Aracy Balabanian Nunca Fui Anjo Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo   Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretora Financeira e Administrativa Nodette Mameri Peano   Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey Cultura Fundação Padre Anchieta Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Rita Okamura Coleção Aplauso Perfil   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Revisão Cláudia Rodrigues Projeto Gráfico  e Editoração Carlos Cirne Assistente Operacional Andressa Veronesi Revisão Ortográfica Gilberto Gargiulli Tratamento de Imagens José Carlos da Silva e Tiago Cheregati Aracy Balabanian Nunca Fui Anjo por Tania Carvalho Cultura Fundação Padre Anchieta Imprensa Oficial São Paulo - 2005 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação elaborado pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Carvalho, Tania Aracy Balabanian : nunca fui anjo / por Tania Carvalho. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura - Fundação Padre Anchieta, 2005. 224 p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho). ISBN 85-7060-233-2. (Obra Completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-341-X. (Imprensa Oficial) 1. Atores e atrizes de teatro – Biografia 2. Atores e atrizes de televisão - Biografia 3. Balabanian, Aracy I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. 05-2764 CDD 791.092 Índice para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia : Representações públicas : Artes 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Para Seu Raphael e Dona Esther Balabanian que me ensinaram que, apesar de uma guerra, um genocídio, não se perde o amor e a ternura nunca. Aracy Balabanian Para as minhas amigas, solidárias e talentosas como Aracy Tania Carvalho Apresentação Aracy é uma pessoa muito especial. Daquelas amigas mãezonas, que dão conselhos precisos, quando o assunto é dor de amor ou estética. Depois dos 40 anos, não dá para sair na rua de cabelos molhados. O que era descontração na juventude, vira desleixo na maturidade, por exemplo. Sem nunca ter tido filhos, ela foi mãe de vários amigos, colegas de trabalho e sobrinhos. Hoje, continua exercendo fortemente esse lado com a afilhada Antônia, que tem apenas 2 anos e sobre quem ela fala sem parar e possui retratos pelos quatro cantos da casa. Ela teve mãe de sobra – mãe para mim é genérico – pois além de Dona Esther, ela foi criada por suas quatro irmãs. Eram elas que iam ao colégio, discutiam com os professores e, mais tarde, até com meu analista. Por isso, talvez, seja tão generosa com quem a cerca. Gosta de mimar e de ser mimada. Alguns dos irmãos – eram seis, juntando os dois lados e contando os dois homens – apoiaram a sua escolha em ser atriz, ainda muito menina, com 12 anos. Outros, nem tanto. Mas seu desejo era tão forte que venceu a oposição até de Seu Raphael, o mascate armênio, que se instalou em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, com quatro filhos; casou-se novamente com uma jovem armênia que havia ficado viúva com um filho e com ela teve a caçula, se não a predileta, a que ficou até o fim do lado dos pais. E, logo, esta resolveu ser atriz! A resistência foi muita, até ver Aracy ao lado de Sérgio Cardoso, e perceber que a filhinha havia chegado a um patamar, como atriz, de onde não dava para voltar. E para comemorar fazia pratos armênios para o famoso ator, dentre eles, o preferido de Sérgio: arroz com lentilhas. Aracy se autodefine como faladeira. E foi assim desde criança. Quando fiz uma peça com a Glória Menezes, havia uma disputa de quem falava mais. Por isso, não foi difícil fazer este livro. Os assuntos nem sempre eram encadeados: Aracy pode ir de uma sessão de análise à discussão sobre a sua virgindade quando estreou no teatro, em uma fração de segundos. Mas isso não tem a menor importância. Tudo o que ela conta é engraçado, emocionado e sempre marcado por comentários inteligentes e intensos. Tenho a maior vocação para heroína trágica – ironiza, não se levando a sério, o que faz freqüentemente. Nossas entrevistas foram feitas semanalmente em seu belo apartamento de cobertura na Gávea. Como boa anfitriã, no primeiro dia fez questão de mostrar toda a casa, que ainda curte como um brinquedo novo. Seu cantinho especial, porém, é um pequeno quarto, destinado a um sobrinho que afinal não veio morar com ela. Lá, estão a sua chaise longue predileta, uma televisão, várias fotografias, muitos livros e uma bela montagem com fotos de um de seus espetáculos: Clarice Lispector – Coração Selvagem. Durante a conversa, Aracy mudava sempre de posição. Como em uma sessão de análise – em que, aliás, sempre se recusa a deitar no divã – ela preferia, muitas vezes, em vez de se recostar na chaise, sentar-se para ficar cara a cara comigo. E a analogia com a terapia não é gratuita: Aracy faz análise segundas e quartas. Nossas rodadas de entrevistas aconteciam sempre às terças. Estou sentindo como se estivesse fazendo análise três vezes por semana. O que converso aqui, vai para o consultório; o que discuto lá, vai acabar no livro. O título talvez surpreenda. Nunca Fui Anjo, porém, foi aprovado com uma enorme gargalhada pela atriz. Talvez porque tenha convivido por tantos anos com vários rótulos: combinadinha, virgenzinha, burguesinha, boazinha, entre tantos outros. Tirando o combinadinha – eu adoro um conjunto, tenho o de sair, o de ir a enterro, o de ir a estréia e estou sempre arrumada – quem ler o livro vai ter certeza de que Aracy simplesmente pagou o preço de levar uma vida discreta, o que nos tempos de hoje, quando se namora, se casa e se separa nas páginas das revistas, soa meio anacrônico. Mas essa foi a sua opção, sem que ninguém soubesse de suas dores e amores. Em um momento, porém, a tragédia foi tão grande, que não deu para Aracy ocultar. Um incêndio destruiu a sua casa e tudo o que tinha. Sobraram os amigos. Muitos amigos, a quem ela faz questão de creditar o fato de ter renascido, como uma fênix – Eterna Fênix era a outra opção para título – mais forte e mais destemida. É esta Aracy, que descobriu ser capaz de começar tudo outra vez, que aparece nas páginas deste livro. Ainda que não tenha sido anjo – em todos os sentidos, descubra – Aracy é, sem dúvida, uma das atrizes mais importantes no teatro e na TV brasileira. Alguém que acreditou em um sonho praticamente impossível. Que largou uma faculdade para se dedicar somente à Escola de Arte Dramática, onde se formou com as melhores notas (Eu e o Juca de Oliveira competíamos o tempo todo pela nota 10) e sem nunca ter faltado a uma aula. Que transgrediu os parâmetros, ao se tornar a mocinha dos mais cobiçados galãs, quando na verdade era para eu ser sempre a sofredora, que chorava porque o galã ficava com a mocinha linda. Que na maturidade não teve medo algum de enfrentar o humor, tanto em um personagem inesquecível de novelas, como Dona Armênia, quanto no semanal humorístico Sai de Baixo, que entrei sem saber o que fazer, só conseguia rir. Com uma sinceridade desconcertante, Aracy fala de tudo isso e muito mais. Em diversos momentos, Aracy se emocionou. Um capítulo inteiro, por exemplo, é dedicado a dois amigos muitos queridos e que já morreram: Ademar Guerra e Myriam Muniz. Aliás, a veterana atriz paulista morreu em dezembro de 2004, em meio às nossas conversas e Aracy fez questão de se declarar “de luto” e passar algumas horas falando dela. Depois de alguns goles de vinho, que serviram como relaxante e consolo, ela repetiu as histórias de Myriam, com intensa emoção, que a fizeram tremer. Mas nem sempre nossas conversas foram tristes. Ao contrário, Aracy é dona de um senso de humor insuperável, que faz com que ela nem se leve tão a sério assim, pois é capaz de análises cortantes, sobre o mundo e a respeito de si mesma, que nos fizeram dar boas gargalhadas. Para ela, a minha homenagem! Tania Carvalho Capítulo I A Fênix Eu nasci em 1940 e posso dizer que renasci em 1994. Neste ano, um incêndio acabou com meu apartamento. O fogo lambeu os móveis, as janelas, dinheiro, roupas, capas de revista, fotos, a minha história. Fiquei uma pessoa sem lembranças, e isso foi o que mais doeu. Dizem os espiritualistas que o fogo limpa. E como uma fênix renasci, sem medo, porque descobri que sempre se pode começar de novo. Eu estava no dentista na Marquês de São Vicente, a rua principal da Gávea, quando fui avisada que meu apartamento estava em chamas. Saí correndo e ao chegar em frente ao prédio, só tinha duas preocupações: a minha empregada e o bebê que morava no apartamento em cima do meu. Encontrei minha empregada na rua, ai que alívio! E o neném? A minha vizinha tinha acabado de ter filho, o marido estava viajando, e eu precisava saber se estava tudo bem com eles. Graças a Deus, ela e a criança não estavam em casa na hora. Nosso encontro foi emocionante, nos abraçamos muito, totalmente irmanadas naquele momento duro de perda. Até hoje, me encontro com ela e a vida do casal melhorou demais depois do incêndio. Para mim também foi um salto. Eu perdi o medo de perder. E também descobri a importância de ter amigos. Tive muita ajuda dos amigos e dos desconhecidos. Eu andava na rua e as pessoas me davam panos de prato bordadinhos. A Hebe Camargo disse, no ar, o que havia acontecido comigo e pediu doações de roupas. Não manda coisa rasgadinha, não, porque ela não é indigente. Ela é chique, só usa sedas, linho... coisa boa. A Nair Belo vinha para o Rio, semanalmente, com malas cheias de roupas, recolhidas pela Hebe. Tive até que dar muitas coisas, porque nem havia necessidade de tanto. O Sílvio de Abreu, que estava para viajar, depositou um dinheiro na minha conta. Eu não vou conseguir gastar um centavo, sabendo que tenho uma amiga sem ter onde morar. Vou deixar um dinheiro em sua conta para o que você precisar. A Arlete Salles passou na casa da Denise Saraceni, onde fiquei nos primeiros dias e, como boa nordestina, me levou uma muda de roupa, o melhor que ela tinha em seu guarda-roupa: uma calça de linho, uma camisa de seda, calcinha e sutiã novos, um sapatinho. Saiu chispada para falar com o Boni, avisou para a secretária que sabia que ele estava lá e que o assunto era urgente. Ela conta, e é de chorar de rir, que a secretária voltou com uma maçã e uma faca na mão e ela pensou: Ai, meu Deus, o Boni falou: mata a Arlete para ela parar de me encher. O Boni mandou me contratar na mesma hora, quando soube o que havia acontecido. O contrato era baixo, mas era um dinheirinho que entrava todos os meses. No enterro do Marco Aurélio – o figurinista mais amado por todas as atrizes da TV brasileira – eu e a Marieta Severo conversávamos, entre lágrimas, sobre geladeira. Uma situação absolutamente surrealista. Eu dizia que o Jorge Takla ia me dar uma e ela, aos prantos, me pedia: O Takla dá outra coisa, agora já botei na minha cabeça que vou dar a geladeira. O Carlos Armando, um amigo querido que morreu vilmente assassinado dentro de sua própria casa, me ofereceu uma cama. Uma cama de estrela. Ai, meu Deus – pensei – ele vai me dar uma cama imensa, com dossel, e moro em um apartamento de 85 metros quadrados, mas, que nada, me deu uma cama chiquérrima, adequada, linda. O Marco Nanini me deu um caderno, mas havia alguma coisa escrita na primeira página. Ele arrancou a folha e ficou novinho, perfeito, maravilhoso. Tudo servia para mim. O cenógrafo Raul Travassos, tão meu amigo, me perguntou o que queria: respondi que precisava de uma caneta. Ele me mandou uma papelaria inteira. Até hoje uso papel que ele me deu de presente. E muito mais, os exemplos são inúmeros. Espero que ninguém fique chateado por não ter falado de sua ajuda. Foram tantos, tantos presentes, que levaria um livro inteiro só falando deles. Por causa da generosidade dos amigos, outra coisa mudou em mim: eu aprendi a receber. Antes não dava tempo para alguém me dar nada. Não deixava. Depois do incêndio me perguntei muitas vezes: Por que isso aconteceu comigo? O que devo aprender desta experiência? Pois bem, aprendi a aceitar o amor das pessoas por mim e seus presentes. Há uma história hilariante e que exemplifica bem isso. Tive um problema com a minha operadora de TV a cabo, que queria me cobrar, exigia o boletim de ocorrência, que demorava a ficar pronto, e resolvi pegar o telefone e ligar para o diretor de lá, com quem havia tido um romance tórrido. Ele, que sempre gritara, falava aos berros no telefone: Precisa de tijolo? De cimento? Eu respondia que não queria nada, só resolver o problema burocrático. Mas ele insistiu: Quando tudo estiver pronto, vou mandar reinstalar o cabo e colocar dois aparelhos de TV novos na sua casa. O apartamento ficou em reforma por bastante tempo. Havia sobrado quase nada e meu amigo, arquiteto e acupunturista Juan Vairo, assumiu a tarefa de criar algo novo dos escombros, sem me cobrar nada. Mais um amigo solidário. Quando, finalmente, o apartamento ficou pronto, liguei para avisar que já estava na hora de instalar a TV a cabo. Ele me disse que ia me mandar um televisor lindo para colocar no escritório. Eu fiz questão de lembrar: você disse dois. Deve ter sido uma coisa de louco, porque, quando namorávamos, eu não aceitava absolutamente nada. E ele achava isso absurdo, nem entendia muito bem como não precisava de nada que poderia me dar. Nunca fui de ganhar presente de namorado. Acho que a minha postura, meu jeito de lidar com a relação, afastava qualquer possibilidade de carinho ser confundido com algo material. Tenho muitas amigas que ganhavam brilhantes de não sei quantos quilates. Eu, nem aquele anel de raspa de diamante, que dá bolinha em suéter. O fogo, porém, me mudara. Hoje em dia, para falar de mim, conto com a minha memória. E ela pode ser traiçoeira demais. Perdi todas as minhas fotos, a história da minha vida. Só sobrou uma fotografia: eu, Ney Latorraca e Guta, que ficou grudada no vidro do porta-retratos. Se tentasse tirá-la, a rasgaria. Coloquei-a, com vidro e tudo, em outro porta-retratos. Como diz o Ney, com seu humor habitual: A única coisa que ela achou, no meio de toda a sua fortuna em dólares, jóias, foi uma foto minha. E ele, de certa forma, tinha razão. Embora tenha conseguido recuperar alguns graminhas de ouro, garimpadas pelo meu querido Edney Giovenazzi no meio das cinzas, foi muito importante ter salvado uma foto, um pedacinho desta minha história. Perdi, ainda, a história da minha carreira. Sobraram capas de revista chamuscadas. E me lembro que, a cada dia que entrava no apartamento, as revistas, que ficaram amontoadas na sala, estavam em posições diferentes. Era estranho ver aquelas fotos retorcidas, pedaços do meu trabalho, que ainda interessavam a alguém, pois eram reviradas diariamente. O público brasileiro, porém, é muito generoso. E, graças a diversos fãs, fui recuperando a iconografia da minha vida. Recebi mais de 20 álbuns, que haviam sido publicados sobre a novela Antônio Maria; um elepê da Vila Sésamo, com todo o elenco na capa; diversos recortes de jornal e muitas fotos. Recuperei até algumas de criança. No passado, havia uma tradição bonita de enviar fotografias dos filhos, quando se estava distante dos amigos. A neta de uma amiga da minha mãe havia colocado em um porta-retratos algumas fotos minhas e me mandou. Foi emocionante resgatar a minha infância e ler a dedicatória que minha mãe havia escrito para a amiga, em armênio. Como os meus pais, eu comecei uma nova vida. Eles recomeçaram em um novo país, em outra língua, sem uma fisionomia que identificassem. Tiveram força para seguir adiante, sem desanimar. Renasci, purificada pelo fogo, com a ajuda de meus amigos, me reinventando e me tornando uma Aracy melhor. Capítulo II Filha de Contrato Muita gente pensa que sou armênia, mas nasci no Brasil e meus pais, Raphael e Esther, ambos armênios, sempre tiveram uma enorme preocupação: que seus filhos fossem bons brasileiros. A Armênia permanece viva para mim, nas histórias que ouvi, a minha vida inteira, o meu pai e a minha mãe contarem com muita emoção. A Armênia é um tiquinho de terra, na Ásia Menor, a leste da Turquia. Os turcos são inimigos há séculos e foram responsáveis por um grande genocídio na Armênia em 1915. A maior ofensa que se pode fazer a um armênio é chamá-lo de turco – o que acontece com a maior freqüência, pois os imigrantes são sempre confundidos. Se a pessoa é daquela região e tem o nariz adunco, pode ter certeza que vai ser chamado de turco. A Armênia foi a primeira nação a adotar o Cristianismo, no século IV, e tem muito orgulho disso. Durante séculos, a Armênia foi subjugada por vários impérios: romano, bizantino, árabe, persa e otomano. Em 1828, foi incorporada à Rússia e em 1920, à União Soviética. Com a queda da URSS, os armênios ficaram perdidos. Vi uma reportagem que me comoveu demais, os armênios na rua com placas: vendo metade de uma casa; vendo terreno. O armênio sempre teve forças para sobreviver às crises por causa do comércio. É o que ele sabe fazer: vender. Nunca estive na Armênia e nem me dou muito com a colônia aqui no Brasil. Admiro, porém, o povo armênio, que sobrevive há séculos à opressão, passou por um genocídio, e consegue não ter rancor, nem ódio. Meu pai era um homem do campo, pastor de ovelhas, e saiu da Armênia, aos 14 anos, pela Síria. Ele e mais três primos vieram depois para a América do Sul. Dois ficaram na Argentina e dois vieram para o Brasil. E assim ele foi fugindo, fugindo, fugindo até chegar em São Paulo, já casado com uma jovenzinha. Todos os seus filhos nasceram no Brasil, enquanto ele vendia limonada no Viaduto do Chá e depois mascateava pelo interior de São Paulo até chegar em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Ali, ele achou que havia encontrado um lugar para se instalar e vender suas mercadorias, sem ter de ficar levantando as malas para o ar a fim de fingir para os fiscais que não havia nada dentro, assim escapando dos impostos. Minha mãe teve trajetória diferente. Com a sua família se mudou para Istambul. Teve uma educação mais refinada, estudou em bons colégios na Turquia, falava francês. Uma de suas irmãs se tornou freira e ela se casou com um homem rico. Junto com o marido ela veio para São Paulo, teve um filho e ficou viúva. Sem dinheiro, após gastar todas as economias, minha mãe precisou trabalhar. A vizinhança começou a ajudá-la, levando roupas para ela costurar. Isso uma boa moça de família sabia fazer, não precisava ter uma origem humilde para aprender a costurar. E lá ia ela, entregar as costuras, de bonde, com o filho pelas mãos... sem reclamar... sem esmorecer. Até hoje me emociono com a história dos meus pais, gente valente, que não desistia, filhos do êxodo! Meu pai já estava com cinco filhos, quando a mulher morreu aos 28 anos de uma crise de vesícula. Naquela época, não dava para ter crise de nada! Os parentes da mulher do meu pai começaram a se preocupar com o viúvo cheio de crianças. A comadre da minha mãe armou o casamento. Os casamentos armênios sempre foram feitos nesta base, de alguém arrumar um par para o outro. Meu pai foi a São Paulo, conheceu a minha mãe e em uma semana assinaram um contrato. E minha mãe passou a cuidar dos seis filhos: cinco do meu pai e um dela. Deste novo casal, nasci eu. Como diz o Daniel Filho, a única filha de contrato que ele conhece. Na verdade, só fui entender a realidade da minha família quando comecei a ler e vi que o meu sobrenome era diferente dos meus irmãos. Havia uma harmonia bem grande na minha casa. Eu adorava ser a única que era irmã de todos: Maria, Yeranui, Amenui, Arshaluz, Avediz, os filhos do meu pai, e Armem, o filho de minha mãe, que era o orgulho da família. A paixão. Ele fazia tudo o que as minhas irmãs queriam, ia à igreja, estava sempre arrumadinho e bonito, do jeito que elas o colocavam sentado. O irmão delas, Avediz, único Balabanian, morria de ciúmes. Mas ele era malandro, se sujava e deu muitos problemas. Meu pai no final da vida me disse um dia: Meu Deus, por que não tive somente filhas mulheres? Eu era a bonequinha de todos. Talvez fosse usada um pouco para ajudar a harmonia da casa. No Dia dos Pais, por exemplo, meu pai não deixava que ligassem para uma das filhas que estava casada. Se ela quiser vir, ela vem. Quando ele saía, minha mãe pedia para eu ligar. Enfim, era o grande elo de ligação da família. Meu nome deveria ter sido Arakcy – um rio da Armênia – mas meu pai resolveu homenagear o Brasil e tirou o k armênio do meio. Ficou Aracy, que em tupi-guarani quer dizer mãe da luz. Como disse, havia a grande preocupação dos meus pais que fôssemos bons brasileiros, que agradássemos às pessoas e que elas gostassem da gente. Meu pai dizia: Vocês não vão gostar do meu país, que nem conhecem, mas vão gostar do de vocês como eu gosto do meu. Ele se naturalizou brasileiro e nesse dia voltou chorando para casa, porque os termos do juramento eram demasiadamente duros. Mas ele dizia que, conscientemente, era brasileiro, porque o Brasil tinha dado tudo para ele. Sempre fui primeira aluna, porque gostava de estudar, mas isso não era festejado. Meu pai dizia que não fazia mais do que a minha obrigação. O que você fizer, minha filha, tem de fazer bem feito, senão não faça. Ele nos incentivou a ser independentes. Minha irmã, por exemplo, quis parar de estudar depois que acabou o primeiro grau (o antigo ginásio) e ele concordou, desde que ela fosse trabalhar em sua loja, porque precisava arranjar um jeito desta moça sobreviver. Ao mesmo tempo ele queria que nós casássemos, vivia tentando arrumar marido para a gente. Armaram um casamento para minha irmã, e ela, que não queria casar, no dia do noivado jogou pesado com o futuro marido dizendo ter um amante em Campo Grande. Ele achou que ela havia passado do limite. E não teve noivado. Ela ficou um ano de castigo em casa. Ela, a terceira irmã, abriu a porta para todos nós, que vínhamos atrás. E eu, que estava decidida a ser atriz desde os doze anos, conversei muito com meu pai, muito mesmo. Afinal ele havia me ensinado a ser independente desde pequena. No colégio, por exemplo, eles ficavam desesperados porque eu era faladeira demais. Um dia resolveram que precisavam chamar o meu pai no colégio, para ver se ele resolvia esta questão. Ele tranqüilamente respondeu: Não vou fazer papel de palhaço, passar vergonha, aliás, não quero nem que o diretor saiba quem eu sou. O problema é seu, você resolva. E foi assim sempre, nos criando para a vida, para não depender de ninguém. Por isso mesmo acho que tivemos conversas tão francas. Foi o senhor que nos ensinou e agora quer que a gente deixe de ser independente para fazer o que o senhor quer? Eu quero ser independente, inclusive de homem. Como o senhor quer que me case com um homem que vai me tornar dependente dele? Um dia, um casal esteve na casa dos meus pais para me conhecer. O filho do casal estava interessado em casar comigo. Meu pai disse que nem ia me perguntar, porque eu tinha uma outra vida. E arrematou: Hoje em dia, meu caro, elas querem é amar. Tenho paixão por esta frase. Quando resolvi ser atriz, também foi um alvoroço na família. Meu pai foi contra até um dia que chegou e disse: Continuo não querendo, porque acho que ser atriz, no Brasil, é lamentável, não é respeitável. Em qualquer lugar do mundo é uma profissão linda, aqui não. Sabe que acho que neste aspecto ele tinha razão! Mas eu vou te ajudar – completou. E me deu um carro, depois das minhas irmãs azucrinarem bem a cabeça dele que eu não podia voltar para casa tarde, sozinha e de ônibus. Nessa época fazia teatro, televisão e cuidava da minha mãe, que ficou doente por oito anos, com um câncer. E ele me ajudou muito, virou meu fã, de andar com retrato na carteira. No dia em que ele morreu, eu estava cumprindo um compromisso que ele acertara, a apresentação de um baile de debutantes em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, perto de onde a gente havia morado. Ele havia combinado tudo e quando perguntei quanto ia receber ele me disse: Você só pensa em dinheiro. Está precisando de alguma coisa, eu dou. Quanto você quer? Não adiantou argumentar que era a minha profissão, que precisava cobrar, tive de ir de graça mesmo, porque ele achava uma honra que a mulher do prefeito tivesse me convidado. Quando entrei no baile, recebi um telefonema: meu pai havia tido dois infartos e morrido. Minha mãe, que já estava em estado terminal, morreu três meses depois. Foi um duro golpe para mim. Eu era a filha que ainda estava em casa, que cuidava deles. Desde que a minha última irmã saiu de casa, abri mão de qualquer compromisso no domingo. Era dia de almoçar com eles. E não perdi nada. Se o tempo voltasse, faria tudo da mesma forma. Uma vez estava assistindo ao TV de Vanguarda – um programa com adaptações de peças teatrais – com ele, e a história era sobre filhos que se reúnem para discutir a venda da casa dos pais e a colocação deles em um asilo. Eu chorava tanto, mas tanto, que ouvi meu pai dizer para a minha mãe, quando se recolheu: Mulher, pode ficar tranqüila, tem uma filha que não vai nos abandonar nunca. Nos últimos meses de vida da minha mãe – ela viveu bem com o câncer por seis anos, os últimos dois foram mais penosos – meu pai me disse que as minhas irmãs estavam decidindo com quem ele iria morar, depois que mamãe se fosse. Sei que ele sentiu um alívio danado quando deixei claro que ele tinha a própria casa, que eu morava com ele e jamais iria deixá-lo. E teria ficado com ele até o final de sua vida. Por ironia, ele morreu antes da minha mãe. Na verdade, os dois me fizeram até essa gentileza: de morrerem bem juntinhos um do outro. Meu pai foi fundamental na minha vida. Até hoje, brinco que jamais encontrei um homem com o caráter dele, que é e sempre será a minha referência. Hoje, percebo melhor a importância da minha mãe. Se não fosse ela, meu pai perderia as estribeiras mais facilmente. Além disso, ela era de uma generosidade imensa, de amar aqueles filhos como se fossem dela. Uma das minhas irmãs, a Aurora (que é a tradução de Arshaluz) adorava namorar os rapazes pelos quais me interessava. E eu perguntava para a minha mãe: Eu sou feia? Não, você é simpática, tem um sorriso muito bonito, é inteligente e sabe conversar – respondia. E a Aurora? – insistia na conversa. A Aurora é linda. Ao mesmo tempo em que tinha de me conformar que não era linda, porque a minha mãe estava dizendo, e isso me entristecia, ficava feliz ao ver que ela era capaz de elogiar uma filha que não era dela. Meu pai conseguiu vencer todos os seus preconceitos, me aceitar como atriz, porque era o que queria. Você podia me pedir para te apoiar em muitos caminhos e foi pelo mais difícil. Eu sou obrigado a te respeitar. Uma vez ele foi me ver, sem que soubesse. Aliás, ele também nunca me contou, soube pela minha irmã, porque a minha mãe havia relatado para ela. Minha mãe já estava bem doente, ia me ver acompanhada de uma das minhas irmãs, mas na última hora ela não pôde ir e meu pai resolveu levá-la. Quando eu entrei, e fiz o primeiro monólogo, o público delirou. E meu pai disse à minha mãe: Bate palma, que estão aplaudindo a sua filha. Tenho certeza de que, naquele momento, ele estava sentindo orgulho de mim, embora temesse demonstrar. Foi o primeiro sinal que ele havia realmente aceito a minha opção pela arte. Depois que fui trabalhar com o Sérgio Cardoso, aí, ele capitulou de vez. Afinal, eu era atriz suficiente para estar do lado de alguém que ele admirava muito. E um dia ele havia dito: Você nunca vai chegar lá. Havia chegado. Outro dia gravei no Mercado Municipal de São Paulo e senti muita falta do meu pai, que fazia compras lá e nunca podia acompanhá-lo (como ele gostaria que eu tivesse ido com ele!), da minha irmã mais velha que morava na região, saudade de uma vida que vivi e que me parecia, na época, muito boa. Passeei pelas bancas, olhando tudo, com uma nostalgia imensa. Andei tanto com uma sandalinha rasteira, que acabei com a sola dos pés cheia de bolhas. Acho que foi uma metáfora de como estou me sentindo hoje em dia. Até disse ao meu analista: Minha base está magoada. Estou no momento brigada com a minha família – meus três irmãos que ainda estão vivos, Yeranui e Armenui, as mulheres, e Armen, o homem. Eles estão amuados comigo. E, em conseqüência, meus sobrinhos, meus sobrinhos-netos. Sempre fui a boazinha: a menina que elas fantasiavam de boneca e ficava limpinha até o final da festa, sentadinha, linda. Eu não podia nunca estar errada, suja. Fazia tudo o que elas mandavam. Vivia dizendo na escola: Minha irmã disse isso, minha irmã mandou aquilo. Meus colegas ficavam intrigadíssimos e me questionavam: Você não tem pai nem mãe, só irmãs? Agora elas estão supremamente ofendidas porque ousei dizer: Vocês não mandam em mim, não são minhas mães. Sou uma senhora e cansei de ser boazinha. Já disse algumas vezes para eles: Vocês deviam ter na família uma atriz meio louca, sempre metida em confusões, drogada. Acho que seria melhor para eles. Sabe que eles não vão a peça alguma que passa por Campo Grande? Os atores ligam e eles nem aparecem. Como se dissessem para mim: Não gosto da sua profissão. Sinto falta deles? Não, até sonhei outro dia que estava mandando a minha irmã mais velha tomar naquele lugar. Acordei felicíssima. Sei que, se eu não procurá-los, vai ficar tudo como está. Se for boazinha e mais uma vez bancar a conciliadora, vai ficar tudo bem. Mas não estou com muita vontade de ser boazinha. Sou muito amorosa, gosto de gostar, mas no momento não estou conseguindo trocar afeto com a minha família. Afeto que me foi ensinado pela própria família, pelos meus pais e meus irmãos. Esta foi a base da minha família, o carinho. Minha mãe cuidando dos cinco filhos que não eram seus; meu pai colocando o filho da minha mãe para estudar, sem obrigá-lo a trabalhar. Tenho orgulho de ter nascido de seres tão especiais, de ser filha de contrato de duas pessoas que enfrentaram o êxodo com caráter e sabedoria, e que transmitiram tanto para seus descendentes. Enfim, me orgulho de ser uma Balabanian. Capítulo III Nunca Fui Anjo Aos quatro anos, eu sabia que ia ser atriz. Não sei como, porque nem entendia bem o que era teatro, mas sabia. O Paulo Coelho diz que é nessa idade que as pessoas estabelecem a sua lenda de vida. Eu escolhi a minha. Teatro não existia em Campo Grande. Ia ao cinema com as minhas irmãs, assistia ao filme que elas queriam ver. Em geral, neo-realismo italiano. Elas odiavam filme norte-americano. Aliás, fiquei muito sem papo com Daniel Filho por causa disso! Desde pequena, porém, eu brincava de estar no palco representando: colocava uma cortina, fazia roupa de papel crepom, inventava a peça. Um dos meus sonhos era ser anjinho na festa do mês de maio, mas a professora de catecismo implicava comigo e sempre colocava duas amigas minhas, lourinhas, uma com olhos azuis. Eu era lourinha também, mas tinha o nariz grande e os olhos caídos, características dos armênios. E ela dizia: Como você vai ser anjinho com esta cara de turca? Não tem anjinho turco. E sofria demais. Quando cismei de fazer a primeira comunhão, minhas irmãs não deixaram, porque haviam sido maltratadas em colégio de freiras. Então eu não podia comungar na missa dos domingos. Mas queria tanto que entrei um dia na fila, mas Dona Ângela – a professora de catecismo de novo! – me disse que eu não podia, porque nunca havia feito primeira comunhão. Já meio atriz, me virei para ela e contestei: Fiz, sim, quando estive com a minha família em São Paulo. Depois disso, graças a Deus, me confessei com um padre moderno, que me mandou rezar 1000 Ave-Marias e 1000 Padre-Nossos, porque havia acabado de mentir para a professora de catecismo. Mas comunguei. Anjinho, nunca! Embora jamais tenha perdido a ligação com Campo Grande – minha irmã continuou morando lá – eu descobri realmente a cultura, o teatro, quando me mudei para São Paulo. Meus pais acharam que era o momento de ir para a capital paulista, para que meus irmãos cursassem a faculdade. Estava com 10 para 11 anos e minha irmã me fez fazer o quinto ano de novo, porque achou que eu estava fraca. Viu a importância que minhas irmãs tiveram em minha vida? Tive mãe demais. Acho que esse foi o meu mal. E meu bem. Fui estudar em um bom colégio, o Bandeirantes. Eu era ótima aluna. A professora de português nos mandava ir a concertos, exposições, teatro. Uma maravilha. Aos 12 anos, minhas irmãs me levaram para ver uma peça da Cia. de Maria Della Costa. Era uma matinê, elas me colocaram lá dentro, porque não tinham dinheiro para entrar também. Eu chorei o tempo todo e tive a certeza que meu lugar era no palco. Um dia, o grêmio levou o Augusto Boal ao colégio. Ele estava em Ratos e Homens, peça que havia visto 20 vezes, e me pendurei nele. Foi aí que ele perguntou: Você gosta tanto de teatro, porque não vai fazer um teste para o Teatro Paulista de Estudantes? Conhecia bem o TPE, do qual faziam parte o Gianfrancesco Guarnieri, o Vianinha, a Vera Gertel, e na sexta-feira, à hora marcada, lá estava eu, certa que ia levar um bolo. Mas fiz o teste, conheci Beatriz Segall, que havia retornado ao teatro, depois de ter se casado e tido filho, e com ela aprendi muito sobre teatro e sobre a vida. Até hoje, agradeço a Beatriz por tudo o que ela fez por mim e ela sempre retruca: Você é uma exagerada. Garanto que não sou. Minha primeira peça, como amadora, foi dirigida por ela. Eu tinha 14 anos. A Beatriz era uma pessoa importante no meio e todo mundo foi ver o espetáculo. O crítico Décio de Almeida Prado escreveu: Ontem, nasceu uma estrela. Guardem este nome: Aracy Balabanian. Beatriz, Sadi Cabral, Guarnieri, Vianinha, Boal se reuniram para comentar a crítica e me disseram: Nós achamos a mesma coisa, mas você tem de estudar. E eu fui. Entrei na USP em Ciências Sociais e na Escola da Arte Dramática, a EAD. Larguei a faculdade no terceiro ano (uma besteira, devia ter-me formado) e me dediquei somente à EAD. Formei-me depois de quatro anos. E foi uma maravilha! Tive os melhores professores que podia ter, em especial Dr. Alfredo Mesquita, o criador da escola, que me abriu muitas portas. Ele era uma pessoa preocupada com valores. Não podia faltar, chegar atrasado, falar mal português. O Dr. Alfredo sempre começava a aula dizendo assim: Nossos maiores atores são autodidatas, ninguém fez escola, a porta está aberta. Mas a gente sabia o quanto os autodidatas haviam suado e agora ajudavam Dr. Alfredo a levar adiante a escola. Sérgio Cardoso dava aula de maquiagem, que havia aprendido sozinho. Cacilda Becker também dava aulas. Guarnieri fazia palestras. Era verdade que, por alguns setores da esquerda, a escola era malquista. Coisa dos Mesquita – era o argumento. Dr. Alfredo, no entanto, havia colocado todo o seu patrimônio, vindo dos Mesquita e do jornal Estado de S. Paulo, na EAD, porque a maioria dos alunos era bolsista. A escola começara em 1948 na mansão de uma amiga, próxima à dele; depois passou para o Liceu de Artes e Ofícios e depois para a USP – o que sonhava há anos – e neste momento deram um chute nele. A EAD oferecia cursos de interpretação, cenografia e dramaturgia e crítica teatral. No programa do curso de interpretação havia dicção, expressão corporal, psicologia, mímica, história do teatro universal e do teatro brasileiro, mitologia, português, preparação de um ator e comédia e drama. Fui da décima segunda turma da EAD, de 1959 a 1962 – na época o curso durava quatro anos, depois foi reduzido para três. Eram da minha turma: Ademir Rocha, Carlos Eugênio M. Moura, Edgard Gurgel Aranha, Gilberto de Nichile, Luiz Nagib Amary, Nilson Demange, Ricardo de Lucca e o Juca de Oliveira, que não se formou. Na escola ganhei meus primeiros prêmios, como a melhor interpretação do ano em 1961 – junto com a Myriam Muniz em O Defunto, de René Obaldia – e, em 1962, por Macbeth. Até hoje, são os prêmios que mais me dão orgulho. Dr. Alfredo sempre trazia de casa um panelão de sopa. E nós, que chegávamos da escola, do trabalho, tínhamos o que comer: pãozinho, sopa e uma sobremesa. Ninguém estudava com fome. Ele era professor de tudo, a alma da escola. Sabia ensinar um ator a subir a escada como um rei e descer como um mendigo. A Maria José de Carvalho, uma louca maravilhosa que dava aulas de voz, exigia uma coisa do ator: atitude. Na hora da prova ela podia dizer: Isso não é a roupa que um artista veste. Zero. Ou ainda: O ato está correto, mas a postura está errada. Senta. Uma maravilha! Era uma mulher linda, que usava um chapelão, mulher do Diogo Pacheco e com ela aprendi muito. Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi foram também mestres inesquecíveis. A EAD nos deu a oportunidade de saber o que existia a ser estudado, o que era imprescindível saber. A partir daí, um ator segue pela vida. Juca de Oliveira era meu colega de turma. Fizemos uma peça juntos, de Almeida Garret. Minha mãe foi ver e saí correndo para saber o que ela havia achado. Vai em frente, filha. Vai que você tem jeito, mas aquele moço já é ator. Aquele já está pronto. E ela tinha toda razão. Era verdade. Por isso mesmo foi chamado por Flávio Rangel para fazer uma peça e saiu antes de acabar a escola. Mesmo assim, Dr. Alfredo deu-lhe o diploma. Ele concordava com a minha mãe: Juca estava pronto. Durante os dois anos que estudamos juntos, brigamos sempre pela primeira nota. O Sábato Magaldi, por exemplo, era o nosso professor de História do Teatro e de História do Teatro Brasileiro. Eu me lembro da primeira frase dele na primeira aula: A organicidade do teatro brasileiro deve-se a José de Anchieta. Em suas provas de História do Teatro ele exigia, por exemplo, que apontássemos as diferenças e as semelhanças entre textos de Molière e Racine. Eu estudava sem parar, com livros emprestados, uma loucura. No dia de uma das provas, o Juca faltou, arranjou um atestado médico, só para poder estudar mais do que eu. O professor ligou para ele: Não adiantou nada a sua estratégia, porque a Aracy já tirou 10. Você não vai poder tirar mais de 10. Saímos da escola empostados, sim, mas muito bem preparados. Patrícia Galvão, a Pagu, era ouvinte no curso do Sábato. Qualquer dúvida, ela tirava comigo. Ia para o bar, na Esquina da Av. Tiradentes, com ela, que tomava fogo paulista, enquanto eu tomava um guaraná. Todos ficavam assustadíssimos ao ver aquela mulher já velha, com o rosto e os dentes arrebentados pela polícia e aquela jovenzinha ao seu lado. Ela, até o final de sua vida, foi importante na vida cultural de São Paulo. Seu marido era redator-chefe do jornal de Santos e Pagu levava grupos, diretores, atores para se apresentarem lá. Muitos atores em Santos surgiram a partir disso. Na verdade, era um momento de muita ebulição cultural. Você ia ao MASP e podia se encontrar com Manabu Mabe, fazer uma pergunta e ele ficar conversando um tempão com você; em uma livraria, a mesma coisa, você podia topar com um escritor famoso que não se importava de responder às perguntas dos jovens. No dia em que ele, o Dr. Alfredo, me convidou para ir à sua casa, com mais alguns alunos, fiquei deslumbrada. Suas irmãs moravam em uma ala e ele, em outra. No hall, que unia essas duas alas, havia um Rodin. Isso para mim era sempre um acontecimento. Ah, como sinto falta dessa época! Meu analista me disse que tenho uma nostalgia de um tempo em que era mais reconhecida. Não! O que me preocupa é que se esqueça do que foi feito neste país e como caminhamos para trás. Não me chateio que não se lembrem que fiz Antígona na TV ou a novela Antônio Maria, mas que se esqueçam que existiu uma Cacilda Becker, uma Dulcina de Moraes, um Dr. Alfredo Mesquita, uma Myriam Muniz, pessoas generosas de um tempo em que não se mediam esforços para ensinar aos outros. Sinto falta de um tempo em que o ator esperava a crítica no dia seguinte, para se orientar, ajustar, se necessário, modificar o seu trabalho. Sinto falta, ainda, da consistência daqueles tempos. Nós tínhamos nas mãos o instrumental, e isso nos fazia entender a arte e a vida. Os atores eram uma classe unida. Que participava, discutia, se insurgia contra o regime ditatorial do País. Em 1968, estava no elenco de Feira Paulista de Opinião, escrita por seis autores: Lauro César Muniz, Gianfrancesco Guarnieri, Bráulio Pedroso, Oduvaldo Vianna Filho, Jorge Andrade e Augusto Boal – que também dirigia o espetáculo. Nós sofremos muita pressão da censura, que demorou muito tempo para liberar a peça, o que nos obrigou a apresentá-la sem a autorização da censura, em um ato de desobediência civil. Além disso, íamos a todos os teatros e interrompíamos a apresentação, dizíamos que estávamos censurados e mostrávamos um trechinho do Feira Paulista de Opinião. Foi importante demais essa movimentação e o espetáculo acabou liberado. Finalmente, estreamos, após meses de espera da decisão da censura, no Teatro Ruth Escobar. Nos apresentávamos na sala de baixo e na sala de cima estava a montagem de Roda Viva, do Chico Buarque. Naquela época, a primeira sessão era bem cedo, às quatro da tarde e a outra às nove. Tínhamos tempo de fazer um lanche, ficar lendo um livro, perambulando pelo teatro. De repente, ouvimos um enorme barulho, subimos e encontramos o teatro de cima totalmente arrebentado. O pessoal do Comando de Caça aos Comunistas – CCC, havia atacado o elenco de Roda Viva. Assim que o espetáculo terminou, eles subiram no palco, bateram nos atores, destruíram todo o cenário, a aparelhagem de som. Depredaram tudo. A classe se mobilizou imediatamente. Cacilda Becker, a grande dama do teatro brasileiro, foi avisada em uma festa e imediatamente se reuniu com os colegas e ficou decidido que ela iria à casa do governador Abreu Sodré. Eu fui com ela. Ele morava ainda no Jardim Europa. Batemos em sua porta, os seguranças tentaram impedir, o governador abriu a janela e perguntou o que estava acontecendo e Cacilda, com sua voz peculiar, respondeu: O teatro brasileiro está sendo agredido. E estava mesmo e lutar era preciso. Depois da agressão do CCC, em uma sessão do Feira Paulista, diversas cápsulas de gás lacrimogêneo haviam sido espalhadas pelo chão e foram estouradas, quando o público saiu e pisou nelas. Foi preciso interditar o teatro por uns dias. Eram tempos difíceis, mas a classe, como disse, era unida, coesa, engajada na luta contra a ditadura. Em todas as passeatas, lá estavam os atores na linha de frente. Quando avisava para o meu pai que ia participar de uma manifestação, ele só dizia: Se vista bem e leva um dinheirinho no bolso. Era sua forma de dizer que me apoiava. Hoje, ator quer ter Audi, Pajero, ganhar dinheiro, ser capa de revista e ter um assessor de imprensa. E só. Um ego do tamanho de um bonde. Nossa, que expressão de época! Ninguém sabe nem mesmo o que é bonde... Outro dia, dei uma bronca em uma atriz que adoro, a Thaís Araújo, porque ela me ligou aos prantos que estava sendo seguida pela imprensa. Perguntei por que ela estava se escondendo, se é solteira e o namorado também. Não seria muito mais fácil tirar a foto de mãos dadas (beijo, não!) e pronto, ir embora sem ninguém seguindo? Aliás, dei uma segunda bronca quando vi uma entrevista sua no programa da Marília Gabriela. Eu chamei o Ulysses Cruz para dirigir a minha peça porque queria fazer teatrão. Disse para ela que, primeiro, ela devia saber o que dizia a expressão teatrão, antes de usá-la. Foi a turma do teatro político, engajado, que chamou todo o resto de teatrão. O Ulysses é de outra geração, nem do teatro político, nem do teatrão. Acho que não perco a mania de tentar ser meio professora, mentora, assim como muitas pessoas o foram para mim. Assim como não deixo de seguir as pessoas que admiro e puxar uma conversa com elas. Fiz isso, quando estava gravando Sai de Baixo, e enquanto aguardava na porta do teatro, vi a Lygia Fagundes Telles passar. Saí atrás dela, falei da minha admiração, conversamos sobre Dr. Alfredo, de quem ela era amiga, e tenho certeza que aprendi muito e cresci como pessoa e como atriz depois desta conversa. Sempre reajo quando alguém diz: Ah, mas não tinha ambiente e por isso não fiz teatro. Eu não tinha ambiente algum, era filha de imigrantes, que eram contra a minha opção, tive de lutar bastante, não conhecia ninguém, mas fui buscar o meu sonho, o meu desejo. E encontrei muita gente bacana que me ajudou. Um dia estive em Campo Grande para inaugurar o Teatro Aracy Balabanian – e que ator não se sentiria honrado com isso! E contei a história de como queria ter sido o anjinho e que ninguém devia abandonar seu sonho. Tempos depois, quando a TV Morena, de Campo Grande me pediu uma mensagem de Natal, insisti na mesma tecla: Não abandonem sonho algum. O que você quiser hoje, lute que conseguirá amanhã. Eu queria muito ser anjinho aqui em Campo Grande. Fui para São Paulo, estudei, batalhei, fiz milhares de personagens e ontem à noite fui a Virgem Maria, tendo ao meu lado Walmor Chagas. E o Arcebispo do Rio de Janeiro, que estava lá me assistindo, me disse que Nossa Senhora talvez tenha sido armênia. Em todas as imagens medievais, Nossa Senhora tem os olhinhos caidinhos, o rosto comprido que nem o meu, e ele achou que eu estava até parecida com Nossa Senhora! Não fui anjinho, porque era turca, mas fui a Virgem Maria por ser armênia. Então, vale a pena lutar. Realmente acredito nisto. Capítulo IV Segredos de Atriz O maior presente que ganhei foi ter sabido o que queria fazer. Muita gente passa a vida inteira sem achar o que ama. Eu faço por 42 anos ininterruptos aquilo que amo mais: representar. E fui caindo nos lugares certos, com as pessoas certas, que me indicaram caminhos, me orientaram e me apoiaram. A primeira peça que fiz profissionalmente foi Os Ossos do Barão, do Jorge de Andrade, com direção de Maurice Vaneau, em 1963, no TBC. Eu havia recebido um convite para ser a protagonista de uma peça de jovens; e outro para ser coadjuvante no TBC. Achava que não estava preparada para ser o primeiro papel e que tinha muito a aprender no TBC. Não estava errada. Entrava na primeira cena ao lado da Cleyde Yaconis, com um tubinho, bem jovenzinha. Eu tremia tanto que meus joelhos batiam. Ela me garantiu: Isso passa! Na terceira peça, você nem lembra mais de tremer. Pois bem, já se passaram mais de 40 anos e continuo tremendo. Até hoje, quando se aproxima a estréia de uma peça ou mesmo de uma novela, penso: Ai, meu Deus! É agora que as pessoas vão descobrir que sou um blefe. E tremo mais. Aliás, as pessoas implicam porque eu tremo. E isso aparece, especialmente na TV. Mas, o que posso fazer se as emoções me fazem tremer? As emoções boas e as ruins. Quando vou falar com o diretor, especialmente se for sobre dinheiro, não aceito nunca um café, no máximo um copo de água. O café vai derramar, com toda a certeza. O copo de água, posso segurar com as duas mãos, já desenvolvi uma técnica. Durante as gravações, não dá para reprimir a tremedeira. Eu me emociono muito com as cenas, faço-as como se fossem as últimas da novela, sempre. Tento tirar da cena o máximo que posso, porque não sei se vai vir uma melhor ou uma pior depois. Eu me entrego, faço no limite. E, por isso, tremo. Sou assim em tudo na vida. Intensa. Exagerada. Paladina da justiça. As pessoas me aconselham a não ser tão assim, porque, é claro, sofro muito mais do que deveria. Alguns dizem: Você precisa se conformar: tem amigo para ir ao cinema, outro que é para jantar. Não, quero encontrar um amigo que possa me dar tudo, como quero dar a ele o máximo. O meu analista vem tentando arrefecer esta obsessão. Como diz o João Curvo, sou totalmente yang. Sofro, tremo, mas não sei viver de outra forma, me dando totalmente, física e emocionalmente. E, também, não consigo ser atriz de maneira diferente, no piloto-automático. Por vezes, é claro, acontece e fico com a maior vergonha quando percebo, quando me dou conta que o personagem foi embora e sou eu que estou fazendo, somente com a técnica, usando a cabeça, sendo racional. A técnica existe e precisa ser usada. Depois de cinco horas no sol, na Marina da Glória, com o píer balançando, ter de chorar porque o Paco e a Preta foram embora não é fácil. Para isso existe a técnica: aperto um pouco o olho e a lágrima vem. Se preciso limpar a voz, faço vários exercícios. Isso é técnica. Mas com certeza é muito melhor chorar quando a lágrima vem da alma da personagem. Sou uma atriz stanislavskyana. Apesar de todos os outros métodos que surgiram depois, e que aprendi, sempre o meu trabalho passa pelos ensinamentos de Stanislavsky e a memória afetiva. Mesmo que não tenha vivido todas as experiências da minha personagem, tento me aproximar o máximo possível dela, conhecê-la a fundo. E assim vou entrando no ser humano que vou conhecendo. Imaginando a sua vida, como ela se veste, o que ela sente, até me fundir com a personagem. Nesse momento, eu encontro dentro de mim a personagem. Não é que fique possuída, que baixe um santo, sou totalmente consciente quando estou representando, mas estou de tal maneira envolvida com aquela pessoa, que já penso, sinto e ajo como ela. Na formatura da EAD, fiz a Lady Macbeth – Dr. Alfredo me achava uma aluna tão boa, que colocou o professor de História do Teatro, Paulo Mendonça, para contracenar comigo. E aquela mulher ambiciosa, louca, existia dentro de mim, que tinha apenas 18 anos. Faço análise, com diversas interrupções, há vários anos. E acho que gosto tanto do processo, porque ele me ajuda a ser uma atriz melhor. Falando de mim, da minha vida, o que fiz dela e o que pretendo fazer, cresço como pessoa e, conseqüentemente, como atriz. Consigo, também, humanizar cada vez mais as minhas personagens, para que elas sejam realmente pessoas completas, não estereótipos. É buscando pequenos detalhes do ser humano – e isso é o que você mais encontra na análise – que você consegue enveredar nas personagens, buscá-las de dentro para fora. Assim fujo de uma interpretação chapada, sem nuances, sem credibilidade, mecânica. A minha matéria-prima é o ser humano. Que instrumento melhor de conhecimento do que análise? Sempre tive vontade, curiosidade, interesse, li muito sobre a psicanálise. Quando meus pais morreram, fiquei completamente sem chão. Ia ao cemitério todos os dias. Eu trabalhava com a Joana Fomm e gostava especialmente dos comentários que ela fazia. Pois foi a Joana quem me indicou o meu primeiro analista. Ele era um freudiano bravo. Nossa primeira conversa foi difícil. Ele me disse que o tratamento era caro. Eu sei: mas quando tenho dinheiro não tenho tempo; quando tenho tempo, não tenho dinheiro. E pretendo resolver essa questão aqui, no consultório. Tinha muito problema em lidar com dinheiro. Minha irmã – sempre uma das minhas irmãs – foi ao consultório, chamou-o de vigarista, disse que ele queria me explorar, porque eu era a única pessoa saudável da família. Evidentemente, depois disso, ele percebeu o quanto precisava da análise. Freudiano estrito, ele era absolutamente formal. Eu chegava bem cedo – as sessões eram às sete horas da manhã, olha como estava precisando – ficava aguardando-o, ele passava por mim, nem me cumprimentava. Alguns momentos depois, ele abria a porta e me mandava entrar. Eu era tímida, cheia de medos e precisava de alguma forma superar a morte dos meus pais, porque estava querendo ir embora também. Fez-me bem demais. Nem consegui seduzi-lo, coisa que exerço desde então, até deitei no divã – o que não faço mais, diga-se de passagem. Quando vim para o Rio de Janeiro e não podia pagar a Ponte Aérea para fazer análise, descobri um outro caminho: a análise transacional. Na época, foi importante parar de falar em pai, mãe, avó e fazer um trabalho mais focado sobre papéis familiares – convenhamos que, com a família que tenho, foi a terapia perfeita! Depois de alguns anos longe do consultório, senti necessidade de voltar. Quebro um pouco os parâmetros com ele, me recuso a deitar no divã, converso cara a cara e sempre tenho muitos ganhos. O ator mexe com diversas coisas dentro dele, na maioria das vezes, impunemente. Além disso, temo uma certa tendência ao isolamento. Os piscianos são assim, dados a grandes mergulhos. Quando chego ao fundo do poço, porém, bato no fundo e volto. Minha irmã Aurora era linda e tudo o que ela tocava se tornava bonito também. Ela tinha, porém, uma forte tendência à depressão. Oito anos mais velha do que eu, participou do movimento existencialista. Eu me lembro dela com uma capa preta, cabelos negros caídos pelos ombros, sempre falando em suicídio. Implorava que ela não se matasse. Ela se casou com um depressivo, que se suicidou. Pensei: Agora ela está livre. Mas, de certa forma, ela também se matou, fumando desbragadamente, até mesmo na cama do hospital. Fiz o caminho inverso, incentivada por ela, que não queria que seguisse o seu caminho. Muitas vezes as pessoas acham: Aracy acabou. Mas logo surjo renascida, como uma fênix. E a análise me ajudou muito em todos os processos de renascimento. Sou uma pessoa, também, que gosta de rituais. Quando estou fazendo teatro, quando dá 6 horas da tarde começo a acender todas as luzes da casa – em geral, gosto de luz baixa. Quando chego no camarim, a mesma coisa: deixo tudo bem aceso. Tem gente que apaga a luz para meditar. Eu quero tudo bem claro para ficar bem assanhada e entrar no palco para me exibir. Não gosto, porém, de conversas alheias ao trabalho no camarim. Se isso acontece – porque é freqüente dividir o camarim com outros atores – levo um tempo me concentrando na coxia, antes de o espetáculo começar. Quando fiz Clarice Lispector – nossa, que personagem difícil, todo mundo tinha a sua idéia de Clarice – sabia que ela era muito vaidosa, usava batom de cor forte, pintava sempre as unhas, e a partir disso inventei uma coisa: todas as noites antes de entrar em cena colocava Eternity, do Calvin Klein, em mim e borrifava em todas as pessoas do elenco. Aliás, como é importante para um ator ter um bom grupo à sua volta! Em termos artísticos, digo com a maior sinceridade, se você não tem com quem dividir, bater bola, não faz gol nunca. Não existe a estrela solitária. Não existe ator maravilhoso que faça bem o seu papel, se estiver cercado por péssimos atores. Quero é gente mais talentosa do que eu em volta. Não me sinto comprometida com o star system, faço primeiros papéis, desde o início da minha carreira, mas também coadjuvantes, até mesmo participações afetivas, como na novela Da Cor do Pecado, em que interpretei a governanta Germana, que seria um papel pequeno. Foi um estouro a relação dela com o Lima Duarte. Como brinca a Thaís Araújo – falo muito nela, porque a admiro demais – na mão leve, bem devagarzinho você roubou minha protagonista. O Rubens de Falco, porém, pensava diferente. Na peça em que estreei, ele fazia o meu pai – e ele ODEIA quando conto isso. Muitos anos depois, a Dina Sfat sugeriu que eu e o Rubens pegássemos a produção de Uma Mulher do Outro Mundo, porque ela estava doente. O Rubens foi categórico: Com a Aracy não faço, porque ela não tem o meu nível. Dina ficou furiosa e me convidou para tomar umas caipirinhas na Academia da Cachaça, um bar perto de sua casa. E tomei muitas, muitas mesmo, de maracujá. Quando levantei, estava tontinha. Mas era o que precisava, porque fiquei triste demais com essa história. Acho que por essas e outras histórias que é importante também ter em um elenco pessoas boas, além de bons atores. Muitas vezes um grande talento te atormenta tanto na coxia, que é preferível morrer do que continuar com o espetáculo. Em uma peça, que fez enorme sucesso pelo Brasil, eu contracenava com uma atriz bastante talentosa, mas muito difícil de conviver. E ela sabe disso, tanto que me ama porque a agüentei. E a amo também. Mas foi duro! Um dia, quando estávamos em excursão pelo Brasil, ela anunciou: Amanhã é meu dia de folga e não quero falar com ninguém. E colocou uma placa de Não perturbe na porta. No dia seguinte nos encontramos no elevador e ela começou a falar comigo e eu só dizia hum, hum. Num momento ela se tocou e perguntou porque não estava falando com ela. Eu respondi que estava seguindo o que ela dissera, o pacto de mudez. E você me leva a sério? Acredita no que falo? E vivemos assim por muito tempo, entre tapas e beijos. Genial é ter como companheiro alguém divertido, bom caráter, que tenha o mesmo prazer de trabalhar que você. É fácil? Não, claro que não é. Isso não me impede de buscar. Como escolho as minhas personagens? Nem sempre a gente escolhe. Em teatro, sim, porque você pode optar muito mais pelo que deseja interpretar. Já disse não para diversos espetáculos, por motivos variados. Por exemplo: minha mãe ficou doente por oito anos. Quando me chamaram para fazer uma peça sobre doentes terminais, Caixa de Sombras, recusei. Eu sabia que não tinha condições de lidar no palco, com um problema que estava vivendo. Alguns anos depois, fui convidada para viver outra paciente em estado terminal, mas de novo não consegui aceitar, não agüentaria reviver o que para mim já virara uma sombra. Lílian Lemmertz e Glória Menezes, respectivamente, foram maravilhosas nos dois personagens. Em televisão é diferente. Quando se é contratada, as personagens chegam. E sempre acabo gostando delas. E sou capaz de brigar por elas. Quando a novela acaba, de algumas sinto uma falta enorme, uma grande saudade, como de um amigo que um dia partiu. Sinto como se tivesse levado um amigo ao aeroporto para uma longa viagem. Sei, porém, que novos amigos chegarão. Capítulo V Histórias do Teatro Minha carreira no teatro é feita de sucessos e fracassos. Sucessos que demoraram anos em cartaz. Fracassos que logo acabaram. Ambos me ensinaram muito. Jamais deixei de analisar o porquê de um ou de outro. Embora ninguém saiba a fórmula, é como a receita de um bolo. Uma vez dá certo, na outra o bolo fica “solado”. Estreei sendo dirigida pelo Maurice Vaneau e, logo depois, fui trabalhar com Antunes Filho em Vereda da Salvação. Eu era sua pupila, e me dava bem com ele. Em Vereda da Salvação, ele já procurava um novo jeito, uma forma mais brasileira de representar. Era babá, chofer, era tudo dele. Quando a Maria Bonomi, com quem Antunes era casado, chegou da Europa, me trouxe um perfume – o primeiro perfume francês que usei na minha vida. Ela me disse que era para a ex-futura amante do marido, porque certamente ele estava querendo me comer, mas não deve ter conseguido. Ficamos muito amigas. Era uma grande turma querida: Antunes, Ademar Guerra, Bonomi, Armando Bógus, Irina Greco. Foi com Antunes que fiz o meu maior fracasso: Júlio César. A história dessa montagem é mais bem contada pelo Luiz Gustavo. Todas as vezes que escuto, rolo de rir. Mas foi um fracasso engraçado mesmo. Todos nós temos na vida um grande fracasso. Ainda bem, mas esse foi demais. O elenco era inacreditável, as maiores estrelas da época: Sadi Cabral, que fazia o Júlio César, e era um mestre na arte de representar; Jardel Filho e Raul Cortez, que disputavam quem usava a menor sainha – eles tinham pernas lindas – e a maior peruca; Juca de Oliveira e Luiz Gustavo, que faziam piada de tudo; Glória Menezes, como Pórcia, a mulher de Marco Antônio e eu, que vivia a mulher de Júlio César e que, em três horas de espetáculo, entrava dez minutos, contava um sonho e mais nada. Os figurinos eram da Bonomi – ficava poucos minutos em cena, mas tinha duas roupas maravilhosas. Enfim, tudo era lindo, grandioso, maravilhoso. O ensaio geral foi o mais longo de que participei na minha vida. Chegamos um dia às duas da tarde e saímos dois dias depois às oito da noite. A Glauce Rocha era namorada do Jardel e acompanhou o ensaio. Fui com ela até a padaria comprar sacos de pão e muita manteiga para que as pessoas não morressem de fome. Já tinha figurante desmaiando. Era uma multidão no palco, uma confusão infernal de entradas e saídas, gente que não entendia que a cena havia sido cortada, um homem explicando para o Antunes que não se chamava Pedro no meio daquela balbúrdia. O Antunes gritava, esbravejava, espumava. Estreamos. Teatro Municipal de São Paulo. Na primeira cena, Sadi cai da escada e fratura a clavícula. Ficou caído lá atrás, com a coroa de louros tombada, uma tristeza. Fez o espetáculo até o final, morrendo de dor, superprofissional. E foi obrigado a ouvir a gargalhada geral na platéia, quando depois do monólogo de Marco Antônio – o famoso Até Tu, Brutus – os soldados carregam o caixão de Júlio César e mostram-no para a platéia. E aparece a bunda de Júlio César. No outro dia, ele foi substituído pelo Sílvio Rocha, que não teve tempo de decorar o papel e fez a peça toda de toga e... óculos. Foi um fracasso retumbante. Quinze dias em cartaz. Nesses poucos dias, eu e a Glória ficávamos nos camarins tagarelando, pois precisávamos esperar até o final, para os agradecimentos. Não preciso dizer que sou faladeira, mas a Glória também é, e para me fazer calar a boca, para ela poder falar, ela me cutucava insistentemente. Meu vestido, que era de veludo, ficou marcado pelos cutucões da Glória. O fracasso doeu? Acho que doeu, sim, porque a Ruth Escobar não pagou a ninguém e ainda processou o Antunes pelo fracasso. Eu recebi um cheque sem fundos, que anexei ao processo, bem justiceira. Antunes foi muito importante na minha carreira. Em determinado momento, porém, vi que não era mais possível trabalhar com ele: na última peça que fiz, em que ele era o diretor, ensaiei durante seis meses, de uma às sete da noite. Depois do espetáculo, continuávamos a ensaiar. Ou seja, era difícil ser um ator profissional e trabalhar com ele. Antunes também desprezava quem trabalhava com outros diretores, quem ia para a televisão era uma merda, esculhambava quem se desligasse da sua companhia. Tudo, porém, foi um grande aprendizado. Como também a temporada de Depois da Queda, com a Cia. de Maria Della Costa. Fiz uma substituição na excursão pelo Brasil e foi um prazer e uma aula de profissionalismo trabalhar com Maria. Houve um momento em que ela estava muito mal, com a barriga inchada – ela fazia a Marilyn Monroe, lindíssima, e a roupa nem fechava mais – e fizemos uma greve para que ela parasse para se tratar. Eu contracenava com o Paulo Autran. Uma vez, a luz, que deveria acender em cima de mim, queimou. O Paulo não teve dúvidas: foi até onde estava, me trouxe para a luz, virou o meu rosto para que ficasse bem iluminado. Que colega! Quando eu saía de cena, ficava sentadinha na coxia vendo o espetáculo e o Paulo se intrigava com isso até eu dizer que não podia deixar de ficar admirando o trabalho dele. Realmente ficava fascinada vendo aquele monstro em cena. Sérgio Cardoso era outro que me fazia babar. Era um ator que admirava muito, mesmo antes de contracenar com ele. Fiz com Sérgio Gog e Magog, de autores norte-americanos pouco conhecidos, em que ele vivia um homem com dupla personalidade. Eu era a mulher dele e nunca sabia quem era um e quem era o outro. Foi um pouco a volta do Sérgio aos palcos, mas não fez muito sucesso. Contracenar com ele, porém, foi um presente. No dia da estréia, tudo deu errado. Não havíamos tido tempo de ensaiar a peça toda, tínhamos rolado pela escada um pouco antes de a platéia entrar. O Sérgio era míope e arrumava tudo no palco, para que ele soubesse sempre onde estavam os objetos de cena. Neste dia não deu e ele foi esbarrando, sem achar nada. Meu chinelo não ficou pronto e entrei em uma cena de salto alto, com uma bandeja na mão. Este enganchou em uma ranhura do chão e eu voei para o outro lado do palco. Ele improvisou: Toda vez que você fala da sua mãe, acontece alguma coisa. Peguei o improviso e fui adiante. A platéia delirou. Essa é ou não é a grande magia do teatro? Tudo acontece no momento. É verdade que não existe o registro, só na memória das pessoas. Gosto, porém, desse caráter efêmero do teatro. É isso que o torna tão mágico. Mas, como diz o meu analista, contanto que o efêmero não seja vivido como tal no momento. Na hora tem de parecer eterno. Capítulo VI Ademar Guerra e Myriam Muniz Ademar Guerra foi o diretor com quem mais trabalhei: Marat/Sade; Oh, que Delícia de Guerra; Hair; Brecht Segundo Brecht; Último Dia de Aracelli; Boa Noite, Mãe. Sou chamada de ademarete por causa disso. Ele foi assistente do Antunes Filho. Um assistente de fato, não aqueles que servem para levar cafezinho. Quando Ademar se afastou do Antunes – e ele ficou possesso – e começou a sua carreira solo, fiquei sendo a queridinha dele – a segunda, porque a primeira era a Irina, mulher do Bógus, ator pelo qual Ademar tinha verdadeira paixão. Irina era sempre a protagonista. Eu fazia os segundos papéis, mas adorava aquela turma. Em Marat/Sade, é claro, a Irina fazia a protagonista feminina, Charlotte Corday. Eu era, praticamente, parte do coro, a cantora Rossignol, um tipo bem popular, meio comediante de feira, que, junto com outros três cantores, se misturava aos loucos. Na época, fazia novela, estava com a minha mãe doente e o papel exigia uma energia gigantesca. Não sei como conseguia. Foi um trabalho insano, mas recompensador. Eu sentia que a platéia me procurava com os olhos durante o espetáculo. Dançava, cantava, fazia amor, uma loucura. O Régis Cardoso costuma dizer que sou a única coisa que ele lembra de Marat/Sade, o que muito me orgulha. E se consegui presença tão marcante, devo demais a Ademar Guerra, que foi um diretor soberbo. Fui apaixonada pelo Ademar. E ele por mim. Éramos amantes do teatro e isso nos unia. Muita gente achava que a nossa relação era de homem/mulher. Podia até existir essa paixão, mas nunca foi realizada. Aliás, nunca soube nada da vida sexual do Ademar. Briguei muito com o Juca de Oliveira por causa disso. Ele adora me provocar e me perguntava: Aracy, aquele rapaz que estava com o Ademar era namorado dele? Eu ficava furiosa: Não vou comentar nada da vida do meu amigo com você. Anos depois, no Rio de Janeiro, estávamos na praia no Joá, onde morávamos, a mulher dele estava grávida, eu os coloquei sentadinhos, bem delicada. Aí, ele veio de novo com a história do namorado do Ademar. Tirei as cadeiras, recolhi os jornais e fui embora. A Zu, mulher dele disse: Ô Juca, ela avisou. Coisa de mulher apaixonada e passional. Ademar era para mim o amigo para todas as horas e para tudo. Sinto uma falta disso! A primeira vez em que fui para Europa, ele fez um roteiro completo para mim, como se estivesse estado em todos aqueles lugares. Não, nunca tinha ido, mas pesquisou exaustivamente para fazer um roteiro para mim. Temperamental ele era. Xingou-me muitas vezes. Mas a gente se entendia com o olhar. Nos ensaios, bastava ele cruzar os olhos comigo, que eu já entendia que ele queria dizer menos, Aracy, menos. A presença da Márika Gidali suavizou-o muito. Foi ele quem levou a Márika para o teatro, para fazer coreografias. E a Márika levou o teatro para o balé por causa dessa união. Foi frutífera a relação dos dois. Era com ela que me queixava quando o Ademar nem olhava para mim no ensaio. Deixa de ser boba! Ele não está olhando, porque você está fazendo direito, perfeito. No fundo, porém, achava ruim que ele só olhasse para a Irina, que era linda, maravilhosa. Ele respeitava o meu modo de ser. Sabia ser violento quando necessário. Quando meus pais morreram, eu estava muito caída, ele me chamou e foi definitivo: Eles morreram, acabou, você tem de seguir em frente. Achei uma crueldade, mas ele tinha razão. Ao mesmo tempo, quando uma sobrinha morreu, com cinco anos e meio, ele foi para a minha casa ser solidário com meu irmão e minha cunhada. Nesse dia, aliás, insisti para levá-lo em casa. Quando chegamos na porta, ele estourou: Muito bem, sua chata, eu havia marcado um encontro na frente do Museu de Arte de São Paulo, agora vou ter que pegar um táxi e voltar para lá. Minha casa ficava na esquina do MASP. No meio da temporada do Hair, fiquei doente. Estava com reumatismo infeccioso, em conseqüência de um problema sério de garganta e já havia emagrecido muito. Ele percebeu a gravidade do problema, me despediu – e eu fiquei indignada, claro – para que pudesse fazer o tratamento. Ele me salvou, se continuasse no espetáculo provavelmente teria morrido. Eu amava também o seu senso de humor. Na mesma temporada de Hair, inventei uma bossa para o meu personagem: a figurinista tinha-me vestido com uma saia-calça, botas, camisa amarrada e o cabelão solto. Um dia, amarrei uma faixa na cabeça e fiz umas tranças. Ele não teve dúvida: Você estava pensando em fazer uma índia apache? Deu errado. Virou odalisca. Aprendi demais com Ademar. Ele faz muita falta, porque as pessoas que sabem, hoje em dia, não estão muito dispostas a ensinar. Ele tinha uma frase-chave: Isso é psicológico. Que servia para muitas coisas. Quando fui ver Romeu e Julieta do Zefirelli, adorei. Não tive coragem de contar para o Ademar na hora, mas depois de algum tempo confessei que estava apaixonada pelo filme. E ele disse: Isso é psicológico. É péssimo o filme! Nós éramos mais do que amigos, éramos irmãos. Um dia ele se foi, morreu. Acho que não agüentou ver o Bógus doente. Todo mundo enchia o saco dele, porque seus dentes eram mal-tratados, insistiam que ele devia se cuidar. Ele foi para o Albert Einstein fazer um check-up e disse que tinha certeza que não ia sair vivo de lá. Vocês estão me botando neste hospital, mas vou ficar aqui, porque, à meia noite, eles dão um chazinho para os velhinhos morrerem, porque senão não cabe mais ninguém. Olha que ironia! Na manhã seguinte, a enfermeira entrou no quarto e ele estava dando o último suspiro. A Márika correu para lá e pegou na cabeceira um caderninho em que o Ademar escrevia sempre – era nosso tormento aquele caderninho! – jogando-o em sua bolsa. Ela sabia que ali havia segredos, que ele gostaria que continuassem segredos. Na hora em que ele foi enterrado, ela jogou em seu túmulo. Lindo, não? Seus segredos e seu talento foram enterrados junto com Ademar. Ai, que saudade! E esse tipo de saudade não passa nunca. Ninguém ocupa o mesmo lugar que ele. Como ninguém jamais ocupará o lugar de Myriam Muniz, minha amiga querida que acabou de ir embora. Estou de luto. Conheci a Myriam na EAD, ela era de uma turma acima da minha. E me adotou integralmente. Sei que ela me amava, me idolatrava, queria que eu fosse o máximo. Seus filhos eram lindos e eu vivia dizendo que gostaria de ter filhos como eles. Quando os meninos a chamavam de “mamãe” ela respondia sempre: Que é isso? São loucos? Sua mãe é ela – dizia apontando para mim. Sua generosidade era tão grande, que até os filhos ela gostava de dividir comigo. Foi Myriam que me ensinou muita coisa sobre a vida. Até coisas íntimas. Um dia, perguntei qual era a diferença entre uretra e vagina (jamais teria coragem de perguntar à minha mãe ou às minhas irmãs) e ela na hora pegou um espelho, fez com que me olhasse bem, enquanto me dava todas as explicações. Ela achava que eu era melhor atriz que ela. Imagina! Ela era soberba. Fizemos Os Persas na EAD. Ela era a rainha e eu, responsável pela sonoplastia, que fazia com uns tímpanos. Era o momento de retribuir tudo o que ela já me dera, queria que fosse maravilhoso, melhor do que ela fazia tantas vezes para mim. Eu bati nos tímpanos com tanta força, que a baqueta foi parar no meio do palco e quando a peça começou estava me arrastando para recuperá-la. Ríamos muito dessa história juntas, e ela acabou colocando em seu livro. Flávio Império fez um quadro lindo, ela como a Dorina de Tartufo (era deslumbrante a maneira que ela a interpretava), e colocou de um lado a sua família e do outro os amigos mais íntimos, dentre eles, eu com o gesso no nariz – foi na casa dela que me recuperei da cirurgia plástica. Eu tinha muitos quadros do Flávio, que se foram com o incêndio ou emprestados para exposições, que jamais voltaram. Um dia disse a ela que não tinha mais nada do Flávio. Ela tirou o quadro da parede e me deu. Ela era assim, tirava a roupa do corpo para dar a um amigo. Myriam foi, sem dúvida, uma referência muito forte em minha vida. Acho que represento um pouco como ela. Dina Sfat também representava. Sua força no palco foi um marco para a nossa geração. Era uma mulher feia, que, um minuto depois, todos começavam a achar linda. Ela era o centro de tudo: no palco e na vida. Ela era instrumentadora antes de entrar na EAD, casou cedo com um homem especialmente bonito, seu segundo filho nasceu com problemas, foi atropelado e morreu aos 18 anos. Começou a dar aulas, se juntou a um rapaz muito mais jovem e teve sérios problemas, inclusive de dinheiro, e era ajudada pelos amigos. Myriam gostava de ensinar, de ensaiar, quando o espetáculo estreava nem queria saber mais. Ela teve uma vida trágica e não podia ser diferente. Acho que ela foi enlouquecendo um pouco ao longo da vida, porque tinha um tamanho que não cabia no mundo. Myriam detestava fazer televisão. Achava que ela precisava trabalhar para, inclusive, pagar os melhores médicos para o filho. E não faltavam convites para ela, mas quem disse que ela queria? Na época de Nino, o Italianinho eu levantava duas horas antes para passar na casa da Myriam, acordá-la, tirá-la da cama, para que ela fosse às gravações. E ela fez deslumbrantemente a mãezona italiana, que era como ela. Sua casa sempre esteve aberta para todos, a comida era farta na mesa para quem chegasse. Para mim ela fazia arroz com lentilha, quibe, essas coisas de que você gosta – dizia. Quando as perdas foram acontecendo em nossas vidas, nós sempre nos comunicávamos. Nosso último encontro foi na morte do meu afilhado, filho do Silney Siqueira, nosso companheiro também de EAD. Ela me ligou, eu disse que ia para São Paulo, que passaria na casa dela antes, para que fôssemos juntas na casa do Silney. Ela, na mesma hora, respondeu: Chega, chega, já cansei de chorar, não vou nada. Cheguei lá, ela tinha preparado as comidas árabes (come, come logo), um quarto para eu dormir. Almocei e disse que ia chamar um táxi para ir à casa do Silney. Que táxi, está louca? E vou deixar você ir sozinha? Chamou o namorado e lá fomos nós em um carro caindo aos pedaços, aos trancos e barrancos. Na hora de ir para o aeroporto, a mesma coisa, a mesma charanga. E, no meio da nossa tristeza, ainda ríamos por causa do calor. Essa era Myriam, a companheira para todas as horas, aquela que trazia sempre um presente original nas minhas estréias: um robe que havia feito, com um pano especial que escolhera; um espelho, em que ela gravou a data da minha estréia profissional – 8 de março de 1963 – e que guardo até hoje com o maior carinho. A amiga que tinha um coração tão grande, que nem cabia dentro dela. Uma vez, no casamento da minha irmã, ela deu vários presentes, todos que eu havia dado para ela. Quando fui reclamar, ela respondeu com a sua lógica generosa: Você não deu para mim? Então posso fazer o que quiser. Nunca vi pessoa mais desapegada. Quando meus pais voltavam do enterro de algum amigo, via em seus rostos o medo e a preocupação de serem os próximos. Eu não sinto isso, mas tenho muito mais medo do que meus pais, porque a minha grande preocupação é: quem vai ficar no lugar deles? Já se foi tanta gente maravilhosa e não vejo ninguém com capacidade para substituí-los. Dr. Alfredo, Flávio Império, Ademar Guerra, Myriam Muniz, quem pode ocupar o vazio que eles deixaram? Sempre pensei que eles eram imorríveis. A minha saudade não tem tamanho. Capítulo VII Mais Histórias de Teatro Vim morar no Rio de Janeiro por causa do contrato da TV Globo. Na minha cabeça era provisório: vim com a minha Brasília, meu cachorro, três mudas de roupa de cama, três mudas de banho e umas pecinhas minhas. E fui ficando. A primeira peça que fiz aqui no Rio foi À Direita do Presidente, do Mauro Rasi e do Vicente Pereira, com o Gracindo Jr. Todas as vezes que vou ao Teatro João Caetano tenho vontade de pedir o cartaz da peça que está lá, amarelecendo na bilheteria. Eu não conseguia entender muito bem, mas odiava tudo, o diretor, os autores, o elenco. Todos os dias pensava em uma maneira elegante de sair, ainda mais porque era a única mulher do elenco. Um dia, troquei de carro e comprei um com ar-refrigerado. O mundo mudou. Cheguei no teatro felicíssima, sem entender por que estava chateada com aquelas pessoas maravilhosas. Era o calor do Rio que estava me matando! Não tinha nada a ver com o espetáculo. Anos depois, o Mauro Rasi tirou o nome do Vicente e estreou a peça com outro nome, A Dama do Cerrado, com a Suzana Vieira. O Ney Matogrosso me ligou para falar que estava chateado, porque os pais do Vicente estavam velhinhos e não iam receber nada pela peça. Eu pedi para algumas pessoas verem, porque seria estranho se aparecesse. A Louise Cardoso, que havia gostado muito de mim, no espetáculo, me garantiu que era igualzinho. Quando a Louise saiu do teatro, o Mauro avisou: Se você achar alguma semelhança, é mera coincidência. Aqui, porque é o lugar que moro, fiz O Tempo e os Conways. Foi uma experiência maravilhosa porque trabalhei com o grupo Tapa, dirigida pelo Eduardo Tolentino. Em seguida, viajei pelo Brasil com o Walmor Chagas e a Lucélia Santos. Nós tínhamos feito um sucesso enorme na novela As Locomotivas e queríamos fazer uma excursão, mas não gostaríamos de fazer mais um espetáculo comercial. O Ademar nos trouxe um texto do Oswaldo Mendes, Brecht segundo Brecht. As pessoas iam ver o trio da TV e encaravam um Brecht. Foi um sucesso enorme, ganhamos muito dinheiro, mas eles decidiram parar. Os deuses do teatro se vingaram – e é sempre assim, quando se despreza um sucesso, pode ter certeza, vai perder em um fracasso todo o dinheiro ganho. Aconteceu conosco. Todos os três investiram em novos projetos que não deram certo. Eu, porém, não me arrependo. Produzi a peça Último Dia de Aracelli, de Marcílio Moraes, baseada no livro de José Louzeiro. Era uma peça-reportagem sobre o caso da menina Aracelli, que, aos 9 anos, foi drogada, estuprada e silenciada em Vitória, no Espírito Santo. Aracelli era uma menina muito bonita e foi levada por alguns jovens ricos para um quarto em cima de uma boate, onde sofreu todo o tipo de abuso até não resistir. Era 1980, e estávamos falando de um problema que só se agravou nos últimos vinte anos. Era um espetáculo bastante interessante, forte, mas que as pessoas não queriam ver. Fomos muito ameaçados, também, mas isso não nos intimidou. Sabe de uma coisa? Prefiro morrer defendendo uma causa. O Carlos Vergueiro, o Vergueirão, pai do compositor, um gentleman, que havia sido do TBC, depois largou o teatro e era diretor da Rádio Eldorado, voltou aos palcos em Aracelli. Ele jogava que nem um louco na loto para ver se conseguia dinheiro, porque morria de pena de mim, que estava perdendo tudo que havia investido na montagem. Não deu certo, mas tenho muito orgulho de ter esta peça em meu currículo, porque as Aracellis continuam soltas por aí, desprotegidas. Sempre batalhei pelos meus personagens. Não posso dizer que ganhei alguma coisa de mão beijada. Às vezes tive de brigar bastante por eles. Por exemplo, Boa Noite, Mãe, de Marsha Norman. O Ademar não queria que fizesse o papel da suicida. Ele achava que eu, tendo a mesma idade da personagem, ia achar que a única solução para a minha vida era me matar. Liguei para o meu analista, ele leu a peça e concluiu: Vou perder uma cliente. A peça vai te obrigar a uma catarse diária. E ele tinha razão. O Ademar ficou furioso, porque não me queria, mas eu, a cada dia, ia fazendo melhor a personagem. E a catarse não era só minha. Pela primeira vez, vivenciei crises de pessoas na platéia. Uma mãe, cujo filho havia-se suicidado, chorou o espetáculo inteiro e no final – quando fora de cena ouvia-se o estampido – deu um enorme grito. Outra mulher começou a gritar que aquela era a história de sua vida. A Glória Menezes, que estava na platéia, não entendeu por que ela tinha se identificado com a solitária personagem, porque a mulher estava acompanhada do marido. Ora, há solidões e solidões. Quem dava o tiro era o contra-regra. Eu não chegava nem perto da arma. Um dia, saí de cena, entrei no camarim e uma psicanalista me perguntou de chofre: Onde ela deu o tiro? Nunca havia pensado sobre isso, mas respondi imediatamente: No ouvido. E ela me explicou que é o mais comum, que as mulheres não dão tiro no coração, talvez porque tenham o seio, símbolo feminino. Tive a certeza de que estava inteiramente entrosada com a personagem. Noite Feliz é uma peça linda do Flávio Marinho, que eu gostava muito de fazer. Era a história de uma mãe severa, que tem um filho homossexual e que acaba se abrindo com ele em uma cena emocionante, que adorava. Na época, estava em Sai de Baixo e quebrei o pé, quando tropecei no teatro onde eram feitas as gravações. Na peça, eu entrava reclamando porque havia subido três andares de escada. Como fazer isso, com a perna quebrada? Inventei um “caco” que o zelador me levava escada acima nesses andares. Um dia, quando ele me trazia na cadeira de rodas, eu disse: Obrigada, Ribamar. Sai de Baixo era um sucesso enorme e a platéia veio abaixo. Só ouvi uma voz, era Stela Freitas, que fez o seguinte comentário: Era só o que faltava... Bastou, tive uma crise, disse que odiava a todos, que eles eram péssimos companheiros, sem humanidade, que não haviam me dado a menor assistência vendo que estava em uma cadeira de rodas e saí do elenco. Eu e o Flávio Marinho voltamos às boas depois de um certo tempo, mas não tenho saudade alguma daquele elenco. Tenho certeza de que, mesmo em cadeira de rodas, não deixei a peça cair. Mal comparando, segui o exemplo de Cacilda Becker, que esperou o pano fechar no primeiro ato, para só então dizer ao Walmor que estava tendo, provavelmente, um derrame e ir para o hospital. Eu me dedico incondicionalmente às minhas personagens. E as adoro em geral. Um dos mais gratificantes de fazer foi, sem dúvida, Clarice Lispector. Foi muito difícil interpretar uma pessoa admirada por milhares. Eu havia parado de fumar – por causa de um problema sério nas cordas vocais –, mas um pouco antes de a peça começar, ficava lendo as frases de seus textos, que a Analu Prestes tinha colocado no cenário, o contra-regra colocava um cigarro entre os meus dedos, ouvia a voz rascante da Cássia Eller cantando sou inquieta, áspera e desesperançada, dava uma enorme tragada e a personagem aparecia. Parecia coisa de santo. Quando chegava em casa, a vontade de fumar passava imediatamente. Era uma personagem maravilhosa com sua inteligência, emotividade e a capacidade de ir fundo em tudo o que fazia. Muita gente pode não ter gostado, mas foi um dos espetáculos mais importantes que fiz. Começou como um evento, patrocinado pela Avon, para o Dia Internacional da Mulher. Fiquei dois anos viajando com o espetáculo. O próximo? Ainda não sei, mas haverá. Nós, atrizes brasileiras, somos muito boas e corajosas. Em toda a história do teatro brasileiro, as mulheres que comandaram, criaram as grandes companhias, se tornaram produtoras do seu próprio trabalho. Sigo a lição de Cacilda, Maria, Fernanda, mais uma vez. Não tenho problema algum em colocar um tailleur Chanel, uma camélia na lapela, um salto alto, colarzinho de pérolas e ir conversar com os diretores de marketing das grandes empresas. Não existe muita opção para os artistas: ou se produzem ou entram como sócios, quando são convidados, recebendo uma porcentagem da bilheteria. Faço questão de trabalhar muito nos dois casos. Quero que o meu investimento ou a minha porcentagem renda bastante. Não fico de braços cruzados, esperando o público aparecer. Acordo às cinco horas da manhã, se necessário, para aparecer no noticiário. Arrumo-me toda, chego lá rindo para vender o que tenho, o meu trabalho. Nunca me faltou trabalho. Quando penso que uma porta está fechada, outra se abre. E não me faço de rogada. Vou onde houver trabalho. Só se eu não gostar mesmo – e isso já aconteceu – é que sou capaz de desistir de fazer uma peça, ainda nos ensaios. Acho que, em meus 42 anos de carreira, aprendi a dizer não. E isso era necessário. O Chaplin falava que a Sophia Loren era uma pessoa encantadora, mas com um grande defeito: não sabia dizer não. No fundo, a gente não diz um não para agradar; e não quer ouvir um não, também para agradar. Não quero mais agradar ninguém, sendo infeliz. E quero trabalhar bastante e muito feliz. Capítulo VIII Nunca Fui Santa Burguesinha, combinadinha e, pior de tudo, virgenzinha – estes foram rótulos que me colocaram no início da minha carreira. A Cleyde Yaconis me chamou de pequena-burguesa quando cheguei de carro no teatro. Ela também vivia implicando com as minhas roupas: Tudo combinadinho, ai, que horror! E eu passava horas em casa, olhando para o armário e tentando-me desfazer, só para agradar a Cleyde. Era difícil, porque comprava uma blusa já sabendo que ela ia combinar com a saia e o sapato que estavam no armário. Eu sempre fui muito discreta, como a Célia Biar, que achava uma das mais elegantes colegas nossas. E ela dizia assim: Eu sou clássica, porque sou tímida. Eu me lembro que uma vez minha mãe me deu um dinheiro para comprar uma roupa, eu comprei um vestidinho de lã, Príncipe de Gales. Ela me perguntou se não tinha uma coisa mais alegrinha, mas era assim. Até hoje, sou discreta, uso diversos conjuntos de calça e camisa e estou sempre bem arrumada. O Miguel Falabella que diz que tenho conjunto para tudo, para ir a velório, ao Canecão. E ele, de certa forma, tem razão. Olha que a Cleyde tentou! A minha virgindade, porém, foi o que mais incomodou à classe artística. Em Ossos do Barão, no ensaio geral, todos elogiaram muito o meu trabalho, mas fizeram uma ressalva: Ele não chegava ‘lá’, não descia até o útero, porque, é claro, eu era virgem. Saí, tarde da noite, pensando sobre o assunto e até cogitei dar para o primeiro que passasse, só para melhorar a minha interpretação. Afinal, queria estar bem na estréia! Em Vereda da Salvação, a controvérsia continuava. Fiz a peça, mas na hora do filme não deixaram que eu interpretasse a personagem, porque faltava tesão, vivência – afinal continuava virgem – e também por não ter cara de cabocla brasileira. Isto, não tinha mesmo, mas todo mundo sabe que a arte faz milagres, como provei outras vezes. Até me chamaram para fazer o teste, mas o Jorge de Andrade me desaconselhou a ir, porque não seria escolhida mesmo e estava sendo usada para valorizar e melhorar a interpretação dos outros. Fiquei frustrada, chorei muito. Depois de um tempo, o Anselmo Duarte me chamou para dublar o filme. Deixei-o esperando e meu pai achou um absurdo, como eu podia fazer isso com uma pessoa tão importante? Quando falei com ele, recusei o convite. Por quê? A minha voz é de virgem, a interpretação é de virgem, porque eu continuo virgem. Achava tudo isso uma loucura das pessoas. Tantas haviam dado e nem por isso eram boas atrizes, mais talentosas. Em Marat/Sade eu dançava, cantava e... fazia sexo em cena. Era uma cena forte, maravilhosa e muita gente não entendia como conseguia fazê-la sendo... virgem. Uma vez me perguntaram como eu realizava melhor esta cena do que outra atriz, mais experiente na vida. Simples, penso em todas as coisas que me dão prazer. Em Hair, o Ademar me deixava em pânico, na época dos ensaios, com a cena do nu, porque dizia que o Décio de Almeida Prado, o Sábato Magaldi, todos os críticos e toda a platéia iam ficar dizendo: Olha os peitinhos da Aracy. Eu queria morrer. Não fiquei nua em Hair, mas não por isso, mas porque o Ademar resolveu deixar os atores mais conhecidos vestidos em cena. No fim, todo mundo enlouqueceu e tirou a roupa. O elenco todo teve problemas de voz e um médico tascou cortisona na gente. Juntando com o que todo mundo tomava, foi um tal de tirar a roupa... Por que era virgem, em tempos em que era politicamente incorreto não fazer sexo? Talvez por respeito aos meus pais, porque não queria magoá-los de jeito algum. Talvez essa fosse a desculpa que desse para mim mesma, enquanto aguardava chegar um cara legal, de quem eu realmente gostasse. Confesso que sentia um pouco de vergonha da minha virgindade, ia a uma festa, nem sabia muito bem onde sentar, e com quem conversar. Aí, comecei a flertar com um ator e tudo aconteceu como achava que iria acontecer. Agradeço até hoje a ele, que foi delicadíssimo. Dei para um ator de segunda, coadjuvante, que jamais me perdoou por eu ser uma estrela. Nossa relação durou dois anos, mas quando transpirou não foi adiante. Aí, fui dando, dando, desvirginando uns e outros, sempre adorei homem. Mas nunca dei em troca de trabalho. Um diretor, que já morreu – mas prefiro não dizer o nome, porque não gostaria que seus filhos lessem – se vingou até o resto da vida por não ter dado para ele. Ele vivia me cercando, aparecia no teatro, arrumava convites para as festas que eu ia, me dava carona. Um dia deixei bem claro: Posso até dar para você, mas não vai ser para conseguir um contrato. Ele disse que eu era muito pretensiosa e jamais me perdoou. Uma vez, ele me chamou para uma reunião de elenco e, na hora, me pediu que fosse na sua sala. Pensei bem e acho que você não serve para o papel. E tive de ir embora na frente de todo o mundo e dar o meu lugar para a Tereza Raquel. Veja o que me custou ter ferido o ego desse diretor. Eu podia ter disfarçado, enquanto ele me paquerava, ir cozinhando-o, neste mês, não, quem sabe no próximo. Mas sou assim, adoro colocar tudo em pratos limpos. E tenho de pagar o preço. Nada foi muito fácil para mim, embora pareça o contrário. Sempre enfrentei lutas e cobranças. Depois da virgindade, veio a questão do casamento. Até hoje, sempre aparece alguém para perguntar porque eu não me casei. Outro dia foi uma jornalista, com uma voz de jovenzinha, que me ligou fazendo essa pergunta. Ora, minha filha, me respeite, sou uma senhora. Isso não se pergunta para uma mulher da minha idade. O que ela esperava que eu dissesse, que tenho problemas sexuais? Para muita gente, porém, isso é um problema. Acho que, às vezes, até para o meu analista. Na verdade, namorei muito, me senti casada diversas vezes, mas como sempre fui discreta, as pessoas não ficaram sabendo. O Ney Latorraca brinca comigo enumerando as iniciais dos meus namorados e garante que dá um alfabeto inteiro. Jamais me casei da maneira convencional, e não conseguiria fazê-lo, sou muito independente e jamais abriria mão de muitas coisas, da minha carreira, por exemplo. E, confesso, é difícil ter um relacionamento quando se é atriz. Quem é do meio, compreende. Quem não é, não compreende. Vivi as duas situações. O primeiro namorado que não suportava que eu fosse uma estrela, e já falei sobre isso. O último, que era uma estrela na sua profissão, um cirurgião, mas que no fundo não compreendia a minha independência. Aliás, êta classezinha preconceituosa! Sempre que ia a alguma festa com ele, era cantada por todos os outros médicos. É atriz, só pode ser puta. Nunca fui santa, mas também nunca fui puta. Quando me perguntam se sacrifiquei alguma coisa da minha vida pela carreira, digo que sim. É inevitável, não? Engravidar, por exemplo, na minha época significava não trabalhar. Se não estivesse casada, tendo alguém que me provesse, como seria? A profissão não era regulamentada, não tínhamos bons salários, licença-maternidade e direitos. Acho que esse foi um dos motivos, e até fiz um aborto pensando em quão problemática seria a minha vida com um filho, tendo que trabalhar muito e sendo mãe solteira. Fiz um segundo aborto, porque meu filho teria um pai que não desejaria para ninguém. Em uma época, pensei em adotar uma criança. Minhas irmãs caíram de pau em cima de mim. Como eu poderia pegar uma criança, que já fora rejeitada, para ser indesejada pela minha família, a quem era tão ligada? De certa forma, transferi o afeto para os meus sobrinhos. Assim que meus pais morreram, dois sobrinhos vieram morar comigo. Um dormia às quatro da manhã e o outro acordava às seis. Era uma confusão quando queria transar com o meu namorado. Tinha de pedir pelo amor de Deus para um dormir e o outro não acordar. Mas foi por causa deles que aprendi a cozinhar. E sou uma ótima dona de casa. E exerci meu lado maternal, que é forte e evidente. Ainda hoje, continuo exercendo. Tenho uma afilhada linda, Antônia, a quem me dedico muito. Meu analista diz que ela é a pessoa que mais vai me entender. Veja só, não fui mãe e agora sou avó. Posso dizer que fui amante, mulher e mãe de muita gente. Posso dizer, também, que fui cobrada por não ser mãe. Não me deixam em paz. Uma vez, estava no corredor, indo para a maquiagem, e ouvi uma atriz jovem, bonitinha, reclamando com a maquiadora (atenção, eu sou a rainha da equipe): Pára de falar de Aracy, Aracy. Aracy Balabanian já era! Entrei e rebati: Tomara que, quando você for, chegue a ser como eu. Ela me jogou na cara a sua maternidade: Me respeite, porque sou mãe. Sem problema, minha filha, a puta também pariu. Quase fui aplaudida pelos camareiros e maquiadoras. Veja bem, ela usou contra mim e a seu favor o fato de ter tido filhos. Não é uma loucura? Por fim, além de virgem, sem filhos e solteirona, às vezes as pessoas dizem que sou homossexual. Foram falar para a Guta, a diretora de elenco da Globo, e ela me chamou para perguntar. A primeira pessoa que saberia seria você, para quem não escondo nada. Parênteses: a Guta foi uma pessoa muito importante na minha vida, alguém que tinha um amor incondicional por mim e por isso mesmo eu a chamava de mãe. Se chegasse para ela e dissesse que tinha virado sapata, ela aceitaria na hora. Mas a verdade é que jamais me interessei por mulheres. Sou freudianamente ligada ao meu pai, à virilidade. O que me atrai é a diferença, não a semelhança. Já até pensei no assunto, arrisquei bater umas pestanas para algumas mulheres que me assediaram, mas não passou disto, não dá mesmo. Enfim, vou sobrevivendo aos rótulos. Buscando ser honesta comigo mesma e fiel à grande paixão da minha vida: a arte. E digam o que quiserem! Nunca fui anjo, mesmo! Capítulo IX A Televisão A minha carreira, é indiscutível, foi muito voltada para a televisão. Em São Paulo, ainda jovem atriz, convivia com uma turma totalmente intelectual: a Myriam Muniz, o Flávio Império, muitos arquitetos. Um dia, em meio a conversas superinteligentes, eles chegaram à conclusão que eu era inadimplente. O que ganhava, não me mantinha. Era preciso tomar uma providência, me alertaram. Era 1965, e o Benjamim Cattan me convidou para fazer um TV de Vanguarda especial para o Natal. Iam apresentar Antígona, com uma equipe toda de teatro, que ensaiaria alguns meses até o dia da gravação. Eu admirava o programa TV de Vanguarda, que apresentava trabalhos seríssimos, com atores maravilhosos. Topei de cara. Continuaria inadimplente, porém, porque receberia somente um cachê. Nessa mesma época, o Cassiano Gabus Mendes me convidou para fazer um teste de fotogenia para ser a mocinha do Hélio Souto em uma novela. Para esse papel foram chamadas, também – olha que responsabilidade – Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Tereza Raquel. Antes, ele havia me chamado para outros personagens, mas exigira exclusividade. E eu não queria largar o teatro. Nesse, ele me avisou que, se tudo desse certo, poderia manter os dois. Decidi fazer o teste, só porque era de fotogenia e ele não tinha obrigação de saber como eu ficaria no vídeo. Foi um dia terrível na minha vida. Eu tinha viajado em uma excursão com a Cia. da Maria Della Costa e deixara uma amiga cuidando do meu namorado. Quando voltei, encontrei um bilhete na porta da minha casa. Você vê como a vida é imprevisível. Falando de você, falando de você, acabamos descobrindo que nos amamos e vamos nos casar. Fiquei desesperada. Nunca me esqueço da cena: eu parada em um carro em frente ao Pacaembu, implorando que ele não me largasse. Esquece este casamento, eu te amo, você me ama. Ele fez questão de dizer que eu estava louca, que precisava me tratar, que era melhor vender o carro para fazer análise. Uma loucura absoluta! Pois bem, com a cara lavada, cheia de olheiras, feiona, fui fazer o teste. Obviamente não estava preparada. Chamaram um maquiador correndo, e eu chorava, chorava, chorava. O Lima Duarte passou por mim e disse: Satisfeita? Perdeu mais um? Fiquei mais arrasada ainda. Bem, ele era um ator conhecido e se casou com uma coadjuvante. Eu fui ser estrela da televisão! Que ironia! Fiz o teste de fotogenia – virar o rosto, abaixar, sorrir. E passei. Fui fazer a novela com o Hélio Souto. Fernanda, Nathalia e Tereza fotografaram um pouco mais velhas e por isso fui a escolhida. Na verdade, o que importava mesmo era o Hélio Souto, o grande galã da época. Quando fui fechar o contrato, não sabia o quanto pedir, mas não queria estar por baixo, só porque era uma atriz iniciante. Perguntei a Fernanda, Nathalia e Tereza quanto elas pediriam. Só a Tereza não me disse. Se você quiser fazer, faça – foi a sua resposta e entendi. Decidi pedir 800 (que moeda seria?), mas o Cattan me desencorajou e me disse que seria mais viável se pedisse 600. Na hora da transação, criei coragem e pedi 1000 (aproveitando que o Cattan foi atender a um telefonema). O Cassiano consultou uns papéis e me ofereceu 1200, que era o que estava previsto para a protagonista. Foi de uma lealdade que poucas vezes vi (o Boni uma vez fez também isto, me fez escrever o que queria, escreveu o quanto ele me pagaria e era o dobro). Bati pé para me igualar com atrizes mais conceituadas do que eu – é assim que os técnicos trabalham, nós, atores, somos mais vulgares e banais – e consegui levar mais. Detesto discutir contrato, até hoje. Sempre me sinto como um pé de alface em fim de feira: Paga um e leva três. Neste aspecto não sou armênia, exímios negociadores. Sou péssima vendedora. Se alguém quiser comprar alguma coisa, eu o convenço do contrário. Entrei na televisão, porém, ganhando 1200 dinheiros, enquanto no teatro ganhava 20. Os mesmo amigos que me alertaram sobre a inadimplência, passaram a dizer: Agora ela se entregou. Perdemos uma atriz. Ora, mas se haviam sido eles mesmos a me convencer da minha inadimplência! Acho que, ao longo destes anos, muita gente não me perdoou. Quando estreei Boa Noite, Mãe em São Paulo, um jovem jornalista que, provavelmente, esqueceu tudo o que havia feito, escreveu assim: Tragam os lenços, porque Aracy Balabanian está chegando. Depois das lágrimas, a pizza. Sou tratada sempre como a atriz global que faz papéis de sofredora. Novamente, um rótulo, só um rótulo. Em algumas épocas, me irritei muito. Agora, amadureci. Afinal, não é nenhum Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi, Bárbara Heliodora que escreve essa besteira. São dois ou três bobos, que ganham uma merreca e não sabem respeitar a história de uma atriz. Confesso que achei engraçado quando todo mundo começou a fazer televisão! Entrei na televisão para fazer teatro. Antígona fez tanto sucesso, que a montagem foi convidada para uma temporada no Teatro Municipal. Foi lá que meu pai me viu pela primeira vez – e já contei essa história. E tenho certeza de que ele sentiu muito orgulho de mim, porque era um contador de histórias e eu estava ali, no palco, contando uma linda história de amor pela justiça e liberdade. Segui na TV Tupi em novelas, até explodir no Brasil inteiro em Antônio Maria, com Sérgio Cardoso, em 1968. O sucesso foi tão grande, que ganhávamos uma fortuna nos apresentando pelo Brasil afora. Começamos até a ensaiar peças curtas para apresentar. Inventamos uma espécie de talk show, no qual nós dois nos revezaríamos fazendo perguntas um para o outro. Nada disso funcionou: o público queria ver o motorista português e sua amada senhorinha Heloísa. Eu colocava o vestido mais lindo que podia conseguir emprestado – Dener e outros estilistas me vestiam, porque sabiam que isso dava retorno –, me maquiava toda, arrumava o cabelo maravilhosamente e nós fazíamos a seguinte cena: eu entrava de costas, com um cigarro na mão, dava uma tragada e um passo a cada meia hora. Sérgio, do outro lado do palco, dizia senhorinha Heloísa e se encaminhava para mim, com passadas lentíssimas. E eu, devagarzinho, me aproximava dele. Demorava horas... Nós nos aproximávamos até o momento culminante: o beijo. Que era muito longo. Sérgio cochichava: Controle, agüenta mais um pouco que a segunda fila ainda não teve orgasmo. E era isso mesmo: um grande orgasmo coletivo. As pessoas urravam, aplaudiam freneticamente e nós íamos embora. Um pouco culpados, é claro, por não termos apresentado um espetáculo de verdade. Eu, que nunca havia sido padrão de beleza, me transformei na mocinha do Brasil, na protagonista das novelas. Não fui preparada para ser escolhida pelo mocinho. Ao contrário, devia ser aquela que ficava no canto, sofrendo, enquanto o mocinho entrava na igreja com a mocinha bonita. Mas subverti tudo. Como jamais acreditei que existam papéis maiores e papéis menores – e não fui eu quem disse isso, só encampei – e sim atores que sabem ou não fazer seus personagens, fui abrindo meu caminho. E chegando ao altar com os mocinhos. Quando fui fazer Nino, o Italianinho, meu personagem era manca. Perguntei: Mas não vai ser aquela manquinha que vai se operar, sarar e casar com o mocinho? Não, ela não sara. Fui a um ortopedista, que era cunhado do Raul Cortez, ele me ensinou tudo sobre um problema inoperável, mandou fazer uma bota ortopédica que compensasse o fato de eu precisar mancar, para não machucar a minha coluna e comecei a fazer o trabalho. Acabei linda, maravilhosa, manca, de branco, entrando na igreja com o Juca de Oliveira. Acho que é uma mistura de talento com muito trabalho, suor. Fico meio louca quando estou fazendo um trabalho. No meio de Nino, tive um reumatismo infeccioso. Precisei tratar o reumatismo, para poder operar as amídalas, que eram as causadoras de tudo. Voltei com uma cara de lua, porque estava tomando cortisona. Vi uma atriz com as minhas roupas – não havia estrutura de figurinos, a gente pegava roupas em butiques – com o cabelo igual ao meu, para aproveitar que eu estava doente. Podia ter aproveitado bem, mas ninguém sabe quem é ela. Eu ainda achava, mesmo com tanto sucesso, que a televisão iria e viria! Uma coisa provisória. Fiz mais algumas novelas na Tupi e a derradeira foi A Fábrica. No dia do último capítulo, apareci no Jornal Nacional assinando o meu contrato com a Globo. Segundo o Homero Icaza Sanches, em comentário com o Boni: Tiramos o Juca, o Sérgio, agora só falta trazer a Aracy que a Tupi acaba. Não era verdade, porque tinha muito ator bom lá, mas ele insistia que morava com duas velhinhas que só vêem a Tupi por sua causa. Fiz uma participação em O Primeiro Amor, novela com o Sérgio Cardoso (depois substituído por Leonardo Vilar, na foto ao lado), que já tinha a sua protagonista, e entrei como uma psicóloga que chegava não sei bem de onde. O Boni queria marcar a minha entrada na Globo, porque estava destinada mesmo para Vila Sésamo, que, nos primeiros dois anos, era uma co-produção entre a Globo e a TV Cultura e era gravada em São Paulo. Cláudio Petraglia e Ademar Guerra implantaram o seriado, fizeram os testes, gravaram o piloto, que precisava ser aprovado pela instituição norte-americana, detentora dos direitos. Somente os programas brasileiro e dinamarquês tiveram sinal verde. Amei fazer Vila Sésamo. Foi, definitivamente, um marco na minha vida. Não era um programa que eu gravava e ia embora. Semanalmente, era acareada por pedagogos, psicólogos, professores, que se asseguravam que estávamos envolvidos e coerentes com a proposta da série. Aprendi muito com as crianças com quem convivi. Na primeira fase, eram crianças de comunidades carentes que participavam do programa. Para eles, eu era a Gabriela. Eles pediam para fazer xixi, brigavam, perguntavam coisas, tinham fome e nós resolvíamos o problema na hora. As crianças não sabiam o que ia acontecer. Nós tínhamos um roteiro básico e íamos nos adaptando ao momento. E eram crianças que reagiam de uma forma especial, pela própria vivência. Uma vez, estava explicando que eles deviam lavar as mãos, porque senão os bichinhos entravam dentro da gente... E um virou: E aí a gente morre, né? Olha, que dramático! Um outro contou a história que um dia a mãe havia soltado a sua mão no meio da rua. Tentei contornar, disse para a classe que talvez ele tivesse largado a mão da mãe. Não teve jeito: Foi ela que me soltou mesmo na rua. Eu poderia ter feito Vila Sésamo pela minha vida toda. Muitos anos depois de participar do Vila Sésamo, quando viajava pelo Brasil em excursões, descobri que tinha uma turma, de uma determinada faixa etária, que havia crescido e continuava-me adorando. Eu fui a Xuxa da vida deles. Fui até apresentada assim em um programa no Nordeste. E agora, a paixão da minha vida, a Xuxa. Olhei para os lados e demorei a descobrir que a Xuxa era eu. Depois de dois anos, Vila Sésamo começou a ser gravado no Rio e me mudei. Como contei, trouxe pouca coisa, porque tinha certeza de que, rapidamente, voltaria para São Paulo. Aluguei um apartamento por temporada, mobiliado, na Joatinga. Era longe... A televisão não pegava, a luz era vagabunda, mal dava para ouvir rádio. Eu, que vivia cercada de amigos em São Paulo – depois que os meus pais morreram, nunca jantei sozinha, sempre tinha alguém na minha casa para me fazer companhia –, aprendi a conviver comigo mesma. Isso me fortaleceu, me fez ter certeza de que gostava de mim e, principalmente, que me suportava. E sabia viver muito bem na minha companhia. Estou fazendo um pouco de drama, claro! Não estava tão sozinha assim, pois no mesmo condomínio moravam o Walter Negrão e sua mulher, Orfila – que me considera uma irmã e devemos ter sido mesmo em outra encarnação – o Juca de Oliveira com a Zu, que estava grávida (era lá que brigávamos por causa do Ademar), a Yara Amaral, o Gracindo Jr., que não eram muito meus amigos, mas eram da mesma trupe. Como o apartamento era para temporada, de vez em quando os donos apareciam e precisava sair. Começou a ficar problemático, porque férias de ator jamais coincidem com as férias de gente normal. Precisei procurar um lugar, não agüentava mais ficar como um caixeiro-viajante. Queria continuar na Joatinga, mas todo mundo dava palpite na minha vida e acabei convencida de que não seria um bom investimento. A Guta entrou no meio, arranjou um apartamento na Gávea, que acabei comprando, na rua das Acácias, o mesmo que pegou fogo e foi reconstruído. Dois anos depois de estar ciganamente no Rio de Janeiro, me estabeleci no bairro que amo e moro até hoje, a Gávea. Permanecia uma vontade de voltar, talvez porque as amizades mais sólidas ainda estivessem em São Paulo. Como não sou complicada para fazer amizades – páro na esquina e já começo uma conversa –, fui criando novos laços. E todo mundo foi chegando também na Globo. Não tenho arrependimento algum pelas escolhas que fiz. Acho que mantive a minha integridade, o meu caráter e até mesmo o meu nome. Muitos tentaram mudá-lo quando entrei para a televisão: Balaba, Bala – foram algumas sugestões. Continuei uma Balabanian. Capítulo X As Boazinhas e As Mazinhas na Televisão Fui muito bem tratada na Globo. Desde o primeiro momento, em O Primeiro Amor, em que o Sérgio me pegou pela mão, me deu carinho, para que não me sentisse mal recebida, porque houve problemas com uma pessoa do elenco. E, nas novelas, fiz personagens que amei. Maria Faz Favor, por exemplo, de Coração Alado da Janete Clair. Que nome maravilhoso! Ela me disse que era uma cobradora de ônibus, e que iria gostar. Ela tinha toda razão: deitei e rolei com o personagem, contracenando com o Jardel Filho, a Yolanda Cardoso (maravilhosa, fazia a minha mãe). Meu cenário era uma pensão, onde tudo acontecia. Eu tinha um monte de filhos, pois vivia na cama com o Jardel. Brigava, ia para cama e tinha mais um filho. Um passinho à frente, faz favor – era minha frase predileta, quando gravava no ônibus. No final da novela, ela iria sair com ele, que proporia que eles fizessem um menáge à trois com a mulher rica, porque assim eles viveriam tranqüilos. Uma de suas filhas avisava que seu filho estava nascendo e eu dizia que no momento não podia fazer nada e saía com o Jardel. Estudei, estudei, estudei e fui me deitar, mas muito angustiada. Pela primeira vez em minha vida, liguei para o autor. Janete, eu não acho que ela sairia e deixaria a filha parindo. Comecei a chorar e ela, do outro lado, chorava também. No dia seguinte, cheguei para a gravação e me avisaram que a cena fora colocada para o final do dia, porque a Janete estava mandando alterações. No último capítulo, Maria Faz Favor fazia o parto da filha, colocava a neta no colo e, quando alguém avisava que Otto estava esperando, ela simplesmente respondia: Ele que espere. Ele vai esperar sempre e eu também vou esperar sempre. Fico emocionada até hoje quando penso nisso. Da minha luta para manter a personagem coerente e a compreensão e generosidade da Janete em mudar o final que havia planejado. Outra grande personagem que interpretei foi a Violeta de O Casarão, do Lauro César Muniz, uma mulher dura, sofrida, que acaba se apaixonando pelo grande amor da vida da mãe, o pintor João, memorável trabalho do Paulo Gracindo. O Casarão foi uma das primeiras novelas exibidas em Portugal e fez tanto sucesso que, quando estive lá, fiquei absolutamente impressionada. Entrava nas casas de espetáculo e cale-se o fado, Aracy chegou. Eu estava com o Juca de Oliveira gravando Pecado Rasgado e, quando chegamos em Paris, um travesti brasileiro ensandecido gritava para ele: Juca Chaves, Juca Chaves! Quando voltamos, ele deu uma entrevista. Aracy foi absolutamente reconhecida em Lisboa. Eu, parcialmente, em Paris. Aliás, o Juca estava hilário o tempo todo durante a viagem. Uma vez gravávamos em um café em Paris, na hora do almoço. Tivemos a melhor figuração do mundo, porque os franceses entravam, sentavam e não davam a mínima. Uma velhinha, porém, resolveu saber quem eram aquelas atrizes. Estavam na cena a Telma Elita, loura, com os cabelos grandes e eu, com os cabelos mais curtos e escuros. O Juca não hesitou: Catherine Deneuve e Annie Girardot. A mulher quase jogou o pão na cara dele, saiu bufando e xingando. Nós rimos durante horas. Foi uma pena que este humor não passou no vídeo. A novela não foi bem, porque o Régis Cardoso, que dirigia, não combinava muito com o texto sagaz do Sílvio de Abreu. Não sei se o Sílvio ficou chateado comigo. Nós éramos amigos há anos, desde os tempos de pobreza, de EAD. Ele pensou em ser ator, estudou cenografia, dirigiu pornochanchadas e fez novelas absolutamente incríveis. Se ficou, nunca soube, e acho que não, porque duas personagens de novelas dele foram fundamentais na minha carreira: uma delas, Filomena, de A Próxima Vítima, uma mulher dura, como só as irmãs mais velhas, que carregam o peso da família, sabem ser. Ela era a única das Ferreto que ainda conservava o sotaque, que se aproximava da Itália. A babá da Maria Bonomi dizia: Filomena não é má, ela é ‘giusta’. Ela sabia que a Filomena tinha um imenso amor pela sobrinha, sua afetividade podia ser canalizada de forma errada, mas existia. Ah, como gosto das personagens meio mazinhas... De boazinha basta o que a gente tem de ser na vida! De certa forma, acho que somente um amigo como o Sílvio de Abreu podia me dar uma personagem tão genial como a Dona Armênia, em que pude mostrar todo um outro lado meu. Nada de boazinha, nem de mazinha. Uma pessoa louca, cheia de contradições, com um amor infinito e uma “garra” que só os imigrantes podem ter. No começo, ela ia ser húngara e nos inspirávamos na Márika Gidali, uma mãezona, que adotou cinco filhos, cria os filhos dos filhos, fala com enorme sotaque. Aí, o Sílvio sugeriu: por que não armênia? Entrei de cabeça, comecei a pensar no tipo, treinar o sotaque, me lembrar da minha infância. Começamos a gravar, numa quarta-feira de cinzas, a novela A Rainha da Sucata. Na hora da gravação, o Jorge Fernando me disse: Aracy, vamos tirar este sotaque? Eu havia estudado o carnaval inteiro e pedi a ele, então, um tempo, precisava refazer na minha cabeça as 30 cenas que havia ensaiado. Então, faz com sotaque! Aquelas coisas que acontecem na TV Globo. Antes de chegar a hora do almoço, percebi: vai ser um sucesso. Quando trocava de roupa, os faxineiros, as maquiadoras, enfim, a estiva entrava no estúdio e morria de rir. Como brincava o Fernando de Souza: Aracy é a rainha da senzala. E ele tinha razão. Gosto da platéia, mesmo em televisão. As pessoas no estúdio são o meu termômetro. Gosto de interpretar para eles e ver a reação. Faço deles a minha platéia. Percebo quando o estúdio começa a ferver e sei que estou no caminho certo. Como também sei quando a técnica está desatenta e não me sinto confortável. A colônia armênia não gostou da Dona Armênia, porque mostrei um lado chato dela, meio pentelhona com os filhos, com o mundo. Um dia, eu estava dando uma entrevista para o Fantástico, chegou um armênio do meu lado e começou a esbravejar: Você é um ignorante, não conhece como armênio é. Você é muito burro, muito burro. A mulher se meteu e mandou o marido calar a boca: Fica quieta. Eles falavam exatamente igual a Dona Armênia, trocando todos os gêneros. Foi uma cena antológica, pena que a câmera não registrou. Tudo o que fiz tinha um fundamento. Aprendi a ler e escrever em armênio e jamais me esqueci da música da língua e do jeito que meus pais falavam. O Sílvio gostou tanto do sotaque da Dona Armênia que passou a escrever do jeito que ela falava. Eu pedi pelo amor de Deus que ele parasse, porque não decorava com sotaque, mas o colocava na hora. Mas agora só a vejo com sotaque. Não tem jeito! E assim foi para sempre: Dona Armênia já vinha com sotaque. O na chon da dona Armênia virou sucesso nacional. Não era um bordão, que muitos atores e comediantes adoram, mas um jeito armênio de dizer a terminação ão. Era de verdade. E todo mundo dizia na chon. Uma loucura. Uma vez gravei no alto de um prédio na Avenida Paulista e uma multidão gritava embaixo: Na chon. Na chon. Na chon. O Sílvio implorava que eles parassem porque, na trama, as pessoas que estavam embaixo nem sabiam quem era a Dona Armênia. Foi uma enorme confusão, o Jorginho Fernando em um helicóptero, sem conseguir gravar, porque ninguém conseguia emudecer a multidão. E eu lá, enlouquecida, no alto da Avenida Paulista. Quando estava no auge do sucesso, no meio da novela, quebrei o braço. Usava um colete de gesso e na mesma hora inventei um xale com um broche para a personagem. O Sílvio me ligou e eu disse que havia encontrado uma solução para a personagem. Ele ficou furioso: Não quero saber disso, preciso saber como você está. E criou cenas geniais para justificar o meu gesso, as filhinhas caíram de pára-quedas e ficaram engessadas também. Só que eles sararam e eu, não. E dizia para o Moreira, criado pelo Flávio Migliaccio: Não vai tirar, custou muito cara. Vou aproveitar mais um pouquinho a dinheiro que gastou. Em Deus nos Acuda, Sílvio resolveu repetir a personagem. Em vez de tentar fazer a mãe diferente, ele decidiu que, como todas as mães são iguais mesmo, nada como bisar a louca da Dona Armênia. Um dia, encontrei a Dercy Gonçalves, que também iria fazer a novela, e ela me passou um sabão: Vocês não têm cabeça, imaginação? Sucesso se faz uma vez e não se repete. Fez, está feito. Fracasso também. Não pode ficar repetindo, reprisando. Eu fiquei quieta, calada, porque achava que ela tinha o direito de expor a sua opinião. Além do mais, sempre tive o maior respeito pela Dercy. E ela saiu esbravejando pelo aeroporto. O Nanini estava comigo e ficou mudo também. A novela estreou, Dona Armênia imediatamente pegou. No domingo, recebo flores e um cartão: Aracy querida. Dona Armênia foi, é e será um sucesso. Que bom que me enganei. Um beijo da Dercy. Isso ficará para sempre no meu coração: só uma pessoa vivida, sofrida, pode ter este grau de generosidade e coragem de assumir que errou. Com um bom personagem é difícil que você fique mal, a menos que você não saiba mesmo representar. Tenho certeza de que fiz uma homenagem a meus pais e a todos os velhos armênios, os primeiros que vieram para o Brasil. A nova geração? Como acontece, degenerou tudo. É tudo turco – como digo sempre. Acho que mostrei, do Oiapoque ao Chuí, que existe um país chamado Armênia. E que seu povo é pequeno, mas teve muita importância e foi deixando frutos por aí. Fiz pelo meu pai, pela minha mãe, por esse povo. Gostaria de ter feito mais programas especiais na televisão, mas nunca fui muito convidada. Lembro de um maravilhoso, dirigido pelo Fábio Sabag: Angélica, um programa da série Aplauso, baseado em uma peça do Lúcio Cardoso. Aliás, o Lúcio gostava de mim, era meu fã. Um dia, estive em sua casa e ele me deu um quadro que havia pintado. Sabag fez um dos mais belos espetáculos que já vi: era todo em branco, preto e vermelho. Era a história de uma mulher que recolhia os pobres das redondezas, sugava a juventude deles, até que adoeciam e morriam. Um dia, surge uma jovem, que é protegida pelos empregados. Angélica envelhece na frente das câmeras. Foi um trabalho lindo. O Sabag é o nosso Visconti; se deixarem que ele viaje, surge sempre uma obra-prima. Sai de Baixo foi uma experiência maravilhosa na minha carreira. Durou seis anos, mas eu faria bem mais tempo. Um dia, a Fernanda Montenegro me disse: Chega! Já brincou muito. Tem coisas mais sérias para fazer: Medéia, Fedra. Tônia Carrero, que estava do lado, completou: Ah, ainda bem que você está falando, porque se falo ela acha que é bobagem. Mãezonas mesmo. Entendi como um grande carinho, preocupação, como se eu ainda fosse aquela menina que elas viram estrear. Hoje, ninguém se preocupa com ninguém... Fui muito criticada por todos, claro, ainda mais porque não tinha graça alguma. Eu não sabia fazer, só ficava rindo dos outros. Um dia, falei para o Daniel Filho que gostaria de sair do programa, porque não sabia competir, não conseguia fazer direito. Ele mandou que eu fizesse o que sabia: Você está achando engraçado, então ria. Foi um toque fundamental. Aceitei a espontaneidade e comecei a rir, quanto tinha vontade, daqueles besteiradas. Uma vez o Miguel (Falabella) me fez uma homenagem, uma declaração: Ela, além de ser muito generosa, é uma malandra sem-vergonha, porque é ela que encerra a piada que faço. Não fazia conscientemente isso, mas ele tinha razão. Nos dias em que eu estava brigada com ele, ofendida, o público também se sentia ofendido. Se dava risada, o público ria mais ainda. O Miguel fazia loucuras em cena. Soprava no meu ouvido o texto, beliscava a minha bunda. Um dia, estavam sentadas na primeira fila minhas duas irmãs mais velhas. Ele me levou para a frente do palco e perguntou para a platéia se eles sabiam como eu era chamada na escola. E arrematou: Pizza gigante, dava para oito ao mesmo tempo. As minhas irmãs abaixaram a cabeça. Não satisfeito, ele continuou: Produção, tira estas velhas chatas aqui da frente porque elas não querem rir de nada. Murmurei entre dentes. Miguel, pára, são minhas irmãs. Elas ficaram chocadíssimas, mas foram elegantes: Ele brinca assim, porque gosta de você, não é querida? Foi terrível. E a história do cabeção? Até hoje não posso sair com o cabelo solto, arrumado. Culpa do Miguel. Eu já tinha feito um trabalho com ele e a gente tinha se gostado muito, mas nossa amizade se consolidou em Sai de Baixo. Do Luiz Gustavo já era amiga há anos; com a Marisa já havia feito novela e sempre gostei dela; do Tom eu pensava que era amiga, mas vi que não era possível. Nós, atores, não podemos ser amigos de alguém que larga um espetáculo no meio. Isso é imperdoável. Ele jogou o boné literalmente. Despediu-se na hora da gravação, jogando o boné para a platéia e indo embora. Eu gostava da interação platéia/palco que havia em Sai de Baixo. Era uma mistura de teatro e televisão. Nós fazíamos cada programa duas vezes, com platéia, que depois eram editados. Convites eram distribuídos e, no dia, formavam-se filas gigantescas, esperando desistências. Um dia, convidei um motorista de táxi, mas ele falou: Tenho de falar com a minha mulher, porque ela tem de se arrumar, minhas filhas vão querer pôr roupa boa também. Ele acabou indo em outro dia e me mostrava da platéia, todo orgulhoso, as filhas, arrumadíssimas. Não sei se sou muito boba, acho que sou, porque era a única que queria continuar. Sentia-me no melhor dos mundos. Morava alguns dias da semana em São Paulo, marcava com os meus amigos queridos, saía para jantar, enfeitava o apart-hotel com as minhas coisas, cobria a cama com o meu edredom. Mesmo que tivesse de empacotar tudo, todas as semanas, eu achava que tinha duas casas nas cidades que mais amo, e onde estão as pessoas de quem gosto. Além disso, Sai de Baixo me permitiu uma tranqüilidade financeira. Além do salário, recebíamos muitas coisas mais. Como o elenco brigava o tempo todo por vantagens, eu acabava usufruindo. Foi com o dinheiro que ganhei em Sai de Baixo que pude comprar este apartamento em que vivo agora e consegui fazê-lo exatamente da maneira que queria. Mas, como dizem a Fernanda e a Tônia, era chegada a hora de brincar de outra coisa. Capítulo XI Os Grandes Parceiros Ninguém dizia eu te amo tão bem quanto Sérgio Cardoso. Era de arrepiar! Que ator esplêndido! Eu era totalmente fã dele. Não vi o primeiro Hamlet que interpretou, é claro, porque ele tinha 18 anos na época, e eu era muito menina. Quando ele remontou o espetáculo, fui todas as terças–feiras, durante três meses. Nunca chegava perto dele, porém; morria de vergonha. Ele era um homem pequeno, mas quando estava no palco era um monstro, um ser que dominava a platéia inteiramente. Um ator que, em qualquer lugar do mundo, teria sempre o seu lugar. Seria considerado como um Laurence Olivier, um John Gielgud, enfim, como um grande ator clássico que era. No entanto, quando morreu e estava preparando um espetáculo com textos de Sófocles, Shakespeare, algumas pessoas riam um pouco dele, diziam que ele estava velho, ultrapassado. E ele tinha apenas 47 anos! Sérgio era um companheiro maravilhoso. E me ensinou muito, especialmente que devemos estar atentos em cena, porque nem sempre existe alguém interessado em nós. Quando gravávamos Antônio Maria, por exemplo, nos estúdios da Tupi, tudo era precário, vazava o som da rua do estúdio. Eu, concentradíssima, só pensava nas minhas falas. Quando ele percebia que o barulho iria interferir, tossia e parava a cena, para que eu não ficasse prejudicada. E, antigamente, parar uma cena significava refazer tudo, porque não havia emenda eletrônica. Mas ele não hesitava. Ele me tratava com um respeito maravilhoso e torcia muito por mim. Assim como Cacilda, Cleyde, Tônia, Fernanda, ele me considerava uma nova atriz, séria, com talento, pela qual devia fazer tudo. Era um outro tempo, em que as pessoas se ajudavam, davam força para os novatos. Tenho muitas saudades disto! E como tenho! Era um amigo para todas as horas: quando meu pai morreu – Sérgio adorava o arroz com lentilhas que ele fazia – ele foi ao cemitério, me levou para dar uma volta e me disse que não poderia ficar, embora quisesse estar ao meu lado todo o tempo, porque estava virando um carnaval. E estava mesmo: a histeria das fãs tornava o velório uma festa. Fiquei na Tupi mais do que o Sérgio, que veio para o Rio estrelar A Cabana do Pai Tomás. Nos reencontramos poucos anos depois, quando entrei em O Primeiro Amor. Ele foi extremamente carinhoso, porque eu estava recebendo uma recepção não muito auspiciosa, havia provocado uma ciumeira no elenco. Aproveitou, também, para desfazer as barreiras que existiam entre mim e a Guta. Ela morria de ciúmes de quem se aproximava do Sérgio, mas ele fez questão de me levar em sua casa – eles dividiam um apartamento – nos aproximar e nossa relação de amizade se tornou muito forte. No último dia em que vi Sérgio, ele me pediu um cigarro emprestado. Brinquei: Para pagar quando? Fui para São Paulo e recebi a notícia de sua morte. A Guta havia chegado em casa, ouviu o barulho que ele estava tomando banho, chamou-o, ele não atendeu. Quando ela entrou, ele estava caído no banheiro. De vez em quando, nas gravações da novela, ele passava mal. Um dia, chamou um médico, que chegou na locação de ambulância. As pessoas ironizavam um pouco, que era fita. Eu me metia: Se for psicológico, é tão sério quanto ele estar doente do coração. E ele estava realmente doente. Até o dia em que seu coração não agüentou mais. Vim para o enterro, que foi uma loucura. Quebraram os vidros da capela do Cemitério São João Batista, sacudiram o carro em que estavam o Boni e o Paulo José, uma mulher arrancou os óculos da minha cara, gritando ela está chorando! Ficamos muito tristes por não termos podido acompanhar o enterro de Sérgio. Jamais me esquecerei dele como um grande companheiro e parceiro. Amigo? Acho que ele era meu amigo, mas jamais consegui ter uma intimidade grande com ele, tamanha era a admiração que sentia. Para mim, ele estava em um pedestal, assim como Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Cleyde Yaconis. Uma coisa meio hierárquica. Acho que somente hoje, com esta idade toda, consigo brincar com a Fernanda e falar de igual para igual. Juca de Oliveira foi meu primeiro e inesquecível parceiro. Com ele, fiz a minha primeira peça na EAD: ele, de terno de linho branco; eu, de rabo de cavalo. Existe entre nós o encanto de uma amizade quase de criança. Fiz muito pouco teatro com ele depois, mas morro de vontade. De vez em quando ele me liga, como se houvéssemos nos visto um dia antes: Araquinha, quando você vem aqui na fazenda? E combinamos encontros que nunca se realizam. Nos amamos, porém, como sempre. Ninguém se esquece do primeiro amor no palco. Jardel Filho era tido como difícil, mas foi adorável trabalhar com ele. Jardel tinha um pouco de dificuldade em decorar. Eu ia para a sua casa, ensaiávamos as cenas, depois saíamos para passear. Todo final de semana fazíamos programas juntos. Acho que nunca ele se divertiu tanto quanto no tempo de Coração Alado. Adorei trabalhar com Jece Valadão em uma novela do Lauro César Muniz, Transas e Caretas. Ele era meu marido e foi muito gostoso. Mário Lago foi um grande galã para mim. Trabalhamos juntos em duas novelas. Eu ia buscá-lo em casa, passeávamos, bebericávamos. Quando abriu o Carrefour no Rio de Janeiro, íamos fazer compras juntos. Uma vez, quando ele estava em São Paulo, levei-o para jantar no Paddock. Ele estava meio mal-vestido, de tênis, mas conversei com o maître que ele não poderia barrar um astro como Mário Lago. Ele concordou, deixou-o entrar e o pianista ao vê-lo, tocou imediatamente Amélia. Aliás, saía com o meu namorado e o Mário, sempre. É claro que o namorado desistiu de mim, cheio de me ver ao lado do Mário Lago o tempo todo. Azar do namorado, porque jamais abriria mão da companhia daquele homem maravilhoso. Uma vez, eu, Mário e Paulo Gracindo – que, aliás, era um tesão de homem – estávamos indo para a gravação de O Casarão. A conversa toda girava em torno do órgão sexual masculino. Eles botando a maior banca. Entrei na conversa definitiva: Vocês não entendem nada, mulher gosta de carinho e é capaz de chegar ao orgasmo com um mão na mão. Paulo virou para o Mário e disse: Mas ela precisava dizer isso só no final da novela? Esses eram verdadeiros galãs: homens viris, galanteadores, que sabiam olhar uma mulher. Hélio Souto foi meu primeiro galã e uma pessoa incrível. Ele era supermalhado em uma época que isso não estava na moda e todos brincavam muito por causa disso. Ele tirava de letra, com um humor maravilhoso. No dia da minha primeira gravação com ele, estava nervosíssima e errei a minha fala. Ele foi impagável: Calma, garota! Todo talento tem seu dia de Hélio Souto. Armando Bógus, Walmor Chagas, Gianfrancesco Guarnieri são também inesquecíveis companheiros. Tive ou não muita sorte na vida? Até mesmo com Carlos Alberto, em Bravo, houve uma convivência gostosa. Eu havia tido um desentendimento, quando ele substituiu o Paulo Autran na montagem de Depois da Queda. Ele fez um comentário na época que eu era sapata. Como disse, as pessoas não sabiam em que time jogava, porque sempre acreditei em privacidade. Os anos se passaram, um dia o Boni me chama para saber se eu tinha alguma coisa contra o Carlos Alberto ser o meu galã na novela. Deixei claro que o tempo havia passado, era uma outra pessoa e que jamais impediria alguém de trabalhar. Na reunião de elenco, ele me abraçou, chorando. Nós tivemos uma convivência, até certo ponto, ótima. Eu digo até certo ponto, porque em determinado momento ele achou mesmo que era maestro e até estranhava a minha presença na platéia de todos os seus concertos. Lima Duarte foi meu galã em Da Cor do Pecado. Que experiência fantástica! Quando resolvi fazer uma participação afetiva na novela, como Germana, a governanta apaixonada pelo patrão, o Lima, fiquei um pouco atemorizada. Foi um encanto trabalhar com ele. Sei que o Lima me respeita e me admira, assim como eu a ele. Somos dois estudiosos, preocupados, quase obcecados, embora exista um folclore que o Lima não estuda nada, é tão bom que sai improvisando, chega e faz o personagem. A gente fazia de igual para igual. Passávamos muitas vezes o texto, ficávamos sempre com as crianças. Ele me respeitava e eu o respeitava muito. Foi uma maravilha fazer tudo. Até mesmo as cenas de carinho, de sexo, que poderiam ser constrangedoras – afinal, não somos mais crianças e nos conhecemos demais – surtiram efeito. Ficaram bacanas. A diretora Denise Saraceni foi muito esperta em me colocar na dianteira, à frente; era eu que entrava no quarto, abraçando-o, acariciando-o para tudo terminar em um beijo. Acho que ele ficou meio encurralado! Fizemos nosso trabalho com imenso prazer. A gente não brincou, decididamente, em serviço. No final da novela, ele me deu uma caixinha de música antiga, daquelas de corda. Uma delicadeza, uma coisa que existe entre iguais que se reconhecem. Muita gente me pergunta se tenho arrependimento de ter me dedicado muito à televisão. Como poderia, com companheiros tão maravilhosos? Capítulo XII O Futuro Todo ator se preocupa com o dia seguinte. Como vai ser? Vou ter trabalho? Será que o público ainda gosta de mim? Não foi à toa que meu pai dizia que ser artista no Brasil era muito difícil. E é mesmo. Aquela velha história, de matar um leão por dia. Hoje em dia, além de matar, tem que destrinchar a carne, preparar um banquete e estar linda e maravilhosa recebendo os convidados para o jantar. Acho, porém, que o artista até dura mais um pouco do que os outros profissionais. Um amigo meu começou como office boy em uma empresa, tornou-se um de seus diretores e, depois de 26 anos, foi mandado embora. E, infelizmente, ele não é uma exceção. Como artista, a gente pode durar mais um pouco, porque as pessoas sempre vão ter avós, bisavós. Já fui mãe da Cássia Kiss, sogra do Lima Duarte, avó da Letícia Spiller. Só me falta a bisavó. Não vou, porém, perseguir uma juventude. Fiz uma plástica logo no início da minha carreira. A Tônia Carrero entrou no meu camarim e me falou que eu devia operar o nariz. Você tem um grande talento. Você é uma estrela. Mas seu nariz vai fazer de você uma coadjuvante, porque ele só vai te dar papéis característicos. Além do mais, o adunco do teu nariz faz sombra e pesa o teu olhar. Já estava começando a me preocupar com a minha posição no palco, evitava estar de perfil, para que ninguém notasse o meu nariz e não queria que isso se perpetuasse. No dia seguinte, fui ao médico e operei o nariz. Fiz escondida dos meus pais – e fiquei abrigada na casa da Myriam Muniz, sempre a Myriam – eles estavam viajando e quando voltaram meu pai me dizia assim, quando eu coçava o nariz, ainda cicatrizando: Pára, menina, de coçar o nariz, ele está ficando diferente por causa disso. Nos anos 1970 e 1980, época em que todo mundo fazia plástica, fiz mais duas. Era muito fácil se operar toda. Meu maquiador Michelle, inclusive, me sugeriu que escolhesse determinado cirurgião bem famoso, porque ele estica e dura uns 50 anos. Nunca fiz, porém, intervenções tão radicais, mas simples retoques para suavizar os traços. Hoje em dia, não quero cortar mais nada. Vou à dermatologista todos os meses, faço pequenos preenchimentos, coloco um pouquinho de botox na testa, que está enrugada, mas tudo bem suave. Gostaria de ter o rosto da Ingrid Bergman, que nunca precisou fazer nada. E foi ficando mais lindo com a idade. Não tive esse privilégio. Cheguei muito longe com o rosto que nasci, essa carinha de armênia. Só me resta cuidar, um pequeno toque aqui, outro ali, mas nada que não possa sair do consultório e ir a uma festa. Meu objetivo é ficar uma velhinha simpática de se olhar. Eu acho meio melancólico ver as pessoas tentando manter o rosto que tinham aos 18 anos. Isso não quer dizer que eu não seja muito vaidosa. Outro dia, saí para buscar a Antônia no colégio e quando me deparei comigo mesma no espelho, e perguntei como as pessoas podiam deixar eu sair daquele jeito. Cabelo preso, calça de agasalho e uma blusinha mambembe. Não, não posso sair assim! Se vivo exigindo que as minhas amigas jovens não sejam desleixadas, insisto que é preciso cuidar dos cabelos, cobro se elas não usam um hidratantezinho, como posso-me permitir este desleixo? Se arrumar é uma questão de higiene! Tenho sonhos: viajar, construir um teatro, ficar uma temporada em Portugal, ver a minha afilhada Antônia crescer bem e amparada. Às vezes, me preocupo com a minha velhice. Tenho medo de ficar doente, dependendo de alguém, e por isso me trato. Não quero que ninguém fique cuidando de mim. Rezo muito – Pai Nosso é o meu mantra – pela minha saúde e a dos meus amigos. Todos os dias em que caminho no Jardim Botânico, rezo em voz alta e termino a minha caminhada abraçada a uma enorme árvore que tem lá. Depois que tiraram as grades em volta do grande jardim, todo mundo me vê da rua abraçada à árvore e devem pensar que enlouqueci. Mas gosto de ficar bem junto da energia desse cedro rosa secular. Não sou muito, porém, de planejar a minha vida. Quando comecei a minha carreira, ouvi o prognóstico que minha mãe tinha somente três meses de vida. E minha vida passou a ser vivida dia a dia. Não fazia planos a longo prazo, nem a médio, tudo era a curto prazo, para que eu pudesse aproveitar ao máximo o que ela tinha de melhor. Acho que isso me treinou para ir aproveitando o que tenho, o que está aqui, o momento. E o que for vindo vai ser bem-vindo. E vai vir! Histórico de Uma Carreira Teatro 1963 Os Ossos do Barão, de Jorge Andrade Direção: Maurice Vaneau 1964 Vereda da Salvação, de Jorge Andrade Direção: Antunes Filho Gog e Magog, de Ted Allan e Roger Mac Dougall - Direção: Alberto D’Aversa 1965 Depois da Queda, de Arthur Miller Direção: Flávio Rangel 1966 Oh, que Delícia de Guerra, de Charles Chilton - Colaboração: Joan Littlewood e o grupo do Theatre Workshop Direção: Ademar Guerra 1967 Marat/Sade, de Peter Weiss Direção: Ademar Guerra Júlio César, de Shakespeare Direção: Antunes Filho 1968 Feira Paulista de Opinião, de Lauro César Muniz, Bráulio Pedroso, Jorge Andrade, Oduvaldo Viana Filho, Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal Direção: Augusto Boal 1969 Hair, de James Rado, Gerome Ragni e Galt MacDermot Direção: Ademar Guerra 1977 Brecht Segundo Brecht, roteiro e adaptação de Oswaldo Mendes Direção: Ademar Guerra 1978 Último Dia de Aracelli, de Marcílio Moraes Direção: Ademar Guerra 1981 À Direita do Presidente, de Mauro Rasi e Vicente Pereira – Direção: Álvaro Guimarães 1982 Por Uma Noite, de Diana Raznovich Direção: Cecil Thiré 1984 Boa Noite, Mãe, de Marsha Norman Direção: Ademar Guerra 1985 O Tempo e os Conways, de J.B. Priestley Direção: Eduardo Tolentino 1988 Follias no Box, de Flávio de Souza Direção: Bibi Ferreira 1990 Fulaninha e Dona Coisa, de Noemi Marinho Direção: Marco Nanini 1993 E Agora?, escrito e dirigido por Mona Lazar 1995 Noite Feliz, escrita e dirigida por Flávio Marinho 1998 Clarice, Coração Selvagem, escrita e dirigida por Maria Lucya de Lima, baseada em textos de Clarice Lispector Televisão TV Tupi 1965 Um Rosto Perdido (Alba) De Walter George Durst – Dir. Geraldo Vietri Elenco: Hélio Souto, Lélia Abramo, Lima Duarte, Maria Luiza Castelli, Ana Rosa Sinopse: David pede a memória e é encontrado em uma ilha deserta. 1966 O Amor Tem Cara de Mulher (Matilde) Escrita e dirigida por Cassiano Gabus Mendes Elenco: Cleyde Yaconis, Eva Wilma, Walmor Chagas, Luiz Gustavo, Ana Rosa, Tony Ramos Sinopse: Várias histórias sobre problemas conjugais e amorosos, contadas a partir do cotidiano de um salão de beleza. 1967 Sublime Amor (Helena) De Gianfrancesco Guarnieri – Dir. Cassiano Gabus Mendes Elenco: Hélio Souto, Irene Ravache, John Herbert, Cacilda Lanuza Sinopse: Dois irmãos brigam por causa da fortuna da madrasta. Meu Filho, Minha Vida (Nellie) De Walter George Durst – Dir. Wanda Kosmo Elenco: Percy Aires, Vida Alves, Maria Célia Camargo, José Parisi Sinopse: A história de uma mulher do povo, Nellie, cujo filho é roubado e levado para ser criado pela duquesa Catherine, que não pode ter filhos. Angústia de Amar (Jane) De Dora Cavalcanti – Dir. Geraldo Vietri Elenco: Beatriz Segall, Eva Wilma, Juca de Oliveira, Cecil Thiré, Marisa Sanches Sinopse: Jane, uma moça sem maiores atrativos, luta para conquistar o amor de Roger. 1968 Antônio Maria (Heloísa) De Walter Negrão e Geraldo Vietri – Dir. Geraldo Vietri Elenco: Sérgio Cardoso, Dennis Carvalho, Maria Luiza Castelli, Tony Ramos, Paulo Figueiredo Sinopse: Antônio Maria é um milionário português que vem para o Brasil e finge ser pobre. Trabalha como motorista na casa de um dono de cadeia de supermercados, de quem se torna amigo. Heloísa, um das filhas do empresário, se apaixona por Antônio Maria e os dois vivem um grande romance. 1969 Nino, o Italianinho (Branca) De Geraldo Vietri e Walter Negrão – Dir. Geraldo Vietri e Gian Carlo Elenco: Juca de Oliveira, Etty Frazer, Denis Carvalho, Tony Ramos, Guy Loup Sinopse: Nino, um açougueiro, tenta conquistar o amor de uma milionária, mas acaba descobrindo o verdadeiro amor, Bianca, uma jovem com um defeito na perna, que sempre o amara em silêncio. 1971 A Fábrica (Isabel) Escrita e dirigida por Geraldo Vietri Elenco: Juca de Oliveira, Lima Duarte, Joana Fomm, Myriam Muniz, Bibi Vogel Sinopse: A intransigente Isabel, que perdeu o pai e o marido em um incêndio na indústria têxtil de seu pai, se envolve emocionalmente com Fábio, o líder dos operários. TV Globo Novelas 1972 O Primeiro Amor (Giovana) De Walter Negrão – Dir. Régis Cardoso Elenco: Sérgio Cardoso, Rosamaria Murtinho, Tônia Carrero, Leonardo Villar, Renata Sorrah, Paulo José, Flávio Migliaccio Sinopse: O professor Luciano e a governanta Paula se amam, apesar dos protestos de Babi, a geniosa filha dele, e de Maria do Carmo, uma namorada antiga. 1974 Corrida do Ouro (Teresa) De Gilberto Braga e Lauro César Muniz – Dir. Reynaldo Boury – Superv. direção Daniel Filho Elenco: Sandra Bréa, Renata Sorrah, Maria Luiza Castelli, Célia Biar, José Wilker Sinopse: Durval é um milionário que morre e deixa um testamento destinando a sua fortuna para cinco herdeiras. No entanto, para garantirem o seu quinhão na bolada, Teresa, Isadora, Patrícia, Ilka e Gilda devem cumprir alguns desejos do excêntrico magnata. 1975 Bravo! (Cristina) De Janete Clair e Gilberto Braga – Dir. Fábio Sabag, Luís Carlos Pires, Reynaldo Boury Elenco: Carlos Alberto, Neuza Amaral, Bete Mendes, Cláudio Cavalcanti, Arlete Salles Sinopse: Casado pela segunda vez com Cristina, o viúvo Clóvis di Lorenzo enfrenta algumas dificuldades em sua vida. A primeira é profissional: músico, ele opta por ser um maestro e luta para firmar-se nessa árdua carreira. A segunda é pessoal: apaixonado por Cristina, de quem tem total apoio, ele enfrenta a possessiva irmã, Fabiana, que insiste em cultivar a imagem da falecida cunhada, Branca. 1976 O Casarão (Violeta) De Lauro César Muniz - Dir. Daniel Filho e Jardel Mello - Dir. Geral Daniel Filho Elenco: Paulo Gracindo, Yara Côrtes, Gracindo Jr., Renata Sorrah, Mário Lago, Dennis Carvalho Sinopse: A casa colonial é a testemunha da história de cinco gerações da família de Deodato Leme, que começa no ciclo do café, em 1900. O casal central da trama é Carolina e o pintor João Maciel. A novela retrata os períodos do começo do século XX até 1919, de 1926 a 1936 e depois, 1976, e os encontros e desencontros dos apaixonados. Violeta é a filha de Carolina, que se apaixona por João Maciel. 1977 Locomotivas (Milena) De Cassiano Gabus Mendes – Dir. Régis Cardoso Elenco: Walmor Chagas, Lucélia Santos, Eva Todor, Hélio Souto, Célia Biar,Tony Corrêa Sinopse: Kiki Blanche é dona de um sofisticado salão de beleza. Sua filha adotiva Fernanda apaixona-se por Fábio, o mesmo homem que Milena ama. Milena, porém, é a verdadeira mãe de Fernanda e, em nome da felicidade da filha, desiste de Fábio sem contar-lhe a verdade. 1978 Pecado Rasgado (Teca) De Sílvio de Abreu – Dir. Régis Cardoso Elenco: Juca de Oliveira, Renée de Vielmond, Nádia Lippi, Myriam Rios, Ney Sant´anna Sinopse: Stela nutre um amor doentio por Renato, marido de sua falecida irmã. Ele se apaixona pela psicóloga Teca, provocando a revolta de Stela que começa a colocar a sobrinha Cris contra seu pai. 1980 Coração Alado (Maria Faz Favor) De Janete Clair – Dir. Jorge Fernando, Roberto Talma Elenco: Tony Ramos, Jardel Filho, Eva Todor, Débora Duarte, Vera Fischer, Tarcísio Meira, Walmor Chagas Sinopse: Juca Pitanga é um artista plástico talentoso, que deixa sua cidade natal, no norte do Brasil e vem para o sudeste para ter maior visibilidade em sua carreira. Na cidade grande, ele fica dividido entre o amor de duas mulheres: Catucha e Vivian. Num outro núcleo da novela, há a personagem Maria Faz Favor, que se submete aos caprichos do barão Von Strauss. 1981 Brilhante (Vera) De Gilberto Braga – Colab. Euclydes Marinho e Leonor Bassères – Dir. Daniel Filho, José Carlos Pieri e Marcos Paulo – Dir. Geral Daniel Filho Elenco: Fernanda Montenegro, Vera Fischer, Dênis Carvalho, José Wilker, Renata Sorrah Sinopse: Um mistério é o ponto de partida desta história. A bela Luiza testemunha um suicídio em Londres. De volta ao Brasil, ela se surpreende ao ver o mesmo homem – Sidney – vivo. Nesse ínterim, ela conhece a família Newman, cuja matriarca é a milionária Chica Newman, que se encanta com a jovem e vê a chance de casá-la com seu filho homossexual Inácio. Vera é uma amiga de Luiza. 1982 Elas Por Elas (Helena) De Cassiano Gabus Mendes – Dir. Mario Márcio Bandarra, Paulo Ubiratan e Wolf Maya – Dir. Geral Paulo Ubiratan Elenco: Eva Wilma, Joana Fomm, Esther Góes, Maria Helena Dias, Mila Moreira, Sandra Bréa, Luiz Gustavo Sinopse: Sete amigas dos tempos de escola se reencontram 20 anos depois. Márcia, Helena, Adriana, Natália, Wanda, Carmem e Marlene são agora mulheres maduras, que voltam a manter contato depois de tanto tempo e vêem suas vidas novamente entrelaçadas. 1984 Transas e Caretas (Ana) De Lauro César Muniz – Colab. Daniel Más – Dir. José Wilker e Mario Márcio Bandarra Elenco: Eva Wilma, José Wilker, Reginaldo Faria, Natália do Valle, Renata Sorrah, Lídia Brondi Sinopse: Francisca Moura Imperial é a empresária de sucesso que cada vez mais vê seus dois filhos, Jordão e Thiago, distanciarem-se da família e dos negócios. Sua meta é casar um dos filhos e conseguir um neto que prossiga com o nome da família. Para isso, contrata a bela Marília, que se torna a paixão dos dois irmãos. 1985 Ti Ti Ti (Marta) De Cassiano Gabus Mendes – Colab.Luís Carlos Fusco – Dir. Fred Confalonieri e Wolf Maya Elenco: Reginaldo Faria, Luiz Gustavo, Paulo Castelli, Marieta Severo, Myriam Rios Sinopse: Ariclenes Almeida (Ari) resolve provocar seu desafeto, o costureiro André Spina – mais conhecido como Jacques Léclair – ao se infiltrar no mercado da moda disfarçado no espanhol Victor Valentim. Pedro, filho de Léclair, tem um envolvimento com Marta e depois com sua filha, Gabriela. 1989 Que Rei Sou Eu? (Maria Fromet) De Cassiano Gabus Mendes – Colab.Luís Carlos Fusco - Dir. Fábio Sabag e Jorge Fernando - Dir. Geral: Jorge Fernando Elenco: Edson Celulari, Giulia Gam, Tereza Raquel, Marieta Severo, Antônio Abujamra Sinopse: Uma trama de capa e espada, em que se misturam a rainha Valentina, seu fiel conselheiro Ravengar e o verdadeiro herdeiro do trono, o jovem rebelde Jean Pierre. 1990 Rainha da Sucata (Dona Armênia) De Sílvio de Abreu – Colab. Alcides Nogueira e José Antônio de Souza – Dir. Jorge Fernando Elenco: Regina Duarte, Tony Ramos, Glória Menezes, Renata Sorrah, Raul Cortez, Antonio Fagundes, Cláudia Raia, Marisa Orth Sinopse: Maria do Carmo fez fortuna, mas não esquece sua mágoa por ter sido humilhada por Edu, e decide se casar com ele, usando a sua fortuna. Encontrará, porém, dois empecilhos em sua vida: a madrasta de Edu, Laurinha, que é apaixonada por ele, e Dona Armênia, a verdadeira dona do prédio, onde Maria do Carmo instalou a sua casa noturna. 1991 Felicidade (Paquita) De Manoel Carlos – Colab. Elizabeth Jhin – Dir. Fernando de Souza, Ignacio Coqueiro e Denise Saraceni – Dir. Geral Denise Saraceni Elenco: Maitê Proença, Tony Ramos, Viviane Pasmanter, Herson Capri, Laura Cardoso, Edney Giovenazzi Sinopse: Helena ama Álvaro, mas acaba se casando com Mário. Tem um filho, porém, de Álvaro, que está de casamento marcado com Débora. Oito anos depois, o casal se reencontra e enfrenta muitos percalços. 1992 Deus Nos Acuda (Dona Armênia) De Sílvio de Abreu – Co-Autoria Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral Dir. Jorge Fernando, Marcelo Travesso e Rogério Gomes – Dir. Geral Jorge Fernando Elenco: Cláudia Raia, Jorge Dória, Glória Menezes, Dercy Gonçalves, Edson Celulari Sinopse: Celestina, o anjo responsável pelo Brasil, precisa tornar uma cidadã brasileira honesta, digna e trabalhadora. Ela escolhe Maria Escandalosa, que mora na pensão de Dona Armênia. 1994 Pátria Minha (Rosário) De Gilberto Braga – Co-Autoria Alcides Nogueira – Colab. Sérgio Marques, Ângela Carneiro e Leonor Bassères Dir. Alexandre Avancini, Ary Coslov, Denis Carvalho e Roberto Naar – Dir. Geral Denis Carvalho Elenco: Tarcísio Meira, Vera Fischer, Eva Wilma, Renata Sorrah, Cláudia Abreu, Fábio Assunção, Marieta Severo Sinopse: Raul Pellegrini é um empresário sem escrúpulos que tenta subornar Alice, para que ela testemunhe a seu favor em um caso de atropelamento. Pedro é o maior antagonista do empresário. 1995 A Próxima Vítima (Filomena Ferreto) De Sílvio de Abreu – Co-Autoria Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral Dir. Alexandre Boury, Jorge Fernando, Marcelo Travesso e Rogério Gomes – Dir. Geral Jorge Fernando Elenco: José Wilker, Tony Ramos, Suzana Vieira, Cláudia Ohana, Paulo Betti, Lima Duarte Sinopse: Filomena Ferreto controla com mão de ferro as suas irmãs – Francesca e Carmela. Só tem olhos para a sobrinha Isabela, que tem um tórrido caso de amor com o tio Marcelo, casado com Francesca. Além disso, Marcelo tem outra mulher, Ana, que é disputada também pelo seu meio irmão, Juca. 2002 Sabor da Paixão (Hermínia) De Ana Maria Moretzsohn – Colab. Fernando Rebello, Daisy Chaves, Glória Barreto e Isabel de Oliveira – Dir. Fabrício Mamberti, Ulisses Cruz e Maria de Médicis – Dir. Geral Denise Saraceni Elenco: Lima Duarte, Cássia Kiss, Letícia Spiller, Luigi Baricelli, Pedro Paulo Rangel, Edson Celulari, Arlete Salles Sinopse: Dono de um botequim na Lapa, Miguel é casado com Cecília, para tristeza de sua mãe Hermínia, e tem três filhas: Diana, Laiza, Teca e ainda cria a neta Madona. Com a morte do pai, Diana assume o negócio e decide tomar posse de terras que o pai ganhou como herança, entrando em confronto com Zenilda, mãe de Alexandre, por quem a jovem se apaixona. 2004 Da Cor do Pecado (Germana) De João Emanuel Carneiro – Superv. Sílvio de Abreu – Dir. Luís Henrique Rios, Paulo Silvestrini, e Maria de Médicis – Dir. Geral Denise Saraceni – Dir. de Núcleo Denise Saraceni Elenco: Lima Duarte, Reynaldo Gianecchini, Thaís Araujo, Giovanna Antonelli, Sérgio Malheiros, Rosi Campos Sinopse: Paco é o herdeiro de Afonso Lambertini, mas não aceita a fortuna do pai. Se apaixona por Preta, mas Bárbara, a sua noiva, consegue impedir que os dois fiquem juntos. Todos pensam que Paco morreu em um acidente, mas ele volta a conviver com todos, se passando pelo seu irmão gêmeo, Apolo. Germana é a fiel governanta, apaixonada por Afonso, que criou Paco. Outros Programas 1972-1976 Vila Sésamo Voltado para o público da pré-escola, Vila Sésamo tinha o objetivo de ensinar com tom de brincadeira. Criado na década de 70 – ficou no ar de 1972 a 1976 – o programa procurava estimular o raciocínio, transmitir noções básicas do alfabeto, números e cores. Canções e animações estavam presentes no programa, reforçando conceitos de higiene pessoal, relacionamento, família e cidadania. Vila Sésamo era a versão brasileira de Sesame Street, série educativa da Children’s Television Workshop, co-produção TV Cultura e pela Rede Globo. Na versão brasileira, a rua tipicamente americana foi substituída por uma vila operária, com moradores também tipicamente nacionais. Direção de Ademar Guerra. Elenco: Armando Bógus (Juca), Sônia Braga (professora Ana Maria), Manoel Inocêncio (Seu Almeida), Flávio Galvão (Antônio), e os bonecos Garibaldo (Laerte Morrone) e Gugu (Roberto Oresco) criados por Naum Alves de Souza. 1995 Participação no Seriado Engraçadinha... seus amores, seus pecados De Carlos Gerbase, baseado em Nélson Rodrigues – Dir. Johnny Jardim e Denise Saraceni. 2000 Seriado Brava Gente (Custódia), episódio Os Mistérios do Sexo. 1996-2002 Programa semanal Sai de Baixo TV MANCHETE 1987 Helena (Úrsula) De Mário Prata, Dagomir Marquezi e Reynaldo Moraes, baseado em Machado de Assis – Dir. José Wilker, Luiz Fernando Carvalho e Denise Saraceni Elenco: Luciana Braga, Thales Pan Chacon, Mayara Magri, Othon Bastos, Isabel Ribeiro, Yara Amaral Sinopse: Com a abertura do testamento do Conselheiro Vale, todos descobrem que ele tinha uma filha fora do casamento, Helena. Estácio, seu filho, aceita o pedido do pai de receber Helena na chácara. Úrsula, porém, a irmã do conselheiro, considera Helena uma usurpadora. Tudo se complica quando os dois jovens se apaixonam. Mania de Querer (Lúcia) De Sylvan Paezzo – Dir. Walter Campos, Luiz Antonio Piá – Dir. Geral Herval Rossano Elenco: Nívea Maria, Marcelo Picchi, Lélia Abramo, Carlos Augusto Strazzer, Leonardo Vilar Sinopse: Ivan conhece Vanessa, uma garota de programa, nos Estados Unidos, e volta para o Brasil com ela, apresentando-a à família como sua esposa. Seu passado permanece em segredo, especialmente para Margô, a avó de Ivan, que controla a vida do neto e da filha Lúcia. Cinema 1998 Policarpo Quaresma, Herói do Brasil Dir. Paulo Thiago – Roteiro de Alcione Araújo, baseado em obra de Lima Barreto. Gosto muito de cinema, mas nunca havia sido convidada. Passei a não preferir o cinema nacional, já que ele não me queria. Falei um dia isso para o Paulo Thiago, que gentilmente me convidou para fazer esta participação afetiva em seu filme. Foram só três dias de trabalho e eu estava adorando no começo. Ficava junto do Paulo José, que estudava tupi-guarani (é a cara do Paulo José!), mas no final estava exausta. Meu Deus, como cinema é cansativo. Agora brinco e digo: Película, nunca mais! Prêmios Associação Paulista de Críticos Teatrais – APCT Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA Troféu Roquete Pinto Troféu Governador do Estado Troféu Imprensa Foi homenageada em Campo Grande/MS, onde nasceu, com a inauguração do Teatro Aracy Balabanian. Créditos das fotografias: pág.97 – Luiz Silva pág.103 – Gal Oppido pág.186 – Emidio Gonzaga pág. 190 / 191 – Cristina Granato pág.221 – Manchete pág.66 / 128 / 131 a 134 / 139 / 140 / 142 / 143 / 148 a 151 / 154 / 167 / 175 / 179 / 180 / 188 / 189 / 205 / 207 / 208 / 217 – CEDOC TV Globo Demais fotografias: acervo Aracy Balabanian Imprensa Oficial