disse: Vou lá em casa. Fui em casa, onde tinha água, graças a Deus. Eu estava lá e, exatamente naquele momento, toca o telefone. Era o Carlos Hugo Christensen. Ele me disse que tinha uma filmagem que começaria no dia seguinte, às 8 horas da manhã, e o ator tinha desistido de fazer o papel. E ele se lembrou de mim. Veja só: por causa de uma dor de barriga eu atendi àquele telefonema. Se ele não tivesse me encontrado naquela hora, certamente teria procurado um outro ator, porque era uma emergência. Dele e minha, a bem da verdade. Fui no escritório naquela mesma noite. Acertamos o salário. Peguei o texto e, no dia seguinte, às 7 da manhã, a Kombi da produção me pegou para ir filmar um exterior na Rua Paissandu com o Jardel Filho. O filme? Meus Amores no Rio, com a direção do próprio Carlos Hugo. Era a história de uma garota argentina que ganhava um prêmio de televisão e vinha para o Rio de Janeiro, onde se apaixonava e tinha que escolher entre três caras. A atriz era a Suzana Freyre e tinha ainda o Domingo Alzugaray no elenco. O set estava montado e tinha platéia na rua olhando. Eu estava louco, fiquei pensando: Como é que eu aceitei isso? Mas o Carlos chegou pra mim e disse: Desculpe ser em cima da hora, mas vamos caprichar e foi muito atencioso e competente. Conclusão dessa minha ousadia: acabei fazendo cinco filmes com ele. Por causa de uma emergência intestinal, vale lembrar. Só em 1959, por exemplo, eu estive em 3 produções do Christensen. Além do Meus Amores, fiz Matemática Zero, Amor Dez, depois fiz ainda Esse Rio que Eu Amo. Aí a coisa andou. Como havia produção de indústria no Brasil naquela época – não era essa mendicância de hoje em dia à qual o produtor tem que se submeter para fazer um filme – o Carlos Manga me chamou pra fazer Esse Milhão é Meu. Só que, ao mesmo tempo, praticamente, o Lulu de Barros me convidou para filmar Aí Vem os Cadetes. O elenco principal era formado por mim e pelo Adriano Reys, que era lindo, parecia uma estátua grega de beleza. Ficamos três meses em Agulhas Negras, no Estado do Rio, filmando. Acontece que comecei a filmar Esse Milhão é Meu e acertei o contrato para 25 dias de filmagens. Antigamente era assim: se acertássemos para 15 dias, podíamos contar com uns 25 dias, no máximo, e tudo estaria terminado. Como eu tinha concordado em fazer o Aí Vem os Cadetes, combinei para começar a filmá-lo uns cinco dias depois do final da outra filmagem – já contando com o suposto atraso. Era um contrato com a Atlântida até o dia tal e o contrato com a outra produtora cinco dias a partir dali. Eu não podia desperdiçar a chance de fazer o Cadetes porque era um protagonista cômico ao lado do galã, Adriano Reys. Eu queria muito fazer os dois filmes. E até acho que estava certo com relação aos dois porque, com o Cadete, eu ganhei um prêmio também – uma estatueta e 50 mil cruzeiros! Concorri com o Oscarito – indicado por Esse Milhão, e fiquei com vergonha de ganhar. Não posso ganhar do Oscarito... Esses caras estão malucos! Mas acho que deram um jeito porque o melhor filme foi Aí Vem os Cadetes e o melhor ator também – Agildo Ribeiro. Ou seja, estreei no teatro profissional com o Auto da Compadecida ganhando prêmio. E como protagonista de cinema ganhando prêmio. O problema é que prêmio não paga condomínio e eu tinha que me virar fazendo um filme atrás do outro. Mas a história é a seguinte: em Esse Milhão, eu estava cabeludo como pedia o personagem. Quando fui fazer o Cadetes, o Lulu de Barros olhou pro meu cabelo e fez uma careta. Você vai fazer um cadete! Com esse cabelo não dá!, ele disse. E eu garanti: Termino de filmar o Milhão e logo depois a gente corta. O Manga dirigia o Milhão. Eu estava fascinado porque estava trabalhando com o Oscarito, meu ídolo. Não contracenava diretamente com ele, mas estava participando do mesmo filme, achando tudo maravilhoso. De repente, quebrou uma peça do gerador da Atlântida. A peça de reposição só tinha na extinta Iugoslávia – que vecchia storia! -e eles tiveram que importá-la. E então... As filmagens pararam. O tempo passou e o prazo previsto pelo meu contrato acabou. E, pior, tava na hora de cortar o cabelo para filmar o Cadetes. A situação ficou insustentável porque eu não me apresentava para filmar. O produtor do Cadetes, Murilo Lopes, ficava me ligando, ligando, e eu fui conversar com o Lulu. Ele foi logo dizendo: Não vai cortar o cabelo? Então, vou colocar outro ator. Eu fiquei apavorado, não queria perder o emprego, claro. E garanti: Vou cortar sim! Cortei o cabelo. E fui para o set de filmagem dos Cadetes, na Academia Militar das Agulhas Negras. O filme todo em cima do meu personagem e do Adriano Reys. De repente, acontece o que eu mais temia: um telefonema da Atlântida dizendo que iriam recomeçar a filmar o Milhão na segunda-feira seguinte. Eu pedi uma liberação rápida ao Lulu para vir ao Rio de Janeiro. Peguei um ônibus e vim de Resende até a Hadock Lobo, na Tijuca, apavorado. Quando o Manga olhou o meu cabelo, gritou: Vou matar esse garoto! Não sabia nem meu nome. Foi um quiproquó danado. Mas cinema é tudo mentira e demos um jeito. Pegaram uma boina, dois apliques e tacaram na minha cabeça. Eu apareço com elas nas poucas cenas que me restavam. Só que ficou uma rotina assim: eu botava a boina na Tijuca e filmava o Milhão; pegava o ônibus, ia pra Resende, tirava a boina e filmava como cadete. Uma loucura. Dormia no caminho, estudava o personagem de madrugada. Só um cara hiperativo e um pouco maluco como eu para fazer dois filmes ao mesmo tempo. Claro que eram comédias e isso estava no meu sangue, mas não diminuía em nada a energia do trabalho. E vale lembrar que o Cadetes tinha muito clima do Colégio Militar. Capítulo VIII Garantia de riso Nunca fui muito de fazer laboratório, como se diz hoje em dia, para preparar os meus personagens. Acho até que esse foi um dos motivos pelos quais eu não fiz Macunaíma, que é um grande sucesso do cinema e um trabalho maravilhoso. Confesso que foi uma das maiores burradas da minha vida profissional. Mas eu bati de frente com o diretor Joaquim Pedro de Andrade. Todo mundo do Cinema Novo estava comigo, tentando convencer o Joaquim a me aceitar pro papel porque eu “era perfeito”, como diziam. Hoje, quando você fala no filme, a imagem mais forte é a do Grande Otelo. O Paulo José é um excelente ator e acabou fazendo o filme como protagonista. A diferença é que sou moreno, cabelo negro, sou o próprio brasileiro que o papel pedia. Só que o Joaquim dizia que eu era muito estrela, rebelde, difícil. Ele queria que eu ficasse dois meses numa floresta em Jacarepaguá pensando: Eu sou a terra, eu sou uma minhoca, agora eu sou a chuva, nós chovemos... Depois eu sou a flor; Ah... Não dava. Além disso, o cachê era uma droga, eu estava fazendo o Topo Giggio na televisão, maior sucesso, não tinha cabeça para esse tipo de mergulho no mato. Depois, me arrependi e disse pro Joaquim que queria fazer. Meu pai tinha me ligado e dito: Você tem que fazer esse filme! É uma das melhores coisas da literatura brasileira. E tinha também uma pressão para me engajar no movimento do Cinema Novo, que, segundo meu pai, era das coisas mais importantes da cultura brasileira, um movimento forte. Eu iria fazer o papel principal e queria colocar meu nome antes do nome do filme, Agildo Ribeiro em Macunaíma. Quando falei isso, o Joaquim quase me bateu! Se eu tiver que trabalhar assim, largo a minha profissão, ele disse. Eu recebi o Joaquim na minha casa. Era um cara solteiro à época, tinha um modo de vida extravagante. Ele achou que eu fosse estrela mesmo e não teve jeito. Teve uma idéia errada de mim. De certa maneira, também atropelei meus interesses jogando a chance fora. Errei. Mas dois meses de laboratório no mato não dava... Quando o Roberto Pires me chamou para fazer Tocaia no Asfalto, na Bahia, em 1961, ele mandou o texto para mim e escreveu um bilhete dizendo que era o papel principal. Mas você tem certeza?, perguntei. Tenho, ele respondeu. Mas Roberto, eu tenho feito papéis cômicos, esse é um personagem sério, insisti. É isso mesmo, foi a resposta. Concordei. De fato, fazer um papel sério para um ator de comédia é mais fácil do que o contrário. O humorista se ajeita em qualquer lugar. O ator dramático não consegue. Fui fazer o Tocaia e, pra minha surpresa, deu certo. Inicialmente, pensaram que o Roberto tava maluco. Mas, desta vez, diferente do Joaquim Pedro, ele disse: Ou o Agildo faz o papel ou eu não dirijo o filme. Eu mal o conhecia e foi um grande cara que confiou em mim pelo talento. Depois, ainda fiz Crime no Sacopã, outro filme importante, com o Roberto, também um papel dramático. No elenco, o próprio tenente Bandeira. Já Jerry, a Grande Parada, um filme que fiz com o José Lewgoy e com o Jerry Adriani, era uma situação engraçada e eu voltava à minha praia. Os Desquitados, com o Kiko Severiano Ribeiro, não era um papel tão importante... Mas gosto do resultado. O fato é que a partir de 1954 passei uns 30 anos seguidos fazendo cinema, teatro e TV quase ao mesmo tempo, num ritmo alucinante de trabalho. Alternava comédias e filmes dramáticos. Em A Espiã que Entrou em Fria, eu contracenava com a Carmem Verônica, que fazia uma espiã chamada Jane Bond; em 1968, voltei a trabalhar com o Carlos Hugo Christensen, protagonizando Como Matar um Playboy; aí, na década de 70, teve um monte: Café na Cama e O Comprador de Fazendas, duas comédias do Alberto Pieralisi protagonizadas por mim; Como Ganhar na Loteria sem Perder a Esportiva, do J.B. Tanko. Recentemente, fiz uma participação em O Homem do Ano, do José Henrique Fonseca; e ainda em Xangô de Baker Street, do Miguel Farias, adaptado do livro do Jô; eu recebo muitos roteiros por mês; mas estou mais cuidadoso com as escolhas e também não tenho mais porquê me jogar em dois filmes ao mesmo tempo. Mas tudo depende do convite, claro. Quando a coisa bate, não tem tempo ruim. Resolvo fazer e vamos nessa. Exceto na besteira que fiz em Macunaíma, acho que não recusei papel algum que tenha me arrependido. A não ser quando as datas coincidiam ou quando o texto era uma porcaria muito grande, o que era raro, mas aí não dava mesmo, era suicídio. O fato é que eram os mesmos produtores. Os mesmos gostos pelas histórias. As comédias eram reconhecidas pelo público e tinham um tom conhecido. Por isso, chamavam a mim e a outros comediantes que o público já conhecia e podia rir. Era uma espécie de garantia de riso. Mas, claro, se o texto não fosse bom, nem eu – nem ninguém – faria milagres. Capítulo IX Imitar, imitar, imitar... O Augusto César Vanucci, que até hoje considero meu irmão, um homem que infelizmente morreu muito cedo, um espírita conhecido, de coração enorme, falava assim para mim: Você diz que tem uma formação materialista, que não acredita em nada, mas você é espírita até a virilha. Que quando você faz essas imitações, não são meras imitações. Você sabe o Chacrinha? Ele revive em você. O Oscarito, a Dercy, o Clodovil, todos são realmente vistos no palco quando você os imita. Isso só pode ter uma explicação: é uma coisa espiritual. Acontece que, se eu realmente soubesse como se explica, mesmo espiritualmente, eu fazia mais tipos. Vai ver tem alguma coisa a ver com sintonia, com a energia do imitado. As pessoas realmente ficam impressionadas com a imitação do Chacrinha, por exemplo. Parece ele! Como vou explicar? Não sei mesmo. Imitação é uma arte rara e nasce com a pessoa. É um dom. Não adianta tentar aprender totalmente. Se uma pessoa sabe imitar, ela sabe. E pronto. Pode trabalhar, melhorar, aprender novas técnicas, mas a essência vem com ela. Se eu pedir para o meu porteiro imitar o Sílvio Santos, que é um homem superimitado, ele vai tentar fazer alguns trejeitos, impostar a voz, dizer algumas palavras conhecidas do Sílvio. Mas vai ficar na periferia da imitação. Imitar profissionalmente é outra coisa. Tem que saber fazer e, para isso, precisa ter base de ator, ter criatividade em cima do personagem a fim de dar vida a ele também. Um exemplo disso é um segredo que vou revelar agora: o professor Paschoal nunca colocava a mão no queixo para dizer Coisa horrorosa. Aquilo foi uma invenção minha para a imitação dele. E mais ainda: ele não dizia Coisa horrorosa com essa ênfase. Deve ter dito uma vez ou outra. Mas usei isso como marca daquele personagem. Um dia, Paschoal me ligou e disse: Você tá me imitando, menino? Eu fiquei sem saber o que responder. Era claro que estava imitando ele. Ele continuou: Em primeiro lugar, eu estou vivo. Você tem que pagar direito autoral. Em segundo, você está errado porque eu nunca disse coisa horrorosa! E falou exatamente do jeito que eu imitava! Ou seja, eu tinha criado uma frase para ele, que a absorveu igual a mim. Essa coisa de imitar é muito mágica mesmo. As respostas ou os conselhos nunca serão completos porque é uma descoberta pessoal. Tem gente que imita só a voz. Outros imitam gestos. Mas a boa imitação acontece quando, nos olhos do interlocutor, você vê que ele realmente acredita, mesmo na ficção, estar revendo aquela pessoa, e, principalmente, rindo com ela. Acontece também de você fazer gestos sem querer e esses mesmos gestos serem da pessoa imitada – só que você não tinha percebido. Na segunda gravação do Babaluf, eu fiz um cacoete absolutamente sem querer. O Sherman viu e disse que eu tinha que manter porque era perfeito. Eu disse: Manter o quê?, e ele me mostrou algo que eu tinha feito sem perceber. De qualquer forma, é uma caricatura da pessoa. A Dercy Gonçalves também era uma caricatura. Mas, quando não gostava, ela dizia que eu era maluco e todas as outras coisas que pudesse encontrar para me xingar. Quando ela gostava, rasgava um monte de elogios. Já o Oscarito era mais uma homenagem – mostrar aquele jeitinho dele todo especial de falar. No fundo, eu respeito muito a todos os imitados. Passo horas pensando neles, observando-os nos mínimos detalhes, avaliando-os como seres humanos que vou recriar. O Clodovil não entendia muito isso também. Brigou comigo. Eu disse: Se for assim, eu paro de te imitar porque não tô tripudiando de você. Eu vim para alegrar e não para entristecer. Aí ele colocou as mãos nas cadeiras: Mas você me chamou de alfaiate!. Era uma brincadeira... Vou te chamar de costureiro agora. E aí ele gostou. Esse talvez tenha sido o único caso em que ameacei parar de fazer a imitação. Mas nunca parei de imitar alguém por conta de reclamação. A imitação é uma duplicação da personalidade, não é a personalidade. É que, às vezes, as pessoas se vêem e piram mesmo – aquela coisa de ver seus próprios defeitos, seu jeito de ser, que a gente acha que nunca vai ser descoberto por ninguém mas que, na verdade, está totalmente exposto. O Ibrahim Sued era um dos meus preferidos de imitar. Ele ficava irritado também. Um dia, brigou com a direção do jornal O Globo e pediu demissão. Escreveu uma coluna despedindo-se. Foi uma coisa triste. Eu fiquei tocado. Comprei uma cesta de flores e mandei pra ele escrevendo que num momento como esses, a solidariedade me vem à tona e eu gostaria de te dar um abraço. Pense o que quiser pensar. Com admiração, Agildo Barata Ribeiro. Dois dias depois, ele fez as pazes e voltou para o jornal. Na primeira coluna que saiu, escreveu uma nota dizendo que tinha recebido umas flores desse grande ator Agildo Barata Ribeiro. E completou: Mas na hora da imitação, manera um pouco, viu! Eu adorei. Foi um gesto mútuo de respeito e admiração. Tem os casos em que nunca consegui fazer. Isso também não se explica. O Paulo Francis, por exemplo, nunca deu certo, apesar do tipo bem específico. Ele era meu amigo, mas não saiu. Tenho amigos que o imitam maravilhosamente. Este é o dom. Tive um sucesso danado com a imitação do ex-presidente João Batista de Oliveira Figueiredo. Ele esteve comigo na embaixada brasileira em Portugal e me disse um formidável seco. Mas, no olho dele, estava claro que ele estava adorando. Eu agradeci humildemente. Ele completou: Quando você chegar ao Brasil, me procure que eu vou te contar várias histórias a meu respeito para você colocar na televisão. E, por incrível que pareça, contrariando a todas as opiniões sobre ele, devo dizer que se mostrou uma pessoa simpática comigo. Algumas vezes fui censurado. Até pela Globo, quando fiz a primeira imitação do Figueiredo, o Boni me chamou: Agildo, não vou botar no ar... Está perigosamente parecido. Eu aceitei. Era uma época difícil ainda. O quadro ficou guardado algum tempo. Depois foi pro ar. E todo mundo adorou. Tava igualzinho mesmo. Eu colocava o cabelo pra trás, usava aquele mesmo modelo de óculos, empinava o peito, as pessoas adoravam. A minha criatividade também está muito presente nessas imitações. Eu não escrevo textos, por exemplo. Então, uso toda a minha energia nos papéis que vou recriar. Minha vida literária se resume, nesses 24 anos que vou a Portugal, ou para outros países da Europa, a mandar milhares de cartões postais para diversas pessoas com os textos mais engraçados que eu puder. Tanto que todo mundo guarda os cartões que eu mando. É uma literatura de cartão postal. Um exemplo. Um amigo morou uns 8 meses em Viena, na Áustria, e, quando voltou, falava sobre o país como se tivesse vivido por lá uns 30 anos. Dizia que falava alemão e que tinha vivido tantas histórias e conhecido tanto o país que eu comecei a duvidar de toda essa sabedoria. Toda vez que nos encontrávamos ele discorria sobre o país como se fosse um catedrático. Um dia, eu estava em Viena, trinta graus abaixo de zero, pedi um remédio para melhorar da gripe. Aí lembrei desse meu amigo. Comprei um cartão postal, peguei a bula do remédio e copiei a bula toda no cartão, escrevendo no meio das frases, Hein?, O que você acha?, Não é incrível? E mandei pra ele. Quando ele recebeu, ficou louco tentando entender. Depois, morreu de rir. Capítulo X Conta uma piada aí! Eu adoro fazer rir, essa é a verdade. Não sou daqueles que perdem o amigo, mas não perdem a piada. Nada disso. Isso é deboche. Sou um humorista, olho a vida com humor, uso o corte transversal do humor para que possamos rir de nossas próprias bobagens. A piada é um dos elementos de humor. O mais corriqueiro, mais banal; mas, também, com uma eficácia a toda prova. Uma coisa fundamental na piada é a forma como se conta. Não importa se a pessoa já sabe o final. Ela precisa se divertir no meio. Curtir o desenrolar da história. Às vezes, riem tanto durante que acham que já é o fim. E a gargalhada não pára nunca. O que nunca se pode fazer quando se conta uma piada é começar assim: você conhece aquela do cara que... Aí a pessoa já se prepara, já procura em seu arquivo da memória se conhece ou não aquela história engraçada que está para ouvir. Isso estraga tudo. Agora, se você começa contando que um cara, um dia, fez isso e aquilo, quem está ouvindo dá veracidade e acompanha. Vai rir da sua performance no meio e vai rir do desenrolar no final. Essa é a boa piada. Que faz a pessoa rir, se possível, do início ao fim, sendo surpreendida em todos os momentos, sem estar preparada para rir. Esse é o melhor de tudo. Outra coisa vital numa piada, e no humor em geral, é o tempo. Se for contar uma piada, ela não pode ultrapassar um certo tempo. Não pode dar muitos detalhes que desviem a atenção. Não pode também deixar de dizer os aspectos importantes. Quem está fazendo o quê. Como uma escada. Uma fala, uma pergunta, uma resposta e pronto. Regra de três. Adoro essa profusão de piadas na Internet, porque elas podem ser sempre alteradas e contadas milhões de vezes. Cada um tem a sua forma de contar. O humor é essa riqueza. Eu e o Paulo Silvino reunimos um monte de histórias e lançamos um livro Dose Dupla. São piadas e histórias que gostamos de contar, como diz o subtítulo. Se alguém pedir que nós contemos a mesma piada, vai sair diferente. E vai haver motivos de riso também. Daí diferem os estilos, a ênfase. O Silvino é engraçado por natureza. Você olha para aquela figura adorável e absolutamente engraçada e já começa a rir. Eu estou sempre dando a impressão que vou falar algo que rasgue todos os conceitos, quebrando com a ordem, a falsa moral, a hipocrisia. Ainda tem um outro motivo que ajuda a contar uma piada: nesses trópicos quentes, as pessoas ficam mais abertas ao riso e isso possibilita que tudo vire motivo de riso. O brasileiro gosta de rir de situações trágicas porque é uma forma de escapismo, de um lado; e também parte dessa tradição engraçada do povo. Claro que humor demais, em casos extremos, atrapalha a seriedade de resoluções que as pessoas devem ter. Em política, por exemplo, a gente adora rir, debochar, fazer caricaturas, mas, na hora de votar, de derrubar presidente, tem que ser sério. Ou pelo menos tentar, nem que seja no meio de uma batucada que comemora o impeachment de um cara. Olhar a vida com humor é fundamental. Os motivos de piada são inúmeros. Tem gente que ri em enterro. Tem gente que ri da desgraça alheia – isso pode ser um certo retardamento e desrespeito, claro. Mas o cara está rindo. E, como esse é um país pobre, absolutamente mal distribuído de renda, injusto pra caramba, o brasileiro aprendeu a aceitar essa meleca toda ao longo dos anos. E rir de si mesmo. Rir do salário que não chega ao fim do mês. Rir da corrupção. Até mesmo da violência (que, de fato, já ficou absolutamente sem graça no Rio de Janeiro, por exemplo). Quando chega um momento em que os humoristas não querem mais fazer graça – como no caso da violência no Rio – é que se esgotam todas as possibilidades humanas racionais de resolver. Aí precisa de força para mudar o sistema. O que é uma droga. Enquanto o riso puder aliviar as tensões das pessoas, enquanto puder transformar o estado de espírito, seja rindo de si, rindo dos outros, esse será como o elixir da vida. Eu não tenho um tipo físico tão engraçado, por exemplo. Mas é incrível porque as pessoas se aproximam de mim sorrindo. É incrível e mágico. Às vezes, estou numa loja no shopping, olho uma sunga e digo: Pô, que calor, acho que vou sair só de sunga. E todo mundo cai na gargalhada. Noutras vezes, estou parado esperando o táxi e tem alguém do outro lado apontando pra mim e rindo. Eu olho para trás, vejo se minha calça não está rasgada e depois percebo que é a minha figura que está associada ao riso mesmo. Ando pelas ruas provocando risos. Parece até uma daquelas deliciosas maldições dos contos do Handersen. O homem-riso. Isso causa até problemas quando eu quero falar sério. Já pensou dizer: Estou tendo um troço, me ajuda, e a pessoa do outro lado rindo e achando que eu tô fazendo graça? Já aconteceu outra coisa também: eu estava deprê, parado numa mesa, olhar perdido, sem falar nada. Aí alguém pára de me olhar, de rir da minha cara e se aproxima e pergunta: Você não tá legal hoje, né? Eu fico tocado e digo, não, estou bem. E falo uma bobagem sobre mim mesmo para rir um pouco. Mas o interessante é que a aproximação é sempre doce, amável e bem-humorada. Tem momentos em que sinto essa obrigação como um fardo. Mas são poucos. Eu passo o dia inteiro gravando piadas, esperando o tempo certo e ouvindo o riso dos colegas, da técnica e de todo pessoal em volta. Aí, saio do estúdio e volto pra casa. Se eu entrar num restaurante, vão esperar uma piada, um comentário jocoso. Se eu falar: Que porcaria de lugar, podem cair no riso. Eu estava voltando de Portugal e fui informado que o vôo iria atrasar. Que droga, pensei. Aí chega uma senhora e um senhor. Você não fala nada? Eu fiquei pensando e nada vinha à minha mente. Fiquei pensando: Vou dizer o quê para esses simpáticos velhinhos? Aí veio na minha cabeça: Os senhores querem o quê? O Lula é o presidente do Brasil, porque o avião iria chegar na hora?, que é completamente sem sentido. Eles pararam dois segundos, acho que tentaram entender a piada (que não havia) e começaram a rir. Entrei no avião, sentei na primeira classe e acontece a pior coisa do mundo: o cara do meu lado dá um sorriso, debruça em cima de mim, se apresenta com um aperto de mão de dez segundos, daqueles que esmagam os ossos, já se sente o meu melhor amigo e dispara: Conta uma piada! Confesso que isso eu passei a detestar ao longo dos anos. Até entendo, respeito, fico quieto. Mas, por dentro, viro um vulcão. Logo depois acontece a segunda pior coisa do mundo, que passei a detestar. O cara resolve me contar uma piada: Você conhece essa? e manda. Durante o momento em que ele está perdido tentando me contar a piada, eu penso na lua, no Pelé, naquele lugar. Ele fica falando só em imagem, sem voz. Aí, quando vejo que ele está rindo sozinho, eu dou uma risada também. Ou seja, sou compreensivo. Mas isso acontece sempre. As comissárias já ficam penalizadas de mim. Digo isso porque a espontaneidade é a nossa arma. Pedir uma piada para um humorista, que exerce sua profissão contando piadas, é uma espécie de falta de educação. Estraga qualquer possibilidade de ser genuíno, de buscar a novidade. Claro que, se estou de bom humor, se está todo mundo quieto, e eu começo a ver coisas engraçadas, não perco a chance e vejo uma piada. Até conto para ver se funciona. Agora, Contaí!, não dá. No dia-a-dia, eu abro o jornal e não vejo muita graça. É até engraçado isso, né? Um paradoxo. Eu curto bate-papo numa mesa de bar, das besteiras que se fala. Gosto de gente inteligente que traz uma visão bem-humorada do mundo espontaneamente. O cotidiano não é uma fonte de inspiração constante, é o que quero dizer. Mau humor é outra história. Ele toma conta de mim por 5 a 10 minutos, no máximo. Quando não dá mais para agüentar, coloco logo a boca no trombone e não seguro. Acho que isso é coisa de filho único, signo de Touro, sei lá. Depois de falar tudo o que penso, o que está me incomodando, eu paro, reflito e peço desculpas se minha explosão afetou alguém. Agora, eu adoro avacalhar o mau humor dos outros, confesso aqui essa fraqueza. Principalmente aquelas pessoas que tem um prazer mórbido em dar notícias tristes. Tinha um porteiro no prédio onde eu morava na Lagoa, que sempre me respondia: O senhor viu o desastre ali perto? e ia me acompanhando até o elevador, contando a tragédia. Eu perguntava: Bom dia? E ele respondia com um O senhor viu que caiu uma barreira e soterrou mais de não-sei-quantas pessoas? Todo santo dia ele me contava uma desgraça. Aí eu passei a cortar ele. Oi, seu Agildo. Me faça um favor, preciso disso e daquilo ele prestava atenção e não tinha tempo de contar a tragédia. Ficava irritado, mas eu não ia embalar a tragédia. Nem doença. Essa gente que adora dizer que tá com dor aqui e ali porque tem um problema assim e assado e que a mãe morreu por causa do mesmo problema. Aí é praticamente um hospital inteiro desfilando na minha frente. Isso não dá. Lógico que não tô falando de humor negro. Eu gosto de um certo tipo de humor negro. Não é meu preferido, não uso muito no teatro. Por quê? Acho que choca, lida com fraquezas que são realmente doloridas. Tem que ser uma piada muito bem contada. No Brasil, por exemplo, tem uma certa recusa. Mulher, então, fica logo impressionada. E não ri. Porque, para fazer humor, não pode haver preconceito. Não pode ter problemas com as diferenças. Capítulo XI Comediantes e humoristas Em Portugal, eles me chamam de humorista. Aqui é uma misturada danada. A diferença é que o humorista é aquele cara que só sabe fazer humor. E o comediante faz humor, cria situações, atua em peças de teatro, sabe atuar em momentos engraçados e não precisa da piada para fazer rir. Um contador de piadas consegue fazer a platéia rir por duas horas sem parar. O Ari Toledo, por exemplo, é um craque. Mas ele não atua numa peça, não interpreta situações engraçadas. Sei que tenho essas duas habilidades com o humor. Sei fazer um show de piadas. Interpreto tipos, uso figurinos, faço as paródias e as caricaturas que desejo. Mas, ao mesmo tempo, posso atuar numa peça como o Auto da Compadecida. A minha geração aprendeu que a arte de interpretar tem que ser completa. Naquela época, os professores nos davam aulas de voz, canto, dança, até sapateado eu fiz. Hoje não dá mais. Mas quando era magrinho, eu saracoteava uns passinhos. Isso é do mundo do entretenimento, aquele conceito americano de diversão através da arte de atuar, seja em comédia rasgada, seja contando piadas, seja num show ou outras coisas que se pode fazer no palco. Eu via aqueles filmes da Metro com o Gene Kelly e o Frank Sinatra, os dois cantando e sapateando... E adorava. Mesmo assim, você conta nos dedos os artistas que têm essa diversidade de talentos desenvolvidos. A Marilia Pêra é um exemplo. Um fenômeno no palco. Completa. Dança, canta, faz comédia, drama, enfim, tudo o que o palco pede. Fernanda Montenegro é outra que já fez tudo o que podia no palco. Paulo Autran fazendo comédia é tão bom quanto fazendo drama. Mas esses são os exemplos que perduram pelos anos. Hoje em dia a renovação é mais difícil porque a formação do ator está mais restrita. Por exemplo: se eu fosse gravar um disco atualmente, com a baixa qualidade de talentos que existem por aí, ganhava até prêmio. Às vezes, entro em choque com a realidade da televisão como um meio de comunicação que veicula uma arte imediatista. As coisas acontecem muito rápidas, sem tempo de amadurecimento dos profissionais que seriam maravilhosos se tivessem tempo para crescer – mas são estragados pela velocidade com que as coisas acontecem. Um artista estréia na segunda e, na sexta-feira, já é capa de revista. Um mês depois, é o ídolo da geração dele. Passa um ano, a Globo não o chama mais para estar na novela e ele vai tentar o suicídio... Pira porque não tem base, não tem formação para trabalhar em outros meios. Não consegue se virar numa profissão que é instável por sua natureza. Quando comecei, a instabilidade da vida artística fazia com que nós estudássemos para sermos bem-sucedidos em outros meios de expressão. Não era só “vou fazer teatro e pronto”. Tinha que ser bom, porque o público sabia discernir quem tinha competência. Quem não tinha, não se estabelecia mesmo. Uma peça acabava e eu estava procurando filme, show, teatro de revista para fazer. Eu sempre dizia que era um ator de sucesso, ganhava prêmio no teatro, mas tinha o bolso vazio. Uma camisa que eu queria comprar custava a metade da minha quinzena. Eu tinha que economizar e pensar no dia seguinte. Dividia omelete de petit-pois com carne moída para não gastar no almoço. Claro que há talentos – alguns – que sempre aparecem vez ou outra. E precisam se cuidar para não entrarem na roda viva que virou a trajetória de um artista hoje. Precisam realmente atentar para não virarem celebridades. Fazer cada reportagem com um motivo específico e não simplesmente para aparecer, como acontece muito. Isso é uma bobagem. Quem é sério e busca escalar o elenco de uma história em função da história vai convidar o artista por causa do talento dele e não porque ele está na revista e um diretor viu e se lembrou. O cara que escala uma novela assim é muito irresponsável. Viu fulano na festa... ”Hi, que bom que te encontrei, vou te colocar na novela”. Isso acontece e não é bom. Nem para quem escala, nem para o escalado. O fato é que encontrar um bom humorista hoje em dia é difícil. É um talento muito especial. O ator pode explodir por causa de um bom personagem. Faz um sucesso danado. Mas o humorista não pode se basear apenas num tipo. Tem que se sustentar no palco, nos personagens, nos shows, em qualquer lugar. Pra mim, o Murilo Benício é o melhor desta nova geração. Sabe atuar e fazer rir. É um ator sem crítica para o que vai fazer – isso é importante para quem está exposto à arte. O ator que critica muito seu personagem tem medo dele. Sente-se incapaz. Outro jovem carregado de talento é o Matheus Nachtergaele. Comovente a atuação dele, em qualquer gênero. Da geração anterior, Nuno Leal Maia é um cara que tem um talento maravilhoso, tem um físico privilegiado para adequar-se a qualquer papel, desde um bicheiro mau caráter até um outro cara qualquer. Um tempo atrás pintou o João Kleber. Mas, cadê a sustentação da carreira? Cadê talento para atuar em outras áreas? Depois foi fazer bobagem na televisão. O Chico Anysio é outro craque e tem uma coisa maravilhosa – ele gosta de ajudar colegas. Mostrou, por exemplo, o quanto a Claudia Jimenez é fantástica. Hoje em dia, tenho receio pela forma como a carreira dela tem se mostrado. Mas tenho certeza que ela vai saber fazer as escolhas certas. Porque, além dos personagens, o ator que não consegue conduzir a carreira bem, não consegue administrar a coxia (que parece palavrão, mas a geração de hoje conhece como bastidores), não rende no palco, não brilha, perde o talento. A minha geração é farta de nomes que souberam fazer isso tudo, souberam driblar as puxadas de tapetes, as sabotagens que existem em qualquer meio profissional – e no meio artístico não é diferente. Dercy Gonçalves, Alda Garrido, Nádia Maria, minha ex-mulher Consuelo Leandro, Nancy Vanderley e uma infinidade de outros. Era gente engraçada, talentosa, que também trazia o humor para a vida pessoal, que sabia conduzir os bastidores (lembram? significa coxia) com inteligência. O problema é quando a vida pessoal fica mais interessante que a vida profissional. Aí já era. Eu sempre briguei muito contra isso. Sempre chamei a atenção para o meu trabalho e, ainda bem, ele sempre respondia à altura das fofocas. O teatro tem essa característica também – te dá uma base de vida, de sustentação psicológica, fantástica. Evita que você seja a espuma da cerveja. Para nascer um bom humorista, hoje em dia, é preciso nascer pronto. A escola é a vida. Acho que não vem mais ninguém do Ceará (ufa!), que já exportou todos os humoristas que tinha que exportar. Esse humor é vocacional. O cara é engraçado e pronto. Depois, ele aprende a atuar, a dançar, cantar, etc. Mas se for engraçado, é porque nasceu assim. Os comediantes de hoje são mais escrachados. Isso é bom e ruim. Depende. Quando o cara exagera, perde a noção do humor e passa à ofensa pessoal, é uma coisa horrível. O Casseta & Planeta é muito bom. Mas eles não são atores. Trabalham na força do grupo. Se resolverem fazer sozinhos, podem não conseguir. Ainda acho que haja espaço para o One Man Show, uma coisa que sei que ajudei a criar no Brasil. A Berta Loran é um exemplo de profissional que você pode botar no palco e ela se vira sozinha, dá conta do recado e você morre de rir. Outro dia, chegou uma menina nova no Zorra Total. Tem talento. Mas, de repente, pediu ao diretor: Podemos fazer com a câmera mais fechada no meu rosto?. Como assim? E se ela for para um palco? Faz como? Eu sou muito rigoroso quando o assunto é humor. Tem que ter talento. Senão, engana. Às vezes, um ator está começando e ganha elogios de uns caras muito bons que estão em volta dele. Ele está se achando o melhor. Mas esquece que precisa viver, ganhar experiência, ter estrada. Essa é outra coisa que eu sempre falo: pra ser bom, tem que ser bom por 20 anos. Esse negócio de fazer sucesso três anos e já entrar numa de fazer Shakespeare é errado. Vai se dar mal. Não se faz mais Sérgio Cardoso como antigamente. O Sérgio foi o primeiro grande Hamlet do teatro e ainda era amador. Mas isso é fenômeno também. Porque Hamlet malfeito afunda mesmo. O cara vira a caveira. É preciso, portanto, respeitar o palco. Tudo tem o seu momento, a sua hora. A televisão tem uma volúpia por sucesso que faz com que as pessoas errem o tempo de fazer as coisas, como fazer as coisas. O cara tem 30 anos, ganha 30 mil por mês, dirige uma Mercedes Benz preta, e dá entrevista dizendo que quer um programa. Aliás, todo mundo quer ter programa! Fez sucesso... Quero um programa. Onde nós estamos? Deixa isso pro Jô Soares, pro Agildo Ribeiro, Chico Anysio, que ralaram muito e têm idade e experiência suficientes para tanto. O problema é que as novas gerações ficam trabalhando para “chegar lá”. Eles fazem de tudo somente por uma idéia de realização profissional. E não pelo trabalho artístico em si. Aos 30 anos, tem gente que se acha velha e fica angustiada porque ainda não estreou num musical, porque ainda não posou pra revista, porque não fez um monte de coisas que acha que fazem parte de um local chamado “lá”. Aí, claro, quando a pessoa chega nesse local, ela percebe uma coisa incrível: o “lá” não existe. Porque ele vai estar sempre longe de quem é angustiado. E não vai rir de si mesmo. Capítulo XII Dias de alegria Vida de artista é como uma ciranda, uma montanha russa, enfim, vamos levando um trabalho depois do outro e, de repente, acontece um sucesso. Aí tudo vira do avesso. Comigo, aconteceu na Compadecida para o teatro, aconteceu no Aí Vem os Cadetes no cinema, mas aconteceu mais ainda na televisão. Naquela época, eu já estava fazendo uns trabalhos na TV Globo, a convite do Augusto César Vannucci. De repente, pintou o Topo Giggio. E foi aquela loucura que todo mundo lembra até hoje. Considero que tenha sido quase uma demência coletiva. Mas vou falar dele no capítulo especial a seguir. Mas embora o ratinho tenha sido um estouro, considero o Planeta dos Homens, que eu fiz com o Jô Soares, como o melhor programa de humor da televisão até hoje. E um dos trabalhos que eu mais me orgulho. Nada superava. Por inúmeros fatores, desde a qualidade do texto, da equipe e do elenco, passando pelo momento do país, na década de 70, juntando com a expectativa do público de televisão, que estava desesperado para rir de alguma coisa depois de tantos anos de terror com a ditadura, até o próprio momento explosivo de audiência da própria TV Globo, o programa foi um sucesso. Nós estávamos no auge, experientes, sabíamos o que queríamos e conseguíamos. O Planeta mudou o padrão de fazer humor na televisão. Foi um divisor de águas. Tinha tanta força que foi vendido para Portugal e me fez ficar em Portugal como um rei. Resolvi fazer outro programa por lá chamado Isto é o Agildo ao mesmo tempo porque era um sucesso tão grande que praticamente me obrigaram – e eu me obriguei – a trabalhar por lá. Como minha vida é um turbilhão mesmo, é tudo ao mesmo tempo agora, eu mandei ver. Nos poucos momentos em que eu sentia o peso da dificuldade da vida de ator, em que estava difícil encontrar um papel, em que começaram a pintar menos convites – dos bons, quero dizer – resolvi experimentar fazer produção. E montei meu próprio show, que era o Alta Rotatividade. Rodei o Brasil inteiro com a Rogéria, com ajuda das chamadas da TV Globo. Um estrondo. Me perguntavam: Acabou a carreira da peça? e eu respondia: Não, acabou o Brasil! Por isso, nunca senti angústia na minha carreira. Medo de ficar esquecido ou medo de ficar parado. Isso é bobagem. Até porque, se as coisas ficassem muito ruins algum dia, eu sentaria num banquinho pra contar piada, de cara falar da minha própria situação, rir de mim mesmo. O riso tem esse poder. Porque, se você é comediante, você é o tempo todo. Fica habituado ao riso, ao bom humor. Claro que há aqueles dias. Mas eles são apenas dias de tristeza. O resto é sempre alegria. Capítulo XIII Quando dá certo... Tenho um temperamento muito ativo. Na Cinédia, por exemplo, onde eu filmei Na Mira do Assassino, de Mario Latini, ficava esperando horas e isso me deixava louco porque eu queria filmar. Putz, era enlouquecedor. Esperar é um horror na vida do ator. Quando vou gravar o Zorra Total, eu digo pro diretor: Gravo o dia inteiro se você quiser porque sou um cavalo de força. Mas não me deixa esperando, por favor. Em televisão, isso é comum. Já o cinema precisa fazer tudo rapidinho porque tempo é dinheiro e só há um tipo de produção, uma equipe. Na TV, tem um monte de atores. E sempre tem um imprevisto. O Maurício Sherman é um tremendo diretor, tem prática, sensibilidade, visão total e absoluta da linha de shows, sabe tudo da televisão brasileira, e nem ele, às vezes, pode prever um problema e um atraso de 4 a 5 horas. É roupa, luz, efeitos especiais, tem sempre um problema acontecendo. Isso, pra mim, mesmo depois de tantos anos de carreira, e acho que principalmente por isso, é enlouquecedor. Eu quero aproveitar meu tempo sendo produtivo, gravando, dando o melhor de mim. Mas esperar é uma loucura! Esperar é papo de mãe, que fica nove meses esperando a gente... Agora, não tenho medo de arriscar. Por exemplo, eu tinha acabado de fazer a novela De Quina pra Lua, a única que fiz na vida, com a Elizabeth Savalla e a Eva Wilma. E resolvi sair da Rede Globo a convite do Augusto César Vanucci e ir para a Rede Bandeirantes onde fiz o Agildo no País das Maravilhas, com os bonecos de Gepp & Maia. Depois, também a convite do Vanucci, fui para a Rede Manchete, a falecida, fazer o Cabaré do Barata. Era início da década de 90 e também foi um programa marcante na TV porque trouxe novidades com os mesmos bonecos interagindo comigo. Além disso, o texto do programa era afiadíssimo, falava com toda a liberdade da situação política do país porque a estrutura do programa permitia que eu fizesse isso. Não estou dizendo que não havia liberdade na Globo. Mas a estrutura do programa pedia que se construíssem textos humorísticos, que se criassem gags e isso era difícil. Com o Cabaré, a conversa era aberta porque os personagens eram os próprios políticos de carne e osso e os bonecos. E isso me dava uma porta aberta para descascar quem eu quisesse, sempre do ponto de vista do humor, nunca de forma ideológica ou demagógica – até porque não saberia fazer. Acontece que, um dia, o Cabaré estava no auge do sucesso, uma audiência enorme, e, de repente, toca o telefone na minha casa: -Agildo Ribeiro, aqui é da parte do prefeito da cidade de São Paulo, Paulo Maluf. Ele quer falar contigo. Eu pensei que era trote. Esperei uns segundos na linha. E, como não tinha vindo a piada subseqüente, eu disse um simples, pois não. De repente, ouço aquela voz conhecida. -Alô Agildo, é o Paulo. Eu ainda pensando que era trote. Alguém deve estar imitando o Maluf, imaginei. -Sou eu mesmo, pedi ao meu assessor para fazer a ligação. Não pude conter o riso. Mas, finalmente, acreditei que era o próprio Paulo Maluf do outro lado da linha. -Pois não, senhor prefeito. Pensei que vinha alguma reclamação, porque o personagem dele era dos mais usados no programa. Era um sucesso porque eu caía de pau em cima dos problemas da cidade. -Ô meu filho, o que houve que há três semanas que meu boneco não aparece? Comecei a suar na mão. Queria rir, mas não tinha mais coragem. Ficava tentando lembrar do programa das últimas semanas. -Senhor prefeito, me desculpe, mas é que... -Não se preocupe, ele me interrompeu. Sou um grande admirador de seu pai, um homem maravilhoso que fez muito por esse país. E admiro seu trabalho também. Estou só ligando para saber por que o boneco não está mais entrando, apenas isso. -Claro, mas o senhor há de convir que deve ser uma coincidência, coisa de edi ção. Acontece com outros bonecos também. -É alguma coisa pessoal? -Não é nada pessoal, senhor prefeito. -Meus amigos estão me pedindo para ver o boneco! Aí nós começamos a rir. Falamos mais um pouco e desligamos. Eu nem encostei o fone de volta no gancho e liguei para a Manchete. Gente, pelo amor de Deus... coloca o Maluf aí. Uma semana depois, o senhor Paulo Maluf, na época prefeito da cidade de São Paulo, estava no estúdio gravando comigo. Eu, ele e o boneco dele. Foi um grande momento do programa. Surrealismo total. Essa história do Maluf teve um desdobramento inesperado. Pouco tempo atrás, ou seja, uns 14 anos depois de eu ter feito o Cabaré, eu estava almoçando com o Maurício Sherman, o Gugu Olimecha, Cláudio Torres, Max Nunes, estava falando a respeito do Zorra Total. Achava que tinha que colocar um pouco de política no programa, uma pitada apenas, para tirar a ingenuidade que existia desde o começo. O Sherman respondeu que tinha um certo receio de abordar política. E eu contei essa história do telefonema para eles. E o Max Nunes, de boca cheia ainda, falou: Pô, Shermann, bota o Agildo fazendo isso no programa! E ali estava nascido o personagem Babaluf, atualmente o maior sucesso do Zorra e um dos maiores sucessos de popularidade da minha carreira, com um bordão incrivelmente contagioso: Isso não é meu... Eu não estou nem aqui... Virou explosivo. No dia seguinte, o Brasil inteiro repetia pra mim. Principalmente crianças. Quando se vive num turbilhão criativo, as coisas acontecem assim, meio ao acaso. É a mesma coisa de quando tive aquela dor de barriga, resolvi ir pra minha casa e, na privada, recebi um convite para trabalhar e acabei fazendo cinco filmes seguidos com o diretor Carlos Hugo. Esse meu lado criativo nasce quase sempre do meu talento como imitador. É uma sensibilidade que pode aparecer imediatamente quando eu vejo uma pessoa. Logo depois, posso imitá-la. Mas não tem muita explicação. Às vezes, não dá para imitar e pronto. Mas quando dá, tem um gesto, um olhar, tudo parte da pantomima. Assim foi com o Maluf, com o professor Paschoal, com uma namorada de língua presa (Posso exclarexer?), com a Dercy, com minha tia, enfim, um monte de gente que o cotidiano me trouxe. Em 50 anos de estrada, as pessoas te vêem em tantos lugares diferentes que quando te encontram perguntam: Onde você está? No teatro, no cinema, na TV ou em casa?, aceitando que eu possa ficar um tempo em casa. Eu não fico porque é da minha natureza inquieta estar sempre inventando alguma coisa para fazer. Não fico parado porque amo minha profissão, amo estar num palco como um capitão de um barco onde as pessoas só podem se divertir. As cobranças do público são sempre carinhosas. Dizem que querem me ver num programa sozinho porque se acostumaram a me ver em programas solos. Perguntam dos bonecos como se eles fossem meus. Os mais antigos me cobram o palco mesmo. Dizem que estão com saudades e isso é uma das coisas mais deliciosas de se ouvir do público. É um carinho extremo. E não tem preço. Confesso que vez em quando eu vou na Globo e peço pra fazer um programasolo. Já tentei vender o Cabaré do Barata, já tentei vender meus personagens. Mas não é simples. Tem muitas coisas envolvidas, tem as tendências do momento. E, no final das contas, devo confessar que o formato do programa-solo acabou. Quem estava fazendo, se ferrou. O Jô, o Chico, ninguém mais segurou um programa de humor sozinho. Hoje, se tivesse que encarar um programa sozinho, teria um certo medo. O público mudou, a televisão mudou, o Brasil também mudou. Tem essa massificação de informações, tem um desgaste da tua imagem em tudo quanto é lugar, tem uma concorrência ferrenha de todo mundo fazendo a mesma coisa. Não estou dizendo que não há mais lugar para programas de humor na televisão. Muito pelo contrário. Há uma carência enorme de bons programas de humor. É preciso muita estrutura para isso. Fazer um show-solo no palco é mais fácil. Não tem o mesmo público, as pessoas pagam o ingresso porque querem ver você, estão predispostas. A televisão entra na casa do cidadão, sem pedir a menor licença, e leva tudo o que tem pra dentro da casa. Claro que, nesse sentido, o melhor é levar um pouco de humor para distrair, divertir as pessoas, para rirem um pouco até mesmo como remédio. Capítulo XIV Quando não dá certo... Tive só dois fracassos, graças a Deus. Um deles foi um show que eu fui fazer com o Luís Gustavo. Na época, eu estava no auge com o Topo Giggio. O Luís também, como protagonista da novela Beto Rockefeller. Então, o Ronaldo Bôscoli, Miéle e Marcos Lázaro propuseram nos juntar num palco. Do ponto de vista comercial, era perfeito. E, claro, tínhamos talento para tanto. Ensaia daqui, ensaia dali, acertamos com o Teatro da Praia, montamos a publicidade, a divulgação para a imprensa; fizemos reportagem, saímos pelados na capa do Pasquim, de costas, em pleno 1970 (nunca vi bundas tão feias!); enfim, fizemos todo o percurso para que a coisa fosse mesmo um sucesso. Acontece que o Luís Gustavo estava namorando uma garota muito bonitinha. Estavam apaixonadíssimos. E, de repente, a garota cismou de querer fazer uma participação no show. Só que não teria nenhuma fala já que o show estava todo ensaiado. O Luís insistiu e foi falar com o Bôscoli e com o Miéle. Pediu para a garota fazer uma ligação entre uma cena e outra. Era um arranjo. Eu não estava gostando muito da história. O espetáculo todo pronto, a luz marcada, e, de repente, tínhamos que colocar uma menina porque era namorada? No meio desse entra-não-entra, eles tiveram uma briga. E a garota disse pro Tatá (apelido do ator Luís Gustavo): Ou entro em cena ou você não vai fazer o show. Putz, que problema! Ele tava amarradinho nela. E cedeu. Conclusão: uma semana antes da estréia, com divulgação, cartaz, matéria nos jornais, o Luís Gustavo simplesmente largou o espetáculo. Eu disse para o Bôscoli que estava tudo acabado. Não tinha mais condições, claro. O show era intitulado Agildo e Beto, porque eu estava muito conhecido com o meu nome – e não um personagem. Era Agildinho, me dá um beijinho! pra tudo quanto era lado, um slogan do Topo Giggio. E o Luís Gustavo não era conhecido pelo nome dele, mas sim pelo nome do personagem que ele tinha feito na novela. O Bôscoli insistiu no show. Eu insisti no cancelamento. Não faz sentido! Ensaiamos para os dois e agora só tem eu! Mas o Bôscoli era um cara criativo. E insistente. Criou uma nova abertura para mim. Transformou o espetáculo, que era criado para uma dupla, num show para um cara apenas. O pano abria, subia a música, eu entrava montado num burro. Um burrico de verdade. Saltava do animal e dizia assim para ele: Deixa que eu faço sozinho, que virou o nome do show. Claro que era uma grosseria com o Luís Gustavo e eu participei dela por insegurança, movido pelo espetáculo pronto, essas coisas que a gente faz meio sem pensar mesmo. Quinze dias depois de estrear, não tinha ninguém na platéia. Fiquei sozinho literalmente. O resultado desse fracasso foi muito aprendizado. Quero deixar registrado que amo o Luís Gustavo, tenho a maior admiração por ele, acho-o um cara talentosíssimo. Essas coisas acontecem mesmo. Ele também deve ter aprendido muito com isso. Meu outro fracasso foi na peça Roque Santeiro, que eu acabei fazendo forçado. Estava terminando o meu contrato em Portugal onde eu fazia o Isto é o Agildo, no início dos anos 90. Era na RTP, a emissora estatal, um sucesso danado, mas eu queria vir embora. A Bibi Ferreira me telefona em Lisboa e me convida para fazer o Sinhozinho Malta numa nova versão da peça que seria montada com música do Caetano Veloso, direção dela, Nuno Leal Maia como o próprio Roque Santeiro e Cláudia Gimenez fazendo a Viúva Porcina. Alguém poderia dizer não para uma proposta desta? Falei: Maravilha!. Eles mandaram o texto cujo título original para teatro era O Berço do Herói, e depois resolveram mudar para Roque Santeiro. Aí veio a associação direta com a novela da Globo e com os personagens inesquecíveis criados naquela versão. Claro que deveriam ter mantido o título original e colocado: Baseado na peça que deu origem à novela do Dias Gomes, algo do gênero. Quando cheguei ao Brasil, o Nuno havia sido substituído pelo Sidney Magal e a Cláudia tinha saído para a entrada da Nicette Bruno. Que, apesar do enorme talento, não tinha absolutamente nada a ver com o papel da Viúva. Acho que ela aceitou também em função do pedido da Bibi, porque imagino que ninguém quisesse topar um desafio daqueles. Soube que convidaram todas as atrizes brasileiras... Marília Pêra, Claudia Raia, Yoná Magalhães... Enfim, o teatro inteiro. E nada. Quando eu vi a turbulência em que a coisa estava, confesso que quis sair do projeto também. Deixa eu pular desse avião caindo porque pode acabar o páraquedas, pensei. Fui à casa da Bibi. Ela estava passando uma fase difícil, estava um tanto quanto exagerada nos ensaios, agressiva em excesso. Eu disse para ela que não tinha mais razão de eu estar no espetáculo porque ele não estava mais baseado no projeto original para o qual ela tinha me convidado. Até a música do Caetano Veloso ficou escondida no fundo da cena. Quando tem muito problema assim durante os ensaios, parece claro que não vai dar certo. O ambiente não estava bom. Havia um mal-estar geral. E tinha uma coisa estranha que era ensaiar na casa da Bibi. Eu sempre ensaiei no teatro. Nunca fui para a casa de ninguém ensaiar uma peça. O máximo que acontecia era o diretor dizer: Agildo, amanhã o ensaio é às cinco. Queria que você passasse lá em casa às duas que tem umas coisas que gostaria de conversar contigo em particular. Eu estaria lá às duas em ponto. Era interesse meu. Principalmente quando eu era o primeiro ator e tinha uma responsabilidade. Nesse caso, o ensaio estava marcado para duas horas na casa do diretor. Eu chegava dez minutos atrasado. Ela me dizia: Eu quero avisar que o senhor pode ser Agildo Ribeiro com suas negas... Aqui eu quero um ator como outro qualquer. Eu tentava me desculpar. E ela vinha em cima: Cala a boca! Não me interessa a desculpa. E por aí vai. Os ensaios duraram três meses. Uma semana antes da estréia eu estava desesperado. Fui à casa dela e disse que ia sair da peça. A mulher teve um ataque, passou mal, chamaram ambulância, a empregada disse: Seu Agildo, o senhor vai matar minha patroa. Trancaram a porta para eu não sair. O Milton Gonçalves também estava no elenco: Agildo, vamos estrear e depois você vai embora. Isso nunca tinha acontecido na minha vida. Estrear e depois ir embora. Não fazia sentido. Tanta dedicação, tanta paixão pelo trabalho, não podia ser esquecida logo depois da estréia. Eu e o Milton estávamos conversando e a Bibi passando mal. Fui contra os meus instintos e... estreei. Claro que foi um fracasso de crítica e de público. Aconteceu exatamente o que eu temia. A peça ia ficar dois meses em cartaz, mas ficou somente um. Tinha 40 atores em cena. Às vezes, tinha 12 pessoas na platéia. Além disso, o projeto foi mal-elaborado no lançamento. Tinha dinheiro da Lei Rouanet e, mesmo assim, foi muito ruim. Tava tudo esquisito. O salário era ruim também. Aí eu saí. Esses dois exemplos de fracassos foram importantes na minha vida. Depois, eu fico conversando comigo mesmo, tentando entender os porquês das coisas. É uma conversa surreal de uns 10 Agildos, cada um com sua opinião sobre o assunto. O primeiro a falar é o que cobra mais duramente. Tá vendo? Seu burro!, o outro vem detonando É... Seu idiota... Porque não tomou a decisão correta?, e por aí vai. Nessa conversa imaginária, eu evito até sair na rua porque as pessoas pensam que eu tô variando. Hi, o Agildo tá maluco!, dizem logo quando eu estou ponderando as coisas comigo mesmo. Depois dos mais arrasadores, tem outros Agildos mais ponderados. Eu falei que não ia dar certo ceder aos apelos da diretora dizendo que iria morrer se você saísse do espetáculo... Ninguém morre de véspera. E outro Agildo: Calma, o tempo vai passar... Todo mundo erra. Então, esse papo gera um monte de reflexão e aprendizado. Tanto que me chamaram para fazer umas três peças logo depois e eu disse não para todas elas. Umas pessoas diziam: Tem que limpar a sua imagem. Eu respondia: Dane-se a imagem, quero limpar é a minha cabeça. Eu já fiz e já provei muito. Se parar de trabalhar por dois anos, as pessoas não vão me esquecer. Hoje, ainda não posso dizer: Não quero fazer mais nada, quero apenas ficar na minha casa, ouvindo meus CDs, vendo minhas óperas, meus balés, fazendo ginástica e bebendo meu uísque. Não dá. E, mesmo se desse, acho que eu não conseguiria. Se me dessem 50 milhões de dólares hoje, eu ia guardar um pouco, que não sou besta e sei o país em que vivo, mas iria também gastar num teatro, aonde eu poderia fazer meus shows, iria produzir cinema, enfim, não conseguiria ficar parado. Acho que nunca vou conseguir. Nem quando morrer. Vou ficar visitando os amigos no céu, vou querer encontrar um ou outro que deve estar no inferno, vou ficar rindo dos que estão na Terra, enfim, faz parte da minha existência ser assim. Capítulo XV Topo Giggio Eu era contratado da Rede Globo em 1969. Membros da cúpula da Globo estiveram na Argentina e viram na televisão o ratinho Topo Giggio. Era feito por uma equipe italiana de Milão. Eles viram e gostaram. Contataram a dona dos direitos autorais do boneco, uma senhora italiana que se chamava Maria Pereggo. Depois de acertada a compra dos direitos para a televisão brasileira, certamente eles pensaram: Quem vai ser o ator? Eu realmente não sei qual foi o critério deles. Mas fui convidado para ver um vídeo. Encontrei o Augusto César Vannucci, que iria dirigir o programa. Quando o vi pela primeira vez, fiquei realmente encantado pela magia que tinha em torno do boneco. Era inovador para a televisão também. Eles ainda não tinham me convidado oficialmente, queriam que eu visse o vídeo primeiro. Eu pensei que o Augusto tivesse me chamado para opinar apenas. Foi quando o Walter Clark virou-se para mim e perguntou: Vamos fazer, Agildo? Fiquei surpreso. E ele ainda fez um comentário: Se o Agildo fizer mesmo, temos que reacertar o contrato dele agora; porque, se deixarmos ir para o ar, ele vai querer renovar ganhando mais que a gente. Eu ri e não dei muita atenção pro que ele tava falando. Realmente, achava lindo, lúdico, mas não tinha idéia da dimensão que iria tomar. Os italianos chegaram aqui e ficaram um mês com a gente, passando todos os detalhes técnicos, características do texto que tinham que ser adaptadas ao português, à realidade brasileira, e até mesmo ao sotaque. Eles escreviam o som fonético da palavra, como existe no dicionário, para poder falar direito. O dublador que fazia a voz do ratinho se preocupava com todos os detalhes. Começamos a gravar diariamente, de meio-dia às cinco da tarde. Foram quatro semanas. O programa estreou na terceira semana de gravação. Eu apresentava o ratinho. Nem podia ver as chamadas porque estava no estúdio. Quando as gravações desta primeira fase acabaram, o programa já tinha duas semanas de exibição no ar. E o resultado é que, logo depois, até jogo de futebol tinha sido transferido de horário porque senão o estádio iria ficar vazio. Teve sessão de cinema que mudou. Enfim, tudo parava para ver, às nove horas da noite, nas quintas-feiras, o ratinho Topo Giggio. Eu não sabia desse sucesso todo ainda. No primeiro fim de semana depois que as gravações acabaram, eu estava solteiro, morava sozinho numa cobertura no Inhangá, em Copacabana. Desci para fazer a rotina de todos os domingos – de chinelinho, calção, camiseta, comprei O Globo na banca, e, na hora do almoço, fui à Churrascaria Jardim, que ficava na Rua República do Peru. Mas, neste dia, o que era um programa corriqueiro pra mim virou um pesadelo. A churrascaria em peso começou a me olhar, apontar pra mim: Será que é ele mesmo?, e as pessoas me descobriram. Do lado de fora, também foram se falando, de repente juntou uma multidão na porta do local, uma criançada que foi brotando de todos os lugares possíveis. Às 3 horas da tarde, eu não conseguia comer. Na verdade, não conseguia fazer nada. A não se atender pessoas, dar autógrafos, contar como era o Ratinho. Teve uma hora, depois de tanto autógrafo, de tanto beijinho, de tanto oi, tudo bem?, que eu tive que sair porque estava morto de fome. E acabei correndo da churrascaria, sem ser grosso porque tinha muita criança. O mais louco é que todo mundo achava que o Topo Giggio estava ali comigo! Cadê ele? Mostra! E tinha aquelas crianças mimadas: Eu quero um pra mim!, me puxando o calção e já choramingando. Em menor escala, claro, residindo apenas na lembrança das pessoas, mas o Ratinho e eu ficamos fazendo parte da história da televisão. Recebia uma montanha de cartas toda semana. Achavam que eu estava milionário. Mal sabiam que eu tinha refeito o contrato antes do programa ir ao ar. Além disso, o Topo Giggio foi um boom de licenciamento também. A Estrela lançou pasta de dente, camiseta, boné, chaveiro, escova, shampoo, além do boneco, claro, toda uma linha infantil. Eu não ganhava nada com isso. Injusto, né? O disco foi líder das paradas de sucesso durante um tempão. Acho que foi a primeira vez que vi um fenômeno desse tipo na televisão brasileira. A fantasia tomar conta de tal forma que as pessoas ficam enlouquecidas, querendo tudo o que diz respeito. Vira uma febre. Acho que eu fui o primeiro Xuxa. Se fosse hoje, talvez eu tivesse ganhado mais dinheiro. Teria feito um contrato bom. Não me arrependo, claro. Éramos todos virgens de certa forma para todas as coisas que se fazia na televisão. Ser pioneiro tem seu preço. De qualquer forma, foi uma maravilha. Tanto que ninguém conseguiu fazer nada igual. E olha que isso foi em 1970. Faz 37 anos. Vez ou outra, passo na rua e alguém me fala do ratinho. Gente de 45 anos que, na época, tinha 10 e não perdia um programa, ficava alucinado. Até penso em voltar a fazer. Quem sabe a Globo não retira o ratinho das lembranças e o coloca de volta para brincar com o público? Eu faria com o maior prazer. Mas acho que agora os próprios direitos autorais da equipe na Itália devem estar exorbitantes. Fomos convidados para ir até Milão conhecer a dona Maria e a equipe criadora. Eles ganharam muito dinheiro com aquele rato. Que poder um rato tem, hein! Não sei por que me lembra Brasília... Capítulo XVI Planeta dos homens Eu fiz muita televisão ao longo da minha carreira. Fiz programas com bonecos como o Topo Giggio e os do Cabaré, fiz programas de comédia inesquecíveis, fiz até novela. É claro que, por mais shows que eu fizesse durante minha vida, eu nunca teria o reconhecimento por meu trabalho se não fosse a televisão. Acontece que ela é um veículo que precisa de novidades sempre, tem essa característica de sugar até a última gota de um gênero, e é preciso tomar muito cuidado. Porque um dia ele acaba. Ou o público está cansado. Bem no início, eu fiz um programa com o Paulo Silvino, TV Ó Canal Zero, TV Um Canal Meio, na Rede Globo. Foi muito bom porque era tudo uma experimentação só. Um marco inicial na programação da televisão brasileira. Direção de Augusto César Vanucci e depois Maurício Shermann. Nós nos divertíamos com os próprios erros, embora tivéssemos a maior competência para fazer e uma equipe boa. Teve boa repercussão. Acontece que esse triturador no qual a televisão se tornou tem algumas regrinhas que precisam ser seguidas. Os programas de entretenimento vivem tentando inventar dentro dessas regrinhas. Um exemplo é a mulher brasileira. Tem que ter. Tem que aparecer mulher de biquíni ou seminua. Não adianta não mostrar porque o programa do outro canal vai fazer e aí o público vai lá ver. Todas as fórmulas mudam em cinco anos, mais ou menos. E nunca se sabe o que pode acontecer. Mas a mulher brasileira vai estar sempre por lá. Quando eu falo sobre esses formatos que mudam sempre é com respeito à linha de shows. Porque a novela é novela há mais de 40 anos e vai continuar a mesma novela pelos próximos 40 anos e o povo vai continuar gostando do rico que casa com o pobre, do vilão que arma e tripudia com a vida de todo mundo para morrer no final, dos tipos exóticos, das heroínas românticas. E, no último capítulo, uns eternos dez casamentos. Durante a década de 80, a TV Globo tinha a mim e ao Jô Soares como a dupla perfeita fazendo um programa que foi divisor de águas no humor brasileiro chamado Planeta dos Homens. O projeto foi uma idéia do Max Nunes e Haroldo Barbosa com a finalidade de fazer uma crítica política, não só em relação ao cenário nacional, mas aos assuntos do exterior também. O sucesso foi tanto que teve repercussão no meio do governo militar. Não sei se, por esperteza, por boas relações com a Globo, ou outra razão qualquer, mas, no começo, os censores deixavam passar muita coisa. No início, eu não tinha muito destaque no programa, que era praticamente encabeçado pelo Jô. Isso me incomodava um pouco. Fui à direção da emissora e coloquei meu contrato à disposição deles. Sempre fui muito independente, não tenho filhos, tenho o nariz empinado e nenhum trabalho me obriga a permanecer nele se eu não estiver satisfeito. E pedi para sair do programa. Uns dois anos se passaram. A Cidinha Campos, jornalista, escrevia no jornal a manchete: Talento no Banco de Reserva, sobre a minha ausência. Todo mundo perguntava por mim. Até que começou a cair de audiência. Tinha um elenco de apoio muito bom, mas o Jô não estava segurando mais sozinho. Vários atores foram experimentados. Nuno Leal Maia, Luís Gustavo, nada. Aí o Borjalo e o Boni disseram: Por que não traz o Agildo de novo? E alguém deve ter respondido que eu queria dividir o programa. Só que me chamar parecia a única saída, porque o programa estava com os dias contados. Perguntaram: E se o Jô não aceitar? Depois eu soube que era ele aceita ou aceita. Marcaram cinco reuniões comigo e eu só fui à última. O Jô foi lá em casa, me deu um livro do Modigliani de presente, pediu para eu pensar bem. Fui encontrar o Boni. Agildo, sou eu quem está pedindo. Vou tirar o programa do ar no fim do ano! Você vai deixar? Eu respondi tudo o que eu queria, que era meio egoísta, confesso, mas eu tinha que me defender, pensar no meu espaço. Disse que queria o mesmo tempo de exposição do gordo. Quantas vezes ele entrasse, eu entrava. Dividiria o título. Era isso ou não era nada. O Boni topou. Eu entrei no ar exatamente como tínhamos previsto. E o programa explodiu de audiência. Eu estava há dois anos sem aparecer e apareci com toda a força. Fazia o professor de mitologia, Coisa horrorosa..., o Andorinha Posso exclarexer?, aquele velhinho do Não é possível..., o cotonete, o trique-trique, etc. O Jô, por sua vez, vendo que eu estava arrebentando, também se esmerou com seus personagens e inventou tipos maravilhosos, Tem pai que é cego!, Vai pra casa Padilha, Mui amigo!, e a coisa decolou novamente. Aqui no Brasil e em Portugal. Foi nessa época que começou meu sucesso em Portugal. Ou, como eu costumo dizer, depois de um longo exílio, eu voltei a Portugal... Mas, de repente, alguém começou a não gostar. Não sei realmente quem foi. Desconfio. E conto sem problemas. Tudo começou quando fui a Portugal, exatamente nessa explosão de sucesso do Planeta. De lá, resolvi dar uma esticada até Genebra, na Suíça. E, como sempre, mandando cartão postal para os amigos, mandei um para o Jô, que tinha estudado na Suíça: Tô aqui, lembrei de você, etc, beijos do Agildo. De volta a Lisboa, o telefone toca no meio da madrugada. Senhor Agildo, desculpe, mas é uma chamada do Brasil e pediram para acordar-lhe de qualquer maneira. Eu pensei logo: Morreu alguém! Tinha sete cachorros na época, fiquei apavorado. Minha mulher, Didi, acordou assustada também. Imagina a cena. Atendi. Alô, Agildo, tudo bem, querido? Aqui é o Loureiro? Quem?, perguntei ainda sonado. Oswaldo Loureiro. Devia ser 3 da manhã. Tô te ligando porque tão fazendo uma maldade aqui contigo. Pega um avião amanhã e vem pra cá porque acabaram com o Planeta dos Homens e o Jô ficou sozinho no horário com um programa só dele. Todo mundo fica, mas muda o nome e você tá fora. Fofoca, está certo. Mas, que droga, né? Valeu pelo aviso, cara, e desliguei. E as férias foram pro ralo, claro. Não dormi mais. No dia seguinte, liguei pro Augusto César Vannuci. Agildo, eu não soube antes, tomei conhecimento há pouco. O Jô fez a cabeça do Boni, disse que não estava mais agüentando o diretor, Sei, sei, mas... E eu com isso?, perguntei. Pois é, Agildo, sabe como é que são as coisas, né? Eu acho que você devia vir para cá. Mas se é fato consumado, o que eu vou fazer aí?, perguntei. E completei: Prefiro ficar mal na Europa! Enfim, com os outros telefonemas dados aos amigos, eu soube que a história é que eu também estaria fora do programa porque o Jô queria mesmo o programa novamente para ele sozinho. O Planeta era um sucesso absurdo. Por isso, não tenho problemas em relatar isso. Claro que ele pode dizer: Você tem que provar, mas eu não quero e não preciso. Eu sei e pronto. Aí, passeando, fui ao norte de Portugal, mais precisamente a Braga, uma cidade eminentemente católica, que tem toda cena da crucificação, em tamanho natural, uma coisa linda. O Cristo, a coroa, o martírio. Portugal é um país muito religioso. Esse lugar tinha vários cartões postais. Um deles chamava-se O beijo do traidor, com Judas beijando Jesus. Comprei esse cartão e resolvi mandar pro Jô novamente: Outro pra você! Assinado, Agildo. Outro, como referência ao primeiro cartão que tinha mandado da Suíça, tá exclarexido? Só sei que isso chegou na sala de elenco da empresa e até a Tônia Carrero foi uma das que viram o cartão e morreu de rir: Esse Agildo é danado! Todo mundo nos corredores dos estúdios tomou conhecimento do duplo sentido. O Jô nega tudo até hoje. Diz que foram forças ocultas que fizeram a gente se separar. Mas o fato é que eu saí do Planeta, o programa permaneceu o mesmo: elenco, redatores, horário, tudo estava igual. Menos o nome, que tinha virado Viva o Gordo. Eu estava muito triste e, confesso, muito irritado também com essa situação. E queria saber o que tinha acontecido. O Boni me chamou na sala dele e disse que eu iria fazer o Planeta dos Homens no domingo à tarde. Agildinho, eu tenho muito carinho por você... Olha, não sei se o Boni tem carinho por alguém. Mas nós tínhamos uma história de sucessos juntos, principalmente na época do Topo Giggio, junto com Walter Clark e os outros. Acho que ele tinha um tipo de carinho, muito específico dele. Entendo, mas era assim. Eu já estava ressabiado com aquela história da peça com o Luís Gustavo quando eu disse Deixa que eu faço sozinho. Fiquei com medo de pegar o programa num horário novo. O programa passava às segundas-feiras, à noite, horário nobre. O público estava acostumado a me ver com o Jô durante mais de quatro anos. De repente, o Jô fica na segunda à noite sozinho e eu vou explorar outro horário, com gente diferente, sem a mesma estrutura? Expus isso para o Boni. Aí ele me confessou: Estou fazendo isso para não ter que liberar você, porque seu salário, sua posição, seu talento, não podem ficar sem fazer nada. Caso contrário, vou ter que rescindir o seu contrato. Fiquei sem saber o que dizer. Só fiz um comentário: Bota ao menos Planeta do Homem, já que vou estar sozinho. Era uma brincadeira, mas eu estava com medo. Topei pra continuar empregado. Lá fui eu parar na grade de programação no domingo. A que horas? Na hora do almoço. Horário de verão, todo mundo na praia, imagina qual era a audiência? De noite no teatro eu dizia: Qualquer dia eles me colocam às cinco da manhã com o programa Agildo Rural e ninguém vai notar! O próprio Boni estava na platéia e morria de rir. E o que acontecia era isso mesmo. O programa ia mudando de horário, tapando um buraco aqui, outro ali. Claro que fiquei muito irritado e deixei transparecer. Logo depois, a revista Playboy me convidou para fazer uma daquelas entrevistas longas. O repórter era o Ivo de Aquino, se não me engano. Foram quatro dias de papo. Eu estava com essa história na garganta e joguei tudo fora. Arrasei com o Jô. Falei tudo. Nem sei se deveria, mas sou assim. Não guardo raiva nem mágoas. Um dia, eu estou no Antonio’s, o bar famoso do Rio, com minha mulher, e o Boni estava sentado lá, sozinho, numa cena rara. Acho que já tinha tomado umas e outras, daqueles vinhos de milhares de dólares que ele adora. Claro que ainda não tinha toda a fama que fez dele um dos homens de televisão mais importantes do país. Era meados dos anos 80. Ele me viu e disse: Eu li a tua entrevista na Playboy, fez uma pausa, pensou no que iria falar, como se fosse uma confissão. Agildo, eu tive que ceder. Quem errou foi ele (Jô). Fiquei mais irritado ainda. Um cara como o Boni me dizendo aquilo? Você está falando isso só porque entrei aqui, eu disse. Se não tivesse me visto, você jamais iria me ligar ou me procurar. De certa maneira, eu também não esperei o telefonema dele. O cara era o responsável pela empresa, não tinha que me dar mais explicações. Mas ele continou: Ele [Jô] foi lá na minha sala fazer minha cabeça; eu fiquei numa encruzilhada... Você tem que reclamar é com ele. Eu? Quero que ele se dane, falei sem pensar, movido pela raiva. O programa no domingo foi fracassando de audiência cada vez mais e acabou, claro. O incrível é que o programa do Jô também não foi muito bem. Enjoou o público porque tinha muita coisa só dele. O bom formato era um programa com dois humoristas fortes. Quando ele ficou sozinho, errou a mão também. Logo depois, ele foi para o SBT fazer programa-solo também e não deu certo de novo. Depois, começou com o programa de entrevistas, como um talk show. Que, cá entre nós, ninguém agüenta mais, porque ele não deixa ninguém falar (Brincadeira, viu?). Depois dessa confusão toda com o Jô, a gente se reencontrou num avião. Ele colocou a mão nas cadeiras: Cê tá maluco? Se eu tivesse o poder do Boni eu estaria sentado na cadeira dele. Eu sou um cara que não guardo mágoas, nada disso. Imagina se vou ficar com rugas, cabelos brancos, ruminando? Eu fico louco na hora, mas, dez minutos depois, mando flores pedindo desculpas. Respondi: Essa é uma frase típica de um cara inteligente como você. Só que você não está lidando com nenhum estúpido. Escreve um livro sobre essa frase. Nós discutimos mais um pouco. Mas passou. A gente se reencontrou outras vezes. Acho que somos dois humoristas políticos um com o outro. Um dia, acabei aceitando o convite para ir ao programa dele – quando ele voltou para a Globo. Eu falo essas coisas porque ele sabe disso. E nega assim mesmo. E a gente vai morrer assim. Fizemos as pazes? Talvez. Mas que tudo isso que falei aconteceu, isso é verdade. Essas coisas fazem parte do meio artístico, um ambiente de muita vaidade, claro. Mas ficar sozinho às vezes pode ser muito difícil. Acho que naquele momento o formato de programa-solo foi se perdendo. Fui várias vezes ao programa dele e as entrevistas sempre são pedidas e reprisadas, porque as pessoas falam, adoram. Tem a tal da história do biliquê, que vou contar daqui a pouco aqui também pra não ter que repetir de novo por lá. Enfim, essa foi, sem dúvida, a época mais difícil da minha relação com a Rede Globo de Televisão. Sou uma pessoa sem muitas papas na língua, como se diz. Critiquei abertamente toda essa história e não tive problemas com isso. Nessas horas, bate um destemido capitão que deve existir escondido dentro de mim, hereditário do meu pai. A Globo ainda tentou outros programas, como A Festa é Nossa, mas era uma droga e não deu certo. De repente, fui convidado para fazer uma novela. De Quina pra Lua. Odiei fazer. Foram nove meses de gravação, horário para chegar e sem horário para sair. E, principalmente, horário para esperar. Muito. Tive um relacionamento perfeito com o Mário Márcio Bandarra, diretor, que é um doce. O elenco também era maravilhoso. Mas novela é pauleira... Capítulo XVII O biliquê Como sempre conto esta história no programa do Jô – desde a primeira vez que fui lá, passei a ser obrigado a contar – vou deixar registrado aqui, para as próximas entrevistas com o Gordo. Biliquê era o nome de um instrumento para curar doenças venéreas usado antigamente. O canal da uretra tem uma formação como casa de abelha, aquela coisa sextavada por dentro. Ali acontece uma blenorragia, onde o gnococo da doença se aloja. Na minha época, havia uma penicilina simples chamada Wy Cilym, acho que o nome era esse, mas que não tinha muita força. A pessoa tomava uma injeção, mas o remédio não tinha muita ação porque o maldito do gnococo se fechava naquele espaço da uretra. As cavernas eram como uma proteção para ele. A natureza é danada. E essa doença, gonorréia, era um fantasma para a minha geração. Eu nunca pagava médico porque eram todos do partido comunista. Advogado também. Todos amigos. O Leme Júnior era meu dentista. Sidney Rezende era o que tirava radiografia do pulmão. Minha mãe tinha medo de tuberculose e mandava a família inteira tirar radiografia do pulmão toda semana. Isso durou até o relatório Kruschev, quando a família ficou dissidente e parou de usar os companheiros do Partidão. Mas quem nos atendia no caso da doença venérea era o dr. Manoel Venâncio Campos da Paz. E a técnica que ele usava era a seguinte: ele botava um líquido para dentro da gente, que dava uma sensação de estar urinando. Era tipo permanganato, sei lá. Só sei que aquela coisa entrava toda pra dentro da bexiga. Aí, ele enfiava o famoso biliquê, um pedaço de ferro que tinha uma espécie de borboletinha aberta na ponta. Tinha números de tamanho 2, 4, 6 e daí por diante. Aquilo entrava pelo canal da uretra e o médico ficava esfregando; mas, na verdade, ele estava raspando e destruindo os bichos todos que estavam protegidos lá dentro do corpo cavernoso. Era um horror! Aquele negócio raspando tudo era uma dor à beira do insuportável. Quando ele tirava, a gente quase desmaiava. E saía dali prometendo que iria pro convento. Fico suado só de lembrar! O mais louco é que, na ante-sala do consultório, tinha um monte de gente esperando. O doutor abria a porta com aquele biliquê enorme fumegante na mão. Boa tarde, olha a turma toda! De novo aqui, Agildinho? Eu ficava encolhidinho. Como vai sua mãe, seu pai?, ele perguntava. Tudo bem, doutor. Ele olhava em volta, todo mundo se escondendo. Quem vai primeiro?, e ficava todo mundo se apontando, ele tá na frente, eu cheguei depois. Tinha gente lendo revista de cabeça pra baixo, outros saíam correndo. Todo mundo suando, travado nos banquinhos. O doutor olhava um e apontava O senhor aí, vambora! O cara ficava branco. Perdia o fôlego. Levantava cambaleante. E ele virava pra dentro do consultório, Laura, prepara o 14! Era um tronco! O cara ficava lívido. Ia andando como se fosse para a morte. Quando entrava, ficava um silêncio na ante-sala. Um olhando o outro, fazendo promessas. Eu chamava de silêncio dos desesperados. De repente, vinha lá de dentro aquele grito baixinho que ia crescendo com o tamanho da dor... Aaaahhhhhh! Era um tal de gente desistindo, correndo porta afora, outros se jogando pela janela. O Campos da Paz era fogo! Muito tempo depois, eu estava com o mesmo problema e fui com um amigo num médico, dr. Rupp, integralista brabo. Ele me viu e disse: Muito bem, você não vai lembrar de mim, mas quando você quebrou o braço na Ilha do Governador, fui eu que engessei na policlínica do Cocotá. Na família, tinha uma tradição de cuidados extremos. Minha mãe soube e disse, Como vocês foram levar o Agildinho para o dr. Rupp, aquele fascista, nazista, inimigo mortal do Agildo Pai, ele podia ter quebrado mais ainda o braço do menino! Quando o médico lembrou disso, e eu estava lá para tratar de gonorréia, eu pensei quinze vezes: Ele vai se vingar de mim agora!; e disse: Doutor, me desculpe, tenho que resolver um problema e volto depois. Mas ele insistiu. Eu entrei. Tirei a roupa. Ele pegou e injetou um líquido ali dentro. Eu fiquei anestesiado em toda a região pélvica mesmo. Parecia tipo anestesia peridural. Ele pegou o uretroscópio, que é bem fino, inseriu no canal da uretra e examinou tudinho. Não senti nada. Depois, ele me perguntou: Quem é que fez esse tratamento em você?, dr. Manoel Venâncio, respondi. E ele falou: Me desculpe, não é uma questão de ética profissional; mas eu tenho que dizer, você é um garoto cheio de saúde, mas foi submetido a um tratamento medieval. Biliquê é coisa de inquisição! Me deu um remédio e fiquei bom o resto da vida. Vê como são as coisas? Inimigo político, amigo da saúde. Capítulo XVIII Alta Rotatividade O produtor Carlos Machado resolveu fazer um show na boate Night and Day, que foi famosa na época do Getúlio, no segundo andar do Hotel Serrador – cheguei a ver espetáculos maravilhosos ali; ela foi famosa junto com outras boates como Casablanca, Monte Carlo, mas, no final da década de 70, já estava decadente. Ele chamou a mim, ao Ary Fontoura, Rogéria entre outros. Estava enlouquecido porque tinha um tremendo problema na mão: não queria deixar fecharem a boate. Ele era o rei na noite. E queria manter sua fama. Mas, naquela época, ninguém mais ia às boates do centro da cidade. Antigamente, havia uma vida cultural e noturna agitada. Tinha o Cinema Pathé, Império, Capitólio, as sorveterias Americana e Brasileira, a Livraria Vitor, aquela vida da Cinelândia. Eu falei logo pro Machado, um cara de quem eu gostava muito, que o centro da cidade já era. Mas lembrei que tinha uma outra boate na Lagoa Rodrigo de Freitas chamada Sucata. Achava que o ponto era melhor. Ele ficou indeciso, era um lugar pequeno, diferente da idéia inicial. Mas fomos ver. Eu vi que ele estava desanimado e propus: Quer que eu dirija pra você? O espetáculo seria comigo, a Rogéria, o Ary Fontoura e a Leila Cravo. Ia ser tipo uma entrevista de televisão. Começava com o cara sentado no palco respondendo: Seu nome? Que ano você nasceu? É verdade que aconteceu isso e aquilo quando você era garoto? E por aí continuaria. Algo meio Tudo é Verdade, aqueles programas do Flávio Cavalcanti, tipo Essa é Sua Vida. O Machado olhou, pensou e disse: Muito bom, mas quem escreve? Nós, ora. Cada um monta o que gostaria de falar a partir das perguntas do outro. O Ary Fontoura entrava como se fosse um apresentador. Era uma abertura. Música alta. E depois entrava a Rogéria toda vestida de gala como se fosse a primeira entrevistada da noite. O Ary dizia: Boa noite, senhora, qual o seu nome? Astolfo Pinto, respondia a Rogéria. E daí pode-se imaginar como a coisa engrenava. A Rogéria contava histórias homéricas. Desde como sua primeira vez até a última vez. Sem censuras. Descia o verbo mesmo. As pessoas se acabavam de rir. Era uma revelação ter aquele artista com nome e voz de homem, jeito de mulher, histórias femininas, masculinas, uma festa só. O pano descia e não tinha nem intervalo, como seria na televisão. Logo a luz acendia e lá estava eu, sentadinho no banco, sendo entrevistado pela Leila. O público já estava mais do que aquecido pelo tom do espetáculo e então eu já começava descendo o verbo mais ainda. No final, eu e a Rogéria fazíamos um showzinho com uma música cantada e falada ao mesmo tempo. Conclusão dessa história: ficamos 9 meses no teatro Sucata. O Carlos Machado saiu do projeto, disse que estava cansado. Mas nós insistimos. Fomos para o Teatro Princesa Isabel. E eu resolvi produzir. Ficamos mais 11 meses, casa lotada todo dia. E depois ficamos mais 5 anos inteirinhos viajando pelo Brasil – só em Porto Alegre foram 5 meses seguidos num teatro de 1.400 lugares, com fila na porta. Acho que o Alta Rotatividade foi o show de maior sucesso que fiz na vida. Um sucesso de público e renda. Teatros lotados, gente pedindo apresentação em suas cidades, agenda apertada, às vezes dobrávamos e fazíamos duas sessões por dia. Neste tempo todo, aconteceram histórias inesquecíveis. Numa noite, numa das apresentações numa boate em Brasília, a Rogéria sentou no colo do general Golbery! Tinha um número com interação com a platéia. Eu disse: Você viu no colo de quem você sentou? Ela não sabia. Disse que estava escuro, escolheu o primeiro colo que viu! Ficou pálida, depois morreu de rir. No dia seguinte, quem estava na platéia de novo? O general! O teatro te possibilita esses momentos democráticos também. Ali não era o político importante. Era apenas público, querendo se divertir. Depois, o próprio Golbery colocou-se no seu lugar e nos convidou para ir até a mesa dele depois do show. Nós conversamos educadamente, ele nos elogiou e falou muito do meu pai, um grande brasileiro. A peça só acabou porque acabou o Brasil, como disse. Não tinha mais teatro para ir. Eu fui para a Boite Ta Matete – um nome polinésio que significa ponto de encontro – fazer um novo show. Era uma criação bem parecida com o Alta Rotatividade, mas não tinha outro ator perguntando. Eu simplesmente sentava e começava a responder a perguntas imaginárias que teriam vindo do público. Era um monólogo de uma hora e meia. O nome do show era só Agildo Ribeiro. Eu estava programado para quatro semanas e fiquei onze. Era um local chique e as pessoas iam ver o show mais de uma vez. Eu já conhecia a platéia, cumprimentava, elogiava a roupa, perguntava como tinha sido a noite passada, me passava de cúmplice de alguns porque os caras simplesmente não saíam de lá. Eles viram o primeiro show e queriam ver mais. Se eu mudasse muito, não teria sentido. Eles não voltariam. Depois, fui pro Golden Room e ficou Agildo Clô Clô porque eu imitava o Clodovil e ele começou a brigar comigo pela imprensa. O Ricardo Amaral estava produzindo e resolveu colocar esse nome. Foi um sucesso danado. Aí eu fui fazer um show na boate que ficou conhecida como Erótica, um local com prostitutas profissionais, mas o melhor uísque da cidade e um ambiente impecável, desde o ar-condicionado até a segurança. Dava até para levar a mãe: Vamos lá na boate das meninas! O nome do show era Cabaré do Barata. Eu era muito bem remunerado pelo dono do local, Camilo Cuquejo. Novamente o Ricardo Amaral foi lá e me pescou para a boate Sal e Pimenta, em Ipanema, para fazer o mesmo show. Fiquei nove meses em cartaz. Em seguida, produzido por Chico Recarey, ainda fiz o mesmo show na boate Un Des Troix, no Leblon. Mais nove meses em cartaz. Outro sucesso que fiz foi Silicone, comédia de minha autoria em parceria com Gugu Olimecha, direção de Fábio Sabag e que eu mesmo produzi e ficou em cartaz no Teatro Princesa Isabel. Era sobre um coronel do exército que era síndico do prédio e fica impotente. Ele quer saber como sair daquela situação porque ganha mal e tem uma série de problemas. A mulher dele se queixa e a vida dele é um qüiproquó danado. Tinha muita graça. Andamos depois por vários outros palcos. Não me lembro de ter feito outro militar na vida. Chamava Coronel Gerúndio. O sonho dele era colocar uma prótese de silicone. Mas isso é coincidência. Não tem nada a ver com a vida do meu pai porque eu não teria respeito pelo militarismo a ponto de não interpretar um outro militar. Foi falta de oportunidade. Capítulo XIX Sexo e palavrões Os temas das piadas num show-solo são muito variados. Mas sexo é algo sempre recorrente. Tem que ter. As pessoas riem por vergonha, pudor, tesão, sei lá. O fato é que falar em sexo ou coisas relacionadas a ele provoca logo uma outra reação das pessoas. Eu diria que dá pra fazer um show inteiro sem colocar uma piada de sexo. Mas é muito arriscado. Porque, em síntese, quem conduz o show é a platéia. O roteiro sempre muda de acordo com o dia. Tem sempre as notícias mais recentes que são comentadas. E os diferentes locais do Brasil, que trazem diferentes tipos de público que reagem de formas diversas. De certa maneira, falando metaforicamente, quem está no palco comandando o espetáculo é a própria platéia. Mas ela não sabe disso. Outra coisa que é difícil controlar, ao menos no meu caso, são os palavrões. Nesses shows que fiz, tinha muito palavrão mesmo. Sem pudor. E as pessoas adoravam. Eu falava que m... e todo mundo ria. Isso faz rir? Então eu falava sempre que precisava de uma gargalhada em cima da outra. O Renato Corte Real me perguntava: Por que você fala tantos palavrões, Agildo? Você é tão engraçado, inteligente, não há necessidade. Eu expliquei pra ele que não era eu quem determinava os palavrões. Era a platéia que adorava ouvi-los. Além disso, é uma bobagem esse pudor com o palavrão. Se o motivo é o riso, a coisa é amenizada porque o sentido do palavrão não é o xingamento, mas sim a ênfase, a força da palavra. Se você xinga alguém, não precisa nem usar palavras de baixo calão. Já está fazendo maldade e pode usar qualquer palavra que o sentimento é o mesmo. Mas, se você fala para explicar uma situação cômica, isso não te passa o peso e a palavra traz apenas o aspecto de transgressão. E o que o humor mais faz se não transgredir? O que não se pode é criar uma regra. O Zé Vasconcelos, por exemplo, deu uma declaração dizendo que o dia em que tivesse que falar um palavrão no palco, ele iria largar o teatro. Nunca falou. E o teatro largou dele, o público foi embora. Um artista tem que entender o mundo em que vive. E o mundo de hoje é esse. Gosta de palavrões, mas principalmente gosta de rir desbragadamente. Não posso ir contra uma realidade que encontrei. Um dos shows que fiz no Teatro Princesa Isabel chamava-se Fica Combinado Assim. Ficou 11 meses em cartaz, com direção do João Bethencourt. Éramos eu, a Claudete Soares e Pedrinho Mattar. Um sucesso. Música ao vivo, cenário do Arlindo Rodrigues, uma grande produção. O Ivon Cury levou a cantora portuguesa Amália Rodrigues para ver o show. Sentaram na primeira fila. Uma senhora bonita, elegante. Ao final, eles foram ao camarim. Ela me olhou e disse: Quanto talento e quanto desperdício por causa de tantas palavras de baixo calão. Agildo, não precisava nada disso..., eu ouvi em silêncio. E depois respondi: Dona Amália, com todo o respeito, se a senhora entrar em cena e não cantar uma música conhecida, uma carta marcada, como se diz, o público vai ficar decepcionado, não vai? Aqui é a mesma coisa. Se eu entrar em cena e não falar tudo que tem que ser dito com todas as palavras, o público não vem. Como vou imitar a Dercy Gonçalves sem dizer um palavrão? Ela ficou me olhando e não sei se concordou. Mas ouviu também. Eu já fiz show limpo, sem dizer uma palavrinha mais pesada. Já fiz convenção para crianças! Elas se divertem e eu sei como agradar. É uma certeza que tenho. Não preciso do palavrão. Já fiz show para adultos que falei pouco palavrão. Foi bom, mas já vi coisa melhor dele, disseram depois. Ou seja, queriam me ouvir rasgar o verbo mesmo. Vou fazer o quê? Já fiz peças sérias sem palavrões e fui muito elogiado. Já fiz outras que foram uma porcaria, como Roque Santeiro. Falar de sexo, de velhinhos, das minorias, sempre é uma questão que depende da forma. São verdades do nosso cotidiano que podem ser engraçadas. E isso pode ser enriquecedor para as pessoas. Rir de suas mazelas. Aliviar as tensões. A sociedade brasileira ainda é muito reprimida. Tem preconceito pra caramba. Sexo, então, é um campo de mentiras. Eu chego no palco e começo a desfazer essas mentiras e todo mundo ri – uns porque se identificam, outros porque sabem que é uma realidade trágica para o outro, e não para ele. Capítulo XX Ó pátria amada Outro assunto tão popular quanto sexo é política. E os políticos são concorrentes da gente. Os caras não se emendam. Tem deputado que não dá pra olhar sem morrer de rir. É uma cena engraçada já de natureza. Antigamente, no Teatro de Revista, os temas eram políticos, mas o tipo de humor que se fazia era de uma atitude política, de uma lei, de uma frase, enfim, do cenário político. Tanto que os próprios políticos compareciam ao teatro para ver os shows. Faziam questão de tirar fotografia com os artistas que os imitavam. Dava certo status para o cara. No Planeta dos Homens, cujo auge foi na década de 80, meus quadros tinham um rastro político, mas o Jô fazia o Delfim Netto, que era mais crítico. O programa que mais falava de política, por causa dos bonecos, foi o Cabaré do Barata. Eu era o dono do pedaço, mas o texto pesado ficava por conta deles, os bonecos. E os textos não eram escritos por mim. Eu dava o tom do programa, carregava numa ou noutra piada. O fato é que o político dá muitas aberturas para ser caricaturizado. Seja por gestos esdrúxulos, e aí você esculhamba com tudo, seja por justificativas mentirosas de atitudes deles. Aí a gente desmente tudo mesmo e o público morre de rir, concordando. Ou seja, destrói-se o cinismo com humor. Destrói-se a mentira pública com o humor. Destroem-se as imagens empoladas dos políticos com humor. Hoje em dia, nem leio muito a parte política dos jornais. A primeira coisa que faço quando abro O Globo, por exemplo, é ver o serviço meteorológico, pra saber quando vou poder ir à praia. Se tiver nuvem de chuva na terça, quarta e quinta, posso pegar calção e chinelo que não cai uma gota do céu. Agora, quando está escrito período de sol, é melhor pegar logo uma capa porque se sair desprevenido vai se molhar todo. Depois, eu vou pro Segundo Caderno ler as notícias de cultura. Vejo as notícias de televisão, vejo os colunistas Anselmo Góes e Joaquim Ferreira – de quem gosto muito. As manchetes me espantam um pouco. A primeira página de um jornal é feita pra você comprar o jornal. Então, como sou assinante, fico meio impactado com aqueles textos que parecem gritar pra fora da página. Como sou carioca, me dá uma certa tristeza ver também as notícias da cidade. Quatro homens armados... já deve estar até impresso e pronto nalgum lugar. Muda dia, eles pegam a mesma manchete e colam na capa. É muito assalto na cidade. O Rio de Janeiro está completamente abandonado à sorte. Isso é triste e não tem graça que dê jeito. Uma cidade linda dessas... O Brasil é uma extensão do Rio, com milhares de diferenças, mas com o mesmo potencial para ser o melhor lugar do mundo, ser uma primeira potência mundial. Só falta o brasileiro querer. O futuro chegou para o país do futuro. Mas o Brasil não virou nada daquilo que prometeram. Claro que há responsáveis por isso. Todos o são, em maior ou menor grau. Se eu faço a minha parte como cidadão, sinto-me menos responsável pelo atual estado das coisas. Mas se os caras que governam não fazem nada, eles devem sentir-se mais responsáveis sim. As crianças estão nas ruas há 40 anos e todo governante diz que isso vai acabar. Eu faço muito show e viajo muito por conta disso. Fico sempre embevecido, de boca aberta mesmo, com a dimensão, a riqueza, a diversidade e a beleza deste país. Do litoral ao interior, do Norte ao Nordeste, como pode um local assim não estar no topo da ordem econômica mundial? Estamos com a faca e o queijo na mão. Há muitos anos. E agora a coisa está mais clara ainda. Ninguém quer ir mais para a América do Norte por causa do 11 de setembro. E o tsunami na Ásia também amedrontou as pessoas. A Europa vive com um medo permanente de ataque. É linda por conta de seu passado, mas não pode prometer nada para o futuro. Eu não conheço o presidente Lula. Eu o encontrei apenas uma vez na Churrascaria Rodeio, em São Paulo. Estava sentado no bar tomando um drinque quando ele passou com uma turma e me cumprimentou rapidamente, formalmente. Alguém assoprou no ouvido dele quem era o cara do bar e ele voltou: Agildo, me desculpe.... Imagina..., me levantei. Ele era deputado federal na época. Foi simpático. O fato é que tenho muita paixão pelo Brasil. Meu avô, meu pai, todos somos apaixonados por essa terra. Defendemos com as armas que conhecemos. Aqui temos neve, tubarão, ondas perfeitas, cachoeiras. Tem um monte de comidas diferentes. A melhor pizza italiana come-se em São Paulo, assim como a melhor comida árabe. Já a melhor carne é no Sul. As platéias são extremamente generosas. No Norte e Nordeste, eles entram no teatro rindo. O paulista se diverte aos montes. O Rio é mais moleque. Você começa o show e o cara já conhece a piada porque a cidade tem uma vocação de humor. É preciso inventar muito dentro da piada no Rio. Mas sempre funciona quando você pega o público desprevenido. Eles curtem com você. A cidade mais dura é Curitiba. Não sei o porquê. Nem sei a respeito do resto do Paraná. Mas todas as vezes que estive por lá, a cara da platéia era de que já viu melhor na Europa. Isso não diminui a qualidade dos projetos culturais e o interesse da cidade por cultura. O Teatro Guaíra é lindo. Talvez o frio também atrapalhe. As pessoas devem sentar em cima das mãos porque está frio e não conseguem bater pal-mas. Vai ver é isso. Um dos shows que fiz por lá foi o Alta Rotatividade, com a Rogéria. Ela é uma atriz com um talento fora do comum e um tremendo quebra-gelo. Na verdade, acho que a Rogéria não é só uma atriz, nem um ator, nem um travesti. Ela é um acontecimento. Não tem platéia que ela não quebre. Duvido. Mas deu duro em Curitiba. Não adiantou sentar no colo de ninguém. Capítulo XXI Viver de cultura Produzir shows hoje em dia, ao menos nas duas maiores cidades brasileiras, onde você precisa realmente estar para começar uma carreira pelo país, é uma atividade que está diretamente ligada ao fato de que a violência realmente impede as pessoas de saírem de casa. Hoje em dia, o entregador de pizza toca e a pessoa recebe a pizza debaixo da porta, por onde coloca o dinheiro também. E tem também outra coisa que antigamente não existia: atualmente, todo mundo paga meia-entrada. Veja bem, nada contra o velhinho e a velhinha que se divertem. Eu até concordo com o incentivo. Mas o que acontece é que eles enchem o teatro porque fazem excursão, chegam de vans, é aquele parque antropológico. Nesses dias tem que gritar mais porque a platéia não ouve mais coisa nenhuma. Estudante universitário também paga meia. De repente, tem uma enxurrada de estudante na platéia e ninguém realmente estuda. Está explícito na cara das pessoas. Fico me perguntando, como eles arrumam a carteira? O preço do ingresso é um ponto complicado para a produção de uma peça. É caro? Ou as pessoas ganham pouco? Não sei realmente o que representa ir ao teatro hoje em dia para o público brasileiro. Tem gente que vai se divertir, distrair mesmo. Outros vão ver o artista que gostam de perto. Outros procuram uma opção diferenciada das novelas, sempre tão repetidas, com uma história mais interessante do ponto de vista dramático, uma outra forma de representação. Tem também a peça que entra na moda e todo mundo quer ver. Se não viu, é um fora da moda. Aí o cara vai, não entende nada, mas na hora do papo, se sente integrado. Além disso, um teatro lotado não significa muita coisa para o bolso. Ao menos para o meu. A metade daquele dinheiro não é meu desde o início. Além disso, as produções têm sempre muitos profissionais que precisam receber bem. No final, sobra um dinheiro que pode não valer a pena o esforço emocional e físico de produção. Falo depois de 50 anos de estrada. Se estivesse estreando realmente, talvez não pensasse nisso. Uma coisa é ter a jovialidade e a força de trabalhar de um estreante. O que acho que tenho ainda. A outra é ter a disposição de se submeter e não ter o valor que ao longo de tantos e tantos anos de carreira foram construídos. Outro ponto difícil é a tal da captação de recursos. É uma droga ir atrás de patrocinador. Chega à empresa, te recebem de terninho e gravata, nunca sentaram num teatro e conversam contigo como se fossem críticos especializados. Por isso, não vou atrás de patrocínio mesmo. Por isso, fui pedir ajuda ao presidente Fernando Henrique Cardoso [na época de seu mandato] sobre como proceder com a Lei Rouanet. Minha função é no palco. Criar. Entreter. Ir atrás do dinheiro? Não... O dinheiro é que tem que vir atrás de mim... Posso até nomear alguém, alguma empresa, para me representar. Tem gente que faz isso profissionalmente e ganha uma bela grana. Só iria se fosse caso de necessidade extrema. Preciso que você vá porque é o dia da assinatura do contrato! Nesses casos, por exemplo, talvez eu vá. Além disso, tô fora. A vida cultural no Brasil ainda é uma ciência. A leitura, por exemplo, é um hábito que está cada vez maior no país. Não é um paradoxo para um lugar de tantos analfabetos e de gente que é alfabetizada, mas só sabe assinar o nome para receber o salário e não entende nada do que está escrito num jornal, por exemplo? Rio e São Paulo têm uma demanda incrível de leitura. Vejo isso pessoalmente. As livrarias estão sempre lotadas. As editoras anunciam muito. Estão sempre procurando um novo talento literário. Isso é bom. O brasileiro gosta de cultura. É só ter acesso que ele vai freqüentar. Cada vez que entro na Letras e Expressões, livraria famosa, seja em Ipanema ou no Leblon, para comprar um charuto ou um outro livro, as vitrines estão sempre com novos lançamentos toda semana. Isso mostra que o país é viável também sob o aspecto cultural. Basta que os governantes queiram isso também. Nessas minhas andanças pelas livrarias, encontro cada obra sensacional absolutamente desconhecida. Sou um leitor voraz, devo dizer. Tem um livro de um autor chamado Rui Tapioca cujo título é República dos Bugres que é uma obraprima. Todo mundo deveria ler. Fala da colonização portuguesa aqui. Mas fala com um deboche, um humor, sobre fatos historicamente comprovados, que é muito engraçado. Olha o nome do cara? Tapioca... Tinha que ser baiano. Tem alguns livros que acho que dariam boas peças. Mas não me estimulo muito por causa de todo o processo. E, para voltar a fazer peças dramáticas, seria preciso um projeto que fosse fora de série e não apenas um desejo meu. Algo arrebatador. Até agora não tive esse sentimento. Recebo, todo mês, roteiros de teatro e cinema. Alguns são bons, outros são perda de tempo e papel. Eu vou lendo até que um arrebente comigo e eu diga: Quero fazer! Portanto, o Agildo produtor está um pouco cansado da maratona. A única peça em que usei dinheiro público foi O Silicone. Mas, se fosse um texto que inicialmente eu já acreditasse e eu quisesse (e pudesse, à época) investir, eu pagaria o salário do elenco sem problemas, até o negócio começar a render. O meu trabalho como produtor funciona mais quando recebo um convite de um teatro, por exemplo. E eu monto um show em um mês. E, para eventos, tenho sempre um show menor pronto na gaveta. Hoje em dia só a televisão dá dinheiro mesmo. O teatro precisa de um supersucesso que fique anos em cartaz para dar um bom dinheiro. Quando dá certo, é bom demais. O cinema está começando a ser realmente uma indústria. Os filmes nacionais que passam de um milhão de espectadores parecem render algum dinheiro. Mas precisamos reconquistar uma cultura de ir ao cinema ver filmes nacionais que foi perdida ao longo das décadas de 70 e, principalmente, 80. E foi sepultada com os cinco anos sem filmes desde que seu Fernando Collor extinguiu a Embrafilmes e não colocou nada no lugar. Que grande atitude para uma presidente que se disse renovador! Acabar com um órgão de cultura! Depois não querem que eu esculhambe. Raramente compartilhei o palco em shows com outro ator. Eu e o Paulo Silvino fizemos um espetáculo juntos na casa Tom Brasil, em São Paulo. Durou dois meses. Não foi do jeito que a gente esperava, mas não foi mal também. Essas coisas são sempre subjetivas. Se sucesso fosse fórmula absolutamente conhecida, todo mundo estaria fazendo. O teatro mudou muito hoje em dia. Os bastidores são conhecidos do público. A cabeça dos atores mudou também. Ensaia-se muito. Cria-se muita expectativa. Minha mulher, Didi, me ajuda muito profissionalmente. Mas não vai a estréias porque morre de medo. Eu não tenho problemas com estréias. Claro que pinta uma leve ansiedade, que desaparece na primeira gargalhada. Isso acontece porque estou sempre muito seguro do texto, das marcas, das intenções, sejam piadas diretas ou cenas de humor. A pior coisa do teatro chama-se ensaio. Tem o aprendizado do texto, que é a primeira fase; depois, os ensaios com a marcação de cena que ajudam muito porque os movimentos são como ajudas para as palavras; depois tem os ensaios com luz; depois com roupa; chega uma hora que você quer o público. Chega uma hora em que você precisa do público. Ator e palco sem público não existem. E eu existo menos ainda sem uma gargalhada ecoando à minha frente. Capítulo XXII E o cinema... O cinema brasileiro é mais um dos inúmeros paradoxos brasileiros. Tem tudo para ser um dos melhores do mundo e não é. A esperança é que os filmes estão cada vez melhores e eu tenho a maior crença nisso. Tem uma nova geração que trabalha bem e sabe o que quer. Já houve uma época de público dando volta em quarteirão. Era uma febre do país se descobrindo nas telas, depois de tantos anos vendo os Estados Unidos da América com seus musicais, seus dramas. Hora de rir com nossos artistas. Foi uma época gloriosa em termos de relação e identificação. Tecnicamente poderia deixar a desejar. Não se fazia muitos gêneros diferentes também. Mas era importante. Hoje em dia, se o cara for produtor, pode ganhar dinheiro com cinema. Caso contrário, não tem condições para o ator ganhar dinheiro ainda. Infelizmente. Porque nós temos tantas histórias sensacionais para serem bem filmadas. Se Reinações de Narizinho, por exemplo, uma criação desse monstro de genialidade que é o Monteiro Lobato, caísse nas mãos de um cara como o diretor Steven Spielberg, imagino o sucesso que seria. Por que então não se pode fazer aqui tão bom quanto lá? Por falta de dinheiro? Mas é só arrumar o dinheiro. Ou seria por falta de talento? Acho que não. Talvez seja por falta de treino, de exercitar, de ter uma cultura de audiovisual mesmo. E de interesse político porque cinema é um assunto de interesse nacional, como a televisão, como a música. Hoje, os computadores estão em qualquer lugar. Claro que os americanos são mestres na arte do cinema. E agora eles estão dando passos à frente com tanta tecnologia. Nosso caminho é seguir evoluindo tecnicamente, mas contar as nossas próprias histórias. Também não adianta querer fazer igual. Isso é besteira porque nunca vai se chegar ao nível de realização e excelência de quem está fazendo a mesma coisa ininterruptamente por um século. Essa trilogia de Senhor dos Anéis, por exemplo, é uma loucura de realização! Acabaram os limites do que podemos ou não podemos fazer em cinema. Tudo é possível. E o Gladiador? A Roma Antiga revivida! Ver o Coliseu como se ele estivesse ali mesmo. Isso é o mais mágico do cinema. Recriar outros mundos. Viver a fantasia. Dizer que Papai Noel existe sim. Esse negócio de desmentir a existência do velhinho é uma maldade com as crianças. Deixa acreditar, qual o problema? Aí vem um crítico espírito de porco, e diz: Ah, mas esses filmes são todos feitos no computador. Guarda a sua crítica e me deixa ver, eu tenho vontade de dizer. O Ridley Scott faz uma câmera baixa andar pelas colinas da Roma Antiga em Gladiador! Quer ver coisa mais imponente e incrível de se imaginar? Aí vem o carinha que trabalha num jornal brasileiro qualquer pensar em como foi feito? Sai fora. Não tô nem aí se é computador, se é massinha de modelagem. Ao mesmo tempo, O Mágico de Oz é maravilhoso. Mas é década de 40, os truques eram outros. Parecem infantis. Não dá pra ver esse filme hoje em dia, depois de ter visto tanta coisa com tanta qualidade, sem prestar atenção na precariedade dos efeitos. No passado, a magia da história levava a gente realmente com a Dorothy. Hoje em dia, a gente olha e fica assim assim. O computador veio ajudar os criadores sim. Não há como negar isso. No meu caso, não faz a menor diferença. Até porque eu parei no liquidificador. E faço uma boa vitamina de vez em quando. Banana com aveia. Agora, pediu para eu mexer no computador... Já era. Só sei brincar naquela paciência. Admito que é um erro meu. Eu vejo uns moleques de 4 anos de idade mexendo naquele mouse e me sinto um idiota. Cheguei a um ponto de frustração tão grande que agora me recuso a aprender. A tecnologia é um furacão que passa todo dia na nossa vida. Para eu comprar um aparelho de fax levei um tempão. Estive em Miami e um cara chegou para mim: Agildo, não quer levar uns dez? Todo mundo tá comprando. Eu trouxe um e fiquei maravilhado. Minha vontade era dar um aparelho para todos os meus amigos para ficar trocando desenho, piadinha, qualquer bobagem pelo telefone. Só pelo prazer de mandar o papel e ele sair impresso no outro lado da linha. Outro dia o Chico Anysio me repreendeu: Agildo, você não tem um computador? No dia em que você colocar um na sua casa, não vai ter mais motivo para sair de casa. Então pensei: Vou comprar coisa nenhuma. Quero sair todo dia! Capítulo XXIII Seu Oscar Quero fazer um pequeno registro de um momento muito importante na minha vida. Ali na Cinelândia tinha uma leiteria chamada Alvadia. Era o local onde todos os artistas de cinema se reuniam. Ankito, Grande Otelo, Carlos Manga, Jaime Costa, o diretor Lulu de Barros. E, principalmente, Oscarito. Eu passava e ficava observando-os, louco para poder falar, me apresentar. Até que um dia eu parei e um conhecido me apresentou ao Oscarito, que era meu ídolo desde a infância. Muito prazer..., eu suava nas mãos, estava ofegante. Ele era um homem muito elegante e ao mesmo tempo de uma simplicidade marcante. Lembrou-se dos meus pais no exílio em Portugal, quando ele esteve por lá com a Companhia Trololó do Jardel Filho e os conheceu rapidamente. Foi a primeira companhia brasileira a ir para Portugal. Eu era criança de colo ainda. Foram pro Teatro Coliseu, todos os políticos exilados foram ver. Nesse primeiro encontro, ele comentou: Então você é o filho do tenente Agildo Barata... Sou sim, senhor... E por aí foi. Um dia agradável e típico daqueles em que a gente não esquece. Tempos depois, fui fazer o filme do Manga, Esse Milhão é Meu. Ele era o protagonista, mas nós não tínhamos nenhuma cena juntos. Nunca contracenei com ele. Uma pena. Só um dia em que o horário se estendeu um pouco e, quando acabei, entrei na maquiagem, ele estava lá, sentadinho, roupa de cena, esperando pacientemente sua vez de filmar. Os figurantes reclamando que “estavam há não sei quantas horas” e o ator principal quieto, consciente do trabalho e de suas dificuldades. Que lição. Todo mundo o chamava de seu Oscar. Eu entrei e ele me viu. Oi, seu Oscar, todo orgulhoso por estar ali com ele. Oi, meu filho, já filmou hoje?, Já, fiz uma cena agora... É uma pena não contracenar com o senhor... Ele foi amável mais uma vez. É... Mas ainda pode aparecer uma oportunidade... Noutra vez, montei uma peça chamada A Tia de Carlito e tinha um personagem que era um velhinho míope que ficava correndo atrás do aluno vestido de mulher. O velhinho pensa que é a tia e fica Vem cá, Dona Luiza, eu quero a senhora... Era bem engraçado. Eu queria que ele fizesse o velhinho, mas ele alegou que estava com um problema na garganta e não poderia atuar mais no teatro. Na verdade, ele já tinha dado a cota dele para o teatro com a companhia dele. Lotava as sessões todas. Mas só fazia no Rio e em São Paulo, às vezes Belo Horizonte, porque tinha medo de avião. Acho que o artista vai ficando mais seletivo ao longo da carreira mesmo. Faz parte. Guardadas as devidas proporções, hoje em dia eu também não aceito um papel que seja bom. Tem que ser uma coisa muito especial, senão fica chato. A gente passa a vida inteira fazendo pequenas concessões aos personagens, aos projetos, até que chega num momento em que os personagens precisam se encaixar nos nossos desejos. O tempo passou e aquele menino que ficou feliz, nervoso e ao mesmo tempo maravilhado em encontrar seu ídolo, mudou de lugar – passou a ídolo de muitos atores da nova geração. Não digo isso com falsa modéstia nem com presunção. É o reconhecimento de um monte de jovens artistas que cresceram vendo meu trabalho. Gostaram e, quando me encontram, têm o mesmo prazer que eu tinha em demonstrar a admiração. E eu sempre lembro do seu Oscar, e seu talento inesquecível. Capítulo XXIV Meu pai – um certo capitão Agildo Meu pai chamava-se Agildo Barata Ribeiro. Eu sou Agildo Barata Ribeiro Filho. Ele nasceu em São Cristóvão, no dia 5 de agosto de 1905. Sua vida é um filme de herói, de um homem que sempre acreditou em seu país e na liberdade. Um homem que, para tentar encontrar seus ideais, que mais tarde se misturaram com os ideais marxistas, acabou valendo-se do caminho das armas, do exército. Chegou até o posto de capitão e ficou conhecido como capitão Agildo Barata. Durante toda a minha vida, ouvi indagações sobre meu pai; ouvi também interpelações; acusações e elogios. Por muito tempo, eu fui o filho do capitão Agildo. Isso era um estigma. Meu pai era um homem respeitado, amado por muitos, mas temido e odiado por outros. A vida militar dele começou quando entrou no Colégio Militar aqui no Rio, mas foi mandado direto para o Rio Grande do Sul, acho que por causa de vagas. Como ele tinha o tipo físico moreninho, baixinho, era conhecido por lá como Carioquinha. Acontece que ele ficou realmente conhecido por causa da Revolução de 30, que era apenas uma ação para depor um presidente, o Washington Luís, e colocar outro, que foi o Getúlio Vargas. Não tinha tanto caráter ideológico. Meu pai lutou pelo primeiro batalhão de infantaria em João Pessoa, Paraíba, onde ele estava sediado à época. Já era oficial tenente. Logo depois, houve a Revolução de 32 em São Paulo. Ele teve uma participação muito ativa. Esse movimento, por sua vez, já teve um caráter mais ideológico porque era constitucionalista – tinha aquela indecisão sobre fazer ou não uma nova constituição e também porque o Getúlio já estava começando a pisar na bola, fazendo um governo totalmente diferente do que tinha prometido quando foi posto no poder. Os tenentes do exército se reuniram para cobrar. Mas perderam e os principais oficiais foram exilados para Portugal. Entre eles, meu pai. Que cumpriu um exílio de dois anos e meio, com minha mãe e um neném de seis meses de idade: eu. Foi justamente por conta dessa temporada na Europa que acredito que ele tenha tido os primeiros contatos reais com o socialismo. Em termos históricos, a revolução russa tinha praticamente acabado de acontecer em 1917. Não sei precisar realmente como foram essas relações – mesmo depois de tantas conversas que tivemos, que sempre aconteciam entre prisões, clandestinidade e os poucos anos que esteve realmente solto e tranqüilo. O fato é que não pude investigar as origens desse lado ideológico, da opção filosófica dele. Não posso precisar como nasceu nele esse interesse pelo socialismo. Imagino que tenha sido o encontro de uma vontade pessoal com uma idéia que ele viu pronta na Europa. Trouxe isso para o Brasil, como outros fizeram também. De volta do exílio, meu pai estava comandando o Batalhão de Infantaria em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Ele conheceu o Astrogildo Pereira, criador da Aliança Nacional Libertadora, que era o embrião do Partido Comunista Brasileiro. Ficou muito entusiasmado com suas idéias, que vinha de encontro às dele. Só que ele não tinha muito tempo para pensar – o negócio era ação, fosse através da força das armas, para colocar em prática o que ele acreditava ser o melhor para o Brasil. Por uma manobra estratégica do governo, meu pai foi trazido de volta do Sul e colocado no Cassino Prisão do Terceiro Regimento de Infantaria na Praia Vermelha. Na prisão, foi promovido a capitão. E ele aproveitou para, de dentro da prisão, promover a Intentona Comunista. A revolução de novembro de 35, conhecida como Intentona Comunista, foi a que realmente teve um caráter ideológico. Era também uma tentativa de derrubar o governo, mas tinha o interesse de transformação total na forma de viver. Foi uma revolução abafada porque foi mal planejada já que o Partido Comunista sempre foi muito fracionado em suas ações, seja no Norte ou no Sul. Então, a direita apagou esses focos de revolução. Meu pai tinha uma coragem imensa. O ator Paulo Gracindo era soldado na revolução de 30, na Paraíba. Ele me contou que, no campo de batalha, meu pai era completamente destemido, louco, para usar um termo bem simples. Corria sozinho para pular em ninho de metralhadora do inimigo e tomar o local na marra. Tinha isso como uma de suas ações famosas. Com o final da revolução de 35, ele foi novamente preso e condenado a 15 anos de cárcere. Desse tempo, cumpriu dez anos – sendo que dois no presídio da Frei Caneca, no centro do Rio de Janeiro; quatro na Ilha de Fernando de Noronha e quatro no famoso presídio da Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro. Nesse último presídio, que eu acabei conhecendo muito bem por tantas visitas, havia a maior biblioteca marxista informal que já existiu nesse país. É mais um paradoxo total. Só no Brasil mesmo. Mas é verdade. Eu via livros e mais livros que serviram de base para a construção do pensamento marxista dos homens que estavam presos ali. Foi onde eles se intelectualizaram, se formaram, se sensibilizaram com esse tipo de regime que seria do povo para o povo. Entenderam sobre classe dominante. Enfim, aquilo ali era um tremendo aparelho comunista às avessas. Um foco dentro da prisão. Os mais graduados faziam a cabeça dos novos, da raia miúda. Nas férias, eu ia para a Ilha Grande e me encontrava com todo mundo que, anos depois, seriam a base do Partido Comunista lá dentro. Nós fazíamos festa de Natal, montávamos presépio, tudo como se estivéssemos em casa. Os homens estavam presos, mas ficavam a maioria do tempo fora de suas celas. Mamãe passou quase quatro anos morando lá, porque o coronel Veríssimo, irmão do escritor Érico Veríssimo, era o carcereiro da Ilha, e, apesar de ser um homem de confiança do Getúlio Vargas era, ao mesmo tempo, alucinado pelo papai, um fã mesmo. Durante as férias, eles me diziam: Não aceite provocação, deixe te xingarem, te chamarem de comunista traidor. Não responda. Eu ficava louco, queria brigar com todo mundo. Fazia parte de uma turma de rua, a turma do flamengo, aquela garotada de esquina que brigava no bonde, na festa, no cinema. De repente eu ouvia: Você é traidor da pátria! E eu já pulava em cima do cara: É a sua mãe!, e me embolava com quem quer que fosse. Nessas confusões, nunca fui além das brigas de menino. Mas houve outras. Uma vez, a irmã do professor Paschoal, uma italianona enorme, de bigode e tudo, chamada tia Rosa, foi dar os nomes dos artistas do Teatro do Estudante para alguém. O interlocutor dela me apontou e ela disse: Aquele moreninho ali? Ah, aquele menino é muito talentoso, pena que é filho do capitão Agildo Barata. Eu ouvi e engoli. Não respondi. Mas pensei: Pelo menos eu sei quem é meu pai!, essas coisas que a mente produz quando a raiva bate. Mas era a tia Rosa, irmã do professor Paschoal, que, paralelamente, me protegia também, me ajudava. Quer saber de uma coisa? A presença do meu pai na minha vida existe, de certa forma, até os dias de hoje. Dias desses, eu tava tomando uísque com um cara lá em Itaipava, um coroa de 80 e tantos anos, seu Carlos, que ganhou uma garrafa numa rifa e disse que queria tomar o primeiro gole comigo. Refutei meio blasée: Não precisa... E ele mandou: Não é por sua causa. É em homenagem ao fabuloso capitão Agildo Barata, o maior orgulho deste país” Me encheu de arrepios. Havia um professor no colégio militar chamado capitão Arione Brasil. Ironicamente, ele era muito parecido fisicamente com meu pai. Só que era inimigo mortal dele. Era milico de extrema da extrema da extrema direita. O cara era meu professor de ciências, cuja aula era numa sala diferente das outras porque acontecia no laboratório, não era aquela coisa careta de mesa, cadeira e quadro negro. Tinha aqueles animais empalhados, mergulhados em álcool, o local era tipo um anfiteatro, parecia uma performance, um show. A chamada era feita pelo nosso nome e número de guerra. O meu número era 380. O inspetor fazia a chamada pelo número, os alunos respondiam pelo nome de guerra. Quando estava chegando minha vez, o homem disse: 380? Eu respondi: Agildo! O professor interrompeu a chamada. Quem é o 380? Eu respondi: Sou eu. Como é o seu nome de guerra? Eu disse: Agildo. Ele disse: Vou te dar aula todo o ano, duas vezes por semana, durante dois anos. Atenção: toda vez que chamarem teu número, só responda presente. Não quero ouvir esse nome na minha aula! Eu tinha uns 12 ou 13 anos. Começou a chamada novamente. Vamos repetir para ver se o senhor entendeu. 380? Eu não perdi a chance. Presente. Barata Ribeiro. E fui detido por alguns dias. Nesse tempo todo, também aprendi a construir uma muralha ao redor de mim quando o nome do meu pai era mencionado. Aprendi a lidar com o fato de ser filho de um comunista que foi tão importante no Brasil. Eu teria sido um prato feito para analista se não fosse pelo meu temperamento e pela minha tendência artística com o humor. O problema era seguir a herança do meu pai. Entrar na luta armada. Refutava isso, ao mesmo tempo que amava o que ele fazia. Mas, quer saber? Nunca li o Manifesto Comunista. Os membros do Partido criticavam meu pai por isso. Perguntavam por que eu não estava nem na Juventude Comunista. E meu pai, cheio de grandeza, dizia: Não vou forçar. Ele quer ser artista, não vou obrigá-lo a nada. O filho é meu e a decisão também. Ele tinha um sentimento de justiça imensurável, de total e absoluta isenção na hora de avaliar um assunto. Mas foi ali, durante a década que passou preso na Ilha Grande, que ele realmente enveredou e se formou como um comunista. Esse período de prisão foi responsável, não tenho a menor dúvida, por essa metamorfose que se deu na cabeça dele. Ao menos a parte teórica. Papai nunca esteve na Rússia, nunca tinha visto um exemplo ao vivo de um país sob a orientação comunista. Eles tinham a teoria socialista comunista e tinham convicção daquilo como forma de governo para o povo. Para terminar com essa desigualdade que havia, há e haverá enquanto houver esse regime capitalista selvagem que privilegia acúmulo de riqueza e não distribuição. Só que aquela era outra época. Romântica, ideológica, sonhadora, heróica, em que a literatura tinha influência preponderante na mente dos homens. Cada comunista que eu conheci, e convivi com muitos deles, Gregório Bezerra, Marighella, Álvaro de Souza, Leivas Otero, Tenente Coutinho, Astrogildo Pereira, Ivan Ribeiro – que é avô do cantor Gabriel, o Pensador – era uma lição de vida, um personagem de filme de aventura. Estar naquela Ilha, para nós, crianças, era um paraíso. Quando o Getúlio deu anistia, nós, os meninos, ficamos irritados. Antes, queríamos xingar o Getúlio, mas não sabíamos como. Aí, quando ele teve um gesto democrático e liberou os presos políticos, nós encontramos uma razão: ele estava acabando com nosso paraíso. A molecada começou a chamar o Getúlio de ditador de bosta por causa disso. Que maldade... O fim da prisão foi o início da ação legal das idéias que eles tanto acalentavam. Tanto que, quando houve a anistia em 45, logo em seguida foi fundado o Partido Comunista Brasileiro, com o qual meu pai esteve comprometido diretamente. Aí, fizeram as campanhas para os cargos públicos. O Luis Carlos Prestes foi eleito senador, o Portinari foi candidato por São Paulo. E meu pai foi um dos 18 vereadores do Partido Comunista eleitos no Rio. A comparação da participação do meu pai e do Prestes no Partidão é um assunto que eu prefiro não me estender muito. Falam muito disso entre as pessoas que viveram essa história. Eu deixo que quem os conheceu formule uma opinião. Hoje, anos depois, é difícil ter exatidão. É um assunto delicado porque cada um teve uma atuação diferente. Em 30, papai pegou em armas, trocou tiros com a polícia de Getúlio, assumiu a comissão comandando o batalhão de infantaria em João Pessoa. Em 32, ele pegou nas armas novamente; em 35, pegou novamente. Uma guerra atrás da outra. Ele não ficava de bate-papo. Ia preso, solto, fugia, era um revolucionário em todos os aspectos. Eu penso, de certa maneira, que o Prestes não teve esse mesmo ímpeto. Nunca foi homem de pegar em armas realmente. O Jorge Amado fez aquele negócio de ficar olhando-o como uma esperança, romantizando muito, e ficou na literatura a tradução da realidade histórica. Isso não minimiza a atividade dele. Mas é bom deixar claro como ela foi. Quero deixar claro também que tenho muito respeito pela figura do Prestes. Eu o conheci muito. Quando fiz aniversário, em 47, meus 15 anos, fizeram uma festinha na sede do partidão, todo mundo me deu livrinho: A China de Ouro, O ABC do Comunismo, essas coisas. O Prestes, por sua vez, me deu uma foto dele autografada. Estava escrito: Para o Agildinho, feliz aniversário, Luis Carlos Prestes. Eu adorei, era uma figura lendária, o Cavaleiro da Esperança. Mas alguns companheiros interpretaram mal dizendo que era uma pretensão dele ao me dar o próprio retrato. Bobagem. Tenho até hoje. O Partidão tinha muita crítica também. Hoje em dia é tudo uma bobagem. O fato é que o Partidão era uma realidade num Rio de Janeiro que era o Distrito Federal, que vivia uma época de ouro; e os comunistas tinham maioria na câmara. A UDN do Carlos Lacerda e o PTB do Getúlio só tinham nove vereadores cada um. Eram inimigos ferozes, nunca se juntavam para bater de frente com o Partido Comunista, que acabava com a maioria sempre e aprovava ou vetava todos os projetos de seu interesse. Isso incomodava plenamente o partido da direita vigente, do Vargas. Embora o Hitler já tivesse perdido a guerra, já tivesse havido a anistia, esse país não deixou de beirar a direita fascista, com ranço de Franco, Salazar e outros. Esse trabalho dos comunistas no poder era maravilhoso. Por exemplo: eles propuseram a construção do metrô para o Rio de Janeiro. Mas, antes desse projeto passar, os vereadores foram cassados num golpe político. Eram homens que trabalhavam pelo país, honestos, cheios de projetos para melhoria do local. A direita inventou a história de dizer que a campanha do Petróleo é nosso, criada pelos comunistas, era um movimento subversivo. Mas, se nós tivéssemos, naquela época, o domínio do petróleo, seria quase como uma nova independência do Brasil. O metrô era para estar pronto desde 1949. As reuniões com os engenheiros alemães eram no meu apartamento. Aquele monte de homens debruçados sobre mapas da cidade, minha mãe correndo prum lado e pro outro para servir café, bolo, e também olhar o que eles estavam falando. Eu era garoto. Vivia na rua com os amigos, vagabundeando. E pensava assim: Tomara que esse negócio do metrô demore bastante para que essas reuniões não acabem tão cedo. Isso porque minha mãe me controlava muito. Não só pelo cuidado normal de mãe, mas principalmente por causa do meu sobrenome. Ela vivia sobressaltada. Eu não tinha muita noção do perigo. Mas era filho do Capitão Agildo Barata, do Vereador Agildo Barata Ribeiro, comunista, numa terra governada por um homem como o Getúlio, capaz de fazer qualquer coisa. Quando cassaram o Partido Comunista em 49, e todos foram para a ilegalidade, a polícia invadiu mais uma vez lá em casa. Isso era uma constante. Só que pegaram os mapas, os estudos e levaram tudo. Enfim, o projeto do metrô acabou numa dessas invasões à minha casa quando o partido foi para a ilegalidade. Cheguei do colégio e estava tudo revirado. Minha mãe enfrentava os caras, impunha respeito e, quando estava em casa, era difícil que eles entrassem. Muita gente dizia que a Maria Barata Ribeiro não era comunista, mas era baratista porque ela seguia tudo o que meu pai fazia. Era um amor dedicado. A ideologia dela era ajudá-lo. Quando meu pai rompeu com o partido, ela rompeu também. Tenho uma opinião muito particular, um tanto quanto irresponsável, mas aquele ideal no qual eles embarcaram era muito distante, sonhado, utópico mesmo. Tanto que, quando saiu o relatório do Nikita Kruschev, contando as atrocidades do Stalin, meu pai ficou muito mal, repensou toda a convicção dele e saiu do Partidão na mesma hora. Virou dissidente mesmo. Saiu da ilegalidade, na qual ela estava desde o fim do partido, e voltou à vida mais ou menos normal. De vez em quando, tinha polícia lá em casa. Ele era sempre seguido. Um dia, ele deu uma entrevista para a revista Manchete e perguntaram: Por que então o senhor saiu do Partido Comunista Brasileiro? Ele respondeu: Aquilo não é partido, muito menos comunista e nem é do Brasil. E saiu. Isso era década de 50. Uma vez, ele estava na sala do apartamento no Flamengo onde morávamos e chegaram vários carros da polícia. Minha tia olhou pela janela e gritou: A polícia vem aí! Meu pai ficou todo feliz. Achou que iriam prendê-lo. Mandou minha mãe preparar a roupa porque ele iria ser levado. Mas não era. Tinham descoberto uma célula de chineses num apartamento do mesmo prédio aonde morávamos, na Marquês de Abrantes, 157. E os caras estavam investigando. Quando soube que ele não iria ser preso, ficou tão frustrado que a gente pensou em simular uma prisão dele. Era a vida dele. Lutar pela liberdade, ser preso, ser solto. De certa forma, ele continuou comunista em seus ideais, mas não mais filiado ao Partidão. Fundou um jornal chamado Nacional, que era um jornal nacionalista, claro, ainda pregava o Petróleo é nosso, aquele discurso todo, mas de certa forma mais leve. Em 59, ele teve um derrame. Ficou lúcido e resolveu escrever o livro dele, Vida de Revolucionário. Ele ditava e minha mãe escrevia. Quando morreu, em 68, o enterro do papai parecia uma chanchada italiana. Tinha general como Ernesto Geisel, Sizeno Sarmento, Figueiredo, Bizarria Mamed, Juraci Magalhaes, a extrema direita toda, amigos e colegas de turma da escola militar. Do outro lado, tinha comunista para tudo o quanto é lado – os legais e ilegais, de chapéu enterrado na cabeça, capa, se escondendo. Uns reclamando pelo fato de ele ter abandonado o Partidão. Outros agradecendo e concordando. E, no meio desse povo todo, para variar, tinha ainda a polícia atrás de algum comunista para prender. Até os últimos dias ele continuava acreditando no Brasil. Tinha ficado irritado com a Revolução de 64. Havia um oficial da Marinha, o Comandante Sisson, amigo dele, velhinho também, com quem ele se encontrava sempre. Ficavam os dois, de bengala na mão, andando pelo bairro e planejando derrubar o governo de 64. Mamãe chegava e dizia: ”Agildo, vamos tomar um lanche primeiro e depois você derruba o governo porque você não comeu nada até agora”. Ele ficava revoltado... Estava levando a sério. Capítulo XXV Ser político Eu sei que, se tivesse tido uma vida engajada, seguido os passos do meu pai, hoje eu seria general, como todos os filhos dos colegas dele; estão todos na reserva, reformados. E muitos são de extrema direita. Mas são meus amigos, apesar dessas opções diferentes. De certa maneira, boa parte da minha carreira foi marcada por uma crítica ácida, demonstrando um pouco das minhas concepções como cidadão. No teatro, eu atuei no Grupo Opinião, que era bem politizado e politizante também. Eu sabia que era um ser político mesmo no palco. O artista Agildo Ribeiro sempre cruzou o caminho com a política de esquerda. Sendo filho de quem eu era, era sempre esperada alguma coisa da minha parte. Eu alertava: Vocês estão me tomando por uma coisa que eu não sou. Sejamos honestos. Eu era protagonista, ganhava prêmio, meu dinheiro, elogios, e o personagem pregava a reforma agrária, que, por acaso, eu também sou a favor. Mas poderia não ser assim. O personagem poderia ser outro. Com outras convicções. Diferentes das minhas. Sou a favor do jogo para criar impostos e empregos, por exemplo, que é uma questão polêmica. Mas também sou a favor da educação como princípio de tudo, de dar responsabilidade ao livre arbítrio das pessoas. Acima de tudo, sou a favor de proibir qualquer proibição, do é proibido proibir, uma brincadeira dos anos 40, da garotada que vivia sob tantas proibições. Enfim, minha formação também teve muita coisa de autores comunistas. Eu lia muita revista russa, chinesa, fora os livros todos que ganhava como forma de seduzir meu pensamento. Meu pai nunca tentou fazer minha cabeça diretamente para entrar no partido. Também me dava livros como se fossem preparações, mas não me falava nada; como, por exemplo, toda a coleção do Eça de Queiroz, que era maravilhosa, mas tinha também o fato de que ele, Eça, tinha abraçado o movimento esquerdista na Europa. Ou seja, era sempre muito sutil, deixando a escolha ser minha. Nunca me empurrou o Manisfesto pela goela abaixo. Eu preferia ler Monteiro Lobato, um gênio da literatura infantil no mundo todo. Até hoje tenho os livros daquela época, uma edição dos anos 30, com ilustração do Belmonte e do Rodolpho. Engraçado, o Monteiro Lobato também foi preso pelo Getúlio. De certa forma, tive uma formação eclética. Ainda bem. Foi uma química que deixa no ar uma pergunta a qual já posso responder antes de ser feita na cabeça das pessoas: se eu fosse político, se eu fosse engajado, eu seria de esquerda. Obviamente, sou um homem de esquerda. Porque, nesse tipo de assunto, ou você é ou não é. Papai dizia: Não dá pra ficar no meio do muro, dizendo ‘eu concordo mas não me meto em política’. Isso é hipocrisia. Se você diz que não é parte de alguma coisa, é porque você está contra ela. Eu concordo. Mas eu não seria dessa esquerda que existe atualmente, que dá vontade de rir. É a esquerda mais direita que existe. Vejo essas comissões de investigação de inquérito e fico pasmo como as pessoas não sabem nem falar. Vejo senador, deputado, todos acabando com a língua portuguesa. Dá vontade de rir mesmo, eles competem comigo, que sou humorista, fazendo graça ao invés de tratarem da política de forma correta. Todo mundo criticava o Lula pelos erros de português. Incrível isso. Mais um paradoxo. O Lula tenta acertar no português. Os deputados tentam acertar no governo. No final, ninguém acerta. Minha mãe também tinha pavor que eu seguisse carreira política. Eu até cheguei a cogitar sobre isso. Ia entrar para a Juventude, ser membro do Partidão, ter aparelho e tudo o mais para lutar pela causa. Mas eu não era aquilo, não fazia parte da minha alma, não era para ser assim. O máximo que meu pai tentou fazer foi me mandar para o Festival da Juventude e da Paz na Romênia. Era o décimo quarto festival da juventude comunista, conhecido como Quatorze. Os amigos dele achavam que eu iria cair no mundo comunista e iria me conscientizar. Mas naquela época eu não tinha nem passaporte. E nem sabia como tirar um. A burocracia era outra. Tive que tirar um passaporte com visto para a Itália. Iria de navio ate Gênova. E precisava de outro visto para a França. Para onde eu iria depois. De Paris, eu receberia um papel de autorização para ir a Bucareste, na Romênia. Agora, imagine isso na cabeça de um rapaz de 19 anos de idade, com um passado como o que eu tive por causa do meu nome e, claro, pelo histórico da minha família? Fiquei dez dias sem dormir só pensando no navio. Depois, me preocupava com a papelada para entrar no mundo comunista. Meu tio Zamiro Barata – o mesmo que me levou no teatro – disse para minha mãe: Maria, vou resolver isso tudo da imigração pro Agildinho em São Paulo. Minha mãe resolveu ir junto. Eu estava vestido de paletó preto fechado até o pescoço, óculos escuros e piteira. Muito chique. Parecia aquela coisa do Getúlio Vargas, do Estado Novo, poderoso, inacessível. Chegamos ao tal lugar, entrei numa fila onde o homem dava os pedidos de deferimento dos vistos. Tinha um policial fazendo a chamada. Eu já tinha aquela coisa de chamada... Meu nome... E sabia que ia dar problema. O cara foi falando e pronto: Agildo Barata Ribeiro, ele disse e olhou novamente o papel, acho que para confirmar mesmo. Quem é Agildo? Eu me apresentei. -Então, o senhor quer tirar passaporte? -Sim, senhor. -Vai fazer o que na França? -Eu sou artista, sou do Teatro do Estudante, quero ir para a França estudar um pouco de teatro. Ele olhou no meu olho. E disse: – Que coincidência... Logo agora que vai ter o festival da juventude comunista, o filho do Agildo Barata quer estudar teatro na França? -É, coincidência... E o cara gritou Indeferido! Pronto. E não fui. De certa maneira, esse cara é quem é o verdadeiro responsável pelo artista Agildo Ribeiro. Imagina se eu tivesse ido? Aquela juventude lá iria fazer a minha cabeça, eu ia voltar cheio de coisa porque o proletariado é isso, o proletário é aquilo e pronto. Eu já tinha tudo na família, já conhecia todo o linguajar, fui criado no meio... Era só um empurrãozinho. Mas não fui. E fui ser artista. Capítulo XXVI Correio vermelho Meu pai dizia pra mim: Quando você nasceu, a asa do gênio roçou o teu berço, porque você é fantástico. Quer elogio melhor vindo de um pai tão importante? Ele dizia que esse meu talento só poderia ser um problema inconsciente, quase como uma defesa para as perseguições, as provocações, que sofremos durante tantos anos de nossa vida, em que ele dedicava toda a sua existência pela causa marxista. De fato, era um clima de tensão enorme. Minha mãe também foi presa algumas vezes – nove, no total. Eles iam e vinham. Só que, como eu conseguia ter acesso a eles, na maioria das vezes tirava tudo na farra. Ficava imitando-os na prisão, nas reuniões. Minha natureza formou-se por conta disso tudo. Foi isso que trouxe o Agildo Ribeiro até aqui. Resistir através do humor, da alegria. Qual era a saída que eu teria? Quando estava estreando em Doll Face eo Correio da Manhã trouxe a foto minha perto da Consuelo Leandro, com o texto que dizia: Zilco Ribeiro apresenta hoje às 21 horas..., meu nome era dos últimos, bem pequeno. Mas fiquei muito orgulhoso e queria mostrar pro meu pai. Só que ele estava na ilegalidade. Embora não tenha ido à estréia, depois ele foi me ver. Me contou que foi escondido, com a ajuda de amigos, cheio de códigos. Ele era o Seu Noronha quando ligava lá pra casa. A gente atendia: Oi Seu Noronha, tudo bem, então, quarta, às duas? Tá bom... Mas o código era o seguinte: não era quarta-feira, às duas horas. Era segunda-feira, às quatro horas. Tudo trocado. Quando foi ver a peça, eu não sabia que ele estava no meio da platéia. Mas depois me contou que gostou muito. Algum tempo depois eu comecei a fazer papéis mais sérios. No próprio Teatro de Revista, comecei a ganhar mais destaque, já era a primeira figura, logo depois estreei no teatro com o Auto da Compadecida. Quando me chamaram para fazer a Compadecida, o papai disse: É o texto mais importante do teatro brasileiro desde Martins Pena. Você tem que fazer nem que seja de graça. Foi então que eu percebi que meu pai já tinha embarcado na minha carreira artística de vez. Foi quando passaram a me apresentar como Agildo Ribeiro e não como o filho do Agildo Barata. Meu pai tinha muito orgulho de mim como ator. As pessoas falavam, cheias de preconceito, Seu filho... Artista... e ele respondia: Não vou forçar, é o desejo dele. Não vou dar dinheiro porque ele precisa saber o valor do trabalho. Se ele tiver que ser transviado, vai ser advogado ou médico da mesma forma, um pensamento totalmente moderno, num meio cheio de sectarismo. Uma vez, fui mexer com um gay no meio da rua e meu pai me deu um esporro. Nunca faça mal ou critique alguém. Se não puder ajudar, não maltrate, ele me disse. Nunca mais esqueci. Também tinha muito comunista que dizia que eu era um tremendo político à minha maneira. Com meu anarquismo no teatro, na TV, era uma forma de sacudir as pessoas. Tenho uma natureza anárquica desde que me entendo como gente. Até hoje. Sou questionador, mas não consigo ver isso de outra forma senão através do humor. Dedico esses capítulos na minha biografia para falar do meu pai para que as pessoas entendam como ele é importante para mim. Onde quer que esteja – e deve estar lutando por alguma coisa – ele sabe que é muito bem homenageado. Nós vivemos tantas histórias loucas. Tive uma vida nada convencional e isso é muito enriquecedor para o artista. As histórias são muitas. Vou contar uma, como símbolo: papai estava preso na Frei Caneca. Minha mãe ia todo santo dia da Ilha do Governador para levar comida pra ele. Todo dia, durante dois anos e meio, ela estava lá. Um dia, teve um problema no presídio e o castigo foi cortarem a visita no dia seguinte. Quando a mamãe chegou e soube que estava interditado, ficou preocupada. Ai pediu: Deixa o Agildinho ir lá. Eu usava calças curtas ainda. O tira deixou. Entrei, foi aquela festa. Papai escreveu um bilhete explicando para ela que não tinha havido problema algum, que o problema tinha sido por causa de uma comida estragada que serviram e eles tinham feito uma bagunça. Ele pegou o papel e disse: Agildinho, só entrega pra sua mãe do lado de fora do presídio . Colocou na sola da minha alpargata. Eu me senti o máximo, participante da luta, um agente, sei lá. Fiquei tão feliz que saí correndo. Quando cheguei ao meio do pátio, antes de sair, eu estava tão excitado com meu segredo que gritei: Mamãe, mamãe. Tô com um bilhete do papai escondido aqui no sapato para você! O tira ouviu e pronto, me segurou. Pegou o bilhete, não era nada demais, mas segurou. No dia seguinte, o jornal traz uma manchete assim: Usavam o menor Agildinho como correio vermelho! E a matéria dizia ainda que eu tinha nove cartas contendo planos comunistas no sapato! Eu era o próprio correio vermelho! Capítulo XXVII Baixou o Cipriano! As origens mais antigas que tenho conhecimento da minha família são através do deputado baiano chamado Cipriano Barata de Almeida, que, como deputado, representava o Brasil na corte portuguesa, na época do Brasil Colônia. Cipriano era um nacionalista de primeira. Meu pai tinha a maior admiração por ele, cujas atitudes funcionavam como um norte para ele. Cipriano era um homem corajoso, esteve preso por muito tempo. Chegou a editar um jornal chamado O Sentinela da Guarita, um clandestino que falava sobre seus ideais. Embora não existisse esse tipo de divisão naquela época, Cipriano já era um homem de esquerda. Conta o meu pai que, quando ele estava fazendo um discurso na corte, e um político português o interrompia, ele dizia: Quando brasileiro fala, a canalha portuguesa tem que calar! Meu tataravô Cipriano tinha muita bronca de Portugal. Eu devo ter trabalhado isso inconscientemente na minha mente. Quando a família foi para Portugal durante o exílio, isso foi expurgado. Foi um retorno para perdão. Porque, independentemente do país em que se vive, a pessoa sempre culpa a nacionalidade por algum problema. Nasceu na China, Rússia, Portugal ou Brasil, o cara faz besteira porque é típico de seu país fazer besteira. Isso é uma bobagem. O mesmo acontece com as raças e religiões. Papai sempre repreendia qualquer aspecto de discriminação. Então, se eu contasse uma piada com um aspecto racista, ele sempre prestava atenção e dizia: não fale assim de negros, de judeus, de portugueses. Voltei a morar em Portugal também tempos depois, já com a minha mulher Didi. Então, quando acontecia qualquer coisa que me deixasse irritado, eu ficava esbravejando, falando mal de qualquer um, xingando o outro, aí ela falava: Baixou o Cipriano! Li muita coisa desse meu tataravô. Meu pai me falava muito acerca dele também. E tem esse livro do Cipriano, do Mario Morel, que eu não empresto para ninguém. São historias incríveis. Engraçado que eu nunca pensei em fazer um personagem chamado Cipriano. Mas sinto ele de vez em quando por perto. Não acredito nessas coisas, mas acontece. Pode ser piração da minha cabeça, claro, porque eu não o conheci. Mas tenho em minha mente uma personalidade forte, um jeito de agir, de falar, de resmungar, que, pelo que imagino, seja parecido com o dele. Acontece que, para castigo dele, o destino lhe armou uma peça: sua filha, Viridiana Barata de Almeida, casou-se com um português, um pintor sem expressão artística chamado José Ribeiro. Foi desse tronco que nasceu a família Barata Ribeiro. A família ainda perdurou na Bahia por mais algum tempo. Os bisnetos do Cipriano foram o Atanagildo Barata Ribeiro e o Cândido Barata Ribeiro. O primeiro era oficial da marinha e o segundo foi o primeiro prefeito do Rio de Janeiro. Daí o nome da Rua Barata Ribeiro, em Copacabana. É uma homenagem a esse prefeito. Cândido era meu tio-avô. O meu avô era o Atanagildo, que se casou com a Maria Gabriela, minha avó, que era de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Essa é a corrente da família pelo lado do meu pai, que é Agildo Barata Ribeiro. Pelo lado da minha mãe, eram cinco mulheres e um homem, o tio Everardo. Todos nasceram na Ilha do Governador. E meu avô, pai da minha mãe, veio da Grécia, casou-se com a Dona Rosa da Conceição, minha avó, uma moreninha muito linda nascida em Paquetá. Quando ele se casou com ela, já tinha 40 anos de idade. Depois, mudou-se para o Rio e eles tiveram os 6 filhos. Ou seja, tem grego, português e muito brasileiro no meu sangue. Brasileiro do Rio de Janeiro, que é o papai; da Bahia, que são meus avós, bisavós e por aí adiante. Pela minha altura, devo ter puxado o lado europeu da família. Porque meu pai era um homem de estatura pequena. Mas, evidentemente, essa minha cor mostra também que tem um componente índio muito grande perdido por aí. Meu pai tinha cabelo liso como índio, ou melhor, como caboclo. Muitas vezes respondi que não tinha nascido no Pará, ao ser indagado pelas pessoas se eu era natural de lá. Quando eu fui à Grécia, terra natal do meu outro avô, acabei não indo à cidade dele. Fui apenas a Atenas, que, aliás, tem apenas o Partenon como algo interessante. O resto é uma decepção. Dos lugares que eu mais gostei de conhecer, Istambul é o preferido. Amei de paixão. Só que o lado grego da minha família tinha ódio dos turcos por causa das guerras entre os dois povos. Então, eu não podia falar em qualquer assunto que remetesse a turco. Na esquina da rua onde nós morávamos na Ilha do Governador, havia uma loja de brinquedos cuja proprietária era dona Maria Jorge. Tinha o apelido de Turca. Eu era garoto e adorava ir naquela loja. Só que, toda vez que alguém da família me via na loja da dona Maria Turca, era puxão de orelha e repreensão. Quando voltei da viagem à Grécia, todo mundo me perguntou como era Atenas: uma porcaria, eu disse, parece uma Madureira sem graça! Quase me bateram. E a coisa piorou: eu gostei mesmo foi da Turquia, falei. Aí tudo explodiu. Coisa de sangue grego mesmo. Minha família era o primeiro ponto de parada dos gregos que vinham tentar a vida na América do Sul. Chegavam e iam direto para a casa do meu avô na Ilha do Governador. E sempre tinha muita gente, aqueles almoços com conversas que não acabavam mais, as brincadeiras típicas com as músicas, as danças, enfim, aquela domingueira grega em pleno Rio de Janeiro. Minha mãe era uma mulher muito bonita, adorava essas festas. Era muito caseira e tudo fazia para manter sempre a unidade familiar. Sempre se dedicou muito a mim – até porque eu era filho único. Mas também teve uma vida dedicada ao meu pai, à causa que ele perseguia. Capítulo XXVIII Vida particular - Será? Estar no palco significa estar com todas as atenções voltadas, concentradas. A vida de um artista é mesmo um assunto de interesse popular. A vida particular nem se fala. Eu nunca tive muito problema com essa invasão de privacidade que existe. Sabe por quê? Porque nunca tive muita privacidade mesmo. E não liguei pra isso. Quando você é famoso, as pessoas querem saber onde você mora, com quem você dorme, qual bebida você toma. Isso faz parte desse mundo. Dá ao famoso um poder de formar opiniões, que é efêmero – se eu casei cinco vezes, significa que casar muitas vezes é bom? Nada disso. A propósito, fui casado 5 vezes. A primeira delas foi com a talentosa atriz e comediante Consuelo Leandro; depois, com uma vedete do teatro, a Conchita Mascarenhas, que era uma loura lindíssima e tocava acordeom superbem; com a atriz Marília Pêra, um fenômeno na arte de atuar; casei com uma prima distante, num daqueles erros que a gente só descobre alguns meses depois. Nesse caso, exatamente oito meses. E, por último, mas principalmente, com a Didi, a mulher da minha vida, com quem estou há mais de 30 anos. Didi é o apelido de Nídia. Ela foi bailarina do Municipal, depois foi do Balé do João Carlos Berardo, da TV Globo, quando eu a conheci. Namoramos, nos apaixonamos. É o ser humano mais completo que já vi na vida. Antes de morrer, em 79, minha mãe disse que já podia ir embora em paz porque eu estava com a mulher certa. Eu e Didi nos casamos depois de 17 anos de namoro. E, para escolher a data do casamento, tivemos um lampejo marxista: foi no dia 27 de novembro de 1989, data em que se lembravam os 54 anos da Intentona Comunista. Minha vida se resume a antes da Didi e depois da Didi. Eu era um louco que dinamitava dinheiro sem a menor pena. Gastava com amigos, com mimos da vida de solteiro. Viajava e comprava tudo o quanto era besteira. Mas ela me segurou. Ensinou-me a economizar, a investir. Tudo o que tenho hoje foi graças a ela. Estamos juntos há... 33 anos. Caramba! Tá vendo o que dá fazer biografia? Ela é uma mulher com muita sensibilidade artística e me ajuda muito profissionalmente também. Eu e Didi não temos filhos; então, a gente vive pela qualidade de vida, pelos animais que criamos. Nós tínhamos sete cães quando eu morava na Epitácio Pessoa, da raça Lhasa Apso, aquela em que você não sabe onde fica a cabeça ou a bunda. Quando um deles morre, é como se nós perdêssemos um filho. Vivo um casamento lindo, amigo, cheio de cumplicidade, cheio de humor. Um complemento de se-res humanos. Coisa bonita mesmo. Nunca pensei que isso pudesse existir. Mas, quando descobri, pensei: Existe sim! Todos os outros relacionamentos duraram mais ou menos 3 anos. Claro que tenho muitas coisas boas a falar de todas elas. A Marília Pêra, por exemplo, é uma mulher incrível, além de ser uma atriz completa. Não tem pra ninguém. Ela faz comédia, chanchada, drama, cria e dirige com competência difícil de ser igualada. É completa, tem a arte no sangue, no ar que respira. O casamento mais badalado foi com a Consuelo Leandro. Aconteceu no tempo entre as produções da Revista Doll Face, do Zilco Ribeiro em São Paulo, e a montagem do Auto da Compadecida. Zilco e o Paschoal Carlos Magno foram nossos padrinhos de casamento. De certa forma, por terem nos lançado no mundo profissional, eles podem ser considerados os descobridores da minha carreira e da Consuelo. Nada mais justo. Capítulo XXIX Portugal! Portugal! Como mencionei antes, minha relação com Portugal começou oficialmente quando fui com meus pais na década de 30, mais precisamente no ano de 1932, durante o exílio deles. Eu era um bebê de meses. Mas na vida nada acontece ao acaso. Eu tinha meus descendentes de lá. E a coisa foi realmente um reencontro quando o Planeta dos Homens, que foi exibido por lá no final da década de 70, foi um sucesso estrondoso. Cem por cento de audiência. Eu e o Jô viramos celebridades nacionais. As pessoas na rua são mais carinhosas e mais entusiasmadas do que aqui. Acho que é porque é mais difícil encontrar um artista, claro. A primeira vez que fui, depois de adulto, foi em maio de 79. Fui para gravar um disco chamado Agildo Ribeiro Conta os seus Trique-trique. Eu fazia um quadro no Planeta no qual o bordão era Esse cara é cheio de trique-trique. Isso pegou em Portugal de tal maneira que fiz um show para a TV, que era a RTP1 (a RTP2 era apenas repetição), e depois usei o show para virar um disco. O maior período de tempo que fiquei em Portugal direto foi em 94, quando passei dois anos. O Carlos Cruz é um empresário tipo Silvio Santos. Um cara que comanda programas. No dia em que fui dar entrevista para ele, dizem que o país parou na frente da televisão. Eu tava com a macaca, como se dizia. Foi ele quem me propôs fazer um programa inteiro lá chamado Isto é o Agildo. Foi muito bom. E sempre aparece um show para fazer, ou um comercial de televisão, uma participação num programa de entrevistas. E ai de mim se, nos meus shows por lá, eu não citar a Múmia paralítica, Coisa horrorosa,a Brruuuuuna e o posso esclarecer! Depois que o sucesso em Portugal ficou conhecido aqui no Brasil, todo mundo me perguntava se eu adaptava as piadas. Claro que não! Se falasse com sotaque, perdia a força. A graça é falar do nosso jeito. Eles querem ouvir o som da língua deles dita de outra forma. Quem tem sotaque somos nós, é bom lembrar. Além disso, foi no próprio jeito de falar que eu descobri formas de humor. Tem ainda as palavras que foram exportadas do nosso português para o deles. Estamos falando de 25 anos atrás. A TV Globo começava esse processo de globalização da produção brasileira. E Portugal sempre aceitou nossos programas. Hoje, o Brasil é uma grande Ipanema para o exterior. Antigamente, não existia esse conhecimento de ambas as culturas com tantos detalhes. E vários problemas da língua eram comuns. Eu pedi um chopp e o cara morreu de rir. Anos depois, eu aprendi e pedi uma pressão. Mas aí o cara disse que não tinha, só tinha chopp. E ele tinha visto o chopp na novela Gabriela. Puto é criança por lá. Fila é bicha por lá. E por aí vai. Falta de motivo para rir é que não vai haver. Com relação às famosas piadas de português, eu adaptava para uma região de Portugal que é tratada com muita graça também, assim como fazemos com os baianos por aqui. Quando eu tinha que usar um personagem que seria o português, caso a historia fosse contada no Brasil, eu usava o cara daquela região, o Alentejo. E todo mundo ria. O fato é que o português adora uma boa piada. Eles mesmos inventam piadas sobre suas fraquezas, o que é uma virtude do povo que sabe rir de si mesmo. Para os artistas brasileiros, o importante é estar lá com o maior respeito possível porque o resto eles retribuem. Na hora em que coloco o pé no avião, eles começam a fazer festa. No final das contas, Portugal teve realmente um aspecto rejuvenescedor para mim. Eu e o Jô fomos os artistas brasileiros pioneiros, mesmo com as comédias de teatro de revista que viajavam todos os anos para lá. Mas a televisão construiu uma relação mais íntima e muito maior, abrangendo todo o país. Eu fui mais além e resolvi morar. Antes as pessoas iam, trabalhavam e voltavam. Hoje, ir a Portugal é sagrado. Todo ano eu marco minha passagem assim que as gravações do Zorra Total acabam. A Varig me dá passagem, o Hotel Roma me dá a hospedagem e os meus amigos me dão comida. Mordomia, claro, mas eu o faria mesmo se não houvesse nada disso. E é claro que não viajo para descansar. Se algum dia eu pensei que iria para lá com esse motivo, me enganei redondamente. Quando chego, tenho que visitar metade do país que é minha amiga. A outra metade eu marco para a próxima vez. É almoço na casa de um, jantar na casa de outro. Sei de cor toda a culinária portuguesa. Eles me amam loucamente e eu também os amo. Desta forma, fiz Lisboa como a minha base na Europa. Como a Europa é uma merreca de tamanho, fica tudo muito fácil de acessar de lá. Os vôos internos são mais baratos. Quando estou lá, gosto de pegar um carro e dirigir até o Norte, passando pela Galícia, entrando pela França, depois descendo até o Mediterrâneo. Atravesso, vou para o Marrocos, Argélia. Faço a festa. Aí descanso. Depois de ter sido barrado para ir naquele congresso durante minha juventude, o 14º, nunca mais senti vontade de visitar o mundo comunista – antes de 89 –, mas toda aquela proibição caiu com a queda do muro de Berlim. Historicamente, hoje, não há mais nada do que existia há 50 anos. Mesmo na Rússia, ou melhor, não tem nem mais União Soviética. Às vezes, fico pensando: o homem demorou uma eternidade para descobrir a pólvora, outra para descobrir a imprensa, mais um monte de anos passando pela Idade Média, numa vida desgraçada, e, de repente, em 30 anos, toda uma forma de vida desapareceu. Esse século XX foi assustador. Uma vez, eu estava em Viena, isso era antes de 89, antes da queda do muro de Berlim. Fazia 17 graus abaixo de zero, neve pra todo lado e eu fiquei com vontade de ir a Budapeste. Era perto, tinha o Expresso Oriente que nos levaria até lá. Acabamos indo até a cidade, que é linda; minha mulher ficou impressionada com os cristais, nós nos apaixonamos por aquelas músicas, as roupas, enfim, pela cultura húngara. De repente, a Didi começou a ter uma intuição e confirmou que tinha visto a mesma pessoa atrás da gente umas 5 ou 6 vezes e em diferentes locais. Eu não quis prestar atenção, mas ela lembrou de um detalhe crucial: Agildo, não se esqueça nunca que o seu pai foi dissidente do partido comunista. Eu respirei fundo, mas não quis seguir em frente com a preocupação, disse para não botarmos chifre em cabeça de sapo. O comunismo tá acabando, você é filho de um líder comunista que rompeu com o partido. Sabe-se lá... E paranóia também nasce na cabeça da gente. Comecei a reparar, olhava por uma vitrine que espelhava a rua e lá estava o cara, um tipo magro, de sobretudo, chapéu, coisa de cinema. Eu pensei: Nessas horas, o que o herói faz? Encara o malandro. Não deu outra. Fui até o outro lado da rua. O cara me olhou: -Pô, vai ficar me seguindo? Qual é?, isso em português mesmo. O cara falou alguma coisa que eu não entendi. Ele tinha um tom de voz meio alto também. Eu tinha decidido brigar com ele. A Didi estava tremendo do meu lado, me segurando. Pedindo para eu me acalmar. Eu dei uma respirada. Falei mais baixo: Tudo bem? Sou brasileiro. O cara riu e disparou: Brasil, Pelé, Carmen Miranda, samba, samba! Eu relaxei, a gente ainda trocou mais algumas palavras, depois deu um bye bye sem graça e pronto, acabou a paranóia. Mas que o cara estava sempre no mesmo lugar, isso estava. Fomos embora no dia seguinte, depois de comprar nossos souvenirs. Pra completar, voltamos no Expresso Oriente para Viena. Houve uma outra situação com o mundo comunista. Um português, que é meu fã, Seu Aníbal de Abreu, dono de uma agência de viagem, me convidou para uma viagem num navio russo que iria sair de Lisboa e navegar até a Noruega para ver o famoso sol da meia-noite. Ele me deu um camarote, ainda pude convidar amigos meus. O navio era branco com uma chaminé enorme onde havia desenhado a foice e o martelo vermelhos. Lindo. E lá fomos nós para o Mar do Norte. Isso foi antes do filme Titanic. Se eu tivesse visto o filme, não pegaria aquele navio de jeito algum. É cada iceberg... Cada tempestade. Passamos pela Espanha, pela França onde fizemos um passeio de carro até a Normandia e finalmente fomos para a Noruega. Era verão e estava uma maravilhosa temperatura de 12 graus abaixo de zero. Servem whisky com gelo do glacial, e colorido! O itinerário ainda percorreu Islândia, Irlanda, Escócia, enfim, uma tremenda viagem. Quando voltamos a Portugal, de volta ao Hotel Roma, onde sempre me hospedo e tenho sempre muitos amigos e um tratamento maravilhoso, o Seu Aníbal marcou um encontro comigo. Chegou dizendo: Seu Agildo, eu soube que a alimentação não foi boa, estava muito frio, o senhor deve ter ficado maldisposto. Eu respondi que não, que estava satisfeito pelo camarote, pela viagem, enfim, pela mordomia. Conclusão: ele me deu outra viagem, dessa vez pelo Mediterrâneo! E lá fomos nós. Argélia, Marrocos, cenários de filmes... Depois Nápoles, na Itália, as ruínas de Pompéia, Creta na Grécia, Atenas, e, de repente, entramos pelo Mar Negro e ficamos dois dias em plena União Soviética. Fiquei pensando: Como pode não ter dado certo com essa gente bonita, com esses quiosques, essa cultura incrível com óperas, balés, teatros, tudo funcionando, perfeito? Me impressionou. Ruas largas, limpas, todos com suas casas. Ha-via uma alegria no ar. Não sei se é porque era verão. E havia estátua do Lênin para tudo o quanto era lado. Nós tínhamos um guia de terra que era russo. Ele não me deixava fazer nada além do programado pela excursão. Eu queria conhecer um hotel. Não podia. Queria ir numa loja de souvenirs. Não podia. Tinha loja determinada para irmos. Eu quis dar lembrancinhas de presente para a tripulação do navio que me tratava muito bem. Mas não podia, porque eles eram russos e não recebiam presentes, nem gorjetas. Ou seja, de um lado uma beleza, uma presença. De outro, uma falta de humanidade, um jeito de viver muito difícil. O regime era foda. Nunca fui a Moscou. Tive vontade de conhecer Leningrado por causa do metrô – dizem que é uma loucura – e eu tinha aquela coisa do metrô do Rio que estava sendo planejado lá em casa. Hoje, parece que o país é um grande campo de prostituição, drogas e máfia. Como pode isso? Um ano depois, minha sobrinha, por parte da família da Didi, estava fazendo um curso de 3 anos em Berlim e ficava insistindo para irmos visitá-la. E também visitei a cidade. Uma loucura. A vida noturna é intensa, as drogas são presentes, os caras pegam pesado mesmo. E bebem demais. Acho que o frio cura tudo, mas também deixa todo mundo doente. O cara toma todas no bar, vai lá fora, tá 10 graus abaixo de zero, ele dá uma volta, a coisa passa e ele volta pra dentro do bar. Eu vi dois caras queimando fumo ao lado de um policial vendo um show de drag queen.É uma permissão para o cidadão. Mas isso foi depois da queda do Muro. Comprei até pedaço do muro como lembrança. De qualquer forma, os resquícios do comunismo ainda são um pouco assustadores, com os canhões, os quadros, a diferença entre a arquitetura de um lado da cidade e do outro ocidental. Capítulo XXX Elixir da vida: o humor como religião O Augusto Cesar Vannucci é um dos grandes caráteres que conheci na televisão brasileira. Não sei se era aquela crença espírita dele, que realmente o deixava tranqüilo com relação à vida, que o fazia compreender a gente em profundidade, entender os defeitos das pessoas e aceitá-las. Ou se era outra coisa qualquer, típica da natureza dele. O fato é que ele era um cara que não colocava ninguém na rua. Ajudava um mar de gente e nunca alardeava isso. Me dizia que isso é a base da doutrina espírita, essa coisa de fazer caridade de várias formas diferentes, até mesmo pra ele mesmo. Que a ação era mais importante que as palavras. Ele deixou muitas saudades e muitos ensinamentos, principalmente na forma de agir. Se a doutrina espírita faz isso pelas pessoas, aconselho-a para todo mundo. O Vannucci também foi responsável por outro momento inesquecível da minha vida, quando conheci o Chico Xavier, na casa do Vannucci aqui no Rio. Era uma situação: o filho de um comunista conhecendo um espírita. Engraçado, né? Papai tinha morrido. Ia morrer de rir, claro. Mas respeitar. Nesse encontro, havia também outro senhor, seu Osvaldo, um velhinho do Lins de Vasconcelos. Cabelos brancos como algodão, dois olhos azuis como o céu, firmava dentro do olho das pessoas desmontando qualquer um, como que vendo todo o passado, presente e futuro delas. Um doce, mas ao mesmo tempo um homem com muito poder moral. Ele olhou para mim e disse para o Vannucci: Augusto, esse menino é formidável... Mas ele não quer se desenvolver... Eu fiquei sem entender. Depois, o Vannucci me explicou que isso significava desenvolver a capacidade mediúnica que todos nós temos em maior ou menor grau. Eu não fiz nada disso, claro, até porque se tenho essa capacidade mediúnica, eu a coloco nos meus personagens, como disse antes. O encontro foi maravilhoso. Mas eu continuei materialista, graças a Deus. Com o Vannucci, vivi muitas coisas engraçadas. Estivemos juntos na Globo, na Bandeirantes, na Manchete. Viajávamos de férias. Saíamos para jantar, freqüentávamos nossas casas. Nossas mulheres eram amigas. Uma vez, estávamos em Las Vegas e, entre o intervalo de um jogo e outro, resolvemos casar com nossas mulheres – eu com a Didi, ele com a Ingrid. Só de farra. Fomos para a capela, o padre estava meio confuso, devia ter casado uns 50 casais naquele dia, e, na hora de abençoar os casais, Agildo Barata Ribeiro com Nídia (que é o nome da Didi, minha mulher) e Augusto Cesar Vanucci com Ingrid Thomas, o coroa se enganou e falou: Eu abençôo Agildo e Augusto! Aí todo mundo disse: No! E ele começou a rir. Quase casou a gente! Não ia ser problema porque, de certa forma, nossa amizade era como irmãos de muitas vidas, para usar um conceito dele. Até hoje o sinto meio por perto, de vez em quando. Acho que nós somos almas afins. E, se a vida é eterna, seremos assim eternamente. Essa lembrança dele sempre me traz também a questão da fé, algo que poucas pessoas param para pensar. Eu vi o filme A Última Tentação de Cristo, do Martin Scorsese, e aquilo arrebentou com a minha cabeça. Eu estava em Portugal. No dia seguinte, fui ao cinema de novo. As legendas eram em português de lá, eu queria observar todos os detalhes, pensar em todas as falas. Entrei numa livraria, comprei o livro. E desde então comecei a ter uma admiração total pela figura de Jesus. Logo em seguida, li os cinco livros do Cavalo de Tróia, e depois passei mais anos e anos lendo sobre a vida, as palavras de Jesus, tentando entender o que Ele tem a ver com tudo isso que está acontecendo no mundo. Afinal, como poderia Ele, que era o Filho do Homem, que morreu da maneira que morreu, deixar que alguns homens na Terra ainda façam certas coisas em nome dele? E cheguei à conclusão de que Ele também foi vítima das atrocidades do tempo dele, das maldades que os homens alimentavam naquela época. E os homens têm responsabilidades por seus atos sim, milagres não existem – ninguém vai vir do céu e dizer: Você mudou, e aí o cara sai beijando flores. Comecei a me identificar com a vida social dele, os ensinamentos que faziam todo o sentido para os homens daquela época, mas também das atuais. Ou seja, não tenho dúvidas de que ele tenha existido e tenha acontecido aquilo tudo. Mas a questão da ressurreição é outra história. Gosto da versão do Cavalo de Tróia, que foi um disco voador que veio e deixou um Ser adiantado de outra galáxia para tentar nos auxiliar no entendimento e na evolução de nossa raça. O que a gente vive hoje foi vivido, vivenciado e vencido por seres de outras galáxias. E, quando a coisa ficou preta, ele sofreu muito e disse: Vamos embora que aqui ainda não tem muito jeito. E se foi. Por que ninguém explica o sumiço do corpo dele depois da crucificação? Aquela pedra que fechava o Santo Sepulcro não poderia ser movida facilmente. Havia guardas no local. Todo mundo estava dormindo como se fosse um entorpecimento geral. Além disso, nenhum ser humano comum, igual a nós, suportaria o martírio de Jesus. Ou seja, ele não era deste mundo mesmo. Até disse isso, quando falou: Meu reino não é deste mundo. Acredito em mistérios e, claro, estou sempre de olho nas coisas que acontecem ao redor. Como a gente lida com muita energia, lida com muito público, com risos e emoções diversas, está sempre exposto a inúmeras coisas inexplicáveis. Por exemplo, como se explicam esses déjà vu que acontecem quando você chega a um lugar onde nunca esteve antes e tem a nítida sensação de ter estado ali noutra época? Em Portugal, eu tive várias visões dessas. Às vezes, percebo alguma cena e tenho a real sensação de ter vivido aquela cena, ou de tê-la visto antes. Isso tudo é muito presente na minha vida. A mesma coisa com sintonia pessoal. Sabe quando você conhece uma pessoa e não gosta dela logo de cara? Qual o motivo disso? A pessoa nunca cruzou o seu caminho nessa vida. Por que essa antipatia gratuita? Mas acontece também com aquelas pessoas que você nunca viu na vida e, de repente, são apresentadas a você, dão um sorriso e parecem conhecidos mais antigos de sua existência. Essa coisa de reencarnação é mais complicada ainda. O Vannucci me fazia pensar nisso. Embora eu nunca tenha me perguntado por que nasci no seio da família em que nasci. Porque eu tinha um talento artístico de humor no meio de pessoas que lutavam por política com armas e ideais definidos. Nunca questionei. As pessoas podem ter procedimentos e atitudes diferentes daquelas independentemente do meio em que vivem. Fosse assim a favela só teria bandido. E é justamente o contrário. Os bandidos são minoria – embora exerçam poder sobre a maioria. Mas eu sinto que tive uma função ao nascer naquela família e sei que ela teve uma importância na minha formação. Isso pode parecer óbvio, mas não é. Tem gente que não se identifica em nada com o meio em que vive. Outros se sentem completamente fora da sintonia familiar. E não se encontram. Comigo isso não aconteceu embora meu pai fosse um capitão e eu não fosse nem militar. Mas a educação, a formação moral, a atitude na vida, desde a forma de sentarse à mesa até como tratar uma pessoa, isso tudo foi passado pelos meus pais. São valores humanos que podem ser aplicados em uma família espírita, evangélica ou materialista. Uma vez, ainda moleque, eu estava fazendo algum tipo de brincadeira com uma senhora e meu pai sussurrou no meu ouvido: Com as pessoas mais velhas, se não podemos ajudar, ao menos não vamos atrapalhar, e eu nunca mais esqueci. Não atrapalhar era uma forma de ajudar, mesmo que uma forma menor. Um marxista não mandaria uma dessas para o filho. Mas um homem que tem na conduta ética, humana, uma forma de convivência, seja um Chico Xavier ou não, pode viver assim. Isso tem a ver com a bondade humana. E uma religião, por exemplo, só pode valer a pena quando qualquer atitude que ela pregar, qualquer!, for baseada na bondade humana. Essas são as grandes palavras do Cristo, né? Amai ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas. Como na minha vida tudo foi muito baseado em humor, eu tenho esse tipo de crença de que o humor é fonte de cura para muitos males humanos. É capaz de desfazer um ambiente carregado numa casa, por exemplo. É comprovado que ajuda o tratamento de doentes sérios – veja esses Doutores da Alegria. Eu tenho essa segunda natureza de querer sempre transformar o local sério, sombrio, em agradável, com pessoas sorridentes. Há horas em que tô irritado e penso numa situação engraçada apenas para começar a rir. Isso muda a cabeça na hora. Como um remédio. Quando eu olhava uma platéia do palco, eu não via coisa nenhuma porque fui míope desde os 17 anos. Não ficava olhando os olhos da platéia justamente por isso... Mas sabia que eles estavam felizes justamente pela energia, pelo som, pelo clima do local. Se a coisa tava pesada, se as piadas não estavam agradando, então eu penso: Acho melhor contar logo aquelas do final pra ver se a coisa engrena. Porque sem humor não dá. Às vezes, estou numa reunião com uma pessoa tensa e não consigo pensar noutra coisa a não ser fazer com que ela relaxe. E fico esperando o momento certo para contar uma piada até que ela ria e eu veja a tensão se dissipar do rosto. Isso é uma delícia. E como o riso é contagioso mesmo, em pouco tempo todos estão rindo e a vida se torna mais fácil. A alegria é um grande elixir para a vida humana. Isso é muito verdadeiro e eu a levo como meu mantra, minha oração, meu combustível, sei lá mais o quê. Odeio quando escrevem num texto a palavra risos para descrever uma situação. Assim mesmo: eu falo uma coisa e começo a rir. Aí escrevem (risos) para indicar que eu estava rindo e a coisa era engraçada. Isso é para influenciar na opinião de quem lê. Mas não gosto. A coisa deve ser espontânea. Se as pessoas curtem o que estou falando, neste momento elas vão estar com um sorriso leve no canto da boca. Não vão estar de forma alguma com a testa franzida lendo minha história. Vão pensar em mim e agora vão perceber que o canto da boca está virado para cima. E, ao perceberem isso, vão perceber que a mente também está pronta para a próxima piada que eu vou contar. Ou seja, os músculos não vão estar tensos, o coração não vai estar acelerado. Apenas a mente vai estar disposta a acompanhar meu relato em prazer. E não me coloquem a palavra risos! Capítulo XXXI Fama de gerações Dia desses, no Projac, eu estava saindo do estúdio e ouvi um Oi, Agildo! Olhei rapidamente e disse Oi, como sempre faço, seja conhecido ou não. O rapaz me segurou levemente. Deixa eu te dar um abraço? Sou teu fã desde que me entendo como gente... Criancinha mesmo... Eu fiquei sem graça. Não estava reconhecendo ele. Estava distraído, sei lá. Foi tudo rápido. Ele emendou: Não tô te chamando de velho... Mas que tem muito tempo que queria te dizer isso. Adoro você, te acho um craque, não perco nada, e por aí foi. Depois eu agradeci. Disse que o prazer era meu em receber, desejamos sucesso mutuamente e pronto. Mas sabe aquele branco que dá na cabeça da gente de vez em quando? Claro que deve ser da velhice. Ou lapso de memória mesmo. É algo que você não faz por mal. A Gabriela Vannucci, filha do Augusto Cesar, estava do meu lado. Ela também trabalha em televisão, é produtora. O rapaz se afastou. Eu perguntei: Meu Deus, quem era?, ela riu. Selton Mello, me disse. Aí eu parei na hora. Que chato... Chamei ele. Selton! Vem cá! Ele voltou. Pode chamar de velho mesmo, não tem problema!, ele riu. E eu retribuí os elogios que ele me fez. Aliás, merecidíssimos, porque é um jovem talentosíssimo. Caímos na gargalhada. E eu virei fã dele. Sabe o que é também? Pode parecer piada, mas não é – eu não tenho o hábito de ver televisão com a assiduidade de um telespectador. Uma vez, alguém disse que, para trabalhar na televisão e ainda ter que assistir aos programas, o salário tinha que ser maior! Fico muito feliz e lisonjeado, claro, com o fato de que muitos atores da nova geração me chamam de mestre, por exemplo. Eu sempre respondo que mestre é apelido de velho. Mas não tem jeito. Esse ano eu estava em Portugal e encontrei o Alexandre Frota casualmente. Sabe como? Ouvi um mestre! altíssimo no saguão do hotel. Eu pensei: Quem é esse mestre? E lá veio ele me abraçar, demonstrar seu afeto. Fico muito grato. Sou de uma geração que sobreviveu a muitos anos difíceis tentando fazer as pessoas felizes. Isso marca. Sei que o Jô e o Chico Anysio também estão nesse patamar. Sou das poucas pessoas que têm uma boa relação com o Chico. Ele tem um temperamento forte. Mas nunca tivemos um atrito. Ele elogia os meus quadros, eu peço ajuda quando estou montando um show novo. Uma vez ele foi olhar um show e chegou antes da hora no teatro. A porta abria às cinco e ele chegou às quatro. Ficou sentado no chão, na galeria do shopping, me esperando! Tenho muita admiração por ele. Uma vez, ele disse que eu era o maior humorista da televisão brasileira. Essas homenagens são inesquecíveis. Uma coisa é uma pessoa te elogiar. Outra é o Chico Anysio dizer isso. Ambos são válidos, claro, mas é preciso respeitar o talento alheio. Com relação à crítica, por exemplo, eu nunca tive muitos problemas. Sempre fui alvo mais de elogios, prêmios, do que o contrário. Em geral, não me incomodo com nenhum tipo de crítica ao meu trabalho porque é tudo tão bem humorado que a crítica fica sem sentido. Só quando é uma ofensa pessoal. Mas nunca fui alvo disso. O cara me mandando se mancar, perguntando pelo jornal porque eu estava fazendo aquelas coisas no palco, como se faz por aí. Isso é desrespeito e falta de capacidade pessoal. Além de ser uma grande maldade usar um jornal para falar mal da honra de alguém. Quer falar? Fala do trabalho, do personagem. Mas não usa a vida pessoal, os interesses do artista, para criticar. São 50 anos de exposição e eu nunca guardei mágoa de ninguém. Isso é bom. Apesar de uma época em que saíam muitas fofocas – por causa da minha relação com a Consuelo Leandro. Mas nem assim eu fiquei marcado. Hoje em dia, então, podem falar o que quiser. Estou numa fase da carreira em que vi muita coisa, em que vivi muito também. Então, é difícil atingirem quem está há tanto tempo trabalhando, recebendo as respostas maravilhosas do público. Se um cara resolve dizer que eu sou uma droga, ele é que vai se meter em problemas porque vão saber que ele está tentando me atingir pessoalmente e não pelo meu trabalho. Este está provado. Claro que me imponho desafios e tento sempre fazer o melhor para que tudo esteja perfeito. Mas acho que estou pairando num nível acima dessas coisas. Posso parecer estreante na empolgação, na alegria, na agitação. Mas, na hora de fazer, sou um veterano de guerra que andou muito por aí. A fama tem dessas coisas mesmo. Mas não acho que tenha um lado ruim da fama. Tudo é bom. Dificilmente uma pessoa vai dizer que a fama é ruim. A questão é sobre quais bases você constrói essa fama. Se for sobre coisas frágeis, como, por exemplo, o cara dá o rabo pra ficar famoso e depois usa óculos escuros para não ser reconhecido, deve ser muito difícil. Mas, se a fama for conquistada como uma extensão de seu trabalho é sempre muito bom. Eu tenho um monte de óculos escuros. Compro em tudo o quanto é Free Shopping de aeroporto. Compro whisky também. E não é porque sou famoso. Vou me esconder do público a essa altura da vida? Muito pelo contrário. Faz parte da minha vaidade ser conhecido. Me chamarem para tirar fotografia. Pedirem o autógrafo. O abraço, o tapinha nas costas, no ombro ou na perna. Noutro dia, estava num bar em Ipanema, em pé, e sinto uma mãozinha puxando minha calça. Eu olhei era um garoto que não batia mais da minha cintura. Ele me mostrou o tênis dele. Esse tênis não é meu!, imitando o Babaluf. Morri de rir. A mãe dele se aproximou e disse que ele não perde o quadro. Olha que safado! Igualzinho a mim, com a mesma entonação. Eu faço ginástica, ando na praia, as pessoas festejam. Paro, atendo, ouço as piadas que elas contam, dou risadas às vezes, noutras digo outra piada em cima e as pessoas se divertem mais ainda. Depois volto a caminhar. Não é um vício, a fama; se faltasse, não sei como seria. Talvez eu fosse me divertir como me divertia antes com imitações, fazendo as pessoas rir, fazendo shows pelas boates da vida. Essa é a diferença. Eu não vivo pela fama. Vivo pela arte. Quem vive pela fama está ferrado porque um dia passa. Aí não sobra nada. Outro aspecto da fama é a facilidade da vida. Isso é ruim porque as pessoas que não são famosas precisam de facilidades também – mas só encontram dificuldades. E quando eu digo o meu nome, as pessoas logo mudam de comportamento num serviço que deveria ser igual para todos. Se meu telefone está quebrado e eu digo meu nome, meia hora depois estão consertando. Devia ser assim com todo cidadão. O Estrela, meu motorista há anos, ligou e pediu conserto da linha. Demorou pra cacete. Eu liguei e ficou pronta. Não me importo com isso, quando quero fazer valer meus direitos. Às vezes, as coisas são resolvidas mesmo porque a pessoa é fã. Não se trata nem de discriminar pessoas famosas de não-famosas. Gostam de mim e têm prazer em resolver meus problemas. São como amigos há anos, de certa forma. Essas coisas acontecem mesmo e não vou esconder. Eu não uso o fato de ser famoso. Mas preciso dizer meu nome. Vou fazer o quê? Mentir? Digo o meu nome. E pronto, as portas se abrem. Eu não furo fila. Mesmo. Sou filho de militar. Estudei em colégio militar. Respeito mesmo. Entro na fila do embarque. Assim que um funcionário me vê, vai lá e me tira. Aí vou dizer: Me deixa aqui? Isso seria bobagem. As pessoas até estranham o fato de eu estar numa fila. E por aí vai. Restaurante lotado nunca está completamente cheio pra mim. Atendimento em loja é sempre rápido. Pra mim e para a minha mulher também. Não tenho medo de me assumir. Tem uma rua com o nome do meu tio-avô. Vou mentir o meu nome? A fama é um terreno movediço para quem não tem segurança nem talento. Estou andando em terreno firme, nesse aspecto. Isso não significa que tudo o que eu vá fazer será um sucesso. Antes fosse, mas não é assim. Na hora de atuar, sou como qualquer artista que está à mercê dos deuses do teatro. E do gosto do público. Esse é um dos combustíveis do artista. Eu não penso em parar nunca. Uma vez, o Arthur da Távola fez um elogio tão bonito para mim na coluna dele dizendo que era impossível deixar de rir com o Agildo na pele do Chacrinha ou do Babaluf. Que talento de humor esse homem tem... algo do gênero. Pô, vou me privar disso? Nunca fiz exercício facial. Essa careta é minha mesmo. Eu era pra ter um monte de rugas de tanto que mexo com os músculos da face. Mas não tenho. Eu me olho no espelho quando estou trabalhando numa nova imitação. No caso do Babaluf, penteei o cabelo pra trás, coloquei os óculos, a maquiagem, cheguei na frente do espelho e disse: Esse espelho não é meu!, pronto, o Babaluf tinha nascido. E olha que esse negócio de ir para o espelho é raro. O Ibrahim Sued, o Oscarito, a Dercy, o Figueiredo foram feitos na intuição, na percepção. Fiz 73 anos de idade. Nunca fiz plástica. Vai ver que é o riso... Não dizem que rejuvenesce? Capítulo XXXII Cadê o público? Essa coisa da minha miopia era tão séria que me propiciou muitos momentos engraçados, para variar. O fato é que me descobri míope. Vou fazer o quê? Pedir pra nascer de novo? Trocar o olho? Nada disso. Tinha que encarar. E isso era mais difícil, claro, quando eu entrava em cena. Eu tirava os óculos porque não dava pra fazer personagens engraçados todos de óculos. Imagina se todas as imitações fossem com óculos? O João Grilo, do Auto da Compadecida, de óculos? Eu ficava na coxia, escondido, de óculos, olhando a platéia. Na hora de entrar em cena, eu tirava os óculos e ia. Não dava pra ver nem a primeira fila, em certos teatros. Aos poucos, fui aprendendo a interpretar a platéia. Mas o início foi difícil. Se a platéia estivesse apenas sorrindo, por exemplo, eu não sabia por que não via, e achava que tava tudo errado. Isso me dava uma irritação... Ficava pensando: O que tá acontecendo com esse povo? Cadê as gargalhadas? Tão com dor de barriga? e eu começava a acelerar o texto. Os colegas reclamavam: Agildo, tá correndo demais! Eu retrucava: Com uma platéia dessas?, e me respondiam: Mas eles estão adorando! O fato é que eu ficava pautado pelo riso mesmo. Isso entranhava e dava um ritmo ao espetáculo. A coisa só melhorou mesmo quando comecei a fazer show-solo e a olhar a platéia de frente. Porque nas peças a gente fica de lado para o público e está preocupado com o companheiro. Mas no show isso não acontece. É literalmente encarar a platéia. Uma vez, fui fazer um show em Santa Catarina. Entrei em cena e cinco, dez minutos depois, uma risada apenas. Era uma platéia gelada. Não sei o que houve. E, de repente, parei. Peraí, vocês não estão gostando? O que está acontecendo? e nada, nem um riso. Aí fiquei irritado. Claro, vocês vieram num lugar que tem uma ponte que liga nada a coisa nenhuma. Como eu não sou um, nem outro, vou embora e saí do palco. Aí a platéia começou a rir, pensando que era do show. Eu fiquei sem graça de voltar. O produtor ficou me chamando. Eu disse que estava passando mal. Conto isso sem remorso nem medo porque aprendi muito com esse episódio. No dia seguinte, peguei um carro e fui embora. Foi a única vez que abandonei o palco porque não tinha recebido nem uma gargalhada sequer. Claro que, na grande maioria das vezes, a coisa engrena na primeira piada. E vai até o fim assim. Noutras, precisa de umas duas ou três. A gente sabe quais temas abordar, dependendo da cidade em que estiver. Mas aquela platéia deveria estar irritada comigo antes de começar o espetáculo. O que eu fiz pra eles? Dez minutos são mais de 20 piadas! E nem um risinho? Quer saber? Achei ótimo ter feito isso. Não me arrependo de nada. A questão da minha miopia acabou definitivamente com o advento da lente. Só que demorou uns 20 anos depois da invenção dela. Tudo começou quando eu estava numa praia de nudismo em Portugal. E eu estava sem óculos, claro, porque se você está numa praia de nudismo de óculos é porque sua intenção não é estar na praia, mas ver o povo pelado. Essa era a minha intenção, mas não podia ser tão específico. Então, eu estava louco da vida porque não tava vendo nada e nem podia colocar os óculos para não dar na pinta. De repente, um conhecido português me disse. Senhor Agildo, a minha senhora tinha um problema muito sério na vista e o doutor passou uma lente de contato para ela, que agora não quer outra coisa na vida. Vou marcar o mesmo doutor pra si. Agradeci e dias depois eu tava na frente do homem. Eu já tinha ouvido falar daquelas lentes, mas claro que não eram essas que se usam hoje. Pedi para dar uma olhada nelas. Tirei da mão do médico. Ele me olhou e deve ter pensado: Que brasileiro mal-educado! Acontece que eu peguei as lentes e aquela coisa parecia fundo de cálice, uma coisa dura, quase um mini-óculos. Mas é isso aqui mesmo?, perguntei. Sim, senhor. O que mais poderia ser isso? Pensei em um monte de coisas para responder, mas fiquei quieto. Mas é dura assim mesmo?, insisti. É que eu estou a aperfeiçoar, ele disse. Então tá. Vamos experimentar. Coloca no olho, aquela coisa pesada, ruim pra caramba. Tira, mexe, coloca, ajusta, machuca. Doutor, assim não dá!, eu disse. Mas eu estou a aperfeiçoar, já lhe disse!. Então não vou usar. Mentalmente mandei ele aperfeiçoar no olho de alguém muito querido. E fui embora, com a vista toda arranhada. Mas claro que a idéia ficou na minha cabeça. Muito tempo depois, no Rio de Janeiro, eu fui convidado para um almoço onde estavam Silvinha e o Helinho Fraga. E ela estava com um par de lentes que faziam parte de uma nova geração. Pensei naquele médico português, Será que ele aperfeiçoou aquela porcaria?, e ri sozinho. A Silvinha explicou que pingava um colírio e era tranqüilo, sem dor nem incômodo algum. E que tirava para dormir, recolocava, enfim, usava muito bem. Tirou as lentes ali mesmo e mostrou na minha mão. Parecia uma gota. Então, a lente era daquele tamanho. E gelatinosa ainda por cima. Foi quando resolvi experimentar. E de repente tudo mudou! A coisa era absolutamente fácil de usar. E eu descobri a platéia! Na primeira vez que fui para um palco com lentes de contato e pude enxergar o teatro inteiro, pensei: Como eu não fiz isso antes? Sou uma besta! Eu tinha entendido que havia sido injusto comigo e com a platéia. Agora, eu entro, observo desde a primeira até as últimas filas. Vejo os rostos ávidos. Conto a primeira, todo mundo quá quá quá. Aí tem um cara na quarta fila com a namorada que não está rindo de nada. Conto outra e ele continua quieto. A platéia se arrebentando de rir e o cara quieto. Eu fico nele. Na próxima, se ele não rir, eu não perco a chance. Meu amigo, queria saber se você está com algum problema de hemorróida? e a platéia se acaba de rir. O cara fica sem graça, claro. Eu o elejo para meu partner. Toda piada que eu tenho que emendar, eu falo o nome dele. Aos poucos, vejo que ele relaxou e está curtindo. Vira um showzinho paralelo. Ou seja, o fato de olhar no rosto do público me permite um controle maior do show. Claro que não pego no pé de ninguém à toa. Há sempre um motivo e é sempre pelo bem do espetáculo. Há umas senhoras que riem escandalosamente. Um exagero. Eu pergunto: A senhora tá rindo de mim ou tá com saudades do falecido? Aí ela ri mais alto ainda. E, como a coisa pega, todo mundo aumenta o som da risada. Isso é uma delícia. Fica quase incontrolável para as pessoas. As lágrimas começam a escorrer porque quando a pessoa ri muito há essa reação de chorar porque os canais ficam todos abertos. Existe gente que até faz xixi, mas isso eu não conto... Afinal, cada um se diverte por onde quiser. Há pouco tempo, aposentei as lentes de contato porque operei da miopia. Não uso óculos, lente, nada. E tô vendo tudo. Isso foi um problemão. A primeira vez que tirei o tampão, depois da cirurgia foi um problema. Olhei no espelho e pensei: Tô velho! E aí minha mulher veio em cima: Tinha que ter-se operado há mais tempo. E comecei a rir de novo. Mas, qual e a novidade? O riso me acompanha desde que eu nasci. Amém. Cronologia Televisão Inúmeros shows e participações em programas de auditórios e humorísticos, entre os quais se destacam: TV Globo 1966 • Bairro Feliz 1967 • Riso, Sinal Aberto 1967 / 68 • TV0, TV 1 1968 • Alô Brasil, Aquele Abraço 1969 • A Festa é Nossa 1970 • Mister Show (contracenando com o rato Topo Giggio) 1973 • Uau 1975 • Satyricom 1978 a 1980 • O Planeta dos Homens 1980 • Estúdio A...Gildo 1985 • De Quina pra Lua (novela) 1999 até hoje • Zorra Total Rede Manchete e TV Bandeirantes 1988 a 1990 • O Cabaré do Barata 1997 • Mandacaru (novela, Rede Manchete) RTP 1, de Portugal 1994 • Isto é o Agildo, programa humorístico português Participações especiais em inúmeros outros humorísticos desde A Discoteca do Chacrinha, imitando o apresentador; edição de discos com seus shows; livros de piadas, sendo o mais recente Dose Dupla, em parceria com Paulo Silvino. Teatro 1953 • Joãozinho Anda pra Trás, de Lucia Bennedetti, Teatro Estudante (amador) 1954 • Companhia de Teatro Zilco Ribeiro, bailarino, teatro de revista, destaque para Doll Face 1957 / 58 • O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, (1ª peça profissional). Remontada em 1975 1960 • A Tia de Carlitos, de Brandon Thomas, dir. Fabio Sabag 1964 • As Aventuras de Ripio Lacraia, de Chico de Assis, Teatro Nacional de Comédia, dir. Jose Renato 1965 • Romanov e Julieta, de Peter Ustinov, dir. Henriette Morineau 1966 • Procura-se uma Rosa, de Glaucio Gil, Vinicius de Morais e Pedro Bloch • Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come, de Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Ferreira Gular, Grupo Opinião, dir. Gianni Rato 1967 • Os Direitos da Mulher, de Afonso Paso, dir. Luis de Lima • O Inspetor Geral, de Nicolai Gogol, dir. Benedito Corsi 1968 • APena ea Lei, de Ariano Suassuna, Grupo Opiniao, dir. Luis Mendonça 1969 • Agildo em Ritmo de Loucura, show de Max Nunes, Oduvaldo Vianna Filho, Haroldo Barbosa e Agildo Ribeiro 1971 • Fica Combinado Assim, show de Max Nunes, Haroldo Barbosa, João Bethencourt e Agildo Ribeiro, dir. João Bethencourt 1972 • Misto Quente, show de Max Nunes, Haroldo Barbosa e Agildo Ribeiro, dir. Augusto César Vannucci • Misto Quente do Outro Lado, show de Max Nunes, Haroldo Barbosa, Ronaldo Bôscoli e Agildo Ribeiro, com Rogéria e Pedrinho Mattar. Dir. Agildo Ribeiro 1976 a 1984 • Alta Rotatividade, com Agildo e Rogéria, show de Max Nunes, Haroldo Barbosa e Agildo Ribeiro. Dir. Agildo Ribeiro 1984 • Vou Querer Também senão eu Conto pra Todo Mundo, de Agildo Ribeiro e Gugu Olimecha, dir. Oswaldo Loureiro 1996 • Roque Santeiro, como Sinhozinho Malta, dir. Bibi Ferreira 1997 • O Silicone, dir. Fabio Sabag, protagonizada e escrita por Agildo Ribeiro (autoria também de Gugu Olimecha) Cinema 1955 • Angu de Caroço • O Grande Pintor • O Feijão é Nosso 1956 • Fuzileiro do Amor 1958 • Matemática Zero, Amor Dez • Amor para Três 1959 • Meus Amores no Rio • Como Matar um Playboy • Esse Milhão é Meu • Ai Vêm os Cadetes • Esse Rio que Eu Amo 1962 • Tocaia no Asfalto 1963 • Crime no Sacopã 1967 • Na Mira do Assassino • A Espiã que Entrou em Fria 1969 • A Cama ao Alcance de Todos 1971 • Como Ganhar na Loteria sem Perder a Esportiva 1973 • Divórcio à Brasileira • Café na Cama 1974 • O Comprador de Fazendas 1975 • O Sexualista 1977 • O Pai do Povo 1979 • Gugu, o Bom de Cama 2001 • O Xangô de Baker Street 2003 • O Homem do Ano 2006 • A Casa da Mãe Joana (ainda inédito) Índice Apresentação -Hubert Alquéres 5 Introdução -Wagner de Assis 11 As palmas do temporal 15 Um mantra 17 A dialética artística marxista 21 Coisa horrorosa! 25 Um pupilo talentoso 27 Estrear é bom? Mas muito mesmo! 31 NahoraH 43 Garantia de riso 53 Imitar, imitar, imitar... 83 Conta uma piada aí! 97 Comediantes e humoristas 103 Dias de alegria 107 Quando dá certo... 109 Quando não dá certo... 115 Topo Giggio 121 Planeta de homens 125 O biliquê 133 Alta Rotatividade 135 Sexo e palavrões 139 Ó pátria amada 145 Viver de cultura 149 E o cinema... 155 Seu Oscar 157 Meu pai – um certo capitão Agildo 159 Ser político 177 Correio vermelho 181 Baixou o Cipriano! 183 Vida particular -Será? 187 Portugal! Portugal! 191 Elixir da vida: o humor como religião 199 Fama de gerações 203 Cadê o público? 209 Cronologia 215 Crédito das fotografias Todas as fotografias utilizadas pertencem ao acervo pessoal de Agildo Ribeiro. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Mura Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia Formato: 23 x 31 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250g/m2 Número de páginas: 248 Tiragem: 1500 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2007 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Imprensa Oficial Assis, Wagner de Agildo Ribeiro : o capitão do riso / Wagner de Assis. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. 248p. : il. - (Coleção aplauso. Série especial / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 978-85-7060-539-9 (Imprensa Oficial) 1. Humoristas brasileiros 2. Humorismo – Brasil 3. Ribeiro Filho, Agildo, 1932 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD – 869.77 Índice para catálogo sistemático: 1. Humoristas brasileiros : Biografia 928.69 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei no 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/loja virtual