Betty Faria Rebelde por natureza Tania Carvalho Imprensa Oficial São Paulo, 2006 Governador Cláudio Lembo Secretário Chefe da Casa Civil Rubens Lara Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira Coleção Aplauso Perfil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Carlos Cirne Assistência Operacional Andressa Veronesi Djair Wilson Editoração Aline Navarro Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O caso dos irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Dedico meu livro às forças positivas do universo, do bem, do amor e da paz. Betty Faria Introdução Os anos fizeram muito bem a Betty Faria. E essa afirmação não é simples. Aos 64 anos, a atriz, que sempre foi o símbolo da mulher bonita, gostosa, faceira, interessante, de nariz arrebitado, corpo com tudo em cima continua igual. Só que com mais rugas e sabedoria. Budista praticante (da corrente do budismo de Sutra de Lótus) ela analisa o passado, tem certezas sobre o presente e pressente o futuro dentro de uma ótica bem particular: a que não se deve fazer “causas” com pensamentos, palavras e ações porque os efeitos aparecem. E podem ser devastadores. Ela define os últimos anos da sua vida, desde a virada do século, como uma grande provação espiritual, “uma prova de fé”. Doenças, contrato não renovado, a morte do pai, enfim, situações que colocariam qualquer um deitado. Mas Betty permanece de pé – e acha que tudo foi um grande benefício – e tem coragem de falar sobre isso, com tanta paixão, quanto de seus inúmeros sucessos acumulados em uma carreira de mais de quarenta anos. Nos nossos primeiros encontros, Betty foi cautelosa, talvez temendo as famosas “causas e efeitos”. Com o tempo, porém, foi descontraindo mais um pouco. Nossas conversas mudaram de lugar, passamos da sala de estar de seu lindo apartamento em frente à praia do Leblon para uma aconchegante salinha íntima na cobertura, banhado pelo ar fresco do mar e falamos muito. Sobre tudo. Betty nem sempre é prolixa, ao contrário. Ela dividia os assuntos em doses homeopáticas. Um dia contava uma parte. No outro, acrescentava mais um ponto. Porém sempre intensa, cheia de sentimentos, pausas, olhares, dúvidas. Se o assunto podia ser mais polêmico, ela pedia para desligar o gravador. Afinal ela não está no mundo para criar desafetos. Isso, porém, não impediu que ela falasse dos bons e maus companheiros de trabalho, dos amigos e dos nem tanto que em momentos de sua vida ampararam-na ou viraram a cara. Muitos comentários, porém, foram reavaliados, riscados até após a última entre muitas revisões feitas por ela. Mais do que tudo, porém, Betty falou do seu trabalho. E do budismo, claro, para o qual foi dedicado um capítulo inteiro. (Acho até que ela gostaria que fosse todo o livro sobre o assunto). O mantra básico – o Daimoku do budismo do Sutra de Lótus – é “Nam-Mioho-Rengue-Kio”. Diariamente Betty se concentra em frente ao pequeno altar e repete-o sem parar. Garante que os melhores insights de sua vida surgiram nestes momentos. E recomenda. Militante da causa tentou até me converter, explicando-me todas as coisas boas que o budismo pode proporcionar, emprestando-me algumas publicações, que serviram para escrever melhor sobre o assunto. Confesso que ouvi atenta, taurina como ela, disciplinada. O que mais me comoveu, no entanto, foi a necessidade que ela sente imperiosa de ajudar os outros. É assim com os amigos, com os filhos, com quem trabalha – uma provedora de emoções, definitivamente. Não foi difícil encontrar um título para o livro. Ela é uma rebelde nata. Já nasceu em Copacabana colocando as sapatilhas, contrariando o pai general. Usou biquíni pequeno, destruiu o tabu da virgindade, casou sem se casar no papel, teve filhos de dois pais diferentes, enfim, uma libertária desde os anos 40. Rebelde como ela só. E alguém nasce com aquele nariz à toa! Mas hoje, rebeldia quase apaziguada, ela continua vibrante a apaixonada, em busca de novos caminhos profissionais. Enquanto trabalhávamos na feitura do livro ela estava empolgadíssima com novos projetos, dentre eles um pocket-show onde pretende reunir o que mais gosta: cantar, dançar e representar. Pessoalmente, assume com o maior amor seu papel principal, o de avó de Giulia, Valentina, João Paulo e Antônio. E para quem jamais a imaginou em um personagem como esse, divirta-se. Ela está muito bem. Com vocês, a Betty mulher, atriz, mãe e avó. E budista, com certeza. “Nam-Mioho-Rengue-Kio”. Tania Carvalho verão de 2006 Capítulo I Tempo de maturidade Este livro fala de renascimento. Estou em um momento muito especial da minha vida, após passar um tempo de grande sufoco, que me obrigou a dar uma parada na minha carreira. Foram cinco anos afastada do que mais gosto de fazer. Considero o ano de 2005 como um tempo de retomada. Voltei às novelas, com o convite da Glória Perez e do Jayme Monjardim para viver Djanira Pimenta, uma participação especial na novela América e vi no final do ano, nas telas, o novo filme de Carlos Reichenbach, que co-produzi e protagonizei, Bens confiscados. E já tenho vários planos novos na cabeça: produzir um pocket-show, que pretendo fazer por muitos anos por este Brasil afora e também cinema. Acho estimulante participar do cinema brasileiro, a quem sou afetiva e profissionalmente muito ligada. Fiz diversos filmes, ganhei prêmios, conheci festivais do mundo inteiro e o cinema me deu muitas alegrias e algumas poucas tristezas. Por isso pretendo estar sempre perto dele, produzindo com pessoas amigas, como foi o caso de Bens confiscados, que trabalhei com a Sara Silveira e com o próprio Carlão. Agora é hora da retomada. Sou assim mesmo – e sempre fui: agitada, rebel-de, espoleta, jovem, energética, cheia de vida. Hoje, no entanto, paralelamente a tudo isso, tenho mais sabedoria, conseguida através de uma busca espiritual muito grande. Antes, era impulsiva, tinha uma franqueza desnecessária, o que resultava em uma arrogância enorme. É muito difícil que a fama não te deixe com uma sensação de estar acima do bem e do mal. Sou filha única, fiquei famosa bem jovem e, mesmo tendo informação, uma base sólida, uma consciência política, fui tomada pela arrogância. E arrogância é uma doença! Que se manifesta na falta de atenção com uma pessoa, na pouca gratidão que se tem por uma oferta de trabalho, no deslumbramento que norteia as suas ações. Essa parada foi um pescoção que a vida me deu. Nunca havia sofrido nada assim. Neste momento tive a oportunidade de refletir bastante. E garanto: a maturidade tem grandes vantagens. Uma delas é ter gratidão por tudo o que a vida lhe dá. É claro que envelhecer não é fácil, especialmente para mim que fui sempre considerada modelo de sex-appeal. É preciso negociar muito com a cabeça. Tive a sorte de conhecer, ainda nos anos 80, o budismo e começar a praticá-lo com firmeza em 1992. Já havia passado por muitas religiões, porque a minha busca espiritual sempre foi imensa até chegar ao budismo do Sutra de Lótus, que, na verdade, é uma filosofia de vida, que acredita na causa e efeito. Tudo o que você faz em pensamentos, palavras e ações voltará para você nesta ou em outra encarnação. Isso faz com que você trabalhe para se melhorar a cada dia, se transforme cotidianamente. É uma luta diária. Eu, com certeza, quero me revigorar dia a dia como pessoa. Quando for embora deste planeta não quero ficar poluindo o ambiente. O budismo dá muita tranqüilidade com relação à morte, porque fala claramente sobre os quatro sofrimentos da vida que ninguém escapa: o nascimento, a velhice, a doença e a morte. Quero voltar bem melhorada na outra encarnação, definitivamente. Para isso, ainda preciso aprender muito nesta vida, para não ter as mesmas lições na próxima. Capítulo II A gênese A garota de Copacabana vira bailarina Fui concebida no Posto Seis de Copacabana e lá nasci, em 8 de maio de 1941, em um apartamento em cima do tradicional restaurante alemão Luca´s. Engatinhei e aprendi a andar nas areias da praia de Copacabana. Meu pai, Marçal de Faria, era militar e por isso mudamos muitas vezes para diversas cidades do Brasil até os meus doze anos, mas sempre, nos intervalos, voltávamos para a “princesinha do mar”. Ele era militar da Infantaria nos anos 50, se formou na Escola Superior de Guerra e pediu para sair do Exército em dezembro de 1963, porque não concordava com o golpe militar. Meu pai era um nacionalista ferrenho, engajado na campanha O Petróleo é Nosso, e acreditava que militares não deviam se meter na vida política. Foi para a reserva como General de Divisão e começou a trabalhar como gerente financeiro de uma grande companhia, porque se ficasse sem o que fazer, enlouqueceria com certeza. Era uma pessoa honesta, direita, que jamais recebeu uma gorjeta, mensalão, mensalinho, favorecimento. Tinha um nome limpo e honrado. Fui criada por Dona Elza e Seu Marçal com muitos valores morais. Havia repressão, sim, mas também grandes ensinamentos sobre ética, caráter, honradez e verdade que forjaram a minha personalidade. Posso ter sido leviana em muitas coisas na minha vida, mas ninguém pode dizer que fui canalha com alguém. Acho que meu pai precisava ser repressor, porque eu era uma rebelde por natureza. Discutia tudo, não aceitava um não facilmente, estava sempre contestando. Não fui filha única por opção dos meus pais: minha mãe engravidou várias vezes, mas perdeu todos no começo da gestação. E ser sozinha foi bastante difícil. Sempre me senti uma solitária e, especialmente, pelas mudanças de cidade que fiz em criança, havia uma sensação esquisita de não pertencer a turmas, grupos, patotas. Sempre havia necessidade de batalhar por novos amigos. Chegava a uma nova cidade, era colocada em um grupo escolar e sempre me sentia meio “barrada no baile” – sensação, aliás, que tenho até hoje. Continuo uma solitária, tenho um amigo aqui, outro ali, mas não pertenço à turma alguma. Na minha primeira infância morei em Pelotas, no Rio Grande do Sul e em São Paulo, na capital e em Lorena. Cheguei a Lorena com quatro anos de idade e até hoje as histórias daquele tempo arrepiam os cabelos de minha mãe. Fomos viver na Vila Militar, que ficava na beira de uma estrada. Eu, decididamente, não gostava daquela vidinha com meus pais, minha avó, presa naquela casa. Para me divertir, pegava todos os cachorros e colocava no porão da casa. Um dia minha mãe me levou para ver o circo que estava na cidade. Enlouqueci! Queria ser contorcionista, dançar em cima do cavalo, fazer trapézio, não pensava em outra coisa, totalmente fascinada pela magia do circo. Era o mundo do espetáculo. Era isso o que queria. Não via a hora de voltar àquele mundo de fantasia. Certa vez, quando a minha mãe estava tomando banho, peguei minha bonequinha preta, coloquei embaixo do braço, pulei o portão que estava fechado com cadeado, atravessei a estrada e um pasto de boi cercado de arame farpado. Tudo para chegar ao circo que via lá longe. E tinha, repito, quatro anos de idade. Minha mãe me alcançou antes de eu conseguir o meu intento, que era fugir com o circo. Levei uma boa surra, fiquei de castigo, mas tenho certeza que foi dali que nasceu a minha grande vontade de ser artista. Minhas lembranças desta época são nítidas, talvez pelos muitos anos de psicanálise. Ou porque foram momentos importantes demais: o circo, o final da Segunda Guerra Mundial, que foi comemorado por todos no quartel de Lorena, em São Paulo. Nesta época já questionava todos, inclusive meu pai, sobre canhões, porque eles só serviam para matar gente e achava isso um terror. Neste momento já havia uma divisão muito grande na minha cabeça, porque meu pai era militar e usava canhões. Como ele podia fazer isso? Desde aquele momento eu já buscava uma filosofia de vida completamente contrária à guerra, que só fui encontrar anos depois no budismo do Sutra de Lótus. A minha tendência artística e a minha busca pela paz acho que vêm de outras encarnações. Quando voltei para o Rio de Janeiro, com seis anos de idade, decidi que queria estudar balé. Queria porque queria. Nesta época já morava na Rua Constante Ramos, no Posto Quatro, em Copacabana e descobri uma professora, Alexandra, que dava aulas no final da rua. Meu pai era contra e só deixou que eu estudasse balé, se tivesse também aulas de piano, que detestava. Mas aceitei a sua proposta e Dona Alexandra se tornou a minha primeira professora de dança. Quando me mudei para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, aos dez anos de idade, me desesperei, porque lá não havia escola de balé, só de piano. Quando voltamos para o Rio, dois anos depois, fui para o Ballet do Rio de Janeiro, da Dalal Aschar, que havia trazido uma mestra russa, do Ballet da Rússia Imperial, Madame Marie Makarova. Depois estudei com Sandra Dieckens, Pierre Klimov, Nina Verchinina, mas a minha grande mestra mesmo, de muitos anos, foi Madame Eugenia Feodorova. Estudei muito dança moderna, jazz, sapateado, mas a minha grande base foi sempre o clássico. Nunca tive problemas com a disciplina, fundamental para uma bailarina. Vivia de regime, porque sempre tive pernão, coxa grossa. Usava aqueles calções de plástico para diminuir culote, uma loucura, queria ser esquálida. Tinha problemas de disciplina para estudar no colégio, mas isso era outra coisa. Era do Pedro II, onde fiz o ginásio, mas convenci meus pais a me mudar para o Mello e Souza e fazer o clássico. O colégio era mais perto, em Copacabana, assim sobraria mais tempo para me dedicar ao balé. Meu pai começou a perceber que estava interessada mesmo em entrar para o show business e começou a não gostar tanto assim da dança. Minha mãe, mesmo que fosse nas águas do meu pai, era mais flexível, sempre me incentivou, queria que eu tivesse uma profissão, não achava uma boa ser “do lar”. Eu comecei a buscar a minha independência: a Sandra Dieckens, que era primeira bailarina do Teatro Municipal e possuía uma escola de dança, começou a me dar algumas turmas de crianças, que sempre gostei, para eu dar aulas. Primeiro no Clube Monte Líbano, depois no Clube Caiçaras. Aos 16 anos comecei a ganhar meu dinheirinho com essas aulas de balé clássico para crianças. Mesmo assim precisava me submeter às regras do meu pai. E dei bastante trabalho a ele. Fui pega fumando no colégio, fazia muita bagunça, era indisciplinada e contestava tudo, absolutamente tudo. E quando eu queria ir ao clube do rock e ele não deixava? Era um Deus nos acuda. O berço do rock no Rio de Janeiro foi Copacabana. Quando lançaram aquele filme do Bill Halley e seus Cometas, enlouqueci. Só queria saber de “one, two, three, four, five o´clock rock”. Eu amava também o Elvis Presley. Havia um clube de rock no Posto Seis e adorava ir dançar lá. Meus pais não deixavam e tentava o tempo todo fugir para ir dançar. Acho até hoje que, se não fosse atriz, seria uma roqueira! Além de dançar rock, queria também passar batom, colocar um salto alto e ir ao cinema sozinha. Bailarina, grandona, botava os cabelos para cima, um batom vermelho, uma carteira debaixo do braço e conseguia entrar nos filmes proibidos para menores de18 anos. Eu era louca pelos musicais e pelo Marlon Brando. Com 17 anos queria ser uma estrela dos musicais. Queria ser a Cyd Charisse para dançar com Fred Astaire e Gene Kelly. Ficava irritadíssima quando diziam que parecia com a Ann Miller. “Eu quero ser a Cyd”. Tinha a coleção completa da Fotoplay, uma revista americana sobre cinema, com fotos de todas as atrizes e atores. No Brasil, depois, havia a Cinelândia, mas gostava mesmo era da Fotoplay. Se na infância fora o circo, e cinema e o rock eram as minhas rotas de fuga na adolescência. E minha formação cultural, afirmo, foi feita pelo balé clássico, pelo cinema americano e pelos filmes da Atlântida. Nesta época comecei a fazer parte do grupo da Sandra Dieckens, que se chamava Ballet dos Clubes. Todo final de semana o grupo se apresentava nos clubes da cidade, com um show que tinha balé clássico, dança moderna, sapateado e terminava com um can-can. Meu pai brigava, brigava, brigava, mas eu começava a ficar independente, a ganhar o meu dinheirinho para comprar minhas sapatilhas e alfinetes. Foi então que decidi fazer um teste para o programa Noite de Gala, da TV Rio, que era dirigido pelo Geraldo Casé e coreografado pelo Juan Carlos Berardi. Era o programa que melhor pagava aos bailarinos, que ganhavam muita visibilidade, porque havia muita dança moderna. Fui fazer o teste vestida com um tutu cor de rosa e sapatilhas de ponta. O Casé conta esta história sempre às gargalhadas. O Juan Carlos Berardi mandou que eu tirasse tudo aquilo, vestisse um maiô cavado, um sapato salto 7.5. E estreei no programa dançando em cima de uma escadaria... Les Girls... Capítulo III Os anos 60 Tempo de Esperança e de Repressão 1960 foi o ano da minha emancipação. Sonia Shaw e seu marido Bill Hitchcock chegaram ao Brasil para montar um grande espetáculo musical, Skindô, com cantores – Moacyr Franco, Agnaldo Rayol, Madalena de Paula – modelos, vedetes que desfilariam de biquíni, mas com a grande ênfase na dança. Resolvi fazer o teste e fui escolhida uma das oito, entre mais de 50 concorrentes. Eu estava fascinada com a possibilidade de viajar para a Argentina, Uruguai e Estados Unidos, pois havia a promessa do espetáculo fazer temporada em Las Vegas. Convenci meu pai que era uma oportunidade única de conhecer o mundo e ele decidiu me emancipar. A Sonia dava um duro danado em cima de mim. Eu tinha uma coisa de filha única mimada, e me zangava quando alguém me chamava a atenção. Saía do ensaio e pedia um lanche para mim no Copacabana Palace, completamente amuada e irritada. Numa dessas, a Sonia me colocou na última fila e assim fiz a estréia: lá no fundo e com as lágrimas escorrendo pelo rosto. Estreamos no Golden Room do Copacabana Palace, fizemos uma temporada linda no Teatro Coliseu, em Buenos Aires, viajamos para o Uruguai, sim, mas jamais chegamos a Las Vegas. A Sonia brigou com o produtor do espetáculo, Abrahão Medina, e Skindô acabou na Praça Tiradentes, que na época era um horror. A Sonia fez outro espetáculo em seguida, com produção do Paulo Machado de Carvalho e Aloísio de Oliveira, Tio Samba, e me colocou nele. Nesse, eu já tinha alguns solos de balé moderno. Estreamos mais uma vez no Copacabana Palace e depois fomos para São Paulo, no Teatro Record. Nunca fui vedete, sempre me apresentei como bailarina. As vedetes eram só gostosas. As bailarinas eram moças da classe média, de família, que haviam estudado muitos anos de balé clássico e dança moderna. Eu, é claro, era amiga das vedetes, gostava de conversar com elas, trocar figurinha, mas era bem nítida a separação entre os dois grupos. Nesta época começou o meu sofrimento: arrebentei meu joelho e, bobinha, ia ao médico que fazia infiltração de cortisona, passava o resto do dia com bolsa de gelo, e fazia duas sessões à noite. Fui piorando e me sentia desamparada. Estava morando, junto com os outros bailarinos do espetáculo, em São Paulo, num hotelzinho na Rua das Palmeiras, pertinho do Largo do Arouche, longe da casa dos meus pais, e não queria dar o braço a torcer. Não queria abrir mão da independência conquistada. Um dia me deram um papel para assinar e nem li. Depois descobri que havia assinado a minha rescisão de contrato isentando-os de qualquer pagamento. Totalmente desprotegida fui cuidada pelos meus amigos bailarinos – sempre digo, brincando, que sou “cria das bichas” – que me arrumaram trabalho em um inferninho, dançando de “apachinete”. Continuava sentindo dor constantemente, minha perna estava cada vez mais fina. Um dia meu pai chegou em São Paulo e me deu um ultimato: eu devia voltar para o Rio de Janeiro, para a casa dos meus pais e operar o menisco. Foi muito duro, fiquei engessada um mês, da virilha ao tornozelo. Todos os dias precisava fazer exercícios com um sapato de ferro. Quando tirei o gesso tive uma crise de choro: minha perna estava fininha, sem musculatura alguma. Para recuperar a minha forma levei meses, primeiro fazendo aulas de balé para crianças, tentando recuperar a força. Não queria ficar parada, porém. Em meio à minha recuperação procurei as pessoas que havia conhecido na TV Rio e acabei conseguindo um trabalho como apresentadora de um programa jornalístico do Fernando Barbosa Lima. Fiz ainda um teste para ser apresentadora de um programa infantil, que era exibido no sábado e me tornei a Garota Kibon. Pouco a pouco fui me recuperando e recomeçando a dançar com o Juan Carlos Berardi. Em um desses ensaios o Carlos Machado, que era o Rei da Noite carioca, me viu e perguntou: “quem é essa garota? Ela vai ser a minha estrela”. Eu saí da TV, em 1963, para estrelar o espetáculo Chica da Silva 63, em que cantava, dançava, representava e tinha a glória de contracenar com um dos meus ídolos: Grande Otelo. Todo mundo ia ao Fred´s – a boate que ficava na Avenida Atlântica, onde hoje existe o Hotel Meridién – ver Chica da Silva. O homem que me deu a primeira oportunidade no cinema foi o falecido Flávio Tambelini, que me viu na boate, e inventou uma participação para mim em O beijo, filme baseado em Nelson Rodrigues, que estava produzindo e dirigindo. Eu entrava com uma capa, meio Humphrey Bogart, a Glauce Rocha arrancava-a e surgia uma bailarina ensandecida, de espartilho. Era uma cena linda! Meu pai quando viu a minha foto, de costas nuas, na porta do cinema Roxy queria processar a produção do filme. Época gostosa. O Otelo de vez em quando se “guardava” na Clínica São Vicente, só saindo para fazer o show. Fui visitá-lo e seu grande companheiro de grandes papos e alguns tragos – sempre havia uma garrafa escondidinha – era o Vinicius de Moraes, por quem fiquei fascinada e amiga. Um dia o Vinicius me convidou para participar da gravação de Canto de ossanha.E lá está a minha voz! Uma honra!!! E foi, ainda em 1963, que conheci uma pessoa que modificaria a minha vida, de quem fui amiga até o seu último dia: o maravilhoso bailarino e coreógrafo Lennie Dale. Lennie veio dos Estados Unidos, onde havia feito West Side Story na Broadway, para dançar em outro espetáculo do Carlos Machado, na boate Night and Day. Foi o Machado que me disse: “você não pode deixar de ver este bailarino fazendo a dança da maconha”. Dança da maconha? Era isso mesmo, com um cigarro na mão, um chapéu, ele ia enlouquecendo, escorregava de joelhos na diagonal do palco e se levantava na ponta dos pés. Fiquei louca de paixão com aquele vulcão em cena, fascinada pela sua personalidade, ele era moderno, rebelde, sem fronteiras. Foi amor-amizade à primeira vista. O Lennie revolucionou a dança no Brasil. Ele era uma estrela e seria em qualquer lugar do mundo. Mas se encantou pelo Brasil e escolheu morar aqui. Profundamente talentoso e criativo, Lennie realmente trouxe o jazz para o Brasil. Suas coreografias, suas aulas, tudo, tudo mesmo, era muito diferente. E, decididamente, influenciou a coreografia de todos os musicais e dos programas na televisão. Ele era uma grife. Até hoje vejo gente fazendo coreografias absolutamente influenciadas pelo Lennie. Fomos para a televisão dançando juntos também. O primeiro programa que fizemos foi Mundo de Tônia, claro, da Tônia Carrero. Eu levava uma vitrolinha azul e ensaiávamos antes de começar. Começamos, também, a fazer shows juntos. Lennie havia se encantado com a bossa-nova e resolvido criar uma dança especialmente para o ritmo, cuja batida era exatamente inversa a do samba. Fiz diversos shows com ele dançando bossa-nova, e com o dinheirinho que ganhei com esse trabalho comprei o meu primeiro carro: um fusca cinza, com o estofamento forrado de vermelho. Com ele rodávamos o Rio de Janeiro inteiro. Um dia ele me perguntou se eu já havia fumado maconha, disse que não, mas confessei que morria de vontade de provar. E lá fomos nós com meu fusquinha subir um morro na Lagoa para ir comprar. Isso em 1963. Que aventura! Lennie foi mais do que um amigo, foi um irmão. Às vezes, um irmão trabalhoso, mas querido, afetivo, companheiro. Ele esteve presente na minha vida sempre: meu filho João se lembra de uma vez, quando ele ainda era criança, que Lennie se vestiu de Papai Noel em um Natal inesquecível. Barba, gorro, saco de presentes na mão e dizendo “ho, ho, ho”. Foi o melhor Papai Noel de todos os Natais da minha vida. Quando ele estava muito doente fui à Nova York para me despedir dele. Lennie já estava inconsciente, mesmo assim fiquei ao seu lado, uma situação triste, dizendo adeus a uma pessoa que ainda estava viva, mas sabendo que não iria revê-lo mais nesta encarnação. Foi muito doloroso. Uma linda amizade, que começou em 1963 e que permanece até hoje no coração, nas lembranças de quem teve o privilégio de conviver com ele. Mas voltemos à minha carreira. Em 1964 comecei a fazer um programa na TV Excelsior, Rio Rei, com direção de Miéle e Bôscoli e coreografia do italiano Luciano Lucciani, um maravilhoso coreógrafo também que conheci em minha vida profissional. O Lennie, inclusive, participou de muitos. Para mim foi bom porque, além de dançar, eu tinha a oportunidade de cantar e apresentar. Um ano depois, inaugurei a TV Globo com um programa Dick e Betty 17 da mesma dupla de diretores, que apresentava junto com o maravilhoso cantor Dick Farney. Participei também de Hello Dolly, mais um musical da grife Miele e Bôscoli. Nessa época, estava muito preocupada em me aperfeiçoar. Fazia aulas de canto com Clarice Stuart, Lílian Nunes, Fernanda Gianetti, buscava cursos de arte dramática, porque sabia que que-ria mais: eu queria mesmo era ser uma grande atriz. Uma atriz que canta e dança, o que sou até hoje. É claro que sempre sofri muito preconceito por ter vindo de um show de Carlos Machado, por ter sido “certinha do Lalau”, uma das mulheres escolhidas pelo colunista Stanislau Ponte Preta para ilustrar a sua coluna no Última Hora. Por não ter tido uma formação teatral forte, precisei estudar bastante, fazer cursos, ler bastante, enfim correr atrás para aumentar a minha cultura. Em 1965, consegui estrear no teatro na peça As inocentes do Leblon, com direção de Antonio Cabo. Já havia tido a experiência de comédia ao contracenar no palco com o Grande Otelo, mas a peça me deu a certeza que eu tinha um bom timing para fazer rir, o que é fundamental. Minhas companheiras de elenco eram a Margot Baird, Leina Krespi e meus queridos amigos Yolanda Cardoso e Moacyr Deriquém. Durante esta temporada, meu amigo Hugo Carvana me falou de um filme. Era louca para participar do Cinema Novo, engajado, ideológico, independente, que me fascinava. Mesmo já tendo estreado no teatro, ainda sentia as portas fechadas para mim que vinha dos shows da noite. Sabia que precisava mostrar serviço para ser respeitada. Enchi tanto a paciência do Hugo que ele conseguiu um teste para mim em Amor e desamor, filme do Gerson Tavares. E consegui o papel. Leina Krespi, que havia sido minha companheira no palco, também estava no elenco de Amor e desamor. E fiquei deslumbrada de poder contracenar com Leonardo Villar. Ele era absolutamente tudo no momento, Pagador de promessas havia ganhado a Palma de Cannes. Que grande ator! Humilde, disciplinado, bom companheiro, além de talentosíssimo. Com ele aprendi como um ator deve se comportar em um set de filmagem. Foi uma experiência maravilhosa este meu primeiro longa-metragem, totalmente filmado em Brasília, embora muito solitária. Brasília em 1965 era totalmente deserta. Era a primeira vez que eu saía do Rio para fazer cinema, filmava de manhã e voltava para um quarto do Hotel Nacional, me sentindo absolutamente sozinha, abandonada até. A equipe trabalhava o dia inteiro e me sentia bastante desamparada, sem um carro passear, sem alguém para conversar. O que me salvou foi a concentração, meu mundo próprio, a leitura. Sempre tive essa capacidade de criar meu mundinho particular, cheio de inquietações, divagações e pensamentos. Talvez por ser filha única, ter me mudado muito ao longo da infância, ter aquela sensação de ser gauche, sem grupos ou turminhas. E foi essa capacidade de viver comigo mesma que permitiu que continuasse a filmar Amor e desamor até o momento mágico quando alguém disse: “o filme está na lata!” Nossa, quanta coisa aconteceu em 1965! O teatro, a televisão e o cinema estavam definitivamentenaminhavida. Em 1966 fui chamada para o elenco de Onde canta o sabiá, que iria reestrear no Teatro Copacabana (Que teatro lindo! Não me conformo que ele esteja fechado há anos), depois de uma temporada no Teatro do Catete. O espetáculo do Paulo Afonso Grisolli tinha uma proposta moderna, arrojada, não que a gente cantasse e dançasse números espetaculares, mas com certeza Onde canta o sabiá foi um divisor de águas e abriu caminho para a revolução cênica, que iria acontecer no final dos anos 60 e se prolongar nos anos 70. No elenco estavam Maria Gladys, Marieta Severo, Gracindo Jr., Nestor de Montemar, Antonio Pedro e Norma Suely – que cantava como um rouxinol. Eu não parava de procurar cursos, sempre achava que não sabia, que não era boa atriz, embora quisesse muito. Foi assim que descobri o Teatro Jovem, que era dirigido pelo Kleber Santos, e organizava oficinas de atores, onde era usado o método Stanislavski, que conhecia por ter lido, mas não havia ainda colocado em prática. Meu professor era o Nelson Xavier e meus companheiros de curso, José Wilker, Cecil Thiré e Isabel Ribeiro. Foi no Teatro Jovem que fiz, ao lado do Wilker, do Cecil, do MPB-4, do Fernando Lébeis, um musical do Hermínio Bello de Carvalho, João amor e Maria, com músicas de Maurício Tapajós. Fazíamos o espetáculo de terça a domingo – na quinta fazíamos uma matinê e duas sessões no sábado e domingo. Sou da época em que se fazia teatro todos os dias. Era curioso, porque o teatro ficavaaoladodocolégiodaUniãodasOperáriasde Jesus – o teatro era também desta organização –, e enquanto acontecia a maior tempestade no palco e a gente olhava para fora e via as crianças no recreio em plena tarde de sol. Nossa, que lembrança gostosa! No Teatro Jovem acontecia também, às sextasfeiras, a Feira de Música. Nós acabávamos a peça e ficávamos por lá, não tínhamos dinheiro mesmo e era um grande programa. Era bom estar com o meu grupo e me sentia muito feliz em estar lá. Foi na Feira que vi um compositor sentar em um banquinho e cantar uma música, que viraria um clássico: “olha lá vai passando a procissão / se arrastando que nem cobra pelo chão / as pessoas que nela vão passando / acreditam nas coisas lá do céu....” Que coisa linda, era Gilberto Gil e sua Procissão. Belos e profícuos tempos. Nessa época eu morava no Solar da Fossa, onde hoje é o shopping Rio Sul. Era um espaço absolutamente democrático. Havia quarto sem banheiro, quarto com banheiro e suíte, que era o mais chique. Não havia telefone nos quartos, só na portaria. Era o local onde os artistas moravam. Era vizinha da Tania Scher, da Maria Gladys e do Paulinho da Viola, que morava no quarto contíguo, parede com parede. Que coisa linda era acordar ouvindo o violão de Paulinho da Viola! Eu apresentava um programa na TV Tupi, chamado A grande parada, uma vez por semana, e com este dinheirinho pagava o meu quarto no Solar. Quando o Teatro Oficina veio para o Rio de Janeiro, me inscrevi no curso de interpretação do grande mestre Eugenio Kusnet. O Zé Celso me viu lá e me convidou para fazer a temporada carioca de Os pequenos burgueses. Eu dividia o palco com o próprio Kusnet, Renato Borghi, Ítala Nandi e Cláudio Marzo. Trabalhar no Oficina foi a glória. Sempre tive a insegurança por ter sido bailarina, não ter vindo dos importantes grupos teatrais da época. A escolha do Zé Celso quase me fez perder a sensação de ser gauche na vida, o que sentia desde a minha infância. Primeiro por ser canhota e ter sido obrigada a escrever com a mão direita e, mais tarde, por ten-tar vôos na minha carreira que muitos pensavam não ser capaz. A Polia de Pequenos burgueses foi um divisor de águas na minha vida profissional. Depois dela soube que havia feito a escolha certa: ser atriz era, decididamente, o meu presente e futuro. Nesta época, me apaixonei perdidamente pelo Cláudio. Ele já era galã na Globo e tinha uma suíte no Solar da Fossa e dava café da manhã para mim e para a Maria Gladys todos os dias. Quando fiquei grávida da Alexandra fomos morar juntos em um apartamentinho em Ipanema. Nunca nos casamos, mas tenho que ser justa, ele queria, mas preferi não assinar papel algum. Eu achava que não íamos ficar juntos muito tempo. Era uma paixão tão forte que seria impossível perpetuá-la. Paixão mais equilibrada pode virar um amor tranqüilo. Agora, uma paixão avassaladora entre dois atores, com egos enormes, um fazendo sucesso, outro na intenção de fazer, dificilmente teria um futuro longo. Foi lindo e sobrou uma eterna amizade, uma solidariedade, somos uma família até hoje. Estava com Cláudio, era amiga do Antonio Pedro desde Onde canta o sabiá e resolvemos montar a nossa própria companhia: Teatro Carioca de Arte. Na época não havia leis de incentivo. Escolhíamos uma peça, alugávamos o teatro e bancávamos toda a produção, na inocente esperança que a bilheteria pagasse todos os custos, o que quase nunca acontecia. Era o tempo da ditadura militar, a censura era violenta no teatro e no cinema, o que dificultava ainda mais. O único que ganhava dinheiro mesmo era o Cláudio, contratado da Globo. O teatro era na rua Senador Vergueiro, sem estacionamento, e a situação era tão dura, que minha mãe ficava na bilheteria. Nossa primeira produção foi O bravo soldado Schweik, de Jaroslav Hazek. Depois fizemos A falsa criada, um espetáculo lindo. Eu me revezava na produção, no palco e na promoção do espetáculo, telefonava para os jornais, pedia uma notinha lá outra acolá, como disse, era um empreendimento familiar. Quando estava fazendo esta peça, onde me disfarçava de rapazinho, foi que descobri que estava grávida da Alexandra, porque tinha que beijar a Yolanda Cardoso e comecei a enjoar com o gosto do seu batom. Logo depois tive uma ameaça de perder o bebê e precisei largar o espetáculo. A companhia entrou com vários pedidos de liberação de peças, mas todos foram recusados. Cada proibição da censura nos dava um prejuízo muito grande. Não conseguíamos liberar nada. Foram tempos difíceis... Decidimos que precisávamos fechar o teatro. Fechamos o Teatro Carioca de Arte e Cláudio ficou com as dívidas. E pagou-as todas, sempre foi uma pessoa correta. Eu e Antônio Pedro estávamos desempregados. Eu, ainda por cima, grávida. Nos últimos meses da gravidez fiz várias dublagens para filmes nos Estúdios da Herbert Richers. No dia do aniversário do Cláudio, 26 de setembro de 1968, Alexandra nasceu. Isso é que é presente! Cláudio estava gravando novela em São Paulo – A Grande Mentira – e fui com a querida Tônia Carrero ver 2001 – Uma Odisséia no Espaço, do Stanley Kubrick. Na madrugada, entrei em trabalho de parto, fui para a Casa de Saúde São José. De lá liguei para dar parabéns para o Cláudio e avisei que o baby estava chegando. Ele correu, pegou o avião e chegou justo no momento em que estavam me passando para a maca. Alexandra nasceu logo depois, de parto normal. Minha vida mudou totalmente depois disto. Quando vi aquele bichinho cabeludinho nos meus braços chorei tanto, mas tanto, ao mesmo tempo em que era invadida por um sentimento de responsabilidade absoluto, que me acompanha por toda a vida. Estava muito apavorada por estar sem emprego e procurei minha amiga Leila Diniz, que já fazia muitas novelas na época. Ela me levou na TV Rio para trabalhar em uma novela, que iria ser dirigida pelo Daniel Filho e escrita por uma pessoa que só conhecíamos o nome de guerra. A novela era Os acorrentados e sua autora, ainda que com pseudônimo, era Janete Clair. Começamos a gravar em 1968 e a novela foi exibida de janeiro a maio de 1969. As novelas eram bem mais curtas e com tramas rocambolescas. Em Os acorrentados, Leila era a protagonista e vivia uma freira, Amparo de Fátima, que era violentada por um guerrilheiro, Rodrigo, personagem de Leonardo Villar. Eu era Sonia Maria. E tudo se passava na.... Jamaica. Dina Sfat, Yara Côrtes, Oswaldo Loureiro, Lea Garcia, Ivone Hoffman também estavam no elenco. A TV Rio estava a caminho da falência – o que realmente veio a acontecer no meio da novela – e começou a pagar com eletrodomésticos. Eu esbravejava porque tinha uma filha para criar e comecei a ver que precisava abrir as portas das novelas na TV Globo. Através do Fábio Sabag, que era um dos diretores, junto com Daniel Filho, consegui entrar no meio de uma novela chamada A última valsa, escrita pela Glória Magadan, baseada no filme Moulin rouge, de John Houston. Cláudio Marzo e Tereza Amayo protagonizavam a novela, passada na Áustria do século XIX. Só entrei na segunda fase da história – a novela começou em janeiro de 1969 e acabou em junho –, vivendo uma vilã, Marion. Era uma época de luta contra a ditadura e nós, artistas, estávamos de braços dados com os estudantes nas assembléias, nos comícios, nas passeatas. Havia um medo enorme e uma paranóia no ar. “Fulano caiu” – era a frase que mais ouvíamos e tínhamos horror. Os livros nas nossas estantes podiam servir para que fôssemos presos, acusados de comunismo. Tínhamos a doce ilusão que iríamos derrubar a ditadura militar. E eles nos atacavam cada vez mais. O Cláudio era um galã muito famoso na época, estava protagonizando A última valsa, participava intensamente de toda esta movimentação política e foi denunciado por isso. Estava fazendo um comício-relâmpago no centro da cidade, quando foi visto por um bambambã da direita. Um dia chegamos para gravar e o Cláudio foi levado pela polícia para um interrogatório e desapareceu por 15 dias. Eu me vi em meio a um pesadelo, sem saber o que havia acontecido com ele, com uma filhinha de oito meses em casa, o trabalho, um desespero. Bati em todas as portas da TV Globo pedindo que alguém interferisse, mas havia uma perplexidade total e nada acontecia. Neste momento, meu pai tomou as rédeas da situação e foi genial. Muita gente que estava no poder, que fazia parte da linha dura, havia estudado com ele no Estado Maior do Exército. Meu pai pegou uma farda que estava guardada no armário e foi procurar o Cláudio. Encontrou-o em um quartel do centro da cidade, trouxe-o de volta para casa e fez com que ele prometesse que não se meteria mais com política. De certa forma, conseguiu, pois o Cláudio não foi mais um participante ativo, embora sempre discordante. Meu pai guardou a farda de novo no armário e nunca mais a usou. A amizade entre os dois se fortaleceu depois deste episódio. Em todos os Natais, desde então, eles beberam uísque até de madrugada, conversaram muito, se entenderam. Na véspera do meu pai morrer, o Cláudio esteve no hospital doando sangue. A prisão do Cláudio deixou muitas marcas. Ele não chegou a ser torturado, mas passava as noites ouvindo os gritos dos que estavam levando choques elétricos e sabendo que a qualquer momento seria a sua vez. Se não houve a tortura física, houve, e muito forte, a tortura psicológica. Foi uma violência enorme, que, evidentemente, me abalou tremendamente. Passado o pesadelo, entrei direto para uma novela de Janete Clair, Rosa rebelde, dirigida por Fábio Sabag, Daniel Filho e Régis Cardoso. Tarcísio Meira e Glória Menezes eram os protagonistas e eu fazia um personagem bom, uma mocinha, que fazia par com Cláudio Cavalcanti. E foi nesta novela que recebi o primeiro grande choque elétrico. Foram três em minha carreira na televisão e prometo contar todos ao longo deste livro. Mas o primeiro aconteceu em meio às gravações de Rosa rebelde. Naquela época, e ainda estamos falando de 1969, nós usávamos microfones que eram ligados por um longo fio ao gerador nas externas. O fio era enrolado algumas voltas no tornozelo e passava por dentro da roupa até ser plugado na roupa, na altura do esterno. Neste dia fazia um calor alucinante, nós estávamos em uma externa debaixo de sol inclemente, usando roupas de época suando em bicas – não sei como a gente agüentava, aliás agüenta até hoje, agüenta sempre!-e o diretor mandou que eu e Cláudio corrêssemos um na direção do outro, nos abraçássemos e nos beijássemos. E assim fizemos. Quando nos aproximamos, nossos dentes se bateram, fechou uma corrente elétrica e levamos um choque tremendo. Logo depois de Rosa rebelde, o Daniel tinha uma proposta nova, de fazer uma novela moderna, sem o estilo de Glória Magadan – que acabara de sair da TV Globo. Janete Clair topou o desafio e escreveu Véu de noiva, que estreou em novembro de 1969. Cláudio Marzo era o protagonista e se dividia entre duas mulheres: Flor, vivida por Regina Duarte, e Irene, que era o meu persona-gem. Briguei muito por este papel, uma vilã, cuja música-tema era de Caetano Veloso. Um luxo! Com Véu de noiva tive a minha primeira grande oportunidade na televisão, um persona-gem tão importante na trama. Valeu a pena ter lutado por ela! Véu de noiva foi uma inovação da dupla Daniel Filho / Janete Clair, sem dúvida, uma novela moderna, diferente do que se fazia na televisão e que, sem dúvida, lançou as bases das telenovelas como conhecemos hoje. Não posso dizer que sabia alguma coisa de televisão naquela época. Estava aprendendo com a ajuda de todos, em especial do Daniel. Não consegui achar o tom certo, me sentia insegura até com as câmeras do estúdio. Tudo foi um grande e maravilhoso aprendizado. Também engatinhava no cinema, não conhecia bem o meio. Mesmo assim fiz dois filmes, em 1968 e 1969 com Jece Valadão: A lei do cão e As sete faces de um cafajeste. Não eram pornochanchadas, não. As pessoas podem até discutir a qualidade dos filmes. Era Jece Valadão puro, mas não pornô. Os anos 60 chegaram ao fim. Foi uma época de muitas emoções, quando tive uma filha, me separei e fiquei cheia de dúvidas. A prisão do Cláudio, o AI-5, o desaparecimento de tantos companheiros geraram um desencanto muito grande. Foi um tempo de muita luta política, repressão, maldade. Os anos 70, porém, se anunciavam, o tempo dos hippies, do lema paz e amor e de uma busca incessante por um mundo melhor, sem guerras. Eu embarquei nessa completamente, dei uma desbundada, acho que desde aquela época me sentia à procura de uma espiritualidade, algo que não conseguia encontrar. E as drogas, a maconha, o LSD pareciam ser uma resposta. Demorei algum tempo para entender que tomar alguma coisa para aumentar a percepção era apenas um sonho. Que acabou! Posso dizer que vivi intensamente a militância e o desbunde. Foram tempos de aprendizado, de luta, de dor, mas de muito crescimento que me levaram nos anos 70 à ascensão profissional. Capítulo IV Os anos 70 Tudo, Tudo, Tudo!!! Podia ser meio desbundada, mas nunca deixei de decorar o meu texto, chegar na hora para a gravação e criar a minha filha. No início dos anos 70 já me sentia mais confortável na televisão e, quem sabe por isso mesmo, ganhei o meu primeiro prêmio: o Troféu Helena Silveira de melhor atriz coadjuvante. A novela era Pigmalião 70, de Vicente Sesso. Meu personagem era Sandra, uma malandrinha, que ia para a igreja e falava com Deus, do jeito mais descontraído possível, era bem interessante, patética, brejeira, carioca, cheia de molejo. Nessa novela eu já mostrava a minha simpatia e carinho pelas mulheres do povo. Neste época, início dos anos 70 fiz dois filmes considerados underground, experimentais, produções caseiras: As piranhas do asfalto, de Neville de Almeida e Os monstros de Babalu, de Eliseu Visconti. Os dois foram proibidos pela censura, parecia um karma meu. Só me engajava em projetos em que acreditava e que acabavam nas prateleiras, por pressão da obtusa censura que imperava no país na época. Os monstros de Babalu, que jamais vi, tinha um tema interessante, falava de uma republiqueta latino-americana, com seu ditador, suas corrupções. Uma idéia sensacional. Foi filmado em um casarão, quase um castelo, de um bicheiro em São Gonçalo. Não havia dinheiro algum para a produção. Fazíamos sanduíches na hora do almoço e adorávamos. Helena Ignez foi minha parceira nesta empreitada. Nesta época, fiz também Som, amor e curtição, com J.B.Tanko. Fui convidada, precisava trabalhar e aceitei. Estava muito tumultuada nesta fase da minha vida e não lembro de quase nada – tenho até vontade de rever. Uma doce lembrança foi ter filmado em uma noite bastante divertida com o falecido Antônio Marcos, um boa praça, uma pessoa gentil e agradável. A próxima atração, de Walter Negrão, foi o meu trabalho seguinte na televisão. A novela estreou em outubro de 1970, com direção de Régis Cardoso. Sérgio Cardoso era o protagonista e interpretava Rodrigo, um homem disputado por sete mulheres, dentre elas Ciça, o meu personagem, cuja música-tema era do Erasmo Carlos. Em seguida, entrei em O homem que deve morrer, de Janete Clair, com direção de Daniel Filho e Milton Gonçalves em que fiz Inês, a filha de um pescador. Foi um trabalho caprichado. Eunãoestavapreocupadaseeraumgrandepersonagem, queria trabalhar, aprender, mostrar para as pessoas que era capaz e criar a minha filha. Era, porém, disso tenho certeza, um personagem delicado, romântico, humilde, que me dava esta oportunidade de mostrar o meu trabalho. Janete Clair tinha um carinho muito grande por mim e gostava do meu jeito de interpretar. Tenho muita gratidão pelas oportunidades que ela me deu e a confiança que depositou em mim. Sempre. Foi uma sorte na minha vida ter tido este encontro com Janete Clair, que se tornou uma carinhosa e compreensiva amiga. Meu primeiro grande papel em novela foi em seguida, em O bofe, de Bráulio Pedroso: uma no-vela inovadora, moderna, ousada, experimental, o que era permitido no horário das dez – na época havia quatro horários de novela. Sabe quem fazia a minha mãe? O grande Ziembinski. Eu interpretava Guiomar, uma viúva, bem farofeira, que procurava emprego e acabava se apaixonando por um mecânico, vivido pelo Jardel Filho. Guiomar foi um prenúncio do sucesso das louras! Todas as vezes em que ela ia procurar trabalho, colocava uma peruca loura, certa de que iria arrasar. Foi divertido, em especial porque adoro fazer tipos bem populares. Tenho o maior entendimento e simpatia pelas mulheres do povo. Já fiz grã-fina, já fiz de tudo, mas sempre tive um carinho especial pela mulher meio marginal, no sentido mais amplo da palavra. Tomamos banho até na Praia de Ramos em O bofe. Era uma comédia muito divertida! Trabalhar com Jardel Filho foi também um encantamento. Ele havia trazido para a televisão todo o aprofundamento do teatro e, completamente obsessivo, se trancava no escritório, não falava com ninguém e ficava estudando horas a fio: as intenções do texto, as entonações do persona-gem, os mínimos detalhes. Quando chegava no estúdio, sabia TUDO. Foi uma grande lição conviver com o Jardel. Sempre aprendi com meus companheiros de cena, de cada um sobrou sempre um pouco. O Jardel me fez estudar mais anda do que já estudava para não passar vergonha. Quando vejo esses moleques hoje em dia chegando para gravar no estúdio sem saber uma fala e com o texto na mão, só penso uma coisa: saudades do Jardel! As novelas nos anos 70 eram menores, havia poucos personagens, cerca de 30, mas nós trabalhávamos muito. Hoje são 150 atores em uma novela e muita mordomia: almoço, lanchinhos, condução. Nós não tínhamos esta condição de trabalho mesmo. Em Cavalo de aço, por exemplo, do Walter Negrão, com direção do Walter Avancini, gravávamos em Santa Cruz e na hora do almoço comíamos sanduíche de mortadela. Foi nesta novela, inclusive, que os atores começaram a reivindicar almoço nas externas. Havia só um ônibus com banheiro e ficávamos sentadinhos aguardando a hora de gravar, num calor imenso e vendo cobras passarem para se abrigar debaixo das casas cenográficas. O Stênio Garcia tentava tirar o meu medo, me ensinando a passar alho nas botas e a olhar para o chão para nunca pisar nelas. Os ensinamentos dele perduraram por anos e me prepararam para filmar Bye bye Brasil na Transamazônica. Mas isso é assunto para outro capítulo. Voltemos a Cavalo de aço. Meu personagem era Joana, a filha do dono de uma fazenda, uma vilãzinha, menina mimada da cidade grande que vivia fazendo confusões. No primeiro dia de gravação, o Avancini me deu uma lição e agradeço muito a ele por isso. Ele ficou chateado porque eu não sabia montar a cavalo. “Mas como não? Ator tem que saber fazer tudo”. Eu, evidentemente, morria de medo de cavalo. Se fosse hoje, a produção já teria providenciado um curso, um workshop, várias aulas na Hípica. Mas naquela época a gente se virava e achei que, mesmo sem curso de equitação poderia fazer o papel. Eu era uma garota de classe média baixa, não entendia nada de cavalo, era de Copacabana e não passava minhas férias em fazenda, sabia era pegar jacaré na praia (e até hoje basta dar uma ondinha que eu desço de peito na onda). Como não ia dar para montar, o diretor sugeriu que dissesse o meu texto abraçada com o cavalo. E aí aconteceu o segundo grande choque. Como sempre, fazia um calor pavoroso, eu suava loucamente e quando abracei o cavalo ele levou um choque, virou a cabeça para me dar uma mordida no rosto. Escapei por pouco. Eu me safei, mas fiquei tão arretada com aquilo que tratei por minha conta com o peão para que ele me desse aulas de montaria. Todo dia eu deixava a Alexandra no colégio e ia montar. Chegava horas antes da gravação e ficava treinando. Uma semana depois estava trotando; um pouco depois, galopando. O Tarcísio Meira, um cavaleiro maravilhoso – e um cavalheiro também – me dava a maior força. E eu, tensíssima, colocava açúcar na boca do cavalo, morria de medo dele, pedia licença para subir, dava beijinho. Ele era lindo, um pampa branco e marrom, parecia aqueles que surgiam nos filmes americanos no topo da colina, com o John Wayne em cima, claro. Um dia, o Avancini chegou para gravar e eu estava maravilhosa em cima do cavalo, pronta para fazer a cena. Assim que a novela acabou, desaprendi tudo. Nunca mais montei. Mas jamais vou esquecer a lição que o Avancini me deu. Ator tem que estar pronto. Além disso, o Avancini, assim como a Sonia Shaw na época do Skindô, me ensinou mais coisas. Todos os atores tinham que estar às oito e meia da manhã, prontos, maquiados e sem texto na mão dentro do estúdio. Ah, e não podia também sentar em móvel do cenário. Ele era duro, mas era um bom professor. A minha carreira estava se consolidando na televisão, mas tinha muitas saudades do teatro. Foi quando surgiu a oportunidade de fazer Calabar, o musical de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra, com produção de Chico, Fernando Torres, Fernanda Montenegro e direção de Fernando Peixoto. Meu personagem era lindo: Ana de Amsterdã. Tetê Medina fazia Bárbara e nós contracenávamos e cantávamos juntas muitas vezes. Nós ensaiávamos o dia inteiro: de manhã, dança; de tarde, canto; à noite, texto. Ia em casa, almoçava com a minha filha, levava para o colégio e voltava para o teatro. De noitinha, dava uma escapada e jantava com Alexandra e a colocava para dormir. E retornava ao ensaio. Era um momento lindo. Fizemos o ensaio geral já no Teatro João Caetano, tudo prontinho. A censura vetou e, da noite para o dia, 40 pessoas estavam desempregadas. Foi um desencanto absoluto. Eu vivia com a Alexandra em um apartamento pequenino na Lagoa, que havia comprado com o dinheiro que ganhara na primeira vez que posei para a Playboy. Fiquei uma semana trancada em casa, pensando o que ia fazer da minha vida. As pessoas iam e vinham – naquela época não havia porteiro eletrônico e as portas viviam abertas – e permanecia naquela prostração. Um dia chegou um rapazinho com um script debaixo do braço e disse que havia me visto no ensaio geral de Calabar e que era a atriz perfeita para fazer o seu filme. Era o Bruno Barreto. O filme: A estrela sobe. No momento em que estava mergulhada buscando um caminho, Bruno me apresentou uma saída. O filme ficou lindo, a história de uma cantora de rádio, Leniza Mayer, nos anos 40, baseado em um romance de Marques Rebello. Nós filmávamos numa casa na Ladeira da Saúde, no Centro do Rio, e a produção era bem familiar. Dona Lucíola, mãe da Lucy Barreto, avó do Bruno, costurou os vestidos que usei no filme. Ela levava também uns lanchinhos, uma coisa calorosa, amiga, entre parentes. Gravamos as músicas em estúdio e acho que me saí bem, havia tido uma formação de canto. O engraçado é que precisei cantar alguns tons acima, como era costume nos anos 40. Foram cinco músicas, três compostas especialmente para o filme e ainda Esses moços, de Lupicinio Rodrigues e Como vai você, de Antônio Marcos e Mário Marcos, um dos grandes sucessos de Roberto Carlos. Este é um momento especialmente bonito do filme, quando a estrela envelhece e vai ser jurada de um programa de televisão e vê uma jovem estreando – interpretada por mim também – e a partir daí ela revê toda a sua história. Foi um trabalho maravilhoso! Ao meu lado no elenco estavam Vanda Lacerda, Odete Lara, Paulo César Pereio, Grande Otelo, Álvaro Aguiar, Nélson Dantas, Carlos Eduardo Dolabella, entre tantos outros atores incríveis. Com A estrela sobe, ganhei meu primeiro prêmio de cinema: o Air France. Lamento muito que este filme, que foi a minha grande oportunidade na tela, não seja comercializado em DVD e não seja exibido mais. A produção de A estrela sobe era do Luiz Carlos Barreto, mas no finalzinho o Walter Clark entrou com uma verba para acabar o filme. Os dois se desentenderam um tempo depois, o Walter morreu e o filme ficou no espólio dos herdeiros e nada pode ser feito com ele. Não pode ser exibido nem no Canal Brasil, olha que tristeza! Sinto uma dor imensa quando penso nisso. Logo depois de A estrela sobe, eu que já estava namorando e perdidamente apaixonada por Daniel Filho, com ele me casei em maio de 1974. Em casa, no civil, em uma cerimônia íntima. O amor por Daniel era completo. Porque, além de todos os sentimentos de uma paixão, tinha admiração por seu talento, conhecimentos de TV e cinema e atitudes como pai, homem e pro-fissional. Enfim, era o companheiro da minha vida que tinha encontrado. Profissionalmente, depois da desilusão de Calabar, senti que devia me dedicar mais à televisão. Em O espigão, de Dias Gomes, estourei com a Lazinha “Chave de Cadeia”, uma malandrinha da Prado Júnior, rua de Copacabana, famosa por suas boates de prostituição. Ela era uma coitadinha, sofredora, trabalhava em um escritório, apaixonada pelo patrão, sempre às voltas com dois amigos também malandrinhos. Meus grandes companheiros em O espigão foram Milton Moraes, que fazia o meu patrão, Suely Franco, sua mulher na história, e Ruy Resende e Milton Gonçalves, os meus amigos. Sabe qual foi a minha grande inspiração para a Lazinha – a Gelsomina de La strada do Fellini, maravilhosamente interpretada pela Giulietta Masina. Este filme de 1954 me fez querer ser atriz. Foi a partir de La strada que tive certeza que que-ria fazer aquilo, e com a Lazinha Chave de cadeia pude prestar um tributo à minha antiga paixão, a Gelsomina, frágil, engraçada, sofredora, um pouco patética. Ela era um pouco assim: um pé no perigo e um coração de ouro. E nesta novela, a primeira a cores que fiz, aconteceu o meu terceiro choque: estávamos gravando na praia e nesta época os microfones ainda ficavam ligados ao gerador no caminhão por um fio, que era enrolado nos nossos tornozelos, entrava por dentro da roupa e era grudado na altura do sutiã. Chovia muito e eu, Milton e Ruy esperamos umas três horas para começar a gravar no Posto Seis. Nossa, me lembro perfeitamente. Quando o diretor mandou começar a gravação, o microfone começou a me dar choque e um rapaz do som, que depois virou câmera, o Taiguara, pegou um pedaço de madeira e arrebentou a tomada que ligava a fiação ao caminhão. Ele salvou a minha vida. Foi um choque tão forte que fiquei com lágrimas escorrendo pelos olhos e a fala enrolada por algum tempo e nem pude mais gravar naquele dia. Eram os percalços das gravações daquela época, hoje tem microfone sem fio, com bateria, tudo mais simples. Neste aspecto mudou muito. Em outros, nem tanto. Demorar, demora sempre. Esperar, esperamos sempre. O maior dom que um ator de televisão e cinema deve desenvolver é a paciência. Muito tempo depois do choque, ainda bem!, engravidei de meu filho João. Lazinha usava a barriguinha de fora e nos últimos capítulos eu estava parecendo um croquete de tão roliça. Foi engraçado, porque o Daniel estava dirigindo o filme O casal e precisou filmar em um laboratório de análises clínicas, pois o personagem do filme descobria que estava grávida. Eu havia feito exame neste mesmo laboratório e exatamente neste dia, quando ele estava na locação liguei para avisar que estava grávida. Estranhas coincidências entre a ficção e a realidade. Acabei fazendo uma participação afetiva no filme – e foi a primeira vez que se usou este termo nos créditos. João nasceu no dia 1º de abril de 1975, na Clínica São Vicente, filmado pelo pai. Quando puseramno em meu colo, com aqueles olhinhos abertos me encarando, disse:”oi, há quanto tempo”. Verdade! Era como se nos conhecêssemos de outras encarnações. Um AMOR!!!! Depois de parir um filho homem entendi todas as sogras. A Censura Federal continuava na minha vida. Em 1975, para comemorar os 10 anos da TV Globo, Dias Gomes escreveu A saga de Roque santeiro e a incrível história da viúva que foi sem ter sido, ou simplesmente Roque santeiro. Eu era a Viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido. As gravações foram duras, minha filha tinha seis anos, meu filho era ainda um bebê, precisava me deslocar para Guaratiba, onde foi montada a primeira cidade cenográfica, e sentia a maior tristeza de deixá-los em casa. É muito dura a vida da mulher que trabalha com filho pequeno, não sei como conseguia me dividir tanto, dar atenção para minha filha, para o bebê, para a casa, para o marido. E, ainda por cima, decorar o texto. Dormia pouco e estudava o script sempre depois que todo mundo ia para a cama. A minha vista ficou cansada muito cedo, por causa da luz fraquinha do abajur. Mas sabia a importância do projeto, que marcava, inclusive, a volta do Daniel à direção, depois de alguns anos na direção geral artística da Globo. O trabalho era primoroso em todos os detalhes. A Diva Pacheco, que faz a Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, era a diretora de arte, fazia uns doces típicos para a mesa farta da Viúva Porcina, um capricho absoluto. Além da produção esmerada, havia uma preocupação enorme do Daniel com a preparação dos personagens, todos nos preparamos de forma caprichosa. Para mim foi um exercício maravilhoso de interpretação, encontrar o tom certo da Porcina. Era muito interessante também o jogo em cena com o Lima Duarte, estimulante divertido e de grande aprendizado. Daniel Filho é um diretor talentoso, criativo e que sabe preparar um ator. Ele é o responsável pelas novelas da Globo terem o padrão que permanece até hoje. Ele “fez” as novelas da Globo. Senti falta de uma boa homenagem ao Daniel Filho e ao Boni na festa dos quarenta anos da TV Globo. Os dois foram visionários e a televisão brasileira deve a eles este tipo de tributo. Roque santeiro estava com 30 capítulos gravados e 10 inteiramente prontos e era alucinante de tão bem feita, um trabalho primoroso. No dia de sua estréia, foi censurada. Estávamos em casa, aguardando o primeiro capítulo quando a censura foi anunciada pelo Cid Moreira no Jornal Nacional. A justificativa dos censores era que a “novela contém ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja”. Nem o Daniel sabia. Entrou no ar uma reprise de Selva de pedra, enquanto Janete Clair preparava uma nova novela: Pecado capital. Todo o elenco de Roque santeiro foi aproveitado na nova novela – e isso foi uma coisa linda que o Daniel e Janete fizeram – e meu personagem, a Lucinha, virou um marco. Foi o meu primeiro grande sucesso como protagonista e jamais vou me esquecer dela. Encontrar aquela moça do subúrbio, que trabalhava em uma fábrica, namorava o Carlão, um motorista de táxi ciumento não foi simples e exigiu muito trabalho. Ao contrário de Roque santeiro, a busca era de um tom verdadeiro, realista. A sorte é que havia o Daniel por trás, um diretor que sabe como ninguém tirar o melhor dos atores. Como sempre gostei, fiz laboratório, fui conhecer os lugares que a Lucinha freqüentaria, andei de trem, visitei a fábrica e participei da produção. Foi muito importante para todo o elenco gravar no subúrbio, sentir a vida, o trabalho, enfim, o cotidiano dos personagens. Tudo isso foi feito em tempo recorde, mas me deu um prazer enorme. De certa forma, gostava mais da Lucinha que da Viúva Porcina, aquela mulher, amante de coronel e tirana. Não tinha muita empatia pelos sentimentos dela, em especial naquele momento da minha vida, com todo o ranço político, em que fazia questão de mostrar coisas boas dos meus personagens. O sucesso da Lucinha foi espantoso, mas acho que nem me dei conta disso. A novela dava 80% de IBOPE – na época não existia TV a cabo e TODOS viam as novelas. Como tinha muitos afazeres, acho que nem percebi. Ia ao supermercado, levava a filha para o colégio, o bebê ao pediatra, me preocupava com a casa e com o marido e isso me deixava com o pé no chão. Além disso, já trabalhava há algum tempo, não havia estourado no primeiro trabalho, o que faz toda a diferença. Eu não era um celebridade – termo tão em moda hoje em dia – mas uma atriz que lutara, batalhara e conseguira o seu espaço. Além disso, decidi fazer uma peça ao mesmo tempo que a novela: Putz, com o Juca de Oliveira e o Luiz Gustavo, dois companheiros inesquecíveis de trabalho. Tenho o maior orgulho de ter trabalhado com estes dois. Mas a minha vida virou uma loucura ainda maior. Dois filhos pequenos em casa e uma dor terrível ao ter que deixá-los. Uma pessoa com o instinto maternal que tenho sofre muito ao se dividir entre a vida pessoal e a profissional. De certa forma não degustei tanto o sucesso da Lucinha também por causa dessa minha divisão. Não devia ter feito teatro ao mesmo tempo! Mas queria muito, abraçar o mundo e me sentia dividida por isso. Assim que parei o teatro e a novela acabou, fiz a minha primeira viagem à Europa. Havia ganhado com A estrela sobe o Prêmio Air France de Cinema, o mais importante do cinema brasileiro. Além da alegria de ser premiada ganhei uma passagem Rio-Paris que me proporcionou a minha primeira ida à Europa. Quando voltei, Janete Clair tinha escrito um personagem lindo para mim: Leda Maria, a protagonista da novela Duas vidas, uma mulher batalhadora, que criava um filho pequeno, interpretado pelo Carlos Poyart. No elenco, ainda, estavam Francisco Cuoco, Mário Gomes, Glorinha Pires estreando em novelas, Christiane Torloni em um de seus primeiros trabalhos. Nós gravávamos nos estúdios da Herbert Richers na Tijuca. Foi uma linda novela. Só que terminei Duas vidas muito triste. Estava me separando do Daniel, pai do meu filho, e por causa disso ele havia se afastado da direção. Recebi apoio da Janete Clair, amiga querida, do Francisco Cuoco, e foi importante para mim em um momento tão duro de perda, de tanta falta de sabedoria e de invasão de privacidade e – o que foi inevitável, pois estava envolvida em uma novela das oito de muito sucesso. Acabei triste e mais não quero falar. O cinema continuou presente na minha vida nos anos 70. Filmei com Francisco Ramalho O cortiço, de Aluísio de Azevedo, uma experiência gostosa. Em Araruama, cidade da Região dos Lagos, foi construído o cenário do cortiço e filmamos tudo lá. Nós ficamos hospedados em um hotelzinho bem pertinho da praia. Minha mãe ficou cuidando dos meus filhos. No dia de folga, pegava o meu carrinho e vinha para o Rio estar com eles, até que fui proibida – eles estavam com catapora e eu nunca tinha tido e por isso não podia ficar com eles. Foi horrível, porque sentia uma falta imensa. Rita Baiana era um personagem incrível: uma mulher cheia de vida, alegre, apaixonada pela vida, que dançava muito – convidei a Marly Tavares para fazer a coreografia e foi uma convivência deliciosa. Rita era também muito morena e eu ficava toda manchada, cheia de sardas por causa do sol. O Jaque Monteiro, grande maquiador, acordava às cinco da manhã e ficava com um pincelzinho tapando sarda por sarda, um trabalho meticuloso. Nos dois meses de filmagem aprendi muito sobre maquiagem com o Jaque, com que me reencontrei depois em Anos dourados. Acho que aprendi tanto com Jaque, quanto com Eric Rzepecki, que foi maquiador da TV Globo por anos e tinha muito carinho por mim. Desses dois magos da maquiagem, o meu agradecimento e saudades. O cortiço até hoje é mostrado nas escolas e pena que ainda não esteja em formato DVD, pois mais estudantes e outras pessoas poderiam apreciar um trabalho bonito como este realizado pelo Francisco Ramalho, com quem, aliás, tive o maior prazer de trabalhar e desenvolvi uma bela amizade. E devo ao Ramalho ter me apresentado ao Carlos Reichenbach. Voltando à televisão, logo depois de Duas vidas, Gilberto Braga pensou em mim para a sua nova novela, Dancing days. Eu seria Júlia, uma ex-presi diária que lutava pelo amor da filha adolescente. Com a maior dor no coração senti que tinha que recusar. Aliás, recusar não é o verbo adequado. Abri mão com muita dor no coração desta sorte do Gilberto lembrar de mim. Estava no meio da uma separação com o Daniel Filho, que seria o diretor. Senti que o trabalho ia ser prejudicado seriamente e com muita tristeza não fiz a novela. Dancing days foi um grande sucesso, lançou moda, o personagem era maravilhoso. Virei o foco da minha vida para outro lado: os musicais. Um projeto do Augusto César Vanucci me conquistou, Brasil pandeiro, que, com certeza, foi um resgate de toda a minha formação de musical. Vanucci foi amigo, me deu apoio, tudo de bom em minha vida naquele momento. Se me arrependo de ter feito esta escolha? Talvez, hoje repensando a minha carreira acho que abri mão de muitas coisas, de bons personagens por problemas afetivos, me faltou inteligência emocional. Brasil pandeiro foi o caminho que escolhi na época e mergulhei de cabeça, cercada por amigos queridos: além do Vanucci, que nunca vou me cansar de citar, Juan Carlo Berardi, que fazia as coreografias e os figurinos e era meu padrinho artístico, Silvinho, que cuidava dos meus cabelos e fazia arranjos maravilhosos de cabeça. A direção musical era excepcional. Eu adorava fazer, embora trabalhasse muito. Participava das reuniões de criação, trazia sempre uma nova idéia, uma nova canção, aprendia cerca de 12 músicas por programa e ensaiava diversas novas coreografias feitas pelo Juan Carlo Berardi – de vez em quando o Lennie também coreografava para o programa. A TV Globo tinha na época um corpo de baile fixo e ficava orgulhosa de poder trabalhar com bailarinos tão bons e que estavam sendo prestigiados em um musical. Caetano, Bethânia Gal, Gil, todo mundo participava do Brasil pandeiro. Para mim era uma emoção renovada a cada programa. Nunca vou me esquecer de dançar com o corpo de baile e depois cantar Odara junto com Caetano Veloso, um artista que sempre admirei desde quando ele havia chegado no Rio de Janeiro nos anos 60. Ele passara pelo exílio, já era um astro e estava ao meu lado em Brasil pandeiro. Como eu gostaria de ter a fita deste programa. Seria a glória poder rever este momento mágico ao lado dele, que até hoje é meu ídolo. Sou encantada pela sua cabeça, pelo seu talento, pela sua coragem e participação na cultura brasileira. Ele é o ídolo da minha geração. E cantei com ele! Como posso esquecer isso? Nunca! Brasil pandeiro durou um ano, mas ninguém, assim como eu, se esquece até hoje do programa. O Vanucci queria que o programa tivesse uma vida mais longa, e ele tinha fôlego para isso, mas o Cacá Diegues me convidou para fazer a Salomé de Bye bye Brasil e isso virou literalmente a minha cabeça. Assim que li o roteiro, vi que não podia deixar de fazer parte de um projeto tão lindo, que tinha a produção de Lucy Barreto, uma visionária. O Cacá havia escrito um roteiro pequenininho, mas na mesma hora a Lucy, eu, o Wilker embarcamos, apostamos na experiência. Quando ele falou da Caravana Rolidei, daqueles artistas que tentavam fazer shows em pequenas cidades, onde não havia ninguém para assistir, porque todos estavam interessados na televisão, ficamos totalmente enfeitiçados. E tudo começou. Bye bye Brasil merece – e vai ganhar – neste livro um capítulo especial. Capítulo V O final dos anos 70 Bye bye Brasil Oi, coração Não dá pra falar muito não Espera passar o avião Assim que o inverno passar Eu acho que vou te buscar Aqui tá fazendo calor Deu pane no ventilador Já tem fliperama em Macau Tomei a costeira em Belém do Pará Puseram uma usina no mar Talvez fique ruim pra pescar Meu amor No Tocantins o chefe dos Parintintins vidrou na minha calça Lee Eu vi uns patins pra você Eu vi um Brasil na tevê Capaz de cair um toró Estou me sentindo tão só Oh! tenha dó de mim Pintou uma chance legal um lance lá na capital Nem tem que ter ginasial Meu amor No Tabaris o som é que nem os Bee Gees Dancei com uma dona infeliz que tem um tufão nos quadris Tem um japonês atrás de mim Eu vou dar um pulo em Manaus Aqui tá quarenta e dois graus O sol nunca mais vai se pôr Eu tenho saudades da nossa canção Saudades de roça e sertão Bom mesmo é ter um caminhão Meu amor Baby bye, bye Abraços na mãe e no pai Eu acho que vou desligar As fichas já vão terminar Eu vou me mandar de trenó pra Rua do Sol, Maceió Peguei uma doença em Ilhéus Mas já estou quase bom Em março vou pro Ceará Com a bênção do meu Orixá Eu acho bauxita por lá Meu amor Bye, bye Brasil A última ficha caiu Eu penso em vocês night ‘n day Explica que tá tudo OK Eu só ando dentro da Lei eu quero voltar podes crer eu vi um Brasil na TV Peguei uma doença em Belém Agora já tá tudo bem Mas a ligação está no fim Tem um japonês atrás de mim Aquela aquarela mudou Na estrada peguei uma cor Capaz de cair um toró estou me sentindo um jiló Eu tenho tesão é no mar Assim que o inverno passar Bateu uma saudade de ti Estou a fim de encarar um siri Com a bênção do Nosso Senhor O sol nunca mais vai se pôr (Bye bye Brasil, de Roberto Menescal e Chico Buarque, tema do filme) Bye bye Brasil mais do que um filme foi uma aventura, uma vivência maravilhosa, uma experiência inesquecível que mudou a todos nós que embarcamos na Caravana Rolidei. Minha preparação começou bem antes, não só iniciei a pensar no personagem, a Salomé, como também conversei com meu médico, Dr. Abdon Issa, sobre os cuidados que deveria ter e ele me recomendou não tomar refrescos daquelas frutas maravilhosas, nem colocar gelo, por causa da água. Lembrei-me das lições do Stênio Garcia para não pisar em cobras. Tomei uma batelada de vacinas. E precisei, ainda, resolver, um esquema bacana para os meus filhos. Alexandra não quis se separar do João e foram os dois para a casa do Daniel. Com tudo resolvido e o coração pequenininho por deixar as crianças entrei no avião, rumo a Belém. De lá pegamos um avião Bandeirantes, bem pequeno, e começamos a sobrevoar a Floresta Amazônica. Aquela coisa imensa! E falava das queimadas, da destruição da floresta há 25 anos, assunto hoje que está mais do que nunca na pauta dos que estão preocupados com a destruição do planeta. De carro a viagem entre Belém e Altamira demoraria 24 horas, mas em breve estávamos lá. Altamira fica na beira do rio Xingu, e, na época era uma cidade com chão de terra, movimento intenso de aviõezinhos contrabandeando minérios, índio de óculos Ray-ban andando pela rua, um verdadeiro faroeste amazônico. A equipe toda do filme ficou em um hotelzinho no centro de Altamira. Nós, atores, fomos para o quilômetro quatro da Transamazônica, em um acampamento do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, DNER, onde tínhamos bastante conforto. Era uma casa grande, com algumas suítes. De dia filmávamos na floresta, em contato com aquela natureza tão intensa, os animais, as frutas, a chuva. De noite, aparecia uma Kombi que nos levava para jantar em uma pensão na beira do Rio Xingu. A comunicação não era simples, não havia telefone na cidade – o Jornal Nacional era exibido um dia depois lá – e única forma de falarmos com a família era um rádio no centro da cidade e todos nós fazíamos fila à noite depois do jantar e das filmagens. E a chuva caía grossa, cada pingão amazônico. Eu havia combinado de passar o Natal em Belém com os meus filhos, mas precisei desmarcar, porque as chuvas atrasaram as filmagens. Passamos nosso Natal no acampamento do DNER. Decidi que ia fazer rabanada e ninguém nos arredores sabia o que era, até descobrir que em Altamira se chamava fatia parida. E eu que não sou da cozinha, fui para o fogão e fiz fatia parida para toda a equipe. Tomamos muita Cerpa, cerveja que conheci lá. Um dono de um depósito da Cerpa me conheceu na tal pensãozinha, em que jantávamos, e veio todo gentil à mesa para dizer que ele era “o Salviano Lisboa”, o personagem da novela Pecado capital. Ele foi de uma generosidade incrível e botou um estoque enorme de cerveja à disposição da minha festinha. Fomos muito felizes naquela noite, embora sentisse falta dos meus filhos o tempo todo. Acontecia de tudo. Até doente fiquei. Depois de três dias sentada na boléia de um caminhão, um calorão desgraçado, cheguei no meu quartinho no acampamento do DNER e urinei sangue. Estava com uma baita cistite. Não sabia com quem falar, era tudo homem, de mulher só havia eu, a continuísta e a Zaira Zambelli. Lembrei-me que existia um remédio antigo que se chamava Uropol, que limpava as vias urinárias, e comecei a tomar. Além disso, uma índia me receitou uns chás. E me curei assim. Quando chegamos em Belém um médico queria fazer um tratamento esquisito, passar uma sonda, mas preferi meus chás e muita água e me curei assim para sempre. As filmagens em Belém, no entanto, foram atrasadas por um incêndio. Um dia fizemos cenas no Palácio dos Bares, uma casa enorme, em cima de palafitas, com um telhado de sapê enorme, com mais de 80 prostitutas na figuração. Ainda bem que tudo correu bem neste dia, senão a tragédia teria marcado o filme. No dia seguinte voltamos lá para mais alguns takes. Estavam no set eu, o Wilker e o Fábio Jr. O fotógrafo Lauro Escorel pediu que esperássemos um pouco, enquanto ele mexia em um dos spots. Foi o tempo de tomar um café, quando me virei havia uma bola de fogo: o spot entrara em combustão, pegara fogo no sapê, o teto desabou em cima das cadeiras de plástico e o fogo se espalhou com uma rapidez inacreditável. (Tenho trauma de incêndio até hoje e por muito tempo não fiquei em andar alto de hotel por causa disso). Muita gente da equipe pulou na água, tive que ultrapassar uma pequena barreira de fogo, preocupadíssima, pois estava com um robe de nylon, figurino do personagem. Depois ainda voltei tentando ajudar asalvar alguma coisa. A produção perdeu material e precisou ficar parada pelo menos 20 dias. A experiência do incêndio foi traumática, mas nos uniu mais ainda. A equipe era realmente fantástica: Lauro Escorel, um príncipe, tão elegante, mas tão elegante, que conseguia ficar na Transamazônica e no sertão por tantos meses, sempre vestido com camisas de linho, absolutamente impecáveis. Cacá Diegues, preciso falar mais? É a riqueza da minha vida. É uma pessoa de uma delicadeza impressionante. Por ele já desfilei em cima de um carro em um desfile de uma escola de samba carioca do terceiro grupo, que o homenageava. E faria de novo! Continuando a saga, a parada em Belém, enquanto aguardávamos a chegada de novos equipamentos, foi amenizada porque meus filhos estavam comigo e passeei muito com eles, levei para ver jacaré, tomar sorvete daquelas frutas maravilhosas, assim conseguindo me distrair um pouco. Um dia coloquei os dois no avião com o coração apertadinho e continuamos a nossa jornada, desta vez em direção ao sertão alagoano. Fomos filmar em Piranhas, na beira do Rio São Francisco. Uma cidade extremamente pobre, onde que ninguém nos conhecia, pois não havia televisão, só em Delmiro Gouveia, que ficava próxima, mas nem tanto. Alguns tinham alguma noção de quem éramos pois haviam visto algumas revistas, mas sem muita certeza. No início do século XX a cidade havia sido rota de uma ferrovia e conservava uma estação de trem lindíssima, construída pelos ingleses, cheia de vitrais. Foi lá que a produção colocou as mulheres da equipe. O único grande problema eram os morcegos. Nossa, como tinha morcego naquela velha e romântica estação! Justiça seja feita, a produção queria me colocar em uma casa de uma família piranhense, com mais conforto. Imagina a infelicidade que eu ia ficar longe da minha turma! Nem pensar. No dia da feira, quando o pessoal de Sergipe, que fica do outro lado do rio, aparecia por lá, comprei uma rede e uma luzinha, que deixava acesa a noite toda. Cobria meu rosto com as franjas da rede para de manhã, quando os morcegos começavam a ficar meio tontos com a claridade, eles não batessem no meu rosto. Acordávamos todos os dias às cinco da manhã, mesmo quando não tínhamos que filmar, porque um jegue se encarregava de ser nosso despertador. Como dormíamos de janelas abertas por causa do calor era impossível não escutar o barulho que ele fazia. Tenho certeza que era de propósito. Era o jegue das 5 horas. A produção colocou uma caixa d´água especialmente para nós na estação. Assim tínhamos água para o banheiro. As crianças da terra ganhavam um dinheirinho para encher com baldes a caixa. Mas banho mesmo a gente tomava todo fim de tarde no rio e era uma delícia. Quando estava cansada da comida da filmagem, eu ia um pequeno restaurante, uma lojinha de frente para o rio, onde a dona, bem velhinha, fazia pitu com leite de coco. Ficamos bastante tempo em Piranhas filmando também nos arredores e sinto saudades até hoje. Quando cheguei em Maceió e ficamos hospedados em um hotel cinco estrelas, nem acreditei. Conheci a cidade toda, que lindeza, a lagoa dos pescadores, com as rendeiras fazendo seus lindos trabalhos. Até hoje tenho guardada uma cortina que mandei fazer lá e por muitos anos esteve na janela do meu apartamento na Rua Redentor, em Ipanema, onde morei por mais de dez anos depois que me divorciei. Filmamos em um lugar lindo, a praia da Sereia. Depois desta etapa eu e o Wilker voltamos para o Rio e a equipe seguiu para Brasília para fazer o final do filme com o Fábio Jr. e a Zaira Zambelli. Depois aqui no Rio ainda fizemos algumas seqüências do caminhão. E tudo terminou com Salomé, cheia de luzinhas no cabelo, dirigindo pela Transamazônica. Foi uma vivência forte e acho que inesquecível para todos nós do elenco. Rodamos 15 mil quilômetros Brasil adentro, enfrentamos as chuvas da Amazônia, atolamos por lá, sentimos a seca do Nordeste, quatro meses de viagem, nos quais filmamos 56 dias. Tenho certeza que o José Wilker, o Fábio Júnior e a Zaira Zambelli têm a mesma sensação: a de terem participado de um momento único na história do cinema brasileiro. Vimos o Brasil de perto, de verdade, não o da televisão, como canta Chico Buarque na músicatema do filme. Olhamos a miséria, homem engolindo farinha com cachaça, para espantar a fome e conseguir dar de comer para os filhos. Quem se esquece de uma cena forte como essa? Bye bye Brasil foi o filme mais importante da minha carreira. Eu só tenho a agradecer ao Cacá Diegues por ter me escolhido e torço muito para voltar a trabalhar com ele, que é um diretor sensível, educado, paciente, amoroso, humano. Ele e Carlos Reichenbach, definitivamente, são diretores de quem a equipe gosta demais. E as emoções que Bye bye Brasil me deu são absolutamente fundamentais na minha vida. Jamais vou me esquecer de chegar na Croisette, subir as escadarias e ver o filme concorrer e brilhar em Cannes. Chorei de emoção quando vi uma multidão aplaudindo o filme após a exibição. Esse filme sempre, de alguma maneira, me emociona. Com um filme tão brasileiro, percorri o mundo. Fui ao Festival de Nova Dheli, na Índia, que foi uma experiência inesquecível. Eu, Lucy e Luiz Carlos Barreto voamos do Rio para Nova York, depois para Londres e de lá, pela Air India, para Nova Dheli. Uma viagem enorme! Fiquei fascinada pela Índia, pela sua produção cinematográfica, eles fazem mais de 800 filmes por ano, pela importância que o cinema tem na vida de todos. A televisão na Índia é mais voltada para o jornalismo. Entretenimento é cinema. Aliás, cometi uma gafe logo na minha chegada em Nova Dheli. Não me informei direito e fui à exibição do filme com uma saia curta de couro vermelho. O cinema estava lotado e todos os homens me olhavam – não é costume na Índia que as mulheres mostrem as pernas. Fiquei bem constrangida com a minha inadequação. Bye bye Brasil, porém, foi um sucesso e a Índia uma boa recordação que guardo para toda a minha vida. Com Bye bye Brasil participei, ainda, do lançamento em Nova York, em uma cinema chiquérrimo, o Paris, em frente ao Central Park. Bye bye Brasil é até hoje um filme cult do cinema brasileiro. Que sorte a minha ter feito! Acho que os anos 70 me ensinaram que a vida é um eterno recomeçar. Eu tinha uma arrogância enorme dentro de mim. Muita gente vive me dizendo que sempre fui uma pessoa legal, bacana, mas o ego de filha única, atriz, estrela era um pacote muito forte, que não soube administrar. Hoje, que sou mais sábia e percebi a minha arrogância, converso com atores mais jovens e percebo como eles falam de si o tempo todo, um ego enorme. Quem fala bem sobre isso é a Liv Ulmann no livro Sem falsidade. Devia estar na cabeceira de todos os atores. Hoje sei que meu narcisismo está mais bem administrado. Mas foi uma longa caminhada que começou na dor dos anos 70, que foi também um tempo de conquistas. Casei, tive um filho lindo e fiz filmes, novelas e um musical, todos maravilhosos. Se por um lado, a minha vida foi tumultuada por tudo aquilo que não soube administrar, vivi uma década de ouro profissionalmente. Vivi tudo, tudo, tudo!!! Capítulo VI Os anos 80 Tempo de sucesso e opções Água viva, novela de Gilberto Braga, foi um momento lindo! Voltei de Cannes decorando o texto, porque era uma das protagonistas. O Gilberto, sempre carinhoso, sabia que eu gostava de personagens cujos nomes começavam com a letra L, por causa de Lucinha, Lazinha, Lili Carabina, Leniza e Leda Maria. E colocou o nome Lígia, uma pessoa forte e que mostrava a esperança da mulher que se separa, vai trabalhar e encontra novas opções de vida. Esta novela marcou a estréia da dupla de diretores Paulo Ubiratan e Roberto Talma, com quem fiz uma linda amizade. Eles chegaram com muita gana de fazer bem. E fizeram. A novela foi um sucesso absoluto. Tudo deu certo em Água viva: a história, direção, trilha sonora, elenco – maravilhoso, Tônia Carrero, Isabela Garcia menininha, Ângela Leal e tantos outros. E me deu um enorme prazer e orgulho de estar nele e pode contracenar ainda com Reginaldo Faria, com quem já mantinha estreitos laços de amizade, e com Raul Cortez, um ator maravilhoso, elegante, bem informado, delicado e superprofissional de quem me tornei amiga e admiradora fiel para sempre. Nossa amizade perdura, até hoje saímos juntos quando podemos e só o chamo de benzinho. Ele é, realmente, o meu benzinho. Lígia mexeu com a cabeça de muitas mulheres, pois não fugia da luta e abrira mão de um marido rico por um amor romântico. Foi um personagem que, por exemplo, abriu as portas para mim em Portugal, que estava recémsaída de uma ditadura, de uma época de muita repressão e cujas mulheres se encantaram com a força de Lígia. Assim que acabou a novela, fui à Lisboa gravar um especial de fim de ano na Rádio e Televisão Portuguesa, RTP, cinco histórias, dirigidas pelo meu querido amigo Nicolau Breyner, que é também um grande ator de comédia. Eram cinco personagens escritos especialmente para mim: uma era aeromoça, outra havia nascido em Lisboa, mas criada no Rio, outra era casada com um português. Com meu sotaque seria impossível fazer uma portuguesa de fato, não é mesmo? Fiquei lá em 1982, gravando em um estúdio em Sintra, saía de manhã sentindo um frio no meio de um imenso nevoeiro. Nessa temporada fiz amizade com uma pessoa tão incrível, que tenho medo de voltar a Portugal porque ele não estará mais lá, já faleceu: o meu querido estilista, figurinista, cabeleireiro, maquiador, enfim, tudo José Carlos. Ele tinha uma maison de haute couture no Alto Lisboa, toda em mármore, lindíssima. Todos os dias ele me pegava no Hotel Tivoli – meu hotel predileto na Avenida da Liberdade, que me foi indicado por Jorge Amado e Zélia Gattai – e passávamos o dia juntos. Saudades! Logo depois de Água viva me chamaram para fazer Baila comigo, do Manoel Carlos. O Boni tentou me alertar que não havia um personagem bom para mim, estava cuidando de mim, mas insisti em fazer. Como fui teimosa com o Boni! Tantas vezes... Eu era feliz e não sabia, insistia em uma rebeldia sem sentido. Teimosa, arrogante e obnubilada. O personagem não era protagonista – e eu vinha de Pecado capital, Duas vidas, Brasil pandeiro, Bye bye Brasil e Água viva, mas o Talma me convenceu que eu ia divulgar a dança, que o Lennie Dale estaria por perto – ele foi coreógrafo da abertura e da novela, junto com a Marly Tavares. E, realmente, isso aconteceu: as academias lotaram como nunca. Fazia aula todos os dias, dancei muito e divulguei imensamente o jazz no Brasil. Mas o meu personagem ficou confinado naquele único cenário da academia, sem fazer parte do núcleo central da história. Foi ruim para mim, porque fui chata. E quando a gente é chata isso se espalha. Tenho certeza que aborreci o Manoel Carlos querendo que ele melhorasse o meu pa-pel. Nunca mais ele me chamou para trabalhar em novela alguma sua. Possivelmente não deixei uma boa impressão. Não disse que o ego grande me fez fazer muitas besteiras! Hoje em dia faço qualquer papel, feliz da vida, porque amo representar. O ego mal administrado, as protagonistas, o sucesso são muito perigosos para a cabeça. Em vez de curtir o sucesso que o personagem fazia, as roupas que lançava e o boom nas academias de jazz, gastei minha energia querendo que ela participasse de outros núcleos, fizesse parte da história principal e por causa disso telefonava para o autor. Que coisa chata! Desagradável! Aprendi a lição. Tempos depois, cruzei com o Marcos Paulo que me falou de Lili Carabina. E aí aconteceu uma pessoa muito especial na minha vida: Aguinaldo Silva. Lili Carabina era um especial, dirigido pelo Marquinhos, baseado na vida de uma mulher, Djanir Suzano, que entrou no crime por amor e desespero. A Lili do Aguinaldo não matava, mas assaltava, explodia, fazia grandes molecagens. Era uma dona de casa com dois filhos pequenos, seu marido trabalhava à noite em uma empresa, que foi assaltada, e morreu deixando-a completamente desprotegida. Um mês depois, os assaltantes apareciam em sua casa para levar um dinheirinho. Ela recusava a ajuda, mas pedia para entrar no bando. Vaidosa, começou a se disfarçar para realizar os assaltos, usando uma peruca loura, e pouco a pouco foi se tornando a chefe do bando e uma lenda. Alguns anos depois conheci a Djnair e foi um choque. Havia ficado com uma imagem glamorosa dela e conheci uma mulher totalmente doente, machucada pela vida, sofrida, morando com a filha em Campo Grande. Um jornal propôs o encontro e achei importante ir lá, vê-la de perto, conhecê-la mais um pouco. Ela havia saído da prisão há pouco, convertida, e suas palavras foram duras: “a prisão é o inferno. As pessoas passam o dia gritando ou dopadas. O preso é um defunto ambulante”. Nossa conversa não foi muito profunda, pois havia muita gente em volta, mas tenho certeza que fiz um bem a ela, tivemos um almoço em um restaurante no Leblon. Ela, decididamente, não tinha mais sonhos, estava com a saúde bastante abalada e morreu pouco tempo depois. Lili Carabina fez tanto sucesso que passou, reprisou e passou mais uma vez e, sem dúvida, é um dos personagens importantes da minha carreira, tanto que quando ele foi para o cinema, lá estava eu de novo, mas este é assunto para depois. Vamos continuar a falar do grande Aguinaldo Silva. Logo depois de Lili fiz outro especial escrito por ele: A hora do carrasco, em que vivia uma cantora e dançarina de um inferninho em Caxias, na Baixada Fluminense. Nós gravávamos lá e isso exigia uma série de cuidados. Uma atriz precisa estar disposta a tudo, até a fazer xixi em uma lata de Nescau para não expor a sua saúde em um banheiro de uma boate de quinta categoria. Nos anos 80, a gente não tinha ainda conforto na hora das gravações. Já havia tido um avanço, não fazíamos mais pipi na moita, quando estávamos em externas, porque um ônibus-camarim começou a acompanhar as gravações. Eu adorava esse ônibus, tinha banheiro, os bancos eram largos, dava para colocar uma mochila atrás da cabeça e deitar depois do almoço. Tinha até um ar refrigerado ligado ao gerador e um cantinho com aquelas luzes fortes de camarim. Muitas vezes, todo o elenco ia embora nas Kombis – é, a gente andava de Kombi! – e preferia voltar no ônibus, onde fazia, digamos assim, a minha casinha de cigano. Mas na hora da gravação complicava ir ao banheiro no ônibus: estava de maiô, uma multidão ficava na porta e não dava para chegar rapidamente no banheiro. Solução: fazer pipi em uma lata de Nescau. Até tentei em uma garrafa de Coca-Cola, mas errei a pontaria. E aqui preciso fazer a minha homenagem a mulheres maravilhosas, as fiéis escudeiras das atrizes em na televisão ou em locações no cinema: as camareiras. Tenho um carinho enorme por todas elas, grandes amigas, pessoas dedicadas, amorosas, carinhosas em todos os momentos. Trabalhei com muitas camareiras maravilhosas, a Neusa, que não está mais aqui entre nós, a Gustavina, que continua na Globo até hoje, e muitas outras, mais novinhas, mas igualmente dedicadas. Tenho uma relação de carinho, afeto e admiração pelas equipes com que trabalho: o figurinista que te apronta na hora, a assistente de figurinos que arruma uma meia para te aquecer, o técnico que não hesita em te salvar de um choque, a camareira que te arranja a lata, a outra que vai comprar um desinfetante para você limpar as suas mãos, a maquiadora que se preocupa em secar o suor do seu rosto. Tive muita sorte de conviver com esses profissionais maravilhosos e para eles toda a minha gratidão. A minha relação com o Aguinaldo ficou cada vez mais forte. Eu brinco que nesta época namoramos em Lili Carabina, noivamos em A hora do carrasco e casamos na minissérie Bandidos da falange, que foi dirigida pelo Paulo Afonso Grisolli e pelo Luiz Antônio Piá. Meu personagem era Marluce, viúva de um bandido que deixa uma pequena fortuna em brilhantes escondida em um relógio antigo. Ela ia ao cemitério conversar com ele e as gravações não eram fáceis. Primeiro, porque estávamos no cemitério de Coelho Neto. E também porque a garotada das comunidades vizinhas corria toda para lá e era uma algazarra. Precisei desenvolver um processo muito louco para conseguir o máximo de concentração possível. Sabe o que fazia? Eu conversava com o personagem, batia um papo mentalmente com a Marluce, como se fosse uma amiga: “e aí, como foi naquele momento?”, “como você estava se sentindo?”. Essa “viagem” louca me deu condições de me abstrair de tudo em volta e realizar as cenas sem me importar com as tumbas, com o clima – é sempre esquisito gravar em cemitério – a barulheira e ficar um mundo absolutamente particular, no qual só convivia com meu personagem. Tudo era no limite. Gravei um cena em que um policial – Wilker, meu querido Wilker – simulava um fuzilamento. Ela, grávida, cai de joelhos no chão, certa que vai morrer, mas não entrega nada. Uma cena fortíssima como só o Aguinaldo sabe fazer. Fiquei com tanto medo quando vi todas aquelas armas apontadas para mim que pedi para ver o tambor de todas elas. Precisava ter certeza que estavam vazios. Bandidos da falange me deu uma certeza: em qualquer situação encontrarei uma maneira de me concentrar. E usei tudo que aprendi me concentrando para fazer a Marluce, alguns anos depois em Romance da empregada, onde as condições eram também adversas. Mas é assunto para depois. Prometo que conto. No cinema, fiz em 1983, O bom burguês, um filme do Oswaldo Caldeira, mais uma vez ao lado de José Wilker. Foi um resgate dos meus tempos de militante política, das passeatas, do movimento teatral contra a ditadura. No filme fiz Neusa, casada com Jonas, O bom burguês, personagem inspirado em um alto funcionário do Banco do Brasil que, no final dos anos 60, desviou mais de 2 milhões de dólares para a guerrilha. Desde a primeira vez que li o roteiro me encantei com aquela mulher solidária, sem pretensões de ascender socialmente, amiga do homem que ama. Definitivamente não fiz o filme para agradar as patrulhas ideológicas – nem de direita, nem de esquerda – mas porque achei importante um personagem que não desiste de investir nas outras pessoas, um assunto muito pertinente no momento e até agora. Recentemente quando estava organizando o meu DVD-book consegui uma cópia do filme, através do Canal Brasil, e tive a oportunidade de revê-lo. É MUITO bom. Como sempre quis tudo e um pouco mais, não queria deixar de fazer teatro e me engajei em um projeto – a peça com dois personagens Amor vagabundo, dirigida pelo Domingos de Oliveira. Eu adorei os ensaios, Domingos sempre foi gentil, carinhoso, afetivo e ótimo diretor de atores. Odiei, porém, a temporada. Muito! Eu dividia o palco com o Jorge Dória, que se mostrou um péssimo colega. Em uma cena, por exemplo, eu chorava no meio do palco. Era um momento difícil, dramático, de grande concentração e todos os dias chorava de verdade. Não conseguia entender, porém, por que a platéia morria de rir até descobrir que o Jorge Dória ficava atrás de mim fazendo gestos obscenos. Ele não tinha o menor limite do espaço do outro, um desrespeito. Com ele aprendi como um ator não deve ser com seu colega. Eu admiro o seu talento, bato palmas porque ele é realmente engraçado, seu talento histriônico é enorme, mas nunca me senti tão desrespeitada na vida. Detestei trabalhar com ele e como sou uma pessoa de emoções fortes, meu corpo começou a pifar. Apesar de ter feito por muitos anos aulas de canto, de ter estudado com Glorinha Beuntmuller, minha voz desapareceu. Um dia abri a boca e a voz não saía. Fiz três meses da temporada no Rio, a produção tinha idéia de viajar pelo Brasil, mas não ia nem à esquina com o Jorge Dória. Hoje dou muita risada quando lembro disso. Ainda nos anos 80 tive a felicidade de retomar a minha parceria com o Aguinaldo Silva em Partido alto. A novela era dele e da Gloria Perez e tinha direção-geral do Roberto Talma, sempre um grande e querido amigo. Pena que o Aguinaldo e a Glória se desentenderam no meio da novela e ele saiu! Eu fazia a Jussara, uma manicure, que era, também, porta bandeira da escola de samba controlada por um bicheiro, Célio Cruz, interpretado pelo Raul Cortez. Jussara tinha um romance com um bandido chamado Escadinha, vivido pelo Ney Latorraca, mas acaba tendo um caso com o bicheiro, que se dividia entre a esposa Isildinha, vivido pela querida Célia Helena, e Jussara, com quem tinha um filho, o Jorginho (Rafael Alvarez). Era um personagem popular, que fez muito sucesso. Assim que a novela acabou meu querido Vanucci me convidou para reviver os tempos de Brasil pandeiro em um musical: Betty Faria especial. Nele, fazia diversos personagens, cantava, dançava. Nessa época fotografei pela segunda vez para a revista Playboy. Havia feito a primeira vez nos anos 70, com uma produção bonita do Fernando de Barros, um homem muito elegante, que fez um trabalho chiquérrimo. Logo depois da novela e do especial fui novamente convidada e achei bacana. É claro que me dividi um pouco: a vaidade e o dinheiro – que nem era tanto assim – me faziam dizer sim. A preocupação com os filhos me encaminhava a não aceitar. Mas acho que a vontade de registrar um momento da minha vida – eu era bonita, por que não? – falou mais alto. Antônio Guerreiro, que era meu amigo e fazia trabalhos lindíssimos, foi o fotógrafo. E combinei com meus filhos que eles me ajudariam a escolher as fotos. As fotos ficaram lindas, delicadas, sem grosseria – belas, não sacanas. E foi divertido no estúdio quando eu, Alexandra e João decidimos quais as que entrariam e as que ficariam de fora. Foi um trabalho bonito. Anos depois fui convidada mais uma vez, mas aí o João chiou. Já era adolescente, seus amigos liam a revista e me ameaçou: “se você fizer, vou ter que morar pelo menos dois anos nos Estados Unidos”. E não fiz! Eu estava em um momento ótimo profissional, com muitos êxitos. Em um festival de cinema no Rio de Janeiro conheci o Dennis Hopper, ficamos amigos e ele me convidou para passar uma temporada em Los Angeles. Estava de viagem marcada para a Índia, para o Festival de Nova Dheli, e na volta, decidi passar por Nova York e depois aceitar o convite do Dennis e ficar um tempo em Los Angeles. Estava em ritmo de aventura, digamos assim. Estava com vontade de tentar uma experiência fora do Brasil e Dennis se dispôs a me apresentar a alguns agentes. Ele me prestigiou, me apresentou a pessoas importantes do meio cinematográfico e decidi que realmente queria ter essa experiência de ver como se saía uma brasileira no mercado, o meu lado cigana, aventureira falou mais alto. Comecei a fazer umas fotos e estava com a cabeça bem mexida. Já fazia planos de me estabilizar para levar os meus filhos – jamais ficaria lá sem eles – e me via morando em uma casinha em Santa Mônica. Neste momento surgiu o convite para fazer Roque santeiro. A Globo decidira refazer a novela e o Boni tentou de todas as maneiras que eu aceitasse fazer mais uma vez a Viúva Porcina. Chegou a dizer que era o melhor que televisão podia me oferecer. Finquei pé, disse que não que-ria, que nem gostava do personagem. Empaquei de uma maneira que só me lembrava das coisas ruins para me convencer que não devia fazer Roque santeiro. Não aceitei! Eu era feliz e não sabia, repito. Chamaram a Regina Duarte e Roque santeiro foi a novela responsável pela retomada de sua carreira. Ou seja, dei dois grandes papéis na TV para outras atrizes. É claro que tenho uma ponta de arrependimento. Hoje tenho certeza que não tomei a decisão acertada, mas na hora voltei para Los Angeles decidida a conquistar o novo mercado. O Dennis realmente abriu todas as portas para mim, mas tive a maior dificuldade em me adaptar à caretice norte-americana. Estando lá fui vendo como muitos americanos que admirava tinham cabeças de direita. Já havia essa mentalidade de mostrar como os soldados americanos sofriam no exterior, sem um momento de reflexão sobre a mania dos americanos se meterem nos países dos outros. Em 1986, eu já tinha todos estes questionamentos a respeito dos americanos bancarem as vítimas do mundo, quando não hesitam em invadir países e criar guerras pelo mundo. O que foi o Vietnã? O que foi Hiroshima? O que foi o Iraque? O câncer da humanidade se chama guerra e os americanos adoram mandar seus jovens para a morte. Tudo isso me incomodava em demasia. No meio deste turbilhão de sentimentos conheci uma fotógrafa que me apresentou ao budismo de Sutra de Lótus. Meu pai era ateu, mas fui criada na igreja católica. Minha avó e minha mãe estudaram no Sacré CoeurdeJesus.Passeipelaumbanda,pelocandomblé, porque a minha busca espiritual sempre foi muito forte. Lá em Los Angeles fui levada à uma reunião budista e me encantei, mas prometo que falo sobre isso mais longamente depois, quando realmente eu comecei a me dedicar ao budismo. Tenho certeza hoje que só passei essas temporadas em Los Angeles para conhecer o budismo. Quando voltei ao Brasil, Roque santeiro estava no auge. A Viúva Porcina era um sucesso. Lima Duarte fazia um trabalho lindo como Sinhozinho Malta. Resolvi me envolver de corpo e alma em um projeto absolutamente diferente de tudo que havia feito: o filme Jubiabá do Nélson Pereira dos Santos, uma co-produção com a França. Disse a ele que queria entrar no projeto e comecei a trabalhar na pré-produção do filme aqui no Rio, a batalhar por recursos. Como falava bem francês me entendia bem com a equipe que cuidava da co-produção. E quando vi estava no interior da Bahia, em Cachoeiro, fazendo a produção executiva do filme, arranjando roupa, chapéu, água mineral, correndo atrás dos moleques que faziam a figuração, uma vivência realmente maravilhosa. De Hollywood para o sertão. Foi um mestrado para mim, tanto em termos de cinema, quanto como ser humano. Foi o trabalho ideal para quem havia aberto mão de uma protagonista de sucesso. Naquele momento da minha vida precisava fazer um trabalho anônimo e colocar a vaidade de lado. Fiz, também, uma participação como atriz, como Madame Zaira, e Jubiabá marcou a estréia de minha filha Alexandra no cinema em uma participação linda, competente e talentosa. O João fez também uma figuração no filme, mas cortaram a cena dele, fiquei sentidíssima. Foi um grande aprendizado estar batalhando na produção ao lado de um diretor como Nélson Pereira dos Santos. Acho que no início ele não acreditou em mim, mas depois ficou contente, espero. Consegui muitos figurinos emprestados do acervo da TV Globo, encomendei diversos chapéus em uma loja especializada no Centro do Rio de Janeiro e em Cachoeiro alugamos uma casa e muita coisa foi feita lá, além de servir como base para arrumar as atrizes e atores. Eu era chata e exigente demais, afinal era minha responsabilidade. Trabalhava duro o dia inteiro, colocava todos no set para filmar à noite e dormia pouco, pois precisava retomar no dia seguinte bem cedo. Um dia o Nélson mandou que eu vestisse um jegue e levei a sério. Peguei uma Kombi, dirigi até a cidade vizinha, comprei o pano, levei o jegue no alfaiate de Cachoeiro para tirar as medidas, que fez um paletó. Quando cheguei com o jegue no set todos fingiram que estavam levando a sério. Demorou um tempo para eu perceber que tudo não passava de uma brincadeira, um grande trote do Nélson. Foi igual a buscar a galharufa no teatro. No dia da estréia, todos perguntam para o ator novato, estreante: “Já pegou a galharufa?”, “Já está com a galharufa?”, “Não, então tem que arranjar”. É um martírio que fica na cabeça do estreante até ele descobrir que a galharufa não existe. Bom, o jegue com sua roupa foi a minha galharufa no cinema brasileiro. Verdade seja dita: o jegue ficou lindo, vestido de madras, com uma florzinha na lapela e até chapeuzinho na cabeça. Ele devia ter entrado no filme, não é mesmo? E nem tirei uma foto! Durante as filmagens de Jubiabá tive um problema de saúde. Depois de uma muqueca de mariscos, daquelas bem gostosas que se come à beira do rio, tive uma desidratação que me deixou com 52 quilos – hoje peso 58, dá para imaginar como estava magra. Fui levada para o hospital em Cachoeiro e queriam me colocar no soro. Quando descobri que só havia duas seringas no hospital, não houve jeito de alguém me convencer que esterilizando não tinha problema algum. Estávamos em 1986 e ainda bem que finquei pé e não deixei ninguém pegar a minha veia. Voltei para a pousada e me lembrei dos conselhos de Zélia Amado, enchi a cara de água de coco, liguei para o meu médico no Rio que me prescreveu alguns medicamentos e fui ficando boa, embora muito abatida. Era carnaval, o Daniel me convidou para passar o feriado com as crianças no Mediterranée em Itaparica, mas não fui. Eu não queria dar o braço a torcer, não queria que ele me visse naquele estado depois de ter recusado Roque santeiro. Em vez de fazer sucesso, ganhar dinheiro e dar um up na minha carreira, lá estava eu depauperada, com seis quilos a menos, sobrevivendo à temporada em Cachoeiro. Só me lembrava do título de uma peça: Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá. E pela primeira vez senti arrependimento de não ter participado da novela e, confesso, fiquei com inveja e tudo da Regina Duarte. Mas todas as experiências foram boas, mesmo as sofridas. O meu espírito aventureiro e a minha teimosa indomável me fizeram pegar caminhos que talvez não fossem os mais certos no momento. Sempre busquei coisas novas. E se não tivesse feito isso não seria a pessoa que sou hoje. A vida não tem rascunho, nem ensaio. A televisão, porém, voltava ao meu caminho. Não consigo imaginar a minha vida profissional sem a televisão. Logo depois de voltar do sertão baiano fui chamada para fazer Anos dourados, de Gilberto Braga, com direção de Roberto Talma. Gravávamos em esquema bem duro, nos estúdios da Cinédia, em Jacarepaguá. O dia inteiro e, muitas vezes, esperávamos, à noite, retornarem os colegas que estavam fazendo teatro. Mas foi um momento lindo, de coesão, um personagem maravilhoso, figurinos inspiradíssimos, um texto brilhante, uma direção segura, enfim, um trabalho apaixonante. Gosto muito de fazer televisão, especialmente quando estou envolvida com um projeto como Anos dourados. Eu fico feliz antes, durante e depois das gravações. Foi um dos meus melhores trabalhos em TV. Meu personagem, Glória era uma mulher forte, decidida, desquitada e por isso mesmo discriminada nos anos 50. Seu filho, vivido pelo Felipe Camargo, estudava no Colégio Militar e era apaixonado por uma normalista, a Malu Mader. Desde então tenho um carinho e uma amizade enorme pelo Felipe. Ela era uma batalhadora, trabalhava de caixa em uma boate, enfim, uma mulher porreta, uma lutadora, como tantas outras na minha carreira. E acho que isso não aconteceu a minha vida inteira por acaso. Sem dúvida, uma sincronicidade. Sou uma mulher com cabelo nas ventas, já diziam as minhas avós. Os anos 80 marcaram o meu encontro com Carlos Reichenbach. Fui apresentada a ele pelo Francisco Ramalho. O Carlão conhecia meu trabalho e me convidou para fazer Anjos do arrabalde, história de três professoras que davam aula na periferia de São Paulo e são obrigadas a conviver com a pobreza local e a violência. Eu era Dália, uma das professoras. Engraçado, uma pessoa tão identificada com o Rio de Janeiro, com o espírito carioca, com o sotaque cheio de chiado vivendo uma professora da periferia de São Paulo. Deu certo, pois até ganhei prêmio no Festival de Gramado. Foi um bom trabalho e um grande encontro, o começo de uma grande amizade com Carlão, uma flor de pessoa, cheio de sentimento e respeito pelos outros. Um homem que sempre viveu do cinema, dono de uma cultura maravilhosa. Nosso encontro foi um encantamento. Ele me ajudou na busca do personagem, na tentativa de mudar o meu sotaque de carioca. Ele, por exemplo, na palavra feliz realçava bem forte no meu script a terminação, o IZ, me obrigando a pronunciá-lo bem. Eu nunca ficava felix, bem chiado, mas feliz. O filme foi produzido pelo Antônio Galante, que era um produtor da Boca do Lixo de São Paulo. Não sabia bem o que era a famosa Boca do Lixo e resolvi visitar o seu escritório. Era um local especial: antes de chegar na sala dele havia um espaço para jogos, uns homens jogando carteado. Era um mundo novo. Gostaria de ter filmado aquela cena para meu uso particular. Neste filme conheci a produtora executiva Sara Silveira. Era ela que me apanhava para as filmagens, não era uma superprodução, de manhã, às 5h30 e lá íamos nós para a periferia paulista. Fiquei hospedada dois meses em uma suíte do Caesar Park na Rua Augusta, que a Sara havia conseguido para mim. Gosto de ficar em locação, pois depois da filmagem você vai para o seu cantinho no hotel e pode se concentrar, ficar vivendo no mundo do personagem, no universo do filme. Quando vinha ao Rio ver a minha família sentia que me distanciava e voltava correndo para aquele mundinho particular da Dália: sua casa na periferia, o colégio onde dava aula, as pessoas que a cercavam, as outras professoras vividas pela Clarice Abujamra e pela Irene Stefânia, e seu irmão, com quem mantinha uma relação meio incestuosa, doente, interpretado pelo Ricardo Blat. Depois de Anjos do arrabalde emendei mais três filmes. Voltei a trabalhar com o Cacá, em uma pequena participação em Um trem para as estrelas, que gosto muito, uma stripper dos inferninhos de Copacabana, mãe do personagem de Guilherme Fontes; retomei o meu contato com Bruno com Romance da empregada e revivi um personagem criado para a televisão em Lili, a estrela do crime, em um filme do Lui Farias. Romance da empregada é um dos xodós da minha carreira. Eu tinha tido alguns problemas de relacionamento com o Bruno Barreto em A estrela sobe. Éramos jovens, imaturos e por isso discutimos e brigamos. Em Romance da empregada, porém, resgatei a nossa relação. Fui a pessoa mais zen do set de filmagem, joguei o tempo todo a favor conseguindo assim reparar todos os arroubos da juventude. O Bruno tem uma sensibilidade enorme para dirigir atores e me deu toques ótimos antes e durante as filmagens, que me ajudaram muito a compor Fausta. Uma mulher simples, empregada doméstica, apaixonada pela Tina Turner, casada com João (Daniel Filho), que ao ficar desempregado se torna mais agressivo, Através de Zé da Placa, vivido pelo querido Brandão Filho, ela vê a oportunidade de realizar o seu sonho, que é ter uma casa própria. O Bruno foi felicíssimo na direção de Romance da empregada. As locações de Romance da empregada eram em Gramacho, em Caxias, na Favela do Lixão, no trem da Leopoldina e era a protagonista de cabo a rabo. Trabalhava bastante e em condições adversas, mas adorei fazer parte deste projeto. O calor no vagão do trem era insuportável; nas filmagens em Gramacho de vez em quando víamos um cadáver boiando no rio que passa atrás dos barracões, local de desova; na Favela do Lixão o cheiro era forte, desagradável, mas tudo isso era compensado pela certeza de que estávamos envolvidos em um projeto lindo. E mais uma vez tive a oportunidade de ter uma vivência única, de ver o cotidiano daquela gente sofrida que sai de casa às quatro da manhã, tira o sapato para não sujar e quando chega na estação do trem tira a lama dos pés com uma folha de jornal. Via de perto as inúmeras Faustas brasileiras e me orgulhava de poder representá-las. O final do filme, então, foi uma loucura. Filmei durante 15 dias em junho, quando faz um friozinho no Rio de Janeiro, debaixo da chuva artificial do Corpo de Bombeiros. Em todas as cenas estou absolutamente molhada, com a roupa colada no corpo, encharcada. A palavra de ordem na filmagem era “Câmera, ação, falta alguma coisa? Falta, molhar a Betty”. Eu me aquecia fazendo saltitos de aeróbica e deu certo, não gripei. Além disso, gravávamos muito à noite e, decididamente, solar como sou, não gosto de noturnas. Elas me exigem uma concentração maior. As seqüências finais, de uma grande enchente, foram feitas em dois sets:a casa foi montada no Parque Aquático ao lado do Maracanã e depois um telhado foi colocado na Lagoa de Marapendi, para as cenas com a casa já submersa. No dia em que fizemos a seqüência final, em que Fausta sai por um buraco no telhado, aconteceu um acidente. Eu estava em um bote com o maquiador, debaixo do telhado, aguardando o momento de subir uma escada. Veio a ordem “molha a Betty” e o maquiador começou a borrifar água no meu rosto e cabelo. O borrifo caiu em uma lâmpada de serviço, que explodiu no meu rosto, enchendo meus olhos de cacos de vidro, daqueles bem pequeninos, como grãos de areia. Comecei a jogar água no olho, mas não queria parar a cena de jeito algum. Quando o Bruno gritou “ação” pelo megafone, não amarelei, the show must go on, subi a escada, apareci no telhado e ainda fiz mais um take. Quem vir a cena final do filme, saiba, naquele momento meu olho estava repleto de caquinhos de vidro. Quando tudo terminou o Bruno me convidou para jantar e só pedi: “me leva para um hospital de olhos”. E lá fomos nós para a Praça da Cruz Vermelha, o hospital estava fechado, mas uma pessoa me atendeu e constatou que a minha córnea estava arranhada. Saí de lá feito uma pirata, às quatro da manhã, com um tampão no olho, e permaneci com ele por algum tempo até a córnea cicatrizar. No dia seguinte havia uma filmagem na Favela do Lixão, a produção insistiu muito, mas não fui. Eu não podia ter ido, mas me senti mal, como sou “caxias” fiquei com a sensação que estava prejudicando as pessoas, mas havia o perigo de infecção e tiveram infelizmente que cancelar aquela noite de filmagem. Mas tudo valeu, porque o filme ficou lindo. Com Romance da empregada ganhei diversos prêmios: o Air France de melhor atriz aqui no Brasil, que era o mais importante para o cinema; melhor atriz nos festivais de Cuba e Huelva, na Espanha. O filme fechou, ainda, a mostra, que não era competitiva, em Sorrento, na Itália, sendo ovacionadíssimo, e me valeu o Prêmio Vittorio de Sicca, como a atriz brasileira mais representativa. Romance da empregada também esteve no Festival de Cannes, no aniversário da Quinzaine des Réalisateurs, com sucesso total e guardo até hoje a pasta de recortes que a Lucy Barreto me deu, com as críticas excelentes na França. Tenho muito orgulho do resultado do trabalho. O filme, porém, não teve a mesma chance no Brasil que no exterior. Foi lançado em plena era Collor, que dizimou o cinema nacional, e o filme ficou uma semana em cartaz. Eu me lembro de ter passado pela porta do cinema, uma semana depois da estréia, e já estava no letreiro o nome de um filme de terror de quinta: Sonhos macabros. Parei o carro e chorei. De verdade as pessoas conhecem o filme aqui por causa do Canal Brasil. Eu que havia sofrido com a proibição de muitos trabalhos nos anos 70, agora era apavorada pela política de destruição do cinema brasileiro dos tempos de Fernando Collor. Lili, a estrela do crime foi uma experiência muito particular do Lui: ele optou por utilizar uma estética de história em quadrinhos, o que distanciou um pouco o público da verdade do personagem, que havia emplacado fortemente no especial da televisão dirigido pelo Marcos Paulo. O próprio Lui definiu em uma entrevista: “o tom do filme é o de um filme americano classe B dublado”. A visão alegórica do Lui era bonita, com certeza, mas distanciada da realidade. E no caso de um personagem forte como a Lili, isso era fundamental. Certamente fui mais fundo no personagem no especial de televisão: ela era mais profunda, sofrida, verdadeira que a Lili do filme. O roteiro também foi modificado: na televisão ela morria metralhada; no filme, Lili dá um golpe e acaba na Itália com o delegado, politicamente incorretíssimo. Mas, com certeza, é um trabalho que respeito e que gostei de fazer. E, sem dúvida, o Carlos Prieto fez um trabalho primoroso nos figurinos e maquiagem. Gringo Cardia e Luiz Stein deram um show na direção de arte. E o Lui foi um diretor muito carinhoso, gosto dele, tivemos uma relação bem gostosa. Para viver o personagem no filme, fiz um curso de tiro, o que para mim foi muito difícil. Fiquei dois meses aprendendo a atirar com tudo quanto é arma, fui da maior dedicação – como sempre, aliás, em todos os personagens – mas não posso negar que me violentei para empunhar aquelas armas. Aprendi a atirar com a 38, com a 45, com a 22, com a 12, que dava um tranco, e fiquei bem desembaraçada. Hoje sei lidar com uma arma, embora tenha sido uma violência na época. Aliás, queria falar de uma coisa: as energias que os personagens trazem com eles. Não sei explicar, mas alguns puxam uma energia astral que pode ser muito perigosa. Foi exatamente neste momento, em que fazia o curso de tiro, que vivia esta mulher assaltante e assassina, que sofri um grande assalto na minha casa em Búzios, que acabara de ficar pronta. Resolvi levar toda a minha família para lá, meus pais foram na véspera e na noite seguinte, após hesitar um pouco – o tempo não estava bom, Alexandra reclamava que íamos pegar chuva na estrada – coloquei as tralhas dos dois no carro e viajamos. Chegamos em Búzios às onze da noite, dei lanche para todo mundo e fomos dormir. De madrugada acordo com um cara no meu quarto, com uma arma apontada para mim avisando que era um assalto. Naquele momento, confesso, me tornei uma assassina em pensamento. É uma violência extrema! Acordar com uma arma na cabeça é tão traumatizante que você não esquece jamais. Estranhos caminhos que nos ligam a nossos personagens, pois um mês depois estava subindo em morro, empunhando armas, convivendo com aquele mundo que naquele momento tanto me aterrorrizara. Em meio a esses filmes, gravei Salvador da pátria, do Lauro César Muniz. A novela tinha um elenco ótimo, Francisco Cuoco, Lúcia Veríssimo, Mayara Magri e Suzy Rego faziam minhas filhas e mais uma vez meu par romântico era o Wilker. Lima Duarte e Maitê protagonizavam e gravávamos em Vassouras. Era bem divertido. Não acho, porém, que fiz bem o personagem, embora gostasse dele: Marina, uma fazendeira rica, opositora do político da região, mas não acho que encontrei o tom certo. Ela era meio sem sal, morna, não era a mocinha, nem a vilã, mas talvez pudesse ter esquentado-a com toques de humor, sei lá. Talvez não tenha conseguido ler bem a Marina do Lauro César. Fiquei com a sensação de ter per-dido uma chance, que poderia e deveria ter cavucado uma forma melhor de fazer. Na verdade, sou muito crítica, ou como diz a minha analista, sou de uma crueldade imensa comigo mesma. Nos anos 80 acho que aprendi a perder. Fiz sucessos, não cheguei a fazer fracassos, mas não me saí tão bem como gostaria em algumas produções, tomei decisões erradas, fui levada pela paixão. Mas tudo foi importante, como um grande aprendizado. E terminei a década começando a gravar Tieta, que foi e é até hoje uma memória popular maravilhosa. Capítulo VII Os anos 90 Ave Aguinaldo Silva! Os anos 90 começaram com um grande marco: a novela Tieta. A história deste trabalho, porém, se inicia muitos anos antes, mais precisamente em 1976, quando em viagem pela Europa com o Daniel Filho, com quem estava casada na época, resolvemos visitar Jorge Amado e Zélia Gattai em Londres. Zélia disse que Jorge estava escrevendo um livro, cujo personagem seria perfeito para mim alguns anos depois, quando estivesse um pouco mais velha. Era Tieta. Quando voltei de Cannes, da apresentação de Romance da empregada, passei de novo na casa de Jorge e Zélia, decidida a negociar a compra dos direitos do livro. A Globo, nesta época, estava abrindo a programação para produções independentes. Falei sobre Tieta e Roberto Talma ficou interessadíssimo em dirigir. O Paulo Ubiratan deu a maior força. Acertei de comprar os direitos, mas o esquema de produção independente não vingou e a Globo mostrou-se interessadíssima em fazer a novela. Eu tinha negociado os direitos bem baratos, a Globo pagou, mas havia uma condição: que eu fizesse Tieta. Afinal, havia sido escolhida pelo próprio Jorge. Quando estava gravando O Salvador da pátria foi confirmado que Tieta seria a próxima novela das oito. O Daniel me chamou em um canto e me disse: “Vê se não vai recusar este papel, pois já recusou muita coisa boa na sua vida”. Eu garanti que deste não abriria mão. Como a personagem só entrava no 20º capítulo pude terminar com calma O Salvador da pátria. A direção-geral era do Paulo Ubiratan e o Luiz Fernando Carvalho colocou lindamente a novela no ar. Quando entrei o Luiz Fernando havia se desentendido e saído da direção, assim perdi a oportunidade de trabalhar com ele, o que gostaria muito, porque sou uma grande admiradora de seu trabalho. O que posso falar de Tieta? Que foi um mega sucesso e até hoje, 15 anos depois, ainda me chamam na rua pelo nome do personagem. Foi um acerto em todos o sentidos, na escalação de elenco, na direção do Paulo Ubiratan – saudades do meu amigo! – do Reynaldo Boury e do Ricardo Waddington, na maravilhosa adaptação do Aguinaldo Silva. Às vezes lia uma cena e imaginava o Aguinaldo rindo sozinho ao escrevê-la, de tanta coisa maravilhosa que inventava. Eu amei ser Tieta. E o sucesso é ótimo. Quando você faz uma novela de sucesso, é uma beleza. Quando você faz uma novela de sucesso, com uma protagonista de sucesso, é melhor ainda. Tieta é, sem dúvida, um dos grandes momentos da minha carreira. O público ficou louco de paixão por ela. Era um personagem rico, carismático, bem humorado e que inflou bem o meu ego. Tieta era bonita, gostosa e desejada. E que mulher não se sentiria feliz com isso com quase 50 anos? A última cena da novela nós gravamos naquelas dunas lindas em Natal. Anos depois, voltei lá e um bugreiro me disse que leva as pessoas para conhecer a “duna da Tieta”. O personagem marcou tanto, que neste carnaval de 2006 fui convidada para o camarote da Daniela Mercury na Bahia. Quando o povo me viu começou a gritar “Tieta”, o trio elétrico do Luiz Caldas parou em frente ao camarote e puxou a música-tema do personagem que foi cantada por aquelas milhares de pessoas. Que emoção! Quase vinte anos depois o personagem continua muito forte no imaginário dos telespectadores. Que honra! Isso aconteceu comigo com a Lucinha, de Pecado capital, em outra dimensão com a Lili Carabina e de forma estrondosa com Tieta. Fiquei enciumada anos depois por não ter feito o filme. Na verdade nem tinha pensado em comprar os direitos para o cinema. Além do mais, achava que depois de 10 meses de sucesso na televisão, qualquer filme ia ficar menor. Mas, confesso, foi um choque quando o Cacá Diegues me ligou, disse que precisava trabalhar e ia dirigir o filme. Morri de ciúmes, me senti traída pelo Jorge por ter vendido e pelo Cacá que ia dirigir. Acho que o público também se sentiu traído, ficou indignado. Na época do lançamento do filme estava em turnê com o espetáculo Camaleoa e em cada cidade que parava, precisava perder um tempo enorme na coletiva de imprensa, explicando porque não faria Tieta no cinema. E confessava que tinha ficado enciumada. Besteira, a Tieta da televisão jamais será esquecida. Depois de Tieta comecei a ter problemas na televisão. O Aguinaldo escreveu um persona-gem para mim em Pedra sobre pedra, mas não deixaram que eu fizesse a novela. Contrataram a Renata Sorrah – uma colega que respeito e admiro – e fiquei mal com isso. Meu contrato estava defasado, era da época de O Salvador da pátria, havia continuado em Tieta e estar no elenco de Pedra sobre pedra era a oportunidade que eu tinha de aumentar o meu cacife. Mas o Boni decidiu na época que os autores não podiam escrever sempre para as mesmas atrizes – que o que mais rola hoje em dia – e não deixou que eu fizesse Pedra sobre pedra. Acho que foi uma desculpa, mas jamais soube a verdade. Fiquei deprimida, fui conversar com ele, que me garantiu que iam renovar o meu contrato, só que nas mesmas bases do anterior. Assim que acabou a novela do Aguinaldo estive na emissora e o Boni perguntou ao Mário Lúcio Vaz – que havia substituído Daniel na direção artística – se havia algum projeto para mim. E ele disse que não. Ainda bem que me queridíssimo amigo Roberto Talma me chamou para fazer De corpo e alma da Glória Perez, com quem já havia trabalhado. Meu personagem, Antônia, era totalmente diferente de tudo que já havia feito, uma mulher submissa, sofredora, que, acho, fiz muito bem e agradou, chegou a virar discussão nos cabeleireiros. As mulheres se identificavam e discutiam: umas diziam ter “sido Antônia”; outras garantiam jamais ter sido como ela. Ela causou polêmica porque era uma mulher apaixonada, que rastejava pelo marido, que era o Tarcísio Meira. Mas não gosto de falar sobre esta novela, pois nela aconteceu a grande tragédia, a morte da Daniela. Nós que participávamos da novela vivemos um pesadelo. Quem viveu aquilo não esquece jamais. Meço as minhas palavras para falar de algo tão triste e chocante: a morte de uma jovem talentosa, feliz, cheia de esperanças, casada e muito bem com o Raul Gazolla. Acho que no mundo do showbiz jamais aconteceu uma atriz ser assassinada pelo colega de elenco. Nós achávamos que estávamos em um pesadelo, que aquilo não podia ter acontecido. Quero dizer que Glória Perez é a pessoa que mais admiro pela sua força, pela sua missão espiritual, que deu-lhe força para continuar neste planeta, pela sua luta por justiça e pela sua capacidade de ajudar os outros, defender causas em suas novelas. Enfim, uma mulher como poucas, a quem só posso render a minha homenagem, o meu carinho, admiração e repeito profundo. Continuava na Globo, com o contrato defasado, ganhando menos do que deveria desde Tieta. Precisava trabalhar, não consigo ficar acomodada, mesmo tendo um salário garantido no final do mês. Estávamos em 1992. Meu querido amigo Lennie Dale me ligou de Nova York onde estava morando. Ele tinha voltado para a casa da mamma, porque nós, seus amigos, havíamos pressionado muito, pois lá ele poderia se tratar melhor. Ele já estava doente, e a AIDS naquele momento ainda era mais temível. Hoje, a medicina evoluiu e tenho muitos amigos convivendo com o HIV bem mais tranquilamente. O Lennie já estava bem doente e com muita saudade do Brasil. Pois bem, neste domingo à noite ele me ligou sugerindo que eu fizesse um espetáculo, cantando as músicas dos meus personagens – Betty na estrada. Resolvi fazer a produção, consegui um patrocínio e um hotel à beira mar, o Miramar, para o Lennie ficar. Do Posto Seis ele via o sol nascer, podia caminhar no calçadão, ver o mar, coisas que ele amava tanto. Fazíamos nossas orações juntos – ele também tinha se convertido ao budismo –, conversávamos, colocávamos as nossas saudades em dia. Deu tudo certo entre nós e o show foi lindo. Eu me preparava o dia inteiro para a sessão de Betty na estrada. Estreamos na boate People e era uma pauleira: cantava o tempo todo e dizia, também, uns textos do Geraldinho Carneiro. Só dançava um número bem pequenininho, porque eu o Lennie éramos doidos mesmo. Dançar naquele palquinho... era quase impossível. Era um show bem pop, tinha o Rock da Lili Carabina, o tema de Baila comigo, da Rita Lee – não era exatamente a música do meu personagem, mas eu representava a dança, estava na capa do disco, então podia. Gosto muito de cantar e canto bem. Cantar me faz feliz. Este show foi, para mim, a realização de um grande prazer, o de estar no palco cantando. Além disso, pude trazer o Lennie pela última vez ao Brasil. Em 1993 fui convidada pelo Nicolau Breyner para fazer uma novela portuguesa, Verão quente, com direção do Régis Cardoso. Seria uma novela pequena, de três meses, realizada por uma produtora independente, e seria exibida na RTP. Conversei com o advogado da Globo, que me disse que não havia problema algum, que meu contrato era nacional. O Manoel Martins me alertou quando falei com ele depois de conversar com o advogado: “pode ser legal, mas o Boni não vai gostar”. Eu que estava engasgada desde Pedra sobre pedra resolvi aceitar. O Boni estava em Nova York e dois dias antes de começarem as gravações ele me ligou mandando eu voltar. Bati pé que meu contrato era nacional, mas ele contestava dizendo que “não era ético”. E ameaçou não renovar o meu contrato, caso fizesse a novela – a Globo havia fechado parceria com outra rede de televisão, a SIC, talvez por isso. Eu simplesmente disse: “então, não renova”. O Boni tinha um jeito tirânico de dizer as coisas e eu sempre acabava batendo de frente com ele, rebelde por natureza. Quando voltei da temporada em Portugal e meu contrato com a Globo acabou, o Boni realmente não o renovou. Pela primeira vez, depois de tantos anos, estava fora da televisão. Fiquei brigada de morte com o Boni, nem nos falávamos mais. Hoje em dia, com certeza, teria feito diferente. Teria telefonado para o Boni em primeiro lugar, ido à Nova York discutir com ele, se necessário, antes de assinar e não deixado que seus asseclas levassem a notícia e não me defendessem quando necessário. Minha relação com o Boni nunca mais foi a mesma, existe uma distância entre a gente, ele não me colocou no rol das suas amizades. Acho uma pena! Tenho uma grande admiração e gratidão por ele. Como precisava trabalhar e voltar ao palco resolvi montar o espetáculo teatral Camaleoa e investi tudo que havia ganho em Portugal. Quando estava ensaiando o espetáculo, o Paulo José me chamou para fazer uma participação especial em Incidente em Antares e foi um trabalho interessante, um personagem decadente, quase “felliniano”. E aconteceu algo absolutamente incrível em uma gravação em um antigo leprosário. Estava fazendo uma cena e, de repente, não se sabe de onde, nem como, uma cadeira de rodas passou rodando vazia. Eu me arrepio toda só de pensar nisso! Ninguém empurrou a cadeira, ela simplesmente passou! Lembra da história que contei na época de Lili, a estrela do crime? Pois é, são muito estranhas as energias que cercam o trabalho de um ator... Voltando à Camaleoa, foi uma experiência e tanto! Os textos eram do Flávio de Souza, diver sos esquetes, em que vivia os mais variados personagens. Alguns já estavam escritos; outros, nasceram das nossas conversas. Eram todas divertidas, algumas patéticas: uma psicanalista; uma drogada de ressaca, que conversava no telefone, uma pessoa totalmente sem limites com relação a tudo, uma doida; uma caloura de um programa de televisão e para ela, o Eduardo Dussek compões especialmente uma música; uma velhinha dubladora, que levava lanchinho para o estúdio e, enquanto mastigava alguma coisa, dublava cenas de sexo. E tinha também uma bailarina decadente, que foi uma sugestão minha, que vivia fazendo testes sem o menor sucesso. Ela começava com dança moderna, fazia um número de sapateado, depois colocava a sapatilha de ponta e fazia o cisne, mas nada vingava, ela era completamente patética. Havia um dos quadros, que era estilo Lucille Ball, que não tinha nada a ver comigo e não gostava de fazer. Quando vim para o Rio de Janeiro, tirei o esquete e o espetáculo terminava lá em cima com a bailarina, que emocionava muito o público. Havia humor em Camaleoa, mas uma dose de ternura enorme, que comovia as pessoas. A trilha era do Eduardo Dussek, absolutamente maravilhosa. Foi muito bom ter conhecido o Flávio de Souza e feito Camaleoa. O Fábio Namatame fez cenários e figurinos lindíssimos e é um profissional de primeira linha – desde a apresentação do projeto, que montou como se fosse playmobil até a realização: painéis, de tela, facílimos de montar e mover. A luz era do Paulo César Medeiros, outro pro-fissional competentíssimo, enfim, era um espetáculo bonito e bem feito. Um espetáculo solo é uma experiência única e somente uma atriz que já tenha feito pode entender. Não tem ninguém para te dizer: “vamos, coragem!”. Nem um companheiro na coxia com um sorriso. Um colega para lembrar o texto, se a memória falhar. Quando o público chega só existe uma solução: rezar e pedir que tudo dê certo. Ao mesmo tempo é também única a sensação de ser aplaudida sozinha em um palco enorme. E tive esta sensação por nove meses, tempo que durou a temporada de Camaleoa pelo Brasil todo. Ao mesmo tempo, não posso e nem devo negar, pude contar desde o começo com amigos incríveis, que me ajudaram. Tadeu Aguiar, por exemplo, foi um que esteve desde o começo comigo, me ajudando a decorar o texto, fazendo com que eu ficasse familiarizada com o microfone de cabeça, pois ele tinha uma experiência grande de musical – é ator, mas fazia um pocket show cantando e tocando piano. A Cláudia Raia foi outra que me deu mil dicas sobre este microfone, trocamos muitas figurinhas pelo telefone. O Dussek, querido, além de ser o diretor musical foi um amigão de todas as horas. Houve, porém, um amigo mais do que especial. Camaleoa me exigia uma energia incrível, um pique enorme, pois fazia muitas trocas de roupa e precisava estar inteira a cada personagem. Eu cantava, dançava e achei que necessitava de uma pessoa junto comigo para me ajudar a me manter em forma. Decidi levar comigo meu personal trainner, Marcelo Schmmellpfeng, e ele fazia também uma pequena participação, ilustrando alguns homens que passavam pela vida dessas mulheres. Começou ali a vontade dele de ser ator, depois ele decidiu fazer alguns cursos com Moacyr Góes e foi assim que ele se encantou com o palco e virou Marcelo Brou, que foi meu companheiro de elenco em América. Sem ele, com certeza, não teria conseguido manter o pique de Camaleoa. No meio da turnê ele pegou uma hepatite e precisou largar o espetáculo e per-di meu companheiro que me acordava às 10 da manhã dizendo “vamos malhar?”. Uma maravilha. Quando vim para o Rio ele se engajou na trupe de novo. Uma felicidade tê-lo ao meu lado! Quando parei no Rio de Janeiro, o meu querido Jayme Monjardim foi me ver e me convidou para fazer uma novela, A idade da loba, uma produção independente, escrita pelo Alcione Araújo, que foi exibida na TV Bandeirantes. Eu acreditava muito neste projeto de produções independentes, pois sempre pensei que seria maravilhoso para o Brasil que seguíssemos este modelo que é vencedor no mundo todo. As séries norte-americanas, que todos vemos nos canais por assinatura aqui, são feitas por produtoras independentes e exibidas pelas grandes redes de televisão. Além disso, era uma novela interessante e meu personagem era forte: uma mulher que ficava viúva de um homem mais velho, saía do interior do estado e vinha para a cidade grande tentar a vida e a partir dái desabrochava. Acho que foi bacana discutir essa “virada” na vida de uma mulher madura. Foi uma novela muito bem dirigida, um trabalho digno e bonito. Como sempre, nem tudo são flores. Embora muita gente pense que a vida de uma atriz é glamorosa, que basta chegar linda, maravilhosa, com um textinho decorado, gravar e depois posar para mil e uma fotografias, só quem está dentro do show business sabe a verdade. Em A idade da loba gravamos em locações muito especiais, lugares lindíssimos no estado do Rio, mas quando tivemos que entrar em estúdio só havia um disponível na cidade do Rio, o Gabinal, em Jacarepaguá. Pois bem, o estúdio do Gabinal não tinha ar-refrigerado e sofremos para gravar sem demonstrar o enorme calor que sentíamos. Virou até piada entre nós: Gabinal até hoje para todos do elenco virou sinônimo de calor infernal. É importante que os atores que começam hoje na carreira saibam que precisam estar muito treinados, espiritualmente falando, para enfrentar as intempéries. E, apesar do calor, fizemos um lindo trabalho, pois havia um sentimento forte em toda a equipe de fazer o melhor sempre. Logo em seguida fiz outra produção independente, a novela O campeão, que foi dirigida pelo Marcos Schetchman e era escrita por Mário Prata e Ricardo Linhares, parceiro de Aguinaldo Silva em tantos trabalhos. Participei apenas dos primeiros capítulos. Foram experiências boas, sem dúvida. Em 1996, voltei para a Globo. O Boni continuava zangado comigo, mas uma trinca pressionou o para que eu retornasse: Daniel Filho, Paulo Ubiratan e Aguinaldo Silva. Ele concordou, mas mandou que eu fosse contratada por obra certa. Paulinho intercedeu e fui contratada por três anos. A indomada foi uma beleza de novela. Meu personagem, a juíza Mirandinha, foi um sucesso absoluto. Estudei muito, me preparei para o personagem. Um juiz, amigo meu, se colocou à disposição para me ajudar a entrar no universo da Justiça. Foi interessante, como sempre é, porque cada personagem lhe dá um conhecimento, uma vivência e uma experiência novas. Era uma mulher forte, decidida, principal inimiga do prefeito Ipiranga Pitiguari, interpretado pelo Paulo Betti, que se deixa render pelo carinho e pela culinária de seu secretário Egídio, vivido pelo Licurgo Spíndola. As receitas que ele fazia para ela eram disputadas pelos telespectadores. Foi um trabalho delicioso, em todos os sentidos. Ela era engraçada, porque duríssima, mas também absolutamente sensual. Além disso, era um personagem que se metia em tudo, era justa, idealista, brigava contra a politicagem e a corrupção. E o personagem que se infiltra em todas as tramas – saiba disso, jovem ator que gosta de entender os bastidores – está fadado a gravar todos os dias, pois entra em todos os cenários. Em compensação, está todos os dias no ar. O Aguinaldo jamais me deixou fora um dia, tinha sempre uma cena para a Mirandinha. Aliás, ele sempre cuidou muito de mim, sempre teve carinho e consideração e sou grata a ele pelos trabalhos e personagens que me confiou. Ave Aguinaldo! No mesmo ano da novela, 1997, fiz For all, o trampolim da vitória. Dirigido por Luiz Carlos Lacerda e por Buza Ferraz, o filme mostrava as transformações ocorridas durante a 2ª Guerra Mundial na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Cerca de 15.000 soldados americanos passaram pela base de Parnamirim e suas presenças alteraram a estabilidade das famílias locais trazendo não somente dólares e eletrodomésticos, mas também o glamour de uma cultura de Hollywood, a música das grandes bandas e a sensualidade de cantoras e atrizes famosas. As mocinhas casadoiras só pensavam em casar com os militares americanos. Meu personagem era uma dona de casa, casada com um sapateiro italiano, que tinha uma filha linda e que se encantava quando ela começava a namorar um americano. A grande importância de For all, na minha opinião, foi localizar o Brasil dentro da 2ª Guerra Mundial. Fiquei somente triste porque o filme ficou grande e muitas seqüências minhas, que considerava boas, foram cortadas. Cinema é assim mesmo! Neste filme pude retomar a minha convivência com José Wilker, meu grande companheiro de tantos trabalhos. Aliás, preciso fazer uma pausa aqui para falar deste artista. Wilker foi o ator com quem mais contracenei na minha vida e isso é um privilégio. Conhecemosnos nos anos 60, quando ele fazia um pescador em João amor e Maria e continuamos juntos por todas estas décadas. O Wilker, além de grande talento, é um homem de uma inteligência, de uma cultura, que sempre teve uma curiosidade imensa e uma vontade de se melhorar a cada dia. Fico toda orgulhosa quando o vejo falando de cinema. Como ele encontra tempo para ver tantos filmes? Além de adorar trabalhar com ele, porque existe uma lealdade muita grande entre nós, sou sua fã. Em 1998 tive a grande oportunidade de voltar ao teatro. E foi um reencontro afetivo com meus queridos companheiros do Teatro Carioca de Arte: Cláudio Marzo e Antônio Pedro. E ainda, minha filha Alexandra, que também estava no elenco da peça. Uma ternura só! Um caso de vida ou morte foi uma sugestão do Flávio Marinho, que vira a peça off-Broadway, traduzira e achava que era para eu fazer. Fui ver, adorei e comprei os direitos. Flávio foi o mentor e padrinho desta empreitada. O espetáculo reunia três textos: um do David Ma-met, outro da Ellen May e ainda outro do Woody Allen. Foi sugestão também do Flávio que cada peça fosse dirigida por um diretor. Ele dirigiu a primeira, de Mamet; Gilberto Gawronsky, a de Ellen May. Para a terceira chamei o José Wilker, mas ele não pôde aceitar e quem dirigiu foi o Marcus Alvisi. Aliás, a peça do Woody Allen era a que fazia mais sucesso. Foi uma coisa bem doméstica, familiar, chegamos a ensaiar aqui em casa. Fizemos uma temporada muito feliz no Teatro dos Quatro. Foi bom trabalhar com Alexandra, porque ela estava protegida pelo pai e pela mãe. Para mim, sem dúvida foi um resgate emocional dos mais fortes. Quando fazia parte do Teatro Carioca de Arte, Alexandra estava na minha barriga. Quase trinta passados, estávamos nós, juntos, inteiros, de corpo e alma e amor. A convivência entre nós foi fantástica, a coxia era maravilhosa. Chegamos a fazer espetáculos por duas ou três cidades fora do Rio, mas não seguimos viagem por problemas: minha querida amiga Sílvia Sangirardi, mulher do Antônio Pedro, estava bem doente – veio a falecer depois – e o Cláudio estava escalado para uma novela na Globo e não podia se afastar. Não consegui imaginar o trabalho com outros atores, era uma questão afetiva. Lá estavam as minhas paixões, meus afetos, toda a minha emoção e resolvemos encerrar a temporada. Mas ficou uma saudade imensa. E voltemos à televisão. Na Globo, ainda em 1998, fiz a série Labirinto, do Gilberto Braga. No meu escritório há uma foto linda deste trabalho: eu ao lado do Dennis Carvalho – que era meu amigo desde Pecado capital, quando ele começou a dirigir novela – e da Amora Mautner, segurando uma pasta, toda orgulhosa, começando a sua carreira. A Amora é minha afilhada, filha dos meus grandes amigos Ruth e Jorge Mautner e foi muito emocionante estar ao lado dela neste trabalho. E tenho certeza que ela gostou também de trabalhar com a Dinda. Labirinto era uma série interessante e fui a última a entrar no elenco. O Gilberto me ligou e fiquei encantada, porque todo ator gosta de ser convidado diretamente pelo autor, especialmente quando você o respeita, admira e já fez sucesso com seus trabalhos. Não acho que interpretei bem a Leonor, mulher do dono de um império que é assassinado, interpretado pelo José Lewgoy. Ela também era amante do personagem do Antonio Fagundes, uma perua rica. Não acertei a mão, talvez porque achasse que o personagem era para uma atriz mais jovem, alguém com vinte anos a menos que eu. E por isso, quem sabe, tenha me policiado para fazer determinadas coisas que o Gilberto queria. Não fui tão fundo como deveria. Claro que fui competente, este é o meu ofício, mas fiquei com a sensação de “deixei a desejar”. Chegamos a 1999, final de século, tempo de grandes transformações. Comecei a década fazendo um enorme sucesso em Tieta e terminei em outra novela do Aguinaldo, Suave veneno. O Daniel Filho era o diretor de núcleo junto com Ricardo Waddington. Os bons momentos da minha carreira tiveram sempre por perto o Daniel, e isso não posso ne-gar. Meu personagem Carlota Valdez disputava o amor do Waldomiro – José Wilker, sempre o Wilker, ainda bem! – com Lavínia (Glória Pires) e tinha os seus mistérios, uma coisa meio sadomasoquista. Era um personagem riquíssimo, uma viuvinha, que morava em um prédio onde era amiga de todos os vizinhos, falava manso e era doce. Mas na madrugada ela saía, meio tomada por um demônio e dava vazão às suas taras e fetiche. Fazia o que Aguinaldo chamava de “o inominável”. Foi muito bom viver este personagem, com dupla personalidade, especialmente porque gosto demais de psicanálise. Acho que todo ator deveria fazer para se conhecer melhor e entrar em contato com todos seus lados, inclusive o mais dark. A partir desse entendimento de si próprio, o ator passa a ler os personagens com mais abertura, é capaz de entender melhor a loucura, as maldades e passa a fazer os persona-gens com mais generosidade. Acho que entendi a Carlota e gostei muito de estar em Suave veneno. Fiz bem o personagem de Dona Carlota! Não sei bem definir os anos 90. Sei que a partir do final deles, tudo mudou, os ventos se tornaram fortes, dispostos a testar a minha resistência. O novo século estava começando e com ele um turbilhão de problemas, que só não me engoliu porque encontrei forças que nem sabia que tinha, especialmente graças ao budismo do Sutra de Lótus. Capítulo VIII O novo século A oferta da juventude eterna -a “poção mágica” No final de Suave veneno achei que estava com umas rugas de expressão profundas no rosto por muito sol que sempre tomei e pela idade. Um dermatologista, por quem nutria um sentimento de total confiança, me disse que era uma bobagem, que devia fazer um preenchimento, e me indicou uma médica gaúcha, que vinha uma vez por mês aqui no Rio, para fazer o procedimento que, segundo ele, seria duradouro. Até se prontificou a me acompanhar no dia. Eu argumentei que era extremamente alérgica, mas ambos me garantiram que não havia problema. Correu aparentemente tudo bem e fiquei linda alguns meses. Depois, meu organismo começou a reagir e surgiram enormes bolotas vermelhas, que nasciam de dentro para fora, em todo o meu rosto, grandes granulomas que coçavam sem parar. Meu querido amigo Ivo Pitanguy ficou muito zangado comigo por ter feito este procedimento, especialmente porque anos antes havia feito um teste para fazer um preenchimento com outra substância e ele me avisara que nunca poderia fazer esse tipo de procedimento. Mas tinha alertado aos médicos e eles me garantiram que não havia problema – é claro que ninguém assumiu nada depois. E nem sei o que eles realmente injetaram no meu rosto. Não havia ficha, quando perguntei por ela. Com o problema comecei a não querer sair de casa, não queria que ninguém me visse ou soubesse o que tinha acontecido. Fui chamada para fazer algumas participações na Globo e recusei todas pelo telefone. Nem o Daniel Filho sabia do meu estado, pois proibi meu filho João de comentar com o pai. Paralelamente a isso, meu pai morreu, o que provocou uma mudança muito grande, porque ele era o esteio moral da família. Fiquei mais triste ainda. Não ia a lugar algum, deixei de freqüentar a academia, não aparecia nas estréias e todo mundo começou a comentar que eu estava esquisita. Comentavam pelas minhas costas, nunca ninguém pegou o telefone para me ligar e saber se estava tudo bem. Aliás, justiça seja feita, duas pessoas fizeram isso: Francisco Cuoco e Ary Fontoura. A eles, o meu carinho eterno. Mas estava tão envolvida com o problema que não conseguia nem procurar ajuda. Pensei em fazer um documentário sobre estas práticas tão usadas no Brasil, mas o meu sofrimento era maior do que meu desejo de vingança. No final de 2001 o meu contrato terminou e fui avisada que ele não seria renovado por falta de produtividade. Como por muitos anos fui contratada como pessoa jurídica, ou seja, a minha firma me cedia para a TV Globo, saí sem nada, sem fundo de garantia, sem algum direito trabalhista. Ainda bem que tinha uma reserva boa que me permitiu viver durante alguns anos. Fiquei tão paralisada que não pensava em fazer teatro, show, absolutamente nada. Só queria rezar e ficar boa. A minha sorte foi a minha força de vida. E a filosofia budista, que me ajudou demais (prometi e vou falar mais longamente sobre isso, aguarde o próximo capítulo), porque me deu uma esperança e impediuque euentrasse em uma onda deressentimento, inveja, amargura e depressão. O nascimento de minha neta Giulia, em 22 de junho de 2002 também ajudou muito em todo o processo de renascimento. Canalizei todo o meu amor e preocupação para ela e isso me salvou. Pensar em morrer todo mundo pensa um dia e não escapei disso, mas quando se tem uma crença, uma filosofia religiosa, filhos e netos existe também uma responsabilidade imensa. E meu instinto de vida falou mais alto! Mas os pensamentos mais sombrios passaram um dia pela minha cabeça. Passaram, sim. Neste momento delicado da minha vida, Carlos Reichenbach escreveu o roteiro de Bens confiscados para mim e decidi entrar na produção junto com ele e com a Sara Silveira. Quando a verba estava para sair, comecei a ficar desesperada, porque meu rosto ainda estava com problemas. Neste momento tive coragem de procurar meu querido amigo Ivo Pitanguy – com que tinha feito um lifting nos anos 90, antes de Tieta –e ele quase me deu palmada. Amigo querido, ele ficou indignado com que tinham feito no meu rosto. E foi quem me salvou. Fez algumas tentativas de solucionar o problema com aparelhos, mas não surtiu efeito e ele precisou fazer uma cirurgia reparadora gravíssima com umas pinças enormes por baixo da pele para remover os granulomas. Fiquei inchada por mais de um ano e aos poucos fui melhorando graças aos cuidados da dermatologista, Dra Sílvia Mello, que trabalha em conjunto com o Pitanguy e ao tratamento com minha homeopata unicista, Dra Elizabeth Valente. Aliás, três meses depois da cirurgia não agüentava mais ficar sem trabalhar e aceitei o convite para fazer uma participação no filme Sexo, amor e traição, dirigido pelo Jorge Fernando. Perto do que estava antes, me sentia bem. Não devia ter feito, porque o filme fez o maior sucesso e apareço toda inchada. E todo mundo começou a falar (pelas costas, claro) que eu tinha feito uma plástica que não tinha dado certo. Logo depois, filmei Bens confiscados, mas Carlão e Sara sabiam do meu problema, do meu sofrimento, e cuidaram muito de mim, em todos os sentidos. Carlão foi cuidadoso na iluminação, na fotografia e, de certa forma, a minha aparência ajudava aquela mulher tão sofrida. Quando o Jayme Monjardim me ligou para fazer a Pimenta em América depois que desliguei o telefone chorei por duas horas. Estava realmente voltando à profissão de atriz. Gol!!! Digamos que foram anos difíceis – um pacote de infortúnios. Nunca contei isso para ninguém, mas acho bom falar neste livro para que sirva de alerta às mulheres que, como eu, acreditam em seus médicos, que oferecem “poções mágicas”, e fazem procedimentos invasivos no próprio consultório nesta busca desenfreada pela juventude. O que aconteceu comigo poderia ter sido bem pior, claro. Se tivesse entrado na corrente sanguínea, estaria morta. Como disse o Pitanguy, “já vi muito travesti morrer disso na Santa Casa”. Hoje quando sugerem que eu coloque botox ou outras cositas más, deixo claro que não mexo mais no meu rosto. Deixem as minhas ruguinhas em paz! Veja a causa que fiz? Tive que agüentar o seu efeito. Olha o budismo de novo me ensinando com a sua sabedoria. Transformei o veneno em remédio. Que importância tem essa eterna e falsa juventude? Quero envelhecer com dignidade e me preocupar somente com a saúde mental e física. Eu tenho as minhas rugas, sim, com orgulho. Acho bem interessante me ver de outra forma. Sempre fui identificada com a juventude, a beleza, o fogo e meu espírito e meu corpo continuam animados. Mas, plagiando Liv Ulmann, “quero ver como fica a minha cara velha”. Para aqueles que pensaram que havia feito uma plástica que havia dado errado, tive oportunidade de fazer América, mostrar a Pimenta, com suas rugas, mas com tudo em cima, sem o rosto estragado. Plástica mal feita fica para sempre. O que tinha era inchaço de uma cirurgia reparadora. Bem, passou. Não guardo rancor. Mas é inesquecível!!!! Quero que este capítulo seja curto, pois representa uma fase da vida que considero encerrada. E resumo de uma maneira bem humorada. Outro dia li na coluna da Hildegard Angel uma nota sobre o Samuel Wainer. Quando ele estava passando por uma fase muito difícil na época da ditadura, o Ibrahim Sued não parava de colocar notas falando mal dele, que resolveu cobrar, já que o colunista era seu amigo. Resposta do Ibrahim: “fui criado em Nova Iguaçu e você sabe, balão quando está caindo a gente tasca”. Isso também aconteceu comigo nestes primeiros anos do século XXI . Mas ainda faltam muitos para ele acabar. Agora só espero o melhor que estiver destinado a mim. E já está chegando com saúde, boa sorte e sabedoria, porque o resto a gente dá um jeito. Continuo cheia de planos e sonhos. Quero fazer mais televisão, sim, estou preparando um pocket show, que estou me devendo há muito tempo, porque adoro representar, dançar e cantar e produzirei mais filmes, enfim, cheia de novos projetos e esperanças. A vida me tirou um pouco por um lado e durante um certo tempo, mas me deu meus quatro lindos netos, que me fizeram ter uma grande família, fundamental para mim que fui filha única. Agradeço aos meus filhos que me deram netos lindos, os mais lindos do mundo, ao budismo de Sutra de Lótus, à minha analista e a mim mesma. E the show must go on! Capítulo IX O budismo Nam-Myoho-Rengue Kyo É sobre isso que quero falar. Sempre e muito. O budismo do Sutra de Lótus tem a sua essência no Daimoku – uma espécie de mantra básico: Nam-myoho-Rengue Kyo, Nam-myoho-Rengue Kyo, Nam-myoho-Rengue Kyo, Nam-myoho-Rengue Kyo, Nam-myoho-Rengue Kyo Nam-myoho-Rengue Kyo, Nam-myoho-Rengue Kyo, Nammyoho-Rengue Kyo Nam-myoho-Rengue Kyo, Nam-myoho-Rengue Kyo, Nam-myoho-Rengue Kyo. Assim mesmo, repita-o muitas vezes, todos os dias, o tempo que for possível. Neste momento a gente se funde com o universo. Eleva o seu estado de vida. Nós, mortais comuns, transitamos muito em estados baixos de vida. Tipo: Inferno, Fome, Animalidade e Ira. Com o Daimoku elevamos nosso estado para Alegria, Iluminação, procurando sempre a Sabedoria. Isso não quer dizer que, de repente, não se caia nos baixos. Para isso a prática diária, a auto reforma e o estudo são tão necessários. Com a prática do Daimoku, questões são resolvidas com uma clareza absoluta. Você traça suas metas e consegue realizá-las. Insights maravilhosos acontecem sobre as causas que foram criadas por você mesma e que produziram efeitos em sua própria vida. E lhe dão chance de modificar e não repetir as más causas e procurar sempre ter saúde, felicidade intensa, senso de ajuda aos outros e muitas e muitas coisas que faladas por mim são mínimas e poucas. Acho que quem quiser saber mais deve procurar os sites da Soka Gakkai, organização a que pertenço – internacional, www.sgi. org, ou brasileira, www.bsgi.org.br. O budismo do Sutra de Lótus é o verdadeiro budismo. Um homem chamado Nitiren Daishonim, em 1235, reescreveu as escrituras de Buda criando o budismo do Sutra de Lótus, que saiu da Índia, passou pela China até chegar ao Japão. Daisaku Ikeda, um sábio e presidente da Soka Gakkai (este nome significa “sociedade para criação de valor”), brinca sempre que este budismo foi parar no Japão por um motivo muito simples: o povo japonês é um dos mais arrogantes do mundo e precisava desta sabedoria. O budismo do Sutra de Lótus foi combatido, especialmente na época da Segunda Guerra Mundial, porque é uma corrente radicalmente contra a guerra e que prega a paz, a fraternidade, a cultura e a educação. O fundador da Sokka Gakai, Tsunesaburo Makiguchi, foi brutalmente torturado na época da Segunda Guerra, tendo morrido na prisão em 1944. Tudo porque era contra a guerra e acreditava em uma reforma social necessária para um mundo de paz! Muito mais do que uma religião, o budismo do Sutra de Lótus é uma filosofia de vida, que é centrada no conceito da causa e efeito. Fazemos causas com pensamentos, palavras e ações. Daí a importância da auto-reforma e dos exercícios diários, nunca é pouco repetir. A reforma interior dos indivíduos permite desenvolver a sabedoria para viver com confiança, e a criação de valores e de um mundo pacífico. É importante esta idéia que uma transformação interna pode mudar o destino de uma sociedade, do nosso mundo e de toda a humanidade. Esse compromisso social de transformação, além do individual, é para mim, absolutamente fundamental. Os praticantes do budismo de Sutra de Lótus não são monges, não raspam a cabeça, não vivem em retiros. São seres humanos comuns tentando diariamente a sua mudança interna e buscando a união entre as pessoas, entre os povos contra a guerra, pela paz, pela preservação do Planeta e valores éticos e morais. Para mim foi muito importante a descoberta do budismo de Sutra de Lótus. Toda a minha vida procurei respostas: o que estou fazendo neste planeta? Qual é a minha missão, ser famosa e nada mais? E fui buscando e passando pela umbanda, pelo candomblé sem jamais encontrar algo que me satisfizesse. Eu sentia que precisava mudar alguma coisa dentro de mim. Quando você recita o Daimoku, mexe com a sua essência interna de vida, eleva o seu estado, desperta o Buda que existe em você – digamos assim. Busca dentro de você mesmo a força para mudar a si próprio e ao mundo. Ninguém é pecador desde que nasceu, ninguém é culpado por algo que não sabe muito bem, e sim o responsável por fazer causas negativas que vão influenciar a sua própria vida e a dos outros. Reconhecendo estas causas – uma palavra, um pensamento, uma ação – urge modificá-las, não repeti-las, porque sempre o recomeço é possível. Com meu espírito rebelde, jamais suportei as proibições que as religiões me impuseram. E as ameaças : “se não fizer isso...”. No budismo de Sutra de Lótus existe somente o compromisso da prática diária do Nam-Myoho-Rengue Kyo. É claro que é uma prática que exige disciplina. De vez em quando a cabeça foge, o pensamento escapole. Às vezes a gente enfraquece, faz menos tempo. Mas depois volta, é assim mesmo. É claro que, quando tive a série de problemas depois do ano 2000, desanimei algumas vezes, mas foi uma prova de fé. Curioso é que você fraqueja e é sempre nos momentos em que mais precisa. Mas a disciplina adquirida na prática do Daimoku traz você de volta. Depende de você mesma restabelecer a sua energia, a sua conexão com os ensinamentos. E isso é poderoso demais e traz você de volta à prática e à elevação do seu estado de vida. Você se lembra que não consegui encontrar uma definição para os anos 90? Falando sobre tudo isso, tive o insight. Os anos 90 foram da grande revelação do budismo de Sutra de Lótus. E, com certeza, sou uma pessoa muito melhor, pronta para vencer as batalhas, porque ele me deu força, me deu esperanças e a certeza que sou uma vitoriosa, mesmo que tenha que passar por muitas provas. Minha vida está recomeçando, repito, mas tenho uma outra cabeça, um outro espírito. Quando fizeram um filme sobre a vida da Tina Turner ela pediu que antes dos créditos estivesse o Daimoku. E acabo este capítulo do mesmo jeito: Nam-myoho-Rengue Kyo. E também com meu lema: O Gosho dos Oito Ventos, das Escrituras de Nitiren Daishonim, volume III: “Uma pessoa verdadeiramente sábia não será arrebatada por nenhum dos Oito Ventos: prosperidade, declínio, desgraça, honra, elogio, censura, sofrimento e prazer. Não se inflama com a prosperidade nem se desespera com o declínio. Os Deuses Celestes seguramente protegerão quem não se curva diante dos Oito Ventos”. Capítulo X Segredos de atriz Sei que existem 20, 30, 1000 maneiras de fazer uma cena e uma atriz inteligente escolhe a melhor delas. Sei também que é necessário buscar sempre na minha base, no método Stanilavski, a fundação de meus personagens. Sei ainda que é preciso circunstanciar uma cena: de onde veio, para onde vai, o que o personagem está sentindo, como é o som de sua voz. Trabalho sempre no subtexto, nada é tão simples quanto parece. É por isso que sofro tanto quando estou trabalhando. Até hoje na hora do “gravando”, sinto um frio enorme na barriga. Não pego um papel e saio simplesmente decorando. Tudo exige um trabalho cuidadoso, que envolve uma enorme carga emocional e dramática. Enfim, posso emprestar o meu corpo, minha voz, minha alma, minhas emoções, mas isso não quer dizer que o trabalho é menos árduo. São muitos anos de trabalho, mas a insegurança bate o tempo todo e a exigência é cada vez maior. Cada trabalho que faço, fico ansiosíssima, procurando o personagem, rezo para que tudo dê certo. Estudo o papel exaustivamente, tento entender como ele se sente hoje, invento historinhas para o seu passado e, basicamente, procuro uma carga emocional, seus motivos, sua história. Como ele pensa? Como ele age? Que sentimentos profundos oculta? Que reações revelam seu interior? – é uma busca sofrida, penosa. Depois disso passo a imaginar e procurar a maneira como ele se comporta, como se senta, como fala, como inflexiona cada palavra. Testo 100 maneiras diferentes até encontrar uma que me agrade. Procuro pessoas que tenham a mesma profissão e observo-as. Este é um processo fascinante e por isso adoro representar. Em América, por exemplo, meu último trabalho em TV até agora, inventei que aquela bandida fazia Krav-Magá, defesa pessoal desenvolvida pelo exército israelense. Dei a sugestão para a Glória Perez, que adorou, e entrei em um curso intensivérrimo da luta. Achava que ela precisava saber defesa pessoal, isso daria a ela uma postura diferente, mesmo quando tivesse trocando a meia sozinha em um quarto de hotel. Usei poucas vezes na novela, fiz algumas cenas de luta. Mas foi muito importante adicionar este dado ao personagem. Deu-me uma segurança. Além disso, estava em uma época que pensava sobre as mulheres que apanham de seus maridos bêbados. Se elas soubessem defesa pessoal, detonavam o marido em um só golpe. Quem sabe o personagem podia incentivar as mulheres a reagir. Mas, certamente, a Glória não pôde usar mais isso, porque a Pimenta era uma assassina e não podia servir de exemplo para nada, não é mesmo? Os aspectos externos dos personagens chegam por último. O cabelo, as roupas, a maquiagem são a última coisa que penso. Além do mais, este é um trabalho feito em conjunto com outros profissionais e que vai se modificando ao longo do tempo, por exemplo, em uma novela. Em América, a Marília Carneiro me mostrou uma opção de figurino que achei linda, mas à medida que fui mergulhando no personagem, percebi que a Pimenta era mais over do que a figurinista havia pensado. E algumas coisas foram mudando: o tamanho da bolsa, por exemplo, achava importante que ela tivesse sempre uma bolsa que coubesse uma arma. A arma nunca aparecia, é claro, mas era importante para mim imaginar que havia uma. Como havia inventado a história do Krav Maga pedi também que ela usasse uns anéis bem grandes, pesados. Saia justa, nem pensar. Como ela poderia dar um chute? Estas e outras coisas foram modificando o figurino. O importante é que exista sintonia com os profissionais que te cercam em um trabalho. Em determinado momento de América a Marília Carneiro me deu um toque que ela estava over demais, muito distante do projeto original. Aí baixei a bola e chegamos a um meio termo entre a elegância imaginada pela Marília e o certo exagero que eu via no persona-gem. Sempre é possível conciliar e isso acontece quando bons profissionais estão envolvidos no trabalho. Muita gente me pergunta se me importo de aparecer feia. Minha resposta é uma só: num personagem bonito, claro que não! Posso citar vários: em A idade da loba, Valquíria começava viúva de um homem mais velho, caída, sem pintura, arrasada; a Antônia de De corpo e alma era totalmente desglamorizada. Quando comecei a filmar Bens confiscados, o Carlão me avisou: “vou acabar com você. Topas?”. Eu nem titubeei, Serena estava acabada, totalmente sem esperança e isso, é claro, se refletia na sua aparência. Quando filmei Romance da empregada, tive que fazer um permanente miudinho, colocar três tons de tinta no cabelo, para deixá-lo bem mal-tratado. Meu cabeleireiro, o falecido Silvinho, saiu do salão e foi tomar três chopes no Baixo Leblon, arrasado com o estrago que havia feito no meu cabelo. O Bruno me pediu, ainda, para não fazer exercícios, deixar de malhar, para ajudar na postura da Fausta. Não hesitei, parei imediatamente. Sou assim: absolutamente generosa com meus personagens. Estou sempre disposta a fazer o bem para eles. Não tenho o menor problema em fazer avós. Ao contrário. Outro dia me ofereci para ser uma avó. A resposta do diretor: “mas você é muito bonita!”. “Não sou, não, sou bem produzida, bem transada”, ainda argumentei, mas ele não me deixou fazer, pois precisava de uma “avó com cara de avó”. Estou, no entanto, totalmente pronta para fazer mulheres velhas. De preferência do povo que interpreto bem e pelas quais tenho a maior simpatia e admiração. Capítulo XI Segredos de mãe Quando era jovem, não pensava em ter filhos. Eu só pensava em seguir a minha carreira. Não achava – e não acho ainda – que toda mulher tenha que ter filho. Já havia rompido com tantos tabus, como o da virgindade, que era um problema na minha época, porque iria me sentir obrigada ser mãe. A rebelde sempre falou mais alto dentro de mim. Uns dois anos, porém, antes de engravidar, comecei a olhar com mais vagar fotos de crianças em revistas, a me enternecer ao ver os pequeninos brincando na pracinha. Ou seja, era o meu instinto maternal aflorando, o relógio biológico começando a bater mais rápido. O nascimento da minha filha e, seis anos e meio depois, do meu filho João foram as maiores emoções da minha vida. Tenho o maior orgulho de dizer que meus dois filhos são frutos de dois grandes amores. E hoje, tenho certeza, formamos uma grande família, uma grande tribo. O Cláudio é avô da minha neta Giulia e o Daniel é avô da Valentina, do João Paulo e do Antônio. São os avôs, a quem admiro, respeito e amo, dos meus netos. Minha vida mudou inteiramente desde o momento em que puseram a Alexandra no meu colo. Com todos os erros e acertos que pudesse cometer, sabia que precisaria criar uma pessoa direita, com valores éticos, bem educada, honesta, enfim, alguém para o bem. Ao mesmo tempo, o nascimento da minha filha me empurrou profissionalmente, em momento algum mais me permiti ficar sem trabalhar. Na segunda gravidez, as circunstâncias foram um pouco diferentes. Estava em outra fase da minha vida, com mais estabilidade, pude ter mais calma nos meses da gravidez, fazer ginástica especializada, aprender a fazer respiração cachorrinho, decorar o quarto. Havia uma pessoa, também, Joana, que havia sido empregada da minha tia, que veio para a minha casa esperar o João nascer para me ajudar, tudo dentro do mesmo pacote estabilidade. Se as circunstâncias foram diferentes, a emoção que me inundou quando o João nasceu, é claro, foi comparável. Ser mãe foi sempre um encantamento. Como eu me definiria como mãe? Alguém que sempre quis os filhos por perto, com uma necessidade imensa de colocá-los sempre em volta. Abri mão, por exemplo, de fazer teatro por muitos anos, porque achava importante fazer os deveres, jantar junto, colocar para dormir os meus filhos. A televisão me permitiu isso. Começava a gravar de manhã cedo e acabava no início da noite – e quando aparecia uma folguinha dava uma fugida em casa na hora do almoço. Quando filmava de noite, se não houvesse uma pessoa de confiança para cuidar deles – e minha mãe me ajudou bastante, especialmente com a Alexandra – carregava para as filmagens comigo. A Alexandra aprendeu a engatinhar nos camarins da Globo. Muita camareira brincou com ela de pegar lantejoulas no chão, enquanto eu gravava. Sempre tive uma preocupação imensa em dar atenção aos meus filhos. Acho que acertei muitas coisas, errei certamente em outras, mas tenho certeza que dei a eles o melhor do meu afeto. Uma coisa é certa: não me arrependo de nada que abri mão por causa deles. Se não consegui permanecer casada por muito tempo, pois sempre tive uma extrema dificuldade em repartir o meu espaço, para os meus filhos esse sentimento jamais existiu, abri mão da minha liberdade sem ao menos perceber, com o maior prazer. Aliás, embora tenha dito que perdi muitas oportunidades profissionais, sou analisada o suficiente para não colocar culpa nos meus filhos. Se fiz opções erradas profissionalmente foi mais por arrogância e estupidez. Meus filhos jamais foram um estorvo, ao contrário me deram forças para seguir adiante quando a barra pesava. E me ajudaram a colocar o pé no chão quando estava no ar com grande sucesso. Ir a reuniões de pais, fazer compras no supermercado, levar os filhos ao colégio me salvaram, não deixaram que o sucesso me tirasse totalmente da realidade. Ninguém nega a sua criação. Para os meus filhos, fiz questão de ser como meus pais, ao passar para eles valores éticos e morais. E torço para que eles façam bom uso desses ensinamentos. Cresci aprendendo coisas boas, que passei para os meus filhos, que espero passem para os meus netos para que eles sejam pessoas boas, com moral, fraternidade, senso de amizade e que digam sempre a verdade. Essa foi a lição que aprendi e passo adiante. Fui muito diferente, porém, ao mimá-los. Meu pai era militar e o dinheiro em nossa casa era contadinho, racionado e separado de acordo com as necessidades. Estava fazendo um sucesso enorme quando a Alexandra estava na pré-adolescência e comprava tudo que via para ela. Eu só havia saído do Brasil adulta. Minha primeira viagem aos Estados Unidos, estava noiva do Daniel. E fui para a Europa com a passagem que ganhei com o prêmio Air France por A estrela sobe. Meus filhos tiveram viagens, facilidades, carro com motorista para levá-los à escola. Mas isso não foi o mais importante com certeza. O melhor que dei a eles foi a minha presença e amor. Meus filhos têm temperamentos muito diferentes. Alexandra, por exemplo, aos 18 anos sentiu necessidade de sair de casa, tornar-se independente, alugou um apartamentinho e isso foi importante. Talvez ela tivesse necessidade deste distanciamento da mãe, por ter escolhido a mesma profissão, e dei a maior força. O João, que tem um temperamento mais parecido com o meu, sempre morou comigo. Aliás, por uns dois anos durante a adolescência, ele escolheu ficar na casa do Daniel e fiquei abaladíssima. Embora independente, buscando seu caminho profissional, trabalhando muito e tendo as suas esquisitices – e havia um respeito imenso de um com as idiossincrasias do outro – João morou comigo até ir trabalhar em São Paulo. Hoje ainda mora lá, casou-se com a Tatiana e me deu três lindos netos. Giulia, a minha primeira neta, é filha da Alexandra. Confesso: nunca imaginei na minha vida que eu pudesse ser uma avó tão amorosa. Quando o Dr. Felipe Mader colocou a Giulia nos meus braços imediatamente fui tomada por uma onda de paixão e a certeza que ela era muito bemvinda ao mundo. Um amor maior do mundo, uma loucura! E essa emoção se repetiu com o nascimento dos gêmeos João Paulo e Valentina e depois do pequenino Antônio, o caçulinha da família. É bonito ser avó porque a maturidade te dá uma liberdade de não ter medo de amar profundamente. Hoje me sinto a matriarca de uma bela família. Às vezes me seguro para não me meter muito na vida deles, quase coloco uma mordaça. Noutras, me meto mesmo. O João, por exemplo, teve um problema grave no joelho e precisou ir à Nova York para uma consulta e não queria, de jeito algum, que eu fosse. Descobri o vôo dele, comprei o assento ao lado e quando ele entrou no avião, eu estava lá. Ele até largou as muletas ao me ver, tamanho o susto. Imagina se ia deixar o João sozinho, sem andar direito, de muletas, pegando aqueles táxis de Nova York! Dos netos, cuido com amor e imensa alegria. Quero que eles sejam muito felizes e faço o que posso para que isso aconteça. A Giulia está mais próxima – a Alexandra mora aqui perto, também no Leblon – e tenho o privilégio de conviver quase diariamente com a minha netinha. João Paulo, Valentina e Antônio estão mais distantes e me ressinto muito disso, mas sempre que posso vou visitá-los. E não há chuva, tempestade, contrato não refeito, trabalho per-dido que me faça ficar menos feliz. Capítulo XII O que se falou sobre ela “Audaz, ardente, alegre, abusada, apaixonada, afoita, amiga, avó, bacana, bonita, balançada, buliçosa, briguenta, brejeira, bailarina, morena, malandra, marota, mutante, mãe, delicada, dedicada, dengosa, doce, danada, feliz, falada, famosa, falante, faceira, fã, feminina, fadada, filha, temperada, tenaz, teimosa, talentosa, sapeca, safada, sambista, sofrida, capaz, colocada, calejada, cabocla, caprichosa, caprichada e carioca. Todas estas palavras e muitas mais serviriam para entrar numa descrição da Betty. Por motivos que desconheço, mas desconfio, fui intimado a escrever sobre ela. E o que primeiro me veio à cabeça foram estas palavras soltas, tão soltas como foi e é o viver desta atriz. A sua vida não foi por acaso, ela quis, brigou, estudou, lutou. Se não fosse filha de militar, sempre viajando por este Brasil na infância, talvez tivesse começado mais cedo na profissão. Ainda menor de idade já estava na TV, como auxiliar de apresentador e bailarina. E emancipada, dançava num dos mais lindos shows montados no Copacabana Palace. Quando Copacabana valia a pena. A conheci na praia de Ipanema. No Castelinho. De biquíni, o nariz já em pé, dizia que iria ser atriz. Não demorou muito e lá estava ela, seduzindo Jorge Dória, numa primeira versão do Beijo no Asfalto. E já era num show do Carlos Machado (o Rei da Noite) a Chica da Silva, personagem título. Cantava, dançava e junto a Lennie Dale começava a fazer todos “balançar” no ritmo “Bossa Nova”. Inquieta, onde você olhasse no Rio, lá estava ela. A vida de um artista só começa a contar quando o grande público sabe dele. E isto só veio a acontecer, quando a televisão cruzou o país. Ali todos começaram conhecê-la. Mas, muitos caminhos e aprendizados já tinham sido trilhados. Teatro Revista e o Teatro Oficina, cantando, dançando e fazendo humor em TV, comédias no cinema, era uma das Sete faces de um cafajeste chamado Jece Valadão. Andava junto com outras “meninas” que eram o desacerto da moçada. Ela, Leila Diniz e Marieta Severo. Pois foi Leila, que veio lembrar o nome dela, para uma novela que eu estava começando. Betty tinha acabado de dar a luz pela primeira vez, a Alexandra Marzo, sua com Cláudio Marzo. Acorrentados seria sua primeira novela, gênero que começava já a dominar o público e em pouco tempo, ela era uma das estrelas. Dali o convite para estrelar um filme com o óbvio título de A estrela sobe. Ela que já estava subindo, então o que estava lá em cima, furou o teto. Dirigi a Betty em TV, várias vezes, e sempre conto e repito aqui, que o acerto da primeira versão de Pecado capital está muito ligado a ela. Pena que ninguém viu a sua “Viúva Porcina”, que proibida com 36 capítulos gravados, nós já tínhamos uma certeza do sucesso, quando veio a proibição. Alguns atores têm este dom de apesar de “viverem os personagens” ter sua persona presente. É o caso dela. A voz quente e swingada. Olhar direto. Corpo firme. Mulheres fortes. De Bye bye Brasil à Romance da empregada essa mulher está lá. E podem acreditar, lá também está a Betty Faria. Mesmo na sofrida professora de Anjos do arrabalde, ela dá dignidade ao perdedor. Mas, a qualidade que mais admiro é o da brasilidade. Poucos atores e menos atrizes são tão brasileiras na tela ou telinha. É uma marca. Ser assim, é que a faz mais querida do nosso público. Ser assim é que fez Jorge Amado, enquanto escrevia em Londres Tieta do Agreste, dizer a ela: “Este livro que estou fazendo é para você”. E Zélia concordar: “É, a Betty é o jeito de Tieta”. Sou testemunha disto. E a lutadora Betty depois comprou os direitos (por preço de pai pra filha) e o levou para a televisão. O Tieta da TV é praticamente uma co-produção dela. O Brasil está no corpo e sangue de Betty. Quarta geração de autênticos brasileiros. Pernambucanos, mato-grossenses, índios, caboclos, portugueses. Esta mistura de raça, está lá. Em cada poro, em cada balanço do seu corpo. Corpo e olhar que esquentou a imaginação dos espectadores do Iapoque ao Chuí. O nome dela, ela não gosta que digam, mas lá no certificado de nascimento é: “Maria Elizabeth Silva de Faria”, olhe a mistura do Elizabeth com o Maria e Silva, e me digam se não é um autêntico Brasil. Os anos não esmoreceram a “menina” que conheci lá em Ipanema. Muitos prêmios e aplausos depois, aqui estou eu, escrevendo sobre ela, para esta merecida homenagem. Adora o cinema, acabou de produzir e estrelar mais um. Bens confiscados de Carlos Reichenbach. E, agora, eu me levanto da cadeira e me junto a todos neste aplauso e, junto, grito: Bravo por acreditar que não existem barreiras, quando se ama e se acredita numa missão! Bravo por representar tão bem a mulher do seu país! Bravo Betty Faria, atriz, mãe, avó, brasileira, sonhadora, lutadora, vencedora!” Daniel Filho (escrito para uma homenagem do II Festival Curta Santos) “Quando eu comecei a viajar pelo Brasil, a primeira atriz que me veio a cabeça para fazer o papel de Salomé foi a Betty Faria. Ela tem uma chama, um fogo, uma garra no que faz. É muito bonito. Sobretudo quando se identifica com algum personagem.” Cacá Diegues “Com alguns colegas meus eu me sinto a vontade para ser trapezista. Em particular com a Betty. Eu sei que posso me jogar e que ela vai me segurar. E sei que ela tem certeza, ela sabe que se ela se jogar, der um salto triplo, eu vou estar segurando lá na frente. Acho que isso é essencial para um trabalho de duplas.” José Wilker “Quando eu digo guerreira em relação a Betty, eu digo guerreira da vida. Ela me passa essa idéia da mulher moderna. Essa mulher que alterou o próprio comportamento da mulher na sociedade. Isso, na filmagem de O bom burguês, era bastante nítido porque a gente vivia um momento muito difícil. Na época das filmagens, acontecia uma série de atentados terroristas. As pessoas falavam que mais cedo ou mais tarde iriam acabar jogando uma bomba nas filmagens. A Betty foi o tempo todo muito serena, solidária, uma pessoa que não enfatizou nem dramatizou nada disso. Se portou com toda a naturalidade.” Oswaldo Caldeira “A Betty não gosta de atuar, ela gosta de virar o personagem. A Betty tem esse lado da mulher do povo, uma mulher bonita, popular. Ela não faz o personagem pura e simplesmente como ele foi escrito. Ela transforma o personagem em si própria.” Bruno Barreto “Uma menina como eu, filha de militares, então isso nos uniu ainda mais. Era difícil para nós dizermos: “queremos ser atrizes, queremos trabalhar nisso”. Na geração dela já era um pouco mais fácil. O pai dela demorou para aceitar tudo, mas ela foi lá, batalhou, lutou. Ela era muito independente e inventou a vida como quis.” Tonia Carrero (os depoimentos acima foram pesquisados no site www.bettyfaria.com.br) betty faria – expressão usada quando alguém é bonito e gostoso e incita o desejo sexual (verbete de um dicionário gay) “Não é segredo que sou admirador do diretor Carlão Reichenbach, que tem um trabalho muito pessoal, tecnicamente brilhante (até porque é grande fotografo), com temas profundos e alguns gostos particulares que se pode até discordar (como a escolha e direção menos inspirada dos atores masculinos). Mas se Dois córregos é meu filme preferido dele, Bens confiscados vem perto. Foi rodado logo a seguir de Garotas do ABC e apresentado na Mostra Br do ano passado. Está este tempo todo aguardando lançamento, apesar dos esforços da estrela Betty Faria que foi sua produtora. Ela já havia trabalhado com Carlão em Anjos do arrabalde e gostou do roteiro que tinha um grande personagem para uma mulher de sua idade e resolveu produzi-lo justamente num momento difícil de sua carreira, quando havia saído da Globo. Foi um esforço justificado porque este é dos melhores trabalhos de sua carreira, talvez o melhor em cinema.” Rubens Ewald Filho (em www.cinemacomrubens.com.br) “Aos quatro anos, ela pegava a sua boneca preta pelo braço e “fugia” de casa dos pais, dizendo que ia trabalhar no circo. Sua mãe a capturava no corredor, mas a pequena Betty já mostrava que não viera ao mundo para dizer amém. Aos seis anos, decidiu que seria estrela da Broadway. Aos doze, deixou por menos. Seria bailarina dos shows de Carlos Machado, o “rei da noite” carioca. E o que tem isso tem demais? – perguntará você. Bem, nos anos 40 e 50, esses não eram sonhos que passassem pela cabeça de uma “menina de família”. Muito menos de uma menina cujo pai era general do Exército, daqueles que batiam continência para o canhão da Vila Militar. Mas comandar quinhentos soldados chucros era fácil. Difícil era comandar Betty Faria. (...) O lado general de Betty não pode ser minimizado: criada praticamente na caserna, ela derrotou o tabu da virgindade, de trabalhar no que gostava, casar sem se casar, posar nua, criar filho sozinha, jamais esconder a idade e, já madura, namorar rapazes trinta anos mais jovens. E nunca bateu continência para ninguém.” Ruy Castro (em Ela é Carioca, Uma Enciclopédia de Ipanema, Companhia das Letras) “A Camaleoa é Betty Faria: com fogosa versatilidade e senso caricatural, ela compõe nada me-nos que nove tipos de mulher em outros tantos esquetes. E nos oferece um brilhante espetáculo/solo em que alia a sua inesgotável vitalidade a uma experiência que lhe permite representar, cantar e dançar como se estivesse no fulgor pleno da juventude. Que idade tem Betty Faria? De ciência certa sei que a vejo (mais em filmes e telenovelas do que em teatro, é verdade) há uns bons 20 anos. Jamais a esquecerei fazendo uma passionária breve no antigo Teatro do Rio, ali no Flamengo. Estava-se então sob o jugo militar e Betty, ao lado de Cláudio Marzo, exortava os colegas a uma greve dos palcos contra os tanques. Uma mulher de armas, capaz de assar inimigos no forno, como a lendária padeira de Ajubarrota. Depois, a Rede Globo, com suas novelas e fabulosos contratos, apaziguou os ânimos. Em vez da luta contra a ditadura chegava a hora de brigar pela escalação. (....) Mas Betty não perdeu o seu estofo genuíno de atriz. E agora, mais jovem do que nunca, ocupa o placo como se jamais tivesse feito outra coisa. Camaleoa é um grande reencontro com uma atriz que, entre o popular e o sofisticado, chega a ser arrebatadora e jamais perde o charme e o perfume de mulher”. Armindo Blanco (crítica publicada no jornal carioca O Dia, em 19 de janeiro de 1995) “A frase pode parecer pedante. Mas, mesmo guardadas todas as proporções de tempo e espaço, raros filmes produzidos neste país são tão essencialmente brasileiros como Bye bye Brasil. (...) José Wilker compõe Lord Cigano como se o mágico-picareta fosse o filho preferido de Macunaíma. Fábio Jr. faz um Ciço tão pungente e tão intenso que nem o maior fã da Globo se lembra dele como o cantor de Pai Herói. Zaira Zambelli consegue ser sensual em andrajos e de barriga de grávida. E Betty Faria, ah!, Betty Faria, além de sua beleza de estrela exibe uma humanidade comovedora.” Sílvio Lancelotti (crítica publicada na revista Isto É, em 20 de fevereiro de 1980) “Eu sei que todos são atores, mas continuo acreditando que eles são também reais. Agora quando vejo duas mulheres sorrindo uma para outra com afeto e proteção, penso em Salomé e Dasdô. Quando vejo uma antena de TV imagino se Lord Cigano e Salomé encontraram uma cidade onde a televisão ainda não chegou e existe audiência para atores mambembes. Quando vejo artistas de rua penso em Ciço e Dasdô e imagino onde eles estão tocando. Se você quiser encontrar-me em um futuro próximo, eu estarei no Brasil para encontrá-los.” Nancy Scott (resenha publicada no San Francisco Examiner, em 21 de novembro de 1980) Canalhices, escândalos, truculência, existe tudo no filme A História de Fausta, de Bruno Barreto, mais as favelas, o rir sobre a miséria e o temperamento suscetível de Betty Faria, a Fausta da história, mulher de família, casada com um alcoólatra, que seduz um velho avarento. Contra o desamparo, as injustiças do homem e da natureza, Fausta luta com suas armas: sua energia, uma linguagem particularmente colorida, a confiança inabalável que nada acontecerá e a certeza que sobreviverá. Fausta é um momento bem alegre dentro da vida do Festival. Colette Godard (resenha publicada em jornal francês) Bruno prometia com Romance da empregada um filme mal comportado. Et voilà. Na estréia de seu filme, domingo à noite, na Quinzena dos Realizadores, o público parece ter adorado acompanhar as desditas da história de Fausta, rindo muitas vezes e aplaudindo com entusiasmo ao final. A grande estrela da sessão foi sem dúvida Betty Faria, com um desempenho excepcional. No papel da doméstica siderada por Tina Turner, sem nenhuma perspectiva a não ser um velho carregador de placa (Brandão Filho, excelente) para mudar de vida, Betty Faria saiu da sessão distribuindo autógrafos. Susana Schild (reportagem publicada no Jornal do Brasil, em 17 de maio de 1988) “O grande filmaker da contracultura Carlos Reichenbach, 59 anos, apresentou fora de concurso no Festival no Rio em uma incandescente noitada Bens confiscados, melodrama político-erótico intepretado por Betty Faria, como sempre a boca e o corpo mais sensual do cinema brasileiro. Não é horror o gênero maleável que escolheu, mas o rígido melodrama, levado a um nível de fusão lenta através do sutil trabalho de uma atriz, que sabe ser desestabilizante e monstruosa como Lea Massari em Le Souffle au Coeur de Louis Malle, ou Ingrid Bergman em Stromboli de Rossellini.” Roberto Silvestri (reportagem publicada no jornal italiano Il Manifesto, assinada pelo notório crítico) Cronologia 1963 O beijo Filme dirigido por Flávio Tambellini 1964 Shows musicais na TV Excelsior, Rio de Janeiro 1965 Amor e desamor Filme dirigido por Gerson Tavares Dick e Betty 17 Produzido e dirigido por Mièle e Bôscoli, exibido na TV Globo, que apresentava ao lado de Dick Farney Hello Dolly Outro musical de Mièle e Bôscoli, TV Globo As inocentes do Leblon Peça dirigida por Antônio Cabo 1966 Onde canta o sabiá Peça de Gastão Tojeiro, dirigida por Paulo Afonso Grisolli João amor e Maria Musical de Hermínio Bello de Carvalho, com música de Maurício Tapajós, direção de Kleber Santos e participação no elenco de Fernando Lébeis, José Damasceno, José Wilker e Cecil Thiré 1967 Pequenos burgueses Montagem do Grupo Oficina para o texto de Gorki, com direção de José Celso Martinez Corrêa, com Renato Borghi, Cláudio Marzo e Ítala nandi O bravo soldado Schweik Peça de Jaroslav Hazek, montada pelo Teatro Carioca de Arte, criada junto com Cláudio Marzo e Antonio Pedro A lei do cão Filme dirigido por Jece Valadão, com Adriana Prieto, Neuza Amaral, Wilson Vianna, Mario Petraglia, Henrique Martins 1968 As sete faces de um cafajeste Outro filme dirigido por Jece Valadão, com Odete Lara, Norma Blum, Adriana Prieto, Tania Scher, Marisa Urban, Carlos Eduardo Dolabella, João Paulo Adour A falsa criada Outra montagem do Teatro Carioca de Arte, com Cláudio Marzo e Antônio Pedro Os acorrentados Novela na TV Rio, de janete Clair, com direção de Daniel Filho 1969 A última valsa Primeira novela na TV Globo, de Glória Magadan, com direção de Fábio Sabag e Daniel Filho e no elenco Cláudio Marzo, Norma Blum, Thereza Amayo, Glauce Rocha, Rubens de Falco, Joana Fomm, Edson Silva Rosa rebelde Novela de Janete Clair, com direção de Fábio Sabag, Daniel Filho e Régis Cardoso e no elenco Glória Menezes, Tarcísio Meira, Mário Lago, José Augusto Branco Véu de noiva Novela de Janete Clair, com direção de Daniel Filho e no elenco Cláudio Marzo, Regina Duarte, Myriam Pérsia, Geraldo Del Rey, Cláudio Cavalcanti 1970 Pigmalião 70 Novela de Vicente Sesso, com direção de Régis Cardoso e no elenco Sérgio Cardoso, Tônia Carrero, Marcos Paulo, Célia Biar, Suzana Vieira A próxima atração Novela de Walter Negrão, com direção de Régis Cardoso e no elenco Sérgio Cardoso, Tônia Carrero, Renata Sorrah, Armando Bógus, Paulo Gracindo 1971 As piranhas do asfalto Filme dirigido por Neville de Almeida, com Maria do Rosário, Maria Gladys, Billy Davis, carlos Figueiredo. Proibido pela Censura Federal. Os monstros de Babalu Filme dirigido por Eliseu Visconti, com Helena Ignez, Tania Scher, Zezé Macedo, Kleber santos. Também ficou proibido por muitos anos, durante a ditadura militar. Som, amor e curtição Filme dirigido por J.B.Tanko, com Antônio Marcos, Sonia Clara, Carlos Kroeber, Antônio Carlos e Jocafi O homem que deve morrer Novela de Janete Clair, com direção de Daniel Filho e Milton Gonçalves e no elenco Tarcísio Meira, Glória Menezes, Jardel Filho, Cláudio Cavalcanti, Paulo José, Dina Sfat 1972 O bofe Novela de Bráulio Pedroso e Lauro César Muniz, com direção de Daniel Filho, Lima Duarte e Walter Campos. No elenco, Jardel Filho, Cláudio Marzo, Ziembinski, Cláudio Cavalcanti, José Wilker 1973 Cavalo de aço Novela de Walter Ngrão, direção de Walter Avancini e supervisão de Daniel Filho. No elenco, Tarcísio Meira, Glória Menezes, Ziembinski, Arlete Salles, Carlos Vereza 1974 A estrela sobe Filme de Bruno Barreto, baseado em obra de Marques Rebello. No elenco, Roberto Bonfim, Carlos Eduardo Dolabella, Odete Lara, Wilson Grey, Labanca, Grande Otelo, Paulo César Pereio, Vanda Lacerda Calabar Espetáculo escrito por Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra e dirigido por Fernando Peixoto, que foi proibido pela Censura Federal O espigão Novela de Dias Gomes, com direção de Régis Cardoso e supervisão de Daniel Filho. No elenco, Milton Moraes, Cláudio Marzo, Débora Duarte, Ary Fontoura 1975 O casal Filme dirigido por Daniel Filho com José Wilker, Sônia Braga, Antônio Pedro, Ruy Resende. Betty chama a sua participação neste filme de “afetiva”. 1976 Putz Peça de Murray Schisgal, dirigida por Osmar Rodrigues Cruz com Juca de Oliveira e Luiz Gustavo. Roque santeiro Novela de Dias Gomes, com direção de Daniel Filho, que foi proibida pela Censura Federal no dia da estréia. Pecado capital Novela de Janete Clair, com direção de Daniel Filho, que entrou no ar em substituição à Roque santeiro. No elenco, Lima Duarte, Francisco Cuoco, Rosamaria Murtinho, Dennis Carvalho, Débora Duarte 1977 Duas vidas Novela de Janete Clair, com direção de Daniel Filho e no elenco Francisco Cuoco, Mário Gomes, Christiane Torloni, Suzana Vieira, Luiz Gustavo, Sadi Cabral, Isabel Ribeiro 1978 O cortiço Filme de Francisco Ramalho Jr., baseado em obra de Aluísio de Azevedo com Armando Bogus, Jorge Coutinho, Mauricio do Valle, Ítala Nandi, Beatriz Segall, Zaira Zambelli 1979 Bye bye Brasil Filme de Cacá Diegues, que concorreu à Palma de Ouro em Cannes, com José Wilker, Zaira Zambelli, Fábrio Jr. Brasil pandeiro Programa musical mensal, dirigido por Augusto César Vanucci 1980 Água viva Novela de Gilberto Braga, com direção de Paulo Ubiratan e Roberto Talma. No elenco, Reginaldo Faria, Raul Cortez, Beatriz Segall, Tônia Carrero, José Lewgoy 1981 Baila comigo Novela de Manoel Carlos, direção de Roberto Talma e Paulo Ubiratan. No elenco, Tony Ramos, Raul Cortez, Lílian Lemmertz, Tereza Rachel, Fernanda Montenegro, Fernando Torres Lili Carabina Especial escrito por Aguinaldo Silva e dirigido por Marcos Paulo 1982 A hora do carrasco Especial escrito por Aguinaldo Silva Amor vagabundo Peça escrita e dirigida por Domingos de Oliveira que tinha no elenco também Jorge Dória 1983 Bandidos da falange Minissérie de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, dirigida por Jardel Mello e Luiz Antônio Piá e no elenco José Wilker, José Mayer, Stênio Garcia, Gracindo Jr. O bom burguês Filme dirigido por Oswaldo Caldeira, com José Wilker, Jardel Filho, Christiane Torloni 1984 Partido alto Novela de Aguinaldo Silva e Glória Perez, dirigida por Roberto Talma. No elenco, Cláudio Marzo, Raul Cortez, Elizabeth Savalla, Glória Pires, Lílian Lemmertz Betty Faria especial Musical criado especialmente para a atriz/cantora e bailarina por Augusto César Vanucci, também diretor 1985 Jubiabá Filme de Nélson Pereira dos Santos, com produção executiva de Betty Faria, que também faz um participação no elenco, que conta ainda com Grande Otelo, Françoise Goussard, Charles Baiano, Julien Guiomar, Zezé Motta 1986 Anos dourados Minissérie de Gilberto Braga com direção de Roberto Talma e no elenco Malu Mader, Felipe Camargo, José de Abreu, Yara Amaral, Nívea Maria, José Lewgoy Anjos do arrabalde Filme de Carlos Reichenbach com Clarisse Abujamra, Irene Stefânia, Emílio de Biasi, Carlos Koppa, Ricardo Blat 1987 Um trem para as estrelas Filme de Cacá Diegues, com Guilherme Fontes, Taumaturgo Ferreira, Miriam Pires, José Wilker. Betty faz uma participação especial. 1988 Romance da empregada Filme de Bruno Barreto, com Daniel Filho, Brandão Filho, Marcos Palmeira, Cristina Pereira, Antonio Pedro O salvador da pátria Novela de Lauro César Muniz, com direção de Gonzaga Blota, Denise Saraceni e José Carlos Pieri, com direção-geral de Paulo Ubiratan e no elenco Lima Duarte, Maitê Proença, José Wilker, Francisco Cuoco, Luiz Gustavo, Suzana Vieira 1989 Lili, a estrela do crime Filme de Lui Farias, com Reginaldo Faria, Mário Gomes, Patrícia Travassos 1990 Tieta Novela de Aguinaldo Silva, baseada em livro de Jorge Amado, com direção de Paulo Ubiratan. No elenco, Joana Fomm, José Mayer, Reginaldo Faria, Lídia Brondi, Yoná Magalhães 1991 Perfume de gardênia Filme de Guilherme de Almeida Prado, com Christiane Torloni, José Mayer, Cláudio Marzo, José Lewgoy 1992 De corpo e alma Novela de Glória Perez, direção de Roberto Talma, com Tarcísio Meira, Christiana Oliveira, José Mayer, Beatriz Segall, Stênio Garcia, Natalia Thimberg 1992 Betty na estrada Espetáculo musical dirigido por Lennie Dale 1993 Verão quente Telenovela produzida pela Rádio e Televisão Portuguesa, com direção de Régis Cardoso Camaleoa Espetáculo-solo, com textos de Flávio de Souza e direção de Marília Pêra 1994 Incidente em Antares Minissérie de Charles Peixoto e Nelson Nadotti, direção de Paulo José, Carlos Manga e Nelson Nadotti. No elenco, Fernanda Montenegro, Paulo Betti, Marília Pêra, Gianfrancesco Guarnieri, Diogo Vilella 1995 A idade da loba Novela de Alcione Araújo, dirigida por Jayme Monjardim com Juca de Oliveira, Ângela Vieira, Taumaturgo Ferreira, Eduardo Conde, Adriano Reis. Exibida na TV Bandeirantes 1996 O campeão Novela de Ricardo Linhares e Mário Prata, com direção de Marcos Schechtman e Wilson Solon. No elenco, Paulo Goulart, Marília Pêra, Carlos Eduardo Dolabella, Natalia Thimberg. Exibida na TV Bandeirantes 1997 A indomada Novela de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, com direção de Marcos Paulo e no elenco Adriana Esteves, José Mayer, Eva Wilma, Paulo Betty, Licurgo Spindola, Renata Sorrah, Luiza Tomé, Pedro Paulo Rangel For all, o trampolim da vitória Filme de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz, com José Wilker, Paulo Gorgulho, Luiz Carlos Tourinho, Edson Celulari, Marcelia Cartaxo 1998 Labirinto Minissérie de Gilberto Braga, com direção de Dennis Carvalho e no elenco Fábio Assunção, Malu Mader, Antonio Fagundes, Luana Piovani, Paulo José 1999 Um caso de vida ou morte Espetáculo reunindo três peças, escritas por David Mamet, Elaine May e Woody Allen, dirigido por Flávio Marinho, Marcos Alvisi e Gilberto Gawronsky. No elenco, Cláudio Marzo, Antônio Pedro e Alexandra Marzo Suave veneno Novela de Aguinaldo Silva, com direção de Ricardo Waddington e Marcos Schechtman e no elenco José Wilker, Irene Ravache, Glória Pires, Kadu Moliterno, Patrícia França, Letícia Spiller, Rodrigo Santoro 2004 Sexo, amor e traição Filme dirigido por Jorge Fernando com Malu Mader, Fábio Assunção, Murilo Benício, Alessandra Negrini 2005 América Novela de Glória Perez, dirigida por Jayme Monjardim e Marcos Scheschtman com Murilo Benício, Deborah Secco, Eliane Giardini, Caco Ciocler, Edson Celulari Bens confiscados Filme de Carlos Reichenbach, que Betty co-produziu e interpreta a enfermeira Serena. Ao seu lado no elenco, Werner Schuneman, Renan Augusto, Antonio Grassi 2006 Prepara um pocket-show, com roteiro de Maria Carmem Barbosa e direção de Luiz Salém Prêmios Troféu Helena Silveira, como atriz coadjuvante em Pigmalião 70; Troféu Vitorio de Sicca, como artista mais representativa do cinema brasileiro, Festival de Sorrento, Itália; Prêmio de Melhor Atriz no Festival do Novo Cinema Latino Americano, com o filme Romance da empregada, Cuba; Kikito de Ouro de Melhor Atriz, com o filme Anjos do arrabalde, Festival de Gramado; Troféu Candango, com o filme Perfume de gardênia, Festival de Brasília Prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema Ibero Americano, em Huelva, Espanha, com o filme Romance da empegada; Prêmios Air France de Cinema pelos trabalhos em Romance da empregada e A estrela sobe; Melhor Atriz no Festival do Ceará pela interpretação em Bens confiscados; Menção Honrosa como atriz em For All no Festival de Punta Del Este, Uruguai; Prêmio Stela D´Oro pelos trabalhos em televisão, Itália; Diversos troféus e prêmios por suas interpretações em televisão; Grande homenageada do Festival de Cinema Brasileiro de Miami, em 2006. Índice Apresentação -Hubert Alquéres 5 Introdução -Tania Carvalho 13 Tempo de maturidade 19 A gênese 23 Os anos 60 33 Os anos 70 65 O final dos anos 70 103 Os anos 80 121 Os anos 90 161 O novo século 191 O budismo 199 Segredos de atriz 205 Segredos de mãe 213 O que se falou sobre ela 221 Cronologia 233 Créditos das fotografias Demais fotografias -acervo Betty Faria Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Carlos Reichenbach e Daniel Chaia Braz Chediak - Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de DiMoretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Vittorio Capellaro comentado por Maximo Barro Carlos Coimbra - Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach - O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra Casa de Meninas Inácio Araújo Cinema Digital Luiz Gonzaga Assis de Luca Como Fazer um Filme de Amor José Roberto Torero Críticas Edmar Pereira - Razão e sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas Jairo Ferreira - Críticas de invenção: os anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas L. G. Miranda Leão Org. Aurora Miranda Leão De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Djalma Limongi Batista - Livre Pensador Marcel Nadale Dois córregos Carlos Reichenbach Fernando Meirelles - Biografia prematura Maria do Rosario Caetano Fome de Bola - Cinema e futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado - Um cineasta cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça Jeferson De - Dogma feijoada - o cinema negro brasileiro Jeferson De João Batista de Andrade - Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky - O homem com a câmera Carlos Alberto Mattos Narradores de Javé Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu O Caso dos Irmãos Naves Luis Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade por Ariane Abdallah e Newton Cannito Pedro Jorge de Castro - O calor da tela Rogério Menezes Rodolfo Nanni -Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Viva-Voz -roteiro Márcio Alemão Ugo Giorgetti - O Sonho Intacto Rosane Pavam Zuzu Angel - roteiro Sergio Rezende e Marcos Bernstein Série Cinema Bastidores -Um outro lado do cinema Elaine Guerini Série Teatro Brasil Antenor Pimenta e o Circo Teatro Danielle Pimenta Trilogia Alcides Nogueira - ÓperaJoyce Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso -Pólvora e Poesia Alcides Nogueira Samir Yazbek - O teatro de Samir Yazbek Samir Yazbek Críticas Maria Lucia Candeias - Duas tábuas e uma paixão Org. 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Maria Thereza Vargas Suely Franco - A alegria de representar Alfredo Sternheim Walderez de Barros - Voz e Silêncios Rogério Menezes Leonardo Villar - Garra e paixão Nydia Licia Carla Camurati - Luz Natural Carlos Alberto Mattos Zezé Motta - Muito prazer Rodrigo Murat Tony Ramos - No tempo da delicadeza Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel - O samba e o fado Tania Carvalho Vera Holtz - O gosto da Vera Analu Ribeiro Série Crônicas Autobiográficas Maria Lucia Dahl - O quebra-cabeças Especial Cinema da Boca Alfredo Sternheim Dina Sfat - Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Maria Della Costa - Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca - Uma Celebração Tania Carvalho Sérgio Cardoso - Imagens de Sua Arte Nydia Licia Gloria in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Formato: 12 x 18 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250 g/m2 Número de páginas: 264 Tiragem: 1.500 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Carvalho, Tania Betty Faria : rebelde por natureza / por Tania Carvalho. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. 264p. : il. – (Coleção aplauso. Série Perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 85-7060-233-2 (obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-456-2 (Imprensa Oficial) 1. Atores e atrizes de teatro – Brasil 2. Atores e atrizes cinematográficos – Brasil 3. Faria, Betty I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia : Representações públicas : Artes 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP T 00 55 11 6099 9800 F 00 55 11 6099 9674 www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 6099 9725 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual