Walmor Chagas Ensaio Aberto para Um Homem Indignado Djalma Limongi Batista Contém o texto integral do espetáculo Walmor Chagas, Um Homem Indignado São Paulo, 2008 Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emoções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram a mais volátil das artes, escrevendo dirigindo e interpretando obras primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitável reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as conseqüências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a própria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbolos da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa a resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira, no tempo e espaço da narrativa de cada biografado. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crítico ou denunciando preconceito seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos extrapolam os simples relatos biográficos, explorando – quando o artista permite – seu universo íntimo e psicológico, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade por ter se tornado artista – como se carregasse desde sempre, seus princípios, sua vocação, a complexidade dos personagens que abrigou ao longo de sua carreira. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente a nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Desenvolveram-se temas como a construção dos personagens interpretados, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleção e a opção por seu formato de bolso, a facilidade para ler esses livros em qualquer parte, a clareza de suas fontes, a iconografia farta e o registro cronológico de cada biografado. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que nesse universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Your talent is in your choices Stella Adler Capítulo I Persona & Labirinto de Um Homem Indignado Sou um ator de teatro eternamente à procura de um personagem cinematográfico que nunca chegou. E, enquanto Godot não chega, se distrai e ganha a vida com alguns maravilhosos personagens que o teatro ainda oferece. (trecho de Um Homem Indignado) Um homem ensimesmado, que num meio-tom de olhar parece nos dizer que sabe tudo, do mundo, de todos. Walmor Chagas, mesmo sem o cinema, construirá uma persona que é típica do ator cinematográfico, de um cinema que tanto buscou, que não lhe foi fiel. Cercado pelo esplendor da era cinematográfica do século 20, jovem em Porto Alegre, jovem aspirante a ator em São Paulo, Walmor Chagas sabe-se ator de cinema, estrela de cinema – isto sem contar que o cinema com que sonha simplesmente jamais existiu no Brasil. Desde que surgiu em São Paulo, em 1953, Walmor Chagas consegue forjar sua persona: um tipo cara-intelectivo, capaz de transmitir através do olhar pensativo a sensação e a idéia de poder. Pode conhecer todo o presente, o passado e o futuro dos acontecimentos ao seu redor. Trata-se de um penseroso perturbador, capaz de desvendar a alma do outro e os fatos. De exprimir o indizível. Homem belo, num tempo em que isso era ainda uma raridade social e étnica no Brasil, sabe de imediato localizar e construir a identidade de seu carisma. Inteligente e culto, encontraria no auge do Teatro Brasileiro de Comédia, o lendário TBC, a transposição daquele almejado universo cinematográfico do século 20. As encenações do TBC – e não os filmes da Vera Cruz – correspondiam exatamente ao anseio de um Brasil cosmopolita, industrializado, sincronizado com a vanguarda cultural do Ocidente. Por definição, uma estrela tem sua própria identidade: uma persona cinematográfica perfeitamente identificável. Que está intrinsecamente presente durante e para além de um filme particular em que atua. Por cinco décadas de carreira – para resumir no mínimo – brilhante, Walmor Chagas pairou sua filme-persona, estelar, acima de todos – mesmo sem o cinema... Walmor Chagas cria uma persona tão racional quanto angustiada. E, justamente porque este introspectivo e meditativo homem-intelecto desvenda o destino – é destino seu que se afaste do mundo. Compreende todas as fraquezas e subjuga-as – o que faz com que despreze o cul-de-sac humano até a náusea. Persona cerebral, talentosamente colocada a serviço de encontrar todas as matizes, jamais obliterando os meio-tons, que possam expressar e revelar os personagens que encarna, Walmor Chagas só pode parecer pairar em plano de superioridade. Mete medo e exerce fascínio em cena, atraindo para si o repúdio invejoso ou o estado de veneração hipnótica. Contendo as emoções, entretanto, transmite a sensação do sofrimento de sua sensibilidade aguda, da percepção do desastre do mundo, sem deixar-se nunca levar por auto-indulgência. É no olhar, como nos deuses gregos das esculturas clássicas, que Walmor Chagas revela-nos o turbilhão da alma, o labirinto. Ele é contenção e êxtase, beleza irrepreensivelmente clássica. Por isso a persona, que escolheu como ator, o coloca num patamar de modernidade só comparável ao da atriz que lhe foi cúmplice em tudo, em cena e na vida, Cacilda Becker. No Brasil, como ator, é o símbolo máximo da matriz ocidental – não só do comediante, mas da cultura que encarna. Daí sua indignação. E perenidade. Capítulo II A Formação de Um Homem Indignado Na infância, aprendi com um pai metodista, evangélico, e uma mãe católica de colégio de freira, que a vida é assim: um choque entre indivíduos com desejos diferentes. E cabe a cada um viver entre essas diferenças e tornar-se indiferente também. Foi o que fiz e sempre vi todos fazendo o mesmo: cada um cuidando de si. Mas é essa indiferença que me vem incomodando nos últimos anos. Como ficar sempre indiferente diante duma realidade que há mais de 70 anos me horroriza? (trecho de Um Homem Indignado) Walmor Vocação Chagas Walmor de Souza Chagas nasce a 28 de agosto de 1930, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Pelo sobrenome, de origem açoriana na mais nobre tradição gaúcha. De Noé e Adylles, nasce em casa. A mãe, auxiliada pela parteira dona Marta, a mesma dos nascimentos dos irmãos; é o segundo numa família de cinco filhos, Antônio, Walmor, Sérgio, Jussara e Iara. A casa, um casarão português na Baixa de Porto Alegre, à Rua Santo Antônio, nº 36, a mesma em que passaria toda a infância, traquinando ladeira abaixo no seu carrinho rolimã de madeira e jogando bola, num campinho de futebol bem à esquina. A mesma casa na qual veria morrer bebezinho seu irmão Sérgio, aos seis meses de idade, revelando-lhe brutalmente o inexplicável. Consta nas lendas que toda cidade erguida em estuário de um rio é sagrada. Porto Alegre soergue-se às margens do deslumbrante estuário do rio Guaíba, cercada de ilhas verdejantes e pequenos rios que ali deságuam. Walmor associa sua vida sempre à água. Embora seja do signo de Virgem (do elemento terra), crê que sua essência é ligada à água. Sente o cheiro da água, rastreia a água, e, sabe-se tão imponderável quanto vital – como a água. Uma de suas primeiras e também mais estarrecedoras lembranças acontece ligada à água: no foz do rio Jacuí, quando encontra o rio Guaíba, há um sítio, até hoje de propriedade da família. E, nesse sítio, um ancoradouro. Ali, suicidou-se um primo. Em gesto absurdo, talvez de puro gozo, entre descaso e fastio, ou desespero, tirou a dentadura, descalçou os sapatos, após arrumá-los lado a lado, atirou-se à correnteza forte do rio. Desapareceu, enlouquecendo a todos, nos braços dalguma iara... Em plena era getulista, Porto Alegre engrandecia-se, cada vez mais culta e altaneira, pólo meridional da Nação. Ao cotidiano enfadonho de um garoto que freqüenta o Ginásio Rosário durante todo o 1º ciclo, para, como também de praxe, transferir-se no científico para o Colégio Júlio de Castilhos, juntava-se o irascível e rigoroso cotidiano dos pais. Casal e família que se cunhou em molde da mais rígida monogamia vitoriana. Além dos folguedos da Rua Santo Antônio, são as súbitas aparições da avó materna, dona Clara Teixeira de Souza, que incendiariam a fantasia do menino Walmor. A avó Clara, embarcava no cais de Porto Alegre, portando malas enormes, nos imensos navios que se afastavam pelas águas do rio Guaíba, deixando a sensação – comprovada sempre em seus retornos – de que havia um mundo maravilhoso para além da lagoa dos Patos, mundo de verdade para além dos livros que liam ou discutiam juntos. Da avó Clara, que se hospedava no Hotel Majestic de Porto Alegre (hoje Centro Cultural Mário Quintana), Walmor guarda até a lembrança da janela do quarto onde ela ficava, acenando-lhe quando chegava para irem ao restaurante do prédio rocambolesco. Walmor adorava as batatas fritas, ao som da orquestra e de uma típica a tocar melodias inesquecíveis. A avó Clara, a primeira a acreditar que nele havia um ator, mais que isso, um grande ator. Quem lhe daria, tempos depois, toda força para que ele também tomasse um navio e viesse para São Paulo – e ser ator. A avó Clara, ainda mais, viria visitá-lo de trem quando Walmor tentava firmar-se na carreira em São Paulo. Ia buscá-la, mais a criada, quando chegavam do porto de Santos na Estação da Luz. Naquela construção de arquitetura monumental e britânica, em pleno Parque da Luz em São Paulo, em meio ao fervilhar da multidão nas plataformas, o ruído dos trens e dos alto-falantes – lá surgia, ainda mais cheia de vida, ainda mais farfalhante e iluminada, dona Clara. Uma festa encontrar a avó, quando ainda se sentia na metrópole um ninguém sem dinheiro algum... Outra felicidade: como todo mundo àquela época, sua família costumava freqüentar os cinemas de Porto Alegre. Iam juntos, sempre elegantemente trajados. Os Chagas sempre foram muito elegantes, ainda que sóbrios, como mandava o figurino austero da classe alta brasileira, voltada aos costumes europeus. Ainda no Júlio de Castilhos entra em contato, por meio dos movimentos estudantis promovidos pela UNE, com o Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul. Para uma manifestação promovida pelo Centro Acadêmico contra a Lei de Segurança Nacional, os alunos do científico também foram convocados. Na falta de um dos atores, convidam Walmor para integrar o elenco do TERGS, a fim de mais esquentar a manifestação no Cinema Carlos Gomes. Sim, ele aceita. No entanto, a apresentação não aconteceria: a polícia evacua o recinto antes do início da programação. A estréia fica apenas adiada. O jovem Walmor Chagas sabe disso, e permanece no Turg. É o ano de 1948, ele tem apenas 18 anos de idade, e logo estava ensaiando Antígona. A estréia se dá em agosto no principal teatro da cidade, o Theatro São Pedro – casa de ópera à maneira dos teatros municipais de muitas das capitais brasileiras, aqui em Porto Alegre ostentando sua rica decoração de maneira sóbria e refinada. São apenas duas falas. O bastante para que lhe viesse a sensação de que reaprendera a falar, sentir e agir. Que não poderia peitar a vida sem esse processo cognoscitivo totalmente seguro. Finalmente protegido do mundo para assim investigá-lo, imiscuir-se nele, interagir – protegido por uma quarta parede invisível. O teatro da vida poderia representá-lo, sim, mas no palco. Tinha escudo e armas, está pronto para enfrentar o mundo. Seríamos dois, eu e o meu outro eu, os únicos em quem confiar e a quem proteger. Ficaríamos cínicos para sempre à dor ou amor. Foi o que eu fiz, fiquei cínico diante da miséria humana e vivi sempre bem, dividido entre sexo e dinheiro. (trecho de Um Homem Indignado) Entre 1948 e 1952 continuou fazendo o Teatro do Estudante. Tenta ainda enquadrar-se: ingressa na Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica. Definitivamente, o escoteiro que tentara ser na infância fora nocauteado: é expulso da Faculdade de Filosofia por ausentar-se deliberadamente das aulas de Teologia. Entrementes, em 1951, organiza com amigos uma viagem ao Rio de Janeiro, com programada passagem por São Paulo. Ainda não é por navio, será de carro. Walmor Chagas, ao contrário do que pode parecer num primeiro contato, é criatura muito divertida. Sua inteligência rápida, sua observação certeira, sua desinibição ruidosa, pelo que consta, lhe vêm desde muito jovem. Essa viagem é mesmo a expressão desse temperamento. Porém, ele mal sabe que a descoberta fundamental de sua vida estaria no meio do caminho de tanto atrevimento e audácia juvenis em subir e descer serras, nessa aventura rumo à Capital Federal. De passagem por São Paulo, os três amigos devoram literalmente os espetáculos teatrais em cartaz. A proverbial petulância da juventude faz com que nada lhes pareça lá muito surpreendente; tudo, criam, igual ou até melhor realizavam eles mesmos, amadores, na longínqua província do Sul... Até que... ...Walmor assiste no Teatro Brasileiro de Comédia – o TBC, a atriz Cacilda Becker em Pega-Fogo, de Jules Renard, sob direção de mestre Ziembinski. Tudo se transfigura nele. Não chega ainda a conhecer nem Cacilda nem Ziembinski, mas é aqui que se dá o seu grande encontro com o Teatro. Através da mítica interpretação da atriz, Walmor Chagas conhece o transe da revelação, o chamamento de sua própria vocação: a arte de representar. No ano seguinte, 1952, apoiado pela avó Clara, despede-se dela no porto da capital gaúcha, e segue de navio até Santos; sobe a Serra do Mar; e, instala-se na cidade de São Paulo. Walmor Chagas decidiu para sempre ser ATOR. Capítulo III Performance para Um Homem Indignado Eu tinha alegria quando comecei a achar que havia encontrado meu lugar, qual era meu papel, minha missão, a gente nasce e morre por alguma razão, não é? Viver é uma missão. A minha era aquela, ser tão útil quanto um professor que merece respeito por ensinar como o ser humano é variado e o que ele tem ainda para aprender. (trecho de Um Homem Indignado) Walmor Carisma TBC Chagas 1953. Em São Paulo, seu primeiro trabalho profissional é na Companhia Vera Nunes, em Pancada de Amor, de Noel Coward, direção de Carla Civelli, com Ítalo Rossi e Vera Nunes no elenco. Na Cia. Vera Nunes funda o Teatro das Segundas-Feiras, com Civelli na direção e Rubem de Falco, Ítalo Rossi, entre outros, no elenco. Aproveitando o dia de folga da companhia, tiram o cenário para usar o espaço do palco. São todos jovens atores, buscam representar um bom repertório, tipo TBC – Labiche, Ugo Betti, Andreiev, entre outros. Queriam chamar atenção dos críticos... Ainda faz algumas aparições em montagens do Teatro Íntimo Nicette Bruno (Tinb). Mora numa casa de pensão, no Bixiga, bairro da capital paulista à Rua da Abolição, ao fundo do Teatro Brasileiro de Comédia (o TBC). Dividia o quarto com um grego eletricista e um químico que trabalhava nas Indústrias Matarazzo, dormiam todos em beliches; a mensalidade incluía as três refeições. Finalmente, o talento de Walmor Chagas é notado pelos diretores do TBC. Em 1954, ele é chamado para integrar o principal elenco de teatro do Brasil, com contrato fixo, salário mensal, tempo integral para dedicar-se aos ensaios. E, assim estréia em Assassinato a Domicílio, texto de Frederic Knott (no qual se baseia Disque M para Matar, o filme de Hitchcock), contracenando com Cleyde Yaconis, sob direção de Adolfo Celli. Não é só a estabilidade financeira, a melhora das condições de vida. O TBC proporciona-lhe, sobretudo, a grande chance de profissionalização e de estudos da técnica de interpretação. O TBC é o grande laboratório do ator moderno brasileiro em sua formatação. Lá estavam todos aqueles que Walmor mais admirava: Sérgio Cardoso, Paulo Autran e Cacilda Becker. Entre os diretores italianos, Adolfo Celli, Ruggero Jacobbi, Gianni Ratto; mas é o polonês Ziembinski com quem Walmor Chagas terá o aprendizado maior da técnica de interpretação exímia, que foi desenvolvendo ao longo de sua carreira. O mestre do teatro brasileiro – que já carregava com ele a genial montagem, anos antes no Rio de Janeiro, de O Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues – aplicava o método de Stanislawsky e ensaiava seus discípulos com rigor. Com ele, Walmor aprendeu colocar a voz, pronunciar com absoluta clareza e da maneira mais rápida as frases de um texto sem jamais perder as intenções do personagem, buscadas no âmago da alma, arrancadas na vivência, transferidas da memória afetiva do ator para o personagem que interpreta. Sem perder o acúmulo dessa emoção de uma cena para outra – técnica essencial para quem desejava tornar-se um ator de cinema, em que as filmagens não obedecem à ordem cronológica do script. Desespero da estrela do TBC, Cacilda Becker, ela assim relataria para o jovem a quem começa a tornar-se amiga, quando retorna das filmagens de Floradas na Serra, de Luciano Salce. Cacilda chega mesmo a comentar que não era possível atuar em cinema. Justo por causa do esfacelamento do tempo nas filmagens, por meio de tomadas... Entretanto, pouquíssimas interpretações como a dela em Floradas existem no cinema brasileiro – se comparáveis a sua capacidade de nunca perder o personagem de tomada a tomada, de seqüência a seqüência. Perfeição semelhante talvez só alcançada pelo próprio Walmor Chagas, quando protagoniza São Paulo S.A., filmado dez anos depois. No TBC, fazia-se um teatro de repertório e, no ano de 1955, Walmor participa de várias dessas montagens: Santa Marta Fabril S.A., de Abílio Pereira de Almeida, direção de Adolfo Celli; a terceira peça, Volpone, de Ben Jonson, dirigida por Ziembinski. Ainda sob a batuta de Ziembinski, pela primeira vez , Walmor contracena com Cacilda Becker, em Maria Stuart, de Schiller. A seguir, toma parte do elenco da remontagem de Os Filhos de Eduardo, de Marc-Gilbert Sauvajon. 1956 começa com Eurydice, de Jean Anouilh, direção de Gianni Ratto, novamente com Cleyde Yaconis. Segue-se Gata em Teto de Zinco Quente, direção de Maurice Vaneau; é só então, durante os ensaios da peça de Tennessee Williams, quando Walmor e Cacilda iniciam o casamento, que duraria 13 anos. Walmor é Brick e Cacilda é Maggie, na obra-prima da dramaturgia moderna e americana, escândalo mundo afora, não menos no Brasil. Acrescido do fato de que a paixão de Walmor e Cacilda vem a público, incomodando de cara porque ela já fora casada duas vezes, tinha um filho, nascera em 1921, e Walmor nove anos mais moço, mesmo agora tendo o papel principal masculino numa peça do TBC, perto da diva, podia ser ainda considerado aprendiz de feiticeiro. Ademais, Walmor Chagas era bonito demais, petulante demais, narciso demais para ser prezado como confiável... A crise é de tal monta que atinge o âmago do TBC, já desfalcado com a saída das estrelas Sérgio Cardoso e Nydia Licia (para fundarem a Cia. Nydia Licia-Sérgio Cardoso); Paulo Autran e Tonia Carrero, que com Adolfo Celli por sua vez fundariam sua própria companhia. Mesmo que novos atores e diretores, como o estreante Raul Cortez (levado ao TBC pelo próprio Walmor) e jovens talentosos diretores, como Antunes Filho e Alberto D’Aversa, pudessem dar novos rumos ao TBC. Entretanto, a crise financeira de Franco Zampari, provocada pela falência dos estúdios cinematográficos da Cia. Vera Cruz, e o surgimento dos novos grupos teatrais, Arena e Teatro Oficina, ameaçam definitivamente a estabilidade do TBC. Apesar de tudo, no ano seguinte, 1957, Walmor ainda faz no TBC: As Provas do Amor, de João Bittencourt, direção de Maurice Vaneau; A Rainha e os Rebeldes, de Ugo Betti, também dirigida por Vaneau; o próprio Walmor dirige no Teatro Experimental do TBC, feito às segundas-feiras, Matar, de Paulo Hecker Filho. E, Adorável Júlia, de Marc-Gilbert Sauvajon, direção Ziembinski, a última peça de Walmor, Cacilda e Ziembinski no Teatro Brasileiro de Comédia, que deixam para fundar sua própria companhia, o TCB. Walmor tornar-se-ia doravante um verdadeiro gato escaldado em telhado de zinco quente. Walmor Glamour TCB Chagas Me sentia um arauto da inteligência, com a literatura dramática fazendo a nossa cabeça. Eram os americanos lá na tela, com seus filmes, e nós no palco, resistindo, fazendo teatro. (trecho de Um Homem Indignado) Walmor reinventa-se para reinventar Cacilda. Ou Walmor reinventa Cacilda para inventar-se. Vice-versa. Precisam, ambos, adaptar-se aos rumorosos tempos novos. Precisam um do outro. Precisam-se. O fato é que Walmor Chagas tem adoração por Cacilda Becker. E ela por ele. Cabendo-lhe o papel de empresário, a antipatia sobraria inevitavelmente para ele. O movimento entre os dois será como um Big-Bang, a explosão primordial, na cosmologia da cena brasileira. Por 12 anos viveriam juntos, o mais duradouro casamento dos dois. Investindo vultosa soma emprestada ao pai, Walmor torna-se empresário da atriz e alavanca o TEATRO Cacilda Becker, cuja sigla TCB resta como um anagrama-homenagem ao TBC que os unira. Há, como no TBC, um elenco permanente, mas só que pequeno, mais um núcleo (vieram com eles do TBC Cleyde Yáconis e o fotógrafo e ator Fredi Kleemann, sempre um amigo muito próximo de Walmor); há como lá uma alternativa entre um repertório comercial – capaz de gerar lucros na bilheteria – e um repertório de vanguarda. Entretanto, é neste último que Walmor aposta para Cacilda o trunfo, é o que ele almeja para o TCB. Impulsionado pela onda nacionalista, consegue textos de dramaturgos brasileiros em evidência – tal como Ariano Suassuana e Abílio Pereira de Almeida – escritos especialmente para ela. Walmor ousa dirigir peças; comanda turnês pelo Brasil e pela Europa. Briga com Ziembinski muitas vezes – por ela. Briga com todos, cunhada, sogra, amigas, amigos, irmãs, técnicos, críticos – por ela. No entanto, a cumplicidade de Walmor e Cacilda é total no plano artístico. Confunde-se com o amoroso, despedaça-se entre sucessos e fracassos, erros e acertos. Mas, se neles tudo é público, ainda mais: tudo lhes é absolutamente extraordinário. Poderia ser como em qualquer casal. Começar e terminar como o casal da upper-class de Gata em Teto de Zinco Quente, perplexo diante da explosiva plurissexualidade humana, apesar de todos os tabus. Começar e terminar como o casal de ...Em Moeda Corrente no País, a classe-média estarrecida sob a tensão de um país que se industrializa. Poderia ser como um casal da intelligentsia americana, pessimista e amargurado pela consciência da culpa do mundo de Quem Tem Medo de Vírgina Woolf?. Ou como o casal de estrelas, tão adoravelmente frívolo quanto old-fashioned style, da quase paródia que fariam de si mesmo em Isto Devia Ser Proibido. É um grande casal, como César e Cleópatra. É insolúvel, como A Visita da Velha Senhora de uma família, pela Jornada de um Longo Dia Dentro da Noite... Ou como os indivíduos-mendigos, de Esperando Godot, dilacerados pelo absurdo da existência até a ruptura da morte. Com sua vida e arte unidas, Walmor e Cacilda interferem juntos no comportamental do Brasil. Dilaceram os papéis sociais. Extrapolam os papéis do masculino e do feminino à época da revolução sexual do mundo. Antecipam o próprio conceito de família, tal como hoje se impõe, no primórdio deste século 21. O mais fantástico é que nada disso acontece debaixo de gritos e cantos políticos, ou a golpes publicitários de mídia. Sabe-se tudo deles, mas como se divulgado por meio de um hermes subterrâneo, que expõe do fato seu autêntico a touch of class. Há em Walmor Chagas e Cacilda Becker um explícito e elaborado glamour jamais alcançado por outros atores no Brasil. Sem nunca imitá-los (ainda que admirandoos com certeza), correspondem algo como aristocracia de Hollywood, representada por Spencer Tracy-Katherine Hepburn, Humphrey Bogart-Lauren Bacall, Laurence Olivier-Vivien Leigh, Richard Burton-Elizabeth Taylor. Como eles balançavam o coreto da América, assim Walmor-Cacilda rompiam as estruturas do Brasil. Recusariam sempre a caretice oficial, fosse da ditadura histérica, fosse da recémformada platéia esquerda festiva. Mas estavam lá, sempre que preciso fosse, para defender a classe teatral e as artes, nos momentos de protesto, nas decisões pela liberdade. Emblemáticos, o casal monta um apartamento de cobertura, duplex, na Av. Paulista – a avenida que logo se transformaria em símbolo da megalópolis. No edifício Baronesa de Arary, bem ao lado do Masp (Museu de Arte de São Paulo) e em frente ao Parque do Trianon, numa ampla sala de estar, Walmor e Cacilda equipam um pequeno teatro (que por ser um espaço privado e sem cobrar ingressos, ficava livre da censura), onde eram lidas as peças proibidas. Lá, Plínio Marcos, depois de ver banida dos palcos pelos censores da ditadura militar, estrearia sua Navalha na Carne. Nesse apartamento ficaram refugiados o então cenógrafo Flávio Império e o ator Paulo José, ambos do Teatro de Arena. Flávio Império costumava contar desses dias – sempre com muita admiração, deixese bem claro – de como o casal jamais abandonava suas personas de estrelas. De como, já ao café-da-manhã, recebiam os refugiados elegantemente trajados, ela toda maquilada, ele com um papo bem-humorado, a desanuviar a tensão que pairava no ar – o apartamento poderia ser invadido pelo Exército a qualquer momento. Houve um pacto no teatro-da-vida de Walmor e Cacilda – certamente guiado racionalmente por ele, porém intuído e por ela motivado – que era de prospecção profunda, anticonformista, brutalmente ameaçador a si mesmos. Que fosse. De fato, uma grande recusa, autenticamente revolucionária, que deixaria marcas profundas no teatro e na atitude da intelligentsia brasileira. São 26 peças encenadas pelo Teatro Cacilda Becker em apenas 10 anos de existência do TCB. Delas, quatro seriam dirigidas pelo próprio Walmor, várias iluminadas por ele. Todas elas produzidas por ele. Das 26 encenações, 13 foram também interpretadas por ele. Walmor crescia como ator, não servia apenas de sustentação para a estrela. E, dirigindo o maior sucesso de público do TCB, ...Em Moeda Corrente no País, de Abílio Pereira de Almeida, Walmor Chagas, no papel de Guimarães, chega mesmo a ofuscar Cacilda. E, se Cacilda tem em Quem Tem Medo de Vírginia Woolf?, de Edward Albee, 1965, direção Maurice Vaneau, o ápice de toda sua carreira, no papel de Marta, é também porque Walmor como Jorge, está a altura de sua partner genial. Walmor a levou pessoalmente ao Hospital São Luís. Carregou-a nos braços, acompanhou-a na ambulância. Ficou ao seu lado nos 38 dias em que Cacilda sobreviveu. Seu desespero só aumentava cada vez mais. Como se não bastasse, em torno da agonia dela vai-se montando um circo de morte. Atingiu seu nível mais insuportável na saída do féretro do hospital: à hipocrisia de ver pessoas que foram cruéis ao extremo com Cacilda em vida, segurando agora compungidas a alça de seu esquife, Walmor deu meia volta, e recusou-se a ir ao cemitério. Foi seu gesto mais radical de amor a ela. Continuavam, assim, unidos. A compactuar total repúdio à superficialidade, ao sentimentalismo e à perfídia da hipocrisia. Sempre souberam que grande ator algum pode ser falso. Larga no velório apenas um ser inanimado. Deixem que os mortos enterrem seus mortos, lembrou-se da imprecação bíblica provavelmente dita por ela mesma nalguma peça. Ele deixara de acreditar em Deus há muito tempo, continuaria ateu sempre. Buscou Maria Clara, a filha de cinco anos que estava com a amiga maior de Cacilda, Maria Thereza Vargas, no apartamento do Baronesa de Arary (para só voltar ali anos mais tarde, por questões judiciais...) e levou-a para debaixo do imenso vão de concreto do Masp, e chorou agarrado à menina. Não sabia como explicar à criança o patético da vida, talvez fosse melhor dizer-lhe o que todo mundo sempre fala: que a mãe havia partido pro céu, era uma estrela de Deus. Em vez disso, saiu-lhe que a mãe virara água... Ela devia mesmo estar festejando com seu Deus. Cacilda, cada vez mais católica, passava suas angustiadas horas debruçada sobre Theillard de Chardin; para ele, um aborrecimento. Entretanto, sabia-o e muito bem que era uma religião baseada no perdão, na misericórdia plena. E, como ele precisava desse perdão! Ele setenta vezes sete pecador, ela setenta vezes setenta mil tão-somente humana a perdoá-lo... Contemplou o vale do Anhangabaú, ladeado de arranha-céus, lembrou-se que ali correra um rio... Cacilda morrera, e ele estava irremediavelmente vivo. Cacilda não veria o triunfo da arte de interpretar tal como ela – e ele, Walmor, mais todos os pioneiros atores do TBC, havia desvendado e codificado, implantada no Brasil definitivamente pela poderosa indústria da telenovela. Ela não saberia que Cacilda Becker havia de se transformar no maior mito entre todos os atores do Brasil. A pedra tantas vezes rejeitada tornar-se-ia a pedra angular – como no mais profundo de sua crença. Ele, Walmor Chagas, teria de ver, viver e passar a conviver com um passado subitamente tornado lenda, uma História que, casualmente, também era a sua própria História. Como o Carlos, personagem que encarnara no único filme que protagonizou, São Paulo Sociedade Anônima, era preciso recomeçar... recomeçar... mil vezes recomeçar... Recomeçar. Capítulo IV O Ator Genial a Caminho de Um Homem Indignado Walmor Movie Star São Paulo S.A. Chagas Walmor Chagas ainda está no auge de seu conturbado relacionamento com Cacilda Becker, em 1964, quando finalmente o Cinema o chama. Para o primeiro longametragem no Brasil de um jovem que acabara de fazer o Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma, Luís Sérgio Person. São Paulo Sociedade Anônima (1965) não só carrega em si todos os estigmas da cidade de São Paulo, como os encarna na persona que Walmor Chagas escolhera para si como ator. Radicalmente, o filme de Luís Sérgio Person expressa a tensão de uma cidade latinoamericana prestes a se tornar cosmopolita e megalópolis, em sua explosão industrial-financeiro-demográfica, poderosa e fatal como uma górgona hipnótica, capaz de sugar a alma e petrificar o corpo. Metrópole a qual se ama e odeia, se quer largar e tem-se sempre que voltar – e recomeçar... Nem a Cidade do México, ou Buenos Aires, Caracas, nem o Rio de Janeiro produziram filme tão impressionantemente identificado com esse momento. E, ainda mais raro, a formação de sua classe dominante – assunto tabu numa cinematografia que é sempre aplaudida, internacionalmente, quando expõe (quanto mais brutalmente melhor) a classe pobre e pra lá de oprimida. Nem sendo paulista, Walmor Chagas consegue com sua singular persona, montada quando chega a São Paulo, identificação completa com a cidade e o mais simbiótico de seus filmes. Aliás, para São Paulo S.A. ser absoluta e visceralmente paulista só houve uma falha na escolha do elenco: para a personagem da suicida, aristocrata e solitária Hilda, só Cacilda Becker poderia ter sido escalada. Com aquela voz rouca, aquele ríctus neurótico no rosto anguloso, todo seu gestus inigualável do maior talento de todos os tempos entre os atores do Brasil – ela seria a intérprete perfeita para a resposta, individualista e suicida, à cidade de São Paulo. Não há na história do Cinema Brasileiro (excetuando-se os bandidos atuais e os heróis míticos regionais, ou não) criação de tipologia humana mais definitiva que a de Walmor Chagas como Carlos em São Paulo S.A.: define o padrão do executivo paulistano até hoje, em interpretação tão soberba quanto das melhores dos melhores atores do Actor’s Studio, ídolos de sua época. A persona de Walmor finalmente encontra o veículo ao qual se destinara. E, assim, contextualizada, confunde-se com a própria personalidade de sua criação, Carlos, que se deixa arrastar pelas circunstâncias como um mal necessário (ele se refere ao amigo industrial dessa forma), mas que logo resolve – racionalmente – tomar as rédeas de seu destino, de sua vida; mesmo que isso lhe custe a angústia da liberdade. É um herói profundamente individualista e angustiado. E, como Walmor, jamais autodestrutivo. Em Walmor, aliás, há uma das características mais arraigadas a São Paulo: estar na vanguarda. Não haveria sequer a obra-prima do cinema brasileiro, o filme Terra em Transe (1967) de Gláuber Rocha, se antes não fosse realizado São Paulo S.A. De pronto, isso se revela na escalação do elenco: os protagonistas/antagonistas são atores oriundos do TBC, Paulo Autran e Jardel Filho. Sendo que o primeiro ator convidado pessoalmente por Gláuber para viver o poeta Paulo é Walmor Chagas. Sendo que Gláuber Rocha, anos antes, no seu livro-bomba Revisão Crítica do Cinema Brasileiro (63), abjura o TBC e todo o seu elenco, amaldiçoando para toda a vida sua estrela maior, Cacilda Becker, junto aos diretores do cinema brasileiro, tratando-a como antiquada, anticinematográfica, não-fotogênica... Como se ela personalizasse a estética da Cia. Cinematográfica Vera Cruz que ele odiava. Reiterando a mesma opinião com que bombardeara, ainda em 1959, a passagem do TCB por Salvador, naquela época certamente sob forte influência de seminários que o Teatro de Arena de São Paulo acabara de fazer por lá. Provincianamente, no seu feitio parcial e passional, Gláuber rejeitava a companhia paulista de Walmor, o TCB, como expressão de conservadorismo. Ecos disso ainda soariam anos depois, em fins de 68, quando Caetano Veloso grita o nome de Cacilda Becker no Tuca de São Paulo, ferindo mortalmente a atriz (contraditórias são, até hoje, as interpretações a respeito do grito revoltado de Caetano. Há, inclusive, a versão do próprio, em Verdade Tropical, 1997, no qual pretende deixar claro sua admiração e desejo de homenagear Cacilda. Não foi isso que ela, Walmor e amigos entenderam na época. Na gravação, por causa da estrondosa vaia, não se escuta bem a voz de Caetano para se medir o grau da dubiedade de intenções implícita, à maneira tropicalista). E, Walmor – o apaixonado pelo cinema, e até publicamente elogiado por Luís Buñuel por ocasião do prêmio de São Paulo S.A. no Festival do Filme de Acapulco, México (logo Buñuel, o mais caro dos cineastas ao gênio de Gláuber Rocha!) – pois Walmor Chagas recusa o papel principal de Terra em Transe. Magoar a Cacilda Becker era o mesmo que magoá-lo, tanto e sem possível relativização. Em vez de fazer o filme, Walmor continuou a excursão do TCB pelo interior do Rio Grande do Sul. Com sua Cacilda. Com seu teatro. Contratando jovens e maravilhosos atores gaúchos – Linneu Dias, Lílian Lemmertz, Amélia Bittencourt, técnicos como Aurélio Teixeira, escritores e dramaturgos, como Paulo Hecker Filho. Pode-se imaginar como seria Terra em Transe com Walmor Chagas... Certamente haveria um ator tão atormentado quanto se supõe o poeta do filme. Mas, racional. Cerebral, portanto o reverso da mesma moeda de Diáz, o ditador reacionário, frio e calculista, vivido soberbamente por Paulo Autran, cuja amizade pelo poeta revolucionário Paulo é o cerne mesmo do filme. De fato, com Walmor Chagas o filme seria, curiosamente, mais político... Mas com Jardel Filho no papel, o poeta Paulo torna-se tão-somente carnal, sexual, e Gláuber acaba por imprimir a Terra em Transe o seu involuntário e maior enigma: de ser até hoje do cinema brasileiro, o filme mais gay. Walmor Chagas só voltaria a ser chamado a filmar dez anos depois, para Xica da Silva. Continuaria assim, em suspenso, a sua já agora comprovada identidade de perfeito ator cinematográfico. Walmor Hamlet Living O Labirinto de Hamlet Chagas Um último conselho de macaco velho: não faz Shakespeare. É um carroção que só deve ser puxado por gente jovem, por amadores. (trecho de Um Homem Indignado) Sua dor era grande demais. Precisava do teatro, da cena e do público, de uma companhia, da companhia dos atores, dos ensaios, das luzes, das máscaras, vestes... Precisava de um texto para a catarse dessa dor. Do maior deles, do Hamlet, de Shakespeare. Príncipe das dúvidas, ei-lo outra vez em cena. Porém, ao contrário do que supôs, tudo lhe era miserável e só aumentava a angústia. A começar pela fala. Não que a tradução de Geir Campos fosse ruim; entretanto, perdiam-se os efeitos estilísticos da prosa poética original na transcrição para o português. Restava o tour-de-force de fazer inteligível o longo enredo. Nada do jogo fonético, da expressividade e musicalidade da frase – intrínsecos à escritura da obra máxima da dramaturgia do mundo moderno. Em português, detonava-se toda possibilidade técnica para se cantar o texto, como o faria um ator inglês... Tornavase tedioso e irritante. Entretanto, nada o irritava tanto quanto si mesmo no papel de Hamlet. Algo lhe faltava em cena. Todos lhe faltavam em cena – tão bons atores, tão amigos, tão gentil e inteligente diretor, uma megaprodução, e... Sentia um vazio abismal, sem que isso o motivasse como ator. Nada adiantava: faltava um raio que lhe atingisse e que ele pudesse estremecer, incandescer e revidar com outro raio, sagrado agone... Faltavalhe Cacilda em cena. Mas disso ele só foi capaz de atinar muitos anos após a estréia. Hamlet traumatizou-o. Era preciso encontrar outros caminhos, alternativas no teatro, outros teatros. Vivia-se a guinada radical para o teatro sem texto, físico, de expressão corporal ligado à dança e ao cinema. O Living Theatre baixa no Brasil, e, mesmo não se apresentando, perturba a cena já tomada pelo transe da tropicália. Walmor Chagas oferece uma festa ao grupo e à classe teatral em sua nova morada na Vila Mariana, bairro de São Paulo. A pequena casa superlota. Os americanos do Living Theatre abalam, hiperexibicionistas com suas roupas coloridas hippies, os rostos pintados, as danças a roçar corpos seminus no meio da sala e em meio ao fumacê de todos os tipos de cigarro. Maria Clara, a infanta, de vez em quando escapa do quarto que lhe foi reservado passar a noite, mas não quer voltar. É recolhida entre as recatadas atrizes brasileiras e o circunspecto crítico Sábato Magaldi do jornal mais badalado da época, que, amedrontados, refugiavam-se na cozinha, nos canapés e nos copinhos da singela coca-cola – ali, a festa era aniversário de criança; no resto da casa fervilhando, a contracultura. Walmor já tinha então os cabelos ouriçados, todos brancos, aureolando a face angulosamente fotogênica; muito magro, adaptara-se completamente ao biotipo do início dos anos 70 e aparecia cada vez mais belo. Olhava aquela multidão em sua casa, correspondia a todas as vibrações; por dentro raciocinava por onde seguir: textos em português! A saída, talvez: só encenar textos escritos por brasileiros, contemporâneos... Nem importava, se bons ou ruins... Havia uma geração nova de dramaturgos, leria todos... Ou, quem sabe, dizer poesia. Ah, a poesia! Sempre foi começo da articulação da linguagem artística de toda civilização... – Meu amigo, o que não é teatro? Tudo é teatro! (trecho de Um Homem Indignado) Walmor Chagas estava convencido, e Flávio Império idem – e o Living Theatre era a prova disso – de que qualquer pessoa poderia tornar-se um ator. Bastava ter conhecimento de sua própria história, o movimento interno de suas emoções, o controle físico de seus movimentos e gestos, a capacidade de quebrar tabus e expor-se publicamente... Propunham-se tornar isso viável, rapidamente, com o suporte do psicodrama, que usava para fins terapêuticos das técnicas que os dois, ator e diretor, dominavam com perfeição – aquelas do teatro. Flávio Império, baseando-se em texto de Brecht, com o Teatro Universitário Paulista -Tusp, usando mais ou menos as mesmas técnicas aplicadas a atores praticamente amadores, em Os Fuzis de Dona Tereza, obtivera um espetáculo surpreendente. Walmor ansiava pela incursão ao mundo cênico desestruturalizado, e os dois unemse a José Gaudêncio, um dos proeminentes psicanalistas que aplicavam o método de Moreno, o psicodrama. Bastou correr a notícia pela cidade – e o mundo era tão pequeno àquela época! – que o grupo experimental estava formado. Disposto a uma vivência, que, em no máximo três meses, redundaria em grupo tão coeso e influente quanto The Living Theatre e num espetáculo teatral... Dirigido pelos geniais Flávio Império e Walmor Chagas. Havia tanta gente querendo fazer parte, parecia que a classe teatral inteira fora convocada para uma (em desuso, agora no início dos anos 70) antiga passeata. Veteranos do restaurante Gigetto, aspirantes dos restaurantes Piolim e Eduardo’s, ha-via de tudo: atores e atrizes de todas as facções (a cena brasileira desintegrava-se - e a morte de Cacilda Becker coincidira ser marco nesse processo desencadeado pelo Ato Institucional nº 5), bailarinos & bailarinas, psiquiatras, fotógrafos, estudantes da EAD (Escola de Arte Dramática), da recém-criada ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes), da tradicional FAU/USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), atletas da Escola de Educação Física, pesquisadores das artes cênicas, cantores de ópera, curiosos... Houve que se colocar um limite, tanta era a procura. Exercícios extenuantes, laboratórios excitantes, psicodramas onde todo mundo representava, over do over, e ninguém acreditava – a não ser o perplexo psicanalista, que não conseguia distinguir o que era teatro do que seria, afinal, verdade. São célebres as performances da bailarina Marilena Ansaldi, os gritos trocados entre Beatriz Segall e Tereza Rachel e, juntas aos berros, com a pesquisadora Heloísa Margarido, então jovem e bela namorada do próprio Flávio Império. Até Walmor atirou-se um dia no centro da imensa roda, rolou, suspirou, chorou, cantou, tentou desestruturar-se, encontrar uma saída, exorcizar os fantasmas, mas tirando um coro feminino – Marilena Ansaldi, Marília Pêra, Zezé Motta, Vivian Maar, que se ajoelharam e o envolveram nos colos como se fossem uma só Pietà, e choravam e afagavam-no... – nada mais aconteceu de tão extraordinário. Sobretudo, nenhuma proposta, individual ou coletiva, conseguia ser engendrada para surgir um espetáculo. Quase desistindo, Walmor partia para passear na noite com Odete Lara (também fazia parte do grupo). Ela, vestida em roupas ciganas (compradas na boutique de Leila Diniz, em Ipanema, no Rio) e transparentes, descalça; ele trajando justíssimas pantalonas negras, sapatos pretos de verniz. Não havia em todo o Brasil casal mais estiloso e lindo: do apogeu de seus 40 anos desfilavam pela Galeria Metrópole, então o point chic e gay de São Paulo, sob olhares cobiçosos e invejosos. Não tardou, e pequenas tribos foram-se formando e digladiando-se no interior do grupo experimental – que nunca chegou a ter nome. Numa entropia cada vez mais impossível de ser contida por seus idealizadores – mesmo que na ioga aplicada pela jovem atriz Bri Friocca houvesse até gente levitando... – o Grupo-Sem-Nome implodiu! Como golpe de misericórdia, deu-se a cena mais comum naqueles anos de repressão absoluta aos direitos do cidadão: por denúncia de vizinhos, à cata de subversivos, a polícia política invadiu o galpão alugado para os laboratórios e exercícios físicos (as sessões de psicodrama eram na clínica do próprio Gaudêncio). O estrondo foi impressionante, Myrian Muniz pôs-se exageradamente a gritar e todos riam, achando que a imensa porta sanfona, de metal, desabara de podre... Para terror de todos, atrás da porta literalmente arrancada, entrincheirados em meio à nuvem de poeira, surgiram os policiais. A turma mais assanhada, pega com uns cigarros de maconha nas mochilas, só foi possível soltá-los graças à intervenção de um delegado namorado do namorado da Marília Pêra em pânico (pouco tempo antes, a jovem atriz havia sido espancada em Roda Viva por grupo paramilitar de direita). Do ponto de vista psicanalítico, de certa forma deu certo: todos rumaram para suas casas, caíram dentro de suas vidas, encontraram suas próprias identidades. Mas não restou nada do grupo teatral, muito menos espetáculo experimental... Walmor Chagas, entretanto, escolheu um dos caminhos do labirinto: decide abandonar tudo, voltar ao torrão natal, quer viver como gente comum, gente-como-agente, gente normal doravante. Precisava parar, fazer um balanço da vida... Isso tudo aconteceu no século passado, antes do advento da peste. Findava a Idade de Ouro do Século 20. E, sem que ninguém percebesse, se inicia o processo de globalização do planeta. Walmor Pessoa Chagas Ainda não sei bem quem me trouxe para cá, pode ter sido alguém da família que achou que eu estava louco quando dizia, quando a família se reunia, que para mim a vida estava ficando um filme velho rodando, rodando com imagens novas. Eu seria mais um a olhar a miséria humana como se fosse de uma câmera, desligado do horror. (trecho de Um Homem Indignado) Quando se é artista, e muito se trabalha, em dado momento vive-se inevitável crise existencial, aquele momento em que o mundo todo ao redor – o mundo de verdade – acaba parecendo sadio, melhor e mais normal. Há uma espécie de aquiescência da alma, é o tempo de repouso do guerreiro, do paraíso pré-natal reencontrado... Até que se perceba que o teatro das relações sociais é muito mais louco de atuar, pois, ainda que muito mais previsível, não há técnica para vivê-lo, muito pior de representar, e todos os conceitos de normalidade assemelham-se aos do caos da natureza concebida supostamente sábia... Walmor Chagas comprou um sítio próximo a Porto Alegre, porque dali por diante, em Viamão, viveria para sempre... Reuniu em alegria os parentes para almoços, o pai (hoje o único falecido), a mãe, as irmãs, os cunhados, o irmão e a cunhada, os sobrinhos, as tias, os amigos, o amigo mais querido, escritor Paulo Hecker Filho e sua bela esposa... Cães, gatos, papagaios, micos, pássaros. Para ser muito franco, tal a carência afetiva que nem era o colo da mãe que Walmor buscava, era o colo da vovó! Da avó querida, Clarinha – e, lá estava ela, sorridente, feliz. No olhar sábio, algo como avizinhando o futuro parecia entender benévola: é fase, passa. Walmor Chagas estava decidido, ele mesmo faria seus pequenos filmes. Comprou uma câmera super-8, filmou-os todos com sua câmera, naquele idílico, terno e promissor reencontro. Filmou muito a Maria Clara cavalgando em pôneis, amazona precoce. Nunca abandonaria a filha, para onde fosse, sempre a levou, menina, mocinha, mulher... Naquele momento, parecia que, no seu próprio núcleo de infância, poderia dar uma família à menina Clara. Mergulhou novamente nas águas do rio Jacuí, onde aprendera a nadar na infância. Recarregou as baterias, reciclou-se – e entediou-se. Numa noite estrelada, numa manhã luminosa, de repente o tédio esvaziando profundamente o monótono jogo teatral da província, o edípico e insolúvel jogo teatral familiar, o intragável jogo teatral para dirigir ele mesmo seu sítio – lidar com a infinita pequenez do cotidiano de tudo... Percebeu a urgência de correndo retornar pelo corredor que o fizera chegar até ali, novamente um caminho do labirinto a sufocá-lo. Reencontrar a saída, não mais para voltar atrás, mas saltar adiante... Precisava reencontrar a linguagem, a elaboração da beleza, as artes – sua verdadeira vida. A poesia! A poesia sempre fora o começo de tudo. Podia ser agora o recomeço... Leu e releu todos os poetas lusófonos – portugueses, brasileiros, africanos. Apaixonou-se perdidamente pelos mais atávicos, Camões e Fernando Pessoa. Bolou cinco récitas, e saiu dizendo seus poemas pelos pampas afora, com direção de Paulo Hecker Filho. Até apresentou as récitas na televisão de Porto Alegre. Foi tal o sucesso que Walmor, muito entusiasmado, ligou ao Flávio Império em São Paulo, sugerindo que montassem juntos uma... espécie de recital... de performance – mas só com poemas, coisa pequena, coisa simples... O cinema veio em seu socorro, e apressou a decisão: vendeu o sítio de Viamão e rumou para Diamantina, Minas Gerais, com a menina Clara. Decididamente o seu mundo, o universo de Walmor Chagas nunca haveria de ser domado, domesticado, não cabia na familiaridade do super-8mm. ... E é no 35 mm, na tela gigante e em cores, que novamente sua persona cinematográfica – intacta! – brilharia e abrilhantaria Xica da Silva, de Carlos Diegues. Reencontrava a jovem Zezé Motta (que fizera parte do Grupo-Sem-Nome dois anos antes), agora Xica. O refinamento de Cacá Diegues soube aproveitar a persona de Walmor Chagas com maestria: no registro dos meios-tons, Walmor antecipava toda a tragédia do culto Intendente português enlouquecido pela escrava, e afirmava esse amor apaixonadamente. A nobreza de sua interpretação acentuaria o contraste, garantindo à atriz protagonista o acerto nos tons de espalhafatoso atrevimento e patética desfaçatez. O trabalho de Walmor, visto hoje, ainda parece melhor, como um vinho da melhor safra. É tocante, é brilhante. O filme tornou-se clássico na cinematografia brasileira, e é um de seus campeões de bilheteria, no Brasil e no exterior. Enquanto isso, em São Paulo, Flávio Império, Maria Thereza Vargas e Paulo Hecker Filho ficaram de, com punhado de poemas sugeridos por Walmor, estruturar o roteiro para criar um espetáculo teatral, que seria dirigido por Flávio e interpretado pelo próprio Walmor. Finalmente o espetáculo do Grupo-Sem-Nome, mas sem o grupo – dele, restara o coletivo da poesia e a estrela... Flávio Império fincou Walmor Chagas em cima de uma imensa estrela dourada que tomava conta de todo o palco do Teatro Cacilda Becker, avançava pela platéia, irradiava em luz e imagem no gigantesco ciclorama que o circundava, invadia todo o espaço no som de um quarteto tocando ao vivo, navegava preciso nos poemas que Flávio, Walmor, Maria Thereza e Paulo Hecker distribuíram entre os quatro elementos: a terra, a água, o fogo e o ar. E um mote: Tens a vontade: e ela é livre. De um santo medieval não identificado, que dona Helena, mãe de Flávio Império, revelara ao filho. Chamaram ao espetáculo de Labirinto: Balanço da Vida. Walmor Minotauro Chagas Ah, se ousardes, ousa! De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas A que chamamos o mundo? A cinematografia das horas representadas Por atores de convenções e poses determinadas, De que te serve o teu mundo interior que desconheces? (Fernando Pessoa, trecho citado em Um Homem Indignado) Labirinto: Balanço da Vida, ao contrário da proposição inicial de Walmor e Paulo Hecker Filho, torna-se pelas mãos de Flávio Império em megaespetáculo. Um acontecimento visual, como assinalava a crítica Mariângela Alves de Lima (O Estado de S.Paulo) por ocasião de sua estréia. O primeiro espetáculo multimídia do Brasil, como o classificam os historiadores, 30 anos depois da encenação. Arqueologia do inconsciente, Walmor é um Minotauro encurralado, tentando libertar-se através da beleza do mundo. Surge como divindade em lótus, belo, de tão belo e tão estelar, confundindo-se com a própria estrela que pisava. Bem à sua maneira e a seu bel-prazer, desvenda um novo caminho ao outro na arquitetura dos poemas e do teatro. Walmor mais uma vez reinventa-se na vanguarda. Havia um ciclorama, cinematográfico, por trás de uma estrela dourada que parecia suspensa no espaço, imagens iam sendo lançadas por 16 projetores de slides no ciclorama. Havia um quarteto de músicos ao vivo e uma atriz que vez por outra interferia na cena – Heart Smile (Vivian Maar), com poema e canto. A iluminação, também toda desenhada por Flávio Império, muitas vezes rebatia focos de luz dos spots jogados diretamente sobre o encerado dourado e brilhante da estrela, projetando desenhos pelas paredes laterais do palco e da sala ou por sobre as imagens dos diapositivos no ciclorama. Naquela época, 1973, tudo isso era não só muito ousado quanto dispendioso. Novamente, Walmor resolvera ele mesmo produzir o espetáculo, mas isso só lhe trouxe dores de cabeça... O teatro no País começara a se atrelar ao nascente star-system da telenovela, um circuito ao qual Walmor até então se recusara, ao qual Flávio Império se recusaria para sempre. Labirinto: Balanço da Vida preparou a persona de Walmor Chagas – catalisando sua beleza física, vunerabilidade e sofisticação, somadas ao talento nato e a melhor técnica de representar acumulada – para ser absorvido pela televisão. Capaz de encarar o advento da hegemonia do império das telenovelas brasileiras, imposto pela ditadura militar por meio de seu programa de manipulação e integração do País pela televisão. Passado dos 40 anos, como fênix, Walmor Chagas ressurge estrela da maturidade masculina no Brasil, reciclando-se como mito. Capítulo V Assim Caminha o Ator de Um Homem Indignado Walmor Mito Chagas A chegada das imagens da televisão foi um golpe. Eu vivi o século 20, o século das revoluções e fui cada vez mais me sentindo parecido como um professor de latim. Eu vi nesses últimos 50 anos a televisão, subliminarmente democrática e grátis, provocar esse tsunami cultural, que me fez sentir o professor de um latim que não faz mais parte do currículo. (trecho de Um Homem Indignado) Walmor Chagas transpôs do teatro para a televisão sua persona e a atitude que dela gerou, uma espécie de espetáculo subjacente de sua própria vida. Acrescenta refinada ironia ao tipo reservado, racional e não-conformista que montara, como a se divertir com o espetáculo de virar celebridade na mídia das massas. Ajudou-lhe muito o lay-out adotado anos antes, para o show de moda da Rhodia, Momento 68, sob comando de Lívio Rangan (diretor da Gang Publicidade; show que é marco na história da nascente indústria fashion do País, e que tinha ainda no elenco Rita Lee, Gilberto Gil, Leni Dale, Caetano Veloso e Raul Cortez). Em Labirinto, Flávio Império redefine esse lay-out, humanizando-o. Isso permitirá a Walmor uma espécie de domínio do tempo físico, sobrepondo-se ao envelhecimento do corpo. E, por mais duas décadas, permanece mito da maturidade perene, produto vendável como ator, no universo consumista que a TV instaura no País. De fato, a televisão já surgira bem no início de sua carreira: os teleteatros, ao vivo e preto-e-branco. E ainda aquela frustrada tentativa de se criar um programa em torno do casal classe-média (à la Lucille Ball Show) tendo Vera Nunes como partner. Era ainda uma televisão de tal forma periclitante – tudo feito às pressas e na marra, tecnicamente incipiente e de produção quase miserável –, que Walmor se recusou a participar dela. Até mesmo quando Cacilda tentou o Teatro Cacilda Becker (1969), uma série de seis programas que, em vez de irem diretamente ao ar, seriam filmados em 16 mm, nem assim ele topou. Mas, em 1970, Walmor faz sua primeira telenovela, As Bruxas, de Ivani Ribeiro. Novamente a impressão de horror à mídia é o que sobra da experiência. Entretanto, nos descaminhos de Hamlet e no trabalho que deu produzir Labirinto, Walmor começou a criar e falar numa metáfora que bem simplifica o impacto das telenovelas: Enquanto a gente de teatro e de cinema fica nuns barquinhos indo a pique, vê passar ao largo aquele transatlântico luxuoso, todo iluminado e em festa – a televisão. Corrida do Ouro, de Gilberto Braga, 1974, um ano após Labirinto, marca sua estréia na Rede Globo de Televisão. Seguem-se O Grito (75), Locomotivas (77), Coração Alado (81), Final Feliz (82), Eu Prometo (83), o maior êxito de Janete Clair Selva de Pedra em segunda versão (85), Mandala (87), Sex Appeal e Sonho Meu (93). Nessa primeira fase, descobre – e prefere – o formato da minissérie, fazendo o padre Olavo na adaptação para a TV (88) da consagrada peça teatral de Dias Gomes, O Pagador de Promessas (que vira encenada originalmente no TBC). Nada de contrato fixo. Estipula para si direito à liberdade bem distante da submissão que a maior parte dos atores cambia pelos padrões do star system da televisão. Vez por outra, inventa uma outra maneira de permanecer na mídia, mas sem atuar em telenovela. Torna-se apresentador dos programas Mundo em Guerra (Rede Globo, viaja o mundo todo, fazendo reportagens sobre guerras); Quem Sabe Sabe (TV-Cultura, 83) e Bar Academia (talk-show em que entrevista grandes compositores da música popular brasileira, Rede Manchete, 84). A fama popular não é um objetivo, mas um meio para continuar fazendo teatro e cinema. Agrega atores – em especial uma jovem atriz-revelação, Lucélia Santos, e o velho amigo Ítalo Rossi, e produz peças e recitais para circularem pelo Brasil inteiro, ganhando muito dinheiro. Como passam a agir os atores do star system da TV, também ele usufrui da propaganda de sua presença na telinha, mas de modo muito pessoal – ligado aos anos do desbunde, num hedonismo bem típico da década de 70, e não como laboratório para seu próximo personagem em telenovela... É claro que o Cinema continuou sempre nos planos e sonhos do ator. Mas para ele, nenhum papel principal nas duas décadas em que o Cinema Brasileiro (por meio da Embrafilme) conseguia manter-se digno no embate com a avassaladora dominação da Rede Globo de Televisão. Apenas participações especiais calcadas na persona cinematográfica que criara para si, mesmo sem a existência de um Cinema capaz de assimilá-la. Só lhe ofereceriam caracteres da classe alta – muitos empresários, outros tantos publicitários, alguns mandatários do rei, vários senadores e até um presidente da República... Especialíssimas aparições, todas elas respaldadas por seu próprio mito. Mito de tal forma convincente que, em 1982, consegue o feito de levar o prêmio de Melhor Ator do Festival de Cinema de Gramado, mesmo sem ser o protagonista nem de Luz Del Fuego nem de Asa Branca – Um Sonho Brasileiro, filmes pelos quais concorria no certame. Mesmo diante de interpretações marcantes e favorecidas pelo fato de serem personagens protagonistas, como a do veterano Reginaldo Farias (Pra Frente Brasil) e do estreante Edson Celulari (Asa Branca) – que o próprio Walmor carrega nos braços com provocante elegância tão insubstituível para cena quanto inesquecível para quem a assistiu. É notável ainda sua participação em Parahyba, Mulher Macho (83), encarnando o presidente João Pessoa, especialmente no momento do assassinato: a perplexidade ponderada em fração de segundos na dor mais que física, histórica, do rosto de Walmor enquanto tomba ao chão. Walmor Monstro Sagrado Chagas Eu protesto contra a opressão das imagens. O teatro ao vivo é o único caminho para poder se conhecer o homem de verdade – e do que ele precisa ainda para aprender. (trecho de Um Homem Indignado) Walmor Chagas não gosta decididamente de fazer telenovelas. Se para Cacilda Becker era impossível atuar no Cinema, para Walmor tornava-se cada vez mais impraticável atuar apenas em função de circunstâncias imediatistas de uma cena e em tom natural. Já que o personagem na telenovela dependerá principalmente da reação das pesquisas do Ibope – por exemplo, começar um bom caráter e, por força de empatia com o público ou não, terminar péssima criatura. Sem que o ator possa estar ao par, pelo roteiro, desde o início e assim construir um personagem que se desenvolverá com todas as suas transmutações pelos seis longos meses que a telenovela estiver no ar. Restava ficar fazendo charme o tempo todo: dos corredores dos estúdios às tomadas nas gravações... Entretanto, mesmo ganhando muito dinheiro com a televisão e subsidiários dela – os eventos, shows, publicidade e até o próprio teatro –, Walmor recusa-se a investir no setor imobiliário, como a maior parte dos companheiros de sucesso. Na sua característica inquietação, decide construir um teatro com o dinheiro ganho. Um teatro seu. Tornar-se mais uma vez empresário, não da especulação imobiliária, mas empresário teatral. Sempre que esteve à frente como produtor do Teatro Cacilda Becker (TCB), ele e Cacilda sofreram com a falta de uma casa de espetáculos que fosse da companhia. Conseguiram alojar-se no Teatro da Federação, casa de espetáculos à av. Brigadeiro Luís Antônio, na capital paulista, pertencente à Federação Paulista de Futebol. Que se passou a chamar Teatro Cacilda Becker a partir de 1963; a última encenação seria justamente Labirinto: Balanço da Vida, pois a seguir Walmor perderia a concessão, e a sala voltava à Federação de Futebol que a reformou para se transformar em espaço de aulas para formação de juízes de futebol. Mais uma vez remando contra a corrente, Walmor desloca o interesse da Zona Sul para a Zona Norte carioca, e descobre um sobrado para ali instalar seu teatro. Reforma o casarão, preservando algumas características arquitetônicas originais, como as varandas e a azulejaria portuguesa. No interior, constrói uma pequena mas moderníssima e confortável casa de espetáculos, com todos os recursos técnicos no palco. Vale-se da Lei Sarney para incentivos fiscais, e consegue de várias empresas os melhores materiais, os melhores assentos, estruturas metálicas, esquadrias de madeira, toda a iluminação de primeira... Queria chamar seu teatro de Cacilda Becker, mas já havia um teatro com o nome de Cacilda no Rio de Janeiro. Decide então homenagear o mestre dos dois, Ziembinski, e, em meados dos anos 80, começa a construir seu Teatro Ziembinski. Motivado pela abertura política do País, supõe um boom de nova dramaturgia teatral, e, quer contribuir para que tal aconteça. Portanto, um teatro onde só fossem montados espetáculos com textos de autor brasileiro. CABELUDO Era um idealista! CARECA Era. [pausa] Um nacionalista. CABELUDO Mas racional, sempre racional. CARECA Um nacionalista racional. [pausa longa] (trecho de Um Homem Indignado) Nunca se montaria como naqueles anos pós-abertura tantos tchékovs, ibsens, shakespeares, racines, ionescos, etc. ao mesmo tempo e por tantas e diversas companhias, por todas as capitais culturais do País... Ou fazia-se, a título de vanguarda, um teatro formalista, baseado em minimalismo-expressionista alemão. O Brasil precisava alcançar a História e o processo de globalização no mundo já ia galopante. Todas as baterias da mídia alvejavam violentamente tudo que não contribuísse para esse objetivo de alcançar o bonde da História. Nada, portanto, de autor nacional. Mas era tão simpático o esforço de Walmor Chagas de montar um teatro na Tijuca, tão desconcertante seu nacionalismo retrô, que tudo e todos simplesmente passaram a ignorar o Teatro Ziembinski. Para não ser contra, o pior dos castigos: a indiferença. Totalmente apaixonado por seu projeto, Walmor como um quixote ensandecido investe nos sonhos impossíveis (felizes em Paris, ele e Cacilda assistiram L’Homme de La Mancha, com Jacques Brel. Walmor tem ainda o LP que compraram à saída do teatro, e Sonho Impossível, por Brel, é sua canção predileta até hoje. Curiosamente, o musical foi montado no Brasil, com Paulo Autran) toda a sua energia emocional: produziu dez peças de 1988 a 1991, atuou em seis e dirigiu quatro delas. Textos de Herbert Daniel, Millôr Fernandes, Carlos Henrique Escobar, Ariano Suassuna e Machado de Assis; poesias de Fernando Pessoa, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. Cenários do artista plástico Siron Franco; assessoria de corpo pela bailarina Marilena Ansaldi; direção ora de João Albano, ora de Fauzi Arap ou Maurice Vaneau. Conclamava a todos os autores e diretores brasileiros a usar seu espaço. Aos atores. E nada. Investiga a profundidade da alma poética encenando a correspondência entre o consagrado Mário de Andrade e o principiante Carlos Drummond de Andrade. Impinge a si mesmo até mudanças físicas: tinge de negro sua famosa cabeleira branca (espécie de marketing de sua persona por duas décadas) para encarnar o poeta Mário de Andrade, em Prezado Amigo (89). Outra vez encarcerado no Labirinto, tenta contar-se – mais uma vez com a ajuda de Maria Thereza Vargas –, tenta decifrar-se ou decifrar o enigma da Esfinge. Bem diferente do Labirinto: Balanço da Vida de 73, este Retrato Falado, de 1990, dirigido por Fauzi Arap, não aponta saídas, nem na beleza nem na história. Na dissincronia de seu teatro só esbarra em todos os desassossegos. Sem sequer um reles prêmio de estímulo ao seu desassazonado projeto Teatro Ziembinski, só pode lhe advir o desencanto. Walmor Chagas, artista, desiste. Arrenda o teatro à Prefeitura do Rio de Janeiro desfaz-se do sonho. Arruma as malas, quer sumir, desaparecer. José Luís Pasin, amigo de Guaratinguetá, avisa-lhe que há uma fazenda à venda nas montanhas da Mantiqueira, onde só se chega montado em mula, burro, cavalo... Compra, e muda-se. Nesse processo de desmistificação e desglamourização havia mergulhado fundo em si mesmo, transformara o cinismo da celebridade televisiva e puro idealismo juvenil, num homem agora sexagenário. Quanto mais fracassa no intento de gravitar em torno ao Teatro Ziembinski, o autor, o criador, o ator nacional, mais irremediavelmente é elevado à galeria dos monstros sagrados das artes cênicas brasileiras. Pudera, visionário antecipara-se uma década: a explosão da nova dramaturgia brasileira só aconteceria na virada do século. Era para ela o seu Teatro Ziembinski. Doutor, quem se mata é louco ou aquele cara que não sabe que é louco não se mata, porque não sabe que é louco? (trecho de Um Homem Indignado) Pedrinhas, ao sopé da Serra da Mantiqueira, é aldeia que serviu a um seminário católico – casarão cercado de pomares, piscina de água natural com frutas boiando, desses rincões perdidos de brasis – hoje em total decadência. É o único caminho de acesso ao sítio de Walmor, Vila Pirutinga, no alto das montanhas. Walmor fez subir todo o material de construção em lombadas de burros e mulas. Ele mesmo chegou lá assim, e encantou-se. A idéia não era isolar-se do mundo, como em Viamão, duas décadas antes. Porém, criar uma pousada que fosse tão rentável que lhe proporcionasse a construção e, sobretudo, a auto-sustentação de um anfiteatro – à maneira grega, entre as rochas, no alto da Pedra do Macaco, a 1.200 m de altitude. Vislumbrando-se o Vale do Paraíba, o santuário nacional de Aparecida do Norte e, do outro lado da Via Dutra, a Serra do Mar coroando o horizonte como esplendor. Construiria ali o seu santuário pagão, a Dionísio. Lugar mais belo, impossível. Em seu novo sonho, seu novo teatro abrigaria jovens estudantes de arte dramática – como a lendária Aldeota de Paschoal Carlos Magno na década de 40. A Pousada Vila Pirutinga foi erguida. Casarão imenso, em estilo clássico, amplo salão e cozinha moderna, na parte inferior; em cima, os quartos, todos confortavelmente instalados, banheiros privativos com duchas aquecidas a gás e água natural canalizada das inúmeras fontes da Pirutinga... Uma estrada de terra lhe dá acesso, mas só possível de trafegar com veículos de tração nas quatro rodas. Walmor inventa um sistema de buscar os prováveis hóspedes em Pedrinhas... Contava para isso com a eficiência do Zé. Todo quixote possui um escudeiro fiel: nos tempos de TCB, o braço direito de Walmor era o administrador Antônio Campos, hoje aposentado, mas ainda um grande amigo; agregado a Campos veio a dupla de cenotécnicos Arquimedes Ribeiro e Atílio Del Fiore – todos formados pela competência do TBC (trabalhariam com Walmor até Labirinto: Balanço da Vida). Na temporada do Teatro Ziembinski, Walmor formou ele mesmo um novo administrador, Zé Arteiro de Almeida, que segue com ele para Vila Pirutinga, e vai constituir família lá na Serra da Mantiqueira. Tornou-se o administrador da extensa fazenda. Independente dos sonhos, é um lugar ideal para se habitar. Walmor constrói para si uma pequena casa, montanha acima da hospedaria. Uma casa de madeira (na mais afinada tradição gaúcha, uma casa que se preze só pode ser de madeira), que ele decora de maneira tão refinada quanto espartana. No único porta-retrato, uma foto de Cacilda Becker. Vive solitário, mas não isolado: a família esteve lá muitas vezes, Maria Clara está sempre por lá, os amigos vão muito passar temporadas – do Rio, de São Paulo, de Guaratinguetá, de Porto Alegre. Camila Amado é a mais freqüente. Com seu cão pastor alemão preto, Fosco, aguardou os hóspedes que chegaram raramente. Walmor não perde o sense-of-humour, sabe divertir-se com os fracassos (só não aceita até hoje a rejeição ao projeto do Teatro Ziembinski). Conta que uma noite telefona de Pedrinhas um casal em lua-de-mel. Zé vai buscar os jovens recémcasados, sobem a montanha. O casal invade o espaço chagas, e adentra seu chalé. Passam a noite de lua-de-mel a atormentá-lo com toda sorte de perguntas cretinas, vibram de curiosidade insana. Walmor no dia seguinte, manda o Zé despachar o casal de volta ao Vale do Paraíba. Furioso. Os escudeiros de Walmor Chagas conhecem sua fúria. Por isso mesmo portam-se humildemente durante o momento passional da estrela. Esperam pacientes que volte à razão, e sabem que não demora muito. Logo Walmor está passeando pelas trilhas da montanha, sonhando com o anfiteatro, telefonando para Camilinha, Ítalo, Benevides, Paulo Hecker... Lendo, lendo muito, cada vez mais. Em torno da Vila Pirutinga, até os confins do Gomeral, todos os pequenos proprietários de terra, famílias instaladas ali por quase dois séculos, o idolatram. Alguns ele contrata como funcionários de sua fazenda. A senhora de uma dessas famílias, dona Luiza, há anos cozinha as refeições diariamente; o jovem Otair é jardineiro, fidelíssimo; apesar das araucárias, o jardim em torno da casa parece mais o campo inglês. Neto, moço prendado de Guaratinguetá, faz-lhe a companhia, mantém sempre limpa a pousada, e vigia a quietude das noites geladas e estreladas, o despertar sob a bruma seca filtrando arrebóis. Walmor costuma freqüentar os bares espalhados pelas encostas das montanhas, com suas rodas de moços e velhos a jogar bilhar e conversa ao léu. As transformações abruptas do mundo na década de 90 coincidem com as transformações vertiginosas de seu próprio corpo. O ar puro e úmido da serra lhe faz bem à saúde, limpa seus pulmões esbaforidos pelo escabroso do cigarro: Walmor costuma fumar desarvorado. Pior que tudo, precisa acostumar-se com a idéia acachapante de que, fisicamente, envelhecera. Uma dúvida o atormenta: não sabe se precisa mais continuar vivendo... A fama de monstro sagrado está consumada: espalha-se que recusa todos os papéis que lhe oferecem no cinema e na TV; que no palco não se deixa dirigir nem respeita o colega quando contracena; que é intratável, irritável, individualista irrecuperável à convivência em civilização, por isso refugiara-se nas montanhas... Por fama, tornara-se ermitão sem deus algum. Finalmente, tudo se aquieta. Em 1999, desativada a pousada, consciente de que é um velho, mas um velho extremamente belo e vigoroso, tanto quanto o fora jovem, ele aceita voltar aos palcos. Para fazer um Edward Albee. Embora sob a direção de um jovem consagrado, mas que desconhece, estaria cercado de atrizes que admira e sabe que pode bem contracenar: Tonia Carrero, Camila Amado e Ítala Nandi. Todo jovem pretendente a ator deveria ter sido obrigado a assistir Equilíbrio Delicado: no mundo tomado pela fúria do espetáculo, os atores são obrigados mais a encenar do que atuar. Walmor Chagas atua. Apoiado na excelência do texto de Al-bee, seguramente constrói das últimas grandes atuações realistas do teatro brasileiro: empresta ao personagem toda a sua exímia técnica interpretativa, moldada em precisão vocal. Mais uma vez expõe em cena sua poderosa persona, tornada ainda mais perspicaz e arguta pela acumulação do tempo. Mais uma vez é ignorado em premiações, nem que fosse pelo reconhecimento de sua carreira... Septuagenário, o século 21 lhe reserva uma grande surpresa: novo alento para trabalhar – atuar, criar, escrever, filmar... Protagoniza o que de melhor foi produzido até hoje pela TV brasileira, a minissérie Os Maias (2001), baseada em Eça de Queiróz e dirigida pelo talentoso Luís Fernando Carvalho. No papel de dom Afonso, Walmor Chagas ressurge no show-business, imponente e intocável como cabe a um monstro sagrado, em momentos magistrais como intérprete. Enseja ainda dois jovens atores, nos papéis de filho e neto, que por lhe imitar os gestos, tom de voz e ritmo de enunciação nunca se haviam revelado tão bons. Sobretudo, ao contracenar com aquela outrora jovem do seu grupo experimental, que ao longo dos anos tornou-se a melhor atriz brasileira viva, Marília Pêra – juntos Walmor e ela criam interpretações em cenas desde logo antológicas na história da televisão. Pensa novamente voltar aos palcos, outra vez unir teatro e poesia. Produz e co-dirige Lua e Conhaque (2002). Como nos velhos tempos de Teatro Ziembinski, sua filha, agora a cantora Clara Becker, o acompanha no recital. Travam dueto, ela cantando e ele recitando Carlos Drummond de Andrade, musicado por Villa-Lobos. A participação especial num dos episódios do longa-metragem Histórias do Olhar (2003), reacende sua paixão pelo cinema. Sabe das possibilidades de produzir em baixo orçamento utilizando o processo em digital. Compra imediatamente uma câmera, decide que vai produzir dali por diante seus próprios filmes – e, aí entro eu em cena, e aí começam os ensaios de Um Homem Indignado propriamente. No começo, é um filme. Um longa-metragem, um roteiro escrito pelo próprio Walmor Chagas em torno de um velho ator que se isolou na Serra da Mantiqueira e descobre que os pequenos proprietários de terra e suas famílias estão sendo assediados por grandes multinacionais, porque ali na Mantiqueira (que na língua geral indígena significa onde a chuva se faz) correm os mais puros mananciais de água doce do planeta. Bem precioso para os séculos vindouros... As coincidências acabam aqui, tudo mais a seguir é ficção, das melhores. O filme se chamaria Plenitude, e Walmor teimou em produzi-lo. Transpôs o primeiro grande obstáculo, conseguiu inscrevê-lo na lei de incentivo para cinema (Lei do Audiovisual) e na corretora para venda de ações na bolsa de valores... Daí por diante, teve que percorrer a trivial via crucis de um cineasta/produtor brasileiro. Esbravejou ao telefone com polidas secretárias de autarquias e empresas treinadas para desfazer propostas no nada burocrático; enfrentou vários almoços e jantares com empresários no Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Porto Alegre. Extrapolou os próprios limites comparecendo a coktails, na tentativa de cativar investidores para seu projeto Plenitude. No final de um ano kafkaesco (o que é, diga-se de passagem, muito pouco tempo em termos de captação dos recursos para se realizar uma fita brasileira), Walmor Chagas sentiu-se literalmente atingido por incontrolável sentimento de indignação. Desistiu de Plenitude, mas não de usar sua pequena câmera digital, e fazer qualquer outro filme. Nossas longas conversas na Vila Pirutinga levaram-no à decisão de levar avante a parceria: juntos sairíamos gravando uma espécie de momento presente e aleatório de Walmor – inconscientemente fazendo-nos continuar no ensaio para Um Homem Indignado. Tudo bancado pelo próprio, da Vila Pirutinga viajamos para Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo; e, a convite, para os Festivais de Gramado (RS) e Guarnicê (MA). Íamos gravando o documentário que José Motta complementou ao editá-lo, Autovideografia (2004). No final do mesmo ano, Walmor já escrevera o texto para teatro –Um Homem Indignado. Querendo imediatamente produzi-lo, apresentou-o em concurso, foi escolhido, dois meses depois começava a ser encenado no Centro Cultural Banco do Brasil, de São Paulo. Pude apurar, pelas gravações de Autovideografia: a lenda que ele não se deixava mais dirigir era mais verdade que lenda. Entretanto, quando me convidou para dirigir Um Homem Indignado isso não me intimidou. Porque também estava ciente de que os ensaios já haviam começado dois anos antes, com Plenitude – o filme que não realizamos. E, se complementaram com a experiência em digital de Autovideografia. E, haviam passado por laboratórios de conversações infindáveis em almoços e jantares, às vezes melancólicos, pelas recordações, incertezas e mágoas, mas na mais das vezes muito divertidos. Enquanto em São Paulo montávamos o espetáculo de Um Homem Indignado, Walmor gravava no Rio de Janeiro a minissérie Mad Maria para a Rede Globo. Pouco depois da estréia da peça, em março de 2005, voltou ao cinema noutra participação especial em Bodas de Papel, filme com estréia prevista para 2006. Onde aquele homem acossado pelo tempo da vida e, subitamente, pela exigência do cotidiano profissional encontrava tanto talento para suplantar-se? Ainda que tenha disciplina ferrenha, não se caracteriza como um workaholic. É um artista, continuará sempre sendo um artista. Tenho certeza que na sua vontade de artista, soberanamente livre, moveu-o à indignação. Os fatos, relatos e observações contidos neste livro, diria, fazem parte do processo de criação e ensaio de Walmor Chagas para Um Homem Indignado. Agora transcrito, desvenda-se como ensaio aberto ao público. Suas vida e arte-de-interpretar confluem como rios num delta, a fertilizar a terra. A Carreira Teatro Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul 1948 • Antígone, de Jean Anouilh 1949 • Hedda Gabler, de Ibsen 1950 • Helena Fechou a Porta, de Accioly Neto 1951 • Assim é se Lhe Parece, de Luigi Pirandello • Recital de Poesia Moderna, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa Companhia de Teatro Vera Nunes 1953 • Pancada de Amor, de Noel Coward • A Desconhecida de Arras, de Armand Salacrou Teatro Íntimo Nicette Bruno - TINB 1953 • Conflito Sem Paixão, de Ugo Betti • É Proibido Suicidar-se na Primavera, de Alejandro Casona (personagem: Dr. Rocha) • O Pensamento, de Leônidas N. Andreiev 1954 • O Primo da Califórnia, de Manoel J. Macedo (personagem: Ernesto) Teatro Brasileiro de Comédia – TBC 1954 • Assassinato a Domicílio, de Frederick Knott (personagem: Capitão Lasgate) 1955 • Santa Marta Fabril S/A, de Abílio Pereira de Almeida (personagem: Cláudio) • Volpone, adaptação de Stefan Zweig da peça de Ben Johnson (personagem: Mosca) • Mary Stuart, de Schiller – Tradução de Manuel Bandeira (personagem: Robert Dodley) • Os Filhos de Eduardo, de Marc-Gilbert Sauvajon (personagem: Dominique) 1956 • Eurydice, de Jean Anouilh (personagem: Orfeu) • Gata em Teto de Zinco Quente, de Tennessee Williams (personagem: Brick) 1957 • As Provas de Amor, de João Bethencourt (personagem: Frederico) • A Rainha e os Rebeldes, de Ugo Betti (personagem: Roy) • Matar, de Paulo Hecker Filho, dirigiu para o Teatro Experimental do TBC • Adorável Júlia, de Mar-Gilbert Sauvajon Teatro Cacilda Becker – TCB 1958 • O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna (personagem: Pinhão), atuou e produziu • Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, de Eugene O’Neill (personagem: Edmundo) atuou e produziu • O Protocolo, de Machado de Assis (personagem: Pinheiro), atuou e produziu • Pega-fogo, de Jules Renard, produziu • Mary Stuart, de Schiller – Tradução de Manuel Bandeira (personagem: Conde de Leicester), atuou e produziu • Santa Marta Fabril S/A, de Abílio Pereira de Almeida (personagem: Cláudio) atuou e produziu 1959 • Os Perigos da Pureza, de Hugh Mills (personagem: Eustace) atuou e produziu • A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho (personagem: Edmond) atuou e produziu • Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, atuou e produziu 1960 • Virtude e Circunstância, de Clô Prado, atuou e produziu • Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto (personagem: Severino) atuou e produziu • ... Em Moeda Corrente do País, de Abílio Pereira de Almeida (personagem: Guimarães) atuou, dirigiu e produziu 1961 • Raízes, de Arnold Wesker (personagem: Jimmy) atuou e produziu • Oscar, ou Amá-la Sem a Mala, de Claude Magnier (personagem: Bertrand) atuou e produziu • Rinocerontes, de Eugène Ionesco (personagem: Berenger) atuou, dirigiu e produziu 1963 • A Terceira Pessoa do Singular, de Andrew Rosenthal, atuou, dirigiu e produziu • A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmat, dirigiu e produziu • César e Cleópatra, de Bernard Shaw, produziu • O Santo Milagroso, de Lauro César Muniz, produziu e dirigiu • Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro (personagem: Elvídio) 1964 • Noites de Iguana, de Tennessee Williams (personagem: Reverendo Shannon) atuou, dirigiu e produziu 1965 • Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee (personagem: George) • O Reco-reco, de Charles Dyer, produziu e dirigiu 1966 • O Homem e a Mulher, roteiro de Walmor Chagas sobre os textos de Machado de Assis, Victorien Sardou, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Charles Péguy, Manuel Bandeira e Cecília Meirelles. 1967 • Isso Devia Ser Proibido, de Bráulio Pedroso e Walmor Chagas (personagem: Ele) atuou e produziu 1969 • Esperando Godot, de Samuel Beckett (personagem: Wladimir) atuou e produziu Outros 1965 • Hedda Gabler, de Ibsen, dirigiu para Cia. Nydia Licia-Sérgio Cardoso 1970 • Hamlet, de William Shakespeare (personagem: Hamlet) atuou e produziu • Os Rapazes da Banda, de Mart Crowley, atuou 1971 • Produz, atua e co-dirige grupo experimental com Flávio Império e Paulo Gaudêncio, que não resulta em espetáculo, mas tem forte atuação na classe teatral naquele momento. • Quanto Mais Louco Melhor, de Joe Orton (personagem: Dr. Rance) atuou, dirigiu e produziu 1972 • Camões Nosso Contemporâneo, roteiro baseado na poesia de Luis de Camões, atuou e produziu 1973 • Labirinto - Balanço da Vida, roteiro de Flávio Império, Walmor Chagas, Paulo Hecker Filho e Maria Thereza Vargas com poemas de diversos autores, atuou e produziu - Prêmios Molière e Governador do Estado de São Paulo 1975 • Os Portugueses, roteiro de Walmor Chagas, baseado na poesia de Fernando Pessoa, atuou e produziu • Partilha, roteiro de Paulo Hecker Filho, baseado na poesia de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Mário Quintana, Pablo Neruda, Luís de Camões, Mario de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Álvaro de Campos e Alberto Caiero, entre outros; atuou e produziu 1976 • Deus Lhe Pague, De Joracy Camargo, atuou 1979 • Armadilha, de Ira Levin, atuou 1982 • A Senhorita de Tacna, de Mario Vargas Llosa, atuou 1986 • Encontro de ítalo Rossi e Walmor Chagas com Fernando Pessoa, roteiro de Walmor Chagas, baseado na poesia de Fernando Pessoa; produziu, dirigiu e atuou Teatro Ziembinski 1988 • Deu Ladrão, de Herbert Daniel, produziu • ?, de Millôr Fernandes, produziu e atuou • A Três Quarteirões Daqui, de Carlos Henrique Escobar, produziu e atuou 1989 • Os Reis do Ferro-velho, de Walmor Chagas e André Ervilha, produziu, dirigiu e atuou • Prezado Amigo, roteiro de Walmor Chagas, baseado na poesia e correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade, produziu, dirigiu e atuou (personagem: Mário de Andrade) 1990 • Encontro de ítalo Rossi e Walmor Chagas com Fernando Pessoa, roteiro de Walmor Chagas, baseado na poesia de Fernando Pessoa; produziu, dirigiu e atuou • Retrato Falado, roteiro de Fauzi Arap e Maria Thereza Vargas, baseado na vida artística de Walmor Chagas, produziu e atuou 1991 • O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna, produziu e dirigiu • Desencantos, de Machado de Assis, produziu Outros 1999 • Equilíbrio Delicado, de Edward Albee, atuou 2002 • Lua e Conhaque, roteiro de Walmor Chagas, baseado na poesia de Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e Manuel Bandeira, produziu, roteirizou, co-dirigiu e atuou 2005 • Um Homem Indignado, escreveu, produziu e atuou Cinema 1965 • São Paulo Sociedade Anônima, de Luís Sérgio Person 1973 • Mestiça, a Escrava Indomável, de Lenita Perroy 1975 • Xica da Silva, de Carlos Diegues 1976 • Um Homem Célebre, de Miguel Faria Jr. 1978 • Joana Angélica, de Wálter Lima Jr. 1979 • Memórias do Medo, de Alberto Graça 1981 • Asa Branca - Um Sonho Brasileiro, de Djalma Limongi Batista 1982 • Prêmios de Melhor Ator no Festival de Gramado e Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Brasília • Luz Del Fuego, de David Neves, prêmio de Melhor Ator no Festival de Gramado • Filhos e Amantes, de Francisco Ramalho Jr. 1983 • Parahyba, Mulher Macho, de Tizuka Yamasaki 1985 • Patriamada, de Tizuka Yamasaki 1988 • Banana Split, de Paulo Sérgio de Almeida 1989 • Beijo 2348/72, de Walter Rogério 1993 • Soneto do Desmantelo Blue, curta-metragem de Cláudio Assis 1994 • Mil e Uma, de Suzana Moraes 2001 • Memórias Póstumas, de André Klotzel 2003 • Histórias do Olhar, de Isa Albuquerque • Person, de Marina Person 2004 • Autovideografia, de Djalma Limongi Batista, média-metragem; Walmor Chagas produziu, roteirizou, co-dirigiu e atuou 2006 • Bodas de Papel, de André Stürm 2007 • Valsa para Bruno Stein, de Paulo Nascimento Televisão TV Tupi 1965 • Teresa, novela • A Outra (personagem: Gustavo) 1966 • O Amor Tem Cara de Mulher 1967 • Presídio de Mulheres (personagem: Luiz) 1969 • Nenhum Homem É Deus (personagem: Marcos) 1970 • Beto Rockfeller • As Bruxas (personagem: César) 1979 • Como Salvar Meu Casamento (personagem: Sérgio) TV Globo 1974 • A Grande Farra (personagem: Horácio) • Corrida do Ouro (personagem: Murilo) 1977 • Locomotivas (personagem: Fábio) 1980 • Coração Alado (personagem: Alberto Karamy) 1982 • Avenida Paulista (personagem: Frederico Scorza) • Final Feliz (personagem: Wagner) 1983 • Eu Prometo (personagem: Horácio Ragner) 1986 • Selva de Pedra (personagem: Aristides Vilhena) 1987 • Mandala (personagem: Michel Lunardo) 1988 • O Pagador de Promessas (personagem: Padre Olavo) 1993 • Sonho Meu (personagem: Afrânio Guerra) 1996 • Salsa e Merengue (personagem: Guilherme Amarante Paes) 1997 • Malhação (personagem: William) 1998/1999 • Você Decide (personagem: Alfredo) 2001 • Os Maias (personagem: Afonso da Maia) 2002 • Esperança (personagem: Giuseppe) 2005 • Mad Maria (personagem: Dr. Lovelace) 2006 • Pé-na-Jaca (personagem: Canabrava) 2007 • Páginas da Vida (personagem: Juiz) TV Record 2000 • Marcas da Paixão (personagem: Jorge Maia) 2007 • Caminhos do Coração (personagem: Dr. Sócrates) Walmor Seduz com Sabedoria Em Um Homem Indignado, um espetáculo-depoimento, o grande ator desfila refinamento e todo o seu saber acumulado. Mariângela Alves de Lima Walmor Chagas é o autor de um texto que afirma, com todas as letras e repetidas vezes, a impotência do teatro no mundo onde prevalecem as imagens cinéticas. Walmor Chagas é o intérprete desse teto que, posto em cena, conjuga com uma sabedoria pouco comum nos nossos palcos a força presencial e a projeção de imagens. Fosse arte mera soma de fatores o resultado seria zero. Teríamos o discurso desmentindo o espetáculo e vice-versa. No entanto, sendo o teatro um conjunto de signos verbais, visuais e espaciais onde se insinuam o indizível sob o que é dito, a glorificação da imagem sob a crítica feita ao seu utilitarismo e a sedução da proximidade física sob a frase onde se declara o desejo de solidão, este espetáculo acaba por ser, com sua formalização sedutora e comovente, um exercício de cooperação produtiva entre a linguagem milenar do teatro e o que há de novo no espaço etéreo das representações mediadas pelo impulso elétrico. O ponto de partida de Um Homem Indignado é, no entanto, a recusa de um velho ator em participar dos pactos sociais da comunicação contemporânea. A idade afasta-o das paixões sensuais, a experiência o faz descrer da política e o estágio da arte no presente parece conflitar com suas qualificações históricas de intérprete treinado na época em que era o teatro de mãos dadas com a literatura que mostrava o caminho. Apoiado sob esta plataforma de nostalgia e descrença, fingindo estar quase morto como um velho leão de circo, o autor-intérprete abre um olho, abre outro e exibe a garra. Da experiência de décadas com a literatura dramática adquiriu, além da arte sutil da elocução, o instrumento auxiliar da boa escritura. Seu texto, fundamentalmente utilitário para a sistematização de determinadas idéias, é econômico e sagaz. Situando a personagem em um estúdio onde se filma um reality show, a peça torna crível a convocação de interlocutores reais e fictícios para escapar ao recurso cansativo da divagação monológica. Ao mesmo tempo esses interlocutores são, no espetáculo, indícios de uma invasão simbólica poderosa, temível, mas não desprovida de sedução. Obrigado a conviver com elas cabe ao ator aproveitá-las, ou seja, distingui-las e qualificá-las. Há imagens verdadeiramente belas e sedutoras, há projeções com estatura das antigas tragédias gregas, há abstrações irônicas e há também transmissões diretas da vulgaridade inócua pautadas pelo modelo das empresas de comunicação de massa. Desse modo, as figuras que cercam ou estimulam a fala propõem variedade estilística, uma atuação que se mantém dentro dos cânones da escola em que se formou o intérprete. Discreto na exibição dos recursos interpretativos, contido pela pauta do seu próprio texto, o ator reage às provocações desse circuito externo com precisas variações de estados anímicos e diferentes pontos de vista narrativos. Uma vez que o formato do discurso é o do ajuste de contas de um artista consigo mesmo (a velhice o libertou de outros compromissos) é o valor afetivo das evocações o teor racional do confronto em tempo real que a interpretação modula. De início temos a impressão de uma pessoa muito próxima, esquecemos a personagem, quase acreditamos na coincidência biográfica entre autor e a figura em cena, porque a voz é suave, a postura não denota esforço, as marcações sugerem uma aproximação gradual de intimidade. É a falsa intimidade do realismo entrecortada por outro instrumento do teatro moderno, a lucidez de uma reflexão articulada, ainda que muito pessoal, sobre o estado atual da cultura. Há o concurso do teatro psicológico, o do teatro épico, a evocação deliberada da matriz trágica emblemática do poder destrutivo de todos os imperialismos e, por último, mas não menos importante, o simbolismo descarnado das figuras trágico-cômicas do teatro do absurdo. Com uma maestria difícil de igualar, Walmor Chagas exercita no tempo breve do seu espetáculo as categorias do trágico, do lírico e do satírico. Esse saber acumulado, refinado e intransferível – os grandes atores tornam-se legendários porque não se parecem com ninguém – é o centro da atração desse espetáculo-depoimento. Levando a sério a ameaça de desistência da arte da vida reiterada ao longo da encenação, poderíamos dizer que se trata de um espetáculo-testamento. De qualquer modo um testamento de fênix, porque ao mesmo tempo em que se proclama a apatia o resultado cênico do confronto entre o teatro de texto e o de imagens é singularmente vital. Quem dirige o espetáculo é o cineasta Djalma Limongi Batista, um artista que raras vezes tangencia o teatro. Coube-lhe resolver o paradoxo contido em um discurso onde se manifestam a um só tempo repúdio pela imagem televisiva e fascínio pelo cinema. A direção do espetáculo opta pela beleza, pela fluidez e, está claro, por uma valoração afirmativa da imagem. Projeções de conteúdo crítico são também tratadas com grandeza de um modo que não nos parece irrisório ou cômico, por exemplo, o cenário da imprensa que se alimenta de fofocas. São lugares desumanizados, frios e um tanto cruéis como seriam as fábricas da revolução industrial. Inversamente, as seduções eróticas são caleidoscópicas, o rosto amigo é um cândido close e as evocações da infância são transcritas nas delicadas variações de branco e preto. Só a política, tal como é exercida institucionalmente, merece o tratamento de charge. Também fiéis à partitura do texto, as imagens que o cercam são, contudo, invenções singulares e tensas a que Walmor reage com o ânimo de quem está enfrentando o desafio inaugural de um tempo novo. E, pensando bem, é melhor tomar cuidado com os septuagenários de fala mansa que, em tom avuncular, dizem que o seu tempo já passou. Há muitos deles na linha de frente da arte, armados por inquietação que iguala o seu saber. (crítica publicada em O Estado de S.Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005) Todos Príncipes na vida. E eu Tantas vezes reles, Tantas vezes porco, Tantas vezes vil. (Fernando Pessoa) Um Homem Indignado de Walmor Chagas Em um ato Personagens em cena: ATOR: dialoga com as demais personagens que estão no virtual ATAHUALPA: deve ser interpretado pelo ATOR PIZARRO: deve ser interpretado pelo ATOR Personagens em virtual e por ordem de entrada: PSIQUIATRA GIOVANA: candidata a atriz DIRETOR DE TEATRO AMIGO DO ATOR JORNALISTA SUELEN DIRETOR DE TV INCA POLÍTICO JORNALISTA MOÇO CABELUDO: deve ser interpretado pelo ATOR CARECA Ação: estúdio de gravação onde acontece o reality-show, com paredes brancas nas quais são projetadas imagens virtuais Época: atual Cena 1 Personagens: ATOR PSIQUIATRA (em virtual) ATOR [sob um foco de luz] Olhe, eu sei que primeiro é preciso identificar quem está falando. Pra isso vou ter de falar sobre pai, mãe, ou será melhor começar logo pela vida sexual, o lado animal? Mas antes de abordar qual quer assunto familiar ou sexual, eu gostaria de falar sobre os motivos que me trouxeram até esse... Consultório, digamos assim, neste studio. Eu até acho que sexo tem grande importância nesse assunto que me fez procurar o senhor. E também quero deixar claro que é a primeira vez que me submeto a este tipo de abertura do baú da memória para ver se encontro a chave que pode abrir a porta do que ando procurando. O que me traz aqui é a sensação que já morri em algum dia do passado e que é de lá que os outros e a vida, a mesma indiferença com que os mortos olham nós. O suicídio é a chave que abre essa porta? Por isso estou aqui. [Na tela, abre uma porta imaginaria e na tela a imagem de uma moça vestida que quer ser sua aluna]. Cena 2 Personagens: ATOR GIOVANA, candidata a atriz (no virtual) ATOR Olhe, se você veio até aqui porque acredita que eu possa ser útil de alguma maneira nessa profissão que você resolveu se engajar, na falta de coisa melhor a fazer... Pode ir tirando o cavalo da chuva porque eu não tenho a menor utilidade para você. Nem sei se você tem talento ou não, o quanto você é capaz de se arriscar na vida.Só tem talento quem corre riscos emocionais e o máximo em emoção que vi você fazer é bater pela terceira vez na minha porta pedindo para ser seu professor de arte dramática. Continuo recusando e hoje vou ser mais sincero. Não quero saber de você por que a presença dos seus vinte anos me perturba, altera minha pressão, você é um perigo para minha saúde. Será melhor pra você exercer seus atributos de sedução entre seus contemporâneos. Eles te compreenderão melhor, se a tua geração achar que você tem talento, então é porque você tem. Eu hoje não sei julgar que tem talento ou não. Esse bazar americano embaralhou minha visão das coisas. Passar bem. Ah, um último conselho: pelo menos seja moderna. A arte moderna é o cinema.Teatro é para quem aprendeu a pensar pela literatura. Se é que você seja capaz de compreender do que estou falando. Eu não sou dos que viram Irmãos Coragem, eu sou dos que leram Irmãos Karamazov. [A moça desaparece da tela. Toca o telefone. Atende, fica um bom tempo sentado escutando enquanto na tela irão surgindo imagens de peças famosas] Cena 3 Personagens: ATOR DIRETOR DE TEATRO (nesta encenação o diretor José Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina de São Paulo, no virtual) ATOR [ao telefone] Olhe, se seu convite fosse para fazer outra peça eu até pensaria duas vezes, mas Nelson Rodrigues, tenha paciência. [pausa] Eu sei que é uma unanimidade nacional, portanto, burra, já dizia ele. [pausa] Não, nunca fiz nada dele. Me sinto incapaz, os personagens dele me dão sempre a impressão que acabaram de sair de um hospício, foram para o palco representar e que assim que acabar a peça devem ser internados de novo. É um baixo-astral permanente, ninguém é normal, e o brasileiro é, nossas taras são comuns, ele é um exagerado para o mal, enquanto teu exagero teatral é para o bem. O teu Brasil é melhor do que o dele, tu és um exagerado para o bem. [pausa] Não. Não é desculpa para não trabalhar, ainda mais contigo que acho o melhor diretor de teatro do Brasil, não é isso. Não quero saber de personagem moído de remorsos sexuais, já basta eu, ou religiosos, nem tampouco personagem folclórico com sotaque nordestino. Quero representar personagens urbanos. [pausa] É, que ande de elevador. Muito obrigado pelo convite e não me leve a mal, com a idade a gente vai ficando meio obstinado com algumas coisas... Começa a achar que tem pouco tempo pela frente e precisa aproveitar o máximo, fazendo só aquilo que gosta, cada dia tem que ser como aquela última refeição para os condenados à morte. [pausa] Tá bom. Pra ti também. [Desliga. O telefone toca de novo, atende, fica outro bom tempo escutando antes de responder. Pode ver-se, virtualmente, que está conversando com um velho ator como ele] Cena 4 Personagens: ATOR AMIGO (nesta encenação, o ator Ítalo Rossi, no virtual) ATOR Você já se acostumou com a dor? Sei, mas em compensação não pode andar direito porque a dor aumenta. Sei. É o buraco da velhice. Se você não melhorar vou te vi-sitar. É que saio pouco ultimamente. Não, dor não tenho. Tenho é preguiça, tédio tchecoviano. Desânimo, impaludismo mental. Não compreendo bem as coisas como estão. [pausa] Ora, as coisas, tudo. As coisas, política, arte, não sei mais como me localizar.Tudo me parece infantilizado. Parece que um espírito infantil incorporou a humanidade que se alegra em aprender tudo por figurinhas e destruir seus brinquedos. Ou eu estou resistindo à infantilização de ficar velho olhando TV? Serão duas desgraças. Sei lá. Fui a propósito consultar aquele psicanalista que te tirou da pinga. Você fala tão bem dele. É. Mudo. Mas legal. Acho que vou voltar. Ainda não toquei no assunto sexo. Mas já falei em suicídio, e que tem que ser filmado, fui adiantando. [pausa] É claro que nunca tentei suicídio, se tivesse tentado já teria morrido. Pra mim esse negócio tem que ser para valer, não pode se fazer pela metade e nem de graça, é preciso ter a grandeza de uma Hedda Gabler. Ibsen dizia que para Hedda a vida é uma farsa que não vale a pena ser assistida até o fim. [pausa] Ué, o lucro vai para quem for herdeiro. Já aluguei estúdio, comprei espingarda. Não. Não é pra já. Te aviso, claro. [pausa] Ah, o Zé me convidou para fazer um Nelson Rodrigues. Dei uma desculpa e recusei. [pausa] O quê? Quem vai fazer Rei Lear? Tu? Tá maluco? Shakespeare é uma flor que só floresce em terras inglesas. É melhor fazer um Nelson. Quando o pessoal da última flor do Lácio envereda pelas charnecas shakesperianas é sempre um desastre, só encontra os esqueletos do autor para construir aqueles enredos enormes enquanto os atores ingleses se fartam com as carnes e as gorduras daquelas palavras poéticas que soam como música na língua deles. Shakespeare é uma armadilha, em português, ficamos com as palavras sem o acompanhamento musical, temos que fazer tudo a capela. É só no original que se percebem essas genialidades. O resto é versão. Você já imaginou Fernando Pessoa vertido para o alemão? [pausa] Destrutivo? Tu também? Ora, vá a merda. Não gostar de Nelson Rodrigues e achar que Shakespeare é uma furada para ator profissional brasileiro não me parece que seja ter espírito destrutivo. Eu tenho é espírito critico, e às vezes o espetáculo é uma merda mesmo e a crítica está aí para criticar, não destrói nem constrói nada,quem faz isso somos nós mesmos que às vezes criamos maravilhas e às vezes... [pausa] Tá bom, já falei demais. Só uma última coisa: não sou destrutivo, minha neurose é outra. Sou um frustrado, que é coisa bem diferente. Sou um ator de teatro eternamente à procura de um personagem cinematográfico que nunca chegou e enquanto Godot não chega se distrai e ganha a vida com alguns maravilhosos personagens que o teatro ainda oferece. Um último conselho de macaco velho: não faz Shakespeare. É um carroção que só deve ser puxado por gente jovem, por amadores. Tá bom, eu sei, estou falando demais. Tchau. Estimo que melhores da dor no joelho. [Desliga, o telefone toca outra vez, ele demora atender, a secretária eletrônica é acionada e ouve-se a mensagem: Não posso atender agora. Fale ou faxe depois do sinal] Cena 5 Personagens: ATOR SUELEN, jornalista (no virtual) SUELEN [no viva-voz] Alô, alô, meu nome é Suelen, sou jornalista recém-formada e gostaria de fazer uma entrevista com o senhor por telefone mesmo, já que o senhor não mora aqui. Sou sua fã há muitos anos e agora estou colaborando com um jornal semanal dirigido a terceira idade. Se eu conseguir esta entrevista com o senhor o chefe de Redação fará uma chamada na capa. Ele sempre faz isso quando a entrevista é com uma pessoa famosa como o senhor. Alô, o senhor está me ouvindo? Alô, alô... ATOR Alô. O que é que você quer saber? SUELEN Graças a Deus, obrigado. Quero saber tudo [DÁ UMA RISADA] tudo que o senhor queira contar, é claro. ATOR Sobre a terceira idade não sei nada. Já estou na quarta... SUELEN Quantos anos o senhor tem? ATOR Sou de 1930. SUELEN Já faz tempo que o senhor está na terceira idade... ATOR Obrigado por me lembrar. SUELEN Para o senhor qual é a diferença fundamental entre a juventude e... A velhice? ATOR Vejo é semelhança, a mesma vontade de morrer. SUELEN Como assim? ATOR Na juventude descobri que não tinha medo de morrer. A mocidade sabe que a vida não vale nada, por isso está sempre pronta pra morrer por qualquer causa. Você já reparou como tem morrido gente jovem ultimamente? E na velhice também temos que estar sempre prontos, então não vejo diferença entra segunda, terceira ou quarta. Não são só os velhos que morrem, não é, Suely? SUELEN Suelen. ATOR Como? SUELEN Suelen, meu nome é Suelen. ATOR Ah, sim, Suelen, desculpe. SUELEN Quantas peças o senhor já fez? ATOR Todas as que fiz, perdi a conta. SUELEN Vou consultar o arquivo. E filmes? ATOR Pouquíssimos pro meu gosto. Consulte o arquivo. Prefiro cinema a teatro, mas no Brasil, pelo menos no meu tempo, nenhum ator podia ganhar a vida fazendo filmes. Só nos restava o teatro ou a televisão, que veio depois e mudou a vida econômica dos atores. SUELEN O senhor fez muitas novelas? Eu conheci o senhor pelas novelas, minha mãe e minha avó eram suas fãs. ATOR Que mais você quer saber? SUELEN O senhor pratica algum esporte? ATOR Nenhum. Sou sedentário, vivo entre quatro paredes. SUELEN O senhor é casado, ou vive com alguém? ATOR Fui casado. Hoje vivo sem ninguém. SUELEN O senhor acha que é melhor ser casado ou ser solteiro? ATOR A mesma merda. Os filhos é que obrigam o casamento ficar suportável. SUELEN O senhor teve filhos com sua esposa? ATOR Não era minha esposa, vivíamos juntos. SUELEN O senhor sente algum tipo de solidão? ATOR Todas. Tantas, que durante o dia nem dou por isso. À noite me deito com alguma delas e durmo muito bem. SUELEN Que conselho o senhor daria aos leitores da Terceirona em Ação? ATOR Que continuem fazendo o que sempre fizeram sem se preocupar com a morte porque ela virá. Os mais perspicazes perceberão que quando forem ficando mais velhos estarão voltando aos tempos das liberdades infantis, que é como me sinto, um velho criança, ou melhor, uma criança velha. SUELEN O senhor não tem mais vontade de fazer de televisão ou acha que já está velho pra continuar trabalhando? ATOR Eu hoje quero é me divertir. Além disso, sou contra a exploração do trabalho senil. Lugar de velho é com as crianças na arquibancada vendo o circo pegar fogo sem compreender bem por que. [pausa]. Alô. Você está me ouvindo Suely? SUELEN Estou. Meu nome é Suelen e o senhor é muito destrutivo. ATOR Sou. E vou morrer atirando. Vá a merda. [Desliga e dirige-se ao diretor enquanto paramenta-se de Atahualpa] Cena 6 Personagens: ATOR DIRETOR DE TV (no virtual) ATOR Agora você vai soltar a cena da destruição do Império. DIRETOR Império Romano? ATOR Não, aquele pedaço de diálogo da peça inca representada pela primeira vez em 1575 na cidade de Potosi na Bolívia. Eu te passei as fitas. DIRETOR Achei. Mas aqui tem duas fitas. Numa está escrito português na outra quéchua. O que é isso? ATOR Era a língua que os incas falavam quando os espanhóis invadiram o Peru e acabaram com a raça deles. Durante a resistência faziam teatro. Solta em português. [na tela, personagens de A Paixão de Atahualpa: o súdito inca, Atahualpa e Pizarro] Cena 7 Personagens: ATOR SÚDITO INCA (no virtual) ATAHUALPA (no virtual) PIZARRO (no virtual) INCA Único senhor, Inca Atahualpa, Este forte senhor te diz: Eu venho com o fim irremissível de levar tua cabeça e tua imperial insígnia para que meu soberano a veja. ATOR [em cena com roupa de Atahualpa] Ai de mim! Meu amantíssimo senhor. Do exército de homens que só conhecem vitórias E tem a pele branca como se fosse de farinha polvilhada, E nas mandíbulas ostentam barbas vermelhas, Mais rubras que as de lã da lhama, E trazem nas mãos fundas de ferro extraordinárias, Cujo poder oculto em vez de lançar pedras Vomita fogo chamejante E logo nos pés tem estranhas estrelas de ferro Que em resplendores se desfazem... Se existe razão para pensar que É certo que tenham vindo por mim, Já me encontro em suas mãos. PIZARRO [somente ruge, mostrando os dentes de ouro] INCA Único senhor, Atahualpa, Meu Inca O barbudo inimigo te acorrenta, Meu Inca, Para acabar com tua existência, Meu Inca, Para usurpar-te os domínios, Meu Inca. O barbudo inimigo tem, Meu Inca, O coração ansioso por ouro e prata, Meu Inca. Se ouro e prata exige, Meu Inca, O entregaremos neste instante, Meu Inca. PIZARRO [continua a vociferar, a dentadura em ouro] ATAHUALPA Ai, senhor forasteiro feroz Não destruas este continente. Se é ouro e prata que desejas Imediatamente os porei Até cobrir toda a paragem Que abarque o tiro de minha funda. PIZARRO [grunhindo, os dentes encapados a ouro bem expostos] Cena 8 Personagens: ATOR PSIQUIATRA (no virtual) ATOR [um foco de luz no ATOR que se desveste de Atahualpa] Doutor, quem se mata é louco ou aquele cara que não sabe que é louco não se mata porque não sabe que é louco? Ando misturando demais as coisas na minha cabeça velha, as minhas coisas e as coisas do meu país e as coisas do mundo, tudo ligado, grudado, a craca que a velhice carrega na memória. Eu sei que estou ficando louco e com vontade de me matar porque eu preciso de todos e tenho medo, meu medo vem da percepção que a velhice nos dá de que estamos numa transformação tão profunda em direção à morte como a que sofreu qualquer povo da antiguidade que tenha visto sua civilização extinguir-se, desmilingüir-se. Estou ficando louco porque misturo os Pizarros e Atahualpa desses tempos com outros em outros tempos sempre guerreando pelo que está encravado na terra do outro. Diamantes, ouro, petróleo, prata, lutam por riquezas enterradas e vão enterrando civilizações, como a nossa. E escavando encontra pratos de cerâmica que sobraram, um martelo de pedra, uma jarra de barro e espero que encontrem este vídeo de uma morte tão virtual que parecerá real e que possa ser encontrado entre escombros por algum antropólogo do futuro. Quero morrer personagem desse vídeo de um homem que ainda fica indignado e denuncia que em 2005 nós, novos Pizarros, continuamos cortando cabeças de multidões famintas. Além disso, meu tempo de viver está se esgotando. Quero ter uma morte útil, deixar uma prova a mais da iniqüidade... Que me acompanha. Cena 9 Personagens: ATOR POLÍTICO (no virtual, em desenho animado) [cantarolando o Hino Nacional, abre a porta para a entrada virutal do POLÍTICO] ATOR Tenha a bondade de entrar. Estava lhe esperando. O local pode não ser muito apropriado para receber um parlamentar. Quer dizer, então, que estamos numa democracia! Mas, não fique parado aí na porta, entre. Muito bem. Usei um subterfúgio para poder contar com sua presença. Quando me telefonaram do partido me consultando sobre a possibilidade de aparecer na televisão divulgando os ideais políticos do socialismo sem falar em socialismo. Não recusei, mas ponderei que esse tipo de conversa não ficava bem fazer por telefone. E mandaram o senhor para cair nessa pegadinha. Já conversei com um velho ator como eu, com uma jovem candidata a atriz, uma jornalista, um diretor de teatro e estava faltando este elemento que também faz o teatro parecer verdade mas não é, o político. Dispensei padres, pastores e professores que também se utilizam de nossas velhas conhecidas técnicas para engambelar seu público, o ofício desses artistas ou religiosos é lidar com o Além ou a Fantasia, portanto, tem menos poder de fogo. O exibicionismo deles faz com que não vejam com clareza o que se passa lá embaixo. São personagens que vivem num palco ou altar e não podem perceber quando os estômagos estão vazios e ingenuamente mentem porque acreditam que estão representando a verdade de uma idéia. Nos políticos as idéias se transformam em fatos, em orçamentos com que se compra comida e vocês políticos sabem que não há comida para todos no orçamento e assim mesmo mentem para manter a ordem, vocês ficaram com o chicote do feitor na mão e patrioticamente cumprem as leis do dono da fazenda, do dono da nação, do novo imperador. O que deve fazer um velho sábio, todo velho é sábio, quando percebe que ninguém cumpre dever algum, e se cada um de nós recebesse o que merece quantos escapariam do chicote? Esta frase é de Hamlet. Mas sente-se, meu assunto não é teatro. Sempre considerei o teatro político encenação de comício. O tema do meu vídeo é morte e suicídio. Encomendei pela internet uma espingarda de dois canos que chegou no mês passado. Ainda não atirei com ela nenhuma vez. O senhor quer beber alguma coisa? Só tenho água e uma pinga muito boa que recebi de Minas. Eu quase não bebo. Prefiro maconha que não dá ressaca e se o senhor não se incomoda vou enrolando um baseadinho enquanto enrolamos nossa conversa sobre a morte física patrocinada pela política. Mas foi muita gentileza sua ter vindo até aqui, é um lugar meio secreto, uma espécie de camarim, de esconderijo, daqui da velhice dá para ver melhor o mundo se desintegrando enquanto vocês não cumprem o papel que todos esperamos da Política. Arma, já tenho. Ainda não dei nenhum tiro com ela. Muito bem, um político. O senhor não quer mesmo beber alguma coisa? É um momento raro poder estar de frente com um clone, com um outro clown, outro palhaço, outro ser em extinção. Temos a mesma especialidade, pregar mentiras, enganar o público. Ganha prêmio quem mente melhor, quem representa melhor. A mentira de um político democrático pode até destruir Bagdá, destruir o mundo, sempre com o apoio de democráticos parlamentos com seus políticos. Mas há um parlamento que está chegando e já se instalou com técnica e arte, com a imagem como ponta de lança. É o cinema e a televisão mostrando as imagens de quem somos e como devemos nos comportar. Não precisaremos mais de parlamentos ao vivo com palavras para criar leis, elas serão criadas diariamente pelos correios, pelos e-mails e pelos textos decorados, tudo pré-gravado e editado, finalmente arte mais forte que a vida. Eu estou nessa, de fora, filmando a própria morte. Espere um pouco, vou buscar a espingarda para lhe mostrar. [Sai de cena. Toca o telefone e depois de três toques é acionada a secretária eletrônica] ATOR [no viva-voz] Fale ou faxe depois do sinal [sinal] VOZ [secretária eletrônica] É do consultório do Dr. Mário para confirmar sua consulta para quarta-feira às 16 horas. Obrigada. ATOR [entra com espingarda de dois canos e desliga a secretária] É meu psicanalista. E esta é a arma que estoura miolos. Dr. Mario diz que este espírito destrutivo que tenho voltado contra mim pode mudar de direção e eu sair por aí metralhando salas de aula ou os iraquianos que for encontrando pela frente, ou políticos. Esta é uma espingarda de dois canos, dá pra dois. Dá pra matar e depois morrer. O senhor não quer tomar nada mesmo? Porque o senhor é um alvo predileto, o primeiro, para falar a verdade, o traidor da minha juventude, quando eu achava que haveria lugar para o emblema da Revolução Francesa -Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Nada disso. Gastei mais de sessenta anos para tirar a radiografia da farsa. Todos podem ser atores ou políticos, o palco ficou democrático, Reagan, Schwarzenegger, até o Papa foi ator. O poder da imagem modificou o foco do olhar humano, agora, a televisão nos dá a imagem de nós mesmos que a literatura dava e não pode dar mais, ela se recolheu. Há uma nova cultura, um mundo novo, com apenas trinta anos mais do que eu e eu sou testemunha dessa mudança. Nós somos um gênero de mentiroso em extinção, a pregação de nossas mentiras ao vivo necessitava de platéias também ao vivo. Mudou tudo, tudo será filmado ou gravado. A literatura e o teatro estão em chamas falando no deserto, o circo político está pegando fogo, expelindo os cupins, e, nesse novo caos a nova Arca de Inter-Noé irá recolhendo os sites de todas as espécies que serão o povo do novo mundo. Aos quinze anos cheguei a encostar a têmpora o cano do revólver que meu pai mantinha escondido numa caixa de sapatos na parte do guarda-roupa em que ficavam as caixas com os chapéus, da minha mãe e os dele. Os homens usavam chapéu naquele tempo. Mas não puxei o gatilho daquela vez mas agora ando pensando em puxar só que não sei mais em qual direção devo atirar. O senhor não quer mesmo beber alguma coisa? Eu preciso. É uma ocasião muito especial estar de frente com alguém da confraria, dos que acreditam que o ser humano tem solução, desde que nessa solução estejam a verdade e a mentira bem misturadas. Tá bom, o senhor está participando de uma pegadinha com um brasileiro louco e velho que já viu muita coisa e irá lhe proporcionar um fuzilamento por traição. (Com a espingarda de dois canos apontada.) E esta é uma arma que estoura miolos. O senhor não quer tomar nada mesmo? O senhor já deve ter percebido que estou possuído por uma espécie de loucura cívica, e que portanto sua vida corre perigo. De vocês sempre esperamos leis que nós protegessem de nós mesmos. As assembléias é que teriam o dever de garantir a igualdade, a fraternidade e a liberdade. Os parlamentos falharam para o novo mundo que está vindo, serão extintos e aos poucos substituídos por uma nova Anarquia Tecnológica Universal e Permanente, uma democracia intergaláctica com poder para detectar e destituir qualquer tirania ao menor sinal de alarme como já devia ter sido feito com este americano louco que destruiu Bagdá por cobiça. Bagdá! Olhe a que ponto podemos chegar com as nossas mentiras. Destruir uma cidade. A democracia desses parlamentos está em extinção. E a morte é a antecipação do fim. [Atira. Chega a sair uma fumacinha, enfia o dedo no que seria o furo da bala e desculpa-se com o diretor de TV] Cena 10 Personagens: ATOR DIRETOR DE TV (no virtual) ATOR Acho que estraguei tua tela. DIRETOR Esta espingarda estava carregada com bala de verdade? ATOR Estava, não. Ainda está. Ela é de dois canos. Você não gravou quando atirei no político? DIRETOR Gravei. Mas achei que era festim. Mas, deixa comigo, vamos continuar! Depois você vem aqui pra cabine e te mostro o resultado. Agora, concentre-se enquanto acerto a câmera e melhoro um pouco a luz. É agora que você vai falar de sexo? ATOR Você só pensa nisso? DIRETOR A maior parte do tempo. E você não? ATOR A procura pelo sexo sempre ocupou boa parte de minha vida, mas ultimamente ando com novas preocupações, alem disso acho que estou meio brocha. DIRETOR Hoje com Viagra sexo não tem mais idade. Quando a coisa está feia, tasca um Viagra de cem miligramas. A química levanta até defunto. Não precisa pensar em suicídio por causa disso. ATOR Estou falando em ereção mental, de vontade, libido. DIRETOR [pausa, sem entender] Sei. Bem. Meu negócio é imagem, já te falei. Vamos continuar? Estou com a cena da candidata a atriz na agulha. Cena 11 Personagens: ATOR ATAHUALPA (no virtual) PIZARRO (no virtual) INCA (no virtual) [Vestindo a roupa de Atahualpa, o ATOR surge na tela em outra cena virtual da peça incaica] PIZARRO [rangendo os dentes doirados] INCA Senhor Inca Atahualpa, Este forte senhor te diz: Hoje mesmo tudo acabará, e tua cabeça e tua imperial insígnia a meu régio senhor levarei. PIZARRO [levanta a espada para degolar Atahualpa] ATAHUALPA Inimigo de barba, forasteiro feroz, Eu não costumo pressagiar A desgraça de ninguém, E nem chegarei a lugar algum, Sem antes lançar-te a maldição Deste memorável dia Em que me arrebatas a vida, Passarei a viver em teu pensamento; Levarás eternamente a mancha de meu Sangue. Jamais poderão meus súditos Pousar em ti os olhos, E o ouro que tanto ambicionas Que o ache com seu esforço, Fazendo fluir suor de escravos, Porque o ouro e a prata Estão escondidos nas entranhas Da pedra das montanhas, E se sobrar algo à luz do dia, Converta-se em cinzas. Oculta-te a opulência, pobreza faz-te Presente. E até mesmo a ave que não tem missão Te desejará desgraças. E caminharás sem descanso E adversários ferozes te destroçarão Com suas mãos, E hás de ter que maldizer A condição incomovível de meu poder Eternamente. Cena 12 Personagens: ATOR PSIQUIATRA (no virtual) ATOR [sob o foco de luz desvestindo-se da roupa de Atahualpa] Acho que é a idade que deixa as coisas mais claras. Sempre fui dividido em sexo e dinheiro, como a mão direita e a esquerda. Convivo com esta divisão com naturalidade, na infância aprendi com um pai metodista, evangélico, e uma mãe católica de colégio de freira, que a vida é assim, um choque entre indivíduos com desejos diferentes e cabe a cada um viver entre essas diferenças e tornar-se indiferente também. Foi o que fiz e sempre vi todos fazendo o mesmo, cada um cuidando de si. Mas é essa indiferença que vem me incomodando nos últimos anos. Como ficar sempre indiferente diante duma realidade que há mais de setenta anos me horroriza? Cheguei até a comprar a espingarda. Sinto que estou regredindo aos quinze anos quando namorei com a morte de frente para o espelho com o revólver do meu pai na testa e vi como ela é. Não me matei, mas aquele gesto teve um significado, fiz um pacto comigo mesmo naquele instante em que ainda não se puxou o gatilho. Seríamos dois, eu e o meu outro eu, os únicos em quem confiar e a quem proteger. Ficaríamos cínicos para sempre à dor ou amor. Foi o que eu fiz, fiquei cínico diante da miséria humana e vivi sempre bem, dividido entre sexo e dinheiro. Mas, ultimamente, tenho sentido uma sensação de sufoco no coração ou na mente, uma espécie de tédio no cumprimento de velhas obrigações que como camadas vão me sufocando, camadas de tédio que vão se acumulando e o suicídio passa a ser uma esperança, a antecipação. Ainda não sei bem quem me trouxe para cá, pode ter sido alguém da família que achou que eu estava louco quando dizia, quando a família se reunia, que para mim a vida estava ficando um filme velho rodando, rodando com imagens novas. Eu seria mais um a olhar a miséria humana como se fosse de uma câmera, desligado do horror. Será que estou louco, será que as crianças enlouqueceram e tomaram conta de tudo ou sou eu só que estou louco? É loucura, nos nossos tempos, querer filmar essa destruição acompanhada pela destruição do próprio corpo? [uma grande pausa antes de se ouvir o DIRETOR DE TV] Cena 13 Personagens: ATOR DIRETOR DE TV DIRETOR E o sexo, cadê o sexo? ATOR Você só pensa nisso? DIRETOR A maior parte do tempo. ATOR Pois fique sabendo que o sexo acumula na minha conta somente uns dez por cento de prazer, ou outros noventa se perderam na memória. Sempre fugia de quem quisesse transformar isso em amor, figura retórica para esconder a avidez por sexo e dinheiro. Quando um velho brocha, o prédio fica lamentavelmente inclinado, um peteleco e ele cai. DIRETOR Já falei que para esses casos há o Viagra... ATOR Não existe viagra pra alma... DIRETOR Meu negócio é imagem, já te falei. Vamos continuar? Estou com a cena da aluna pronta pra soltar assim que você começar a falar. Vamos lá? ATOR Vamos, solta. [entram as imagens da candidata a atriz pelos monitores] Cena 14 Personagens: ATOR GIOVANA, CANDIDATA A ATRIZ (no virtual) DIRETOR DE TV (no virtual) GIOVANA Professor, é a Giovana que está falando, o senhor me dispensou hoje de manhã quando fui aí porque meu físico perturbava o senhor, foi o que entendi, meu corpo desperta desejo no senhor e o senhor não quer ter desejos. Mas nem eu tenho esses desejos que o senhor andou pensando, tenho outros. Quero ser atriz, quero aprender a ser atriz com o senhor, quero fingir que tenho desejos para que todos me desejem. Agora, por exemplo, estou me masturbando nuinha deitada no divã do quarto do meu pai pensando no senhor como se fosse ele. Eu queria me exibir assim como estou, nuinha, para ele, pro meu pai. Como sublimar teatralmente esta sensação? ATOR Minha filha esse teu pretenso erotismo que acabou me incomodando é fácil de resolver. Convide algum amigo seu que tenha alguma câmera, dispa-se na frente dele, sempre olhando para a câmera, masturbe-se à vontade e faça com que ele filme você de todos os ângulos possíveis. Depois dessa você terá aprendido a representar e ele a fotografar. Representar é a ousadia de exibir-se despudoradamente, como você deve estar agora aí nesse divã, toda molhadinha, outras lágrimas que seriam derramadas em dramas que você pretendia que eu viesse lhe ensinar. Depois dessa filmagem com cinegrafista de sua confiança, você estará capacitada para representar qualquer papel. Você terá chegado ao máximo de exibição, ao pornográfico. Se depois você for capaz de rever esse filme sem arrependimento, você estará diplomada. A inibição é o obstáculo inicial para quem quiser ser ator e a curiosidade é que nos leva adiante. Queremos saber tudo de nós para saber o que poderemos copiar dos outros. Todo mundo copia todo mundo, até as nações copiam. O Brasil rico é uma cópia americana e os nossos pobres são semelhantes a todos os outros miseráveis do mundo. GIOVANA Eu quero ser atriz porque acredito no poder transformador do teatro. ATOR Hoje o teatro não tem poder para transformar nada, quem tem esse poder é a televisão e o cinema. É vendo imagens que o mundo muda, é vendo figuras que as crianças que não sabem ler aprenderão folheando revistas e o mundo civilizado assistindo televisão. GIOVANA Pode parecer pretensão minha, mas eu queria ser atriz para me transformar numa agente dessa transformação que o mundo está passando. ATOR Nuinha em pêlo? Já é um bom começo e se você conseguir qualquer papel na novela das oito, ou num bom filme, você automaticamente passa ser um agente transformador, adquire influência, poder e, portanto, dinheiro. GIOVANA Não é dinheiro o que ando procurando. ATOR Se dinheiro você já tem, e tem, porque queria me pagar pelas aulas de arte dramática, não será difícil você encontrar grandes aventuras sexuais nessa profissão que você resolveu escolher. Os artistas são os que mais compreendem as fraquezas humanas. GIOVANA Estou falando sério e o senhor fica zombando de mim. ATOR Não estou zombando. Você continua nua? GIOVANA Continuo. ATOR Para alegria do diretor de imagens desse programa. Creio até que seu futuro de atriz estará mais garantido nas mãos dele, procure-o, você sabe o telefone daqui, ele é o homem que dirige a imagem, transforma ator em imagem, político em imagem, pastor, padre, até a morte ele transfigura em imagem. DIRETOR Obrigado pela parte que me toca, mas só a imagem sem uma emoção humana... ATOR A imagem é que fabrica a emoção humana, por acreditar nisso é que estou aqui, porque você é um grande diretor de cinema, capaz de criar emoção e dramaticidade para o episódio da minha morte sem eu precisar representar e ele será... GIOVANA Morte? Quem vai morrer? ATOR Tão pornográfico como a nudez de uma jovem que quer ser atriz. GIOVANA Alô, alô, Professor? ATOR Estou ouvindo. GIOVANA O senhor falou em morte? ATOR Não penso em outra coisa. GIOVANA Morte de quem? DIRETOR Ora de quem? Dele, quer morrer diante da câmera como aqueles atores que morrem em cena aberta. GIOVANA Há uma câmera aí? DIRETOR E eu estou gravando. É uma encenação que depois de pronta terei o maior prazer em lhe mostrar. ATOR Não é encenação. Hoje estou disposto a ir até o fim. DIRETOR É pra seguir o roteiro? GIOVANA A tristeza mata? ATOR Sim, mas aos poucos... Mas agora perdi a paciência de esperar. Cena 15 Personagens: PIZARRO [na tela, Pizarro carrega a espada e a cabeça decepada de Atahualpa, entregando-a aos reis de Espanha] PIZARRO [o ATOR em cena como PIZARRO] Como pudeste fazer isto? A cabeça deste inca que julgaste ignorante, O rosto deste homem é igual Ao meu próprio rosto. Ai de mim! Ai de mim, Jeová! De tal maneira delinqüi, Escarneci do céu, Fui com minhas próprias mãos e Através de minha maldita espada Verter o sangue deste inocente Inca, Limpo de consciência. Ai, Pizarro, Pizarro, pecador desenfreado Envenenado pelo ouro, Por que cortaste a cabeça deste Inca? Acaso não escutaste sua voz sempre tranqüila? Ocupava seu trono de ouro, Venerado por seus vassalos. Nunca a nenhum irmão Contra seu irmão pôs em guerra, Dava seu apreço aos que mereciam E castigava aos culpados. Ai de mim! Abjeto ser, Coração nascido para a pilhagem! Maldito seja o dia, aquele dia Que tão aziago veio para mim. Cena 16 Personagens: ATOR DIRETOR DE TV (no virtual) DIRETOR Desculpe interromper, mas tem um repórter aqui que quer falar com o Senhor sobre o programa que o Senhor está fazendo aqui no estúdio. ATOR Não tenho nada para falar, o programa ainda não está pronto. DIRETOR Pois é, mas ele ouviu falar num reality show suicida e acha que isso pode dar um bom material para uma reportagem. ATOR Quem falou em suicídio? DIRETOR O senhor mesmo. Foi a pergunta que o senhor fez não sei pra quem, sobre a chave que abre a porta para o suicídio. ATOR E daí? DIRETOR Daí ele está aqui na cabine e quer falar com o senhor. Vou passar o microfone para ele. Cena 17 Personagens: ATOR JORNALISTA (no virtual) JORNALISTA É verdade que o senhor está pensando em suicidar-se? ATOR Desde os quinze anos que isto me parece uma hipótese. JORNALISTA O que lhe aconteceu de tão grave aos quinze anos para o senhor pensar em suicídio? ATOR Foi quando eu desisti de Deus. Me vi sozinho no mundo e fiquei com medo. JORNALISTA O senhor foi educado em colégio de padre? ATOR Isso não vem ao caso. As religiões são sempre a continuação de algum Deus. Não havendo Deus não precisa ter religião. Somos todos pagãos como as árvores e os animais. JORNALISTA O senhor faz parte da natureza e mesmo assim quer se matar? ATOR A natureza humana é escrota e predadora da grande natureza. JORNALISTA O senhor acha que a gravação de um reality show com fim tão trágico possa vir a interessar a alguma emissora. ATOR Todas. Onde há cheiro de morte lá estão elas. JORNALISTA E que motivo elas poderão dar a sua morte. As pessoas hão de querer saber por que o senhor se matou. ATOR Eu tinha alegria quando comecei a achar que tinha encontrado meu lugar, qual era meu papel, minha missão, a gente nasce e morre por alguma razão, não é? Viver é uma missão. A minha era aquela, ser tão útil quanto um professor que merece respeito por ensinar como o ser humano é variado e o que ele tem ainda para aprender. JORNALISTA É a função das artes, não? ATOR Foram de alegria meus trinta primeiros anos de profissão, fazia peças que aumentavam a visibilidade para o universo humano, era o teatro de mãos dadas com a literatura que mostrava o caminho. Me sentia um arauto da inteligência, a literatura dramática fazendo a nossa cabeça. Era os americanos lá na tela, e nós no palco, resistindo, fazendo teatro... Eu protesto contra a opressão das imagens. O teatro ao vivo é o único caminho para poder conhecer o homem de verdade e que ele precisa ainda para aprender. A chegada das imagens do cinema e da televisão foi um golpe. Eu vivi o século XX, o século das revoluções e fui cada vez mais me sentindo parecido com um professor de latim. Eu vi nesses últimos cinqüenta anos a televisão, subliminarmente democrática e grátis, provocar esse tsunami cultural que me fez sentir um professor de um latim que não faz mais parte do currículo. O que fazer? JORNALISTA Mais um professor desempregado... ATOR Um exímio latinista, sem emprego. Quer dizer, emprego ele tinha, porque passou a lecionar geografia, inglês, história. Um latinista é um homem preparado, sempre tem o que ensinar. O que ele não tinha mais era a alegria de ensinar latim. Aquela escola onde se ensinavam essas coisas tinha fechado. É ilusão acreditar que quem faz educação ou cultura seja o governo ou os artistas, quem faz política é a televisão. Pra que livro? pra que teatro? Tudo agora é ensinado por esta nova escola que dá muito lucro e que comanda tudo. Desde a política até a melhor maneira de se escovar os dentes. Estes são os novos professores. JORNALISTA De latim? ATOR De consumo, guerra, sexo, tudo. As imagens que ensinam o caminho do lucro. Lucro! Só interessa o lucro! JORNALISTA O senhor está indignado com o seu destino? ATOR Com o meu e com o seu, com o nosso, esse destino de colônia que dura cinco séculos. JORNALISTA O Brasil é independente do império português desde 1822. ATOR Agora somos colonos de outro império. O americano. Eles fecharam todas as nossas saídas originais e nos deram a régua e compasso para exprimirmos, sempre com obediência, todos seus mandamentos, senão, bomba, invasão, cabendo a nós latino-americanos carregar as pedras para a construção das novas pirâmides no deserto de Wall Street. JORNALISTA O senhor não acredita na democracia? ATOR Ela não serve para nada, é inútil, é como uma religião em que cada um interpreta como quer. JORNALISTA E o senhor acredita que este seu gesto de homem bomba diante de uma câmera pode ter o mesmo significado de um terrorista que se explode em nome de Alá? ATOR Claro. Alá é a televisão, a nova Bíblia, o novo Alcorão, quando explode um homem bomba na Palestina todo o Ocidente sabe por que isso está acontecendo. JORNALISTA O senhor dará mesmo o tiro ou é mais um truque de marketing? ATOR As duas coisas. Morrer sem marketing tira todo o efeito. JORNALISTA Mas, afinal, qual o efeito que o senhor quer causar? ATOR Que houve um homem que se imolou indignado com a destruição de sua cultura e resolveu anunciar a própria morte como se anuncia um espetáculo de teatro. JORNALISTA É um teatro, então? ATOR Meu amigo, o que não é teatro? Tudo é teatro! [para o DIRETOR DE TV] Não dá para tirar esse cara daí? Cena 18 Personagens: ATOR DIRETOR DE TV (no virtual) DIRETOR É a imprensa, sabe como é? ATOR Sei. Mas já falei bastante com ele e temos que terminar isso. Falta matar o outro, não sei se o do sexo ou do dinheiro. DIRETOR Que outro? Eu tenho aqui no roteiro só uma morte. ATOR Ué? Mas o enredo da vida não é assim , cada um de nós sempre querendo matar o outro que está lá dentro? Tirar a dor da consciência? DIRETOR Bem, um, o senhor já matou. Era o do sexo ou o do dinheiro? ATOR Nenhum dos dois. Que pena, pensei que tivesse passado a idéia que tinha matado um político. DIRETOR Ah, o tiro foi no político? Agora estou começando a entender... Cena 19 Personagem: ATOR ATOR “Se te queres matar, porque não te queres matar? Ah, aproveita! Que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse matar-me, também me mataria... Ah, se ousardes, ousa! De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas A que chamamos o mundo? A cinematografia das horas representadas Por atores de convenções e poses determinadas, De que te serve o teu mundo interior que desconheces? Talvez, matando-te, o conheças finalmente... Talvez, acabando, comeces... Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!... Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?” [ATOR suicida-se com a espingarda de dois canos. Black-out rápido. Surge então nas telas o velório do ATOR] Cena 20 [virtual] Dois senhores, de roupas escuras, conversam olhando fixamente para o defunto – o ATOR – em seu esquife; dele vêem-se apenas o nariz e o enorme par de sapatos de palhaço para fora das flores. Um desses senhores, o CABELUDO, é o próprio ATOR, agora transmutado nalgum duplo de si próprio, num personagem a velar o próprio cadáver. CABELUDO Grande alma. CARECA E um belo nariz. Sempre achei que era um homem bonito, mas o nariz dele nunca me chamou a atenção como agora com ele morto ali. CABELUDO Era um idealista! CARECA Era. [pausa] Um nacionalista. CABELUDO Mas racional, sempre racional. CARECA Sempre. Um nacionalista racional. [pausa longa] CABELUDO Ultimamente só falava em morte. CARECA Estava doente? Faz cinco anos que eu não via ele e agora ele tá aí. [dirige-se ao defunto para pedir desculpas atrasadas pela longa ausência] CABELUDO Andava lendo Rilke, dizia que estava aprontando seu barco da morte, que queria morrer levando coisas... CARECA Que coisas? CABELUDO Coisas. Sei lá, memórias. [pausa] Diz que na hora de morrer a vida da gente passa na cabeça como um filme de cinema mudo. [voltam a sentar-se] CARECA O filme dele deve ter sido um longa-metragem. Uma vida e tanto. Ele morreu de quê? No anúncio não fala em causa mortis. CABELUDO Ele queria morrer, pelo telefone dizia que era um enamorado da morte. Nunca levei a sério, achava que era teatro. CARECA Ele sempre foi um ótimo ator. Se safava de todas. CABELUDO Era inteligente! CARECA Era. Mas agora está morto. CABELUDO Fará falta! CARECA Fará? CABELUDO Era um grande ator. Tinha repertório. CARECA [com uma ponta de inveja] Tinha . Repertório, tinha. Fez de tudo. Mas era superficial. CABELUDO Eu diria pão-duro. Superficial, não. CARECA Superficial e pão-duro. CABELUDO [depois de uma pausa] Grande alma. Ateu. CARECA [olhando em volta] Será por isso que está tão vazio? CABELUDO Não. É que ele vivia centrado nele o tempo todo, achava que era uma câmera se filmando o tempo todo, tinha que manter a elegância. CARECA Isto é verdade, sempre foi elegante. Mas, grande ator... CABELUDO Na vida. Era ator na vida. Estava sempre representando para a tal câmera. CARECA Pois é! [longa pausa] Rilke, é? CABELUDO Quando descobriu que a vida era um barco e o nome do barco era Morte, ficou fã do Rilke. CARECA [pausa] Não via ele há cinco anos. Só falava em Fernando Pessoa... CABELUDO Ultimamente era Rilke. CARECA [choroso] Ele queria ser poeta. CABELUDO Ele era um poeta. CARECA Era. Mas agora está morto. PANO Um Homem Indignado Ficha Técnica Autor: Walmor Chagas Direção, cenografia e luz: Djalma Limongi Batista Ator: Walmor Chagas Elenco virtual (por ordem de aparição): Clemente Portella, Amanda Mayo, Luciana Domschke, Víctor Wagner, Emerson Santana, Vinícius Ricci, Germano Pereira, Marco Martini Participações especiais (em virtual): Ítalo Rossi e José Celso Martinez Corrêa Trilha sonora: Clara Becker Direção de produção: Rejane Machado Edição de imagens, som e trucagem: José Motta Criação e direção de animação: Clóvis Vieira Produção de animação: Sandra Mantovani Assistente de direção e cenografia: André Okuma Assistente de câmera e som direto: João Émerson Rocha Instalação e operação de luz: Silviane Ticher Stand-by de operação de luz: Sueli Matuziaki Operador de projeção e som: Ricardo de Oliveira Maquilagem e perucas: Luís Martins Cenotécnicos: Jorge Ferreira, Denis Nascimento e Rouxinol Contra-regra e maquinista: Rouxinol Secretária de produção: Helena Botelho Programador visual: Orlando Pedroso Fotografias para publicidade: João Caldas Patrocínio e realização: Centro Cultural Banco do Brasil – São Paulo Estreou em 17 de março de 2005, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, temporada de quinta a domingo, uma sessão por dia. Duração do espetáculo: 70 minutos Finalizou no dia 21 de setembro de 2005, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, parte do 12º Porto Alegre em Cena, RS. Vila Pirutinga, outono de 2004 Índice Apresentação – José Serra 5 Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7 Persona & Labirinto de Um Homem Indignado 11 A Formação de Um Homem Indignado 13 Performance para Um Homem Indignado 25 O Ator Genial a Caminho de Um Homem Indignado 47 Assim Caminha o Ator de Um Homem Indignado 67 A Carreira 95 Walmor Seduz com Sabedoria 133 Um Homem Indignado – de Walmor Chagas 137 Créditos das Fotografias Arquivo do Estado 38 Atelier R. Schick 16 Atelier Victoria 22 Carlos - Rio 126 Cristina Hirtsch 114 Conrado Wolf 19 Djalma Limongi Batista 61, 62, 63, 64, 66, 116 Elza Lima 132 Foto Mozart 69 Fredi Kleeman 10, 46 Fundação Casper Líbero 109 Giselle Chamma 74 Hago 96 Helio Santos 98, 99, 100 J. Carrara 24 Jornal A Hora 41 Maurice Vaneau 36 Nellie Solifrenick 129 Vasco Brasil 130 TV Globo 124 TV Globo/Vantoen Pereira Jr 87 A presente obra conta com diversas fotos, grande parte de autoria identificada e, desta forma, devidamente creditada. Contudo, a despeito dos enormes esforços de pesquisa empreendidos, uma parte das fotografias ora disponibilizadas não é de autoria conhecida de seus organizadores, fazendo parte do acervo pessoal do biografado. Qualquer informação neste sentido será bem-vinda, por meio de contato com a editora desta obra (livros@imprensaoficial.com.br/ Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 / Demais localidades 0800 0123 401), para que a autoria das fotografias porventura identificadas seja devidamente creditada. Coleção Aplauso Série Cinema Brasil Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Alain Fresnot O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Ary Fernandes – Sua Fascinante História Antônio Leão da Silva Neto Batismo de Sangue Roteiro de Helvécio Ratton e Dani Patarra Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Sérgio Rodrigo Reis Cabra-Cega Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro Carlos Coimbra – Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Romance original e roteiro de Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person O Céu de Suely Roteiro de Mauricio Zacharias, Karim Aïnouz e Felipe Bragança Chega de Saudade Roteiro de Luiz Bolognesi Cidade dos Homens Roteiro de Paulo Morelli e Elena Soárez Como Fazer um Filme de Amor Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade Org. Luiz Carlos Merten Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de Invenção: Os Anos do São Paulo Shimbun Org. Alessandro Gamo Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LG Org. Aurora Miranda Leão Críticas de Rubem Biáfora – A Coragem de Ser Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Desmundo Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui Djalma Limongi Batista – Livre Pensador Marcel Nadale Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro Jeferson De Dois Córregos Roteiro de Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho Os 12 Trabalhos Roteiro de Claudio Yosida e Ricardo Elias Estômago Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade Fernando Meirelles – Biografia Prematura Maria do Rosário Caetano Fim da Linha Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboard de Fabio Moon e Gabriel Bá Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Carlos Alberto Mattos José Carlos Burle – Drama na Chanchada Máximo Barro Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção Renata Fortes e João Batista de Andrade Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema Alfredo Sternheim Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Carlos Alberto Mattos Não por Acaso Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo Narradores de Javé Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Onde Andará Dulce Veiga Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela Rogério Menezes Quanto Vale ou É por Quilo Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente Neusa Barbosa O Signo da Cidade Roteiro de Bruna Lombardi Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto Rosane Pavam Viva-Voz Roteiro de Márcio Alemão Zuzu Angel Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende Série Crônicas Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças Maria Lúcia Dahl Série Cinema Bastidores – Um Outro Lado do Cinema Elaine Guerini Série Ciência & Tecnologia Cinema Digital – Um Novo Começo? Luiz Gonzaga Assis de Luca Série Dança Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal Sérgio Rodrigo Reis Série Teatro Brasil Alcides Nogueira – Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta – Circo e Poesia Danielle Pimenta Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio Org. Carmelinda Guimarães Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior João Bethencourt – O Locatário da Comédia Rodrigo Murat Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher Eliana Pace Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem Rita Ribeiro Guimarães Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC Nydia Licia O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e Poesia Alcides Nogueira O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro Ivam Cabral O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Noemi Marinho Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Neyde Veneziano O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra Prometida Samir Yazbek Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena Ariane Porto Série Perfil Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros Rogério Menezes Bete Mendes – O Cão e a Rosa Rogério Menezes Betty Faria – Rebelde por Natureza Tania Carvalho Carla Camurati – Luz Natural Carlos Alberto Mattos Cleyde Yaconis – Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso – Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Denise Del Vecchio – Memórias da Lua Tuna Dwek Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida Maria Leticia Etty Fraser – Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus Ilka Soares – A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache – Caçadora de Emoções Tania Carvalho Irene Stefania – Arte e Psicoterapia Germano Pereira John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont – Do Cordel às Telas Klecius Henrique Leonardo Villar – Garra e Paixão Nydia Licia Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral Analu Ribeiro Marcos Caruso – Um Obstinado Eliana Rocha Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek Marisa Prado – A Estrela, o Mistério Luiz Carlos Lisboa Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão Vilmar Ledesma Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Elaine Guerrini Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo José – Memórias Substantivas Tania Carvalho Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Borghi – Borghi em Revista Élcio Nogueira Seixas Renato Consorte – Contestador por Índole Eliana Pace Rolando Boldrin – Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho – Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza – Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema Máximo Barro Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Vilmar Ledesma Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro Sonia Maria Dorce Armonia Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Suely Franco – A Alegria de Representar Alfredo Sternheim Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho Vera Holtz – O Gosto da Vera Analu Ribeiro Walderez de Barros – Voz e Silêncios Rogério Menezes Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat Especial Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso Wagner de Assis Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos Tania Carvalho Cinema da Boca – Dicionário de Diretores Alfredo Sternheim Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Eva Todor – O Teatro de Minha Vida Maria Angela de Jesus Eva Wilma – Arte e Vida Edla van Steen Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Lembranças de Hollywood Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca – Uma Celebração Tania Carvalho Raul Cortez – Sem Medo de se Expor Nydia Licia Rede Manchete – Aconteceu, Virou História Elmo Francfort Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte Nydia Licia TV Tupi – Uma Linda História de Amor Vida Alves Victor Berbara – O Homem das Mil Faces Tania Carvalho Formato: 23 x 31 cm Tipologia: Frutiger Papel miolo: Offset LD 90g/m2 Papel capa: Triplex 250g/m2 Número de páginas: 172 Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo © 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Batista, Djalma Limongi Walmor Chagas : ensaio aberto para um homem indignado. / Djalma Limongi Batista – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. 172p. : il. – (Coleção aplauso. Série especial / Coordenador geral Rubens Ewald Filho) “Contém o texto integral do espetáculo Walmor Chagas, Um homem indignado.” ISBN 978-85-7060-615-0 1. Atores e atrizes cinematográficos – Brasil – Biografia 2. Atores e atrizes de teatro – Brasil – Biografia 3. Atores e atrizes de televisão – Brasil -Biografia 4. Chagas, Walmor, 1931 – 1969 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.092 Índice para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei no 10.994, de 14/12/2004) Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 Mooca 03103-902 São Paulo SP www.imprensaoficial.com.br/livraria livros@imprensaoficial.com.br Grande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109 Demais localidades 0800 0123 401 Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria ctp, impressão e acabamento imprensa oficial