Viva-Voz Roteiro do filme de Paulo Morelli comentado por Márcio Alemão GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO RESPEITO POR VOCÊ Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo   Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira   Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey CULTURA FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Rita Okamura Coleção Aplauso Cinema Brasil   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico  e Editoração Carlos Cirne Assistente Operacional Andressa Veronesi Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Viva-Voz Roteiro do filme de Paulo Morelli comentado por Márcio Alemão CULTURA FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA IMPRENSA OFICIAL SÃO PAULO – 2005 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação elaborados pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Morelli, Paulo Viva-voz / [roteiro de filme] Paulo Morelli comentado por Márcio Alemão. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005. 256p. : Il. – (Coleção aplauso. Série cinema Brasil/ coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 85-7060-233-2 (Obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-391-6 (Imprensa Oficial) 1. Viva-Voz (Filme cinematográfico) – Crítica e interpretação 2. Cinema – Roteiros 3. Filmes brasileiros - História e crítica I. Alemão, Márcio II. Ewald Filho, Rubens. III. Título. IV. Série. CDD 791.437 2 Índices para catálogo sistemático: 1. Viva-Voz : Filme cinematográfico : Apreciação e crítica 791.437 2 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do país, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries: Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Roteiro – Um Solitário Exercício em Equipe Eu não me conformava nem aceitava essa história de que roteiros passavam por muitos tratamentos/modificações. Escrever um roteiro é tarefa árdua que exige enorme dedicação e atenção. Logo, fazendo tudo direitinho, pensava eu, ao final do trabalho era só dizer: “vai som, vai câmera e... AÇÃO!”. Ledo engano. O roteiro do Viva-Voz passou por dez tratamentos. Os dois primeiros foram sendo modificados a partir de conversas com o diretor Paulo Morelli. A partir daí começaram as leituras. Reúnem-se atores e cada um fica com um personagem. Nas leituras as coisas começam a mudar completamente. Muitas piadas, que funcionam muito bem no papel, não funcionam na “vida real”. Idem com situações dramáticas. Algumas falas soam poéticas, fortes, emocionantes enquanto as lemos. De repente, na leitura, no momento que estamos analisando o todo, elas podem se tornar piegas, bobinhas, dispensáveis. E esse é um ponto importantíssimo: se você pretende ser roteirista, aprenda a ser humilde e desapegado. Jogar fora “grandes idéias e textos brilhantes” é o que mais fazemos. E no final percebemos que não eram tão geniais como pensávamos. Outra situação curiosa e comum é a mudança que se faz necessária por problemas de produção. No Viva-Voz havia uma enorme seqüência dentro de um elevador, protagonizada por um personagem muito divertido. No entanto, a produção não conseguiu encontrar esse local, com elevador. Conclusão: tivemos de matar o personagem e reescrever muitas páginas. No final deste livro você poderá ler essas seqüências que foram retiradas. Finalizando, eu diria que escrever um roteiro de cinema é um exercício solitário de seu talento. Mas trabalhar em um roteiro que será, de verdade, transformado em filme, é um exercício de humildade, de desapego e, fundamentalmente, um trabalho de equipe. Márcio Alemão Viva-Voz é uma comédia urbana, ágil com um toque de mistério. O filme, o primeiro da O2 Filmes a ser lançado após o sucesso de Cidade de Deus, é dirigido por Paulo Morelli e tem no elenco Dan Stulbach, Vivianne Pasmanter, Graziella Moretto e Betty Gofman. O longa, aliás, é o primeiro de Morelli a ser lançado, mas foi o segundo filmado pelo diretor e um dos sócios da O2 Filmes. Antes de Viva-Voz, Morelli dirigiu em 1999 o épico O Preço da Paz, que conta a história do Barão do Serro Azul e tem Giulia Gam, Herson Capri, Lima Duarte, José de Abreu, Camila Pitanga e Danton Mello no elenco, com roteiro de Walther Negrão. O filme mostra um dia da vida de Duda (Dan Stulbach), um jovem e inseguro empresário que está prestes a receber uma grande quantia de dinheiro. Tudo que ele queria era pôr sua vida em ordem e a partir deste dia passar a ser tudo que não é: honesto, fiel e seguro de si. O primeiro passo para isto é romper com sua amante, mas sua esposa acidentalmente ouve tudo pelo viva-voz do celular e esta ligação vira tudo de cabeça pra baixo. Contemporâneo, Viva-Voz mostra de forma irônica que o mundo está repleto de novos aparelhos e tecnologias, que podem às vezes ajudar e às vezes atrapalhar. É uma história que só poderia ter acontecido agora. Afinal, o personagem principal vê sua vida virada do avesso sem saber que está sendo ouvido pelo celular, vigiado por câmeras de segurança e roubado pela Internet. Antes de Viva-Voz e O Preço da Paz, Paulo Morelli dirigiu o curta Lápide, com Denise Fraga e Antônio Calloni. O curta ganhou o prêmio de Melhor Filme em quatro festivais, incluindo Havana, Los Angeles, São Paulo e Rio de Janeiro. Morelli começou a fazer filmes Super-8 aos 12 anos. Nos anos 80, enquanto cursava a Faculdade de Arquitetura, fez vídeos experimentais com um grupo de amigos e com eles criou a Olhar Eletrônico, uma produtora independente que se transformou numa referência de inovação. Nos anos 90, junto com Fernando Meirelles e Andrea Barata Ribeiro, abriu a produtora O2 Filmes, hoje a maior produtora do Brasil. Depois de fazer comerciais e programas de TV, fez curtas e longas-metragens. O cinema, aliás, sempre esteve nos planos de Morelli. “Eu sempre quis fazer cinema. A publicidade foi a maneira que encontrei de chegar aonde eu quis e, ao mesmo tempo, desenvolver um trabalho gratificante e interessante”, diz o diretor. Viva-Voz teve estréia nacional em maio de 2004. O longa também já recebeu o prêmio de Melhor Filme Internacional no New York International Independent Film Festival (Abril/2003) e participou do Festival do Cinema Brasileiro de Paris (Março/2003), do San Diego Latino Film Festival (Março/2003) e do Istambul International Film Festival (abril/2003). Além disso, Viva-Voz encerrou o 19º Festival do Filme Latino de Chicago (Abril/2003). Viva-Voz Brasil, 2004, 87 min História, Produção e Direção: Paulo Morelli Produção: Andrea Barata Ribeiro Produtor Associado: Daniel Filho Produtores Executivos: Ricardo Pinto e Silva e Bel Berlinck Roteiro: Márcio Alemão Fotografia: Luís Branquinho A.I.P. Música: Paul Mounsey Direção de Arte: Cláudia Briza Elenco Dan Stulbach, Vivianne Pasmanter, Graziella Moretto, Betty Gofman, Luciano Chirolli, Kiko Mascarenhas, Fábio Herford, Otávio Martins, Genésio de Barros, Ernani Moraes, Paulo Gorgulho e Supla. Cor, 35 mm, Janela: 1:1,78 Som: Ótico/Dolby digital INT. ESCRITÓRIO DO DOLEIRO - DIA DUDA, o dono da confecção, 40 anos. Sua principal característica é a eterna dúvida a respeito de tudo; ABÍLIO, seu sócio, 42 anos, um tipo mais raposão, sofisticado, elegante; e Francisco, o contador/diretor financeiro da confeção, 50 anos, absolutamente confiável. Todos estão no escritório de Décio, um doleiro, 65 anos, aparência boa, calma. O escritório é bem montado. Pequeno mas bem montado, várias câmeras de segurança, muitas portas. E eles já estão se despedindo. DUDA Olha, Décio... eu nem sei como te agradecer, mas eu espero que você me entenda: eu tô nervoso, tô aflito, tô inseguro, mas acho que é importante que eu não passe essa insegurança pra você, portanto, fica tranquilo, eu tô tranqüilo e acho que vai dar tudo certo. De verdade. DÉCIO Não, não... eu entendo Seu Duda. Pode ficar tranquilo porque eu estou tranquilo e vai ser uma operação tranquila. DUDA Amanhã a gente volta a se encontar, e vai dar tudo certo eu tenho certeza. Vai dar, não vai? FRANCISCO Vai, seu DUDA! Vai dar tudo certo DUDA Claro que vai! Claro que vai! E... o senhor gosta de bacalhau? ABÍLIO (de saco cheio) O DUDA come os melhores bacalhaus desta cidade. DÉCIO Adoro bacalhau. Quando o senhor quiser, é só marcar. DUDA Legal, legal. A gente precisa comemorar, não precisa? Depois que tudo rolar, enfim, essa coisa, a operação... um abraço, Décio! Todos concordam e se despedem. EXT. SKY LINE DA CIDADE - DIA O carro de Abílio passa. Cidade ao fundo. I/E. CARRO DE ABÍLIO - DIA Abílio, DUDA e Francisco. Mesma rua do sky line. ABÍLIO Complicada a operação, você não achou? DUDA Sério, Bilhão? Você achou, é? Será que não é melhor a gente voltar lá... FRANCISCO (INTERROMPENDO) Mas é segura, Seu Duda, eu garanto. E eu conheço o Décio há muitos anos. I/E. CARRO DE ABÍLIO - DIA Rua industrial. DUDA E fica nesse passa-passa até interar todo o montante? É isso, não é? ABÍLIO Vai demorar um dia inteiro. EXT. FACHADA DA CONFECÇÃO - DIA O carro estaciona em frente à confecção. Eles saem do carro e conversam. FRANCISCO Mas não vai demorar tanto assim. Em duas horas a transferência tá completa. EXT. RECEPÇÃO DA CONFECCÃO - DIA Os 3 entram conversando. ABÍLIO Agora; tem certeza que você vai precisar de papel, Duda? Eu acho isso uma loucura. FRANCISCO Se o senhor me permite, Seu Duda, eu também acho. DUDA Ai, ai, ai! Eu tô sentindo que isso não vai dar certo. É papel, gente. Eles querem papel. O que que eu faço? Falo que não vai dar? Será que é melhor desistir do negócio? Vocês precisam me ajudar, cacete! INT. SALA DAS MAQUINAS - DIA Os 3 andam até a escada e sobem. ABÍLIO Calma, Duda. Só é um pouco mais arriscado, mas tudo bem, fica frio, é normal. Relaxa, respira. Agora, só não entendi por que você vai disponibilizar a grana um dia antes. FRANCISCO Eu também avisei que não precisava. DUDA Gente, gente! Margem de segurança! Dá pra entender? Dá pra entender que eu quero ter uma margem de segurança pra poder me sentir um pouco mais seguro? ABÍLIO Tudo bem, cara. Você é quem sabe. O carro chega na entrada da garagem da confecção. INT. HALL CENTRAL - DIA Os 3 entram no hall. DUDA É uma puta grana, não é, Abílio? ABÍLIO Uma puta grana. DUDA É uma puta grana, não é, Francisco? FRANCISCO É muito dinheiro, Seu Duda. Abílio e Francisco se olham e dão de ombros. Cada um vai para sua sala. A câmera sobe (Dolly) e enquadra em 1º plano uma câmera de segurança. CORTA PARA: INT. HALL CENTRAL - DIA A imagem anterior, agora com textura de vídeo. Cada um vai para sua sala. INT. SALA DE FLAVINHO - DIA Uma foto antiga de mulher. Essa foto é girada e fica de ponta cabeça. Vemos Flavinho, o secretário de Duda, jovem, bonito e, se bem que discretamente, gay. Está fazendo um tipo de trabalho que não se faz mais hoje em dia - retoque fotográfico em uma antiga foto PB. Sobre uma cadeira, pilha de roupas em cabides com saco plástico. Sobre a mesa, um ikebana, porta-retrato com foto de senhora gorda e maternal. E também sobre a mesa, muito bem arrumados, lápis, arrumados de acordo com o tamanho das pontas, todas elas, aliás, impecáveis. Abílio entra. ABÍLIO (OFF) Muito trabalho, Flavinho? Flavinho leva um susto com a voz de Abílio, o que o faz, sem querer, quebrar a ponta do lápis e rasurar seu trabalho. Puto mas contido, nada responde. ABÍLIO Ôpa! Atrapalhei seu trabalhinho? O Duda? FLAVINHO Pediu para não ser incomodado. ABÍLIO Eu não vou incomodar. FLAVINHO Quem me garante isso? ABÍLIO Eu te garanto. Pode confiar em mim. FLAVINHO E se for mentira? E se o senhor incomodar o senhor Duda e por causa disso eu vier a perder meu emprego? ABÍLIO Eu te prometo casa, comida, e roupa lavada. FLAVINHO Uau! ABÍLIO Dá licença. Abílio vai para a porta do escritório, entra. INT. SALA DE DUDA - DIA Duda está tranquilo, martelando a tecla do computador. Ouve a porta. DUDA Flavinho, não falei... ah, é você, Bilhão? ABÍLIO E aí? Caiu a grana? DUDA Por quê? Você tá achando que não vai cair? ABÍLIO Não, Duda! Eu não acho nada. Eu só quero saber se você já checou, se tá tudo certo. Só isso. DUDA Não. Ainda não chequei. Tô com medo, Bilhão. Antes eu vou dar a minha entradinha na Internet, pra relaxar. Na tela do computador, entra a homepage de um grande portal. Abílio comenta enquanto vemos apenas a página se abrindo e Duda começando a navegar. ABÍLIO (OFF) Você fissurou nesse negócio, hein, cara! DUDA (OFF) Você tem alguma coisa contra? ABÍLIO (OFF) Muito pelo contrário. Tudo a favor. E a grana? Entrou ou não entrou? DUDA Peraí! Deixa ver se tem alguma novidade... ABÍLIO Vai, Duda, não enrola! DUDA Tá bom, tá bom. Vamos lá. Duda começa a acessar o seu banco on-line. DUDA Dois milhões, meu amigo. O caixa dois de uma vida! Uma sonegadinha aqui, outra ali, uma roupinha sem notinha, tudo sem pressa e... Cacete! ABÍLIO (AFLITO) O que foi? Dançou? Você digitou a senha certa? Tenta de novo, as vezes falha. Pelo amor de Deus, Duda! DUDA (RINDO) Calma, Bilhão. Isso às vezes demora um pouquinho. Tá parecendo eu! ABÍLIO Então vai, tenta de novo. Como quem não quer nada, Abílio vai para trás de Duda, olha o teclado. Duda vira meio corpo, olha direto para Abílio. ABÍLIO Vai, cara! Você acha que eu tô querendo ver tua senha? Quero ver a grana! DUDA Então fecha os olhos, vai pra lá e quando a grana cair eu te mostro. Abílio vira de costas, tira um maço de cigarros do bolso, tira um, acende. DUDA Ôpa ôpa! Boas-vindas, muito obrigado mocinha, e agora, vamos ver... Estamos chegando e... Momento de suspense, Duda olha para a tela, Abílio olha para Duda, Duda solta todo o ar que havia segurado. DUDA Ok. Dois milhões de reais! Quer ver? Abílio vem olhar, Duda tira o cigarro da mão dele, dá uma longa tragada. ABÍLIO (EUFÓRICO) Olha, olha quanto zero, Duda! Bicho, eu não acredito na tua calma! Na única hora que você deveria ficar nervoso você fica assim, tal qual um monge?! DUDA Põe a mão aqui no meu peito, Bilhão. Põe. Pode pôr. Abílio obedece, coloca a mão no peito de Duda e ouvimos seu coração acelerado. ABÍLIO Agora sim! DUDA Isso foi uma preparação que eu fiz com meu terapeuta. A gente fez uma espécie de laboratório. Uma antecipação desse momento. Eu agi bem, não agi? Tranqüilão, mesmo sabendo do significado dessa grana. Você sabe o que significa essa grana, não sabe? ABÍLIO Sei. Significa que amanhã cedo você vai ficar dono de uma segunda confecção e de mais cinco lojas em shopping. Vai passar a ter muito mais dor de cabeça, mais preocupação, mas vai encher o rabo de grana. DUDA Cê acha isso, cara? Você acha que de certa forma eu me prejudiquei a mim mesmo enquanto ser humano? Cê tá achando que essa ruptura que eu provoquei vai... vai ser melhor, não vai? Fala a verdade. ABÍLIO Não, Duda, não acho que você “se prejudicou a si mesmo”. Eu tô brincando com você, só isso. Você vai ter muito mais dor de cabeça, óbvio. Mas vai ser legal. E aí tem aquele papo da tal dívida com o Sávio. DUDA Pois é. Eu matei o cara. Mas agora eu vou pagar. ABÍLIO Você não matou ninguém, Duda! Foi um acidente. DUDA Você acha mesmo? ABÍLIO Eu não acho, Duda; eu tenho certeza. E eu tenho certeza e a Mari tem certeza, e a Déia tem certeza, e o Francisco, e acho que até o Décio tem certeza. O mundo tem certeza que foi um acidente. Menos você. DUDA Legal. Legal vocês pensarem assim. Muito legal e eu agradeço mesmo. Mas fui eu. E a prova tá aqui, nessa parede. Duda vai até a parede, onde, emoldurado, está um desenho do logo da grife, num papel desamassado e manchado. CÂM entra no quadro. FUSÃO PARA: I/E. ANTIGO CARRO DE DUDA - NOITE FLASHBACK. O mesmo desenho está sendo terminado por Sávio, irmão de Duda, no banco de passageiro de um carro que Duda dirige. SÁVIO Belíssima, by Sávio Blanco. DUDA Deixa ver. Ficou legal? Me mostra. SÁVIO (PUXA PAPEL) Peraí, eu ainda não acabei! DUDA Vai, vai! Eu sei que tá du cacete. Tá lindona, não tá? Mostra pra mim. Deixa de ser fresco e mostra pra mim. SÁVIO Agora não. Ainda não. Dá licença... Sávio segura o desenho, brincando, Duda larga a direção, puxa o papel, os dois se degladiam, o carro faz um movimento brusco. SÁVIO (CONT’ – GRITA) Duda, o caminhão! Ruído de batida. CORTA PARA: INT. SALA DE DUDA - DIA Duda bate levemente a testa no desenho. Abílio coloca o braço nos ombros dele, leva-o de volta para a cadeira. ABÍLIO Quase dez anos, Duda! Até quando você vai carregar essa culpa? DUDA Eu cheguei, lá com o terapeuta, a tentar uma projeção dessa culpa, com a intenção de definir um tempo; mas eu fracassei, cara. E a minha última projeção indica que eu vou carregar isso pra sempre. O lado legal é que pelo menos essa certeza eu tenho na vida. Mas assim... Na boa. ABÍLIO Você já sabe o que eu acho disso. Mas, enfim, amanhã você realiza o sonho do seu irmão e começa vida nova. Aliás, culpa por ter sonegado, culpa por ter uma amante, culpa por fabricar roupinha de segunda com preço de primeira... Duda, meio incomodado, concorda, baixa a cabeça e pergunta. DUDA Cê acha mesmo que eu fui muuito crápula, mau-caráter? Mas você sabe que não tinha outro jeito, não sabe? ABÍLIO (RINDO) Claaaaro, Duda! Inclusive eu li a respeito disso outro dia: 73% dos homens com amantes mataram seus irmãos ou parentes próximos. Os fiscais da receita federal não aceitam nenhum tipo de desculpa, a não ser que o sonegador tenha matado seu irmão. E por aí vai, tudo se encaixando e justificando seu mau-caratismo. DUDA Belo discurso, Abílio! Belo discurso! Mas agora olha bem aqui pro teu amigo e sócio. Pode olhar. ABÍLIO Tô olhando. E...? DUDA Esse vai morrer. A partir de amanhã nasce um novo Duda. Honesto, fiel, seguro de si e com todas as respostas. ABÍLIO Será que você vai conseguir? DUDA (PREOCUPADO) Por quê? Você acha que eu não vou? Fala a verdade. ABÍLIO (RINDO) Vai se danar, vai! DUDA (VAI ATÉ O TELEFONE DA MESA) Flavinho, me liga com a... (pensa melhor). Não. Deixa que eu mesmo ligo. (pega celular da mesa). Duda pega o celular e liga para a esposa. Vemos o nome dela na telinha do aparelho: Mari. INT. LOJA // SALA DE DUDA (ø) - DIA Mari está com uma amiga, Déia, dentro dos provadores de uma loja chique. Está se vendo no espelho com um traje completo de noite, muito elegante, muito caro. DÉIA Ficou lindo. MARI Lindo? Tá um arraso! Olha isso, eu não tenho esse corpão todo! O celular toca, as duas procuram freneticamente na pilha de roupas, cada uma o seu. Mari pega o dela. MARI Oi, amor. DUDA Liguei numa hora ruim, Mari? Se eu liguei você me desculpa. Eu liguei? MARI Não, Duda; tá tudo bem, a hora não foi ruim, eu só tô aqui, olhando umas roupinhas, numa lojinha... Você tá com uma voz boa. Déia tem que segurar o riso. DUDA Você acha mesmo, é? Que legal! Porque eu tô legal e acho que eu tô conseguindo passar isso pras pessoas, o que é legal. MARI (SUSPIRANDO) Que legal, Duda! DUDA Escuta... posso falar? MARI Claro, Duda. Fala. DUDA Então... aproveita que você tá aí nessa loja e compra uma roupa bacana pra gente ir comemorar hoje à noite. Sabe todo aquele papo, aquele negócio, a transação? MARI Claro. DUDA Rolou. Dá pra imaginar como eu tô feliz? MARI (SURPRESA E FELIZ) Que bárbaro, Duda! Muito legal. Eu nem acredito! DUDA Ué? Por que não acredita? MARI (VOLTANDO A SE DESANIMAR) Não, Duda. Não é isso. É só uma força de expressão. Eu acredito, acredito, acredito e deixa comigo que eu vou comprar um vestido de arrasar e, pra comemorar pra valer, você vai poder fazer o que quiser comigo hoje à noite. DUDA Você sempre diz isso e chega na hora a gente acaba fazendo sempre a mesma coisa. MARI Concordo. Mas hoje eu juro que vai ser diferente e não precisa perguntar mais uma vez se eu juro mesmo porque eu juro mesmo... Ok, legal... Até mais tarde... Também te amo... (quase gritando) Juro que te amo! (e repete baixinho desligando o telefone) Saco! Duda coloca o celular no bolso da camisa. DÉIA E aí? Vai cumprir a promessa? MARI Que promessa? DÉIA Deixar ele fazer o que quiser. MARI Vai depender do clima. DÉIA Você sabe que eles ficam putos com isso, não sabe? Se a gente promete, eles não querem saber de clima, de romance... já vão pedindo tudo. MARI Eu sei. Mas hoje ele tá de muito bom humor e parece que deu certo o negócio que ele tava esperando... sei lá. Agora me ajuda a escolher uns acessórios mortais. INT. SALA DE DUDA - DIA Karina entra na sala, com os cabides de roupa. KARINA (MUITO PROFISSIONAL) Duda, você prometeu que ia dar o OK nessas peças hoje. DUDA Quer olhar também, Bilhão? ABÍLIO (CAFAJESTE, SENTANDO AO LADO DE DUDA, NA MESA) Se a Karina for experimentar... Karina olha feio para ele, que sorri e sai da sala. Imediatamente, Karina solta as roupas no chão e pula para o colo de Duda, que cai sentado na cadeira. A pressão dos seios de Karina no peito de Duda, faz a tecla send ser pressionada. A câmera entra na telinha e viaja junto com as ondas do telefone, que está fazendo a rediscagem para Mari. TÍTULO DO FILME: VIVA-VOZ INT. LOJA // SALA DE DUDA - DIA Mari está levando todos os vestidos que experimentou. Separou uma camisetinha básica. MARI Essa camiseta fica para uma outra vez. Vamos poupar o Duda. O celular toca. Ela lê o nome do marido na telinha: Duda. MARI (CONT’) Oi, Duda, meu amor! Alô, alô? Duda, você tá aí? KARINA (OFF) Tava morrendo de saudade, Bicoco! E você, tava com saudade da sua Bicoca? Mari está quase em choque, sem entender. Déia olha espantada. Tenta descobrir na expressão da amiga o motivo para aquela mudança. INT. SALA DE DUDA // CORREDOR SHOPPING (ø) - DIA Duda e Karina. KARINA Bicoco, sabe o que eu tô pensando? DUDA (TENTANDO SE DESVENCILHAR DE KARINA) Não; espera, bicoca. Acho que a gente precisa conversar. KARINA Eu só topo se for aquelas conversas sujas, pornográficas e depravadas que você fala no meu ouvidinho quando a gente tá juntinho. Karina morde os lábios de Duda, que tenta resistir, mas cede. Travelling acompanha as duas andando no shopping, ouvindo mal a ligação que falha. Mari não quer perder nada, ao mesmo tempo que Déia não consegue ouvir uma só palavra do que Duda diz. INT. ESTACIONAMENTO SHOPPING // SALA DE DUDA - DIA Um monte de sacolas é jogado no porta-malas. POV de dentro do porta-malas. Mari e Déia entram no carro. Mari continua pasma até que Déia pega o telefone dela e ouve a conversa. Depois de ficar igualmente pasma, ela começa a rir e pergunta: DÉIA Você ligou para um disque-sexo? MARI É o Duda, Déia! É o Duda! Mari apanha o celular de Déia e o coloca no viva-voz. Risadinhas de Karina. DUDA (OFF) Não! Pára, Bicoca! Aqui não! Pelo amor de Deus, não desabotoa esse meu cinto! DÉIA Desabotoa o cinto?! MARI O correto seria “não tira o meu cinto”. DÉIA Correto mesmo seria ela não mexer no cinto dele. KARINA (OFF) Vamos desabotoar o cintinho e soltar esse monstrinho. Olha como ele já tá crescidinho! Déia fica boquiaberta e animadíssima. DÉIA Monstrinho crescidinho? Bicoca? Que coisa mais ridícula. Não pode ser o Duda! MARI Talvez não seja. DUDA (OFF) Você acha mesmo que ele tá crescidinho, Bicoca? Fala a verdade! MARI E DÉIA É o Duda! INT. SALA DE SEGURANÇA - DIA Uma mão (Abílio) entra em quadro e desliga o sistema de segurança. Vemos os 4 monitores desligarem. Os monitores ficam: 1- Hall Central (Sidney entra na sala de Karina com um monte de roupas); 2- Sala de Duda (vemos Duda e Karina sobre a mesa); 3- Sala das máquinas (mulheres trabalhando); 4- Recepção (recepcionista e mais Bt) INT. SALA DE FLAVINHO- DIA Flavinho olha o relógio, suspira, liga o interfone. FLAVINHO Seu Duda, se o senhor não for precisar de mim, estou saindo para almoçar com minha mãe. Por isso, se o senhor permitir, vou chegar uns minutinhos mais tarde. (pausa) Obrigado e para o senhor também. Flavinho sai. Em seguida, Duda e Karina saem também, ajeitando as roupas. Passado um tempo, aparece Abílio. Ninguém por perto. Ele observa bem e entra assobiando no escritório de Duda. INT. ESTACIONAMENTO SHOPPING // GARAGEM CONFECÇÃO - DIA Mari e Déia olhando fixamente para o celular, de onde vêm sons não identificados. E Mari comenta. MARI Que quadrúpede deformado! E ainda por cima é no escritório. Você ouviu o Flavinho, não ouviu? DÉIA Ouvi. E quem será a Bicoca? MARI Não faço a menor idéia. DÉIA Pensa um pouco. Quem pode ter acesso à sala do Duda? MARI Quem? Deixa eu pensar... a Karina, mas a Karina é aquela bunduda peituda. DÉIA Os homens gostam disso. É o tipo “fodão”. MARI Tudo bem, mas a Karina é lésbica. DÉIA Tem certeza? MARI Absoluta. Ela chegou a ter um caso com o Flavinho, que é gay. DÉIA Puxa vida! Que belo ambiente de trabalho. E aí? O que a gente vai fazer? MARI Você conhece alguma loja que venda armas? DÉIA Conheço uma ótima. Por acaso você estaria pensando em comprar uma arma e matar o Duda? MARI Hã, hã. DÉIA Legal. A má notícia é que você não compra uma arma e sai com ela. Tem toda uma burocracia chata e vai demorar um bom tempinho até receber a arma. MARI E facas? Nessas lojas eles não vendem facas, machados, barracas de camping? DÉIA Mas você quer matar os dois ou ir acampar com eles? Simultaneamente, nos carros de Duda e Mari, as portas se batem em seqüência, realizando uma melodia. INT. SALA DE DUDA - DIA Um pedaço de papel cheio de números impressos em letra miúda. Abílio está sentado na mesa de Duda, mexendo no computador. Tenta encontrar a senha para entrar na conta bancária do amigo. A relação de números é uma maluca combinação de datas de nascimento, casamento, etc. Abílio está ansioso e vai tentando. I/E. CARRO DE MARI // I/E. CARRO DE KARINA - DIA Enquanto o carro anda pelo estacionamento do shopping, ouvimos vozes de Duda e Karina (Rua Fabril). DUDA (OFF) Eu preciso te falar uma coisa, mas eu tenho medo que você me interprete mal. KARINA Ôpa, ôpa! Que papo é esse, Bicoco? Eu conheço esse tipo de conversa e não estou a fins de ouvir o resto. DUDA (TENTANDO SER DELICADO) Veja bem, bicoca. Presta atenção. Você tá prestando atenção? MARI Liga pro cachorro. DÉIA Pra quem? MARI Pro quadrúpede do meu marido! DÉIA Eu acho que vai cair na caixa postal. MARI Putz, como você é burra! DÉIA (CANTANDO QUE NEM CRIANÇA) Sou burra sou feliz, bem mais cornuda quem me diz! MARI Tá errada a letra. Não é assim, tá! Vai, deixa de brincadeira e liga pro escritório do Duda, no seu celular. DÉIA Qual é o número? INT. SALA DE DUDA - DIA Abílio está tentando descobrir a senha, em vão. Toca o telefone. ABÍLIO Alô? RECEPCIONISTA (OFF) Ligação para o Seu Eduardo. ABÍLIO Fala que ele saiu pra almoçar. RECEPCIONISTA (OFF) Eu já falei, mas é a D. Mari e ela tá nervosa. O senhor não quer falar com ela? Abílio fica sem ar, por um tempo. ABÍLIO Passa. (simulando cordialidade) Alô, Mari! Como vai, quanto tempo. Tudo bem? I/E. CARRO DE MARI – DIA – RUA ARBORIZADA Mari fala no celular de Déia. DÉIA (Aconselhando a amiga bem baixinho) Vê se disfarça... Não vai direto no assunto. MARI Oi Bilhão, tudo bem? E aí? Como é que tá o tempo aí? E a seleção, será que dessa vez vai? A gente dá de olho no penta - todos juntos, vamos, pra frente Brasil, Brasil... Déia apóia a cabeça na mão, diante da absurda volta que a amiga decidiu dar. INT. SALA DE DUDA // I/E. CARRO DE MARI - DIA Abílio não entende nada. ABÍLIO Mari, é você? Tá tudo bem aí? MARI Tudo lindo, tudo maravilhoso. Tudo show. E aí, bilhão? Conta. ABÍLIO É... conta o que, Mari? Você me ligou pra quê? MARI Ah! Puxa vida! A gente engatou nesse papo gostoso que eu até esqueci. Cadê o Duda, com quem ele está almoçando e em qual restaurante? Abílio percebe alguma desconfiança. ABÍLIO Isso é segredo de Estado. O Duda foi almoçar com uma cliente mas não me disse onde iria e nem quem é a cliente. MARI Claro! Por que ele iria te falar? É só um almoço de negócios, certo? ABÍLIO Certo. Mas se você quiser deixar um recado, eu passo pra ele. E isso se ele voltar, né! (risos) MARI (RINDO AMARELO) Se ele voltar! Muito engraçado. Tchau! ABÍLIO (SURPRESO) Tchau! Abílio olha para o aparelho de telefone com estranhamento e volta às suas combinações. I/E. CARRO DE MARI – DIA – RUA ARBORIZADA MARI Réptil peçonhento de uma figa! Fazer esse tipo de brincadeirinha numa hora dessas. DÉIA Calma Mari, ele não está sabendo de nada. MARI Ah é? Não tá sabendo de nada? Os caras são sócios há trocentos anos e ele não sabe de nada. Você já cruzou com algum homem na sua vida, querida? Você acha que eles comem outras mulheres pra quê? E antes que você perca seus neurônios pra encontrar a resposta, eu te respondo: pra contar pros amigos, só isso. DÉIA Olha, amiga; até que você fica bem divertida quando está bravinha. Agressiva, mas divertida. Mari toca a mão da amiga com carinho KARINA (OFF) O que aconteceu que de repente você ficou tão caladinho? Diz pra tua bicoca que você ama ela, diz! MARI “Ama ela?” (e Mari fala para o aparelho celular) Sua ameba ignorante! “Diz pra tua bicoca que você a ama”. DÉIA Provavelmente ela matou essa aula e foi dar pro vigia da escola. MARI Muito bem pensado, amiga! DÉIA Legal. Agora, vamos ficar quietinhas e... Ela aponta para o celular. I/E. CARRO DE KARINA – DIA – RUA COMERCIAL Estão no carro de Karina e ela dirige. Duda está meio quieto ainda. Karina tenta animá-lo, levando a mão até a calça de Duda. KARINA Então faz assim. Fica quietinho e deixa que as nossas libidos cheguem a um acordo. DUDA (AFASTANDO KARINA) Pára, Bicoca! Eu gosto disso, você sabe, não sabe? Mas hoje não, entendeu? KARINA Não. DUDA Eu te explico no almoço, tá bom? KARINA Tá bom. E a gente vai naquele nosso cantinho? I/E. CARRO DE MARI - DIA As duas amigas esperam a resposta. Divisão de quadro horizontal. MARI Fala Dudinha, fala desgraçado. Que cantinho é esse? EXT. RUA ARB STOP 1 // I/E. CARRO DE KARINA (ø)- DIA DUDA Muito longe, Bicoca. Eu tenho um monte de coisas pra resolver no escritório depois do almoço. KARINA Tudo bem. Mas eu não vou ficar sossegada enquanto seu monstrinho não der um “oizinho” pra ursinha de pelúcia dele. Fica um silêncio constrangedor nos dois carros. Depois de um tempo, Mari pára repentinamente o carro, abre a porta e vomita. DÉIA Vomita, amiga. Vomita porque, realmente, monstrinho dando oizinho pra ursinha de pelúcia é... É foda! Mari vomita ainda mais ao ouvir a amiga repetir a pérola. INT. SALA DE DUDA - DIA Abílio continua fazendo combinações cabalísticas de números. ABÍLIO Que número essa cara usou? Data de aniversário já foram todas; fundação da empresa, número do prédio, andar, variações do RG, do CIC, do passaporte... Que filho-da-mãe escroto! EXT. RUA ARB STOP 1 - DIA Mari está enjoada. DÉIA Melhor? MARI Acho que sim. DÉIA Não seria melhor você desligar esse telefone? MARI Nem morta. Eu vou descobrir onde esse pterodátilo fanho foi e com quem foi. Vamos lá pro escritório ver a agenda dele. DÉIA E você acha que na agenda vai estar anotado: “Levar monstrinho no restaurante Boticelli pra dar oizinho pra ursinha de pelúcia”? Mari volta a se sentir enjoada e tapa a boca de Déia. Carro de Mari arranca. Divisão de quadro trás a próxima cena. EXT. RESTAURANTE - DIA Carro de Karina chega. DUDA Chegamos. KARINA Até que enfim. DUDA Como assim? A gente não demorou tanto, demorou? KARINA Até que enfim você abriu a boca. I/E. CARRO DE MARI - DIA MARI responde ao viva-voz. Carro andando. MARI Ele é assim mesmo, minha filha. Quando resolve ficar quieto, fica três dias sem falar nada. É um saco! DÉIA Mas quieto total, sem nenhuma duvidazinha? MARI Nada. DÉIA Pelo menos ele é fiel ao estilo, independente da mulher. INT. RESTAURANTE - DIA Karina entrega a chave para o manobrista e eles entram num restaurante badalado, caro e cheio de gente bonita. INT. RESTAURANTE - DIA São conduzidos a um canto discreto nos fundos. Quando se sentam, Duda tira o celular do bolso e coloca em cima da mesa. EXT. RUA ARB STOP 2 - DIA Déia e Mari ficam escutando o zunzunzum dos talheres. Lentamente vão parando o carro no meio-fio. DÉIA O restaurante é bom, dá pra sentir pelo barulho. MARI Que barulho? Que história é esse de barulho de bom restaurante? Onde já se viu isso? O barulho da rodoviária é diferente, por acaso? DÉIA Se fosse da rodoviária a gente estaria ouvindo: “Passageiros com destino a Caruaru, dirijam-se à plataforma 23”. MARI Vai pro inferno. Fica quieta um pouco pra ver se a gente ouve o nome do restaurante. DÉIA E como isso poderia acontecer? Se eles estivessem em Orlando, Ok. “Welcome to Hollywood Planet; oi, eu sou o Mickey e estou muito feliz de tê-los aqui no reino mágico”. MARI Shhhhhh. Pausa e só ouvimos o murmurinho do restaurante. MARI Você sabe há quanto tempo ele não me leva num bom restaurante? DÉIA Não. MARI Não sei há quanto tempo, mas faz um tempão. DÉIA Mas você não falou que ele adora sair para comer bacalhau? MARI Se ele gostasse de comer foie-gras a gente iria em lugares mais interessantes, mas o tal do bacalhau é sempre numas bibocas no fim do mundo. DÉIA Biboca, bicoca... tô achando o Duda um cara super coerente. INT. RESTAURANTE - DIA O garçom se aproxima. GARÇOM Dr. Eduardo, senhora, prazer em tê-los em nossa casa! DUDA Obrigado, Manuel. E como é que está o bacalhau no azeite de oliva? Tá bom, tá ruim, tá mais ou menos? GARÇOM (JÁ CONHECENDO O DUDA, SE ANTECIPA) Espetacular e eu juro pro senhor que é verdade, de verdade. E a senhora não vai se arrepender se pedir a galinha d’angola com molho de framboesa. KARINA Parece uma delícia, mas hoje eu vou ficar só na saladinha, aquela que você prepara com endívias. GARÇOM Perfeitamente. O senhor quer ver a carta de vinhos, sr. Eduardo? DUDA Será? Acho melhor não. Tenho um dia meio pesado pela frente. Ou você gostaria de fazer uma outra sugestão? O garçom apenas balança a cabeça negativamente e sai, para se livrar das eternas dúvidas. EXT. RUA ARB STOP 2 - DIA Carro está parado e Mari começa a falar: MARI Manuel! Você ouviu o nome do Maître?! Manuel. Que restaurante tem um Maître com nome Manuel? DÉIA Uns 342. MARI Que resturante com maître Manuel tem bacalhau com azeite de oliva? DÉIA Uns 81. MARI Sem azeite de oliva? DÉIA Nenhum. Impossível fazer bacalhau sem azeite de oliva. MARI Ok. Que faz salada de endívias? DÉIA Voltamos para os 289. MARI Ok. Esquece a endívia. Vamos focar no bacalhau, no Manuel e...na proximidade do escritório do Duda. Eles até que chegaram rápido, não foi? DÉIA Uns 12? MARI Magina! No máximo 4. DÉIA Ok. E o que você quer fazer? Ir de um em um perguntando se o Manuel está e como é que tá o bacalhau? MARI E por que não? DÉIA Porque a gente não sabe quais são esses 4. A gente teria que passar antes por 338. INT. SALA DE DUDA // SALA DE FLAVINHO(ø)- DIA Abílio continua tentando. ABÍLIO Que senha esse cara inventou? Não é possível. Será que ele colocou a data do meu aniversário? Tomara que não. Vou tentar, mas tomara que não seja. Eu me sentiria péssimo. Deixa ver... 220660... Ai, ai, ai... Yes! Nada. Quer dizer, droga! O telefone da sala toca e Abílio dá um pulo. Se acalma e atende. ABÍLIO (CONT’D) Alô! FLAVINHO Seu Duda? ABÍLIO Não. Abílio. FLAVINHO Sou eu, seu Abílio, o Flavinho. ABÍLIO Não me diga? Pensei que fosse o Pavarotti, com essa voz de tenor. FLAVINHO Quem me dera! É só pra avisar que eu já cheguei do almoço. ABÍLIO Comeu rápido, hein! FLAVINHO É que hoje eu fui almoçar com minha mãe e a minha mãe esqueceu e não fez o almoço. Aí então a gente conversou um pouquinho, eu fui embora e comi um cachorro-quente no caminho e dep... ABÍLIO Chega, Flavinho! Eu não te perguntei nada. Que saco! FLAVINHO Desculpa. O senhor está precisando de alguma coisa? O seu Duda já chegou? ABÍLIO O que eu estou precisando você não pode me dar. FLAVINHO Como assim? ABÍLIO Se precisar eu chamo. Eu estou tentando dar um jeito num programa aqui do Duda e ele ainda não voltou. Flavinho acha meio esquisita a história do programa, mas decide não pensar no assunto e abre sua gaveta de lápis e fotos antigas. Uma das fotos antigas não é tão antiga. É uma foto de Sávio, irmão de Duda. FUSÃO PARA: INT. RESTAURANTE // SALA DE DUDA (ø) - DIA E essa foto, por fusão, irá aparecer nas mãos de Duda, no restaurante. DUDA Esse aqui é o Sávio. Você lembra dele, não lembra? KARINA Lembro. Quer dizer: lembro da foto. É o seu irmão que morreu em um acidente. DUDA O irmão que eu matei em um acidente. KARINA Não fala besteira, Bic! Você não teve a menor culpa. DUDA Você também acha, né? Mas eu te contei que ele queria ir de táxi, eu convenci a vir comigo... Te contei, né? KARINA 489 vezes. Se não me engano é isso. 489 vezes eu já ouvi essa mesma/idêntica história. Isso pra mim já virou um mantra. DUDA Um mantra. Legal isso, Bicoca! Um mantra. Acho que sim. Por que não? Um mantra. Eu matei meu irmão, eu matei meu irmão, eu matei meu irmão. KARINA Pára! Esquece essa merda e vive a tua vida, Bicoco! DUDA A minha vida acabou no dia 22 de fevereiro de 1992. KARINA 22 de fevereiro de 1992? DUDA Eu deixei de existir naquele dia, no dia da morte do Sávio, entende isso? KARINA Não. DUDA Não? KARINA Não. DUDA Mas se eu te disser que hoje é a última vez que a gente vai se ver como... Como amantes, você entende? KARINA Não. DUDA Mas você entende que eu preciso recomeçar do zero do ponto de vista moral e que isso é super importante pra mim até sob o ponto de vista astrológico? KARINA Não. DUDA Putz, Bicoca! Você não tá agindo como uma boa amante que tudo comprende e tudo aceita. KARINA (ESCORREGANDO A MÃO ENTRE AS PERNAS DE DUDA, POR DEBAIXO DA MESA) É que eu ainda te quiero mucho, my corazon. DUDA (RINDO) Você tocou num ponto importante. Preciso ir ao banheiro. E assim dizendo ele se levanta. Karina espera que ele se afaste. Apanha o seu celular e liga. Fica vigiando enquanto a ligação está sendo completada. E então ela diz: KARINA Sou eu. Anota aí: 22-02-92. ABÍLIO (NO ESCRITÓRIO) O que é isso? Encontrou uma cigana? Tela se divide. Karina e Abílio, um de cada lado. KARINA É a data da morte do Sávio. ABÍLIO Olha só! Não tinha pensado nisso. A imagem da cena 40 aparece em baixo. Ficam 3 imagens na tela. KARINA Vai! tenta logo que eu não tenho muito tempo. Mas eu tenho quase certeza de que essa é a senha. ABÍLIO (TENTANDO ENTRAR COM A SENHA) 22... 02... 92 e... I LOVE YOU, BABY! Estamos ricos! Tchau! EXT. RUA ARB STOP 2 - DIA Mari e Déia estão ouvindo atentas e Mari desconfia. Durante um tempo, vemos Abílio entrando no site do Banco Franco, até confirmar os 2 milhões de reais. Em cima, à esquerda do quadro, Karina espera Duda voltar. A imagem de Mari e Déia ocupa toda a tela. MARI Peraí um pouco... que história foi aquela de senha e pra quem essa ameba tarada passou o que ela acha ser uma senha? DÉIA Que estranho, Mari! Isso tá com cara de armação pra cima do Duda. Pra que ela ia querer uma senha? MARI Não te contei da grana que o Duda juntou? Um montão de grana pra ele abrir a tal da “confecção homenagem?” DÉIA Não. MARI É isso. Ele juntou uma bela grana e por esses dias vai fazer um mega negócio - aliás, por isso que hoje eu IRIA deixar ele fazer tudo - e eu tô achando que tem alguém querendo armar por cima dele. A ameba ninfomaníaca deve estar mancomunada com alguém do escritório. DÉIA Definitivamente, esse escritório é o pior ambiente de trabalho que eu já ouvi falar na vida! E agora? O que você vai fazer? MARI Agora... azar dele. Que se dane, que perca tudo, que fique na sarjeta e contraia leptospira, que é a bactéria causadora da leptospirose. Eu não estou nem aí. DÉIA Vamos ser práticas, amiga. Esquece o teu passado de bióloga um pouquinho. Você é a mulher do Duda, e você tem direitos. Se ele estiver na extrema miséria, você terá o direito de dividir um cantinho sob a ponte. Se ele estiver nadando na grana, aí você conta tudo, ameaça um escândalo bacana, já que ele vai ser famoso e etc., e sai dessa com a bolsa cheia. Que tal essa versão? MARI Muuuito boa! EXT. RUA IVONE - DIA Skyline da cidade. Grua abaixa e entra carro de Ivone saindo de casa. Dois rapazes se aproximam do carro. São Monstro e Alicate, dois rapazes, de boa formação, um formado em odontologia e outro em ciência da computação que, como tantos, se fuderam. Agora com família e tudo mais, chegam ao desespero de partir para um assalto. ALICATE Com licença, minha senhora. Nós precisamos do seu carro e do seu dinheiro. MONSTRO E só para que a senhora tenha a exata noção do perigo que está correndo, o apelido dele é Alicate e o meu é Monstro. A senhora está apavorada, não está? Ivone, entre confusa e apavorada, faz que sim com a cabeça. ALICATE Ótimo. Então podemos ir. IVONE Para onde? MONSTRO Para o caixa eletrônico do seu banco. IVONE Tudo bem, mas não machuquem meu filhinho. ALICATE (SORRINDO PARA O GAROTO) E aí, garotão? Tudo bom com você? O garoto abre um sorriso e Alicate, olhando com atenção a boca do garoto comenta: ALICATE (CONT’) Hii! Sinto informar, minha senhora, mas esse garoto não vai escapar de usar um aparelho. Essa arcada dele é muito fechada. Ele ainda chupa chupeta? IVONE Hã, hã. ALICATE Sempre o mesmo problema. Mas o maior problema é que a gente prefere colocar um aparelho, depois, do que ficar ouvindo os berros da criançada. IVONE O... O senhor tem filhos? ALICATE Dois. Um casal. Quer ver as fotos? MONSTRO Porra, Alicate! Nós somos ou não somos bandidos? Onde já se viu bandido mostrando foto dos filhos! ALICATE É isso aí. Nós somos bandidos. Toca pro caixa eletrônico. Qual é o seu banco? IVONE Banco Franco. MONSTRO Putz! Mais um espanhol! IVONE É espanhol? Eu não sabia. MONSTRO E por que a senhora acha que chama Franco? Por acaso a senhora acha que tem a ver com franqueza? Já viu isso em algum banco? É Franco por causa do generalíssimo Franco, o que eu acho um puta absurdo considerando o assassino que foi esse cara. ALICATE É. Mas eles nunca admitiram que tinha a ver com o generalíssimo. Disseram que tinha a ver com o fundador que se chamava Alejandro Franco. IVONE Com licença... é... Vocês são bastante... Inteligentes... MONSTRO E daí? E daí? Só porque a gente é bandido a gente não pode ler, se informar? Aliás, todo cidadão inteligente deveria estar fazendo o que a gente faz. Todo mundo deveria dar uma banana pra essas leis de nosso país, pra esses impostos injustos, pra essa cambada de canalhas que nos dirige e partir para o crime. “Estude, meu filho, para ser alguém”, dizia meu pai. E olha só: estudei, estudei, estudei e ele foi ficando pobre, foi ficando pobre e foi ficando pobre... E olha eu aqui. IVONE E... (olhando para Alicate) você também estudou? ALICATE Legal, Monstro! Agora você estragou tudo. MONSTRO Estraguei o que, cara? Só porque ela sabe que a gente estudou a gente vai deixar de ser bandido e vai deixar de assaltar a senhora? É isso aí, minha senhora. Eu sou formado em ciência da computação e ele é formado em odontologia. Satisfeita? E nem tente, pelo amor de Deus, começar com a lenga-lenga de que estamos estragando a nossa vida porque ela já foi estragada por pessoas ditas de bem. Certo? IVONE Certo. Mas... MONSTRO E ALICATE Cala a boca! INT. SALA DE DUDA - DIA Abílio no celular, fala com Décio para começar a fazer as transferências. ABÍLIO Tudo bem, Décio? Vamos começar a operação? O Duda? Você viu como ele é, não viu? Ela tá uma pilha, diz que não entende nada de computador, que vai fazer besteira... Enfim, cá estou e, sócio é pra essas coisas... Ok, você primeiro me passa todas as contas e depois eu vou transferindo, é isso? EXT. RUA ARB STOP 2 - DIA O carro está parado no meio da rua. DÉIA E agora, Mari? Pra onde a gente vai? Mari olha para o celular ligado no viva-voz e dá de ombros. I/E. CARRO DE KARINA – DIA KARINA E agora, Bicoco? Pra onde a gente vai? DUDA Pro escritório, bicoca! Eu tenho um mundaréu de coisas pra fazer. KARINA Pro escritório? Você me leva pra almoçar, diz que está tudo acabado por motivos metafísicos, estratosféricos, sei lá que mais e acha que eu vou aceitar tudo isso na boa? DUDA Putz, Bicoca. Você tá certa. Eu sei que não é assim que se faz, mas vê se entende: eu tenho que fazer umas operações que são muuuito importantes hoje. Você me entende? KARINA Tudo bem, bic. Eu não entendo e não aceito mas... Ok, vamos pro escritório. EXT. RUA ARB STOP 2 – DIA MARI Muito obrigada, bic! Vamos para o escritório. Toca o carro. EXT. CAIXA ELETRÔNICO 1 - DIA O carro roubado pára em frente a um caixa eletrônico. Alicate desce com a Ivone, o cartão na mão. Na porta do caixa, um aviso pregado com durex: DESATIVADO. FAVOR DIRIGIR-SE A OUTRO CAIXA. ALICATE Merda! Alicate arranca o aviso da porta e volta para o carro, sempre segurando no braço da Ivone. Ao chegarem no carro, Alicate diz: ALICATE (CONT’) Esse tá fora do ar. Vamos tentar outro. MONSTRO Nada disso. Eu manjo esses caras. Deixa isso comigo. Fica aqui com o garoto que eu vou lá com ela. Monstro e a senhora entram no caixa eletrônico e Monstro coloca o cartão. O aviso de fora de serviço aparece e então ele começa a mexer em um monte de teclas. Retira um celular do bolso, faz uma série de traquitanas de hacker e a tela volta a aparecer, como se nada houvera. MONSTRO (CONT’) Bingo! E aí? Quanto vai ser? IVONE Uau! Que maravilha! Mas...se você sabe fazer tudo isso, por que precisa de mim? MONSTRO Sem o seu cartão e a sua senha, não dá pra brincar. E agora, deixa eu ver. Vamos tirar uns 5 mil. IVONE Impossível. Meu limite é 500 reais. MONSTRO Acaba de ser ampliado. IVONE Mas na hora que isso for debitado, eu tô quebrada. MONSTRO A senhora não vai ser cobrada de nada. Primeiro porque seu limite é 500 e, se essas máquinas são confiáveis, se o banco é confiável, eles jamais irão admitir que houve um erro e que a senhora terá de pagar. Ou melhor: que o caixa eletrônico não é seguro e qualquer pessoa pode alterar os limites. Já imaginou? Agora vamos em outro caixa. INT. SALA DE DUDA – DIA ABÍLIO Tudo bem, Décio, mas eu não posso passar o resto da tarde fazendo transferência! Você disse que era rápido. O Duda tava desconfiado... Ok, me desculpa, vamos lá, vai me passando. Abílio enquanto fala com seu intermediário, apanha um outro celular e liga. Ele espera um pouco e, quando a pessoa atende do outro lado (Karina), ele apenas diz: ABÍLIO A coisa aqui vai longe. Enrola o cara. Não deixa ele chegar aqui nas próximas duas horas. EXT. MOTEL - DIA Karina faz uma manobra brusca e entra num motel. DUDA Ei, ei ei! Ficou maluca? Isso aqui é... É um motel, não é? KARINA Bicoco, não dá pra acabar assim! Eu preciso de você! Uma última vez... Por favor... Karina coloca a mão entre as pernas de Duda. Ele olha para ela, indefeso. I/E. CARRO DE MARI – DIA – RUA ARBORIZADA DÉIA Até que enfim! MARI O que é isso? Como assim, até que enfim??! DÉIA Até que enfim ela disse “pela última vez”. MARI Sua hipócrita. Você tá se divertindo com tudo isso, não é verdade? DÉIA Me divertindo não é bem o termo, mas já que somos muito amigas, eu vou te confessar que essa história me deixou um pouquinho excitada. MARI Déia! Que absurdo! DÉIA Desculpa, amiga, mas é uma tara antiga. Eu sempre fui fissurada em disque-sexo. E esse é o primeiro disque-sexo com história que eu ouço. MARI (RINDO) Disque-sexo com história é muito bom. Que coisa patética, que situação patética. Um puta drama rolando: traição, grana, sacanagem, sexo, bacalhau, endívias, futuro, sentimento de culpa e eu aqui, dirigindo a esmo, feito uma idiota, com uma maníaca sexual ao meu lado que se diz minha amiga... Que dia, meu Deus; que dia! INT. MOTEL - DIA Duda e Karina entram num quarto vermelho, cama redonda, música sensual. Karina começa um lento strip-tease, puxando Duda para a cama. KARINA Vem, Bicocolouco! Uma última vez, vem... DUDA Será, hein? Será que a gente poderia discutir um pouco mais sobre isso? Peraí, bicoca... Karina tira o paletó de Duda, joga numa cadeira; desabotoa a camisa, tira; tira o vestido, joga por cima da camisa, empurra Duda para a cama, deita-se sobre ele. O som do celular no bolso do paletó vai se tornando mais abafado à medida que as roupas caem sobre ele. I/E. CARRO DE MARI – DIA DÉIA Que silêncio... Mari se debruça sobre a direção. EXT. CAIXA ELETRÔNICO 1 - DIA Rosto de Francisquinho feliz. Steadicam recua. ALICATE Olha aqui, minha senhora. Como a senhora tem sido muito legal, a gente vai te dar mil reais. Mas é pra colocar um aparelho na boca desse muleque, combinado? IVONE Deus abençoe vocês. Combinado, claro. E, aproveitando, eu tenho aqui um outro cartão, do banco do meu marido... De repente, até sobra algum pra eu colocar um pouco de peito... Monstro e Alicate se olham, sorriem e mudam de direção. INT. SALA DE DUDA - DIA Abílio no telefone, gravata jogada no chão, camisa aberta, suando. ABÍLIO Tá. Nessa daí eu vou botar trinta e sete mil, oitocentos e cinqüenta? Ok. 52 mil nessa? Feito. Tela do computador, saldo de Duda: quinhentos e trinta e nove mil reais. I/E. CARRO DE MARI – DIA – RUA SORVETERIA DÉIA Que droga, hein! Devem ter jogado todas as roupas em cima do celular e devem estar dando uma bicocotrepada. MARI (SEM ACHAR GRAÇA, DISTANTE) E se a gente desse uma paradinha nessa sorveteria? DÉIA Ótima idéia. Mas a gente vai levar o celular, não vai? MARI Vai. E assim as duas encostam o carro na frente de uma sorveteria e entram. INT. SALA DE FLAVINHO- DIA Flavinho olha no relógio e acha estranho o tempo que Abílio está na sala de Duda. Entreabre a porta e vê Abílio mexendo no computador de Duda. INT. SALA DE SEGURANÇA - DIA Decide ir até uma sala de segurança da qual só o Duda tem a chave. Revelando uma certa habilidade em abrir portas, ele consegue enfiar o afiado canivete que usa para apontar seus lápis da fechadura e a mesma se abre. FLAVINHO Se o seu Duda me pega entrando nessa sala, eu já era. Mas tem alguma coisa estranha rolando lá dentro. Uai! Tá tudo desligado... A sala tem todo um equipamento de segurança com vários monitores. Ele liga o botão geral. Várias imagens vão aparecendo, até que ele liga a câmera que controla a sala de Duda. Ele então observa Abílio bastante ansioso, gesticulando muito, com o celular em um ouvido e a mão nos teclados. As câmeras não têm áudio, mas sendo ele um apaixonado por cinema mudo, ele se senta e tenta ler os lábios de Abílio: FLAVINHO (CONT’) É isso aí, Flavinho. Sua paixão pelo cinema mudo, agora vai ser de grande valia. Vamos ver por que este senhor está tão ansioso. E na medida que vemos Abílio no monitor falando e gesticulando, ouvimos Flavinho repetindo: FLAVINHO (CONT’) ...eu tô com... pressa... é melhor transferir logo... o Duda... vai... chateado, Técio... Técio? Deve ser o Décio, o tal do doleiro! Transferir... com pressa... minha santa Greta! O Abílio tá passando a mão na grana do seu Duda! Flavinho então assobia e diz: FLAVINHO Ok, senhor Abílio. O senhor já era. Sorria, você está no ar! E assim dizendo ele se retira, deixando as máquinas gravando tudo. INT. SORVETERIA // MOTEL (ø)- DIA Mari e Déia estão tomando um sorvete, em silêncio, quando o celular começa a fazer alguns ruídos e então ouvimos a voz de Karina em off: KARINA Não fica assim, Bicoco. Isso acontece. Ao ouvir, Mari, ignorando estar em um lugar público, solta um grito: MARI Ele brochou! O quadrúpede brochou! Todos da sorveteria olham, claro. Déia tenta dar um toque: DÉIA Psssiiiiuuu! Olha onde a gente está! MARI (FALANDO BAIXINHO) Que maravilha! Que lindo! Va’mbora, Déia. Eu faço questão de esperar o quadrúpede eunuco na sala dele. E assim dizendo as duas se retiram. INT. GARAGEM DO MOTEL // CARRO DE MARI (ø) - DIA Duda sentado no carro ligado, imóvel. Olha o relógio. Karina chega, abre a porta, entra. KARINA O que foi, biquinho? Tá chateadinho, tá? DUDA Que louco isso, né? Eu acho que tem uma coisa da culpa, tem o lance da minha decisão de não querer fazer mais, tem uma série de questões que eu até tenho levado pra terapia e que, de repente, assim, tudo acaba sendo focado num único aspecto. Ou será que foi o bacalhau? Será que foi o bacalhau? Duda faz menção de sair com o carro, Karina segura a mão dele. KARINA Ô, judiação! É que você tá com a cabeça cheia de caraminhola, muita preocupação, a nova loja. Deixa eu te propor uma situação nova: Você tá me odiando, mesmo sabendo que eu sou um tesão e que eu te perturbo. Eu então te desafio. Quero te ver violento, quero que você canalize tua raiva para o teu pipi, pra que ele se vingue por você. DUDA Um pipi bem malvado, Bicoca? É isso? KARINA Isso, animal. Um vingador! DUDA Sem escrúpulos? Sem critério? Alucinado? KARINA E totalmente depravado, cínico, sarcástico, egoísta... A tela se divide: de um lado carro de Karina e do outro carro de Mari. Steadicam contorna o carro de Mari. DÉIA Uhuuu! Minha querida amiga, a Bicoca não é fraca, não. Que bela virada de jogo. E eu vou te confessar mais uma coisa: pipi sarcástico e vingador é muito interessante! MARI Eu não vou agüentar ouvir o resto. Ouvimos baixinho, em off, Duda descrevendo as barbaridades que pretende fazer com Karina. Mari diminui o volume do telefone até se tornar quase inaudível e arranca com violência dizendo: MARI Vamos lá pro escritório. E aí você vai ver o que eu vou ser capaz de fazer. DÉIA Lembre-se do nosso plano. Espera a grana. MARI Tudo bem. Mas uma porrada na cara ele vai levar. Mesmo sem saber por quê. Mas vai levar. INT. SALA DE DUDA - DIA Tela do computador, série de takes onde a conta de Duda vai diminuindo passo a passo e Abílio vai cantando sacanamente “Ciao, Bella, ciao Bella, ciao Bella”. INT. GARAGEM DO MOTEL - DIA Duda e Karina se ajeitam, após o que deve ter sido uma bela trepada. KARINA Uau, Bicoco! Isso sim vai ser uma recordação pra eu contar pras minhas netas! DUDA Pena mesmo que foi a última... Mas... Foi legal, não foi? EXT. FACHADA DA CONFECÇÃO - DIA Carro de Mari chega à confecção. EXT. RUA DO MOTEL - DIA O carro com Alicate e Monstro passa em frente ao motel. O carro de Karina sai e segue atrás dele. INT. HALL CENTRAL - DIA Mari e Déia entram, Mari com o celular colado ao ouvido. FLAVINHO Oi, Mari. O Duda ainda não voltou do almoço. DÉIA A gente sabe. Ele ainda não terminou de comer. Mari dá uma cotovelada em Déia, Abílio sai da sala de Duda, fica sem jeito ao ver Mari, mas se recompõe rapidamente e vai cumprimentá-la com um abraço. ABÍLIO Mari, que boa surpresa! Tudo bem? Mari não corresponde ao abraço e só pergunta: MARI Você sabe do Duda? ABÍLIO (DESISTINDO DO ABRAÇO) Não. E desculpe se você está tendo um mau dia. Com licença. Enquanto Abílio se retira, Flavinho lança para ele um olhar muito raivoso. EXT. RUA DO FAROL - DIA Karina dirige muito devagar. Se aproximam de um sinal, Karina retarda a marcha, para pegar o sinal vermelho. DUDA Vai, biquinha! Vê se anda mais rápido que eu tô com pressa! KARINA Tá bom, Bicoco, você manda! Você quer que eu corra, eu corro, eu corro. Karina acelera bruscamente e bate no carro da frente. INT. SALA DE DUDA - DIA Mari continua com o celular pregado no ouvido. MARI O carro bateu! DÉIA Como assim? MARI Como assim?! Bateu, bateu. Fez pum, bateu e os dois disseram um palavrão. DÉIA Será que alguém se machucou? MARI Tomara, mas acho que não, infelizmente foi só uma batidinha. EXT. RUA DO FAROL - DIA Alicate e Monstro saem do carro batido. Alicate está mancando. Se aproximam ameaçadoramente do carro de Karina, Duda sai do carro, ele e Karina falando ao mesmo tempo. KARINA Desculpem, foi culpa minha, eu vou deixar os nossos telefones e o da seguradora. DUDA E vocês podem acreditar no que a moça disse. Vocês acreditam, não acreditam? A gente vai pagar tudo e nem foi assim um acidente muito grave. Ou foi? Alicate e Monstro se olham, Alicate faz um gesto com a cabeça, Monstro encosta a arma em Duda e o empurra para o banco de trás. Alicate assume a direção e Karina é obrigada a pular para o banco do passageiro. ALICATE Podem esquecer os cartões de visita e apenas respondam à seguinte questão: vocês estão com seus cartões do banco? Karina, apavorada, faz que sim com a cabeça. ALICATE Então vamos pro caixa eletrônico. DUDA Mas vocês não vão fazer nada com ela, certo? Monstro fica puto da vida e derrama um discurso em cima de Duda. MONSTRO Que história é essa de “não vão fazer nada com ela”? Por acaso você imagina que um bandido não pensa em outra coisa a não ser estuprar mulheres? Você acha que basta aparecer uma saia na frente de um bandido que imediatamente ele deixa de lado todos os seus planos, sua estratégia, a possibilidade de faturar uma grana e já fica louco para copular?! E seu eu for um homossexual? Se eu quero, na verdade, comer você? ALICATE Pega leve, Monstro! O cara tá lançando mão do repertório básico do assaltado. DUDA Desculpa, mas... o que vocês são, afinal? ALICATE Eu sou o Alicate e ele é o Monstro. Somos bandidos, e somos perigosos com aqueles que não cooperam. E, portanto, se pudermos sair daqui, seria ótimo. O carro de Karina arranca violentamente, passando rente ao carro de Ivone, que está debruçada sobre o banco de trás cuidando do filhinho. INT. SALA DE DUDA - DIA Mari está aturdida, ouvindo o assalto. Déia olha para a amiga, mais aturdida ainda. Flavinho, sem perceber nada, entra na sala do Duda e vai falar com Mari. FLAVINHO Dona Mari, me desculpe, mas eu acho que o seu Duda está metido em uma grande enrascada. MARI (ASSUSTADA) Eu sei que ele está, mas como é que você sabe? FLAVINHO Faz tempo que eu ando desconfiado. E hoje, eu decidi gravar tudo. Eu tenho todas as imagens gravadas. DÉIA (ENTUSIASMADA) Uau! Essa eu quero ver! E deu pra gravar tudo? MARI Que história é essa Flavinho? Como você conseguiu? FLAVINHO Tecnologia, Dona Mari. MARI Mas... deu pra gravar tudo mesmo? FLAVINHO Tudo que interessa. O movimento das mãos, a boca, os lábios, a ansiedade. DÉIA Deu pra gravar o grande momento final? FLAVINHO Eu não fiquei vendo tudo, mas onde eu parei já dava pra sacar que ele estava chegando lá. MARI Que desgraçado nojento! FLAVINHO A senhora me desculpe mas eu vou ser obrigado a concordar com a senhora. E já faz muito tempo que eu desconfio dele. A senhora quer que eu chame a polícia? MARI Polícia, Flavinho? EXT. CAIXA ELETRONICO 2 - DIA Caixa eletrônico 2. Praça. O carro pára em frente. ALICATE (OLHANDO BEM PARA A BOCA DE KARINA) Que estranho! Você ainda tem o hábito de chupar pirulito, churros, maçã do amor? Sua arcada... Duda dá uma risada sem querer e Karina também ri. MONSTRO Ihh, Alicate! Eu acho que estamos com um casal de amantes. DUDA Ex-amantes. KARINA Você pode até dizer isso, mas eu duvido que você consiga viver sem mim. DUDA Mas eu não tenho alternativa, minha bicoquinha! Já te expliquei tudo, não expliquei? KARINA Mas eu não aceitei totalmente suas explicações. DUDA Como assim? Eu não fui claro? Será que foi isso? ALICATE Oi, oi, ooooiii! Vocês poderiam se concentrar no assalto? KARINA O que acontece, seu ladrão... ALICATE Pode me chamar de Alicate. KARINA Pois o que acontece, seu Alicate, é que ele matou o irmão dele, corneia a mulher há anos, é um empresário ladrão e agora tá achando que é só dizer: “Chega” e a vida vai continuar, como se nada tivesse acontecido. MONSTRO Uau! Putz, Alicate! A gente perto do cara parece freira de pensionato. ALICATE Você matou mesmo o seu irmão? DUDA Matei sim! Eu tava dirigindo, perdi a direção, a gente bateu e ele morreu. Ou seja: a culpa foi minha e essa culpa eu vou ter que carregar até o fim dos meus dias. Vocês não concordam? ALICATE Não. Acho que eu não concordo. Foi um acidente. Isso não tem nada a ver com assassinato. MONSTRO É isso mesmo. Mas pelo jeito estamos lidando com um sentimento de culpa bastante desenvolvido. Você gostaria de falar sobre isso? DUDA Pois é. Eu tenho levado essa questão na terapia e a gente tem trabalhado com ela. KARINA Faz dez anos que vocês “trabalham” essa questão. Acho que o seu terapeuta é muito mais ladrão que vocês três. ALICATE Eu acho, sinceramente, cara, que você tá precisando passar uma temporada com um marinheiro norueguês. MONSTRO É. Uma temporada curta, que fosse. Uns 15 minutos. Vinte no máximo. DUDA Sério? Vocês acham que isso me ajudaria? INT. SALA DE DUDA – DIA MARI Ai, meu Deus do céu! Agora tão querendo pegar o Duda! FLAVINHO Mas eu acho que já pegaram. MARI Como assim, Flavinho? Que história é essa de “já pegaram”? FLAVINHO O Seu Abílio! DÉIA Como é que é? O Abílio já... FLAVINHO Já. Já... infelizmente ele já pegou o Seu Duda pelas costas. MARI E isso tá gravado também? FLAVINHO Tudinho. Déia pega Mari pelo braço e a leva para um canto e diz baixinho: DÉIA Menina! O cara é um pansexual! MARI Eu sei, eu sei. Meu Deus, onde é que eu fui amarrar meu burro!? DÉIA E agora? Você tá ouvindo alguma coisa? Como é que tá? MARI Tá rolando um papo esquisito. Flavinho se aproxima das duas: FLAVINHO Dá licença. Mas a gente vai fazer alguma coisa? Será que não era melhor falar com o seu Duda? MARI Não tá dando pra falar com o Duda, Flavinho! Não sacou? O que você sugere? FLAVINHO E se a gente fosse ao banco? Falar com o gerente, explicar tudo? MARI Mas o gerente sabe de alguma coisa? FLAVINHO Claro que sabe! Ele sabe de todas as posições do seu Duda. DÉIA É realmente um pansexual! FLAVINHO Como? MARI Nada, Flavinho, nada. Mas talvez fosse bom a gente conversar com ele. Mari, Déia e Flavinho saem do escritório. EXT. CAIXA ELETRÔNICO 2 – DIA ALICATE Eu acho que já entendi a situação. Estamos diante de dois amantes que se encontram em situação delicada, por estarem revendo suas vidas, valores e essa merda toda. MONSTRO O que é uma pena, se considerarmos a qualidade da carne disponível. KARINA Devo agradecer ou ficar ofendida? MONSTRO Isso depende. Se você se sentir ofendida, quero que você saiba que você reúne a exuberância sensual de uma manhã de verão. Que seus olhos dissimulados e misteriosos são capazes de fazer naufragar o mais resistente dos barcos. Que seu corpo é a metonímia do prazer e que o seu desejo, por hora ofendido, é capaz de aplacar a ira dos deuses. Karina vai ouvindo e seu olhar se modifica, ela enrubesce e o bico de seus seios ficam durinhos. E ela faz questão de mostrar isso ao Monstro, passando disfarçadamente a mão perto deles. INT. SALA DE FRANCISCO // RUA DO FAROL (ø) - DIA Francisco, o marido da Ivone que foi seqüestrada por Monstro e Alicate está mexendo no computador quando toca seu telefone. TELEFONISTA (OFF) Seu Francisco, é a sua esposa ao telefone. Ah, e um tal de Décio ligou pro senhor faz uma meiorinha, mas o senhor não estava na sala. FRANCISCO Obrigado. Pode passar a ligação. Ele atende e a tela irá se dividir em dois para ele conversar com sua mulher: FRANCISCO Francisco... Oi amor! IVONE Eu fui seqüestrada... FRANCISCO O quê? Como? E o Francisquinho? Meu Deus do céu... IVONE Calma, Francisco! Já está tudo bem, mas aconteceu uma coisa muito estranha. FRANCISCO Eu não tenho dinheiro para o resgate, meu Deus do céu! IVONE Já falei que tá tudo bem. A gente não está mais com os ladrões... E pra falar a verdade, até que foi bom. FRANCISCO Como assim? Foi bom?! Que conversa estranha é essa? IVONE Bobão. Não é que foi bom nesse sentido. Os caras eram uma espécie de... Como é que chama esse pessoal que entra nos computadores? FRANCISCO Hacker. IVONE Isso. E você nem vai acreditar. Eles entraram na minha conta, mudaram meu limite e sacaram 5 mil reais e deixaram uma boa grana comigo. FRANCISCO (MUITO PREOCUPADO, ELE REPETE PARA SI MESMO) Hackers. Hackers podem ser um problema. (voltando ao papo) Foi muito bom você ter me avisado. Muito bom. E você está bem, mesmo? O Francisquinho? IVONE Tá tudo ótimo. Os ladrões eram gente fina. Um beijo. FRANCISCO Outro, amor. Francisco desliga o telefone e decide entrar na conta do Duda para saber se está tudo bem. E ele tecla, tecla. Corta. EXT. CAIXA ELETRONICO 2 - DIA Monstro está entrando no carro, acompanhado de Karina. ALICATE E aí, Monstro? MONSTRO Micharia, Alicate. Limite de 300 reais. ALICATE Eu não acredito! Bonitona, gostosa desse jeito, amante de um bacanão e com esse limite?! KARINA É que o bacanão aqui, com todo o respeito, é mão-de-vaca pra pagar seus funcionários. MONSTRO Ah! Então quer dizer que estamos diante do típico caso de pessoas que comem carne onde se ganha o pão. ALICATE Isso não dá certo. MONSTRO Isso nunca dá certo. I/E. CARRO DE MARI // CAIXA ELETRONICO 2 (ø)- DIA Mari com o telefone no ouvido, dá um grito: MARI AHA! A ameba trabalha no escritório! A lumbriga é funcionária dele! Eles falaram, eles falaram! DÉIA Vai, Mari, põe esse aparelho aí no viva-voz! Mari o faz e ouvimos em off a discussão que rola no carro de Karina. DUDA Mão-de-vaca? Você acha isso, sério? É que eu sempre pensei que, sei lá, pelo trabalho que você faz, que é meio fraquinho, tava bom demais. Tô errado? KARINA Fraquinho? Fraquinha é a sua confecção, seu bundão inseguro. Se não fosse por mim você ainda estaria pensando na coleção de verão de 1970. E ainda estaria vendendo pra sacoleira! Flavinho, que até então não havia entendido por que Mari estava com o telefone grudado no ouvido fica espantado e comenta: FLAVINHO Meu Deus do céu! Então a senhora estava o tempo todo ouvindo essa conversa? MARI Não, Flavinho! Eu tava experimentando um novo brinco. FLAVINHO E como é que ia saber? DÉIA Quem é essa mulher aí, Flavinho? Trabalha na confecção e dá pro Duda. Flavinho, pasmo, recosta-se no banco e diz: FLAVINHO Só pode ser a Karina. MARI E DÉIA O FODÃO!? EXT. CAIXA ELETRONICO 2 - DIA Rola um bate-boca entre Duda e Karina e Monstro interrompe: MONSTRO Vamos parar com isso vocês dois?! A gente não tem nada a ver com a crise pessoal de vocês. Acho um desperdício abrir mão dessa belezura mas... Isso é com vocês. E assim dizendo, Monstro toca nos joelhos de Karina, que imediatamente segura sua mão e a puxa um pouco mais para cima. ALICATE Tem razão. Vamos ver o cartão do Mr. Dúvida. Teu limite é melhorzinho que o dela ou a sua confecção é uma bosta mesmo? Duda faz cara de “puto da vida”. I/E. CARRO DE MARI - DIA Todos estão rindo. FLAVINHO E como é que iria adivinhar? DÉIA (IMITANDO FLAVINHO) “O seu Abílio já pegou o Duda pelas costas”. MARI E o gerente do banco, que conhece todas as posições do Duda? DÉIA E tá tudo gravado! FLAVINHO Gente! Tudo bem, foi engraçado, mas tem gente sacaneando o seu Duda e a gente precisa fazer alguma coisa. E acho que a primeira coisa é chamar a polícia e mostrar o tape do Abílio fazendo a operação. MARI Que polícia, Flavinho?! O Duda não pode reclamar na polícia. Eu acho que a primeira coisa é ir ao banco falar com gerente, ver se a gente salva alguma coisa; essa conta do Duda é conjunta comigo. DÉIA Acho que o gerente não vai poder ajudar. Em todo caso, eu e o Flavinho, a gente poderia voltar pro escritório par ver se pega o bostão do Abílio, essa fita, faz um escândalo, e você vai pro banco. MARI Legal. Acho que é isso aí. Mari faz uma manobra para voltar ao escritório. Carro da Mari fora do Camera Car. INT. SALA DE FRANCISCO - DIA Francisco entrou na conta de Duda. De repente, se assusta e diz: FRANCISCO Meu deus do céu! Tem alguém mexendo na conta do seu Duda. Quando ele chegar do almoço e entrar na conta, vai achar que fui eu. Só eu tenho a senha além dele. Preciso ligar para o Décio, já! Francisco liga para o doleiro. FRANCISCO (CONT’) O Décio, por favor. (pausa) Como assim, “não está”? (quase exaltado) Eu preciso falar com ele. (pausa) Ok. Me desculpe. É que é... Muito urgente. Ok. Eu vou tentar o celular. Francisco desliga e tenta o celular, nervoso. FRANCISCO (CONT’) (puto) Caixa postal. Droga! Preciso fazer alguma coisa urgentemente! Ele se levanta e sai. EXT. CAIXA ELETRONICO 2 - DIA Duda e Monstro estão no caixa eletrônico. Duda está abrindo sua carteira, procurando seu cartão, sem sucesso: DUDA Droga! Cadê o maldito cartão? Será que eu deixei em casa, ou no escritório? O que você acha? MONSTRO Eu acho que esse é um péssimo momento para suas dúvidas. Ou você acha o cartão agora ou eu te mato. DUDA Claro, claro! Calma. Eu vou achar. Ou melhor... quer tentar? Você se incomoda em procurar? Monstro arranca a carteira das mãos de Duda, começa a procurar e, de repente, encontra o mesmo num compartimento “secreto”. Ele então olha para Duda, sorri e pergunta: MONSTRO É esse cartão? DUDA Putz! Obrigado, cara! Você salvou a minha vida. EXT. FACHADA DA CONFECÇÃO - DIA Carro de Mari no estacionamento da confecção. Déia e Flavinho descem, Mari dá meia-volta e sai com pressa. INT. SALA DE FLAVINHO - DIA Francisco procura por Flavinho. Espera um pouco, visivelmente nervoso, e decide bater na porta da sala de Duda. Bate uma, duas vezes, espera, bate outra vez e decide tentar a maçaneta: FRANCISCO Seu Duda, dá licença... Ele entra, vê que a sala está vazia e sai. INT. SALA DE SEGURANÇA - DIA Flavinho e Déia estão na sala de segurança. DÉIA Vamos ver esse tape, Flavinho. Eu quero ver esse traidor em ação. FLAVINHO Eu vou mostrar. Presta atenção. Ele dá um play e a fita começa a ser mostrada. Déia está muito séria. Ela então observa o canivete de Flavinho ali, ao lado do painel. Disfarçadamente, ele coloca a mão sobre o mesmo e em seguida o apanha. FLAVINHO (CONT’) Tá vendo, dona Déia? Tá tudo aí. Com essa fita, o Abílio, no mínimo, vai direto pra rua e pro lixo! DÉIA E você, vai direto para o inferno. E assim dizendo, Déia passa uma gravata em Flavinho e com o canivete corta sua garganta. Flavinho cai. Déia começa a mexer na mesa para tirar a fita. Mexe em vários botões, consegue ejetar a fita, recolhe a mesma, coloca dentro da bolsa, limpa o canivete das impressões, coloca o ouvido na porta para ouvir se alguém está no corredor. Abre a porta, fecha e sai com pressa. INT. SALA DE ABÍLIO - DIA Abílio está apanhando todas as suas coisas - passagem, papéis - e cantando “ciao, bella, ciao, bella”, quando, de repente, Francisco abre a porta. Abílio se assusta e vemos que ele joga o passaporte de volta na gaveta. Fica nervoso e vai em direção a Francisco. FRANCISCO Ôpa! Me desculpe, seu Abílio, eu... ABÍLIO Você costumava bater. FRANCISCO (LIGEIRAMENTE ALTERADO) Eu já pedi desculpas. ABÍLIO Calma, Francisco! Aconteceu alguma coisa? FRANCISCO Alguma coisa? Não... Quer dizer... Sim, um assalto. ABÍLIO (EMPALIDECENDO) Assalto? Onde? Como assim? FRANCISCO Eu recebi um telefonema de minha mulher e ela foi assaltada, mas já está tudo bem. ABÍLIO (SUSPIRANDO ALIVIADO) Ainda bem, hein, Francisco! Você me deu um susto. FRANCISCO Pois é. Agora, se o senhor me dá licença... Abílio fica feliz em saber que nada tinha a ver com seu golpe. ABÍLIO Ok, Francisco. A gente se fala. Um abraço à sua esposa e, precisando de alguma coisa, avise. FRANCISCO Muito obrigado, seu Abílio. Francisco se retira, Abílio vai pegar o passaporte na gaveta, mas a porta volta a se abrir. Ele volta a se assustar. Déia adentra o recinto, esbaforida. ABÍLIO O que é você tá fazendo aqui? Déia tranca a porta e começa a falar, nervosa. DÉIA Seu idiota, cretino, burro! ABÍLIO Ôpa! Mas o que é que está acontecendo aqui? Déia enfia a mão na bolsa e tira a fita. DÉIA Quer saber o que está acontecendo aqui? Aqui nessa fita a gente vê o idiota do Abílio roubando o idiota do Duda, na sala dele, no computador dele. E se você for na sala de segurança, onde tudo isso foi gravado, você vai encontrar a bicha do Flavinho morta, porque foi ele quem gravou tudo e me mostrou. Abílio fica em silêncio por alguns segundos e então começa a rir. DÉIA Tá rindo do quê, idiota? ABÍLIO Rindo de uma assassina idiota que vai ser presa. DÉIA O quê? Como? Que merda é essa que você está dizendo? Você vai preso junto comigo! ABÍLIO Eu??!! Por quê? O que é que eu roubei e quem foi que eu matei? DÉIA Roubou o Duda. Tá tudo aqui. ABÍLIO Caixa 2, amorzinho! Esse dinheiro nunca existiu. O Duda jamais poderia dar queixa do sumiço dessa grana. E ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão. Já uma assassina... DÉIA Não acredito que eu matei o cara à toa! ABÍLIO Pois é. Matou, sua burra! DÉIA Como você é grosso! ABÍLIO Talvez por isso você me ame tanto. Agora me dá essa fita. DÉIA Nem morta. Pode ser que não sirva pra te levar em cana, mas vai servir pro Duda descobrir. E, quem sabe, ele manda alguém te matar. ABÍLIO Escuta uma coisa. A gente armou esse plano pra pegar a grana, sumir e viver numa boa em algum lugar do mundo longe dessa porcaria toda. De repente, você se transforma em assassina, quer que eu seja assassinado... qual é, Déia? Déia fica pensativa, senta no sofá e suspira: DÉIA Como eu fui burra! Por que eu não pensei nisso antes? Tinha que ter matado o Flavinho? E agora, Abílio ? Você vai me ajudar? Putz! Não te falei do pior. O Duda e a Karina estão no meio de um seqüestro e a Mari tá indo falar com o gerente do banco porque o Flavinho contou tudo. ABÍLIO Que maravilha! Você tem mais alguma notícia boa? DÉIA Deixa eu ver: um assassinato, um seqüestro, já descobriram tudo... ABÍLIO Cacete! A gente precisa é cair fora logo. Não vai dar pra esperar. A gente vai ter que ir pro aeroporto agora e pegar um avião pra qualquer lugar. Teu passaporte taí? DÉIA Claro que não. Tá em casa. ABÍLIO Tudo bem. A gente dá uma passada lá. DÉIA E o corpo do Flavinho? ABÍLIO Dane-se. Na verdade ninguém entra naquela salinha de voyeur do Seu Duda. Deixa lá. Quando começar a feder a gente já vai estar longe. Agora vamos embora daqui passar no doleiro e pegar a grana. Déia e Abílio saem juntos da sala mas, antes de abrirem a porta, trocam um beijo cheio de tesão. Eles saem e vemos a gaveta na qual Abílio esqueceu o passaporte. INT. BANCO - DIA Mari está sentada com o gerente, que está espantado ao ver a tela de seu computador. GERENTE Realmente, dona Mari, alguma coisa estranha aconteceu. O seu Duda fez uma série de movimentações hoje, entre meio dia e 14 horas. Não tem quase mais nada. EXT. CAIXA ELETRONICO 2 - DIA Todos na praça e Duda está puto. DUDA (TRANSTORNADO) Eu tava com esse feeling. Eu tava sentindo que ia dar merda. Mas eu não podia imaginar esse tipo de merda. Me pegaram direitinho! Pela primeira vez na vida, eu não tenho dúvida que me pegaram de jeito. Não é isso? Você viu, não viu? O trabalho de uma vida inteira! KARINA O roubo de uma vida inteira. DUDA (DESCONTROLADO) Dá pra calar essa boca? MONSTRO Ôpa! Olha como fala. Eu não vou tolerar esse tipo de baixaria aqui. ALICATE O que é aconteceu, afinal? MONSTRO Computadores, meu querido. Descobriram a senha dele e fizeram uma bela limpeza. ALICATE E você não consegue dar um jeito nisso, Monstro? MONSTRO Nem pensar. Isso é trabalho de profissional. Entraram no banco e na conta dele. Além do mais, o cartão dele tá bloqueado. ALICATE Aliás, por que a gente não vai até esse banco pra tirar o que sobrou? DUDA Não sobrou porra nenhuma! Porra nenhuma! Uma vida de trabalho, de terapia, de suborno, e vem um desgraçado de um informático... MONSTRO Hacker. DUDA Que se dane a profissão desse filho de uma mãe suspeita! Ou tô errado? ALICATE Nem “milzinho”? MONSTRO Um pouco mais. E você tá certo, Alicate, milzinho já tá de bom tamanho. DUDA Escuta, (e leva a mão até o bolso onde está o celular) eu posso dar um telefonema? ALICATE Pra quem? Pra polícia, pro seu advogado, pro doleiro ou pro informático? Nada disso. A gente vai pro seu banco. DUDA Vocês não poderiam passar antes no meu terapeuta, ou num bar? Eu preciso comer um bolinho de bacalhau. Vocês não gostam de bacalhau? Todos estão entrando no carro, que parte. INT. BANCO - DIA Mari, ouvindo, dá um grito. MARI Eles estão vindo para cá! Eles estão vindo para cá! GERENTE Quem está vindo para cá? MARI Os ladrões, o meu marido e a vagabunda, mas talvez eles parem pra comer um bolinho de bacalhau. O gerente fica entre espantado e pasmo. Mari, por alguns segundos, fica muito aflita e deixa o celular sobre a mesa do gerente enquanto guarda o cartão do banco na sua bolsa. I/E. CARRO DE KARINA - DIA Duda tem um sobressalto e diz: DUDA No escritório! Deve ser alguém do escritório e eu tenho um sistema de segurança que grava tudo. Deve estar tudo gravado. KARINA Ôpa, ôpa! Que história é essa de sistema de segurança que grava tudo? Eu nunca soube disso! DUDA Se todo mundo ficasse sabendo, deixava de ser seguro. KARINA E por acaso esse sistema gravou a gente... Gravou? DUDA É... algumas vezes. KARINA (FURIOSA, DANDO SOCOS NO DUDA) Seu cafajeste, mau-caráter, tarado... Monstro ajuda Karina a socar o Duda. MONSTRO Cafajeste, tarado, mau-caráter. ALICATE Chega, gente! Vamos parar com essa zona?! Isso aqui é um assalto ou não é? Você que deveria dar o exemplo, Monstro, fica aí, envolvido com a assaltada. Qual é, cara? MONSTRO Tá certo, cara, desculpa. É que esse cafajeste vai acabar me tirando do sério. DUDA (SE REFAZENDO DOS SOCOS) Vamos lá pro escritório A gente descobre tudo, se Deus quiser! E se Deus quiser eu recupero essa grana. Vamos para o escritório. MONSTRO Pausa. Um segundo da sua atenção, por favor: o senhor vai me desculpar, não é implicância não, mas o senhor não se sente nem um pouquinho incomodado em repetir tantas vezes o nome Dele em vão? DUDA Em vão? Diante de toda essa injustiça da qual eu estou sendo vítima, você me diz que é em vão? Pelo amor de Deus! MONSTRO O senhor matou, traiu, roubou, prevaricou e continua dizendo o nome Dele?! DUDA Peraí! Deus é mais! MONSTRO É mais o quê? DUDA Como assim? MONSTRO Você disse que Deus é mais e eu quero saber o que ele é mais. DUDA Deus é mais amor, é mais vida, é mais você! ALICATE (RINDO) Deixa pra lá, Monstro. Vamos lá pro escritório dar um rapa nos filhos, nos primos e nos sobrinhos de Deus e voltar pra nossa casa. MONSTRO Deus te ouça. E Monstro liga o rádio, em alto volume, procura uma estação e encontra O Homem de Nazaré, de Antônio Marcos, e começam a cantar: TODOS (MENOS O DUDA É CLARO) “Ei, irmão! Vamos seguir com fé, tudo que ensinou, o Homem de Nazaré!” INT. BANCO - DIA Mari volta a ouvir o celular. MARI O que é isso? Eles estão orando?! GERENTE Eu vou chamar a segurança. MARI Não faça isso. GERENTE Como assim? A senhora me diz que os ladrões estão vindo para cá e eu não devo chamar a segurança?! MARI O senhor não pode chamar a segurança porque aí o meu marido teria que dar muitas explicações, se é que o senhor me entende. GERENTE Mas eu não posso permitir a entrada de ladrões... MARI Ladrõezinhos. INT. SALA DE SEGURANÇA - DIA Flavinho está jogado no chão, mas começa a se mexer. Ele então coloca a mão na garganta e sente o sangue e olha o sangue. Mas foi apenas um corte superficial, evidentemente, não na jugular. Ele se senta e pensa em voz alta. FLAVINHO Santa Greta! A Déia! A Déia mancomunada com o Abílio, usando a Karina... Que sacanagem. E o pior é que a vadia nem sabe onde fica a jugular de uma pessoa. Ele se levanta, começa a olhar o painel e percebe que a fita foi roubada. FLAVINHO (CONT’) Claro! Levou a fita. Que merda. Ai, ai, ai, que enrascada. Não dá pra chamar a polícia, não dá pra ligar pro seu Duda nem pra D. Mari, não adianta ligar pra Karina... Peraí! I/E. CARRO DE ABÍLIO // SALA DE ABÍLIO (ø) - DIA Abílio e Déia estão indo ao apartamento de Déia pegar o passaporte dela. O celular toca e Abílio atende. ABÍLIO Alô! Flavinho está na sala de Abílio, que está bastante revirada. Flavinho, com um lenço no pescoço para estancar o sangue, sentado na cadeira giratória, se sentindo poderoso, segura o passaporte de Abílio nas mãos. FLAVINHO Eu estou vivo. E estou com seu passaporte. E assim dizendo, Flavinho desliga. Abílio fica puto, coloca a mão no bolso do paletó, percebe que esqueceu o passaporte e faz uma meia-volta radical enquanto diz à Déia. ABÍLIO Como eu sou burro, como você é incompetente! DÉIA Como assim? O que aconteceu? ABÍLIO O Flavinho; acabou de me ligar e dizer: “eu estou vivo” e estou com o seu passaporte. Burro! Burro! E você, sua incompetente, nem matar aquela coisinha frágil você conseguiu?! DÉIA Tudo bem. Formamos uma dupla de imbecis. E agora? ABÍLIO A gente vai ter que voltar lá. DÉIA E você acha que lá chegando ele vai dizer: “Tá aqui se passaporte, seu Abílio. Boa viagem!?” Abílio sorri, olha de lado para Déia e diz. ABÍLIO Nem que eu tenha que matar pra valer esse desgraçadinho; mas eu vou sair de lá com meu passaporte. I/E. CARRO DE KARINA - DIA Estamos ouvindo uma música romântica, Wando, e Monstro, olho no olho de Karina, vai cantando junto “deixa eu te amar, faz de conta que sou o primeiro, na beleza desse olhar...” E Alicate abaixa um pouco a música e pergunta: ALICATE Peraí! Mas o que é que o senhor vai fazer quando chegar lá no escritório? Vai reunir todo mundo e perguntar quem lhe roubou o caixa dois de uma vida? DUDA Eu já falei, não falei? Eu quero olhar a minha sala de segurança e ver se eu descubro o crápula. Ou será que eu tô errado em querer descobrir o crápula? MONSTRO Não, cara. Tudo bem. Você não tá errado. DUDA Se eu tiver errado você pode falar. Mas eu acho que não tô. Ou será que tô? ALICATE Chega! Pelo amor de Deus! Pára com essas dúvidas, pára que eu não agüento mais! KARINA Hum. Até na hora de transar é assim. (imitando Duda) Assim tá legal, bicoca? Tô respirando muito forte? Tô pesado? Tô transpirando na sua nuca? Quer que eu me enxugue? ”É um banco de dúvidas 24 horas!”. DUDA Você acha mesmo, Bicoca? Todos ameaçam dar uma porrada em Duda, que se encolhe. INT. BANCO - DIA Mari ouve. MARI Ai, cacete! Eles não estão vindo para cá. Estão indo pro escritório! E assim dizendo, Mari apanha sua bolsa e sai correndo, sob o olhar estupefato do gerente, que nada entende. Mari sai do banco, cruza com um casal bastante suspeito. Ele com cara estranha, apesar de bem arrumado, e ela com jeito de vagabunda. E o casal senta na frente do gerente. GERENTE Pois não? O camarada entrega um bilhete ao gerente. A câmera mostra o bilhete: “Ela está apontando uma arma para o senhor (a câmera mostra a moça com a mão dentro da bolsa, na direção do gerente). Aqui dentro estão mais 5 companheiros (o gerente dá uma olhada geral e, claro, todos parecem suspeitos) e nós queremos apenas 50 mil reais.” O gerente fala baixinho. E os bandidos também, muito discretos, irão falar baixinho. GERENTE (CONT’) O seu Duda não tem mais esse saldo. Os ladrões não entendem nada e prosseguem, no mesmo tom do gerente. LADRÃO Não precisa ser da conta do seu Duda. Qualquer 50 mil serve. GERENTE Mas isso é um assalto. LADRÃO Exatamente. Isso é um assalto. GERENTE E como é que o detector de metais não detectou essa tal arma na bolsa dela? LADRÃO Glock. É uma pistola feita de porcelana. GERENTE Não me diga! De porcelana? Eu gostaria de ver uma dessas... Claro, um outro dia qualquer. Uns instantes de silêncio, os ladrões mantêm um sorriso nos lábios e o gerente diz: GERENTE (CONT’) A D. Mari foi para o escritório. Ela pensa que vocês foram para lá. LADRÃO Não diga? A D. Mari foi para o escritório? Certo, certo. A gente se encontra com ela depois. Agora, se o senhor puder providenciar o dinheiro... E se a gente demorar um pouquinho mais, a rapaziada tem ordens de começar a fazer a festa. GERENTE Todos com a Clock? LADRÃO GLOCK, com G de gatuno. GERENTE A festa das Glocks. Pum, pum! LADRÃO Pum pum pum pum pum! GERENTE Ok. Eu vou solicitar o dinheiro. INT. BANHEIRO - DIA Flavinho está no banheiro, lavou sua ferida e fez um curativo. FLAVINHO Vamos pensar: o Abílio deve estar vindo para cá. Será que ele vai tentar acabar comigo de vez? Se eu fosse ele, eu faria isso. Nesse caso, suspeitando disso, o que eu faria? Eu faria de tudo para ter mais pessoas ao meu lado. E aí, se eu fosse ele, o que eu faria? Tentaria me tirar do meio das pessoas. Mas eu não sairia. Ótimo! Podemos passar uma vida assim. Mas seu eu for encontrar com a D. Mari... Será que a gente não vai se desencontrar? Pensa, bicha, pensa! Já sei! Eu vou ligar pro banco, claro! Flavinho apanha o telefone e começa a procurar o telefone na agenda para discar. I/E. CARRO DE KARINA – DIA DUDA Pessoal, é o seguinte: tenho uma dúvida. MONSTRO, ALICATE E KARINA Não diga?! DUDA É sério. O pessoal da segurança do prédio vai estranhar se a Karina não entrar dirigindo o carro. Se eles estranharem, vai pintar uma suspeita. Vocês acham que tudo bem? Monstro e Alicate trocam olhares. MONSTRO O que você acha, Alicate? ALICATE Procede. Deixa ela dirigir. EXT. RUA INDUSTRIAL STOP - DIA Eles então param o carro e se preparam para fazer a troca, mas aí o Monstro tem uma crise: MONSTRO Peraí! Como assim, levantar suspeitas? A gente não tem cara de bandido! KARINA Eu também acho. Você, aliás, é bem bonitão. DUDA Pô, Bicocona! O cadáver do nosso caso nem esfriou e você já tá de olho no monstrinho do Monstro? Monstro fica puto e dá uma coronhada na cabeça de Duda, que desmaia. Karina grita. ALICATE Ficou louco, cara! Você matou o sujeito?! E agora?! I/E. CARRO DE MARI // RUA INDUSTRIAL STOP (ø) - DIA Ela se desespera ao ouvir isso: MARI Mataram o Duda?! Meu Duda, meu Dudinha? Morto? Meu Deus do céu. Isso não! Tela se divide para mostrarmos Mari e o que está acontecendo no carro do Karina. MONSTRO Matei nada! Uma coronhada não mata ninguém! (ele fica entusiasmado) E funciona, cara! Funciona! Eu nunca tinha feito isso e sempre achava, nos filmes, que quando o cara levava uma coronhada, o máximo que ele iria dizer era: ”Ai, ai, meu! Isso dói!” Mas funciona! Karina tenta socorrer Duda. KARINA Acorda, Bicoco! Você tá morto? Responde se você tá morto! MARI Responde se você tá morto. Essa ameba se supera a cada frase, a cada pensamento. MONSTRO Ôpa! Qual é a sua, moça? A gente tava se entendendo tão bem! ALICATE Mulheres, Monstro! Mulheres! MARI Não generaliza. Eu não tenho nada a ver com esse tipo de bactéria intestinal. Duda começa a acordar, Karina fica feliz. KARINA Você tá vivo, Bicoco! Graças a Deus! MARI Tá vivo! Graças a Deus! Quer dizer: que pena. Tava louca pra usar aquele meu pretinho básico no velório. E Duda, ao se recuperar e ver que Karina o beija, a afasta e diz : DUDA Desculpa, Bicoca, mas essa pancada me fez ver as coisas com mais clareza. Agora eu não tenho a menor dúvida que o seu coração é cheio de amor, mas a sua ursinha de pelúcia é muito carente. Monstro ameaça dar outra coronhada nele. MONSTRO Olha como fala, cara! Dessa vez eu te acerto a carótida! MARI Ursinha de pelúcia carente! Que coisa linda de se ouvir! ALICATE Carótida? Como é que você vai acertar a carótida com a coronha da arma? MONSTRO Sei lá! Mas se ele ofender mais uma vez a minha fofolucha eu mato ele! MARI “Fofolucha”?! Essa mulher atrai os piores apelidos! Blerg! ALICATE Que imbecil. Não tá vendo que a... A sua “fofolucha” - blerg - ainda é apaixonada pelo cara? KARINA Eu? Apaixonada por esse ingrato grosseirão e pobretão? Pode matar. Já encontrei um motivo maior para preencher minha carência. De repente, todos começam a discutir ao mesmo tempo e não se entende mais nada. INT. SALA DE FLAVINHO- DIA Flavinho está ao telefone. FLAVINHO Ai, que inferno! Eu sei que a minha ligação é muito importante para vocês, sei que vocês estão trabalhando para a satisfação total do cliente, sei que vocês dispõem de linhas de crédito mas eu quero falar com a porra do gerente!!!! Alô, alô! Oi querida. Me chama o Vergara... É o Flavinho da Bella. Eu aguardo. Eu sempre aguardo. EXT. RUA INDUSTRIAL STOP - DIA A discussão parece ter chegado ao fim. DUDA E aí? O que a gente faz? ALICATE Tudo bem, passa pra cá. Alicate sai do carro, dá a volta e manda Karina pular para o banco do motorista. Ela senta, se ajeita e Alicate avisa. ALICATE (CONT’) Preciso repetir a célebre frase? MONSTRO Deixa que eu falo, deixa que eu falo: “Não tente nenhuma gracinha, boneca!” Yes! Sempre quis usar essa frase! KARINA Você é bom. Deveria tentar ser ator. EXT. RUA DO FAROL - DIA Mari está presa no tráfego, puta da vida, buzinando. MARI (IMITANDO KARINA) “Deveria tentar ser ator”. Essa mulher é uma Salmonella, uma Giardia, um bacilo de Koch... Como é que o meu marido pôde... Surge um vendedor de panos de prato em seu vidro. VENDEDOR Olhaí, patroa! 5 panos por 10. Mari abre o vidro e fica olhando para o rapaz, que prossegue. VENDEDOR (CONT’) Tá bom, patroa. 7 por 10. Ela continua olhando e pergunta. MARI Você acha que eu sou uma bosta de mulher? VENDEDOR (SEM JEITO) O que é isso, patroa? Tudo bem. Leva 10 por 10! MARI Você me trocaria por uma bunduda peituda? VENDEDOR Pelo amor de Deus, patroa. Essa é a melhor oferta que eu posso fazer. Seja a senhora bunduda ou peituda. MARI Aqui tá tudo original. Não siliconei nada, me cuido, não como carne vermelha. Tá tudo certinho. Ou não? Fala a verdade. Pode falar. VENDEDOR Deixa eu dar um bico nas suas coxas. Mari, sem pensar começa a subir a saia quando cai a ficha. MARI Tarado! Idiota! Polícia! Polícia tem um tarado aqui! O vendedor se apavora e cai fora rapidinho. O trânsito começa a andar e todos começam a buzinar para Mari, que cai em si, engata a marcha e arranca. Mas, no arrancar, acaba batendo no carro da frente. INT. BANCO // SALA DE FLAVINHO(ø) - DIA Os ladrões estão deixando o banco. O gerente fala ao telefone. GERENTE Pois não, seu Flavinho. Tela se divide para Flavinho e Vergara conversarem. FLAVINHO Pelo amor de Deus, seu Vergara! Que demora! GERENTE É que eu estava sendo assaltado. Aliás, sendo assaltado pelos amigos da sua patroa, a D. Mari. FLAVINHO O quê? Eles foram aí com a vagabunda? GERENTE Exatamente. Eles, a vagabunda e sua pistola Glock de porcelana. FLAVINHO Pistola o quê? GERENTE Esquece, Flavinho. Foi uma parte enriquecedora do assalto mas acho que não vem ao caso. FLAVINHO E a D. Mari, seu Vergara? Ela está bem? GERENTE Ela saiu alguns instantes antes do assalto e acho que foi para o escritório. E eu estou mandando dois detetives até aí. Flavinho rapidamente desliga. Tela cheia com Flavinho, que está preocupado. FLAVINHO Minha Santa Greta! Que puta zona! Eu não posso ficar esperando a D. Mari sozinho. Se o bostão do Abílio chega antes da polícia... preciso fazer alguma coisa. EXT. RUA DO FAROL - DIA Confusão, buzinaço, Mari tentando conversar com o motorista de táxi no qual ela bateu. MARI Tudo bem. A culpa foi minha. Eu pago tudo. Meu marido é rico... Quer dizer... Era rico, mas ainda dá pra encarar uma funilaria. Eu vou lhe dar o meu cartão. Mas, como bom motorista da praça, o pentelho parece nem ouvir o que Mari diz e passeia, e olha, e examina, e balança a cabeça. MARI (CONT’) O senhor tá me ouvindo? Eu pago tudo. Tudo. MOTORISTA Foi feia a coisa. MARI Como, feia? Não foi nada. Um amassadinho, uma lanterna... MOTORISTA Foi feia a coisa. MARI (SUSPIRANDO DE SACO CHEIO) Ok. Foi feia a coisa. Vai ser uma conta feia e eu vou pagar toda essa coisa feia. Agora pega esse cartão e me deixe ir embora. MOTORISTA Foi feia a coisa. INT. SALA DE DUDA - DIA Flavinho e mais vários colegas do escritório estão brincando de videokê na sala de Duda. Flavinho está cantando Born Free. Ele termina de cantar, a turma aplaude e uma das colegas pergunta: COLEGA Tem certeza que o seu Duda não vai ficar bravo, Flavinho? FLAVINHO Magina! Ele me pediu par deixar o videokê à disposição de vocês. Ele quer que as pessoas aqui dentro sejam mais felizes. Ele trouxe esse aprendizado de um curso de neurolingüística que ele fez recentemente. COLEGA Mas a gente tá no meio do expediente! FLAVINHO Isso é apenas um detalhe, querida. Vai, vai, que música você vai cantar? INT. GARAGEM DA CONFECÃO - DIA Duda estaciona o carro. Todos saem e se dirigem à escada. Nisso, Karina pede licença para conversar com Monstro em particular. KARINA Antes de a gente entrar, será que eu poderia ter um particular com você, rapidinho? MONSTRO Agora, Fof? KARINA Agora. MONSTRO Algo contra, Alicate? ALICATE Contra? “Magina”! Acho supernormal o assaltado querer uns minutos a sós com seu assaltante antes de roubar todos seus amigos. Acho supernormal assaltar pessoas que foram assaltadas por hackers. Acho que tá tudo normal. Aliás, Bicoco, se você quiser ir tomar um café, normal, a gente espera. DUDA Sério? Um cafezinho até que caía bem. Ou não? KARINA É rapidinho. Por favor. Alicate dá de ombros. Karina puxa Monstro para um canto e diz: KARINA (CONT’ – SEM GRAÇA) Olha, Monstro, eu nem sei como te dizer isso... Mas a gente vai ter que parar de se ver... Quer dizer: a gente vai... MONSTRO Peraí, Fof! Cê tá querendo acabar tudo que nem começou? KARINA É. Mais ou menos... Quer dizer: é isso. Eu tô num momento muito delicado da minha vida. Eu não posso te contar, mas tá muito delicado e... Encontrar você mexeu comigo, mexeu mesmo, mas na hora errada, se é que você me entende. MONSTRO Não entendo, Fof. Você não terminou tudo com o Dúvida? Você não é uma mulher livre? KARINA Pois é. Infelizmente... Não. MONSTRO Não??!! KARINA Mas não é o que você tá pensando, mas eu não posso te explicar agora. MONSTRO Não precisa explicar nada. Mas a gente podia ser amantes! O que você acha? Você tem prática nisso. KARINA É verdade. Eu tenho sido boa nisso, mas acho que chegou a hora de parar com isso. Você me perdoa? MONSTRO (PUXANDO KARINA PRA PERTO DE SI) Amar é jamais ter que pedir perdão! E ambos trocam um beijo sincero. EXT. RUA DO FAROL - DIA Mari continua discutindo com o chofer de praça, mas eles já estacionaram no meio-fio e parece que estão perto de um acordo. INT. SALA DE DUDA - DIA O videokê virou uma festa. Flavinho está dando um verdadeiro show, agora interpretando As time goes by. Chegaram cervejas, salgadinhos... EXT. FUNDOS DA CONFECÇÃO - DIA Abílio entra na confecção, mas vai para os fundos, onde estaciona seu carro. INT. GARAGEM DA CONFECÃO - DIA Duda e Alicate conversam enquanto Monstro e Karina terminam de se beijar ao fundo. ALICATE E aí? Já pensou quem pode ser a pessoa que te passou a mão? DUDA Olha, Alicate; pela primeira vez na vida eu não tenho a menor dúvida... Porque não faço a menor idéia. ALICATE Você tem sócio? Ele sabia a tua senha? DUDA O Abílio? ALICATE Sei lá! Teu sócio se chama Abílio? Karina e Monstro se aproximam. DUDA Abílio é o nome do meu sócio. Mas ele não sabe da minha senha. Ninguém sabe... quer dizer, eu sei e o Francisco também sabe. ALICATE Então foi o Francisco! DUDA O Francisco??! Nem pensar. O Francisco é o cara mais Caxias e mais honesto que eu já conheci na vida. KARINA Tá vendo?! Quando chega a hora de você ter uma dúvida que valha a pena, você tem uma certeza estúpida. Se só o Francisco sabia a senha, quem mais poderia ter sido? MONSTRO É. Concordo com ela. ALICATE Eu também. DUDA Sério? Não. Não vou aceitar isso. A não ser que você, (olhando para Karina) o tenha seduzido. Karina não deixa de sentir o golpe e contra-ataca. KARINA Pois é. Pode até ter sido a sua querida esposa que de repente seduziu o Francisco... Duda ameaça reagir, ela se aconchega mais ao lado de Monstro. Duda, no entanto, sorri e diz: DUDA Olha bicoca, até que eu acho que seria uma bela lição pra mim! Uma facada espetacular do destino. I/E. CARRO DE MARI - DIA Mari sozinha no carro, dirige nervosa. MARI Com o Francisco? Só me faltava essa. EXT. FACHADA DA CONFECÇÃO - DIA Viatura da polícia chega. Viatura de detetive, só com a luz sobre a capota. Detetives saem do carro e se dirigem à recepção. Não há ninguém na recepção e eles vão entrando, enquanto conversam. POLICIAL 1 Eu acho que é muito melhor ser surdo do que ser cego. POLICIAL 2 Sei não. Pega a gente como exemplo: seria melhor se a gente fosse cego. Nunca mais precisar olhar um cadáver rasgado de faca, um camarada podre na beira de um barranco... POLICIAL 1 Tudo bem. Mas se eu fosse cego eu não seria detetive, e aí seria muito chato. POLICIAL 2 Pega o Ray Charles, o Steve Wonder, o José Feliciano. Já imaginou se eles fossem surdos? Hein?! POLICIAL 1 Putz! É mesmo. Mas imagina se o Beethoven fosse cego. POLICIAL 2 Verdade. Tinha esquecido do Beethoven, se bem que este exemplo é muito isolado. Mas eu ainda acho que não ter uma perna é muito melhor do que não ter um braço. POLICIAL 1 De jeito nenhum. Quem não tem perna, seja uma ou duas, é aleijado. Se a tua filha, por exemplo, começa a namorar com um cara sem braço, você vai dizer assim: minha filha está namorando um cara sem braço. Mas se o cara não tiver uma perna você vai dizer: minha filha está namorando um aleijado. Percebeu a diferença? Os dois andam pelos corredores e entram numa porta. INT. ESCADA SECUNDÁRIA - DIA Abílio e Déia sobem a escada (estúdio 3). De cara estranham o silêncio. ABÍLIO Cadê todo mundo? DÉIA Tem alguma coisa estranha por aqui. ABÍLIO É. Tem alguma coisa estranha. INT. SALA DAS MÁQUINAS - DIA Policiais andam pela sala das máquinas e continuam papo-aranha: POLICIAL 1 Eu tô achando que a gente se perdeu. POLICIAL 2 É melhor se perder de vez em quando do que ter micose na virilha. POLICIAL 1 Mas é muito mais gostoso coçar uma micose de virilha do que parar num posto de gasolina e perguntar... Duda e sua turma estão subindo as escadas que vêm da garagem, ao mesmo tempo em que os policiais chegam pela sala das máquinas. POLICIAL 1 ...Eu sou policial e... Claro que todos se assustam fortemente ao verem e ao ouvirem “Eu sou policial” e tem início uma rápida e histérica gritaria. ALICATE Sujou, Monstro. Polícia! MONSTRO Sujou, Alicate. Polícia! Os policiais também se assustam e sacam suas armas. E, instintivamente, Monstro apanha Karina, Alicate apanha Duda e ameaçam. MONSTRO (CONT’) Eu mato a moça. ALICATE Eu mato o cara. I/E. CARRO MARI - DIA Mari, dirige. MARI Meu Deus do céu! Polícia! Agora o Duda morre ou vai preso. Eu preciso chegar lá! INT. SALA DAS MÁQUINAS – DIA POLICIAL 1 Ninguém vai matar ninguém. Deixa os dois. A gente só quer o dinheiro do assalto de volta. MONSTRO Dinheiro do assalto? Você chama aquilo de dinheiro? POLICIAL 2 Eu não sei quanto você ganha, cara, mas pra mim é uma bela grana. ALICATE Vocês ganham muito mal, eu sei, mas não pensei que fosse tão mal assim. POLICIAL 1 (OLHANDO PARA O COLEGA) Cacete! Estamos diante de dois milionários. ALICATE Cacete! Estamos diante dos policiais mais pobres do mundo. DUDA Calma todo mundo! Os caras são legais. Tá tudo bem. Eu até sei que parece que não está. Mas está e eu... Eu... Eu estou certo disso! KARINA É isso aí, seu guarda. O Monstro aqui é um amor de pessoa. POLICIAL 1 “Seu guarda” é aquele que namorava sua mãe atrás da igreja! Monstro aponta a arma para o policial e fica puto. MONSTRO Olha como fala, seu desgraçado! Ou você respeita a moça ou eu te mato. POLICIAL 2 Cala a boca, palhaço. Você tá na minha mira. E eu fui o campeão de tiro na academia. MONSTRO Parabéns, nota cem! Mas eu também sou muito bom nisso, tá? Posso acertar sua hipófise e deixar você aleijado. ALICATE Pô, Monstro! Coronhada na carótida, acertar a hipófise pra deixar o cara aleijado... Você tá precisando urgente de umas aulas básicas de ciência, cara! POLICIAL 2 Por mim, tudo bem. É melhor não ter uma perna do que não ter um braço. POLICIAL 1 Mas se ele errar, de repente você pode ficar cego, que é bem pior do que ser surdo. ALICATE Se eu fosse cego eu tava perdido. Nunca vi um dentista cego. Surdo até que seria uma benção. Nunca mais ouvir aquele motorzinho, gente gemendo. POLICIAL 1 (PARA KARINA) Você preferiria transar com um cara sem perna ou com um cara sem braço? KARINA Eu nunca tive esse tipo de tara. MONSTRO Se eu não tivesse uma perna você transaria comigo? KARINA Acho que sim, se o resto estivesse funcionando... POLICIAL 1 Mas imagine o cara tirando a roupa, tirando a prótese. Você ali com aquela aranha esquisita: uma perna grandona, a genitália no meio e um cotôco do outro lado. KARINA O que importa é o sentimento. Monstro a beija e ela pisca para ele. EXT. FACHADA DA CONFECÇÃO - DIA Mari está parando o carro, ouve mas não acredita. MARI Eu não acredito. Tá todo mundo maluco. INT. CORREDORES SECUNDÁRIOS - DIA Abílio e Déia caminham por corredores apertados, com cautela. Vão falando e andando. DÉIA Peraí! E se a Mari apareceu, falou com o Flavinho e eles chamaram a polícia e só estão esperando a gente aparecer pra confirmar a história? ABÍLIO Mas você acha que a Mari ia chamar a polícia pra ferrar também com o Duda? DÉIA Ah, meu amigo! As coisas que essa moça ouviu hoje são capazes de fazer qualquer mulher enlouquecer. ABÍLIO Mas precisava deixar o escritório vazio? E aí? O que é que a gente faz? DÉIA Sei lá, mas isso tá com cara de tocaia. Quer arriscar? ABÍLIO Não tem jeito, eu tenho que pegar meu passaporte. E, assim, os dois se dirigem para a porta interna. INT. SALA DAS MÁQUINAS - DIA Déia e Abílio abrem a porta na área das escadas e dão de cara com a confusão de Duda, sua turma e os policiais. A primeira reação, claro, é de medo e Déia grita e se lança para os braços de Abílio, que a acolhe. Como sempre, a confusão de textos e falas: “polícia”, “calma”, “eu te mato”, “todo mundo quieto” e por aí vamos até que Karina estranha a acolhida. KARINA Abílio ?! Quem é essa mulher??! DUDA “Abílio quem é essa mulher?”. Essa mulher é a Déia! Ou não? Ou é alguém que é idêntica à Déia? INT. RECEPÇÃO DA CONFECÇÃO - DIA Mari ouvindo no celular, também se espanta: MARI Abílio e Déia? Será que ele a pegou de refém? Mari avança para o interior. INT. SALA DAS MÁQUINAS - DIA O clima é superestranho até que um dos policiais grita. POLICIAL 1 Todo mundo calado! Isso aqui tá uma puta zona! POLICIAL 2 Nessa eu não tinha pensado. Um policial mudo seria muito estranho. Nesse caso é melhor não ter um braço. INT. SALA DE DUDA - DIA A festa rola solta e, numa pausa, Flavinho diz: FLAVINHO Maravilha, gente! Mas acho que já está na hora do uisquinho. Já volto. Flavinho sai da sala. INT. SALA DAS MÁQUINAS - DIA Mari chega até o local da confusão pela mesma entrada por onde chegaram os policiais e grita e mais uma vez todos voltam a gritar até que o Policial 1, de saco cheio, volta a gritar histericamente. INT. SALA DE FLAVINHO - DIA Flavinho vai até sua mesa apanhar um litro de uísque escondido em uma das gavetas. Ouve a confusão, se assusta e corre em direção ao topo das escadas. INT. TOPO DA ESCADA - DIA Flavinho olha de cima a confusão lá em baixo. FLAVINHO Minha Santa Greta! Deu merda! Ponto de vista de Flavinho. Vemos Mari passando entre os dois policiais. MARI É ele, Duda! Esse teu sócio parasita desgraçado... INT. SALA DAS MÁQUINAS - DIA Mari continua. MARI ...Que armou com essa ameba, com essa giardia intestinal! No restaurante, ela ligou pro cara e disse a senha, quer dizer, chutou, o dia da morte do Sávio. Eles te roubaram toda a grana! Duda fica pasmo, sem reação. KARINA Giardia intestinal? Isso é ruim? Mari tenta partir para cima dela mas Monstro intervém. DUDA Abílio? Karina? Bilhão? Bicoca? Não. Eu preciso ligar pro meu terapeuta agora, já! ABÍLIO Eu acho que tua mulher pirou. MARI Pirei é?! Pergunta pra Déia, ela ouviu tudo! Fala, Déia! DÉIA (CÍNICA) Desculpa, Mari, mas eu não sei do que você está falando. Nisso entra o Flavinho nas escadarias e arregaça. FLAVINHO Sabe muito bem, sim senhora, sua ordinária! Você até tentou me matar (mostra o curativo na garganta) pra fugir com esse outro mau-caráter e com todo seu dinheiro. E eu gravei tudo, seu Duda, numa fita que está com essazinha aí! Flavinho “ataca” a bolsa de Déia até que a fita cai no chão. Um “branco” se instaura. Todos olham a fita e se entreolham. Nesse exato momento, Duda desfecha um soco fenomenal na cara de Abílio. Mari faz o mesmo com Karina. Flavinho repete a ação com Déia. Monstro e Alicate observam espantados, assim como os policiais. Karina se levanta, dá outro soco em Déia, cospe em Abílio. KARINA Cafajeste, vagabunda! Vocês me usaram, seus desgraçados. Me usaram anos, anos! E ela começa a chorar e Monstro a consola. MARI Bem feito, sua ordinária. Agora... Você, Déia?! Minha melhor amiga? DÉIA Pois é. Infelizmente não tenho como me justificar. Fiz e me dei bem. MARI (SE APROXIMANDO DE DÉIA) Se deu bem uma ova! Eu vou te matar, sua desgraçada! Eu vou contaminar seu cérebro com um Ebola furioso. Vou te infestar com Treponema Palidum, que caso a senhora não saiba, é a bactéria causadora da sífilis! Vou arrasar com tua flora intestinal... DUDA (SEGURANDO MARI) Calma, Mari! Calma! Quer dizer: dá pra ter calma numa situação dessa? FLAVINHO O senhor tá certíssimo, seu Duda. Não é pra ter calma, não. DUDA Então, nesse caso, eu vou te matar, Abílio. A menos que você devolva a minha grana já! ABÍLIO Sinto muito. A grana já foi pra um paradisíaco paraíso fiscal. DUDA É mesmo, amigão? Então, sem a menor dúvida, o que me resta a fazer, sem a menor dúvida, é te matar de verdade. E assim dizendo, ele pula no pescoço de Abílio e começa a estrangulá-lo. Outros tentam detê-lo, mas a ira de Duda é tão imensa que ninguém consegue tirar suas mãos do pescoço de Abílio, que já está roxo. Déia então fica desesperada e entrega. DÉIA Pára com isso pelo amor de Deus! A grana ainda está no doleiro. Não foi transferida. Os policiais dão vários tiros para o alto. POLICIAL 1 Pode parar com essa zona. Ninguém se mexe ou vai sobrar chumbo pra todo mundo! Cada um corre para um lado, um verdadeiro salve-se quem puder. POLICIAL 2 Mas... Que puta falta de respeito! POLICIAL 1 Acho bom a gente garantir a nossa parte. POLICIAL 2 Pega o sócio parasita que ainda tá meio tontão. Agarram Abílio. I/E. 4 CARROS - DIA Durante toda as próximas duas cenas, veremos a tela dividida em 4, sendo que em cada parte haverá um carro. 1- Carro Karina: Karina, Monstro e Duda; 2- Carro Mari: Mari e Flavinho; 3-Carro Déia: Déia e Alicate (sempre em silêncio, se estranhando); 4- Carro Policiais: 2 Policiais e Abílio. I/E. CARRO DE KARINA - DIA Estão Monstro, Duda e Karina, coitada, que não consegue parar de chorar e vai dizendo. KARINA É difícil, sabe?! É superdifícil. Eu sempre fui dura mas sempre fui assim, exuberante, gostosona. Meu pai dizia pra tomar cuidado que muita gente ia querer se aproximar de mim pra se aproveitar de mim. Aí você estuda, se esforça, dá um duro danado, consegue um trabalho, se dá bem e de repente o patrão se encanta com você. Você entende isso, Monstro? O patrão, um cara bacana, bonitão. E depois outro patrão. Você se sente a mais gostosa do mundo. Que mulher não gosta disso? Sou burra? Sou, devo ser. Sou burra. Não se pode servir a dois senhores, não é assim que se diz? Pois é. Dancei. Mas eu não tô nem aí pra essa grana maldita. Eu fracassei como ser humano. Virei um pedaço de carne, uma picanha. E justamente no momento que eu te conheci, Fof, que foi a única coisa verdadeira na minha vida. MONSTRO (ABRAÇANDO KARINA) Pô, fofolucha! Que coisa linda. Mas, fica triste não. Já entendi tudo e saiba que eu adoro picanha e a gente vai se dar bem. Um pouco dessa grana é nossa. DUDA Que droga, hein! Bem no dia que tudo ia mudar, que eu iria me transformar num homem digno, sem dúvidas... será que a Mari vai me perdoar? E se eu fosse com ela comer um bacalhau e falar sobre isso? O que vocês acham? I/E. CARRO DE MARI - DIA No outro carro, Mari e Flavinho. Ela “responde” ao viva-voz. MARI Nem pensar. Mas o melhor é que você vai ter mais uma culpa pra carregar pro resto da vida: você acabou com a vida do seu irmão e, agora, com a sua também. Isso me consola e deixa feliz. FLAVINHO Pensa bem, D. Mari. Dá uma perdoadinha. O seu Duda acabou entrando de gaiato nessa história. Foi muita pressão. Todo mundo empurrando a Karina pra cima dele... E pensar que ela já foi a minha amante! MARI E perder a grana? Eu vou querer metade desse bolo, Flavinho! Aí eu sumo da vida dele e ele que gaste a sua parte em terapia. Aliás, tô até pensando em ter um caso com o terapeuta dele... I/E. CARRO DOS POLICIAIS - DIA Abílio prensado entre os dois policiais. Permaneceram até agora em silêncio. Abílio tenta uma cartada. ABÍLIO O que vocês acham da gente dividir essa grana em três e esquecer essa confusão? POLICIAL 1 Que tal dividir por dois e esquecer você num matagal? POLICIAL 2 Melhor ser esquecido num matagal do que ser lembrado num temporal. POLICIAL 1 Não entendi essa. POLICIAL 2 Foi só uma rima. EXT. RUA DOLEIRO - DIA Imagem volta a ser única. Os quatro carros param. Todos descem ao mesmo tempo. Sobre essa imagem de fundo a tela vai se dividindo em dez partes e em cada um desses quadros fica um dos personagens. Todos andam juntos e entram no prédio do doleiro. INT. RECEPÇÃO DO PRÉDIO DO DOLEIRO - DIA Dez imagens. Todos se dirigem às escadas. Ninguém fala com ninguém. Sobem. INT. HALL DO DOLEIRO - DIA Dez imagens. Chegam ao hall do doleiro. Duda toca a campainha. Todos esperam. Nada. Toca de novo e de novo e de novo. DUDA Ah, não! Agora eu cansei. Que merda é essa? Que merda é essa? E Duda, enfurecido, vai chutando a porta. E todos começam a chutar a porta até que a mesma se abre. INT. ANTE-SALA DO ESCRITÓRIO DO DOLEIRO - DIA Imagem única. A porta se abre e vemos os dez rostos olhando para dentro. Eles entram; SUPRESA!!! O escritório deixou de existir. Nada. Tudo foi arrancado, nem uma cadeira, mesa, nada, tudo vazio. ABÍLIO Cadê o escritório? DUDA Cadê o tal do Décio? DÉIA Cadê a grana? KARINA Cadê a minha parte? MONSTRO E ALICATE Cadê a nossa parte? FLAVINHO Cadê? INT. ESCRITÓRIO DO DOLEIRO - DIA E eles invadem a outra porta, que dava acesso à sala do Décio e, na mesa, um grande bilhete. Eles correm, apanham o bilhete e Abílio o lê em voz alta: ABÍLIO “Obrigado, meus queridos e corruptos chefes. Agora sim, o Sávio deve estar feliz.” Assinado: Francisco. TODOS JUNTOS FRANCISCO??!!! ABÍLIO Que filho da mãe. O cara armou direitinho, com paciência, com frieza, lógica. Bem que eu achei que ele tava estranho hoje. Que filho da puta! Todos se olham sem ter o que fazer e, aos poucos, os pares vão saindo. ALICATE Simbora, Monstro. Desse mato aqui não sai mais nenhum coelho. Acho que a nossa carreira de crime começou e acabou. MONSTRO Concordo. Vamos embora, fofolucha. Pelo menos a gente vai ter uma boa história pra contar pros nossos filhos. KARINA Eu vou querer quatro. MONSTRO Dois. KARINA Três. MONSTRO Feito. POLICIAL 1 Nessas horas, o que seria melhor? POLICIAL 2 Taí uma bela pergunta! Abílio e Déia também vão se retirando. Abílio chutando as paredes. FLAVINHO Uau! Que história! Mas logo o seu Francisco?! MARI Pois é. O bom e velho e humilde Francisco. Duda balança a cabeça, sorri amarelo e explica. DUDA O Francisco e o Sávio se adoravam. E pelo que eu tô percebendo agora, ele devia achar que eu fui, de verdade, o culpado pela morte do Sávio. E ele tinha razão, não tinha? Eles permanecem em silêncio até que Duda se lembra de algo e pergunta para Mari. DUDA (CONT’) Mas... peraí, Mari! Como é que você ficou sabendo de tudo que tava rolando? MARI Do bicoco, da bicoca, do vingador, do sarcástico, do bacalhau do Manuel, da senha etc. etc. e etc.? DUDA Hã, hã. Mari sorri, apanha o celular em sua bolsa, coloca no ouvido de Duda e diz: MARI Viva-voz. Duda fica bestificado, apanha o seu celular no bolso, percebe que o mesmo está ligado, faz uma cara de idiota e desliga o telefone e arrisca: DUDA Tem certeza, Mari, que a gente não poderia bater um papinho? MARI Comendo bacalhau? DUDA Pelo menos um bolinho. MARI Não sei, não sei... o que você acha? Você acha que eu deveria? DUDA (CONFUSO) Eu... eu tenho que te responder agora? EXT. PRAIA - DIA Letreiro: 6 meses depois, em alguma praia da Nova Zelândia A tela clareia e vemos uma lojinha de surfwear muito bonitinha. Francisco no balcão, junto de Ivone, com um belo decote e com belos peitos, e a criança, usando aparelho. Todos parecem estar muito felizes. Os clientes entram e saem. A câmera vai afastando e vemos a placa da loja: Bella Surfwear by Sávio - com o desenho que ele, Sávio, havia feito há muitos anos. FIM SEQÜÊNCIA REMOVIDA INT. ELEVADOR CONFECÇÃO - DIA Abílio e Déia estão subindo e, de repente, uma pane pára o elevador. DÉIA Meu Deus! O que é isso? ABÍLIO Que novidade! Essa semana já é a terceira vez que esse elevador quebra. No elevador, junto com eles, subia um senhor muito bem vestido que, sem mais nem menos, começa a berrar histericamente, mas de um jeito muito sistemático. SENHOR Ahahahahahahahah, eheheheheheheheh, uhuhuhuhuhuhuhuh!!! Abílio e Déia se assustam em um primeiro momento, mas tentam acalmá-lo. ABÍLIO Calma, meu senhor! Calma. Foi só uma pane. Já vão tirar a gente daqui. SENHOR Ahahahahahahahah, eheheheheheheheh, uhuhuhuhuhuhuhuh!!! DÉIA Fica calmo, moço! A gente já vai sair. Nisso o senhor cai de joelhos, agarra-se a Déia, e continua seus gritos sistemáticos. SENHOR Ahahahahahahahah, eheheheheheheheh, uhuhuhuhuhuhuhuh! DÉIA Socorro, Abílio ! Faz alguma coisa! Abílio empurra o velho, que cai e continua. SENHOR Ahahahahahahahah, eheheheheheheheh, uhuhuhuhuhuhuhuh! ABÍLIO Que situação estranha. O que é que a gente faz? SENHOR Os alemães estão chegando. Corra, mamãe! Corra, mamãe! ABÍLIO Eu não acredito. Mais uma vítima do holocausto. DÉIA Ele não tem sotaque e nem idade pra isso. Deve ser mais uma vítima dos filmes sobre o holocausto. INT. GARAGEM DA CONFECÇÃO - DIA Duda estaciona o carro. Todos saem e se dirigem ao elevador. EXT. RUA BATIDA MARI - DIA Confusão, buzinaço, Mari tentando conversar com o motorista de táxi no qual ela bateu. MARI Tudo bem. A culpa foi minha. Eu pago tudo. Meu marido é rico... Quer dizer... Era rico, mas ainda dá pra encarar uma funilaria. Eu vou lhe dar o meu cartão. Mas, como bom motorista da praça, o pentelho parece nem ouvir o que Mari diz e passeia, e olha, e examina, e balança a cabeça. MARI (CONT’) O senhor tá me ouvindo? Eu pago tudo. Tudo. MOTORISTA Foi feia a coisa. MARI Como, feia? Não foi nada. Um amassadinho, uma lanterna... MOTORISTA Foi feia a coisa. MARI (SUSPIRANDO DE SACO CHEIO) Ok. Foi feia a coisa. Vai ser uma conta feia e eu vou pagar toda essa coisa feia. Agora pega esse cartão e me deixe ir embora. MOTORISTA Foi feia a coisa. INT. GARAGEM DA CONFECÃO - DIA Duda e a turma estão esperando a porra do elevador. DUDA Será que quebrou de novo? KARINA Provavelmente. Essa droga vive quebrando. DUDA A gente vai pelo de serviço. ALICATE Qual é o andar? DUDA 24. É isso, né, Bicoca? MONSTRO Nada disso. Vigésimo quarto?! Foi bom você ter falado. Eu tenho claustrofobia de primeiríssimo grau. ALICATE Tem certeza disso, Monstro? Claustrofobia? MONSTRO É sério, cara! Por que você acha que eu não páro em nenhum emprego? Não consigo ficar dentro de um escritório fechado, com ar condicionado. A gente vai pela escada. DUDA São 24 andares! MONSTRO Eu encaro. ALICATE Pensa bem, cara! 24 andares! MONSTRO Então eu fico. E ela fica comigo. Assim dizendo, Monstro dá um puxão em Karina, que vira os olhos. Duda e Alicate trocam olhares, dão de ombros e concordam. ALICATE Vamos lá. Mas essa, juro por Deus! Essa você vai me pagar, Monstro. Ah, vai! Nisso, Karina pede licença para conversar com Monstro em particular. KARINA Antes da gente subir, será que eu poderia ter um particular com você, rapidinho? MONSTRO Agora, Fof? KARINA Agora. MONSTRO Algo contra, Alicate? ALICATE Contra? “Magina”! Acho supernormal o assaltado querer uns minutos a sós com seu assaltante antes de subir 24 andares. Acho supernormal assaltar pessoas que foram assaltadas por hackers. Acho que tá tudo normal. Aliás, Bicoco, se você quiser ir tomar um café, normal, a gente espera. DUDA Sério? Um cafezinho até que caía bem. Ou não? KARINA É rapidinho. Por favor. Alicate dá de ombros. Karina puxa Monstro para um canto e diz: KARINA (CONT’ – SEM GRAÇA) Olha, Monstro, eu nem sei como te dizer isso... Mas a gente vai ter que parar de se ver... Quer dizer: a gente vai... MONSTRO Peraí, Fof! Cê tá querendo acabar tudo que nem começou? KARINA É. Mais ou menos... quer dizer: é isso. Eu tô num momento muito delicado da minha vida. Eu não posso te contar, mas tá muito delicado e... encontrar você mexeu comigo, mexeu mesmo, mas na hora errada, se é que você me entende. MONSTRO Não entendo, Fof. Você não terminou tudo com o Dúvida? Você não é uma mulher livre? KARINA Pois é. Infelizmente... Não. MONSTRO Não??!! KARINA Mas não é o que você tá pensando, mas eu não posso te explicar agora. MONSTRO Não precisa explicar nada. Mas a gente podia ser amantes! O que você acha? Você tem prática nisso. KARINA É verdade. Eu tenho sido boa nisso, mas acho que chegou a hora de parar com isso. Você me perdoa? MONSTRO (PUXANDO KARINA PARA PERTO DE SI) Amar é jamais ter que pedir perdão! E ambos trocam um beijo sincero e voltam para perto de Duda e Alicate. INT. SALA DE DUDA - DIA O videokê virou uma festa. Flavinho está dando um verdadeiro show, agora interpretando As time goes by. Chegaram cervejas, salgadinhos... EXT. RUA BATIDA MARI - DIA Mari continua discutindo com o chofer de praça, mas eles já estacionaram no meio-fio e parece que estão perto de um acordo. INT. ELEVADOR CONFECÇÃO - DIA Abílio está esmurrando a porta e gritando para que alguém os tire de lá. E nisso, o senhor começa a falar. SENHOR Ahahah, eheheh, uhuhuh! Helsink, 1952. Olimpíadas. Mamãe está na frente. Prova de revezamento. Mas os alemães estão chegando: corra, mamãe! Meu pai era um bêbado. Mamãe treinava todo dia, meu pai bebia. Eu amava mamãe e odiava papai. Final da prova de revezamento. Mamãe na frente e os alemães chegando. Nosso grito de torcida: ahahahah, eheheheh, uhuhuhuh! Eu não tinha comido nada o dia todo porque meu pai bêbado não cuidava de mim. E de repente, tudo foi ficando escuro. Corra, mamãe! Mamãe correu, correu. Tudo foi ficando escuro, escuro... Mamãe ganhou mas eu nada vi. Déia e Abílio se olham e caem na gargalhada. EXT. PORTA DO PRÉDIO DA CONFECÇÃO - DIA Viatura da polícia chega. Viatura de detetive, só com a luz sobre a capota. Detetives saem do carro e se dirigem à recepção. Mostram identificação e seguem para os elevadores. Mocinha da recepção avisa. RECEPCIONISTA Um dos elevadores está quebrado. Os senhores terão que subir pelo outro, que não pára em andar par. Mas é só parar um acima e descer pela escada. E os policiais, enquanto esperam o outro elevador, conversam: POLICIAL 1 Eu acho que é muito melhor ser surdo do que ser cego. POLICIAL 2 Sei não. Pega a gente como exemplo: seria melhor se a gente fosse cego. Nunca mais precisar olhar um cadáver rasgado de faca, um camarada podre na beira de um barranco... POLICIAL 1 Tudo bem. Mas se eu fosse cego eu não seria detetive, e aí seria muito chato. POLICIAL 2 Pega o Ray Charles, o Steve Wonder, o José Feliciano. Já imaginou se eles fossem surdos? Hein?! POLICIAL 1 Putz! É mesmo. Mas imagina se o Beethoven fosse cego. POLICIAL 2 Verdade. Tinha esquecido do Beethoven, se bem que este exemplo é muito isolado. Mas eu ainda acho que não ter uma perna é muito melhor do que não ter um braço. POLICIAL 1 De jeito nenhum. Quem não tem perna, seja uma ou duas, é aleijado. Se a tua filha, por exemplo, começa a namorar com um cara sem braço, você vai dizer assim: minha filha está namorando um cara sem braço. Mas se o cara não tiver uma perna você vai dizer: minha filha está namorando um aleijado. Percebeu a diferença? O elevador chega e os dois entram, continuando com o papo-aranha. INT. ESCADAS DE SERVIÇO - DIA Os quatro estão exaustos e Monstro solicita. MONSTRO Peraí, gente! Eu preciso de uma pausa. Eu preciso parar um pouco. KARINA Eu também. ALICATE Ok. Vamos dar uma respirada. Todos se sentam nos degraus, cansados, ofegantes e, depois de alguns segundos, Alicate pergunta para Duda. ALICATE (CONT’) E aí? Já pensou quem pode ser a pessoa que te passou a mão? DUDA Olha, Alicate; pela primeira vez na vida eu não tenho a menor dúvida porque não faço a menor idéia. ALICATE Você tem sócio? Ele sabia a tua senha? DUDA O Abílio? ALICATE Sei lá! Teu sócio se chama Abílio? DUDA Abílio é o nome do meu sócio. Mas ele não sabe da minha senha. Ninguém sabe... Quer dizer, eu sei e o Francisco também sabe. ALICATE Então foi o Francisco! DUDA O Francisco??! Nem pensar. O Francisco é o cara mais Caxias e mais honesto que eu já conheci na vida. KARINA Tá vendo?! Quando chega a hora de você ter uma dúvida que valha a pena, você tem uma certeza estúpida. Se só o Francisco sabia a senha, quem mais poderia ter sido? MONSTRO É. Concordo com ela. ALICATE Eu também. DUDA Sério? Não. Não vou aceitar isso. A não ser que você (olhando para Karina) o tenha seduzido. Karina não deixa de sentir o golpe e contra-ataca. KARINA Pois é. Pode até ter sido a sua querida esposa que de repente seduziu o Francisco... Duda ameaça reagir, ela se aconchega mais ao lado de Monstro. Duda, no entanto, sorri e diz: DUDA Olha bicoca, até que eu acho que seria uma bela lição pra mim! Uma facada espetacular do destino. I/E. CARRO DE MARI - DIA Mari está na frente do prédio da confecção, ouviu tudo e responde: MARI Com o Francisco? Só me faltava essa. INT. ELEVADOR CONFECÇÃO - DIA Um solavanco é sentido, as luzes voltam a acender e o elevador volta a funcionar. DÉIA Graças a Deus! ABÍLIO Finalmente. SENHOR Eu sugiro que a gente dê o nosso grito de guerra. E os três, juntos, repetem o grito da torcida de Helsink. TODOS ahahahahahahahah, eheheheheheheheh, uhuhuhuhuhuhuhuh! INT. HALL 25º ANDAR - DIA A porta se abre e vemos na parede 25. POLICIAL 1 Não acredito! Você apertou o vigésimo quinto? POLICIAL 2 Cacete! E você queria que eu apertasse o 24 pra gente subir?! POLICIAL 1 E por que não? Qual o problema em fazer exercícios. Já está comprovado que quem sobe, pelo menos dez degraus por dia reduz em 12% as chances de ter um ataque cardíaco. POLICIAL 2 Mas quem sobe dez degraus por dia aumenta em 43% a chance de cair da escada e quebrar o pescoço! POLICIAL 1 Nada disso. 43% de chance de cair, ok; mas de quebrar o pescoço a probabilidade é de 1 para 780. Os dois abrem a porta que dá acesso à escada e começam a descer. O2 Filmes apresenta um filme dirigido por Paulo Morelli VIVA-VOZ CO-PRODUÇÃO Buena Vista International Teleimage EstúdiosMega ELENCO Vivianne Pasmanter Betty Gofman Dan Stulbach Graziella Moretto Luciano Chirolli Kiko Mascarenhas Fábio Herford Otávio Martins Genézio de Barros PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS Paulo Gorgulho • Ernani Moraes • Supla PRODUÇÃO DE ELENCO Renata Medeiros FIGURINO David Parizotti SUPERVISÃO DE SOM Beto Ferraz SUPERVISÃO DE PÓS-PRODUÇÃO Marcelo Siqueira, A.B.C. PRODUÇÃO EXECUTIVA O2 Bel Berlinck PRODUÇÃO EXECUTIVA Ricardo Pinto e Silva DIREÇÃO DE ARTE Claudia Briza MÚSICA Paul Mounsey FOTOGRAFIA Luis Branquinho, A.I.P. ROTEIRO Márcio Alemão HISTÓRIA, PRODUÇÃO E EDIÇÃO Paulo Morelli ELENCO PRINCIPAL MARI - Vivianne Pasmanter DÉIA - Betty Gofman DUDA - Dan Stulbach KARINA - Graziella Moretto ABÍLIO - Luciano Chirolli FLAVINHO- Kiko Mascarenhas MONSTRO - Fábio Herford ALICATE - Otávio Martins FRANCISCO - Genézio de Barros POLICIAL 1 - Paulo Gorgulho POLICIAL 2 - Ernani Moraes SÁVIO - Supla ELENCO DE APOIO ARMANDO FILHO - Garçom Manoel CARLA FIORONI - IVONE DENIS STAUT - Filho do Francisco EDUARDO ESTRELA - Vendedor de Panos JAIR ASSUMPÇÃO - Décio (Doleiro) JOELSON MEDEIROS - Gerente de Banco PAULO PORTO - Taxista PLÍNIO SOARES - Ladrão de Banco PRISCILA LUZ - Ladra ZUZU ABU - Colega de Trabalho EQUIPE DE DIREÇÃO: 1º ASSISTENTE DE DIREÇÃO Marcelo Guimarães 2º ASSISTENTE DE DIREÇÃO Diogo Sallum ESTAGIÁRIOS DE DIREÇÃO Fábio Barbanti Eloísa Fusco CONTINUÍSTA Elizabeth Marino ASSIST. DE PROD. DE ELENCO Rodrigo Chuck Hoffmann ANÁLISE TÉCNICA Tatiana Fragoso EQUIPE DE PRODUÇÃO DIREÇÃO DE PRODUÇÃO Erica Ferreira PLATÔ Edson Cowboy PRODUÇÃO COMERCIAL Andréa Fragoso ASSISTENTE DE PRODUÇÃO EXECUTIVA Cláudia Buschel Estrela Tavares Luciana Gattass ASSISTENTE DE PRODUÇÃO Jane Lewinski ASSISTENTE DE PLATÔ Ricardo Cardoso ESTAGIÁRIO DE PLATÔ Andréa Ribeiro ESTAGIÁRIOS DE PRODUÇÃO Andréa Van Caspel Letícia de Almeida Alves PRODUTOR DE LOCAÇÃO Eric Petersen ASSISTENTE DE PRODUÇÃO DE LOCAÇÃO Ana Beatriz Novaes ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA Cláudia Nazar Maria Helena Meirelles EQUIPE DE FOTOGRAFIA 1º ASSISTENTE DE CÂMERA Renata Reis 2º ASSISTENTE DE CÂMERA Wilson Bonifácio VÍDEO-ASSIST Leo Hallal OPERADOR DE CÂMERA 2a UNIDADE E STEAD CAM Marcos Avelar 1a ASSISTENTE DE CÂMERA ADICIONAIS Janice d’Avilla Kika Cunha MAKING OFF Fábio Barbanti Felipe Canga ELETRICISTA CHEFE Ricardo Pirolla MAQUINISTA Natanael Gonçalves ASSISTENTE DE ELETRICISTA Eduardo Fressato Spuldaro ASSISTENTE DE MAQUINISTA Cláudio Ferreira CÂMERA CAR Stanley Ostrower ACOPLAMENTO DE CÂMERAS E LUZ Luiz Marques Caires FOTÓGRAFO STILL Marcos Camargo EQUIPE ELÉTRICA ESTÚDIO O2 Walter Gonçalves Daniel Júnior EQUIPE DE SOM DIRETO SOM DIRETO Sílvio Da-Rin MICROFONISTA Beto Nogueira ESTAGIÁRIO DE SOM Ubiratan da Silva Guidio EQUIPE DE ARTE ASSISTENTE DE DIREÇÃO DE ARTE Adriana Daud PRODUTORA DE ARTE Iara Moreira PRODUÇÃO DE OBJETOS Mário Santos ASSISTENTE DE PRODUÇÃO DE OBJETOS Marina Sampaio da Costa Aguiar Karen Sternfeld Weintraub Jerusa Macedo PINTORES DE ARTE Fixxon Realizações Criativas Christian Scherf Marcelo Carluccio COORDENADOR ESTÚDIO O2 Figuerôa EQUIPE DE CENOTÉCNICOS Gaúcho EQUIPE DE PINTURA Darcy Filardo CONTRA-REGRA ESTÚDIO O2 Adauto Ribeiro dos Santos Adriano Campos Tião da Silva EQUIPE DE FIGURINO ASSISTENTES DE FIGURINO Ruby Zatz Meggie Landim COSTUREIROS Benê Calisto CAMAREIRA Yuki Uemura EQUIPE DE MAQUIAGEM MAQUIAGEM E CABELO Luiz Camargo ASSISTENTE DE MAQUIAGEM E CABELO Adriana Ferreira dos Santos COLABORAÇÃO NA CRIAÇÃO DA HISTÓRIA Pedro Morelli COLABORAÇÃO NO ROTEIRO Cláudia Dalla Verde EQUIPE DE MONTAGEM COLABORAÇÃO ESPECIAL NA MONTAGEM Daniel Rezende LOGAGEM Laura EQUIPE DE FINALIZAÇÃO COORDENAÇÃO DE PÓS-PRODUÇÃO Eliane Ferreira EQUIPE TELEIMAGE COORDENAÇÃO DE OPERAÇÕES Ewa Wawelberg SPIRIT DATA CINE Gigio Pelosi CYBORG HD Renato Merlino Waldo Caetano FIRE / INFERNO HD Eduardo Sallas Ronaldo Lima COMPUTAÇÃO GRÁFICA / 3D Marcos Faria Vinícius Vinci FINAL CUT PRO Vanessa Mariano AVID / DSHD Ariel Wollinger Thiago Belconfine ASSISTENTE DE EDIÇÃO Elizeu Ferreira Gilberto Caldas Ricardo Vieira FILM RECORDER Ariel Wollinger Homero Arce Renato Merlino Rogério Merlino ASSISTENTE FILM RECORDER Anderson Penci ASSISTENTE DE OPERAÇÕES Adenilson Muri Cunha Karina Vanes Marco Antônio Prado Cássio Martini REVELAÇÃO DE NEGATIVO Casablanca Lab SEPARAÇÃO DE NEGATIVO Casablanca Lab AMPLIAÇÃO DIGITAL PARA 35 MM TELEIMAGE NEGATIVOS TRANSFER FUJI FILM PROCESSAMENTO DE IMAGEM MEGACOLOR SUPERVISÃO-GERAL José Augusto De Blasiis COORDENAÇÃO DE PAUTA Roseli Fernandes COORDENAÇÃO DE ATENDIMENTO Jéssica M. Sayon DEPARTAMENTO COMERCIAL Rosangela Amorin Operador de Color Analizer Dixie Norio Oshikawa EQUIPE DE SOM EDIÇÃO DE DIÁLOGOS Nathalia Rabczuk EDIÇÃO DE AMBIENTES E EFEITOS Célio Dutra ASSISTENTE DE ESTÚDIO Luana Dias MIXAGEM Armando Torres Jr. ESTÚDIO DE MIXAGEM EstúdiosMega EQUIPE DE TRILHA SONORA ENGENHEIRO DE GRAVAÇÃO E PRÉ-MIX João Vasconselos TRILHA SONORA GRAVADA NO ESTÚDIO JUNK! MÚSICAS DE CENA: Todas compostas e interpretadas por Márcio Guimarães Pretinha Pretty Baby I Feel Your Love Again CONSULTOR DOLBY Carlos Klachquin EQUIPE DE FINALIZAÇÃO O2 Érika Marques • Marcelo Barros Thiago Villas Boas • Fábio Salinas Marcelo De Mari Leonardo Homem de Melo Ricardo Filomeno • Carlos Esprançolo Fernando Bortoletto • Ricardo Ortiz EQUIPE ADICIONAL FILMAGEM CENA DA CALOTA EQUIPE DE PRODUÇÃO DIRETOR DE PRODUÇÃO Antônio Irivan ASSISTENTE DE PRODUÇÃO Rodrigo Guimil ESTAGIÁRIO DE PRODUÇÃO Rafael Rodas PRODUTOR DE LOCAÇÃO Marco Tirone EQUIPE DE FOTOGRAFIA DIRETOR DE FOTOGRAFIA André Modugno 1o ASSISTENTE DE CÂMERA Paulo de Tarso (Disca) 2o ASSISTENTE DE CÂMERA Ivan Murilo VÍDEO ASSIST André Shoyama OPERADOR CAM MATE Sandro Galvão ELETRICISTA Denner MAQUINISTA Durval Rodrigues ASSISTENTE DE MAQUINISTA Frank Soares PILOTO DE CARRO Alexandre Ostrower EQUIPAMENTO DE MOVIMENTO Pará Movimentos AJUDANTES Antônio Augusto Filho Paulo Fortes EQUIPE DE ARTE Calota Inês Sakay PINTURA Darcy Filardo EQUIPE ADICIONAL CENA PRAIA ASSISTENTE DE PRODUÇÃO Rafael Vieira EQUIPE DE FOTOGRAFIA DIRETOR DE FOTOGRAFIA Marcelo Rocha OPERADOR DE STEADICAM Marco Túlio Guglielmoni 1o ASSISTENTE DE CÂMERA Eduardo de Andréa AJUDANTE Marquinhos Alemão FIGURAÇÃO FOTO GRETA Roberto Cordovani • Adriana Alves Algedy Vicente de Oliveira Ana Cristina de Paula Torres Aparecida de Lourdes Rocha Bárbara Catani • Carolina Ribeiro Danielle Sobreira • Danielly Fragão Débora Toledo • Dudy Strotbek Edílson Damião Carneiro Egydio Spaziani • Elisângela Oliveira Eny Maria de Oliveira • Flávia Pinheiro Francisco Emanoel de Paula Júnior Gabriela Martins Guilherme Camargo Gullo Irene Rodrigues da Costa Coelho Joel Cavalcante • José Golasso José Roberto dos Santos Luciana Ribeiro Hoffman Manoela Belotti Margareth Batistela Landim Mari Montserrat • Maria de Jesus Hirato Maria Gama Azevedo • Marina Morelli Mário Mauro Mininel Maykel Lima de Almeida Míriam Alves de Lima Moeses Lima • Murilo Torres Nádia Elisabeth de Paula Oderio Valmor Fianoncini Otton Araújo da Silva Paula C.F. Nassif • Paulo Morelli Paula Torres Gelly • Regina Maria C. L. Costa Renata Vieira de Moraes Rosicler Moura da Silveira Salete Alves • Sidnei Oliveira Simone Oliveira do Nascimento Stelio de Oliveira Reis Thiago Barreto dos Santos Thiago Moura da Silveira Tito Ribeiro Ficarelli Ubirajar de Araújo Jr. Vera Farah N. Deluiggi MOTORISTAS Foccus Transporte ALIMENTAÇÃO Empório 56 EQUIPAMENTO DE ELÉTRICA: O2 Filmes EQUIPAMENTO DE CÂMERA Fábrica Brasileira de Imagens Hagadê - agente AATON Brasil MAQUINÁRIA O2 Filmes ARTE GRÁFICA Marcelo De Mari SEGURANÇA Pires Segurança SEGURO Ellery & Morley ASSESSORIA JURÍDICA Azevedo, Cesnik e Salinas Advogados Cherto e Carvalhaes ADVOGADOS Maio Auditoria APOIO CULTURAL: Accor Brasil • BG Brasil Indústria Alimentícia Divinal Vidros • Fuji Film Gelateria Parmalat • Gersal Jambo Madeiras Lavanderia Laudromat • Limppano Madenova • Melhoramentos • Miran Panificadora Letícia • Papelaria Lapapel Parmalat Bakery • Pepsi-Cola do Brasil Restaurante Café Gero • Restaurante Felici Restaurante Folha de Uva Restaurante La Tartine Restaurante Le Tan Tan • Restaurante Lilló Restaurante Pequi • Restaurante Pitanga Restaurante Santa Gula • Salvaguarda Schincariol • Unicfet Tintas Volkswagen do Brasil AGRADECIMENTOS 775 • Acervo David Parizotti Acervo Ernesto Ezualdo Parizotti Acervo Yuki Uemura Acessórios Modernos Acrylcotton Alvo Couros • Antoval Com. de Máquinas Aquarilli Mat. 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Maison Saad • Marles Tecidos No Problem • Nokia • One Up Paula Maciel • Pucket Reinaldo Lourenço • Séculos Tapetes Sonia Gonçalves Assessoria de Imprensa Spazio 1717 • Sterna Fuscata Suape Têxtil • Tânia Bulhões Home Three Sisters • Trash Chic • Uchita & Cia Usina Figurino • Ventisilva • Vivara Zona D • Zoomp CAPTAÇÃO DE RECURSOS Nicchio e Associados Luciana Vartanian INVESTIDORES ARTIGO 1o DA LEI DO AUDIOVISUAL Aventis Pharma • Banco Sofisa C&A • Casas Bahia Ibi Administradora e Promotora Ibi Corretora de Seguros Rhodia Farma • Sofisa Serviços • Tetra Pak Índice Apresentação - Hubert Alquéres 05 Roteiro - Um Solitário Exercício em Equipe 13 Viva-Voz 19 Roteiro 21 Seqüência Removida 201 Ficha Técnica 219 Crédito das fotografias Todas as fotografias utilizadas (inclusive a que serviu como base para a ilustração da capa) foram cedidas pela produção, que teve como fotógrafo de still Marcos Camargo. Coleção Aplauso Perfil Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Aracy Balabanian - Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Bete Mendes - O Cão e a Rosa Rogério Menezes Carla Camurati - Luz Natural Carlos Alberto Mattos Carlos Coimbra - Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach - O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra Cleyde Yaconis - Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso - Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Djalma Limongi Batista - Livre Pensador Marcel Nadale Etty Fraser - Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri - Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça Ilka Soares - A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache - Caçadora de Emoções Tania Carvalho João Batista de Andrade - Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano John Herbert - Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont - Do Cordel às Telas Klecius Henrique Niza de Castro Tank - Niza Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti - Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo Goulart e Nicette Bruno - Tudo Em Família Elaine Guerrini Paulo José - Memórias Substantivas Tania Carvalho Reginaldo Faria - O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi - Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte - Contestador por Índole Eliana Pace Rodolfo Nanni - Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Rolando Boldrin - Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho - Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco - Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza - Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst - Um Ator de Cinema Maximo Barro Sérgio Viotti - O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Sonia Oiticica - Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Ugo Giorgetti - O Sonho Intacto Rosane Pavam Walderez de Barros - Voz e Silêncios Rogério Menezes Especial Dina Sfat - Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Gloria in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Maria Della Costa - Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca - Uma Celebração Tania Carvalho Sérgio Cardoso - Imagens de Sua Arte Nydia Licia Cinema Brasil Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Carlos Reichenbach e Daniel Chaia Cabra-Cega Roteiro de DiMoretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Vittorio Capellaro comentado por Maximo Barro A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Luís Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet Como Fazer um Filme de Amor José Roberto Torero De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Dois Córregos Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade por Ariane Abdallah e Newton Cannito Narradores de Javé Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Teatro Brasil Alcides Nogueira - Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta e o Circo Teatro Danielle Pimenta Luís Alberto de Abreu - Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Trilogia Alcides Nogueira - ÓperaJoyce - Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso - Pólvora e Poesia Alcides Nogueira Ciência e Tecnologia Cinema Digital Luiz Gonzaga Assis de Luca Os livros da coleção Aplauso podem ser encontrados nas livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/lojavirtual ctp, impressão e acabamento IMPRENSA OFICIAL Rua da Mooca, 1921 São Paulo SP Fones: 2799-9800 – 0800 123401 WWW.imprensaoficial.com.br