Silvio de Abreu Um Homem de Sorte GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN SECRETÁRIO CHEFE DA CASA CIVIL ARNALDO MADEIRA IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira   Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey CULTURA FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Mauro Garcia Coleção Aplauso Perfil   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico  e Editoração Carlos Cirne Assistente Operacional Andressa Veronesi Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Silvio de Abreu Um Homem de Sorte por Vilmar Ledesma CULTURA FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA IMPRENSA OFICIAL SÃO PAULO – 2005 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação elaborados pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Ledesma, Vilmar Silvio de Abreu : um homem de sorte / por Vilmar Ledesma. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005. 432p : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 85-7060-233-2 (Obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-416-5 (Imprensa Oficial) 1. Cineastas e produtores - Brasil 2. Dramaturgo - Brasil 3. Telenovela - Brasil 4. Abreu, Silvio de I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.456 098 1 Índices para catálogo sistemático: 1. Telenovela : Produtores : Brasil 791.456 098 1 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Para Maria Celia e Juliana, minhas inspirações, meus amores, meus esteios. Silvio de Abreu Introdução Houve uma época, ali pelo começo dos anos 90, tempos de Rainha da Sucata e Deus nos Acuda, em que fiz várias entrevistas com Silvio de Abreu. Foram tantas que um dia ele até brincou: Você ainda vai acabar escrevendo minha biografia. Pura simpatia do homem, que sempre foi muito atencioso, nunca dando a mínima para a importância do veículo no qual eu trabalhava ou cargo que ocupava, repórter ou editor – vida de jornalista é cheia de altos e baixos – quando ligava para solicitar uma nova entrevista. Por esses mistérios da vida, o dia de mergulhar mais fundo em sua vida chegou e aí está esse livro que não me deixa mentir. Uma das primeiras coisas sobre Silvio é que ele é um homem de palavra, daqueles que respondem aos recados, diz que vai ligar dali a tantos dias e não falha. Este livro começou a nascer no início de outubro 2004, perto da volta de Deus nos Acuda no Vale a Pena Ver de Novo. Nossa primeira entrevista ocorreu no dia seguinte à reestréia da novela, terça, 9 de outubro, às 16 horas. Ele me esperava na porta de seu apartamento, no topo de um prédio localizado no bairro paulistano dos Jardins. Fomos para seu escritório, ao lado da piscina e com uma estilizada paisagem paulistana no quadro imenso, localizado na parede atrás da cadeira em que ele escreve. Silvio fala de um jeito absolutamente próprio, sempre olhando nos olhos do interlocutor, com as palavras vindo aos borbotões e muitas vezes imita a voz da pessoa a quem está se referindo. No livro, ele conta que, ao sentar-se ao computador para escrever, vai ouvindo as vozes de seus personagens. Seu jeito de conversar também é assim, absolutamente peculiar e muito divertido. Não é nada difícil engrenar um papo com ele e nossas conversas iniciaram com um tema muito diferente – novelas –, mas de como ele as via antes de trabalhar nelas. Como uma conversa sempre vai puxando outra, logo estávamos na sua infância, no Actor´s Studio, em Hollywood, na Excelsior, nas pornochanchadas, na Globo, sem a mínima ordem cronológica. De repente, preocupado como a maneira como vou organizar aquilo tudo depois, ele me pergunta se não está sendo muito caótico. Digo que está ótimo e continuamos conversando por umas duas horas, com interrupções apenas quando ele vai pegar água. Escrevi para essa Coleção Cleyde Yaconis – Dama Discreta e ele me mostra uma foto dos dois em uma cena da peça Tchin-Tchin, num porta-retratos na estante em frente à sua mesa de trabalho – existem outras fotos, dos atores com quem trabalha e de familiares. A foto da peça, da metade dos anos 60, mostra Silvio bem moço e com vasta cabeleira, as perucas que usou por muitos anos. Conta que ficou careca aos 19 anos e nossa primeira entrevista acaba justamente aí, deixando o tema calvície para a próxima sessão. Ao me levar até a porta, Silvio pára diante de uma estante no alto da escada que dá acesso a seu escritório. É ali que ele acomoda seus preciosos álbuns de recortes com tudo o que foi publicado a seu respeito na imprensa. Abre e folheia o primeiro deles, com cartazetes e programas das primeiras peças em que trabalhou como ator e com um brilho de menino nos olhos localiza com o dedo onde ele está numa foto de grupo. A mesma estante abriga várias teses escritas sobre suas novelas e me chama a atenção uma feita por um dinamarquês sobre a influência de Rainha da Sucata nas mulheres brasileiras. Ele me diz que essa é especialmente curiosa. Pergunto se o autor é brasileiro e, de um jeito todo Silvio de Abreu, ele acentua bem o dinamarquês e, brincando, observa: Viu como não sou pouca coisa? Na porta, enquanto esperamos o elevador, volta a comentar seu “jeito caótico” de falar e observo que seu jeito caótico é extremamente bem organizado e que nossa conversa tinha sido ótima. A segunda entrevista demorou um pouco, pois Silvio embarcou para a Grécia, com a diretora Denise Saraceni, para escolher locações para a nova novela que começava a estruturar. Combinou ligar assim que voltasse, o que aconteceu na metade de dezembro. Ao telefone, contou da viagem e de um recuerdo todo especial da Grécia, uma inflamação na garganta. Belíssima, a novela nova é uma das partes interessantes desse livro. Nada de adiantar tramas, o bacana foi que nossas entrevistas ocorreram durante o processo de criação da história, antes que ele sentasse para elaborar a sinopse, que é justamente a parte de seu trabalho de autor que ele diz mais gostar. Então, em várias páginas dá para acompanhar o processo de gestação de uma novela. O segundo encontro ocorreu numa terça-feira, 21 de dezembro, o dia seguinte ao seu aniversário. Mesmo ritmo, sem cronologia, com assuntos brotando (claro que havia um roteiro preparado, mas apenas um roteiro, não um guia fixo), o que se repetiu em nossos três encontros seguintes. Na última entrevista, conversamos sobre viagens e assim que cheguei em casa tocou o telefone: era ele que tinha lembrado de algumas andanças que não tinha me contado. E ficamos um tempão conversando. Esses complementos via telefone aconteceram algumas vezes. Silvio de Abreu é completamente apaixonado por tudo que faz. Sua disponibilidade e gentileza foram fatores fundamentais para a feitura desse livro. Uma das delícias do processo foi o empréstimo de seus primeiros álbuns, com recortes da fase inicial de sua carreira, que esclareceram dúvidas e me ajudaram bastante. Assim que acabaram as entrevistas, Silvio de Abreu embarcou para uma temporada de dois meses em Nova York e combinei que lhe enviaria o livro por e-mail, ainda enquanto ele estivesse lá. A estadia novaiorquina era para começar a escrever a nova novela. Antes de lhe enviar a primeira versão do livro, trocamos alguns e-mails, inclusive um para parabenizá-lo por Deus nos Acuda, que chegava ao fim no Vale a Pena Ver de Novo. Na primeira vez, não pude acompanhá-la muito e agora tinha virado vício. Ele agradeceu a audiência cativa. A primeira versão do livro só chegou às suas mãos bem perto do fim de sua temporada americana. Logo recebi um e-mail me pedindo paciência, que ele estava doido para ler, mas andava envolvido com a novela nova e não queria misturar as estações. Nem precisei ter tanta paciência assim e, em pouco mais de uma semana, ele me devolveu o livro com algumas modificações. Nada de cortes nem supressão de histórias; muito pelo contrário, ele acrescentou algumas que tinha esquecido de me contar. Voltei a trabalhar no livro e prometi enviá-lo novamente assim que a segunda versão ficasse pronta. Nada de modificações profundas, uma revisão mais apurada. Silvio já estava há mais de um mês de volta ao Brasil quando lhe telefonei para dizer que estava enviando a segunda versão. E não levou mais de uma semana para que recebesse a aprovação, e mais algumas histórias que ele acrescentou, sempre com o cuidado de manter a estrutura que pensei para contar a sua história. Então, aí está esse livro-depoimento de Silvio de Abreu, escrito com a supervisão do próprio, o que foi uma honra. Vilmar Ledesma Capítulo I A Hora do Trem Passar Sempre gostei de biografias, principalmente as contadas pelo cinema. Sonhos Dourados (The Jolson Story), Ama-me ou Esquece-me (Love Me or Leave Me), O Grande Caruso (The Great Caruso), Eu Chorarei Amanhã (I’ll Cry Tomorrow), O Homem das Mil Caras (Man of a Thousand Faces), Com Lágrimas na Voz (The Helen Morgan Story), Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me), Meu Coração Canta (With a Song in My Heart) e muitos e muitos outros, são filmes que revejo sempre com grande prazer. Em quase todos existe o momento ápice da emoção, quando o biografado acerta o alvo e daí para frente sua vida muda no inexorável rumo do sucesso. Os roteiristas usavam, com raras exceções, a mesma narrativa para mostrar esse episódio: um trem avança para primeiro plano da tela, corta-se rápido para as rodas, a fumaça, os trilhos e sobre as imagens vão se sobrepondo os nomes dos locais percorridos: Minnesota, Arkansas, Saint Louis, Utah, Baltimore, Chicago, etc... Até que, glória suprema, o trem aporta na Grand Central Station, em Nova York. Não quero ser injusto com os roteiristas e reconheço que havia variações para aviões, navios, ônibus, vans, carros, bicicletas ou qualquer outro veículo que se movesse; como também, ao invés dos nomes dos locais, apareciam sobrepostos os feitos do biografado, as lutas que venceu, os sucessos que emplacou, os livros que escreveu e, verdade seja dita, por mais clichê que isso seja, recursos que já usei muito em novelas. Até hoje adoro esse jeito de Hollywood de contar trajetórias de artistas que chegam ao sucesso, mas meu maior problema, durante grande parte de minha vida, foi que meu trem não chegava nunca. Trabalhando como ator, fazia personagens em peças de teatro, filmes e novelas sempre na esperança, e nada do comboio chegar. Durante os primeiros anos, tentei muitos caminhos: ator, assistente de direção, administrador e produtor executivo de teatro, assistente em televisão e qualquer outra atividade que pudesse me manter no meio artístico, mas o trem do meu sucesso parecia ter se perdido numa curva ou, então, despencado por um despenhadeiro. Vai se saber o que o destino nos reserva! Um dia, e acredito mesmo que sempre chega esse dia, comecei a escrever, depois a dirigir, e foi a hora do danado aparecer como se estivesse estado sempre ali, na virada da curva, esperando o momento certo. Fiquei muitos anos na plataforma da estação, mas, depois de ter escrito e dirigido o primeiro filme e no dia da estréia ser convidado para fazer mais três, finalmente consegui embarcar e o trem veio majestoso para o primeiro plano da tela, entraram os trilhos, a fumaça, as rodas e apareceram os cartazes sobrepostos dos filmes, imagens dos programas de televisão, trechos das novelas, os prêmios, o reconhecimento... Dez anos depois, já entrava pela porta da frente da Rede Globo, desfrutando honras e glórias pelo sucesso da novela que escrevia para o horário das sete. Não precisava mais esperar, infinitamente, em uma das duas poltronas da portaria, minhas velhas conhecidas. Era outubro de 1983. No ar há cinco meses, Guerra dos Sexos estava no auge e eu era o autor mais badalado da televisão brasileira, aquele que tinha revolucionado as novelas, tirado o ranço, injetado humor no gênero, quebrado tabus, conseguido um elenco magnífico, críticas esplêndidas e coisa e tal. Guerra dos Sexos era mania nacional, eu adorava escrevê-la, os atores adoravam representá-la e o público adorava assistir, o que podia ser melhor?... Porém, a vida continua e, em todo roteiro que se preze, algo tem que acontecer para agitar a monotonia. Um telefonema inesperado veio anunciar a chegada da tempestade e colocar em dúvida se eu havia embarcado no “trem” certo ou ia ter que descer na próxima estação. Era Paulo Autran me avisando que estava no Instituto do Coração e que de lá iria direto para o Hospital Beneficência Portuguesa colocar quatro pontes de safena: Não sei quando, nem se vou voltar... Infelizmente, você vai ter de me tirar da novela. Desliguei o telefone na sala do apartamento em que morávamos desde que havíamos nos casado e fui para a cozinha onde minha mulher, Maria Celia, ajudava nossa única filha, Juliana, então com sete anos, em seus deveres de escola. Como sempre faço quando tenho de arrumar alguma solução, fiquei andando de um lado para o outro, esbravejando todas as saídas que apareciam na minha cabeça e ouvindo a opinião sempre inteligente e ponderada de minha mulher. Nada me parecia, ao menos, aceitável. No clima de urgência que invadiu a pequena cozinha, minha filha aproveitou seus cadernos e escreveu algumas idéias que, infelizmente, também não me tiraram do desespero. Liguei para meu colaborador na época, Carlos Lombardi, ainda em início de carreira, dividimos o problema e nenhuma solução satisfatória apareceu... Tinha de encontrar uma saída para justificar a futura e irremediável ausência de Paulo Autran; além da sua importância, qualidade e carisma de ator, Bimbo, seu personagem, fazia enorme sucesso e era o esteio do principal conflito da novela. Paulo estava por volta dos 60 anos de idade, a operação era delicada, envolvia um grande risco de vida. Como amigo e colega, torcia para que tudo saísse bem e ele se recuperasse o mais breve possível, mas como autor, responsável por um produto que emprega centenas de pessoas e é o esteio da programação de uma emissora de televisão, tinha que arrumar uma solução satisfatória, principalmente para o público. Se eu o matasse na novela e ele morresse na vida real seria uma tragédia de horrível mau-gosto, tanto na realidade quanto na ficção. Afastei de imediato essa hipótese de mau agouro em todos os sentidos. Peguei o carro e saí para refletir. Rodava pelas ruas e viadutos de São Paulo atormentado por aqueles pensamentos negativos que insistem em surgir nas horas de crise: Nada vai dar mais certo, é sempre assim... Quando penso que consegui chegar a algum lugar, volta tudo para a estaca zero – aqui devo confessar que tenho certa tendência a exagerar quase tudo na vida. De repente, o sucesso, o prestígio, a aceitação da novela tinham ido para o ralo e eu estava de volta à Baixada do Glicério, na Zona Leste de São Paulo, onde nasci e passei toda minha infância de garoto pobre que, mesmo em uma multidão, se sentia solitário, deslocado, injustiçado, sem seu lugar no mundo. Não me lembro de ter tomado esse rumo, mas o carro me conduziu até lá, Rua Conde de Sarzedas, 415. O sobrado não existia mais, a pracinha tinha um grupo escolar em vez da igrejinha da minha infância e a venda do seu Antônio, onde eu comprava balas Futebol e Fruna para colecionar as figurinhas ou jogar “bafo” com os outros garotos da escola, já devia ter fechado há muitos anos. Era como num filme, lá estava eu de volta a Peyton Place. Parei o carro, desci, fiquei olhando as residências humildes, as calçadas sujas que desapareciam nas enchentes, as ruas esburacadas e então passou uma senhora que reconheci da minha infância. Era mais velha que eu, tinha sido a garota que todo moleque da rua queria estar perto; gêmea, com uma irmã tão bonita quanto ela; contavam proezas incríveis que as duas faziam com os garotos mais velhos no porão da casa delas. Coitada, como o tempo tinha sido mau para ela. Envelhecida, vincada, mal vestida, passou por mim carregando uma sacola com algumas verduras, laranjas, mamão, banana, devia estar voltando da feira na Rua Thomás de Lima. Não me olhou, fiquei observando-a enquanto subia a ladeira e, de repente, me veio à cabeça um pensamento tão claro, tão simples e ao mesmo tempo profundo e absolutamente definitivo: É bom parar de frescura e ter uma boa idéia, já, se não quiser viver como as pessoas que nunca conseguiram sair daqui. Uma coisa era mais do que certa, certíssima: já tinha embarcado no meu trem, saído daquela vizinhança e não estava com a menor vontade de voltar para lá. Foi como se tivesse tomado uma injeção na veia; no mesmo instante, imaginei uma flecha flamejante que entrava pela janela da casa de Charlô e Bimbo e ia se alojar no nariz do imenso retrato do tio sobre a lareira. Olívia, a fiel escudeira de Charlô, num grito de pavor, chamava a patroa e ambas descobriam, atônitas, que Bimbo havia sido seqüestrado; nenhuma outra informação, nada que pudesse dar uma pista, nada, absolutamente nada!... Daí para frente, Charlô teria que descobrir o paradeiro do primo, se não quisesse perder a aposta que fizeram sobre a superioridade de um sexo sobre o outro no motivo principal da novela. Tinha certeza clara e absoluta que esta maluquice me levaria a muitos e muitos desdobramentos úteis à trama. Nenhuma dúvida mais me incomodava. Comecei a dirigir de volta para casa imensamente feliz, rindo, me divertindo com as futuras cenas, os diálogos, as gags, os desdobramentos... Voltei a ligar para o Carlos Lombardi, que gostou da idéia, acrescentou outras, recolhemos os capítulos já entregues para a produção, reorganizamos, reescrevemos, inventamos, nos divertimos, morremos de trabalhar, a coisa andou e Guerra dos Sexos foi mais sucesso ainda do que era antes da crise. Nas entrevistas, eu dizia que, dali a 40 capítulos, Bimbo estaria de volta. Era um chute, não existia a menor garantia de que isso fosse acontecer. E Paulo Autran voltou dali a 41 capítulos, parecia mágica. O seqüestro inventado para explicar a ausência do personagem deu um novo gás para Guerra dos Sexos com os bilhetinhos e sabotagens que Bimbo aprontava, de longe, para confundir Charlô, e possibilitou a entrada de novos personagens, novas tramas, novas confusões, mais comédia. Foi tão criativo que agora, quando escrevi o roteiro para o filme baseado na novela, usei tudo, a improvisação funcionou, o desafio estimulou a imaginação e novas idéias brotaram. Essa crise serviu para acabar com meus medos e me convencer que existe sempre uma solução para tudo. Como dizia meu grande amigo Ademar Guerra: Pensar não dói! A receita é simples: controlar a ansiedade, afastar o medo e tocar para frente, sempre! Lembrei-me agora de um ensinamento que tem sido importante na minha vida. Tirei do biográfico Eu Chorarei Amanhã e, por ser um filme estrelado por Susan Hayward, costumo dizer que é a oração dela, mas na verdade é o lema dos Alcoólicos Anônimos; embora eu não seja um deles, tem me beneficiado muito: Que Deus me dê serenidade para aceitar o que não posso mudar, força para mudar o que posso e sabedoria para saber a diferença. Dessa vez, o meu trem chegara mesmo e eu, sentado confortavelmente no vagão da primeira classe, não sentia a menor vontade de desembarcar. Capítulo II Quando as Nuvens Passam Fui gerado em Catanduva, interior de São Paulo. Pai músico, mãe costureira, dois irmãos e, mais tarde, nossa irmã caçula. Éramos seis, como no livro de Maria José Dupré, de onde adaptei minha primeira novela. Minha infância foi pobre, mas nunca miserável. Mozart de Abreu, meu pai, tocava num conjunto musical que foi contratado para animar uma casa noturna de Catanduva. Na cidade, conheceu Anna Mestieri, minha mãe, que trabalhava como costureira. Enredo para filme da Metro dos anos 40, o romance com o músico de cabaré não foi nada bem recebido pela família da moça, mas eles, apaixonados, venceram as resistências, acabaram se casando e ainda estão juntos 65 anos depois. Meu irmão mais velho, Ubaldo, já falecido, nasceu em Catanduva. Quando minha mãe engravidou pela segunda vez, eles vieram para São Paulo e eu nasci na Casa de Saúde Dom Pedro II, na esquina da Rua da Mooca, em 20 de dezembro de 1942. Antônio Carlos e Ana Maria, meus outros irmãos, também são paulistanos. Meu pai, a princípio, era pianista. Depois, influenciado por Glenn Miller, aprendeu trombone de vara; porém, com o avançar da idade, sem firmeza suficiente na boca para o sopro, voltou ao instrumento antigo. Como pianista, foi trabalhar no Circo do Piolim, na Praça Marechal Deodoro, onde nos levava todos os domingos. A primeira parte do espetáculo com trapezistas, equilibristas, mágicos e domadores me agradava bastante, mas o que me divertia de verdade era o esquete cômico de mais ou menos meia hora, quando Piolim, sempre caracterizado de palhaço, contracenava com outros atores. Depois do cinema, aquela representação singela e divertida era o que estava mais perto do que poderia chamar, na época, de divertimento. Foi no circo que comecei a gostar de comédia, de correria, de tropeção, de torta na cara; bem antes de descobrir a revista com aquelas deslumbrantes vedetes de coxas de fora, o teatro de comédia do Nino Nello e as peças de Dercy Gonçalves que, de certa forma, estavam sempre muito próximas da liberdade de encenação e improviso das patuscadas armadas pelo grande palhaço que foi Piolim. A dramaturgia nasceu na Grécia, nas festas encenadas em louvor ao deus Dionísio em uma celebração de fé e alegria. A nossa começou na burleta, nas comédias, encenadas nas praças, nos circos, sempre com o intuito de se comunicar com o povo, de ser para o povo, de divertir o povo. Cada vez mais, só consigo entender minha profissão com este intuito. Inegavelmente tenho um lado fortemente popular que cultivo sem nenhum pudor e com enorme prazer, apesar de lamentar que, hoje em dia, infelizmente, a vulgaridade esteja cada vez mais perto deste segmento. Tinha cinco anos quando fui ao cinema pela primeira vez. Meu pai e minha mãe me levaram ao Cine Metro, na Avenida São João, centro de São Paulo, para assistir a Quando as Nuvens Passam (Till The Clouds Roll By). Fiz as contas depois: o filme é de 1947, deve ter passado aqui no ano seguinte, e como faço aniversário em dezembro, devia ter cinco anos. Tenho a imagem nítida até hoje, na minha memória, de um templo todo atapetado de vermelho, com cortinas da mesma cor, sofás e estofadas poltronas de couro na sala de espera e, sobre a bonbonnière, o famoso emblema dourado, Ars Gratia Artis, formado pelo rolo de celulóide com Leo, o leão, no centro. Chegamos com o filme pelo meio e, enquanto o lanterninha não aparecia para nos levar até nossos assentos, ficamos esperando em pé, no fundo da sala escura. Primeiro foi o impacto daquela tela imensa, brilhante, colorida, onde uma garota linda de cabelos claros atados à nuca, vestindo um avental imaculadamente limpo, sob luz intensa e brilhante, cantava uma envolvente melodia enquanto lavava enorme pilha de pratos. Era a primeira vez que via uma imagem tão apaixonante e que me emocionasse com tanta força. Jamais perdi essa impressão e hoje, muitos e muitos anos depois, ainda não descobri nada que me encante tanto quanto o cinema. Evidentemente, aos cinco anos, não tinha a menor idéia que a moça era Judy Garland, que naquela cena interpretava Marilyn Miller, uma grande estrela do Ziegfeld Follies, e cantava Look for the Silver Lining, música de Jerome Kern, que era biografado naquele filme. Quando as Nuvens Passam é recheado de números musicais e o prazer que me proporcionou ficou em mim para sempre. A partir daquele dia, e muitos e muitos filmes depois, só um pensamento me perseguia: queria entrar naquela tela, ser uma daquelas pessoas, ter uma vida cheia de emoções, cantar, dançar, esgrimar, cavalgar ao crepúsculo, viajar o mundo de navio, ir a hotéis maravilhosos, a praias deslumbrantes, lutar, vencer, casar com a mocinha do filme e ser feliz para sempre. Minha paixão por musicais só cresceu, até porque inaugurou na Rua do Glicério, a dois quarteirões da minha casa, um cinema do circuito Metro. Nessa época, o estúdio mais importante de Hollywood produzia muitos filmes do gênero e todos passavam no Cine Itapura. Além de ser o único cinema em que eu podia ir sozinho, minha tia Carmem namorou o gerente durante um tempo, depois descobri que a bilheteira era filha de uma amiga dos meus pais e, então, nunca paguei ingresso e podia ficar quanto tempo quisesse. Via os filmes inúmeras vezes em muitas e muitas sessões corridas, como se dizia naquela época. Foi quando comecei a aprender a língua inglesa – primeiro assistia e lia as legendas, depois só ouvia as palavras e fazia a analogia. Dependendo do filme, acompanhava a trilha musical nos programas de rádio, tirava a letra de ouvido e corria ao dicionário para saber palavra por palavra o que diziam. Tudo isso pode até explicar minha paixão por musicais, mas a verdade é que os filmes americanos produzidos naquela época, principalmente pela Metro, eram realmente espetaculares. A idéia da felicidade colorida dos musicais, onde se canta e dança em cenários impecáveis, por ruas limpas e bem iluminadas, habitadas por pessoas bonitas, sempre bem vestidas e elegantes, preencheu toda a minha infância. O problema era que a realidade à minha volta pouco tinha de felicidade, nada de fantasia e muito menos de elegância. Descobri depois que vivia em um cenário de filme B, preto-e-branco, da Warner Brothers e, mais tarde ainda, em algum lugar sujo de Roma ou Nápoles e isto para mim, naquela época, não tinha o menor encanto. A ladeira de casas pobres e sobrados antigos onde morávamos era muito íngreme e os carros, vindos da Praça João Mendes, desciam a toda velocidade, provocando muitos acidentes. Por legítima preocupação de nossos pais, meus irmãos, eu e meus primos éramos proibidos de brincar na rua; o problema, porém, piorava porque, dentro de casa, também não se podia fazer nada para não atrapalhar a vida dos adultos. Como não suportava aquela situação, vivia fugindo e por isso era considerado muito rebelde. Um dia, brincava atrás de um caminhão estacionado a poucos metros da minha casa, atravessei a rua sem olhar e fui atropelado por um Chevrolet preto, que muitos anos depois virou o carro do serial killer de A Próxima Vítima. Caí no chão, raspei a cara, só um susto; a conseqüência pior foi que a proibição ficou ainda mais rigorosa. No sobrado de dois quartos, sala, banheiro, cozinha e quintal pequeno, moravam meus pais, os três filhos (minha irmã ainda não havia nascido), um tio solteiro, uma tia casada, com marido e mais dois filhos, meu avô e minha avó, além dos parentes e amigos do interior que apareciam e se aboletavam por lá. Não posso dizer que era um cortiço, embora o clima fosse esse, mas era daquelas moradias com muita gente, sem espaço para ninguém, mais perto de um filme de Ettore Scola do que de Vittorio De Sica. A sala vivia coberta pelas partituras que meu avô, Ubaldo de Abreu, músico e maestro de banda, copiava a pena e tinteiro e deixava secar, espalhando-as pelas mesas e cadeiras, exatamente como Celinho, personagem de Ary Fontoura em Jogo da Vida, fazia na novela. Privacidade era algo que não existia nem no quarto improvisado na sala, atrás de uma estante e uma cortina, que dividia com meus irmãos e muitas vezes também com os primos. Como não se podia sair nem ficar em lugar algum sem incomodar alguém, arrumei meu canto em um dos arcos debaixo da escada do quintal, perto do tanque. Foi lá que comecei a dar vazão à minha fantasia. Em uma caixa de sapatos, abri um quadrado igual a uma tela de cinema; recortei as tiras de figuras dos gibis, prendi cada extremidade em um dos dois carretéis de linha vazios que peguei na caixa de costuras da minha mãe, fiz uma alavanquinha de arame, coloquei um carretel em cima e outro embaixo da tela que havia cortado na caixa, acendi uma vela atrás e pronto, já tinha o meu cinema. As histórias vinham do meu outro interesse cultural da época, os gibis. Adorava Super-Homem, Tocha Humana, Príncipe Submarino, Homem de Borracha, Cavaleiro Negro, Batman, Fantasma, Mandrake, Príncipe Ibis e, principalmente, o Capitão Marvel. Misturava todos eles, quando não gostava do fim de uma história, enxertava parte de outra, substituía as figuras. O curioso é que nunca havia aprendido que isso poderia ser feito, nunca ninguém me ensinou, acho que inventei. Mais curioso ainda é que já li muitas e muitas biografias e entrevistas de diretores de cinema, dos mais diferentes países e das culturas mais diversas, que fizeram exatamente o mesmo sem também terem aprendido com ninguém, deixando apenas a sua imaginação funcionar. Mais ou menos um ano depois de me extasiar com o musical americano, descobri o que seria outra paixão por toda a vida. Em uma segunda-feira de fevereiro de 1949, no Cine Art-Palácio, também na Avenida São João, assisti a Carnaval no Fogo, falado em português, mais engraçado que os musicais americanos, alegre, feliz, malicioso, com dança, canto, brigas, confusões, muita música de carnaval que eu já escutava no rádio e um monte de mulheres de maiô. O fato das chanchadas não serem coloridas nunca me incomodou, a alegria que passavam ao espectador supria qualquer possível desvantagem. Oscarito, Grande Otelo, Eliana, Anselmo Duarte, José Lewgoy, Adelaide Chiozzo, Catalano, Ivon Curi, Fada Santoro, Cyll Farney, Cuquita Carballo, Heloísa Helena e todo o elenco da Atlântida, além dos cantores e cantoras que apareciam nos filmes, passaram a ser os meus ídolos. Essa turma falava a minha língua, mas vivia em um lugar mais distante e encantado, o Rio de Janeiro. Então, conhecer a cidade maravilhosa onde todos cantavam, dançavam e se amavam pelas calçadas de Copacabana em lindos dias de sol, passou também a ser uma das minhas importantes metas de vida. Sabia que muitos desses artistas se apresentavam na Rádio Nacional, mas o maldito rádio lá de casa não pegava a emissora carioca. Tinha o Programa César de Alencar, Manoel Barcelos, César Ladeira, Renato Murce, as novelas com Ísis de Oliveira e Paulo Gracindo. Acompanhava tudo pela Revista do Rádio, mas só conseguia ouvir nas férias, quando íamos para Catanduva onde, sei lá por que mistério da radiofonia cabocla, se escutava a mais famosa rádio do Brasil. Na pacata cidade do interior, a molecada ia brincar na rua empinando papagaio ou correndo em carrinhos de rolimã e eu ficava ao lado do rádio, escutando tudo isso, mais o Balança Mas Não Cai e as Piadas do Manduca. É claro que às sete horas corria para o Cine República ou para o Cine Bandeirantes que passavam um filme diferente todo dia. Antes de entrar, tomava um leite batido na Sorveteria do Pelizon, comprava um punhado de balas Chita e embarcava na minha fantasia predileta. Em 1981, na novela Jogo da Vida, também coloquei o personagem de Ary Fontoura falando muito sobre Catanduva e no jornal de lá saíram matérias questionando: O que será que Ary Fontoura tem tanto a ver com nossa cidade? Levaram um tempo para descobrir que era o autor que tinha: passava as férias na cidade, onde morava a querida família de minha mãe. Em Catanduva, não fazia meu cineminha de caixa de sapato, montava espetáculos. Até então nunca tinha ido ao teatro e minhas referências eram circo e cinema. Num tablado improvisado no quintal, erguia um arco e alguma criança pulava através dele e fazia uma especialidade. Uns cantavam, outros recitavam, faziam mágica, liam alguma coisa e eu inventava o que deveria ser feito, dirigia e cobrava entrada da criançada que ia assistir. Pensando bem, só o fato de nunca ter sido tentado a me apresentar em cena já deveria ter me alertado que eu seria muito mais talhado para ficar nos bastidores do que me expor nos palcos ou em frente às câmeras, mas isso só fui descobrir muito depois. Sempre ficávamos três meses por ano em Catanduva, hospedados por vô Felipe e vó Maria, italianos de nascimento e coração, pais de minha mãe. A casa deles, na Rua Belo Horizonte, não era grande e lá também moravam outros parentes: meu tio José, o Zé Bolacha, chofer de caminhão, e sua mulher, Leontina – que foram personagens em A Próxima Vítima –; minhas tias solteiras, Carmem e Luiza –; que foram os personagens Clotilde e Olga em Éramos Seis –, e, nas férias, a nossa família, que invadia todos os anos aquele espaço sem a menor cerimônia. Muito diferentes da família de meu pai em São Paulo, lá ninguém brigava, não gritavam e eram extremamente amorosos. Quase sempre, minha avó preparava o macarrão sobre a imensa mesa de madeira da cozinha e todos se desdobravam em atenção e gentilezas, para que as nossas férias fossem as mais agradáveis possíveis. Durante toda minha infância achava deliciosos os três meses que passávamos lá; depois, na adolescência, os primeiros 30 dias eram tranqüilos até começar a ficar agoniado, louco para voltar. Sentia falta da agitação, do trânsito, das ruas, do barulho, das pessoas, da confusão, do meu caos. Capítulo III Cheirando a Pecado Para ver o elenco da Atlântida, fui ao teatro pela primeira vez. Tinha 12 anos e essa experiência ficou bem gravada na minha cabeça, assim como a primeira ida ao cinema. A peça se chamava Constelação e trazia a turma das chanchadas, ao vivo, em carne e osso, pela primeira vez a São Paulo. Havia em tudo isso uma emoção extra: era Teatro de Revistas, que para mim sempre foi algo proibido, cheirando a pecado. Assistir a um espetáculo desses também era uma das minhas metas de vida, ainda mais no Teatro Santana que, na minha cabeça, era quase um templo de sacanagem. Se bem que revistas eram feitas até em circos e, voltando um pouco atrás, houve um dia em que Elvira Pagã foi a grande atração do Circo Piolim, mas não houve jeito de meu pai me levar para vê-la. Explicando melhor: nos anos 50, os nomes de Elvira Pagã e Luz Del Fuego aumentavam a libido da população masculina e soavam como palavrão ao ouvido das famílias. Uma aparecia pelada e a outra, além de pelada, enrolada numa cobra. Eram duas mulheres enormes, coxudas, libidinosas, sempre em posições eróticas nos anúncios dos jornais, cobertas apenas por uma tarja preta onde se lia: Rigorosamente Proibido para Menores de 18 Anos; que menor de idade não iria querer ver? Além delas, outras vedetes também faziam espetáculos em outros templos da perdição: Virginia Lane, Mara Rúbia, Nélia Paula, Angelita Martinez, Dorinha Duval, Renata Fronzi, Eloina – eu conhecia todas pela revista Ronda da Noite, uma pré-Playboy de segunda classe, que colecionava escondido junto com Cinelândia e Filmelândia, minhas revistas prediletas. Um dia, admirava em alguma dessas duas revistas a foto de Virginia Lane, em frente a uma rede de pesca, com apenas dois peixinhos minúsculos nos bicos dos seios e outro, não muito maior, na parte inferior. Nem era uma foto grande como as que saíam na Ronda da Noite, era pequena, discreta, mas deixou o filho caçula e predileto dos meus avós muito escandalizado. Aqui é preciso explicar que, pela falta de autoridade de meu pai diante da família dele, por causa da posição inferiorizada que meu avô sempre o colocava, todos se sentiam no direito de intervir na nossa educação. E havia um grave motivo para este procedimento do meu avô, que posava de patriarca de moral ilibada dentro da família, mas mantinha uma amante e um filho em outra casa que visitava freqüentemente. Meu pai, o filho mais velho, sempre se rebelou contra essa situação e a forma que meu avô encontrou para manter as coisas do jeito que lhe convinha, e ainda preservar a sua dignidade aparente, foi neutralizando meu pai, roendo a sua confiança e auto-estima. Não é difícil entender por que o falso moralismo e a hipocrisia eram partes integrantes da nossa família e depois dessa revelação já não preciso mais explicar porque acabei escrevendo novelas; a verdade é que passei toda a minha infância e parte da adolescência dentro de um enredo de novela das oito. Voltando à história das revistas, aquele tio insuportavelmente mimado e mais fascista ainda do que meu avô, usando de uma autoridade que não tinha, sem falar com meus genitores ou discutir o problema, resolveu vasculhar embaixo de minha cama e achou a caixa de papelão onde estava escondido meu tesouro erótico-cultural. Quando voltei da escola, uma enorme fogueira ardia no quintal, transformando toda a minha preciosa coleção de revistas em cinzas. Ninguém brigou, protestou ou, ao menos, conversou comigo sobre o assunto, nenhuma explicação me foi dada, só ouvi a sentença. Era um absurdo que um menino se interessasse unicamente por cinema, histórias em quadrinhos e revistas de mulheres peladas. A inquisição decidiu rápida e rasteira: dali para frente eu só poderia ler livros e estava proibido de ir ao cinema. Não posso dizer que eles estivessem errados no objetivo, mas a forma de tratar o problema foi desastrosa e de péssimas conseqüências para mim. Com relação às idas ao cinema, não me preocupei, já sabia muito bem como fugir, cabular as aulas e me enfiar em alguma platéia para assistir a um filme, mas passei a fugir dos livros mais do que o diabo da cruz. Humilhado, revoltado e teimoso feito uma porta, como minha avó dizia, nunca mais peguei em um livro e demorou alguns anos até que descobrisse o prazer pela leitura. Quando criança, nunca li Monteiro Lobato, os contos de Grimm, as fábulas de Esopo ou Charles Dickens; só fui conhecer tudo isso muito tempo depois, na adolescência. Mesmo que às vezes me desse vontade de ler uma ou outra história, não o fazia, não iria dar o braço a torcer pra aquele estrupício autoritário e metido do meu tio. Hoje tenho grande prazer na leitura, gosto de livros, possuo uma vasta e variada biblioteca e, junto aos importantes autores, muito bem encadernadinhas, preservo as coleções completas de Cinelândia, presenteada por um grande amigo, Elói de Araújo, e Filmelândia, que comprei num sebo. As duas revistas têm sido muito úteis à minha profissão; infelizmente, nunca mais ouvi falar da Ronda da Noite. Só aos 16 anos, munido de uma carteira de estudantes devidamente falsificada por água sanitária, consegui assistir a um verdadeiro espetáculo de revista. Era O Diabo Que a Carregue Lá Pra Casa, no Teatro Paramount, estrelado por Íris Bruzzi, mulher do mítico produtor Walter Pinto, que dava ali o seu canto de cisne. Esse gênero de teatro engloba tudo o que me agrada: música, dança, luxo, piadas, malícia, esquetes e lindas mulheres com pouca roupa. Não foi à toa que, muitos e muitos anos depois, escrevi para Cláudia Raia três shows do gênero, com os quais fizemos muito sucesso pelo Brasil e que resultaram também em uma série de programas semanais na Rede Globo. Constelação, com o elenco da Atlântida, também era assim na estrutura, mas muito diferente no conteúdo mais ingênuo, mais família, censura livre. Tinha os esquetes, os números musicais, Adelaide Chiozzo tocando seu acordeon, Eliana e Cyll fazendo comédia e terminava na apoteose com Eliana, de fraque, cartola e pernas de fora, exatamente como já tinha aparecido em Carnaval Atlântida, cantando: Havia uma garota muito boa/ Com pinta de empregada que queria ser patroa/ E o seu sonho quase se realizou, ô, ô, ô/ Ela deu sopa e o patrão não bobeou... E, aos 12 anos, eu tinha certeza plena, total e absoluta, que não era possível haver nada melhor no mundo do que o que estava tendo o privilégio supremo de assistir naquele momento. Capítulo IV Meu Super-Herói Na minha família, a aposta era no meu irmão mais velho, Ubaldo, o filho mais bonito, talentoso, melhor aluno, que tocava piano e era aplicado na escola. Eu era o segundo, o mau aluno, o que não lia, não estudava, que só queria saber de história em quadrinhos e de ir ao cinema. Era rebelde, desobediente, revoltado, solitário, aquele que só dá problemas e que não tinha a menor possibilidade de dar certo na vida. Eu me sentia o ovelha negra, destinado ao fracasso eterno. Meu super-herói preferido, como já disse, era o Capitão Marvel. Fiquei fascinado desde a primeira vez que li sua história, quando Billy Batson, perdido em Nova York, entra numa estação de subway abandonada e encontra o mago Shazam que lhe dará superpoderes todas as vezes que o anagrama que forma seu nome for pronunciado. Mais do que gostar do Capitão Marvel, eu precisava ser o Capitão Marvel. Nenhum outro super-herói me empolgava tanto. Há alguns anos, refleti sobre isso na terapia: os outros super-heróis sempre foram dotados de superpoderes, são homens fortes que se disfarçam de fracos. O Super-Homem veio de outro planeta e nasceu com sua visão de raio X, seu poder de voar, seu corpo de aço e coloca óculos para enganar que é Clark Kent; Batman é um milionário aventureiro que veste uma roupa de morcego sempre que precisa defender Gotham City; o Fantasma, o Cavaleiro Negro, o Homem-Aranha, todos que se escondem atrás de uma identidade secreta, são super-heróis disfarçados de gente comum para não serem descobertos por seus inimigos e poderem viver em paz no anonimato na sociedade. Billy Batson não: é apenas um garoto, sem força alguma, que grita: “Shazam!” e vira outra pessoa, o poderoso Capitão Marvel. E tudo que eu queria na minha infância e adolescência era, urgentemente, virar outra pessoa, e se fosse um super-herói invencível, melhor ainda. Não tinha no universo a meu redor nada com que me identificar. Só dentro do cinema é que eu conseguia ser, por duas horas, Gene Kelly dançando com Leslie Caron às margens do Rio Sena em Paris; Fred Astaire cantando para Cyd Charisse no Hotel Plaza de Nova York; Stewart Granger esgrimando com James Mason num castelo do sul da França; Howard Kell namorando Kathryn Grayson pelo Rio Mississipi. Precisava urgentemente me transformar em outra pessoa, entrar naquela tela mágica e ficar lá dentro para sempre. Woody Allen, em algum momento de sua vida, deve ter sentido o mesmo; A Rosa Púrpura do Cairo é exatamente a materialização de tudo o que se passava na minha cabeça naquela época. Porém, mesmo já tendo montado os espetáculos no quintal da casa de minha avó em Catanduva, não tinha a menor idéia de que alguém escrevesse o que os atores falavam na tela, nem que alguém dirigisse, outros coordenassem e que muitas funções diferenciadas eram necessárias para a realização de um filme. Só sabia que queria ser ator para entrar naquela tela e viver todas aquelas aventuras. Ser ator é ter muitas vidas, se transformar, ser outro. Mesmo sem raciocinar assim na época, acreditava piamente que esta seria a única maneira de gritar Shazam e deixar de ser aquele menino reprimido e infeliz. Capítulo V Só Se For pra Ser Lanterninha Nunca quis trabalhar em nenhum outro ambiente além do artístico, nem me imaginei exercendo alguma profissão fora deste meio. Naquela época, para mim, todo mundo queria ser ator e só quem não conseguia ia ser médico, advogado, engenheiro, dentista, deputado, presidente da República ou qualquer outra atividade chata dessas. Nada além daquele ambiente de sonhos e fantasias me interessava ou minimamente chamava a minha atenção. Minha necessidade nesse campo era tão intensa que tenho plena certeza que, se não tivesse o cinema, teria me viciado em alguma droga que me proporcionasse o sonho. Ou seja, tinha claramente, desde muito cedo, uma grande inclinação artística que deveria ser canalizada para algum lugar. Porém ninguém levava isso a sério. Curioso, porque era uma família de músicos, instrumentistas, maestro de banda, meu avô havia feito música para teatro de revistas no interior, meu pai durante muito tempo tocou no circo, mas por algum motivo que jamais descobri, nunca incentivaram ou tomaram conhecimento de nenhuma vocação artística que brotasse na família. Minhas tias, Ilse e Tereza, irmãs de meu pai, sonhavam em ser cantoras de rádio. Cantavam muito bem, belas vozes, afinadíssimas quando imitavam as Andrew Sisters em seus boogie-woogies, mas a repressão e o preconceito de que moças de família se casavam e não iam ser artistas acabou com a possível carreira das duas, que tiveram de se contentar em fazer seus solos no coro da Igreja Nossa Senhora da Paz. No meu caso, toda vez que o assunto vinha à baila e eu dizia que queria trabalhar no cinema, vinha a zombaria: só se for para ser lanterninha e riam, debochando, sem levar em conta o quanto aquilo me humilhava e afligia. Estudava no Colégio Paulistano, onde hoje é a FMU, na Rua Taguá. Na Avenida da Liberdade, logo na esquina de cima, tinha o Cine Liberdade, depois o Jóia, mais perto da Praça João Mendes e na Praça da Sé, um pouco mais adiante, o Santa Helena e o Cine Mundi que, junto com o Dom Pedro II e o Cairo, no Anhangabaú, começavam as sessões às 9 horas, o que era ótimo para quando eu estudava no período da manhã e queria cabular as aulas. Eram esses os meus templos. No final de 1954, fui pegar minhas notas no colégio, no mesmo dia que estreava Sinfonia Carioca, de Watson Macedo, com Eliana e Anselmo Duarte, meu casal preferido das chanchadas, justo no Cine Liberdade, pertinho do colégio. Algo me dizia que eu não iria passar naquele ano e que era melhor ver esse filme antes, porque meu pai iria brigar, me colocar de castigo um tempão longe do cinema, eu ia entrar de férias, seria difícil sair de casa e nessa confusão toda podia perder o filme e isso não ia arriscar de jeito nenhum. Saí do cinema feliz, de alma lavada, com a sensação de que tinha visto uma absoluta obra-prima, fui pegar as notas e, é claro, tinha levado pau. Antes de dar a má notícia em casa, resolvi ver o filme de novo, menti que as notas tinham ficado para outro dia em conseqüência de algum problema que inventei e passei o fim de semana nas sessões corridas do Art-Palácio e do Ipiranga, assistindo a Sinfonia Carioca muitas vezes. Na segunda-feira, entreguei o cartão azul de reprovado para meu pai. Briga, discussão, castigo, surra, mas já tinha visto o filme e não estava ligando muito mais para aquele escândalo todo. Na volta às aulas, Sinfonia Carioca continuava em cartaz e, em vez de ir ao colégio, o revi inúmeras vezes. Acho que foi o filme a que mais assisti na vida e gostaria de ter uma cópia sua na minha coleção de DVD’s. Infelizmente não tenho sido feliz neste meu intento, falei várias vezes com Eliana, Anselmo Duarte, Oswaldo Massaini, Anibal Massaini, fui até o Rio de Janeiro atrás do irmão de Watson Macedo que detém os direitos sobre seus filmes, e nada!... Procurei os dirigentes do Canal Brasil propondo a campanha “Adote um Filme”, na qual uma pessoa interessada em alguma película pagaria os custos da recuperação e receberia o DVD com sua fita predileta, que passaria a fazer parte do acervo do canal ou da Cinemateca. Infelizmente, não obtive nenhum sucesso e tenho a impressão que os negativos deste importante documento da era de ouro do cinema musical brasileiro já devem ter se deteriorado no chão de algum depósito, se já não foram para a lata de lixo. Capítulo VI O Mistério do Castelo Nunca me passou pela cabeça que seria um escritor, mas o ato da escrita até que me interessou, logicamente, através do cinema. Fiquei fascinado por Gregory Peck em O Ídolo de Cristal (Beloved Infidel), onde vivia o escritor F. Scott Fitzgerald e escrevia no alto de um penhasco na praia de Malibu, tendo o Oceano Pacífico a seus pés. Antes já havia me interessado em ser Cornel Wilde em À Noite Sonhamos (A Song to Remember), que na pele de Frédéric Chopin registrava suas valsas e sonetos com uma pena de ganso. Como já contei, meu avô copiava músicas e, aproveitando essa habilidade, abriu o que eles chamavam de musicografia, uma firma que vendia cópias de orquestrações feitas por ele para bandas do interior e também encaminhavam instrumentos musicais para reforma. Como o serviço era muito, a maneira de economizar era colocar toda a garotada para copiar aquelas partituras. Apesar de detestar fazer aquilo, porque não entendia nada do que estava copiando, gostava da cena que montava na minha cabeça como se fosse Chopin no filme. Trabalhava com uma caneta de pena, de madeira talhada com uma lira musical na ponta, só faltava Merle Oberon vir me convidar para passeios pela Ilha de Majorca. Com o tempo, passei a escrever histórias, sem a menor idéia de que, futuramente, faria disso uma profissão. Além de cinema e histórias em quadrinhos, também gostava de escutar novelas de rádio e programas de radioteatro com Lia de Aguiar, César Monteclaro, Enio Rocha, Lenita Helena, Waldemar Ciglione, Laura Cardoso, Lima Duarte e muitos outros. Virei fã da Rádio Tupi, do programa Manoel Durães na Rádio Record e das novelas da Rádio São Paulo. Assim, as primeiras histórias que escrevi, no meu período Fitzgerald misturado com Chopin, foram dramalhões bem influenciados pelas novelas que escutava. Prontas as duas únicas obras, coloquei em ambas uma bonita capa, como se fossem preciosos livros e parti para minha obra mais ambiciosa: O Mistério do Castelo, mas desta vez abandonaria o estilo Cornel Wilde e seria igual ao Dick Powell de Assim Estava Escrito (The Bad and The Beautiful), filme que, aliás, inaugurou o Cine Itapura. A firma do meu avô progredira e já tinha máquina de escrever. Quando deixavam, ficava datilografando com dois dedos. Ia escrevendo, desenvolvendo uma intrincada história de mistério, tão complicada que não tinha a menor idéia de como poderia terminá-la, método, aliás, que uso até hoje nas novelas. Não me lembro direito do enredo, mas sei que obviamente tinha um castelo, passagens secretas, segredos terríveis, vilões asquerosos e o mocinho e a mocinha que terminariam felizes para sempre. Ao acabar minha primeira obra de fôlego, comentei com minha família, mas como já haviam reagido com relação às outras duas histórias, ninguém se interessou em ler, comentar, incentivar, nada. Riram mais uma vez da pretensão daquele menino que queria ser artista: Nunca leu nem um livro, agora quer escrever? Devia ter uns 13 ou 14 anos e nunca mais me animei em passar nenhuma idéia para o papel. Hoje parece tão fácil entender que tudo o que eu precisava era atenção e incentivo, mas ninguém tinha a menor noção de psicologia na minha família. Guardei aquelas histórias durante um bom tempo e me desfiz delas muitos anos depois, quando comecei a fazer terapia e resolvi acabar com as coisas que me irritavam. Já estava para casar na época e Maria Celia foi testemunha da fogueira que ardeu no terreno baldio da Rua Avanhandava, atrás da sua casa, quando resolvi queimar tudo o que havia escrito e desenhado, acabar com minhas frustrações e partir para uma nova vida. Capítulo VII O Bamba do Regimento Com 14 anos, comecei a trabalhar para ter meu dinheiro e um pouco mais de liberdade. Meu primeiro emprego foi de office-boy na Karvas Publicidade. Fiquei animado porque era a empresa que trazia o Holiday on Ice para o Brasil, mas ninguém me convidou para patinar no gelo e acabei achando muito chato ficar entregando pacotes pela cidade. Então meu tio Renato Romano arrumou uma colocação para mim na Eletrolux, loja de discos da Rua São Bento, que era de um amigo seu, Cosmo Sabatini. Sem ter nenhuma experiência de vendas, aceitei trabalhar de graça por um período, para aprender o serviço. Seis meses depois já tinha ordenado fixo e era gerente. Um ano mais tarde, Cosmo e seu sócio, Alfredo, mudaram para um endereço mais nobre, na Praça Ramos de Azevedo, ao lado do Teatro Municipal, na loja dos Televisores Columbia. Trabalhei com eles mais ou menos uns dois anos, quando saí para tomar conta da seção de discos da Musicografia Ubaldo de Abreu, que havia progredido e alugado um grande espaço na Rua Rego Freitas, esquina com a Bento Freitas. Organizei o departamento ajudado por meu escudeiro e grande companheiro até hoje, meu irmão mais novo, Antônio Carlos. A parte da venda de discos sustentou a loja por um ou dois anos, mas infelizmente, como tudo naquela família, tios, primos e pai se desentenderam e a loja acabou falindo. Saí antes do desastre total para servir o exército, até hoje ainda não recebi o que ficaram me devendo, mas aprendi que trabalhar com família não é um bom negócio. Mesmo me relacionando com outras pessoas por força do tipo de trabalho que exercia nas lojas, continuava um adolescente tímido, sem amigos. No horário do expediente, me dava muito bem com os fregueses, o pessoal que vinha fazer hora e escutar música, os que entravam só para pedir informações, os vendedores das gravadoras, os empresários dos artistas e até os cantores e cantoras que iam pedir uma forcinha para o lançamento que acabavam de fazer. Mas quando findava o expediente ou no fim de semana, continuava sozinho. Tinha dificuldade em me relacionar com as garotas e raramente passava de um primeiro encontro. Até então nunca tinha tido uma turma que ficasse bebendo chope e jogando conversa fora, como faz a maioria das pessoas, principalmente os jovens. Meu refúgio continuava sendo o cinema, e a vontade de gritar Shazam e me transformar em outra pessoa só crescia. Foi no Exército que as coisas começaram a mudar. Mais uma vez, vai se saber o que a vida nos reserva! Como todo garoto daquela época, meu desejo era ser dispensado do serviço militar obrigatório, mesmo porque nunca gostei de filme de guerra, detestava a idéia de entrar num lugar onde teria que obedecer do cabo ao general e a idéia mais simpática que eu tinha da vida no quartel era a de Jerry Lewis em O Bamba do Regimento (The Sad Sack). Achava muito melhor se pudesse entrar para a Marinha. Afinal de contas, Gene Kelly e Frank Sinatra já tinham namorado Kathryn Grayson em Marujos do Amor (Anchors Aweigh) e também já tinham passado Um Dia em Nova York (On the Town), e Jane Powell, Debbie Reynolds e Ann Miller se apaixonaram por três marinheiros em Marujos e Sereias (Hit The Deck); mas não foi possível. Obrigado a entrar nas fileiras do Exército brasileiro, tive que interromper um curso de desenho publicitário do qual estava gostando. O serviço militar em si, para mim, foi absolutamente inútil. Marchar, usar revólver, espingarda, metralhadora ou carregar um canhão não têm tido nenhuma utilidade prática na minha vida. Amar a pátria e a bandeira, os próprios militares se encarregaram de me proibir assim que tomaram o poder em 1964. Deixando fatos mais sérios de lado e voltando ao trivial, o pior de tudo eram os obrigatórios exercícios, um pesadelo para quem nunca gostou de esportes e fugia de todas as aulas de educação física do colégio. Hoje freqüento uma academia de ginástica três vezes por semana (duas quando estou escrevendo novela) e faço uma hora de musculação e outra de esteira. Andava com muito problema de colesterol, por ficar sentado escrevendo o dia inteiro por semanas e meses, e minha filha me convenceu a entrar para uma academia. Faz uns três anos que aderi e tenho me dado bem, mas estaria mentindo se dissesse que gosto. Já detestei; hoje, levanto cedo, vou para a academia, faço o que tenho de fazer, volto pra casa e acabou. É verdade que preciso de personal trainer que substitua o sargento, mas, se quiser parar, ninguém vai me colocar na cadeia. No meu tempo de soldado, as coisas eram um pouco mais complicadas. Acordava às quatro da manhã, pegava um trem na Estação Júlio Prestes e às seis e meia estava no quartel, em Quitaúna. Servia na Companhia CCS dentro do IV Regimento de Infantaria. Primeiro fazíamos ordem unida, corridas, exercícios de ataque e defesa, subidas em corda, caminhada na lama, rastejamento, tiro ao alvo: nada que me interessasse. Sempre fui um bom ouvinte e acho que tenho cara de padre porque é comum, até hoje, que pessoas íntimas ou não se abram comigo em segredos que não se conta nem nos confessionários. Não sei explicar exatamente o porquê disso. Durante os nove meses que servi em Quitaúna, um dos militares encarregados da CCS era o Sargento Vilar. Nordestino, atarracado, cara de mau e muito austero, ele acabou ficando muito meu amigo. Não existia entre nós nada em comum que pudesse criar essa relação, mas um dia, não me lembro por quê, ele começou a me falar de seus problemas com a mulher, com os filhos, com a sua insatisfação na vida. Eu escutava, aconselhava, ponderava; depois ele me procurava para contar que meus conselhos haviam sido muito úteis e que a situação na casa dele estava melhorando. Convenci a ele de parar de bater na mulher, espancar os filhos e encher a cara depois do expediente do quartel e, sei lá por quê, funcionou. Ainda me lembro do seu rosto redondo na estação se despedindo dos pracinhas quando o tempo de serviço terminou, nos demos um forte abraço fraternal e ele me agradeceu com lágrimas nos olhos, até hoje essa imagem me comove. Com o Sargento Vilar conheci a parte da administração do quartel e, indicado por ele, fui trabalhar como secretário do coronel, emprestado ao Estado Maior. Aconteceu uma curiosidade: o quartel estava precisando de um projeto para um chafariz. E eu, que tinha feito curso de desenho, executei o projeto, o chafariz foi construído, deve estar até hoje lá, nunca mais vi e nem sei se ainda existe esse quartel. Serviço burocrático nunca foi uma atividade que me interessasse nem havia muito que fazer lá no Estado-Maior. Arrumei um estratagema: quando não tinha serviço, dizia ao coronel que ia voltar para a Companhia porque o sargento tinha me convocado para alguma tarefa. Na Companhia, dizia ao sargento que me requisitavam no Estado-Maior. Assim, conseguia driblar os dois lados, pegava um trem e voltava para a cidade, ia ao cinema, percorria lojas, livrarias e voltava para casa; no outro dia de manhã estava lá de novo, na ordem unida. Essa boa vida acabou quando descobriram as minhas trapaças e fui preso. Era para ficar na cadeia, mas o santo Sargento Vilar conseguiu que a pena fosse abrandada e fui detido no alojamento. Uma semana inteira sem poder sair ou voltar para casa, mas era bem melhor do que na cadeia, que era mais suja e assustadora do que aquela em que ficou o futuro Conde de Monte Cristo. Vestia farda quando houve a renúncia do presidente Jânio Quadros e os quartéis ficaram de prontidão, com toda a tropa, de metralhadora em punho, alerta à espera do ataque que viria do Rio Grande do Sul para garantir a posse do vice-presidente, Jango Goulart. O ataque jamais se concretizou e nós, lá no quartel, detidos por mais de dois meses, só enchíamos a cara. Todos juntavam seus trocados, algum funcionário era subornado e os cantis vinham cheios de pinga ou conhaque barato do bar em frente. Desses tempos de prontidão, guardo um sério problema de fígado e, até hoje, raramente suporto bebida destilada. Se não aprendi nada prático no serviço militar, não posso negar que a vida da caserna me abriu para novos relacionamentos de amizade e ajudou bastante a acabar com minha solidão. O adolescente, agora quase um homem, já não vivia tão sozinho, tinha sua turma. Sete ou oito camaradas da companhia formavam o nosso bando, não me lembro de todos os nomes, mas Puppo, Toshiro, Antonio Rotella e, especialmente, José Carlos Proença, me vêm logo à mente. Juntos saíamos, nos divertíamos, sentávamos num bar do Largo do Arouche que escolhemos como nosso ponto de encontro, bebíamos chope, jogávamos conversa fora, cantávamos as meninas nas saídas dos colégios, íamos a festas – tudo que jamais havia feito na vida. Com meus companheiros de farda, logo depois do fim do nosso tempo de caserna, realizei aquela antiga meta de vida que era conhecer o Rio de Janeiro. Tinha então 19 anos e a chegada à cidade maravilhosa foi uma das maiores emoções que senti. Fomos de ônibus, descemos na Praça Mauá e, enquanto eles foram para o apartamento em que iríamos ficar no Leblon, rumei para o auditório da Rádio Nacional. Pleno sábado, Programa César de Alencar, justamente quando se promoviam as pazes entre os fã-clubes de Emilinha Borba e Marlene. Era um espaço pequeno, no alto do edifício do jornal A Noite, lotado de mulheres histéricas que se xingavam e se digladiavam aos berros, defendendo uma ou outra cantora. Tudo muito diferente do que havia imaginado e visto em Garotas e Samba, É a Maior e, especialmente, Rio Zona Norte, quando Grande Otelo vai procurar Ângela Maria e entrega A Voz do Morro para ela gravar. Aliás, acho que a minha decepção veio principalmente do fato de não ter visto Ângela Maria, de quem sempre fui fã e de quem tenho todas as gravações. Anos depois nos conhecemos quando ela também se revelou fã das minhas novelas, foi uma grande emoção. Em homenagem a ela, fiz com que fosse sempre citada na novela Cambalacho, numa suposta rivalidade com um personagem de ficção, Lili Bolero, interpretado por Consuelo Leandro. Acompanhei no estúdio, ao lado de Zé Rodrix e de Daniel D’Angelo, seu marido, a gravação do tema que entrou na trilha sonora e ainda escrevi uma cena especial para Ângela Maria contracenar com Fernanda Montenegro, que desce uma escada aplaudindo a Sapoti aos gritos de É a maior, é a maior! Tinha planos, pesquisas e muita vontade de escrever a biografia desta grande cantora brasileira em uma minissérie, usando sua brilhante carreira, seus sucessos, seus fracassos, suas frustrações amorosas em paralelo às mudanças político-sociais que o Brasil passou neste mesmo período. Só que Aquarela do Brasil, de Lauro César Muniz, chegou na frente na mesa da diretoria artística da Globo e tenho a impressão que nunca mais vou poder realizar este projeto. Comecei a gostar de sua voz lá por 1950, ainda bem criança e, ao ler numa reportagem na Revista do Rádio, que Abelim Maria da Cunha, antes de ter se transformado na maior cantora do Brasil, tinha trabalhado como operária moldando lâmpadas com sopro, imaginava que, em alguma lá de casa, um pouco daquela voz podia estar guardada. Saindo da Rádio Nacional, tomei um ônibus rumo ao Leblon e foi a vez de Copacabana, e aquela calçada mítica representando as ondas do mar, onde Jorge Goulart tinha cantado Sereia de Copacabana em Aviso aos Navegantes e a Eliana dançado Hino ao Músico, junto com o Trio Irakitan em Rio Fantasia. A beleza da cidade sob o sol de verão daquele dia era tão intensa que nem senti falta do elenco da Atlântida pelas ruas. Na minha cabeça, em cada canto que passava, vinha um trecho da Sinfonia do Rio de Janeiro, de Billy Blanco e Antônio Carlos Jobim, que vivia rodando na minha vitrolinha portátil, presente utilíssimo dos meus padrinhos, Ilse e José Bacci. Escutava aquelas melodias o dia todo, na gravação da Continental, com Maysa, Albertinho Fortuna, Os Cariocas e muitos outros. Quando o carro entrou no túnel que liga Botafogo a Copacabana foi com a trilha sonora ecoando na minha cabeça: Um dia rasgaram a montanha / e o túnel do Leme se abriu / O mar recuou gentilmente / e um bairro bonito surgiu /... Copacabana, cidade menina /... Mesmo com todas as expectativas, nunca me decepcionei com o Rio de Janeiro. Hoje vou muito freqüentemente para lá por força do meu trabalho na televisão e nunca deixo de me emocionar quando o avião está para pousar no Santos Dumont, rondando o Pão de Açúcar. Minha alma canta / Vejo o Rio de Janeiro... Sou paulista, paulistano, sempre morei e vou continuar morando na capital paulista. Mas adoro o Rio que, para mim, ainda é a cidade mais bonita do mundo e tenho uma pena imensa do jeito que está hoje, maltratada e humilhada, tomada pela miséria, o que é um crime com um lugar de tamanha beleza e potencial turístico. Apesar de tudo, a emoção de estar lá, ter o privilégio de olhar a montanha, o céu e o mar, pra mim é eterna. Capítulo VIII Primeiros Passos Foi lá no Rio de Janeiro, quando conversávamos sobre nossos projetos para o futuro, que José Carlos Proença me falou da existência de um lugar chamado Escola de Arte Dramática de São Paulo. Meu colega de farda ia fazer teste para entrar no curso de cenografia da Escola e me disse que a única exigência para a aprovação era saber desenhar. Eu sabia e fui com ele ao teste. Ingressamos na primeira turma de cenografia da EAD, coordenada por Flávio Império, um dos maiores cenógrafos brasileiros. Na verdade, gostaria de ter entrado para as aulas de interpretação, mas cadê coragem para prestar o exame, que era subir no palco e representar diante de uma platéia. Não fiquei lamentando, estava feliz ali, fazendo um curso de teatro, junto com pessoas que pensavam como eu e tinham a mesma inclinação artística. Éramos cinco alunos na sala: Proença, Antonio Carlos Modesto, Norberto Módena, eu e Argentina Bibas, irmã de Blandina, do curso de atores, com quem namorei depois. Além de Flávio Império, tínhamos aulas com Anatol Rosenfeld, Alberto D’Aversa, Clóvis Garcia, Sábato Magaldi e comecei a aprender e me interessar seriamente por teatro, um mundo completamente novo, mas absolutamente fascinante. Convivia com alunos do curso de atores e foi lá que conheci Aracy Balabanian, Myrian Muniz, Jandira Martini, Ney Latorraca, Ester Góes, Ruthinéa de Moraes, Carlos Alberto Riccelli, Elói de Araújo e muitos e muitos outros que se formaram profissionais e hoje estão pelos teatros, cinemas e televisões do país. Foi um período rico, mas também muito confuso culturalmente. O que eu gostava na verdade, como teatro de revista e chanchadas, não era exatamente o que era apreciado dentro da EAD. Nunca tinha ouvido falar de Sófocles, Eurípides, Gorki, Tchekhov, Ibsen ou Brecht e durante algum tempo me questionei se ali era mesmo um lugar para mim. Com o tempo, porém, depois de ler as peças, aprender o que elas diziam e refletir sobre seus exemplos e ensinamentos, me abri para um mundo novo, muito mais rico e interessante. Agora ninguém mais precisava brigar ou me colocar de castigo para estudar, tinha achado o meu universo. Até então, só assistira teatro de revista e as peças da Dercy Gonçalves, que sempre adorei. Por solicitação do curso de cenografia, fui ao dito teatro sério pela primeira vez e vi A Morte do Caixeiro Viajante, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), com Cleyde Yaconis, Dionísio Azevedo, Juca de Oliveira, Leonardo Villar e direção de Flávio Rangel. Fiquei muito impressionado com as emoções que aquele espetáculo fez brotar em mim. Nada era engraçado nem colorido nem lúdico. Um cenário escuro de uma casa pobre, bem parecida com a que morei na infância, pessoas sofridas e desajustadas como as que conhecera durante toda a minha vida, um pai injustiçado diante de um mundo capitalista hostil, uma família que se desintegrava; tudo com uma força dramática tão sincera que me deixou sentado na platéia, refletindo, ainda muito tempo depois dos aplausos finais. Na cena da morte de Willy Loman, sua mulher Linda, interpretada por Cleyde Yaconis, diz um longo texto que até hoje, mais de 40 anos depois, ainda está na minha memória. Não as palavras precisas de Arthur Miller que já li, reli e assisti outras tantas vezes, mas a emoção pura, sincera e genuína que essa extraordinária atriz, Cleyde Yaconis, imprimia na cena. Foi meu batismo de fogo e a partir daquele dia passei a ir a todos os espetáculos que podia, já que sendo da EAD tinha o privilégio de não pagar ingresso. Deve ter ficado bem claro que, até a Escola de Arte Dramática, minha visão de cinema e teatro era apenas de diversão e escapismo, sem nenhuma noção de importância cultural. Com os novos caminhos que a Escola do Dr. Alfredo Mesquita me mostrou, passei a raciocinar diferente e a ver neste entretenimento um comprometimento também social e cultural. Devo confessar, entretanto, que nunca quis nem quero abandonar as raízes que me levaram a gostar desse mundo dos espetáculos. Foi Ademar Guerra quem me ensinou que se pode gostar de tudo ao mesmo tempo, deixando de lado os preconceitos, sem que um assunto prejudique o outro, desde que se saiba o valor intrínseco de cada segmento. Profissionalmente, esta tem sido a característica mais marcante dos meus trabalhos, primeiro como roteirista e diretor de cinema e, posteriormente, como autor de novelas. Junto tudo que me motiva: chanchada, musical, teatro de revista, drama, comédia e melodrama do cinema americano, dramalhões mexicanos, neo-realismo italiano, cinema espanhol, teatro da Broadway, Saturday Night Life, Monty Python e o que mais me der na cabeça na hora da criação. Durante muitos anos, fugi dos chamados filmes-cabeça de Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard, Emir Kusturica e tantos outros, com medo de me aborrecer. Confesso que muitos me aborreceram mesmo, mas acabei gostando de outros e mais uma vez vou citar Ademar Guerra, que também me ensinou que preconceito, sob qualquer forma, é um grande atestado de ignorância e deve ser abolido definitivamente da vida humana. Acabei optando por desenvolver meu trabalho numa linha bastante popular porque é o meu gosto pessoal, mas também não esquecendo do alimento cultural e social que vai dar um significado maior e mais útil a todo o projeto. Em 1963, quando deixei a EAD, já não trabalhava mais na loja de discos, a que retomei depois da saída do exército, e estava empregado no IPASE, onde entrei aprovado em concurso. Fui funcionário público por nove meses e pedi demissão porque não agüentava ficar o dia inteiro sem fazer nada. Fui contratado para conferir os balanços do Instituto, que estavam acumulados há cinco anos. Em um mês já tinha acabado a tarefa e teria de esperar o próximo ano para novos balanços chegarem. Não podia me ocupar do serviço dos outros e não havia nada mais para fazer. Deixava o paletó na cadeira, ia passear, ia ao cinema, mas depois da EAD, já tinha decidido que seria ator e não achava a menor graça naquela perda de tempo. Os anos corriam e eu já estava com 21, praticamente um velho, e tinha que fazer urgentemente alguma coisa na minha vida se não quisesse morrer naquela repartição como algum personagem amargurado de Nelson Rodrigues. Decidi deixar o medo de lado e fazer um teste para ser ator profissional, larguei o emprego público, briguei com meu pai, numa daquelas brigas de almoço de domingo, de voar macarrão pra todo lado. Ele e minha mãe não entendiam como era possível alguém largar um emprego garantido pela vida toda para se aventurar na carreira de ator, sem a menor perspectiva de sucesso. Nessa época, já não morávamos mais com a família de meu avô, tínhamos crescido e dado força ao eterno desejo de minha mãe de ter seu próprio lar. Já com a nossa irmã, Ana Maria, fazendo parte da família, nos mudamos para um quarto e sala na Rua Major Sertório, 440, apto. 14. Meu pai, minha mãe e minha irmã dormiam no quarto, eu e meus dois irmãos nos sofás da sala. Era melhor do que a repressão na casa de meu avô, mas, toda vez que chegava uma visita pela manhã, tínhamos que levantar correndo, agarrados nos lençóis e travesseiros, e continuar o sono no chão do quarto dos meus pais. Outro problema, durante muitos anos, era que a pia do banheiro furou e toda vez que abria a torneira, molhava meu único par de sapatos. No meio da briga de domingo, minha irmã, então com cinco ou seis anos, enquanto eu arrumava minha mala para ir embora, veio me trazer as suas joiazinhas – uma pulseirinha de ouro com seu nome, um par de brincos e uma correntinha com uma imagem minúscula de Nossa Senhora de Fátima. Disse que era para eu levar comigo e vender tudo se precisasse de dinheiro para comer. Esse sentimento de amizade e solidariedade entre os irmãos foi cultivado com muita paciência e carinho pela nossa mãe e, até hoje, é muito forte entre todos nós. Não aceitei as jóias de minha irmã e saí de casa para dividir um apartamento com Roberto Azevedo e Antonio Carlos Modesto, amigos da EAD, no Edifício São Vito, um pardieiro atrás do Mercado Municipal, onde moramos por um ano e pouco. A partir da Escola de Arte Dramática, comecei a ter amigos, pessoas do mesmo universo ao qual sempre quis pertencer. Íamos muito ao teatro, ao cinema, saíamos todos juntos, conversando sobre os livros, os filmes, as peças, a política, os problemas do País, as possíveis soluções para se mudar o mundo. Passei a viver onde sempre quisera estar e a sensação de não pertencer a lugar algum, ser diferente e estranho, foi desaparecendo. Apesar de ter sido um aluno muito interessado, nunca exerci a profissão de cenógrafo. Tinha plena consciência que só havia escolhido aquele curso porque poderia passar no teste, já que desenhava razoavelmente, mas meu interesse era atuar e, principalmente, entrar para este mundo que tanto me fascinava. É interessante o rumo das coisas: como já disse, tenho uma única filha, Juliana, que nunca me pareceu interessada pelo meio artístico, apesar de freqüentar teatro, televisão, sets de filmagem e ambientes culturais desde menininha. Juliana se formou em Arquitetura, passou a trabalhar em vários projetos, até ser contratada por outro grande amigo, Renato Scripilliti, premiado cenógrafo de São Paulo e, aí, começou a se interessar seriamente por cenografia. Pretende ir para Nova York, estudar e se desenvolver como cenógrafa. Fico feliz, ela mesma descobriu seu caminho sem que eu a tivesse empurrado para isso, e já que nunca tive capacidade para ser o cenógrafo da família, que venha a que tem mais talento. Capítulo IX Tempo de Fúrias Junto com outros colegas da EAD, minha estréia nos palcos paulistanos foi como um dos figurantes em Calígula, de Marcel Camus, no Teatro Municipal, com Les Comédiens du Champs-Elysées, companhia francesa de segunda que veio ganhar uns trocados por aqui. Depois, fiz figurações em óperas no mesmo teatro e figurei em insignificantes pontas em algumas montagens da EAD, como um dos três “homens do cortejo” em A Promessa, de Bernardo Santareno. Apesar dessas atuações, o medo de me expor em cena ainda falava mais alto, mas, decidido a investir na profissão, fui até Antunes Filho, que testava atores para uma substituição em Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, em cartaz no TBC. Ganhei o papel, que era pequeno, um agregado, mas tinha falas e eu estava no palco junto com Raul Cortez e, quem diria, Cleyde Yaconis. Foi minha estréia como ator profissional e durou pouco mais de um mês com o injusto fracasso de bilheteria do grande espetáculo. E logo veio uma ponta em Círculo de Champagne, que também teve curta temporada e eu, sempre ansioso, já estava percebendo que meu início não estava sendo dos mais brilhantes. Guardo melhores lembranças de A Ópera dos Três Vinténs. Dirigida por José Renato, esta peça de Bertolt Brecht, com músicas de Kurt Weill, inaugurou o Teatro Ruth Escobar, em 1964, e viajamos com ela para apresentações também em Porto Alegre. O visual dos loucos anos 20 reinava no espetáculo; as prostitutas, entre elas Maria Alice Vergueiro e Leilah Assumpção, usavam espartilhos e provocantes meias negras; os guardas, uniformes londrinos, com chapéus enterrados até os olhos. Eu interpretava um desses guardas e também o reverendo Kimball e um carrasco. A pouca importância dos personagens era compensada pelo fato de que eu tinha descoberto o gosto pelo palco e queria mesmo era estar ali no meio. Buscava um caminho e ia atrás das oportunidades. Passei a atuar também como administrador do teatro e a conviver mais com Ruth Escobar e sua família. Algum tempo depois já freqüentava a sua casa e acumulava as funções de secretário e assistente de produção. Como o bar do teatro andava meio jogado às moscas, me ofereci para tomar conta daquele espaço junto com Elói de Araújo, companheiro do elenco. Continuávamos interpretando na peça e no intervalo vendíamos chocolates, refrigerantes, balas, o que melhorava muito o nosso ínfimo salário de atores. O auge do nosso negócio foi quando veio do Rio de Janeiro o show Opinião, que fizera muito sucesso por lá, estrelado por uma garota que havia sido descoberta na Bahia por Nara Leão: Maria Bethânia. O sucesso aqui em São Paulo não foi menor e o teatro vivia lotado, sempre com cadeiras extras, mas eu nunca perdi uma performance, principalmente quando Maria Bethânia soltava a voz em Carcará. É impossível descrever aquela força, aquele sentimento de revolta e injustiça que tomava conta de toda a platéia ainda no primeiro ano do golpe militar de 1964, quando tudo o que queríamos, e não podíamos, era falar, gritar, exorcizar os demônios e isso tudo estava não só em Opinião, mas principalmente na força sincera dessa incomparável cantora brasileira. Curiosamente, Bethânia, como boa baiana, trouxe consigo uma grande turma de amigos e até um irmão, todos jovens como ela, que não trabalhavam no espetáculo, mas viviam sentados na porta do teatro. A mãe de Ruth Escobar zelava muito por aquele espaço e me chamava a atenção para que eu não deixasse aquela gente de cabelos compridos, sandálias e mochila nos degraus da entrada do teatro; no seu pesado sotaque português reclamava: Tu mandes já sair essas pessoas aí da porta que estão a sujar toda a nossa frente! E eu, que não queria perder meu emprego, ia pedir a Caetano Veloso, ao nosso futuro ministro da Cultura, Gilberto Gil, a Gracinha, que depois virou Gal Costa, e muitos outros da turma que logo detonaria um dos mais importantes movimentos musicais do Brasil, o Tropicalismo, que fossem se sentar nas escadarias da Rua 13 de Maio. Hoje em dia, procuro rigorosamente exercer uma única atividade, mas naquela época, na busca de um caminho, abraçava várias ao mesmo tempo. Minhas descobertas ocorriam ao ritmo dos acontecimentos e das atividades exercidas, porém, quando passei a trabalhar como assistente de direção, aos poucos fui percebendo o prazer de não estar em cena, mas de criar a cena. Ademar Guerra me ajudou muito nisso. Nunca fui seu assistente nem sabia que era seu vizinho, apesar de morarmos quase pegados, eu, na Rua Major Sertório, e ele no mesmo quarteirão, logo na esquina da Rua Cesário Mota. Só me dei conta de quem ele era quando, numa conversa com Maria Helena Dias, durante o intervalo de Círculo de Champagne, no Teatro Paramount, disse que gostaria de entrar para a televisão e ela me deu num pequeno cartão uma recomendação para um amigo dela que ia começar a novela Marcados pelo Amor, de Walter Negrão, na TV Record. Era Ademar. Fui falar com ele, me apresentei, conversamos, logo ficamos amigos e, como já contei, ele me ajudou a colocar uma pá de cal na divisão entre gosto popular e mais refinado, incentivou de uma maneira muito peculiar a descoberta de meus caminhos definitivos e foi a melhor referência cultural que tive em minha carreira. Outra importante influência profissional e cultural foi Antônio Abujamra. Atrás de um papel em As Fúrias e por indicação de Ruth Escobar, que ia montar o espetáculo, fui ao encontro dele: Você ator não é, não tem cara e não deve ter o mínimo talento, me disse ele que, depois de uma conversa não muito longa e desta frase definitiva e de impacto, como é até hoje o seu estilo, me convidou para ser seu assistente de direção. Sua provocação naquele momento acabou sendo um excelente aviso para mim porque, na verdade, apesar de ter lutado muito para isso e já estar me sentindo mais à vontade em cena, nunca me senti ator. Ser ator não é simplesmente decorar um papel, subir no palco ou estar em frente a uma câmera e falar um texto. Os meandros da arte da interpretação são muito mais complexos e, para entrar inteiro num personagem, um profissional do ramo precisa saber lidar com todo material ao seu dispor, seu corpo, sua voz, seus gestos e, principalmente, seu raciocínio. O fato de aparecer, querer ser visto e admirado é apenas uma ínfima parte desta grande profissão que é um privilégio de quem nasceu com este talento específico. Entendi isso perfeitamente alguns anos depois, quando assisti a Paulo Autran em Depois da Queda. Ao ver a sua impecável criação de Quentin, no texto de Arthur Miller, entendi que jamais conseguiria atingir aquele domínio cênico, aquela fluência de raciocínio, aquela força no palco e, naquela noite no Teatro Maria Della Costa, graças a Deus e ao Paulo Autran, entendi definitivamente que continuava no ambiente certo, mas buscava a profissão errada. Mas antes dessa descoberta definitiva na minha vida, voltemos às Fúrias, onde trabalhei pela primeira vez como assistente de direção. O patriarcado espanhol e repressão familiar eram os temas do belíssimo espetáculo ousado e criativo, concebido por Antônio Abujamra e estrelado por Cleyde Yaconis. Aliás, Cleyde interpretava uma personagem chamada Gorgo Gutierrez e, muitos anos depois, dei esse mesmo nome a uma espanhola que ela viveu na novela A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim do Éden, como uma homenagem explícita à grande admiração que sempre tive por seu talento. Ser assistente de Abujamra valeu como um curso, e eu ficava de olho na sua maneira de estudar o texto, criar sobre ele, armar o espetáculo, lidar com os atores e resolver as deficiências de cada intérprete apelando para a ação. Por exemplo: o ator tinha um monólogo e estava meio travado. Então, Abujamra bolava uma marcação para a pessoa soltar o texto correndo pelo palco, subindo a escada, se dependurando em algum elemento do cenário e, com a atividade física, o ator mudava o seu foco de tensão e conseguia soltar a emoção nos gestos e na fala. Na comédia Tchin-Tchin, continuei como seu assistente de direção, e também fiz Bobby, papel que havia sido interpretado por Anthony Perkins na Broadway, com o prazer de ser filho do casal interpretado por Cleyde Yaconis e Stênio Garcia. Paralelo a essas peças, também participava de algumas produções do TV de Vanguarda, na TV Tupi. Uma dessas montagens foi Antígona, dirigida por Benjamin Cattan e apresentada no início de 1966 no palco do Teatro Municipal. Minha grande e especial amiga, Aracy Balabanian, era Antígona, Laura Cardoso interpretava Eurídice, Rildo Gonçalves, Creonte, e eu fazia uma ponta no coro dos tebanos. Com o sucesso da idéia de montar um espetáculo para a televisão e depois levá-lo ao teatro, a TV Tupi patrocinou outras montagens desse tipo, sempre com a direção de Benjamin Cattan, e entre elas A Alma Boa de Sé-Tsuan, de Bertolt Brecht, onde contracenei com outro mito do nosso teatro, Maria Della Costa, um pouco antes de viajar pela primeira vez para o exterior numa longa temporada em Nova York e na Europa. Capítulo X Destino Hollywood Quando completou um ano de trabalho como funcionário da Pan American World Airways, meu irmão Ubaldo ganhou uma passagem para Nova York, Londres, Roma e Paris, com direito a acompanhante, e lá fomos nós. Com minha cabeça de Hollywood – via nos filmes e acreditava que valia para a vida real – encasquetei de levar meu currículo, fotos, programas das peças das quais havia participado. Afinal, sempre podem surgir convites e, quem sabe, eu não seria descoberto tomando milk-shake em algum drugstore da Broadway. Ao desembarcar em Nova York, a sensação era de ter nascido ali. De tanto ler sobre a cidade, vê-la nos filmes e de ouvir Ademar Guerra, que nunca tinha estado lá, mas a conhecia melhor do que Sorocaba, sua cidade natal, me senti em casa. Sabia onde encontrar de tudo, tinha na cabeça o mapa da cidade com ruas retas e planas, divididas em East and West Sides pela 5ª Avenida, onde Judy Garland e Fred Astaire encontraram Ann Miller em Desfile de Páscoa (Easter Parade); sabia que ao sul ficava Greenwich Village, onde Janet Leigh e Jack Lemmon dançaram a conga com os marinheiros brasileiros em Jejum de Amor (My Sister Eileen) e a Washington Square, onde Montgomery Clift ficou batendo na porta de Olivia de Havilland em A Herdeira (The Heiress). Um pouco mais ao leste, a Little Italy, onde Mário Lanza e Ann Blyth comemoraram o sucesso dele em O Grande Caruso (The Great Caruso), sabia que depois da Rua 60, indo pela 5ª Avenida chegava-se ao Plaza Hotel e, logo em frente, o Central Park, onde Fred Astaire dançou com Cyd Charisse em A Roda da Fortuna (The Band Wagon). Sabia que no fim do Central Park tinha o Harlem, onde Billie Holiday cantou pela primeira vez. A leste, a Madison Avenue, onde Doris Day e Rock Hudson trabalhavam nas agências de publicidade em Volta Meu Amor (Lover Come Back) e, principalmente, sabia que, como na música: New York, New York, it’s a wonderful town, the Bronx is up and the Battery’ s down... Era o conhecimento via cinema e nem havia sensação de deslumbramento: eu estava voltando para lá, sem nunca ter estado antes. Vou muito a Nova York e até hoje me sinto assim. Maria Celia, minha mulher, tem essa mesma sensação com Paris, mas comigo esse sentimento curioso e inexplicável só se repete em Roma. Londres foi nosso destino seguinte e, por um dólar para dormir e breakfast, alugamos um quarto numa casa de família no subúrbio. O problema nessa viagem era o seguinte: eu não me importava com comida, mas queria ir aos museus, aos teatros e aos cinemas o quanto pudesse. Fazia uma refeição por dia – café ou almoço – e assistia a um monte de espetáculos, sempre sentado lá em cima, nos piores lugares. Tem alguns que nunca esqueci, como Laurence Harvey em Contos de Inverno, de Shakespeare; Marat Sade, com direção de Peter Brook, peça em que trabalhei logo que voltei ao Brasil; The King´s Mare, com Glynis Johns. Musical não vi nenhum, teatro em Londres sempre foi caríssimo, mas em Nova York tinha feito meu primeiro contato com o tipo de espetáculo a que mais assisto até hoje, através de Ginger Rogers em Hello Dolly, meu primeiro musical da Broadway, e tenho o programa autografado. Na saída, ficava esperando os atores para vê-los de perto; abandonei este hábito há muito tempo, mas voltei quando eu e minha mulher vimos, há uns dez anos, Elizabeth Taylor em The Little Foxes, de Lilian Hellman. Valeu a pena, sua beleza continuava impressionante. Em Roma assisti a Ciao, Rudi, musical com Marcello Mastroianni interpretando Rodolfo Valentino. Já naquela época comecei a achar idiota esse negócio de autógrafo, mas não deixei de esperar o astro na saída do teatro. Afinal, Marcello estava no auge, tempos de A Doce Vida (La Dolce Vitta), O Belo Antonio (Il Bello Antonio) e, principalmente, Ontem, Hoje e Amanhã (Ieri, Oggi, Domani) e Matrimônio à Italiana (Matrimonio all’italiana). Comprei meu ingresso no Teatro Sistina com uma leve esperança de que Sophia Loren e Vittorio De Sica estivessem na platéia. Claro que não estavam. Nosso endereço romano era uma pensão a algumas quadras da Stazione Termini, onde Montgomery Clift tinha namorado Jennifer Jones sob a direção do grande De Sica, no filme batizado por aqui de Quando a Mulher Erra. Ubaldo teve que regressar ao Brasil e eu resolvi ficar mais, ir para Paris e depois voltar para Nova York, já que era uma passagem triangular. Não sabia se teria outra oportunidade como esta na minha vida e iria aproveitá-la até onde desse. Além disso, estava namorando a filha da dona da pensão, que era uma atriz da companhia de Peppino de Filippo, e, como não precisava mais pagar pela estadia, fui prolongando a data da partida, até que o romance acabou e tive de ir embora. Na despedida, a ex-namorada romana me deu uma caixa de tâmaras secas, que foi um dos presentes mais úteis que já ganhei. Em Paris, fiquei num hotel muito vagabundo, em frente da Sorbonne, no último andar de um prédio sem elevador, num quartinho minúsculo que só tinha cama, armário e pia – o banheiro era fora. Com medo que o dinheiro acabasse, passei a comer só tâmaras secas. Mas continuava indo ao teatro e tive a felicidade de assistir a Danielle Darrieux em Laurette; Marina Vlady, Odile Versois e Hélène Vallier em As Três Irmãs de Tchekhov; Annie Girardot em Seule Dans le Noir, que já tinha visto com Lee Remick na Broadway e, depois, numa interpretação melhor que a das duas, Eva Wilma fez em São Paulo, com direção de Antunes Filho, como Blackout. Vi também Jeanne Moreau em Fleur de Cactus; a mítica Arletty em Les Monstres Sacrés, de Jean Cocteau; a mais mítica ainda Maria Casarés em Les Paravents, de Jean Genet; um maravilhoso Les Bas-Fonds, de Máximo Gorki e, é claro, A Cantora Careca e A Lição, de Ionesco, num mesmo espetáculo que continua em cartaz até hoje. Como só comia as tâmaras, de vez em quando uma bengala de pão e até sonhava em poder tomar um café, cheguei ao meu limite de peso, 53 quilos. Se passar fome já é um horror em qualquer lugar, a desgraça atinge maiores proporções quando se trata de um brasileiro em Paris, onde as rotisseries, repletas de quitutes de dar água na boca, são um convite à gula de qualquer cristão. Passava pelas vitrines e imaginava o sabor daquelas galantines coloridas recheadas de enormes camarões ou das tortas de massa tão fininha que pareciam derreter na boca. Anos depois, quando finalmente chegou a vez de degustá-las, vi que a fome exacerba a imaginação e nunca me arrependi de ter optado em aprender mais e comer menos. Como todo bom brasileiro, uma das grandes emoções desta minha temporada parisiense foi ver neve pela primeira vez. Estava no Museu Jeu de Paume, quando ainda exibia os impressionistas, extasiado diante do Quarto do Artista em Arles, de Van Gogh, quando olhei pela janela e vi flocos brancos que caíam sobre as douradas folhas de outono que cobriam todo Champs-Elysées. Saí do museu caminhando pela avenida, enquanto a neve cobria toda a cidade de branco. Foi a minha primeira despedida da Cidade Luz, bem mais feliz do que a de Van Johnson em A Última Vez Que Vi Paris (The Last Time I Saw Paris), quando ele deixa o enterro de Elizabeth Taylor. Voei de Paris direto para o Queens, em Nova York, no apartamento de Atilano Gimenez, um amigo do meu irmão que trabalhava na Petrobras. Ele me deixou ficar lá por uns dias que, mal sabia o coitado, se transformariam em quase um ano agüentando um hóspede dormindo na cozinha em uma cama de armar. Com meu currículo debaixo do braço, resolvi seguir o que o coração mandava (Teu destino é Hollywood) e rumei para o Actor’s Studio, que era o templo de interpretação da época e estava no auge. A autorização para freqüentar o curso como ouvinte veio pelos Brecht, Sófocles e Gorki de meu currículo que sabiamente havia trazido na bagagem. Foi uma temporada mágica. Tinha aulas diárias com Lee Strasberg e, muitas vezes, também com Elia Kazan. Shelley Winters estava do meu lado, Paul Newman e Joanne Woodward vinham sempre, assim como Ben Gazarra, Richard Beymer e até uma estrelinha da época, Pamela Tiffin, que encenava na Broadway Dinner at Eight, a excelente peça de George Kaufman e Edna Ferber, no papel que Jean Harlow fez no cinema. Walter Pidgeon e June Havoc também estavam no elenco e apareciam, às vezes, nas sessões. Atores famosos iam se exercitar no Actor’s e falavam sobre suas dificuldades no palco, numa espécie de terapia onde o grande guru, Lee Strasberg, aconselhava, elaborava, ajudava a encontrar a melhor maneira de se compor, entender e realizar um personagem. Não era uma escola paga, era mantida pelos membros e a condição para entrar lá era ser profissional com um currículo razoável no ramo. Não existia um curso determinado, e da freqüência e relacionamento entre os profissionais é que se aprendia. Meu entrosamento foi maior quando Rita Gam, Jo Van Fleet e Carroll Baker resolveram montar, como exercício, uma cena de Dona Rosita, a Solteira, do dramaturgo espanhol Garcia Lorca, e eu, como latino, dei algumas opiniões que foram consideradas muito úteis pelo nosso mestre. Com meu entrosamento no Actor’s Studio, minha estada novaiorquina foi se prolongando e o dinheiro acabou de vez. Arrumei emprego de empacotador num supermercado para conseguir me manter; não pagava aluguel, já estava acostumado a comer bem pouquinho, era mais para o dinheiro do subway e do cinema. Como fui aceito no curso, também tinha direito a entradas de graça e passei a não pagar teatro, o que era uma economia fabulosa. Enquanto isso ia aprendendo, sugando o que podia daqueles profissionais da melhor categoria e descobrindo novas maneiras de interpretação e entendimento do Método Stanislavski. Achava difícil fazer uma carreira por lá, não tinha um tipo físico especial, sabia que a concorrência era enorme e minha eterna ansiedade me dizia que, já com 25 anos, não me restava muito tempo ainda para tentar; como disse antes, sempre fui exagerado. Porém, tinha certeza que minha volta ao Brasil seria triunfal, afinal, nunca tinha ouvido falar de qualquer outro ator que tivesse tido aquela experiência que eu estava tendo o privilégio viver. Voltei ao Brasil e fiquei vários meses desempregado, mas, para não perder a embocadura, fui estudar com Eugenio Kusnet, que era quem melhor entendia do método por aqui. Tenho a impressão que o fato de ter estado no Actor’s passou a ser um impedimento ao invés de uma vantagem. Sentia, nas conversas, certa inveja dos colegas, e nos diretores menores e mais inseguros receio de contratarem alguém que pudesse colocar à prova os seus conhecimentos. Felizmente os diretores mais talentosos e preparados não se deixavam impressionar e, então, tive o prazer de trabalhar sob a direção de Ademar Guerra em Perseguição e Assassinato de Jean Paul Marat Segundo Foi Encenado pelos Internos do Asilo de Charenton Sob a Direção do Marquês de Sade, ou simplesmente Marat Sade, de Peter Weiss. Ademar, além de uma figura humana fora de série, era um diretor excepcional. Extremamente culto e bem informado sobre quase tudo no mundo, leitor voraz de psicologia, estudava os personagens e também o temperamento dos atores para saber de que maneira ia dirigir cada um deles. Angustiado e inseguro como todo artista, armava a cena em casa, com soldadinhos de brinquedo, para quando chegasse ao teatro estar absolutamente preparado. Carismático e centralizador, tinha como grande característica a afetividade com todos os envolvidos no espetáculo, do varredor de palco ao ator principal e com seu jeito todo especial e, às vezes, até cruel de ser amigo, conseguia tirar o melhor de cada um de nós. Fazia um papel pequeno, mas de difícil elaboração e que nunca saía do palco durante todo o espetáculo. Junto com Otávio Augusto e Ivone Hoffman era um dos pacientes. O elenco era esplêndido: Rubens Corrêa, Armando Bógus, Aracy Balabanian, Irina Greco, Carminha Brandão, Eugenio Kusnet e muitos mais. Marika Gidali era a coreógrafa do espetáculo e fazíamos preparação corporal na escola Stagium, que depois virou Balé Stagium. Durante mais de um ano, fiz aula de dança com Marika, na Rua Sarandi. Nessa época, Cláudio Petraglia preparava um show para a UD, Feira de Utilidades Domésticas, no Ibirapuera, onde bailarinos apareceriam dançando e cozinhando. Acabei entrando nessa, e ao mesmo tempo em que dançava, preparava diversos molhos em quatro frigideiras diferentes, uma em cada boca do fogão e ainda encerrava o espetáculo montando um enorme pavê flambé de duas cores, um sucesso!... Os atores Riva Nimitz e Henrique César e muitos bailarinos, entre eles Geralda Bezerra e Yoko Okada, eram meus companheiros nessas performances culinárias. Fazíamos cenas curtas para mostrar os produtos e, além da preparação física, freqüentávamos aulas de culinária na Nestlé, que foi onde aprendi a cozinhar e passei a trabalhar em vários eventos promovidos por eles, como Salão da Criança e Feira Anual de Culinária Internacional, onde entrevistava os grandes chefs da gastronomia mundial. Aprendi direitinho e hoje, quando estou disposto, até que cozinho razoavelmente. É também como bailarino que ocorre minha estréia no cinema, novamente pelas mãos da querida amiga e grande incentivadora Marika Gidali, que preparava a montagem de um balé para Panca de Valente, de Luís Sérgio Person. O filme é um bangue-bangue e, numa seqüência de saloon, entram os cowboys e as moças dançando quadrilha, nos moldes de Sete Noivas Para Sete Irmãos ou Oklahoma. Sou um dos bailarinos e é muito engraçado ver esta cena hoje, pareço um peru sem graça, duro, cheio de medo. Dançava me imaginando um misto de Gene Kelly com Fred Astaire, mas, infelizmente, o resultado era algo perto do Ganso Boboca dos desenhos animados. Capítulo XI Fada Boa Pode até parecer enredo de melodrama barato, mas as novelas chegaram a mim pelo coração. Namorava uma colega da EAD, e teve um dia que ela não queria sair de casa para não perder o capítulo de A Moça Que Veio de Longe. Nem sabia do que se tratava e ela me contou que era uma novela empolgante, sobre uma empregada, Rosamaria Murtinho, que namorava o patrão, Hélio Souto. Assisti a alguns capítulos, achei interessante e logo veio A Outra Face de Anita, trama policial escrita por Ivani Ribeiro, com Flora Geny, mulher de Dionísio Azevedo. Não assistia todo dia, mas volta e meia estava lá para conferir o desenvolvimento da história, como fazia quando criança com as novelas de rádio. A direção era de Walter Avancini, com quem trabalhei bastante e briguei muito também. Em 1967, Avancini me chamou para ser seu assistente de direção no que seria sua estréia como diretor de teatro. Ruth Escobar tinha ido a Nova York quando eu ainda estava por lá e juntos assistimos a O Estranho Casal, de Neil Simon, que era um sucesso extraordinário na Broadway. Ao chegar aqui, ela quis montar o espetáculo, chamou Avancini e como eu já havia trabalhado como assistente de direção e tinha visto o espetáculo, aconselhou a ele que me convidasse. O problema é que eu tinha acabado de voltar animado com o curso no Actor’s e só queria representar, não estava com a menor vontade de ser assistente de novo. Talvez inseguro com sua estréia no teatro e para me convencer, Avancini me ofereceu um papel na novela que ia começar a dirigir na TV Excelsior, O Grande Segredo, de Marcos Rey. Meu primeiro personagem em novelas chamava-se Juvenal, e, com David Cardoso e Nélson Turini, fazia parte de uma gangue de transviados. Os protagonistas eram Tarcísio Meira e Glória Menezes que, sabiamente, estavam se transferindo para a Globo, ignorando os comentários dos colegas que achavam uma loucura largar o sucesso da TV Excelsior para se aventurarem lá pelo Rio de Janeiro em uma emissora que estava apenas começando. Meu primeiro dia de gravação era uma cena de festa e Avancini, como de costume, berrava com Deus e o mundo: não podia sentar no cenário, não podia chegar perto do equipamento, não podia conversar, tinha que ter o texto na ponta da língua e quem respirasse era mandado para fora do estúdio. O guarda-roupa ficava por conta dos atores e eu vestia meu único terno, um três botões marrom, tipo Beatles. À espera da deixa para entrar em cena, estava atrás do cenário, tenso, apavorado quando passou Glória Menezes: Nossa, como você está nervoso! Não fica assim, não. Ele grita, mas não morde. Você está suando muito, espera um pouquinho. A grande estrela abriu sua bolsa, pegou seu pancake e, delicadamente, enxugou meu rosto. Foi um gesto de extrema generosidade, que mostra o caráter dessa grande dama da televisão brasileira. Anos depois, trabalhamos juntos em muitos sucessos que escrevi exclusivamente para ela e tenho muito orgulho de fazer parte do seu currículo com Jordana de Jogo da Vida, Roberta Leone de Guerra dos Sexos, Laurinha Figuerôa de Rainha da Sucata, Júlia Braga de A Próxima Vítima e Marta Toledo de Torre de Babel, personagens que desenvolvi com muito amor e profunda admiração por esta grande atriz por quem, por aquela e por outras atitudes, nutro um profundo sentimento de gratidão. Fiz a novela até o fim e até com certo sucesso pessoal, Avancini acabou não dirigindo O Estranho Casal, Marat Sade saiu de cartaz e eu estava desempregado novamente. Conhecia Benjamin Cattan desde os tempos do TV de Vanguarda e vivia nos corredores da TV Tupi, como da Excelsior, Bandeirantes e Record para ver se conseguia trabalho. Cattan era assistente da diretoria artística da Tupi e me deixava ficar na sala dele, batendo papo sobre minha estada no Actor’s, enquanto eu sonhava poder falar com Cassiano Gabus Mendes, o que só chegou a ocorrer muitos e muitos anos depois, já na TV Globo em circunstâncias muito especiais, mas isso fica para depois. Cattan me apresentou a Sérgio Britto, que viera para São Paulo dirigir Bibi sempre aos Domingos, programa de Bibi Ferreira na TV Excelsior. Mesmo querendo continuar a trabalhar como ator, aceitei ser assistente de direção do Sérgio, com quem também aprendi muito. Depois, gostando de musicais e admirando a grande estrela, não iria deixar passar a oportunidade de trabalhar ao lado de Bibi Ferreira por nada desse mundo. Bibi sempre aos Domingos foi uma bela experiência. Reproduzíamos para Bibi os números de My Fair Lady e Hello Dolly, além de muitos outros da Broadway, misturávamos com os sucessos de Judy Garland, apimentávamos com um bom repertório de música brasileira, entremeávamos com entrevistas e apresentações de outros artistas de sucesso. Os números principais coreografados eram ensaiados a semana inteira só com os bailarinos. O programa ia ao ar às oito da noite, Bibi chegava às duas da tarde, e depois de assistir o que estava ensaiado, falava um simples Tá bom, já sei, ia para o meio dos bailarinos e em três horas já sabia todas as coreografias com uma precisão impressionante. O programa era ótimo e dava um prazer enorme trabalhar nele, pois englobava tudo o que mais gosto em termos de entretenimento. Por sorte, também comecei a elaborar os roteiros junto com Sérgio Britto, o que futuramente seria de enorme utilidade para mim. Bibi, na Excelsior, e Hebe Camargo, na Record, dominavam os shows dominicais, mas a loira mais famosa da televisão brasileira vencia sempre no Ibope. Com o fim do programa, Sérgio Britto foi dirigir novela e logo começou a produção de A Muralha, de Ivani Ribeiro, baseada no romance de Dinah Silveira de Queiroz. Outra vez sem emprego, lhe perguntei se tinha algum papel: Não tenho. Só figuração com fala. Posso te botar no bando dos bandeirantes. Não existia contrato e o pagamento vinha de duas maneiras: cachê por dia de gravação ou por número de capítulos. Aliás, em toda a minha carreira de ator de televisão de quase oito anos, nunca tive um contrato fixo, só trabalhei a cachê. Sérgio me aconselhou a receber por número de capítulos, pois assim ganhava mesmo se entrasse numa cena rápida. Lembro que ganhava 60 cruzeiros, não tenho a menor idéia do que era, sei que não era grande coisa, mas estava na novela que foi um sucesso. Sérgio Britto me perguntara se eu sabia andar a cavalo e, para não perder o papel, menti sem pensar muito: Claro, fui criado numa fazenda. No primeiro dia de gravação, num terreno baldio perto dos estúdios, estavam os enormes cavalos cedidos pela Força Pública à espera dos atores. Já vestido de bandeirante, não hesitei em montar pela primeira vez na minha vida, com o agravante de nem ser fã de filmes de faroeste, portanto sem muita referência. Não tinha a menor idéia do que fazer em cima daquele animal, mas sabia que não podia perder o emprego. Quando reparei no Paulo Goulart a meu lado, dando a ordem para que o bicho se movesse, fiz o mesmo e o maldito disparou, comigo apavorado em cima. Demos uma volta imensa pelas cercanias da Vila Guilherme e eu agarrado no pescoço dele, só pensava: Não vou perder esse emprego! E não perdi. Meu personagem integrava o bando dos bandeirantes paulistas liderados por Dom Braz Olinto, que era Mauro Mendonça. O vilão da história chamava-se Bento Coutinho, o papel de Paulo Goulart. Só que Paulo era galã e, com medo da reação do público, temia representar o bandido. Era realmente outra época. Quando chegava a hora das vilanias, ele abaixava o tom e o diretor Sérgio Britto queria mais força naqueles momentos. Assim, Sérgio e Ivani Ribeiro decidiram que Bento teria um ajudante de ordens para fazer as maldades. Entendendo de novelas como ninguém, a grande autora decidiu transformar alguém do bando dos mocinhos em traidor. Sérgio me protegia nos closes e Ademar Guerra tinha me aconselhado a sempre ter alguma reação quando a câmera se aproximasse de mim. Resolvi que seria uma reação de desconforto como se eu estivesse de intruso naquele bando. Ivani deve ter percebido porque, por volta do capítulo 20, veio a revelação de que meu personagem era espião e encarregado de todas as vilanias que Paulo não executava. E como escrevia para mim, Ivani batizou o malvado de Abreu e o personagem que não existia na novela, nem no livro, foi crescendo e ganhou a honra de assassinar Dom Brás. No capítulo de maior audiência da novela, o traidor Abreu vem por trás com uma faca e acaba com a vida do chefe dos bandeirantes, sendo imediatamente morto pelo mocinho Tiago (Edgar Franco). Era o primeiro dos meus bandidos e a família de Mauro Mendonça nem imaginava o que estava por vir. Meio inusitada e também escrita por Ivani Ribeiro, a novela seguinte foi Os Estranhos, e aproveitava a onda em torno da ida do homem à Lua para abordar o tema dos extraterrestres. Fui escalado para interpretar um médico, que não era nada malvado no início, mas acabou virando um vilão de marca maior. Ao contrário de A Muralha, Os Estranhos foi um enorme fracasso. Ninguém entendia aquela história de um disco voador aterrissar na praia de São Vicente e de dentro dele saírem Rosamaria Murtinho, Regina Duarte, João José Pompeo, Cláudio Corrêa e Castro e Roberto Maya, seres de outro planeta, trajando roupas brilhantes e com o rosto coberto de purpurina. Um dos destaques do elenco era Pelé, vivendo um escritor de best-sellers que morava numa ilha deserta. E por que ele morava lá? Ora, Pelé não podia gravar todo dia. Como é regra em novela, o personagem que não está dentro da trama acaba sumindo e assim ocorreu com Pelé, pois os outros personagens precisavam se deslocar até a ilha para falar com ele, o que atrapalhava as outras tramas. Por volta do capítulo 30, houve uma reunião geral para tentar salvar Os Estranhos. Todos sentaram no estúdio à espera de Ivani, que entrou vestindo um casaco de pele de leopardo para conversar com os atores. E eu ali sem falar nada; só queria que a novela continuasse para seguir recebendo o meu cachê. De repente, Rosamaria Murtinho, sincera, enlouquecida e maravilhosa como sempre, tomou a palavra: Já que ninguém está falando, eu vou falar. Acho essa novela um absurdo, meu papel é sem pé nem cabeça. Ivani, você é uma autora maravilhosa que fez A Moça Que Veio de Longe, meu grande sucesso, fez A Muralha, mas essa novela é um horror e patati-patatá. Corajosa, disse tudo o que todos achavam, mas ninguém teve coragem de falar. Ivani ouviu tudo e disse um lacônico Tá bom. Dias depois, chegaram os novos capítulos e a novidade maior era que eu matava a personagem de Rosamaria, a extraterrestre, depois de um violento assédio sexual, com três tiros. Já tinha assassinado Mauro Mendonça e chegara a hora de exterminar a mulher dele. Dr. Valentim passou a ser um bandido perseguido, eliminou mais alguns personagens e acabou preso no aeroporto de Congonhas, no último capítulo da novela, cercado de polícia e segurança para que uma montanha de fãs não atrapalhasse a gravação. Tomava dois ônibus para chegar aos estúdios da TV Excelsior, localizados na Vila Guilherme. Ia sempre, mesmo que não gravasse, só para pegar os capítulos e lê-los com a maior atenção. No primeiro mês da novela, quando eu ainda não era bandido, certo dia, o porteiro me avisou que tinha uma senhora à minha espera. Era uma mulher de uns 30 e poucos anos que foi logo me dizendo: Tenho uma coisa muito séria para falar com o senhor, Dr. Valentim. Quando o senhor não está na casa dela, a Márcia Real levanta da cadeira de rodas e anda. Ela não é aleijada. Aquela mulher viera da Freguesia do Ó, bem distante dali, e estava me esperando há mais de duas horas só para me dar aquele aviso. Doida, ou não, levei a conversa como se fosse o personagem, afirmando que ela estava enganada, que já examinara minha paciente completamente. A mulherzinha não desistia: Eu sei, eu vejo na minha casa. Mas quando o senhor sai, ela levanta. Ela anda. Minha cabeça de autor já devia estar em funcionamento e levei aquela história adiante até que ela se rendeu – Não devia perder meu tempo vindo até aqui. Já lhe conheço desde a outra novela quando matou o Dom Brás e o senhor não vale nada e se foi embora. A Muralha e Os Estranhos foram minhas atuações mais marcantes na TV Excelsior. Depois vieram Sangue do Meu Sangue, de Vicente Sesso, onde fiz alguns capítulos, e Dez Vidas, novamente de Ivani Ribeiro, que enfocava a Inconfidência Mineira e foi produzida quando a emissora enfrentava grave crise financeira e não mais pagava os atores, que foram saindo antes do final. Eu também acabei indo embora e só consegui receber meus cachês porque o chefe do departamento financeiro era pai de Marcos Mega, meu colega no Colégio Paulistano. Trabalhando como ator de novelas, passei a me interessar mais pelo script do que pelos meus personagens. Diferente da maioria dos atores que vão direto às suas falas, gostava de ler o capítulo inteiro. Durante muito tempo, guardei os scripts das novelas de Ivani Ribeiro, que posso dizer que foi quem me formou como autor. Sempre achei seu trabalho exemplar e reputo Ivani como a maior novelista brasileira de todos os tempos. Ficava curioso em ver como ela juntava uma cena com a outra: Onde está fulano?... e cortava para o personagem – Vamos para Santos e a próxima cena era naquela cidade. Existia uma dinâmica e um ritmo todo especial na narrativa de suas novelas; as cenas nunca eram espichadas, os assuntos eram propostos e resolvidos em curto espaço de tempo, todos os personagens eram importantes para a narrativa. Sigo muito de seu estilo até hoje. Também me chamavam a atenção as novelas de Geraldo Vietri, com aquelas famílias italianas pobres, humanas e alegres, que gosto, entendo e incorporei para sempre no meu universo novelístico, apesar de nunca ter trabalhado com ele ou lido nenhum de seus capítulos. Na época de A Muralha, a TV Excelsior promovia uma caravana de bairros, com exibições dos atores das novelas. Um caminhão aberto ia para determinado lugar, cantores se apresentavam e os atores apareciam para receber aplausos, dar autógrafos, serem entrevistados. Lembro de um programa de melhores do ano, onde fui receber um prêmio de revelação. Peguei o ônibus, que estava meio vazio, e tinha uma mulher sentada bem na frente. Ali, sem ter o que fazer, fiquei só observando aquela figura e pensando como seria sua vida de mulher feia e solitária. Quando acabou o programa, essa mesma mulher estava histérica na porta, gritava: “Eu vim com você no ônibus, vim com você”, me agarrava, e eu simplesmente não entendia por que ela não fizera aquela algazarra toda antes, dentro do ônibus, quando estávamos sozinhos. É muito engraçada essa relação de fãs com os atores. Hoje é bem diferente, as pessoas me conhecem, falam comigo na rua, mas sempre com o inevitável: “Minha vida daria uma novela”, ou então “Põe o meu nome na novela” – acho engraçado como as pessoas adoram ser citadas ou ter seu nome em algum personagem. Essa relação com escritor conhecido é mais agradável do que aquela histeria com o ator, quando se fica muito exposto. E isso que eu nunca fui um ator muito conhecido, nem de grande sucesso, mas, na modesta exposição que tive, já deu para avaliar o problema. O curioso é que, como autor, as pessoas acham que escrevo todas as novelas da Globo. É comum falarem: “Ah, o senhor precisa dar um jeito nessa novela”, ou então: “Agora sim, seu Silvio, a novela melhorou”. Faz pouco, saía de uma loja e um senhor me fez sinal para parar o carro: “Há muito tempo que eu queria lhe encontrar, o senhor faz novelas tão boas”. Ele estava doido para me contar um plano para uma novela sobre reforma agrária; falei que era melhor enviar para o Benedito Ruy Barbosa. Acredito que a diferença de estilos que cada autor da Globo emprega em seu projeto é que mantém todo este sucesso em pé até hoje. Apesar de histórias às vezes até parecidas, a maneira de contar de cada um de nós é absolutamente diferente. Trabalhamos em universos próprios e bem estruturados: Gilberto Braga na Zona Sul carioca, Aguinaldo Silva nas cidadezinhas do Nordeste ou na Zona Norte carioca, Manoel Carlos no Leblon, Benedito Ruy Barbosa no campo, eu em São Paulo. Cada universo desses traz personagens, tipos, histórias, modos de pensar, de agir, de viver, diferentes em si, que formam um painel muito próximo de cada brasileiro que, às vezes, se reconhece e outras passam a conhecer seu conterrâneo, formando um painel da nossa sociedade para quem estiver interessado em ver. Leon Tolstoi dizia que, ao retratar a sua aldeia, estava retratando todo o universo e acho que esta afirmação serve para explicar o grande sucesso que as novelas brasileiras fazem nas centenas de países onde são exibidas. Aqui no Brasil, o que me deixa feliz é que as pessoas sabem o que escrevo, qual é meu estilo, quais os personagens, as novelas que desenvolvi e associam meu nome ao riso e ao prazer. Sempre que vêm falar comigo, o sorriso aparece e me agradecem por fazer comédias, fazer rir, ou então de mexer com temas polêmicos, como drogas, homossexualismo ou a valorização da raça negra. Voltando à relação artista e fãs, uma vez adiei uma viagem internacional só para conhecer Shirley MacLaine, que seria homenageada com um jantar na casa de Ruth Escobar. Apresentado à estrela, fiquei feito bobo, sem conseguir falar nada e descobri ali que não tinha mesmo nada a lhe dizer. O que interessa nas celebridades é a imagem, o que elas passam para o público; como gente de carne e osso, perto de você, sem as luzes, a maquiagem, a música de fundo, o encanto se dissipa. Sinto o mesmo constrangimento quando as pessoas vêm falar comigo e procuram entabular alguma conversa e não têm nada a dizer. Adoro os elogios, gosto do assédio dependendo da hora, mas não é possível existir nenhuma intimidade entre mim e alguma pessoa que nunca vi na vida. Tal qual aconteceu comigo e Shirley Maclaine, eles têm um mundo de informações a meu respeito que leram nas revistas, captaram em entrevistas, ouviram falar aqui e ali, mas eu simplesmente não os conheço e a relação é absolutamente desequilibrada. Mitos, não que eu me considere um, só devem viver nas fotos ou nas telas e bons exemplos são James Dean e Marilyn Monroe, que morreram jovens há quase 50 anos e continuam vivos em todos os aparelhos de DVDs do mundo ao toque de um botão. A carne vai embora, mas a imagem permanece eterna e não deixa o sonho acabar nunca. Capítulo XII Namorinho no Jardim Voltara a morar com minha família e, no final de 1968, chegou a hora de alugarmos um apartamento maior. Minha mãe encontrou um de três quartos, na Rua Avanhandava, e, quando fui ver o imóvel, acabei prestando mais atenção na garota que era filha da dona e morava na casa ao lado do prédio. Maria Celia era psicóloga e professora da PUC; eu fazia sucesso em A Muralha, mas ela e a família ainda não assistiam às novelas. Como ela também gostava de teatro, conversávamos muito e fomos ficando amigos. Entendíamos-nos muito bem, embora eu me sentisse sempre deslocado entre seus colegas de faculdade. Da amizade, evoluiu para uma relação mais forte, primeiro um namoro de janela, como o de Judy Garland e Tom Drake em Agora Seremos Felizes (Meet Me in St. Louis), e depois os apertos no portão, como Katharine Hepburn e Fred MacMurray em A Mulher Que Soube Amar (Alice Adams). Com minha educação sentimental ditada por Hollywood, se meu desejo era ser Howard Keel, Burt Lancaster ou Anselmo Duarte, buscava para minha eterna amada ou a mocinha ingênua, alegre e às vezes atrevida como Judy Garland, Jane Powell, Doris Day e, principalmente, Eliana, ou a mulher glamourosa, fatal, sofisticada como Lana Turner, Rita Hayworth ou Kim Novak. Maria Celia não era nada disso. Intelectual, psicóloga, de uma beleza discreta, recatada e tímida, era o oposto de todas as mocinhas ingênuas e deusas de sexo que preenchiam as minhas fantasias, mas isso não impediu que logo começasse a gostar dela, embora a idéia de um comprometimento maior sempre me deixasse inseguro. O fator financeiro contribuía para isso, sua família tinha mais dinheiro do que a minha, eram proprietários de duas casas, um prédio de três andares e tinham carro. Eu ainda andava de ônibus, meu pai, depois da falência da tal loja da família, trabalhava de operário na Sofugem, uma fundidora, e tudo o que eu ganhava ia para contribuir com minha parte do aluguel e das despesas da casa. Apesar disso, nunca levava Maria Celia a nenhum lugar em que não pudesse pagar toda a conta; eram outros tempos. Meu impasse amoroso podia ser resumido por uma canção de Roberto Carlos: Casamento não é papo pra mim. Maria Celia era o meu pé na realidade, mas eu ainda ia demorar um tempo para ter coragem de viver fora da fantasia. Minha situação profissional também não se resolvia, continuava ainda arredio e com problemas de entrosamento. Era um ator que, apesar de ter tido boas oportunidades, nunca se sentia à vontade na frente das câmeras e, para quem queria ser o maior ator do mundo, isso era fatal. Muito desse meu deslocamento vinha de uma peruca. De uma peruca? Sim, fiquei careca com 19 anos, início dos anos 60, época dos Beatles, quando ser jovem era tudo o que importava. Queria ser ator, sabia que não era bonito e, desgraça das desgraças, tinha de conviver com a calvície precoce. Para aumentar minhas chances, vendi um aparelho de som, comprei uma peruca e passei a usá-la o tempo todo, o que me tornou ainda mais inseguro. Lembrava de Nem Sansão nem Dalila, quando Fada Santoro puxava a peruca do Oscarito com uma vara de pescar, e imaginava que aquilo ainda aconteceria comigo. Quando conversava com alguém, ficava incomodado com medo que notassem que eu usava peruca, porque, idiota, achava que ninguém percebia. Vivia tenso. Num restaurante nunca sentava de costas para a porta com medo de uma rajada de vento levar a infeliz para o prato de sopa mais próximo; ficava em alerta sempre, imaginando que a bandeja do garçom ia passar sobre minha cabeça enganchando-a e levando-a embora. Um tormento que se prolongou por toda a minha carreira de ator, oito longos anos, quando nunca apareci sem aquele aplique em lugar algum. Com o fim da Excelsior, veio mais uma fase de desemprego, e numa festa na casa de amigos encontrei Nicette Bruno e Paulo Goulart, que fazia a novela Verão Vermelho, na Globo, e me convidou para acompanhá-lo na excursão do monólogo Lá. Numa perua com chofer, eu viajava durante a semana, preparava o lançamento do espetáculo na cidade, levava uma entrevista gravada do Paulo para as rádios, atendia o jornal, montava o cenário e operava a luz. Paulo chegava no fim de semana, apresentava a peça, voltava para o Rio para gravar a novela e eu rumava para o local da próxima apresentação. Lá é um monólogo escrito por Sérgio Jockyman sobre um sujeito trancado no banheiro de sua empresa durante um fim de semana. Paulo Goulart é grandão e foi complicado encontrar um vaso sanitário que resistisse a seu peso. Os de material mais leve quebravam assim que ele subia neles e a solução veio num ferro velho, onde encontramos uma privada daquelas bem antigas, de ágate, que é ferro esmaltado. Aquele monstro pesava que era um inferno e como o motorista não queria nem saber – Eu só dirijo a perua – carreguei muito aquela privada por este Brasil inteiro. Durante o espetáculo, também operava o som e quando não havia possibilidade de instalar o gravador, fazia todas as vozes das pessoas, homens e mulheres, com quem ele contracenava e que não apareciam em cena. Para aproveitar a excursão, Paulo resolveu levar também um show e Giba Um escreveu Olha Janete, Que Bofe Mais Lindo – frase dita por uma mulher ao ver Paulo passar por ela. Retrospectiva de sua carreira, o show percorria boates e clubes. Era bem divertido e nesse eu estava em cena, narrando acontecimentos da vida de Paulo, que os representava. Essa vida mambembe durou mais ou menos um ano, me ensinou muito da parte business do teatro e me levou a conhecer quase o Brasil inteiro; viajamos de Porto Alegre a Manaus. Às vezes, entre uma cidade e outra, voltava para São Paulo e continuava a me encontrar com Maria Celia. Também nos correspondíamos e falávamos pelo telefone quando dava. Foi no meio dessa excursão que nosso romance engrenou de vez. Estava em Curitiba e volta e meia me pegava pensando nela, imaginando como seria bom se estivéssemos juntos, querendo tê-la ali comigo. Lembro-me de um dia, passando em frente a uma loja de discos que tocava Primavera na voz potente de Tim Maia, sentir uma profunda saudade que fazia com que meus pensamentos corressem todos para ela. No fim da excursão, de volta a São Paulo, depois de uma briga onde acabamos tudo, resolvi ligar e despejar o que estava doido para dizer: Eu gosto de você mesmo, não tenho dúvida nenhuma e se você quiser casar, nós casamos agora, eu já estou decidido. E estava mesmo. Maria Celia levou um susto, disse que eu estava maluco, mas reatamos o namoro. De ônibus, e às vezes com amigos como Sônia Braga, fui várias vezes ao Rio de Janeiro bater às portas da Globo em busca de trabalho, daí porque conhecia tão bem aquelas duas poltronas da portaria. Depois de muita peregrinação e com a bênção de Paulo Goulart, consegui um papel em A Próxima Atração, novela de Walter Negrão, protagonizada por Sérgio Cardoso e Tônia Carrero. Dr. Damasceno Righi Salomão, subdelegado de Bagé, que ansiava ser delegado, meu personagem era cômico, muito bem bolado e fez bastante sucesso. Continuava morando em São Paulo, gravava no Rio, sem contrato, sempre na base do cachê. Pegava um ônibus, tomava um comprimido, dormia a viagem toda para agüentar o dia de gravações e retornava a São Paulo assim que era liberado. Quando sobravam cenas para o dia seguinte, pedia para dormir na casa de alguém; às vezes do próprio Paulo, outras na do Emiliano Queiroz ou na casa de quem me abrigasse, de quem fizesse o favor. Hoje acho legal ter passado por essas dificuldades e não exagerei nem um pouco ao dizer que descobri minha turma quando entrei na Escola de Arte Dramática. Com todos os defeitos, todas as fofocas, todas as intrigas, todas as maledicências, artistas são pessoas que se juntam sempre e que na verdade se gostam, se ajudam e se admiram. There´s no people like show people, como Betty Hutton cantava em cima do cavalo em Bonita e Valente (Annie Get Your Gun). Muitas vezes, fico um tempão sem encontrar determinados colegas e quando os vejo é como se estivéssemos estado juntos ontem. Durante o período que a novela está no ar, é como se fossemos uma única família. Todo mundo se telefona, todo mundo conversa, todo mundo se ama, num congraçamento permanente. Acabou a novela, acabou tudo. Com o autor também. Quando não estou escrevendo novelas, o assédio diminui, as pessoas desaparecem e apenas uns três ou quatro permanecem em contato, porém, num próximo trabalho é como se nunca tivéssemos nos deixado. Capítulo XIII Encontros Decisivos Dos tempos da novela O Grande Segredo, ficaram amizades, e Irene Ravache, então em seus primeiros vôos como atriz, é até hoje minha grande e querida amiga. Uma noite, fomos jantar numa cantina do Bexiga e quem estava em uma mesa era Carlos Manga, no auge do programa Quem Tem Medo da Verdade. Irene me apresentou a ele. Maluco pelas chanchadas e entusiasmado em conhecer aquele homem que tinha dirigido tantos filmes da Atlântida, desandei a falar e Manga se impressionou com meus conhecimentos sobre sua carreira. Quatro anos depois, eu estava na Record, atuando na novela Editora Mayo, Bom Dia, que era dirigida por Carlos Manga. Walter Negrão trocara de emissora e trouxe para sua nova novela o meu subdelegado de A Próxima Atração. Foi a primeira transferência de personagem, o que muito tempo depois voltou a ocorrer com a dona Armênia, de Aracy Balabanian, que saiu de A Rainha da Sucata para Deus nos Acuda. Como fora rebaixado a escrivão no último capítulo, o homem agora ressurgia como investigador tentando desvendar o intrincado mistério da novela. E para dar um toque britânico, estava sempre fumando um cachimbo à la Sherlock Holmes. Como a família do Manga gostava do subdelegado desde os tempos da Globo, ele me convidou para jantar em sua casa. Inalda de Carvalho, ex-Miss Cinelândia 1953 e agora sua esposa, também já tinha sido uma de minhas atrizes favoritas em A Outra Face do Homem, Matar ou Correr e Colégio de Brotos. Manguinha e Paula, filhos deles, eram bem pequenos; Di, hoje Dirce Vasconcelos, irmã postiça de Inalda e minha eterna amiga, também morava com eles. Foi uma noite muito agradável e, no meio de um papo, Manga me disse: Você sabe tudo da minha vida. Só tem uma pessoa que sabe tanto quanto você, um rapaz que conheci uma vez com Irene Ravache numa cantina do Bexiga. E ficou pasmo quando soube que aquele tal “rapaz” era eu mesmo. O personagem da novela continuava ótimo; pela primeira vez, desde que comecei a fazê-lo na Globo, me sentia à vontade, sem medo das câmeras, sabendo aproveitar e tirando prazer das cenas. Mas meu empenho em ver Carlos Manga em ação era maior do que o interesse que eu tinha pelo subdelegado ou pela novela como um todo. Atento, vivia no switcher observando o jeito que ele dirigia, como organizava uma cena, marcava as câmeras, instruía os atores e resolvia os cortes na mesa de edição. Aprendi muito ali, apenas observando o homem que dirigira Oscarito, Grande Otelo e Eliana, meus ídolos de infância, e mesmo sem eu saber, um novo e definitivo caminho começava a se desenhar à minha frente. Assim como já acontecera com Ademar Guerra e Antônio Abujamra, o encontro com Carlos Manga ampliou mais ainda meus horizontes. Abujamra me ajudou a desvendar o mundo do entendimento de um texto, da importância de cada autor, da direção de atores, da marcação no palco, do valor da iluminação em um espetáculo. Com Ademar, a lição foi nunca esquecer o prazer, não ter medo de ousar, trilhar novos caminhos, misturar influências, assumir o meu gosto pessoal e nunca investir em um trabalho apenas para agradar aos outros. “Não podemos fazer concessão nem a nós mesmos. Há que fazer sempre o que pede o espetáculo”, ele me dizia. Com Manga, o aprendizado veio como um todo dentro da área específica de cinema e televisão: como colocar uma câmera, para que e como usar um travelling ou uma zoom, qual era a enquadração de cada lente, como ligar uma cena a outra, como dirigir um ator para a câmera, como escalar, como contar apenas com a imagem, como raciocinar cinema e, principalmente, como fazer um roteiro. Pegou-me pela mão, como a um filho, e me ofereceu toda sua experiência profissional com um desprendimento comovente para um homem tido como durão e egoísta. Carlos Manga sempre foi muito generoso comigo, me ensinou demais a viver, profissional e pessoalmente, teve uma influência benéfica e decisiva em todos os setores da minha vida. Como todo artista inquieto, talentoso, vaidoso e centrado em si mesmo, é uma pessoa difícil de conviver, mas que imenso privilégio poder conviver a seu lado! Quando Editora Mayo, Bom Dia saiu do ar, Manga passou a ser diretor de dramaturgia da TV Record e me chamou para seu assistente. Nossa primeira parceria foi o programa semanal Aplauso, com adaptações de peças de teatro e romances. Entre as mais marcantes, estavam as extremamente bem cuidadas A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, com Nathalia Timberg, e Servidão Humana, de Somerset Maugham, com Laura Cardoso e Fúlvio Stefanini. Também produzimos duas novelas que estrearam simultaneamente: Sol Amarelo, bangue-bangue escrito por Raimundo Lopes, autor de Redenção, e Quarenta Anos Depois, de Lauro César Muniz, continuação de Os Deuses Estão Mortos. A época áurea dos festivais de música já ia longe e a Record enfrentava a decadência no começo dos anos 70, com salários atrasados e condições de trabalho tão precárias que nem havia condução para transportar os atores às locações. A Globo, ao contrário, crescia muito e atraía cada vez mais os profissionais. Remanescente do apogeu da Record, Manga era um dos maiores salários da casa, embora não recebesse há vários meses. Começamos a tentar melhorar as condições de trabalho e também os salários de nossos atores. Naquele tempo eram comuns os atrasos de pagamento e, ao assinar um contrato, o profissional já sabia que receberia com uma defasagem de três meses. Um absurdo incompreensível que só mudou com a entrada da TV Globo no mercado. É mais uma injustiça que se faz a esta grande organização; nunca se diz que foi a Globo que moralizou e melhorou as condições de trabalho do artista brasileiro, profissionalizando definitivamente a televisão no Brasil. Ainda na Record, que na época também pertencia a uma família, no meio de uma assembléia com os atores para discutir suas reivindicações, Paulinho Machado de Carvalho apareceu de surpresa: “Não quero esse tipo de reunião na minha empresa. Quem quiser reclamar, vá no sindicato!” O chefão desligou a luz geral do estúdio e todo mundo se dispersou. Foi uma enorme humilhação pessoal e profissional; Manga pediu demissão e entrou com um processo trabalhista reivindicando seus salários. A direção me ofereceu um ótimo aumento para tocar o departamento sem ele, mas preferi sair junto, o que fortaleceu ainda mais nossa amizade. Na época, quando algum artista processava uma emissora, caía em uma lista negra e as outras, em solidariedade, não o contratavam mais e, sem conseguir outra colocação por aqui, Carlos Manga vendeu uma casa que tinha no Rio de Janeiro, entregou a outra alugada no Pacaembu e foi para a Itália com toda a família. Desempregado e ansioso por uma percepção de futuro, resolvi ir ao encontro dele em Roma. Di foi comigo e enquanto ela, Inalda e as crianças passeavam pela cidade, Manga e eu ficávamos falando sobre cinema o dia inteiro. Logo veio a idéia de escrevermos um argumento. Era a primeira vez que me envolvia com o processo de efetivamente criar uma história, no entanto me sentia como um ator escrevendo o que Manga falava. Dava uns palpites, mas não estava inventando aquilo, a história era dele e eu ainda não imaginava ser escritor. Quando a trama, que juntava elementos do folclore brasileiro, começou a tomar forma, veio a idéia de oferecê-la ao produtor Oscar Brazzi, que morava no mesmo prédio em Pariolli. Ele leu a história, se mostrou interessado e veio conversar, acompanhado pelo irmão famoso, Rossano Brazzi, galã do cinema italiano, que contracenara com estrelas como Ava Gardner e Katharine Hepburn. Os dois irmãos foram embora com nossa história e a incumbência de encontrar um roteirista italiano que se interessasse em desenvolvê-la como um filme. Nunca mais deram sinal de vida e tivemos que abrir um processo para ter o argumento de volta, o que só conseguimos depois de muito empenho e confusões jurídicas. Nessa altura, início dos anos 70, meu irmão Ubaldo já tinha se mudado definitivamente para Nova York e, antes de voltar, fui visitá-lo e trouxe na bagagem uma erótica boneca inflável. Nem pensar em paixão à primeira vista nem em outras utilidades, a monstrenga fora encomenda de Carlos Manga e teria uma participação importante em A Superfêmea, filme que o produtor Anibal Massaini o chamara para dirigir e pelo qual ele também estaria voltando ao Brasil. Eu seria seu assistente, mas ele não aprovou o roteiro e saiu do projeto (ah!, a boneca inflável também dançou, mas apenas por razões estéticas). Massaini assumiu a direção e, a pedido de Manga, me chamou para um papel. Nem estava mais interessado em trabalhar como ator, mas era uma questão de pura necessidade financeira. Estrelado por Vera Fischer, com 20 anos, no supremo auge de sua beleza e em seu segundo papel no cinema, A Superfêmea é bem anos 70, estilo Richard Lester, o diretor que fez os filmes dos Beatles. Tem uma seqüência onde a personagem de Vera sai numa louca correria, de biquíni, e começa a ser perseguida por vários pontos de São Paulo, inclusive no Viaduto do Chá, que parou para ver a cena. Faço um dos homens que está no encalço da bela e junto com outro ator fico perseguindo-a, carregando-a, tentando embarcá-la num carro, num barco, num trem, etc., até conseguir caçá-la e levá-la à presença do gênio da publicidade que a queria em uma campanha. Carregar aquela linda mulher pela cidade, para cima e para baixo, durante dias, foi muito agradável, o filme fez um enorme sucesso e nele dei meu canto de cisne como ator e nunca mais, mesmo tendo atuado bem recentemente em um curta-metragem, tive ou tenho a menor vontade de voltar a representar. Capítulo XIV O Divã Meus problemas de entrosamento e timidez não eram segredos para os mais íntimos e vieram à tona numa conversa com Maria Isabel de Lizandra. Por que você não faz terapia?, questionou minha amiga que havia se casado com o psiquiatra Antonio Carlos Marcílio de Godói. Disse-lhe que não tinha dinheiro para pagar um terapeuta e ela ficou de falar com o marido, pedindo que me atendesse pelo mínimo que eu pudesse pagar, o que acabou ocorrendo. Comecei a fazer terapia uma vez por semana e a lidar com minhas encucações. Curioso é que nunca toquei no tema “peruca”, apesar de, no fundo, saber que ali estava a raiz de muitas preocupações. A base do tratamento é muito clara: aceitar-se como se é, se assumir e não ter medo de viver dali pra frente. E quem disse que eu queria ser como era? Passara minha vida ansiando em ser outra pessoa, ainda queria gritar Shazam e virar o Capitão Marvel, queria ser alto, forte e galã como o Burt Lancaster, como é que eu iria me aceitar? Incrível como a gente se engana; com a peruca, achei que conseguira meu intento, mas estava redondamente enganado: continuava a ser o mesmo homem, só que disfarçado, e com a terapia passei a me ver melhor, minimizar e aceitar os meus defeitos, descobrir e valorizar minhas qualidades. E, menos de um ano depois, estava prestes a gritar Shazam e não iria precisar me transformar fisicamente em um super-herói, o segredo estava dentro da minha cabeça. Bem no começo desse processo todo, dirigi meu primeiro espetáculo e quem lançou a semente foi José Carlos Proença, que se formara cenógrafo e trabalhava no Sesc. Ele conhecia minha paixão por musicais e sabia de meu entusiasmo pelo New Underground Theatre, movimento que começara nos palcos novaiorquinos e que só chegou aqui vários anos depois, como besteirol. Trouxera de Nova York um livro de Jean Claude van Itallie, que era o precursor dessa onda e vivia citando I’m Really Here, sobre Doris Day e Rossano Brazzi, num filme musical em Paris. Por que você não dirige essa peça? Nós temos um grupo aqui no Sesc, atiçou meu amigo e eu resolvi encarar o desafio. O texto da peça satirizava os filmes musicais, mas não dava referências e isso iria fatalmente dificultar o entendimento dos não-iniciados. Decidi explicitar e armar no palco os números citados, dublados pelos atores, e projetar em cinco telas imensas no cenário as imagens dos criadores de tais cenas. Assim, através de projeções, estrelas como Ava Gardner, Jane Powell, Marilyn Monroe, Ann Blyth, Howard Keel e um mundo de outros estavam presentes no espetáculo. A coreografia foi de Marika Gidali. Mudei o título para Não se Preocupe, Doris, Tudo Vai Acabar Bem e estreamos em novembro de 1969, no 2º Festival de Teatro Amador do Sesc, junto com Antígona, Electra, Édipo Rei e outras tragédias gregas que amador tem mania de fazer. Mas quem fez essa peça? Que cara talentoso! Sem dúvida, é o melhor espetáculo de todo o festival. Estava saindo da cabine de iluminação quando ouvi estas palavras de Flávio Rangel, que foi embora com sua turma e me deixou pulando de alegria. Ganhamos muitos prêmios nesse festival e por conta do sucesso de Não se Preocupe, Doris; vieram convites para dirigir outros grupos amadores e aceitei o da Faculdade de Agronomia de Piracicaba. Nítida evolução da terapia, eu enveredava para outras bandas – em vez de ser ator, estava dirigindo, criando, me soltando. Com o grupo de Piracicaba, montei O Homem do Princípio ao Fim, de Millôr Fernandes, onde usei muito do que aprendera no Actor´s Studio, bastante laboratório baseado no Método Stanislavski e também exercícios de outros mestres como Viola Spolin e até Grotowski, que acabara de descobrir. Fiquei dois ou três meses montando essa peça, morando em uma pensão modesta da cidade. Nas vésperas da estréia, acordei, me olhei no espelho – eu dormia de peruca – e me disse: O que estou fazendo com isso na cabeça? Exatamente isso e só isso. Foi como se uma luz acendesse de repente e completei: Deixe de ser ridículo! Tirei a peruca, fui num barbeiro na praça e mandei raspar as laterais. Careca total fui para o ensaio, onde ouvi elogios ao meu novo visual e logo ninguém mais tocou no assunto. Como fazia muito sol, comprei um bonito Panamá igual ao de Robert Mitchum em Lábios de Fogo (Fire Down Bellow) e passei a usar chapéu. Na primeira sessão de terapia careca total, Godói deu seu diagnóstico: Agora você está curado. Não tenho mais o que fazer, esse era o seu problema e me deu alta. Tudo acontecera sem que eu nunca tivesse tocado no assunto “peruca”, e essa foi a esperteza e o talento do meu terapeuta. Voltei à análise no final dos anos 90, depois da novela Torre de Babel. O analista era o mesmo, mas os problemas eram muito diferentes... Capítulo XV O Livro e a Caneta Com seis anos de idade, entrei para o curso primário na Escola Paroquial Nossa Senhora da Paz, que ficava na esquina de casa, na Baixada do Glicério. Ainda era muito novo e a idade mínima seria de sete anos, mas minhas tias, amigas do padre e cantoras da igreja, deram um jeito; ninguém devia agüentar mais aquele moleque dentro de casa. Além de não decepcionar, fui brilhante e quando terminaram as aulas, meu nome enfeitava o quadro de honra, no destaque reservado ao melhor aluno da escola. Na festa de encerramento do ano letivo, seriam distribuídos os prêmios para os melhores – uma caneta para o primeiro e um livro O Patinho Feio para o segundo. Como o vice tinha 12 anos, os mestres acharam que não podiam dar um livro infantil para rapazote tão crescido e uma caneta para o pirralho. Resultado: ele levou a caneta e eu amarguei o prêmio de segundo lugar. Essa injustiça absurda me acompanhou por muitos e muitos anos, e gerou um sentimento de rejeição e injustiça que só fui descobrir em meio à terapia, depois de uma violenta crise. Muito antes do meu retorno a Peyton Place na época de Guerra dos Sexos, e por alguma razão que o tempo se encarregou de me fazer esquecer, voltei à rua de minha infância. Não tenho explicação para o que aconteceu, mas a verdade é que parecia que eu havia tomado um ácido e, como sou contra drogas, garanto que o motivo não foi esse. Vindo da Praça João Mendes, descia a pé a ladeira, quando estranhamente comecei a ouvir vozes na minha cabeça que me levaram diretamente para a minha infância: Sai daí, menino, não é pra brincar na rua; Sai da sala que você está atrapalhando; Fulana, dê dois cruzeiros pro filho da costureira. Uma de minhas tarefas era entregar as roupas que minha mãe costurava para a vizinhança e essas gorjetas sempre me deixavam extremamente humilhado. Tudo isso retornava como um turbilhão na minha cabeça e me vi no pátio da escola, colado à igreja, sentado na escadaria. O prédio também, como eu, estava passando por uma reforma e, sem a menor explicação, tive uma violenta crise de choro enquanto falava: “Eu ganhei a caneta, eu não ganhei o livro. Não quero esse livro. Quero o que é meu de direito. Eu fui o melhor. Quero a caneta.” A catarse durou um bom tempo e saí dali bem mais aliviado. Essa passagem aparece mais ou menos no filme Mulher Objeto, quando a personagem de Helena Ramos descobre a origem de seu problema sexual. É muito freudiano, muito clichê e até um pouco bobo, mas é verdade, aconteceu comigo. É claro que isso foi antes de receber alta da terapia e me ajudou muito a exorcizar meus fantasmas. Eu me esforçava, sentia que merecia, mas não ganhava, e essa rejeição, até então, era o ponto chave de toda a minha vida. O Patinho Feio me marcou muito. É a história de um filhote de cisne que vai parar no meio dos patos, não consegue se adaptar e um dia descobre que não faz mesmo parte daquele meio, porém é muito mais bonito e melhor que todos os outros. Fiquei com o livro, lia, imaginava que tinham me dado porque eu era aquilo, um patinho feio, porém, sempre otimista por natureza, ficava aguardando o dia de virar cisne, entrar no trenzinho, etc. e tal. Brincadeiras à parte, esse sentimento de rejeição e de iniqüidade me é muito forte. Reajo muito mal à injustiça e fico doido quando sei que mereço algo e não ganho. É um sentimento que me acompanha a vida inteira e apesar de hoje saber lidar melhor com isso, às vezes tenho sérias recaídas. Capítulo XVI O Destino Bate à Porta Não é segredo que a extinta Embrafilme privilegiava os cineastas cariocas e deixava os paulistas a verem navios. As pornochanchadas eram bancadas por produtores e, como os filmes davam dinheiro, acabava sendo um grande negócio. Decididos a investir em cinema, Lincoln Lafayete da Silveira Bueno e Décio Garcia Nascimento apareceram na Boca do Lixo. Garotões ali pelos 20 anos, de São José do Rio Preto, vinham atrás de dicas para entrar no ramo e descobriram, através de Anibal Massaini, que um roteiro era o primeiro passo. E como conseguir um? Anibal indicou três roteiristas: Adriano Stuart, Lauro César Muniz e eu. Até hoje, ele insiste que se lembrou de mim pela história que escrevi com Carlos Manga na Itália e pelas nossas conversas durante as filmagens de A Superfêmea, mas acho que foi de molecagem mesmo com os garotos. Como Adriano e Lauro César nem falaram com os candidatos a produtores, eles acabaram batendo na porta do meu apartamento na Rua Major Sertório, centro de São Paulo, que nem telefone tinha e onde o aluguel estava atrasado há dois meses. Conversamos, falei que não sabia escrever e os dois, crentes que eu fazia charme porque eles não eram profissionais conhecidos, foram subindo o preço que chegou a um valor quatro vezes maior do que meu aluguel. Insistiram tanto que aceitei fazer uma sinopse. Liguei para o Manga, que também andava numa fase de pindaíba, e sugeri escrevermos juntos e dividirmos o dinheiro. A combinação era que eu assinasse, pois o mito Carlos Manga não poderia voltar ao cinema fazendo um roteiro de comédia para desconhecidos quaisquer, em dupla com outro que nunca tinha escrito nada. À medida que nosso trabalho avançava e eu efetivamente escrevia as cenas, os diálogos, as gags que bolávamos juntos, Manga dizia que aquele roteiro estava ficando bom e que ele queria dirigir. Dei essa idéia aos produtores, que nem sonhavam que escrevíamos juntos, eles se entusiasmaram e o contrataram. Eu seria seu assistente de direção, o que faria pela primeira vez no cinema, já que nossa parceria não se concretizara em A Superfêmea. Fomos para o Rio de Janeiro e começamos a acertar o elenco: José Lewgoy, Adriano Reis, Elke Maravilha e Carlos Eduardo Dolabella. Para mocinha do filme, estávamos atrás de Ângela Diniz, a Pantera de Minas que depois foi assassinada. Ângela topou, mas foi impedida por seu advogado, com o argumento de que tanta exposição a prejudicaria, já que ela respondia processo pela morte de um caseiro. Evidentemente, nossa personagem tinha caso com um caseiro negro e era por isso que pensáramos nela. O papel ficou com Márcia Maria, estrela das novelas da TV Record. Tudo armado para começar as filmagens, passeávamos com os produtores em um carro na Al. Santos. Era um carro grande, importado, confortável, não lembro a marca; Lincoln e Manga na frente, Décio e eu no banco de trás e de repente, depois do diretor avisar que precisava de uma tal grua, um deles questionou: Pra que você vai querer essa grua? Carlos Manga enlouqueceu: Eu não tenho que dar satisfação para esses dois moleques. Pára já esse carro, saiu e foi embora sem olhar para trás. Fiquei ali com os dois, afinal eu é que tinha arrumado todo o negócio. Como Manga não queria mais nem ouvir falar do filme, os produtores me convidaram para assumir a direção. Aceitei, quase morri no processo, mas consegui realizar o filme no prazo e dentro do orçamento; foi assim meu batismo de fogo como diretor de cinema. Em seis meses, passei do sujeito que fizera uma ponta em A Superfêmea ao diretor daquele que seria um grande filme independente. Por causa disso, Manga achou que eu não tinha sido leal com ele e tivemos a nossa primeira briga feia. Gente Que Transa, assim se chama meu primeiro filme. Naquela época, a palavra “transa” significava transações e o nome viera no sentido de “Gente que faz transações”. Não por causa do filme, evidentemente, mas logo a palavra adquiriu a conotação sexual que mantém até hoje, o título ganhou um sentido que tem tudo a ver com a pornochanchada e os produtores resolveram lançá-lo como o filme mais erótico já feito no Brasil, o que, evidentemente, era um engodo. Eu não queria começar como diretor desse tipo de filme, muito menos enganando o público e, tentando limpar meu nome ainda inexistente, fiz a burrada de mandar cartas a todos os críticos e jornalistas explicando que o filme não era erótico, que era uma comédia sofisticada, etc. Santa ingenuidade. Todos resolveram cair de pau em cima de mim, alguns achando que eu era uma besta, no que estavam cobertos de razão, e outros pensando que estava querendo promover o filme através de um estratagema e estes, me desculpem, eram ainda mais bestas do que eu. Não é um bom filme, mas a idéia é boa, assim como o roteiro. É mal dirigido porque fui aprendendo a fazer durante o processo de filmagem, nunca tinha sido nem assistente em cinema. Sabia dirigir os atores, mas ainda tinha muita dificuldade em raciocinar através de lentes e da câmera, não tinha a técnica e isso me fragilizava. O filme trata da concessão de um canal de televisão, disputado por dois empresários. Adriano Reis interpreta o dono de um jornal tradicional e Carlos Eduardo Dolabella, o de um pasquim de escândalos. Na corrida, o prestígio do jornal sério fatalmente ganharia a parada e, na tentativa de interferir no resultado, Dolabella arma um escândalo envolvendo moralmente o dono do outro jornal. Tinha saído há pouco tempo da TV Record, queria mostrar como o meio funcionava e incluí muitas das safadezas que vi acontecer por lá. Numa cena, aparece uma figurante desesperada atrás de um papel e aborda o personagem de Dolabella: Moço, moço, pra quem tenho que dar para conseguir emprego nessa TV? Elke Maravilha interpretava outra dessas garotas que não poupam esforços para virar estrela, de sala em sala, de sofá em sofá e quando, enfim, aparece a grande chance de gravar uma cena, não têm talento sequer para abrir uma porta. Logo que assisti à primeira cópia de Gente Que Transa, concluí que não sabia fazer cinema direito e voltei a procurar Carlos Manga. Conversamos, deixamos os ressentimentos de lado e me convidei para ser seu assistente em O Marginal. Ele aceitou, mas muito generosamente me disse: Você já dirigiu um filme e não vai ficar de assistente de direção e nos créditos do filme meu nome está como diretor assistente. Não demorou muito para eu voltar a comandar uma equipe, o que ocorreu com A Grande Vocação, um dos três episódios da comédia Cada Um Dá o Que Tem. É a história totalmente despretensiosa de um rapaz reprimido, que viveu a vida toda numa fazenda e vem a São Paulo despedir-se de seus familiares, antes de ingressar no seminário. O moço acaba numa mansão do Morumbi, onde um monte de gostosas e seminuas coloca à prova sua vocação. Ewerton de Castro interpretava o seminarista, personagem inspirado num amigo meu e de minha mulher, um padre muito recatado, que adorava folhear, às escondidas, minha coleção da revista Playboy. Falando em revistas, naquela época recrutávamos o elenco de beldades nas páginas de Playboy, Status e Ele e Ela, onde Alcione Mazzeo, Rose Di Primo e Nídia de Paula despontaram. Cada Um Dá o Que Tem foi muito visado pela censura. Meu episódio tinha 25 minutos, podaram oito, só foi liberado depois de muitas negociações, mas passou com alguns cortes. E essas tesouradas estavam relacionadas às questões ligadas à família, como a mãe que aparecia nua em um banquete e outras situações consideradas desrespeitosas para a tradicional família brasileira. E também com a igreja, já que é a história de um seminarista sendo tentado por belas garotas e até por uma bichona, interpretada de maneira muito hilária pelo Miele. Na metade dos anos 70, a grande preocupação dos censores, mais que a política, era com a religião e a família. Capítulo XVII Cenas de um Casamento Em 1974, quando nos casamos, eu era mais duro do que quando comecei a namorar Maria Celia. Pela direção e roteiro de A Grande Vocação ganharia 7.500 cruzeiros. Para as despesas do casamento – igreja, roupa, cartório – precisava de 5 mil, que o produtor não podia me adiantar. Não tinha dinheiro para casar e disse à minha futura esposa que, se ela pudesse me emprestar o dinheiro, depois eu pagaria. Ela aceitou de imediato e esse gesto me emociona até hoje como uma demonstração clara e inequívoca de seu amor e de sua confiança com relação a mim. Professora, chefe de departamentos, com uma posição privilegiada dentro de uma importante universidade, ela namorava um misto de diretor de pornochanchada e ator sem destaque. Não havia nenhuma garantia de algum futuro brilhante e, no entanto, não hesitou em me fazer entender: Confio, quero me casar, porque amo você. A naturalidade da confiança mútua que vem do amor era algo que eu nunca sentira. Meus relacionamentos anteriores foram muito superficiais e nunca tiveram esse compromisso de vida. Felizmente o tempo, já há 31 anos, prova que ambos estávamos certos em nossas escolhas. Casamos na capela da PUC e existia lista de apostas dos colegas dela de quanto tempo nossa união iria durar. Os mais ousados arriscavam dois anos. Éramos e continuamos a ser duas pessoas completamente diferentes em tudo, mas o que eles não sabiam é que somos absolutamente iguais nos objetivos e princípios. Depois da igreja, fui direto trabalhar. Dirigia a dublagem de O Marginal e, como tinha estúdio marcado naquele dia, não pude comparecer ao jantar oferecido pelos nossos padrinhos, Celso, irmão dela, e Nina, nossa cunhada. Maria Celia tinha 30 anos e eu, 32. Eu já tinha namorado, tido relacionamentos, feito tudo que quisera na vida. Nós sabíamos o que buscávamos e quando resolvemos nos casar foi consciente, equilibrado, maduro e não apenas um entusiasmo passageiro. Nossa história começou como amizade, virou paixão e depois se transformou em amor. A paixão se extingue, a amizade e o amor crescem e permanecem. Tive a sorte de encontrar uma companheira extraordinária, que está sempre comigo, me ajuda em tudo, me apóia e que vai estar do meu lado não importa o que acontecer. Não entendo viver sem ela. Depois de ter saído da PUC, minha mulher passou a trabalhar com Flávio Gikovate como psicóloga clínica e hoje mantém um consultório próprio e faz estudos com grupos de terceira idade. Nunca parou suas atividades. Uma das coisas boas do casamento é o respeito à individualidade. Nos amamos, estamos sempre juntos, viajamos juntos, saímos juntos, vamos ao cinema, teatro, jantares, sempre juntos. Mas ela tem a vida dela e eu a minha, um não atrapalha e respeita a vida do outro. A sensação de posse nunca fez parte de nosso casamento. Claro que houve momentos em que discutimos, brigamos, colocamos a relação em xeque, mas nunca nos separamos, talvez porque tenhamos aparado todas as arestas nos cinco anos de namoro. Com a falta de dinheiro imperando, nossa lua-de-mel foi em São Vicente, num apartamento emprestado por uma parenta dela. Ficamos lá uns três dias, comendo camarão de espetinho que se vendia na praia. Como o mundo dá voltas, em 2004, fomos a Paris só para comemorar nossos 30 anos de casados. E na data do aniversário, em vez do camarão da praia, tivemos um jantar muito especial no Tour D´Argent. Chegamos no restaurante às oito da noite, ainda claro por lá, e ficamos numa mesa na janela, bem de frente ao Sena; víamos Paris inteira, um crepúsculo vermelho maravilhoso tomando conta da cidade, o barco flutuando pelo rio e desta vez não era um filme, era a realidade de toda a nossa vida. Foi uma extravagância para uma comemoração muito especial por tantos anos de amor, carinho e emoção, pela nossa filha que só nos dá prazer e por termos crescido e chegado tão alto juntos e felizes. Capítulo XVIII Atlântida, o Reencontro Nem nos meus sonhos mais desvairados imaginava que teria 33 filmes da Atlântida na minha casa à minha disposição e foi isso que aconteceu quando comecei a trabalhar no projeto Assim Era a Atlântida. A idéia ganhou força depois de Era Uma Vez em Hollywood, que assisti 500 mil vezes e continuo vendo até hoje. Ali pensei que poderia fazer algo semelhante com as chanchadas, pois muito da produção da Atlântida avacalhava, satirizava ou imitava os musicais americanos. Um bom exemplo disso são os números musicais de Watson Macedo, como em Carnaval no Fogo, onde Anselmo Duarte dançando Jalousie com Eliana remete direto a Ginger Rogers e Fred Astaire em qualquer um de seus filmes da RKO. Na armação dos roteiros, entravam elementos de teatro de revista, cantores de rádio, quando a história parava e depois retomava a ação no fim do número musical e diálogos de novelas que davam um colorido bem brasileiro aos mocinhos e mocinhas – tudo o que não acontecia nos musicais americanos. Daí porque acusar a chanchada de simples cópia do que era despejado por aqui por Hollywood é injusto. Comecei a me aprofundar no assunto e enchia tanto os ouvidos de Carlos Manga, que ele se entusiasmou e foi ao Rio conversar com Luiz Severiano Ribeiro Jr., o herdeiro da Atlântida, que topou produzir o filme. Minha missão era a melhor possível: entrevistar aquele pessoal todo, escrever o roteiro e escolher trechos dos filmes com o Manga. No nosso apartamento na Rua Saint Hilaire, desembarcaram certo dia um projetor 16 mm e os filmes que restavam da Atlântida. Era enorme minha satisfação em rever aquelas fitas que tanto marcaram minha infância, maior ainda pelo fato de que ainda não existia videocassete e eu tinha, ali na sala, um cinema só para mim. Ainda não tínhamos dinheiro para os móveis e a sala completamente vazia, de paredes brancas, facilmente se transformou no meu cinema particular e bem melhor do que aquele que fiz de caixa de sapatos. Durante um ano, me debrucei sobre o material, marcava minhas cenas preferidas e depois me reunia com Carlos Manga para discutirmos as seqüências que seriam usadas. Fazia isso com um prazer tão grande e nem me lembro de quanto ganhava. Sei que dividia meu tempo entre o filme e o programa Teatro Dois, na TV Cultura. Depois da preparação toda, chegou a hora que eu mais esperava, a das entrevistas, e encontrei Cyll Farney, Fada Santoro, Anselmo Duarte, José Lewgoy, Inalda de Carvalho, Adelaide Chiozzo, Norma Bengell, Grande Otelo. Nem citei o nome de Eliana, mas claro que era a primeira da lista; uma grande estrela, não só grande, mas também única com seus filmes atraindo multidões. Sinfonia Carioca e Rio Fantasia, filmes que Watson Macedo dirigiu depois que Eliana saiu da Atlântida, ficaram em cartaz perto de 50 semanas nos principais cinemas da cidade. Seus trejeitos, suas roupas, suas músicas, tudo era copiado pelas garotas da época. Quando finalmente a conheci, Eliana morava num apartamento modesto em Copacabana, numa rua em frente ao extinto Cine Metro, e me recebeu na sala com o marido, Renato Murce, já bem velho e usando uma bombinha de asma. Conversamos bastante e reparei que a estrela da minha meninice falava com a mão na frente da boca, pois estava com periodontite. Sentindo o carinho tão grande que tinha por ela, me contou a história de sua vida, cantou trechos de músicas, dançou pela sala. Foi uma noite mágica, mas havia algo de Baby Jane no ar, uma decadência que sempre me fez muito mal, principalmente quando é a de pessoas de quem gosto e admiro. Queríamos colocá-la no filme da melhor maneira possível. Tinha imaginado o roteiro da seguinte forma: todos aqueles astros apareceriam no cenário do Rio de Janeiro, onde eles tivessem rodado uma seqüência importante. Começava com a cena original e cortava para o depoimento do astro ou estrela naquele mesmo cenário nos tempos de hoje. Essa solução de só filmar em externas veio pelo simples motivo de que não dispúnhamos nem de verba nem de um estúdio. Adelaide Chiozzo apareceria no Morro Santa Marta, Cyll Farney na Urca e Eliana nos Arcos da Lapa, o lugar onde ela dançava na maioria dos musicais de Watson Macedo, porque vivia sempre a mocinha do subúrbio, não era a garota Zona Sul. Filmamos lá num dia de sol fortíssimo e, quando vimos o copião, percebemos que aquele material não poderia ser aproveitado; minha estrela mal conseguia falar, tapando a boca meio envergonhada, por causa do problema nos dentes. Manga e eu concordamos que Eliana merecia uma melhor exposição. Dane-se que eu tivesse tido essa decepção, não iria dividi-la com o resto do Brasil; meu carinho e respeito por tudo o que ela já tinha sido e representado, não só para mim, mas para milhões de brasileiros, era imenso e verdadeiro. Conseguimos que Luiz Severiano lhe pagasse o tratamento dentário e passei uma semana levando-a ao dentista em Copacabana. É claro que a situação era completamente diferente, mas lá estava eu realizando meu sonho de infância, passeando com Eliana na calçada que imitava as ondas do mar como numa boa chanchada da Atlântida. Conseguimos também colocá-la numa clínica para emagrecer, contratamos Maria Augusta, da Socila, para uma boa repaginada em seu visual e alugamos por algumas horas uma linda casa na Zona Sul, onde em um belo sofá, rodeada de flores, a estrela máxima dos musicais brasileiros, ostentando sua marca registrada no sorriso impecável de dentes perfeitos, dá seu depoimento no filme. Tudo de mentira, tudo fantasia, exatamente o que mais me fascina no cinema. Todos esses cuidados para preservar sua imagem depois de tantos anos, foi o que melhor pudemos fazer por aquela artista que me deu tanto prazer durante a minha infância inteira. Foi meu jeito de lhe agradecer por tanta alegria e encantamento que, afinal, foram minha motivação maior para lutar e querer ser o artista que estava conseguindo me tornar. Os outros depoentes não precisaram de cuidados especiais e para Grande Otelo, José Lewgoy e Anselmo Duarte conseguimos reabrir os velhos estúdios da Atlântida, na Rua Haddock Lobo. Outro ídolo, o maior de todos, Oscarito, não cheguei a conhecer, infelizmente já havia falecido. Pela enorme gratidão que Manga nutria por ele e pela minha incondicional admiração, a antologia de toda uma época é dedicada ao seu grande talento. Assim Era a Atlântida ficou emocionante, bem feito e achávamos que seria um sucesso, seu grande fracasso de público e crítica foi uma enorme decepção. Foi lançado no Cine Art-Palácio, aqui em São Paulo, e no Odeon, no Rio, as salas que mais consagraram as chanchadas. A época era outra e o interesse popular também; dificilmente conseguíamos mais de dez pessoas por sessão. É horrível e muito frustrante a sensação de entrar no cinema e ver que um filme feito com tanto empenho, tanto amor, tanto carinho, não interessa e nem se comunica com ninguém. A última chanchada foi produzida em 1961, o auge mesmo entre 1950 e 1958, e em 1975 ainda havia um enorme preconceito em relação a esse gênero tão popular. Apenas Orlando Fassoni e Luciano Ramos, dois críticos paulistas, conseguiram ver alguma qualidade e importância no trabalho. Os outros todos, além de ofender o filme, a intenção e a realização, atacavam principalmente as chanchadas. O tempo se encarregou de mostrar a verdade, porque tudo o que foi e tem sido escrito sobre chanchadas depois de Assim Era a Atlântida tem sua base nas pesquisas que fiz e que aparecem no roteiro e nos press releases do filme. Até livros inteiros foram escritos utilizando as idéias e informações divulgadas ali, sem que nenhum crédito nos fosse atribuído. Mesmo assim, o trabalho valeu muito a pena e, hoje se sabe, é o único documento existente em imagem sobre o gênero. Estudantes, professores e pessoas em geral se interessam em assistir e o filme é elogiado no jornal toda vez que é reprisado em algum canal de televisão ou evento cultural. Nada melhor do que o tempo. Capítulo XIX Um Filme atrás do Outro Assim como ocorrera com Carlos Manga, foi Irene Ravache também quem me apresentou Rubens Ewald Filho. Ambos malucos por cinema, nos entendemos de imediato e assim que ele manifestou vontade de escrever comigo, convidei-o para juntos elaborarmos o roteiro de uma comédia que o produtor Anibal Massaini me encomendara e que faria parte de um filme com dois episódios. Juntamos bons atores, o que a pornochanchada não tinha, e técnica de comédia. De A Festa passou a ser O Desbunde, e depois de muitos outros títulos se transformou em Elas São do Baralho. Sempre gostei de misturar atores com tendências e experiências diferentes: Antônio Fagundes, Nuno Leal Maia, Cláudio Corrêa e Castro e Iolanda Cardoso vinham do teatro dito sério; Sônia Mamede, Esmeralda Barros e Marivalda, de shows e teatro de revistas, e Cristina Pereira acabando de sair da EAD. O que unia todos eles era o talento e o gosto pela comédia. Filmamos numa cobertura no centro de São Paulo, residência de Anselmo Duarte. O entra-e-sai era tão grande que teve até abaixo-assinado dos vizinhos para nos expulsar. Era uma grande chanchada, onde o nu era engraçado e não erótico. Anibal Massaini, o produtor, gostou do resultado e como o outro episódio, que deveria ser escrito e dirigido sei lá por quem, não saíra do papel, quis aumentar, transformá-lo em um longa metragem. Rubens e eu, achando que nossa história não tinha estrutura para tanto, nos recusamos a escrever qualquer acréscimo ao episódio. Entraram em cena dois novos roteiristas que bolaram um prólogo e um epílogo. Quando voltei para dirigir as cenas adicionais, já andava às voltas com outro filme, mas profissionalmente precisava terminar o trabalho e, insatisfeito com o material, optei por escalar atores inusitados para ganhar um pouco mais de comédia. Daí entrou a quadrilha com um anão, um travesti, um halterofilista boçal e até Adoniran Barbosa, que foi uma diversão em toda a filmagem. E o Elas São do Baralho acabou ficando realmente divertido. Claro que nos bastidores também havia comédia: Sônia Mamede, que viera do Rio para filmar, me ligou do hotel. Eu estava à espera do telefonema de uma outra Sônia, que seria dispensada depois de esnobar o convite para uma ponta, e fui logo dizendo: Olha, Sônia, nossa conversa não foi muito boa, você não confia no meu trabalho... A resposta veio rápida: Ah, se não confio no teu, confio no meu e sem ainda me dar conta de com que eu estava falando, disse: É, mas infelizmente não vai dar, você não sabe fazer comédia. Pronto, aquela voz do outro lado explodiu: Está pensando que eu sou palhaça? Você não me conhece. Eu vou ficar pelada nesse São Paulo! Só aí me dei conta de quem estava do outro lado, me desculpei, pedi que esquecesse o que tinha ouvido e que eu estava indo ao seu encontro. E fui, mas antes passei numa floricultura e levei dúzias de flores para me desculpar. Ficamos amigos, e Sônia Mamede trabalhou em outro filme meu, depois no Telecurso 2° Grau e na novela Jogo da Vida. Copiado de American Grafitti, o final de Elas São do Baralho mostrava o que tinha acontecido com os personagens – igualzinho ao recente A Má Educação, de Pedro Almodóvar. O filme fez sucesso de público, a crítica ou esculhambou ou ignorou, mas hoje tem até tese sobre ele na USP. E um almanaque sobre produções dos anos 70 o cita como o filme mais engraçado já feito. Algumas situações cômicas desse filme voltaram a aparecer em minhas novelas. Foi assim com os nomes das prostitutas – Nádia Marcha-Ré, Wanda Cacetada, Julieta Boca de Caçapa, Teresa Torniquete e Tânia Frango Assado – que volta e meia eram citadas em Deus nos Acuda como funcionárias do cabaré do Quaresma (Emiliano Queiroz). Depois de escrever e dirigir três filmes, um atrás do outro, sentia que precisava de um tempo para me reciclar e não ficar repetindo situações e piadas. Recusei um convite do produtor Maurício Rittner para adaptar A Árvore dos Sexos, um livro de Fernando Santos, mas como gostei da história, aceitei dirigir. Fizeram o roteiro e nem eu nem o Maurício nem ninguém ficou satisfeito com o resultado. Rubens Ewald e eu voltamos à cena para consertar e tirar dali um filme. Estava mais íntimo da profissão de diretor quando começaram as filmagens. Definitivamente já tinha aprendido a usar a câmera, armar os planos, fazer os travellings, as gruas, enquadrar bonito, pedir a iluminação certa, usar as lentes apropriadas, armar seqüências complicadas com longos movimentos de câmera e quis usar tudo isso, só que estava filmando uma comédia ligeira, gênero que não deixa muito espaço para a mão pesada de um diretor pretensioso. Durante as filmagens, tive de me virar para resolver os problemas de produção que pipocavam. A primeira seqüência era na praça lotada, onde se inaugurava a estátua do patrono moralista da cidade. Naquela época, pelo tamanho da praça escolhida e para que a cena tivesse certa verdade, era preciso, no mínimo, de 500 pessoas. Na cena, com a praça lotada pelos ilustres cidadãos de Bondomil, pára um ônibus e desce um bando de prostitutas que vão se instalar no bordel da cidade, comandadas pela cafetina, papel de Virginia Lane. Do choque estabelecido entre elas e o povo moralista da cidade vem toda a idéia principal do filme. Essa cena foi deixada para ser realizada quando a produção arregimentasse a multidão de figurantes, e marcar uma data para juntar todo o elenco era uma dificuldade, pois metade fazia novela na Tupi e outra metade na Globo. Conseguimos o milagre no último dia de filmagem e aquela seria a única oportunidade possível de realizar a cena. Com todo o elenco reunido, o produtor não conseguiu os figurantes e desapareceu. Não era possível deixar o filme sem a seqüência, então, a solução era improvisar e, na hora, inventei uma explicação para a ausência do povo na praça: o assistente do prefeito falhara na organização e o povo não compareceu. Reescrevi tudo na mesa do bar da cidade, enquanto os atores reclamavam ao sol escaldante. Fiz a cena como foi possível e, evidentemente, é fácil perceber a tosca improvisação na tela. Infelizmente todo o filme padece de uma produção à altura do projeto inicial, além de contar com a mão errada de um diretor tecnicamente deslumbrado. Um completo desacerto. Na hora da montagem, percebi que a falta de produção, aliada às minhas altíssimas pretensões artísticas e à minha vontade de mostrar meus conhecimentos de diretor, resultou num filme nem engraçado e nem triste, sem ritmo, chato e com cenas longas. Tentei consertá-lo na edição, junto com o ótimo profissional que é o Máximo Barro, mas era uma missão impossível. Essa idéia de que se pode filmar de um jeito e depois solucionar as deficiências na edição só vale se forem feitos muitos planos curtos, quase nenhum plano seqüência e nunca em uma comédia porque o riso pode parecer inconseqüente, mas é seriíssimo e não perdoa falhas. A Árvore dos Sexos deveria ser filmado em um mês, mas levou dois, por culpa da instabilidade do tempo em São José do Barreiro. Nunca vou esquecer daquela filmagem, pois minha mulher estava nos últimos meses de gravidez, em São Paulo, e eu lá, sem poder voltar para casa. Para completar o isolamento, só havia um posto telefônico no meio da praça principal, celular devia ainda ser alguma maluquice de filme de ficção científica e eu quase nunca conseguia ligação para a capital. Numa manhã, quando estava em meio à direção de uma cena de sexo entre duas garotas e o fruto da árvore, vieram me chamar correndo. Celso, meu cunhado, havia ligado de São Paulo e minha mulher tinha ido para o hospital duas semanas antes do prazo estipulado pelo médico. Não havia mais informações e isto podia ser tanto um parto prematuro como algo mais grave. Tinha de terminar aquela seqüência, não conseguia mais ligar para o meu cunhado e fiquei feito um alucinado do set de filmagem, que era do outro lado da cidade, para o posto telefônico. O parto seria num hospital já reservado, dentro do convênio médico dos funcionários da PUC, mas como ocorreu antes do previsto, e como a maternidade estava lotada, Maria Celia acabou indo para um hospital público do bairro da Lapa. E eu preso naquela filmagem, que só acabou lá pela meia-noite, quando consegui chegar na estrada para esperar o ônibus. A cidade mais próxima era Cruzeiro e a viagem até São Paulo durava quatro horas. Felizmente apareceu um carro com Líbero Rípoli e Paulo Hesse, que vinham para a filmagem do dia seguinte. Não vai ter filmagem, podem voltar e me levem junto, e assim foi feito. Maria Celia tinha 32 anos, naquele tempo uma “primípara idosa” no linguajar do médico que indicava uma gravidez arriscada e ficamos muito preocupados antes do bebê nascer. Quando cheguei ao hospital, Juliana já existia e minha mulher me recebeu com a frase mais linda que já ouvi: É uma menininha e é perfeita. Como sempre, Maria Celia não mentiu; nossa filha, felizmente, é perfeita mesmo e nos trouxe muita sorte dali para frente. Elas São do Baralho teve sua estréia adiada e, por coincidência, entrou em cartaz no mesmo dia que A Árvore dos Sexos, em novembro de 1977, quando a novela Éramos Seis ainda estava no ar. Eram 20 cinemas exibindo os dois filmes que dirigi: 12 com Elas São do Baralho, 8 com A Árvore e a novela fazendo sucesso. Meu trenzinho chegou trazendo minha filha e tocava sua sineta me convidando a embarcar o mais breve possível para minha nova vida. Capítulo XX Dias de Cultura Em 1976, entre uma pornochanchada e outra, escrevia adaptações e dirigia no Teatro Dois, na TV Cultura, do qual guardo grandes lembranças. Os diretores Ademar Guerra, Antônio Abujamra, Antunes Filho e Cassiano Gabus Mendes se revezavam no programa, cada um produzindo um teleteatro por mês. Indicado por Ademar, entrei na vaga de Cassiano, que saiu para escrever novela na Globo. Foi uma oportunidade de ouro esse desafio de fazer parte daquele time de diretores conceituados e rendeu trabalhos de que muito me orgulho, como as adaptações de Caixa Forte, A Dama de Copas e o Rei de Cubas e Hoje é Dia de Rock. Peça de José Vicente, Hoje é Dia de Rock celebra a juventude que se desprende, abandonando suas raízes e voando para o mundo. Minha adaptação privilegiou o avesso: o abandono da velhice que fica pra preservá-las. Resultou numa história triste, bem diferente do festejado espetáculo que Ivan Albuquerque dirigira. José Vicente até me falava: Minha mãe gosta bem mais do jeito que você conta. João José Pompeo e Barbara Fázio interpretavam os pais e Marlene França, uma deusa asteca. O filho mais novo foi escolhido em testes e apareceu por lá um menino magrinho, de olho azul grande, que tinha acabado de chegar de Paris, onde trabalhara com os Dzi Croquetes e não tinha nem dinheiro para voltar ao Rio. Fez o teste comigo, gostei dele que teve sua primeira atuação em televisão naquele programa. O que é o destino! O rapaz magrinho era Jorge Fernando, que tempos depois vim a reencontrar na Globo, hoje quase um irmão e meu parceiro em tantas novelas e programas de sucesso. Caixa Forte, de Arthur Hailey, também tinha uma moça em seu primeiro papel na televisão, Tânia Alves. História de uma cantora de boate que divide um quarto de cortiço com uma operária, A Dama de Copas e o Rei de Cubas, de Timochenko Webbi, foi outro trabalho marcante. Consuelo Leandro interpretava a cantora, que na minha versão sonhava ser Ângela Maria, e Lucia Mello, a operária. Gravei num cortiço do Bexiga, perto da Igreja do Carmo, o mesmo que depois serviu de locações para a novela Jogo da Vida. Na época era um cortiço aberto, hoje está fechado e Bruno Barreto rodou recentemente por lá O Casamento de Romeu e Julieta. Para mim, Éramos Seis tem muito a ver com Hoje é Dia de Rock, e Jogo da Vida, com A Dama de Copas. Dedicado à obra dos grandes poetas brasileiros, Cabaré Literário foi mais um programa muito interessante da minha fase TV Cultura. Nydia Licia me chamou para tocar esse projeto. O primeiro que escrevi e dirigi deu o tom e o formato da série e era dedicado às poesias de Manuel Bandeira. Depois vieram Castro Alves, Álvares de Azevedo e o melhor deles, Os Poetas de Vila Rica, que fiz com um elenco todo de negros e a escola de samba Camisa Verde. Outros diretores e roteiristas também participaram deste projeto, que tinha músicas inéditas compostas especialmente para o programa usando as poesias. Capítulo XXI Dona Lola A TV Tupi passava por turbulências e eram constantes as mudanças de direção. Era janeiro de 1977, Roberto Talma contratou a mim e Rubens Ewald Filho, por indicação de Edison Paes de Melo, editor de variedades do Jornal da Tarde, com o aval de Antônio Abujamra que era seu assistente na diretoria artística. O cinema catástrofe estava no auge e Talma tinha uma idéia para uma novela chamada O Acidente, sobre um desastre de avião, ao estilo do filme Aeroporto. Fizemos a sinopse, escrevemos dez capítulos. A novela iria ao ar às 10 da noite, com uma proposta bem moderna para reformular a teledramaturgia da Tupi, e o elenco já estava sendo escalado quando Talma perdeu seu cargo. Carlos Zara e Henrique Martins, os novos manda-chuvas da emissora, nos chamaram e foram bem diretos: Não sabemos quem vocês são, mas, como estão contratados, precisamos de idéias para uma novela das sete. Desenvolvemos algumas sinopses: uma história passada no teatro de revistas, outra em uma faculdade, uma terceira sobre poluição e oferecemos também a adaptação do livro Éramos Seis, de Maria José Dupré, que sempre foi o livro predileto de minha mãe. A direção insistia numa história ao estilo Locomotivas, de Cassiano Gabus Mendes, o sucesso da Globo no horário, e só depois de muita insistência conseguimos emplacar nossos argumentos de que Éramos Seis era uma novela paulista, com cara da TV Tupi, uma novela de emoção, de verdade e de família. Começamos a armar os personagens fazendo uma analogia com as nossas famílias, que eram de formação e origens bem diferentes. A sogra de Júlio (Gianfrancesco Guarnieri) era elaborada a partir da avó de Rubens; e Adelaide (Carmem Monegal), filha de Tia Emília (Nydia Licia), um personagem que não consta no livro, Rubens também tirou de seu universo particular e o desenvolveu praticamente sozinho. Do meu lado, já contei de tias Carmem e Luiza que inspiraram Clotilde (Geórgia Gomide) e Olga (Jussara Freire). Dona Lola, a protagonista que Nicette Bruno fazia maravilhosamente, era o tempo todo uma mistura equilibrada da personagem do livro e de minha mãe, só que em vez de fazer doce pra fora, mamãe costurava e Júlio (Gianfrancesco Guarnieri) era meu pai com todas as suas características boas e más. Os filhos eram misturas das crias de dona Lola com o irmão do Rubens e os meus e muitos outros personagens eram inventados por nós dois, que colocamos com sinceridade muito de nossas experiências de vida naqueles capítulos. Não sei por parte de Rubens Ewald, mas eu temia fazer outra novela por achar que tinha esgotado todo meu repertório sobre família e relacionamentos humanos em Éramos Seis, como aqueles autores que aproveitam histórias familiares na primeira peça ou filme e depois ficam sem assunto para o resto da carreira. Éramos Seis estreou no dia 6 de junho de 1977 e teve gravações em Santos, onde foram alugadas casas na Vila Belmiro, que ainda tinha a linha de bonde, transformada na paulistana Avenida Angélica dos anos 20, época em que a novela se iniciava. Era dividida em três fases, e quando estávamos na segunda e abordávamos a Revolução de 32, colocaram um problema em nossas mãos. Ivani Ribeiro preparava O Profeta e queria Carlos Augusto Strazzer vivendo o personagem-título. Strazzer fazia o filho mais velho de dona Lola e não poderia sair da novela, pois era seu personagem quem tomava conta da mãe no final do livro. Esse argumento não funcionou e recebemos um memorando de Carlos Zara informando que, a partir de determinado capítulo, Strazzer não gravaria mais. Como estávamos na Revolução, resolvemos matá-lo em combate. Alguns anos depois, meu irmão mais velho Ubaldo, também faleceu e agora éramos uma família de cinco, igual na novela. Foi apenas uma lamentável coincidência, mas minha mãe, hoje com 92 anos, sempre se emociona quando faz a analogia entre sua vida e essa novela. Depois da sinopse feita a quatro mãos, Rubens Ewald e eu decidíamos tudo juntos, mas trabalhávamos separados, cada um do seu jeito. Foi um entrosamento muito agradável, apesar de termos métodos diferentes de criação. Ele, acostumado em redação de jornal, não se importa de trabalhar com barulho e eu só consigo produzir no silêncio absoluto. Pegamos o horário que exibia a novela de Marcos Rey, Tchan, A Grande Sacada, com quatro pontos de audiência no IBOPE e entregamos no final de Éramos Seis com 25, além de um enorme prestígio com o público e com a crítica. Os desempenhos perfeitos de todos os atores, com destaques especiais para Nicette, Guarnieri e Geórgia Gomide, foram fundamentais para o sucesso da novela. Em 1994, o SBT refez Éramos Seis, com Irene Ravache no papel de Dona Lola. Foi sucesso outra vez, chegando aos 25 pontos de audiência, o que a emissora não conseguiu mais com nenhuma das novelas, importadas ou nacionais, que exibiu antes ou depois. E dessa vez a novela ganhou todos os prêmios, inclusive Troféu Imprensa e APCA, o que não acontecera em 1977. Acho que fomos injustiçados na primeira vez e poderíamos ter levado pelo menos prêmio de revelação, pois nunca tínhamos escrito novelas antes. A nossa primeira versão de Éramos Seis acabou no último dia do ano e logo Rubens Ewald Filho e eu fomos contratados pela TV Globo. Ele foi escrever Gina, para o horário das seis, e eu Pecado Rasgado, às sete. Capítulo XXII Em Busca do Prazer Minha primeira idéia era escrever uma novela-chanchada, mas a Globo não aceitou, sei lá por quê, e logo depois Bráulio Pedroso veio com Feijão Maravilha sobre o mesmo tema e não conseguiu emplacar o sucesso esperado. Barrado em meu primeiro intento, parti para a comédia sofisticada, gênero consagrado nos anos 30, principalmente por Rosalind Russel e Cary Grant, nos anos 40 por Katharine Hepburn e Spencer Tracy e nos anos 50 por Doris Day e Rock Hudson. Pensando neles, criei o casal central de Pecado Rasgado, minha primeira novela na TV Globo; um homem e uma mulher, de temperamentos fortes e absolutamente antagônicos, se apaixonam perdidamente. Teca (Aracy Balabanian) psicóloga, séria, politizada que realizava um trabalho sobre jovens que moravam numa república, se apaixona por Renato (Juca de Oliveira) um empresário elegante, fútil e sofisticado; mesmo quem não entende de escalação de novelas pode ver que Juca de Oliveira, maravilhoso e excelente ator, forte, rude e rural, não era exatamente o indicado para o papel, mas os problemas estavam apenas começando. Meu texto para comédia exige muita marcação, os personagens têm que andar, correr, se movimentar em cena porque a ação e as falas correm juntas. Acostumado a dirigir novelas em um outro tipo de esquema, onde os personagens podiam falar sentados que o diálogo funcionava bem, o diretor Régis Cardoso não entendeu minha proposta. A história na tela tinha o tom completamente diferente do qual eu escrevia, a comédia não funcionava e já nos primeiros capítulos vi que a novela não iria dar certo, como realmente ocorreu. Pecado Rasgado foi uma novela cheia de problemas de texto, direção e, principalmente, de escalação. Além do protagonista masculino, outros atores também não eram adequados por serem excessivamente velhos para os papéis. Já o casalzinho jovem, Ney Santana e Nádia Lippi, revelou-se escolha certeira. Eles, que tinham se conhecido nas filmagens de A Árvore dos Sexos, se casaram durante a novela, como depois aconteceu com Edson Celulari e Cláudia Raia em Deus nos Acuda. Embora Ney e Nádia, que têm uma filha, não tenham ficado muito tempo juntos, parece que sou bom cupido. Apesar de ter tido uma boa audiência, porque na TV Globo, naquela época, tudo tinha audiência, foi uma péssima experiência, perto de um pesadelo. Acabei em um estresse terrível, decepcionado, briguei com Régis Cardoso, com muitos atores, com a diretoria da Globo, briguei com todo mundo. Meu contrato acabou no meio da novela e só aceitei renová-lo até o final daquele tormento. Com minha carta de exoneração da emissora na pasta, pedi para falar com Boni. A secretária me disse que ele estava com a agenda cheia e só poderia me receber dali a 15 dias. Voltei ao Rio 15 dias depois e fiz questão de dizer para ele que a merda que fora colocada no ar com o nome de Pecado Rasgado havia sido feita por eles e não por mim. Estava tão irritado e fora de mim que o melhor executivo da televisão brasileira nem deu um dos seus berros famosos e me mandou desaparecer da sua frente; pode ter sido ilusão minha, mas tenho a impressão que até me olhou com respeito. Saí com a convicção de que jamais colocaria os pés dentro daquela emissora novamente e queria sumir dali o mais depressa possível. Tenho certeza até hoje que, se tivesse ficado de cabeça baixa, acabaria sendo aproveitado em algum programa de segunda linha e isso nunca esteve nos meus planos. Convidado por Antônio Abujamra e Eduardo Sidney, fui direto para a TV Cultura implantar o Telecurso 2º Grau, projeto coordenado pelas fundações Roberto Marinho e Padre Anchieta. O desafio era criar um novo tipo de aula, diferente do convencional e desenvolvi o formato que o programa mantém até hoje. Era responsável pela direção e texto das aulas de Português e Literatura Brasileira, que eram centradas nas dúvidas de um aluno, interpretado por Ney Santana, e não nos ensinamentos do professor, como era de hábito nas aulas de outros cursos. O estudante em frente a uma televisão assistia ao curso e, à medida que suas dúvidas apareciam, num diálogo entre ele e os personagens que estavam no aparelho, a aula se desenvolvia e os conceitos eram passados. Nas aulas de Literatura, usava músicas, cenas de filmes e de novelas adaptados de livros. As regras gramaticais eram representadas como se fossem esquetes de teatro de revista: se o verbo era “tirar”, aparecia Marivalda fazendo um strip-tease junto com a explicação: Verbo transitivo direto, eu tiro, tu tiras, etc. e ia tirando a roupa. No caso das vozes dos verbos, a ativa era Eu atiro uma torta em sua cara, e a passiva, Tortas são atiradas em sua cara e as tortas voavam para lá e para cá. A novidade era passar aqueles conceitos com humor e os quadros eram encenados por uma turma de atores que trabalhara comigo nas pornochanchadas, como Consuelo Leandro, Sônia Mamede, Cristina Pereira, Sérgio Ropperto, Marivalda e um bando de gente talentosa recém-saída da EAD. Fiquei um ano fora da Globo, feliz da minha vida, trabalhando no Telecurso e, a convite também de Eduardo Sidney, escrevendo textos para o Programa de Hebe Camargo, na Bandeirantes. Seu programa é sua vida e seu brilho e disposição permanentes vêm da adoração que o auditório passa para ela numa troca sincera e verdadeira de energia. E olhe que, nessa fase, seu show não repetia a audiência de anos antes na Record, mas seu entusiasmo nunca esmoreceu: Ah, eu trabalho pra mim, me divirto, ela sempre repetia. Escrever para a madrinha da televisão brasileira era uma tarefa inútil porque, apesar de seguir o roteiro e respeitar as pesquisas feitas para as entrevistas, as falas vinham todas da sua cabeça e a única coisa que disse no ar de tudo o que escrevi e diz até hoje é: A gente volta já-já, viu? quando vai cortar para um comercial. Mas isso nunca me incomodou, era o seu programa, seu jeito, sua espontaneidade, seu universo. Hebe Camargo, grande mito da nossa televisão, ama seu trabalho e isso faz toda a diferença num tempo em que as pessoas labutam pelo dinheiro, pela fama, sem se preocuparem com a satisfação, com o gozo. Foi convivendo com Hebe, em sua incrível e invejável alegria e otimismo, e observando como consegue injetar seu entusiasmo em toda a equipe a seu redor, que aprendi o grande prazer que tenho até hoje de fazer tudo o que faço. Capítulo XXIII O Vilão Sexo Considero meus quatro primeiros filmes apenas como de aprendizado. Esse foi o lado bom da pornochanchada; quase qualquer filme dava bilheteria, então se podia aprender fazendo. O público não ia ao cinema para ver produções bem feitas e sim as mulheres peladas, que nem eram tão peladas assim. Meus primeiros filmes deram dinheiro, mas nenhum deles é bom. Mulher Objeto é diferente. Quando fui fazê-lo, estava pegando um tema que me interessava e não tinha a obrigação de ser engraçado. A proposta era de um filme erótico sobre uma mulher que não se relacionava sexualmente com o marido e ficava sonhando em conseguir orgasmo com outros homens. Assim que li o roteiro de Alberto Salvá e Jaime Camargo, percebi que podia resultar num filme interessante, mas queria adaptá-lo mais ao meu gosto pessoal e Anibal Massaini, o produtor, me deu carta branca. Debrucei-me sobre aquela história de sexo e erotismo a partir do personagem da mulher, querendo armar um woman’s picture, anos 40, sobre ela. O roteiro ficou pronto, me agradava bastante, mas alguma coisa estava faltando e eu não conseguia atinar com o que fosse. Pouco tempo antes de começar a filmar, Rubens Ewald Filho, em uma conversa informal, dentro do meu carro, na Alameda Campinas, me deu a chave: Por que não faz um thriller? Você gosta tanto de Hitchcock! Compreendi imediatamente e, num estalo, comecei a ver o filme pronto na minha cabeça. Nada precisava ser mudado no roteiro, mas a direção passaria a ter um enfoque totalmente diferente, usando a narrativa e o clima de um filme policial, com luz recortada, sombras e câmera subjetiva. Mas quem estaria atrás daquela câmera, quem espreitava a vida daquele casal, daquela mulher?... Foi aí que brotou a idéia de usar o sexo como vilão da história. Um casal anseia ser feliz, mas não consegue porque o sexo atrapalha. Então, toda a vez que a mulher fica perturbada, ela vê alguém: é um impedimento para a realização de algo que ela anseia e não simplesmente a vontade de realizar uma cena erótica, o que trouxe ao filme uma dimensão maior. Além de ter feito uma carreira excelente de público, Mulher Objeto foi muito bem aceito pela crítica e é citado até hoje como um exemplo de filme erótico digno e bem feito. Queria um filme de respeitabilidade, mas como realizá-lo com meu currículo de diretor de pornochanchadas e com um produtor do mesmo ramo? Dependendo do elenco, iria, sem dúvida, virar uma pornochanchada, mesmo antes de chegar às telas. Precisava de atores de prestígio, acostumados a ter os seus nomes ligados a produções de qualidade, que tivessem trabalhado com diretores importantes, ganhado prêmios. Primeiro fui atrás de Sônia Braga, que não se mostrou interessada. Vera Fischer, Bruna Lombardi e Sandra Bréa também recusaram. Esse ponochanchadeiro vai me botar lá pelada e eu tô perdida, elas deviam pensar, diante daquele roteiro com 18 cenas de sexo, descritas em detalhes. Por que você não convida Helena Ramos?, ouvi do Anibal e lhe disse que ele estava maluco. Tinha muito preconceito em relação a Helena, uma das mais conhecidas atrizes dos filmes eróticos, e de jeito nenhum iria fazer um filme com ela; queria uma atriz de verdade, queria reconhecimento à minha arte. Mas como não teve outro jeito, Anibal a chamou para que a conhecesse. Helena Ramos apareceu uma tarde lá na produtora Cinedistri, nos fechamos numa sala e ela me disse que tinha lido o roteiro, adorado e desejava muito fazer o filme. Nossa conversa fluiu e derrubou meu preconceito diante daquela moça que se mostrava decidida, séria, profissional e absolutamente empenhada em fazer o papel: Preciso fazer um filme como este, sei que vai melhorar a minha carreira; confio e faço o que você quiser. Sua confiança e disponibilidade foram fundamentais, pois sem elas jamais teria conseguido rodar o filme. Helena Ramos nunca reclamou de absolutamente nada, estava sempre na hora, sabia o texto, obedecia as marcações, seguia as entonações e respondia aos estímulos. Apenas tivemos um problema na última cena rodada. Era uma seqüência de sexo bem atrevida, ela nua com o corpo coberto de óleo para suas lindas formas brilharem ao sol, em cima de um cavalo com o Danton Jardim, também nu. Mandei repetir muitas vezes e ela acabou perdendo a paciência: Não posso cavalgar mais, estou grávida, vou perder meu filho. Ninguém sabia dessa sua condição e, com isso, mais uma vez provou seu profissionalismo, agüentando o quanto pôde para realizar a cena da melhor maneira possível. Por puro preconceito e vaidade besta, quase deixei de ter a intérprete ideal para meu filme. Continuava vivendo e aprendendo. Minha escolha para o marido da protagonista, Antonio Fagundes nem titubeou: Aceito, sim, mas só se fizer a mulher, porque o papel do marido não é bom. Não era mesmo e foi para Nuno Leal Maia, que estava escalado para personagem menor. Foram se agregando ao elenco atores que já tinham trabalhado comigo na televisão ou nos filmes anteriores, como Maria Lúcia Dahl e Kate Lyra. E para viver a mãe de Helena Ramos, chamei Yara Amaral, minha amiga desde os tempos da Escola de Arte Dramática, quando éramos vizinhos e ela ainda trabalhava no Citibank. Erótico, quase sexo explícito, Mulher Objeto mexeu com a libido de homens e mulheres indistintamente. Mas era elegante, tinha uma aura de Emanuelle, o padrão de sensualidade daqueles anos. Em 1984, o vice-presidente da 20th Century Fox, Peter Myers, veio ao Brasil selecionar filmes para a empresa distribuir no mercado americano. Assistiu a mais de 40 produções nacionais e escolheu só uma, Mulher Objeto. Anibal e eu fomos almoçar com o gringo no Maksoud Plaza e a primeira pergunta foi onde eu aprendera tanto sobre sexo e erotismo e eu, com a maior cara-de-pau, respondi sem floreios: Na cama. Quem me dera! Peter Myers queria negociar o filme com a condição de que fizéssemos uma continuação, pois já existiam várias Emanuelle. Disse que só queria mexer na trilha sonora e me perguntou: Você gosta de Alfred Newman? Quase caí para trás ao ouvir o nome do compositor das trilhas da Fox, nunca me senti mais perto da meca do cinema. Algum tempo depois veio a proposta financeira concreta: 400 mil dólares mais porcentagem de bilheteria e Anibal não aceitou, queria um milhão e o negócio não foi concretizado. Bye bye, Holywood, hello again, TV Globo! Capítulo XXIV Enlouquecendo aos Poucos Começo de 1981. Último plano de Mulher Objeto, aquele com Helena Ramos e Danton Jardim transando em cima de um cavalo a pleno galope. Acabei de filmar e recebi um telefonema da Globo: Cassiano Gabus Mendes sofrera um enfarte e me indicara para continuar Plumas e Paetês, a novela que ele escrevia para o horário das sete. Foi exatamente no mesmo dia. Cassiano escrevia sozinho e quando estava sendo levado para o hospital, falou para me chamarem e completar sua trama. Nunca tinha estado com ele, mas Cassiano assistiu a Pecado Rasgado, gostou do script e achou que eu tinha razão de brigar com a direção. O convite inflou meu ego e a urgência da situação não deixou muito tempo para refletir, aceitei. O problema era que, envolvido com o filme, nunca assistira a um capítulo da novela que já estava no meio. Pedi que me enviassem os scripts, que no fim de semana chegaram lá em casa, e li 103 capítulos, junto com a minha mulher. Líamos alternadamente, um e outro, ela me contava a trama dos dela e eu logo engatava no seguinte. Na segunda-feira, comecei a escrever e na quinta mandei seis capítulos. Dirigida por Reinaldo Boury e Gonzaga Blota, Plumas e Paetês continuou fazendo sucesso e me trouxe prestígio na emissora da qual eu tinha saído brigado com todo mundo, para nunca mais voltar. Assinei novo contrato com um salário melhor e Boni me pediu uma sinopse para a próxima novela das sete. Régis Cardoso, que fora afastado do cargo logo depois do final de Pecado Rasgado, também estava de volta. Escrevi a sinopse de Guerra dos Sexos. Ele, assim que a recebeu, recusou dizendo ser uma porcaria e que não queria fazer. Não importava se a história era boa ou ruim, o que pesava era quem a escrevera: o sujeito que brigara com ele. Atrás de uma novela para substituir a fracassada O Amor é Nosso, de Roberto Freire e Wilson Aguiar Filho, que estreou logo em seguida ao sucesso de Plumas e Paetês, Boni recorreu a Janete Clair, que sugeriu As Quatro Marquesas. Era uma história, desenvolvida em algumas páginas, sobre uma mulher abandonada pelo marido e que recebe de herança quatro cadeiras, uma delas recheada com um milhão de dólares. Boni adorou e, como Janete não estava interessada em desenvolver a trama, lhe pediu que sugerisse alguém e ela disse aquele rapaz que terminou Plumas e Paetês. Eu também não conhecia Janete Clair. Esses são os maiores orgulhos da minha vida: ter sido indicado pela maga das novelas das oito e pelo mago das novelas das sete, que não me conheciam pessoalmente e confiaram pelos trabalhos que viram e avaliaram; foram mais que meus padrinhos porque me deram muita segurança e a certeza de que eu poderia continuar neste caminho. Li a história, gostei e fui conversar com Janete, um encanto de pessoa, amável e generosa. Sugeri mudar as cadeiras por cupidos, me parecia mais romântico e menos óbvio por causa de Doze Cadeiras, a aventura russa que serviu de base para a idéia. Consegui botar um teatrinho de revista aqui, um joguinho de boliche ali, inventei alguns outros personagens de comédia, perguntei se podia fazer assim, fazer assado e ela foi topando. Batizada de Jogo da Vida, a novela foi dirigida por Roberto Talma e seus assistentes Jorge Fernando e Guel Arraes. Começava ali uma parceria. Talma foi o primeiro a entender direitinho o que eu queria fazer, de que maneira ia contar uma história, como é que eu misturava chanchada com cinema americano, com cinema italiano, com drama mexicano. Entendeu que os personagens tinham que se movimentar, que ação e falas faziam parte do mesmo elemento e que drama e comédia podiam conviver desde que se respeitassem seus espaços próprios. Com Jorginho e Guel se completou o acerto. Éramos três doidos. Bem jovens e extremamente talentosos, ambos tinham muita curiosidade em conhecer tudo sobre entretenimento, principalmente a chanchada e os filmes mais antigos, onde baseava a minha narrativa. Conversávamos muito, eu explicava, contava muita história e eles, que não tinham nem idade para saber daquilo tudo, emulavam, entendiam, inventavam e realizavam. Jogo da Vida começava comportada, pois a história de Janete Clair tinha alguns elementos de comédia, mas basicamente era um drama romântico. Havia muitos personagens dramáticos, como a velhinha Dona Mena (Norma Geraldy), que morria, e Jordana (Glória Menezes), trocada pelo marido (Paulo Goulart) por uma mais jovem (Maitê Proença), era consolada pelo padeiro (Gianfrancesco Guarnieri), que a amava sinceramente. Aos pouquinhos, a novela foi enlouquecendo e tomando mais o rumo da comédia, à medida que a aceitação do público aumentava. Quando Talma saiu para dirigir Sétimo Sentido, também de Janete Clair, Jorginho, Guel e eu começamos a endoidar aquela trama, a acrescentar mais ação, mais pastelão, mais correria. Desde o início, tinha o personagem de Badaró (Carlos Vereza), quase desenho animado, que se disfarçava, pulava de prédios, entrava pelas janelas, e aquelas maluquices foram passando para os outros também, e o público foi se divertindo e aceitando. Aconteciam situações absurdas, como por exemplo: para roubar um cupido que estava sei lá onde, Loreta (Rosamaria Murtinho) jogava uma bomba de gás lacrimogêneo no local, entrava com máscara de gás, pegava o objeto e saía correndo nos seus imensos saltos altos. Toda a loucura que eu queria e não consegui colocar em Pecado Rasgado entrou aos pouquinhos em Jogo da Vida, e o público foi se acostumando e adorando. No último capítulo, tem cenas com quase todo o elenco, correndo feito loucos na Marginal, com moto, bicicleta, carrinho de mão, em perseguição ao último cupido. Tem também Glória e Rosamaria num circo, cada uma em um trapézio, dando piruetas no ar para pegar o milhão de dólares. Isso nunca tinha ocorrido em novela, era novidade absoluta e fez muito sucesso. Ainda escrevia Jogo da Vida quando fui assistir a Fernanda Montenegro em É, peça de Millôr Fernandes, no Teatro Maria Della Costa. Eu a conhecia das gravações de A Muralha, quando conversávamos bastante, e nunca mais a tinha visto. Aqui cabe um parêntese para falar da grande dama do nosso teatro, cinema e televisão, Fernanda – não só uma atriz única e fora de série, mas também uma mulher elegante, coerente e altamente generosa em todas suas atitudes. Sempre me tratou com a maior consideração em diversas fases da minha vida, fosse eu o simples figurante com falas, como em A Muralha, ou o autor de sucessos. Jamais fez diferença nem comigo nem com ninguém que se aproxime dela. Nunca ouvi Fernanda se referir à televisão e, principalmente às novelas, de maneira pejorativa, como fazem muitos e muitos atores de teatro, tentando assim passar uma grande erudição e uma cultura superior, mas conseguindo apenas serem injustos e antipáticos. Mesmo sendo hoje, reconhecidamente, a nossa primeira dama das artes cênicas, título que ela humildemente sempre refuga, se porta como uma trouper, uma atriz sempre disposta a novos desafios, sem medo de errar, que sabe ser generosa com seus colegas e se colocar como parte de um todo, somando sempre para o resultado final. Naquela noite, quando fui a seu camarim me perguntou: Você é aquele Silvio de Abreu, lá da Excelsior, que usava peruca? Confirmei e ela completou: Nossa, como a gente melhora com o tempo! Fernanda teve o espírito de ver que houvera uma evolução como pessoa e ela nem tem idéia de como isso foi importante para mim. Como Jogo da Vida fez sucesso, reapresentei a sinopse recusada de Guerra dos Sexos, consegui o sinal verde para produzi-la e a adesão de um elenco de respeitabilidade total – Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Glória Menezes, Tarcísio Meira –, que me deu o aval necessário para todas as loucuras que estavam sendo planejadas na minha cabeça. O sucesso e o prestígio de Guerra dos Sexos têm tudo a ver com esses quatro excelentes atores que citei, que confiaram no meu trabalho. Paulo e Fernanda, que trabalhavam juntos pela primeira – e até agora única – vez, aceitaram gravar, antes mesmo de a novela ter estreado e ser coberta de elogios, a famosa seqüência de pastelão em volta de uma mesa de café, que deve ser a cena mais reprisada da televisão brasileira, mas poderia ter sido o maior mico de suas carreiras. A confiança que eles depositaram em nós três: Jorge Fernando, Guel Arraes e eu, já neste início, demonstrou ser irrestrita. Glória e Tarcísio, dois ícones da nossa televisão, também não titubearam em interpretar um casal antagônico que, ao invés de um beijo romântico, no final do primeiro capítulo se agridem com tortas de creme. Todos estavam a fim de entrar na irreverência da comédia que já tinha sido anunciada com sucesso em Jogo da Vida que, apesar de não ser muito citada, é o embrião de Guerra dos Sexos. Se eu não a tivesse escrito, provavelmente a outra não existiria. Janete Clair, com toda sua experiência e generosidade, também deu seu parecer ao ler a sinopse de Guerra dos Sexos, me disse e mandou por escrito para mim e para a diretoria: É uma obra-prima! A trama de Guerra dos Sexos surgiu da eterna discussão sobre machismo e feminismo, com a intenção de mostrar o ridículo das posições radicais. A novidade vinha no abandono da novela apoiada em subtemas dramáticos costurados por comédia. Dessa vez, a comédia era o âmago da história e eu só pensava em divertir o público com as situações, mesmo que ele não acompanhasse a história todo dia. Novidades também na maneira de interpretar e muitas das reflexões dos personagens eram dadas diretamente para a câmera, como no teatro de Molière, buscando o telespectador como cúmplice. Já havia usado o estratagema em Jogo da Vida com o personagem Mariucha (Elizângela), que falava diretamente com a câmera, mas agora o mote se ampliava para todo o elenco. Cada capítulo precisava ser interessante, lúdico, estimulante em si. A comédia elegante se misturava ao pastelão e à farsa, resultando em uma chanchada que ficou importante por ser original, muito bem feita e interpretada, além de extremamente divertida em uma época triste, quando a moda era fazer novela política ou sagas históricas. Capítulo XXV O Trem da Fantasia Mulher Objeto foi grande sucesso, exatamente junto com a novela Jogo da Vida, e isso me deu a oportunidade de optar entre fazer cinema ou televisão. Se quisesse dirigir outro filme, tinha ofertas de excelentes produtores. Também me chamavam para continuar na televisão e até poderia fazer as duas coisas. Optei pela televisão ao perceber que ali poderia exercitar mais meu lado popular e teria melhores condições de produção para a realização de meus projetos. O cinema brasileiro atual passa por uma fase de retomada com produções de olho no público e por isso vem dando certo. Hoje existe uma geração de cineastas vindos da publicidade, acostumados a atender as exigências do cliente, interessados em filmar para o público, não para agradar amigos ou críticos, nem para ganhar prêmio em festivais internacionais. Ali pelo começo dos anos 80, o panorama era bem diferente: ou se fazia um filme muito popular que era achincalhado, ou se fazia muito hermético e o público não ia assistir e eu não estava querendo nem uma coisa nem outra. Sempre quis trabalhar no meio artístico, sempre quis atingir o grande público, não apenas para fazer sucesso ou ganhar dinheiro, mas pelo prazer que tenho de me comunicar e pela necessidade de fantasia que nunca me abandonou. Como não estava na panela da Embrafilme, não queria, passado o primeiro entusiasmo, dirigir um filme a cada cinco anos, nem voltar a fazer pornochanchadas e muito menos ficar correndo atrás de produtores que se interessassem por meus projetos. Optei pela televisão, onde tenho mais oportunidade de exercitar o prazer que, no meu caso, é uma necessidade vital. Gosto da fantasia, do devaneio e não consigo viver sem isso. Como escreveu Tennessee Williams para Blanche Dubois em Um Bonde Chamado Desejo: Eu não quero realidade, quero magia. Tenho uma vida muito simples e comum como homem, como cidadão; mas tenho uma vida muito imaginativa como artista. Esses dois lados são meus suportes e só me mantenho em pé por ter esse equilíbrio. Na hora que sento para escrever, deixo minha cabeça ir embora e não ter medo de nada, lido com qualquer assunto, não temo o que vou abordar, se vou acertar, se vou errar. Simplesmente aceito as asas da fantasia e vôo livre no céu na imaginação. Posso escrever novelas convencionais, dramáticas, divertidas, malucas ou seja lá o que for, mas a minha fantasia estará sempre em primeiro lugar. Capítulo XXVI Duas Senhoras Escritoras Conversava muito com Janete Clair e passei a freqüentar sua casa. Ela escrevia Sétimo Sentido, quando descobriu que estava com câncer e tinha de fazer uma operação. Janete não queria que ninguém soubesse que ela estava doente e muito menos que estava precisando de ajuda para continuar sua novela de sucesso. Eram outros tempos, onde dividir a escrita com um co-autor ou colaborador denotava certa incapacidade. Perguntou-me se eu aceitaria ser seu colaborador em segredo, e era evidente que sim: além do privilégio de colaborar com ela, Janete era uma pessoa adorável, extremamente generosa e fora responsável pela novela de sucesso que eu acabara de fazer. Fiquei no Hotel Savoy carioca, meio que escondido, só me comunicando com ela e com a produção, e escrevi uns 40 capítulos de Sétimo Sentido, que tratava da paranormalidade de Luana Camará (Regina Duarte) e seu amor enlouquecido por seu principal antagonista, Tião Bento (Francisco Cuoco). Aprontava o capítulo e levava para Janete, que corrigia o que queria e mandava para a televisão. Por telefone, acertávamos como seria o outro capítulo, eu escrevia e mandava no dia seguinte. Toda a vez que ia à sua casa combinar o que fazer, como fazer, a encontrava sempre muito mal e era muito triste vê-la com a bolsinha de colostomia. No final da novela, já estava bem melhor, recuperada da operação e o último capítulo, é tradição entre os novelistas, é do autor principal do começo ao fim. Ao entregar o penúltimo e despedir-me dela, ouvi no seu desprendimento a melhor maneira de demonstrar seu respeito e seu agradecimento: Vamos fazer juntos, metade cada um. Fui até a página 15 e ela até o fim. Depois me presenteou com um lindo chaveiro de ouro com meu signo, Sagitário, que guardo até hoje com enorme carinho. E ainda dizem que os grandes mitos da televisão são egoístas e competitivos. Outra autora e mulher generosa com quem aprendi muito foi Ivani Ribeiro. Tivemos pouco contato, mas ela sempre foi extremamente simpática em todas as vezes que nos encontramos, seja quando ainda trabalhava como ator em suas novelas ou quando já escrevia na TV Tupi. Na época de Éramos Seis, fui à sua casa algumas vezes, gostava de saber suas opiniões e pedir conselhos sobre a novela. Ivani só era contra o final: Você não pode deixar dona Lola no asilo, é a sua heroína. Ela sabia que eu não tinha intenção de modificar o fim do livro, mas nem por isso se dava por vencida: Não pode, as mães vão ficar tristes e é para elas que você está escrevendo essa novela. Infelizmente as mães devem ter ficado tristes, porque não mudamos o final e tenho a impressão de que, se Ivani estivesse efetivamente escrevendo a novela, iria pensar melhor e teria feito o mesmo que nós. Vivi um episódio com Ivani Ribeiro, quando ainda trabalhava como ator, que é bem curioso. Fui escalado em três novelas de Ivani, na Excelsior, e voltamos a nos encontrar na Tupi, em Dom Camilo e os Cabeludos, seriado estrelado por Otelo Zeloni, Teresinha Sodré e Nuno Leal Maia. O diretor Benjamin Cattan me chamou para um determinado personagem e quando recebi o script, vi que estava com uma indicação da Ivani, que sugeria o nome de outro ator. Ficou uma situação desagradável: provavelmente o diretor não gostava do ator e me convidou, mas sempre achei, e hoje mais do que nunca, que o desejo de um autor deve sempre ser respeitado. Liguei para Ivani, contei a história toda e perguntei se ela concordava com que eu aceitasse o papel: De jeito nenhum, me disse ela, esse papel não é para você e muito obrigada por ter me ligado. Recusei o personagem com alguma desculpa, Ivani jamais contou ao diretor nossa conversa e logo fui chamado novamente porque ela havia criado um papel para mim. No começo foi muito bom, mas a série tomou outro rumo, o personagem foi desaparecendo e certo dia, numa gravação em Santana do Parnaíba, me vi no meio dos figurantes correndo de um lado para o outro, sem nenhuma ação concreta ou alguma fala para dizer. Foi a gota d’água para sair em busca de outros caminhos. As primeiras novelas diárias duravam meia hora, computando no tempo os intervalos comerciais. Depois passaram para 35, 45 e agora chegaram a 55 minutos de texto para 65 no ar com os comerciais. Muitas novelas de Janete e Ivani tinham capítulos de apenas dez páginas de texto. Plumas e Paetês, novela de Cassiano Gabus Mendes, tinha 14 páginas por capítulo, porque ele não fazia rubrica (indicações técnicas), escrevia só diálogos. Quando assumi essa novela, conseguia escrever dois capítulos por dia de segunda a quarta e acabou. De lá pra cá, a duração aumentou muito e hoje cada capítulo consome 45 páginas, o que justifica plenamente a contratação de co-autores e colaboradores para a tarefa. Além da duração, o comprometimento com pesquisas, coerência de personagens, acontecimentos diários, concorrência acirrada de outros canais, elenco de estrelas, merchandising e tantos fatores dificultam o trabalho e impossibilitam um bom resultado sem o concurso de uma equipe capaz e bem treinada. Novela não é mais um simples passatempo de donas-de-casa, é uma indústria que consome e arrecada milhões, emprega milhares de profissionais, esteia a programação da quarta maior rede de televisão do mundo e é exportada para mais de 120 países em todos os continentes. Fiz minha primeira novela com um co-autor, Rubens Ewald Filho, depois trabalhei tendo Carlos Lombardi primeiro como colaborador, depois como co-autor. Escrevi outras sozinho e voltei a trabalhar com co-autores e colaboradores depois de 1990, quando conheci Alcides Nogueira, depois Maria Adelaide Amaral e Bosco Brasil. Tenho tido sorte de trabalhar com pessoas talentosas, inteligentes e criativas, mas nunca deixei de levar a novela, com exceção de Éramos Seis, apenas pela minha cabeça. Explico: escrevo sempre a sinopse e os 30 primeiros capítulos sozinho, apoiado por pesquisas, para poder sentir a história, moldar e conhecer direito os personagens, o jeito de eles pensarem, falarem, se expressarem. Sabendo o que quero, começo a trabalhar com os outros autores, com quem divido os diálogos, mas nunca os caminhos da trama ou a maneira de narrá-la. É óbvio que sei que em alguma eventualidade, alguma crise, vou poder contar com eles e já usei várias vezes essa prerrogativa. Deixo sempre claro que essa minha maneira de trabalhar não tem nada a ver com o reconhecimento à capacidade de cada um de até tocar aquela trama sozinho, mas que em novela não acredito em democracia. Um autor tem que estar seguro do que quer, impor as suas idéias e se manter fiel à sua intuição; qualquer concessão, insegurança ou desvio pode ser fatal. Quando supervisiono algum trabalho, como já fiz com Anjo Mau, de Maria Adelaide Amaral, O Amor Está no Ar, de Alcides Nogueira e Da Cor do Pecado, de João Emanuel Carneiro, ajo de maneira oposta. A minha opinião e a maneira que eu possa querer contar a história não interessa, o autor principal é que tem que escolher seus caminhos. Funciono mais como um conselheiro, oferecendo minha experiência ou um picador, que vai abrindo caminho para que o objetivo almejado seja alcançado. Antigamente, os atores raramente saíam do estúdio. Na Tupi, abriam o galpão, tiravam aquelas câmaras enormes e gravavam na praça ao fundo ou no jardim da caixa d’água em frente. Na Globo, o cenário mais comum era um murinho, perto da emissora. Os personagens conversavam dentro dos carros ou encostados no murinho, às vezes se aventuravam a passeios pelo Jardim Botânico, que ficava em frente dos estúdios. Os equipamentos eram muito pesados e o transporte encarecia demais a produção. Cenas de ação com perseguições, correrias, desastres, trombadas, quedas, etc., eram consideradas eventos especiais, deveriam ser preparadas com muita antecedência, ter verba extra, geralmente de primeiro ou último capítulo. Minhas novelas trouxeram ação diária para o gênero e Guerra dos Sexos foi a primeira a contratar dublês. Em uma cena na Selva Amazônica, Fernanda Montenegro era obrigada a cruzar um rio dependurada em um cipó. Mesmo com todo o profissionalismo e imensa boa vontade da nossa primeiríssima-dama das artes cênicas, optou-se por contratar alguém que fizesse isso em seu lugar e os dublês entraram em cena para nunca mais sair. Capítulo XXVII Sangue e Areia Parece que esqueceram um pouco deste assunto, mas durante muito tempo fui acusado de copiar do cinema tudo o que escrevia para as novelas. A injustiça me magoou durante algum tempo, mas depois deixei de me incomodar e o assunto morreu. É verdade que sempre usei armar cenas completas de filmes para relembrar ou satirizar, como se fazia também nas chanchadas, este é meu estilo. Porém, copiar simplesmente, tomar uma idéia de outro e reproduzir sem o acréscimo de nenhuma nova intenção, nenhuma nova idéia, apenas para copiar o já feito, nunca fiz. Ninguém percebeu ou falou disso, mas a sinopse de Vereda Tropical saiu do filme Sangue e Areia (Blood and Sand); Mário Gomes faz um ídolo popular (aqui joga futebol e lá, era toureiro), Lucélia Santos é a mulher que gosta dele (no filme, Linda Darnell) e Maria Zilda é a Rita Hayworth. Não é? É sim, e completamente diferente também, com novos elementos, novas idéias, novas conotações. Foi Carlos Lombardi quem teve a idéia de realizar uma novela sobre futebol, esporte que nunca fez parte da minha vida, porque vim de uma família que não era ligada em esportes de espécie alguma. Ninguém escutava jogos nem os assistia; aos domingos, quando tinha jogo na televisão, manualmente, o controle lá de casa mudava para o Circo do Arrelia ou para a Gincana Kibon. Nem meu pai nem meu avô nem meus tios davam a menor pelota para futebol, não comentavam e jogos nunca fizeram parte do nosso cotidiano. Entrei pela primeira – e única – vez num estádio na época de Vereda Tropical. Lombardi, que desenvolvia toda a parte futebolística da novela, me levou para ver um jogo do Corinthians e Palmeiras no Parque São Jorge. Foi uma emoção enorme, a vibração é impressionante e faz entender a paixão do povo por este esporte. Futebol não é algo que eu deteste ou me aborreça, simplesmente não me interessa. Ocorre algo semelhante com o boxe, nem me imagino assistindo a uma luta torcendo por este ou por aquele boxeur, mas adoro histórias e filmes sobre eles e já os coloquei em duas novelas. Meu grande filme de boxe é Punhos de Campeão (The Set-Up), de Robert Wise, além de outros ótimos, como O Touro Indomável (Raging Bull), Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me), Rocco e Seus Irmãos (Rocco e Suoi Fratelli), Réquiem para Um Lutador (Requiem for a Heavyweight). Nesse último, Anthony Quinn vive um sujeito que ficou bobo de tanto apanhar e já me inspirou a construção de dois personagens absolutamente distintos: Ulisses (José Mayer) de Guerra dos Sexos, e Jamanta (Cacá Carvalho) de Torre de Babel. Em Vereda Tropical, graças ao talento de Carlos Lombardi, conseguimos abordar o tema na história de um sujeito lutando para entrar num time, mas mesmo assim tinha cenas de jogo, de vestiários, que envolvem a participação de muita gente essas personagens são complicadas de produzir. A emoção maior foi quando gravamos a entrada de Mário Gomes (Luca), nosso personagem, no campo do Corinthians e a torcida inteira gritava seu nome como se ele realmente fizesse parte do time. Existe uma teoria de que o público em geral, e principalmente o feminino, não gosta de futebol na ficção. Não acredito nisso. Com seu grande sucesso, Vereda provou que mesmo as mulheres podem se interessar pelo esporte, se a história estiver focada em algum ser humano em particular e não apenas nas vitórias de um determinado time. Carlos Lombardi deveria voltar ao tema em uma de suas próximas novelas, tenho certeza que seria um gol de placa! Capítulo XXVIII Trotamundo Raramente saio para andar na rua e me locomovo dentro de carros com vidros escuros para não ser visto nem perturbado, mas isso nada tem a ver com fama, é apenas o medo de ser assaltado. Se sair de noite de minha casa à padaria na rua debaixo, caminho de orelha em pé, assustado, desconfortável, sabendo que já roubaram não sei quem ali na esquina, agrediram outro no meio do quarteirão ou mataram na rua debaixo, e olhe que moro nos Jardins, entre os bairros, dizem, mais bem policiados de São Paulo. Essa paranóia de segurança se instalou em mim e na maioria dos cidadãos brasileiros já faz muitos anos. Não sei com relação aos outros, mas no meu caso, sempre que desembarco numa cidade como Nova York, Paris, Roma, Londres ou Berlim, a primeira coisa que penso é em andar na rua despreocupadamente, o que tem se constituído no meu maior prazer nas viagens que faço. Em Nova York, especialmente, ao sair de um teatro, cinema ou restaurante, a dezenas de quarteirões do meu apartamento no East Side, caminho a pé sem a menor preocupação ou cuidado. Nova York é uma cidade onde me sinto livre, e vou muito para lá. A primeira coisa é andar, depois conferir o que está passando no teatro, fuçar em tudo quanto é livraria, lojas de CDs e DVDs, que me dão um enorme prazer em apenas manuseá-los, olhar as capas, ler as músicas, conferir as histórias. Leio muito também, lá tenho mais tempo porque o telefone toca pouquíssimo e sempre posso ler no Central Park ou em qualquer espaço público. Minha mulher prefere Paris, mas eu fico com Nova York, porque entendo precariamente e não falo bem o francês. Domino o inglês, me sinto em casa naquela cidade pela qual tive uma paixão à primeira vista, onde já conheço tudo, sei seus defeitos e suas qualidades. Lá não tenho carro, ando de metrô, de ônibus, a pé – e até brinco que vamos para lá brincar de pobre. É bem mais confortável ser pobre em uma cidade que se preocupa com seus cidadãos, que tem ônibus limpos, metrôs nem tanto, mas que em compensação levam para qualquer lugar, ruas planas e bem calçadas e, atualmente, até policiais atentos e bem pagos. Ninguém reclama quando um deficiente físico demora a ter sua cadeira de rodas automaticamente alçada para dentro do ônibus e todos se conformam em ficar nas filas sem tentarem ser espertinhos e passarem na frente dos outros. Adoro viajar e não me restrinjo só a Nova York. Até me casar, só tive vínculo empregatício com televisão uma vez, por uns seis meses, quando trabalhei com Carlos Manga na TV Record. Meu primeiro contrato mais longo, um ano, foi para Éramos Seis na TV Tupi; fui para a TV Globo e, mesmo com aquele hiato depois da minha primeira novela, minha vida mudou completamente. O fato de trabalhar numa empresa confiável e honesta e saber que se pode contar com aquela remuneração todo mês traz outras perspectivas. Não sou uma pessoa para quem o dinheiro seja o que exista de mais importante e sempre acreditei que uma boa posição financeira só é interessante se servir para dar prazer, conforto e tranqüilidade. Para quem já ficou devendo muitos meses de aluguel, teve contas dependuradas em mercearias e sonhou em comer galantines com um rombo no estômago, poder comprar o que quer, sem ficar preocupado com o preço, é uma grande conquista. É essa a tranqüilidade e o prazer de que falo. Não sou de gastar muito, não sou consumista nem esbanjador, sou comedido e econômico, não mudei muito desde que melhorei de vida e fiquei conhecido. Não tenho os vícios do sucesso, como usar apenas roupas de grife, comprar em lojas badaladas ou trocar todo ano para o carro importado de último tipo. Nada disso me fascina e detesto a idéia de usar o dinheiro para impressionar, exibir, se sentir superior ou esbanjar sem se preocupar com o dia de amanhã. Sempre acreditei que sucesso é uma coisa passageira. Hoje se tem, todos te amam e amanhã você volta para a porta da televisão e é barrado porque não faz mais parte de lá. Desde que comecei a fazer sucesso, espero a hora de ele ir embora e há muitos anos eu e minha família estamos preparados para isso. Costumo dizer que se isso aconteceu com tanta gente mais importante do que eu, porque não vai se repetir comigo?... Em uma das biografias de Greta Garbo, conta-se que ela foi barrada uma manhã na entrada dos estúdios da Metro, em Culver City, pelo porteiro que lhe entregou um bilhete azul e lhe disse: Desculpe, Miss Garbo, a senhora não pertence mais ao nosso quadro de empregados. Se aconteceu até com a Greta Garbo, é melhor eu ter sempre as minhas barbas de molho. Maria Celia e eu viajamos juntos pela primeira vez ao exterior depois de Jogo da Vida, quando a Globo nos deu passagens. Ela fizera mestrado nos Estados Unidos, mas ainda não conhecia o velho continente e aproveitamos para explorar o chamado circuito Helena Rubinstein: Paris, Roma, Londres, e depois Nova York. Desde então, temos viajado muito, praticamente ano sim e ano não. Já circulamos pelo mundo inteiro, a todos os lugares que nos interessam: Estados Unidos, Cuba, México, toda a Escandinávia, Rússia, Escócia, Grécia, Israel, quase toda a Europa, e também Egito, Marrocos, África do Sul. Não fomos ainda ao Oriente, pois nossos grandes amigos e quase sempre companheiros de viagem, Céci e Flávio Gikovate, dizem que devemos deixar alguma novidade para quando formos bem velhinhos e estamos esperando a ocasião porque já não está muito longe. Várias viagens me marcaram muito – e por fatores diversos. Uma delas foi nosso primeiro cruzeiro pelas Ilhas Gregas, em 1984, depois de Guerra dos Sexos. O navio era maravilhoso e nossa cabine já abrigara o casal Jimmy Carter e também Elizabeth Taylor e Richard Burton. Li na biografia de Debbie Reynolds que foi durante este cruzeiro que ela resolveu a pendenga com Liz Taylor, que no passado roubara seu marido, Eddie Fisher. O acaso as reunira no mesmo navio, e como seria inevitável toparem outras vezes acenaram a bandeira branca da paz para ter sossego e pararem com as especulações sobre a inimizade das duas. Depois de uma conversa, foram à tal cabine, e ao tilintar das flûtes de champagne brindaram com humor: After all, who needs Eddie Fisher? Era minha primeira vez num navio, uma grande fantasia por causa de Tarde Demais para Esquecer (An Affair To Remember), A Estranha Passageira (Now, Voyager), As Três Noites de Eva (The Lady Eve), Romance Carioca (Nancy Goes To Rio) e, principalmente, Aviso aos Navegantes, a minha chanchada favorita. O problema é que as cabines nos navios, por maiores que sejam, nunca chegam ao tamanho que têm nos estúdios, mas tudo bem, não iria deixar que esta primeira decepção estragasse o nosso cruzeiro. Essa viagem de sonhos durou quase dois meses: Londres, Atenas e lá pegamos um navio e percorremos todas as ilhas até Istambul, na Turquia. Depois voltamos para a Itália, alugamos um carro em Roma, rodamos pelo país e terminamos em Copenhagen, Dinamarca. Como Juliana era muito novinha, ficou com minha mãe. Engordamos oito quilos e parecíamos a dupla Bolim e Bolacho no final da jornada. É que rodamos a Itália de carro, com uma lista dada pelo Boni e outra pelo Gilberto Braga, com dicas de restaurantes. Na estrada, entre uma cidade e outra, passávamos por aldeias que tinham feiras, com quitutes deliciosos e não resistíamos a provar presuntos e queijos divinos. Ao chegar ao nosso destino principal, havia a indicação de algum restaurante absolutamente imperdível, então comíamos e bebíamos de novo como mandava o figurino. Foi um completo exagero de comilança e até hoje não conseguimos nos livrar totalmente daqueles oito quilos, alguns se foram, mas outros se instalaram para todo o sempre. Anos depois, voltamos a fazer Ilhas Gregas de novo, pelo lado de Israel e Egito, com Cláudia Raia e Edson Celulari. Infelizmente o navio era ruim e não teve aquele clima romântico da primeira vez, porém foi a viagem mais engraçada que fizemos, porque dava tudo tão errado que resolvemos curtir e até hoje nos divertimos muito ao lembrar de todos os micos que passamos. Completamente diferente foi nossa estada na Alemanha, poucos anos antes da queda do Muro de Berlim. Era impressionante olhar aquele muro, ver uma pequena cruz gravada a canivete e saber que ali tinha morrido alguém que tentara fugir uma semana antes. E por toda a extensão da imensa parede, como se vigiassem um presídio de segurança máxima, guardas de metralhadoras nas costas, prontos a disparar. Eu queria assistir às montagens de A Ópera dos Três Vinténs e de Arturo Ui, que fazia parte do repertório permanente do teatro fundado por Bertolt Brecht. Catedral do teatro brechtiano, o Berliner Ensemble ficava na parte oriental e passar de um lado para outro era exatamente como num filme de guerra, uma experiência excitante, mas também apavorante. Fomos duas vezes, de ônibus na primeira, através do Checkpoint Charlie, com guardas circulando com metralhadoras a examinar os passaportes, espelhinhos embaixo do ônibus para se certificarem de que não havia ninguém escondido por ali. Um horror. Na outra, fomos de metrô e, para se chegar ao lado oriental, se tomava o metrô na Bahnhof Zoo até a parada Friederich Strassen, onde nos esperava uma cabine toda de espelhos para a checagem dos documentos. Uma oficial pegava os passaportes e num inglês gritado e quase incompreensível vomitava as perguntas de praxe: O que vai fazer aqui?, Quanto tempo vai ficar? A guardiã retinha o passaporte, saíamos e ficávamos à espera que nosso nome fosse chamado no alto-falante. Além do clima de pavor, que me remetia diretamente ao Expresso da Meia-Noite (Midnight Express), apesar de nem eu nem minha mulher estarmos tentando passar nenhuma droga, havia uma dificuldade extra: quem disse que um alemão consegue falar meu nome e eu entender, ainda mais vindo pelo péssimo som do alto-falante? A montagem Berliner Ensemble de A Ópera dos Três Vinténs revelou-se burocrática, desprovida de emoção, mas dava para sentir que houvera vigor em outros tempos e que agora, de tanto repetirem, pareciam funcionários públicos sem alma. A sessão acabou às 22h30 e só tínhamos permissão para ficar ali até às 23h, que era o horário do último metrô. Saímos correndo em direção à estação, eu com O Expresso da Meia-Noite na cabeça, só pensando que ficaria retido nas masmorras do comunismo, com uma bola de ferro atrelada ao meu tornozelo por uma corrente, pelo resto dos meus dias. Aquele temor só se dissipou diante da catraca, ou isso é o que eu imaginava antes de a geringonça se recusar a girar para me dar passagem. Fiquei desesperado, ainda mais porque apareceu um guarda vociferando algo que eu não conseguia decifrar, tal meu pânico. Aqui cabe dizer que, quando entro em pânico, não consigo raciocinar absolutamente nada. A situação durou alguns minutos, mas na minha cabeça foram horas. Ele gritava algo que eu não entendia e eu mostrava que tinha dinheiro para passar na catraca e ele dizia apenas que Nine!, Nine! que eu entendia e alguma coisa que me soava como “vestimoni” e não tinha a menor idéia do que significava. Como é absurdo, mas normal, quando alguém percebe que não está sendo entendido, vai aumentando o tom, pensando que o outro é surdo, e o guarda passou a gritar comigo feito um desesperado “vestimoni”, “vestimoni”. Por sorte, do meu lado, Maria Celia, como sempre, conseguia manter a calma e disse tranqüilamente: Meu bem, ele está dizendo West money (dinheiro do lado ocidental). Com duas moedinhas passamos pela catraca e voltamos às maravilhas do mundo capitalista em Berlim Ocidental! Antes, porém, nos dias que passamos lá, amargamos enormes filas de espera em lanchonetes onde o cidadão sentava-se nem sempre ao lado de seu acompanhante. Geralmente comíamos cada um em um extremo diferente, e eu nunca ousei dar um pio, com medo das masmorras do comunismo que eu já tinha visto nos filmes americanos que eram horríveis e absolutamente inóspitas. Dizem que comunista não gosta de gorjeta, mas não foi isso que Maria Celia viu quando saiu do toalete sem dar propina e a imensa alemã que cuidava do local veio atrás, vociferando sabe–se lá o quê, de dedo em riste. Voltei a Berlim depois da queda do Muro e o lado oriental virou uma Quinta Avenida, com grifes do mundo todo. O povo me pareceu mais feliz e esperançoso e o prédio do Checkpoint Charlie, hoje um museu, mostra os estratagemas que eram usados pelo povo para poder escapar de lá. Minha primeira visita a Berlim foi a melhor aula de história moderna que tive em toda a minha vida. Das masmorras do comunismo direto ao reino dos animais, com a devida distância do tempo: agora é um safari na reserva de leopardos na África do Sul. Chegamos num avião monomotor, estilo Out of Africa (Entre Dois Amores), vendo os elefantes e as girafas como se fossem miniaturas lá embaixo. Em terra, um jipe nos levou a um passeio pelo mundo animal – os animais todos ao nosso lado na distância de um braço e até acompanhamos um leopardo caçar e devorar sua presa. Na frente do jipe, ia um nativo se esmerando nos “buaaannaaaa” para atrair as feras. Johnny Weissmüller, Lex Barker e Gordon Scott deviam estar de férias, porque não me encontrei com nenhum deles. Maria Celia e Juliana insistiram muito para que fizéssemos essa viagem e eu fui achando que me chatearia; estava enganado, adorei, achei divertidíssimo, estimulante e às vezes até me senti como Gregory Peck, na pele de Ernest Hemingway em Neves do Kilimanjaro (The Snows of Kilimanjaro). É impressionante ver um elefante africano cara a cara no meio da selva. Ao depararmos com o que vinha ao encontro do jipe, tivemos a impressão de testemunhar um prédio de 20 andares se deslocando. Chegamos tão perto de um bando de leões que devoravam um cervo que até pudemos ouvir o ruído dos ossos sendo triturados pelas potentes mandíbulas. Tenho certeza que sou uma das pouquíssimas pessoas que visitou cinco vezes as catacumbas de Roma e a cidade de Pompéia, porque, imagino, ninguém seria tão idiota de fazer isso. Essa freqüência não aconteceu porque tenho loucura por arqueologia, mas devido a circunstâncias. Na primeira vez, foi para conhecer; depois viajei com a família do Manga e fomos novamente; depois com meu irmão, com minha mulher e, na primeira vez que fomos à Cidade Eterna com Juliana, deixei bem claro que não iria mais fazer este sacrifício. Porém, Maria Celia, que levaria nossa filha, ficou doente e lá fui outra vez à peregrinação. Dessa vez, dispensei o guia e explicava Pompéia inteirinha para minha filha. Houve um tempo em que fazíamos muitas viagens de carro e, naquele ritmo de uma cidade por dia, percorremos Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha. Hoje não tenho mais paciência para esse tipo de viagem; prefiro escolher um determinado lugar e ficar por lá por um tempo mais longo, conhecendo as ruas, os hábitos, o povo, me sentindo parte daquilo e não um turista. Capítulo XXIX Que Mulher É Essa? Nos corredores da Globo, minha atenção foi imediatamente para aquela mulher enorme que vinha em minha direção. Dona de pernas incríveis, vestia uma roupa escura, muito justa, de cabaré. Meu Deus, que mulher é essa?, pensei. Era, é claro, Cláudia Raia, vestida como a prostituta Ninon de Roque Santeiro, que ainda nem tinha estreado. Às voltas com o processo de criação de uma novela, aquele mulherão não me saiu da cabeça e, por causa dela, fiz para Cambalacho a história de um cara que quer muito uma mulher, mas ela só cede se casar. Na minha trama, essa mulher seria uma corista de Las Vegas, para onde iria o marido infiel de Amanda (Susana Vieira), Rogério (Cláudio Marzo). A atração dele por aquela mulher seria tão intensa que, mancomunado com seu cunhado Wanderley (Roberto Bonfim), chegava a armar um casamento falso só para concretizar seu desejo. Cláudia Raia era iniciante, Daniel Filho não me deixou escalá-la e colocou em seu lugar Christine Nazareth, que é ótima atriz, mas não um mulherão como a personagem pedia. Para completar, as cenas, por questões de custo de produção, tiveram de ser transferidas para Roma e nada funcionou como deveria. No fim dessa novela, escrevi para Claudia uma participação pequena e este foi nosso primeiro encontro profissional em 1986. Maior audiência do horário das sete, empatada com Brega e Chique, de Cassiano Gabus Mendes, Cambalacho falava da falta de vergonha geral no Brasil, um país tão corrupto que as pessoas se sentiam no direito de darem seus trambiques. Os personagens principais, Naná (Fernanda Montenegro) e Gegê (Gianfrancesco Guarnieri), eram dois vigaristas, o que não deixava de ser uma novidade que jamais poderia ter acontecido nos tempos da censura que, felizmente, já havia desaparecido. Cambalacho teve seu forte no tom de comédia e nas situações engraçadas e a mensagem social, mais politizada, se dissipou. Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva foram mais felizes ao abordar o tema alguns anos depois em Vale Tudo, uma das melhores novelas já escritas para a televisão brasileira. Entrei de férias após Cambalacho e planejava filmar No Natal a Gente Vem Te Buscar, baseado na peça de Naum Alves de Souza, e estrelado por Marília Pera. Como ela só poderia filmar quando terminasse Brega e Chique e a temporada da peça A Estrela Dalva, pedi para escrever uma novela antes do tempo, para depois ficar livre para o filme, que acabou não saindo. A novela foi Sassaricando, em cima de um recém-viúvo, de namorico com três amigas. Era Paulo Autran sassaricando com Tônia Carrero, Eva Wilma e Irene Ravache. A trama, apesar de lembrar de cara Como Agarrar um Milionário (How To Marry a Millionaire), tinha vida própria porque lidava com mulheres mais velhas e incorporava a valorização da chamada terceira idade, que só entrou na moda muitos anos depois. Como queria trabalhar com Cláudia Raia, bolei especialmente para ela Tancinha, uma moça pobre, ingênua, cativante, sem muita noção de sua beleza, desastrada e que falava tudo errado. Claudia, agora já não mais uma iniciante e estampada em todas as revistas do país como novo símbolo sexual, gravava a novela O Outro e fui encontrá-la no estúdio. Contei da personagem, expliquei como seria e ela toda cheia de dúvidas: Ah, eu não sei. Emendar uma novela na outra, isso é muita responsabilidade. Respondi sem muitos floreios: Vai ou não vai querer fazer? Ela me olhou meio desconcertada: Você é direto, não? Ali começamos a nos entender e Tancinha foi um escândalo de sucesso. Claudia estava casada com Alexandre Frota, que na novela fazia Apolo, seu namorado pobre. Não era segredo que eles já não estavam se dando bem e eu planejara, desde o início, que Tancinha acabasse com o personagem Beto (Marcos Frota), porém, devido à situação na vida particular deles, não queria criar problemas. Achei a solução quando estava escrevendo o último capítulo: Tancinha termina com o publicitário rico (Marcos Frota) e Apolo (Alexandre Frota), sozinho e abandonado pela mulher que ama, sai do cortiço e quase é atropelado por Cláudia Raia, a caminho das gravações de TV Pirata e acaba indo embora com ela. Ficou bonitinho e criativo dentro do espírito brincalhão da novela, mas não adiantou nada porque na vida real os dois logo se separaram. Guerra dos Sexos, Vereda Tropical, Cambalacho e Sassaricando deram primeiro plano para atores destinados a papéis de empregadinhas ou de amigos do galã ou da mocinha. E não por falta de talento, mas por não terem o tipo físico que era exigido para os chamados “protagonistas de novelas”. Cláudia Raia, Regina Casé, Luís Fernando Guimarães, Cristina Pereira e Diogo Vilela amargaram papéis inferiores ou participações especiais até serem reconhecidos como os grandes talentos que são até hoje. Tenho muito orgulho de, junto com Jorge Fernando e Guel Arraes, ter contribuído para que esses magníficos atores se tornassem ídolos do grande público. À medida que comecei a escrever para eles, passaram a ser conhecidos e o programa TV Pirata só foi concebido porque já existia um elenco de comediantes de grande sucesso que havia despontado nas novelas que fazíamos. A primeira idéia para o TV Pirata seria Jorge Fernando e Guel Arraes dirigindo e eu escrevendo. Jorginho e eu preferimos continuar nas novelas e Guel, com seu imenso talento, levou adiante o projeto que foi a pedra inicial para a renovação e reformulação do humor na nossa televisão. Só como curiosidade, tirando Pecado Rasgado e Jogo da Vida, sou o autor de todos os títulos das minhas novelas. Durante muito tempo, era o único novelista da Globo que mandava o título e Boni não mexia. Guerra dos Sexos não poderia ter outro nome, Vereda Tropical e Cambalacho também não. E escrevi Sassaricando por causa do nome de uma antiga marchinha de carnaval cantada por Virgínia Lane. Achei que era excelente para novela e armei uma história que servisse para aquele título. Normalmente, o processo é inverso, mas o melhor, quando se trata de criação, é não seguir regras. Capítulo XXX Alma em Suplício Depois de muito sucesso nas novelas das sete, a direção da Globo me convocava para o horário nobre, o das oito (hoje as novelas começam às nove, mas todo mundo ainda fala “novela das oito”). Disse ao Boni que só aceitaria se mudasse de gênero, pois intuía que comédias absolutas não funcionariam no horário habituado ao melodrama. Quando estou escrevendo, a cabeça vai me conduzindo: é como um carrinho de trem, é só colocar nos trilhos e ele vai embora. Porém, à medida que a trama avança, as intrigas e maneiras de solucioná-las, cena a cena, vão traçando o caminho da história e a trama dos personagens. Até então, minhas soluções para tudo isso vinham da comédia; jamais resolvia uma cena com uma lágrima, mas sim com uma torta na cara; não terminava num beijo, mas no personagem escorregando numa casca de banana; não buscava o drama, só o riso. Era preciso modificar minha maneira de pensar uma novela e então pedi para escrever uma minissérie onde, com mais tempo de elaboração, pudesse mudar meu jeito de raciocinar uma história. Escolhi um gênero sem a menor possibilidade para o humor, que é o noir, onde os personagens são muito secos, duros, obcecados e determinados. Passei a assistir muitos filmes do gênero, a ler os romances policiais de Raymond Chandler, Dashiell Hammet e James Cain. Porém, queria fugir do formato detetive que vai elucidando as tramas, ao estilo de Relíquia Macabra (The Maltese Falcon) ou À Beira do Abismo (The Big Sleep). Tinha visto e amado Corpos Ardentes (Body Heat) e concluí que meu modelo ideal seriam as histórias de James Cain por causa de O Destino Bate à Porta (The Postman Always Rings Twice) e Alma em Suplício (Mildred Pierce): melodrama e thriller na mesma receita. Percorri essa trilha para elaborar Boca do Lixo, que demorou um bom tempo para ganhar forma; fiquei vários meses pesquisando, juntei muito de minha experiência pessoal e levei mais seis para escrever. É a história de uma estrela decadente do cinema erótico paulista, Cláudia Toledo (Silvia Pfeifer), que se casa com o milionário Henrique (Reginaldo Faria) e depois cai nos braços do empreiteiro Tomás (Alexandre Frota). Deusas do sexo no inconsciente coletivo, as atrizes que ficaram famosas no cinema erótico brasileiro, em sua maioria, vinham de famílias conservadoras, tinham certo pudor em se expor em cenas mais atrevidas, eram carentes de afeto e sonhavam mesmo em casar e terem um lar constituído e, se possível, muitos filhos para criar. Boca do Lixo fala disso. Gilberto Braga, grande amigo e colega, me deu a força necessária para o sucesso do empreendimento. Mandava cada capítulo para ele ler, me dizer se escapara algo de comédia, se o diálogo estava verdadeiro, crível, dramático. Com muito carinho e paciência, sem nenhum crédito, este grande autor compartilhava comigo toda sua experiência, todo seu talento e seu bom gosto, apenas no intuito de me ajudar a fazer o melhor, me preparando para, futuramente, ocupar um lugar a seu lado no mais concorrido horário da emissora, provando mais uma vez que os verdadeiramente grandes são generosos, não temem competição nem vivem torcendo pelo fracasso alheio. Gosto muito de um monólogo do personagem Henrique quando ele explica para sua esposa a sua condição de homossexual, confessando que se casou com ela apenas para ser aceito pela sociedade repressora. Era uma situação forte e eu queria que fosse real, verdadeira, sem nenhuma caricatura. Gilberto Braga praticamente o escreveu para mim sem nunca ter levado nem reclamado crédito por isso. Muitas e muitas vezes recorri a esse grande homem que tem se mostrado ao longo dos anos um amigo querido, exemplar, carinhoso e atento, juntamente com Edgar Moura Brasil, seu companheiro de vida. Trabalho de uma fase de transição, Boca do Lixo é puro filme noir dos anos 40. Desenvolvi a história em dez capítulos, que foram reduzidos a oito na exibição, devido a cortes de passagens consideradas fortes demais, como um beijo entre os protagonistas masculinos, e de diálogos mais polêmicos e reveladores. Em 2003, foi lançado um livro com o roteiro original, sem cortes. Gostei de ter revisitado este trabalho e tenho a intenção de, algum dia, voltar à direção no cinema com este projeto. A animação foi tanta que até já escrevi o roteiro e vamos ver o que nos reserva o futuro. Capítulo XXXI Reviravoltas Logo que acabei de escrever Boca do Lixo, fui chamado para criar uma novela para as oito da noite. Uma sinopse apresentada por Dias Gomes havia sido recusada e necessitavam urgentemente outra. Tentei argumentar que ainda não me achava apto a encarar o desafio, mas Boni me autorizou a escrever dentro do mesmo gênero que havia inventado para as sete horas, privilegiando o humor. Senti-me mais confiante de poder pisar em um terreno conhecido e assim, como comédia, começou a nascer Rainha da Sucata, a primeira trama do horário dito nobre, passada em São Paulo. Fiz a sinopse em menos de um mês e comecei a desenvolver os capítulos em seguida. Rainha da Sucata estreou com 30 capítulos escritos e, já na segunda semana de exibição, senti que não tinha engrenado. A audiência era boa, o público parecia se divertir, mas ninguém comentava. E sou de opinião que novela deve ser como catapora, precisa pegar; e nem tem de fazer sentido, precisa fazer sucesso, porque é o circo do povo. Na verdade, os problemas começaram uma semana antes de a novela ir ao ar, quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência e prendeu o dinheiro de todos nós. Era uma época de inflação absurda, e a novela girava em torno do vil metal – a história de uma família quatrocentona falida e de uma família cafona, cheia da grana – mostrando que na sociedade moderna o dinheiro estava mudando de mãos, como havia sido constatado por uma pesquisa muito bem elaborada por Rose Saldiva. Tive que reescrever vários capítulos, pois o confisco do governo inviabilizava muitos personagens, que negociavam com dólar, aplicavam no over, práticas que tinham acabado de uma hora para outra. Os capítulos iniciais já estavam gravados e precisei reescrevê-los, às pressas, para estrear dentro da nova realidade econômica do País. Foi um trabalhão e quando a novela estreou com os personagens reclamando do dinheiro preso, os jornais publicaram que a Globo já sabia do confisco e não avisou a população. Isso criou uma imensa má vontade do público e da imprensa contra a novela, apesar de não passar de um boato maldoso e infundado. Era comum aparecer nos jornais insinuações sobre a minha incapacidade de levar a contento uma trama no horário principal da emissora: Como é que ele não quer mais fazer chanchada? Ficou pretensioso e agora quer fazer novela das oito. Esse tipo de pensamento é engraçado, já que numa carreira é fundamental não se ter medo de se lançar a novos desafios. Há que se fazer de tudo. Eu quero escrever novela que se passe no céu ou no inferno, onde a trama me levar. Quero ter a liberdade de fazer novelas dramáticas, policiais, sociais, políticas, cômicas, farsescas, mexicanas, enfim, o que me der na telha. Não sou obrigado a ficar limitado à comédia, só porque fiz uma novela tão emblemática como Guerra dos Sexos. Ou vou ter sempre que fazer policial, só por que A Próxima Vítima parou o país? Com tanta coisa contra e ainda sentindo a fria recepção do público com relação à novela, tive de enfrentar o crescimento de Pantanal, a excelente novela de Benedito Ruy Barbosa, que era apresentada na extinta Rede Manchete. Eram tempos de vamos derrubar a Globo, agora apareceu a Manchete e todos os elogios iam para a concorrência, que assim como a minha, era um ótimo programa. Por mais que os jornais tenham explorado o embate, a verdade é que as duas novelas jamais concorreram no mesmo horário. Sabiamente, a TV Manchete esperava Rainha da Sucata acabar para começar sua novela, que ganhava cada vez mais números de audiência em cima da linha de shows e só concorria com a novela da Globo no prestígio junto à imprensa. Como se tudo isso não bastasse, um gravíssimo problema particular apareceu em minha vida, logo depois da sinopse ter sido entregue. Ubaldo, meu irmão, acometido de uma infecção no cérebro, voltou para o Brasil, quase sem esperanças de vida. Vê-lo daquela maneira, perdendo os movimentos, a visão, a fala, ia me acabando dia a dia, mas, além da novela, ainda tinha que manter o equilíbrio em casa, principalmente o dos meus pais que, já bem velhos, assistiam à degradação do filho querido. Todos em nossa família cuidávamos dele da melhor maneira que podíamos e eu necessitava urgentemente encontrar alguém para ser meu colaborador no texto da novela. Não tive sorte, tentei várias pessoas e nenhuma engrenava. Complicando ainda mais, era a primeira novela que escrevia em computador e a minha adaptação àquela máquina infernal, que sumia com meus capítulos a cada pique de luz, me deixava maluco. Enfim, com tudo isso, ia tocando a história e só depois percebi onde estava meu erro como autor na condução da novela: sem tempo hábil para raciocinar e desenvolver as histórias principais, ia mantendo tudo em fogo brando, fazendo cenas episódicas, cotidianas, de histórias paralelas, arrumando gags e acontecimentos meio sem importância, esperando a hora de poder, realmente, ter a cabeça tranqüila para mergulhar na história que interessava. Evidentemente, não percebia isso na época e foi Gilberto Braga quem me alertou e, depois da morte de meu irmão, por volta do capítulo 50, me ajudou a dar um rumo de sucesso para a Rainha da Sucata. A história continuou a mesma, mas o que seria narrado em forma de comédia passou a ter um gosto de drama, centralizado nos personagens de Maria do Carmo (Regina Duarte), Edu (Tony Ramos) e Laurinha (Glória Menezes), o trio de protagonistas. O riso não foi abandonado, e sim reservado a outro núcleo de personagens, todos com enorme aceitação popular, como dona Armênia (Aracy Balabanian) e suas “filhinhas”: Nicinha (Marisa Orth), Caio (Antônio Fagundes) e Adriana (Cláudia Raia). Contei o que queria contar, mas de uma maneira que os espectadores entendessem e se empolgassem. Misturei comédia com drama, riso com tragédia e conquistei a audiência do horário, que exige um núcleo dramático mais forte, gosta de torcer pela mocinha que sofre. Agarrei de vez esse público quando Edu e Maria do Carmo se casam e ele se recusa a ir para cama com ela. Por volta do capítulo 100, consegui encontrar o talento profissional que eu buscava para ficar a meu lado e Alcides Nogueira entrou para me ajudar. Excelente autor e companheiro maravilhoso, foi a recompensa que ganhei depois de toda a infelicidade que provei no início da empreitada. Profissional irreparável, amigo carinhoso e escritor criativo, Alcides Nogueira, gosta de escrever à noite e eu de dia, e essa diferença de fusos horários até contribuiu para nosso entrosamento. Acordava às seis da manhã, ligava para ele, que tinha acabado o capítulo que lhe passara no dia anterior, ele me enviava, eu relia, colocava os meus chistes, escrevia o capítulo seguinte, fazia a planificação do próximo dele e às oito da noite lhe passava para ele escrever de madrugada. Foi um período tranqüilo e agradável com a novela engrenada no gosto do público, com todo o Brasil repetindo o bordão Na chon! de Dona Armênia, as mulheres usando franja como Maria do Carmo e os pontos de audiência subindo cada vez mais. Foi a segunda vez que enfrentei uma crise profissional como escritor de novelas, mas outras ainda estavam por vir. Capítulo XXXII Anita Gillette Mesmo depois do final de Sassaricando, Cláudia Raia e eu conversávamos muito por telefone. Fã de musicais e muito amiga de Jorge Fernando, Cláudia tentava me convencer a escrever um show para ela. Passamos um bom tempo assim: eu não querendo e ela, sempre muito simpática, agradável e irresistível, tentando vencer a minha insegurança, porque era só isso que me impedia de escrever para teatro. Apesar do grande sucesso de Adriana, a bailarina da coxa grossa em Rainha da Sucata, eu me sentia devedor dela porque cismei em colocar uma cena, logo no início da novela, onde Cláudia, caracterizada de Marilyn Monroe, saía de um bolo cantando Happy Birthday, Mister President. Evidentemente isso remeteu ao caso de amor entre Marilyn e Kennedy, que logo aqui foi associado a Cláudia e Collor, o que era infundado, mas que passou a ser aparentemente legitimado pela novela. Como profissional, Cláudia poderia ter se recusado a fazer a cena, mas confiou em mim como sempre, e amargou anos e anos este carma. Diante da confiança extrema que ela e Jorginho demonstravam ter na minha capacidade de escrever para o teatro, acabei vencendo a insegurança e escrevendo Não Fuja da Raia. O show abria com uma lacônica voz em off no seguinte comunicado: Por motivos alheios à nossa vontade, a atriz Cláudia Raia será substituída por Anita Gillette. Era uma frustração geral, uma debandada, gente levantando, reclamando, se apressando em ir para a bilheteria e, então, Cláudia Raia entrava pela porta da saída, vestindo um corpete ortopédico e implorava para que o público não a abandonasse e aceitasse assistir com sua substituta. Acalmados os ânimos, ela contava como seria o show se ela estivesse bem e, então, começava o espetáculo com ela e mais 12 bailarinos. Gosto muito dessa idéia para o início de um show e tirei de um episódio acontecido com meu irmão Ubaldo, que morava em Nova York, e teve várias fases de voltar para o Brasil. Uma vez, comprou ingresso, com oito meses de antecedência, para Funny Girl, o primeiro sucesso de Barbra Streisand. Na data marcada e tão esperada, teve o desprazer de assistir o espetáculo com Anita Gillette substituindo Barbra. Essa história nunca saiu da minha cabeça e quando parti para escrever o musical pensei numa pessoa que vem lá de Jaçanã, Osasco, Santo André ou Barueri, de trem, depois ônibus, caminha até o teatro, tudo especialmente para ver de perto um ídolo popular, e se depara com uma substituta desconhecida. Muitos apostavam que a piada só funcionaria no primeiro dia, que depois todos iriam saber e ninguém mais se levantaria para sair, o que prejudicaria a entrada de Cláudia; mas até a última apresentação, dois anos depois, muitas pessoas acreditavam e se levantavam reclamando para ir embora. Durante a temporada de Não Fuja da Raia tive a idéia de fazer a Maria Escandalosa de Deus nos Acuda e juntar Cláudia Raia com Edson Celulari. Eles contracenaram em Sassaricando, mas não como par romântico, eram irmãos, e ali percebi que formavam um casal bonito e carismático. Já me viera a idéia de juntá-los em Rainha da Sucata, mas Edson ia fazer a peça Calígula e o papel do professor gago ficou com Antônio Fagundes, que deu um banho de comédia em sua única incursão no gênero em uma novela. Cláudia e Edson começaram a namorar durante as primeiras gravações de Deus nos Acuda, no Caribe, incentivados por Marco Aurélio, figurinista da novela e nosso grande amigo, e a partir daí a vida de ambos mudou bastante. São muito felizes, têm um casal de filhos lindos e Maria Celia e eu fomos seus padrinhos no casamento civil. Depois de Não Fuja da Raia, vieram Nas Raias da Loucura e Caia na Raia, e os três ficaram ao todo seis anos em cartaz. Durante um jantar em uma cantina, após a estréia de Nas Raias da Loucura, Edson me pediu para escrever uma peça para teatro, não mais um show, o que eu nunca fizera nem pensava em fazer. A insegurança bateu de novo e disse que não faria, nem adiantava ele insistir. Sem compromisso, segundo Edson, começamos a conversar sobre as idéias que ele tinha para a peça, dei meus palpites, armamos uma trama e a pergunta voltou à tona: Por que você não escreve? Depois de ouvir outra vez que eu não sabia, não queria nem iria escrever para teatro, ele me pediu sugestões de autores que poderiam desenvolver a tal idéia que tínhamos engendrado e dei-lhe alguns nomes que me pareciam bons para o trabalho. Combinei com Edson de colocar no papel aquilo que conversáramos para ele procurar um dramaturgo e, quando comecei a missão, me dei conta de que poderia realmente escrever para o palco. Dirigida por Cecil Thiré, Capital Estrangeiro falava da corrupção nos tempos do governo Collor, foi montada no Rio e em São Paulo, no ano de 1994, e me deu indicação para vários prêmios, como o Mambembe e o Molière. Em São Paulo, foi sucesso de público, apesar da crítica paulista insistir no chavão “autor de televisão no teatro”. Rótulos e preconceito sempre me incomodaram muito, principalmente quando vêm carregados de maldade e injustiça. Sempre fui de teatro, muito antes de ir para a televisão, e não é porque passei a fazer sucesso em novelas que não posso escrever livros, roteiros para cinema, peças de teatro ou o que me der vontade. Infelizmente, senti o mesmo preconceito em colegas da chamada “classe teatral paulista”, aos quais sempre tratei com respeito e consideração quando me imploravam papéis na televisão. A barreira que se cria pela imprensa e pelos próprios profissionais em torno de atividades artísticas no Brasil é inútil, injusta e desestimulante. Aqui, para sobreviver, todos temos que fazer de tudo: teatro, cinema, televisão, apresentações em feiras, bailes de debutantes, textos importantes e textos medíocres, novelas boas e novelas péssimas, e tudo mais o que aparecer. É um país eternamente em crise, onde a luta pela sobrevivência é dura e nem sempre recompensada. Detesto atores que imploram um papel na televisão e depois passam a reclamar da falta de importância artística do veículo, se esquecendo que muitas e muitas peças de teatro estão bem distante de qualquer importância cultural. Outro erro comum é montar textos importantes, como os de Shakespeare, Sófocles, Ibsen, Eurípides e seja lá quem for, apenas para impressionar investidores, sem que os atores e diretores tenham cultura, conhecimento ou o menor preparo para realizarem estes espetáculos, mas enfim, isso é assunto para um outro livro. No meu caso, não me animei mais a escrever para o teatro, não por causa do preconceito, mas porque tenho consciência que muitos e muitos outros autores escrevem para o palco bem melhor do que eu e que, assim como no cinema, não tenho feito muita falta. Capital Estrangeiro, apesar de ser uma boa peça de entretenimento, não deu nenhuma contribuição maior às artes cênicas mundiais e, sinceramente, acho que escrever para teatro deve ser uma atividade mais nobre do que simplesmente a de vender ingressos ou lotar platéias. Por algum defeito, ou qualidade, de formação, sempre associo autores de teatro a grandes nomes como os que já citei acima, nos quais posso incluir aleatoriamente Molière, Bertolt Brecht, Garcia Lorca, Eugene O’Neill, Tennessee Williams, Arthur Miller, Martins Pena, Nelson Rodrigues, Jorge Andrade e outros tantos da mesma importância. Não que cinema e televisão sejam veículos menores. Apenas não acredito que tenha uma contribuição muito grande para dar ao teatro, como acho que ocorre na televisão, onde tenho grande orgulho de meu trabalho. Sei que agradou a um mundo imenso de pessoas, contribuiu para minimizar preconceitos, fez carreiras e abriu muitas portas para uma nova geração de autores, além de ter influenciado outros que passaram a escrever com mais liberdade, sem medo de misturar gêneros para divertir o telespectador. Capítulo XXXIII À Beira do Caos De férias, perambulava pelas ruas de Nova York, entrando em tudo que é loja de discos e livros, quando topei com o filme O Segredo das Jóias e reli a sinopse sobre um grupo que resolve assaltar uma joalheria, se arrepende, mas é tarde para voltar atrás. Devo ter lido outras antes de seguir meu caminho, mas foi aquela que me voltou à cabeça e pensei que poderia fazer uma novela sobre um cara que participa de um assalto, se arrepende, mas o grupo não o deixa sair. Comprei um bloquinho de notas e comecei a escrever ali mesmo. Pensei em Tony Ramos, que uma vez me dissera que queria interpretar um carroceiro; fui armando aquela história e quando voltei para casa, já não era um homem, mas uma mulher, saía Tony Ramos, entrava Cláudia Raia e nascia o embrião de Deus nos Acuda. Pensei primeiro em ambientar a novela em uma cidade imaginária e logo me veio Mahagony, de Brecht e Kurt Weill, como referência. Logo abandonei a idéia, mas ganhei com isso a parte social que foi o mote principal da trama. Voltando ao Tony Ramos, cunhei um personagem que fosse muito bom, puro, sincero e amigo dentro de algum lugar podre e corrupto e nasceu Paco, que seria apaixonado pelo personagem de Cláudia Raia, mas que, por questões de escalação da emissora, acabou nas mãos de Raul Gazzola. Esse personagem me remeteu ao George Bailey (James Stewart) em A Felicidade Não se Compra (It’s a Wonderful Life), de Frank Capra, que sempre foi dos meus diretores prediletos. Assim veio a idéia do anjo que desce à Terra para mostrar como seria a vida dos outros, caso George não tivesse existido. Fui por outro caminho e acabei decidindo escrever sobre um país em eterna crise, o nosso, que tem um anjo da guarda incompetente no céu, Celestina (Dercy Gonçalves). Saía a comédia sentimental de Capra e entrava a chanchada brasileira. Com esse fio de trama, passei a desenvolver o resto da história, com a qual queria mostrar a falta de cidadania do brasileiro, a perda do referencial de certo e errado. Tema sério, tratado como comédia, mas com algum cuidado para ficar menos frenética e mais romântica que as anteriores que escrevi para o horário das sete. Faz pouco assisti a Deus nos Acuda inteira novamente, devido à reprise no Vale a Pena Ver de Novo. Preferi reeditá-la, tirando as referências explícitas, e agora ultrapassadas, sobre o período no qual se desenvolvia e, apesar do país não ter mudado muito, pelo menos trocaram as moscas. Foi um bom trabalho para mim, onde pude constatar muitos erros que cometi no desenvolvimento da trama, o que acabou prejudicando a total aceitação da novela por parte do público. Nunca deixava a emoção fluir solta, amarrava a história em discursos intermináveis no céu sobre o caráter do povo e as condições sociais do país. A intenção até podia ser muito nobre, mas com a idéia de falar do país em primeiro lugar, resultou numa novela extremamente cerebral, híbrida, que só da metade para o fim, quando possivelmente eu já tinha deixado toda a minha pretensão político-sociológica de lado, fica realmente divertida e cheia de surpresas. Aprendi mais uma vez que, para se abordar assuntos sérios, não é preciso ser chato e discursivo; o ideal é quando razão e emoção caminham lado a lado com humor e leveza, como Dias Gomes conseguia sempre em suas brilhantes sátiras políticas. Na sua primeira exibição, Deus nos Acuda também foi prejudicada pelo atropelo da vida real sobre a ficção. A novela foi preparada para estrear no primeiro semestre de 1992 e, por razões de produção, só foi ao ar no final de agosto. O mote principal era Collor e seu desastrado governo e, um mês depois, o presidente foi deposto, o que foi ótimo para o país e péssimo para a novela. Sem meu mote principal, comecei a centrar fogo nas histórias de amor que interessaram ao telespectador, até acontecer o massacre no presídio do Carandiru, que arrastou a audiência, doida para acompanhar o caso, para o Aqui e Agora, jornal do SBT que atingia seu auge. Na seqüência, o assassinato de Daniela Perez e o sumiço do helicóptero com Ulysses Guimarães fizeram a novela ficar por mais de dois meses com pouca audiência. O Jornal Nacional tem um público imenso, mas entra depois da novela das sete e quando há um assunto muito empolgante, que realmente interesse ao público, o noticiário da Globo acaba servindo para confirmar e detalhar os acontecimentos, mas o impacto da notícia fica para quem a divulgar primeiro. É quase impossível concorrer com fatos da vida real que se transformam em eventos e, alguns anos depois, tive outra prova disso. Capítulo XXXIV Medieval Sem contar a experiência literária da minha infância no escritório da firma do meu avô, voltei a escrever, anos e anos depois, em uma máquina Lettera portátil, que foi presente de aniversário de minha madrinha Ilse Bacci. Todos os roteiros de cinema, programas do telecurso, teatros da TV Cultura, minhas primeiras novelas, Éramos Seis e Pecado Rasgado, foram escritas ali. Depois apareceu a máquina elétrica IBM de esfera, que pesava uma tonelada e continuava uma doideira o medieval processo de costura dos capítulos, recortando e colando texto sobre texto. Maria Celia ia para o trabalho e eu ficava em casa, escrevendo com Juliana e a empregada. Minha filha, que ainda engatinhava, queria ficar comigo e não podia porque eu tinha que terminar o capítulo do dia e com ela no meu colo, batendo os dedinhos nas teclas, era impossível. Quando resolvia fechar a porta do quarto, não conseguia escrever por causa de seu choro sentido do lado de fora. Como explicar àquele querido bebezinho que não era rejeição? A solução foi escrever em outro lugar e montei um escritório em um pequeno apartamento na Alameda Santos, que depois transferi para a Alameda Sarutaiá, sempre nos Jardins. Nos fins de semana, quando Maria Celia estava em casa, Juliana já tinha companhia e, então, eu trazia a máquina para casa. Resultado: minhas costas estouraram em uma hérnia de disco de tanto carregar aquela máquina pesada de um apartamento para o outro. Mesmo depois do advento do computador e vistos sob a luz da tecnologia atual, os tempos pré-modem remetem à pré-história. Os capítulos iam para o Rio pelo malote da Globo, que fechava às seis da tarde. Se eu não acabasse até esse horário, tinha que ir para o aeroporto com aquele emaranhado de folhas debaixo do braço e pedir para alguém a gentileza de entregar para um funcionário da Globo que estaria lá no Rio à espera. Isso acontecia inclusive com Rainha da Sucata, que já era escrita no computador, mas ainda não havia como transmitir direto. E quando ocorriam problemas na gravação, a solução era parar tudo lá no estúdio, no Rio de Janeiro, e esperar as modificações do autor no dia seguinte. Sei lá por quê, em Pecado Rasgado, muitas vezes os capítulos seguiam pelo malote e sumiam no meio do caminho. Depois a Varig instalou um serviço de entrega, mas tinha que pegar o carro e ir até o aeroporto, ou ter um office-boy permanentemente contratado. Aqui aparece outro problema: não gosto de ter empregados à minha volta me servindo, gosto de me movimentar e de fazer tudo eu mesmo. Tivemos alguns motoristas quando Juliana era pequena, mas os problemas foram tantos que resolvemos viver da maneira mais simples possível para não termos preocupações extras. Maria Celia e Juliana são exatamente iguais a mim neste particular e chegamos à conclusão de que não temos estrutura para viver rodeados de serviçais. Se colocamos alguém para trabalhar conosco, passamos o dia todo preocupado em aproveitar o profissional para que ele não se sinta inútil, ficando o dia inteiro sem fazer nada, à espera de alguma ordem. Depois acabamos nos envolvendo com seus problemas particulares, suas dificuldades de relacionamento na família, a educação dos seus filhos, suas frustrações e tudo o mais, o que acaba virando mais uma enorme preocupação em nossa cabeça. É claro que, como quase todas as famílias brasileiras, temos empregadas domésticas e meu braço direito é meu irmão Antônio Carlos, principalmente quando estou escrevendo novela, tudo na medida do suportável. Capítulo XXXV Sutil Transgressão Quentin Tarantino estava no auge quando comecei a escrever A Próxima Vítima. Assim que veio à tona que seria uma novela policial, chegaram a sair matérias dizendo que seria algo a seu estilo. De onde tiraram isso, não tenho a menor idéia. Tem vezes que as pessoas criam umas besteiradas na cabeça e você é obrigado a preencher ilusões alheias à sua vontade. Resultado: quando a novela estreou, me criticavam por não estar fazendo o que era esperado. Mas esperado por quem e com que direito? Por isso também não quero mais ficar falando demais em entrevistas antes de a novela estrear. Queria muito ficar quietinho, incógnito, esquecido, até a exibição do primeiro capítulo e mais ainda depois da estréia da novela, mas isso é cada vez mais impossível. Novela virou uma indústria que alimenta uma cadeia enorme de colunas nos jornais do Brasil todo, de revistas de televisão e de comportamento, de programas diários em outras emissoras que precisam de informações inéditas e constantes para continuarem existindo e dando emprego a um número enorme de pessoas. Por outro lado, neste caso, literalmente, uma mão lava a outra, porque é graças ao interesse desses veículos na trama, nos personagens e nos atores que o sucesso explode. Com A Próxima Vítima, abandonei as novelas hilariantes e parti para uma intrigante, deixando o escracho de lado, escrevendo uma novela das oito mais séria, mais densa, dentro de um esquema que nunca havia experimentado antes. Imaginei uma trama policial onde o telespectador teria que se ater a três perguntas básicas: Quem está matando? Por quê? E quem seria A Próxima Vítima? Não apenas o assassino era segredo, também o motivo e o próximo alvejado. Como sempre, a especulação levou ao boato de que praticamente todo o elenco seria exterminado no decorrer da novela. Era uma informação mentirosa e exagerada, evidentemente, mas saiu na imprensa e assustou o público, que não queria ver uma história em que os personagens, que eles possivelmente fossem gostar, fossem mortos a torto e a direito. A imprensa ajuda muito o sucesso de uma novela, mas também, justiça seja feita, pode atrapalhar bastante. No caso de A Próxima Vítima, a segunda hipótese foi a verdadeira. Como se tratava de uma novela de suspense, pedi para que o resumo semanal da trama não fosse para os jornais. De que adiantava armar todo um mistério sobre quem seria uma próxima vítima se o jornal contasse antes? Isso criou uma extrema má vontade dos veículos de comunicação com relação à novela, porque ficariam sem notícias sobre o principal programa da televisão brasileira. Logo na primeira semana, quando normalmente a audiência de sábado é mais baixa do que a da estréia, na segunda-feira veio uma manchete no jornal O Globo: Fracasso às oito horas!... Despenca a audiência da novela. E por mais que a audiência da segunda-feira seguinte tivesse sido satisfatória, o massacre continuou. Novamente estava se prenunciando uma crise parecida com a de Rainha da Sucata e entendi que deveria conseguir números muito maiores no Ibope para aplacar os boatos. Resolvi então dar uma reviravolta no melodrama para depois voltar ao policial, aproximando o produto do convencional, mais perto do gosto do público noveleiro. No dia do casamento do bom moço Diego (Marcos Frota), fiz com que ele descobrisse que a noiva Isabela (Cláudia Ohana) o traía com Marcelo (José Wilker) e a humilhasse com uma violenta surra no meio dos convidados. Fui extremamente criticado por isso pelos grupos feministas que me acusaram de machismo por ter feito uma mulher apanhar, mas não entenderam que a catarse popular vinha pelo fato de um personagem do mal ter sido apanhado e castigado por outro do bem e não por ser uma mulher. Hoje, a prática é comum, bandido, seja homem ou mulher, sendo castigado antes do final da novela aumenta sempre a audiência. No caso de A Próxima Vítima, este foi o pontapé inicial e depois disso nunca mais tive nenhum problema de aceitação com a novela e pude desenvolver sem medo a trama policial que acabou tomando conta do país. Outra lição: quando a audiência não se empolga, algum acontecimento forte na trama deve acordá-la e depois mantê-la sempre atenta com novos e eletrizantes acontecimentos. Só os crimes uniam as histórias daqueles personagens que circulavam por regiões diversas de São Paulo, do sofisticado Morumbi à Aclimação, da humilde Mooca aos Jardins, passando pelo Mercado Municipal. Núcleo importante, o do pessoal da Mooca vinha de minhas lembranças. Na cidade cenográfica, foi construída uma vila que evidentemente não existia mais no bairro, nem atividades como lavar roupa no tanque e dependurá-las no varal, mas na minha cabeça era daquele jeito e eu buscava reproduzir o ambiente de minha infância. Sem muito estardalhaço ou excesso de correção política, A Próxima Vítima atacou os preconceitos de maneira geral e abriu espaço para algumas minorias. Para começar, tinha uma família de negros classe média, onde a empregada era branca. Vieram críticas que aquela gente não existia, aí foram pesquisar e descobriram que existia, sim, e por causa dessa classe média negra apareceram revistas e vários outros produtos para a raça, no processo detonado pela novela. Infelizmente, muitos não entenderam até hoje a minha verdadeira intenção em colocar a família Noronha na novela. Em seu livro sobre a raça negra, Zé Zito diz que escrevi os negros como eles gostariam de ser vistos. A idéia nunca foi essa. Eu queria um núcleo de personagens afro-brasileiros que fizesse sucesso, para que em outras novelas e outros núcleos aparecessem mais personagens afro-brasileiros e assim o mercado de trabalho para o ator negro se ampliasse. Era só isso. Não queria personagens chatos que vivessem reivindicando um lugar na sociedade, nem reclamando de preconceito e discriminação, mas sim personagens simpáticos que pudessem contar com a identificação do público de todas as raças. Consegui isso plenamente e as pesquisas indicavam o personagem de Fátima (Zezé Motta) como predileto das donas-de-casa. E por que isso? Porque armei para ser assim. A única família idealizada dentro do sonho de felicidade da classe média brasileira era aquela, a dos negros. As outras famílias não permitiam essa identificação. A personagem Ana (Susana Vieira), a mamma da novela, nem era casada, era amante de um homem casado, tinha uma amiga prostituta, e a moral muito elástica para a identificação da típica dona-de-casa que preserva os bons costumes. Gostavam de Ana, admiravam seu jeito de ser, mas se identificavam com a mãe convencional da família dos negros. E em nenhuma pesquisa se referiam a eles como “a família dos negros” como saía na imprensa, era sempre a família Noronha, ou a família da Fátima. Com o homossexualismo, abordado através da dupla de jovens Sandro (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes), ocorreu a mesma coisa. A partir do momento em que incluo na novela aqueles dois e o público aceita, o assunto ganha outra dimensão. Numa cena, o personagem Sandrinho se explicava para a mãe: Eu não sou sem-vergonha porque gosto de homem, não sou assim porque quis ou escolhi. Sou assim porque nasci assim e não há nada que eu possa fazer para deixar de ser o que sou, portanto, só me resta uma saída, me aceitar e ser feliz! Essa sinceridade e simplicidade absolutas cativaram milhares de telespectadores, o que resultou em um número enorme de manifestações por telefone e cartas de mães e pais que não aceitavam os filhos e, a partir daquela cena, passaram a pensar diferente. Isso é a parte mais mágica e gratificante do trabalho, chegar ao coração e à mente das pessoas. E por que incluí o assunto homossexualismo? Porque tive muitos amigos que morreram por causa disso, por serem marginalizados. Quando a família aceita o homossexual, ele deixa de ser marginalizado e, conseqüentemente, de ser explorado, de cair nas armadilhas do gueto. Queria que houvesse respeito à opção sexual deste grupo e acho que consegui isso. Desde que comecei a escrever a novela, sabia que estava lidando com um assunto tabu e deveria ir com muito cuidado. Fiz primeiro as pessoas gostarem dos garotos, que eram normalíssimos, permitindo uma identificação com qualquer grupo, e depois revelei que eram homossexuais. Deu certo. Pouco tempo depois, em Torre de Babel, achei que já tinha conquistado espaço para este tema, então coloquei duas personagens lésbicas desde o primeiro capítulo e o escândalo armado pelos jornais foi tão grande que meio mundo se assustou. Se tivesse feito aos pouquinhos, teria dado certo também, como deu para outras novelas mais recentes. Novamente vivendo e aprendendo que certas coisas não mudam muito e, para alguns assuntos polêmicos, parece que está sempre se partindo da estaca zero. O casal de lésbicas Rafaela e Leila, interpretado por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer, duas atrizes bem conhecidas, lindas, admiradas e respeitadas, me parecia uma ótima idéia. O barulho começou semanas antes da estréia e a imprensa falava tanto, mas tanto, que parecia que Torre de Babel seria uma novela sobre lesbianismo. Evidentemente, não era. As duas formavam uma parte importante, mas pequena, da história e a função dramática de Rafaela (Christiane Torloni) na trama era morrer para que o personagem central José Clementino (Tony Ramos) herdasse sua fortuna e pudesse mudar de vida. É claro que, por se tratar de uma atriz do quilate e carisma de Christiane, eu não iria deixar de dar uma importância maior ao personagem, mas sua morte estava acertada para por volta do capítulo 30, na explosão do shopping, desde o início. Quando a novela estreou e o assunto não teve o tamanho da expectativa que a própria imprensa havia criado, passaram a criticar, dizendo que a novela estava censurada. Pura balela, a importância do casal dentro da trama sempre foi aquela mesmo. A morte da personagem de Silvia Pfeifer é que não estava prevista e aconteceu devido às proporções que aquilo tudo assumiu, muito mais nos jornais do que na novela, onde se garantia que cenas de sexo entre as mulheres estavam gravadas e proibidas de irem ao ar. Toda essa especulação afastou um número grande de donas-de-casa que tinham medo, e isso foi dito em muitas pesquisas, de ver na sala da casa delas o que se lia nos jornais. Tudo assumiu uma proporção tão exagerada que resolvi, já que tinha de matar Rafaela para dar seguimento à história, fazer Leila a acompanhar, preservando o amor das duas na eternidade, a exemplo de Romeu e Julieta. Antes de morrerem na explosão do shopping, Rafaela diz: Tudo por causa desse maldito preconceito e até hoje ninguém esquece de citar este caso como um grande exemplo da intolerância humana nas novelas contra os que se atrevem a ser diferentes. Polêmica foi o que não faltou em Torre de Babel e o personagem de Tony Ramos foi uma das vítimas das maledicências. Tony é um ator que adoro e na primeira vez que trabalhamos juntos, em Rainha da Sucata, ele interpretou um personagem meio mau-caráter, dúbio, que se casava com a mocinha por dinheiro. Veio o reencontro em A Próxima Vítima, onde ele já não vivia o galã, era Juca, o fruteiro do Mercado Municipal, grosso, gritão, que mostrava a bunda, brigava, chorava, adorava ópera e ele fez maravilhosamente bem, foi um sucesso incrível. Quando chegou a vez de Torre de Babel, disse-lhe que seu personagem seria completamente diferente de todos seus trabalhos anteriores. Tony topou, raspou o cabelo e emagreceu para transformar-se no atormentado José Clementino. A trama de Torre de Babel é a seguinte: um pedreiro, que quer se vingar do patrão, vai explodir o shopping, arma tudo, desiste, alguém rouba seus planos e a tragédia acontece. O público sabe que o pedreiro é inocente, mas quem foi que explodiu? Essa era a história e assim foi contada. Era uma novela com forte conotação social e a intenção principal de mostrar que um ambiente social violento e hostil pode modificar o caráter de uma pessoa, mesmo que ela seja cheia de bons sentimentos. Mudando-se o ambiente, muda-se também a pessoa e José Clementino encontrava no amor de Clara (Maitê Proença) a força necessária para se tornar um novo homem. Jornais e revistas mal informados, até hoje, todas as vezes que se referem a Torre de Babel, afirmam que inventei a explosão para matar os personagens que não estavam agradando ao público. Nada mais falso e mentiroso. O fato de a novela ter feito muito sucesso depois da explosão nada tem a ver com a eliminação de personagens inconvenientes, mas sim com um desenho mais maniqueísta que passei a fazer no caráter de cada um, possibilitando ao telespectador separar os mocinhos dos bandidos, coisa que não fiz antes porque queria que todos fossem suspeitos de terem roubado os planos de José Clementino e realizado a explosão. Uma armação policial clássica, contada de uma maneira mais original. Fiz questão de que Guilherme (Marcello Antony), o drogado, morresse de overdose antes da explosão, porque sou radicalmente contra drogas e queria mostrar que droga pesada é um caminho sem volta. Li em algum lugar que tirei a idéia para a novela de Cabo do Medo (Cape Fear), mas a única semelhança que consigo encontrar é a de um sujeito que sai da cadeia e se vinga de outro, como também acontece em O Conde de Monte Cristo. Torre de Babel foi uma novela muito difícil de realizar, não só por ser a primeira que usava uma explosão naquelas proporções, mas, principalmente, porque a TV Globo passava por várias reestruturações com a saída de Boni, depois de 35 anos no comando. A produção era do núcleo de Carlos Manga, fazendo com que nos reencontrássemos profissionalmente muitos anos depois, e a direção a cargo de Denise Saraceni, uma grande companheira, mulher forte e talentosa, de doce personalidade, que manteve o interesse do projeto em pé durante todas as tempestades que enfrentamos, sem esmorecer um segundo, conduzindo com carinho e competência o enorme elenco estrelar. Mais uma vez ficou provado, como em todas as tempestades que enfrentei ao lado de Jorge Fernando, que autoria e direção juntos e entrosados é a melhor forma para vencer as intempéries e se chegar ao sucesso. No final de Torre de Babel, apesar de todo o sucesso conseguido, estava esgotado, absolutamente estressado, com todos meus exames físicos dando alarmes de problemas futuros, magoado, arrasado e determinado a nunca mais escrever uma novela. Voltei a fazer terapia com o Dr. Godói, tentando arrumar forças para romper o contrato que tinha com a Globo e demorou muitos meses até que me reestruturasse e tivesse coragem de aventar novamente a possibilidade de encarar a escrita de um capítulo por dia. Junto com a terapia, foi o entusiasmo constante de Jorge Fernando que me tocou para frente. Capítulo XXXVI Jardim do Éden Concordei em voltar a escrever novelas se me deixassem completamente livre para apostar em uma trama insólita e absolutamente diferente de tudo o que já havia sido feito até então, e Jorge Fernando, mais uma vez, entrou na aventura comigo. Me pus atrás de alguma idéia nova, estimulante, arrojada; não me interessava nem um pouco repetir experiências anteriores e Jorginho concordava plenamente comigo. Nossa carta branca para a criação veio com o pedido de usarmos todos os comediantes que já tinham trabalhado conosco e por falta de espaço na programação da emissora estavam sem programa próprio. E essa era nossa turma: Regina Casé, Claudia Jimenez, Cláudia Raia, Diogo Vilela, Andréa Beltrão, Débora Bloch, que saiu por motivos particulares e mais Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, que acabaram ficando fora para fazer Os Normais. Como todos são cabeças de programas, não podia fazer uma história, tinha que fazer várias. Propus escolher todo elenco primeiro e depois escrever em cima dos atores. Fiz uma trama completa para cada núcleo encabeçado por uma dessas estrelas, reservando as três filhas da mãe Lulu de Luxemburgo (Fernanda Montenegro) para Cláudia Raia, Andréa Beltrão e Bete Coelho, que entrou no lugar de Débora Bloch. Imaginei para Tony Ramos, novamente, alguma coisa completamente diferente e lá veio Manolo Gutierrez, um de seus maiores sucessos, e para seu par, inspirado em Nascida Ontem (Born Yesterday), Orora Anarfabeta (Cláudia Ohana). As tramas todas ficaram prontas, mas careciam de uma unidade, não tinha os crimes como em A Próxima Vítima e também não queria cair nos chavões de parentesco. Pensei então em um rap para unir as tramas, como se fossem histórias de cordel, e decidi que estava fazendo um cordel urbano, se é que isso faz algum sentido. Era muita novidade junto. Primeiro a maneira inusitada de contar uma novela sem mocinho ou mocinha, sem uma história convencional e com personagens absolutamente inusitados, muito diferentes do que o público de novelas estava acostumado. Tudo unido por um rap, com a letra estampada na tela em diferentes tamanhos, com uma narrativa que se permitia ir para frente e para trás, sem se preocupar com um seguimento convencional. É claro que os mais inteligentes que viviam rezando por alguma novidade na televisão deliraram, mas o público, sempre conservador, levou um tremendo susto. Desde a primeira semana, a novela teve problemas de audiência, mas Jorge Fernando e eu insistíamos que, com o tempo, eles acabariam decodificando a linguagem e teriam prazer em assistir. A primeira pesquisa de opinião foi muito interessante. Primeiro veio um grupo de adolescentes de classe média que adoravam a novela, achavam inteligente, divertida, etc. Mas depois foi a vez do grupo das telespectadoras tradicionais, aquelas que são o esteio principal da audiência porque não desgrudam da televisão, e aí me deu até pena daquelas pobres senhoras: Eu não entendo nada; Não sei ler, aparecem aquelas letras e eu não sei o que é; O que é que aquela pessoa está cantando, aquilo é história pra gente ouvir? Ninguém disse que não gostava, mas simplesmente estavam absolutamente perplexas e revoltadas com o que elas diziam não ser sequer novela, porque não entendiam nada, bem diferente do que ocorria nas classes A e B, onde a novela tinha boa aceitação. Nunca precisei ter um assunto polêmico para que a novela faça sucesso. Vou armando situações que de repente viram polêmicas. E aí entra aquela história: novela que ninguém comenta, que ninguém imita os personagens, que não está na feira, nos cabeleireiros e nos supermercados, não existe. Diferente de um filme, uma peça de teatro ou algum outro tipo de programa de televisão, novela sem sucesso é quase um castigo para se levar adiante. Sem comentários, sem envolvimento do público ou interesse na trama, todos os envolvidos vão perdendo o estímulo, as cenas vão murchando e fica uma gente triste, deprimida, carregando por oito meses aquele cachorro morto, sem a menor possibilidade de prazer. Para um autor, então, que se levanta às sete da manhã e precisa produzir de 35 a 40 páginas de texto, sabendo de antemão que ninguém vai gostar, não tem nada pior. Só tive essa experiência uma vez, em Pecado Rasgado, e não desejo nem a meu pior inimigo. Quanto às outras, mesmo as que não foram grandes sucessos de audiência, tiveram muita repercussão na imprensa ou tinham um público fiel que se divertia diariamente e isso me estimulava a continuar. Foi assim com A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim do Éden, que não dava grande Ibope, mas era muito comentada e adorada por muita gente e isso estimulava o Jorginho, a mim, Alcides Nogueira e Bosco Brasil que escreviam comigo e, principalmente, a todos os atores envolvidos no processo. Todos tínhamos certeza que mais dia, menos dia, ela cairia, fatalmente, também no gosto do grande público. Infelizmente, como havia já acontecido em Deus nos Acuda, a realidade veio atrapalhar a nossa ficção, e põe realidade nisso. A filha de Silvio Santos foi raptada, depois veio a perseguição ao raptor, depois o rapto do próprio Silvio: isso durou duas semanas, e a novela passou a concorrer com o noticiário. A audiência caiu muito e as classes mais baixas migraram para os programas policiais do horário. Na quarta semana, começamos bem de Ibope, mas quando estava escrevendo um capítulo, no dia 11 de setembro, Jorginho me ligou apavorado, perguntando se eu já havia visto na televisão que o World Trade Center, em Nova York, tinha vindo abaixo depois de um ataque terrorista. Como concorrer em interesse com o possível início da Terceira Guerra Mundial? É verdade que a novela tinha segmentos herméticos, só para iniciados, o que é um grave erro para quem trabalha para um público amplo como é o de televisão. Mas eu também apostava no humor mais popular no núcleo de Rosalva (Regina Casé) e, principalmente de Manolo (Tony Ramos). No primeiro capítulo, a personagem de Fernanda Montenegro, uma decoradora de sucesso em Hollywood, ganhava um Oscar. Claro que era uma brincadeira em cima da estatueta que não lhe deram pelo filme Central do Brasil e eu achava que o prêmio máximo do cinema era popular nas camadas mais baixas; ledo engano, ninguém nem sabe do que se trata. Apareço entregando o Oscar para Fernanda, o que foi encarado como pretensão de minha parte, mas foi só um quebra-galho de última hora. Estava acertado que Walter Salles é que entregaria; mas ele não pôde gravar e Jorge Fernando me convenceu, com o argumento de que era eu mesmo quem estava dando aquele Oscar para Fernanda, que também achou que ficaria divertido, mas, infelizmente, grande parte das pessoas costuma fazer julgamentos baseados em suas próprias atitudes. No início, apostavam que eu teria dor de cabeça com aquele elenco de estrelas e, ao contrário, o convívio foi extremamente harmonioso, sem desentendimentos, fofocas, nada. Aliás, nunca tive problema com elenco, a não ser Paulo Autran que saiu vociferando contra Sassaricando, mas depois pediu desculpas. Preocupo-me individualmente com cada um dos atores, que estão escalados porque confiaram no meu trabalho, aceitando a empreitada, e quanto mais sucesso fizerem, melhor pra mim. Não gosto que um profissional entre na minha novela e não suba algum degrau na carreira, sempre me preocupo com isso e mais ainda que entre com um grande cartaz e perca prestígio e popularidade. Como a novela não foi um estrondo de audiência, meu temor era prejudicar a carreira de Reynaldo Gianecchini, Regina Casé, Cláudia Raia ou Tony Ramos... Mas, graças a Deus, todos cresceram. Gianecchini foi protagonizar Esperança, Regina Casé voltou a fazer aqueles quadros incríveis no Fantástico, Priscila Fantin e Bruno Gagliasso viraram estrelas, Raul Cortez e Fernanda Montenegro foram filmar juntos O Outro Lado da Rua. A novela ainda não tinha terminado de ser gravada quando Jorginho me disse que eu deveria ir ao Rio para uma entrevista para o Vídeo Show. Fui e estranhei que a gravação fosse à noite e ele estivesse mandando o carro rumar para o endereço de Cláudia Raia. Entramos na casa escura, as luzes se acenderam e todo o elenco me aplaudiu, me encheu de carinho, de presentes, de abraços e beijos em uma enorme festa surpresa armada por eles, encabeçados por Cláudia e Fernanda Montenegro em agradecimento ao grande prazer que tiveram em participar daquela incrível batalha. Minha mulher também veio de São Paulo e nos congraçamos até o amanhecer. Foi uma das maiores emoções da minha vida e senti o quanto gosto dessa minha gente que, justiça seja feita, parece que também gosta bastante de mim. Desejos de Mulher e O Beijo do Vampiro, as duas novelas seguintes das sete, deram pouca audiência também e só Kubanacan teve mais ibope que A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim de Éden. Título mais longo na história das telenovelas, aquela trama ágil, com personagens sofisticados e inusitados, deixou marcas inovadoras. Que outra novela trouxe um casal romântico como Dagmar (Claudia Jimenez) e Ricardo (Reynaldo Gianecchini)? Ou cenas de amor com Regina Casé e Thiago Lacerda? E que tal Ramona (Cláudia Raia), uma heroína romântica transexual? São apenas alguns exemplos; teve muito mais nesse excelente trabalho que só existiu porque tive a meu lado, novamente, Jorge Fernando, diretor único, amigão e companheiro incomparável. E um dia ainda vou fazer emplacar uma novela, ou minissérie, onde a comédia seja total e absoluta e o espectador finalmente consiga entender que não é preciso levar nada a sério, que a novela pode ser dramática e cheia de emoção, mas também pode ser muito mais agradável se levarmos tudo na brincadeira. Capítulo XXXVII Na Frente das Câmeras Sempre disse cobras e lagartos de minha carreira de ator, mas outro dia estava fazendo um retrospecto e vi que ficou bem longe da mediocridade. Trabalhei oito anos seguidos em teatro, televisão, e, meu Deus, contracenei com Cleyde Yaconis, Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Maria Della Costa, Cacilda Becker, Dina Sfat, Sérgio Cardoso, Aracy Balabanian, Irina Greco, Armando Bógus, Glória Menezes, Tarcísio Meira, Francisco Cuoco, Paulo Goulart, Nathalia Thimberg, Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça, Stênio Garcia, Rubens Corrêa e muito mais gente boa. E fui dirigido por Antunes Filho, Antônio Abujamra, Sérgio Britto e Ademar Guerra. Não, não foi uma carreira ruim, mas muito difícil, isso sim. É que o ator fica muito na dependência de convites e depois dessa minha trajetória entendo muito bem os profissionais que hoje me pedem emprego, pois estive lá também, na porta das pessoas, na porta das emissoras, querendo entrar, falar com este ou com aquele, pedir papéis, implorar por atenção, sei que é duro e o quanto isso custa. Mas também, agora do outro lado, entendo que não se pode levar em conta os problemas de todos, que cada personagem tem seu intérprete ideal e fazer concessões em escalação é péssimo para ambos os lados. Desde que parti para outros e mais bem-sucedidos rumos na profissão, voltei à frente das câmeras algumas vezes, sempre em participações especiais, por pura farra. Foi assim em 1983, quando escrevia Guerra dos Sexos e Nelson Pereira dos Santos me chamou para o filme Memórias do Cárcere. Ney Santana, filho de Nelson, fazia a produção e me disse que eu filmaria tal dia. Cheguei lá e era um papel enorme, o diretor do presídio que falava páginas e páginas de texto. Sem tempo para decorar aquilo tudo, pedi um personagem menor e fui escalado para interpretar o médico que atendia o protagonista (Carlos Vereza). É uma cena só, filmada naquele dia, em estúdio, e bem semelhante à participação mais recente em Sexo, Amor e Traição, filme de Jorge Fernando. Meu amigo estreava na direção, fui assistir a uma filmagem e ele me convidou para uma ponta – um pianista que toca para Alessandra Negrini cantar e não fala nada, o que foi ótimo. Não toco piano, mas fiz espelhado em Tyrone Power em Melodia Imortal (The Eddy Duchin Story); era o que estava na minha cabeça, a minha fantasia. André Bukowinski está realizando uma série de curtas-metragens que ele pretende transformar num longa chamado Sete Vezes Solidão. Encontrei-o numa festa e ele me lembrou que dirigira um comercial onde eu contracenava com o leão do imposto de renda. André preparava um curta e me convidou para contracenar com Irene Ravache. O quê? Eu contracenar como uma atriz do quilate de Irene, você está doido. Não, ele não estava, me convenceu, ajudado pela própria Irene, a quem considero uma das nossas mais completas e talentosas atrizes. Isso sim é que foi pretensão, me colocar ao lado dela. Helena, o curta, foi premiado num festival em Washington e deu a Irene Ravache o prêmio de melhor atriz no Festival de Santos. A estrutura é simples: Estamos os dois num banco de praça, conversando durante 22 minutos sobre coisas da vida. Filmamos em dois dias, páginas e páginas de diálogo para decorar, o que me deu medo, mas o diretor foi ótimo e o apoio da minha grande e generosa amiga, definitivo. Não vou falar que sou ator, mas ali eu não tinha mais nada para temer. Não é minha profissão, estava fazendo uma brincadeira com amigos, me coloquei à vontade. Daquilo não dependia minha carreira, minha vida, não dependia nada. Bem diferente de meus tempos de testes, quando vinha uma supercarga de adrenalina e não sabia lidar com ela e canalizava tudo para o pavor de errar, de não fazer bem e nunca mais conseguir outra oportunidade. Esse peso todo simplesmente não existia mais e veio o prazer de estar pretendendo ser outra pessoa, sem esquecer que já estou muito bem sendo eu mesmo. A enorme importância dada ao ator é um diferencial do cinema, bem diferente do que ocorre na televisão, onde a câmera só registra a sua representação. No cinema, a câmera é voltada exclusivamente para o ator. Pára tudo ao redor, alguém vem conferir as condições de luz, a maquiagem e o artista, centro das atenções, fica parado ali, diante dos olhares e cuidados daquela equipe toda. Essa possibilidade de avaliar o que um ator sente no momento em que realiza seu trabalho é um lado interessante nessas minhas eventuais participações em filmes. E isso me ajuda na hora de escrever, de dirigir para aquela pessoa, que enfrenta experiências que não provo como escritor. E como diretor também não. O diretor tem uma visão geral, enquanto o ator fica centrado em si mesmo o tempo todo, porque é essa a sua função. Capítulo XXXVIII Interiores Todas as vezes que alguém me convidou para ir pra uma fazenda, achei chatíssimo, tinha muito mosquito, animais, sujeira, gado e eu nunca gostei de nada disso. Lembro-me em uma reunião de roteiristas da Globo, que Benedito Ruy Barbosa falava maravilhas do mundo do campo e Gilberto Braga observou na sua fleuma: Engraçado, quando quero castigar o vilão da novela mando o personagem direto pra fazenda. Porque para mim não tem nada mais chato do que ficar olhando vaca. Fui logo dizendo que comigo também era assim, Benedito quase se ofendeu conosco, mas entendeu que não era nada pessoal, era apenas uma questão de gosto. Muita gente sonha com lugares calmos para escrever. Eu não. Quero ir para Nova York, mesmo quando estou atrás de descanso. Gosto de ficar num lugar onde possa ter minha intimidade, mas se quiser ir a um cinema, um restaurante, uma livraria, andar na rua, pegar um carro, basta abrir a porta e sair. Não me importo de passear sempre, mas tenho que saber que tudo o que eu gosto está a meu redor. É a mesma sensação com meus filmes. Tenho um mundo de DVDs, não assisto a todos, mas sei que estão ali, ao alcance da mão. Com os livros e CDs é assim também, então a relação com uma cidade não poderia ser diferente. Nesses anos todos, minha coleção de filmes já passou por muitos formatos – VHS, Laser Disc, que agora estou substituindo por DVD, mas já soube que inventaram outro sistema. Hoje já se pode comprar o filme que quiser, estão vendendo em lojas lá nos Estados Unidos para se assistir em casa e ficar com ele para sempre. Fiquei doido com essa novidade, que chegou via Rubens Ewald Filho. Dirigia na época filmes institucionais para uma subsidiária da Globo e pedi um aparelho, veio um enorme e pesado, bisavô do videocassete, pra minha casa. Depois, com o tempo, os aparelhos foram se modernizando, se aperfeiçoando, mas ainda tenho montanhas de fitas com os mais diferentes formatos. Gravei todas as minhas novelas desde 1981 e hoje, infelizmente, não consigo assisti-las: fica tudo branco-e-preto ou então verde, vermelho. Ter uma coleção de filmes em minha casa é um luxo supremo que jamais pensei poder alcançar. E para mim não existe filme velho, filme novo, filme bom ou ruim, filme premiado ou execrado; existem os filmes que eu gosto. Já até coloquei essa frase na boca da cinemaníaca Mariana, que Renata Sorrah interpretou em Rainha da Sucata e lembra muito a Cecília de A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo), que é um dos filmes que eu gostaria de ter feito na minha vida. É ótimo ter os filmes em casa, rever o que me dá prazer. Não sou uma pessoa que tem no cinema uma fonte de cultura ou sabedoria, o que me interessa é a paixão, a emoção e, principalmente, o entretenimento. Já não é nenhum segredo que sou maníaco com relação a cinema e também já confessei que o simples manuseio da caixinha de DVD, quando vejo as fotos ou leio o texto, já me dá prazer. Para espantar qualquer aborrecimento, nada melhor que um bom musical da Metro, A Roda da Fortuna e Cantando na Chuva são infalíveis, uma boa chanchada da Atlântida também é aconselhável, uma comédia italiana ou um maravilhoso e cafona dramalhão mexicano como, por exemplo, Aventurera, com Ninón Sevilla, ou La Bien Pagada, com Maria Antonieta Pons. Bangue-bangue não é um gênero que me cativa, mas filme de gangster ou de capa e espada eu adoro. A magia e a mentira do cinema me encantam. Criar mentira é uma arte, e quem duvidar disso pode recorrer aos filmes de Alfred Hitchcock, Billy Wilder e Federico Fellini, que para mim são sempre os melhores diretores. Quando se conta uma história, é preciso ter um ponto de vista, se não fica uma narrativa dispersa, e isso vale também para o cinema. Hitchcock é um bom exemplo: ele vai mostrando como o espectador tem de entender aquela história, apesar da câmera não voar e não existir ali nenhuma pirotecnia. Um diretor não precisa mostrar que sabe mexer com a câmera, que sempre deve ser um instrumento a serviço do que ele está contando. Fellini consegue fazer tudo isso de uma maneira absolutamente pessoal e encantadora, levando o espectador para um mundo que só existe em sua cabeça. Billy Wilder é o mais eclético deles e por isso também meu preferido. Do riso escrachado de Quanto Mais Quente Melhor ao suspense Testemunha de Acusação ou o noir Pacto de Sangue, tenho um fascínio especial por esse diretor, que realizou bons filmes em tantos gêneros diversos. Sem nenhuma comparação com o grande mestre, que também é um exímio roteirista, gosto de poder transitar por vários gêneros e essa liberdade é o que mais me fascina na minha profissão. Capítulo XXXIX Cenário para um Crime Preciso conhecer o lugar para escrever sobre ele, mas não tenho nenhuma obrigação de reproduzi-lo exatamente como é. Atualmente, ando às voltas com uma novela que vai se passar em parte na Grécia. Minha visão daquele país – e já tinha estado lá duas vezes – era absolutamente turística. Quando pensei em usá-lo como cenário, veio a necessidade de conhecer mesmo, ver como aquela gente anda, os que eles fazem, aonde vão, como é o bar, esses detalhes do cotidiano. Sou um autor diferente dos outros. Sou visual e auditivo, não fui formado por leitura e sim pelo cinema. Quem ler um capítulo meu verá que lá estão todas as indicações: a luz, o tipo de cenário e até a inflexão. O diretor não precisa levar ao pé da letra, pode gravar do jeito que quiser, mas só sei escrever assim. Quando sento ao computador, é como se tivesse na minha frente um filme ou uma novela pronta, fico escrevendo o que estou assistindo. Se não vejo o lugar, não sinto a emoção e não consigo escrever. Fui mais uma vez à Grécia em novembro de 2004, com Denise Saraceni, à procura de locações. Foi completamente diferente das minhas incursões turísticas, anotava tudo o que via e dessa viagem surgiram várias idéias para a novela, inclusive uma trama policial que permeia toda a história. Santorini é muito escura à noite e, como era inverno, as ruas estavam praticamente desertas e vendo aquela paisagem surgiu a inspiração. Também vou registrar a imagem clichê de muito sol, casas brancas com mar azul, mas meu interesse principal é abordar a vida das pessoas que habitam aquele lugar, quando a temporada acaba e os turistas vão embora. A idéia de escrever uma novela na Grécia veio não apenas porque é um lugar muito bonito, o que garante o visual da história, mas porque é habitado por um povo alegre, extrovertido, semelhante ao italiano. Mesmo aqui no Brasil, tenho freqüentado e gostado muito do ambiente dos gregos, um povo alegre, forte e comunicativo; preciso saber como eles são na intimidade para não acabar caindo na caricatura. Festas de gregos que vivem em São Paulo me trouxeram um pouco da vivência desse pessoal e esse conhecimento de campo me estimula a construir os personagens. Nunca escrevi nada que se passasse em outro país, eu fazia o italiano, o espanhol, o português, todos de São Paulo com quem convivi durante minha vida inteira. O processo de criação que estou começando agora é bem diferente de apenas usar uma locação bonita para gravar externas em outro país. A Próxima Vítima, por exemplo, teve cenas na Costa Amalfitana, porque passei férias lá e me encantei com o cenário. Pecado Rasgado começou em locações parisienses, Cambalacho em Roma, Torre de Babel na Áustria, Vereda Tropical em Majorca, As Filhas da Mãe em Las Vegas. Já conhecia esses lugares e, quando sentava para escrever, eles estavam ali na minha frente e como turista que tinha sido não me inibia de descrevê-los. Quando se escreve sobre o povo, hábitos e costumes específicos é necessário que se conheça bem, muito diferente de colocar personagens brasileiros passeando pelo exterior, como foram em todas as outras minhas novelas. Gosto de escrever para os atores e o nome de Glória Pires veio logo, pois nunca trabalhamos juntos apesar da apreciação mútua que temos. Veio a idéia de juntá-la a Tony Ramos, porque os dois se gostam e ainda não contracenaram. Entusiasmado pelos dois, vou imaginando o que posso fazer, um personagem para a Glória, que papel ainda não desenvolvi para Tony... Durante esse processo de criação, vou muito pelo lado das situações, dos tipos de personagens e tramas que ainda não explorei. A partir daí vou armando, aos pouquinhos. Nos 450 anos de São Paulo, escrevi para o Fantástico uma história chamada A Festa do Nono, com Gianfrancesco Guarnieri. Em pouco mais de dez minutos, contava a história de um patriarca de uma família italiana que começa a despencar com a entrada de japoneses, espanhóis, enfim, várias raças. Adorei o resultado, vi que era uma boa idéia para um núcleo de novela e vou usar essa mistura de raças que é muito São Paulo. E como tenho Grécia, país bonito, qual o antagonismo daquele povo? O Turco. Vou juntar um turco com uma grega, eles moram numa vila onde tem alguém da família, possivelmente Cláudia Raia, que vai casar com um italiano, depois um português, um judeu e até um japonês e aí começa a entrar a misturança. Essa é a parte meio pop da novela, os gregos, espanhóis, japoneses misturados, vivendo no microcosmo de São Paulo. A partir do momento em que começo a construir a história, aquilo não sai mais da minha cabeça, não penso em outra coisa. Tudo que vejo, tudo que leio, tudo que olho, tudo vai para a novela. Quando me falam em algo que tem a ver, prefiro nem ler, pois tenho medo de roubar instintivamente. A parte que mais gosto e a mais criativa é essa de inventar a história, ir armando tudo. Essa nova novela vai estrear em novembro, em março entrego a história e, como comecei a pensar nela faz alguns meses, tenho muito tempo de imaginar o que quiser. Tenho uma história aqui, outra ali, costuro aqui, essa história dá pra fulana, mas ela já fez isso em tal novela, então vou chamar aquela outra... Quando a trama fica armada, passo para o papel, aí vira a sinopse e já se começa a raciocinar em termos de viabilidade de produção. Fui para a Grécia porque se eles me dissessem que não tinha condições de gravar – é muito caro, muito longe e sem apoios não se consegue produzir – eu teria de pensar em outra novela. A novela vai ter um núcleo na Grécia, serão brasileiros morando lá porque senão as pessoas não vão entender o que eles falam. Como teremos um núcleo de brasileiros, Denise Saraceni vai ter que levar uma equipe e ver que condições existem para se gravar lá, quanto vai custar, porque existe um orçamento e não podemos fugir dele... Parece que já entrei no processo. Capítulo XL Entidades É mito essa história de personagens que crescem mais do que o autor previu. Quando o público está assistindo, aquela história está um mês na frente e o personagem só cresce se isso estiver no texto. O que ocorre é que, a partir da hora em que começo a ver o resultado das gravações, percebo que determinado ator está bem, aí aumento o personagem. E também o contrário: ele está mal e o papel diminui. Tem vezes em que é preciso falar com o diretor, para decidirmos o que fazer, se vamos eliminar aquele personagem ou dar um tempo. Aconteceu assim com Oscar Magrini em Deus nos Acuda. Ele nunca havia trabalhado em televisão e eu o convidei para viver o chefe dos bandidos, mas seu primeiro dia de gravação foi muito nervoso, inseguro e o segundo também. Sentei-me com ele e lhe disse que não o sentia preparado e, se entrasse assim, o resultado seria péssimo para ele e toda a sua carreira futura estaria comprometida. Confiou em meu julgamento e aceitou ficar com um personagem menor até se sentir mais preparado. Chamei outro ator para o chefão e Magrini ficou sendo um dos bandidos, até quando tirei o outro e ele, que perdera a inibição, passou a chefiar a gangue. Quando não está acostumada com o veículo televisão e entra em um estúdio da TV Globo, geralmente a pessoa leva um susto. Com Marisa Orth ocorreu algo interessante. Eu a vi no teatro em Fica Comigo Esta Noite, adorei e a convidei para Rainha da Sucata. Na primeira reunião de elenco, quando Marisa entrou na sala, ficou gaga, não sabia o que fazer. Ela estava junto com Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Nicette Bruno, Regina Duarte, Glória Menezes, Antônio Fagundes, no meio de seus ídolos, e agora ela fazia parte daquilo. Marisa, que é uma excelente atriz, dizia: Eu não posso falar nada agora, preciso respirar um pouco. Depois de alguns dias, já estava à vontade e fez da sua Nicinha um enorme sucesso. Outros tiram de letra logo de cara, como foi o caso de Débora Bloch em Jogo da Vida e Marcos Frota em Vereda Tropical. Também trouxe os dois do teatro para as novelas e ambos se saíram bem logo no primeiro dia de gravação e a carreira deslanchou dali para frente. Existem atores que você imagina que vão dar certo, outros que você não sabe o que pode acontecer e muitos que não acontece nada; entram e saem de uma novela como se fossem transparentes. Às vezes, certos personagens ainda não estão prontos na sinopse, mas vão se mostrando para o autor, à medida que ele vai escrevendo, e isso até independe do ator. Comigo funciona assim: vou inventando, depois começa a fase de escrever capítulo – e quando a escalação está pronta e se eu conheço aqueles atores já sei o jeito que vão falar. Sento em frente ao computador e literalmente ouço suas vozes em meus ouvidos. Como se fosse um transe. A palavra para mim não é de ler, é de ver e ouvir. Lá pelo capítulo 100, os personagens, além de falarem, ainda se comandam. É como se eu tivesse incorporado em uma sessão espírita. Isso ocorre porque já os conheço melhor, eles estão vivos dentro da minha cabeça, cada um no seu cantinho; então consigo decodificar o que pensam e como vão agir, como se tivessem realmente vida própria. Mas a sensação é mesmo que me baixou uma entidade. Por isso gosto de trabalhar com atores que conheço e admiro, e se escalar alguém que não gosto, com quem implico ou não me estimula, não vou saber trabalhar com essa pessoa, vai ser péssimo para nós dois e, principalmente, para a novela. Fico feliz da minha vida quando acabo de escrever uma novela e está redondamente enganado quem pensa que vem alguma frustração. O relacionamento com a história e os personagens só acaba quando a novela sai do ar, mas no meu íntimo, ocorre quando escrevo o último capítulo, leio tudo aquilo e falo: Ótimo, gostei! Essa sensação é o maior orgasmo que se possa imaginar – Viva, não tenho que escrever amanhã! Durante esse mês, ou essas semanas, entre o término da escrita e o fim das gravações, é uma maravilha. Posso ir aos estúdios, dar entrevistas, falar com todo mundo, gozar o sucesso, constatar pessoalmente que a novela já deu certo. É a grande fase. Sei que terminamos, todo mundo está contente e chegou meu tempo de usufruir. Nessa fase, adoro ir para o Rio e acompanhar as gravações, é sempre muito agradável estar ali ao lado do pessoal porque tenho plena certeza de que o trabalho não se faz sozinho e que novela, mais do que qualquer outro produto, só resulta bem quando a equipe é coesa, se gosta e admira o trabalho. De 1964, quando comecei a trabalhar, até dirigir cinema, que foi quando minha carreira começou a deslanchar, foram dez anos. E mais uns oito para acertar na televisão e depois fazer Guerra dos Sexos, quando me torno um profissional conhecido, respeitado, existindo dentro de um estilo próprio, com um bom nome, homenagens, prêmios, reconhecimento... Foram mais de 40 anos de trabalho, muito difíceis, mas quase mágicos, onde tudo em minha vida foi acontecendo mais ou menos como num filme de Hollywood. Realidade e fantasia. Coincidências incríveis e acasos impossíveis. Como é que, de repente, dois caras atrás de um roteiro batem na porta de alguém que nunca tinha escrito nada? Foi assim, caiu do céu, eu não fui atrás, nunca disse: quero escrever, por favor, me dêem uma chance. Quando me apaixono de verdade é pela vizinha, nos casamos e temos sido felizes para sempre, nada mais hollywoodiano. Cassiano Gabus Mendes tem um enfarte e me chama para terminar a novela dele, exatamente como no enredo de Rua 42 (42nd Street). Tenho que acreditar que sou um homem de muita sorte, mesmo que muitas vezes tenha me sentido abandonado por ela. Na minha vida acontecem fatos inusitados, como se alguém, lá em cima, realmente gostasse de mim. É como se algo falasse agora é a sua vez, vai e eu vou. Podem acontecer problemas, brigas, dissabores, mas sempre o resultado final é positivo, sempre o avanço é certo. Mesmo nos momentos de maior desespero, quando nada me levava a crer que alcançaria meus objetivos, lá no fundo, brilhava uma esperança. Ser otimista sempre me fez bem e me ajudou a vencer grandes obstáculos. Cada vida é diferente porque cada pessoa é um universo próprio, as circunstâncias também influem decisivamente e a confluência de tudo isso modifica qualquer resultado. Cada história é única, dependendo dos personagens, da locação, da época. Porém, quando a chance vier, é preciso estar preparado e quando ela chegar é preciso confiar, não ter medo, meter as caras e seguir sempre em frente, acreditando que a sorte vai estar a seu lado, mesmo que pareça que ela já tomou outro rumo. Acredito que, quando esses elementos se juntam, tudo avança e o trenzinho acaba chegando. Pelo menos comigo aconteceu assim. Cronologia TV Autor 2005 Belíssima - TV Globo Direção: Denise Saraceni. Com Glória Pires, Tony Ramos, Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Irene Ravache, Marcello Antony, Cláudia Raia, Reynaldo Gianecchini, Cláudia Abreu. 2001 A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim do Éden - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira, Bosco Brasil. Direção: Jorge Fernando. Com Fernanda Montenegro, Raul Cortez, Cláudia Raia, Tony Ramos, Alexandre Borges, Regina Casé, Cláudia Jimenez, Andréa Beltrão, Thiago Lacerda, Bete Coelho, Reynaldo Gianecchini, Cláudia Ohana, Cleyde Yaconis, Patrícia Travassos, Tuca Andrada, Priscila Fantin, Bruno Gagliasso, Diogo Vilela. 1998 Torre de Babel - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira, Bosco Brasil. Direção: Denise Saraceni. Com Tony Ramos, Glória Menezes, Tarcísio Meira, Maitê Proença, Adriana Esteves, Marcos Palmeira, Edson Celulari, Cláudia Raia, Natália do Valle, Juca de Oliveira, Christiane Torloni, Silvia Pfeifer, Cacá Carvalho, Marcello Antony, Cleyde Yaconis, Cláudia Jimenez, Etty Fraser, Karina Barun. 1995 A Próxima Vítima - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral. Direção: Jorge Fernando. Com Glória Menezes, José Wilker, Susana Vieira, Tony Ramos, Lima Duarte, Aracy Balabanian, Natália do Valle, Yoná Magalhães, Andréa Beltrão, Vera Holtz, Cláudia Ohana, Marcos Frota, Gianfrancesco Guarnieri, Rosamaria Murtinho, Zezé Motta, André Gonçalves. 1994 Éramos Seis - SBT Escrita com Rubens Ewald Filho. Baseada na obra de Maria José Dupré. Direção: Del Rangel, Henrique Martins, Nilton Travesso. Com Irene Ravache, Othon Bastos, Jandir Ferrari, Tarcísio Filho, Leonardo Brício, Ana Paula Arósio, Luciana Braga, Jussara Freire, Paulo Figueiredo, Denise Fraga, Caio Blat, Nathalia Timberg, Bete Coelho. 1992 Deus nos Acuda - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral. Direção: Jorge Fernando. Com Francisco Cuoco, Glória Menezes, Marieta Severo, Edson Celulari, Cláudia Raia, Dercy Gonçalves, Cláudio Corrêa e Castro, Marisa Orth, Louise Cardoso, Ary Fontoura, Aracy Balabanian, Carmem Verônica, Jorge Dória, Emiliano Queiroz, Adelaide Chiozzo, Maria Cláudia, Gracindo Junior, Raul Gazolla, Paula Manga, Luigi Baricelli, Cláudio Fontana, Milla Christie, Regina Braga. 1990 Boca do Lixo - TV Globo Minissérie. Direção: Roberto Talma. Com Silvia Pfeifer, Reginaldo Faria, Alexandre Frota, Cláudio Corrêa e Castro, Maria Estela, Stênio Garcia, Ivete Bonfá. 1990 Rainha da Sucata - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira e José Antônio de Souza. Direção: Jorge Fernando. Com Regina Duarte, Tony Ramos, Glória Menezes, Paulo Gracindo, Aracy Balabanian, Renata Sorrah, Daniel Filho, Marisa Orth, Antônio Fagundes, Cláudia Raia, Gérson de Abreu, Marcelo Novaes, Flávio Migliaccio, Cleyde Yaconis, Patrícia Pillar. 1987 Sassaricando - TV Globo Direção: Cecil Thiré. Com Paulo Autran, Tônia Carrero, Eva Wilma, Irene Ravache, Cristina Pereira, Diogo Vilela, Maria Alice Vergueiro, Ileana Kwasinski, Edson Celulari, Lolita Rodrigues, Cláudia Raia, Angelina Muniz, Marcos Frota, Alexandre Frota, Jandira Martini. 1986 Cambalacho - TV Globo Direção: Jorge Fernando, Del Rangel. Com Fernanda Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri, Cláudio Marzo, Natália do Valle, Susana Vieira, Rosamaria Murtinho, Débora Bloch, Edson Celulari, Regina Casé, Consuelo Leandro, Emiliano Queiroz, Louise Cardoso, Luiz Fernando Guimarães. 1984 Vereda Tropical - TV Globo De Carlos Lombardi e Silvio de Abreu. Direção: Guel Arraes, Jorge Fernando. Com Lucélia Santos, Mário Gomes, Maria Zilda, Walmor Chagas, Geórgia Gomide, Marieta Severo, Cristina Pereira, Jonas Torres, Nuno Leal Maia, Rosamaria Murtinho, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Betti, Marcos Frota, Luiz Fernando Guimarães, Regina Casé, Eduardo Tornaghi, Angelina Muniz, Matilde Mastrangi. 1983 Guerra dos Sexos - TV Globo Colaborador: Carlos Lombardi. Direção: Jorge Fernando e Guel Arraes. Com Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Tarcísio Meira, Glória Menezes, Lucélia Santos, Maitê Proença, Mário Gomes, Maria Zilda, Ary Fontoura, Yara Amaral, Helena Ramos, Herson Capri, Cristina Pereira, Edson Celulari, José Mayer, Hélio Souto, Diogo Vilela, Ângela Figueiredo, Sônia Clara, Marilu Bueno, Jaime Periard. 1982 Sétimo Sentido - TV Globo De Janete Clair. Finalizada com Silvio de Abreu. Direção: Roberto Talma. Com Regina Duarte, Francisco Cuoco, Carlos Alberto Ricelli, Cláudio Cavalcanti, Natália do Valle, Eva Todor, Armando Bógus, Nicette Bruno, Sebastião Vasconcelos. 1981 Jogo da Vida - TV Globo Baseada em argumento de Janete Clair. Colaborador: Carlos Lombardi. Direção: Roberto Talma, Jorge Fernando e Guel Arraes. Com Glória Menezes. Paulo Goulart, Maitê Proença, Gianfrancesco Guarnieiri, Débora Bloch, Mário Gomes, Rosamaria Murtinho, Carlos Vereza, Raul Cortez, Maria Zilda, Elizângela, Lúcia Alves, Gracindo Junior, Norma Geraldy, Débora Duarte, Suely Franco, Ary Fontoura, Carlos Augusto Strazzer, Iris Bruzzi, Cláudio Corrêa e Castro, Renata Fronzi, Sonia Mamede. 1981 Plumas e Paetês - TV Globo De Cassiano Gabus Mendes. Finalizada por Silvio de Abreu. Direção: Reinaldo Bovry e Gonzaga Blota. Com Elizabeth Savalla, Cláudio Marzo, Maria Cláudia, José Wilker, Eva Wilma, John Herbert, Paulo Goulart, Angelina Muniz, Mário Gomes, Sura Berditchevsky, Lúcia Alves, Sílvia Salgado, Solange Teodoro, Mila Moreira, Eduardo Conde, Cleide Blota, José Lewgoy. 1978 Pecado Rasgado - TV Globo Direção: Régis Cardoso. Com Juca de Oliveira, Aracy Balabanian, Renée de Vielmond, Rogério Fróes, Renata Fronzi, Telma Elita, Heloísa Mafalda, Nádia Lippi, Ney Santana, Miriam Rios, Lúcia Alves, Armando Bógus, Edwin Luisi, Kátia D’Angelo, Carlos Gregório, Lúcia Mello, Cláudio Cavalcanti, Felipe Carone, Lady Francisco, Leonor Navarro. 1977 Éramos Seis - TV Tupi Escrita com Rubens Ewald Filho. Baseada na obra de Maria José Dupré. Direção: Atílio Riccó. Com Nicette Bruno, Gianfrancesco Guarnieri, Carlos Alberto Ricelli, Carlos Augusto Strazzer, Ewerton de Castro, Maria Isabel de Lizandra, Geórgia Gomide, Jussara Freire, Paulo Figueiredo, Nydia Licia, Edgard Franco, Adriano Reis, Carmem Monegal, Beth Goulart, Carmem Marinho, Maria Luiza Castelli, Ruthinéa de Moraes. Supervisão de texto 2004 Da Cor do Pecado - TV Globo De João Emanuel Carneiro. Direção: Denise Saraceni. Com Taís Araújo, Reynaldo Gianecchini, Giovanna Antonelli, Lima Duarte, Aracy Balabanian, Matheus Nachtergaele, Aline Moraes. 1997 Anjo Mau - TV Globo De Cassiano Gabus Mendes, reescrita por Maria Adelaide Amaral. Direção: Denise Saraceni. Com Glória Pires, Kadu Moliterno, Maria Padilha, José Lewgoy, Leonardo Brício, Daniel Dantas, Alessandra Negrini, Cláudio Corrêa e Castro, Beatriz Segall. 1997 O Amor Está no Ar - TV Globo De Alcides Nogueira. Direção: Ignácio Coqueiro. Com Betty Lago, Rodrigo Santoro, Natália Lage, Eriberto Leão, Natália do Valle, Caco Ciocler, Nuno Leal Maia, Nicette Bruno, Tierry Figueira, Isabela Garcia. Ator 1971 Editora Mayo, Bom Dia – Damasceno De Walter Negrão. Com Luiz Gustavo, Débora Duarte, Nathalia Timberg, Miriam Mehler, Fernando Balleroni. TV Record 1970 A Próxima Atração – Damasceno Salomão De Walter Negrão. Com Sérgio Cardoso, Tônia Carrero, Renata Sorrah, Edney Giovenazzi, Felipe Carone, Célia Biar. TV Globo 1970 Dom Camilo e os Cabeludos Seriado. Com Otelo Zeloni, Nuno Leal Maia, Terezinha Sodré, Ney Latorraca. TV Tupi 1969 Dez Vidas De Ivani Ribeiro. Com Carlos Zara, Cláudio Corrêa e Castro, Maria Isabel de Lizandra, Leila Diniz, Stênio Garcia. TV Excelsior 1969 Sangue do Meu Sangue De Vicente Sesso. Com Francisco Cuoco, Tônia Carrero, Nicette Bruno, Fernanda Montenegro, Armando Bógus. TV Excelsior 1969 Os Estranhos – Valentim De Ivani Ribeiro. Com Regina Duarte, Rosamaria Murtinho, Carlos Zara, Márcia de Windsor, Stênio Garcia, Cláudio Corrêa e Castro, Márcia Real. TV Excelsior 1968 A Muralha – Abreu De Ivani Ribeiro, adaptada do livro de Dinah Silveira de Queiroz. Direção: Sérgio Britto. Com Mauro Mendonça, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho, Paulo Goulart, Arlete Montenegro, Nicette Bruno. TV Excelsior 1967 Os Miseráveis De Walter Negrão, adaptada do livro de Victor Hugo. Com Leonardo Villar, Maria Isabel de Lizandra, Raul Cortez, Laura Cardoso. TV Bandeirantes 1967 O Grande Segredo – Juvenal De Marcos Rey. Direção: Walter Avancini. Com Tarcísio Meira, Glória Menezes, Íris Bruzzi, Irene Ravache, Davi Cardoso, Débora Duarte, Paulo Figueiredo. TV Excelsior Cinema 1981 Mulher Objeto Diretor. Argumento: Alberto Salvá. Roteiro e diálogos: Jaime Camargo. Com Helena Ramos, Nuno Leal Maia, Kate Lyra, Maria Lucia Dahl, Hélio Souto, Yara Amaral, Wilma Dias, Karin Rodrigues, Carlos Koppa, Danton Jardin. 1977 A Árvore dos Sexos Diretor. Do livro homônimo de Santos Fernando. Roteiro: Silvio de Abreu, Maurício Rittner, Rubens Ewald Filho. Com Nádia Lippi, Felipe Carone, Ney Santanna, Yolanda Cardoso, Virginia Lane, Maria Lucia Dahl, Marivalda, Gracinda Freire, Sonia Mamede, Maria Rosa, Paulo Hesse, Antônio Petrin, Líbero Ripoli, Angelo Antônio, Stella Freitas, Nieta Junqueira, Mary Penteado, Francinett Costa, Élida L’Astorina, Renato Dobal, Sérgio Ropperto, Luiz Damasceno, Arnaldo Dias, Carlos Eduardo. 1977 Elas São do Baralho Diretor. Argumento e roteiro: Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho. Com Cláudio Corrêa e Castro, Sonia Mamede, Antônio Fagundes, Nuno Leal Maia, Hugo Bidet, Sérgio Ropperto, Marivalda, Yolanda Cardoso, Lourdes Nascimento, Arlete Moreira, Valéria D’Éllia, Carlos Koppa, Esmeralda Barros, Adoniran Barbosa. 1975 Cada Um Dá o Que Tem Episódio Uma Grande Vocação Direção, argumento, roteiro e diálogos. Com Ewerton de Castro, Nídia de Paula, Luiz Carlos Miéle, Suzana Gonçalves, Meiry Vieira, Adriano Stuart, Tânia Caldas, Shell Stewart, Carlos Martins, Marizeth Baungarten, Matilde Mastrangi. 1975 Assim Era a Atlântida Direção: Carlos Manga. Roteiro: Carlos Manga e Silvio de Abreu. Coordenação-geral, pesquisas: Silvio de Abreu. Narradores: Anselmo Duarte, José Lewgoy, Inalda de Carvalho, Fada Santoro, Adelaide Chiozzo, Cyl Farney, Norma Bengell, Eliana e Grande Otelo. 1974 O Marginal Direção: Carlos Manga. Assistente de direção: Silvio de Abreu. Com Tarcísio Meira, Darlene Glória, Vera Gimenez, Edney Giovenazzi, Anselmo Duarte, Francisco Di Franco, Carlos Kroeber, Ruthinéa de Moraes, Maurício do Valle, Lutero Luís, Lineu Dias. 1974 Gente Que Transa Direção, argumento, roteiro e diálogos. Com Adriano Reis, Carlos Eduardo Dolabella, José Lewgoy, Renato Consorte, Márcia Maria, Elke Maravilha, Lúcia Mello, Eugênio Kusnet, Marcos Miranda, Dave Gordon, Beto Simões, Tânia Caldas. Ator 2004 Sexo, Amor e Traição – Pianista Direção: Jorge Fernando. Com Malu Mader, Murilo Benício, Fábio Assunção, Alessandra Negrini, Marcello Antony. 2002 Helena Curta-metragem. Direção e roteiro: André Bukowinski. Com Irene Ravache. 1984 Memórias do Cárcere – Médico Direção: Nelson Pereira dos Santos. Com Carlos Vereza, Glória Pires. 1973 A Superfêmea Direção: Aníbal Massaini Neto. Com Vera Fischer, Perry Salles. 1972 A Marcha Direção: Oswaldo Sampaio. Com Pelé, Paulo Goulart, Nicete Bruno. 1968 Panca de Valente Direção: Luís Sérgio Person. Com Chico Martins. Teatro Autor 1994 Capital Estrangeiro Direção: Cecil Thiré Com Edson Celulari, Patrícia Travassos, Hélio Ary. 1991 Não Fuja da Raia 1993 Nas Raias da Loucura 1995 Caia na Raia Musicais. Direção: Jorge Fernando. Com Cláudia Raia. Ator 1971 Os Últimos – Iákorev De Maximo Gorki. Direção: Carlos Murtinho. Com Gilberto Martinho, Miriam Pires, Antônio Patino, Ana Ariel, Suzana Faini, Suely Franco, Eleonor Bruno, Eurico Vidal, Ida Celina. 1970 O Preço De Arthur Miller. Direção: Luís de Lima. Com Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça, Jayme Barcelos. 1967 Marat Sade De Peter Weiss. Direção: Ademar Guerra. Com Rubens Corrêa, Armando Bógus, Oswaldo Barreto, Laerte Morrone, Aracy Balabanian, João José Pompeo, Irina Greco, Carminha Brandão, Serafim Gonzalez, Otávio Augusto, Ivone Hoffman, Eugênio Kusnet, Lúcia Mello. 1966 A Alma Boa de Se-Tsuan – Garçon De Bertolt Brecht. Direção: Benjamin Cattan. Com Maria Della Costa, Oswaldo Louzada, Sadi Cabral, Sebastião Campos, Ilena de Castro, Assunta Perez, Joselita Alvarenga, Lucia Mello, Ednei Giovenazzi, Roberto Azevedo. 1965 Tchin-Tchin - Bobby De François Billetdoux. Direção: Antônio Abujamra. Com Cleyde Yaconis, Stênio Garcia. 1966 Antígone – Coro dos Tebanos De Sófocles. Direção: Benjamin Cattan. Com Aracy Balabanian, Rita Cleós, Rildo Gonçalves, Roberto Azevedo, Jovelty Archângelo, Elísio de Albuquerque, Ademir Rocha, Laura Cardoso. 1965 A Ópera dos Três Vinténs - Policial De Bertold Brecht e Kurt Weill. Direção: José Renato. Com Túlio de Lemos, Leny Eversong, Luely Figueiró, Oswaldo Loureiro, Zeluiz Pinho, Nilda Haria, Roberto Azevedo, Ruth Escobar, Xandó Batista, Ary Toledo, Maria Alice Vergueiro, Leilah Assunção. 1965 O Anjo Peralta - Zezinho Infantil de Cid Ferreira. Direção: Elói de Araújo. Produção: Silvio de Abreu. Com Blandina Bibas, Ana Maria Dias, Ivone Hoffmann. 1965 Círculo de Champagne De Abílio Pereira de Almeida. Direção: Benedito Corsi. Com Rosamaria Murtinho, Dionísio Azevedo, Maria Helena Dias, Altair Lima, Karin Rodrigues, Cecília Carneiro, Jacira Sampaio, Homem de Mello, Maria Aparecida Alves, Nadir Fernandes, Vilma de Aguiar, Marcio D’Almeida, José Carlos Medeiros, Arnaldo Fernandes, Edgard Franco. 1964 Vereda da Salvação De Jorge Andrade. Direção: Antunes Filho. Com Cleyde Yaconis, Raul Cortez, Renato Restier, Lélia Abramo, Aracy Balabanian. TBC 1963 A Promessa – Homem do Cortejo De Bernardo Santareno. Direção: Afonso Gentil. Com Roberto Confortti, Neusa Messina, Paulo Jordão, Marlene Santos, José Carlos Proença, Celso Nunes, Aracy Souza, Lourdes Moraes, Ecléia Audi, Benedito Silva, Vanya Santana, Poliana de Almeida, Divina Salles, Aloísio Castro, Cláudio Medeiros, Carlos Frassetto, Benedito Silva. Auditório Municipal de São Caetano/EAD. Diretor 1972 O Homem do Príncipio ao Fim De Millôr Fernandes. Teatro Universitário Luiz de Queiroz. 1969 Não Se Preocupe, Doris, Tudo Vai Acabar Bem De Jean Claude Van Italy. Teatro de equipe do Centro Social Horácio de Mello. Assistente de Direção 1968 As Criadas De Jean Genet. Direção: Alberto D’Aversa e Antônio Abujamra. Com Laura Cardoso, João José Pompeo, Nestor de Montemar. 1966 As Fúrias De Rafael Alberti. Direção: Antônio Abujamra. Com Cleyde Yaconis, Ruth Escobar, Riva Nimitz, Dina Lisboa, Maria Isabel de Lizandra, Stênio Garcia, Enio Carvalho. Produção 1970 Olha, Janete, Que Bofe Mais Lindo! De Giba Um. Show de bolso com Paulo Goulart. 1970 Lá De Sergio Jockyman. Com Paulo Goulart. 1967 Réquiem Para Noite de Sexta-Feira De German Rozenmacher. Direção: Roberto Vignatti. Com Felipe Carone, Lélia Abramo, Mauro Mendonça. Produção executiva: Silvio de Abreu. 1965 Soraia Posto 2 De Pedro Bloch. Direção: Jô Soares. Com Milton Ribeiro, Rubens Campos, Ruth Motta, Ary Toledo, Theresa Austregésilo, Ruthinéa de Moraes, Blandina Bibas. Produção: Ruth Escobar e Silvio de Abreu. Introdução Houve uma época, ali pelo começo dos anos 90, tempos de Rainha da Sucata e Deus nos Acuda, em que fiz várias entrevistas com Silvio de Abreu. Foram tantas que um dia ele até brincou: Você ainda vai acabar escrevendo minha biografia. Pura simpatia do homem, que sempre foi muito atencioso, nunca dando a mínima para a importância do veículo no qual eu trabalhava ou cargo que ocupava, repórter ou editor – vida de jornalista é cheia de altos e baixos – quando ligava para solicitar uma nova entrevista. Por esses mistérios da vida, o dia de mergulhar mais fundo em sua vida chegou e aí está esse livro que não me deixa mentir. Uma das primeiras coisas sobre Silvio é que ele é um homem de palavra, daqueles que respondem aos recados, diz que vai ligar dali a tantos dias e não falha. Este livro começou a nascer no início de outubro 2004, perto da volta de Deus nos Acuda no Vale a Pena Ver de Novo. Nossa primeira entrevista ocorreu no dia seguinte à reestréia da novela, terça, 9 de outubro, às 16 horas. Ele me esperava na porta de seu apartamento, no topo de um prédio localizado no bairro paulistano dos Jardins. Fomos para seu escritório, ao lado da piscina e com uma estilizada paisagem paulistana no quadro imenso, localizado na parede atrás da cadeira em que ele escreve. Silvio fala de um jeito absolutamente próprio, sempre olhando nos olhos do interlocutor, com as palavras vindo aos borbotões e muitas vezes imita a voz da pessoa a quem está se referindo. No livro, ele conta que, ao sentar-se ao computador para escrever, vai ouvindo as vozes de seus personagens. Seu jeito de conversar também é assim, absolutamente peculiar e muito divertido. Não é nada difícil engrenar um papo com ele e nossas conversas iniciaram com um tema muito diferente – novelas –, mas de como ele as via antes de trabalhar nelas. Como uma conversa sempre vai puxando outra, logo estávamos na sua infância, no Actor´s Studio, em Hollywood, na Excelsior, nas pornochanchadas, na Globo, sem a mínima ordem cronológica. De repente, preocupado como a maneira como vou organizar aquilo tudo depois, ele me pergunta se não está sendo muito caótico. Digo que está ótimo e continuamos conversando por umas duas horas, com interrupções apenas quando ele vai pegar água. Escrevi para essa Coleção Cleyde Yaconis – Dama Discreta e ele me mostra uma foto dos dois em uma cena da peça Tchin-Tchin, num porta-retratos na estante em frente à sua mesa de trabalho – existem outras fotos, dos atores com quem trabalha e de familiares. A foto da peça, da metade dos anos 60, mostra Silvio bem moço e com vasta cabeleira, as perucas que usou por muitos anos. Conta que ficou careca aos 19 anos e nossa primeira entrevista acaba justamente aí, deixando o tema calvície para a próxima sessão. Ao me levar até a porta, Silvio pára diante de uma estante no alto da escada que dá acesso a seu escritório. É ali que ele acomoda seus preciosos álbuns de recortes com tudo o que foi publicado a seu respeito na imprensa. Abre e folheia o primeiro deles, com cartazetes e programas das primeiras peças em que trabalhou como ator e com um brilho de menino nos olhos localiza com o dedo onde ele está numa foto de grupo. A mesma estante abriga várias teses escritas sobre suas novelas e me chama a atenção uma feita por um dinamarquês sobre a influência de Rainha da Sucata nas mulheres brasileiras. Ele me diz que essa é especialmente curiosa. Pergunto se o autor é brasileiro e, de um jeito todo Silvio de Abreu, ele acentua bem o dinamarquês e, brincando, observa: Viu como não sou pouca coisa? Na porta, enquanto esperamos o elevador, volta a comentar seu “jeito caótico” de falar e observo que seu jeito caótico é extremamente bem organizado e que nossa conversa tinha sido ótima. A segunda entrevista demorou um pouco, pois Silvio embarcou para a Grécia, com a diretora Denise Saraceni, para escolher locações para a nova novela que começava a estruturar. Combinou ligar assim que voltasse, o que aconteceu na metade de dezembro. Ao telefone, contou da viagem e de um recuerdo todo especial da Grécia, uma inflamação na garganta. Belíssima, a novela nova é uma das partes interessantes desse livro. Nada de adiantar tramas, o bacana foi que nossas entrevistas ocorreram durante o processo de criação da história, antes que ele sentasse para elaborar a sinopse, que é justamente a parte de seu trabalho de autor que ele diz mais gostar. Então, em várias páginas dá para acompanhar o processo de gestação de uma novela. O segundo encontro ocorreu numa terça-feira, 21 de dezembro, o dia seguinte ao seu aniversário. Mesmo ritmo, sem cronologia, com assuntos brotando (claro que havia um roteiro preparado, mas apenas um roteiro, não um guia fixo), o que se repetiu em nossos três encontros seguintes. Na última entrevista, conversamos sobre viagens e assim que cheguei em casa tocou o telefone: era ele que tinha lembrado de algumas andanças que não tinha me contado. E ficamos um tempão conversando. Esses complementos via telefone aconteceram algumas vezes. Silvio de Abreu é completamente apaixonado por tudo que faz. Sua disponibilidade e gentileza foram fatores fundamentais para a feitura desse livro. Uma das delícias do processo foi o empréstimo de seus primeiros álbuns, com recortes da fase inicial de sua carreira, que esclareceram dúvidas e me ajudaram bastante. Assim que acabaram as entrevistas, Silvio de Abreu embarcou para uma temporada de dois meses em Nova York e combinei que lhe enviaria o livro por e-mail, ainda enquanto ele estivesse lá. A estadia novaiorquina era para começar a escrever a nova novela. Antes de lhe enviar a primeira versão do livro, trocamos alguns e-mails, inclusive um para parabenizá-lo por Deus nos Acuda, que chegava ao fim no Vale a Pena Ver de Novo. Na primeira vez, não pude acompanhá-la muito e agora tinha virado vício. Ele agradeceu a audiência cativa. A primeira versão do livro só chegou às suas mãos bem perto do fim de sua temporada americana. Logo recebi um e-mail me pedindo paciência, que ele estava doido para ler, mas andava envolvido com a novela nova e não queria misturar as estações. Nem precisei ter tanta paciência assim e, em pouco mais de uma semana, ele me devolveu o livro com algumas modificações. Nada de cortes nem supressão de histórias; muito pelo contrário, ele acrescentou algumas que tinha esquecido de me contar. Voltei a trabalhar no livro e prometi enviá-lo novamente assim que a segunda versão ficasse pronta. Nada de modificações profundas, uma revisão mais apurada. Silvio já estava há mais de um mês de volta ao Brasil quando lhe telefonei para dizer que estava enviando a segunda versão. E não levou mais de uma semana para que recebesse a aprovação, e mais algumas histórias que ele acrescentou, sempre com o cuidado de manter a estrutura que pensei para contar a sua história. Então, aí está esse livro-depoimento de Silvio de Abreu, escrito com a supervisão do próprio, o que foi uma honra. Vilmar Ledesma Capítulo I A Hora do Trem Passar Sempre gostei de biografias, principalmente as contadas pelo cinema. Sonhos Dourados (The Jolson Story), Ama-me ou Esquece-me (Love Me or Leave Me), O Grande Caruso (The Great Caruso), Eu Chorarei Amanhã (I’ll Cry Tomorrow), O Homem das Mil Caras (Man of a Thousand Faces), Com Lágrimas na Voz (The Helen Morgan Story), Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me), Meu Coração Canta (With a Song in My Heart) e muitos e muitos outros, são filmes que revejo sempre com grande prazer. Em quase todos existe o momento ápice da emoção, quando o biografado acerta o alvo e daí para frente sua vida muda no inexorável rumo do sucesso. Os roteiristas usavam, com raras exceções, a mesma narrativa para mostrar esse episódio: um trem avança para primeiro plano da tela, corta-se rápido para as rodas, a fumaça, os trilhos e sobre as imagens vão se sobrepondo os nomes dos locais percorridos: Minnesota, Arkansas, Saint Louis, Utah, Baltimore, Chicago, etc... Até que, glória suprema, o trem aporta na Grand Central Station, em Nova York. Não quero ser injusto com os roteiristas e reconheço que havia variações para aviões, navios, ônibus, vans, carros, bicicletas ou qualquer outro veículo que se movesse; como também, ao invés dos nomes dos locais, apareciam sobrepostos os feitos do biografado, as lutas que venceu, os sucessos que emplacou, os livros que escreveu e, verdade seja dita, por mais clichê que isso seja, recursos que já usei muito em novelas. Até hoje adoro esse jeito de Hollywood de contar trajetórias de artistas que chegam ao sucesso, mas meu maior problema, durante grande parte de minha vida, foi que meu trem não chegava nunca. Trabalhando como ator, fazia personagens em peças de teatro, filmes e novelas sempre na esperança, e nada do comboio chegar. Durante os primeiros anos, tentei muitos caminhos: ator, assistente de direção, administrador e produtor executivo de teatro, assistente em televisão e qualquer outra atividade que pudesse me manter no meio artístico, mas o trem do meu sucesso parecia ter se perdido numa curva ou, então, despencado por um despenhadeiro. Vai se saber o que o destino nos reserva! Um dia, e acredito mesmo que sempre chega esse dia, comecei a escrever, depois a dirigir, e foi a hora do danado aparecer como se estivesse estado sempre ali, na virada da curva, esperando o momento certo. Fiquei muitos anos na plataforma da estação, mas, depois de ter escrito e dirigido o primeiro filme e no dia da estréia ser convidado para fazer mais três, finalmente consegui embarcar e o trem veio majestoso para o primeiro plano da tela, entraram os trilhos, a fumaça, as rodas e apareceram os cartazes sobrepostos dos filmes, imagens dos programas de televisão, trechos das novelas, os prêmios, o reconhecimento... Dez anos depois, já entrava pela porta da frente da Rede Globo, desfrutando honras e glórias pelo sucesso da novela que escrevia para o horário das sete. Não precisava mais esperar, infinitamente, em uma das duas poltronas da portaria, minhas velhas conhecidas. Era outubro de 1983. No ar há cinco meses, Guerra dos Sexos estava no auge e eu era o autor mais badalado da televisão brasileira, aquele que tinha revolucionado as novelas, tirado o ranço, injetado humor no gênero, quebrado tabus, conseguido um elenco magnífico, críticas esplêndidas e coisa e tal. Guerra dos Sexos era mania nacional, eu adorava escrevê-la, os atores adoravam representá-la e o público adorava assistir, o que podia ser melhor?... Porém, a vida continua e, em todo roteiro que se preze, algo tem que acontecer para agitar a monotonia. Um telefonema inesperado veio anunciar a chegada da tempestade e colocar em dúvida se eu havia embarcado no “trem” certo ou ia ter que descer na próxima estação. Era Paulo Autran me avisando que estava no Instituto do Coração e que de lá iria direto para o Hospital Beneficência Portuguesa colocar quatro pontes de safena: Não sei quando, nem se vou voltar... Infelizmente, você vai ter de me tirar da novela. Desliguei o telefone na sala do apartamento em que morávamos desde que havíamos nos casado e fui para a cozinha onde minha mulher, Maria Celia, ajudava nossa única filha, Juliana, então com sete anos, em seus deveres de escola. Como sempre faço quando tenho de arrumar alguma solução, fiquei andando de um lado para o outro, esbravejando todas as saídas que apareciam na minha cabeça e ouvindo a opinião sempre inteligente e ponderada de minha mulher. Nada me parecia, ao menos, aceitável. No clima de urgência que invadiu a pequena cozinha, minha filha aproveitou seus cadernos e escreveu algumas idéias que, infelizmente, também não me tiraram do desespero. Liguei para meu colaborador na época, Carlos Lombardi, ainda em início de carreira, dividimos o problema e nenhuma solução satisfatória apareceu... Tinha de encontrar uma saída para justificar a futura e irremediável ausência de Paulo Autran; além da sua importância, qualidade e carisma de ator, Bimbo, seu personagem, fazia enorme sucesso e era o esteio do principal conflito da novela. Paulo estava por volta dos 60 anos de idade, a operação era delicada, envolvia um grande risco de vida. Como amigo e colega, torcia para que tudo saísse bem e ele se recuperasse o mais breve possível, mas como autor, responsável por um produto que emprega centenas de pessoas e é o esteio da programação de uma emissora de televisão, tinha que arrumar uma solução satisfatória, principalmente para o público. Se eu o matasse na novela e ele morresse na vida real seria uma tragédia de horrível mau-gosto, tanto na realidade quanto na ficção. Afastei de imediato essa hipótese de mau agouro em todos os sentidos. Peguei o carro e saí para refletir. Rodava pelas ruas e viadutos de São Paulo atormentado por aqueles pensamentos negativos que insistem em surgir nas horas de crise: Nada vai dar mais certo, é sempre assim... Quando penso que consegui chegar a algum lugar, volta tudo para a estaca zero – aqui devo confessar que tenho certa tendência a exagerar quase tudo na vida. De repente, o sucesso, o prestígio, a aceitação da novela tinham ido para o ralo e eu estava de volta à Baixada do Glicério, na Zona Leste de São Paulo, onde nasci e passei toda minha infância de garoto pobre que, mesmo em uma multidão, se sentia solitário, deslocado, injustiçado, sem seu lugar no mundo. Não me lembro de ter tomado esse rumo, mas o carro me conduziu até lá, Rua Conde de Sarzedas, 415. O sobrado não existia mais, a pracinha tinha um grupo escolar em vez da igrejinha da minha infância e a venda do seu Antônio, onde eu comprava balas Futebol e Fruna para colecionar as figurinhas ou jogar “bafo” com os outros garotos da escola, já devia ter fechado há muitos anos. Era como num filme, lá estava eu de volta a Peyton Place. Parei o carro, desci, fiquei olhando as residências humildes, as calçadas sujas que desapareciam nas enchentes, as ruas esburacadas e então passou uma senhora que reconheci da minha infância. Era mais velha que eu, tinha sido a garota que todo moleque da rua queria estar perto; gêmea, com uma irmã tão bonita quanto ela; contavam proezas incríveis que as duas faziam com os garotos mais velhos no porão da casa delas. Coitada, como o tempo tinha sido mau para ela. Envelhecida, vincada, mal vestida, passou por mim carregando uma sacola com algumas verduras, laranjas, mamão, banana, devia estar voltando da feira na Rua Thomás de Lima. Não me olhou, fiquei observando-a enquanto subia a ladeira e, de repente, me veio à cabeça um pensamento tão claro, tão simples e ao mesmo tempo profundo e absolutamente definitivo: É bom parar de frescura e ter uma boa idéia, já, se não quiser viver como as pessoas que nunca conseguiram sair daqui. Uma coisa era mais do que certa, certíssima: já tinha embarcado no meu trem, saído daquela vizinhança e não estava com a menor vontade de voltar para lá. Foi como se tivesse tomado uma injeção na veia; no mesmo instante, imaginei uma flecha flamejante que entrava pela janela da casa de Charlô e Bimbo e ia se alojar no nariz do imenso retrato do tio sobre a lareira. Olívia, a fiel escudeira de Charlô, num grito de pavor, chamava a patroa e ambas descobriam, atônitas, que Bimbo havia sido seqüestrado; nenhuma outra informação, nada que pudesse dar uma pista, nada, absolutamente nada!... Daí para frente, Charlô teria que descobrir o paradeiro do primo, se não quisesse perder a aposta que fizeram sobre a superioridade de um sexo sobre o outro no motivo principal da novela. Tinha certeza clara e absoluta que esta maluquice me levaria a muitos e muitos desdobramentos úteis à trama. Nenhuma dúvida mais me incomodava. Comecei a dirigir de volta para casa imensamente feliz, rindo, me divertindo com as futuras cenas, os diálogos, as gags, os desdobramentos... Voltei a ligar para o Carlos Lombardi, que gostou da idéia, acrescentou outras, recolhemos os capítulos já entregues para a produção, reorganizamos, reescrevemos, inventamos, nos divertimos, morremos de trabalhar, a coisa andou e Guerra dos Sexos foi mais sucesso ainda do que era antes da crise. Nas entrevistas, eu dizia que, dali a 40 capítulos, Bimbo estaria de volta. Era um chute, não existia a menor garantia de que isso fosse acontecer. E Paulo Autran voltou dali a 41 capítulos, parecia mágica. O seqüestro inventado para explicar a ausência do personagem deu um novo gás para Guerra dos Sexos com os bilhetinhos e sabotagens que Bimbo aprontava, de longe, para confundir Charlô, e possibilitou a entrada de novos personagens, novas tramas, novas confusões, mais comédia. Foi tão criativo que agora, quando escrevi o roteiro para o filme baseado na novela, usei tudo, a improvisação funcionou, o desafio estimulou a imaginação e novas idéias brotaram. Essa crise serviu para acabar com meus medos e me convencer que existe sempre uma solução para tudo. Como dizia meu grande amigo Ademar Guerra: Pensar não dói! A receita é simples: controlar a ansiedade, afastar o medo e tocar para frente, sempre! Lembrei-me agora de um ensinamento que tem sido importante na minha vida. Tirei do biográfico Eu Chorarei Amanhã e, por ser um filme estrelado por Susan Hayward, costumo dizer que é a oração dela, mas na verdade é o lema dos Alcoólicos Anônimos; embora eu não seja um deles, tem me beneficiado muito: Que Deus me dê serenidade para aceitar o que não posso mudar, força para mudar o que posso e sabedoria para saber a diferença. Dessa vez, o meu trem chegara mesmo e eu, sentado confortavelmente no vagão da primeira classe, não sentia a menor vontade de desembarcar. Capítulo II Quando as Nuvens Passam Fui gerado em Catanduva, interior de São Paulo. Pai músico, mãe costureira, dois irmãos e, mais tarde, nossa irmã caçula. Éramos seis, como no livro de Maria José Dupré, de onde adaptei minha primeira novela. Minha infância foi pobre, mas nunca miserável. Mozart de Abreu, meu pai, tocava num conjunto musical que foi contratado para animar uma casa noturna de Catanduva. Na cidade, conheceu Anna Mestieri, minha mãe, que trabalhava como costureira. Enredo para filme da Metro dos anos 40, o romance com o músico de cabaré não foi nada bem recebido pela família da moça, mas eles, apaixonados, venceram as resistências, acabaram se casando e ainda estão juntos 65 anos depois. Meu irmão mais velho, Ubaldo, já falecido, nasceu em Catanduva. Quando minha mãe engravidou pela segunda vez, eles vieram para São Paulo e eu nasci na Casa de Saúde Dom Pedro II, na esquina da Rua da Mooca, em 20 de dezembro de 1942. Antônio Carlos e Ana Maria, meus outros irmãos, também são paulistanos. Meu pai, a princípio, era pianista. Depois, influenciado por Glenn Miller, aprendeu trombone de vara; porém, com o avançar da idade, sem firmeza suficiente na boca para o sopro, voltou ao instrumento antigo. Como pianista, foi trabalhar no Circo do Piolim, na Praça Marechal Deodoro, onde nos levava todos os domingos. A primeira parte do espetáculo com trapezistas, equilibristas, mágicos e domadores me agradava bastante, mas o que me divertia de verdade era o esquete cômico de mais ou menos meia hora, quando Piolim, sempre caracterizado de palhaço, contracenava com outros atores. Depois do cinema, aquela representação singela e divertida era o que estava mais perto do que poderia chamar, na época, de divertimento. Foi no circo que comecei a gostar de comédia, de correria, de tropeção, de torta na cara; bem antes de descobrir a revista com aquelas deslumbrantes vedetes de coxas de fora, o teatro de comédia do Nino Nello e as peças de Dercy Gonçalves que, de certa forma, estavam sempre muito próximas da liberdade de encenação e improviso das patuscadas armadas pelo grande palhaço que foi Piolim. A dramaturgia nasceu na Grécia, nas festas encenadas em louvor ao deus Dionísio em uma celebração de fé e alegria. A nossa começou na burleta, nas comédias, encenadas nas praças, nos circos, sempre com o intuito de se comunicar com o povo, de ser para o povo, de divertir o povo. Cada vez mais, só consigo entender minha profissão com este intuito. Inegavelmente tenho um lado fortemente popular que cultivo sem nenhum pudor e com enorme prazer, apesar de lamentar que, hoje em dia, infelizmente, a vulgaridade esteja cada vez mais perto deste segmento. Tinha cinco anos quando fui ao cinema pela primeira vez. Meu pai e minha mãe me levaram ao Cine Metro, na Avenida São João, centro de São Paulo, para assistir a Quando as Nuvens Passam (Till The Clouds Roll By). Fiz as contas depois: o filme é de 1947, deve ter passado aqui no ano seguinte, e como faço aniversário em dezembro, devia ter cinco anos. Tenho a imagem nítida até hoje, na minha memória, de um templo todo atapetado de vermelho, com cortinas da mesma cor, sofás e estofadas poltronas de couro na sala de espera e, sobre a bonbonnière, o famoso emblema dourado, Ars Gratia Artis, formado pelo rolo de celulóide com Leo, o leão, no centro. Chegamos com o filme pelo meio e, enquanto o lanterninha não aparecia para nos levar até nossos assentos, ficamos esperando em pé, no fundo da sala escura. Primeiro foi o impacto daquela tela imensa, brilhante, colorida, onde uma garota linda de cabelos claros atados à nuca, vestindo um avental imaculadamente limpo, sob luz intensa e brilhante, cantava uma envolvente melodia enquanto lavava enorme pilha de pratos. Era a primeira vez que via uma imagem tão apaixonante e que me emocionasse com tanta força. Jamais perdi essa impressão e hoje, muitos e muitos anos depois, ainda não descobri nada que me encante tanto quanto o cinema. Evidentemente, aos cinco anos, não tinha a menor idéia que a moça era Judy Garland, que naquela cena interpretava Marilyn Miller, uma grande estrela do Ziegfeld Follies, e cantava Look for the Silver Lining, música de Jerome Kern, que era biografado naquele filme. Quando as Nuvens Passam é recheado de números musicais e o prazer que me proporcionou ficou em mim para sempre. A partir daquele dia, e muitos e muitos filmes depois, só um pensamento me perseguia: queria entrar naquela tela, ser uma daquelas pessoas, ter uma vida cheia de emoções, cantar, dançar, esgrimar, cavalgar ao crepúsculo, viajar o mundo de navio, ir a hotéis maravilhosos, a praias deslumbrantes, lutar, vencer, casar com a mocinha do filme e ser feliz para sempre. Minha paixão por musicais só cresceu, até porque inaugurou na Rua do Glicério, a dois quarteirões da minha casa, um cinema do circuito Metro. Nessa época, o estúdio mais importante de Hollywood produzia muitos filmes do gênero e todos passavam no Cine Itapura. Além de ser o único cinema em que eu podia ir sozinho, minha tia Carmem namorou o gerente durante um tempo, depois descobri que a bilheteira era filha de uma amiga dos meus pais e, então, nunca paguei ingresso e podia ficar quanto tempo quisesse. Via os filmes inúmeras vezes em muitas e muitas sessões corridas, como se dizia naquela época. Foi quando comecei a aprender a língua inglesa – primeiro assistia e lia as legendas, depois só ouvia as palavras e fazia a analogia. Dependendo do filme, acompanhava a trilha musical nos programas de rádio, tirava a letra de ouvido e corria ao dicionário para saber palavra por palavra o que diziam. Tudo isso pode até explicar minha paixão por musicais, mas a verdade é que os filmes americanos produzidos naquela época, principalmente pela Metro, eram realmente espetaculares. A idéia da felicidade colorida dos musicais, onde se canta e dança em cenários impecáveis, por ruas limpas e bem iluminadas, habitadas por pessoas bonitas, sempre bem vestidas e elegantes, preencheu toda a minha infância. O problema era que a realidade à minha volta pouco tinha de felicidade, nada de fantasia e muito menos de elegância. Descobri depois que vivia em um cenário de filme B, preto-e-branco, da Warner Brothers e, mais tarde ainda, em algum lugar sujo de Roma ou Nápoles e isto para mim, naquela época, não tinha o menor encanto. A ladeira de casas pobres e sobrados antigos onde morávamos era muito íngreme e os carros, vindos da Praça João Mendes, desciam a toda velocidade, provocando muitos acidentes. Por legítima preocupação de nossos pais, meus irmãos, eu e meus primos éramos proibidos de brincar na rua; o problema, porém, piorava porque, dentro de casa, também não se podia fazer nada para não atrapalhar a vida dos adultos. Como não suportava aquela situação, vivia fugindo e por isso era considerado muito rebelde. Um dia, brincava atrás de um caminhão estacionado a poucos metros da minha casa, atravessei a rua sem olhar e fui atropelado por um Chevrolet preto, que muitos anos depois virou o carro do serial killer de A Próxima Vítima. Caí no chão, raspei a cara, só um susto; a conseqüência pior foi que a proibição ficou ainda mais rigorosa. No sobrado de dois quartos, sala, banheiro, cozinha e quintal pequeno, moravam meus pais, os três filhos (minha irmã ainda não havia nascido), um tio solteiro, uma tia casada, com marido e mais dois filhos, meu avô e minha avó, além dos parentes e amigos do interior que apareciam e se aboletavam por lá. Não posso dizer que era um cortiço, embora o clima fosse esse, mas era daquelas moradias com muita gente, sem espaço para ninguém, mais perto de um filme de Ettore Scola do que de Vittorio De Sica. A sala vivia coberta pelas partituras que meu avô, Ubaldo de Abreu, músico e maestro de banda, copiava a pena e tinteiro e deixava secar, espalhando-as pelas mesas e cadeiras, exatamente como Celinho, personagem de Ary Fontoura em Jogo da Vida, fazia na novela. Privacidade era algo que não existia nem no quarto improvisado na sala, atrás de uma estante e uma cortina, que dividia com meus irmãos e muitas vezes também com os primos. Como não se podia sair nem ficar em lugar algum sem incomodar alguém, arrumei meu canto em um dos arcos debaixo da escada do quintal, perto do tanque. Foi lá que comecei a dar vazão à minha fantasia. Em uma caixa de sapatos, abri um quadrado igual a uma tela de cinema; recortei as tiras de figuras dos gibis, prendi cada extremidade em um dos dois carretéis de linha vazios que peguei na caixa de costuras da minha mãe, fiz uma alavanquinha de arame, coloquei um carretel em cima e outro embaixo da tela que havia cortado na caixa, acendi uma vela atrás e pronto, já tinha o meu cinema. As histórias vinham do meu outro interesse cultural da época, os gibis. Adorava Super-Homem, Tocha Humana, Príncipe Submarino, Homem de Borracha, Cavaleiro Negro, Batman, Fantasma, Mandrake, Príncipe Ibis e, principalmente, o Capitão Marvel. Misturava todos eles, quando não gostava do fim de uma história, enxertava parte de outra, substituía as figuras. O curioso é que nunca havia aprendido que isso poderia ser feito, nunca ninguém me ensinou, acho que inventei. Mais curioso ainda é que já li muitas e muitas biografias e entrevistas de diretores de cinema, dos mais diferentes países e das culturas mais diversas, que fizeram exatamente o mesmo sem também terem aprendido com ninguém, deixando apenas a sua imaginação funcionar. Mais ou menos um ano depois de me extasiar com o musical americano, descobri o que seria outra paixão por toda a vida. Em uma segunda-feira de fevereiro de 1949, no Cine Art-Palácio, também na Avenida São João, assisti a Carnaval no Fogo, falado em português, mais engraçado que os musicais americanos, alegre, feliz, malicioso, com dança, canto, brigas, confusões, muita música de carnaval que eu já escutava no rádio e um monte de mulheres de maiô. O fato das chanchadas não serem coloridas nunca me incomodou, a alegria que passavam ao espectador supria qualquer possível desvantagem. Oscarito, Grande Otelo, Eliana, Anselmo Duarte, José Lewgoy, Adelaide Chiozzo, Catalano, Ivon Curi, Fada Santoro, Cyll Farney, Cuquita Carballo, Heloísa Helena e todo o elenco da Atlântida, além dos cantores e cantoras que apareciam nos filmes, passaram a ser os meus ídolos. Essa turma falava a minha língua, mas vivia em um lugar mais distante e encantado, o Rio de Janeiro. Então, conhecer a cidade maravilhosa onde todos cantavam, dançavam e se amavam pelas calçadas de Copacabana em lindos dias de sol, passou também a ser uma das minhas importantes metas de vida. Sabia que muitos desses artistas se apresentavam na Rádio Nacional, mas o maldito rádio lá de casa não pegava a emissora carioca. Tinha o Programa César de Alencar, Manoel Barcelos, César Ladeira, Renato Murce, as novelas com Ísis de Oliveira e Paulo Gracindo. Acompanhava tudo pela Revista do Rádio, mas só conseguia ouvir nas férias, quando íamos para Catanduva onde, sei lá por que mistério da radiofonia cabocla, se escutava a mais famosa rádio do Brasil. Na pacata cidade do interior, a molecada ia brincar na rua empinando papagaio ou correndo em carrinhos de rolimã e eu ficava ao lado do rádio, escutando tudo isso, mais o Balança Mas Não Cai e as Piadas do Manduca. É claro que às sete horas corria para o Cine República ou para o Cine Bandeirantes que passavam um filme diferente todo dia. Antes de entrar, tomava um leite batido na Sorveteria do Pelizon, comprava um punhado de balas Chita e embarcava na minha fantasia predileta. Em 1981, na novela Jogo da Vida, também coloquei o personagem de Ary Fontoura falando muito sobre Catanduva e no jornal de lá saíram matérias questionando: O que será que Ary Fontoura tem tanto a ver com nossa cidade? Levaram um tempo para descobrir que era o autor que tinha: passava as férias na cidade, onde morava a querida família de minha mãe. Em Catanduva, não fazia meu cineminha de caixa de sapato, montava espetáculos. Até então nunca tinha ido ao teatro e minhas referências eram circo e cinema. Num tablado improvisado no quintal, erguia um arco e alguma criança pulava através dele e fazia uma especialidade. Uns cantavam, outros recitavam, faziam mágica, liam alguma coisa e eu inventava o que deveria ser feito, dirigia e cobrava entrada da criançada que ia assistir. Pensando bem, só o fato de nunca ter sido tentado a me apresentar em cena já deveria ter me alertado que eu seria muito mais talhado para ficar nos bastidores do que me expor nos palcos ou em frente às câmeras, mas isso só fui descobrir muito depois. Sempre ficávamos três meses por ano em Catanduva, hospedados por vô Felipe e vó Maria, italianos de nascimento e coração, pais de minha mãe. A casa deles, na Rua Belo Horizonte, não era grande e lá também moravam outros parentes: meu tio José, o Zé Bolacha, chofer de caminhão, e sua mulher, Leontina – que foram personagens em A Próxima Vítima –; minhas tias solteiras, Carmem e Luiza –; que foram os personagens Clotilde e Olga em Éramos Seis –, e, nas férias, a nossa família, que invadia todos os anos aquele espaço sem a menor cerimônia. Muito diferentes da família de meu pai em São Paulo, lá ninguém brigava, não gritavam e eram extremamente amorosos. Quase sempre, minha avó preparava o macarrão sobre a imensa mesa de madeira da cozinha e todos se desdobravam em atenção e gentilezas, para que as nossas férias fossem as mais agradáveis possíveis. Durante toda minha infância achava deliciosos os três meses que passávamos lá; depois, na adolescência, os primeiros 30 dias eram tranqüilos até começar a ficar agoniado, louco para voltar. Sentia falta da agitação, do trânsito, das ruas, do barulho, das pessoas, da confusão, do meu caos. Capítulo III Cheirando a Pecado Para ver o elenco da Atlântida, fui ao teatro pela primeira vez. Tinha 12 anos e essa experiência ficou bem gravada na minha cabeça, assim como a primeira ida ao cinema. A peça se chamava Constelação e trazia a turma das chanchadas, ao vivo, em carne e osso, pela primeira vez a São Paulo. Havia em tudo isso uma emoção extra: era Teatro de Revistas, que para mim sempre foi algo proibido, cheirando a pecado. Assistir a um espetáculo desses também era uma das minhas metas de vida, ainda mais no Teatro Santana que, na minha cabeça, era quase um templo de sacanagem. Se bem que revistas eram feitas até em circos e, voltando um pouco atrás, houve um dia em que Elvira Pagã foi a grande atração do Circo Piolim, mas não houve jeito de meu pai me levar para vê-la. Explicando melhor: nos anos 50, os nomes de Elvira Pagã e Luz Del Fuego aumentavam a libido da população masculina e soavam como palavrão ao ouvido das famílias. Uma aparecia pelada e a outra, além de pelada, enrolada numa cobra. Eram duas mulheres enormes, coxudas, libidinosas, sempre em posições eróticas nos anúncios dos jornais, cobertas apenas por uma tarja preta onde se lia: Rigorosamente Proibido para Menores de 18 Anos; que menor de idade não iria querer ver? Além delas, outras vedetes também faziam espetáculos em outros templos da perdição: Virginia Lane, Mara Rúbia, Nélia Paula, Angelita Martinez, Dorinha Duval, Renata Fronzi, Eloina – eu conhecia todas pela revista Ronda da Noite, uma pré-Playboy de segunda classe, que colecionava escondido junto com Cinelândia e Filmelândia, minhas revistas prediletas. Um dia, admirava em alguma dessas duas revistas a foto de Virginia Lane, em frente a uma rede de pesca, com apenas dois peixinhos minúsculos nos bicos dos seios e outro, não muito maior, na parte inferior. Nem era uma foto grande como as que saíam na Ronda da Noite, era pequena, discreta, mas deixou o filho caçula e predileto dos meus avós muito escandalizado. Aqui é preciso explicar que, pela falta de autoridade de meu pai diante da família dele, por causa da posição inferiorizada que meu avô sempre o colocava, todos se sentiam no direito de intervir na nossa educação. E havia um grave motivo para este procedimento do meu avô, que posava de patriarca de moral ilibada dentro da família, mas mantinha uma amante e um filho em outra casa que visitava freqüentemente. Meu pai, o filho mais velho, sempre se rebelou contra essa situação e a forma que meu avô encontrou para manter as coisas do jeito que lhe convinha, e ainda preservar a sua dignidade aparente, foi neutralizando meu pai, roendo a sua confiança e auto-estima. Não é difícil entender por que o falso moralismo e a hipocrisia eram partes integrantes da nossa família e depois dessa revelação já não preciso mais explicar porque acabei escrevendo novelas; a verdade é que passei toda a minha infância e parte da adolescência dentro de um enredo de novela das oito. Voltando à história das revistas, aquele tio insuportavelmente mimado e mais fascista ainda do que meu avô, usando de uma autoridade que não tinha, sem falar com meus genitores ou discutir o problema, resolveu vasculhar embaixo de minha cama e achou a caixa de papelão onde estava escondido meu tesouro erótico-cultural. Quando voltei da escola, uma enorme fogueira ardia no quintal, transformando toda a minha preciosa coleção de revistas em cinzas. Ninguém brigou, protestou ou, ao menos, conversou comigo sobre o assunto, nenhuma explicação me foi dada, só ouvi a sentença. Era um absurdo que um menino se interessasse unicamente por cinema, histórias em quadrinhos e revistas de mulheres peladas. A inquisição decidiu rápida e rasteira: dali para frente eu só poderia ler livros e estava proibido de ir ao cinema. Não posso dizer que eles estivessem errados no objetivo, mas a forma de tratar o problema foi desastrosa e de péssimas conseqüências para mim. Com relação às idas ao cinema, não me preocupei, já sabia muito bem como fugir, cabular as aulas e me enfiar em alguma platéia para assistir a um filme, mas passei a fugir dos livros mais do que o diabo da cruz. Humilhado, revoltado e teimoso feito uma porta, como minha avó dizia, nunca mais peguei em um livro e demorou alguns anos até que descobrisse o prazer pela leitura. Quando criança, nunca li Monteiro Lobato, os contos de Grimm, as fábulas de Esopo ou Charles Dickens; só fui conhecer tudo isso muito tempo depois, na adolescência. Mesmo que às vezes me desse vontade de ler uma ou outra história, não o fazia, não iria dar o braço a torcer pra aquele estrupício autoritário e metido do meu tio. Hoje tenho grande prazer na leitura, gosto de livros, possuo uma vasta e variada biblioteca e, junto aos importantes autores, muito bem encadernadinhas, preservo as coleções completas de Cinelândia, presenteada por um grande amigo, Elói de Araújo, e Filmelândia, que comprei num sebo. As duas revistas têm sido muito úteis à minha profissão; infelizmente, nunca mais ouvi falar da Ronda da Noite. Só aos 16 anos, munido de uma carteira de estudantes devidamente falsificada por água sanitária, consegui assistir a um verdadeiro espetáculo de revista. Era O Diabo Que a Carregue Lá Pra Casa, no Teatro Paramount, estrelado por Íris Bruzzi, mulher do mítico produtor Walter Pinto, que dava ali o seu canto de cisne. Esse gênero de teatro engloba tudo o que me agrada: música, dança, luxo, piadas, malícia, esquetes e lindas mulheres com pouca roupa. Não foi à toa que, muitos e muitos anos depois, escrevi para Cláudia Raia três shows do gênero, com os quais fizemos muito sucesso pelo Brasil e que resultaram também em uma série de programas semanais na Rede Globo. Constelação, com o elenco da Atlântida, também era assim na estrutura, mas muito diferente no conteúdo mais ingênuo, mais família, censura livre. Tinha os esquetes, os números musicais, Adelaide Chiozzo tocando seu acordeon, Eliana e Cyll fazendo comédia e terminava na apoteose com Eliana, de fraque, cartola e pernas de fora, exatamente como já tinha aparecido em Carnaval Atlântida, cantando: Havia uma garota muito boa/ Com pinta de empregada que queria ser patroa/ E o seu sonho quase se realizou, ô, ô, ô/ Ela deu sopa e o patrão não bobeou... E, aos 12 anos, eu tinha certeza plena, total e absoluta, que não era possível haver nada melhor no mundo do que o que estava tendo o privilégio supremo de assistir naquele momento. Capítulo IV Meu Super-Herói Na minha família, a aposta era no meu irmão mais velho, Ubaldo, o filho mais bonito, talentoso, melhor aluno, que tocava piano e era aplicado na escola. Eu era o segundo, o mau aluno, o que não lia, não estudava, que só queria saber de história em quadrinhos e de ir ao cinema. Era rebelde, desobediente, revoltado, solitário, aquele que só dá problemas e que não tinha a menor possibilidade de dar certo na vida. Eu me sentia o ovelha negra, destinado ao fracasso eterno. Meu super-herói preferido, como já disse, era o Capitão Marvel. Fiquei fascinado desde a primeira vez que li sua história, quando Billy Batson, perdido em Nova York, entra numa estação de subway abandonada e encontra o mago Shazam que lhe dará superpoderes todas as vezes que o anagrama que forma seu nome for pronunciado. Mais do que gostar do Capitão Marvel, eu precisava ser o Capitão Marvel. Nenhum outro super-herói me empolgava tanto. Há alguns anos, refleti sobre isso na terapia: os outros super-heróis sempre foram dotados de superpoderes, são homens fortes que se disfarçam de fracos. O Super-Homem veio de outro planeta e nasceu com sua visão de raio X, seu poder de voar, seu corpo de aço e coloca óculos para enganar que é Clark Kent; Batman é um milionário aventureiro que veste uma roupa de morcego sempre que precisa defender Gotham City; o Fantasma, o Cavaleiro Negro, o Homem-Aranha, todos que se escondem atrás de uma identidade secreta, são super-heróis disfarçados de gente comum para não serem descobertos por seus inimigos e poderem viver em paz no anonimato na sociedade. Billy Batson não: é apenas um garoto, sem força alguma, que grita: “Shazam!” e vira outra pessoa, o poderoso Capitão Marvel. E tudo que eu queria na minha infância e adolescência era, urgentemente, virar outra pessoa, e se fosse um super-herói invencível, melhor ainda. Não tinha no universo a meu redor nada com que me identificar. Só dentro do cinema é que eu conseguia ser, por duas horas, Gene Kelly dançando com Leslie Caron às margens do Rio Sena em Paris; Fred Astaire cantando para Cyd Charisse no Hotel Plaza de Nova York; Stewart Granger esgrimando com James Mason num castelo do sul da França; Howard Kell namorando Kathryn Grayson pelo Rio Mississipi. Precisava urgentemente me transformar em outra pessoa, entrar naquela tela mágica e ficar lá dentro para sempre. Woody Allen, em algum momento de sua vida, deve ter sentido o mesmo; A Rosa Púrpura do Cairo é exatamente a materialização de tudo o que se passava na minha cabeça naquela época. Porém, mesmo já tendo montado os espetáculos no quintal da casa de minha avó em Catanduva, não tinha a menor idéia de que alguém escrevesse o que os atores falavam na tela, nem que alguém dirigisse, outros coordenassem e que muitas funções diferenciadas eram necessárias para a realização de um filme. Só sabia que queria ser ator para entrar naquela tela e viver todas aquelas aventuras. Ser ator é ter muitas vidas, se transformar, ser outro. Mesmo sem raciocinar assim na época, acreditava piamente que esta seria a única maneira de gritar Shazam e deixar de ser aquele menino reprimido e infeliz. Capítulo V Só Se For pra Ser Lanterninha Nunca quis trabalhar em nenhum outro ambiente além do artístico, nem me imaginei exercendo alguma profissão fora deste meio. Naquela época, para mim, todo mundo queria ser ator e só quem não conseguia ia ser médico, advogado, engenheiro, dentista, deputado, presidente da República ou qualquer outra atividade chata dessas. Nada além daquele ambiente de sonhos e fantasias me interessava ou minimamente chamava a minha atenção. Minha necessidade nesse campo era tão intensa que tenho plena certeza que, se não tivesse o cinema, teria me viciado em alguma droga que me proporcionasse o sonho. Ou seja, tinha claramente, desde muito cedo, uma grande inclinação artística que deveria ser canalizada para algum lugar. Porém ninguém levava isso a sério. Curioso, porque era uma família de músicos, instrumentistas, maestro de banda, meu avô havia feito música para teatro de revistas no interior, meu pai durante muito tempo tocou no circo, mas por algum motivo que jamais descobri, nunca incentivaram ou tomaram conhecimento de nenhuma vocação artística que brotasse na família. Minhas tias, Ilse e Tereza, irmãs de meu pai, sonhavam em ser cantoras de rádio. Cantavam muito bem, belas vozes, afinadíssimas quando imitavam as Andrew Sisters em seus boogie-woogies, mas a repressão e o preconceito de que moças de família se casavam e não iam ser artistas acabou com a possível carreira das duas, que tiveram de se contentar em fazer seus solos no coro da Igreja Nossa Senhora da Paz. No meu caso, toda vez que o assunto vinha à baila e eu dizia que queria trabalhar no cinema, vinha a zombaria: só se for para ser lanterninha e riam, debochando, sem levar em conta o quanto aquilo me humilhava e afligia. Estudava no Colégio Paulistano, onde hoje é a FMU, na Rua Taguá. Na Avenida da Liberdade, logo na esquina de cima, tinha o Cine Liberdade, depois o Jóia, mais perto da Praça João Mendes e na Praça da Sé, um pouco mais adiante, o Santa Helena e o Cine Mundi que, junto com o Dom Pedro II e o Cairo, no Anhangabaú, começavam as sessões às 9 horas, o que era ótimo para quando eu estudava no período da manhã e queria cabular as aulas. Eram esses os meus templos. No final de 1954, fui pegar minhas notas no colégio, no mesmo dia que estreava Sinfonia Carioca, de Watson Macedo, com Eliana e Anselmo Duarte, meu casal preferido das chanchadas, justo no Cine Liberdade, pertinho do colégio. Algo me dizia que eu não iria passar naquele ano e que era melhor ver esse filme antes, porque meu pai iria brigar, me colocar de castigo um tempão longe do cinema, eu ia entrar de férias, seria difícil sair de casa e nessa confusão toda podia perder o filme e isso não ia arriscar de jeito nenhum. Saí do cinema feliz, de alma lavada, com a sensação de que tinha visto uma absoluta obra-prima, fui pegar as notas e, é claro, tinha levado pau. Antes de dar a má notícia em casa, resolvi ver o filme de novo, menti que as notas tinham ficado para outro dia em conseqüência de algum problema que inventei e passei o fim de semana nas sessões corridas do Art-Palácio e do Ipiranga, assistindo a Sinfonia Carioca muitas vezes. Na segunda-feira, entreguei o cartão azul de reprovado para meu pai. Briga, discussão, castigo, surra, mas já tinha visto o filme e não estava ligando muito mais para aquele escândalo todo. Na volta às aulas, Sinfonia Carioca continuava em cartaz e, em vez de ir ao colégio, o revi inúmeras vezes. Acho que foi o filme a que mais assisti na vida e gostaria de ter uma cópia sua na minha coleção de DVD’s. Infelizmente não tenho sido feliz neste meu intento, falei várias vezes com Eliana, Anselmo Duarte, Oswaldo Massaini, Anibal Massaini, fui até o Rio de Janeiro atrás do irmão de Watson Macedo que detém os direitos sobre seus filmes, e nada!... Procurei os dirigentes do Canal Brasil propondo a campanha “Adote um Filme”, na qual uma pessoa interessada em alguma película pagaria os custos da recuperação e receberia o DVD com sua fita predileta, que passaria a fazer parte do acervo do canal ou da Cinemateca. Infelizmente, não obtive nenhum sucesso e tenho a impressão que os negativos deste importante documento da era de ouro do cinema musical brasileiro já devem ter se deteriorado no chão de algum depósito, se já não foram para a lata de lixo. Capítulo VI O Mistério do Castelo Nunca me passou pela cabeça que seria um escritor, mas o ato da escrita até que me interessou, logicamente, através do cinema. Fiquei fascinado por Gregory Peck em O Ídolo de Cristal (Beloved Infidel), onde vivia o escritor F. Scott Fitzgerald e escrevia no alto de um penhasco na praia de Malibu, tendo o Oceano Pacífico a seus pés. Antes já havia me interessado em ser Cornel Wilde em À Noite Sonhamos (A Song to Remember), que na pele de Frédéric Chopin registrava suas valsas e sonetos com uma pena de ganso. Como já contei, meu avô copiava músicas e, aproveitando essa habilidade, abriu o que eles chamavam de musicografia, uma firma que vendia cópias de orquestrações feitas por ele para bandas do interior e também encaminhavam instrumentos musicais para reforma. Como o serviço era muito, a maneira de economizar era colocar toda a garotada para copiar aquelas partituras. Apesar de detestar fazer aquilo, porque não entendia nada do que estava copiando, gostava da cena que montava na minha cabeça como se fosse Chopin no filme. Trabalhava com uma caneta de pena, de madeira talhada com uma lira musical na ponta, só faltava Merle Oberon vir me convidar para passeios pela Ilha de Majorca. Com o tempo, passei a escrever histórias, sem a menor idéia de que, futuramente, faria disso uma profissão. Além de cinema e histórias em quadrinhos, também gostava de escutar novelas de rádio e programas de radioteatro com Lia de Aguiar, César Monteclaro, Enio Rocha, Lenita Helena, Waldemar Ciglione, Laura Cardoso, Lima Duarte e muitos outros. Virei fã da Rádio Tupi, do programa Manoel Durães na Rádio Record e das novelas da Rádio São Paulo. Assim, as primeiras histórias que escrevi, no meu período Fitzgerald misturado com Chopin, foram dramalhões bem influenciados pelas novelas que escutava. Prontas as duas únicas obras, coloquei em ambas uma bonita capa, como se fossem preciosos livros e parti para minha obra mais ambiciosa: O Mistério do Castelo, mas desta vez abandonaria o estilo Cornel Wilde e seria igual ao Dick Powell de Assim Estava Escrito (The Bad and The Beautiful), filme que, aliás, inaugurou o Cine Itapura. A firma do meu avô progredira e já tinha máquina de escrever. Quando deixavam, ficava datilografando com dois dedos. Ia escrevendo, desenvolvendo uma intrincada história de mistério, tão complicada que não tinha a menor idéia de como poderia terminá-la, método, aliás, que uso até hoje nas novelas. Não me lembro direito do enredo, mas sei que obviamente tinha um castelo, passagens secretas, segredos terríveis, vilões asquerosos e o mocinho e a mocinha que terminariam felizes para sempre. Ao acabar minha primeira obra de fôlego, comentei com minha família, mas como já haviam reagido com relação às outras duas histórias, ninguém se interessou em ler, comentar, incentivar, nada. Riram mais uma vez da pretensão daquele menino que queria ser artista: Nunca leu nem um livro, agora quer escrever? Devia ter uns 13 ou 14 anos e nunca mais me animei em passar nenhuma idéia para o papel. Hoje parece tão fácil entender que tudo o que eu precisava era atenção e incentivo, mas ninguém tinha a menor noção de psicologia na minha família. Guardei aquelas histórias durante um bom tempo e me desfiz delas muitos anos depois, quando comecei a fazer terapia e resolvi acabar com as coisas que me irritavam. Já estava para casar na época e Maria Celia foi testemunha da fogueira que ardeu no terreno baldio da Rua Avanhandava, atrás da sua casa, quando resolvi queimar tudo o que havia escrito e desenhado, acabar com minhas frustrações e partir para uma nova vida. Capítulo VII O Bamba do Regimento Com 14 anos, comecei a trabalhar para ter meu dinheiro e um pouco mais de liberdade. Meu primeiro emprego foi de office-boy na Karvas Publicidade. Fiquei animado porque era a empresa que trazia o Holiday on Ice para o Brasil, mas ninguém me convidou para patinar no gelo e acabei achando muito chato ficar entregando pacotes pela cidade. Então meu tio Renato Romano arrumou uma colocação para mim na Eletrolux, loja de discos da Rua São Bento, que era de um amigo seu, Cosmo Sabatini. Sem ter nenhuma experiência de vendas, aceitei trabalhar de graça por um período, para aprender o serviço. Seis meses depois já tinha ordenado fixo e era gerente. Um ano mais tarde, Cosmo e seu sócio, Alfredo, mudaram para um endereço mais nobre, na Praça Ramos de Azevedo, ao lado do Teatro Municipal, na loja dos Televisores Columbia. Trabalhei com eles mais ou menos uns dois anos, quando saí para tomar conta da seção de discos da Musicografia Ubaldo de Abreu, que havia progredido e alugado um grande espaço na Rua Rego Freitas, esquina com a Bento Freitas. Organizei o departamento ajudado por meu escudeiro e grande companheiro até hoje, meu irmão mais novo, Antônio Carlos. A parte da venda de discos sustentou a loja por um ou dois anos, mas infelizmente, como tudo naquela família, tios, primos e pai se desentenderam e a loja acabou falindo. Saí antes do desastre total para servir o exército, até hoje ainda não recebi o que ficaram me devendo, mas aprendi que trabalhar com família não é um bom negócio. Mesmo me relacionando com outras pessoas por força do tipo de trabalho que exercia nas lojas, continuava um adolescente tímido, sem amigos. No horário do expediente, me dava muito bem com os fregueses, o pessoal que vinha fazer hora e escutar música, os que entravam só para pedir informações, os vendedores das gravadoras, os empresários dos artistas e até os cantores e cantoras que iam pedir uma forcinha para o lançamento que acabavam de fazer. Mas quando findava o expediente ou no fim de semana, continuava sozinho. Tinha dificuldade em me relacionar com as garotas e raramente passava de um primeiro encontro. Até então nunca tinha tido uma turma que ficasse bebendo chope e jogando conversa fora, como faz a maioria das pessoas, principalmente os jovens. Meu refúgio continuava sendo o cinema, e a vontade de gritar Shazam e me transformar em outra pessoa só crescia. Foi no Exército que as coisas começaram a mudar. Mais uma vez, vai se saber o que a vida nos reserva! Como todo garoto daquela época, meu desejo era ser dispensado do serviço militar obrigatório, mesmo porque nunca gostei de filme de guerra, detestava a idéia de entrar num lugar onde teria que obedecer do cabo ao general e a idéia mais simpática que eu tinha da vida no quartel era a de Jerry Lewis em O Bamba do Regimento (The Sad Sack). Achava muito melhor se pudesse entrar para a Marinha. Afinal de contas, Gene Kelly e Frank Sinatra já tinham namorado Kathryn Grayson em Marujos do Amor (Anchors Aweigh) e também já tinham passado Um Dia em Nova York (On the Town), e Jane Powell, Debbie Reynolds e Ann Miller se apaixonaram por três marinheiros em Marujos e Sereias (Hit The Deck); mas não foi possível. Obrigado a entrar nas fileiras do Exército brasileiro, tive que interromper um curso de desenho publicitário do qual estava gostando. O serviço militar em si, para mim, foi absolutamente inútil. Marchar, usar revólver, espingarda, metralhadora ou carregar um canhão não têm tido nenhuma utilidade prática na minha vida. Amar a pátria e a bandeira, os próprios militares se encarregaram de me proibir assim que tomaram o poder em 1964. Deixando fatos mais sérios de lado e voltando ao trivial, o pior de tudo eram os obrigatórios exercícios, um pesadelo para quem nunca gostou de esportes e fugia de todas as aulas de educação física do colégio. Hoje freqüento uma academia de ginástica três vezes por semana (duas quando estou escrevendo novela) e faço uma hora de musculação e outra de esteira. Andava com muito problema de colesterol, por ficar sentado escrevendo o dia inteiro por semanas e meses, e minha filha me convenceu a entrar para uma academia. Faz uns três anos que aderi e tenho me dado bem, mas estaria mentindo se dissesse que gosto. Já detestei; hoje, levanto cedo, vou para a academia, faço o que tenho de fazer, volto pra casa e acabou. É verdade que preciso de personal trainer que substitua o sargento, mas, se quiser parar, ninguém vai me colocar na cadeia. No meu tempo de soldado, as coisas eram um pouco mais complicadas. Acordava às quatro da manhã, pegava um trem na Estação Júlio Prestes e às seis e meia estava no quartel, em Quitaúna. Servia na Companhia CCS dentro do IV Regimento de Infantaria. Primeiro fazíamos ordem unida, corridas, exercícios de ataque e defesa, subidas em corda, caminhada na lama, rastejamento, tiro ao alvo: nada que me interessasse. Sempre fui um bom ouvinte e acho que tenho cara de padre porque é comum, até hoje, que pessoas íntimas ou não se abram comigo em segredos que não se conta nem nos confessionários. Não sei explicar exatamente o porquê disso. Durante os nove meses que servi em Quitaúna, um dos militares encarregados da CCS era o Sargento Vilar. Nordestino, atarracado, cara de mau e muito austero, ele acabou ficando muito meu amigo. Não existia entre nós nada em comum que pudesse criar essa relação, mas um dia, não me lembro por quê, ele começou a me falar de seus problemas com a mulher, com os filhos, com a sua insatisfação na vida. Eu escutava, aconselhava, ponderava; depois ele me procurava para contar que meus conselhos haviam sido muito úteis e que a situação na casa dele estava melhorando. Convenci a ele de parar de bater na mulher, espancar os filhos e encher a cara depois do expediente do quartel e, sei lá por quê, funcionou. Ainda me lembro do seu rosto redondo na estação se despedindo dos pracinhas quando o tempo de serviço terminou, nos demos um forte abraço fraternal e ele me agradeceu com lágrimas nos olhos, até hoje essa imagem me comove. Com o Sargento Vilar conheci a parte da administração do quartel e, indicado por ele, fui trabalhar como secretário do coronel, emprestado ao Estado Maior. Aconteceu uma curiosidade: o quartel estava precisando de um projeto para um chafariz. E eu, que tinha feito curso de desenho, executei o projeto, o chafariz foi construído, deve estar até hoje lá, nunca mais vi e nem sei se ainda existe esse quartel. Serviço burocrático nunca foi uma atividade que me interessasse nem havia muito que fazer lá no Estado-Maior. Arrumei um estratagema: quando não tinha serviço, dizia ao coronel que ia voltar para a Companhia porque o sargento tinha me convocado para alguma tarefa. Na Companhia, dizia ao sargento que me requisitavam no Estado-Maior. Assim, conseguia driblar os dois lados, pegava um trem e voltava para a cidade, ia ao cinema, percorria lojas, livrarias e voltava para casa; no outro dia de manhã estava lá de novo, na ordem unida. Essa boa vida acabou quando descobriram as minhas trapaças e fui preso. Era para ficar na cadeia, mas o santo Sargento Vilar conseguiu que a pena fosse abrandada e fui detido no alojamento. Uma semana inteira sem poder sair ou voltar para casa, mas era bem melhor do que na cadeia, que era mais suja e assustadora do que aquela em que ficou o futuro Conde de Monte Cristo. Vestia farda quando houve a renúncia do presidente Jânio Quadros e os quartéis ficaram de prontidão, com toda a tropa, de metralhadora em punho, alerta à espera do ataque que viria do Rio Grande do Sul para garantir a posse do vice-presidente, Jango Goulart. O ataque jamais se concretizou e nós, lá no quartel, detidos por mais de dois meses, só enchíamos a cara. Todos juntavam seus trocados, algum funcionário era subornado e os cantis vinham cheios de pinga ou conhaque barato do bar em frente. Desses tempos de prontidão, guardo um sério problema de fígado e, até hoje, raramente suporto bebida destilada. Se não aprendi nada prático no serviço militar, não posso negar que a vida da caserna me abriu para novos relacionamentos de amizade e ajudou bastante a acabar com minha solidão. O adolescente, agora quase um homem, já não vivia tão sozinho, tinha sua turma. Sete ou oito camaradas da companhia formavam o nosso bando, não me lembro de todos os nomes, mas Puppo, Toshiro, Antonio Rotella e, especialmente, José Carlos Proença, me vêm logo à mente. Juntos saíamos, nos divertíamos, sentávamos num bar do Largo do Arouche que escolhemos como nosso ponto de encontro, bebíamos chope, jogávamos conversa fora, cantávamos as meninas nas saídas dos colégios, íamos a festas – tudo que jamais havia feito na vida. Com meus companheiros de farda, logo depois do fim do nosso tempo de caserna, realizei aquela antiga meta de vida que era conhecer o Rio de Janeiro. Tinha então 19 anos e a chegada à cidade maravilhosa foi uma das maiores emoções que senti. Fomos de ônibus, descemos na Praça Mauá e, enquanto eles foram para o apartamento em que iríamos ficar no Leblon, rumei para o auditório da Rádio Nacional. Pleno sábado, Programa César de Alencar, justamente quando se promoviam as pazes entre os fã-clubes de Emilinha Borba e Marlene. Era um espaço pequeno, no alto do edifício do jornal A Noite, lotado de mulheres histéricas que se xingavam e se digladiavam aos berros, defendendo uma ou outra cantora. Tudo muito diferente do que havia imaginado e visto em Garotas e Samba, É a Maior e, especialmente, Rio Zona Norte, quando Grande Otelo vai procurar Ângela Maria e entrega A Voz do Morro para ela gravar. Aliás, acho que a minha decepção veio principalmente do fato de não ter visto Ângela Maria, de quem sempre fui fã e de quem tenho todas as gravações. Anos depois nos conhecemos quando ela também se revelou fã das minhas novelas, foi uma grande emoção. Em homenagem a ela, fiz com que fosse sempre citada na novela Cambalacho, numa suposta rivalidade com um personagem de ficção, Lili Bolero, interpretado por Consuelo Leandro. Acompanhei no estúdio, ao lado de Zé Rodrix e de Daniel D’Angelo, seu marido, a gravação do tema que entrou na trilha sonora e ainda escrevi uma cena especial para Ângela Maria contracenar com Fernanda Montenegro, que desce uma escada aplaudindo a Sapoti aos gritos de É a maior, é a maior! Tinha planos, pesquisas e muita vontade de escrever a biografia desta grande cantora brasileira em uma minissérie, usando sua brilhante carreira, seus sucessos, seus fracassos, suas frustrações amorosas em paralelo às mudanças político-sociais que o Brasil passou neste mesmo período. Só que Aquarela do Brasil, de Lauro César Muniz, chegou na frente na mesa da diretoria artística da Globo e tenho a impressão que nunca mais vou poder realizar este projeto. Comecei a gostar de sua voz lá por 1950, ainda bem criança e, ao ler numa reportagem na Revista do Rádio, que Abelim Maria da Cunha, antes de ter se transformado na maior cantora do Brasil, tinha trabalhado como operária moldando lâmpadas com sopro, imaginava que, em alguma lá de casa, um pouco daquela voz podia estar guardada. Saindo da Rádio Nacional, tomei um ônibus rumo ao Leblon e foi a vez de Copacabana, e aquela calçada mítica representando as ondas do mar, onde Jorge Goulart tinha cantado Sereia de Copacabana em Aviso aos Navegantes e a Eliana dançado Hino ao Músico, junto com o Trio Irakitan em Rio Fantasia. A beleza da cidade sob o sol de verão daquele dia era tão intensa que nem senti falta do elenco da Atlântida pelas ruas. Na minha cabeça, em cada canto que passava, vinha um trecho da Sinfonia do Rio de Janeiro, de Billy Blanco e Antônio Carlos Jobim, que vivia rodando na minha vitrolinha portátil, presente utilíssimo dos meus padrinhos, Ilse e José Bacci. Escutava aquelas melodias o dia todo, na gravação da Continental, com Maysa, Albertinho Fortuna, Os Cariocas e muitos outros. Quando o carro entrou no túnel que liga Botafogo a Copacabana foi com a trilha sonora ecoando na minha cabeça: Um dia rasgaram a montanha / e o túnel do Leme se abriu / O mar recuou gentilmente / e um bairro bonito surgiu /... Copacabana, cidade menina /... Mesmo com todas as expectativas, nunca me decepcionei com o Rio de Janeiro. Hoje vou muito freqüentemente para lá por força do meu trabalho na televisão e nunca deixo de me emocionar quando o avião está para pousar no Santos Dumont, rondando o Pão de Açúcar. Minha alma canta / Vejo o Rio de Janeiro... Sou paulista, paulistano, sempre morei e vou continuar morando na capital paulista. Mas adoro o Rio que, para mim, ainda é a cidade mais bonita do mundo e tenho uma pena imensa do jeito que está hoje, maltratada e humilhada, tomada pela miséria, o que é um crime com um lugar de tamanha beleza e potencial turístico. Apesar de tudo, a emoção de estar lá, ter o privilégio de olhar a montanha, o céu e o mar, pra mim é eterna. Capítulo VIII Primeiros Passos Foi lá no Rio de Janeiro, quando conversávamos sobre nossos projetos para o futuro, que José Carlos Proença me falou da existência de um lugar chamado Escola de Arte Dramática de São Paulo. Meu colega de farda ia fazer teste para entrar no curso de cenografia da Escola e me disse que a única exigência para a aprovação era saber desenhar. Eu sabia e fui com ele ao teste. Ingressamos na primeira turma de cenografia da EAD, coordenada por Flávio Império, um dos maiores cenógrafos brasileiros. Na verdade, gostaria de ter entrado para as aulas de interpretação, mas cadê coragem para prestar o exame, que era subir no palco e representar diante de uma platéia. Não fiquei lamentando, estava feliz ali, fazendo um curso de teatro, junto com pessoas que pensavam como eu e tinham a mesma inclinação artística. Éramos cinco alunos na sala: Proença, Antonio Carlos Modesto, Norberto Módena, eu e Argentina Bibas, irmã de Blandina, do curso de atores, com quem namorei depois. Além de Flávio Império, tínhamos aulas com Anatol Rosenfeld, Alberto D’Aversa, Clóvis Garcia, Sábato Magaldi e comecei a aprender e me interessar seriamente por teatro, um mundo completamente novo, mas absolutamente fascinante. Convivia com alunos do curso de atores e foi lá que conheci Aracy Balabanian, Myrian Muniz, Jandira Martini, Ney Latorraca, Ester Góes, Ruthinéa de Moraes, Carlos Alberto Riccelli, Elói de Araújo e muitos e muitos outros que se formaram profissionais e hoje estão pelos teatros, cinemas e televisões do país. Foi um período rico, mas também muito confuso culturalmente. O que eu gostava na verdade, como teatro de revista e chanchadas, não era exatamente o que era apreciado dentro da EAD. Nunca tinha ouvido falar de Sófocles, Eurípides, Gorki, Tchekhov, Ibsen ou Brecht e durante algum tempo me questionei se ali era mesmo um lugar para mim. Com o tempo, porém, depois de ler as peças, aprender o que elas diziam e refletir sobre seus exemplos e ensinamentos, me abri para um mundo novo, muito mais rico e interessante. Agora ninguém mais precisava brigar ou me colocar de castigo para estudar, tinha achado o meu universo. Até então, só assistira teatro de revista e as peças da Dercy Gonçalves, que sempre adorei. Por solicitação do curso de cenografia, fui ao dito teatro sério pela primeira vez e vi A Morte do Caixeiro Viajante, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), com Cleyde Yaconis, Dionísio Azevedo, Juca de Oliveira, Leonardo Villar e direção de Flávio Rangel. Fiquei muito impressionado com as emoções que aquele espetáculo fez brotar em mim. Nada era engraçado nem colorido nem lúdico. Um cenário escuro de uma casa pobre, bem parecida com a que morei na infância, pessoas sofridas e desajustadas como as que conhecera durante toda a minha vida, um pai injustiçado diante de um mundo capitalista hostil, uma família que se desintegrava; tudo com uma força dramática tão sincera que me deixou sentado na platéia, refletindo, ainda muito tempo depois dos aplausos finais. Na cena da morte de Willy Loman, sua mulher Linda, interpretada por Cleyde Yaconis, diz um longo texto que até hoje, mais de 40 anos depois, ainda está na minha memória. Não as palavras precisas de Arthur Miller que já li, reli e assisti outras tantas vezes, mas a emoção pura, sincera e genuína que essa extraordinária atriz, Cleyde Yaconis, imprimia na cena. Foi meu batismo de fogo e a partir daquele dia passei a ir a todos os espetáculos que podia, já que sendo da EAD tinha o privilégio de não pagar ingresso. Deve ter ficado bem claro que, até a Escola de Arte Dramática, minha visão de cinema e teatro era apenas de diversão e escapismo, sem nenhuma noção de importância cultural. Com os novos caminhos que a Escola do Dr. Alfredo Mesquita me mostrou, passei a raciocinar diferente e a ver neste entretenimento um comprometimento também social e cultural. Devo confessar, entretanto, que nunca quis nem quero abandonar as raízes que me levaram a gostar desse mundo dos espetáculos. Foi Ademar Guerra quem me ensinou que se pode gostar de tudo ao mesmo tempo, deixando de lado os preconceitos, sem que um assunto prejudique o outro, desde que se saiba o valor intrínseco de cada segmento. Profissionalmente, esta tem sido a característica mais marcante dos meus trabalhos, primeiro como roteirista e diretor de cinema e, posteriormente, como autor de novelas. Junto tudo que me motiva: chanchada, musical, teatro de revista, drama, comédia e melodrama do cinema americano, dramalhões mexicanos, neo-realismo italiano, cinema espanhol, teatro da Broadway, Saturday Night Life, Monty Python e o que mais me der na cabeça na hora da criação. Durante muitos anos, fugi dos chamados filmes-cabeça de Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard, Emir Kusturica e tantos outros, com medo de me aborrecer. Confesso que muitos me aborreceram mesmo, mas acabei gostando de outros e mais uma vez vou citar Ademar Guerra, que também me ensinou que preconceito, sob qualquer forma, é um grande atestado de ignorância e deve ser abolido definitivamente da vida humana. Acabei optando por desenvolver meu trabalho numa linha bastante popular porque é o meu gosto pessoal, mas também não esquecendo do alimento cultural e social que vai dar um significado maior e mais útil a todo o projeto. Em 1963, quando deixei a EAD, já não trabalhava mais na loja de discos, a que retomei depois da saída do exército, e estava empregado no IPASE, onde entrei aprovado em concurso. Fui funcionário público por nove meses e pedi demissão porque não agüentava ficar o dia inteiro sem fazer nada. Fui contratado para conferir os balanços do Instituto, que estavam acumulados há cinco anos. Em um mês já tinha acabado a tarefa e teria de esperar o próximo ano para novos balanços chegarem. Não podia me ocupar do serviço dos outros e não havia nada mais para fazer. Deixava o paletó na cadeira, ia passear, ia ao cinema, mas depois da EAD, já tinha decidido que seria ator e não achava a menor graça naquela perda de tempo. Os anos corriam e eu já estava com 21, praticamente um velho, e tinha que fazer urgentemente alguma coisa na minha vida se não quisesse morrer naquela repartição como algum personagem amargurado de Nelson Rodrigues. Decidi deixar o medo de lado e fazer um teste para ser ator profissional, larguei o emprego público, briguei com meu pai, numa daquelas brigas de almoço de domingo, de voar macarrão pra todo lado. Ele e minha mãe não entendiam como era possível alguém largar um emprego garantido pela vida toda para se aventurar na carreira de ator, sem a menor perspectiva de sucesso. Nessa época, já não morávamos mais com a família de meu avô, tínhamos crescido e dado força ao eterno desejo de minha mãe de ter seu próprio lar. Já com a nossa irmã, Ana Maria, fazendo parte da família, nos mudamos para um quarto e sala na Rua Major Sertório, 440, apto. 14. Meu pai, minha mãe e minha irmã dormiam no quarto, eu e meus dois irmãos nos sofás da sala. Era melhor do que a repressão na casa de meu avô, mas, toda vez que chegava uma visita pela manhã, tínhamos que levantar correndo, agarrados nos lençóis e travesseiros, e continuar o sono no chão do quarto dos meus pais. Outro problema, durante muitos anos, era que a pia do banheiro furou e toda vez que abria a torneira, molhava meu único par de sapatos. No meio da briga de domingo, minha irmã, então com cinco ou seis anos, enquanto eu arrumava minha mala para ir embora, veio me trazer as suas joiazinhas – uma pulseirinha de ouro com seu nome, um par de brincos e uma correntinha com uma imagem minúscula de Nossa Senhora de Fátima. Disse que era para eu levar comigo e vender tudo se precisasse de dinheiro para comer. Esse sentimento de amizade e solidariedade entre os irmãos foi cultivado com muita paciência e carinho pela nossa mãe e, até hoje, é muito forte entre todos nós. Não aceitei as jóias de minha irmã e saí de casa para dividir um apartamento com Roberto Azevedo e Antonio Carlos Modesto, amigos da EAD, no Edifício São Vito, um pardieiro atrás do Mercado Municipal, onde moramos por um ano e pouco. A partir da Escola de Arte Dramática, comecei a ter amigos, pessoas do mesmo universo ao qual sempre quis pertencer. Íamos muito ao teatro, ao cinema, saíamos todos juntos, conversando sobre os livros, os filmes, as peças, a política, os problemas do País, as possíveis soluções para se mudar o mundo. Passei a viver onde sempre quisera estar e a sensação de não pertencer a lugar algum, ser diferente e estranho, foi desaparecendo. Apesar de ter sido um aluno muito interessado, nunca exerci a profissão de cenógrafo. Tinha plena consciência que só havia escolhido aquele curso porque poderia passar no teste, já que desenhava razoavelmente, mas meu interesse era atuar e, principalmente, entrar para este mundo que tanto me fascinava. É interessante o rumo das coisas: como já disse, tenho uma única filha, Juliana, que nunca me pareceu interessada pelo meio artístico, apesar de freqüentar teatro, televisão, sets de filmagem e ambientes culturais desde menininha. Juliana se formou em Arquitetura, passou a trabalhar em vários projetos, até ser contratada por outro grande amigo, Renato Scripilliti, premiado cenógrafo de São Paulo e, aí, começou a se interessar seriamente por cenografia. Pretende ir para Nova York, estudar e se desenvolver como cenógrafa. Fico feliz, ela mesma descobriu seu caminho sem que eu a tivesse empurrado para isso, e já que nunca tive capacidade para ser o cenógrafo da família, que venha a que tem mais talento. Capítulo IX Tempo de Fúrias Junto com outros colegas da EAD, minha estréia nos palcos paulistanos foi como um dos figurantes em Calígula, de Marcel Camus, no Teatro Municipal, com Les Comédiens du Champs-Elysées, companhia francesa de segunda que veio ganhar uns trocados por aqui. Depois, fiz figurações em óperas no mesmo teatro e figurei em insignificantes pontas em algumas montagens da EAD, como um dos três “homens do cortejo” em A Promessa, de Bernardo Santareno. Apesar dessas atuações, o medo de me expor em cena ainda falava mais alto, mas, decidido a investir na profissão, fui até Antunes Filho, que testava atores para uma substituição em Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, em cartaz no TBC. Ganhei o papel, que era pequeno, um agregado, mas tinha falas e eu estava no palco junto com Raul Cortez e, quem diria, Cleyde Yaconis. Foi minha estréia como ator profissional e durou pouco mais de um mês com o injusto fracasso de bilheteria do grande espetáculo. E logo veio uma ponta em Círculo de Champagne, que também teve curta temporada e eu, sempre ansioso, já estava percebendo que meu início não estava sendo dos mais brilhantes. Guardo melhores lembranças de A Ópera dos Três Vinténs. Dirigida por José Renato, esta peça de Bertolt Brecht, com músicas de Kurt Weill, inaugurou o Teatro Ruth Escobar, em 1964, e viajamos com ela para apresentações também em Porto Alegre. O visual dos loucos anos 20 reinava no espetáculo; as prostitutas, entre elas Maria Alice Vergueiro e Leilah Assumpção, usavam espartilhos e provocantes meias negras; os guardas, uniformes londrinos, com chapéus enterrados até os olhos. Eu interpretava um desses guardas e também o reverendo Kimball e um carrasco. A pouca importância dos personagens era compensada pelo fato de que eu tinha descoberto o gosto pelo palco e queria mesmo era estar ali no meio. Buscava um caminho e ia atrás das oportunidades. Passei a atuar também como administrador do teatro e a conviver mais com Ruth Escobar e sua família. Algum tempo depois já freqüentava a sua casa e acumulava as funções de secretário e assistente de produção. Como o bar do teatro andava meio jogado às moscas, me ofereci para tomar conta daquele espaço junto com Elói de Araújo, companheiro do elenco. Continuávamos interpretando na peça e no intervalo vendíamos chocolates, refrigerantes, balas, o que melhorava muito o nosso ínfimo salário de atores. O auge do nosso negócio foi quando veio do Rio de Janeiro o show Opinião, que fizera muito sucesso por lá, estrelado por uma garota que havia sido descoberta na Bahia por Nara Leão: Maria Bethânia. O sucesso aqui em São Paulo não foi menor e o teatro vivia lotado, sempre com cadeiras extras, mas eu nunca perdi uma performance, principalmente quando Maria Bethânia soltava a voz em Carcará. É impossível descrever aquela força, aquele sentimento de revolta e injustiça que tomava conta de toda a platéia ainda no primeiro ano do golpe militar de 1964, quando tudo o que queríamos, e não podíamos, era falar, gritar, exorcizar os demônios e isso tudo estava não só em Opinião, mas principalmente na força sincera dessa incomparável cantora brasileira. Curiosamente, Bethânia, como boa baiana, trouxe consigo uma grande turma de amigos e até um irmão, todos jovens como ela, que não trabalhavam no espetáculo, mas viviam sentados na porta do teatro. A mãe de Ruth Escobar zelava muito por aquele espaço e me chamava a atenção para que eu não deixasse aquela gente de cabelos compridos, sandálias e mochila nos degraus da entrada do teatro; no seu pesado sotaque português reclamava: Tu mandes já sair essas pessoas aí da porta que estão a sujar toda a nossa frente! E eu, que não queria perder meu emprego, ia pedir a Caetano Veloso, ao nosso futuro ministro da Cultura, Gilberto Gil, a Gracinha, que depois virou Gal Costa, e muitos outros da turma que logo detonaria um dos mais importantes movimentos musicais do Brasil, o Tropicalismo, que fossem se sentar nas escadarias da Rua 13 de Maio. Hoje em dia, procuro rigorosamente exercer uma única atividade, mas naquela época, na busca de um caminho, abraçava várias ao mesmo tempo. Minhas descobertas ocorriam ao ritmo dos acontecimentos e das atividades exercidas, porém, quando passei a trabalhar como assistente de direção, aos poucos fui percebendo o prazer de não estar em cena, mas de criar a cena. Ademar Guerra me ajudou muito nisso. Nunca fui seu assistente nem sabia que era seu vizinho, apesar de morarmos quase pegados, eu, na Rua Major Sertório, e ele no mesmo quarteirão, logo na esquina da Rua Cesário Mota. Só me dei conta de quem ele era quando, numa conversa com Maria Helena Dias, durante o intervalo de Círculo de Champagne, no Teatro Paramount, disse que gostaria de entrar para a televisão e ela me deu num pequeno cartão uma recomendação para um amigo dela que ia começar a novela Marcados pelo Amor, de Walter Negrão, na TV Record. Era Ademar. Fui falar com ele, me apresentei, conversamos, logo ficamos amigos e, como já contei, ele me ajudou a colocar uma pá de cal na divisão entre gosto popular e mais refinado, incentivou de uma maneira muito peculiar a descoberta de meus caminhos definitivos e foi a melhor referência cultural que tive em minha carreira. Outra importante influência profissional e cultural foi Antônio Abujamra. Atrás de um papel em As Fúrias e por indicação de Ruth Escobar, que ia montar o espetáculo, fui ao encontro dele: Você ator não é, não tem cara e não deve ter o mínimo talento, me disse ele que, depois de uma conversa não muito longa e desta frase definitiva e de impacto, como é até hoje o seu estilo, me convidou para ser seu assistente de direção. Sua provocação naquele momento acabou sendo um excelente aviso para mim porque, na verdade, apesar de ter lutado muito para isso e já estar me sentindo mais à vontade em cena, nunca me senti ator. Ser ator não é simplesmente decorar um papel, subir no palco ou estar em frente a uma câmera e falar um texto. Os meandros da arte da interpretação são muito mais complexos e, para entrar inteiro num personagem, um profissional do ramo precisa saber lidar com todo material ao seu dispor, seu corpo, sua voz, seus gestos e, principalmente, seu raciocínio. O fato de aparecer, querer ser visto e admirado é apenas uma ínfima parte desta grande profissão que é um privilégio de quem nasceu com este talento específico. Entendi isso perfeitamente alguns anos depois, quando assisti a Paulo Autran em Depois da Queda. Ao ver a sua impecável criação de Quentin, no texto de Arthur Miller, entendi que jamais conseguiria atingir aquele domínio cênico, aquela fluência de raciocínio, aquela força no palco e, naquela noite no Teatro Maria Della Costa, graças a Deus e ao Paulo Autran, entendi definitivamente que continuava no ambiente certo, mas buscava a profissão errada. Mas antes dessa descoberta definitiva na minha vida, voltemos às Fúrias, onde trabalhei pela primeira vez como assistente de direção. O patriarcado espanhol e repressão familiar eram os temas do belíssimo espetáculo ousado e criativo, concebido por Antônio Abujamra e estrelado por Cleyde Yaconis. Aliás, Cleyde interpretava uma personagem chamada Gorgo Gutierrez e, muitos anos depois, dei esse mesmo nome a uma espanhola que ela viveu na novela A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim do Éden, como uma homenagem explícita à grande admiração que sempre tive por seu talento. Ser assistente de Abujamra valeu como um curso, e eu ficava de olho na sua maneira de estudar o texto, criar sobre ele, armar o espetáculo, lidar com os atores e resolver as deficiências de cada intérprete apelando para a ação. Por exemplo: o ator tinha um monólogo e estava meio travado. Então, Abujamra bolava uma marcação para a pessoa soltar o texto correndo pelo palco, subindo a escada, se dependurando em algum elemento do cenário e, com a atividade física, o ator mudava o seu foco de tensão e conseguia soltar a emoção nos gestos e na fala. Na comédia Tchin-Tchin, continuei como seu assistente de direção, e também fiz Bobby, papel que havia sido interpretado por Anthony Perkins na Broadway, com o prazer de ser filho do casal interpretado por Cleyde Yaconis e Stênio Garcia. Paralelo a essas peças, também participava de algumas produções do TV de Vanguarda, na TV Tupi. Uma dessas montagens foi Antígona, dirigida por Benjamin Cattan e apresentada no início de 1966 no palco do Teatro Municipal. Minha grande e especial amiga, Aracy Balabanian, era Antígona, Laura Cardoso interpretava Eurídice, Rildo Gonçalves, Creonte, e eu fazia uma ponta no coro dos tebanos. Com o sucesso da idéia de montar um espetáculo para a televisão e depois levá-lo ao teatro, a TV Tupi patrocinou outras montagens desse tipo, sempre com a direção de Benjamin Cattan, e entre elas A Alma Boa de Sé-Tsuan, de Bertolt Brecht, onde contracenei com outro mito do nosso teatro, Maria Della Costa, um pouco antes de viajar pela primeira vez para o exterior numa longa temporada em Nova York e na Europa. Capítulo X Destino Hollywood Quando completou um ano de trabalho como funcionário da Pan American World Airways, meu irmão Ubaldo ganhou uma passagem para Nova York, Londres, Roma e Paris, com direito a acompanhante, e lá fomos nós. Com minha cabeça de Hollywood – via nos filmes e acreditava que valia para a vida real – encasquetei de levar meu currículo, fotos, programas das peças das quais havia participado. Afinal, sempre podem surgir convites e, quem sabe, eu não seria descoberto tomando milk-shake em algum drugstore da Broadway. Ao desembarcar em Nova York, a sensação era de ter nascido ali. De tanto ler sobre a cidade, vê-la nos filmes e de ouvir Ademar Guerra, que nunca tinha estado lá, mas a conhecia melhor do que Sorocaba, sua cidade natal, me senti em casa. Sabia onde encontrar de tudo, tinha na cabeça o mapa da cidade com ruas retas e planas, divididas em East and West Sides pela 5ª Avenida, onde Judy Garland e Fred Astaire encontraram Ann Miller em Desfile de Páscoa (Easter Parade); sabia que ao sul ficava Greenwich Village, onde Janet Leigh e Jack Lemmon dançaram a conga com os marinheiros brasileiros em Jejum de Amor (My Sister Eileen) e a Washington Square, onde Montgomery Clift ficou batendo na porta de Olivia de Havilland em A Herdeira (The Heiress). Um pouco mais ao leste, a Little Italy, onde Mário Lanza e Ann Blyth comemoraram o sucesso dele em O Grande Caruso (The Great Caruso), sabia que depois da Rua 60, indo pela 5ª Avenida chegava-se ao Plaza Hotel e, logo em frente, o Central Park, onde Fred Astaire dançou com Cyd Charisse em A Roda da Fortuna (The Band Wagon). Sabia que no fim do Central Park tinha o Harlem, onde Billie Holiday cantou pela primeira vez. A leste, a Madison Avenue, onde Doris Day e Rock Hudson trabalhavam nas agências de publicidade em Volta Meu Amor (Lover Come Back) e, principalmente, sabia que, como na música: New York, New York, it’s a wonderful town, the Bronx is up and the Battery’ s down... Era o conhecimento via cinema e nem havia sensação de deslumbramento: eu estava voltando para lá, sem nunca ter estado antes. Vou muito a Nova York e até hoje me sinto assim. Maria Celia, minha mulher, tem essa mesma sensação com Paris, mas comigo esse sentimento curioso e inexplicável só se repete em Roma. Londres foi nosso destino seguinte e, por um dólar para dormir e breakfast, alugamos um quarto numa casa de família no subúrbio. O problema nessa viagem era o seguinte: eu não me importava com comida, mas queria ir aos museus, aos teatros e aos cinemas o quanto pudesse. Fazia uma refeição por dia – café ou almoço – e assistia a um monte de espetáculos, sempre sentado lá em cima, nos piores lugares. Tem alguns que nunca esqueci, como Laurence Harvey em Contos de Inverno, de Shakespeare; Marat Sade, com direção de Peter Brook, peça em que trabalhei logo que voltei ao Brasil; The King´s Mare, com Glynis Johns. Musical não vi nenhum, teatro em Londres sempre foi caríssimo, mas em Nova York tinha feito meu primeiro contato com o tipo de espetáculo a que mais assisto até hoje, através de Ginger Rogers em Hello Dolly, meu primeiro musical da Broadway, e tenho o programa autografado. Na saída, ficava esperando os atores para vê-los de perto; abandonei este hábito há muito tempo, mas voltei quando eu e minha mulher vimos, há uns dez anos, Elizabeth Taylor em The Little Foxes, de Lilian Hellman. Valeu a pena, sua beleza continuava impressionante. Em Roma assisti a Ciao, Rudi, musical com Marcello Mastroianni interpretando Rodolfo Valentino. Já naquela época comecei a achar idiota esse negócio de autógrafo, mas não deixei de esperar o astro na saída do teatro. Afinal, Marcello estava no auge, tempos de A Doce Vida (La Dolce Vitta), O Belo Antonio (Il Bello Antonio) e, principalmente, Ontem, Hoje e Amanhã (Ieri, Oggi, Domani) e Matrimônio à Italiana (Matrimonio all’italiana). Comprei meu ingresso no Teatro Sistina com uma leve esperança de que Sophia Loren e Vittorio De Sica estivessem na platéia. Claro que não estavam. Nosso endereço romano era uma pensão a algumas quadras da Stazione Termini, onde Montgomery Clift tinha namorado Jennifer Jones sob a direção do grande De Sica, no filme batizado por aqui de Quando a Mulher Erra. Ubaldo teve que regressar ao Brasil e eu resolvi ficar mais, ir para Paris e depois voltar para Nova York, já que era uma passagem triangular. Não sabia se teria outra oportunidade como esta na minha vida e iria aproveitá-la até onde desse. Além disso, estava namorando a filha da dona da pensão, que era uma atriz da companhia de Peppino de Filippo, e, como não precisava mais pagar pela estadia, fui prolongando a data da partida, até que o romance acabou e tive de ir embora. Na despedida, a ex-namorada romana me deu uma caixa de tâmaras secas, que foi um dos presentes mais úteis que já ganhei. Em Paris, fiquei num hotel muito vagabundo, em frente da Sorbonne, no último andar de um prédio sem elevador, num quartinho minúsculo que só tinha cama, armário e pia – o banheiro era fora. Com medo que o dinheiro acabasse, passei a comer só tâmaras secas. Mas continuava indo ao teatro e tive a felicidade de assistir a Danielle Darrieux em Laurette; Marina Vlady, Odile Versois e Hélène Vallier em As Três Irmãs de Tchekhov; Annie Girardot em Seule Dans le Noir, que já tinha visto com Lee Remick na Broadway e, depois, numa interpretação melhor que a das duas, Eva Wilma fez em São Paulo, com direção de Antunes Filho, como Blackout. Vi também Jeanne Moreau em Fleur de Cactus; a mítica Arletty em Les Monstres Sacrés, de Jean Cocteau; a mais mítica ainda Maria Casarés em Les Paravents, de Jean Genet; um maravilhoso Les Bas-Fonds, de Máximo Gorki e, é claro, A Cantora Careca e A Lição, de Ionesco, num mesmo espetáculo que continua em cartaz até hoje. Como só comia as tâmaras, de vez em quando uma bengala de pão e até sonhava em poder tomar um café, cheguei ao meu limite de peso, 53 quilos. Se passar fome já é um horror em qualquer lugar, a desgraça atinge maiores proporções quando se trata de um brasileiro em Paris, onde as rotisseries, repletas de quitutes de dar água na boca, são um convite à gula de qualquer cristão. Passava pelas vitrines e imaginava o sabor daquelas galantines coloridas recheadas de enormes camarões ou das tortas de massa tão fininha que pareciam derreter na boca. Anos depois, quando finalmente chegou a vez de degustá-las, vi que a fome exacerba a imaginação e nunca me arrependi de ter optado em aprender mais e comer menos. Como todo bom brasileiro, uma das grandes emoções desta minha temporada parisiense foi ver neve pela primeira vez. Estava no Museu Jeu de Paume, quando ainda exibia os impressionistas, extasiado diante do Quarto do Artista em Arles, de Van Gogh, quando olhei pela janela e vi flocos brancos que caíam sobre as douradas folhas de outono que cobriam todo Champs-Elysées. Saí do museu caminhando pela avenida, enquanto a neve cobria toda a cidade de branco. Foi a minha primeira despedida da Cidade Luz, bem mais feliz do que a de Van Johnson em A Última Vez Que Vi Paris (The Last Time I Saw Paris), quando ele deixa o enterro de Elizabeth Taylor. Voei de Paris direto para o Queens, em Nova York, no apartamento de Atilano Gimenez, um amigo do meu irmão que trabalhava na Petrobras. Ele me deixou ficar lá por uns dias que, mal sabia o coitado, se transformariam em quase um ano agüentando um hóspede dormindo na cozinha em uma cama de armar. Com meu currículo debaixo do braço, resolvi seguir o que o coração mandava (Teu destino é Hollywood) e rumei para o Actor’s Studio, que era o templo de interpretação da época e estava no auge. A autorização para freqüentar o curso como ouvinte veio pelos Brecht, Sófocles e Gorki de meu currículo que sabiamente havia trazido na bagagem. Foi uma temporada mágica. Tinha aulas diárias com Lee Strasberg e, muitas vezes, também com Elia Kazan. Shelley Winters estava do meu lado, Paul Newman e Joanne Woodward vinham sempre, assim como Ben Gazarra, Richard Beymer e até uma estrelinha da época, Pamela Tiffin, que encenava na Broadway Dinner at Eight, a excelente peça de George Kaufman e Edna Ferber, no papel que Jean Harlow fez no cinema. Walter Pidgeon e June Havoc também estavam no elenco e apareciam, às vezes, nas sessões. Atores famosos iam se exercitar no Actor’s e falavam sobre suas dificuldades no palco, numa espécie de terapia onde o grande guru, Lee Strasberg, aconselhava, elaborava, ajudava a encontrar a melhor maneira de se compor, entender e realizar um personagem. Não era uma escola paga, era mantida pelos membros e a condição para entrar lá era ser profissional com um currículo razoável no ramo. Não existia um curso determinado, e da freqüência e relacionamento entre os profissionais é que se aprendia. Meu entrosamento foi maior quando Rita Gam, Jo Van Fleet e Carroll Baker resolveram montar, como exercício, uma cena de Dona Rosita, a Solteira, do dramaturgo espanhol Garcia Lorca, e eu, como latino, dei algumas opiniões que foram consideradas muito úteis pelo nosso mestre. Com meu entrosamento no Actor’s Studio, minha estada novaiorquina foi se prolongando e o dinheiro acabou de vez. Arrumei emprego de empacotador num supermercado para conseguir me manter; não pagava aluguel, já estava acostumado a comer bem pouquinho, era mais para o dinheiro do subway e do cinema. Como fui aceito no curso, também tinha direito a entradas de graça e passei a não pagar teatro, o que era uma economia fabulosa. Enquanto isso ia aprendendo, sugando o que podia daqueles profissionais da melhor categoria e descobrindo novas maneiras de interpretação e entendimento do Método Stanislavski. Achava difícil fazer uma carreira por lá, não tinha um tipo físico especial, sabia que a concorrência era enorme e minha eterna ansiedade me dizia que, já com 25 anos, não me restava muito tempo ainda para tentar; como disse antes, sempre fui exagerado. Porém, tinha certeza que minha volta ao Brasil seria triunfal, afinal, nunca tinha ouvido falar de qualquer outro ator que tivesse tido aquela experiência que eu estava tendo o privilégio viver. Voltei ao Brasil e fiquei vários meses desempregado, mas, para não perder a embocadura, fui estudar com Eugenio Kusnet, que era quem melhor entendia do método por aqui. Tenho a impressão que o fato de ter estado no Actor’s passou a ser um impedimento ao invés de uma vantagem. Sentia, nas conversas, certa inveja dos colegas, e nos diretores menores e mais inseguros receio de contratarem alguém que pudesse colocar à prova os seus conhecimentos. Felizmente os diretores mais talentosos e preparados não se deixavam impressionar e, então, tive o prazer de trabalhar sob a direção de Ademar Guerra em Perseguição e Assassinato de Jean Paul Marat Segundo Foi Encenado pelos Internos do Asilo de Charenton Sob a Direção do Marquês de Sade, ou simplesmente Marat Sade, de Peter Weiss. Ademar, além de uma figura humana fora de série, era um diretor excepcional. Extremamente culto e bem informado sobre quase tudo no mundo, leitor voraz de psicologia, estudava os personagens e também o temperamento dos atores para saber de que maneira ia dirigir cada um deles. Angustiado e inseguro como todo artista, armava a cena em casa, com soldadinhos de brinquedo, para quando chegasse ao teatro estar absolutamente preparado. Carismático e centralizador, tinha como grande característica a afetividade com todos os envolvidos no espetáculo, do varredor de palco ao ator principal e com seu jeito todo especial e, às vezes, até cruel de ser amigo, conseguia tirar o melhor de cada um de nós. Fazia um papel pequeno, mas de difícil elaboração e que nunca saía do palco durante todo o espetáculo. Junto com Otávio Augusto e Ivone Hoffman era um dos pacientes. O elenco era esplêndido: Rubens Corrêa, Armando Bógus, Aracy Balabanian, Irina Greco, Carminha Brandão, Eugenio Kusnet e muitos mais. Marika Gidali era a coreógrafa do espetáculo e fazíamos preparação corporal na escola Stagium, que depois virou Balé Stagium. Durante mais de um ano, fiz aula de dança com Marika, na Rua Sarandi. Nessa época, Cláudio Petraglia preparava um show para a UD, Feira de Utilidades Domésticas, no Ibirapuera, onde bailarinos apareceriam dançando e cozinhando. Acabei entrando nessa, e ao mesmo tempo em que dançava, preparava diversos molhos em quatro frigideiras diferentes, uma em cada boca do fogão e ainda encerrava o espetáculo montando um enorme pavê flambé de duas cores, um sucesso!... Os atores Riva Nimitz e Henrique César e muitos bailarinos, entre eles Geralda Bezerra e Yoko Okada, eram meus companheiros nessas performances culinárias. Fazíamos cenas curtas para mostrar os produtos e, além da preparação física, freqüentávamos aulas de culinária na Nestlé, que foi onde aprendi a cozinhar e passei a trabalhar em vários eventos promovidos por eles, como Salão da Criança e Feira Anual de Culinária Internacional, onde entrevistava os grandes chefs da gastronomia mundial. Aprendi direitinho e hoje, quando estou disposto, até que cozinho razoavelmente. É também como bailarino que ocorre minha estréia no cinema, novamente pelas mãos da querida amiga e grande incentivadora Marika Gidali, que preparava a montagem de um balé para Panca de Valente, de Luís Sérgio Person. O filme é um bangue-bangue e, numa seqüência de saloon, entram os cowboys e as moças dançando quadrilha, nos moldes de Sete Noivas Para Sete Irmãos ou Oklahoma. Sou um dos bailarinos e é muito engraçado ver esta cena hoje, pareço um peru sem graça, duro, cheio de medo. Dançava me imaginando um misto de Gene Kelly com Fred Astaire, mas, infelizmente, o resultado era algo perto do Ganso Boboca dos desenhos animados. Capítulo XI Fada Boa Pode até parecer enredo de melodrama barato, mas as novelas chegaram a mim pelo coração. Namorava uma colega da EAD, e teve um dia que ela não queria sair de casa para não perder o capítulo de A Moça Que Veio de Longe. Nem sabia do que se tratava e ela me contou que era uma novela empolgante, sobre uma empregada, Rosamaria Murtinho, que namorava o patrão, Hélio Souto. Assisti a alguns capítulos, achei interessante e logo veio A Outra Face de Anita, trama policial escrita por Ivani Ribeiro, com Flora Geny, mulher de Dionísio Azevedo. Não assistia todo dia, mas volta e meia estava lá para conferir o desenvolvimento da história, como fazia quando criança com as novelas de rádio. A direção era de Walter Avancini, com quem trabalhei bastante e briguei muito também. Em 1967, Avancini me chamou para ser seu assistente de direção no que seria sua estréia como diretor de teatro. Ruth Escobar tinha ido a Nova York quando eu ainda estava por lá e juntos assistimos a O Estranho Casal, de Neil Simon, que era um sucesso extraordinário na Broadway. Ao chegar aqui, ela quis montar o espetáculo, chamou Avancini e como eu já havia trabalhado como assistente de direção e tinha visto o espetáculo, aconselhou a ele que me convidasse. O problema é que eu tinha acabado de voltar animado com o curso no Actor’s e só queria representar, não estava com a menor vontade de ser assistente de novo. Talvez inseguro com sua estréia no teatro e para me convencer, Avancini me ofereceu um papel na novela que ia começar a dirigir na TV Excelsior, O Grande Segredo, de Marcos Rey. Meu primeiro personagem em novelas chamava-se Juvenal, e, com David Cardoso e Nélson Turini, fazia parte de uma gangue de transviados. Os protagonistas eram Tarcísio Meira e Glória Menezes que, sabiamente, estavam se transferindo para a Globo, ignorando os comentários dos colegas que achavam uma loucura largar o sucesso da TV Excelsior para se aventurarem lá pelo Rio de Janeiro em uma emissora que estava apenas começando. Meu primeiro dia de gravação era uma cena de festa e Avancini, como de costume, berrava com Deus e o mundo: não podia sentar no cenário, não podia chegar perto do equipamento, não podia conversar, tinha que ter o texto na ponta da língua e quem respirasse era mandado para fora do estúdio. O guarda-roupa ficava por conta dos atores e eu vestia meu único terno, um três botões marrom, tipo Beatles. À espera da deixa para entrar em cena, estava atrás do cenário, tenso, apavorado quando passou Glória Menezes: Nossa, como você está nervoso! Não fica assim, não. Ele grita, mas não morde. Você está suando muito, espera um pouquinho. A grande estrela abriu sua bolsa, pegou seu pancake e, delicadamente, enxugou meu rosto. Foi um gesto de extrema generosidade, que mostra o caráter dessa grande dama da televisão brasileira. Anos depois, trabalhamos juntos em muitos sucessos que escrevi exclusivamente para ela e tenho muito orgulho de fazer parte do seu currículo com Jordana de Jogo da Vida, Roberta Leone de Guerra dos Sexos, Laurinha Figuerôa de Rainha da Sucata, Júlia Braga de A Próxima Vítima e Marta Toledo de Torre de Babel, personagens que desenvolvi com muito amor e profunda admiração por esta grande atriz por quem, por aquela e por outras atitudes, nutro um profundo sentimento de gratidão. Fiz a novela até o fim e até com certo sucesso pessoal, Avancini acabou não dirigindo O Estranho Casal, Marat Sade saiu de cartaz e eu estava desempregado novamente. Conhecia Benjamin Cattan desde os tempos do TV de Vanguarda e vivia nos corredores da TV Tupi, como da Excelsior, Bandeirantes e Record para ver se conseguia trabalho. Cattan era assistente da diretoria artística da Tupi e me deixava ficar na sala dele, batendo papo sobre minha estada no Actor’s, enquanto eu sonhava poder falar com Cassiano Gabus Mendes, o que só chegou a ocorrer muitos e muitos anos depois, já na TV Globo em circunstâncias muito especiais, mas isso fica para depois. Cattan me apresentou a Sérgio Britto, que viera para São Paulo dirigir Bibi sempre aos Domingos, programa de Bibi Ferreira na TV Excelsior. Mesmo querendo continuar a trabalhar como ator, aceitei ser assistente de direção do Sérgio, com quem também aprendi muito. Depois, gostando de musicais e admirando a grande estrela, não iria deixar passar a oportunidade de trabalhar ao lado de Bibi Ferreira por nada desse mundo. Bibi sempre aos Domingos foi uma bela experiência. Reproduzíamos para Bibi os números de My Fair Lady e Hello Dolly, além de muitos outros da Broadway, misturávamos com os sucessos de Judy Garland, apimentávamos com um bom repertório de música brasileira, entremeávamos com entrevistas e apresentações de outros artistas de sucesso. Os números principais coreografados eram ensaiados a semana inteira só com os bailarinos. O programa ia ao ar às oito da noite, Bibi chegava às duas da tarde, e depois de assistir o que estava ensaiado, falava um simples Tá bom, já sei, ia para o meio dos bailarinos e em três horas já sabia todas as coreografias com uma precisão impressionante. O programa era ótimo e dava um prazer enorme trabalhar nele, pois englobava tudo o que mais gosto em termos de entretenimento. Por sorte, também comecei a elaborar os roteiros junto com Sérgio Britto, o que futuramente seria de enorme utilidade para mim. Bibi, na Excelsior, e Hebe Camargo, na Record, dominavam os shows dominicais, mas a loira mais famosa da televisão brasileira vencia sempre no Ibope. Com o fim do programa, Sérgio Britto foi dirigir novela e logo começou a produção de A Muralha, de Ivani Ribeiro, baseada no romance de Dinah Silveira de Queiroz. Outra vez sem emprego, lhe perguntei se tinha algum papel: Não tenho. Só figuração com fala. Posso te botar no bando dos bandeirantes. Não existia contrato e o pagamento vinha de duas maneiras: cachê por dia de gravação ou por número de capítulos. Aliás, em toda a minha carreira de ator de televisão de quase oito anos, nunca tive um contrato fixo, só trabalhei a cachê. Sérgio me aconselhou a receber por número de capítulos, pois assim ganhava mesmo se entrasse numa cena rápida. Lembro que ganhava 60 cruzeiros, não tenho a menor idéia do que era, sei que não era grande coisa, mas estava na novela que foi um sucesso. Sérgio Britto me perguntara se eu sabia andar a cavalo e, para não perder o papel, menti sem pensar muito: Claro, fui criado numa fazenda. No primeiro dia de gravação, num terreno baldio perto dos estúdios, estavam os enormes cavalos cedidos pela Força Pública à espera dos atores. Já vestido de bandeirante, não hesitei em montar pela primeira vez na minha vida, com o agravante de nem ser fã de filmes de faroeste, portanto sem muita referência. Não tinha a menor idéia do que fazer em cima daquele animal, mas sabia que não podia perder o emprego. Quando reparei no Paulo Goulart a meu lado, dando a ordem para que o bicho se movesse, fiz o mesmo e o maldito disparou, comigo apavorado em cima. Demos uma volta imensa pelas cercanias da Vila Guilherme e eu agarrado no pescoço dele, só pensava: Não vou perder esse emprego! E não perdi. Meu personagem integrava o bando dos bandeirantes paulistas liderados por Dom Braz Olinto, que era Mauro Mendonça. O vilão da história chamava-se Bento Coutinho, o papel de Paulo Goulart. Só que Paulo era galã e, com medo da reação do público, temia representar o bandido. Era realmente outra época. Quando chegava a hora das vilanias, ele abaixava o tom e o diretor Sérgio Britto queria mais força naqueles momentos. Assim, Sérgio e Ivani Ribeiro decidiram que Bento teria um ajudante de ordens para fazer as maldades. Entendendo de novelas como ninguém, a grande autora decidiu transformar alguém do bando dos mocinhos em traidor. Sérgio me protegia nos closes e Ademar Guerra tinha me aconselhado a sempre ter alguma reação quando a câmera se aproximasse de mim. Resolvi que seria uma reação de desconforto como se eu estivesse de intruso naquele bando. Ivani deve ter percebido porque, por volta do capítulo 20, veio a revelação de que meu personagem era espião e encarregado de todas as vilanias que Paulo não executava. E como escrevia para mim, Ivani batizou o malvado de Abreu e o personagem que não existia na novela, nem no livro, foi crescendo e ganhou a honra de assassinar Dom Brás. No capítulo de maior audiência da novela, o traidor Abreu vem por trás com uma faca e acaba com a vida do chefe dos bandeirantes, sendo imediatamente morto pelo mocinho Tiago (Edgar Franco). Era o primeiro dos meus bandidos e a família de Mauro Mendonça nem imaginava o que estava por vir. Meio inusitada e também escrita por Ivani Ribeiro, a novela seguinte foi Os Estranhos, e aproveitava a onda em torno da ida do homem à Lua para abordar o tema dos extraterrestres. Fui escalado para interpretar um médico, que não era nada malvado no início, mas acabou virando um vilão de marca maior. Ao contrário de A Muralha, Os Estranhos foi um enorme fracasso. Ninguém entendia aquela história de um disco voador aterrissar na praia de São Vicente e de dentro dele saírem Rosamaria Murtinho, Regina Duarte, João José Pompeo, Cláudio Corrêa e Castro e Roberto Maya, seres de outro planeta, trajando roupas brilhantes e com o rosto coberto de purpurina. Um dos destaques do elenco era Pelé, vivendo um escritor de best-sellers que morava numa ilha deserta. E por que ele morava lá? Ora, Pelé não podia gravar todo dia. Como é regra em novela, o personagem que não está dentro da trama acaba sumindo e assim ocorreu com Pelé, pois os outros personagens precisavam se deslocar até a ilha para falar com ele, o que atrapalhava as outras tramas. Por volta do capítulo 30, houve uma reunião geral para tentar salvar Os Estranhos. Todos sentaram no estúdio à espera de Ivani, que entrou vestindo um casaco de pele de leopardo para conversar com os atores. E eu ali sem falar nada; só queria que a novela continuasse para seguir recebendo o meu cachê. De repente, Rosamaria Murtinho, sincera, enlouquecida e maravilhosa como sempre, tomou a palavra: Já que ninguém está falando, eu vou falar. Acho essa novela um absurdo, meu papel é sem pé nem cabeça. Ivani, você é uma autora maravilhosa que fez A Moça Que Veio de Longe, meu grande sucesso, fez A Muralha, mas essa novela é um horror e patati-patatá. Corajosa, disse tudo o que todos achavam, mas ninguém teve coragem de falar. Ivani ouviu tudo e disse um lacônico Tá bom. Dias depois, chegaram os novos capítulos e a novidade maior era que eu matava a personagem de Rosamaria, a extraterrestre, depois de um violento assédio sexual, com três tiros. Já tinha assassinado Mauro Mendonça e chegara a hora de exterminar a mulher dele. Dr. Valentim passou a ser um bandido perseguido, eliminou mais alguns personagens e acabou preso no aeroporto de Congonhas, no último capítulo da novela, cercado de polícia e segurança para que uma montanha de fãs não atrapalhasse a gravação. Tomava dois ônibus para chegar aos estúdios da TV Excelsior, localizados na Vila Guilherme. Ia sempre, mesmo que não gravasse, só para pegar os capítulos e lê-los com a maior atenção. No primeiro mês da novela, quando eu ainda não era bandido, certo dia, o porteiro me avisou que tinha uma senhora à minha espera. Era uma mulher de uns 30 e poucos anos que foi logo me dizendo: Tenho uma coisa muito séria para falar com o senhor, Dr. Valentim. Quando o senhor não está na casa dela, a Márcia Real levanta da cadeira de rodas e anda. Ela não é aleijada. Aquela mulher viera da Freguesia do Ó, bem distante dali, e estava me esperando há mais de duas horas só para me dar aquele aviso. Doida, ou não, levei a conversa como se fosse o personagem, afirmando que ela estava enganada, que já examinara minha paciente completamente. A mulherzinha não desistia: Eu sei, eu vejo na minha casa. Mas quando o senhor sai, ela levanta. Ela anda. Minha cabeça de autor já devia estar em funcionamento e levei aquela história adiante até que ela se rendeu – Não devia perder meu tempo vindo até aqui. Já lhe conheço desde a outra novela quando matou o Dom Brás e o senhor não vale nada e se foi embora. A Muralha e Os Estranhos foram minhas atuações mais marcantes na TV Excelsior. Depois vieram Sangue do Meu Sangue, de Vicente Sesso, onde fiz alguns capítulos, e Dez Vidas, novamente de Ivani Ribeiro, que enfocava a Inconfidência Mineira e foi produzida quando a emissora enfrentava grave crise financeira e não mais pagava os atores, que foram saindo antes do final. Eu também acabei indo embora e só consegui receber meus cachês porque o chefe do departamento financeiro era pai de Marcos Mega, meu colega no Colégio Paulistano. Trabalhando como ator de novelas, passei a me interessar mais pelo script do que pelos meus personagens. Diferente da maioria dos atores que vão direto às suas falas, gostava de ler o capítulo inteiro. Durante muito tempo, guardei os scripts das novelas de Ivani Ribeiro, que posso dizer que foi quem me formou como autor. Sempre achei seu trabalho exemplar e reputo Ivani como a maior novelista brasileira de todos os tempos. Ficava curioso em ver como ela juntava uma cena com a outra: Onde está fulano?... e cortava para o personagem – Vamos para Santos e a próxima cena era naquela cidade. Existia uma dinâmica e um ritmo todo especial na narrativa de suas novelas; as cenas nunca eram espichadas, os assuntos eram propostos e resolvidos em curto espaço de tempo, todos os personagens eram importantes para a narrativa. Sigo muito de seu estilo até hoje. Também me chamavam a atenção as novelas de Geraldo Vietri, com aquelas famílias italianas pobres, humanas e alegres, que gosto, entendo e incorporei para sempre no meu universo novelístico, apesar de nunca ter trabalhado com ele ou lido nenhum de seus capítulos. Na época de A Muralha, a TV Excelsior promovia uma caravana de bairros, com exibições dos atores das novelas. Um caminhão aberto ia para determinado lugar, cantores se apresentavam e os atores apareciam para receber aplausos, dar autógrafos, serem entrevistados. Lembro de um programa de melhores do ano, onde fui receber um prêmio de revelação. Peguei o ônibus, que estava meio vazio, e tinha uma mulher sentada bem na frente. Ali, sem ter o que fazer, fiquei só observando aquela figura e pensando como seria sua vida de mulher feia e solitária. Quando acabou o programa, essa mesma mulher estava histérica na porta, gritava: “Eu vim com você no ônibus, vim com você”, me agarrava, e eu simplesmente não entendia por que ela não fizera aquela algazarra toda antes, dentro do ônibus, quando estávamos sozinhos. É muito engraçada essa relação de fãs com os atores. Hoje é bem diferente, as pessoas me conhecem, falam comigo na rua, mas sempre com o inevitável: “Minha vida daria uma novela”, ou então “Põe o meu nome na novela” – acho engraçado como as pessoas adoram ser citadas ou ter seu nome em algum personagem. Essa relação com escritor conhecido é mais agradável do que aquela histeria com o ator, quando se fica muito exposto. E isso que eu nunca fui um ator muito conhecido, nem de grande sucesso, mas, na modesta exposição que tive, já deu para avaliar o problema. O curioso é que, como autor, as pessoas acham que escrevo todas as novelas da Globo. É comum falarem: “Ah, o senhor precisa dar um jeito nessa novela”, ou então: “Agora sim, seu Silvio, a novela melhorou”. Faz pouco, saía de uma loja e um senhor me fez sinal para parar o carro: “Há muito tempo que eu queria lhe encontrar, o senhor faz novelas tão boas”. Ele estava doido para me contar um plano para uma novela sobre reforma agrária; falei que era melhor enviar para o Benedito Ruy Barbosa. Acredito que a diferença de estilos que cada autor da Globo emprega em seu projeto é que mantém todo este sucesso em pé até hoje. Apesar de histórias às vezes até parecidas, a maneira de contar de cada um de nós é absolutamente diferente. Trabalhamos em universos próprios e bem estruturados: Gilberto Braga na Zona Sul carioca, Aguinaldo Silva nas cidadezinhas do Nordeste ou na Zona Norte carioca, Manoel Carlos no Leblon, Benedito Ruy Barbosa no campo, eu em São Paulo. Cada universo desses traz personagens, tipos, histórias, modos de pensar, de agir, de viver, diferentes em si, que formam um painel muito próximo de cada brasileiro que, às vezes, se reconhece e outras passam a conhecer seu conterrâneo, formando um painel da nossa sociedade para quem estiver interessado em ver. Leon Tolstoi dizia que, ao retratar a sua aldeia, estava retratando todo o universo e acho que esta afirmação serve para explicar o grande sucesso que as novelas brasileiras fazem nas centenas de países onde são exibidas. Aqui no Brasil, o que me deixa feliz é que as pessoas sabem o que escrevo, qual é meu estilo, quais os personagens, as novelas que desenvolvi e associam meu nome ao riso e ao prazer. Sempre que vêm falar comigo, o sorriso aparece e me agradecem por fazer comédias, fazer rir, ou então de mexer com temas polêmicos, como drogas, homossexualismo ou a valorização da raça negra. Voltando à relação artista e fãs, uma vez adiei uma viagem internacional só para conhecer Shirley MacLaine, que seria homenageada com um jantar na casa de Ruth Escobar. Apresentado à estrela, fiquei feito bobo, sem conseguir falar nada e descobri ali que não tinha mesmo nada a lhe dizer. O que interessa nas celebridades é a imagem, o que elas passam para o público; como gente de carne e osso, perto de você, sem as luzes, a maquiagem, a música de fundo, o encanto se dissipa. Sinto o mesmo constrangimento quando as pessoas vêm falar comigo e procuram entabular alguma conversa e não têm nada a dizer. Adoro os elogios, gosto do assédio dependendo da hora, mas não é possível existir nenhuma intimidade entre mim e alguma pessoa que nunca vi na vida. Tal qual aconteceu comigo e Shirley Maclaine, eles têm um mundo de informações a meu respeito que leram nas revistas, captaram em entrevistas, ouviram falar aqui e ali, mas eu simplesmente não os conheço e a relação é absolutamente desequilibrada. Mitos, não que eu me considere um, só devem viver nas fotos ou nas telas e bons exemplos são James Dean e Marilyn Monroe, que morreram jovens há quase 50 anos e continuam vivos em todos os aparelhos de DVDs do mundo ao toque de um botão. A carne vai embora, mas a imagem permanece eterna e não deixa o sonho acabar nunca. Capítulo XII Namorinho no Jardim Voltara a morar com minha família e, no final de 1968, chegou a hora de alugarmos um apartamento maior. Minha mãe encontrou um de três quartos, na Rua Avanhandava, e, quando fui ver o imóvel, acabei prestando mais atenção na garota que era filha da dona e morava na casa ao lado do prédio. Maria Celia era psicóloga e professora da PUC; eu fazia sucesso em A Muralha, mas ela e a família ainda não assistiam às novelas. Como ela também gostava de teatro, conversávamos muito e fomos ficando amigos. Entendíamos-nos muito bem, embora eu me sentisse sempre deslocado entre seus colegas de faculdade. Da amizade, evoluiu para uma relação mais forte, primeiro um namoro de janela, como o de Judy Garland e Tom Drake em Agora Seremos Felizes (Meet Me in St. Louis), e depois os apertos no portão, como Katharine Hepburn e Fred MacMurray em A Mulher Que Soube Amar (Alice Adams). Com minha educação sentimental ditada por Hollywood, se meu desejo era ser Howard Keel, Burt Lancaster ou Anselmo Duarte, buscava para minha eterna amada ou a mocinha ingênua, alegre e às vezes atrevida como Judy Garland, Jane Powell, Doris Day e, principalmente, Eliana, ou a mulher glamourosa, fatal, sofisticada como Lana Turner, Rita Hayworth ou Kim Novak. Maria Celia não era nada disso. Intelectual, psicóloga, de uma beleza discreta, recatada e tímida, era o oposto de todas as mocinhas ingênuas e deusas de sexo que preenchiam as minhas fantasias, mas isso não impediu que logo começasse a gostar dela, embora a idéia de um comprometimento maior sempre me deixasse inseguro. O fator financeiro contribuía para isso, sua família tinha mais dinheiro do que a minha, eram proprietários de duas casas, um prédio de três andares e tinham carro. Eu ainda andava de ônibus, meu pai, depois da falência da tal loja da família, trabalhava de operário na Sofugem, uma fundidora, e tudo o que eu ganhava ia para contribuir com minha parte do aluguel e das despesas da casa. Apesar disso, nunca levava Maria Celia a nenhum lugar em que não pudesse pagar toda a conta; eram outros tempos. Meu impasse amoroso podia ser resumido por uma canção de Roberto Carlos: Casamento não é papo pra mim. Maria Celia era o meu pé na realidade, mas eu ainda ia demorar um tempo para ter coragem de viver fora da fantasia. Minha situação profissional também não se resolvia, continuava ainda arredio e com problemas de entrosamento. Era um ator que, apesar de ter tido boas oportunidades, nunca se sentia à vontade na frente das câmeras e, para quem queria ser o maior ator do mundo, isso era fatal. Muito desse meu deslocamento vinha de uma peruca. De uma peruca? Sim, fiquei careca com 19 anos, início dos anos 60, época dos Beatles, quando ser jovem era tudo o que importava. Queria ser ator, sabia que não era bonito e, desgraça das desgraças, tinha de conviver com a calvície precoce. Para aumentar minhas chances, vendi um aparelho de som, comprei uma peruca e passei a usá-la o tempo todo, o que me tornou ainda mais inseguro. Lembrava de Nem Sansão nem Dalila, quando Fada Santoro puxava a peruca do Oscarito com uma vara de pescar, e imaginava que aquilo ainda aconteceria comigo. Quando conversava com alguém, ficava incomodado com medo que notassem que eu usava peruca, porque, idiota, achava que ninguém percebia. Vivia tenso. Num restaurante nunca sentava de costas para a porta com medo de uma rajada de vento levar a infeliz para o prato de sopa mais próximo; ficava em alerta sempre, imaginando que a bandeja do garçom ia passar sobre minha cabeça enganchando-a e levando-a embora. Um tormento que se prolongou por toda a minha carreira de ator, oito longos anos, quando nunca apareci sem aquele aplique em lugar algum. Com o fim da Excelsior, veio mais uma fase de desemprego, e numa festa na casa de amigos encontrei Nicette Bruno e Paulo Goulart, que fazia a novela Verão Vermelho, na Globo, e me convidou para acompanhá-lo na excursão do monólogo Lá. Numa perua com chofer, eu viajava durante a semana, preparava o lançamento do espetáculo na cidade, levava uma entrevista gravada do Paulo para as rádios, atendia o jornal, montava o cenário e operava a luz. Paulo chegava no fim de semana, apresentava a peça, voltava para o Rio para gravar a novela e eu rumava para o local da próxima apresentação. Lá é um monólogo escrito por Sérgio Jockyman sobre um sujeito trancado no banheiro de sua empresa durante um fim de semana. Paulo Goulart é grandão e foi complicado encontrar um vaso sanitário que resistisse a seu peso. Os de material mais leve quebravam assim que ele subia neles e a solução veio num ferro velho, onde encontramos uma privada daquelas bem antigas, de ágate, que é ferro esmaltado. Aquele monstro pesava que era um inferno e como o motorista não queria nem saber – Eu só dirijo a perua – carreguei muito aquela privada por este Brasil inteiro. Durante o espetáculo, também operava o som e quando não havia possibilidade de instalar o gravador, fazia todas as vozes das pessoas, homens e mulheres, com quem ele contracenava e que não apareciam em cena. Para aproveitar a excursão, Paulo resolveu levar também um show e Giba Um escreveu Olha Janete, Que Bofe Mais Lindo – frase dita por uma mulher ao ver Paulo passar por ela. Retrospectiva de sua carreira, o show percorria boates e clubes. Era bem divertido e nesse eu estava em cena, narrando acontecimentos da vida de Paulo, que os representava. Essa vida mambembe durou mais ou menos um ano, me ensinou muito da parte business do teatro e me levou a conhecer quase o Brasil inteiro; viajamos de Porto Alegre a Manaus. Às vezes, entre uma cidade e outra, voltava para São Paulo e continuava a me encontrar com Maria Celia. Também nos correspondíamos e falávamos pelo telefone quando dava. Foi no meio dessa excursão que nosso romance engrenou de vez. Estava em Curitiba e volta e meia me pegava pensando nela, imaginando como seria bom se estivéssemos juntos, querendo tê-la ali comigo. Lembro-me de um dia, passando em frente a uma loja de discos que tocava Primavera na voz potente de Tim Maia, sentir uma profunda saudade que fazia com que meus pensamentos corressem todos para ela. No fim da excursão, de volta a São Paulo, depois de uma briga onde acabamos tudo, resolvi ligar e despejar o que estava doido para dizer: Eu gosto de você mesmo, não tenho dúvida nenhuma e se você quiser casar, nós casamos agora, eu já estou decidido. E estava mesmo. Maria Celia levou um susto, disse que eu estava maluco, mas reatamos o namoro. De ônibus, e às vezes com amigos como Sônia Braga, fui várias vezes ao Rio de Janeiro bater às portas da Globo em busca de trabalho, daí porque conhecia tão bem aquelas duas poltronas da portaria. Depois de muita peregrinação e com a bênção de Paulo Goulart, consegui um papel em A Próxima Atração, novela de Walter Negrão, protagonizada por Sérgio Cardoso e Tônia Carrero. Dr. Damasceno Righi Salomão, subdelegado de Bagé, que ansiava ser delegado, meu personagem era cômico, muito bem bolado e fez bastante sucesso. Continuava morando em São Paulo, gravava no Rio, sem contrato, sempre na base do cachê. Pegava um ônibus, tomava um comprimido, dormia a viagem toda para agüentar o dia de gravações e retornava a São Paulo assim que era liberado. Quando sobravam cenas para o dia seguinte, pedia para dormir na casa de alguém; às vezes do próprio Paulo, outras na do Emiliano Queiroz ou na casa de quem me abrigasse, de quem fizesse o favor. Hoje acho legal ter passado por essas dificuldades e não exagerei nem um pouco ao dizer que descobri minha turma quando entrei na Escola de Arte Dramática. Com todos os defeitos, todas as fofocas, todas as intrigas, todas as maledicências, artistas são pessoas que se juntam sempre e que na verdade se gostam, se ajudam e se admiram. There´s no people like show people, como Betty Hutton cantava em cima do cavalo em Bonita e Valente (Annie Get Your Gun). Muitas vezes, fico um tempão sem encontrar determinados colegas e quando os vejo é como se estivéssemos estado juntos ontem. Durante o período que a novela está no ar, é como se fossemos uma única família. Todo mundo se telefona, todo mundo conversa, todo mundo se ama, num congraçamento permanente. Acabou a novela, acabou tudo. Com o autor também. Quando não estou escrevendo novelas, o assédio diminui, as pessoas desaparecem e apenas uns três ou quatro permanecem em contato, porém, num próximo trabalho é como se nunca tivéssemos nos deixado. Capítulo XIII Encontros Decisivos Dos tempos da novela O Grande Segredo, ficaram amizades, e Irene Ravache, então em seus primeiros vôos como atriz, é até hoje minha grande e querida amiga. Uma noite, fomos jantar numa cantina do Bexiga e quem estava em uma mesa era Carlos Manga, no auge do programa Quem Tem Medo da Verdade. Irene me apresentou a ele. Maluco pelas chanchadas e entusiasmado em conhecer aquele homem que tinha dirigido tantos filmes da Atlântida, desandei a falar e Manga se impressionou com meus conhecimentos sobre sua carreira. Quatro anos depois, eu estava na Record, atuando na novela Editora Mayo, Bom Dia, que era dirigida por Carlos Manga. Walter Negrão trocara de emissora e trouxe para sua nova novela o meu subdelegado de A Próxima Atração. Foi a primeira transferência de personagem, o que muito tempo depois voltou a ocorrer com a dona Armênia, de Aracy Balabanian, que saiu de A Rainha da Sucata para Deus nos Acuda. Como fora rebaixado a escrivão no último capítulo, o homem agora ressurgia como investigador tentando desvendar o intrincado mistério da novela. E para dar um toque britânico, estava sempre fumando um cachimbo à la Sherlock Holmes. Como a família do Manga gostava do subdelegado desde os tempos da Globo, ele me convidou para jantar em sua casa. Inalda de Carvalho, ex-Miss Cinelândia 1953 e agora sua esposa, também já tinha sido uma de minhas atrizes favoritas em A Outra Face do Homem, Matar ou Correr e Colégio de Brotos. Manguinha e Paula, filhos deles, eram bem pequenos; Di, hoje Dirce Vasconcelos, irmã postiça de Inalda e minha eterna amiga, também morava com eles. Foi uma noite muito agradável e, no meio de um papo, Manga me disse: Você sabe tudo da minha vida. Só tem uma pessoa que sabe tanto quanto você, um rapaz que conheci uma vez com Irene Ravache numa cantina do Bexiga. E ficou pasmo quando soube que aquele tal “rapaz” era eu mesmo. O personagem da novela continuava ótimo; pela primeira vez, desde que comecei a fazê-lo na Globo, me sentia à vontade, sem medo das câmeras, sabendo aproveitar e tirando prazer das cenas. Mas meu empenho em ver Carlos Manga em ação era maior do que o interesse que eu tinha pelo subdelegado ou pela novela como um todo. Atento, vivia no switcher observando o jeito que ele dirigia, como organizava uma cena, marcava as câmeras, instruía os atores e resolvia os cortes na mesa de edição. Aprendi muito ali, apenas observando o homem que dirigira Oscarito, Grande Otelo e Eliana, meus ídolos de infância, e mesmo sem eu saber, um novo e definitivo caminho começava a se desenhar à minha frente. Assim como já acontecera com Ademar Guerra e Antônio Abujamra, o encontro com Carlos Manga ampliou mais ainda meus horizontes. Abujamra me ajudou a desvendar o mundo do entendimento de um texto, da importância de cada autor, da direção de atores, da marcação no palco, do valor da iluminação em um espetáculo. Com Ademar, a lição foi nunca esquecer o prazer, não ter medo de ousar, trilhar novos caminhos, misturar influências, assumir o meu gosto pessoal e nunca investir em um trabalho apenas para agradar aos outros. “Não podemos fazer concessão nem a nós mesmos. Há que fazer sempre o que pede o espetáculo”, ele me dizia. Com Manga, o aprendizado veio como um todo dentro da área específica de cinema e televisão: como colocar uma câmera, para que e como usar um travelling ou uma zoom, qual era a enquadração de cada lente, como ligar uma cena a outra, como dirigir um ator para a câmera, como escalar, como contar apenas com a imagem, como raciocinar cinema e, principalmente, como fazer um roteiro. Pegou-me pela mão, como a um filho, e me ofereceu toda sua experiência profissional com um desprendimento comovente para um homem tido como durão e egoísta. Carlos Manga sempre foi muito generoso comigo, me ensinou demais a viver, profissional e pessoalmente, teve uma influência benéfica e decisiva em todos os setores da minha vida. Como todo artista inquieto, talentoso, vaidoso e centrado em si mesmo, é uma pessoa difícil de conviver, mas que imenso privilégio poder conviver a seu lado! Quando Editora Mayo, Bom Dia saiu do ar, Manga passou a ser diretor de dramaturgia da TV Record e me chamou para seu assistente. Nossa primeira parceria foi o programa semanal Aplauso, com adaptações de peças de teatro e romances. Entre as mais marcantes, estavam as extremamente bem cuidadas A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, com Nathalia Timberg, e Servidão Humana, de Somerset Maugham, com Laura Cardoso e Fúlvio Stefanini. Também produzimos duas novelas que estrearam simultaneamente: Sol Amarelo, bangue-bangue escrito por Raimundo Lopes, autor de Redenção, e Quarenta Anos Depois, de Lauro César Muniz, continuação de Os Deuses Estão Mortos. A época áurea dos festivais de música já ia longe e a Record enfrentava a decadência no começo dos anos 70, com salários atrasados e condições de trabalho tão precárias que nem havia condução para transportar os atores às locações. A Globo, ao contrário, crescia muito e atraía cada vez mais os profissionais. Remanescente do apogeu da Record, Manga era um dos maiores salários da casa, embora não recebesse há vários meses. Começamos a tentar melhorar as condições de trabalho e também os salários de nossos atores. Naquele tempo eram comuns os atrasos de pagamento e, ao assinar um contrato, o profissional já sabia que receberia com uma defasagem de três meses. Um absurdo incompreensível que só mudou com a entrada da TV Globo no mercado. É mais uma injustiça que se faz a esta grande organização; nunca se diz que foi a Globo que moralizou e melhorou as condições de trabalho do artista brasileiro, profissionalizando definitivamente a televisão no Brasil. Ainda na Record, que na época também pertencia a uma família, no meio de uma assembléia com os atores para discutir suas reivindicações, Paulinho Machado de Carvalho apareceu de surpresa: “Não quero esse tipo de reunião na minha empresa. Quem quiser reclamar, vá no sindicato!” O chefão desligou a luz geral do estúdio e todo mundo se dispersou. Foi uma enorme humilhação pessoal e profissional; Manga pediu demissão e entrou com um processo trabalhista reivindicando seus salários. A direção me ofereceu um ótimo aumento para tocar o departamento sem ele, mas preferi sair junto, o que fortaleceu ainda mais nossa amizade. Na época, quando algum artista processava uma emissora, caía em uma lista negra e as outras, em solidariedade, não o contratavam mais e, sem conseguir outra colocação por aqui, Carlos Manga vendeu uma casa que tinha no Rio de Janeiro, entregou a outra alugada no Pacaembu e foi para a Itália com toda a família. Desempregado e ansioso por uma percepção de futuro, resolvi ir ao encontro dele em Roma. Di foi comigo e enquanto ela, Inalda e as crianças passeavam pela cidade, Manga e eu ficávamos falando sobre cinema o dia inteiro. Logo veio a idéia de escrevermos um argumento. Era a primeira vez que me envolvia com o processo de efetivamente criar uma história, no entanto me sentia como um ator escrevendo o que Manga falava. Dava uns palpites, mas não estava inventando aquilo, a história era dele e eu ainda não imaginava ser escritor. Quando a trama, que juntava elementos do folclore brasileiro, começou a tomar forma, veio a idéia de oferecê-la ao produtor Oscar Brazzi, que morava no mesmo prédio em Pariolli. Ele leu a história, se mostrou interessado e veio conversar, acompanhado pelo irmão famoso, Rossano Brazzi, galã do cinema italiano, que contracenara com estrelas como Ava Gardner e Katharine Hepburn. Os dois irmãos foram embora com nossa história e a incumbência de encontrar um roteirista italiano que se interessasse em desenvolvê-la como um filme. Nunca mais deram sinal de vida e tivemos que abrir um processo para ter o argumento de volta, o que só conseguimos depois de muito empenho e confusões jurídicas. Nessa altura, início dos anos 70, meu irmão Ubaldo já tinha se mudado definitivamente para Nova York e, antes de voltar, fui visitá-lo e trouxe na bagagem uma erótica boneca inflável. Nem pensar em paixão à primeira vista nem em outras utilidades, a monstrenga fora encomenda de Carlos Manga e teria uma participação importante em A Superfêmea, filme que o produtor Anibal Massaini o chamara para dirigir e pelo qual ele também estaria voltando ao Brasil. Eu seria seu assistente, mas ele não aprovou o roteiro e saiu do projeto (ah!, a boneca inflável também dançou, mas apenas por razões estéticas). Massaini assumiu a direção e, a pedido de Manga, me chamou para um papel. Nem estava mais interessado em trabalhar como ator, mas era uma questão de pura necessidade financeira. Estrelado por Vera Fischer, com 20 anos, no supremo auge de sua beleza e em seu segundo papel no cinema, A Superfêmea é bem anos 70, estilo Richard Lester, o diretor que fez os filmes dos Beatles. Tem uma seqüência onde a personagem de Vera sai numa louca correria, de biquíni, e começa a ser perseguida por vários pontos de São Paulo, inclusive no Viaduto do Chá, que parou para ver a cena. Faço um dos homens que está no encalço da bela e junto com outro ator fico perseguindo-a, carregando-a, tentando embarcá-la num carro, num barco, num trem, etc., até conseguir caçá-la e levá-la à presença do gênio da publicidade que a queria em uma campanha. Carregar aquela linda mulher pela cidade, para cima e para baixo, durante dias, foi muito agradável, o filme fez um enorme sucesso e nele dei meu canto de cisne como ator e nunca mais, mesmo tendo atuado bem recentemente em um curta-metragem, tive ou tenho a menor vontade de voltar a representar. Capítulo XIV O Divã Meus problemas de entrosamento e timidez não eram segredos para os mais íntimos e vieram à tona numa conversa com Maria Isabel de Lizandra. Por que você não faz terapia?, questionou minha amiga que havia se casado com o psiquiatra Antonio Carlos Marcílio de Godói. Disse-lhe que não tinha dinheiro para pagar um terapeuta e ela ficou de falar com o marido, pedindo que me atendesse pelo mínimo que eu pudesse pagar, o que acabou ocorrendo. Comecei a fazer terapia uma vez por semana e a lidar com minhas encucações. Curioso é que nunca toquei no tema “peruca”, apesar de, no fundo, saber que ali estava a raiz de muitas preocupações. A base do tratamento é muito clara: aceitar-se como se é, se assumir e não ter medo de viver dali pra frente. E quem disse que eu queria ser como era? Passara minha vida ansiando em ser outra pessoa, ainda queria gritar Shazam e virar o Capitão Marvel, queria ser alto, forte e galã como o Burt Lancaster, como é que eu iria me aceitar? Incrível como a gente se engana; com a peruca, achei que conseguira meu intento, mas estava redondamente enganado: continuava a ser o mesmo homem, só que disfarçado, e com a terapia passei a me ver melhor, minimizar e aceitar os meus defeitos, descobrir e valorizar minhas qualidades. E, menos de um ano depois, estava prestes a gritar Shazam e não iria precisar me transformar fisicamente em um super-herói, o segredo estava dentro da minha cabeça. Bem no começo desse processo todo, dirigi meu primeiro espetáculo e quem lançou a semente foi José Carlos Proença, que se formara cenógrafo e trabalhava no Sesc. Ele conhecia minha paixão por musicais e sabia de meu entusiasmo pelo New Underground Theatre, movimento que começara nos palcos novaiorquinos e que só chegou aqui vários anos depois, como besteirol. Trouxera de Nova York um livro de Jean Claude van Itallie, que era o precursor dessa onda e vivia citando I’m Really Here, sobre Doris Day e Rossano Brazzi, num filme musical em Paris. Por que você não dirige essa peça? Nós temos um grupo aqui no Sesc, atiçou meu amigo e eu resolvi encarar o desafio. O texto da peça satirizava os filmes musicais, mas não dava referências e isso iria fatalmente dificultar o entendimento dos não-iniciados. Decidi explicitar e armar no palco os números citados, dublados pelos atores, e projetar em cinco telas imensas no cenário as imagens dos criadores de tais cenas. Assim, através de projeções, estrelas como Ava Gardner, Jane Powell, Marilyn Monroe, Ann Blyth, Howard Keel e um mundo de outros estavam presentes no espetáculo. A coreografia foi de Marika Gidali. Mudei o título para Não se Preocupe, Doris, Tudo Vai Acabar Bem e estreamos em novembro de 1969, no 2º Festival de Teatro Amador do Sesc, junto com Antígona, Electra, Édipo Rei e outras tragédias gregas que amador tem mania de fazer. Mas quem fez essa peça? Que cara talentoso! Sem dúvida, é o melhor espetáculo de todo o festival. Estava saindo da cabine de iluminação quando ouvi estas palavras de Flávio Rangel, que foi embora com sua turma e me deixou pulando de alegria. Ganhamos muitos prêmios nesse festival e por conta do sucesso de Não se Preocupe, Doris; vieram convites para dirigir outros grupos amadores e aceitei o da Faculdade de Agronomia de Piracicaba. Nítida evolução da terapia, eu enveredava para outras bandas – em vez de ser ator, estava dirigindo, criando, me soltando. Com o grupo de Piracicaba, montei O Homem do Princípio ao Fim, de Millôr Fernandes, onde usei muito do que aprendera no Actor´s Studio, bastante laboratório baseado no Método Stanislavski e também exercícios de outros mestres como Viola Spolin e até Grotowski, que acabara de descobrir. Fiquei dois ou três meses montando essa peça, morando em uma pensão modesta da cidade. Nas vésperas da estréia, acordei, me olhei no espelho – eu dormia de peruca – e me disse: O que estou fazendo com isso na cabeça? Exatamente isso e só isso. Foi como se uma luz acendesse de repente e completei: Deixe de ser ridículo! Tirei a peruca, fui num barbeiro na praça e mandei raspar as laterais. Careca total fui para o ensaio, onde ouvi elogios ao meu novo visual e logo ninguém mais tocou no assunto. Como fazia muito sol, comprei um bonito Panamá igual ao de Robert Mitchum em Lábios de Fogo (Fire Down Bellow) e passei a usar chapéu. Na primeira sessão de terapia careca total, Godói deu seu diagnóstico: Agora você está curado. Não tenho mais o que fazer, esse era o seu problema e me deu alta. Tudo acontecera sem que eu nunca tivesse tocado no assunto “peruca”, e essa foi a esperteza e o talento do meu terapeuta. Voltei à análise no final dos anos 90, depois da novela Torre de Babel. O analista era o mesmo, mas os problemas eram muito diferentes... Capítulo XV O Livro e a Caneta Com seis anos de idade, entrei para o curso primário na Escola Paroquial Nossa Senhora da Paz, que ficava na esquina de casa, na Baixada do Glicério. Ainda era muito novo e a idade mínima seria de sete anos, mas minhas tias, amigas do padre e cantoras da igreja, deram um jeito; ninguém devia agüentar mais aquele moleque dentro de casa. Além de não decepcionar, fui brilhante e quando terminaram as aulas, meu nome enfeitava o quadro de honra, no destaque reservado ao melhor aluno da escola. Na festa de encerramento do ano letivo, seriam distribuídos os prêmios para os melhores – uma caneta para o primeiro e um livro O Patinho Feio para o segundo. Como o vice tinha 12 anos, os mestres acharam que não podiam dar um livro infantil para rapazote tão crescido e uma caneta para o pirralho. Resultado: ele levou a caneta e eu amarguei o prêmio de segundo lugar. Essa injustiça absurda me acompanhou por muitos e muitos anos, e gerou um sentimento de rejeição e injustiça que só fui descobrir em meio à terapia, depois de uma violenta crise. Muito antes do meu retorno a Peyton Place na época de Guerra dos Sexos, e por alguma razão que o tempo se encarregou de me fazer esquecer, voltei à rua de minha infância. Não tenho explicação para o que aconteceu, mas a verdade é que parecia que eu havia tomado um ácido e, como sou contra drogas, garanto que o motivo não foi esse. Vindo da Praça João Mendes, descia a pé a ladeira, quando estranhamente comecei a ouvir vozes na minha cabeça que me levaram diretamente para a minha infância: Sai daí, menino, não é pra brincar na rua; Sai da sala que você está atrapalhando; Fulana, dê dois cruzeiros pro filho da costureira. Uma de minhas tarefas era entregar as roupas que minha mãe costurava para a vizinhança e essas gorjetas sempre me deixavam extremamente humilhado. Tudo isso retornava como um turbilhão na minha cabeça e me vi no pátio da escola, colado à igreja, sentado na escadaria. O prédio também, como eu, estava passando por uma reforma e, sem a menor explicação, tive uma violenta crise de choro enquanto falava: “Eu ganhei a caneta, eu não ganhei o livro. Não quero esse livro. Quero o que é meu de direito. Eu fui o melhor. Quero a caneta.” A catarse durou um bom tempo e saí dali bem mais aliviado. Essa passagem aparece mais ou menos no filme Mulher Objeto, quando a personagem de Helena Ramos descobre a origem de seu problema sexual. É muito freudiano, muito clichê e até um pouco bobo, mas é verdade, aconteceu comigo. É claro que isso foi antes de receber alta da terapia e me ajudou muito a exorcizar meus fantasmas. Eu me esforçava, sentia que merecia, mas não ganhava, e essa rejeição, até então, era o ponto chave de toda a minha vida. O Patinho Feio me marcou muito. É a história de um filhote de cisne que vai parar no meio dos patos, não consegue se adaptar e um dia descobre que não faz mesmo parte daquele meio, porém é muito mais bonito e melhor que todos os outros. Fiquei com o livro, lia, imaginava que tinham me dado porque eu era aquilo, um patinho feio, porém, sempre otimista por natureza, ficava aguardando o dia de virar cisne, entrar no trenzinho, etc. e tal. Brincadeiras à parte, esse sentimento de rejeição e de iniqüidade me é muito forte. Reajo muito mal à injustiça e fico doido quando sei que mereço algo e não ganho. É um sentimento que me acompanha a vida inteira e apesar de hoje saber lidar melhor com isso, às vezes tenho sérias recaídas. Capítulo XVI O Destino Bate à Porta Não é segredo que a extinta Embrafilme privilegiava os cineastas cariocas e deixava os paulistas a verem navios. As pornochanchadas eram bancadas por produtores e, como os filmes davam dinheiro, acabava sendo um grande negócio. Decididos a investir em cinema, Lincoln Lafayete da Silveira Bueno e Décio Garcia Nascimento apareceram na Boca do Lixo. Garotões ali pelos 20 anos, de São José do Rio Preto, vinham atrás de dicas para entrar no ramo e descobriram, através de Anibal Massaini, que um roteiro era o primeiro passo. E como conseguir um? Anibal indicou três roteiristas: Adriano Stuart, Lauro César Muniz e eu. Até hoje, ele insiste que se lembrou de mim pela história que escrevi com Carlos Manga na Itália e pelas nossas conversas durante as filmagens de A Superfêmea, mas acho que foi de molecagem mesmo com os garotos. Como Adriano e Lauro César nem falaram com os candidatos a produtores, eles acabaram batendo na porta do meu apartamento na Rua Major Sertório, centro de São Paulo, que nem telefone tinha e onde o aluguel estava atrasado há dois meses. Conversamos, falei que não sabia escrever e os dois, crentes que eu fazia charme porque eles não eram profissionais conhecidos, foram subindo o preço que chegou a um valor quatro vezes maior do que meu aluguel. Insistiram tanto que aceitei fazer uma sinopse. Liguei para o Manga, que também andava numa fase de pindaíba, e sugeri escrevermos juntos e dividirmos o dinheiro. A combinação era que eu assinasse, pois o mito Carlos Manga não poderia voltar ao cinema fazendo um roteiro de comédia para desconhecidos quaisquer, em dupla com outro que nunca tinha escrito nada. À medida que nosso trabalho avançava e eu efetivamente escrevia as cenas, os diálogos, as gags que bolávamos juntos, Manga dizia que aquele roteiro estava ficando bom e que ele queria dirigir. Dei essa idéia aos produtores, que nem sonhavam que escrevíamos juntos, eles se entusiasmaram e o contrataram. Eu seria seu assistente de direção, o que faria pela primeira vez no cinema, já que nossa parceria não se concretizara em A Superfêmea. Fomos para o Rio de Janeiro e começamos a acertar o elenco: José Lewgoy, Adriano Reis, Elke Maravilha e Carlos Eduardo Dolabella. Para mocinha do filme, estávamos atrás de Ângela Diniz, a Pantera de Minas que depois foi assassinada. Ângela topou, mas foi impedida por seu advogado, com o argumento de que tanta exposição a prejudicaria, já que ela respondia processo pela morte de um caseiro. Evidentemente, nossa personagem tinha caso com um caseiro negro e era por isso que pensáramos nela. O papel ficou com Márcia Maria, estrela das novelas da TV Record. Tudo armado para começar as filmagens, passeávamos com os produtores em um carro na Al. Santos. Era um carro grande, importado, confortável, não lembro a marca; Lincoln e Manga na frente, Décio e eu no banco de trás e de repente, depois do diretor avisar que precisava de uma tal grua, um deles questionou: Pra que você vai querer essa grua? Carlos Manga enlouqueceu: Eu não tenho que dar satisfação para esses dois moleques. Pára já esse carro, saiu e foi embora sem olhar para trás. Fiquei ali com os dois, afinal eu é que tinha arrumado todo o negócio. Como Manga não queria mais nem ouvir falar do filme, os produtores me convidaram para assumir a direção. Aceitei, quase morri no processo, mas consegui realizar o filme no prazo e dentro do orçamento; foi assim meu batismo de fogo como diretor de cinema. Em seis meses, passei do sujeito que fizera uma ponta em A Superfêmea ao diretor daquele que seria um grande filme independente. Por causa disso, Manga achou que eu não tinha sido leal com ele e tivemos a nossa primeira briga feia. Gente Que Transa, assim se chama meu primeiro filme. Naquela época, a palavra “transa” significava transações e o nome viera no sentido de “Gente que faz transações”. Não por causa do filme, evidentemente, mas logo a palavra adquiriu a conotação sexual que mantém até hoje, o título ganhou um sentido que tem tudo a ver com a pornochanchada e os produtores resolveram lançá-lo como o filme mais erótico já feito no Brasil, o que, evidentemente, era um engodo. Eu não queria começar como diretor desse tipo de filme, muito menos enganando o público e, tentando limpar meu nome ainda inexistente, fiz a burrada de mandar cartas a todos os críticos e jornalistas explicando que o filme não era erótico, que era uma comédia sofisticada, etc. Santa ingenuidade. Todos resolveram cair de pau em cima de mim, alguns achando que eu era uma besta, no que estavam cobertos de razão, e outros pensando que estava querendo promover o filme através de um estratagema e estes, me desculpem, eram ainda mais bestas do que eu. Não é um bom filme, mas a idéia é boa, assim como o roteiro. É mal dirigido porque fui aprendendo a fazer durante o processo de filmagem, nunca tinha sido nem assistente em cinema. Sabia dirigir os atores, mas ainda tinha muita dificuldade em raciocinar através de lentes e da câmera, não tinha a técnica e isso me fragilizava. O filme trata da concessão de um canal de televisão, disputado por dois empresários. Adriano Reis interpreta o dono de um jornal tradicional e Carlos Eduardo Dolabella, o de um pasquim de escândalos. Na corrida, o prestígio do jornal sério fatalmente ganharia a parada e, na tentativa de interferir no resultado, Dolabella arma um escândalo envolvendo moralmente o dono do outro jornal. Tinha saído há pouco tempo da TV Record, queria mostrar como o meio funcionava e incluí muitas das safadezas que vi acontecer por lá. Numa cena, aparece uma figurante desesperada atrás de um papel e aborda o personagem de Dolabella: Moço, moço, pra quem tenho que dar para conseguir emprego nessa TV? Elke Maravilha interpretava outra dessas garotas que não poupam esforços para virar estrela, de sala em sala, de sofá em sofá e quando, enfim, aparece a grande chance de gravar uma cena, não têm talento sequer para abrir uma porta. Logo que assisti à primeira cópia de Gente Que Transa, concluí que não sabia fazer cinema direito e voltei a procurar Carlos Manga. Conversamos, deixamos os ressentimentos de lado e me convidei para ser seu assistente em O Marginal. Ele aceitou, mas muito generosamente me disse: Você já dirigiu um filme e não vai ficar de assistente de direção e nos créditos do filme meu nome está como diretor assistente. Não demorou muito para eu voltar a comandar uma equipe, o que ocorreu com A Grande Vocação, um dos três episódios da comédia Cada Um Dá o Que Tem. É a história totalmente despretensiosa de um rapaz reprimido, que viveu a vida toda numa fazenda e vem a São Paulo despedir-se de seus familiares, antes de ingressar no seminário. O moço acaba numa mansão do Morumbi, onde um monte de gostosas e seminuas coloca à prova sua vocação. Ewerton de Castro interpretava o seminarista, personagem inspirado num amigo meu e de minha mulher, um padre muito recatado, que adorava folhear, às escondidas, minha coleção da revista Playboy. Falando em revistas, naquela época recrutávamos o elenco de beldades nas páginas de Playboy, Status e Ele e Ela, onde Alcione Mazzeo, Rose Di Primo e Nídia de Paula despontaram. Cada Um Dá o Que Tem foi muito visado pela censura. Meu episódio tinha 25 minutos, podaram oito, só foi liberado depois de muitas negociações, mas passou com alguns cortes. E essas tesouradas estavam relacionadas às questões ligadas à família, como a mãe que aparecia nua em um banquete e outras situações consideradas desrespeitosas para a tradicional família brasileira. E também com a igreja, já que é a história de um seminarista sendo tentado por belas garotas e até por uma bichona, interpretada de maneira muito hilária pelo Miele. Na metade dos anos 70, a grande preocupação dos censores, mais que a política, era com a religião e a família. Capítulo XVII Cenas de um Casamento Em 1974, quando nos casamos, eu era mais duro do que quando comecei a namorar Maria Celia. Pela direção e roteiro de A Grande Vocação ganharia 7.500 cruzeiros. Para as despesas do casamento – igreja, roupa, cartório – precisava de 5 mil, que o produtor não podia me adiantar. Não tinha dinheiro para casar e disse à minha futura esposa que, se ela pudesse me emprestar o dinheiro, depois eu pagaria. Ela aceitou de imediato e esse gesto me emociona até hoje como uma demonstração clara e inequívoca de seu amor e de sua confiança com relação a mim. Professora, chefe de departamentos, com uma posição privilegiada dentro de uma importante universidade, ela namorava um misto de diretor de pornochanchada e ator sem destaque. Não havia nenhuma garantia de algum futuro brilhante e, no entanto, não hesitou em me fazer entender: Confio, quero me casar, porque amo você. A naturalidade da confiança mútua que vem do amor era algo que eu nunca sentira. Meus relacionamentos anteriores foram muito superficiais e nunca tiveram esse compromisso de vida. Felizmente o tempo, já há 31 anos, prova que ambos estávamos certos em nossas escolhas. Casamos na capela da PUC e existia lista de apostas dos colegas dela de quanto tempo nossa união iria durar. Os mais ousados arriscavam dois anos. Éramos e continuamos a ser duas pessoas completamente diferentes em tudo, mas o que eles não sabiam é que somos absolutamente iguais nos objetivos e princípios. Depois da igreja, fui direto trabalhar. Dirigia a dublagem de O Marginal e, como tinha estúdio marcado naquele dia, não pude comparecer ao jantar oferecido pelos nossos padrinhos, Celso, irmão dela, e Nina, nossa cunhada. Maria Celia tinha 30 anos e eu, 32. Eu já tinha namorado, tido relacionamentos, feito tudo que quisera na vida. Nós sabíamos o que buscávamos e quando resolvemos nos casar foi consciente, equilibrado, maduro e não apenas um entusiasmo passageiro. Nossa história começou como amizade, virou paixão e depois se transformou em amor. A paixão se extingue, a amizade e o amor crescem e permanecem. Tive a sorte de encontrar uma companheira extraordinária, que está sempre comigo, me ajuda em tudo, me apóia e que vai estar do meu lado não importa o que acontecer. Não entendo viver sem ela. Depois de ter saído da PUC, minha mulher passou a trabalhar com Flávio Gikovate como psicóloga clínica e hoje mantém um consultório próprio e faz estudos com grupos de terceira idade. Nunca parou suas atividades. Uma das coisas boas do casamento é o respeito à individualidade. Nos amamos, estamos sempre juntos, viajamos juntos, saímos juntos, vamos ao cinema, teatro, jantares, sempre juntos. Mas ela tem a vida dela e eu a minha, um não atrapalha e respeita a vida do outro. A sensação de posse nunca fez parte de nosso casamento. Claro que houve momentos em que discutimos, brigamos, colocamos a relação em xeque, mas nunca nos separamos, talvez porque tenhamos aparado todas as arestas nos cinco anos de namoro. Com a falta de dinheiro imperando, nossa lua-de-mel foi em São Vicente, num apartamento emprestado por uma parenta dela. Ficamos lá uns três dias, comendo camarão de espetinho que se vendia na praia. Como o mundo dá voltas, em 2004, fomos a Paris só para comemorar nossos 30 anos de casados. E na data do aniversário, em vez do camarão da praia, tivemos um jantar muito especial no Tour D´Argent. Chegamos no restaurante às oito da noite, ainda claro por lá, e ficamos numa mesa na janela, bem de frente ao Sena; víamos Paris inteira, um crepúsculo vermelho maravilhoso tomando conta da cidade, o barco flutuando pelo rio e desta vez não era um filme, era a realidade de toda a nossa vida. Foi uma extravagância para uma comemoração muito especial por tantos anos de amor, carinho e emoção, pela nossa filha que só nos dá prazer e por termos crescido e chegado tão alto juntos e felizes. Capítulo XVIII Atlântida, o Reencontro Nem nos meus sonhos mais desvairados imaginava que teria 33 filmes da Atlântida na minha casa à minha disposição e foi isso que aconteceu quando comecei a trabalhar no projeto Assim Era a Atlântida. A idéia ganhou força depois de Era Uma Vez em Hollywood, que assisti 500 mil vezes e continuo vendo até hoje. Ali pensei que poderia fazer algo semelhante com as chanchadas, pois muito da produção da Atlântida avacalhava, satirizava ou imitava os musicais americanos. Um bom exemplo disso são os números musicais de Watson Macedo, como em Carnaval no Fogo, onde Anselmo Duarte dançando Jalousie com Eliana remete direto a Ginger Rogers e Fred Astaire em qualquer um de seus filmes da RKO. Na armação dos roteiros, entravam elementos de teatro de revista, cantores de rádio, quando a história parava e depois retomava a ação no fim do número musical e diálogos de novelas que davam um colorido bem brasileiro aos mocinhos e mocinhas – tudo o que não acontecia nos musicais americanos. Daí porque acusar a chanchada de simples cópia do que era despejado por aqui por Hollywood é injusto. Comecei a me aprofundar no assunto e enchia tanto os ouvidos de Carlos Manga, que ele se entusiasmou e foi ao Rio conversar com Luiz Severiano Ribeiro Jr., o herdeiro da Atlântida, que topou produzir o filme. Minha missão era a melhor possível: entrevistar aquele pessoal todo, escrever o roteiro e escolher trechos dos filmes com o Manga. No nosso apartamento na Rua Saint Hilaire, desembarcaram certo dia um projetor 16 mm e os filmes que restavam da Atlântida. Era enorme minha satisfação em rever aquelas fitas que tanto marcaram minha infância, maior ainda pelo fato de que ainda não existia videocassete e eu tinha, ali na sala, um cinema só para mim. Ainda não tínhamos dinheiro para os móveis e a sala completamente vazia, de paredes brancas, facilmente se transformou no meu cinema particular e bem melhor do que aquele que fiz de caixa de sapatos. Durante um ano, me debrucei sobre o material, marcava minhas cenas preferidas e depois me reunia com Carlos Manga para discutirmos as seqüências que seriam usadas. Fazia isso com um prazer tão grande e nem me lembro de quanto ganhava. Sei que dividia meu tempo entre o filme e o programa Teatro Dois, na TV Cultura. Depois da preparação toda, chegou a hora que eu mais esperava, a das entrevistas, e encontrei Cyll Farney, Fada Santoro, Anselmo Duarte, José Lewgoy, Inalda de Carvalho, Adelaide Chiozzo, Norma Bengell, Grande Otelo. Nem citei o nome de Eliana, mas claro que era a primeira da lista; uma grande estrela, não só grande, mas também única com seus filmes atraindo multidões. Sinfonia Carioca e Rio Fantasia, filmes que Watson Macedo dirigiu depois que Eliana saiu da Atlântida, ficaram em cartaz perto de 50 semanas nos principais cinemas da cidade. Seus trejeitos, suas roupas, suas músicas, tudo era copiado pelas garotas da época. Quando finalmente a conheci, Eliana morava num apartamento modesto em Copacabana, numa rua em frente ao extinto Cine Metro, e me recebeu na sala com o marido, Renato Murce, já bem velho e usando uma bombinha de asma. Conversamos bastante e reparei que a estrela da minha meninice falava com a mão na frente da boca, pois estava com periodontite. Sentindo o carinho tão grande que tinha por ela, me contou a história de sua vida, cantou trechos de músicas, dançou pela sala. Foi uma noite mágica, mas havia algo de Baby Jane no ar, uma decadência que sempre me fez muito mal, principalmente quando é a de pessoas de quem gosto e admiro. Queríamos colocá-la no filme da melhor maneira possível. Tinha imaginado o roteiro da seguinte forma: todos aqueles astros apareceriam no cenário do Rio de Janeiro, onde eles tivessem rodado uma seqüência importante. Começava com a cena original e cortava para o depoimento do astro ou estrela naquele mesmo cenário nos tempos de hoje. Essa solução de só filmar em externas veio pelo simples motivo de que não dispúnhamos nem de verba nem de um estúdio. Adelaide Chiozzo apareceria no Morro Santa Marta, Cyll Farney na Urca e Eliana nos Arcos da Lapa, o lugar onde ela dançava na maioria dos musicais de Watson Macedo, porque vivia sempre a mocinha do subúrbio, não era a garota Zona Sul. Filmamos lá num dia de sol fortíssimo e, quando vimos o copião, percebemos que aquele material não poderia ser aproveitado; minha estrela mal conseguia falar, tapando a boca meio envergonhada, por causa do problema nos dentes. Manga e eu concordamos que Eliana merecia uma melhor exposição. Dane-se que eu tivesse tido essa decepção, não iria dividi-la com o resto do Brasil; meu carinho e respeito por tudo o que ela já tinha sido e representado, não só para mim, mas para milhões de brasileiros, era imenso e verdadeiro. Conseguimos que Luiz Severiano lhe pagasse o tratamento dentário e passei uma semana levando-a ao dentista em Copacabana. É claro que a situação era completamente diferente, mas lá estava eu realizando meu sonho de infância, passeando com Eliana na calçada que imitava as ondas do mar como numa boa chanchada da Atlântida. Conseguimos também colocá-la numa clínica para emagrecer, contratamos Maria Augusta, da Socila, para uma boa repaginada em seu visual e alugamos por algumas horas uma linda casa na Zona Sul, onde em um belo sofá, rodeada de flores, a estrela máxima dos musicais brasileiros, ostentando sua marca registrada no sorriso impecável de dentes perfeitos, dá seu depoimento no filme. Tudo de mentira, tudo fantasia, exatamente o que mais me fascina no cinema. Todos esses cuidados para preservar sua imagem depois de tantos anos, foi o que melhor pudemos fazer por aquela artista que me deu tanto prazer durante a minha infância inteira. Foi meu jeito de lhe agradecer por tanta alegria e encantamento que, afinal, foram minha motivação maior para lutar e querer ser o artista que estava conseguindo me tornar. Os outros depoentes não precisaram de cuidados especiais e para Grande Otelo, José Lewgoy e Anselmo Duarte conseguimos reabrir os velhos estúdios da Atlântida, na Rua Haddock Lobo. Outro ídolo, o maior de todos, Oscarito, não cheguei a conhecer, infelizmente já havia falecido. Pela enorme gratidão que Manga nutria por ele e pela minha incondicional admiração, a antologia de toda uma época é dedicada ao seu grande talento. Assim Era a Atlântida ficou emocionante, bem feito e achávamos que seria um sucesso, seu grande fracasso de público e crítica foi uma enorme decepção. Foi lançado no Cine Art-Palácio, aqui em São Paulo, e no Odeon, no Rio, as salas que mais consagraram as chanchadas. A época era outra e o interesse popular também; dificilmente conseguíamos mais de dez pessoas por sessão. É horrível e muito frustrante a sensação de entrar no cinema e ver que um filme feito com tanto empenho, tanto amor, tanto carinho, não interessa e nem se comunica com ninguém. A última chanchada foi produzida em 1961, o auge mesmo entre 1950 e 1958, e em 1975 ainda havia um enorme preconceito em relação a esse gênero tão popular. Apenas Orlando Fassoni e Luciano Ramos, dois críticos paulistas, conseguiram ver alguma qualidade e importância no trabalho. Os outros todos, além de ofender o filme, a intenção e a realização, atacavam principalmente as chanchadas. O tempo se encarregou de mostrar a verdade, porque tudo o que foi e tem sido escrito sobre chanchadas depois de Assim Era a Atlântida tem sua base nas pesquisas que fiz e que aparecem no roteiro e nos press releases do filme. Até livros inteiros foram escritos utilizando as idéias e informações divulgadas ali, sem que nenhum crédito nos fosse atribuído. Mesmo assim, o trabalho valeu muito a pena e, hoje se sabe, é o único documento existente em imagem sobre o gênero. Estudantes, professores e pessoas em geral se interessam em assistir e o filme é elogiado no jornal toda vez que é reprisado em algum canal de televisão ou evento cultural. Nada melhor do que o tempo. Capítulo XIX Um Filme atrás do Outro Assim como ocorrera com Carlos Manga, foi Irene Ravache também quem me apresentou Rubens Ewald Filho. Ambos malucos por cinema, nos entendemos de imediato e assim que ele manifestou vontade de escrever comigo, convidei-o para juntos elaborarmos o roteiro de uma comédia que o produtor Anibal Massaini me encomendara e que faria parte de um filme com dois episódios. Juntamos bons atores, o que a pornochanchada não tinha, e técnica de comédia. De A Festa passou a ser O Desbunde, e depois de muitos outros títulos se transformou em Elas São do Baralho. Sempre gostei de misturar atores com tendências e experiências diferentes: Antônio Fagundes, Nuno Leal Maia, Cláudio Corrêa e Castro e Iolanda Cardoso vinham do teatro dito sério; Sônia Mamede, Esmeralda Barros e Marivalda, de shows e teatro de revistas, e Cristina Pereira acabando de sair da EAD. O que unia todos eles era o talento e o gosto pela comédia. Filmamos numa cobertura no centro de São Paulo, residência de Anselmo Duarte. O entra-e-sai era tão grande que teve até abaixo-assinado dos vizinhos para nos expulsar. Era uma grande chanchada, onde o nu era engraçado e não erótico. Anibal Massaini, o produtor, gostou do resultado e como o outro episódio, que deveria ser escrito e dirigido sei lá por quem, não saíra do papel, quis aumentar, transformá-lo em um longa metragem. Rubens e eu, achando que nossa história não tinha estrutura para tanto, nos recusamos a escrever qualquer acréscimo ao episódio. Entraram em cena dois novos roteiristas que bolaram um prólogo e um epílogo. Quando voltei para dirigir as cenas adicionais, já andava às voltas com outro filme, mas profissionalmente precisava terminar o trabalho e, insatisfeito com o material, optei por escalar atores inusitados para ganhar um pouco mais de comédia. Daí entrou a quadrilha com um anão, um travesti, um halterofilista boçal e até Adoniran Barbosa, que foi uma diversão em toda a filmagem. E o Elas São do Baralho acabou ficando realmente divertido. Claro que nos bastidores também havia comédia: Sônia Mamede, que viera do Rio para filmar, me ligou do hotel. Eu estava à espera do telefonema de uma outra Sônia, que seria dispensada depois de esnobar o convite para uma ponta, e fui logo dizendo: Olha, Sônia, nossa conversa não foi muito boa, você não confia no meu trabalho... A resposta veio rápida: Ah, se não confio no teu, confio no meu e sem ainda me dar conta de com que eu estava falando, disse: É, mas infelizmente não vai dar, você não sabe fazer comédia. Pronto, aquela voz do outro lado explodiu: Está pensando que eu sou palhaça? Você não me conhece. Eu vou ficar pelada nesse São Paulo! Só aí me dei conta de quem estava do outro lado, me desculpei, pedi que esquecesse o que tinha ouvido e que eu estava indo ao seu encontro. E fui, mas antes passei numa floricultura e levei dúzias de flores para me desculpar. Ficamos amigos, e Sônia Mamede trabalhou em outro filme meu, depois no Telecurso 2° Grau e na novela Jogo da Vida. Copiado de American Grafitti, o final de Elas São do Baralho mostrava o que tinha acontecido com os personagens – igualzinho ao recente A Má Educação, de Pedro Almodóvar. O filme fez sucesso de público, a crítica ou esculhambou ou ignorou, mas hoje tem até tese sobre ele na USP. E um almanaque sobre produções dos anos 70 o cita como o filme mais engraçado já feito. Algumas situações cômicas desse filme voltaram a aparecer em minhas novelas. Foi assim com os nomes das prostitutas – Nádia Marcha-Ré, Wanda Cacetada, Julieta Boca de Caçapa, Teresa Torniquete e Tânia Frango Assado – que volta e meia eram citadas em Deus nos Acuda como funcionárias do cabaré do Quaresma (Emiliano Queiroz). Depois de escrever e dirigir três filmes, um atrás do outro, sentia que precisava de um tempo para me reciclar e não ficar repetindo situações e piadas. Recusei um convite do produtor Maurício Rittner para adaptar A Árvore dos Sexos, um livro de Fernando Santos, mas como gostei da história, aceitei dirigir. Fizeram o roteiro e nem eu nem o Maurício nem ninguém ficou satisfeito com o resultado. Rubens Ewald e eu voltamos à cena para consertar e tirar dali um filme. Estava mais íntimo da profissão de diretor quando começaram as filmagens. Definitivamente já tinha aprendido a usar a câmera, armar os planos, fazer os travellings, as gruas, enquadrar bonito, pedir a iluminação certa, usar as lentes apropriadas, armar seqüências complicadas com longos movimentos de câmera e quis usar tudo isso, só que estava filmando uma comédia ligeira, gênero que não deixa muito espaço para a mão pesada de um diretor pretensioso. Durante as filmagens, tive de me virar para resolver os problemas de produção que pipocavam. A primeira seqüência era na praça lotada, onde se inaugurava a estátua do patrono moralista da cidade. Naquela época, pelo tamanho da praça escolhida e para que a cena tivesse certa verdade, era preciso, no mínimo, de 500 pessoas. Na cena, com a praça lotada pelos ilustres cidadãos de Bondomil, pára um ônibus e desce um bando de prostitutas que vão se instalar no bordel da cidade, comandadas pela cafetina, papel de Virginia Lane. Do choque estabelecido entre elas e o povo moralista da cidade vem toda a idéia principal do filme. Essa cena foi deixada para ser realizada quando a produção arregimentasse a multidão de figurantes, e marcar uma data para juntar todo o elenco era uma dificuldade, pois metade fazia novela na Tupi e outra metade na Globo. Conseguimos o milagre no último dia de filmagem e aquela seria a única oportunidade possível de realizar a cena. Com todo o elenco reunido, o produtor não conseguiu os figurantes e desapareceu. Não era possível deixar o filme sem a seqüência, então, a solução era improvisar e, na hora, inventei uma explicação para a ausência do povo na praça: o assistente do prefeito falhara na organização e o povo não compareceu. Reescrevi tudo na mesa do bar da cidade, enquanto os atores reclamavam ao sol escaldante. Fiz a cena como foi possível e, evidentemente, é fácil perceber a tosca improvisação na tela. Infelizmente todo o filme padece de uma produção à altura do projeto inicial, além de contar com a mão errada de um diretor tecnicamente deslumbrado. Um completo desacerto. Na hora da montagem, percebi que a falta de produção, aliada às minhas altíssimas pretensões artísticas e à minha vontade de mostrar meus conhecimentos de diretor, resultou num filme nem engraçado e nem triste, sem ritmo, chato e com cenas longas. Tentei consertá-lo na edição, junto com o ótimo profissional que é o Máximo Barro, mas era uma missão impossível. Essa idéia de que se pode filmar de um jeito e depois solucionar as deficiências na edição só vale se forem feitos muitos planos curtos, quase nenhum plano seqüência e nunca em uma comédia porque o riso pode parecer inconseqüente, mas é seriíssimo e não perdoa falhas. A Árvore dos Sexos deveria ser filmado em um mês, mas levou dois, por culpa da instabilidade do tempo em São José do Barreiro. Nunca vou esquecer daquela filmagem, pois minha mulher estava nos últimos meses de gravidez, em São Paulo, e eu lá, sem poder voltar para casa. Para completar o isolamento, só havia um posto telefônico no meio da praça principal, celular devia ainda ser alguma maluquice de filme de ficção científica e eu quase nunca conseguia ligação para a capital. Numa manhã, quando estava em meio à direção de uma cena de sexo entre duas garotas e o fruto da árvore, vieram me chamar correndo. Celso, meu cunhado, havia ligado de São Paulo e minha mulher tinha ido para o hospital duas semanas antes do prazo estipulado pelo médico. Não havia mais informações e isto podia ser tanto um parto prematuro como algo mais grave. Tinha de terminar aquela seqüência, não conseguia mais ligar para o meu cunhado e fiquei feito um alucinado do set de filmagem, que era do outro lado da cidade, para o posto telefônico. O parto seria num hospital já reservado, dentro do convênio médico dos funcionários da PUC, mas como ocorreu antes do previsto, e como a maternidade estava lotada, Maria Celia acabou indo para um hospital público do bairro da Lapa. E eu preso naquela filmagem, que só acabou lá pela meia-noite, quando consegui chegar na estrada para esperar o ônibus. A cidade mais próxima era Cruzeiro e a viagem até São Paulo durava quatro horas. Felizmente apareceu um carro com Líbero Rípoli e Paulo Hesse, que vinham para a filmagem do dia seguinte. Não vai ter filmagem, podem voltar e me levem junto, e assim foi feito. Maria Celia tinha 32 anos, naquele tempo uma “primípara idosa” no linguajar do médico que indicava uma gravidez arriscada e ficamos muito preocupados antes do bebê nascer. Quando cheguei ao hospital, Juliana já existia e minha mulher me recebeu com a frase mais linda que já ouvi: É uma menininha e é perfeita. Como sempre, Maria Celia não mentiu; nossa filha, felizmente, é perfeita mesmo e nos trouxe muita sorte dali para frente. Elas São do Baralho teve sua estréia adiada e, por coincidência, entrou em cartaz no mesmo dia que A Árvore dos Sexos, em novembro de 1977, quando a novela Éramos Seis ainda estava no ar. Eram 20 cinemas exibindo os dois filmes que dirigi: 12 com Elas São do Baralho, 8 com A Árvore e a novela fazendo sucesso. Meu trenzinho chegou trazendo minha filha e tocava sua sineta me convidando a embarcar o mais breve possível para minha nova vida. Capítulo XX Dias de Cultura Em 1976, entre uma pornochanchada e outra, escrevia adaptações e dirigia no Teatro Dois, na TV Cultura, do qual guardo grandes lembranças. Os diretores Ademar Guerra, Antônio Abujamra, Antunes Filho e Cassiano Gabus Mendes se revezavam no programa, cada um produzindo um teleteatro por mês. Indicado por Ademar, entrei na vaga de Cassiano, que saiu para escrever novela na Globo. Foi uma oportunidade de ouro esse desafio de fazer parte daquele time de diretores conceituados e rendeu trabalhos de que muito me orgulho, como as adaptações de Caixa Forte, A Dama de Copas e o Rei de Cubas e Hoje é Dia de Rock. Peça de José Vicente, Hoje é Dia de Rock celebra a juventude que se desprende, abandonando suas raízes e voando para o mundo. Minha adaptação privilegiou o avesso: o abandono da velhice que fica pra preservá-las. Resultou numa história triste, bem diferente do festejado espetáculo que Ivan Albuquerque dirigira. José Vicente até me falava: Minha mãe gosta bem mais do jeito que você conta. João José Pompeo e Barbara Fázio interpretavam os pais e Marlene França, uma deusa asteca. O filho mais novo foi escolhido em testes e apareceu por lá um menino magrinho, de olho azul grande, que tinha acabado de chegar de Paris, onde trabalhara com os Dzi Croquetes e não tinha nem dinheiro para voltar ao Rio. Fez o teste comigo, gostei dele que teve sua primeira atuação em televisão naquele programa. O que é o destino! O rapaz magrinho era Jorge Fernando, que tempos depois vim a reencontrar na Globo, hoje quase um irmão e meu parceiro em tantas novelas e programas de sucesso. Caixa Forte, de Arthur Hailey, também tinha uma moça em seu primeiro papel na televisão, Tânia Alves. História de uma cantora de boate que divide um quarto de cortiço com uma operária, A Dama de Copas e o Rei de Cubas, de Timochenko Webbi, foi outro trabalho marcante. Consuelo Leandro interpretava a cantora, que na minha versão sonhava ser Ângela Maria, e Lucia Mello, a operária. Gravei num cortiço do Bexiga, perto da Igreja do Carmo, o mesmo que depois serviu de locações para a novela Jogo da Vida. Na época era um cortiço aberto, hoje está fechado e Bruno Barreto rodou recentemente por lá O Casamento de Romeu e Julieta. Para mim, Éramos Seis tem muito a ver com Hoje é Dia de Rock, e Jogo da Vida, com A Dama de Copas. Dedicado à obra dos grandes poetas brasileiros, Cabaré Literário foi mais um programa muito interessante da minha fase TV Cultura. Nydia Licia me chamou para tocar esse projeto. O primeiro que escrevi e dirigi deu o tom e o formato da série e era dedicado às poesias de Manuel Bandeira. Depois vieram Castro Alves, Álvares de Azevedo e o melhor deles, Os Poetas de Vila Rica, que fiz com um elenco todo de negros e a escola de samba Camisa Verde. Outros diretores e roteiristas também participaram deste projeto, que tinha músicas inéditas compostas especialmente para o programa usando as poesias. Capítulo XXI Dona Lola A TV Tupi passava por turbulências e eram constantes as mudanças de direção. Era janeiro de 1977, Roberto Talma contratou a mim e Rubens Ewald Filho, por indicação de Edison Paes de Melo, editor de variedades do Jornal da Tarde, com o aval de Antônio Abujamra que era seu assistente na diretoria artística. O cinema catástrofe estava no auge e Talma tinha uma idéia para uma novela chamada O Acidente, sobre um desastre de avião, ao estilo do filme Aeroporto. Fizemos a sinopse, escrevemos dez capítulos. A novela iria ao ar às 10 da noite, com uma proposta bem moderna para reformular a teledramaturgia da Tupi, e o elenco já estava sendo escalado quando Talma perdeu seu cargo. Carlos Zara e Henrique Martins, os novos manda-chuvas da emissora, nos chamaram e foram bem diretos: Não sabemos quem vocês são, mas, como estão contratados, precisamos de idéias para uma novela das sete. Desenvolvemos algumas sinopses: uma história passada no teatro de revistas, outra em uma faculdade, uma terceira sobre poluição e oferecemos também a adaptação do livro Éramos Seis, de Maria José Dupré, que sempre foi o livro predileto de minha mãe. A direção insistia numa história ao estilo Locomotivas, de Cassiano Gabus Mendes, o sucesso da Globo no horário, e só depois de muita insistência conseguimos emplacar nossos argumentos de que Éramos Seis era uma novela paulista, com cara da TV Tupi, uma novela de emoção, de verdade e de família. Começamos a armar os personagens fazendo uma analogia com as nossas famílias, que eram de formação e origens bem diferentes. A sogra de Júlio (Gianfrancesco Guarnieri) era elaborada a partir da avó de Rubens; e Adelaide (Carmem Monegal), filha de Tia Emília (Nydia Licia), um personagem que não consta no livro, Rubens também tirou de seu universo particular e o desenvolveu praticamente sozinho. Do meu lado, já contei de tias Carmem e Luiza que inspiraram Clotilde (Geórgia Gomide) e Olga (Jussara Freire). Dona Lola, a protagonista que Nicette Bruno fazia maravilhosamente, era o tempo todo uma mistura equilibrada da personagem do livro e de minha mãe, só que em vez de fazer doce pra fora, mamãe costurava e Júlio (Gianfrancesco Guarnieri) era meu pai com todas as suas características boas e más. Os filhos eram misturas das crias de dona Lola com o irmão do Rubens e os meus e muitos outros personagens eram inventados por nós dois, que colocamos com sinceridade muito de nossas experiências de vida naqueles capítulos. Não sei por parte de Rubens Ewald, mas eu temia fazer outra novela por achar que tinha esgotado todo meu repertório sobre família e relacionamentos humanos em Éramos Seis, como aqueles autores que aproveitam histórias familiares na primeira peça ou filme e depois ficam sem assunto para o resto da carreira. Éramos Seis estreou no dia 6 de junho de 1977 e teve gravações em Santos, onde foram alugadas casas na Vila Belmiro, que ainda tinha a linha de bonde, transformada na paulistana Avenida Angélica dos anos 20, época em que a novela se iniciava. Era dividida em três fases, e quando estávamos na segunda e abordávamos a Revolução de 32, colocaram um problema em nossas mãos. Ivani Ribeiro preparava O Profeta e queria Carlos Augusto Strazzer vivendo o personagem-título. Strazzer fazia o filho mais velho de dona Lola e não poderia sair da novela, pois era seu personagem quem tomava conta da mãe no final do livro. Esse argumento não funcionou e recebemos um memorando de Carlos Zara informando que, a partir de determinado capítulo, Strazzer não gravaria mais. Como estávamos na Revolução, resolvemos matá-lo em combate. Alguns anos depois, meu irmão mais velho Ubaldo, também faleceu e agora éramos uma família de cinco, igual na novela. Foi apenas uma lamentável coincidência, mas minha mãe, hoje com 92 anos, sempre se emociona quando faz a analogia entre sua vida e essa novela. Depois da sinopse feita a quatro mãos, Rubens Ewald e eu decidíamos tudo juntos, mas trabalhávamos separados, cada um do seu jeito. Foi um entrosamento muito agradável, apesar de termos métodos diferentes de criação. Ele, acostumado em redação de jornal, não se importa de trabalhar com barulho e eu só consigo produzir no silêncio absoluto. Pegamos o horário que exibia a novela de Marcos Rey, Tchan, A Grande Sacada, com quatro pontos de audiência no IBOPE e entregamos no final de Éramos Seis com 25, além de um enorme prestígio com o público e com a crítica. Os desempenhos perfeitos de todos os atores, com destaques especiais para Nicette, Guarnieri e Geórgia Gomide, foram fundamentais para o sucesso da novela. Em 1994, o SBT refez Éramos Seis, com Irene Ravache no papel de Dona Lola. Foi sucesso outra vez, chegando aos 25 pontos de audiência, o que a emissora não conseguiu mais com nenhuma das novelas, importadas ou nacionais, que exibiu antes ou depois. E dessa vez a novela ganhou todos os prêmios, inclusive Troféu Imprensa e APCA, o que não acontecera em 1977. Acho que fomos injustiçados na primeira vez e poderíamos ter levado pelo menos prêmio de revelação, pois nunca tínhamos escrito novelas antes. A nossa primeira versão de Éramos Seis acabou no último dia do ano e logo Rubens Ewald Filho e eu fomos contratados pela TV Globo. Ele foi escrever Gina, para o horário das seis, e eu Pecado Rasgado, às sete. Capítulo XXII Em Busca do Prazer Minha primeira idéia era escrever uma novela-chanchada, mas a Globo não aceitou, sei lá por quê, e logo depois Bráulio Pedroso veio com Feijão Maravilha sobre o mesmo tema e não conseguiu emplacar o sucesso esperado. Barrado em meu primeiro intento, parti para a comédia sofisticada, gênero consagrado nos anos 30, principalmente por Rosalind Russel e Cary Grant, nos anos 40 por Katharine Hepburn e Spencer Tracy e nos anos 50 por Doris Day e Rock Hudson. Pensando neles, criei o casal central de Pecado Rasgado, minha primeira novela na TV Globo; um homem e uma mulher, de temperamentos fortes e absolutamente antagônicos, se apaixonam perdidamente. Teca (Aracy Balabanian) psicóloga, séria, politizada que realizava um trabalho sobre jovens que moravam numa república, se apaixona por Renato (Juca de Oliveira) um empresário elegante, fútil e sofisticado; mesmo quem não entende de escalação de novelas pode ver que Juca de Oliveira, maravilhoso e excelente ator, forte, rude e rural, não era exatamente o indicado para o papel, mas os problemas estavam apenas começando. Meu texto para comédia exige muita marcação, os personagens têm que andar, correr, se movimentar em cena porque a ação e as falas correm juntas. Acostumado a dirigir novelas em um outro tipo de esquema, onde os personagens podiam falar sentados que o diálogo funcionava bem, o diretor Régis Cardoso não entendeu minha proposta. A história na tela tinha o tom completamente diferente do qual eu escrevia, a comédia não funcionava e já nos primeiros capítulos vi que a novela não iria dar certo, como realmente ocorreu. Pecado Rasgado foi uma novela cheia de problemas de texto, direção e, principalmente, de escalação. Além do protagonista masculino, outros atores também não eram adequados por serem excessivamente velhos para os papéis. Já o casalzinho jovem, Ney Santana e Nádia Lippi, revelou-se escolha certeira. Eles, que tinham se conhecido nas filmagens de A Árvore dos Sexos, se casaram durante a novela, como depois aconteceu com Edson Celulari e Cláudia Raia em Deus nos Acuda. Embora Ney e Nádia, que têm uma filha, não tenham ficado muito tempo juntos, parece que sou bom cupido. Apesar de ter tido uma boa audiência, porque na TV Globo, naquela época, tudo tinha audiência, foi uma péssima experiência, perto de um pesadelo. Acabei em um estresse terrível, decepcionado, briguei com Régis Cardoso, com muitos atores, com a diretoria da Globo, briguei com todo mundo. Meu contrato acabou no meio da novela e só aceitei renová-lo até o final daquele tormento. Com minha carta de exoneração da emissora na pasta, pedi para falar com Boni. A secretária me disse que ele estava com a agenda cheia e só poderia me receber dali a 15 dias. Voltei ao Rio 15 dias depois e fiz questão de dizer para ele que a merda que fora colocada no ar com o nome de Pecado Rasgado havia sido feita por eles e não por mim. Estava tão irritado e fora de mim que o melhor executivo da televisão brasileira nem deu um dos seus berros famosos e me mandou desaparecer da sua frente; pode ter sido ilusão minha, mas tenho a impressão que até me olhou com respeito. Saí com a convicção de que jamais colocaria os pés dentro daquela emissora novamente e queria sumir dali o mais depressa possível. Tenho certeza até hoje que, se tivesse ficado de cabeça baixa, acabaria sendo aproveitado em algum programa de segunda linha e isso nunca esteve nos meus planos. Convidado por Antônio Abujamra e Eduardo Sidney, fui direto para a TV Cultura implantar o Telecurso 2º Grau, projeto coordenado pelas fundações Roberto Marinho e Padre Anchieta. O desafio era criar um novo tipo de aula, diferente do convencional e desenvolvi o formato que o programa mantém até hoje. Era responsável pela direção e texto das aulas de Português e Literatura Brasileira, que eram centradas nas dúvidas de um aluno, interpretado por Ney Santana, e não nos ensinamentos do professor, como era de hábito nas aulas de outros cursos. O estudante em frente a uma televisão assistia ao curso e, à medida que suas dúvidas apareciam, num diálogo entre ele e os personagens que estavam no aparelho, a aula se desenvolvia e os conceitos eram passados. Nas aulas de Literatura, usava músicas, cenas de filmes e de novelas adaptados de livros. As regras gramaticais eram representadas como se fossem esquetes de teatro de revista: se o verbo era “tirar”, aparecia Marivalda fazendo um strip-tease junto com a explicação: Verbo transitivo direto, eu tiro, tu tiras, etc. e ia tirando a roupa. No caso das vozes dos verbos, a ativa era Eu atiro uma torta em sua cara, e a passiva, Tortas são atiradas em sua cara e as tortas voavam para lá e para cá. A novidade era passar aqueles conceitos com humor e os quadros eram encenados por uma turma de atores que trabalhara comigo nas pornochanchadas, como Consuelo Leandro, Sônia Mamede, Cristina Pereira, Sérgio Ropperto, Marivalda e um bando de gente talentosa recém-saída da EAD. Fiquei um ano fora da Globo, feliz da minha vida, trabalhando no Telecurso e, a convite também de Eduardo Sidney, escrevendo textos para o Programa de Hebe Camargo, na Bandeirantes. Seu programa é sua vida e seu brilho e disposição permanentes vêm da adoração que o auditório passa para ela numa troca sincera e verdadeira de energia. E olhe que, nessa fase, seu show não repetia a audiência de anos antes na Record, mas seu entusiasmo nunca esmoreceu: Ah, eu trabalho pra mim, me divirto, ela sempre repetia. Escrever para a madrinha da televisão brasileira era uma tarefa inútil porque, apesar de seguir o roteiro e respeitar as pesquisas feitas para as entrevistas, as falas vinham todas da sua cabeça e a única coisa que disse no ar de tudo o que escrevi e diz até hoje é: A gente volta já-já, viu? quando vai cortar para um comercial. Mas isso nunca me incomodou, era o seu programa, seu jeito, sua espontaneidade, seu universo. Hebe Camargo, grande mito da nossa televisão, ama seu trabalho e isso faz toda a diferença num tempo em que as pessoas labutam pelo dinheiro, pela fama, sem se preocuparem com a satisfação, com o gozo. Foi convivendo com Hebe, em sua incrível e invejável alegria e otimismo, e observando como consegue injetar seu entusiasmo em toda a equipe a seu redor, que aprendi o grande prazer que tenho até hoje de fazer tudo o que faço. Capítulo XXIII O Vilão Sexo Considero meus quatro primeiros filmes apenas como de aprendizado. Esse foi o lado bom da pornochanchada; quase qualquer filme dava bilheteria, então se podia aprender fazendo. O público não ia ao cinema para ver produções bem feitas e sim as mulheres peladas, que nem eram tão peladas assim. Meus primeiros filmes deram dinheiro, mas nenhum deles é bom. Mulher Objeto é diferente. Quando fui fazê-lo, estava pegando um tema que me interessava e não tinha a obrigação de ser engraçado. A proposta era de um filme erótico sobre uma mulher que não se relacionava sexualmente com o marido e ficava sonhando em conseguir orgasmo com outros homens. Assim que li o roteiro de Alberto Salvá e Jaime Camargo, percebi que podia resultar num filme interessante, mas queria adaptá-lo mais ao meu gosto pessoal e Anibal Massaini, o produtor, me deu carta branca. Debrucei-me sobre aquela história de sexo e erotismo a partir do personagem da mulher, querendo armar um woman’s picture, anos 40, sobre ela. O roteiro ficou pronto, me agradava bastante, mas alguma coisa estava faltando e eu não conseguia atinar com o que fosse. Pouco tempo antes de começar a filmar, Rubens Ewald Filho, em uma conversa informal, dentro do meu carro, na Alameda Campinas, me deu a chave: Por que não faz um thriller? Você gosta tanto de Hitchcock! Compreendi imediatamente e, num estalo, comecei a ver o filme pronto na minha cabeça. Nada precisava ser mudado no roteiro, mas a direção passaria a ter um enfoque totalmente diferente, usando a narrativa e o clima de um filme policial, com luz recortada, sombras e câmera subjetiva. Mas quem estaria atrás daquela câmera, quem espreitava a vida daquele casal, daquela mulher?... Foi aí que brotou a idéia de usar o sexo como vilão da história. Um casal anseia ser feliz, mas não consegue porque o sexo atrapalha. Então, toda a vez que a mulher fica perturbada, ela vê alguém: é um impedimento para a realização de algo que ela anseia e não simplesmente a vontade de realizar uma cena erótica, o que trouxe ao filme uma dimensão maior. Além de ter feito uma carreira excelente de público, Mulher Objeto foi muito bem aceito pela crítica e é citado até hoje como um exemplo de filme erótico digno e bem feito. Queria um filme de respeitabilidade, mas como realizá-lo com meu currículo de diretor de pornochanchadas e com um produtor do mesmo ramo? Dependendo do elenco, iria, sem dúvida, virar uma pornochanchada, mesmo antes de chegar às telas. Precisava de atores de prestígio, acostumados a ter os seus nomes ligados a produções de qualidade, que tivessem trabalhado com diretores importantes, ganhado prêmios. Primeiro fui atrás de Sônia Braga, que não se mostrou interessada. Vera Fischer, Bruna Lombardi e Sandra Bréa também recusaram. Esse ponochanchadeiro vai me botar lá pelada e eu tô perdida, elas deviam pensar, diante daquele roteiro com 18 cenas de sexo, descritas em detalhes. Por que você não convida Helena Ramos?, ouvi do Anibal e lhe disse que ele estava maluco. Tinha muito preconceito em relação a Helena, uma das mais conhecidas atrizes dos filmes eróticos, e de jeito nenhum iria fazer um filme com ela; queria uma atriz de verdade, queria reconhecimento à minha arte. Mas como não teve outro jeito, Anibal a chamou para que a conhecesse. Helena Ramos apareceu uma tarde lá na produtora Cinedistri, nos fechamos numa sala e ela me disse que tinha lido o roteiro, adorado e desejava muito fazer o filme. Nossa conversa fluiu e derrubou meu preconceito diante daquela moça que se mostrava decidida, séria, profissional e absolutamente empenhada em fazer o papel: Preciso fazer um filme como este, sei que vai melhorar a minha carreira; confio e faço o que você quiser. Sua confiança e disponibilidade foram fundamentais, pois sem elas jamais teria conseguido rodar o filme. Helena Ramos nunca reclamou de absolutamente nada, estava sempre na hora, sabia o texto, obedecia as marcações, seguia as entonações e respondia aos estímulos. Apenas tivemos um problema na última cena rodada. Era uma seqüência de sexo bem atrevida, ela nua com o corpo coberto de óleo para suas lindas formas brilharem ao sol, em cima de um cavalo com o Danton Jardim, também nu. Mandei repetir muitas vezes e ela acabou perdendo a paciência: Não posso cavalgar mais, estou grávida, vou perder meu filho. Ninguém sabia dessa sua condição e, com isso, mais uma vez provou seu profissionalismo, agüentando o quanto pôde para realizar a cena da melhor maneira possível. Por puro preconceito e vaidade besta, quase deixei de ter a intérprete ideal para meu filme. Continuava vivendo e aprendendo. Minha escolha para o marido da protagonista, Antonio Fagundes nem titubeou: Aceito, sim, mas só se fizer a mulher, porque o papel do marido não é bom. Não era mesmo e foi para Nuno Leal Maia, que estava escalado para personagem menor. Foram se agregando ao elenco atores que já tinham trabalhado comigo na televisão ou nos filmes anteriores, como Maria Lúcia Dahl e Kate Lyra. E para viver a mãe de Helena Ramos, chamei Yara Amaral, minha amiga desde os tempos da Escola de Arte Dramática, quando éramos vizinhos e ela ainda trabalhava no Citibank. Erótico, quase sexo explícito, Mulher Objeto mexeu com a libido de homens e mulheres indistintamente. Mas era elegante, tinha uma aura de Emanuelle, o padrão de sensualidade daqueles anos. Em 1984, o vice-presidente da 20th Century Fox, Peter Myers, veio ao Brasil selecionar filmes para a empresa distribuir no mercado americano. Assistiu a mais de 40 produções nacionais e escolheu só uma, Mulher Objeto. Anibal e eu fomos almoçar com o gringo no Maksoud Plaza e a primeira pergunta foi onde eu aprendera tanto sobre sexo e erotismo e eu, com a maior cara-de-pau, respondi sem floreios: Na cama. Quem me dera! Peter Myers queria negociar o filme com a condição de que fizéssemos uma continuação, pois já existiam várias Emanuelle. Disse que só queria mexer na trilha sonora e me perguntou: Você gosta de Alfred Newman? Quase caí para trás ao ouvir o nome do compositor das trilhas da Fox, nunca me senti mais perto da meca do cinema. Algum tempo depois veio a proposta financeira concreta: 400 mil dólares mais porcentagem de bilheteria e Anibal não aceitou, queria um milhão e o negócio não foi concretizado. Bye bye, Holywood, hello again, TV Globo! Capítulo XXIV Enlouquecendo aos Poucos Começo de 1981. Último plano de Mulher Objeto, aquele com Helena Ramos e Danton Jardim transando em cima de um cavalo a pleno galope. Acabei de filmar e recebi um telefonema da Globo: Cassiano Gabus Mendes sofrera um enfarte e me indicara para continuar Plumas e Paetês, a novela que ele escrevia para o horário das sete. Foi exatamente no mesmo dia. Cassiano escrevia sozinho e quando estava sendo levado para o hospital, falou para me chamarem e completar sua trama. Nunca tinha estado com ele, mas Cassiano assistiu a Pecado Rasgado, gostou do script e achou que eu tinha razão de brigar com a direção. O convite inflou meu ego e a urgência da situação não deixou muito tempo para refletir, aceitei. O problema era que, envolvido com o filme, nunca assistira a um capítulo da novela que já estava no meio. Pedi que me enviassem os scripts, que no fim de semana chegaram lá em casa, e li 103 capítulos, junto com a minha mulher. Líamos alternadamente, um e outro, ela me contava a trama dos dela e eu logo engatava no seguinte. Na segunda-feira, comecei a escrever e na quinta mandei seis capítulos. Dirigida por Reinaldo Boury e Gonzaga Blota, Plumas e Paetês continuou fazendo sucesso e me trouxe prestígio na emissora da qual eu tinha saído brigado com todo mundo, para nunca mais voltar. Assinei novo contrato com um salário melhor e Boni me pediu uma sinopse para a próxima novela das sete. Régis Cardoso, que fora afastado do cargo logo depois do final de Pecado Rasgado, também estava de volta. Escrevi a sinopse de Guerra dos Sexos. Ele, assim que a recebeu, recusou dizendo ser uma porcaria e que não queria fazer. Não importava se a história era boa ou ruim, o que pesava era quem a escrevera: o sujeito que brigara com ele. Atrás de uma novela para substituir a fracassada O Amor é Nosso, de Roberto Freire e Wilson Aguiar Filho, que estreou logo em seguida ao sucesso de Plumas e Paetês, Boni recorreu a Janete Clair, que sugeriu As Quatro Marquesas. Era uma história, desenvolvida em algumas páginas, sobre uma mulher abandonada pelo marido e que recebe de herança quatro cadeiras, uma delas recheada com um milhão de dólares. Boni adorou e, como Janete não estava interessada em desenvolver a trama, lhe pediu que sugerisse alguém e ela disse aquele rapaz que terminou Plumas e Paetês. Eu também não conhecia Janete Clair. Esses são os maiores orgulhos da minha vida: ter sido indicado pela maga das novelas das oito e pelo mago das novelas das sete, que não me conheciam pessoalmente e confiaram pelos trabalhos que viram e avaliaram; foram mais que meus padrinhos porque me deram muita segurança e a certeza de que eu poderia continuar neste caminho. Li a história, gostei e fui conversar com Janete, um encanto de pessoa, amável e generosa. Sugeri mudar as cadeiras por cupidos, me parecia mais romântico e menos óbvio por causa de Doze Cadeiras, a aventura russa que serviu de base para a idéia. Consegui botar um teatrinho de revista aqui, um joguinho de boliche ali, inventei alguns outros personagens de comédia, perguntei se podia fazer assim, fazer assado e ela foi topando. Batizada de Jogo da Vida, a novela foi dirigida por Roberto Talma e seus assistentes Jorge Fernando e Guel Arraes. Começava ali uma parceria. Talma foi o primeiro a entender direitinho o que eu queria fazer, de que maneira ia contar uma história, como é que eu misturava chanchada com cinema americano, com cinema italiano, com drama mexicano. Entendeu que os personagens tinham que se movimentar, que ação e falas faziam parte do mesmo elemento e que drama e comédia podiam conviver desde que se respeitassem seus espaços próprios. Com Jorginho e Guel se completou o acerto. Éramos três doidos. Bem jovens e extremamente talentosos, ambos tinham muita curiosidade em conhecer tudo sobre entretenimento, principalmente a chanchada e os filmes mais antigos, onde baseava a minha narrativa. Conversávamos muito, eu explicava, contava muita história e eles, que não tinham nem idade para saber daquilo tudo, emulavam, entendiam, inventavam e realizavam. Jogo da Vida começava comportada, pois a história de Janete Clair tinha alguns elementos de comédia, mas basicamente era um drama romântico. Havia muitos personagens dramáticos, como a velhinha Dona Mena (Norma Geraldy), que morria, e Jordana (Glória Menezes), trocada pelo marido (Paulo Goulart) por uma mais jovem (Maitê Proença), era consolada pelo padeiro (Gianfrancesco Guarnieri), que a amava sinceramente. Aos pouquinhos, a novela foi enlouquecendo e tomando mais o rumo da comédia, à medida que a aceitação do público aumentava. Quando Talma saiu para dirigir Sétimo Sentido, também de Janete Clair, Jorginho, Guel e eu começamos a endoidar aquela trama, a acrescentar mais ação, mais pastelão, mais correria. Desde o início, tinha o personagem de Badaró (Carlos Vereza), quase desenho animado, que se disfarçava, pulava de prédios, entrava pelas janelas, e aquelas maluquices foram passando para os outros também, e o público foi se divertindo e aceitando. Aconteciam situações absurdas, como por exemplo: para roubar um cupido que estava sei lá onde, Loreta (Rosamaria Murtinho) jogava uma bomba de gás lacrimogêneo no local, entrava com máscara de gás, pegava o objeto e saía correndo nos seus imensos saltos altos. Toda a loucura que eu queria e não consegui colocar em Pecado Rasgado entrou aos pouquinhos em Jogo da Vida, e o público foi se acostumando e adorando. No último capítulo, tem cenas com quase todo o elenco, correndo feito loucos na Marginal, com moto, bicicleta, carrinho de mão, em perseguição ao último cupido. Tem também Glória e Rosamaria num circo, cada uma em um trapézio, dando piruetas no ar para pegar o milhão de dólares. Isso nunca tinha ocorrido em novela, era novidade absoluta e fez muito sucesso. Ainda escrevia Jogo da Vida quando fui assistir a Fernanda Montenegro em É, peça de Millôr Fernandes, no Teatro Maria Della Costa. Eu a conhecia das gravações de A Muralha, quando conversávamos bastante, e nunca mais a tinha visto. Aqui cabe um parêntese para falar da grande dama do nosso teatro, cinema e televisão, Fernanda – não só uma atriz única e fora de série, mas também uma mulher elegante, coerente e altamente generosa em todas suas atitudes. Sempre me tratou com a maior consideração em diversas fases da minha vida, fosse eu o simples figurante com falas, como em A Muralha, ou o autor de sucessos. Jamais fez diferença nem comigo nem com ninguém que se aproxime dela. Nunca ouvi Fernanda se referir à televisão e, principalmente às novelas, de maneira pejorativa, como fazem muitos e muitos atores de teatro, tentando assim passar uma grande erudição e uma cultura superior, mas conseguindo apenas serem injustos e antipáticos. Mesmo sendo hoje, reconhecidamente, a nossa primeira dama das artes cênicas, título que ela humildemente sempre refuga, se porta como uma trouper, uma atriz sempre disposta a novos desafios, sem medo de errar, que sabe ser generosa com seus colegas e se colocar como parte de um todo, somando sempre para o resultado final. Naquela noite, quando fui a seu camarim me perguntou: Você é aquele Silvio de Abreu, lá da Excelsior, que usava peruca? Confirmei e ela completou: Nossa, como a gente melhora com o tempo! Fernanda teve o espírito de ver que houvera uma evolução como pessoa e ela nem tem idéia de como isso foi importante para mim. Como Jogo da Vida fez sucesso, reapresentei a sinopse recusada de Guerra dos Sexos, consegui o sinal verde para produzi-la e a adesão de um elenco de respeitabilidade total – Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Glória Menezes, Tarcísio Meira –, que me deu o aval necessário para todas as loucuras que estavam sendo planejadas na minha cabeça. O sucesso e o prestígio de Guerra dos Sexos têm tudo a ver com esses quatro excelentes atores que citei, que confiaram no meu trabalho. Paulo e Fernanda, que trabalhavam juntos pela primeira – e até agora única – vez, aceitaram gravar, antes mesmo de a novela ter estreado e ser coberta de elogios, a famosa seqüência de pastelão em volta de uma mesa de café, que deve ser a cena mais reprisada da televisão brasileira, mas poderia ter sido o maior mico de suas carreiras. A confiança que eles depositaram em nós três: Jorge Fernando, Guel Arraes e eu, já neste início, demonstrou ser irrestrita. Glória e Tarcísio, dois ícones da nossa televisão, também não titubearam em interpretar um casal antagônico que, ao invés de um beijo romântico, no final do primeiro capítulo se agridem com tortas de creme. Todos estavam a fim de entrar na irreverência da comédia que já tinha sido anunciada com sucesso em Jogo da Vida que, apesar de não ser muito citada, é o embrião de Guerra dos Sexos. Se eu não a tivesse escrito, provavelmente a outra não existiria. Janete Clair, com toda sua experiência e generosidade, também deu seu parecer ao ler a sinopse de Guerra dos Sexos, me disse e mandou por escrito para mim e para a diretoria: É uma obra-prima! A trama de Guerra dos Sexos surgiu da eterna discussão sobre machismo e feminismo, com a intenção de mostrar o ridículo das posições radicais. A novidade vinha no abandono da novela apoiada em subtemas dramáticos costurados por comédia. Dessa vez, a comédia era o âmago da história e eu só pensava em divertir o público com as situações, mesmo que ele não acompanhasse a história todo dia. Novidades também na maneira de interpretar e muitas das reflexões dos personagens eram dadas diretamente para a câmera, como no teatro de Molière, buscando o telespectador como cúmplice. Já havia usado o estratagema em Jogo da Vida com o personagem Mariucha (Elizângela), que falava diretamente com a câmera, mas agora o mote se ampliava para todo o elenco. Cada capítulo precisava ser interessante, lúdico, estimulante em si. A comédia elegante se misturava ao pastelão e à farsa, resultando em uma chanchada que ficou importante por ser original, muito bem feita e interpretada, além de extremamente divertida em uma época triste, quando a moda era fazer novela política ou sagas históricas. Capítulo XXV O Trem da Fantasia Mulher Objeto foi grande sucesso, exatamente junto com a novela Jogo da Vida, e isso me deu a oportunidade de optar entre fazer cinema ou televisão. Se quisesse dirigir outro filme, tinha ofertas de excelentes produtores. Também me chamavam para continuar na televisão e até poderia fazer as duas coisas. Optei pela televisão ao perceber que ali poderia exercitar mais meu lado popular e teria melhores condições de produção para a realização de meus projetos. O cinema brasileiro atual passa por uma fase de retomada com produções de olho no público e por isso vem dando certo. Hoje existe uma geração de cineastas vindos da publicidade, acostumados a atender as exigências do cliente, interessados em filmar para o público, não para agradar amigos ou críticos, nem para ganhar prêmio em festivais internacionais. Ali pelo começo dos anos 80, o panorama era bem diferente: ou se fazia um filme muito popular que era achincalhado, ou se fazia muito hermético e o público não ia assistir e eu não estava querendo nem uma coisa nem outra. Sempre quis trabalhar no meio artístico, sempre quis atingir o grande público, não apenas para fazer sucesso ou ganhar dinheiro, mas pelo prazer que tenho de me comunicar e pela necessidade de fantasia que nunca me abandonou. Como não estava na panela da Embrafilme, não queria, passado o primeiro entusiasmo, dirigir um filme a cada cinco anos, nem voltar a fazer pornochanchadas e muito menos ficar correndo atrás de produtores que se interessassem por meus projetos. Optei pela televisão, onde tenho mais oportunidade de exercitar o prazer que, no meu caso, é uma necessidade vital. Gosto da fantasia, do devaneio e não consigo viver sem isso. Como escreveu Tennessee Williams para Blanche Dubois em Um Bonde Chamado Desejo: Eu não quero realidade, quero magia. Tenho uma vida muito simples e comum como homem, como cidadão; mas tenho uma vida muito imaginativa como artista. Esses dois lados são meus suportes e só me mantenho em pé por ter esse equilíbrio. Na hora que sento para escrever, deixo minha cabeça ir embora e não ter medo de nada, lido com qualquer assunto, não temo o que vou abordar, se vou acertar, se vou errar. Simplesmente aceito as asas da fantasia e vôo livre no céu na imaginação. Posso escrever novelas convencionais, dramáticas, divertidas, malucas ou seja lá o que for, mas a minha fantasia estará sempre em primeiro lugar. Capítulo XXVI Duas Senhoras Escritoras Conversava muito com Janete Clair e passei a freqüentar sua casa. Ela escrevia Sétimo Sentido, quando descobriu que estava com câncer e tinha de fazer uma operação. Janete não queria que ninguém soubesse que ela estava doente e muito menos que estava precisando de ajuda para continuar sua novela de sucesso. Eram outros tempos, onde dividir a escrita com um co-autor ou colaborador denotava certa incapacidade. Perguntou-me se eu aceitaria ser seu colaborador em segredo, e era evidente que sim: além do privilégio de colaborar com ela, Janete era uma pessoa adorável, extremamente generosa e fora responsável pela novela de sucesso que eu acabara de fazer. Fiquei no Hotel Savoy carioca, meio que escondido, só me comunicando com ela e com a produção, e escrevi uns 40 capítulos de Sétimo Sentido, que tratava da paranormalidade de Luana Camará (Regina Duarte) e seu amor enlouquecido por seu principal antagonista, Tião Bento (Francisco Cuoco). Aprontava o capítulo e levava para Janete, que corrigia o que queria e mandava para a televisão. Por telefone, acertávamos como seria o outro capítulo, eu escrevia e mandava no dia seguinte. Toda a vez que ia à sua casa combinar o que fazer, como fazer, a encontrava sempre muito mal e era muito triste vê-la com a bolsinha de colostomia. No final da novela, já estava bem melhor, recuperada da operação e o último capítulo, é tradição entre os novelistas, é do autor principal do começo ao fim. Ao entregar o penúltimo e despedir-me dela, ouvi no seu desprendimento a melhor maneira de demonstrar seu respeito e seu agradecimento: Vamos fazer juntos, metade cada um. Fui até a página 15 e ela até o fim. Depois me presenteou com um lindo chaveiro de ouro com meu signo, Sagitário, que guardo até hoje com enorme carinho. E ainda dizem que os grandes mitos da televisão são egoístas e competitivos. Outra autora e mulher generosa com quem aprendi muito foi Ivani Ribeiro. Tivemos pouco contato, mas ela sempre foi extremamente simpática em todas as vezes que nos encontramos, seja quando ainda trabalhava como ator em suas novelas ou quando já escrevia na TV Tupi. Na época de Éramos Seis, fui à sua casa algumas vezes, gostava de saber suas opiniões e pedir conselhos sobre a novela. Ivani só era contra o final: Você não pode deixar dona Lola no asilo, é a sua heroína. Ela sabia que eu não tinha intenção de modificar o fim do livro, mas nem por isso se dava por vencida: Não pode, as mães vão ficar tristes e é para elas que você está escrevendo essa novela. Infelizmente as mães devem ter ficado tristes, porque não mudamos o final e tenho a impressão de que, se Ivani estivesse efetivamente escrevendo a novela, iria pensar melhor e teria feito o mesmo que nós. Vivi um episódio com Ivani Ribeiro, quando ainda trabalhava como ator, que é bem curioso. Fui escalado em três novelas de Ivani, na Excelsior, e voltamos a nos encontrar na Tupi, em Dom Camilo e os Cabeludos, seriado estrelado por Otelo Zeloni, Teresinha Sodré e Nuno Leal Maia. O diretor Benjamin Cattan me chamou para um determinado personagem e quando recebi o script, vi que estava com uma indicação da Ivani, que sugeria o nome de outro ator. Ficou uma situação desagradável: provavelmente o diretor não gostava do ator e me convidou, mas sempre achei, e hoje mais do que nunca, que o desejo de um autor deve sempre ser respeitado. Liguei para Ivani, contei a história toda e perguntei se ela concordava com que eu aceitasse o papel: De jeito nenhum, me disse ela, esse papel não é para você e muito obrigada por ter me ligado. Recusei o personagem com alguma desculpa, Ivani jamais contou ao diretor nossa conversa e logo fui chamado novamente porque ela havia criado um papel para mim. No começo foi muito bom, mas a série tomou outro rumo, o personagem foi desaparecendo e certo dia, numa gravação em Santana do Parnaíba, me vi no meio dos figurantes correndo de um lado para o outro, sem nenhuma ação concreta ou alguma fala para dizer. Foi a gota d’água para sair em busca de outros caminhos. As primeiras novelas diárias duravam meia hora, computando no tempo os intervalos comerciais. Depois passaram para 35, 45 e agora chegaram a 55 minutos de texto para 65 no ar com os comerciais. Muitas novelas de Janete e Ivani tinham capítulos de apenas dez páginas de texto. Plumas e Paetês, novela de Cassiano Gabus Mendes, tinha 14 páginas por capítulo, porque ele não fazia rubrica (indicações técnicas), escrevia só diálogos. Quando assumi essa novela, conseguia escrever dois capítulos por dia de segunda a quarta e acabou. De lá pra cá, a duração aumentou muito e hoje cada capítulo consome 45 páginas, o que justifica plenamente a contratação de co-autores e colaboradores para a tarefa. Além da duração, o comprometimento com pesquisas, coerência de personagens, acontecimentos diários, concorrência acirrada de outros canais, elenco de estrelas, merchandising e tantos fatores dificultam o trabalho e impossibilitam um bom resultado sem o concurso de uma equipe capaz e bem treinada. Novela não é mais um simples passatempo de donas-de-casa, é uma indústria que consome e arrecada milhões, emprega milhares de profissionais, esteia a programação da quarta maior rede de televisão do mundo e é exportada para mais de 120 países em todos os continentes. Fiz minha primeira novela com um co-autor, Rubens Ewald Filho, depois trabalhei tendo Carlos Lombardi primeiro como colaborador, depois como co-autor. Escrevi outras sozinho e voltei a trabalhar com co-autores e colaboradores depois de 1990, quando conheci Alcides Nogueira, depois Maria Adelaide Amaral e Bosco Brasil. Tenho tido sorte de trabalhar com pessoas talentosas, inteligentes e criativas, mas nunca deixei de levar a novela, com exceção de Éramos Seis, apenas pela minha cabeça. Explico: escrevo sempre a sinopse e os 30 primeiros capítulos sozinho, apoiado por pesquisas, para poder sentir a história, moldar e conhecer direito os personagens, o jeito de eles pensarem, falarem, se expressarem. Sabendo o que quero, começo a trabalhar com os outros autores, com quem divido os diálogos, mas nunca os caminhos da trama ou a maneira de narrá-la. É óbvio que sei que em alguma eventualidade, alguma crise, vou poder contar com eles e já usei várias vezes essa prerrogativa. Deixo sempre claro que essa minha maneira de trabalhar não tem nada a ver com o reconhecimento à capacidade de cada um de até tocar aquela trama sozinho, mas que em novela não acredito em democracia. Um autor tem que estar seguro do que quer, impor as suas idéias e se manter fiel à sua intuição; qualquer concessão, insegurança ou desvio pode ser fatal. Quando supervisiono algum trabalho, como já fiz com Anjo Mau, de Maria Adelaide Amaral, O Amor Está no Ar, de Alcides Nogueira e Da Cor do Pecado, de João Emanuel Carneiro, ajo de maneira oposta. A minha opinião e a maneira que eu possa querer contar a história não interessa, o autor principal é que tem que escolher seus caminhos. Funciono mais como um conselheiro, oferecendo minha experiência ou um picador, que vai abrindo caminho para que o objetivo almejado seja alcançado. Antigamente, os atores raramente saíam do estúdio. Na Tupi, abriam o galpão, tiravam aquelas câmaras enormes e gravavam na praça ao fundo ou no jardim da caixa d’água em frente. Na Globo, o cenário mais comum era um murinho, perto da emissora. Os personagens conversavam dentro dos carros ou encostados no murinho, às vezes se aventuravam a passeios pelo Jardim Botânico, que ficava em frente dos estúdios. Os equipamentos eram muito pesados e o transporte encarecia demais a produção. Cenas de ação com perseguições, correrias, desastres, trombadas, quedas, etc., eram consideradas eventos especiais, deveriam ser preparadas com muita antecedência, ter verba extra, geralmente de primeiro ou último capítulo. Minhas novelas trouxeram ação diária para o gênero e Guerra dos Sexos foi a primeira a contratar dublês. Em uma cena na Selva Amazônica, Fernanda Montenegro era obrigada a cruzar um rio dependurada em um cipó. Mesmo com todo o profissionalismo e imensa boa vontade da nossa primeiríssima-dama das artes cênicas, optou-se por contratar alguém que fizesse isso em seu lugar e os dublês entraram em cena para nunca mais sair. Capítulo XXVII Sangue e Areia Parece que esqueceram um pouco deste assunto, mas durante muito tempo fui acusado de copiar do cinema tudo o que escrevia para as novelas. A injustiça me magoou durante algum tempo, mas depois deixei de me incomodar e o assunto morreu. É verdade que sempre usei armar cenas completas de filmes para relembrar ou satirizar, como se fazia também nas chanchadas, este é meu estilo. Porém, copiar simplesmente, tomar uma idéia de outro e reproduzir sem o acréscimo de nenhuma nova intenção, nenhuma nova idéia, apenas para copiar o já feito, nunca fiz. Ninguém percebeu ou falou disso, mas a sinopse de Vereda Tropical saiu do filme Sangue e Areia (Blood and Sand); Mário Gomes faz um ídolo popular (aqui joga futebol e lá, era toureiro), Lucélia Santos é a mulher que gosta dele (no filme, Linda Darnell) e Maria Zilda é a Rita Hayworth. Não é? É sim, e completamente diferente também, com novos elementos, novas idéias, novas conotações. Foi Carlos Lombardi quem teve a idéia de realizar uma novela sobre futebol, esporte que nunca fez parte da minha vida, porque vim de uma família que não era ligada em esportes de espécie alguma. Ninguém escutava jogos nem os assistia; aos domingos, quando tinha jogo na televisão, manualmente, o controle lá de casa mudava para o Circo do Arrelia ou para a Gincana Kibon. Nem meu pai nem meu avô nem meus tios davam a menor pelota para futebol, não comentavam e jogos nunca fizeram parte do nosso cotidiano. Entrei pela primeira – e única – vez num estádio na época de Vereda Tropical. Lombardi, que desenvolvia toda a parte futebolística da novela, me levou para ver um jogo do Corinthians e Palmeiras no Parque São Jorge. Foi uma emoção enorme, a vibração é impressionante e faz entender a paixão do povo por este esporte. Futebol não é algo que eu deteste ou me aborreça, simplesmente não me interessa. Ocorre algo semelhante com o boxe, nem me imagino assistindo a uma luta torcendo por este ou por aquele boxeur, mas adoro histórias e filmes sobre eles e já os coloquei em duas novelas. Meu grande filme de boxe é Punhos de Campeão (The Set-Up), de Robert Wise, além de outros ótimos, como O Touro Indomável (Raging Bull), Marcado pela Sarjeta (Somebody Up There Likes Me), Rocco e Seus Irmãos (Rocco e Suoi Fratelli), Réquiem para Um Lutador (Requiem for a Heavyweight). Nesse último, Anthony Quinn vive um sujeito que ficou bobo de tanto apanhar e já me inspirou a construção de dois personagens absolutamente distintos: Ulisses (José Mayer) de Guerra dos Sexos, e Jamanta (Cacá Carvalho) de Torre de Babel. Em Vereda Tropical, graças ao talento de Carlos Lombardi, conseguimos abordar o tema na história de um sujeito lutando para entrar num time, mas mesmo assim tinha cenas de jogo, de vestiários, que envolvem a participação de muita gente essas personagens são complicadas de produzir. A emoção maior foi quando gravamos a entrada de Mário Gomes (Luca), nosso personagem, no campo do Corinthians e a torcida inteira gritava seu nome como se ele realmente fizesse parte do time. Existe uma teoria de que o público em geral, e principalmente o feminino, não gosta de futebol na ficção. Não acredito nisso. Com seu grande sucesso, Vereda provou que mesmo as mulheres podem se interessar pelo esporte, se a história estiver focada em algum ser humano em particular e não apenas nas vitórias de um determinado time. Carlos Lombardi deveria voltar ao tema em uma de suas próximas novelas, tenho certeza que seria um gol de placa! Capítulo XXVIII Trotamundo Raramente saio para andar na rua e me locomovo dentro de carros com vidros escuros para não ser visto nem perturbado, mas isso nada tem a ver com fama, é apenas o medo de ser assaltado. Se sair de noite de minha casa à padaria na rua debaixo, caminho de orelha em pé, assustado, desconfortável, sabendo que já roubaram não sei quem ali na esquina, agrediram outro no meio do quarteirão ou mataram na rua debaixo, e olhe que moro nos Jardins, entre os bairros, dizem, mais bem policiados de São Paulo. Essa paranóia de segurança se instalou em mim e na maioria dos cidadãos brasileiros já faz muitos anos. Não sei com relação aos outros, mas no meu caso, sempre que desembarco numa cidade como Nova York, Paris, Roma, Londres ou Berlim, a primeira coisa que penso é em andar na rua despreocupadamente, o que tem se constituído no meu maior prazer nas viagens que faço. Em Nova York, especialmente, ao sair de um teatro, cinema ou restaurante, a dezenas de quarteirões do meu apartamento no East Side, caminho a pé sem a menor preocupação ou cuidado. Nova York é uma cidade onde me sinto livre, e vou muito para lá. A primeira coisa é andar, depois conferir o que está passando no teatro, fuçar em tudo quanto é livraria, lojas de CDs e DVDs, que me dão um enorme prazer em apenas manuseá-los, olhar as capas, ler as músicas, conferir as histórias. Leio muito também, lá tenho mais tempo porque o telefone toca pouquíssimo e sempre posso ler no Central Park ou em qualquer espaço público. Minha mulher prefere Paris, mas eu fico com Nova York, porque entendo precariamente e não falo bem o francês. Domino o inglês, me sinto em casa naquela cidade pela qual tive uma paixão à primeira vista, onde já conheço tudo, sei seus defeitos e suas qualidades. Lá não tenho carro, ando de metrô, de ônibus, a pé – e até brinco que vamos para lá brincar de pobre. É bem mais confortável ser pobre em uma cidade que se preocupa com seus cidadãos, que tem ônibus limpos, metrôs nem tanto, mas que em compensação levam para qualquer lugar, ruas planas e bem calçadas e, atualmente, até policiais atentos e bem pagos. Ninguém reclama quando um deficiente físico demora a ter sua cadeira de rodas automaticamente alçada para dentro do ônibus e todos se conformam em ficar nas filas sem tentarem ser espertinhos e passarem na frente dos outros. Adoro viajar e não me restrinjo só a Nova York. Até me casar, só tive vínculo empregatício com televisão uma vez, por uns seis meses, quando trabalhei com Carlos Manga na TV Record. Meu primeiro contrato mais longo, um ano, foi para Éramos Seis na TV Tupi; fui para a TV Globo e, mesmo com aquele hiato depois da minha primeira novela, minha vida mudou completamente. O fato de trabalhar numa empresa confiável e honesta e saber que se pode contar com aquela remuneração todo mês traz outras perspectivas. Não sou uma pessoa para quem o dinheiro seja o que exista de mais importante e sempre acreditei que uma boa posição financeira só é interessante se servir para dar prazer, conforto e tranqüilidade. Para quem já ficou devendo muitos meses de aluguel, teve contas dependuradas em mercearias e sonhou em comer galantines com um rombo no estômago, poder comprar o que quer, sem ficar preocupado com o preço, é uma grande conquista. É essa a tranqüilidade e o prazer de que falo. Não sou de gastar muito, não sou consumista nem esbanjador, sou comedido e econômico, não mudei muito desde que melhorei de vida e fiquei conhecido. Não tenho os vícios do sucesso, como usar apenas roupas de grife, comprar em lojas badaladas ou trocar todo ano para o carro importado de último tipo. Nada disso me fascina e detesto a idéia de usar o dinheiro para impressionar, exibir, se sentir superior ou esbanjar sem se preocupar com o dia de amanhã. Sempre acreditei que sucesso é uma coisa passageira. Hoje se tem, todos te amam e amanhã você volta para a porta da televisão e é barrado porque não faz mais parte de lá. Desde que comecei a fazer sucesso, espero a hora de ele ir embora e há muitos anos eu e minha família estamos preparados para isso. Costumo dizer que se isso aconteceu com tanta gente mais importante do que eu, porque não vai se repetir comigo?... Em uma das biografias de Greta Garbo, conta-se que ela foi barrada uma manhã na entrada dos estúdios da Metro, em Culver City, pelo porteiro que lhe entregou um bilhete azul e lhe disse: Desculpe, Miss Garbo, a senhora não pertence mais ao nosso quadro de empregados. Se aconteceu até com a Greta Garbo, é melhor eu ter sempre as minhas barbas de molho. Maria Celia e eu viajamos juntos pela primeira vez ao exterior depois de Jogo da Vida, quando a Globo nos deu passagens. Ela fizera mestrado nos Estados Unidos, mas ainda não conhecia o velho continente e aproveitamos para explorar o chamado circuito Helena Rubinstein: Paris, Roma, Londres, e depois Nova York. Desde então, temos viajado muito, praticamente ano sim e ano não. Já circulamos pelo mundo inteiro, a todos os lugares que nos interessam: Estados Unidos, Cuba, México, toda a Escandinávia, Rússia, Escócia, Grécia, Israel, quase toda a Europa, e também Egito, Marrocos, África do Sul. Não fomos ainda ao Oriente, pois nossos grandes amigos e quase sempre companheiros de viagem, Céci e Flávio Gikovate, dizem que devemos deixar alguma novidade para quando formos bem velhinhos e estamos esperando a ocasião porque já não está muito longe. Várias viagens me marcaram muito – e por fatores diversos. Uma delas foi nosso primeiro cruzeiro pelas Ilhas Gregas, em 1984, depois de Guerra dos Sexos. O navio era maravilhoso e nossa cabine já abrigara o casal Jimmy Carter e também Elizabeth Taylor e Richard Burton. Li na biografia de Debbie Reynolds que foi durante este cruzeiro que ela resolveu a pendenga com Liz Taylor, que no passado roubara seu marido, Eddie Fisher. O acaso as reunira no mesmo navio, e como seria inevitável toparem outras vezes acenaram a bandeira branca da paz para ter sossego e pararem com as especulações sobre a inimizade das duas. Depois de uma conversa, foram à tal cabine, e ao tilintar das flûtes de champagne brindaram com humor: After all, who needs Eddie Fisher? Era minha primeira vez num navio, uma grande fantasia por causa de Tarde Demais para Esquecer (An Affair To Remember), A Estranha Passageira (Now, Voyager), As Três Noites de Eva (The Lady Eve), Romance Carioca (Nancy Goes To Rio) e, principalmente, Aviso aos Navegantes, a minha chanchada favorita. O problema é que as cabines nos navios, por maiores que sejam, nunca chegam ao tamanho que têm nos estúdios, mas tudo bem, não iria deixar que esta primeira decepção estragasse o nosso cruzeiro. Essa viagem de sonhos durou quase dois meses: Londres, Atenas e lá pegamos um navio e percorremos todas as ilhas até Istambul, na Turquia. Depois voltamos para a Itália, alugamos um carro em Roma, rodamos pelo país e terminamos em Copenhagen, Dinamarca. Como Juliana era muito novinha, ficou com minha mãe. Engordamos oito quilos e parecíamos a dupla Bolim e Bolacho no final da jornada. É que rodamos a Itália de carro, com uma lista dada pelo Boni e outra pelo Gilberto Braga, com dicas de restaurantes. Na estrada, entre uma cidade e outra, passávamos por aldeias que tinham feiras, com quitutes deliciosos e não resistíamos a provar presuntos e queijos divinos. Ao chegar ao nosso destino principal, havia a indicação de algum restaurante absolutamente imperdível, então comíamos e bebíamos de novo como mandava o figurino. Foi um completo exagero de comilança e até hoje não conseguimos nos livrar totalmente daqueles oito quilos, alguns se foram, mas outros se instalaram para todo o sempre. Anos depois, voltamos a fazer Ilhas Gregas de novo, pelo lado de Israel e Egito, com Cláudia Raia e Edson Celulari. Infelizmente o navio era ruim e não teve aquele clima romântico da primeira vez, porém foi a viagem mais engraçada que fizemos, porque dava tudo tão errado que resolvemos curtir e até hoje nos divertimos muito ao lembrar de todos os micos que passamos. Completamente diferente foi nossa estada na Alemanha, poucos anos antes da queda do Muro de Berlim. Era impressionante olhar aquele muro, ver uma pequena cruz gravada a canivete e saber que ali tinha morrido alguém que tentara fugir uma semana antes. E por toda a extensão da imensa parede, como se vigiassem um presídio de segurança máxima, guardas de metralhadoras nas costas, prontos a disparar. Eu queria assistir às montagens de A Ópera dos Três Vinténs e de Arturo Ui, que fazia parte do repertório permanente do teatro fundado por Bertolt Brecht. Catedral do teatro brechtiano, o Berliner Ensemble ficava na parte oriental e passar de um lado para outro era exatamente como num filme de guerra, uma experiência excitante, mas também apavorante. Fomos duas vezes, de ônibus na primeira, através do Checkpoint Charlie, com guardas circulando com metralhadoras a examinar os passaportes, espelhinhos embaixo do ônibus para se certificarem de que não havia ninguém escondido por ali. Um horror. Na outra, fomos de metrô e, para se chegar ao lado oriental, se tomava o metrô na Bahnhof Zoo até a parada Friederich Strassen, onde nos esperava uma cabine toda de espelhos para a checagem dos documentos. Uma oficial pegava os passaportes e num inglês gritado e quase incompreensível vomitava as perguntas de praxe: O que vai fazer aqui?, Quanto tempo vai ficar? A guardiã retinha o passaporte, saíamos e ficávamos à espera que nosso nome fosse chamado no alto-falante. Além do clima de pavor, que me remetia diretamente ao Expresso da Meia-Noite (Midnight Express), apesar de nem eu nem minha mulher estarmos tentando passar nenhuma droga, havia uma dificuldade extra: quem disse que um alemão consegue falar meu nome e eu entender, ainda mais vindo pelo péssimo som do alto-falante? A montagem Berliner Ensemble de A Ópera dos Três Vinténs revelou-se burocrática, desprovida de emoção, mas dava para sentir que houvera vigor em outros tempos e que agora, de tanto repetirem, pareciam funcionários públicos sem alma. A sessão acabou às 22h30 e só tínhamos permissão para ficar ali até às 23h, que era o horário do último metrô. Saímos correndo em direção à estação, eu com O Expresso da Meia-Noite na cabeça, só pensando que ficaria retido nas masmorras do comunismo, com uma bola de ferro atrelada ao meu tornozelo por uma corrente, pelo resto dos meus dias. Aquele temor só se dissipou diante da catraca, ou isso é o que eu imaginava antes de a geringonça se recusar a girar para me dar passagem. Fiquei desesperado, ainda mais porque apareceu um guarda vociferando algo que eu não conseguia decifrar, tal meu pânico. Aqui cabe dizer que, quando entro em pânico, não consigo raciocinar absolutamente nada. A situação durou alguns minutos, mas na minha cabeça foram horas. Ele gritava algo que eu não entendia e eu mostrava que tinha dinheiro para passar na catraca e ele dizia apenas que Nine!, Nine! que eu entendia e alguma coisa que me soava como “vestimoni” e não tinha a menor idéia do que significava. Como é absurdo, mas normal, quando alguém percebe que não está sendo entendido, vai aumentando o tom, pensando que o outro é surdo, e o guarda passou a gritar comigo feito um desesperado “vestimoni”, “vestimoni”. Por sorte, do meu lado, Maria Celia, como sempre, conseguia manter a calma e disse tranqüilamente: Meu bem, ele está dizendo West money (dinheiro do lado ocidental). Com duas moedinhas passamos pela catraca e voltamos às maravilhas do mundo capitalista em Berlim Ocidental! Antes, porém, nos dias que passamos lá, amargamos enormes filas de espera em lanchonetes onde o cidadão sentava-se nem sempre ao lado de seu acompanhante. Geralmente comíamos cada um em um extremo diferente, e eu nunca ousei dar um pio, com medo das masmorras do comunismo que eu já tinha visto nos filmes americanos que eram horríveis e absolutamente inóspitas. Dizem que comunista não gosta de gorjeta, mas não foi isso que Maria Celia viu quando saiu do toalete sem dar propina e a imensa alemã que cuidava do local veio atrás, vociferando sabe–se lá o quê, de dedo em riste. Voltei a Berlim depois da queda do Muro e o lado oriental virou uma Quinta Avenida, com grifes do mundo todo. O povo me pareceu mais feliz e esperançoso e o prédio do Checkpoint Charlie, hoje um museu, mostra os estratagemas que eram usados pelo povo para poder escapar de lá. Minha primeira visita a Berlim foi a melhor aula de história moderna que tive em toda a minha vida. Das masmorras do comunismo direto ao reino dos animais, com a devida distância do tempo: agora é um safari na reserva de leopardos na África do Sul. Chegamos num avião monomotor, estilo Out of Africa (Entre Dois Amores), vendo os elefantes e as girafas como se fossem miniaturas lá embaixo. Em terra, um jipe nos levou a um passeio pelo mundo animal – os animais todos ao nosso lado na distância de um braço e até acompanhamos um leopardo caçar e devorar sua presa. Na frente do jipe, ia um nativo se esmerando nos “buaaannaaaa” para atrair as feras. Johnny Weissmüller, Lex Barker e Gordon Scott deviam estar de férias, porque não me encontrei com nenhum deles. Maria Celia e Juliana insistiram muito para que fizéssemos essa viagem e eu fui achando que me chatearia; estava enganado, adorei, achei divertidíssimo, estimulante e às vezes até me senti como Gregory Peck, na pele de Ernest Hemingway em Neves do Kilimanjaro (The Snows of Kilimanjaro). É impressionante ver um elefante africano cara a cara no meio da selva. Ao depararmos com o que vinha ao encontro do jipe, tivemos a impressão de testemunhar um prédio de 20 andares se deslocando. Chegamos tão perto de um bando de leões que devoravam um cervo que até pudemos ouvir o ruído dos ossos sendo triturados pelas potentes mandíbulas. Tenho certeza que sou uma das pouquíssimas pessoas que visitou cinco vezes as catacumbas de Roma e a cidade de Pompéia, porque, imagino, ninguém seria tão idiota de fazer isso. Essa freqüência não aconteceu porque tenho loucura por arqueologia, mas devido a circunstâncias. Na primeira vez, foi para conhecer; depois viajei com a família do Manga e fomos novamente; depois com meu irmão, com minha mulher e, na primeira vez que fomos à Cidade Eterna com Juliana, deixei bem claro que não iria mais fazer este sacrifício. Porém, Maria Celia, que levaria nossa filha, ficou doente e lá fui outra vez à peregrinação. Dessa vez, dispensei o guia e explicava Pompéia inteirinha para minha filha. Houve um tempo em que fazíamos muitas viagens de carro e, naquele ritmo de uma cidade por dia, percorremos Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha. Hoje não tenho mais paciência para esse tipo de viagem; prefiro escolher um determinado lugar e ficar por lá por um tempo mais longo, conhecendo as ruas, os hábitos, o povo, me sentindo parte daquilo e não um turista. Capítulo XXIX Que Mulher É Essa? Nos corredores da Globo, minha atenção foi imediatamente para aquela mulher enorme que vinha em minha direção. Dona de pernas incríveis, vestia uma roupa escura, muito justa, de cabaré. Meu Deus, que mulher é essa?, pensei. Era, é claro, Cláudia Raia, vestida como a prostituta Ninon de Roque Santeiro, que ainda nem tinha estreado. Às voltas com o processo de criação de uma novela, aquele mulherão não me saiu da cabeça e, por causa dela, fiz para Cambalacho a história de um cara que quer muito uma mulher, mas ela só cede se casar. Na minha trama, essa mulher seria uma corista de Las Vegas, para onde iria o marido infiel de Amanda (Susana Vieira), Rogério (Cláudio Marzo). A atração dele por aquela mulher seria tão intensa que, mancomunado com seu cunhado Wanderley (Roberto Bonfim), chegava a armar um casamento falso só para concretizar seu desejo. Cláudia Raia era iniciante, Daniel Filho não me deixou escalá-la e colocou em seu lugar Christine Nazareth, que é ótima atriz, mas não um mulherão como a personagem pedia. Para completar, as cenas, por questões de custo de produção, tiveram de ser transferidas para Roma e nada funcionou como deveria. No fim dessa novela, escrevi para Claudia uma participação pequena e este foi nosso primeiro encontro profissional em 1986. Maior audiência do horário das sete, empatada com Brega e Chique, de Cassiano Gabus Mendes, Cambalacho falava da falta de vergonha geral no Brasil, um país tão corrupto que as pessoas se sentiam no direito de darem seus trambiques. Os personagens principais, Naná (Fernanda Montenegro) e Gegê (Gianfrancesco Guarnieri), eram dois vigaristas, o que não deixava de ser uma novidade que jamais poderia ter acontecido nos tempos da censura que, felizmente, já havia desaparecido. Cambalacho teve seu forte no tom de comédia e nas situações engraçadas e a mensagem social, mais politizada, se dissipou. Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva foram mais felizes ao abordar o tema alguns anos depois em Vale Tudo, uma das melhores novelas já escritas para a televisão brasileira. Entrei de férias após Cambalacho e planejava filmar No Natal a Gente Vem Te Buscar, baseado na peça de Naum Alves de Souza, e estrelado por Marília Pera. Como ela só poderia filmar quando terminasse Brega e Chique e a temporada da peça A Estrela Dalva, pedi para escrever uma novela antes do tempo, para depois ficar livre para o filme, que acabou não saindo. A novela foi Sassaricando, em cima de um recém-viúvo, de namorico com três amigas. Era Paulo Autran sassaricando com Tônia Carrero, Eva Wilma e Irene Ravache. A trama, apesar de lembrar de cara Como Agarrar um Milionário (How To Marry a Millionaire), tinha vida própria porque lidava com mulheres mais velhas e incorporava a valorização da chamada terceira idade, que só entrou na moda muitos anos depois. Como queria trabalhar com Cláudia Raia, bolei especialmente para ela Tancinha, uma moça pobre, ingênua, cativante, sem muita noção de sua beleza, desastrada e que falava tudo errado. Claudia, agora já não mais uma iniciante e estampada em todas as revistas do país como novo símbolo sexual, gravava a novela O Outro e fui encontrá-la no estúdio. Contei da personagem, expliquei como seria e ela toda cheia de dúvidas: Ah, eu não sei. Emendar uma novela na outra, isso é muita responsabilidade. Respondi sem muitos floreios: Vai ou não vai querer fazer? Ela me olhou meio desconcertada: Você é direto, não? Ali começamos a nos entender e Tancinha foi um escândalo de sucesso. Claudia estava casada com Alexandre Frota, que na novela fazia Apolo, seu namorado pobre. Não era segredo que eles já não estavam se dando bem e eu planejara, desde o início, que Tancinha acabasse com o personagem Beto (Marcos Frota), porém, devido à situação na vida particular deles, não queria criar problemas. Achei a solução quando estava escrevendo o último capítulo: Tancinha termina com o publicitário rico (Marcos Frota) e Apolo (Alexandre Frota), sozinho e abandonado pela mulher que ama, sai do cortiço e quase é atropelado por Cláudia Raia, a caminho das gravações de TV Pirata e acaba indo embora com ela. Ficou bonitinho e criativo dentro do espírito brincalhão da novela, mas não adiantou nada porque na vida real os dois logo se separaram. Guerra dos Sexos, Vereda Tropical, Cambalacho e Sassaricando deram primeiro plano para atores destinados a papéis de empregadinhas ou de amigos do galã ou da mocinha. E não por falta de talento, mas por não terem o tipo físico que era exigido para os chamados “protagonistas de novelas”. Cláudia Raia, Regina Casé, Luís Fernando Guimarães, Cristina Pereira e Diogo Vilela amargaram papéis inferiores ou participações especiais até serem reconhecidos como os grandes talentos que são até hoje. Tenho muito orgulho de, junto com Jorge Fernando e Guel Arraes, ter contribuído para que esses magníficos atores se tornassem ídolos do grande público. À medida que comecei a escrever para eles, passaram a ser conhecidos e o programa TV Pirata só foi concebido porque já existia um elenco de comediantes de grande sucesso que havia despontado nas novelas que fazíamos. A primeira idéia para o TV Pirata seria Jorge Fernando e Guel Arraes dirigindo e eu escrevendo. Jorginho e eu preferimos continuar nas novelas e Guel, com seu imenso talento, levou adiante o projeto que foi a pedra inicial para a renovação e reformulação do humor na nossa televisão. Só como curiosidade, tirando Pecado Rasgado e Jogo da Vida, sou o autor de todos os títulos das minhas novelas. Durante muito tempo, era o único novelista da Globo que mandava o título e Boni não mexia. Guerra dos Sexos não poderia ter outro nome, Vereda Tropical e Cambalacho também não. E escrevi Sassaricando por causa do nome de uma antiga marchinha de carnaval cantada por Virgínia Lane. Achei que era excelente para novela e armei uma história que servisse para aquele título. Normalmente, o processo é inverso, mas o melhor, quando se trata de criação, é não seguir regras. Capítulo XXX Alma em Suplício Depois de muito sucesso nas novelas das sete, a direção da Globo me convocava para o horário nobre, o das oito (hoje as novelas começam às nove, mas todo mundo ainda fala “novela das oito”). Disse ao Boni que só aceitaria se mudasse de gênero, pois intuía que comédias absolutas não funcionariam no horário habituado ao melodrama. Quando estou escrevendo, a cabeça vai me conduzindo: é como um carrinho de trem, é só colocar nos trilhos e ele vai embora. Porém, à medida que a trama avança, as intrigas e maneiras de solucioná-las, cena a cena, vão traçando o caminho da história e a trama dos personagens. Até então, minhas soluções para tudo isso vinham da comédia; jamais resolvia uma cena com uma lágrima, mas sim com uma torta na cara; não terminava num beijo, mas no personagem escorregando numa casca de banana; não buscava o drama, só o riso. Era preciso modificar minha maneira de pensar uma novela e então pedi para escrever uma minissérie onde, com mais tempo de elaboração, pudesse mudar meu jeito de raciocinar uma história. Escolhi um gênero sem a menor possibilidade para o humor, que é o noir, onde os personagens são muito secos, duros, obcecados e determinados. Passei a assistir muitos filmes do gênero, a ler os romances policiais de Raymond Chandler, Dashiell Hammet e James Cain. Porém, queria fugir do formato detetive que vai elucidando as tramas, ao estilo de Relíquia Macabra (The Maltese Falcon) ou À Beira do Abismo (The Big Sleep). Tinha visto e amado Corpos Ardentes (Body Heat) e concluí que meu modelo ideal seriam as histórias de James Cain por causa de O Destino Bate à Porta (The Postman Always Rings Twice) e Alma em Suplício (Mildred Pierce): melodrama e thriller na mesma receita. Percorri essa trilha para elaborar Boca do Lixo, que demorou um bom tempo para ganhar forma; fiquei vários meses pesquisando, juntei muito de minha experiência pessoal e levei mais seis para escrever. É a história de uma estrela decadente do cinema erótico paulista, Cláudia Toledo (Silvia Pfeifer), que se casa com o milionário Henrique (Reginaldo Faria) e depois cai nos braços do empreiteiro Tomás (Alexandre Frota). Deusas do sexo no inconsciente coletivo, as atrizes que ficaram famosas no cinema erótico brasileiro, em sua maioria, vinham de famílias conservadoras, tinham certo pudor em se expor em cenas mais atrevidas, eram carentes de afeto e sonhavam mesmo em casar e terem um lar constituído e, se possível, muitos filhos para criar. Boca do Lixo fala disso. Gilberto Braga, grande amigo e colega, me deu a força necessária para o sucesso do empreendimento. Mandava cada capítulo para ele ler, me dizer se escapara algo de comédia, se o diálogo estava verdadeiro, crível, dramático. Com muito carinho e paciência, sem nenhum crédito, este grande autor compartilhava comigo toda sua experiência, todo seu talento e seu bom gosto, apenas no intuito de me ajudar a fazer o melhor, me preparando para, futuramente, ocupar um lugar a seu lado no mais concorrido horário da emissora, provando mais uma vez que os verdadeiramente grandes são generosos, não temem competição nem vivem torcendo pelo fracasso alheio. Gosto muito de um monólogo do personagem Henrique quando ele explica para sua esposa a sua condição de homossexual, confessando que se casou com ela apenas para ser aceito pela sociedade repressora. Era uma situação forte e eu queria que fosse real, verdadeira, sem nenhuma caricatura. Gilberto Braga praticamente o escreveu para mim sem nunca ter levado nem reclamado crédito por isso. Muitas e muitas vezes recorri a esse grande homem que tem se mostrado ao longo dos anos um amigo querido, exemplar, carinhoso e atento, juntamente com Edgar Moura Brasil, seu companheiro de vida. Trabalho de uma fase de transição, Boca do Lixo é puro filme noir dos anos 40. Desenvolvi a história em dez capítulos, que foram reduzidos a oito na exibição, devido a cortes de passagens consideradas fortes demais, como um beijo entre os protagonistas masculinos, e de diálogos mais polêmicos e reveladores. Em 2003, foi lançado um livro com o roteiro original, sem cortes. Gostei de ter revisitado este trabalho e tenho a intenção de, algum dia, voltar à direção no cinema com este projeto. A animação foi tanta que até já escrevi o roteiro e vamos ver o que nos reserva o futuro. Capítulo XXXI Reviravoltas Logo que acabei de escrever Boca do Lixo, fui chamado para criar uma novela para as oito da noite. Uma sinopse apresentada por Dias Gomes havia sido recusada e necessitavam urgentemente outra. Tentei argumentar que ainda não me achava apto a encarar o desafio, mas Boni me autorizou a escrever dentro do mesmo gênero que havia inventado para as sete horas, privilegiando o humor. Senti-me mais confiante de poder pisar em um terreno conhecido e assim, como comédia, começou a nascer Rainha da Sucata, a primeira trama do horário dito nobre, passada em São Paulo. Fiz a sinopse em menos de um mês e comecei a desenvolver os capítulos em seguida. Rainha da Sucata estreou com 30 capítulos escritos e, já na segunda semana de exibição, senti que não tinha engrenado. A audiência era boa, o público parecia se divertir, mas ninguém comentava. E sou de opinião que novela deve ser como catapora, precisa pegar; e nem tem de fazer sentido, precisa fazer sucesso, porque é o circo do povo. Na verdade, os problemas começaram uma semana antes de a novela ir ao ar, quando Fernando Collor de Mello assumiu a Presidência e prendeu o dinheiro de todos nós. Era uma época de inflação absurda, e a novela girava em torno do vil metal – a história de uma família quatrocentona falida e de uma família cafona, cheia da grana – mostrando que na sociedade moderna o dinheiro estava mudando de mãos, como havia sido constatado por uma pesquisa muito bem elaborada por Rose Saldiva. Tive que reescrever vários capítulos, pois o confisco do governo inviabilizava muitos personagens, que negociavam com dólar, aplicavam no over, práticas que tinham acabado de uma hora para outra. Os capítulos iniciais já estavam gravados e precisei reescrevê-los, às pressas, para estrear dentro da nova realidade econômica do País. Foi um trabalhão e quando a novela estreou com os personagens reclamando do dinheiro preso, os jornais publicaram que a Globo já sabia do confisco e não avisou a população. Isso criou uma imensa má vontade do público e da imprensa contra a novela, apesar de não passar de um boato maldoso e infundado. Era comum aparecer nos jornais insinuações sobre a minha incapacidade de levar a contento uma trama no horário principal da emissora: Como é que ele não quer mais fazer chanchada? Ficou pretensioso e agora quer fazer novela das oito. Esse tipo de pensamento é engraçado, já que numa carreira é fundamental não se ter medo de se lançar a novos desafios. Há que se fazer de tudo. Eu quero escrever novela que se passe no céu ou no inferno, onde a trama me levar. Quero ter a liberdade de fazer novelas dramáticas, policiais, sociais, políticas, cômicas, farsescas, mexicanas, enfim, o que me der na telha. Não sou obrigado a ficar limitado à comédia, só porque fiz uma novela tão emblemática como Guerra dos Sexos. Ou vou ter sempre que fazer policial, só por que A Próxima Vítima parou o país? Com tanta coisa contra e ainda sentindo a fria recepção do público com relação à novela, tive de enfrentar o crescimento de Pantanal, a excelente novela de Benedito Ruy Barbosa, que era apresentada na extinta Rede Manchete. Eram tempos de vamos derrubar a Globo, agora apareceu a Manchete e todos os elogios iam para a concorrência, que assim como a minha, era um ótimo programa. Por mais que os jornais tenham explorado o embate, a verdade é que as duas novelas jamais concorreram no mesmo horário. Sabiamente, a TV Manchete esperava Rainha da Sucata acabar para começar sua novela, que ganhava cada vez mais números de audiência em cima da linha de shows e só concorria com a novela da Globo no prestígio junto à imprensa. Como se tudo isso não bastasse, um gravíssimo problema particular apareceu em minha vida, logo depois da sinopse ter sido entregue. Ubaldo, meu irmão, acometido de uma infecção no cérebro, voltou para o Brasil, quase sem esperanças de vida. Vê-lo daquela maneira, perdendo os movimentos, a visão, a fala, ia me acabando dia a dia, mas, além da novela, ainda tinha que manter o equilíbrio em casa, principalmente o dos meus pais que, já bem velhos, assistiam à degradação do filho querido. Todos em nossa família cuidávamos dele da melhor maneira que podíamos e eu necessitava urgentemente encontrar alguém para ser meu colaborador no texto da novela. Não tive sorte, tentei várias pessoas e nenhuma engrenava. Complicando ainda mais, era a primeira novela que escrevia em computador e a minha adaptação àquela máquina infernal, que sumia com meus capítulos a cada pique de luz, me deixava maluco. Enfim, com tudo isso, ia tocando a história e só depois percebi onde estava meu erro como autor na condução da novela: sem tempo hábil para raciocinar e desenvolver as histórias principais, ia mantendo tudo em fogo brando, fazendo cenas episódicas, cotidianas, de histórias paralelas, arrumando gags e acontecimentos meio sem importância, esperando a hora de poder, realmente, ter a cabeça tranqüila para mergulhar na história que interessava. Evidentemente, não percebia isso na época e foi Gilberto Braga quem me alertou e, depois da morte de meu irmão, por volta do capítulo 50, me ajudou a dar um rumo de sucesso para a Rainha da Sucata. A história continuou a mesma, mas o que seria narrado em forma de comédia passou a ter um gosto de drama, centralizado nos personagens de Maria do Carmo (Regina Duarte), Edu (Tony Ramos) e Laurinha (Glória Menezes), o trio de protagonistas. O riso não foi abandonado, e sim reservado a outro núcleo de personagens, todos com enorme aceitação popular, como dona Armênia (Aracy Balabanian) e suas “filhinhas”: Nicinha (Marisa Orth), Caio (Antônio Fagundes) e Adriana (Cláudia Raia). Contei o que queria contar, mas de uma maneira que os espectadores entendessem e se empolgassem. Misturei comédia com drama, riso com tragédia e conquistei a audiência do horário, que exige um núcleo dramático mais forte, gosta de torcer pela mocinha que sofre. Agarrei de vez esse público quando Edu e Maria do Carmo se casam e ele se recusa a ir para cama com ela. Por volta do capítulo 100, consegui encontrar o talento profissional que eu buscava para ficar a meu lado e Alcides Nogueira entrou para me ajudar. Excelente autor e companheiro maravilhoso, foi a recompensa que ganhei depois de toda a infelicidade que provei no início da empreitada. Profissional irreparável, amigo carinhoso e escritor criativo, Alcides Nogueira, gosta de escrever à noite e eu de dia, e essa diferença de fusos horários até contribuiu para nosso entrosamento. Acordava às seis da manhã, ligava para ele, que tinha acabado o capítulo que lhe passara no dia anterior, ele me enviava, eu relia, colocava os meus chistes, escrevia o capítulo seguinte, fazia a planificação do próximo dele e às oito da noite lhe passava para ele escrever de madrugada. Foi um período tranqüilo e agradável com a novela engrenada no gosto do público, com todo o Brasil repetindo o bordão Na chon! de Dona Armênia, as mulheres usando franja como Maria do Carmo e os pontos de audiência subindo cada vez mais. Foi a segunda vez que enfrentei uma crise profissional como escritor de novelas, mas outras ainda estavam por vir. Capítulo XXXII Anita Gillette Mesmo depois do final de Sassaricando, Cláudia Raia e eu conversávamos muito por telefone. Fã de musicais e muito amiga de Jorge Fernando, Cláudia tentava me convencer a escrever um show para ela. Passamos um bom tempo assim: eu não querendo e ela, sempre muito simpática, agradável e irresistível, tentando vencer a minha insegurança, porque era só isso que me impedia de escrever para teatro. Apesar do grande sucesso de Adriana, a bailarina da coxa grossa em Rainha da Sucata, eu me sentia devedor dela porque cismei em colocar uma cena, logo no início da novela, onde Cláudia, caracterizada de Marilyn Monroe, saía de um bolo cantando Happy Birthday, Mister President. Evidentemente isso remeteu ao caso de amor entre Marilyn e Kennedy, que logo aqui foi associado a Cláudia e Collor, o que era infundado, mas que passou a ser aparentemente legitimado pela novela. Como profissional, Cláudia poderia ter se recusado a fazer a cena, mas confiou em mim como sempre, e amargou anos e anos este carma. Diante da confiança extrema que ela e Jorginho demonstravam ter na minha capacidade de escrever para o teatro, acabei vencendo a insegurança e escrevendo Não Fuja da Raia. O show abria com uma lacônica voz em off no seguinte comunicado: Por motivos alheios à nossa vontade, a atriz Cláudia Raia será substituída por Anita Gillette. Era uma frustração geral, uma debandada, gente levantando, reclamando, se apressando em ir para a bilheteria e, então, Cláudia Raia entrava pela porta da saída, vestindo um corpete ortopédico e implorava para que o público não a abandonasse e aceitasse assistir com sua substituta. Acalmados os ânimos, ela contava como seria o show se ela estivesse bem e, então, começava o espetáculo com ela e mais 12 bailarinos. Gosto muito dessa idéia para o início de um show e tirei de um episódio acontecido com meu irmão Ubaldo, que morava em Nova York, e teve várias fases de voltar para o Brasil. Uma vez, comprou ingresso, com oito meses de antecedência, para Funny Girl, o primeiro sucesso de Barbra Streisand. Na data marcada e tão esperada, teve o desprazer de assistir o espetáculo com Anita Gillette substituindo Barbra. Essa história nunca saiu da minha cabeça e quando parti para escrever o musical pensei numa pessoa que vem lá de Jaçanã, Osasco, Santo André ou Barueri, de trem, depois ônibus, caminha até o teatro, tudo especialmente para ver de perto um ídolo popular, e se depara com uma substituta desconhecida. Muitos apostavam que a piada só funcionaria no primeiro dia, que depois todos iriam saber e ninguém mais se levantaria para sair, o que prejudicaria a entrada de Cláudia; mas até a última apresentação, dois anos depois, muitas pessoas acreditavam e se levantavam reclamando para ir embora. Durante a temporada de Não Fuja da Raia tive a idéia de fazer a Maria Escandalosa de Deus nos Acuda e juntar Cláudia Raia com Edson Celulari. Eles contracenaram em Sassaricando, mas não como par romântico, eram irmãos, e ali percebi que formavam um casal bonito e carismático. Já me viera a idéia de juntá-los em Rainha da Sucata, mas Edson ia fazer a peça Calígula e o papel do professor gago ficou com Antônio Fagundes, que deu um banho de comédia em sua única incursão no gênero em uma novela. Cláudia e Edson começaram a namorar durante as primeiras gravações de Deus nos Acuda, no Caribe, incentivados por Marco Aurélio, figurinista da novela e nosso grande amigo, e a partir daí a vida de ambos mudou bastante. São muito felizes, têm um casal de filhos lindos e Maria Celia e eu fomos seus padrinhos no casamento civil. Depois de Não Fuja da Raia, vieram Nas Raias da Loucura e Caia na Raia, e os três ficaram ao todo seis anos em cartaz. Durante um jantar em uma cantina, após a estréia de Nas Raias da Loucura, Edson me pediu para escrever uma peça para teatro, não mais um show, o que eu nunca fizera nem pensava em fazer. A insegurança bateu de novo e disse que não faria, nem adiantava ele insistir. Sem compromisso, segundo Edson, começamos a conversar sobre as idéias que ele tinha para a peça, dei meus palpites, armamos uma trama e a pergunta voltou à tona: Por que você não escreve? Depois de ouvir outra vez que eu não sabia, não queria nem iria escrever para teatro, ele me pediu sugestões de autores que poderiam desenvolver a tal idéia que tínhamos engendrado e dei-lhe alguns nomes que me pareciam bons para o trabalho. Combinei com Edson de colocar no papel aquilo que conversáramos para ele procurar um dramaturgo e, quando comecei a missão, me dei conta de que poderia realmente escrever para o palco. Dirigida por Cecil Thiré, Capital Estrangeiro falava da corrupção nos tempos do governo Collor, foi montada no Rio e em São Paulo, no ano de 1994, e me deu indicação para vários prêmios, como o Mambembe e o Molière. Em São Paulo, foi sucesso de público, apesar da crítica paulista insistir no chavão “autor de televisão no teatro”. Rótulos e preconceito sempre me incomodaram muito, principalmente quando vêm carregados de maldade e injustiça. Sempre fui de teatro, muito antes de ir para a televisão, e não é porque passei a fazer sucesso em novelas que não posso escrever livros, roteiros para cinema, peças de teatro ou o que me der vontade. Infelizmente, senti o mesmo preconceito em colegas da chamada “classe teatral paulista”, aos quais sempre tratei com respeito e consideração quando me imploravam papéis na televisão. A barreira que se cria pela imprensa e pelos próprios profissionais em torno de atividades artísticas no Brasil é inútil, injusta e desestimulante. Aqui, para sobreviver, todos temos que fazer de tudo: teatro, cinema, televisão, apresentações em feiras, bailes de debutantes, textos importantes e textos medíocres, novelas boas e novelas péssimas, e tudo mais o que aparecer. É um país eternamente em crise, onde a luta pela sobrevivência é dura e nem sempre recompensada. Detesto atores que imploram um papel na televisão e depois passam a reclamar da falta de importância artística do veículo, se esquecendo que muitas e muitas peças de teatro estão bem distante de qualquer importância cultural. Outro erro comum é montar textos importantes, como os de Shakespeare, Sófocles, Ibsen, Eurípides e seja lá quem for, apenas para impressionar investidores, sem que os atores e diretores tenham cultura, conhecimento ou o menor preparo para realizarem estes espetáculos, mas enfim, isso é assunto para um outro livro. No meu caso, não me animei mais a escrever para o teatro, não por causa do preconceito, mas porque tenho consciência que muitos e muitos outros autores escrevem para o palco bem melhor do que eu e que, assim como no cinema, não tenho feito muita falta. Capital Estrangeiro, apesar de ser uma boa peça de entretenimento, não deu nenhuma contribuição maior às artes cênicas mundiais e, sinceramente, acho que escrever para teatro deve ser uma atividade mais nobre do que simplesmente a de vender ingressos ou lotar platéias. Por algum defeito, ou qualidade, de formação, sempre associo autores de teatro a grandes nomes como os que já citei acima, nos quais posso incluir aleatoriamente Molière, Bertolt Brecht, Garcia Lorca, Eugene O’Neill, Tennessee Williams, Arthur Miller, Martins Pena, Nelson Rodrigues, Jorge Andrade e outros tantos da mesma importância. Não que cinema e televisão sejam veículos menores. Apenas não acredito que tenha uma contribuição muito grande para dar ao teatro, como acho que ocorre na televisão, onde tenho grande orgulho de meu trabalho. Sei que agradou a um mundo imenso de pessoas, contribuiu para minimizar preconceitos, fez carreiras e abriu muitas portas para uma nova geração de autores, além de ter influenciado outros que passaram a escrever com mais liberdade, sem medo de misturar gêneros para divertir o telespectador. Capítulo XXXIII À Beira do Caos De férias, perambulava pelas ruas de Nova York, entrando em tudo que é loja de discos e livros, quando topei com o filme O Segredo das Jóias e reli a sinopse sobre um grupo que resolve assaltar uma joalheria, se arrepende, mas é tarde para voltar atrás. Devo ter lido outras antes de seguir meu caminho, mas foi aquela que me voltou à cabeça e pensei que poderia fazer uma novela sobre um cara que participa de um assalto, se arrepende, mas o grupo não o deixa sair. Comprei um bloquinho de notas e comecei a escrever ali mesmo. Pensei em Tony Ramos, que uma vez me dissera que queria interpretar um carroceiro; fui armando aquela história e quando voltei para casa, já não era um homem, mas uma mulher, saía Tony Ramos, entrava Cláudia Raia e nascia o embrião de Deus nos Acuda. Pensei primeiro em ambientar a novela em uma cidade imaginária e logo me veio Mahagony, de Brecht e Kurt Weill, como referência. Logo abandonei a idéia, mas ganhei com isso a parte social que foi o mote principal da trama. Voltando ao Tony Ramos, cunhei um personagem que fosse muito bom, puro, sincero e amigo dentro de algum lugar podre e corrupto e nasceu Paco, que seria apaixonado pelo personagem de Cláudia Raia, mas que, por questões de escalação da emissora, acabou nas mãos de Raul Gazzola. Esse personagem me remeteu ao George Bailey (James Stewart) em A Felicidade Não se Compra (It’s a Wonderful Life), de Frank Capra, que sempre foi dos meus diretores prediletos. Assim veio a idéia do anjo que desce à Terra para mostrar como seria a vida dos outros, caso George não tivesse existido. Fui por outro caminho e acabei decidindo escrever sobre um país em eterna crise, o nosso, que tem um anjo da guarda incompetente no céu, Celestina (Dercy Gonçalves). Saía a comédia sentimental de Capra e entrava a chanchada brasileira. Com esse fio de trama, passei a desenvolver o resto da história, com a qual queria mostrar a falta de cidadania do brasileiro, a perda do referencial de certo e errado. Tema sério, tratado como comédia, mas com algum cuidado para ficar menos frenética e mais romântica que as anteriores que escrevi para o horário das sete. Faz pouco assisti a Deus nos Acuda inteira novamente, devido à reprise no Vale a Pena Ver de Novo. Preferi reeditá-la, tirando as referências explícitas, e agora ultrapassadas, sobre o período no qual se desenvolvia e, apesar do país não ter mudado muito, pelo menos trocaram as moscas. Foi um bom trabalho para mim, onde pude constatar muitos erros que cometi no desenvolvimento da trama, o que acabou prejudicando a total aceitação da novela por parte do público. Nunca deixava a emoção fluir solta, amarrava a história em discursos intermináveis no céu sobre o caráter do povo e as condições sociais do país. A intenção até podia ser muito nobre, mas com a idéia de falar do país em primeiro lugar, resultou numa novela extremamente cerebral, híbrida, que só da metade para o fim, quando possivelmente eu já tinha deixado toda a minha pretensão político-sociológica de lado, fica realmente divertida e cheia de surpresas. Aprendi mais uma vez que, para se abordar assuntos sérios, não é preciso ser chato e discursivo; o ideal é quando razão e emoção caminham lado a lado com humor e leveza, como Dias Gomes conseguia sempre em suas brilhantes sátiras políticas. Na sua primeira exibição, Deus nos Acuda também foi prejudicada pelo atropelo da vida real sobre a ficção. A novela foi preparada para estrear no primeiro semestre de 1992 e, por razões de produção, só foi ao ar no final de agosto. O mote principal era Collor e seu desastrado governo e, um mês depois, o presidente foi deposto, o que foi ótimo para o país e péssimo para a novela. Sem meu mote principal, comecei a centrar fogo nas histórias de amor que interessaram ao telespectador, até acontecer o massacre no presídio do Carandiru, que arrastou a audiência, doida para acompanhar o caso, para o Aqui e Agora, jornal do SBT que atingia seu auge. Na seqüência, o assassinato de Daniela Perez e o sumiço do helicóptero com Ulysses Guimarães fizeram a novela ficar por mais de dois meses com pouca audiência. O Jornal Nacional tem um público imenso, mas entra depois da novela das sete e quando há um assunto muito empolgante, que realmente interesse ao público, o noticiário da Globo acaba servindo para confirmar e detalhar os acontecimentos, mas o impacto da notícia fica para quem a divulgar primeiro. É quase impossível concorrer com fatos da vida real que se transformam em eventos e, alguns anos depois, tive outra prova disso. Capítulo XXXIV Medieval Sem contar a experiência literária da minha infância no escritório da firma do meu avô, voltei a escrever, anos e anos depois, em uma máquina Lettera portátil, que foi presente de aniversário de minha madrinha Ilse Bacci. Todos os roteiros de cinema, programas do telecurso, teatros da TV Cultura, minhas primeiras novelas, Éramos Seis e Pecado Rasgado, foram escritas ali. Depois apareceu a máquina elétrica IBM de esfera, que pesava uma tonelada e continuava uma doideira o medieval processo de costura dos capítulos, recortando e colando texto sobre texto. Maria Celia ia para o trabalho e eu ficava em casa, escrevendo com Juliana e a empregada. Minha filha, que ainda engatinhava, queria ficar comigo e não podia porque eu tinha que terminar o capítulo do dia e com ela no meu colo, batendo os dedinhos nas teclas, era impossível. Quando resolvia fechar a porta do quarto, não conseguia escrever por causa de seu choro sentido do lado de fora. Como explicar àquele querido bebezinho que não era rejeição? A solução foi escrever em outro lugar e montei um escritório em um pequeno apartamento na Alameda Santos, que depois transferi para a Alameda Sarutaiá, sempre nos Jardins. Nos fins de semana, quando Maria Celia estava em casa, Juliana já tinha companhia e, então, eu trazia a máquina para casa. Resultado: minhas costas estouraram em uma hérnia de disco de tanto carregar aquela máquina pesada de um apartamento para o outro. Mesmo depois do advento do computador e vistos sob a luz da tecnologia atual, os tempos pré-modem remetem à pré-história. Os capítulos iam para o Rio pelo malote da Globo, que fechava às seis da tarde. Se eu não acabasse até esse horário, tinha que ir para o aeroporto com aquele emaranhado de folhas debaixo do braço e pedir para alguém a gentileza de entregar para um funcionário da Globo que estaria lá no Rio à espera. Isso acontecia inclusive com Rainha da Sucata, que já era escrita no computador, mas ainda não havia como transmitir direto. E quando ocorriam problemas na gravação, a solução era parar tudo lá no estúdio, no Rio de Janeiro, e esperar as modificações do autor no dia seguinte. Sei lá por quê, em Pecado Rasgado, muitas vezes os capítulos seguiam pelo malote e sumiam no meio do caminho. Depois a Varig instalou um serviço de entrega, mas tinha que pegar o carro e ir até o aeroporto, ou ter um office-boy permanentemente contratado. Aqui aparece outro problema: não gosto de ter empregados à minha volta me servindo, gosto de me movimentar e de fazer tudo eu mesmo. Tivemos alguns motoristas quando Juliana era pequena, mas os problemas foram tantos que resolvemos viver da maneira mais simples possível para não termos preocupações extras. Maria Celia e Juliana são exatamente iguais a mim neste particular e chegamos à conclusão de que não temos estrutura para viver rodeados de serviçais. Se colocamos alguém para trabalhar conosco, passamos o dia todo preocupado em aproveitar o profissional para que ele não se sinta inútil, ficando o dia inteiro sem fazer nada, à espera de alguma ordem. Depois acabamos nos envolvendo com seus problemas particulares, suas dificuldades de relacionamento na família, a educação dos seus filhos, suas frustrações e tudo o mais, o que acaba virando mais uma enorme preocupação em nossa cabeça. É claro que, como quase todas as famílias brasileiras, temos empregadas domésticas e meu braço direito é meu irmão Antônio Carlos, principalmente quando estou escrevendo novela, tudo na medida do suportável. Capítulo XXXV Sutil Transgressão Quentin Tarantino estava no auge quando comecei a escrever A Próxima Vítima. Assim que veio à tona que seria uma novela policial, chegaram a sair matérias dizendo que seria algo a seu estilo. De onde tiraram isso, não tenho a menor idéia. Tem vezes que as pessoas criam umas besteiradas na cabeça e você é obrigado a preencher ilusões alheias à sua vontade. Resultado: quando a novela estreou, me criticavam por não estar fazendo o que era esperado. Mas esperado por quem e com que direito? Por isso também não quero mais ficar falando demais em entrevistas antes de a novela estrear. Queria muito ficar quietinho, incógnito, esquecido, até a exibição do primeiro capítulo e mais ainda depois da estréia da novela, mas isso é cada vez mais impossível. Novela virou uma indústria que alimenta uma cadeia enorme de colunas nos jornais do Brasil todo, de revistas de televisão e de comportamento, de programas diários em outras emissoras que precisam de informações inéditas e constantes para continuarem existindo e dando emprego a um número enorme de pessoas. Por outro lado, neste caso, literalmente, uma mão lava a outra, porque é graças ao interesse desses veículos na trama, nos personagens e nos atores que o sucesso explode. Com A Próxima Vítima, abandonei as novelas hilariantes e parti para uma intrigante, deixando o escracho de lado, escrevendo uma novela das oito mais séria, mais densa, dentro de um esquema que nunca havia experimentado antes. Imaginei uma trama policial onde o telespectador teria que se ater a três perguntas básicas: Quem está matando? Por quê? E quem seria A Próxima Vítima? Não apenas o assassino era segredo, também o motivo e o próximo alvejado. Como sempre, a especulação levou ao boato de que praticamente todo o elenco seria exterminado no decorrer da novela. Era uma informação mentirosa e exagerada, evidentemente, mas saiu na imprensa e assustou o público, que não queria ver uma história em que os personagens, que eles possivelmente fossem gostar, fossem mortos a torto e a direito. A imprensa ajuda muito o sucesso de uma novela, mas também, justiça seja feita, pode atrapalhar bastante. No caso de A Próxima Vítima, a segunda hipótese foi a verdadeira. Como se tratava de uma novela de suspense, pedi para que o resumo semanal da trama não fosse para os jornais. De que adiantava armar todo um mistério sobre quem seria uma próxima vítima se o jornal contasse antes? Isso criou uma extrema má vontade dos veículos de comunicação com relação à novela, porque ficariam sem notícias sobre o principal programa da televisão brasileira. Logo na primeira semana, quando normalmente a audiência de sábado é mais baixa do que a da estréia, na segunda-feira veio uma manchete no jornal O Globo: Fracasso às oito horas!... Despenca a audiência da novela. E por mais que a audiência da segunda-feira seguinte tivesse sido satisfatória, o massacre continuou. Novamente estava se prenunciando uma crise parecida com a de Rainha da Sucata e entendi que deveria conseguir números muito maiores no Ibope para aplacar os boatos. Resolvi então dar uma reviravolta no melodrama para depois voltar ao policial, aproximando o produto do convencional, mais perto do gosto do público noveleiro. No dia do casamento do bom moço Diego (Marcos Frota), fiz com que ele descobrisse que a noiva Isabela (Cláudia Ohana) o traía com Marcelo (José Wilker) e a humilhasse com uma violenta surra no meio dos convidados. Fui extremamente criticado por isso pelos grupos feministas que me acusaram de machismo por ter feito uma mulher apanhar, mas não entenderam que a catarse popular vinha pelo fato de um personagem do mal ter sido apanhado e castigado por outro do bem e não por ser uma mulher. Hoje, a prática é comum, bandido, seja homem ou mulher, sendo castigado antes do final da novela aumenta sempre a audiência. No caso de A Próxima Vítima, este foi o pontapé inicial e depois disso nunca mais tive nenhum problema de aceitação com a novela e pude desenvolver sem medo a trama policial que acabou tomando conta do país. Outra lição: quando a audiência não se empolga, algum acontecimento forte na trama deve acordá-la e depois mantê-la sempre atenta com novos e eletrizantes acontecimentos. Só os crimes uniam as histórias daqueles personagens que circulavam por regiões diversas de São Paulo, do sofisticado Morumbi à Aclimação, da humilde Mooca aos Jardins, passando pelo Mercado Municipal. Núcleo importante, o do pessoal da Mooca vinha de minhas lembranças. Na cidade cenográfica, foi construída uma vila que evidentemente não existia mais no bairro, nem atividades como lavar roupa no tanque e dependurá-las no varal, mas na minha cabeça era daquele jeito e eu buscava reproduzir o ambiente de minha infância. Sem muito estardalhaço ou excesso de correção política, A Próxima Vítima atacou os preconceitos de maneira geral e abriu espaço para algumas minorias. Para começar, tinha uma família de negros classe média, onde a empregada era branca. Vieram críticas que aquela gente não existia, aí foram pesquisar e descobriram que existia, sim, e por causa dessa classe média negra apareceram revistas e vários outros produtos para a raça, no processo detonado pela novela. Infelizmente, muitos não entenderam até hoje a minha verdadeira intenção em colocar a família Noronha na novela. Em seu livro sobre a raça negra, Zé Zito diz que escrevi os negros como eles gostariam de ser vistos. A idéia nunca foi essa. Eu queria um núcleo de personagens afro-brasileiros que fizesse sucesso, para que em outras novelas e outros núcleos aparecessem mais personagens afro-brasileiros e assim o mercado de trabalho para o ator negro se ampliasse. Era só isso. Não queria personagens chatos que vivessem reivindicando um lugar na sociedade, nem reclamando de preconceito e discriminação, mas sim personagens simpáticos que pudessem contar com a identificação do público de todas as raças. Consegui isso plenamente e as pesquisas indicavam o personagem de Fátima (Zezé Motta) como predileto das donas-de-casa. E por que isso? Porque armei para ser assim. A única família idealizada dentro do sonho de felicidade da classe média brasileira era aquela, a dos negros. As outras famílias não permitiam essa identificação. A personagem Ana (Susana Vieira), a mamma da novela, nem era casada, era amante de um homem casado, tinha uma amiga prostituta, e a moral muito elástica para a identificação da típica dona-de-casa que preserva os bons costumes. Gostavam de Ana, admiravam seu jeito de ser, mas se identificavam com a mãe convencional da família dos negros. E em nenhuma pesquisa se referiam a eles como “a família dos negros” como saía na imprensa, era sempre a família Noronha, ou a família da Fátima. Com o homossexualismo, abordado através da dupla de jovens Sandro (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes), ocorreu a mesma coisa. A partir do momento em que incluo na novela aqueles dois e o público aceita, o assunto ganha outra dimensão. Numa cena, o personagem Sandrinho se explicava para a mãe: Eu não sou sem-vergonha porque gosto de homem, não sou assim porque quis ou escolhi. Sou assim porque nasci assim e não há nada que eu possa fazer para deixar de ser o que sou, portanto, só me resta uma saída, me aceitar e ser feliz! Essa sinceridade e simplicidade absolutas cativaram milhares de telespectadores, o que resultou em um número enorme de manifestações por telefone e cartas de mães e pais que não aceitavam os filhos e, a partir daquela cena, passaram a pensar diferente. Isso é a parte mais mágica e gratificante do trabalho, chegar ao coração e à mente das pessoas. E por que incluí o assunto homossexualismo? Porque tive muitos amigos que morreram por causa disso, por serem marginalizados. Quando a família aceita o homossexual, ele deixa de ser marginalizado e, conseqüentemente, de ser explorado, de cair nas armadilhas do gueto. Queria que houvesse respeito à opção sexual deste grupo e acho que consegui isso. Desde que comecei a escrever a novela, sabia que estava lidando com um assunto tabu e deveria ir com muito cuidado. Fiz primeiro as pessoas gostarem dos garotos, que eram normalíssimos, permitindo uma identificação com qualquer grupo, e depois revelei que eram homossexuais. Deu certo. Pouco tempo depois, em Torre de Babel, achei que já tinha conquistado espaço para este tema, então coloquei duas personagens lésbicas desde o primeiro capítulo e o escândalo armado pelos jornais foi tão grande que meio mundo se assustou. Se tivesse feito aos pouquinhos, teria dado certo também, como deu para outras novelas mais recentes. Novamente vivendo e aprendendo que certas coisas não mudam muito e, para alguns assuntos polêmicos, parece que está sempre se partindo da estaca zero. O casal de lésbicas Rafaela e Leila, interpretado por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer, duas atrizes bem conhecidas, lindas, admiradas e respeitadas, me parecia uma ótima idéia. O barulho começou semanas antes da estréia e a imprensa falava tanto, mas tanto, que parecia que Torre de Babel seria uma novela sobre lesbianismo. Evidentemente, não era. As duas formavam uma parte importante, mas pequena, da história e a função dramática de Rafaela (Christiane Torloni) na trama era morrer para que o personagem central José Clementino (Tony Ramos) herdasse sua fortuna e pudesse mudar de vida. É claro que, por se tratar de uma atriz do quilate e carisma de Christiane, eu não iria deixar de dar uma importância maior ao personagem, mas sua morte estava acertada para por volta do capítulo 30, na explosão do shopping, desde o início. Quando a novela estreou e o assunto não teve o tamanho da expectativa que a própria imprensa havia criado, passaram a criticar, dizendo que a novela estava censurada. Pura balela, a importância do casal dentro da trama sempre foi aquela mesmo. A morte da personagem de Silvia Pfeifer é que não estava prevista e aconteceu devido às proporções que aquilo tudo assumiu, muito mais nos jornais do que na novela, onde se garantia que cenas de sexo entre as mulheres estavam gravadas e proibidas de irem ao ar. Toda essa especulação afastou um número grande de donas-de-casa que tinham medo, e isso foi dito em muitas pesquisas, de ver na sala da casa delas o que se lia nos jornais. Tudo assumiu uma proporção tão exagerada que resolvi, já que tinha de matar Rafaela para dar seguimento à história, fazer Leila a acompanhar, preservando o amor das duas na eternidade, a exemplo de Romeu e Julieta. Antes de morrerem na explosão do shopping, Rafaela diz: Tudo por causa desse maldito preconceito e até hoje ninguém esquece de citar este caso como um grande exemplo da intolerância humana nas novelas contra os que se atrevem a ser diferentes. Polêmica foi o que não faltou em Torre de Babel e o personagem de Tony Ramos foi uma das vítimas das maledicências. Tony é um ator que adoro e na primeira vez que trabalhamos juntos, em Rainha da Sucata, ele interpretou um personagem meio mau-caráter, dúbio, que se casava com a mocinha por dinheiro. Veio o reencontro em A Próxima Vítima, onde ele já não vivia o galã, era Juca, o fruteiro do Mercado Municipal, grosso, gritão, que mostrava a bunda, brigava, chorava, adorava ópera e ele fez maravilhosamente bem, foi um sucesso incrível. Quando chegou a vez de Torre de Babel, disse-lhe que seu personagem seria completamente diferente de todos seus trabalhos anteriores. Tony topou, raspou o cabelo e emagreceu para transformar-se no atormentado José Clementino. A trama de Torre de Babel é a seguinte: um pedreiro, que quer se vingar do patrão, vai explodir o shopping, arma tudo, desiste, alguém rouba seus planos e a tragédia acontece. O público sabe que o pedreiro é inocente, mas quem foi que explodiu? Essa era a história e assim foi contada. Era uma novela com forte conotação social e a intenção principal de mostrar que um ambiente social violento e hostil pode modificar o caráter de uma pessoa, mesmo que ela seja cheia de bons sentimentos. Mudando-se o ambiente, muda-se também a pessoa e José Clementino encontrava no amor de Clara (Maitê Proença) a força necessária para se tornar um novo homem. Jornais e revistas mal informados, até hoje, todas as vezes que se referem a Torre de Babel, afirmam que inventei a explosão para matar os personagens que não estavam agradando ao público. Nada mais falso e mentiroso. O fato de a novela ter feito muito sucesso depois da explosão nada tem a ver com a eliminação de personagens inconvenientes, mas sim com um desenho mais maniqueísta que passei a fazer no caráter de cada um, possibilitando ao telespectador separar os mocinhos dos bandidos, coisa que não fiz antes porque queria que todos fossem suspeitos de terem roubado os planos de José Clementino e realizado a explosão. Uma armação policial clássica, contada de uma maneira mais original. Fiz questão de que Guilherme (Marcello Antony), o drogado, morresse de overdose antes da explosão, porque sou radicalmente contra drogas e queria mostrar que droga pesada é um caminho sem volta. Li em algum lugar que tirei a idéia para a novela de Cabo do Medo (Cape Fear), mas a única semelhança que consigo encontrar é a de um sujeito que sai da cadeia e se vinga de outro, como também acontece em O Conde de Monte Cristo. Torre de Babel foi uma novela muito difícil de realizar, não só por ser a primeira que usava uma explosão naquelas proporções, mas, principalmente, porque a TV Globo passava por várias reestruturações com a saída de Boni, depois de 35 anos no comando. A produção era do núcleo de Carlos Manga, fazendo com que nos reencontrássemos profissionalmente muitos anos depois, e a direção a cargo de Denise Saraceni, uma grande companheira, mulher forte e talentosa, de doce personalidade, que manteve o interesse do projeto em pé durante todas as tempestades que enfrentamos, sem esmorecer um segundo, conduzindo com carinho e competência o enorme elenco estrelar. Mais uma vez ficou provado, como em todas as tempestades que enfrentei ao lado de Jorge Fernando, que autoria e direção juntos e entrosados é a melhor forma para vencer as intempéries e se chegar ao sucesso. No final de Torre de Babel, apesar de todo o sucesso conseguido, estava esgotado, absolutamente estressado, com todos meus exames físicos dando alarmes de problemas futuros, magoado, arrasado e determinado a nunca mais escrever uma novela. Voltei a fazer terapia com o Dr. Godói, tentando arrumar forças para romper o contrato que tinha com a Globo e demorou muitos meses até que me reestruturasse e tivesse coragem de aventar novamente a possibilidade de encarar a escrita de um capítulo por dia. Junto com a terapia, foi o entusiasmo constante de Jorge Fernando que me tocou para frente. Capítulo XXXVI Jardim do Éden Concordei em voltar a escrever novelas se me deixassem completamente livre para apostar em uma trama insólita e absolutamente diferente de tudo o que já havia sido feito até então, e Jorge Fernando, mais uma vez, entrou na aventura comigo. Me pus atrás de alguma idéia nova, estimulante, arrojada; não me interessava nem um pouco repetir experiências anteriores e Jorginho concordava plenamente comigo. Nossa carta branca para a criação veio com o pedido de usarmos todos os comediantes que já tinham trabalhado conosco e por falta de espaço na programação da emissora estavam sem programa próprio. E essa era nossa turma: Regina Casé, Claudia Jimenez, Cláudia Raia, Diogo Vilela, Andréa Beltrão, Débora Bloch, que saiu por motivos particulares e mais Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, que acabaram ficando fora para fazer Os Normais. Como todos são cabeças de programas, não podia fazer uma história, tinha que fazer várias. Propus escolher todo elenco primeiro e depois escrever em cima dos atores. Fiz uma trama completa para cada núcleo encabeçado por uma dessas estrelas, reservando as três filhas da mãe Lulu de Luxemburgo (Fernanda Montenegro) para Cláudia Raia, Andréa Beltrão e Bete Coelho, que entrou no lugar de Débora Bloch. Imaginei para Tony Ramos, novamente, alguma coisa completamente diferente e lá veio Manolo Gutierrez, um de seus maiores sucessos, e para seu par, inspirado em Nascida Ontem (Born Yesterday), Orora Anarfabeta (Cláudia Ohana). As tramas todas ficaram prontas, mas careciam de uma unidade, não tinha os crimes como em A Próxima Vítima e também não queria cair nos chavões de parentesco. Pensei então em um rap para unir as tramas, como se fossem histórias de cordel, e decidi que estava fazendo um cordel urbano, se é que isso faz algum sentido. Era muita novidade junto. Primeiro a maneira inusitada de contar uma novela sem mocinho ou mocinha, sem uma história convencional e com personagens absolutamente inusitados, muito diferentes do que o público de novelas estava acostumado. Tudo unido por um rap, com a letra estampada na tela em diferentes tamanhos, com uma narrativa que se permitia ir para frente e para trás, sem se preocupar com um seguimento convencional. É claro que os mais inteligentes que viviam rezando por alguma novidade na televisão deliraram, mas o público, sempre conservador, levou um tremendo susto. Desde a primeira semana, a novela teve problemas de audiência, mas Jorge Fernando e eu insistíamos que, com o tempo, eles acabariam decodificando a linguagem e teriam prazer em assistir. A primeira pesquisa de opinião foi muito interessante. Primeiro veio um grupo de adolescentes de classe média que adoravam a novela, achavam inteligente, divertida, etc. Mas depois foi a vez do grupo das telespectadoras tradicionais, aquelas que são o esteio principal da audiência porque não desgrudam da televisão, e aí me deu até pena daquelas pobres senhoras: Eu não entendo nada; Não sei ler, aparecem aquelas letras e eu não sei o que é; O que é que aquela pessoa está cantando, aquilo é história pra gente ouvir? Ninguém disse que não gostava, mas simplesmente estavam absolutamente perplexas e revoltadas com o que elas diziam não ser sequer novela, porque não entendiam nada, bem diferente do que ocorria nas classes A e B, onde a novela tinha boa aceitação. Nunca precisei ter um assunto polêmico para que a novela faça sucesso. Vou armando situações que de repente viram polêmicas. E aí entra aquela história: novela que ninguém comenta, que ninguém imita os personagens, que não está na feira, nos cabeleireiros e nos supermercados, não existe. Diferente de um filme, uma peça de teatro ou algum outro tipo de programa de televisão, novela sem sucesso é quase um castigo para se levar adiante. Sem comentários, sem envolvimento do público ou interesse na trama, todos os envolvidos vão perdendo o estímulo, as cenas vão murchando e fica uma gente triste, deprimida, carregando por oito meses aquele cachorro morto, sem a menor possibilidade de prazer. Para um autor, então, que se levanta às sete da manhã e precisa produzir de 35 a 40 páginas de texto, sabendo de antemão que ninguém vai gostar, não tem nada pior. Só tive essa experiência uma vez, em Pecado Rasgado, e não desejo nem a meu pior inimigo. Quanto às outras, mesmo as que não foram grandes sucessos de audiência, tiveram muita repercussão na imprensa ou tinham um público fiel que se divertia diariamente e isso me estimulava a continuar. Foi assim com A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim do Éden, que não dava grande Ibope, mas era muito comentada e adorada por muita gente e isso estimulava o Jorginho, a mim, Alcides Nogueira e Bosco Brasil que escreviam comigo e, principalmente, a todos os atores envolvidos no processo. Todos tínhamos certeza que mais dia, menos dia, ela cairia, fatalmente, também no gosto do grande público. Infelizmente, como havia já acontecido em Deus nos Acuda, a realidade veio atrapalhar a nossa ficção, e põe realidade nisso. A filha de Silvio Santos foi raptada, depois veio a perseguição ao raptor, depois o rapto do próprio Silvio: isso durou duas semanas, e a novela passou a concorrer com o noticiário. A audiência caiu muito e as classes mais baixas migraram para os programas policiais do horário. Na quarta semana, começamos bem de Ibope, mas quando estava escrevendo um capítulo, no dia 11 de setembro, Jorginho me ligou apavorado, perguntando se eu já havia visto na televisão que o World Trade Center, em Nova York, tinha vindo abaixo depois de um ataque terrorista. Como concorrer em interesse com o possível início da Terceira Guerra Mundial? É verdade que a novela tinha segmentos herméticos, só para iniciados, o que é um grave erro para quem trabalha para um público amplo como é o de televisão. Mas eu também apostava no humor mais popular no núcleo de Rosalva (Regina Casé) e, principalmente de Manolo (Tony Ramos). No primeiro capítulo, a personagem de Fernanda Montenegro, uma decoradora de sucesso em Hollywood, ganhava um Oscar. Claro que era uma brincadeira em cima da estatueta que não lhe deram pelo filme Central do Brasil e eu achava que o prêmio máximo do cinema era popular nas camadas mais baixas; ledo engano, ninguém nem sabe do que se trata. Apareço entregando o Oscar para Fernanda, o que foi encarado como pretensão de minha parte, mas foi só um quebra-galho de última hora. Estava acertado que Walter Salles é que entregaria; mas ele não pôde gravar e Jorge Fernando me convenceu, com o argumento de que era eu mesmo quem estava dando aquele Oscar para Fernanda, que também achou que ficaria divertido, mas, infelizmente, grande parte das pessoas costuma fazer julgamentos baseados em suas próprias atitudes. No início, apostavam que eu teria dor de cabeça com aquele elenco de estrelas e, ao contrário, o convívio foi extremamente harmonioso, sem desentendimentos, fofocas, nada. Aliás, nunca tive problema com elenco, a não ser Paulo Autran que saiu vociferando contra Sassaricando, mas depois pediu desculpas. Preocupo-me individualmente com cada um dos atores, que estão escalados porque confiaram no meu trabalho, aceitando a empreitada, e quanto mais sucesso fizerem, melhor pra mim. Não gosto que um profissional entre na minha novela e não suba algum degrau na carreira, sempre me preocupo com isso e mais ainda que entre com um grande cartaz e perca prestígio e popularidade. Como a novela não foi um estrondo de audiência, meu temor era prejudicar a carreira de Reynaldo Gianecchini, Regina Casé, Cláudia Raia ou Tony Ramos... Mas, graças a Deus, todos cresceram. Gianecchini foi protagonizar Esperança, Regina Casé voltou a fazer aqueles quadros incríveis no Fantástico, Priscila Fantin e Bruno Gagliasso viraram estrelas, Raul Cortez e Fernanda Montenegro foram filmar juntos O Outro Lado da Rua. A novela ainda não tinha terminado de ser gravada quando Jorginho me disse que eu deveria ir ao Rio para uma entrevista para o Vídeo Show. Fui e estranhei que a gravação fosse à noite e ele estivesse mandando o carro rumar para o endereço de Cláudia Raia. Entramos na casa escura, as luzes se acenderam e todo o elenco me aplaudiu, me encheu de carinho, de presentes, de abraços e beijos em uma enorme festa surpresa armada por eles, encabeçados por Cláudia e Fernanda Montenegro em agradecimento ao grande prazer que tiveram em participar daquela incrível batalha. Minha mulher também veio de São Paulo e nos congraçamos até o amanhecer. Foi uma das maiores emoções da minha vida e senti o quanto gosto dessa minha gente que, justiça seja feita, parece que também gosta bastante de mim. Desejos de Mulher e O Beijo do Vampiro, as duas novelas seguintes das sete, deram pouca audiência também e só Kubanacan teve mais ibope que A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim de Éden. Título mais longo na história das telenovelas, aquela trama ágil, com personagens sofisticados e inusitados, deixou marcas inovadoras. Que outra novela trouxe um casal romântico como Dagmar (Claudia Jimenez) e Ricardo (Reynaldo Gianecchini)? Ou cenas de amor com Regina Casé e Thiago Lacerda? E que tal Ramona (Cláudia Raia), uma heroína romântica transexual? São apenas alguns exemplos; teve muito mais nesse excelente trabalho que só existiu porque tive a meu lado, novamente, Jorge Fernando, diretor único, amigão e companheiro incomparável. E um dia ainda vou fazer emplacar uma novela, ou minissérie, onde a comédia seja total e absoluta e o espectador finalmente consiga entender que não é preciso levar nada a sério, que a novela pode ser dramática e cheia de emoção, mas também pode ser muito mais agradável se levarmos tudo na brincadeira. Capítulo XXXVII Na Frente das Câmeras Sempre disse cobras e lagartos de minha carreira de ator, mas outro dia estava fazendo um retrospecto e vi que ficou bem longe da mediocridade. Trabalhei oito anos seguidos em teatro, televisão, e, meu Deus, contracenei com Cleyde Yaconis, Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Maria Della Costa, Cacilda Becker, Dina Sfat, Sérgio Cardoso, Aracy Balabanian, Irina Greco, Armando Bógus, Glória Menezes, Tarcísio Meira, Francisco Cuoco, Paulo Goulart, Nathalia Thimberg, Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça, Stênio Garcia, Rubens Corrêa e muito mais gente boa. E fui dirigido por Antunes Filho, Antônio Abujamra, Sérgio Britto e Ademar Guerra. Não, não foi uma carreira ruim, mas muito difícil, isso sim. É que o ator fica muito na dependência de convites e depois dessa minha trajetória entendo muito bem os profissionais que hoje me pedem emprego, pois estive lá também, na porta das pessoas, na porta das emissoras, querendo entrar, falar com este ou com aquele, pedir papéis, implorar por atenção, sei que é duro e o quanto isso custa. Mas também, agora do outro lado, entendo que não se pode levar em conta os problemas de todos, que cada personagem tem seu intérprete ideal e fazer concessões em escalação é péssimo para ambos os lados. Desde que parti para outros e mais bem-sucedidos rumos na profissão, voltei à frente das câmeras algumas vezes, sempre em participações especiais, por pura farra. Foi assim em 1983, quando escrevia Guerra dos Sexos e Nelson Pereira dos Santos me chamou para o filme Memórias do Cárcere. Ney Santana, filho de Nelson, fazia a produção e me disse que eu filmaria tal dia. Cheguei lá e era um papel enorme, o diretor do presídio que falava páginas e páginas de texto. Sem tempo para decorar aquilo tudo, pedi um personagem menor e fui escalado para interpretar o médico que atendia o protagonista (Carlos Vereza). É uma cena só, filmada naquele dia, em estúdio, e bem semelhante à participação mais recente em Sexo, Amor e Traição, filme de Jorge Fernando. Meu amigo estreava na direção, fui assistir a uma filmagem e ele me convidou para uma ponta – um pianista que toca para Alessandra Negrini cantar e não fala nada, o que foi ótimo. Não toco piano, mas fiz espelhado em Tyrone Power em Melodia Imortal (The Eddy Duchin Story); era o que estava na minha cabeça, a minha fantasia. André Bukowinski está realizando uma série de curtas-metragens que ele pretende transformar num longa chamado Sete Vezes Solidão. Encontrei-o numa festa e ele me lembrou que dirigira um comercial onde eu contracenava com o leão do imposto de renda. André preparava um curta e me convidou para contracenar com Irene Ravache. O quê? Eu contracenar como uma atriz do quilate de Irene, você está doido. Não, ele não estava, me convenceu, ajudado pela própria Irene, a quem considero uma das nossas mais completas e talentosas atrizes. Isso sim é que foi pretensão, me colocar ao lado dela. Helena, o curta, foi premiado num festival em Washington e deu a Irene Ravache o prêmio de melhor atriz no Festival de Santos. A estrutura é simples: Estamos os dois num banco de praça, conversando durante 22 minutos sobre coisas da vida. Filmamos em dois dias, páginas e páginas de diálogo para decorar, o que me deu medo, mas o diretor foi ótimo e o apoio da minha grande e generosa amiga, definitivo. Não vou falar que sou ator, mas ali eu não tinha mais nada para temer. Não é minha profissão, estava fazendo uma brincadeira com amigos, me coloquei à vontade. Daquilo não dependia minha carreira, minha vida, não dependia nada. Bem diferente de meus tempos de testes, quando vinha uma supercarga de adrenalina e não sabia lidar com ela e canalizava tudo para o pavor de errar, de não fazer bem e nunca mais conseguir outra oportunidade. Esse peso todo simplesmente não existia mais e veio o prazer de estar pretendendo ser outra pessoa, sem esquecer que já estou muito bem sendo eu mesmo. A enorme importância dada ao ator é um diferencial do cinema, bem diferente do que ocorre na televisão, onde a câmera só registra a sua representação. No cinema, a câmera é voltada exclusivamente para o ator. Pára tudo ao redor, alguém vem conferir as condições de luz, a maquiagem e o artista, centro das atenções, fica parado ali, diante dos olhares e cuidados daquela equipe toda. Essa possibilidade de avaliar o que um ator sente no momento em que realiza seu trabalho é um lado interessante nessas minhas eventuais participações em filmes. E isso me ajuda na hora de escrever, de dirigir para aquela pessoa, que enfrenta experiências que não provo como escritor. E como diretor também não. O diretor tem uma visão geral, enquanto o ator fica centrado em si mesmo o tempo todo, porque é essa a sua função. Capítulo XXXVIII Interiores Todas as vezes que alguém me convidou para ir pra uma fazenda, achei chatíssimo, tinha muito mosquito, animais, sujeira, gado e eu nunca gostei de nada disso. Lembro-me em uma reunião de roteiristas da Globo, que Benedito Ruy Barbosa falava maravilhas do mundo do campo e Gilberto Braga observou na sua fleuma: Engraçado, quando quero castigar o vilão da novela mando o personagem direto pra fazenda. Porque para mim não tem nada mais chato do que ficar olhando vaca. Fui logo dizendo que comigo também era assim, Benedito quase se ofendeu conosco, mas entendeu que não era nada pessoal, era apenas uma questão de gosto. Muita gente sonha com lugares calmos para escrever. Eu não. Quero ir para Nova York, mesmo quando estou atrás de descanso. Gosto de ficar num lugar onde possa ter minha intimidade, mas se quiser ir a um cinema, um restaurante, uma livraria, andar na rua, pegar um carro, basta abrir a porta e sair. Não me importo de passear sempre, mas tenho que saber que tudo o que eu gosto está a meu redor. É a mesma sensação com meus filmes. Tenho um mundo de DVDs, não assisto a todos, mas sei que estão ali, ao alcance da mão. Com os livros e CDs é assim também, então a relação com uma cidade não poderia ser diferente. Nesses anos todos, minha coleção de filmes já passou por muitos formatos – VHS, Laser Disc, que agora estou substituindo por DVD, mas já soube que inventaram outro sistema. Hoje já se pode comprar o filme que quiser, estão vendendo em lojas lá nos Estados Unidos para se assistir em casa e ficar com ele para sempre. Fiquei doido com essa novidade, que chegou via Rubens Ewald Filho. Dirigia na época filmes institucionais para uma subsidiária da Globo e pedi um aparelho, veio um enorme e pesado, bisavô do videocassete, pra minha casa. Depois, com o tempo, os aparelhos foram se modernizando, se aperfeiçoando, mas ainda tenho montanhas de fitas com os mais diferentes formatos. Gravei todas as minhas novelas desde 1981 e hoje, infelizmente, não consigo assisti-las: fica tudo branco-e-preto ou então verde, vermelho. Ter uma coleção de filmes em minha casa é um luxo supremo que jamais pensei poder alcançar. E para mim não existe filme velho, filme novo, filme bom ou ruim, filme premiado ou execrado; existem os filmes que eu gosto. Já até coloquei essa frase na boca da cinemaníaca Mariana, que Renata Sorrah interpretou em Rainha da Sucata e lembra muito a Cecília de A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo), que é um dos filmes que eu gostaria de ter feito na minha vida. É ótimo ter os filmes em casa, rever o que me dá prazer. Não sou uma pessoa que tem no cinema uma fonte de cultura ou sabedoria, o que me interessa é a paixão, a emoção e, principalmente, o entretenimento. Já não é nenhum segredo que sou maníaco com relação a cinema e também já confessei que o simples manuseio da caixinha de DVD, quando vejo as fotos ou leio o texto, já me dá prazer. Para espantar qualquer aborrecimento, nada melhor que um bom musical da Metro, A Roda da Fortuna e Cantando na Chuva são infalíveis, uma boa chanchada da Atlântida também é aconselhável, uma comédia italiana ou um maravilhoso e cafona dramalhão mexicano como, por exemplo, Aventurera, com Ninón Sevilla, ou La Bien Pagada, com Maria Antonieta Pons. Bangue-bangue não é um gênero que me cativa, mas filme de gangster ou de capa e espada eu adoro. A magia e a mentira do cinema me encantam. Criar mentira é uma arte, e quem duvidar disso pode recorrer aos filmes de Alfred Hitchcock, Billy Wilder e Federico Fellini, que para mim são sempre os melhores diretores. Quando se conta uma história, é preciso ter um ponto de vista, se não fica uma narrativa dispersa, e isso vale também para o cinema. Hitchcock é um bom exemplo: ele vai mostrando como o espectador tem de entender aquela história, apesar da câmera não voar e não existir ali nenhuma pirotecnia. Um diretor não precisa mostrar que sabe mexer com a câmera, que sempre deve ser um instrumento a serviço do que ele está contando. Fellini consegue fazer tudo isso de uma maneira absolutamente pessoal e encantadora, levando o espectador para um mundo que só existe em sua cabeça. Billy Wilder é o mais eclético deles e por isso também meu preferido. Do riso escrachado de Quanto Mais Quente Melhor ao suspense Testemunha de Acusação ou o noir Pacto de Sangue, tenho um fascínio especial por esse diretor, que realizou bons filmes em tantos gêneros diversos. Sem nenhuma comparação com o grande mestre, que também é um exímio roteirista, gosto de poder transitar por vários gêneros e essa liberdade é o que mais me fascina na minha profissão. Capítulo XXXIX Cenário para um Crime Preciso conhecer o lugar para escrever sobre ele, mas não tenho nenhuma obrigação de reproduzi-lo exatamente como é. Atualmente, ando às voltas com uma novela que vai se passar em parte na Grécia. Minha visão daquele país – e já tinha estado lá duas vezes – era absolutamente turística. Quando pensei em usá-lo como cenário, veio a necessidade de conhecer mesmo, ver como aquela gente anda, os que eles fazem, aonde vão, como é o bar, esses detalhes do cotidiano. Sou um autor diferente dos outros. Sou visual e auditivo, não fui formado por leitura e sim pelo cinema. Quem ler um capítulo meu verá que lá estão todas as indicações: a luz, o tipo de cenário e até a inflexão. O diretor não precisa levar ao pé da letra, pode gravar do jeito que quiser, mas só sei escrever assim. Quando sento ao computador, é como se tivesse na minha frente um filme ou uma novela pronta, fico escrevendo o que estou assistindo. Se não vejo o lugar, não sinto a emoção e não consigo escrever. Fui mais uma vez à Grécia em novembro de 2004, com Denise Saraceni, à procura de locações. Foi completamente diferente das minhas incursões turísticas, anotava tudo o que via e dessa viagem surgiram várias idéias para a novela, inclusive uma trama policial que permeia toda a história. Santorini é muito escura à noite e, como era inverno, as ruas estavam praticamente desertas e vendo aquela paisagem surgiu a inspiração. Também vou registrar a imagem clichê de muito sol, casas brancas com mar azul, mas meu interesse principal é abordar a vida das pessoas que habitam aquele lugar, quando a temporada acaba e os turistas vão embora. A idéia de escrever uma novela na Grécia veio não apenas porque é um lugar muito bonito, o que garante o visual da história, mas porque é habitado por um povo alegre, extrovertido, semelhante ao italiano. Mesmo aqui no Brasil, tenho freqüentado e gostado muito do ambiente dos gregos, um povo alegre, forte e comunicativo; preciso saber como eles são na intimidade para não acabar caindo na caricatura. Festas de gregos que vivem em São Paulo me trouxeram um pouco da vivência desse pessoal e esse conhecimento de campo me estimula a construir os personagens. Nunca escrevi nada que se passasse em outro país, eu fazia o italiano, o espanhol, o português, todos de São Paulo com quem convivi durante minha vida inteira. O processo de criação que estou começando agora é bem diferente de apenas usar uma locação bonita para gravar externas em outro país. A Próxima Vítima, por exemplo, teve cenas na Costa Amalfitana, porque passei férias lá e me encantei com o cenário. Pecado Rasgado começou em locações parisienses, Cambalacho em Roma, Torre de Babel na Áustria, Vereda Tropical em Majorca, As Filhas da Mãe em Las Vegas. Já conhecia esses lugares e, quando sentava para escrever, eles estavam ali na minha frente e como turista que tinha sido não me inibia de descrevê-los. Quando se escreve sobre o povo, hábitos e costumes específicos é necessário que se conheça bem, muito diferente de colocar personagens brasileiros passeando pelo exterior, como foram em todas as outras minhas novelas. Gosto de escrever para os atores e o nome de Glória Pires veio logo, pois nunca trabalhamos juntos apesar da apreciação mútua que temos. Veio a idéia de juntá-la a Tony Ramos, porque os dois se gostam e ainda não contracenaram. Entusiasmado pelos dois, vou imaginando o que posso fazer, um personagem para a Glória, que papel ainda não desenvolvi para Tony... Durante esse processo de criação, vou muito pelo lado das situações, dos tipos de personagens e tramas que ainda não explorei. A partir daí vou armando, aos pouquinhos. Nos 450 anos de São Paulo, escrevi para o Fantástico uma história chamada A Festa do Nono, com Gianfrancesco Guarnieri. Em pouco mais de dez minutos, contava a história de um patriarca de uma família italiana que começa a despencar com a entrada de japoneses, espanhóis, enfim, várias raças. Adorei o resultado, vi que era uma boa idéia para um núcleo de novela e vou usar essa mistura de raças que é muito São Paulo. E como tenho Grécia, país bonito, qual o antagonismo daquele povo? O Turco. Vou juntar um turco com uma grega, eles moram numa vila onde tem alguém da família, possivelmente Cláudia Raia, que vai casar com um italiano, depois um português, um judeu e até um japonês e aí começa a entrar a misturança. Essa é a parte meio pop da novela, os gregos, espanhóis, japoneses misturados, vivendo no microcosmo de São Paulo. A partir do momento em que começo a construir a história, aquilo não sai mais da minha cabeça, não penso em outra coisa. Tudo que vejo, tudo que leio, tudo que olho, tudo vai para a novela. Quando me falam em algo que tem a ver, prefiro nem ler, pois tenho medo de roubar instintivamente. A parte que mais gosto e a mais criativa é essa de inventar a história, ir armando tudo. Essa nova novela vai estrear em novembro, em março entrego a história e, como comecei a pensar nela faz alguns meses, tenho muito tempo de imaginar o que quiser. Tenho uma história aqui, outra ali, costuro aqui, essa história dá pra fulana, mas ela já fez isso em tal novela, então vou chamar aquela outra... Quando a trama fica armada, passo para o papel, aí vira a sinopse e já se começa a raciocinar em termos de viabilidade de produção. Fui para a Grécia porque se eles me dissessem que não tinha condições de gravar – é muito caro, muito longe e sem apoios não se consegue produzir – eu teria de pensar em outra novela. A novela vai ter um núcleo na Grécia, serão brasileiros morando lá porque senão as pessoas não vão entender o que eles falam. Como teremos um núcleo de brasileiros, Denise Saraceni vai ter que levar uma equipe e ver que condições existem para se gravar lá, quanto vai custar, porque existe um orçamento e não podemos fugir dele... Parece que já entrei no processo. Capítulo XL Entidades É mito essa história de personagens que crescem mais do que o autor previu. Quando o público está assistindo, aquela história está um mês na frente e o personagem só cresce se isso estiver no texto. O que ocorre é que, a partir da hora em que começo a ver o resultado das gravações, percebo que determinado ator está bem, aí aumento o personagem. E também o contrário: ele está mal e o papel diminui. Tem vezes em que é preciso falar com o diretor, para decidirmos o que fazer, se vamos eliminar aquele personagem ou dar um tempo. Aconteceu assim com Oscar Magrini em Deus nos Acuda. Ele nunca havia trabalhado em televisão e eu o convidei para viver o chefe dos bandidos, mas seu primeiro dia de gravação foi muito nervoso, inseguro e o segundo também. Sentei-me com ele e lhe disse que não o sentia preparado e, se entrasse assim, o resultado seria péssimo para ele e toda a sua carreira futura estaria comprometida. Confiou em meu julgamento e aceitou ficar com um personagem menor até se sentir mais preparado. Chamei outro ator para o chefão e Magrini ficou sendo um dos bandidos, até quando tirei o outro e ele, que perdera a inibição, passou a chefiar a gangue. Quando não está acostumada com o veículo televisão e entra em um estúdio da TV Globo, geralmente a pessoa leva um susto. Com Marisa Orth ocorreu algo interessante. Eu a vi no teatro em Fica Comigo Esta Noite, adorei e a convidei para Rainha da Sucata. Na primeira reunião de elenco, quando Marisa entrou na sala, ficou gaga, não sabia o que fazer. Ela estava junto com Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Nicette Bruno, Regina Duarte, Glória Menezes, Antônio Fagundes, no meio de seus ídolos, e agora ela fazia parte daquilo. Marisa, que é uma excelente atriz, dizia: Eu não posso falar nada agora, preciso respirar um pouco. Depois de alguns dias, já estava à vontade e fez da sua Nicinha um enorme sucesso. Outros tiram de letra logo de cara, como foi o caso de Débora Bloch em Jogo da Vida e Marcos Frota em Vereda Tropical. Também trouxe os dois do teatro para as novelas e ambos se saíram bem logo no primeiro dia de gravação e a carreira deslanchou dali para frente. Existem atores que você imagina que vão dar certo, outros que você não sabe o que pode acontecer e muitos que não acontece nada; entram e saem de uma novela como se fossem transparentes. Às vezes, certos personagens ainda não estão prontos na sinopse, mas vão se mostrando para o autor, à medida que ele vai escrevendo, e isso até independe do ator. Comigo funciona assim: vou inventando, depois começa a fase de escrever capítulo – e quando a escalação está pronta e se eu conheço aqueles atores já sei o jeito que vão falar. Sento em frente ao computador e literalmente ouço suas vozes em meus ouvidos. Como se fosse um transe. A palavra para mim não é de ler, é de ver e ouvir. Lá pelo capítulo 100, os personagens, além de falarem, ainda se comandam. É como se eu tivesse incorporado em uma sessão espírita. Isso ocorre porque já os conheço melhor, eles estão vivos dentro da minha cabeça, cada um no seu cantinho; então consigo decodificar o que pensam e como vão agir, como se tivessem realmente vida própria. Mas a sensação é mesmo que me baixou uma entidade. Por isso gosto de trabalhar com atores que conheço e admiro, e se escalar alguém que não gosto, com quem implico ou não me estimula, não vou saber trabalhar com essa pessoa, vai ser péssimo para nós dois e, principalmente, para a novela. Fico feliz da minha vida quando acabo de escrever uma novela e está redondamente enganado quem pensa que vem alguma frustração. O relacionamento com a história e os personagens só acaba quando a novela sai do ar, mas no meu íntimo, ocorre quando escrevo o último capítulo, leio tudo aquilo e falo: Ótimo, gostei! Essa sensação é o maior orgasmo que se possa imaginar – Viva, não tenho que escrever amanhã! Durante esse mês, ou essas semanas, entre o término da escrita e o fim das gravações, é uma maravilha. Posso ir aos estúdios, dar entrevistas, falar com todo mundo, gozar o sucesso, constatar pessoalmente que a novela já deu certo. É a grande fase. Sei que terminamos, todo mundo está contente e chegou meu tempo de usufruir. Nessa fase, adoro ir para o Rio e acompanhar as gravações, é sempre muito agradável estar ali ao lado do pessoal porque tenho plena certeza de que o trabalho não se faz sozinho e que novela, mais do que qualquer outro produto, só resulta bem quando a equipe é coesa, se gosta e admira o trabalho. De 1964, quando comecei a trabalhar, até dirigir cinema, que foi quando minha carreira começou a deslanchar, foram dez anos. E mais uns oito para acertar na televisão e depois fazer Guerra dos Sexos, quando me torno um profissional conhecido, respeitado, existindo dentro de um estilo próprio, com um bom nome, homenagens, prêmios, reconhecimento... Foram mais de 40 anos de trabalho, muito difíceis, mas quase mágicos, onde tudo em minha vida foi acontecendo mais ou menos como num filme de Hollywood. Realidade e fantasia. Coincidências incríveis e acasos impossíveis. Como é que, de repente, dois caras atrás de um roteiro batem na porta de alguém que nunca tinha escrito nada? Foi assim, caiu do céu, eu não fui atrás, nunca disse: quero escrever, por favor, me dêem uma chance. Quando me apaixono de verdade é pela vizinha, nos casamos e temos sido felizes para sempre, nada mais hollywoodiano. Cassiano Gabus Mendes tem um enfarte e me chama para terminar a novela dele, exatamente como no enredo de Rua 42 (42nd Street). Tenho que acreditar que sou um homem de muita sorte, mesmo que muitas vezes tenha me sentido abandonado por ela. Na minha vida acontecem fatos inusitados, como se alguém, lá em cima, realmente gostasse de mim. É como se algo falasse agora é a sua vez, vai e eu vou. Podem acontecer problemas, brigas, dissabores, mas sempre o resultado final é positivo, sempre o avanço é certo. Mesmo nos momentos de maior desespero, quando nada me levava a crer que alcançaria meus objetivos, lá no fundo, brilhava uma esperança. Ser otimista sempre me fez bem e me ajudou a vencer grandes obstáculos. Cada vida é diferente porque cada pessoa é um universo próprio, as circunstâncias também influem decisivamente e a confluência de tudo isso modifica qualquer resultado. Cada história é única, dependendo dos personagens, da locação, da época. Porém, quando a chance vier, é preciso estar preparado e quando ela chegar é preciso confiar, não ter medo, meter as caras e seguir sempre em frente, acreditando que a sorte vai estar a seu lado, mesmo que pareça que ela já tomou outro rumo. Acredito que, quando esses elementos se juntam, tudo avança e o trenzinho acaba chegando. Pelo menos comigo aconteceu assim. Cronologia TV Autor 2005 Belíssima - TV Globo Direção: Denise Saraceni. Com Glória Pires, Tony Ramos, Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Irene Ravache, Marcello Antony, Cláudia Raia, Reynaldo Gianecchini, Cláudia Abreu. 2001 A Incrível Batalha das Filhas da Mãe no Jardim do Éden - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira, Bosco Brasil. Direção: Jorge Fernando. Com Fernanda Montenegro, Raul Cortez, Cláudia Raia, Tony Ramos, Alexandre Borges, Regina Casé, Cláudia Jimenez, Andréa Beltrão, Thiago Lacerda, Bete Coelho, Reynaldo Gianecchini, Cláudia Ohana, Cleyde Yaconis, Patrícia Travassos, Tuca Andrada, Priscila Fantin, Bruno Gagliasso, Diogo Vilela. 1998 Torre de Babel - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira, Bosco Brasil. Direção: Denise Saraceni. Com Tony Ramos, Glória Menezes, Tarcísio Meira, Maitê Proença, Adriana Esteves, Marcos Palmeira, Edson Celulari, Cláudia Raia, Natália do Valle, Juca de Oliveira, Christiane Torloni, Silvia Pfeifer, Cacá Carvalho, Marcello Antony, Cleyde Yaconis, Cláudia Jimenez, Etty Fraser, Karina Barun. 1995 A Próxima Vítima - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral. Direção: Jorge Fernando. Com Glória Menezes, José Wilker, Susana Vieira, Tony Ramos, Lima Duarte, Aracy Balabanian, Natália do Valle, Yoná Magalhães, Andréa Beltrão, Vera Holtz, Cláudia Ohana, Marcos Frota, Gianfrancesco Guarnieri, Rosamaria Murtinho, Zezé Motta, André Gonçalves. 1994 Éramos Seis - SBT Escrita com Rubens Ewald Filho. Baseada na obra de Maria José Dupré. Direção: Del Rangel, Henrique Martins, Nilton Travesso. Com Irene Ravache, Othon Bastos, Jandir Ferrari, Tarcísio Filho, Leonardo Brício, Ana Paula Arósio, Luciana Braga, Jussara Freire, Paulo Figueiredo, Denise Fraga, Caio Blat, Nathalia Timberg, Bete Coelho. 1992 Deus nos Acuda - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral. Direção: Jorge Fernando. Com Francisco Cuoco, Glória Menezes, Marieta Severo, Edson Celulari, Cláudia Raia, Dercy Gonçalves, Cláudio Corrêa e Castro, Marisa Orth, Louise Cardoso, Ary Fontoura, Aracy Balabanian, Carmem Verônica, Jorge Dória, Emiliano Queiroz, Adelaide Chiozzo, Maria Cláudia, Gracindo Junior, Raul Gazolla, Paula Manga, Luigi Baricelli, Cláudio Fontana, Milla Christie, Regina Braga. 1990 Boca do Lixo - TV Globo Minissérie. Direção: Roberto Talma. Com Silvia Pfeifer, Reginaldo Faria, Alexandre Frota, Cláudio Corrêa e Castro, Maria Estela, Stênio Garcia, Ivete Bonfá. 1990 Rainha da Sucata - TV Globo Colaboradores: Alcides Nogueira e José Antônio de Souza. Direção: Jorge Fernando. Com Regina Duarte, Tony Ramos, Glória Menezes, Paulo Gracindo, Aracy Balabanian, Renata Sorrah, Daniel Filho, Marisa Orth, Antônio Fagundes, Cláudia Raia, Gérson de Abreu, Marcelo Novaes, Flávio Migliaccio, Cleyde Yaconis, Patrícia Pillar. 1987 Sassaricando - TV Globo Direção: Cecil Thiré. Com Paulo Autran, Tônia Carrero, Eva Wilma, Irene Ravache, Cristina Pereira, Diogo Vilela, Maria Alice Vergueiro, Ileana Kwasinski, Edson Celulari, Lolita Rodrigues, Cláudia Raia, Angelina Muniz, Marcos Frota, Alexandre Frota, Jandira Martini. 1986 Cambalacho - TV Globo Direção: Jorge Fernando, Del Rangel. Com Fernanda Montenegro, Gianfrancesco Guarnieri, Cláudio Marzo, Natália do Valle, Susana Vieira, Rosamaria Murtinho, Débora Bloch, Edson Celulari, Regina Casé, Consuelo Leandro, Emiliano Queiroz, Louise Cardoso, Luiz Fernando Guimarães. 1984 Vereda Tropical - TV Globo De Carlos Lombardi e Silvio de Abreu. Direção: Guel Arraes, Jorge Fernando. Com Lucélia Santos, Mário Gomes, Maria Zilda, Walmor Chagas, Geórgia Gomide, Marieta Severo, Cristina Pereira, Jonas Torres, Nuno Leal Maia, Rosamaria Murtinho, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Betti, Marcos Frota, Luiz Fernando Guimarães, Regina Casé, Eduardo Tornaghi, Angelina Muniz, Matilde Mastrangi. 1983 Guerra dos Sexos - TV Globo Colaborador: Carlos Lombardi. Direção: Jorge Fernando e Guel Arraes. Com Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Tarcísio Meira, Glória Menezes, Lucélia Santos, Maitê Proença, Mário Gomes, Maria Zilda, Ary Fontoura, Yara Amaral, Helena Ramos, Herson Capri, Cristina Pereira, Edson Celulari, José Mayer, Hélio Souto, Diogo Vilela, Ângela Figueiredo, Sônia Clara, Marilu Bueno, Jaime Periard. 1982 Sétimo Sentido - TV Globo De Janete Clair. Finalizada com Silvio de Abreu. Direção: Roberto Talma. Com Regina Duarte, Francisco Cuoco, Carlos Alberto Ricelli, Cláudio Cavalcanti, Natália do Valle, Eva Todor, Armando Bógus, Nicette Bruno, Sebastião Vasconcelos. 1981 Jogo da Vida - TV Globo Baseada em argumento de Janete Clair. Colaborador: Carlos Lombardi. Direção: Roberto Talma, Jorge Fernando e Guel Arraes. Com Glória Menezes. Paulo Goulart, Maitê Proença, Gianfrancesco Guarnieiri, Débora Bloch, Mário Gomes, Rosamaria Murtinho, Carlos Vereza, Raul Cortez, Maria Zilda, Elizângela, Lúcia Alves, Gracindo Junior, Norma Geraldy, Débora Duarte, Suely Franco, Ary Fontoura, Carlos Augusto Strazzer, Iris Bruzzi, Cláudio Corrêa e Castro, Renata Fronzi, Sonia Mamede. 1981 Plumas e Paetês - TV Globo De Cassiano Gabus Mendes. Finalizada por Silvio de Abreu. Direção: Reinaldo Bovry e Gonzaga Blota. Com Elizabeth Savalla, Cláudio Marzo, Maria Cláudia, José Wilker, Eva Wilma, John Herbert, Paulo Goulart, Angelina Muniz, Mário Gomes, Sura Berditchevsky, Lúcia Alves, Sílvia Salgado, Solange Teodoro, Mila Moreira, Eduardo Conde, Cleide Blota, José Lewgoy. 1978 Pecado Rasgado - TV Globo Direção: Régis Cardoso. Com Juca de Oliveira, Aracy Balabanian, Renée de Vielmond, Rogério Fróes, Renata Fronzi, Telma Elita, Heloísa Mafalda, Nádia Lippi, Ney Santana, Miriam Rios, Lúcia Alves, Armando Bógus, Edwin Luisi, Kátia D’Angelo, Carlos Gregório, Lúcia Mello, Cláudio Cavalcanti, Felipe Carone, Lady Francisco, Leonor Navarro. 1977 Éramos Seis - TV Tupi Escrita com Rubens Ewald Filho. Baseada na obra de Maria José Dupré. Direção: Atílio Riccó. Com Nicette Bruno, Gianfrancesco Guarnieri, Carlos Alberto Ricelli, Carlos Augusto Strazzer, Ewerton de Castro, Maria Isabel de Lizandra, Geórgia Gomide, Jussara Freire, Paulo Figueiredo, Nydia Licia, Edgard Franco, Adriano Reis, Carmem Monegal, Beth Goulart, Carmem Marinho, Maria Luiza Castelli, Ruthinéa de Moraes. Supervisão de texto 2004 Da Cor do Pecado - TV Globo De João Emanuel Carneiro. Direção: Denise Saraceni. Com Taís Araújo, Reynaldo Gianecchini, Giovanna Antonelli, Lima Duarte, Aracy Balabanian, Matheus Nachtergaele, Aline Moraes. 1997 Anjo Mau - TV Globo De Cassiano Gabus Mendes, reescrita por Maria Adelaide Amaral. Direção: Denise Saraceni. Com Glória Pires, Kadu Moliterno, Maria Padilha, José Lewgoy, Leonardo Brício, Daniel Dantas, Alessandra Negrini, Cláudio Corrêa e Castro, Beatriz Segall. 1997 O Amor Está no Ar - TV Globo De Alcides Nogueira. Direção: Ignácio Coqueiro. Com Betty Lago, Rodrigo Santoro, Natália Lage, Eriberto Leão, Natália do Valle, Caco Ciocler, Nuno Leal Maia, Nicette Bruno, Tierry Figueira, Isabela Garcia. Ator 1971 Editora Mayo, Bom Dia – Damasceno De Walter Negrão. Com Luiz Gustavo, Débora Duarte, Nathalia Timberg, Miriam Mehler, Fernando Balleroni. TV Record 1970 A Próxima Atração – Damasceno Salomão De Walter Negrão. Com Sérgio Cardoso, Tônia Carrero, Renata Sorrah, Edney Giovenazzi, Felipe Carone, Célia Biar. TV Globo 1970 Dom Camilo e os Cabeludos Seriado. Com Otelo Zeloni, Nuno Leal Maia, Terezinha Sodré, Ney Latorraca. TV Tupi 1969 Dez Vidas De Ivani Ribeiro. Com Carlos Zara, Cláudio Corrêa e Castro, Maria Isabel de Lizandra, Leila Diniz, Stênio Garcia. TV Excelsior 1969 Sangue do Meu Sangue De Vicente Sesso. Com Francisco Cuoco, Tônia Carrero, Nicette Bruno, Fernanda Montenegro, Armando Bógus. TV Excelsior 1969 Os Estranhos – Valentim De Ivani Ribeiro. Com Regina Duarte, Rosamaria Murtinho, Carlos Zara, Márcia de Windsor, Stênio Garcia, Cláudio Corrêa e Castro, Márcia Real. TV Excelsior 1968 A Muralha – Abreu De Ivani Ribeiro, adaptada do livro de Dinah Silveira de Queiroz. Direção: Sérgio Britto. Com Mauro Mendonça, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho, Paulo Goulart, Arlete Montenegro, Nicette Bruno. TV Excelsior 1967 Os Miseráveis De Walter Negrão, adaptada do livro de Victor Hugo. Com Leonardo Villar, Maria Isabel de Lizandra, Raul Cortez, Laura Cardoso. TV Bandeirantes 1967 O Grande Segredo – Juvenal De Marcos Rey. Direção: Walter Avancini. Com Tarcísio Meira, Glória Menezes, Íris Bruzzi, Irene Ravache, Davi Cardoso, Débora Duarte, Paulo Figueiredo. TV Excelsior Cinema 1981 Mulher Objeto Diretor. Argumento: Alberto Salvá. Roteiro e diálogos: Jaime Camargo. Com Helena Ramos, Nuno Leal Maia, Kate Lyra, Maria Lucia Dahl, Hélio Souto, Yara Amaral, Wilma Dias, Karin Rodrigues, Carlos Koppa, Danton Jardin. 1977 A Árvore dos Sexos Diretor. Do livro homônimo de Santos Fernando. Roteiro: Silvio de Abreu, Maurício Rittner, Rubens Ewald Filho. Com Nádia Lippi, Felipe Carone, Ney Santanna, Yolanda Cardoso, Virginia Lane, Maria Lucia Dahl, Marivalda, Gracinda Freire, Sonia Mamede, Maria Rosa, Paulo Hesse, Antônio Petrin, Líbero Ripoli, Angelo Antônio, Stella Freitas, Nieta Junqueira, Mary Penteado, Francinett Costa, Élida L’Astorina, Renato Dobal, Sérgio Ropperto, Luiz Damasceno, Arnaldo Dias, Carlos Eduardo. 1977 Elas São do Baralho Diretor. Argumento e roteiro: Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho. Com Cláudio Corrêa e Castro, Sonia Mamede, Antônio Fagundes, Nuno Leal Maia, Hugo Bidet, Sérgio Ropperto, Marivalda, Yolanda Cardoso, Lourdes Nascimento, Arlete Moreira, Valéria D’Éllia, Carlos Koppa, Esmeralda Barros, Adoniran Barbosa. 1975 Cada Um Dá o Que Tem Episódio Uma Grande Vocação Direção, argumento, roteiro e diálogos. Com Ewerton de Castro, Nídia de Paula, Luiz Carlos Miéle, Suzana Gonçalves, Meiry Vieira, Adriano Stuart, Tânia Caldas, Shell Stewart, Carlos Martins, Marizeth Baungarten, Matilde Mastrangi. 1975 Assim Era a Atlântida Direção: Carlos Manga. Roteiro: Carlos Manga e Silvio de Abreu. Coordenação-geral, pesquisas: Silvio de Abreu. Narradores: Anselmo Duarte, José Lewgoy, Inalda de Carvalho, Fada Santoro, Adelaide Chiozzo, Cyl Farney, Norma Bengell, Eliana e Grande Otelo. 1974 O Marginal Direção: Carlos Manga. Assistente de direção: Silvio de Abreu. Com Tarcísio Meira, Darlene Glória, Vera Gimenez, Edney Giovenazzi, Anselmo Duarte, Francisco Di Franco, Carlos Kroeber, Ruthinéa de Moraes, Maurício do Valle, Lutero Luís, Lineu Dias. 1974 Gente Que Transa Direção, argumento, roteiro e diálogos. Com Adriano Reis, Carlos Eduardo Dolabella, José Lewgoy, Renato Consorte, Márcia Maria, Elke Maravilha, Lúcia Mello, Eugênio Kusnet, Marcos Miranda, Dave Gordon, Beto Simões, Tânia Caldas. Ator 2004 Sexo, Amor e Traição – Pianista Direção: Jorge Fernando. Com Malu Mader, Murilo Benício, Fábio Assunção, Alessandra Negrini, Marcello Antony. 2002 Helena Curta-metragem. Direção e roteiro: André Bukowinski. Com Irene Ravache. 1984 Memórias do Cárcere – Médico Direção: Nelson Pereira dos Santos. Com Carlos Vereza, Glória Pires. 1973 A Superfêmea Direção: Aníbal Massaini Neto. Com Vera Fischer, Perry Salles. 1972 A Marcha Direção: Oswaldo Sampaio. Com Pelé, Paulo Goulart, Nicete Bruno. 1968 Panca de Valente Direção: Luís Sérgio Person. Com Chico Martins. Teatro Autor 1994 Capital Estrangeiro Direção: Cecil Thiré Com Edson Celulari, Patrícia Travassos, Hélio Ary. 1991 Não Fuja da Raia 1993 Nas Raias da Loucura 1995 Caia na Raia Musicais. Direção: Jorge Fernando. Com Cláudia Raia. Ator 1971 Os Últimos – Iákorev De Maximo Gorki. Direção: Carlos Murtinho. Com Gilberto Martinho, Miriam Pires, Antônio Patino, Ana Ariel, Suzana Faini, Suely Franco, Eleonor Bruno, Eurico Vidal, Ida Celina. 1970 O Preço De Arthur Miller. Direção: Luís de Lima. Com Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça, Jayme Barcelos. 1967 Marat Sade De Peter Weiss. Direção: Ademar Guerra. Com Rubens Corrêa, Armando Bógus, Oswaldo Barreto, Laerte Morrone, Aracy Balabanian, João José Pompeo, Irina Greco, Carminha Brandão, Serafim Gonzalez, Otávio Augusto, Ivone Hoffman, Eugênio Kusnet, Lúcia Mello. 1966 A Alma Boa de Se-Tsuan – Garçon De Bertolt Brecht. Direção: Benjamin Cattan. Com Maria Della Costa, Oswaldo Louzada, Sadi Cabral, Sebastião Campos, Ilena de Castro, Assunta Perez, Joselita Alvarenga, Lucia Mello, Ednei Giovenazzi, Roberto Azevedo. 1965 Tchin-Tchin - Bobby De François Billetdoux. Direção: Antônio Abujamra. Com Cleyde Yaconis, Stênio Garcia. 1966 Antígone – Coro dos Tebanos De Sófocles. Direção: Benjamin Cattan. Com Aracy Balabanian, Rita Cleós, Rildo Gonçalves, Roberto Azevedo, Jovelty Archângelo, Elísio de Albuquerque, Ademir Rocha, Laura Cardoso. 1965 A Ópera dos Três Vinténs - Policial De Bertold Brecht e Kurt Weill. Direção: José Renato. Com Túlio de Lemos, Leny Eversong, Luely Figueiró, Oswaldo Loureiro, Zeluiz Pinho, Nilda Haria, Roberto Azevedo, Ruth Escobar, Xandó Batista, Ary Toledo, Maria Alice Vergueiro, Leilah Assunção. 1965 O Anjo Peralta - Zezinho Infantil de Cid Ferreira. Direção: Elói de Araújo. Produção: Silvio de Abreu. Com Blandina Bibas, Ana Maria Dias, Ivone Hoffmann. 1965 Círculo de Champagne De Abílio Pereira de Almeida. Direção: Benedito Corsi. Com Rosamaria Murtinho, Dionísio Azevedo, Maria Helena Dias, Altair Lima, Karin Rodrigues, Cecília Carneiro, Jacira Sampaio, Homem de Mello, Maria Aparecida Alves, Nadir Fernandes, Vilma de Aguiar, Marcio D’Almeida, José Carlos Medeiros, Arnaldo Fernandes, Edgard Franco. 1964 Vereda da Salvação De Jorge Andrade. Direção: Antunes Filho. Com Cleyde Yaconis, Raul Cortez, Renato Restier, Lélia Abramo, Aracy Balabanian. TBC 1963 A Promessa – Homem do Cortejo De Bernardo Santareno. Direção: Afonso Gentil. Com Roberto Confortti, Neusa Messina, Paulo Jordão, Marlene Santos, José Carlos Proença, Celso Nunes, Aracy Souza, Lourdes Moraes, Ecléia Audi, Benedito Silva, Vanya Santana, Poliana de Almeida, Divina Salles, Aloísio Castro, Cláudio Medeiros, Carlos Frassetto, Benedito Silva. Auditório Municipal de São Caetano/EAD. Diretor 1972 O Homem do Príncipio ao Fim De Millôr Fernandes. Teatro Universitário Luiz de Queiroz. 1969 Não Se Preocupe, Doris, Tudo Vai Acabar Bem De Jean Claude Van Italy. Teatro de equipe do Centro Social Horácio de Mello. Assistente de Direção 1968 As Criadas De Jean Genet. Direção: Alberto D’Aversa e Antônio Abujamra. Com Laura Cardoso, João José Pompeo, Nestor de Montemar. 1966 As Fúrias De Rafael Alberti. Direção: Antônio Abujamra. Com Cleyde Yaconis, Ruth Escobar, Riva Nimitz, Dina Lisboa, Maria Isabel de Lizandra, Stênio Garcia, Enio Carvalho. Produção 1970 Olha, Janete, Que Bofe Mais Lindo! De Giba Um. Show de bolso com Paulo Goulart. 1970 Lá De Sergio Jockyman. Com Paulo Goulart. 1967 Réquiem Para Noite de Sexta-Feira De German Rozenmacher. Direção: Roberto Vignatti. Com Felipe Carone, Lélia Abramo, Mauro Mendonça. Produção executiva: Silvio de Abreu. 1965 Soraia Posto 2 De Pedro Bloch. Direção: Jô Soares. Com Milton Ribeiro, Rubens Campos, Ruth Motta, Ary Toledo, Theresa Austregésilo, Ruthinéa de Moraes, Blandina Bibas. Produção: Ruth Escobar e Silvio de Abreu. Índice Apresentação - Hubert Alquéres 05 Introdução - Vilmar Ledesma 15 A Hora do Trem Passar 23 Quando as Nuvens Passam 35 Cheirando a Pecado 51 Meu Super-Herói 59 Só Se For pra Ser Lanterninha 63 O Mistério do Castelo 69 O Bamba do Regimento 73 Primeiros Passos 87 Tempo de Fúrias 97 Destino Hollywood 111 Fada Boa 125 Namorinho no Jardim 147 Encontros Decisivos 157 O Divã 169 O Livro e a Caneta 175 O Destino Bate à Porta 179 Cenas de um Casamento 193 Atlântida, o Reencontro 199 Um Filme atrás do Outro 207 Dias de Cultura 223 Dona Lola 227 Em Busca do Prazer 233 O Vilão Sexo 241 Enlouquecendo aos Poucos 249 O Trem da Fantasia 261 Duas Senhoras Escritoras 265 Sangue e Areia 275 Trotamundo 279 Que Mulher É Essa? 297 Alma em Suplício 303 Reviravoltas 309 Anita Gillette 317 À Beira do Caos 325 Medieval 331 Sutil Transgressão 335 Jardim do Éden 351 Na Frente das Câmeras 363 Interiores 369 Cenário para um Crime 375 Entidades 381 Cronologia 399 Créditos das fotografias Studio Pinto Filho 58 William Nery / Diabreu Studio Fotográfico 274 Nelson Di Rago / TV Globo 329 Zé Paulo Cardeal / TV Globo 357 CEDOC / TV Globo 388 a 397 Demais fotografias: acervo pessoal Silvio de Abreu Coleção Aplauso Perfil Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Aracy Balabanian - Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Bete Mendes - O Cão e a Rosa Rogério Menezes Carla Camurati - Luz Natural Carlos Alberto Mattos Carlos Coimbra - Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach - O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra Cleyde Yaconis - Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso - Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Djalma Limongi Batista - Livre Pensador Marcel Nadale Etty Fraser - Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri - Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça Ilka Soares - A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache - Caçadora de Emoções Tania Carvalho João Batista de Andrade - Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano John Herbert - Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont - Do Cordel às Telas Klecius Henrique Niza de Castro Tank - Niza Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti - Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo Goulart e Nicette Bruno - Tudo Em Família Elaine Guerrini Paulo José - Memórias Substantivas Tania Carvalho Reginaldo Faria - O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi - Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte - Contestador por Índole Eliana Pace Rodolfo Nanni - Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Rolando Boldrin - Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho - Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco - Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza - Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst - Um Ator de Cinema Maximo Barro Sérgio Viotti - O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Sonia Oiticica - Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Ugo Giorgetti - O Sonho Intacto Rosane Pavam Walderez de Barros - Voz e Silêncios Rogério Menezes Especial Dina Sfat - Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Gloria in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Maria Della Costa - Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca - Uma Celebração Tania Carvalho Sérgio Cardoso - Imagens de Sua Arte Nydia Licia Cinema Brasil Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Carlos Reichenbach e Daniel Chaia Cabra-Cega Roteiro de DiMoretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Vittorio Capellaro comentado por Maximo Barro A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Luís Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet Como Fazer um Filme de Amor José Roberto Torero De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Dois Córregos Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade por Ariane Abdallah e Newton Cannito Narradores de Javé Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Teatro Brasil Alcides Nogueira - Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta e o Circo Teatro Danielle Pimenta Luís Alberto de Abreu - Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Trilogia Alcides Nogueira - ÓperaJoyce - Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso - Pólvora e Poesia Alcides Nogueira Ciência e Tecnologia Cinema Digital Luiz Gonzaga Assis de Luca Os livros da coleção Aplauso podem ser encontrados nas livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual ctp. 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