Miriam Mehler Sensibilidade e Paixão Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo   Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano Chefe de Gabinete Emerson Bento Pereira   Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey Cultura Fundação Padre Anchieta Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Rita Okamura Coleção Aplauso Perfil   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico  e Editoração Carlos Cirne Revisão Cláudia Rodrigues Assistente Operacional Andressa Veronesi Tratamento de Imagens José Carlos da Silva Miriam Mehler Sensibilidade e Paixão por Vilmar Ledesma Cultura Fundação Padre Anchieta São Paulo – 2005 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação elaborados pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Ledesma, Vilmar Miriam Mehler : sensibilidade e paixão / por Vilmar Ledesma. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005. 240p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 85-7060-233-2 (Obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-384-3 (Imprensa Oficial) 1. Atores e atrizes de teatro – Brasil 2. Atores e atrizes de televisão - Biografia 3. Mehler, Miriam I. Ewald Filho, Rubens II. Título. III. Série. CDD – 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98 Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Apresentação “O que lembro, tenho.” Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, tem como atributo principal reabilitar e resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas do cinema, do teatro e da televisão. Essa importante historiografia cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de maneira singular. O coordenador de nossa coleção, o crítico Rubens Ewald Filho, selecionou, criteriosamente, um conjunto de jornalistas especializados para realizar esse trabalho de aproximação junto a nossos biografados. Em entrevistas e encontros sucessivos foi-se estreitando o contato com todos. Preciosos arquivos de documentos e imagens foram abertos e, na maioria dos casos, deu-se a conhecer o universo que compõe seus cotidianos. A decisão em trazer o relato de cada um para a primeira pessoa permitiu manter o aspecto de tradição oral dos fatos, fazendo com que a memória e toda a sua conotação idiossincrásica aflorasse de maneira coloquial, como se o biografado estivesse falando diretamente ao leitor. Gostaria de ressaltar, no entanto, um fator importante na Coleção, pois os resultados obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que caracterizam também o artista e seu ofício. Tantas vezes o biógrafo e o biografado foram tomados desse envolvimento, cúmplices dessa simbiose, que essas condições dotaram os livros de novos instrumentos. Assim, ambos se colocaram em sendas onde a reflexão se estendeu sobre a formação intelectual e ideológica do artista e, supostamente, continuada naquilo que caracterizava o meio, o ambiente e a história brasileira naquele contexto e momento. Muitos discutiram o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida. Deixaram transparecer a firmeza do pensamento crítico, denunciaram preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando o nosso país, mostraram o que representou a formação de cada biografado e sua atuação em ofícios de linguagens diferenciadas como o teatro, o cinema e a televisão – e o que cada um desses veículos lhes exigiu ou lhes deu. Foram analisadas as distintas linguagens desses ofícios. Cada obra extrapola, portanto, os simples relatos biográficos, explorando o universo íntimo e psicológico do artista, revelando sua autodeterminação e quase nunca a casualidade em ter se tornado artista, seus princípios, a formação de sua personalidade, a persona e a complexidade de seus personagens. São livros que irão atrair o grande público, mas que – certamente – interessarão igualmente aos nossos estudantes, pois na Coleção Aplauso foi discutido o intrincado processo de criação que envolve as linguagens do teatro e do cinema. Foram desenvolvidos temas como a construção dos personagens interpretados, bem como a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns dos personagens vividos pelos biografados. Foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferenciação fundamental desses dois veículos e a expressão de suas linguagens. A amplitude desses recursos de recuperação da memória por meio dos títulos da Coleção Aplauso, aliada à possibilidade de discussão de instrumentos profissionais, fez com que a Imprensa Oficial passasse a distribuir em todas as bibliotecas importantes do País, bem como em bibliotecas especializadas, esses livros, de gratificante aceitação. Gostaria de ressaltar seu adequado projeto gráfico, em formato de bolso, documentado com iconografia farta e registro cronológico completo para cada biografado, em cada setor de sua atuação. A Coleção Aplauso, que tende a ultrapassar os cem títulos, se afirma progressivamente, e espera contemplar o público de língua portuguesa com o espectro mais completo possível dos artistas, atores e diretores, que escreveram a rica e diversificada história do cinema, do teatro e da televisão em nosso país, mesmo sujeitos a percalços de naturezas várias, mas com seus protagonistas sempre reagindo com criatividade, mesmo nos anos mais obscuros pelos quais passamos. Além dos perfis biográficos, que são a marca da Coleção Aplauso, ela inclui ainda outras séries : Projetos Especiais, com formatos e características distintos, em que já foram publicadas excepcionais pesquisas iconográficas, que se originaram de teses universitárias ou de arquivos documentais pré-existentes que sugeriram sua edição em outro formato. Temos a série constituída de roteiros cinematográficos, denominada Cinema Brasil, que publicou o roteiro histórico de O Caçador de Diamantes, de Vittorio Capellaro, de 1933, considerado o primeiro roteiro completo escrito no Brasil com a intenção de ser efetivamente filmado. Paralelamente, roteiros mais recentes, como o clássico O Caso dos Irmãos Naves, de Luís Sérgio Person, Dois Córregos, de Carlos Reichenbach, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, e Como Fazer um Filme de Amor, de José Roberto Torero, que deverão se tornar bibliografia básica obrigatória para as escolas de cinema, ao mesmo tempo em que documentam essa importante produção da cinematografia nacional. Gostaria de destacar a obra Gloria in Excelsior, da série TV Brasil, sobre a ascensão, o apogeu e a queda da TV Excelsior, que inovou os procedimentos e formas de se fazer televisão no Brasil. Muitos leitores se surpreenderão ao descobrirem que vários diretores, autores e atores, que na década de 70 promoveram o crescimento da TV Globo, foram forjados nos estúdios da TV Excelsior, que sucumbiu juntamente com o Grupo Simonsen, perseguido pelo regime militar. Se algum fator de sucesso da Coleção Aplauso merece ser mais destacado do que outros, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. De nossa parte coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica, contar com a boa vontade, o entusiasmo e a generosidade de nossos artistas, diretores e roteiristas. Depois, apenas, com igual entusiasmo, colocar à disposição todas essas informações, atraentes e acessíveis, em um projeto bem cuidado. Também a nós sensibilizaram as questões sobre nossa cultura que a Coleção Aplauso suscita e apresenta – os sortilégios que envolvem palco, cena, coxias, set de filmagens, cenários, câmeras – e, com referência a esses seres especiais que ali transitam e se transmutam, é deles que todo esse material de vida e reflexão poderá ser extraído e disseminado como interesse que magnetizará o leitor. A Imprensa Oficial se sente orgulhosa de ter criado a Coleção Aplauso, pois tem consciência de que nossa história cultural não pode ser negligenciada, e é a partir dela que se forja e se constrói a identidade brasileira. Hubert Alquéres Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Introdução Miriam Mehler é uma mulher de teatro e teve de lutar muito para seguir o caminho que escolheu e se tornar uma das grandes atrizes brasileiras. Nascida em uma abastada família judia, o primeiro obstáculo foi a oposição do pai, que a queria advogada. Decidida, foi em frente e não hesitou em trocar a toga pelos palcos, numa época em que ser atriz era praticamente um pecado para uma mocinha de boa família. O pai virou fã, vieram outras batalhas e Miriam nunca se curvou. Hoje, com 46 anos de carreira, segue apaixonada por sua profissão. E não só por sua profissão, pois ela é daquelas criaturas raras que faz da paixão o motor de sua existência. E a paixão, como escreveu Lya Luft, “é uma coisa para poucos. Ela exige alguma audácia ou alguma loucura”. Miriam sempre gostou muito de gente e a vontade de conhecer o ser humano melhor a levou ao teatro. Dia desses, Miriam foi parada no supermercado por uma fã que lhe relembrou, emocionada, as fadas que ela representava no Teatrinho Trol, programa infantil da TV do começo dos anos 60. Tem também aqueles que não esquecem de Ângela, a mocinha sofrida de Redenção, a mais longa das telenovelas. Mas o coração da atriz e produtora bate mais forte quando vêm lhe falar de alguma das mais de 50 peças que ela encenou. Miriam é uma espécie de dicionário do teatro paulista. A constatação é de William Pereira, que a dirigiu em dois espetáculos recentes, e nada tem de exagero. São 46 anos de carreira e mais de 50 peças, e os verbetes dessa trajetória começam em 1958, quando, recém-formada na Escola de Arte Dramática, a jovem Miriam estreou – e com o pé direito – em Eles não Usam Black-Tie, antológica montagem do Teatro de Arena. Da letra A de Arena, ela foi para o T de Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e depois para o O de Oficina, em espetáculos históricos como Pequenos Burgueses e Andorra. Bem no finalzinho dos anos 60, vem o P de Paiol, o teatro que ela fundou com o então marido Perry Salles e que tocou por 12 anos palco de montagens inesquecíveis, como Abelardo e Heloisa. Para essa relação não ficar extensa, voltemos para a letra A, de Autores: Arthur Miller, Tennessee Williams, Ionesco, Gorki, Brecht, Henry James, Noel Coward são alguns dos estrangeiros em seu currículo, e nos nacionais tem Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, Plínio Marcos, Nelson Rodrigues, Oduvaldo Vianna Filho e Consuelo de Castro, lançada por ela. É ou não é um dicionário de teatro essa Miriam? Depois de algumas conversas por telefone, as entrevistas para esse livro começaram na metade do mês de julho de 2004, inverno bem rigoroso para os padrões paulistanos. Foram quatro sessões e todas no apartamento de Miriam, numa agradável rua do bairro paulistano do Itaim. Só a conhecia do palco e de uma entrevista em 1990, quando ela e uma turma de companheiros do Oficina fizeram uma remontagem de Pequenos Burgueses. Nossos encontros seguiram um roteiro semelhante: começavam no finalzinho da tarde – diante de um bule de chá ou café e biscoitinhos – e o sinal para o término sempre vinha do clique do gravador anunciando que estávamos conversando fazia duas horas e que a fita acabara. Miriam é um papo delicioso, fala pausadamente – quente e rouco, o tom de sua voz é marca registrada – gesticula muito e tem sempre um comentário espirituoso, uma história deliciosa que conta como se não fosse com ela que tivesse ocorrido. Emotiva sim, mas não de ficar derramando lágrimas, mesmo quando vêm à tona episódios dolorosos, como a morte do filho único, aos 21 anos, em um acidente de carro. Começamos a trabalhar no livro logo que ela voltou de uma viagem aos Estados Unidos e tinha alguns dias de folga antes de começar a gravar a novela A Escrava Isaura. No primeiro dia, ela me municiou com antigos álbuns de recorte e também colocou em minhas mãos praticamente todos os programas das peças em que trabalhou. Esse material foi precioso para elucidar alguns detalhes e datas, coisas que a memória nem sempre guarda. Assim que encerramos as entrevistas, fomos separar as fotos que ela guarda em pastas e envelopes no escritório de sua casa. Foi uma delícia essa seleção e, diante dos muitos retratos, surgiram várias novas histórias. Este livro ficou pronto no final de setembro, quando Miriam estava ocupadíssima e às voltas com páginas e páginas de texto de sua nova personagem televisiva para decorar. Assim que tivesse uma brecha nas gravações, leríamos juntos os originais, o que de fato aconteceu em dois encontros. Sempre atenciosa, Miriam acrescentou detalhes e elucidou pontos que não tinham ficado claros. Miriam Mehler completou 69 anos em setembro, mas como só costuma acontecer com alguns escolhidos, basta olhar em seus olhos castanhos e transparentes para perceber um brilho de menina inquieta que o passar dos anos se encarregou de ressaltar. Nas próximas páginas, está a história dessa batalhadora, uma autêntica mulher de teatro, a quem os palcos brasileiros devem muito. Vilmar Ledesma Capítulo I O Templo No começo dos anos 60, fui visitar uns parentes em Nova York. Tios e primos moravam lá e também uma amiga tcheca que conhecera no Brasil e que fora tentar a carreira de atriz nos Estados Unidos. A viagem tinha um monte de objetivos, mas estava entusiasmada mesmo em conseguir uma vaga para assistir às aulas no Actors’ Studio, a prestigiada escola de Lee Strasberg, um templo da interpretação. Na bagagem, levei cartas de apresentação dos principais críticos da época. Formada há três anos pela Escola de Arte Dramática, e com 24 anos, meu currículo tinha sete espetáculos e dramaturgos respeitadíssimos, como Arthur Miller e Tennessee Williams. Queria simplesmente assistir a algumas aulas na escola por onde tinham passado Marlon Brando, Marilyn Monroe e outros monstros do efervescente cinema americano daquela época. O homem a quem mostrei meu currículo perguntou se eu tinha mesmo “feito tudo isso” e, quando ouviu minha resposta afirmativa, desatou a rir. Fiquei olhando sem entender nada e ele me disse que eu era muito nova para tanto dramaturgo importante e que iria me mostrar onde eu deveria estar. Aquele homem me levou a um teatro onde umas cem pessoas faziam testes para figuração. Fiquei revoltadíssima. Mesmo assim eles me deram permissão para assistir às aulas e era esse o meu objetivo. Fui aluna-assistente, com direito a presenciar as aulas lá de cima, sem piar. Duas vezes por semana eu estava no Actors’, morrendo de vergonha, não falava com ninguém e, é claro, ninguém falava comigo. Sentava na parte de cima, nas últimas fileiras, e lá embaixo, numa espécie de arena, se desenvolviam as famosas aulas de interpretação. De vez em quando apareciam estrelas, como Shelley Winters, Paul Newman e Jo Van Fleet. Demorei para entender que eles lá estavam aprimorando ceninhas, detalhes dos personagens que interpretavam no teatro. Assisti àquelas aulas durante um mês só. Depois de algum tempo, me dei conta de que aquele cara que rira ao ver meu currículo tinha razão. Eu era muito jovem e me faltava, sim, experiência para viver personagens tão complexos, principalmente para os rígidos padrões norte-americanos da época. Até hoje tenho dificuldades com o sono e esses problemas para conseguir dormir começaram alguns meses antes dessa viagem. Em Nova York, aproveitei para consultar um especialista nesse tipo de problema, que fazia um tratamento por hipnose, uma novidade na época. Ele trabalhava numa espécie de manicômio, onde alguns andares tinham trânsito livre, inclusive o consultório em que ele fazia a tal de hipnose, mas existiam aqueles trancados à chave. Não sei se porque eu era muito mocinha, ou porque era um caso especial, ou pelo fato de ser atriz, as pessoas da clínica ficavam meio encantadas e queriam me mostrar as coisas. Bom, resolveram me apresentar o andar dos loucos e nunca vou esquecer aqueles pacientes todos vindo para cima do médico e gritando o nome dele numa espécie de cantoria desesperada. Conhecer essa clínica foi ótimo, principalmente quando voltei ao Brasil e fui interpretar a Catherine em De Repente no Verão Passado, que é internada num manicômio. Tudo é uma somatória de experiências. A insônia, que parecia curada quando eu estava lá, voltou a me atacar quando retornei ao Brasil, e nunca mais foi embora. Tomo remédio até hoje, mas em doses bem menores. Capítulo II O Ovo da Serpente Filha de Karl e Ilse, fui gerada enquanto meus pais fugiam de Hitler, da Alemanha para a Espanha. Nasci em Barcelona, em 15 de setembro de 1935. Filho de austríacos, que já tinham morrido quando nasci, meu pai vivia na Alemanha e lá conheceu minha mãe. Ambos judeus, logo se casaram e tiveram a primeira filha, Ruth, minha única irmã, dois anos mais velha. O clima na Alemanha começava a ficar pesado e meu pai não queria que a filha nascesse no país. Por causa de seus pais, minha mãe insistiu em ter sua primeira filha em Berlim. A pressão de Hitler aumentava a cada dia e papai era um rebelde, não fazia saudações ao führer, e chegara a ser preso por uns três dias. Era advogado e tinha bons amigos alemães. O ovo da serpente do nazismo foi se expandindo e assim que acabou de ler Minha Luta (Mein Kampf), o livro de Hitler, ele se mandou com a mulher e a filha recém-nascida para a Espanha e escolheu morar em Barcelona, onde o irmão dele e um primo já estavam vivendo. Foi assim que eu nasci na capital da Catalunha, mas veio a Guerra Civil Espanhola e a subida de Franco ao poder assustou meu pai, que mandou as filhas de volta à Alemanha para ficarmos com minha avó. Decidido a sair da Europa, ele foi fazer uma viagem à América do Sul com minha mãe. Conheceram o Brasil e a Argentina. Mamãe preferia viver na Argentina mais européia, mas papai insistiu no Brasil, onde via mais possibilidades de reconstruir sua vida. Queimado com as autoridades, ele não podia voltar para a Alemanha e foram a Paris pedir visto de imigração. Se não me engano, quem deu o visto para nossa família foi o embaixador Souza Dantas, que ficou por vários anos na França e ajudou muitos judeus a fugirem das garras dos nazistas. Ruth e eu fomos ao encontro de nossos pais em Paris levadas por uma autêntica babá alemã, que correu perigo de vida nessa viagem, pois estava ajudando duas crianças judias a fugir. Ela nada pediu em troca. Quando chegou em Paris, minha mãe perguntou o que ela queria e a resposta foi “um vidro de Chanel nº 5”. Desembarcamos no Brasil em 1938. Eu tinha pouco mais de dois anos e nada lembro. Meus avós não quiseram sair, achavam que meu pai era louco e que “a coisa” iria passar. Meu avô tinha lutado na Primeira Guerra a favor dos alemães e acreditava que nada de ruim podia lhe acontecer. Em São Paulo, meu pai teve de recomeçar do zero e foi trabalhar como corretor de imóveis, pois seus diplomas não valiam em terras brasileiras e ele tinha mulher e duas filhas para sustentar. Papai se deu muito bem na nova atividade e conseguiu trazer meus avós e meus tios, todos do lado materno, que chegaram ao Brasil no último navio alemão, sem nada. Meu pai ainda conseguira sair da Europa com móveis e algum dinheiro. Na esperança de que aquele horror fosse acabar, uma tia-avó decidira ficar na Alemanha, como milhares de outros judeus. Quando a situação ficou insustentável, ela só conseguiu imigrar para as Filipinas e lá pegou toda a guerra dos japoneses e americanos. Acabou presa em campos de concentração dos dois lados, perdeu o marido e a filha e foi para os Estados Unidos, onde tinha um irmão, aguardando o chamado do outro filho para ir a Israel, o que não aconteceu, pois ele morreu na guerra da independência daquele país. Meu pai a trouxe para morar conosco e essa mulher acabou sendo uma das pessoas mais importantes da minha vida. Ela incentivava minha vontade de fazer teatro, me levava sempre ao cinema, conversava muito comigo, era muito bacana. Chamava-se Margareth (Tante Grete), falava inglês e alemão, tinha horror em dar trabalho aos seus familiares e foi trabalhar em um lar de crianças abandonadas. Era uma mulher extraordinária. Papai jamais voltou à Alemanha nem admitia que nós fossemos. Durante uma viagem para a Europa, o piloto falou que sobrevoávamos a Alemanha e ele cuspiu para o lado. Ele tinha verdadeiro horror a tudo que fosse alemão e não podíamos ter nada que fosse dessa nacionalidade em casa. Volkswagen nem pensar. “Tira esse Hitler carro daqui”, ele dizia a meus amigos que tinham fusca. Papai iria revirar no túmulo se soubesse que hoje tenho um carro alemão. Seu Karl era radical mesmo. Uma vez, o carro em que ele e mamãe viajavam capotou na estrada para São Sebastião. Uma Kombi que passava no local veio socorrê-los e ele se recusou a entrar no veículo e preferiu esperar outro carro. E teve um verão no Guarujá, quando ele me deu um bofetão na frente de todos os meus amigos porque eu estava passando creme Nívea alemão. Outro destino proibido dos Mehler era a Espanha franquista. Papai morreu em 1985, quando tinha acabado de completar 86 anos. Minha mãe hoje tem 94 anos – eles tinham uma diferença de 11 anos – e, infelizmente, está numa cadeira de rodas, perdeu a visão e só enxerga vultos. Era uma mulher lindíssima e essa coisa de ter ficado praticamente cega acabou com a mente dela, que era muito ativa. Mesmo quando já estava meio entrevada, jogava bridge, continuava lendo, assistindo televisão. Só voltei a Barcelona, a cidade onde nasci, na metade dos anos 90. Na época, mamãe ainda estava lúcida e me pediu para tirar umas fotos do bairro onde moramos. Estava quase tudo lá, menos a casa onde vivi meus primeiros anos, que deu lugar a um pequeno prédio. Era um lugar muito bonito, no alto de um morro, e ela ficou muito emocionada quando viu as fotos. Fiquei encantada com minha cidade natal, que é um lugar onde eu até viveria se tivesse de sair do Brasil. Capítulo III Meus Verdes Anos Quando chegamos ao Brasil, mamãe não sabia o que fazer comigo. Minha irmã podia freqüentar o jardim-de-infância, mas eu tinha apenas dois anos e meio e naquela época não existia maternal. Dona Ilse tinha muitas coisas para fazer e, como não podia ficar me pajeando o tempo todo nem tinha dinheiro para pagar babá, conseguiu convencer o diretor a me deixar freqüentar a escolinha. Fiquei repetindo o jardim-de-infância até atingir a idade de ir para a escola. Foram quatro anos com aquelas aulas, que eu absolutamente não achava ruim. Gostava de ser a menorzinha da classe e acho que até já pensava em ser atriz naqueles tempos. No final do ano, tinha uma pecinha, eu sabia todos os papéis e, como sempre faltava alguém, estava lá pronta para substituir. Não lembro nada disso, minha mãe é quem conta. Mais tarde, quando tinha uns 11 anos e estudava no Mackenzie, foram encenar a história do colégio e me chamaram para ser stand-in. A menina que faria o papel principal adoeceu e eu assumi os ensaios. Um dia antes da apresentação, a infeliz ficou boa e fui fazer figuração, coisa que não gostei nadinha. Sempre teve esses lances de eu querer fazer alguma coisa relacionada a atuar e claro que eu não tinha consciência daquilo. Tenho a lembrança de uma infância muito feliz com pais bons, compreensivos. Era bastante moleca, não muito comportada. Quando minha irmã saiu do jardim-de-infância e foi para o Colégio Inglês, é claro que eu queria ir também, mas demorou dois anos para eu freqüentar o Saint Paul. As aulas eram em português, a gente entrava de manhã, almoçava em casa e voltava rápido para a escola, de onde saíamos às três da tarde. Passávamos praticamente o dia todo no colégio. Minha irmã e eu íamos e voltávamos de bonde e mamãe ia nos pegar no ponto. O colégio ficava no Jardim Paulistano, Rua Juquiá, e morávamos na Atlântica, numa casa geminada, alugada. Depois nos mudamos para a Rua Suíça e mais tarde para a Bolívia, todas no Jardim Europa. Nem pensar em comprar pirulitos, doces, algodão-doce – todas aquelas porcarias deliciosas que vendiam na porta da escola estavam na lista das coisas que papai proibira. Como o fruto proibido torna-se irresistível, eu ficava maluca por aquelas guloseimas. Certo dia, estava no bonde observando fascinada uma menina com seu pirulito e nem percebi quando minha irmã saltou da condução. Ruth devia estar com a cabeça na lua e nem percebeu que tinha me abandonado. Resultado: mamãe teve de pegar um táxi, seguir o bonde e me resgatar. Acho que nem devo ter percebido e nem tive tempo para ficar muito nervosa. São assim minhas lembranças de quando garota, bem banais e todas gostosas. Boneca, brincadeiras na rua, eu gostava de tudo, e tinha dois cachorros adoráveis com quem brincava muito. Era uma menina normal, nada retraída, assim como minha irmã. Falávamos com todo mundo e vivíamos na rua. Da época da Guerra, recordo de meu pai ficar ouvindo as notícias escondido, pois era proibido. Lembro daquele clima pesado, já que minha mãe tinha parentes no exterior – não em campo de concentração, mas os que tinham ido para Manila. E estudávamos na escola britânica, onde todos eram estrangeiros. Lá em casa se falava alemão e uma vez chegaram a pintar uma suástica na porta. Nunca vou esquecer do meu pai tentando tirar aquilo, espumando de ódio. Meu avô chegou a ser preso no bonde porque estava falando alemão. E no dia da vitória foi aquela alegria, lembro do meu pai chorando de emoção, da minha mãe, todo mundo se abraçando, chamando a empregada para tomar champanhe, todo mundo pulando e dançando. Capítulo IV Vestido Alinhavado Depois do Colégio Inglês, fui estudar no Mackenzie e lá virei adolescente. Já não era boa aluna, estudava para passar e levava muita bronca em casa porque não seguia o bom exemplo da minha irmã, que era das primeiras da classe. Gostava de estudar línguas. Falo alemão, mas não sei escrever nem ler nesse idioma, inglês escrevo mais ou menos e falo razoável, e francês entendo mas não falo, por falta de prática. Alemão eu falo de ouvido. O alemão foi a primeira língua lá em casa, mas como fui direto para o jardim-de-infância logo estava falando português. Minha irmã e meus pais deviam falar algumas coisas em espanhol, pois moraram em Barcelona mais de dois anos. Mamãe vivia falando “también” e eu a corrigia. Fui adolescente típica. Quando eu tinha 15 anos, a família foi de férias para a Europa. Era uma viagem “enorme” de avião, que era ainda uma coisa que demorava horrores (tinha uma escala na África). Acabara o ginásio e não fiquei nem um pouco feliz quando meu pai anunciou: “Vamos para a Europa e você não vai na tua formatura”. Não gostei daquilo, de ir viajar com pai e mãe e num diário de viagem eu escrevia que coisa mais chata, tanto museu, tanta igreja, eu não agüento mais. O objetivo do meu pai era um roteiro cultural para as filhas. Só que ele não tinha mais paciência para pontos turísticos e em Paris arrumou uma estudante para nos levar aos museus e igrejas, enquanto ia com mamãe para outros lugares. E depois tínhamos que contar tudo, aquela coisa de ele querer dar para as filhas um embasamento cultural. Eu estava interessada mesmo era nos rapazes bonitinhos. Fomos esquiar em Saint Moritz, na Suíça. Mamãe e minha irmã esquiavam bem, mas eu logo torci o pé. Gostava mais dos bailes do hotel. Demos uma volta pela Europa e fomos conhecer Israel. Um casal de amigos de meus pais viajava conosco e eram muito simpáticos. Ficamos dois meses viajando. Em Londres, assisti a Mr. Roberts, peça com Tyrone Power, e fui atrás do autógrafo do ídolo. Ele não podia nos receber e papai prometeu que dava um jeito e conseguiu que ele assinasse. Voltei para o Brasil toda boba com aquele autógrafo que exibia como troféu para as amigas. Já gostava muito de ir ao teatro, minha irmã preferia os balés e papai queria que fôssemos à ópera. Assisti a primeira ópera da minha vida no Scala de Milão. Era O Cônsul, do Menotti, uma coisa bem moderna, teatralizada. Não sou tímida, mas para algumas coisas sou muito tímida. Quando viajo não tenho dificuldades para me comunicar nem me preocupo em estar falando a língua de maneira correta. Tento botar umas palavras em italiano, em francês, de qualquer língua. Não quero nem saber se estou falando errado. Voltei das férias européias direto para o clássico do Mackenzie, uma das opções para o ensino médio da época. Escolhi clássico porque tinha horror à matemática, química, física, desenho também não sabia. Preferia mil vezes a literatura. No colégio, tinha uma turminha que saía junto para bailes e coisas assim. Todo ano meus pais faziam uma viagem que durava uns dois meses e minha irmã e eu ficávamos com minha avó Claire, o que não era nada fácil. Ela me impedia de fazer as coisas, a gente não se dava lá muito bem e eu a achava uma chata de galochas. Quando minha tia-avó veio morar conosco as coisas melhoraram. Um baile marcou bastante essa fase da minha adolescência. Eu não queria perdê-lo por nada desse mundo, mas não tinha vestido apropriado. Depois de pensar muito em como solucionar esse drama, fui no armário da minha mãe, peguei um vestido dela e uma empregada o alinhavou para ficar certinho no meu corpo, pois mamãe tinha uns dez centímetros mais que eu. Dancei a noite toda com aquele vestido alinhavado. Depois contei a travessura para mamãe, que não achou nada ruim, riu bastante, e na próxima viagem me trouxe um deslumbrante vestido de baile. Eu era muito namoradeira, claro que escondido da família, mas namorinho de garota – me apaixonava, grandes romances, coisas de mocinha sonhadora. Acho que foi uma adolescência divertida. Comecei a não me divertir quando decidi fazer teatro. Aquele ano foi difícil. Capítulo V Encruzilhada Profissional Decidi ser atriz antes de completar 16 anos. Eram tempos estranhos, não sabia o que queria fazer da vida e estava naquela fase de procura. Sabia que gostava muito de ir ao teatro, sabia que gostava de imitar as pessoas, sabia que tinha um encantamento com o cinema. Eram os primeiros anos do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), e assisti a quase tudo que foi montado lá, levada por meus pais, fazia parte da cultura geral que eles queriam dar para as filhas. Ruth queria fazer dança e meu pai disse que não iria agüentar duas “loucas” na família. Como eu era mais nova, ele decidiu ser mais rígido quando soube de minhas pretensões artísticas. Minha irmã estudou dança, depois acabou dando aulas e mais tarde desistiu das sapatilhas. Alguns fatos isolados me levaram a prestar atenção cada vez mais na carreira da atriz. Quando tinha uns 14 anos, fui a um acampamento no Paiol Grande, onde encenavam peças de teatro. Só que eu não fui escolhida para fazer parte do elenco e aquilo acabou com minhas férias, apesar de eu ainda não ter essa consciência de que queria ser atriz. Houve também um verão no Guarujá, onde costumava passar as férias, quando Sarita Montiel filmava por lá. Aquele burburinho me punha maluca, eu deixava meus amigos de lado para ficar acompanhando as filmagens, seguindo a equipe. A espanhola Sarita tinha uma espécie de coach, acabei fazendo amizade com essa senhora e ganhei trânsito livre à barraca onde ela dava instruções à estrela. De vez em quando, essa mulher me dizia “faz isso”, eu fazia e ela dizia para Sarita em inglês “está vendo, ela sabe”. Comecei a ver como era gostosa aquela coisa de interpretar um personagem. Sarita era uma mulher lindíssima, mas nunca freqüentou o meu Olimpo de favoritos, habitado naquela época por estrelas como Rita Hayworth, Glenn Ford e Tyrone Power. Ao vê-la no exercício da profissão no Guarujá, comecei a ter consciência que esse trabalho de atriz era maravilhoso e que não era tão distante como eu achava. Voltei para São Paulo com isso na cabeça, mas não tinha a menor idéia de por onde começar. Não conhecia ninguém de teatro, apenas a professora de canto da minha irmã, dona Alice Pincherle, mãe da Nydia Licia. Fui conversar com ela, que me aconselhou a entrar na Escola de Arte Dramática e lá eu veria se tinha talento ou não. Claro que papai foi contra. Ele queria uma filha advogada e fui obrigada a fazer exame na São Francisco. Para conseguir freqüentar a EAD, ele me impôs uma condição: “Se passar na São Francisco, você pode fazer o exame na EAD. Caso contrário não, porque minha filha vagabunda não é”. Fiz e passei. A minha dedicação aos estudos foi tamanha que passei de primeira, e tudo por causa da possibilidade de entrar também na EAD. Durante um ano freqüentei os dois cursos e quando avisei papai que iria largar o Direito, ele me disse para trabalhar e eu fui. Durante os quatro anos de EAD, ele foi muito duro comigo e só começou a amolecer depois de uns anos de profissionalismo, quando começou a ver que eu não estava ali por “vagabundagem”, aquela pressão que todos os pais daquela época faziam. Agora os tempos são outros e a profissão de ator virou uma coisa cheia de glamour. Quando soube da EAD, quis entrar logo, mas não podia freqüentar as aulas antes de completar 18 anos. E meu pai jamais permitiria, mesmo que eu conseguisse quebrar o galho com 17. Estava no terceiro clássico e tinha de fazer cursinho para Direito. Meus colegas Luis Sérgio Person e Antonio Henrique do Amaral eram considerados “malucos” como eu. O futuro cineasta Person já fazia poesias e o futuro artista plástico Antonio, desenhava. Nossos pais se conheciam e achavam que não batíamos bem. E todos éramos obrigados a fazer Direito. São Paulo ainda era uma cidade pequena na época do cursinho para Direito. Eu preferia dar voltas na cidade, freqüentar as casas de chá a assistir àquelas aulas. Um dia, o dono do cursinho vai à minha casa e conta ao meu pai que eu raramente aparecia na aula. Aquilo teve o efeito de uma bomba e foi quando disse ao meu pai que queria mesmo era fazer teatro. Pra quê? Apanhei, foi uma loucura, e foi quando ele falou que eu tinha de passar em Direito. Um pouquinho antes dos exames, o professor do cursinho fez uma avaliação dos alunos, chegou pra mim e disse “claro que você não vai passar”. Bom, basta me desafiar, me provocar, que eu fico louca da vida e ameacei o mestre: “O senhor vai ver quem eu sou. Faço questão de voltar aqui e fazê-lo engolir isso que falou”. Estudei como uma louca naquele último mês. Inglês era fácil, já sabia; português eu gostava, mas latim era realmente a desgraça e nessa matéria passei raspando. Fui muito bem classificada, voltei lá e esfreguei na cara do homem, que me disse que eu tinha passado porque era mulher. Fiquei furiosa. Capítulo VI Grã-fina no Fogo Cruzado Assim como os grã-finos amigos da família, meus colegas da escola dramática também me olhavam de lado. Foram quatro anos bem difíceis e quatro anos que poderiam ter sido fantásticos, pois dos 18 aos 22 é uma maravilha. As coisas começaram a melhorar quando virei profissional. Naquela segunda metade dos anos 50, ser atriz era uma coisa “horrível” e a maioria das pessoas torcia a cara para quem fizesse teatro. Eu estava no meio do fogo cruzado e enfrentando os climas que meu pai fazia lá em casa. Foram tempos difíceis e sentia-me sozinha, já que minha irmã estava estudando numa faculdade nos Estados Unidos. Entrei na EAD em 1954 e me formei em 57. Minha turma é muito bacana. Naquela época, as pessoas se formavam e quase ninguém ia para o teatro profissional, mas da minha turma foram Francisco Cuoco, Chico Martins, Nelson Xavier e Cecília Carneiro. No primeiro ano do curso, não tem palco, apenas teoria. Eu não rendi muito nos dois primeiros anos do curso e nem sei dizer por quê; talvez porque estava vendo um mundo novo. Meus colegas já trabalhavam, davam um duro danado e eu era a grã-fininha no meio deles. Ao mesmo tempo, na minha casa era a ovelha negra. Eu era rejeitada pelas duas classes. Até Alfredo Mesquita, o diretor da EAD, me chamava de “grã-fininha” e impossível ser mais grã-fino do que ele. Aquilo me incomodava, embora tenha feito grandes amigos na época, como Cuoco e Nelson Xavier. Já Chico Martins era tão calado que só ficamos amigos mais tarde, quando profissionais. Comecei a deslanchar nos dois últimos anos do curso, quando o currículo passou a incluir mais teatro e mais palco. O pessoal já se acostumara comigo, não me enchia mais o saco e, enfim, eu fazia parte da turma. Comecei a ir muito bem e me formei com todos os prêmios, aquela bobajada toda, o que foi ótimo para meu pai que vivia me dizendo “tá vendo o que você escolheu e nem nisso você é boa”. Quando me formei, fui esfregar todos os prêmios na cara dele. Continuava morando com a família num palacete na Rua Bolívia, do qual não tenho a menor saudade, pois vivi anos péssimos ali. Depois das aulas, as pessoas iam tomar cafezinho na Praça da República, às vezes eu ia também e, quando chegava em casa tarde, vinham brigas tremendas. A EAD ficava na Rua Maranhão, em Higienópolis, e as aulas eram à noite. Voltava de ônibus, descia na Avenida Brasil esquina com Rua Augusta e andava a pé até a minha casa. Andava não, corria, de medo das ruas escuras. Papai fazia isso de propósito, para ver se eu desistia. Ele sabia que eu era medrosa. Tive traumas de infância, de ladrão, e tinha esses medos. Minha mãe dava uma certa força e muitas vezes me emprestava o carro, mas ela tinha um medo danado do marido. Se ele dissesse “não vai de carro”, não tinha mais conversa. Meu pai não era má pessoa, agia como os pais da época. Com o tempo ficou mais meu fã do que minha mãe. Ele babava por mim. Papai achava – e com razão – que você tinha de se fazer sozinho e ser muito bom naquilo que faz. Certa vez, ele me disse que não queria que eu usasse seu sobrenome e resolvi assinar “Melo” em vez de Mehler. Mas quando entrei no Arena foi tão rápido que não tive tempo de mudar e logo veio Myriam Muniz de Melo (ela deixou o Muniz porque Melo e Mehler eram praticamente a mesma coisa). Myriam e Aracy Balabanian entraram na EAD praticamente ao mesmo tempo da minha formatura. Fiz algumas peças na EAD, como Jacques ou A Submissão, que foi o primeiro Ionesco montado no Brasil, com direção de Gianni Ratto. Fiz a Natacha de As Três Irmãs, do Tchecov, um horror, e em Apaixonados Pueris interpretei uma menina de 12 anos e fui premiada por esse papel. Todos os diretores iam assistir aos exames públicos da escola. Eles precisavam de atores e não existiam tantos assim. No terceiro ano, recebi um convite do José Renato para fazer uma peça e Dr. Alfredo foi taxativo: “Se você for, não volta mais”. Perguntei para o Gianni Ratto o que ele achava e ouvi do meu professor: “Bobagem, Miriam, fique na escola e não se deixe encantar por causa de uma peça. Depois acaba a peça e você fica no olho da rua. Acaba o curso, se forma direitinho”. Fiquei lá os quatro anos e assim que me formei já tinha trabalho. No último ano da EAD, tem exame de direção. Eu não queria ser diretora, mas fui dirigir e a coisa saiu muito bem, mesmo sem querer. Muita gente veio me cumprimentar: “Nossa, nasceu uma nova diretora”. E eu dizia: “Deus me livre, não quero”. Encenei um jogo medieval de 20 minutos. Como meus colegas intelectuais encenavam Brecht, eu me sentia a própria imbecil com meu jogo medieval e ninguém queria ser ensaiado por mim. Eu tinha ainda aquela imagem de menininha e precisei recrutar atores de turmas anteriores à minha, como Odavlas Petti e Ruthinéia de Moraes. Quando a banca – Sábato Magaldi, Gianni Rato, Alberto D´Aversa e Décio de Almeida Prado – avaliou que tinha feito a melhor direção, caiu a cara de todo mundo. Eu tinha conseguido inventar várias marcações boas e usar o palco todo. Como não sabia explicar, mostrava aos atores o que eu queria. Em Black-tie, com Guarnieri Capítulo VII Na Cara do Público Saí da escola dramática direto para os palcos do TBC para fazer uma substituição na peça Rua São Luiz, 27, 8º Andar. Minha personagem era May, adolescente fiel ao espírito dos primeiros tempos do rock and roll, mas nem deu para sentir o gosto da coisa. Depois de duas semanas, tive de sair de cena por causa de uma costela fraturada e um dedo quebrado. No começo do espetáculo, Raul Cortez e eu fazíamos coreografias típicas do rock e eu me acidentei. Sérgio Cardoso me convidara para fazer parte da companhia dele, quando apareceu José Renato, o fundador do Teatro de Arena, grupo que eu acompanhava peça a peça. Ele estava com Gianfrancesco Guarnieri e foi logo disparando: “Tem uma peça que é o seguinte: nós vamos arriscar tudo ou nada. É uma peça nacional, desse cara, o papel é maravilhoso e você faz par com ele. Se for bem a gente continua o Teatro de Arena, caso contrário eu fecho. Você topa?” O convite era irresistível, topei na hora e meu pai ficou louco da vida: “Com tanto teatro bom, você vai logo escolher o Arena”. Estréia de Guarnieri como autor e a de Lélia Abramo e minha como atriz profissional, Eles não Usam Black-Tie arrebentou de cara. Entrou em cartaz em fevereiro de 1958 naquele teatro pequeno. Representávamos no meio do público, até os banquinhos de cena eram vendidos e tínhamos de fazer pra valer. Representar na arena é bem diferente do que no palco tradicional e dispensa “projetar”, isto é, aumentar os gestos, dando maior relevo a cada expressão e movimento, recursos para evitar que o ator “suma” num palco normal. Ficar cara a cara com o público é o maior desafio da arena. Apanhei muito para interpretar Maria, moça simples, moradora dos morros cariocas e fiel a suas convicções. Eu não estava acostumada a fazer peças realistas, nunca tinha feito. Era outra linguagem, tudo era diferente e teatro de arena era uma coisa que, de certa maneira, me assustava, completamente diferente da EAD, onde representávamos no palco e geralmente em teatros grandes. No dia da estréia, eu estava nervosa. Guarnieri entrava primeiro em cena, eu entrava depois correndo e lhe estendia a mão. Ele foi maravilhoso, percebeu o meu nervosismo, apertou a minha mão e passou todo o nervoso que eu sentia, uma coisa impressionante. Lembro muito bem de um ensaio em que José Renato me disse: “Escuta, menina, você não sabe beijar?” Balbuciei um “como assim?” e ouvi do meu diretor que eu colocava o traseiro para trás e não sabia pegar. Ele tinha razão, porque na EAD eu aprendi a fazer “posição” na hora do beijo. Para resolver a questão, Zé Renato marcou um laboratório de beijo comigo e com Guarnieri, para eu perder a inibição. Foi constrangedor de início, mas funcionou. O sucesso de Eles não Usam Black-Tie foi estrondoso. Representei Maria por sete meses e, por uma razão absolutamente pessoal, deixei a peça e fui para o TBC. Antes disso, viajei pelo interior paulista com a turma do Arena fazendo À Margem da Vida e Black Tie. Três anos depois, Augusto Boal me chamou para trabalhar em As Mãos Sujas, de Sartre, que acabou sendo proibida pelo próprio autor, às vésperas da estréia. O Arena remontou às pressas Eles não Usam Black-Tie, que teve modificações no elenco, como a entrada de Juca de Oliveira e Gracinda Freire. Saí do Teatro de Arena depois dessa remontagem. Capítulo VIII O Ano Que Mudou Minha Vida Meu primeiro ano como atriz profissional, 1958, foi movimentadíssimo. Depois do sucesso de Eles não Usam Black-Tie, aceitei o desafio para substituir Elizabeth Henreid que estava saindo de Um Panorama Visto da Ponte, no TBC, espetáculo que eu tinha assistido e amado. Papel maravilhoso, espetáculo idem e a oportunidade de contracenar com atores que sempre admirei, como Leonardo Villar e Nathalia Timberg, que foi uma mãe para mim e me ensinou um monte de coisas. O diretor era Alberto D´Aversa, que fora meu professor no último ano da EAD. Ensaiei apenas três dias e entrei em cena. Nas primeiras apresentações foi complicado, mas logo, e com a ajuda dos meus colegas, comecei a dominar aquela personagem maravilhosa, chamada Catarina. No centro dessa peça de Arthur Miller, está uma família de estivadores de origem ítalo-americana. Sobrinha do casal interpretado por Leonardo e Nathalia, Catarina se apaixona por um imigrante clandestino (Egydio Eccio) e a coisa pega fogo, já que o tio, embora não admita, ama a sobrinha. Um tema forte e desenvolvido com aquela maestria habitual pelo escritor americano, que provocou muita polêmica, principalmente por um “fdp” dito com todas as letras pelo personagem do Leonardo e que deve ter sido o primeiro palavrão dos palcos nacionais. A cena mais polêmica era um beijo na boca que o personagem do Leo dava na minha personagem e logo em seguida fazia a mesma coisa furiosamente com o meu namorado, que sempre provocava “ohs” de espanto da platéia. Era final dos anos 50 e o público não estava acostumado a tais seqüências. O espetáculo esbanjava autenticidade, inclusive nas seqüências de refeições da família, quando comíamos macarrão. Eram infindáveis aquelas refeições, ainda mais aos sábados, quando fazíamos três sessões e era uma tortura comer macarrão três vezes. Minha rotina no TBC, no final dos anos 50, era a seguinte: chegava lá às duas da tarde, ensaiava a peça que faríamos a seguir e depois encenávamos o espetáculo em cartaz. Tinha sessão de terça a domingo, sendo que às quintas, sábados e domingos eram duas sessões. Quando entrei no TBC, aos sábados eram três sessões, mas quando Leonardo Villar renovou o contrato exigiu só fazer duas sessões. Minha participação em Um Panorama seria só de um mês e ainda faltava uma semana quando recebi um telefonema do Luís de Lima, praticamente me intimando a fazer A Lição com ele. É que a atriz escalada para o papel não funcionara e faltavam sete dias para a estréia. Lá fui eu, com o coração na mão, me aventurar pelo universo de Ionesco. Meu professor na EAD, Luís de Lima, era muito exigente e muito bom naquilo que fazia. Era um diretor bastante técnico, matemático, mas eu tinha um pouco de medo dele. O espetáculo tinha dois textos de Ionesco – A Lição e A Cantora Careca –, mas eu só participava do primeiro, que é muito gostoso de fazer. Foi interessante, mas jamais pensei em fazer outra vez um espetáculo de Ionesco, talvez por falta de conhecimento. Eu estava mais interessada em Arthur Miller. Depois de um mês fazendo A Lição, recebi a notícia de que Um Panorama voltaria, devido ao fracasso da peça que a substituíra. Falei com Luís de Lima e fui substituída. Voltei ao TBC com Um Panorama, que no ano seguinte iria para o Rio. Tanta movimentação pelos palcos acabou me trazendo o reconhecimento da Associação Paulista de Críticos Teatrais, que me escolheu a Revelação de 1958. O prêmio foi pelo conjunto de atuações em Eles não Usam Black-Tie, Um Panorama Visto da Ponte e A Lição. Capítulo IX De Repente nos Anos 60 Fiquei um ano no Rio com o TBC e poderia ter continuado contratada do grupo. Só que estava namorando o meu colega de elenco Egydio Eccio e ele queria muito dirigir De Repente no Verão Passado. Acabamos saindo juntos do TBC para montar essa peça do Tennessee Williams, primeiro no Rio, depois em São Paulo. No palco, eu vivia uma personagem incrível, a Catharine Holly, que Elizabeth Taylor fizera no cinema, mas foram tempos de um miserê incrível. Passei dois anos terríveis no Rio, morando em Copacabana, num quarto alugado na casa de duas velhas que pareciam as personagens da peça Arsênico e Alfazema. Sempre tinha a impressão de que elas liquidariam com tudo. Fazia uma refeição por dia, tinha dinheiro contado para chegar ao teatro: a grã-fininha pertencia ao passado. Foi um período muito difícil. Não estava acostumada a ralar daquele jeito – até então morara na casa dos meus pais, onde não me faltava nada. Claro que papai não me ajudava. Para faturar mais algum dinheiro, comecei a fazer um programa de TV ao vivo, às quartas, na TV Continental. Depois de um ano e meio naquele miserê, adoeci, não conseguia dormir, tive grandes problemas. E com a peça, não ganhávamos quase nada – e olha que o “ir mal” daquela época eram umas cem pessoas por sessão, de terça a domingo, o que seria bom para os padrões atuais, quando o público do teatro encolheu tanto como o número de apresentações semanais. Nessa época difícil, recebi um convite do Antunes Filho que me chamava para fazer As Feiticeiras de Salém em São Paulo. Disse-lhe que só precisava de duas semanas para encontrar uma substituta. E o namoro com Egydio acabou ali, com acusações de traição e tudo o mais, mas eu precisava me tratar melhor. As Feiticeiras de Salém foi mais ou menos, até pela direção do Antunes. Naquele comecinho dos anos 60, só se falava em Brecht, e Antunes, que fizera cursos sobre o dramaturgo na Alemanha, queria um certo distanciamento na montagem. Mas não existe distanciamento no drama. Foi nessa peça que conheci Etty Fraser, Glória Menezes e reencontrei Chico Martins. Minha personagem era ótima, a Mary Warren, e o cenário da Maria Bonomi era deslumbrante, caríssimo, pesado. Conheci Maria ainda criança, com uns 12 anos, tínhamos uma amiga italiana em comum e acabamos ficando amigas também. Depois nunca mais a vi e quando nos reencontramos ela já era uma grande artista plástica e estava namorando o Antunes. Meu encontro com Antunes foi interessante. Eu mal sabia que ele era aquele maluco, gritava, mas até que me dava razoável com ele. Ele me assustava muito com aqueles gritos, ensaiava muito – começávamos à tarde e só parávamos alta madrugada, era muito cansativo. Dizia para meu pai que os ensaios não tinham hora para acabar e ele não acreditava, achava que eram desculpas minhas para sair com o pessoal. Certo dia, ele foi me esperar na porta do teatro Maria Della Costa às cinco horas da manhã e quando me viu sair junto com os colegas, ficou todo sem graça e me disse: “Vamos tomar um café?” Com elenco, cenários e figurinos diferentes, De Repente no Verão Passado chegou a São Paulo em junho de 1961, em montagem da Cia. Nydia Licia, novamente com direção do Egydio Eccio. Voltei ao papel de Catherine – a única do elenco original – agora trabalhando com Nydia Licia e Tarcísio Meira. Logo depois, em outubro, voltei ao TBC para trabalhar em A Escada, espetáculo do Jorge Andrade sobre um casal de velhos que não tem mais onde morar, sendo forçado a passar um mês na casa de cada filho e só tendo para conversar o espaço da escada entre cada apartamento. Minha personagem era uma burguesa quatrocentona, apaixonada por um rapaz humilde (Stênio Garcia). O elenco grandioso tinha Cleyde Yaconis e Nathalia Timberg, o diretor era Flávio Rangel, a quem eu já conhecia desde os tempos da EAD e que, junto com Manoel Carlos, fazia parte de uma turma que se reunia no restaurante Gigetto, na Rua Avanhandava. Perdi o contato com Maneco, mas nunca com o Flávio, que foi meu amigo até o final e com quem fiz outras peças. Uma menina que se crê Joana D’Arc me levou de novo à Cia. Nydia Licia para trabalhar em As Visões de Simone Machard, do Brecht. Empregadinha de uma hospedaria francesa, a garota é dada a visões de Joana D’Arc, influenciada pela constante leitura da vida da heroína. Nesses sonhos, transporta para a Idade Média todas as personagens de seu mundo – claro que ela própria encarna Joana D’Arc. Foi um trabalho curioso e Lélia Abramo e Rubens de Falco tinham papéis de destaque. Capítulo X Nas Trincheiras do Oficina A agitação desses primeiros anos de carreira era tanta, que teve uma época em que fiquei uns 20 dias sem trabalhar e já estava me achando esquecida, imagine. Renato Borghi, a quem só conhecia de “Oi, tudo bem” e hoje em dia é do coração, me ligou e falou de uma peça que o Oficina montaria e que seria dirigida pelo Maurice Vaneau. Era Quatro num Quarto, uma espécie de vaudeville russo que já tínhamos começado a ensaiar anos atrás, no Arena, com o nome de A Quadratura do Círculo, mas que não dera em nada devido ao sucesso do Black-Tie e também à decisão do grupo de só montar autores nacionais. Cheguei no Oficina e Renato me disse que o diretor me esperava numa sala dos fundos. Ele tirou uma página e me disse para ler. Quando acabei a leitura, ouvi o vaticínio do homem: “Você é muito ruim, menina. Não pode ser atriz”. Saí do Oficina de quatro, ainda mais que ninguém tinha se manifestado em minha defesa, nem Renato. Fiquei vários dias enfurnada em casa, sem querer sair. Dois meses depois, Renato me telefona dizendo que a Célia Helena iria sair da peça e que ele queria que eu fizesse. “Mas eu sou muito ruim, Renato”. “Vaneau não está mais no grupo e a gente sabe que você não é muito ruim”, ouvi do meu colega, o que gostaria de ter ouvido naquele dia tenebroso da leitura. Ainda estava ressentida, mas mamãe deu aquela força, me aconselhando a mostrar para eles que eu fazia aquela personagem brincando. E ela tinha razão, Quatro num Quarto era uma peça que eu fazia brincando. Não me ensaiaram, tive um ou dois dias de ensaios para ver as marcações e já estava no palco. Tive tanta sorte que a peça, que já estava há um mês em cartaz e com pouco público, de repente estourou coincidindo com a minha entrada. Claro que não por minha causa, mas José Celso Martinez Corrêa, que é muito supersticioso, me chamou de pé-quente. O Oficina começou a lotar e ficou assim por vários meses. Quatro num Quarto, ou Lua de Mel Soviética como dizia no cartaz, virou um grande sucesso. Zé Celso começou a ensaiar Pequenos Burgueses e me convidou. Célia Helena tinha voltado ao grupo. As coisas andavam tão bem que Renato Borghi teve a idéia de um segundo elenco para Quatro Num Quarto, para nos dedicarmos somente aos ensaios dos Burgueses, que estreou em março de 1963. A primeira semana da peça nova foi de casa vazia, mas logo Pequenos Burgueses estourou e virou aquela loucura. Minha personagem era Polia, a jovem alegre que crê no futuro e não se sente derrotada, que representei centenas de vezes. Zé Celso achara em mim a parceira ideal para o Renato, já que ambos somos baixinhos e nos entendemos às mil maravilhas, tanto naquela época como agora. Renato é um dos atores com quem mais contracenei e espero contracenar muito mais ainda. O sucesso de Pequenos Burgueses foi interrompido pela revolução militar, quando a peça saiu de cartaz. Para substituí-la, ensaiamos às pressas Toda Donzela Tem um Pai Que É uma Fera, do Gláucio Gil, que fizera um grande sucesso no Rio, com meus amigos Gláucio e Leo Juzzi, do Teatro Santa Rosa. Eu fazia a donzela, que Joana Fomm criara na montagem carioca, e Ítala Nandi interpretava a Loló, que era muito engraçada. Nossos companheiros eram Tarcísio Meira e Cláudio Marzo, com quem eu estava namorando e que já fazia parte do Oficina, onde entrara substituindo Ronaldo Daniel em Pequenos Burgueses. O pessoal do Rio veio assistir nossa montagem e ouvi muitos elogios do Gláucio e Leo. Mas, nos bastidores, enfrentava uma campanha terrorista do diretor Benedito Corsi, que começou a pegar no meu pé de uma tal maneira, que não agüentei a barra e larguei a peça, sendo substituída pela Lilian Lemmertz. “Você é péssima, você é uma droga...” antes de entrar em cena, sempre ouvia palavras de “estímulo” do meu diretor e já chegava no palco chorando. Felizmente Pequenos Burgueses voltou ao cartaz e retornei ao palco do Oficina. Para substituí-la, Zé Celso resolveu montar Andorra, que estreou em outubro de 1964. Entre outros temas, a peça trazia para o palco a questão do “bode expiatório”. Toda ação se desenrolava numa praça da cidadezinha fictícia de Andorra. O cenário do Flávio Império era um deslumbre, todo branco. Andorra começa com minha personagem, toda vestida de branco, dizendo “eu estou caiando, eu estou caiando”. Era uma peça maravilhosa e eu sabia que fazia muito bem. Tanto tempo depois, lembro de diálogos inteiros, como essa frase: “Se você tem mais medo da mudança do que da desgraça, o que fazer para evitar a desgraça?” Minha personagem era considerada “puta de judeu” e como seu namorado tinha sido morto por acusações anti-semitas, a infeliz acaba sendo currada pelos soldados e enlouquece. Zé Celso resolveu investir bastante nessa cena nos exercícios de improvisação que fazíamos. Ele adorava os tais laboratórios, que de fato funcionavam, embora algumas vezes ele não medisse as conseqüências. Certo dia, ele me avisou para ir com uma roupa velha no exercício seguinte e cumpri a determinação do diretor. Em vez de mandar atores fazerem a cena comigo, ele colocou figurantes. Eram uns caras grosseiros e começaram a me currar de verdade. Vieram três brutamontes pra cima de mim e comecei a berrar e gritar e gritar. Eles iam mesmo me currar, quando Célia Helena, que assistia a tudo na platéia, saltou no palco com um guarda-chuva e começou a bater neles, e Zé Celso “babando” com o resultado do laboratório. A cena da loucura era sempre aplaudida em cena aberta e eu a fazia com um ódio, com uma violência. Essa memória ficou comigo até hoje. Se tiver que fazer uma cena parecida, aquilo tudo me volta. Fiquei três dias de cama, toda machucada, roxa da cabeça aos pés. Com uma remontagem de Pequenos Burgueses e Andorra, o Oficina foi fazer temporada no Rio de Janeiro, poucos meses depois que um incêndio destruiu a sede do grupo em São Paulo, no finalzinho de abril de 1966. Fiquei em Ipanema, pertinho do Teatro Santa Rosa, cujos donos – Gláucio Gil, Leo Juzzi e Hélio Bloch – eu conhecia. Eles foram assistir aos Burgueses e me convidaram para fazer uma peça. Já não agüentava mais encenar Pequenos Burgueses e Renato Borghi me incentivou a trabalhar com o pessoal do Santa Rosa. A peça chamava-se Amoresque (Luv), um texto que fizera muito sucesso na Broadway, e meus companheiros de cena eram Oscarito e Lafayette Galvão. O grande desafio da montagem era convencer Oscarito a contracenar comigo, pois ele não estava acostumado a contracenar. Nos primeiros ensaios, cada um ensaiou sozinho. Oscarito não queria saber muito de mim e me chamava a garota dos “porquês”, pois eu ficava questionando coisas como “Por que tenho que plantar uma bananeira?” Mas, conforme a gente foi juntando, foi muito engraçado. Eles me pediam para fazer chanchada e ao Oscarito para fazer comédia. Como ele não sabia fazer comédia e eu não sabia fazer chanchada, era uma loucura. Sabe quando as coisas não acontecem? Foi assim com esse espetáculo. A única coisa bacana é que fiz uma grande amizade com Oscarito. Corria à boca pequena que ele era muito pão-duro e não pagava sequer um cafezinho. Para mim ele pagava tudo, ficou muito amigo do meu pai também e quando vinha a São Paulo ia almoçar na casa dele. Alguns anos depois, em 1968, voltei a fazer Pequenos Burgueses com o pessoal do Oficina. É que Renato Borghi me ligou e disse que estavam precisando ganhar dinheiro e me pediu para fazer a peça um mês ou dois, já que eu estava com grande popularidade devido às novelas da TV. No elenco estavam Othon Bastos e Marta Overbeck, que conheci ali e viraram grandes amigos. Foi bem no começo de 1968 e coincidiu com a fase de agitação política que culminaria com a decretação do AI-5. Bastante popular como mocinha das novelas, estávamos em cartaz em Belo Horizonte, quando fui procurada por alguns estudantes para que denunciasse na TV que um estudante tinha sido morto pela polícia. Marta e eu fomos num programa ao vivo para divulgar Pequenos Burgueses e no meio aproveitei para dizer: “Olha, ontem um estudante foi morto...” O estúdio foi tomado pela agitação e só se ouvia os gritos de “Corta, corta”, o que realmente ocorreu. Aconselharam-me a sair de lá correndo, que certamente o pessoal do DOPS já estava vindo me prender. Marta e eu descemos pelas escadas os muitos andares daquela TV. Quando chegamos no teatro à noite, a polícia cercava o local e fizemos o espetáculo com as armas voltadas para nós (e eu sabia que a bala era para mim). Alguns colegas ficaram furiosos comigo, dizendo que eu os estava expondo, enquanto outros aplaudiram minha atitude. Mas foi um ato impensado, coisa de momento, de quando você é jovem e não pensa nas conseqüências. Naquela época, era comum tomarmos partido, mas eu agi por impulso. Se tivesse pensando, não teria feito, pois aquilo me trouxe conseqüências. Claro que os estudantes ficaram gratos por muito tempo porque eu tinha conseguido denunciar a morte do companheiro deles na TV. Só que aquela fita foi parar no DOPS e, por incrível que pareça, não fui convocada a depor. Era uma época conturbada, a gente saía do teatro e sempre tinha alguém rondando. Capítulo XI Minhas Mocinhas da TV Entrei na televisão no final dos anos 50, participando dos teleteatros feitos ao vivo. O primeiro e um dos mais marcantes foi Iaiá Garcia, cartaz do famoso Grande Teatro Tupi, no Rio de Janeiro, levado ao ar em setembro de 1958. Manoel Carlos assinava a adaptação do romance de Machado de Assis e no elenco estavam Sérgio Britto, Fernanda Montenegro e Ítalo Rossi. Meu colega no TBC, Sérgio dirigia o famoso teleteatro, apresentado às segundas-feiras. A cara de menininha, que mantive por muitos anos, foi decisiva para conseguir aquele papel. “Nenhuma das minhas atrizes pode fazer Iaiá Garcia, porque elas já não têm mais essa carinha de menina. Você pode, mas não sei se vai dar conta do recado. Será que dá?” Disse-me Sérgio. Respondi-lhe que não sabia, afinal nunca tinha feito televisão, e ele decidiu arriscar e até fizemos um trato: se eu fosse bem, ele me levava para conhecer a boate Night and Day, o local do momento naquele finalzinho dos anos 50. Caso contrário, sairia da apresentação direto para a casa da mãe dele. Aquela noite de segunda me reservava surpresas, tudo correu bem e Sérgio me levou à famosa boate, onde estavam algumas atrizes que depois cheguei a conhecer, como Norma Bengell e Elizabeth Gasper. Eram bem corridas as gravações dos teleteatros no Rio. Saíamos de São Paulo no domingo à noite, depois do teatro, e voltávamos no vôo das 11, na terça, direto para o ensaio das duas da tarde. Era um inferno, a gente trabalhava que nem doido. Sérgio Britto me convidou para participar de outras peças, até que fui para o Rio com o pessoal do TBC e ele ficou em São Paulo. No Rio, Egydio Eccio começou a dirigir teleteatros na TV Continental. Baby Doll, Propriedade Condenada, Um Anjo Dentro da Noite, O Menino de Mony não Chora, Quem Vive Desesperadamente Longe e Sinfonia Pastoral foram algumas das peças que encenamos ali. Nessa época, participei também do Teatrinho Trol, dirigido por Fábio Sabag. Em 1963, trabalhei no Teleteatro Verdade, da TV Excelsior, uma boa oportunidade de fazer personagens bem variados, como a mulher de um coveiro e uma garota suicida. Além dos teleteatros, fiz várias coisas em televisão naqueles primeiros anos da década de 60, como Família Walita, da TV Excelsior, uma espécie de sitcom sobre o cotidiano de uma família. Eu vivia a filha, Renato Borghi era meu namorado, que cantava e tocava violão, e no elenco fixo estavam Márcia Real e Turíbio Ruiz. A cada semana, a família recebia a visita de um artista convidado. Fiz minha primeira novela, a convite do diretor Ademar Guerra, no final de 1964. Era Marcados para o Amor, da TV Record, uma espécie de modernização da história de Romeu e Julieta. Claro que o meu papel era da mocinha ingênua, Silnei Siqueira era o galã e Francisco Cuoco, um vilão. Detalhe: todos os capítulos da semana eram gravados na segunda-feira. No ano seguinte, depois de E a Primavera Chegou, gravada no Rio, Walter Avancini me chamou para A Grande Viagem, da TV Excelsior. Escrita por Ivani Ribeiro, foi a primeira novela policial da TV e eu vivia Elisa, uma garota rica sob a tutela de um tio que não pretende deixá-la desfrutar a fortuna. O grande mistério da trama era quem seria o misterioso chefe de uma quadrilha e sua cúmplice, misturados entre os sobreviventes de um navio que havia naufragado, e minha personagem se apaixonava por um passageiro clandestino, interpretado pelo Fúlvio Stefanini. A Grande Viagem era gravada em São Bernardo, nos estúdios da Vera Cruz, e guardo ótimas lembranças de alguns colegas, como uma turminha formada por Márcia Real e Procópio Ferreira, que sempre nos convidava para almoçar nos melhores restaurantes das redondezas (tinha um restaurante alemão maravilhoso). Aqueles almoços eram demorados, sempre chegávamos atrasados às gravações e lá vinham broncas enormes do Avancini. Mas Procópio era uma pessoa muito divertida, contava milhões de histórias e eu, que sempre fui apaixonada por gente interessante, imagina se ia perder um almoço daqueles para estar na hora da gravação. Vez ou outra, atrasávamos mesmo. No final das gravações, aconteceu uma coisa divertida com meus companheiros de almoço: como um jornal antecipou quem seriam os bandidões, a autora resolveu mudar e colocou toda a culpa no faroleiro e na mulher do comandante, que eram os personagens do Procópio e da Márcia. Antes de A Grande Viagem, fiz muito teleteatro na Excelsior, mas não era mais ao vivo. Saía do teatro mais ou menos meia-noite, ia direto pra TV, ficava a noite toda gravando, chegava em casa ao meio-dia, mais ou menos. O programa era exibido aos sábados. Teve uma vez que o programa não passou. Tinha feito essa “tourada” toda na noite anterior, fui dormir e levantei lá pelas cinco para fazer as duas sessões de sábado no teatro e depois voltar para casa. Encontrei meu pai louco da vida que me disse que eu tinha mentido e que não tinha passado a noite em gravação de teleteatro coisa nenhuma, pois tinham anunciado na TV que por problemas não se pode exibir o teleteatro, que eu devia ter vindo para casa, aquelas coisas todas. Era insuportável. Eu já tinha vivido tanto tempo sozinha no Rio e cada vez que voltava para São Paulo, para a casa dos meus pais, era um horror. Papai nem queria saber de explicações. Tentei ligar para a TV para saber o que tinha acontecido e como ninguém atendia resolvi ir até lá. E não é que não era só meu pai que estava desconfiado? Todos os maridos das minhas colegas estavam reclamando. E não tinha ido ao ar porque alguém tinha apagado o tape sem querer. Resultado: tivemos que regravar tudo. A próxima novela que fiz parou o País e entrou para a história do gênero, como a que permaneceu mais tempo em cartaz. Trata-se de Redenção, que teve 596 capítulos e durou mais de dois anos. Não fiquei a novela inteira, pois minha personagem morreu. Eu interpretava Ângela, a mocinha filha do sapateiro, que sofria pelo amor do médico interpretado pelo Francisco Cuoco, um homem com passado misterioso e recém-chegado àquela cidadezinha (que se chamava Redenção). Depois de um ano, Ângela já tinha namorado, casado, tido filhos e a Gessy Lever, patrocinadora da novela, disse que não tinha mais história para minha personagem, a não ser que ela morresse. O que acabou ocorrendo, depois de mais de 200 capítulos. Era uma delícia contracenar com Francisco Cuoco. Éramos amicíssimos. A sofrida Ângela me trouxe o “estrelato”. A popularidade era medida pela quantidade de cartas que a gente recebia, e isso numa época em que as novelas engatinhavam. Certa vez, recebi carta de uma menina da periferia de São Paulo, que estava muito doente e queria ver a “Ângela” antes de morrer. Sempre havia aquele medo que fosse golpe, mas o pai da garota viera aos estúdios e parecia existir seriedade ali. Resolvi conferir, convidei alguns colegas para irem comigo e quando lá chegamos encontramos a menina na cama. Assim que me viu, ela levantou e com uma voz lá do fundo só dizia Ângela, Ângela. E as pessoas da família começaram a dizer “olha, ela ficou boa”. Aquilo me deixou apavorada, tentei explicar-lhes que a menina devia estar se pondo no lugar da mocinha que eu interpretava e que devia ser esse o motivo da adoração, que essa coisa de cura não poderia ocorrer, e que eu até adoraria ter tal poder. Sei lá se foi uma decisão acertada ir ao encontro da fã, mas saí de lá com a consciência aliviada. Essas coisas, naquela época, eram realmente uma loucura. As novelas estavam apenas começando, havia poucas em cartaz e as pessoas não tinham o menor discernimento entre ficção e realidade. O sucesso de Redenção era tremendo em São Paulo e no Nordeste, mas no Rio de Janeiro a repercussão era bem menor. Na ponte aérea paulista era uma loucura, mas no Rio ninguém me reconhecia, as pessoas não estavam interessadas num canal de São Paulo. Gravava a novela em São Paulo e me apresentava com o Oficina no Rio, fazendo Pequenos Burgueses. Fazia as sessões e voltava no primeiro avião para conseguir gravar. Um dia, passei mal em cena e o médico disse que eu estava absolutamente estressada e que não poderia fazer a peça por 15 dias. Fui substituída e voltei para São Paulo. Como a Gessy Lever tinha decidido acabar com Ângela – e naquele tempo os patrocinadores é que mandavam nas novelas –, eles me prometeram um novo papel de mocinha ao lado de Sérgio Cardoso em Paixão Proibida. Saí dos estúdios da Excelsior, onde conhecia todo mundo, e fui para a Tupi, onde encontrei a resistência de muitos colegas, furiosos porque uma atriz de fora estava vindo fazer a protagonista. Minha foto permanecia na abertura de Redenção e recebia cartas absurdas de gente que não entendia como eu podia ter morrido e não estar morta. “Que negócio é esse de estar em outra novela?” Era 1967 e o público ainda não estava acostumado com o gênero. Na época de Paixão Proibida, Sérgio Cardoso tinha sofrido um acidente de carro que lhe deixara uma marca funda no rosto e ele só podia ser filmado de um lado. Contracenar com um excelente ator como ele era uma maravilha e nos demos muito bem. Capítulo XII Mironga Quebrou os Peitos Em setembro de 1967, com a novela Paixão Proibida ainda no ar, eu já estava de volta ao teatro com Quando as Máquinas Param. Luiz Gustavo e eu encenamos este texto do Plínio Marcos, que também era o diretor. Plínio era muito meu amigo e disse que tinha uma peça para mim; Tatá eu conhecera na televisão e resolvemos produzir a peça nós três. Zé e Nina, nossos personagens, eram um casal de operários que sofre as conseqüências do desemprego. A falta de dinheiro é geral e o conflito com o marido vem quando ela anuncia que está grávida. Espécie de Amélia, Nina lavava roupa pra fora e foi outra proletária importante em minha carreira, como a Maria de Eles não Usam Black-Tie. A peça estreou pelo interior do Estado, enquanto não ficava pronto o subsolo do TBC, onde iríamos inaugurar um teatrinho de bolso, o Teatro das Artes. Aproveitávamos a folga das segundas-feiras para nos apresentar em cidades próximas, onde Plínio fazia conferências para promover o espetáculo. Essas viagens eram feitas em dois carros, o meu e o do Luiz Gustavo. Morava sozinha nessa época. Na madrugada da última segunda-feira de novembro de 1967, voltávamos para São Paulo depois de uma apresentação em Itapetininga. Nosso pagamento estava num saco, cheio de dinheiro trocado, o que acontecia muitas vezes. Eu dirigia meu Gordini com Plínio ao lado e o Tatá vinha no carro dele com o contra-regra Antonio Mattos. Paramos num posto para abastecer e como estávamos sem dinheiro até para a gasolina, recorremos ao saco com o pagamento. Prosseguimos a viagem e de repente, não sei direito o que aconteceu, o carro começou a derrapar e capotou várias vezes, até parar com as rodas no ar. Aquela estrada era uma escuridão só, um breu, e ainda caía uma chuva fina. Plínio, que tinha sofrido apenas alguns arranhões, saiu do carro e começou a gritar: “Cadê você?” E ouvir meus pedidos de socorro (Me tira daqui), sem saber de onde vinha minha voz. Finalmente meu amigo me encontrou – eu estava prensada entre os dois bancos, com uma parte do corpo presa à parte traseira do carro. Ele foi me puxando todo cuidadoso e perguntando se tinha quebrado alguma coisa. “Quebrei meus seios”, respondi e ele desatou a rir: “Quebrou o seio, você é uma louca”. Na verdade, tinha quebrado várias costelas e Plínio, sem a menor idéia do que fazer comigo, me deixou deitada na beira da estrada em cima do seu capote e foi pedir socorro. Imóvel, observava Plínio correr para todos os lados atrás de algo que, a seguir, percebi ser dinheiro. Nosso saco de pagamento tinha voado e o vento se encarregara de espalhar a grana por uma grande área. Luiz Gustavo, que vinha à frente, logo notou que algo tinha acontecido e veio em nosso socorro. Ele me viu deitada na estrada e o Plínio tentando catar o dinheiro. Plínio mandou nosso contra-regra ficar ali tomando conta do dinheiro até amanhecer, enquanto eles me levavam para o hospital. Claro que Toninho foi embora logo atrás de carona, abandonando nosso pagamento espalhado na escuridão. Nossa tragédia acabou virando piada nas noites do restaurante Gigetto. Plínio aumentava a história, fazia a mise-en-scène, dizia “Mironga quebrou os peitos”, e morria de rir. Gozado é que, certa vez, consultara uma cartomante e ela me disse que eu nunca sofreria um acidente de automóvel, mas que tomasse cuidado com ônibus. Uma semana depois dessa previsão, meu carro capotou na Rua Itacolomi, em Higienópolis. E agora escapava de outro acidente sério. Fui atendida no pronto-socorro de São Roque, onde não tinha raio X nem nada e eles me enfaixaram. Perdera os sapatos, estava toda suja de lama e pedi para ser levada para a casa dos meus pais. No dia seguinte, estava na primeira página de todos os jornais e a peça, que não ia muito bem de público aqui em São Paulo, lotou com a “publicidade” gratuita. O médico me proibira de pisar no palco, mas estava louca para representar diante de uma casa lotada e resolvi desobedecê-lo. Entrei em cena toda enfaixada e a cada palavra que eu dizia era um suspiro. Consegui levar até o final, mas era impossível continuar representando daquele jeito e o espetáculo foi cancelado. Em janeiro de 1968, fomos contratados para levar Eles não Usam Black-Tie ao Rio de Janeiro. Não tínhamos nem um contra-regra disponível para a viagem e quem acabou quebrando o galho foi Consuelo de Castro, que era estudante da USP e freqüentava os meios teatrais. No Rio, Consuelo e eu dividíamos uma quitinete e esse convívio diário fez com que ficássemos amigas. Ela já tinha publicado um livro de poemas e prometeu que um dia escreveria uma peça pra mim. Alguns anos depois, cumpriria a promessa e viraria uma grande dramaturga, mas como contra-regra era um desastre e fazia tudo errado. Ficamos dois meses ótimos no Rio. Plínio recebeu um prêmio importante de autor e ganhou matéria na TV Globo. Ele escolheu um trecho da peça, eu disse que aquele estava cheio de palavrões e ele deu de ombros: “E daí? Eles que cortem”. Plínio tinha razão e logo o Rio inteiro passou a falar da peça, pois a edição da TV não tinha conseguido eliminar todos os palavrões. Durante essa temporada no Rio, conheci Perry Salles. Ele foi assistir à peça, rolou uma paixonite e logo veio trabalhar em São Paulo, começamos a namorar e fomos viver juntos. Quando levamos o espetáculo ao Sul, eu já estava esperando nosso filho e trabalhei na peça até os quatro meses de gravidez. Numa das cenas, o personagem do Luiz Gustavo me dava um soco na barriga e ele, com medo de me machucar, cada dia dava o soco mais alto. Estava nos primeiros meses de gravidez quando Walter Avancini me chamou para fazer a novela Ana, na Record. Era inverno, estava grávida de quatro meses e ele, sem perceber meu estado, me convidava para fazer a protagonista. Tinha de contar da gravidez, mas tinha medo de perder o emprego. “Olha, vocês não perceberam, mas estou grávida”, disse ao Avancini, ao diretor Fernando Torres e ao autor Sylvan Paezzo. Ficou um silêncio daqueles, quebrado alguns segundos depois pela voz do Fernando: “Bom, Avancini, geralmente as atrizes não avisam quando estão grávidas. Acho que Miriam talvez não possa protagonizar, mas um papel há de ter”. Eles foram muito bacanas, acabei escalada para um papel menor e ganhando o mesmo salário. Rodrigo, meu filho, nasceu em dezembro de 1968 e ainda fui numa passeata grávida de nove meses e assisti a Galileu Galilei, no Oficina, às vésperas do parto. Gravei a novela até duas semanas antes de o Rodrigo nascer e depois de umas três já estava de volta ao estúdio. Capítulo XIII A Construção do Paiol Com À Flor da Pele, virei dona de teatro, coisa que nunca tinha me passado pela cabeça e que aconteceu meio por acaso. Perry Salles e eu estávamos vivendo juntos e foi dele a idéia de construir um espaço nosso. Assim, avaliava ele, conduziríamos nossas carreiras com rédeas próprias. Nunca pensara nisso, porque eu trabalhava tanto, era sempre chamada por todas as companhias e achava até gostoso fazer uma peça aqui, ali, outra acolá. Nosso filho era ainda um bebê e eu preferia certa tranqüilidade, mas os apelos de Perry foram maiores e em pouco tempo a idéia de ter um teatro me contagiou. Foi assim que surgiu o Teatro Paiol, localizado na Rua Amaral Gurgel, no centro de São Paulo. Um conhecido nosso descobriu duas oficinas já meio vazias, que alugamos e, com uma reforma, virou um teatro. Quem botou o nome foi Lauro César Muniz, pensando no conceito “celeiro das artes”. Começamos a pensar na construção do teatro lá pela metade de 1969. Queríamos um texto nacional para inaugurar nosso teatro e chegamos a falar com Guarnieri, que estava cheio de compromissos. Como tínhamos urgência, pensamos em Consuelo de Castro, minha amiga desde a contra-regragem de Quando as Máquinas Param. Perry ficou encarregado da construção e eu fazia a novela A Cabana do Pai Tomás, produção da TV Globo, gravada em São Paulo. Era a estréia do Sérgio Cardoso na emissora e ele quis que eu fosse a mocinha. A novela era uma mistura do romance famoso do título com E o Vento Levou e Bárbara, minha personagem, era Scarlet O´Hara. Conciliar os ensaios da peça, as gravações da novela e cuidar do meu filho recém-nascido era difícil, mas não parecia impossível, só que as coisas degringolaram depois que um incêndio destruiu os estúdios paulistas da Globo. Já tínhamos gravado uns 20 capítulos, queimou praticamente tudo, tivemos que refazer e no Rio de Janeiro. A equipe foi para o Rio que nem pau-de-arara e não tínhamos nem estúdios para gravar. Gravávamos de madrugada, na folga de outros programas, e demorou até conseguirem refazer a produção. Foi uma época muito sofrida: tinham as gravações no Rio e em São Paulo, os ensaios de À Flor da Pele, a inauguração do teatro e meu filho bebê. Às vezes, pegava a primeira ponte aérea e voltava no mesmo dia só para fazer o espetáculo. Foi barra. Não queria aquela correria e só tinha aceitado fazer a novela porque as gravações seriam em São Paulo. Verônica, uma estudante, moderna e porra-louca, para usar uma expressão da época, era minha personagem em À Flor da Pele. Vinha de uma família tradicional, mas tinha virado anarquista e se apaixonava pelo seu professor marxista. Esse tema – professor e aluna, o mais velho e o mais jovem – é recorrente nas peças da Consuelo. Ela já tinha essa idéia na cabeça e foi desenvolvendo, depois que À Prova de Fogo, sua primeira peça, foi proibida pela censura. À Flor da Pele leva ao palco o cotidiano da vida desse casal de amantes, num espetáculo humano, cômico e trágico que encantou muita gente. Verônica me deu a oportunidade de me sentir ficar livre e solta no palco, criando muito, e para isso foi fundamental a direção de Flávio Rangel, que mergulhou conosco na montagem, realizada em tempos de uma política cada vez mais dura. Perry e eu vivíamos o professor e a aluna, que representavam os valores de duas gerações. A peça estreou em outubro de 1969, revelou a dramaturga Consuelo de Castro e alguns anos depois foi adaptada para o cinema, com Juca de Oliveira e Denise Bandeira. Capítulo XIV Abelardo e Heloisa, uma Paixão Se a encenação de À Flor da Pele fora trabalhosa, nunca poderia imaginar o que me esperava em Abelardo e Heloisa, a segunda montagem do Paiol. Foi meu pai quem nos chamou a atenção para a peça, que assistira na Europa. Ele falou com tanto entusiasmo, que pedi o texto e um agente do autor me mandou. Fiquei fascinada. Perry, na época, não sabia inglês e traduzi mais ou menos para ele, que achou maravilhosa, e partimos para a montagem. Era uma temeridade produzir aquele espetáculo em tempos de repressão e censura rígida. Decididos, partimos em busca de um diretor e o nome de Flávio Rangel estava fora de cogitação, pois Perry brigara com ele. Ademar Guerra e Celso Nunes não se interessaram por nosso projeto e eu insistindo no Flávio que, tinha certeza, era o homem ideal para dirigir aquele espetáculo. “Faz as pazes com ele e deixa de besteira”, aconselhei meu marido. Fomos então convidar o meu amigo, que leu a peça e enlouqueceu, mas disse que não seria possível montar aquele espetáculo como ele concebera no espaço limitado do Paiol. Ele precisava de urdimento (toda a parte mecânica para subida e descida do cenário) e chegou a sugerir o Teatro Sesc Anchieta, mas nós queríamos fazer no Paiol. “Só se vocês o destruírem e reconstruírem”, disse Flávio. Entusiasmado e guiado por seu espírito empreendedor, Perry aceitou o desafio. Antes, ouviu um aviso do diretor: “Na primeira vez que eu brigar com você, saio e tomo um cafezinho. Na segunda, saio e só volto no dia seguinte, e na terceira não volto mais”. Ele fez as duas primeiras, mas a terceira, graças a Deus, não. Se não fosse Flávio Rangel, não teríamos estreado. Destruirmos o teatro e construí-lo de novo foi uma loucura e todos trabalhamos muito. Além de protagonizar o espetáculo com Perry, eu fazia a produção e felizmente contei com a ajuda do Beto Simões, que virou um amigão e meu companheiro de produções até hoje. Era uma produção difícil, mas naquele tempo era mais fácil conseguir as coisas. Fomos atrás e conseguimos a madeira, botas para 27 atores, tecidos para os 120 figurinos. A figurinista Ninette Van Nuchelen fez um trabalho excepcional. Os cenários eram do Gianni Ratto, que estivera alguns anos afastado do teatro e foi convencido pelo Flávio a embarcar na nossa montagem. Ele fez mais de dez cenários, uma loucura. E como se levados pelos deuses do teatro, íamos conseguindo tudo o que precisávamos. No dia da estréia, estávamos os atores – Perry, eu, Cláudio Corrêa e Castro, Márcia Real, Jayme Barcelos – varrendo, tirando o pó. Com medo de perder a voz naquela poeira, usava um lenço cobrindo a boca. A escada não ficara pronta e tivemos que improvisar uma escada de bombeiros da coxia para o camarim de cima. Era uma loucura o que se fazia em nome do teatro, mas o amor e a união eram coisas muito bonitas e nós conseguimos estrear. Em 22 de setembro de 1971, Abelardo e Heloisa ganhou a cena num Paiol completamente remodelado. Desde o dia da estréia até acabar a temporada, nunca teve lugar vago naquele teatro. Mas fora um tremendo risco, pois nós estávamos devendo pro mundo. Tínhamos construído um teatro, feito a produção e empréstimos em dois bancos. Naqueles anos, nem se falava em patrocínio, o dinheiro vinha de empréstimos bancários que tinham de ser avalisados. Fazíamos com a cara e a coragem mesmo. Pagar o elenco imenso e a manutenção daquilo tudo era uma loucura. Nos quatro primeiros meses, pedíamos que as pessoas levassem seus figurinos para lavar em casa. Claro que alguns não topavam e eu levava as roupas deles para serem lavadas na minha casa. Junto com minha empregada, ficava olhando onde tinha mancha, tirar o cheiro do corpo. E tinha só a segunda-feira para fazer isso, pois na terça começavam as apresentações. Quando chovia era um desespero e as roupas eram secadas a ferro. Eu ia para o teatro carregando tanta roupa que meu carro parecia um caminhão de mudança. Foram quatro meses de desespero total. A casa estava lotada, entrava dinheiro, mas tínhamos de pagar as contas. Por incrível que pareça, depois de quatro meses saldamos as dívidas e pudemos respirar um pouco. A primeira cena de Abelardo e Heloisa mostrava o famoso casal já no convento, ela freira e ele padre. Estão ajoelhados e minha personagem reza assim: Abelardo, Abelardo, que estás aqui ao meu lado, santificado seja o teu nome... Ela amava aquele homem com loucura e não conseguia esconder. Depois dessa primeira cena, a peça se desenrolava num flashback que é a memória da Heloísa. Na cena seguinte, ela tem 17 anos. Em quase três horas de espetáculo, Perry e eu trocávamos de roupa mais de dez vezes. Como o figurino era de época e essas trocas tinham de ser feitas em segundos, cada um de nós tinha uma camareira exclusiva. “Você sai de cena à direita e troca de roupa à esquerda, onde vai entrar”, tudo era absolutamente marcado e essa operação levava em conta os corredores apertados, onde ficavam todos aqueles atores, já que estávamos em um teatro pequeno. Eu tinha duas cenas de nudez, uma das primeiras do teatro brasileiro. A primeira, quando despiam Heloísa para paramentá-la de freira e ela aos prantos, porque não queria entrar para a vida religiosa. A roupa caía, eu dava um passo para a frente e era nudez frontal, mas não se ouvia um pio na platéia. “Agora murmure o sagrado nome de Jesus”, ordenava a madre superiora (Márcia Real) e a apaixonada Heloísa falava: “Abelardo”, diante de exclamações de surpresa do público. A outra cena, quando os dois amantes transavam, feita com um véu na frente, era tão bonita que parecia um balé. Quando papai assistiu à peça na Europa, a atriz não ficava nua, usava uma espécie de malha. No começo dos ensaios, falei para o Flávio que me mandou trazer a malha para ver como ficaria na luz. Não deu certo. A luz dos refletores revelava uma costura do pescoço até lá embaixo. “Parece que você fez uma cesariana de cima abaixo. Isso é que é pornográfico”, disse-me o diretor, que me mandou ficar despreocupada, pois a cena seria feita com pouca luz. Obviamente, não contei para o meu pai que ficaria nua e quando ele foi assistir a cena era tão bonita que não falou absolutamente nada. Foi difícil ficar nua em cena. Já tinha tido meu filho e havia aquelas dúvidas se estava com o corpo bonito ou não. Isso só no começo, pois depois a gente acostuma e nem lembra que está sem roupa diante do público. No fim da temporada paulista, adoeci e fiquei muito magra, tipo Biafra mesmo. Pesava uns 47 quilos e cheguei a 40, todos os meus ossos apareciam, via-me magra, horrenda e não conseguia engordar de jeito nenhum. Foi a época da separação do Perry. Cheguei até a fazer exames para ver se não tinha uma doença horrível, pois a magreza era tamanha que as pessoas estavam assustadas e eu também. Em cena, maquiada, o rosto ficava bem, mas o corpo não. Pedi ao Flávio para não ficar nua no palco e ele me deixou usar uma túnica, mas assim que melhorei um pouco parei de usá-la, pois não tinha nada a ver. Mulher emancipada que enfrenta os tabus de sua época, Heloísa era uma freira sem vocação, levada pelas circunstâncias, e num trecho do espetáculo aparecia ainda menina. Na vida real, foi uma excelente madre superiora, mas sempre amando Abelardo. As cartas que ela escreveu para o amado são deslumbrantes, ele respondia falando em Deus e ela nunca deixava de lado o “meu amor, minha paixão primeira”. Abelardo era muito católico, Heloísa não. Na construção do personagem, Flávio Rangel queria que eu passasse alguns dias em um mosteiro para observar o comportamento das religiosas. Acabei não indo, mas Perry foi e teve alguns dias de retiro. Cláudio Corrêa e Castro fazia um padre muito amigo dos dois e Jayme Barcelos, o tio de Heloísa, tão apaixonado pela sobrinha que mandou castrar Abelardo. Perry e eu nos separamos durante a temporada paulistana de Abelardo e Heloisa, depois de quatro anos juntos. Todo fim de casamento é complicado e o nosso também não foi fácil, mas não abandonei a peça e fomos apresentá-la no Rio. Ainda me sentia muito mal com tudo aquilo que estava ocorrendo e era um espetáculo que exigia muito de mim. Em São Paulo, fui muito bem e no Rio nem tanto, estava doente, me sentindo muito mal. Fui aconselhada pelo médico a abandonar a peça, cheguei a pedir substituição, mas isso acabou não ocorrendo porque não era fácil encontrar uma atriz que enfrentasse esse personagem – graças a Deus para mim, que já me sentia dona da Heloísa. Acabamos eliminando a segunda sessão, ficou só uma por dia, porque senão eu não agüentaria. Abelardo e Heloisa foi um espetáculo marcante e até hoje vêm pessoas me dizer que nunca vão esquecê-lo. Nem eu. Capítulo XV A Censura e a Bonitinha Depois da separação, Perry ficou morando no Rio e fizemos um trato: cada um ficaria responsável pelo Paiol durante um ano, alternadamente e, sozinho, receberia de volta os frutos de seu trabalho, fossem lucros ou prejuízos. Em 1973, alugamos o teatro e, no final do ano, comecei a ensaiar Bonitinha, mas Ordinária, que estreou no começo do ano seguinte, minha primeira produção sozinha. Montada no Rio com Tereza Rachel, Bonitinha foi uma das primeiras peças de Nelson Rodrigues encenadas em São Paulo. Tinha vontade de voltar a trabalhar com Antunes Filho, com quem fizera As Feiticeiras de Salém, lá no começo de minha carreira. Começamos a pensar num espetáculo, Antunes veio com a idéia de levar um Nelson Rodrigues, comecei a ler tudo que o dramaturgo escrevera e fiquei encantada com Bonitinha, um de seus textos mais fortes e significativos. A obra de Nelson sempre me interessou. Analisando as relações do homem com a sociedade que o cerca, ele demonstra claramente sua idéia: o ser humano nasce puro, com vícios e virtudes em latência, e é a sociedade que o corrompe. Além de trabalhar como atriz, fiz a produção, outra vez junto com Beto Simões. Ficava 12 horas no teatro e foi muito desgastante, apesar do resultado excelente. O trabalho era tanto e a pressão tão grande, que comecei a questionar o papel do teatro na minha vida. Teatro é para ter prazer, não para sofrer. Minha personagem era a Ritinha, professora de dia e prostituta à noite, lutando pelo seu ideal que é casar as três irmãs virgens de qualquer maneira. Se a sociedade a obrigou a ser isso ou aquilo, a fazer isso ou aquilo, ela soube assumir suas posições e lutar pelo que acreditava válido. Bonitinha era deslumbrante, mas sua realização foi marcada por dificuldades. Sabe quando começa a dar bolo em tudo, até nos figurinos? Foi assim. Não gostei de cara dos figurinos que Tulio Costa tinha desenhado e falei para o Antunes. Ele me disse que eu estava louca e as roupas eram maravilhosas. “OK. Vou mandar fazer então, mas uma vez só, viu?” No tradicional dia de desfilar os figurinos, Antunes começou a ter um ataque ao ver certas roupas, como as da personagem da Silvia Borges, por exemplo. Ele me dizia que precisava fazer novos figurinos e eu respondia que não tínhamos mais dinheiro e se ele fizesse tanta questão, que bancasse. Antunes deu um jeito e conseguiu outras roupas com uma namorada que tinha acabado de chegar da Europa. Antunes me convenceu que tinha que ter música ao vivo e tenho vontade de me bater quando penso que aceitei. Tentei argumentar que música ao vivo em teatro nunca dá certo, pois os músicos acabam faltando. Ele insistiu e tive que contratar três músicos para tocarem ao vivo. Na estréia eles vieram, mas depois se dois estivessem lá era festa. Outra novela foi a liberação da censura. No dia da estréia, recebi o aviso de que a peça tinha sido censurada. Implorei e me disseram que a censura teria então de assistir o ensaio geral daquela noite, que era a estréia para convidados. Tive que desalojar umas 12 pessoas que ficaram no chão para que a turma da “tesoura” assistisse. No dia seguinte, fui à Censura e me informaram que o espetáculo estava “fechado”. Eu, que tinha 22 atores e três músicos nas costas, esgotei meu estoque de argumentos. Nada adiantou. Sem saber o que fazer, fui para o teatro e reuni o pessoal para avisá-los. Uma das atrizes, a professora de flamenco Paula Martins, me disse que seu ex-marido Hildebrando Martins, deputado em Brasília, poderia nos ajudar. Ligou na hora para ele, que me disse para pegar o primeiro avião para Brasília no dia seguinte, que ele ia me pôr em contato com a censura. “Vamos, Antunes?”, convidei meu diretor e ouvi um “detesto milico” como recusa. O diretor Antonio Mercado, que tinha feito as letras da músicas da peça, ofereceu-se para ir comigo, o que foi uma sorte, pois ele era também advogado. Felizmente, o chefe da censura tinha assistido Abelardo e Heloisa e era meu fã. Mas era a época negra da censura e ele me disse: “Estou vendo que a senhora não respeitou nenhum corte. Agora vamos ver a cena que a censura cortou e vocês vão me representar”. Avisei que não podíamos, que Mercado não era ator e que só estava ali para me acompanhar. O homem não quis nem saber e tivemos que fazer a cena da curra, com a impressão de que estávamos servindo de mico de circo. Fizemos aquela cena e mais outras um monte de vezes e ele prometeu uma decisão para dali a algumas horas. De volta ao gabinete, ainda deu para ouvir aquele homem falando com alguém ao telefone: “Vou liberar a peça, mas vou barganhar com ela”. Ele mandou fazer uns 30 cortes, inclusive eliminar palavras como general e outras, mas nada que inviabilizasse a peça. E eu tomando nota de tudo e avisada de que poderia fazer a peça, mas que teria um censor de plantão na platéia para ver se os cortes estavam sendo observados. Passei as alterações por telefone e Antunes começou a ensaiar com os cortes exigidos. Avisei que estava chegando assim que pudesse. O espetáculo começaria às nove, consegui chegar umas dez e meia e o público inteiro estava lá esperando. Ensaiei rapidamente meu corte e entrei em cena. A temporada de Bonitinha, mas Ordinária só acabou mais tarde e por problemas no elenco – uns adoeciam, outros ficavam histéricos, uma coisa absurda. Era uma substituição por dia, até que decidi que não agüentava fazer aquela peça nem mais um dia. Nelson Rodrigues assistiu ao nosso ensaio geral, adorou a montagem e disse-me que tinha sido uma das grandes alegrias de sua vida. Ele escreveu um artigo com suas impressões, que foi publicado e ajudou a consolidar a carreira do espetáculo. Todas as noites, lá pelas duas da manhã, meu telefone tocava e, do outro lado, eu ouvia a mesma frase, naquela voz inconfundível do dramaturgo: “Minha musa, quanto deu hoje?” e claro que ele se referia à bilheteria do espetáculo. Nessa peça, conheci Ênio Gonçalves e casamos um ano depois. Capítulo XVI No Embalo dos Anos 70 Depois de Bonitinha, eu só queria umas férias, e no Paiol ficou Greta Garbo Quem Diria Acabou no Irajá, com administração e produção de Lenine Tavares. Meu administrador e amigo Beto Simões ficou doente e teve que fazer uma operação. Como eu não sabia administrar um teatro, Lenine se ofereceu para fazer isso em troca de um favor: substituir Pepita Rodrigues em Greta Garbo. Foi ótimo, eu contracenava com Raul Cortez nessa comédia rasgada e ríamos muito em cena. Nos entendíamos muito bem e se Raul me aprontasse alguma, eu aprontava pra ele também. Cheguei a representar com Mário Gomes e depois entrou Marcelo Picchi no papel do garotão. Salva chegou através do Ademar Guerra, que queria muito encenar esse texto de Edward Bond. Achei a história, que incluía o assassinato de uma criança, violenta demais, mas ele me convenceu que era teatro moderno e bem mais interessante que encenar um “draminha”. Resultou num fracasso imenso. Uma minoria achava uma maravilha e tinha também aqueles que iam me esperar na saída para tirar satisfações e dizer como eu tinha montado aquela coisa tão agressiva, depois da maravilha que foi Abelardo e Heloisa. Salva era avançado demais, muito moderno e muito violento. Uma das inovações que o diretor bolou era que os atores não agradeciam no final, o que deixava o público furioso. Com esse espetáculo, que ficou pouquíssimo tempo em cartaz, Lenine Tavares e eu perdemos muito dinheiro. Felizmente, fomos logo convidados por Othon Bastos e Marta Overbeck para nos associarmos a eles e viajarmos com Um Grito Parado no Ar. Renato Borghi e Márcia Real também entraram no elenco dessa peça do Guarnieri, que fizera sucesso em São Paulo e continuou sua trajetória de êxito pelo interior do Estado e no Norte e Nordeste do País. Quando voltamos da viagem, Renato, sua então mulher Ester Góes e eu decidimos montar Absurda Pessoa, do inglês Alan Ayckbourn, comédia protagonizada por três casais de classes sociais bastante diferentes. Os personagens eram bem neuróticos e eu interpretava a mulher do Tony Ramos. “Engraçado, sou inteligente, dinâmica, tenho um certo charme, mas sou sempre relegada ao tambor. Não passo de um fardo para as pessoas, por isso me dopo e vou partir para o suicídio que é a única solução”, assim a minha personagem se apresenta no programa da peça. As outras duplas eram Ester e Luiz Carlos de Moraes, Paulo Padilha e Márcia Real, e os três casais só se encontravam no epílogo. Conheci Márcia Real na televisão, mas foi no teatro que nossa relação se fortaleceu. Presença intensa e amiga, tive a honra de trabalhar com Márcia em cinco peças que produzi. Delícia de pessoa, Tony Ramos é daqueles colegas com quem contracenar é sempre um ato prazeroso e logo em seguida voltamos a nos encontrar em Leito Nupcial. Nos entendemos às mil maravilhas e olha que em viagens sempre acontecem imprevistos, o caminhão quebra e essas coisas. Andamos de carro pra chuchu, mas sempre numa boa. Apenas nós dois em cena, a peça mostrava o dia a dia de um casal durante 35 anos de vida em comum. Nossos personagens iam dos 18 aos 60 anos, numa época em que nessa idade as pessoas eram consideradas “velhas”, bem diferente do que ocorre hoje. Peça muito gostosa, Leito Nupcial fora montada no TBC, com Cacilda Becker e Jardel Filho, e também filmada, com Lili Palmer e Rex Harrison. Leito Nupcial estreou logo após o término da novela A Viagem, que Tony Ramos tinha feito na Tupi. Como não tínhamos teatro em São Paulo, resolvemos mambembar pelo interior, de abril a junho de 1976, sempre com muito sucesso. Íamos fazer Norte e Nordeste, mas eu estava numa fase de não querer de sair de São Paulo para ficar para não deixar marido e filho sozinhos. Assim o espetáculo parou. Sete anos depois, produzi uma remontagem, dessa vez contracenando com Geraldo Del Rey. Leito Nupcial foi dirigida por Emílio Di Biasi e depois dessa peça trabalhamos juntos outras vezes. Capítulo XVII Meus Contatos com o Cinema Sempre fui mulher de teatro, mas a vontade de fazer cinema me perseguiu durante a carreira toda. Só que até hoje isso acabou não acontecendo. Trabalhei em alguns filmes, nada que me dê orgulho, e a sensação é a de desconhecer esse veículo. Quando era a mocinha da novela Redenção, tive meu primeiro contato com o cinema com o curta A Pedra. O diretor foi meu amigo Abrahão Berman, que tinha estudado Super-8 na Europa e fez um movimento desse formato por aqui. Escrevemos juntos o roteiro e rodamos em casa mesmo durante alguns fins de semana. Era só eu de atriz e, como Abrahão já morreu, não tenho idéia se a cópia ainda existe. Meu nome está nos créditos de O Bandido da Luz Vermelha, clássico do cinema nacional dirigido pelo Rogério Sganzerla. É praticamente uma aparição e o convite veio por intermédio da Consuelo de Castro, que conhecia todo o pessoal do cinema novo. Apesar de ter ganho prêmio de melhor coadjuvante por Mestiça, A Escrava Indomável, da Lenita Perroy, não fiquei nada satisfeita com minha interpretação. No cinema, a representação precisa ser contida e muita expressão resulta em desastre na tela. Foi o que ocorreu comigo, que estava over, mas como ninguém me disse nada, só percebi o resultado quando assisti ao filme e achei muito ruim. Mestiça é de 1973, após o fim de Abelardo e Heloisa, e eu interpretava a antagonista da Sônia Braga, que vivia a personagem-título. As filmagens foram numa fazenda lindíssima em Campinas. No começo dos anos 70, cismaram que eu era uma ótima dubladora e passei a emprestar a voz para atrizes que tinham dificuldade com a fala. Começou com Walter Hugo Khouri, que me chamou para dublar Jacqueline Myrna, que tinha sotaque afrancesado, em As Amorosas. Em Juliana do Amor Perdido, do Sérgio Ricardo, faço a voz da Maria do Rosário Nascimento e Silva. Tanto Jacqueline quanto Maria do Rosário ganharam prêmios com essas atuações. O último filme que dublei foi Compasso de Espera, do Antunes Filho – a voz de Renée de Vielmond, que era muito novinha na época. Já conhecia Antunes de As Feiticeiras de Salém e o avisei de que se ele desse um berro comigo eu iria embora. Comigo ele nunca deu, mas berrou com um colega e me mandei. Na dublagem, Antunes foi uma lady comigo, cheio de cuidados, mas descontou tudo logo depois na peça Bonitinha, mas Ordinária. Após Tempo de Espera, decidi não fazer mais dublagem. Estava cansada de ver outras atrizes ganharem prêmios com a minha voz e queria ser chamada para atuar. Isso não ocorreu. Só fiz Dora Doralina, dirigido pelo Perry Salles, que teve uma realização conturbada. Minha participação era pequena e filmamos uns dez dias no rio São Francisco, sempre com brigas homéricas, pois Perry era diretor, ator e produtor. Eram atividades demais para uma pessoa só e ele, que não é de levar desaforo para casa, ficava nervoso e brigava com todo mundo. Perry estava casado com Vera Fischer, que era a estrela do filme, com quem sempre me dei muito bem. Ao contrário do que muita gente pensa, ela não foi o estopim para o fim do nosso casamento. Nos separamos em São Paulo e Perry só a conheceu meses depois, no Rio, e ficou apaixonado. Nunca tivemos problemas de relacionamento e quando ia para o Rio com meu filho, ficava hospedada na casa deles; quando eles vinham para São Paulo, ficavam na minha casa também. Capítulo XVIII Anne Frank aos 40 Durante uma conversa com Lenine Tavares, veio a idéia de remontar A Moratória, espetáculo de Jorge Andrade, que fora encenado na metade dos anos 50, com Fernanda Montenegro. Dessa vez, fiquei só como atriz, produzida pelo Lenine e novamente dirigida pelo Emílio Di Biasi. Era amiga de Jorge Andrade desde os tempos da EAD. Ele sempre aparecia nos ensaios, dava sugestões e não permitia que se cortasse uma palavra de seu texto. A Moratória era longa e a gente insistia: “Mas Jorge, não dá para cortar um pedacinho só”, e ele tinha sempre a mesma resposta: “Não pode!” E durante a temporada, aparecia quando a gente menos esperava para ver se a peça estava sendo encenada tal como ele a concebera. Minha personagem chamava-se Lucília e era costureira, o que foi uma dificuldade, pois a máquina de costura era para trás e eu não tenho coordenação motora. A Moratória inaugurou o Teatro FAAP e fez sucesso. Quando fazia Eles não Usam Black-Tie, Antunes Filho montou O Diário de Anne Frank. Saía do palco e pegava o finalzinho do espetáculo, que eu adorava e vira pela primeira vez com uma companhia italiana. Sempre tive muita vontade de interpretar Anne Frank e isso acabou acontecendo em 1977. Estava com 42 anos e iria interpretar uma menina de 13 anos e isso gerou uma série de críticas de alguns colunistas e também da classe teatral, antes mesmo de o espetáculo estrear. Encorajada pelos amigos, fui em frente. Em toda minha carreira, sempre procurei textos que tivessem algo a dizer, que pusessem a cabeça do público para funcionar, nem que fosse por alguns minutos. Foi isso que me levou a montar Anne Frank – a história daquelas oito pessoas de duas famílias judias presas por dois anos e meio em um sótão em Amsterdam, Holanda, durante a ocupação nazista. Apesar de ter ocorrido numa época determinada, envolvendo uma raça, uma religião específica, aquela história continuava de uma atualidade impressionante, e isso continua acontecendo ainda hoje, com qualquer raça, cor ou religião. O assunto continuava a mexer com corações e mentes, pois chegamos a receber um aviso do Comando de Caça aos Comunistas dizendo que uma bomba iria explodir no teatro. Estreando como diretor, Antonio Mercado fez uma comparação legal com a situação dos bóias-frias. Uma das coisas que me tocavam era a evolução de Anne no período do confinamento. Nos primeiros tempos, ela não tem noção da gravidade da situação e se ilude achando que aquilo é por pouco tempo. Com o passar dos meses, começa a se conscientizar, tomar iniciativas, ajudar seus companheiros de cativeiro, observar como eles se comportam, como suportam seu cotidiano. É nesse período que floresce o primeiro amor com um rapazinho, mas logo ambos são levados para o campo de concentração. A história é real e saiu dos diários de Anne Frank, publicados por seu pai, o único deles que sobreviveu. Não tive grandes dificuldades para interpretar aquela garota. O único detalhe complicado foi minha voz, um tanto grave para uma menina. Tomei cuidado redobrado para evitar cair no problema contrário, que seria a voz forçadamente fina, uma imitação de voz infantil, o que poderia transformar a personagem numa caricatura. Um dos motivos de minha insistência em montar a peça era dar uma alegria para o meu pai. Sempre soube que era judia e os grandes feriados judaicos eram sempre respeitados por ele. Quanto a mim, acredito em Deus. Apenas isso. Obviamente, meus pais gostariam que eu me casasse com um bom judeu. Casei três vezes, nenhum dos meus ex-maridos era judeu e eles nunca se opuseram. Agora, na minha “velhice”, tive a felicidade de encontrar o Salomão, que, por acaso, é judeu. Mas para mim pode ser o que quiser, isso não interessa. Quando meu filho Rodrigo fez 13 anos, decidi fazer a cerimônia do Bar Mitzvah. Achei que seria bom para o meu pai, que já estava começando a ficar doente, e também era importante para o meu filho, que não sabia nem que era judeu, ter uma noção. Fizemos a cerimônia, meu pai ficou muito feliz e eu sempre disse para o meu filho que quando ele quisesse poderia escolher. Minha origem é judaica e, por tradição, nas duas datas mais sagradas – Ano-Novo e Dia do Perdão – vou à sinagoga quando posso. Gosto de ouvir as prédicas do rabino Henry Sobel que, aliás, ensaiou os costumes das festas judaicas com a turma de O Diário de Anne Frank. Capítulo XIX Eterno Recomeço O Teatro Paiol inaugurou com uma peça de Consuelo de Castro e encerrou com outra da mesma autora. Foi O Grande Amor de Nossas Vidas, drama com sete personagens sobre o universo de uma família classe média baixa. O espetáculo não funcionou e saiu logo de cartaz. Depois fizemos uma temporada popular no Municipal e lá a peça virou uma comédia, o que sempre deveria ter sido. O público ria de tudo, o espetáculo virou um sucesso e em uma semana conseguimos reaver a produção – e isso cobrando preços populares. As coisas melodramáticas eram na verdade muito engraçadas, mas ninguém tinha percebido. Minha personagem chamava-se Marta, uma mulher ignorante, burra, revoltada, recalcada e outras coisas mais, com devaneios que lhe permitiam fugir da triste realidade em que vivia. Depois de dez anos, o Paiol precisava de uma reforma, foi isso que me disse Beto Simões. Era preciso injetar dinheiro, eu não tinha nenhum e o dono do teatro queria um aluguel muito maior. Como não tinha grana para bancar a reforma, resolvi devolver o espaço e fui avisada que precisava entregar os galpões do jeito que eles estavam há dez anos. O homem queria que eu destruísse o teatro, sugeri que ele o alugasse para alguém e ele me disse que só se eu arrumasse esse alguém. Como Paulo Goulart estava à procura de um espaço, ofereci o teatro para ele e chamei Perry para me ajudar nas negociações. Não cobramos nada pelo ponto, pelo teatro montado com tudo (luz, refletores, som, urdimento). A única coisa que pedimos foi para o Paulo assumir as dívidas trabalhistas dos três funcionários que estavam conosco desde o início. O acerto foi no sindicato e o Paulo deu essa quantia, nada muito significante. Um item no contrato dizia que a cada época, acho que dois anos, Perry ou eu podíamos entrar no Paiol por quatro meses, pagando apenas o mínimo, só as contas e sem porcentual. Isso chegou a ocorrer quando fiz Não Explica que Complica e Doce Privacidade, encenadas no teatro que um dia fora meu. Senti uma dor no coração nas primeiras vezes que voltei ao Paiol depois de ter deixado de ser dona e vinham aqueles pensamentos de isso aí foi meu, agora não é mais e fiquei aqui tanto tempo. As recordações estavam por todo lado, inclusive uns buracos na parede que tínhamos feito com martelo em punho porque o arquiteto dizia que aquilo era bom para a acústica, e era mesmo. Tanta coisa que a gente fez lá dentro. Perry ficou só dois anos, mas eu fiquei dez. Ainda bem que sentimento de posse não faz parte de minha personalidade – vou me desligando das coisas – e uns anos depois o Paiol já era passado. Depois que deixei de ser dona de teatro, fiquei um ano sem trabalhar. Nesse período horroroso, tive que vender livros para sustentar a mim e a meu filho. Chorava todos os dias. Era isso ou aceitar a proposta que meu pai fizera: alugar meu apartamento, voltar a morar com eles e usar o dinheiro do aluguel para pagar o colégio do Rodrigo e mais alguma coisa. Até cheguei a pensar nessa proposta, mas seria um inferno voltar para casa dos meus pais, com mais de 40 anos – era uma mulher que não tinha dado certo e certamente seria massacrada. Não poderia aceitar aquilo. Como não sabia fazer outra coisa além de representar, encontrei um anúncio de jornal que procurava alguém para comunicação. Era para vendas, claro, e acabei me dando até bem nessas malditas vendas. Odiei fazer aquilo, mas ganhei dinheiro. Junto com as vendas, comecei a fazer algo que nunca tinha feito, dar aulas de teatro. Meus alunos trabalhavam em processamento de dados e iam para as aulas exaustos depois daquela atividade mecânica. Acabei desenvolvendo um método de aula para relaxá-los, eles gostaram. Encenei com essa turma um espetáculo que deu muito certo e vi que tinha esse tipo de filão na mão também. Daí por diante, dei aulas de interpretação por mais de dez anos. Como não me chamavam para nada no teatro, resolvi ir atrás quando soube que Irene Ravache ia sair da comédia Tem Um Psicanalista na Nossa Cama e ainda não tinha substituta. Liguei para Zé Renato, que produzia o espetáculo e, depois de ouvir que era muito baixinha para o papel, soltei o verbo: “Olha, nunca me disseram na EAD que a gente tem de ter uma certa altura. Sei que anã de jardim eu não sou e baixinho é você, que tem quase a minha altura”. A conversa acabou aí e resolvi ligar para o diretor da peça, que era o Odavlas Petti. Liguei pro Dadá e perguntei-lhe se ele achava que eu podia fazer aquele papel e ouvi um “É claro, Miriam!”, e entrei na peça. Era um catatau de texto para decorar em apenas 15 dias e nas primeiras apresentações me dei mal, mas depois fui relaxando e o espetáculo que iria ficar em cartaz por apenas mais dois meses teve vida por quase um ano mais. Com este espetáculo, comecei a voltar outra vez para o teatro. Foi difícil essa volta. Depois de dez anos como atriz-produtora, ninguém me chamava e eu tinha “chamado” um monte de gente. Só fiz essa peça porque fui atrás. Minha personagem era uma dondoca às voltas com o marido e o psicanalista. Serafim Gonzalez era o médico e o maridão foi primeiro Paulo Villaça, que tinha substituído Fúlvio Stefanini, e depois Ênio Gonçalves durante as viagens. Meu casamento com Ênio já estava desfeito. Gosto de fazer comédias e até já tinha trabalhado em algumas, como Absurda Pessoa e Os Parceiros, que Zé Renato fez no Paiol, enquanto eu estava levantando a produção executiva de O Diário de Anne Frank, e da qual não guardo boas lembranças. A partir de o Psicanalista, Zé Renato viu que eu me dava bem no gênero e me chamou para Viva sem Medo Suas Fantasias Sexuais, que tinha funcionado bem no Rio, o que não ocorreu em São Paulo. E eu não estava legal. Tem vezes que até uma porcaria de peça pode ter sua função. Foi assim com A Noite das Mal Dormidas. Fizera uma plástica no olho que não deu certo e tive de usar um esparadrapo para o olho voltar para o lugar durante uns dois meses. Achava que não poderia trabalhar, usava óculos escuros o tempo todo, estava complexadíssima, claro, qualquer mulher fica arrasada com um troço no rosto. Era essa minha situação quando Antônio Abujamra me chamou para esse espetáculo, onde era o produtor e dava supervisão, mas não dirigia. Comecei a ensaiar com esparadrapos no olho, mas quando estreei já estava livre daquele trambolho. A peça me tirou daquela angústia horrorosa, comecei a pensar em outra coisa a não ser em mim com o rosto deformado. Nesse sentido, A Noite das Mal Dormidas foi um bálsamo. Neusa Maria Faro e Vera Mancini eram minhas colegas nessa bobagem, mas engraçada de fazer. Outra da fase “comédias” é Não Explica que Complica, do Alan Ayckbourn, o mesmo autor de Absurda Pessoa, dirigida pelo Odavlas Petti. Gozado é que eu já tinha dirigido Odavlas na EAD em Quatro Pessoas que Passam Enquanto as Lentilhas Cozinham. Era mais gente que “passava”, mas como eu não tinha atores, cortei personagens. Odavlas era de uma turma anterior à minha e fez muito sucesso com esse papel. A peça, aliás, continuou sendo apresentada por lá, mesmo depois de eu ter me formado. Capítulo XX Cara de Boazinha Fiquei sem fazer televisão por quase toda uma década, os anos 70, justamente quando as novelas se firmaram. Isso ocorreu depois de uma entrevista onde eu falava que estava cheia de televisão e que não foi muito bem interpretada pelo pessoal da TV. A tal entrevista-desabafo nasceu depois de algumas novelas que fiz e que eram muito medíocres. Fiquei queimada depois da tal entrevista, que não devia ter dado, pois nunca se deve cuspir no prato que comeu. Paguei caro, mas tudo bem. Só voltei às novelas em 1978, com uma nova versão de O Direito de Nascer, já na fase final da Tupi, onde interpretei Graziela, filha de uma condessa que era a Elizabeth Hartman, e não foi o que se pode chamar de um trabalho empolgante. Depois, já nos anos 80, vieram duas novelas na Bandeirantes. A primeira foi Os Imigrantes – Terceira Geração, que era a derradeira fase de uma bem-sucedida produção da emissora paulista, não fez o sucesso das duas anteriores, mas foi gostosa de fazer. A outra foi a juvenil Braço de Ferro, que tem dois fatos curiosos: foi escrita por Marcos Caruso e traz a primeira direção do Jayme Monjardim, que dirigia as externas. Quase 20 anos depois de A Cabana do Pai Tomás, fui chamada pela Globo para Vida Nova. Era uma novela das seis, deliciosa de fazer e que, sei lá por que, nunca foi reprisada nem ouvi dizer que foi vendida para o exterior. José Lewgoy e eu fazíamos um casal de judeus, pais da mocinha, que era Deborah Evelyn. Lewgoy contava histórias fantásticas nos intervalos entre as gravações. Outra novela bacana foi As Pupilas do Senhor Reitor, na fase áurea das novelas do SBT, a sucessora de Éramos Seis. Com Claudia Mello e Ana Lúcia Torre, formava um trio de beatas, daquelas que andam sempre juntas e adoram xeretar a vida alheia. As situações eram muito engraçadas e nos divertíamos muito. As Pupilas teve aquelas mudanças de percurso e minha personagem cresceu bastante com a chegada de uma prima, que era o papel da Joana Fomm. A solitária Rosa, assim ela se chamava, chegou inclusive a se afastar das amigas fofoqueiras e batalhar para colocar sua vida nos eixos. Alguns meses depois de encerradas as gravações, fui a Portugal e no primeiro dia lá liguei a televisão e lá estava As Pupilas, ainda bem no comecinho. Depois da mãe-avó adocicada na produção juvenil Colégio Brasil, apareceu enfim uma megera na minha vida. A Albertina de Canoa do Bagre trouxe pelo menos essa novidade, já que as pessoas me acham com cara de boazinha e raramente sou chamada para as vilãs. Todas as gravações foram numa praia do litoral paulista, onde foram montados os cenários, numa produção marcada pela economia. E de segunda a sexta, estávamos lá prontos para as gravações. Texto do Walcyr Carrasco, escrito nos moldes mexicanos, Fascinação foi uma novela bem escrita e gostosa de fazer. Minha personagem era a mãe da mocinha, a Regiane Alves. Com A Pequena Travessa fui ao encontro das produções mexicanas. Agora estou começando a gravar A Escrava Isaura, que volta em versão nova e diferente daquela que trouxe o estrelato para Lucélia Santos. Minha personagem é ótima e não existia na novela da Globo, que não lembro de ter visto. Capítulo XXI Uma Herdeira na Minha Vida Flávio Rangel e eu estávamos atrás de uma peça para voltarmos a trabalhar juntos. Bibi Ferreira sugeriu A Herdeira, que ela já tinha feito e achava perfeita para mim. Li, gostei, me achei um pouquinho velha para o papel, mas Flávio nem deu ouvidos ao meu argumento e foi logo dizendo: “Isso é besteira”. Arregacei as mangas, comecei a levantar a produção e, na busca por um teatro, meu amigo Zé Renato volta à cena para mais uma de nossas “brigas”. Ele estava produzindo uma comédia que ia mal das pernas no Teatro Itália e me ligou para perguntar se eu sabia de alguma peça para entrar no lugar. Falei que tinha a peça e combinamos que eu alugaria o teatro. Três dias depois, ele veio me dizer que tinha mudado de idéia e não queria um drama no Teatro Itália, que fazia anos só levava comédias. “Eu não estou alugando? Não vou te pagar? Não se preocupe”. Sempre tivemos muita intimidade, disse para ele ficar quietinho e se ele inventasse de alugar o teatro para outra pessoa eu iria “espalhar” a história para a cidade inteira. Peça de época, com roupas luxuosas e cenário suntuoso com direito a escada em cena, A Herdeira foi uma produção cara. Estreou em 1985, quando já estava ficando difícil produzir teatro sem patrocínio. E, pela primeira vez na minha carreira, consegui um patrocínio da Fundação Moreira Salles, que viabilizou a montagem. Não foi um estouro, mas fez sucesso, e naquele Teatro Itália que ninguém acreditava. Chamavam-me de louca por insistir em encenar um drama naquele palco depois de 20 anos de comédias. Cheguei a abrir uma matinê às quintas e as velhinhas saíam satisfeitas. A Herdeira teve críticas ótimas e trouxe de volta Sérgio Viotti e Laura Cardoso, que andavam afastados dos palcos. Amor, ilusão e esperança, em confronto com os significativos valores do dinheiro, são os temas de Henry James em A Herdeira. A história foi adaptada pelo cinema em filme estrelado por Olivia de Havilland e Montgomey Clift, que no Brasil se chamou Tarde Demais. Foi uma delícia interpretar Catherine, garota desajeitada, massacrada pelo pai castrador e que se apaixona por um homem interessado no golpe do baú. No decorrer da história, ela se transforma numa mulher linda e segura. Flávio Rangel fez um espetáculo lindíssimo e o cenário abrigava uma escada naquele palco apertado. “Parabéns, Miriam, você desceu as escadas como uma princesa”, me disse Marika Gidali. Nesse espetáculo, completei 50 anos e foi o último que fiz com Flávio Rangel, um diretor com quem sempre me dei muito bem. Flávio era objetivo. Primeiro analisávamos a peça em ensaios de mesa, discutíamos bastante sobre ela e depois ele começava a marcar. É isso que eu gosto de fazer até hoje. Capítulo XXII Meu Filho Rodrigo A maior produção da minha vida chama-se Rodrigo, o filho que tive com Perry Salles. Mais do que qualquer teatro, mais do que qualquer televisão, mais do que qualquer tudo. Rodrigo faleceu em 13 de fevereiro de 1990, num acidente de carro. Tinha 21 anos e estava descobrindo a vida. Perder um filho foi a pior coisa que aconteceu na minha vida e levei anos para me recuperar do choque. Hoje em dia falo dele, mas levou muito tempo para que isso acontecesse. Não falava, não queria falar, não falava que ele tinha morrido, não tocava nesse assunto. Fiz quatro anos de terapia e mesmo assim não falava. Com o tempo comecei a falar. Rodrigo nunca foi muito bom para os estudos. Acabou o colegial sabe-se lá como, saindo de uma escola, indo para outra. E eu insistindo para ele pelo menos acabar o segundo grau porque senão não ia conseguir nada. Com 19 anos, enfim, concluiu o segundo grau e lhe dei duas alternativas: só estudar e se preparar para o vestibular ou só trabalhar. Se não quisesse continuar os estudos, eu não iria forçar. Ele decidiu trabalhar, conseguiu um emprego numa corretora de valores e se apaixonou pelo trabalho. Depois de alguns meses era operador de mesa e tive que lhe dar a maioridade, exigência para o cargo. Ele estava satisfeito com o trabalho, mas sentia-se pressionado a voltar aos estudos, afinal sua namorada estava se formando na faculdade. Pouco antes de completar 21 anos, ele me disse que iria largar o trabalho para fazer cursinho pré-vestibular. Aconselhei que ele continuasse trabalhando e estudando ao mesmo tempo e ele me disse que seu chefe tinha dito a mesma coisa e que até o liberaria por um período, mas ele não queria. Deixou o trabalho, badernava, trocava o dia pela noite e nada de cursinho. Antes do vestibular, ele foi com a namorada para Trancoso, atrás do Perry que sumiu durante um ano depois que se separou da Vera. Voltou às vésperas do vestibular, não passou e deve ter ficado muito mal com isso, pois o dono da corretora lhe prometera o emprego de volta em caso de aprovação. Ele dormia o dia inteiro e saía sempre à noite. Numa dessas noites, se acidentou. Isso ocorreu três dias depois do aniversário de 80 anos de minha mãe, onde ele fez muito sucesso, conversando com todo mundo. Alto, loiro, olhos verdes, corpo atlético, Rodrigo tinha muito charme, era um dos rapazes mais charmosos que conheci, tinha uma lábia que encantava todo mundo e enlouquecia o mulherio. Ele gostava muito da namorada. Rodrigo foi a melhor coisa que eu tive na vida. Pessoas que passam pela situação terrível da morte de um filho me perguntam: “Será que vou conseguir sair dessa?” Temos uma força que a gente nem imagina que tenha e a gente acaba saindo. Até porque é preciso continuar vivendo e a outra opção é morrer. E morrer em vida é bem pior. Capítulo XXIII Reencontros e Novidades Com Renato Borghi, Etty Fraser, Chico Martins e Célia Helena, amigos dos tempos do Oficina, voltei ao palco, em julho de 1990, numa nova versão de Pequenos Burgueses. Já estávamos pensando em trabalhar juntos desde o final do ano anterior e, quando ocorreu a morte do meu filho, o pessoal decidiu montar mesmo essa peça tão ligada à nossa trajetória. Foi muito bom, porque me ocupei com o trabalho quase o ano todo e, no ano seguinte, fizemos algumas viagens. A mocinha Polia, que eu interpretara nos anos 60, agora era de Ligia Cortez, a filha de Célia. Eu interpretava a amargurada Tatiana, chegada aos amores impossíveis nessa peça sobre a história de uma família vivendo na Rússia pré-revolucionária do início do século. Depois de substituir Célia Helena em Luar em Preto e Branco, onde voltei a contracenar com Raul Cortez, recebi um telefonema do Roberto Lage me convidando para trabalhar com uma turma jovem. Dindinho do Coração da Mamãe era uma comédia maluca, com uma turma ótima. Eu era a velhota entre a garotada, me diverti muito e foi um fracasso impressionante. Depois, meu amigo Antonio Mercado estava dando aulas em Uberlândia, Minas Gerais, cismou que eu tinha que ir pra lá fazer El Dia Que Me Quieras. Acabei indo para Uberlândia, onde ensaiamos e encenamos a peça, que também foi apresentada em Brasília. Não tenho grandes lembranças dessa peça, apenas que me trataram maravilhosamente bem lá. Mandei meu currículo para um projeto do Sesi coordenado pelo Gabriel Villela. Não lembro qual a peça. Gabriel ligou dizendo que aquele espetáculo não era legal para mim e me convidou para fazer a ama de Mary Stuart, estrelado por Renata Sorrah e Xuxa Lopes. Hanna, minha personagem, não tinha muito segredos e foi uma temporada tranqüila, onde fiz muitos amigos. Estivemos em cartaz também no Rio uns dois meses e íamos viajar, mas a temporada acabou repentinamente. De todos os dramaturgos que interpretei, tenho uma quedinha especial por Arthur Miller, que consegue reunir duas coisas muito importantes, a crítica social e a criação de personagens. Tennessee Williams é outro que adoro, mestre na criação de personagens, principalmente femininos, mas sua mensagem e seus temas não têm o alcance dos de uma peça de Miller. Em 1998, quase 30 anos depois de Um Panorama Visto da Ponte e As Feiticeiras de Salém, reencontrei o universo encantador de Miller em Vidros Partidos. Não lembro direito, mas acho que li essa peça em inglês, numa das vezes que fui a Nova York, e fiquei encantada. É a história de um casal de americanos judeus durante a Segunda Guerra, cuja mulher fica paralítica de repente e ninguém sabe porquê. Através da análise, descobre-se que ela tinha o que Freud chamava de paralisia histérica. A questão era descobrir o que tinha causado tal comportamento e a paralisia da personagem desencadeava o conflito nos outros personagens. Ela passa todo o espetáculo imobilizada e só levanta quando o marido tem um troço no coração e morre. Consegui produzir o espetáculo com recursos do Prêmio Flávio Rangel e chamei Iacov Hillel para dirigir essa história repleta de elementos judaicos. Estava num bom momento de minha vida e, como atriz, Vidros Partidos foi superestimulante. Tive que estudar paralisia histérica, voltei ao Freud e li tudo o que ele escreveu sobre o assunto. Foi um belíssimo espetáculo. Capítulo XXIV Recuperar a Visão O trabalho mais difícil que eu fiz chama-se Visão Cega. E não só por interpretar uma cega, mas por ser uma peça em monólogos. Os três personagens em cena nunca contracenavam e cada um contava sua versão da história. Minha personagem fala sobre seu mundo antes e depois de uma operação para restaurar-lhe a visão. O marido exprime com veemência a vontade de ajudá-la, enquanto o médico, decadente e exilado, vê naquela cirurgia a possibilidade de recuperar sua reputação. Através das palavras daqueles três personagens, o público vai montando o que teria acontecido. Toda história é contada e, quando você conta, tem de interpretar. As coisas acontecem através daquilo que você conta, narra. É muito difícil de fazer, mas fascinante também. Antes de começar a ensaiar, fiz um mês de estágio numa fundação para cegos. Eu não sabia nada a respeito de cegueira e as visitas à fundação me permitiram saber o que eles sentiam, como que é (e não é)... Foram dois meses de ensaios dificílimos, com direção de José Renato, que pega no pé e enlouquece o ator. Ele fez um trabalho de tirar o chapéu e que nada fica a dever a seus maiores espetáculos, como Eles não Usam Black-Tie e Rasga Coração. Quando pega uma peça pela qual se apaixona, meu amigo vai fundo, mas vai fundo nos atores também. Ele pega no pé mesmo e nunca está satisfeito. De um lado isso é ótimo, de outro é muita pressão. Mas o resultado foi fantástico e quando isso acontece, sempre vale a pena. A peça discute uma questão delicada: o voltar a enxergar. De repente, aquela mulher começa a enxergar, só que para quem nunca viu nada (ela tinha perdido a visão aos nove meses de idade), isso é complicado. Por exemplo, um cego sabe pelo tato que uma xícara é uma xícara. Agora, quando ela passa a enxergar e olha para uma xícara não sabe que é uma xícara. Tem que começar do zero. É terrível. “Você já fez paralítica, cega, agora falta fazer a mudinha para completar a trilogia”, disse meu amigo Beto Simões. Eu até que gostaria de fazer uma mudinha na televisão, com muito close, expressão e nada de muito texto para decorar! Capítulo XXV Assombração e Nuvens Tive a felicidade de trabalhar em Nossa Vida em Família, que fez parte de um projeto da Prefeitura de São Paulo, chamado A Escola Vai ao Teatro. Como o nome indica, os estudantes eram nosso alvo e só aos domingos abríamos para público normal, mas sem nenhuma divulgação (nem nos roteiros de jornal), só no boca a boca. Esta obra-prima do Oduvaldo Vianna Filho foi adaptada para o cinema nos anos 70. O tema é o abandono da velhice, através da história de um casal que perde a casa onde mora e os filhos precisam decidir para onde eles vão. Eles acabam indo morar em lugares diferentes, depois de tantos anos juntos. Eu fazia a velhinha e Walter Portela, o meu marido. Tinha um telefonema dos dois que era um primor de cena e emocionava todo mundo. Minha personagem estava em torno dos 70 anos, mas a idade dela não tem nada a ver com os 70 que vou completar daqui a um ano. Eu a fiz de peruca branca. Tive a felicidade de conhecer nessa peça o diretor William Pereira e nosso entrosamento foi tanto que logo fizemos outro trabalho juntos. Além de uma pessoa adorável, William é um diretor que procura junto com o ator, mas sem impor nada, com tranqüilidade, sem cobranças. Fiquei encantada com o trabalho dele, que nunca me disse: “Está mal, está mal”. No início, quando ainda não o conhecia, isso até me causou alguma insegurança, mas logo percebi que era o jeito dele. Fiquei tão tranqüila que estreei tranqüila, coisa rara de acontecer. Claro que fiquei nervosa, mas estava segura, tranqüila. Foi William Pereira quem sugeriu Diálogo com a Mãe. Espetáculo para dois atores, montado na Cultura Inglesa, em Higienópolis, que não estava acostumada a receber teatro adulto, mas depois virou uma casa concorrida. É impressionante, eu sempre inauguro as coisas. Claro que não faltaram aqueles a perguntar: “Você vai fazer uma mãe de novo?” Mas não tem nada a ver uma mãe com outra. Há mães, mães e mães, num universo que não tem fim. Dramática à primeira vista, essa peça tem muitos lances de humor. No centro da narrativa, um filho, que tentou suicídio, está péssimo no hospital e recebe a visita da mãe. Tudo acontece na imaginação do rapaz, já que a mulher está morta, mas esse é um segredinho revelado depois de um tempo. Eu brincava que ia entrar de assombração. A personagem falava muito de céu e entrava em cena com uma sacola de nuvem. Os dois personagens eram maravilhosos e Nelson Baskerville era o filho. Mãe e filho faziam uma espécie de ajuste de contas, mas tinha lances de comédia. Bidu Sayão, a brasileira que mais se destacou no cenário internacional da música lírica, foi minha personagem mais recente. Foram apenas quatro apresentações desse musical operístico, batizado de Bidu Sayão – Uma Homenagem, no Teatro São Pedro. O espetáculo começa com Bidu entrando no teatro e relembrando fatos de sua vida. Quatro atrizes se revezavam no papel de Bidu. Eu a interpretei com 80 anos, Mayara Magri fez Bidu no auge, Monalisa Capella, a adolescente, e a soprano Solange Siquerolli, a cantora. Foi interessante conhecer e interpretar essa mulher. Capítulo XXVI Construção de Personagem Não tenho método para construir um personagem. O primeiro passo é buscá-lo dentro de mim, depois ao meu redor e a partir daí procuro fora, observando, lendo. Vou buscando. Acho que todos os nossos sentimentos, nossas emoções, as boas e as ruins, fica tudo armazenado lá dentro de cada um. Nem sempre vêm à tona, mas está tudo lá dentro. A composição de um personagem vem desse material, mais aquilo que se aprende com a vida, mais as coisas que se observa e mais aquilo que se estuda. São essas as ferramentas. Não suporto laboratório. Acho ridículo e não leva a nada, a não ser que seja um trabalho determinado para alguma cena. Fazia quando trabalhei com diretores que não dispensavam tal método, mas sempre pensando que aquilo era uma perda de tempo. Nunca me dei bem com laboratórios. Atores menos experientes, mais jovens, costumam ir muito bem nos laboratórios, mas na hora de lerem o texto é um horror – e ler bem um texto é fundamental. Acho que esse tipo de laboratórios de coisas mais aleatórias serve para o diretor ficar pensando o que ele vai fazer no espetáculo e acaba dificultando o trabalho dos produtores. Em vez de ensaiar 12 horas por dia durante três meses, pode-se ensaiar seis horas por dia em dois meses e com o mesmo resultado. Só acredito em laboratório quando é uma coisa dirigida. Fora disso – o quê? Árvore? Minhoca? - estou fora. Gosto de estar na pele de outra pessoa. Gosto de ser a Miriam de vez em quando, mas gosto muito mais de estar na pele de outra pessoa, é tão mais divertido, mais estimulante. Mas é estar e não estar ao mesmo tempo. Não acredito nessas histórias de que o santo baixou e de repente você é aquela pessoa, pois razão e emoção estão ali juntinhos. O que me deixa fascinada é que você raciocina, você pensa, mas a emoção te leva e te conduz, aquela dualidade. Outra coisa fascinante é conhecer tanta gente por intermédio desses personagens. É por isso que gosto tanto de ir ao cinema, ao teatro e até de assistir a filmes na televisão. Pode ser um filme boboca, mas eu vejo de repente um personagem que me interessa e fico lá atenta. É um encantamento que tenho. Adoro ficar observando as pessoas, por exemplo, em um restaurante. Quem está comigo chega a dizer para eu parar de encarar, mas na verdade estou ali entretida, perdida em alguém que acho interessante, e não é fisicamente, é interessante como personagem. É delicioso sentar num lugar e ficar observando as pessoas que passam. Gosto de me divertir em cena, mas evidente que não poderia fazer comédia a minha vida toda. Uma vez ou outra é uma delícia. Já apanhei muito em teatro fazendo sempre só o que acreditava, só o que, após muito pensar, considerava válido. O que me desafia é mexer com o público, fazê-lo refletir, despertar alguma paixão, alguma coisa qualquer que fique com aquela pessoa. É emocionante quando se consegue isso. Alguns cegos que assistiram Visão Cega vinham falar comigo comovidos e diziam que eu tinha conseguido passar aquilo que eles pensavam, que percebiam as emoções deles ali na minha voz. Você nos fez refletir a nossa condição de cegos, me diziam. Todos os espetáculos importantes que eu fiz tinham alguma coisa que dizer para o público. Isso desde Eles não Usam Black-Tie, onde interpretei uma mulher que luta por sua classe, que deixa de estar com o homem que ama porque ele traiu os ideais de sua gente. A cada peça, começo tudo de novo. Entro em pânico em todos os trabalhos. É como um parto, a gente nunca sabe como nascerá o filho. Capítulo XXVII Meus Caros Colegas Vou muito ao teatro. É uma das coisas que adoro. Gosto mais de fazer, mas também gosto de assistir. Gosto de ver se encontro alguma coisa que me surpreenda e, como diz o ditado, “é vendo que se aprende”. Gosto de teatro e cinema, vou muito ao cinema. Gosto dessa profissão. Meu grande ídolo foi Cacilda Becker, em quem me espelhava quando comecei a fazer teatro. Para mim, Cacilda era o máximo e ainda é. Uma atriz como Cacilda, com aquele fogo que ela tinha. Algumas atrizes devem ter esse fogo, mas o de Cacilda era um fogo especial. Ela falava assim “de soquinho” e era maravilhosa. Assisti a quase tudo que Cacilda fez: Pega-Fogo, Gata em Teto de Zinco Quente, Mary Stuart e Esperando Godot, o último. Infelizmente não cheguei a trabalhar com ela e isso quase chegou a acontecer. Lembro que na época do Eles não Usam Black-Tie, quando ainda morava com meus pais, o telefone tocou a uma hora da manhã. Era Walmor Chagas me convidando a viajar para a Europa com a Companhia da Cacilda. Infelizmente não pude aceitar. Entre os homens, o meu “Cacilda” foi Sérgio Cardoso, um pouco Paulo Autran, um pouco Raul Cortez, um pouco Othon Bastos ou Renato Borghi, que agora madurão fez um espetáculo maravilhoso. Muitos dos espetáculos que me marcaram foram alguns que eu gostaria de fazer. Foi assim, quando ainda estudante da EAD, assisti ao O Diário de Anne Frank com a companhia italiana do Rômulo Valle e fiquei impressionadíssima. Essa eu consegui encenar, mas teve aquelas que não passaram de sonho. Uma dessas foi Pega-Fogo, que era maravilhoso e que Cacilda fazia de um jeito deslumbrante. Claro que eu queria fazer porque eu achava que também tinha o físico, era bem magrinha, mas jamais ousaria fazer aquilo depois daquela interpretação arrebatadora da Cacilda. Também tinha pensado em fazer a mãe de Longa Jornada Noite Adentro, que também o assisti com Cacilda. Recentemente assisti a Cleyde Yaconis fazendo e ela estava tão deslumbrante que pensei: Meu Deus do céu, agora só daqui a 20 anos. Capítulo XXVIII Eterna Troca Casei três vezes e com três atores – Cláudio Marzo, Perry Salles e Ênio Gonçalves. Os casamentos acabaram, mas continuamos nos querendo bem. Minha vida sentimental sofreu uma guinada quando conheci Salomão Strozemberg, que chamo de Sammy. Quando nos encontramos, tinha 55 anos e ele um a mais que eu. Estamos juntos há 13 anos, moramos em casas separadas e nos falamos todo dia. Sammy é aposentado, adora viajar e quando não estou trabalhando o acompanho. Ele lê muito, adora cinema e passou a gostar de teatro por minha causa. É um companheiro ótimo e me dá toda liberdade, porque nessa altura da minha vida eu preciso de liberdade. Costumo caminhar num ritmo bom pelas ruas do Itaim, bairro onde moro, no clube ou na esteira mesmo. Ando umas quatro ou cinco vezes por semana. Sempre gostei de exercícios físicos, nunca fui de ficar parada e aulas de ginástica e dança moderna já fizeram parte da minha rotina. Atualmente, faço duas vezes por semana uma ginástica voltada para a terceira idade com muito alongamento e um pouquinho de peso. Logo que entrei na EAD, comecei a fazer aulas de voz com dona Alice Pincherle. Ela era uma professora excelente e dava aulas para todos os atores da época. Há muitos anos não tenho aula de voz e quando faço teatro costumo praticar alguns exercícios para esquentar a voz. Devo meu jeito de viver a duas coisas: ao meu trabalho que amo de paixão – só amei o meu filho mais do que isso – e ao Sammy, que é um companheiro muito bacana que tive a sorte de encontrar e isso é muito bom. Essa solidão que fica depois da perda do único filho ninguém cobre, mas um companheiro ameniza muito. Gosto muito do ser humano e acho que é por isso que faço teatro. Tenho muito prazer em estar em contato com as pessoas, de estar com elas, de trocar idéias, de ouvir. Isso facilita tudo. Sempre foi assim. Sempre gostei das pessoas, sempre tive curiosidade de conhecê-las melhor. Tenho uma imaginação ultrafértil. Da janela vejo a luz acesa no apartamento em frente e fico imaginando como são as pessoas que moram lá, que tipo de vida levam. Tenho curiosidade inata em saber como é que as pessoas são, o que elas fazem. Não é por fofocar, gosto de conhecer o ser humano. Não sou difícil de conviver, acho até que sou fácil, é só não pegar no meu pé, não pisar no meu calo. Quando isso acontece, não é que fique com ódio, mas a pessoa simplesmente acaba para mim. Tenho muitos conhecidos na classe teatral e me dou bem com a maioria das pessoas. Tenho alguns amigos, mas amigos amigos são poucos. A alguns serei eternamente grata, principalmente aqueles que me mantiveram de pé na época mais difícil da minha vida, que foi a da perda do meu filho. Sou grata a muita gente. Tenho a felicidade de ter bons amigos. Se eu pegar o telefone e disser tô precisando, tem gente que vem correndo, da mesma maneira que eu largo tudo e vou ao encontro deles. A vida é uma troca eterna, você não está nela à toa e não tenho essa função de atriz por acaso. Talvez em algum espetáculo devo ter atingido a alma de alguma pessoa. Tenho a certeza de que atingi e isso me alegra. Cronologia TV 1964 • Marcados para o Amor (Lisa) Original de Oduvaldo Viana Filho, adaptado por Roberto Freire e Walter Negrão. Com Silnei Siqueira, Carminha Brandão, Francisco Cuoco, Felipe Carone, Cláudio Marzo, Francisco Negrão, Aracy Balabanian, Sílvio Rocha, Ademir Rocha, Dante Rui, Liana Duval, Myriam Muniz, Elizabeth Vilaça, Edson Oliveira - TV Record 1965 • A Grande Viagem (Elisa) De Ivani Ribeiro. Com Flora Geny, Regina Duarte, Henrique César, Fúlvio Stefanini, Márcia Real, Procópio Ferreira, Altair Lima, Riva Nimitz, Rodolfo Mayer - TV Excelsior • E a Primavera Chegou Com Thereza Amayo, Ziembinski, Nelson Xavier TV Rio 1966 • Redenção (Ângela) De Raimundo Lopes. Com Francisco Cuoco, Lourdes Rocha, Márcia Real, Lélia Abramo, Edmundo Lopes, Wilma de Aguiar, Maria Aparecida Baxter, Rodolfo Mayer - TV Excelsior 1967 • Paixão Proibida (Dorothéa) De Janete Clair. Com Sérgio Cardoso, Rosamaria Murtinho, Juca de Oliveira, Lélia Abramo, Lima Duarte - TV Tupi 1968 • Ana De Sylvan Paezzo. Com Rolando Boldrin, Maria Estela, Aracy Cardoso, Íris Bruzzi, Walter Avancini, Antônio Pitanga, Marcos Paulo, Haroldo Botta - TV Record 1969 • A Cabana do Pai Tomás (Bárbara) De Hedy Maia - Com Sérgio Cardoso, Ruth de Souza, Maria Luiza Castelli, Jacyra Silva, Edney Giovenazzi, Felipe Carone, Eloísa Mafalda, Érico Freitas - TV Globo 1970 • Tilim De Dulce Santucci. Com Júlio César, Flora Geny, Célia Helena, Perry Salles, Edmundo Lopes, Sebastião Campos - TV Record 1971 • O Príncipe e o Mendigo (Lady) De Marcos Rey, adaptada do romance de Mark Twain. Com Kadu Moliterno, Nádia Lippi, Perry Salles, Mauro Mendonça, Célia Helena, Suzana Gonçalves, Manoel da Nóbrega - TV Record 1972 • Editora Mayo, Bom Dia (Cláudia) De Walter Negrão. Com Luiz Gustavo, Débora Duarte, Nathalia Timberg, Fernando Balleroni, Rodolfo Mayer, Flora Geny, Mauro Mendonça - TV Record 1978 • O Direito de Nascer (Graziela) Adaptação de Teixeira Filho. Com Carlos Augusto Strazzer, Beth Goulart, Eva Wilma, Suzy Camacho, Adriano Reis, Henrique Martins, Elizabeth Hartmann - TV Tupi 1982 • Os Imigrantes – 3ª Geração De Wilson Aguiar Filho e Renata Pallottini. Com Paulo Betti, Yoná Magalhães, Jussara Freire, Luiz Armando Queiroz, Denise Del Vecchio, Solange Couto, Lília Cabral, Taumaturgo Ferreira - TV Bandeirantes 1983 • Braço de Ferro De Marcos Caruso. Com Selton Mello, Jussara Freire, Elizabeth Hartman, Noemi Gerbelli, Geraldo Del Rey, Jandira Martini - Bandeirantes 1988 • Vida Nova (Fanny) De Benedito Ruy Barbosa. Com Lauro Corona, Deborah Evelyn, Yoná Magalhães, Carlos Zara, Giuseppe Oristânio, Patricia Pillar, Nívea Maria, José Lewgoy, Marcos Winter - TV Globo 1989 • Cortina de Vidro (Silvia) De Walcyr Carrasco. Com Herson Capri, Débora Duarte, Gianfrancesco Guarnieri, Antônio Abujamra - SBT 1995 • As Pupilas do Senhor Reitor (Rosa) Do romance de Júlio Diniz, adaptada por Ismael Fernandes e Bosco Brasil. Com Juca de Oliveira, Débora Bloch, Luciana Braga, Joana Fomm, Ana Lucia Torre, Claudia Mello, Tuca Andrada, Olair Cohan - SBT 1996 • Colégio Brasil De Yoya Wursch e Roberto Talma. Com Giuseppe Oristânio, Edwin Luisi, Maria Padilha - SBT 1997 • Canoa do Bagre (Albertina) De Ronaldo Ciambroni. Com Clarisse Abujamra, Valéria Alencar, Rômulo Arantes, Nelson Baskerville, Othon Bastos, Solange Couto, Silvia Salgado, Ruthinéa de Moraes, Maria Estela, Gianfrancesco Guarnieri, Márcia Real, Adriano Reis - TV Record 1998 • Fascinação (Guiomar) De Walcyr Carrasco. Com Regiane Alves, Marcos Damico, Glauce Graieb, Heitor Mello - SBT 2002 • A Pequena Travessa (Helena) Adaptação de Ercila Pedroso. Com Bianca Ranaldi, Gustavo Haddad, Cynthia Benini, Tânia Bondezan, Walter Breda, Eliete Cigarini, Cláudio Fontana, Elizabeth Hartmann, Fabio Villa Verde - SBT 2004 • A Escrava Isaura (Gioconda) Adaptação de Thiago Santiago e Anamaria Nunes. Com Leopoldo Pacheco, Bianca Ranaldi, Rubens de Falco, Patricia França, Mayara Magri, Norma Blum, Maria Ribeiro, Jackson Antunes, Paulo Figueiredo - TV Record Teatro 1958 • Os Apaixonados Pueris (Maria Henriqueta) De Fernand Crommelynck. Direção: Alfredo Mesquita - Com Nelson Xavier, Ruthinéia de Moraes, Francisco Cuoco, Cecília Carneiro - EAD • Rua São Luiz, 27 – 8º andar (May) De Abílio Pereira de Almeida. Direção: Alberto D´Aversa - Com Elizabeth Henreid, Egydio Eccio, Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Nathalia Timberg, Fernando Torres, Francisco Cuoco, Raul Cortez, Carminha Brandão, Maria Helena, Oscar Felipe, Ítalo Rossi, Daisy Santana, Aldo de Maio - TBC • Eles não Usam Black-Tie (Maria) De Gianfrancesco Guarnieri. Direção: José Renato - Música: Adoniran Barbosa - Com Gianfrancesco Guarnieri (Tião), Eugênio Kusnet (Otávio), Lélia Abramo (Romana), Flávio Migliaccio (Chiquinho), Celeste Lima (Tezinha), Milton Gonçalves (Bráulio), Francisco de Assis (Jesuíno), Henrique César (João), Riva Nimitz (Dalva) - Arena • À Margem da Vida De Tennessee Williams. Direção: José Renato. Com Lélia Abramo, Oduvaldo Vianna Filho, Francisco de Assis - Arena • Um Panorama Visto da Ponte (Catarina) De Arthur Miller. Direção: Alberto D’Aversa. Com Leonardo Villar (Eddie), Nathalia Timberg (Beatriz), Egydio Eccio (Rodolfo), Eduardo Waddington (Marco), Paulo Padilha (Alfieri), Oscar Felipe (Tony), Germano Filho (Louis), Moacir Deriquem (Mike) - TBC • A Lição (Aluna) De Ionesco. Direção: Luis de Lima. Com Luis de Lima (professor), Jurema Magalhães (governanta) - Teatro Maria Della Costa 1959 • Anjo de Pedra (Nellie) De Tennessee Williams. Direção: Geraldo Queiroz. Com Leonardo Villar, Nathalia Timberg, Suzana Negri, Egydio Eccio, Paulo Padilha, Jorge Diniz, Liana Duval, Jorge Chaia, Suzana Freire, Oscar Felipe, Miriam Carmem, Leny Vieira, Cláudio Cavalcanti, Leila Jorge, Ivan de Souza, Miguel Carrrano, Alice Moura - TBC • Idade Perigosa (Janet Wilard) De James Leo Helihy e William Noble. Direção: Henriette Morineau. Com Egydio Eccio, Paulo Padilha, Suzana Negri, Thais Portinho, Cláudio Cavalcanti - TBC 1960 • De Repente no Verão Passado (Catharine) De Tennessee Williams. Direção: Egydio Eccio. Com Teresa Austregésilo, Aldo de Maio, Yolanda Cardoso, Paulo Célio, Anita Schmidt, Leila Jorge - Maison de France (Rio) • As Feiticeiras de Salém (Mary Warren) De Arthur Miller. Direção: Antunes Filho. Com Glória Menezes, Felipe Carone, Rosa Maria Munari, Jacyra Sampaio, Arabela Bloch, Maria Celia Camargo, Norman Roit, Mauro Mendonça, Dina Lisboa, Elias Gleiser, Marcus Vinicius, Lea Surian, Francisco Martins, Roque Rodrigues, Sérgio Marques, Sérgio Albertini, Paul Hatheyer, Ilema de Castro, Paulo Barreto, Rubens Josué - Teatro Maria Della Costa 1961 • De Repente no Verão Passado (Catharine) De Tennessee Williams. Direção: Egydio Eccio. Com Nydia Licia, Tarcísio Meira, Marina Freire, Wolney de Assis, Jane Hegenberg, Ada Hell - Cia. Nydia Licia / Teatro Bela Vista • A Escada (Zilda) De Jorge Andrade. Direção: Flávio Rangel. Com Luiz Linhares, Carmem Silva, Cleyde Yaconis, Nilda Maria, Elisio de Albuquerque, Maria Celia Camargo, Gianfrancesco Guarnieri, Nathalia Timberg, Laércio Laurelli, Juca de Oliveira, Ruthinéa de Moraes, Stênio Garcia, Flávio Migliaccio, Noel Silva, José Egydio, Cuberos Netto, Leda Maria - TBC 1962 • Eles não Usam Black-Tie (Maria) De Gianfrancesco Guarnieri. Direção: José Renato. Música: Adoniran Barbosa. Com Gianfrancesco Guarnieri (Tião), Gracinda Freire (Romana), Juca de Oliveira (Otávio), Ana Maria C. Leite (Tezinha), Solano Ribeiro (Chiquinho), Paulo José (João), Ari Toledo (Jesuíno), Milton Gonçalves (Bráulio), Dina Sfat (Dalva) - Arena • As Visões de Simone Machard (Simone Machard) De Bertolt Brecht. Direção: José Felipe. Com João José Pompeo, Rubens de Falco, Lélia Abramo, Felipe Carone, Marcus Vinicius, Souza Lima - Cia. Nydia Licia / Teatro Bela Vista 1963 • Quatro num Quarto (Tânia) De Valentin Kataiev. Direção: Maurice Vaneau. Com Rosamaria Murtinho, Ronaldo Daniel, Renato Borghi, Líbero Ripoli Filho, Moema Brum - Oficina • Pequenos Burgueses (Polia) De Maximo Gorki. Direção: José Celso Martinez Corrêa. Com Renato Borghi, Cláudio Marzo, Célia Helena, Eugênio Kusnet, Etty Fraser, Lysia Araújo, Francisco Martins, Luiz Linhares, Liana Duval, Ary Coslov, Germana Delamare - Oficina • Toda Donzela Tem um Pai Que É uma Fera (A Donzela) De Gláucio Gil. Direção: Benedito Corsi. Com Cláudio Marzo, Eugênio Kusnet, Ítala Nandi, Tarcísio Meira 1964 • Andorra (Barblin) De Max Frisch. Direção: José Celso Martinez Corrêa. Cenários e figurinos: Flávio Império. Com Renato Borghi, Lineu Dias, Fernando Peixoto, Fauzi Arap, Abrahão Farc, Francisco Martins, Cláudio Marzo, Eugênio Kusnet, Célia Helena, Henriette Morineau, Wolfram A. Guenher, Oswaldo de Abreu, Fuad Jorge, Bem Hur Alexandre - Oficina 1965 • Amoresque (Susan Manville) De Murray Schisgall. Direção de Leo Jusi. Com Oscarito, Lafayette Galvão - Teatro Santa Rosa Luiz Gustavo - Teatro de Arte (subsolo do TBC) 1967 • Quando as Máquinas Param (Nina) De Plínio Marcos. Direção: Plínio Marcos. Com Luiz Gustavo - Teatro de Arte (subsolo do TBC) 1969 • À Flor da Pele (Verônica) De Consuelo de Castro. Direção: Flávio Rangel. Com Perry Salles - Teatro Paiol 1971 • Abelardo e Heloisa (Heloísa) De Ronald Millar. Direção: Flávio Rangel. Cenários: Gianni Ratto. Com Perry Salles, Rolando Boldrin, Jayme Barcelos, Márcia Real, Paulo Hesse, Cassio Lacerda, Maura Arantes, Carlos Eduardo (Kadu Moliterno), Myra Rozani, Ileana Kwasinski, Miguel Rosemberg, Rubens Rollo, Analy Alvarez, Evelyn Erika, Marina Couto, Daisy Camargo, Nadir Maria, Nadia Carvalho, Monica Rollo, Hilton Have, Augusto Rocha, Dácio Bicudo, David Russo, Mah Luly, Irineu Pinheiro, Mauro Rosth - Teatro Paiol 1974 • Bonitinha, mas Ordinária (Ritinha) De Nelson Rodrigues. Direção: Antunes Filho. Com Ênio Gonçalves, Fregolente, Margarida Rey, Clarisse Abujamra, Rubens Rollo, Denise Stoklos, Maria Lucia Capuani, Vera Lucia Rothec, Paula Martins, Hilda Hasson, Yola Maia, Silvia Borges - Teatro Paiol • Greta Garbo Quem Diria Acabou no Irajá (Mary) Direção: Leo Juzzi. Com Raul Cortez, Marcelo Picchi - Teatro Paiol 1975 • Salva De Edward Bond. Direção: Ademar Guerra. Assistente de direção: Armando Bógus. Com Fernando Rodrigues e Souza, Sadi Cabral, Clemente Vascaíno, Márcia Real, Cléo Ventura, Themilton Tavares, Pedro Michael, Nenê Barroso, Jesus Pingo - Teatro Paiol • Um Grito Parado no Ar (Nara) De Gianfrancesco Guarnieri. Direção: Fernando Peixoto. Com Othon Bastos, Martha Overbeck, Márcia Real, Renato Borghi, Walmyr Barros • Absurda Pessoa (Eva) De Alan Ayckbourn. Direção: Renato Borghi. Com Ester Góes, Luiz Carlos de Moraes, Paulo Padilha, Márcia Real, Tony Ramos - Teatro Treze de Maio 1976 • O Leito Nupcial De Jean de Hartog. Direção: Emílio Di Biasi. Com Tony Ramos • A Moratória (Lucília) De Jorge Andrade. Direção: Emílio Di Biasi. Com Paulo Padilha, Márcia Real, Carlos Augusto Strazzer, Riva Nimitz, Mauro de Almeida - Teatro FAAP 1977 • Os Parceiros (Iris) De Marcos Rey. Direção: José Renato. Com Felipe Carone, Riva Nimitz, Marcos Caruso - Paiol • O Diário de Anne Frank (Miriam) De Frances Goodrich e Albert Hachett. Direção: Antonio Mercado. Com Sérgio Mamberti, Maria Luiza Castelli, Sadi Cabral, Wilma Aguiar, Oslei Delamo, Lenah Ferreira, Marcos Caruso, Paulo Castelli, Evelyn Erika - Paiol 1979 • O Grande Amor de Nossas Vidas De Consuelo de Castro. Direção: Gianni Ratto. Com Leonardo Villar, Wilma Aguiar, Mauro de Almeida, Vera Lima, Rubens Rollo - Paiol 1980 • Tem um Psicanalista na Nossa Cama De João Bethencourt. Direção: Odavlas Petti. Com Serafim Gonzales, Paulo Villaça • Israel Do Galil ao Neguev Roteiro de Shaul Waniel. Direção Geral: David Chaim Bergman. Espetáculo com o grupo folclórico Kineret 1982 • Viva sem Medo Suas Fantasias Sexuais De John Tobies. Direção: José Renato. Com Hélio Souto, Marcos Caruso, Guilherme Corrêa 1983 • A Noite das Mal Dormidas De Peterson. Direção: Álvaro Guimarães. Com Neusa Maria Faro, Vera Mancini - Teatro Ruth Escobar • O Leito Nupcial De Jean de Hartog. Direção: Emílio Di Biasi. Com Geraldo Del Rey 1984 • Não Explica que Complica De Alan Ayckbourn. Direção: Odavlas Petti. Assistente de direção: Alexandre Tenório. Com Cléo Ventura, Kito Junqueira, Carlos Silveira, Analis Alvarez, Luis Serra 1985 • A Herdeira (Catherine) De Henry James. Direção: Flávio Rangel. Com Sérgio Viotti, Laura Cardoso, Kito Junqueira, Sônia César, Suzy Arruda, Marcos Mello, Tatiana Nogueira, Mirtes Mesquita. Teatro Itália 1986 • Doce Privacidade (Amanda) De Noel Coward. Tradução: Miriam Mehler e Alexandre Tenório. Direção: Emílio Di Biasi. Com Laerte Morrone, João Bourbonais, Martha Mellinger, Tatiana Nogueira - Paiol 1988 • Cara & Coroa (Susan) De A. R. Gurney Jr. Direção: José Renato. Com Cléo Ventura, Thadeu Aguiar, D´Artagnan Junior 1989 • Liberdade Liberdade De Flávio Rangel e Millôr Fernandes. Direção: Stephan Yarin. Com Thadeu Aguiar 1990 • Pequenos Burgueses (Tatiana) De Maximo Gorki. Direção: Jorge Takla. Com Ligia Cortez, Marco Ricca, Renato Borghi, Etty Fraser, Chico Martins, Francarlos Reis, Célia Helena, Marco Antonio Rodrigues - Teatro Procópio Ferreira 1992 • Luar em Preto e Branco De Lauro César Muniz. Direção: Sérgio Mamberti. Com Raul Cortez, Mayara Magri, Rodrigo Santiago - Teatro Hilton 1993 • Dindinho do Coração da Mamãe (Mãe) De Ilder Miranda Costa. Direção: Roberto Lage Com Jandir Ferrari, Bel Gomes, Leopoldo Pacheco, Ângelo Osório, Joyce Ruiz, Raul Barreto, Sofia Papo, Bete Dorgam, Cida Almeida, Débora Dubois, Wanderley Martins - FAAP 1994 • El Dia Que Me Quieras (Maria Luísa) De José Ignácio Cabrujas. Direção: Antonio Mercado. Com Heleno Prestes, Lourival Pariz, Edmar Ferretti, Beatriz Bologna, Le Pera - Teatro Grande Otelo (Uberlândia) 1995 • Mary Stuart (Hanna) De Friedrich Schiller. Direção: Gabriel Villela. Com Renata Sorrah, Xuxa Lopes, Cláudio Fontana, Marcos Oliveira, Oswaldo Boaretto, Fernando Neves, Sérgio Mastropasqua, Andre Boll, Marcelo Boffa, Alexandre Schumacher, Flavia Pucci - Teatro Mars 1998 • Vidros Partidos De Arthur Miller. Direção: Iacov Hillel. Com Francarlos Reis, Luis Serra, Tuna Dwek, Miriam Lins, Denis Vitorazzo 2000 • Visão Cega (Molly Sweeney) De Brian Friel. Tradução de João Bethencourt. Direção: José Renato. Com Francarlos Reis, Oswaldo Mendes - Teatro da Cultura Inglesa 2002 • Nossa Vida em Família (Lu) De Oduvaldo Vianna Filho. Direção: William Pereira. Com Walter Portella, Nelson Baskerville 2003 • Diálogo com a Mãe (Mãe) De José Eduardo Vendramini. Direção: William Pereira. Com Nelson Baskerville - Teatro da Cultura Inglesa 2004 • Bidu Sayão - Uma Homenagem (Bidu, aos 80) Musical operístico de Décio Gentil Com Mayara Magri, Monalisa Capella, Solange Siquerolli, João Bourbonais, Tânia Sekler - Teatro São Pedro Cinema 1967 • A Pedra Curta de Abrão Berman 1968 • As Amorosas (dublagem de Jacqueline Myrna) Direção de Walter Hugo Khouri. Com Jacqueline Myrna, Paulo José, Lilian Lemmertz, Anecy Rocha, Stênio Garcia 1969 • O Bandido da Luz Vermelha (Vítima) Direção: Rogério Sganzerla. Com Paulo Villaça, Helena Inês, Luis Linhares, Renato Consorte, Sérgio Mamberti, Maurice Capovilla, Ozualdo Candeias, Ítala Nandi 1970 • Juliana do Amor Perdido (dublagem de Maria do Rosário Nascimento e Silva) Direção: Sérgio Ricardo. Com Maria do Rosário Nascimento e Silva, Francisco Di Franco, Ítala Nandi, Walderez de Barros 1973 • Mestiça, a Escrava Indomável (Mimosa) Adaptação do romance de Gilda de Abreu. Direção: Lenita Perroy. Com Sonia Braga, Arduíno Colassanti, Walmor Chagas, Lola Brah, Emiliano Queiroz, Antonio Pitanga, Sérgio Hingst, Liana Duval, Áurea Campos, Lino Sérgio • Compasso de Espera (dublagem de Renée de Vielmond) Direção: Antunes Filho. Com Zózimo Bulbul, Renée de Vielmond, Karin Rodrigues, Stênio Garcia. 1978 • Dora Doralina Adaptação do romance de Raquel de Queiroz. Direção: Perry Salles. Com Vera Fischer, Perry Salles, Fregolente, Gracinda Freire, Etty Fraser, Cleyde Yaconis, Sonia Oiticica 1980 • Ato de Violência (Psicóloga) Direção: Eduardo Escorel. Com Nuno Leal Maia, Selma Egrei, Renato Consorte, Liana Duval, Guilherme Corrêa, Chico Martins, Ruthinéa de Moraes Índice Apresentação - Hubert Alquéres 05 Introdução - Vilmar Ledesma 13 O Templo 19 O Ovo da Serpente 23 Meus Verdes Anos 31 Vestido Alinhavado 37 Encruzilhada Profissional 45 Grã-fina no Fogo Cruzado 51 Na Cara do Público 57 O Ano Que Mudou Minha Vida 63 De Repente nos Anos 60 69 Nas Trincheiras do Oficina 75 Minhas Mocinhas da TV 87 Mironga Quebrou os Peitos 99 A Construção do Paiol 107 Abelardo e Heloisa, uma Paixão 113 A Censura e a Bonitinha 123 No Embalo dos Anos 70 129 Meus Contatos com o Cinema 137 Anne Frank aos 40 141 Cara de Boazinha 157 Uma Herdeira na Minha Vida 161 Meu Filho Rodrigo 167 Reencontros e Novidades 171 Recuperar a Visão 177 Assombração e Nuvens 181 Construção de Personagem 185 Meus Caros Colegas 189 Eterna Troca 191 Cronologia 197 Crédito das fotografias Studio Hejo 38, 207 Peter Scheier 41 Alberto Lima 62 Derly Marques 77 Edson Iwassaki 159 acervo Sérgio Viotti 163 João Caldas 172 acervo Marcelo Pestana 173 João Caldas 175,176,179,180,195 Fredi Kleeman 209 Joaquim 215 Ary Brandi 223 Gisela Callas 226 Coleção Aplauso Perfil Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro Luiz Carlos Merten Aracy Balabanian - Nunca Fui Anjo Tania Carvalho Bete Mendes - O Cão e a Rosa Rogério Menezes Carla Camurati - Luz Natural Carlos Alberto Mattos Carlos Coimbra - Um Homem Raro Luiz Carlos Merten Carlos Reichenbach - O Cinema Como Razão de Viver Marcelo Lyra Cleyde Yaconis - Dama Discreta Vilmar Ledesma David Cardoso - Persistência e Paixão Alfredo Sternheim Djalma Limongi Batista - Livre Pensador Marcel Nadale Etty Fraser - Virada Pra Lua Vilmar Ledesma Gianfrancesco Guarnieri - Um Grito Solto no Ar Sérgio Roveri Helvécio Ratton - O Cinema Além das Montanhas Pablo Villaça Ilka Soares - A Bela da Tela Wagner de Assis Irene Ravache - Caçadora de Emoções Tania Carvalho João Batista de Andrade - Alguma Solidão e Muitas Histórias Maria do Rosário Caetano John Herbert - Um Gentleman no Palco e na Vida Neusa Barbosa José Dumont - Do Cordel às Telas Klecius Henrique Niza de Castro Tank - Niza Apesar das Outras Sara Lopes Paulo Betti - Na Carreira de um Sonhador Teté Ribeiro Paulo Goulart e Nicette Bruno - Tudo Em Família Elaine Guerrini Paulo José - Memórias Substantivas Tania Carvalho Reginaldo Faria - O Solo de Um Inquieto Wagner de Assis Renata Fronzi - Chorar de Rir Wagner de Assis Renato Consorte - Contestador por Índole Eliana Pace Rodolfo Nanni - Um Realizador Persistente Neusa Barbosa Rolando Boldrin - Palco Brasil Ieda de Abreu Rosamaria Murtinho - Simples Magia Tania Carvalho Rubens de Falco - Um Internacional Ator Brasileiro Nydia Licia Ruth de Souza - Estrela Negra Maria Ângela de Jesus Sérgio Hingst - Um Ator de Cinema Maximo Barro Sérgio Viotti - O Cavalheiro das Artes Nilu Lebert Sonia Oiticica - Uma Atriz Rodrigueana? Maria Thereza Vargas Ugo Giorgetti - O Sonho Intacto Rosane Pavam Walderez de Barros - Voz e Silêncios Rogério Menezes Especial Dina Sfat - Retratos de uma Guerreira Antonio Gilberto Gloria in Excelsior - Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão Brasileira Álvaro Moya Maria Della Costa - Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx Ney Latorraca - Uma Celebração Tania Carvalho Sérgio Cardoso - Imagens de Sua Arte Nydia Licia Cinema Brasil Bens Confiscados Roteiro comentado pelos seus autores Carlos Reichenbach e Daniel Chaia Cabra-Cega Roteiro de DiMoretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman O Caçador de Diamantes Vittorio Capellaro comentado por Maximo Barro A Cartomante Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Casa de Meninas Inácio Araújo O Caso dos Irmãos Naves Luís Sérgio Person e Jean-Claude Bernardet Como Fazer um Filme de Amor José Roberto Torero De Passagem Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias Dois Córregos Carlos Reichenbach A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho O Homem que Virou Suco Roteiro de João Batista de Andrade por Ariane Abdallah e Newton Cannito Narradores de Javé Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Teatro Brasil Alcides Nogueira - Alma de Cetim Tuna Dwek Antenor Pimenta e o Circo Teatro Danielle Pimenta Luís Alberto de Abreu - Até a Última Sílaba Adélia Nicolete Trilogia Alcides Nogueira - ÓperaJoyce - Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso - Pólvora e Poesia Alcides Nogueira Ciência e Tecnologia Cinema Digital Luiz Gonzaga Assis de Luca Imprensa Oficial