Luís Alberto de Abreu Até a Última Sílaba Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro e Administrativo Alexandre Alves Schneider Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey Cultura Fundação Padre Anchieta Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Rita Okamura Coleção Aplauso Teatro Brasil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Revisão Andressa Veronesi Projeto Gráfico e Editoração Carlos Cirne Luís Alberto de Abreu Até a Última Sílaba por Adélia Nicolete Cultura Fundação Padre Anchieta Imprensa oficial São Paulo, 2004 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Introdução Conheci Luís Alberto de Abreu no final da década de 80, num curso de dramaturgia que ele oferecia nas Oficinas Culturais Três Rios, em São Paulo. Uma série de fatores fez com que eu desistisse das aulas e tornasse a encontrá-lo somente em 1996, dessa vez em Santo André. Fui sua aluna por alguns anos e posso dizer que, mais do que elaborar textos de teatro, suas aulas nos tornam pessoas melhores. Estudos de psicologia, mitologia, trajetórias heróicas fazem-nos refletir sobre o mundo, sobre a nossa própria vida, nosso próprio caminho. Nas conversas que tivemos para este livro me convenci ainda mais da sua extrema coerência. Abreu é do tipo que age conforme o que proclama. Pode parecer meio tolo dizer isso, mas, hoje em dia, quantas pessoas se comportam assim? A maioria de nós fala muitas coisas sábias e profundas, mas, na hora de agir, faz justamente o contrário do que apregoa. Ele traz o conhecimento mítico para a própria vida, para o rela cionamento familiar, para a compreensão do outro e do mundo. Pode-se dizer que é uma pessoa muito séria. À primeira vista parece bravo. Neste depoimento vamos descobrir que talvez isso se deva à sua timidez – ou à descendência de garimpeiros e de um lobisomem! No decorrer do convívio, porém, ele vai se mostrando afável e engraçado, embora sempre mantenha a fera nas entrelinhas. A mesma fera que o impele a novos trabalhos, a não se deitar sobre os possíveis louros, a não dar crédito exagerado aos elogios. Conforme diz, só ele sabe o quanto penou para escrever um texto e nenhum louvor garante que o próximo trabalho será fácil. Nas entrevistas não falou, mas Abreu adora cuidar de flores – orquídeas, mais especificamente. E é um ótimo cozinheiro: comida italiana, árabe e japonesa estão entre as suas especialidades. Estrutura um prato como estrutura suas peças: separa todos os ingredientes primeiro, coloca em ordem de entrada na panela e só depois é que começa o preparo. Nessa hora ele também não abre mão da invenção, acrescentando outros sabores, não se contentando com a mera reprodução de uma receita... Abreu coloca amor e capricho em tudo o que se mete a fazer. Diz que herdou isso do pai. Da mãe, brava como o quê, herdou o prazer de ouvir e contar histórias – reais ou fantásticas, pouco importa. Talvez venha daí a facilidade pra contar enredos de livros, peças e filmes com tanta riqueza de detalhes que parece estarmos lendo ou assistindo junto com ele. Achei que seria fácil conseguir entrevistá-lo. Não foi. A agenda – sempre lotada de cursos, palestras, reuniões, novos textos – direcionou nossas conversas aos intervalos entre as diversas atividades ou ao fim de noite. Os filhos, curiosos, queriam saber por que o pai estava gravando tudo aquilo do seminário dos padres, de ensaios com gente pelada, dos momentos em que pensou em desistir da dramaturgia. Queriam saber sobre o momento em que entrariam no livro. Afinal, são quatro filhos – cada um esperando a sua vez de entrar em cena! E nesses momentos Abreu se emociona, a mesma emoção com que fala do convívio com o pai, da morte da mãe; com que fala dos amigos e das inúmeras experiências agradáveis que o teatro lhe proporcionou ao longo da vida. Muito me ajudaram outras fontes de informação, tais como notícias de jornais e revistas, leitura de suas peças e a tese de doutoramento elaborada por Rubens Brito a respeito de sua obra. Amigos e ex-alunos mandaram várias perguntas via internet – Elaine, Ana Régis e Alex, em especial; as reuniões constantes com os amigos ofereciam outras versões de alguns fatos, e os irmãos do entrevistado serviram de fiéis da balança em relação aos acontecimentos anteriores a seu nascimento. Portanto, agradeço a todo mundo que entrou na dança junto conosco pra fazer este livro acontecer. Que ele seja prazeroso a todos como foi para mim escrevê-lo. Prazeroso como a leitura dos textos de Luís Alberto de Abreu e a convivência diária com ele. Sim, convivência diária. Ia me esquecendo de dizer! De ex-aluna de dramaturgia me transformei em esposa há alguns anos... Adélia Nicolete Abril de 2004 Capítulo I O Mundo é o Território do Mistério Na noite de sexta-feira da quaresma, minha mãe contava, tinha homem que virava porco-do-mato. Em alguns lugares do Brasil virava-se lobisomem. Lá no Vau, lugarejo perdido pra além de Diamantina, virava-se porco, mesmo, daqueles peludos, terríveis. E, embora suínos, eram chamados de lobisomens. Eles se embrenhavam pelo mato, fuçavam o lixo e tinham, como prazer principal, se refestelar com fezes de criança, de preferência as mais novinhas. Na região do Serro Frio tinha desses, minha mãe conhecia um deles. Um não, dois. O primeiro era um tal de Ciríaco, homem casado, com filhos, vida regrada e sem um nada que se dizer dele – a não ser que costumava sumir nas noites de sexta-feira santa. Voltava só de manhã, sujo, calado, jeito de poucos amigos. E não havia meio da família saber onde ele tinha ido. Certa feita, a mulher ficou a esperá-lo desde a madrugada na boca do mato, que era de onde ele voltava. Ao perceber a aproximação de alguém, ela se tomou de coragem, e foi ao seu encontro. Era o marido que, ao vê-la, tentou se esconder. Em vão. Dera tempo de ela perceber, pendendo de sua boca, fiapos vermelhos, como tiras de tecido que ele cuspia, mas que teimavam em permanecer ali. A mulher não fez nenhuma pergunta, porém decidiu que descobriria tudo antes do domingo de Páscoa. Saiu pelas redondezas como quem procura algo que não sabe direito o que é. Saberia quando achasse. Ao visitar uma conhecida do outro lado da vila, a mulher do Ciríaco encontrou a tal resposta. Os vizinhos ainda estavam aglomerados na frente do casebre, comentando o fato escabroso da madrugada. Ouvira-se o choro da criança no berço, um choro diferente, de susto e medo. A mãe, sozinha de marido viajante, foi acudir o filho quando se deparou com a cena: um porco enorme enfiara o focinho por entre as grades do berço tosco, tentando comer as fraldas da criança que se debatia assustada. A mãe, embora com medo de ser atacada também, pegou o trabuco que o marido deixara e começou a atirar, de modo a assustar o bicho que fugiu correndo, arrastando consigo um pedaço da coberta que conseguira morder. Era um lobisomem, não tinham dúvida. A mulher de Ciríaco quis ver o local do acontecido. Do berço ainda pendia uma parte da coberta, desfalcada de um naco da franja vermelha. Ela não disse nada. Voltou pra casa e rezou pelo marido. O outro lobisomem que minha mãe conhecia era só de ouvir falar. Nada foi provado. Era o avô paterno dela, o meu bisavô Luís Faduré. Minhas quaresmas e a de meus filhos e neto sempre foram tranqüilas. Acho que o tempo e a vida na metrópole, de certa forma, foram colocando camadas e mais camadas de civilização sobre a fera. No entanto, acho muito interessante imaginar que descendemos desse bicho, desse mistério. Imaginar que, na verdade, todos nós descendemos; que todos guardamos dentro de nós esse instinto mais primitivo, pronto pra aflorar numa situação em que necessitemos dele. É claro que muita gente transforma isso numa violência indiscriminada – e põe a culpa nesse animal, nessa fera, ou se compara com ela. Porque, curiosamente, o processo civilizatório, a sociedade de consumo, a exclusão social foram tirando de muitos homens e mulheres o que há de mais humano neles, justamente o que os diferencia da fera. Então, até como forma de sobrevivência, eles recobram e mantêm vivo isso que é essencial, o animal mesmo... Se a gente, ao contrário, mantém o humano atuante e a fera sob controle, a gente ganha com isso. Os avós maternos de minha mãe eram da família Baracho. Eles vieram de Portugal para o Brasil em 1714, descendentes de Gonçalo de Freitas Baracho, que aqui aportou na comitiva de Dom Brás Baltazar da Silveira, ouvidor do Rio das Mortes. Esse Gonçalo possivelmente seja o chamado Baracho Velho, de quem se conta uma história muito curiosa também. Dizia-se que ele era comandante de uma tropa de africanos, escravos que chegavam ao litoral e eram enviados para a zona de mineração. Era costume naquela época, quando alguém morria durante o trajeto, quer nas grandes viagens marítimas, quer nas grandes viagens por terra, encerrar o defunto num quinto – espécie de barril – cheio de cachaça, de modo a conservar o corpo até chegar a alguma cidade para lhe dar sepultura cristã. Aconteceu de, numa dessas viagens, morrer um dos companheiros do Baracho Velho. Como de hábito, mergulharam o finado num tonel de pinga. Tempos depois, quando finalmente chegaram a uma cidade, ao abrirem o tonel para tirar o corpo, espalhou-se fedentina tal que ninguém pôde se aproximar. O corpo estava em adiantado estado de putrefação e o barril seco, vazio de cachaça. Comenta-se que, ou por faltar cachaça na viagem ou por achar que era inútil gastar tão precioso líquido com tão reles defunto, o Baracho Velho fez um furinho no tonel e veio sorvendo toda a cachaça do morto durante a viagem. Não se sabe se foi assim que nasceu a fama de bons bebedores dos Baracho, ou se foi essa a explicação para a fama. Quem me contou essa história foi Pedro Cordeiro Braga, velho morador do Vau, em novembro de 1998, quando lá estive em pesquisa para o roteiro do filme Os Narradores de Javé. Aliás, Pedro Cordeiro foi o mote para a criação do protagonista Pedro Bia, interpretado pelo José Dumont. Do início do século XVIII saltamos para meados do século XIX, que é quando vamos encontrar os Baracho, fixados no distrito diamantinense do Vau e no lugarejo próximo, Ribeirão do Inferno. O Vau parece ter sido uma corruptela importante nessa época, cortado pelo rio Jequitinhonha e passagem obrigatória para o Serro Frio, outra localidade importante na região diamantífera das Minas Gerais. Ali os Baracho se dedicavam à garimpagem de ouro e diamante, à criação e agricultura de subsistência e ao transporte de cargas em tropas de burro. O diamantinense é conhecido como mineiro bravo. A fama, com certeza, vem da época do garimpo. Os garimpeiros, mesmo na época colonial, eram todos bandidos, eram perseguidos, porque quem podia extrair, oficialmente, eram os contratadores – quem a coroa portuguesa permitia. Os garimpeiros eram independentes, estavam sempre em luta contra os portugueses. Então os Baracho eram assim. Uma linhagem que não era rica, mas de gente muito brava, gente de briga mesmo. Acho que da desconfiança que dizem que o mineiro tem, também vem do garimpeiro. Porque era preciso tomar cuidado com quem chegava, não confiar em ninguém. E eles conservam essa coisa até hoje. Aconteceu uma vez comigo, eu devia ter uns 23 anos. Fazia muito tempo que eu não ia para Diamantina, muito tempo que não visitava a irmã da minha mãe, a tia Nenem. Aí resolvi ir para lá. Estava indo sozinho. No caminho, por coincidência, encontrei com meu primo Célio, filho do tio Antônio, que morava em São Paulo e também estava indo para lá. Chegamos. Bom, no portão da casa da tia Nenem, a gente bate palma, Ô de casa!, e quem vem atender a porta é o meu tio Paulo, marido da minha tia. Pois bem, de cara ele reconheceu o Célio, cumprimentou efusivo, etc. Quando eu estiquei a mão, todo animado,Oi, tudo bem?, ele não correspondeu! Olhou para mim de alto a baixo, demorado, e perguntou: Quem é você? Fiquei assim, com a mão parada no ar. Falei: Ei, tio! Sou Luís, filho de sua cunhada Violeta. Aí ele abriu um sorriso, Como é que vai?, me deu a mão, me abraçou. Mas enquanto não me reconheceu, ele ficou fechado. Então, vamos continuar, que eu tenho essa mania de ir e voltar nos assuntos. Por volta de 1850, nasce Jerônimo Baracho que mais tarde viria a se casar com uma tal Antonia, da qual eu nunca soube o sobrenome. Pedro Cordeiro Braga definiu esse Jerônimo como homem muito cruel, conforme as tradições. Possivelmente ele se referia à tradição do lugar que teria sido, em tempos coloniais, terra de gente brava, violenta, dada a crueldades. A colonização portuguesa e, de resto, todas as colonizações, foram extremamente violentas e cruéis, apesar do esforço da história oficial em encobrir tais fatos. Não é difícil imaginar o Vau em tempos coloniais como local de conflito entre mandatários da coroa portuguesa, garimpeiros e negros quilombolas. O garimpeiro era considerado bandido, proscrito, era perseguido pelos dragões reais. Regiões de mineração têm sido conhecidas historicamente em todo o mundo como palco de conflito. O Vau não teria sido diferente. Da união entre Jerônimo e Antonia de Tal nasceriam (uns quantos filhos) entre os quais Maria José Baracho, por volta de 1885. Foi essa Maria José que se casou com Egídio, filho do lobisomem, meu bisavô... De modo que eu provavelmente descenda, em linhagem materna direta, de um lobisomem, de garimpeiros e de um apreciador obstinado de cachaça. Isso não parece muito nobre, mas me confere, ao menos, uma raiz bem brasileira! Sou o caçula de uma família de 10 filhos – 7 homens e 3 mulheres. Uma família tipicamente mineira, do nordeste de Minas: Diamantina. Affonso, meu pai, era carpinteiro, um artesão dos melhores, de ascendência portuguesa, bem longínqua mesmo. Violeta, minha mãe, já falei, era mais do mato, família de mineradores, lenheiros, esse tipo de coisa. Uma família bastante mais rústica que a família do meu pai. A vida era muito difícil para eles lá em Diamantina. Era uma cidade pequena, não tinha nem 10 mil habitantes naquele tempo. Não era essa cidade turística que é hoje, não. Depois que acabou o período do ouro e dos diamantes, final do século 19 e começo do 20, a cidade entrou em franca decadência! Praticamente não tinha meios de vida lá. Tinha só comerciante, fazendeiro e garimpeiro – e mesmo esses eram muito pobres. E meu pai sendo carpinteiro, e também pedreiro muitas vezes, ele ia pra onde tivesse trabalho. Só que na região todo o trabalho era muito pouco. Ele construiu uma escola, depois uma igreja e, então, acabou, não teve mais jeito. Até tentou colocar uma oficina de carpintaria, mas as coisas não deram muito certo – se gundo minha mãe, era puro mau-olhado e feitiço que fizeram... Naquela época, final da década de 1940, a família já contava com oito filhos, o mais novo ainda no colo. Foi aí que minha mãe deu um ultimato pro meu pai: se ele não viesse pra São Paulo procurar meio de vida, ela pegaria os filhos e viria sozinha. E minha mãe era bem capaz de fazer isso! Só que o meu pai tinha a família, os amigos dele, sabe como é... Tentou negociar, propondo ir pra Belo Horizonte, que era mais pertinho, mais fácil de voltar. Porém, meus irmãos contam, deu-se um fato que fez meu pai aceitar a idéia rapidinho. Seu Affonso não era uma pessoa lá muito crédula, não. Era católico praticante e isso lhe bastava, não era de dar trela pra superstições, crendices outras. Só que o que aconteceu bem debaixo do nariz dele fez o homem tremer nas bases. Ele ainda estava naquela fase de dúvida entre vir ou não para São Paulo, e minha mãe angustiada porque, além da falta de condições, ela desconfiava de que estavam fazendo feitiço contra eles. Pois bem, um dia minha mãe acorda de manhã e vê, num canto do lado de fora da casa, um montinho de sal. Coisa muito estranha, imagine. Minha mãe ficou encafifada com aquilo, chamou meu pai, mas ele não se assustou. Ele disse: Isso deve ser coisa de criança. E não se falou mais no assunto. Passou o dia. Na manhã seguinte, adivinhe. Num outro canto da casa, haviam colocado mais um punhado de sal. Aí, minha mãe ficou desesperada. Falou: Não, é alguma coisa que estão fazendo. Precisamos tomar cuidado, tomar providências. Meu pai, sossegado, continuava com a idéia de que estavam apenas querendo brincar. Varreram o chão e pronto. Na terceira manhã, aí não deu mais pra tapar o sol com a peneira. Estava lá, novamente, outro monte de sal. À noite, meu pai se armou e ficou esperando, de tocaia, para ver o que acontecia – ele não ia deixar que fechassem o cerco da casa. Tudo quieto, lá as pessoas iam dormir muito cedo. E o meu pai lá. Tinha passado da meia-noite, quando ele viu um vulto se aproximando justamente do último canto, fechando o cerco da casa. Meu pai gritou, disse que iria atirar, e daí saíram correndo. Nunca ficaram sabendo o autor daquilo. Segundo minha mãe, foi aí que meu pai se convenceu de que eles tinham de sair de lá. Mas a vinda deles pra São Paulo eu conto depois, primeiro eu queria falar de como eles se conheceram. Os namoros lá no interior de Minas se resolviam muito rapidamente. Naquela época, era olhar, gostar e pedir em namoro pros pais. Se eles deixassem, pronto, acabou, estava feito. Se não, muitas vezes, os casaizinhos fugiam. Então, era uma coisa muito rápida – eu estou falando do final da década de 1920. Minha mãe era a oitava de 14 filhos e, adolescente, estava para entrar no colégio de freiras de Diamantina. No dia em que minha avó Maria José estava levando minha mãe para a matrícula, elas aproveitaram e foram a uma festa da igreja. E meu pai estava nessa festa. E diz que ele ficou olhando pra ela. Eles se interessaram de alguma forma um pelo outro, só que não deu para conversarem naquele dia, porque era muito difícil, ainda mais com a mãe por perto. Pois bem, passou o tempo e promoveram outra festa. Acontece que, dessa vez, era o meu tio Zé Maria, irmão mais novo do meu pai, que estava. Meu tio e meu pai, eles eram mais ou menos parecidos. Aí você já imagina... Minha mãe tinha visto meu pai só uma vez, então ela ficou olhando tanto pro meu tio que ele acabou se interessando por ela! Minha mãe contava pra gente que, na cabeça dela, ela pensava: Mas esse rapaz está diferente... Ela olhava e era isso que pensava, mais nada. Então ficaram assim, tirando linha, como se dizia naquela época, paquerando. No final, meu tio também não conseguiu conversar com ela, mas voltou para casa, todo gabola, falando pro meu pai: Affonso, eu conheci uma moça muito bonita hoje, e ela ainda vai namorar comigo. Aí meu tio foi descrevendo a moça pro meu pai que, atônito, respondeu: Não faz isso comigo, não, Zé Maria! Essa moça é minha! Começou a discussão porque, afinal, minha mãe também não era namorada dele. Não teve jeito: só restou meu pai bater em todas as portas pra saber onde morava a moça. Não é bonito isso? Só que minha mãe morava no Vau, a 20 km de Diamantina, de modo que meu pai ficou desiludido porque não a encontrava. Nem a conhecia direito, como poderia encontrá-la? O que aconteceu foi que, um dia, quando ele estava trabalhando, viu a minha mãe passar pela rua. E que sorte: estava sozinha! Meu pai largou o serviço e foi atrás dela, chamou. Minha mãe não sabia direito quem era, ficou confusa! E aí ele relembrou os fatos, falou que tinha gostado dela, e se ela queria namorar com ele. Minha mãe não podia: estava entrando no colégio, ia ficar um ano lá. Então meu pai disse que esperava. E esperou! Com certeza ficaram se vendo de alguma forma, se comunicando. Bom, ela saiu. E meu pai, mais do que depressa, foi lá e pediu para namorá-la. Dentro de pouco tempo se casaram. Meu tio Zé Maria? Se deu muito bem também: casou com Margarida, a tia Guida, que é mulher de valor. Tiveram quatro filhos. Três deles ainda vivem em Diamantina. E Diamantina, toda aquela região, é muito rica em histórias! O colégio em que minha mãe estudou, mesmo, já rendeu muitas. Algumas delas se referem ao Passadiço da Glória, que hoje é ponto turístico da cidade. É assim: o colégio de freiras ocupava duas ruas. Então, para que as freiras ou as noviças, ao passarem de um prédio para outro, não tivessem contato com o mundo, eles construíram um passadiço. É uma ponte, toda fechada, por cima da rua lembra um pouco a Ponte dos Suspiros, lá de Veneza, só que por lá passavam os condenados... E esse passadiço guardava histórias de fantasmas, era uma coisa muito rica! Dizia-se de um frade penitente que aparecia por lá à noite, a alma dele passava, ia e vinha pelo corredor. E também se dizia que o colégio fora construído por cima de uma antiga prisão de escravos, então se ouviam correntes sendo arrastadas, lamentos, cantigas de muito sofrimento. Ouvia-se até uma cavalaria passando pela rua, por debaixo do passadiço! Imagine, um galope de cavalos fantasmas no meio da noite! Isso não é uma beleza? Deve dar muito medo, mas deve ser fascinante! Eu me lembro da minha mãe contando todas essas histórias, esses “causos”. Ela não contava as coisas de um modo corriqueiro, como uma simples repetição. Quando ela contava, ela recobrava a emoção do momento, o suspense, os detalhes. Isso é uma característica preciosa do bom narrador. Ele não conta simplesmente o fato, ele revela uma experiência. Toda vez que narra o mesmo acontecimento, ele está eivado de toda a emoção do momento, de toda a clareza imagética, de como se deu o fato. Minha mãe era uma excelente contadora de histórias. Ha-via todo um colorido acentu- ado pela carga de crença e fé que ela tinha nessas histórias. Era uma pessoa que reunia na mesa grande lá de casa todo mundo. Desde crianças até os mais velhos, e ficavam todos olhando pra ela, prestando atenção. E o que tornava tudo mais interessante ainda era o fato de que tudo era possível na mente aberta dela. As coisas todas do mundo eram possíveis já que o mundo é o território do mistério. Ela sempre foi muito católica, nada disso era uma questão de misticismo. Isso faz parte da cultura, não quer dizer que a pessoa é menos ou mais inteligente, que é católico ou não. O mundo é parte do mistério. Isso dá uma liberdade de imaginação muito grande – onde faltam as explicações científicas, há riqueza de outro tipo de explicação. Então eu passei a minha infância num ambiente onde esse tipo de fantasia, de liberdade imaginativa, era coisa comum. Acontecem mistérios no mundo que nós não somos capazes de explicar. Coisas que estão fora do cotidiano. E a gente aceita ou não. Não é questão de crer, de ter como verdade científica. É questão de você aceitar. Para minha mãe era tudo verdade. Ela era de um lugar atrasado, perdido no mapa. Aliás, seu nome de solteira, Violeta Duval, era um topônimo! Eram de uma família do Vau, que virou Duval. O grande ator José Dumont, cearense, conta que o Dumont dele é um refinamento de “do monte”. Olha que interessante. O Brasil é cheio dessas coisas. Então lá, naquelas condições, eles tinham muito disso. Dessas crendices que eles aceitavam como verdade. Então, as histórias, para eles, eram muito palpáveis. Eu tenho certeza de que muito da minha paixão por contar histórias através do teatro, do cinema, da literatura vem daí, dessas histórias ouvidas na infância e juventude e que, recentemente, eu fui garimpar lá em Minas. E por falar nisso, acho que esse caminho que escolhi pra trilhar tem, também, muito a ver com o garimpo. Essa profissão meio incerta que é trabalhar com cultura e arte, escrever pra teatro. Não saber de fato se uma peça vai fazer sucesso ou não, se vai agradar ou não. Eu sempre imagino que isso tem a ver com o garimpo. Esse desprezo pela coisa mais certa, esse ape-go à coisa duvidosa. Poderia ser jogar ou poderia ser escrever – ou as duas coisas são equivalentes, como diz a Lygia Fagundes Telles. É o risco. Não é sorte. Porque no garimpo a sorte não adianta nada. O garimpeiro é um sujeito que planeja muito, ele tem que conhecer muito bem da geologia, na prática. Ele tem de saber onde se dá a formação do diamante, onde pode e onde não deve ter diamante; onde já foi lavrado e onde não foi; onde já foi lavrado pelos escravos, ainda no período colonial, e até onde os escravos não lavraram. Quer dizer, tudo isso o garimpeiro da velha tradição, da bateia, sabia. Os meus tios foram garimpeiros e eles sabiam. É um risco, sim, mas muito bem planejado, preparado. Até pra diminuir um pouco o tal do risco! É uma série de rios que tinham, e eram rios de ninguém. Hoje em dia já tem dragas, contratos. Hoje em dia ninguém mais garimpa. Naquela época eram os rios e pronto. E onde as companhias de mineração não atuavam, os garimpeiros exploravam o que havia sobrado da época colonial. Minha mãe contava que o irmão mais velho dela, meu tio Silvério, ia pra bem longe, lá pro Ribeirão do Inferno, garimpar. Ficava lá um tempo e voltava com diamantes, que ele vendia por um preço irrisório, que eram vendidos por um preço melhor pra Belo Horizonte, depois um preço melhor pra São Paulo, que vendia melhor pro contrabando. E com o que ele ganhava, podia ficar um tempo sem trabalhar. E ficava bebendo, na farra, comprava coisas pra comer e, quando o dinheiro terminava, voltava a procurar diamantes. Essa não é a minha vida, claro. Acho que o meu pai, com a valorização do trabalho que ele tinha, de uma atividade sistemática, me influenciou também. Mas o apego ao risco, que vem do garimpo, acho que fiquei com ele. Então vamos lá, falando em risco, contar da chegada da minha família em São Paulo, em 1947, trazendo a mesma esperança de tantos milhares de migrantes daquela época. Primeiro veio meu pai. Veio pro Bairro da Água Rasa, em São Paulo. Havia dois irmãos da minha mãe que já estavam levando a vida por aqui há algum tempo, mandavam notícia pra Diamantina, essas coisas. Já tinham até chamado meus pais antes, mas eles só se decidiram naquela hora, como eu falei. Meu pai veio procurá-los para começar a vida e ficou sabendo de São Bernardo do Campo, onde havia uma nascente indústria de móveis. Foi para lá, conseguiu um emprego e pôde chamar a família. Enquanto minha mãe permanecia em Diamantina, foi tentando vender as coisas, vender a casa. Ofereceu até pro Juscelino Kubitschek, que era conhecido deles, mas acabou vendendo pra outros. Em São Bernardo, eles moraram primeiro numa casa alugada, na Vila Baeta Neves. Lá eles tiveram o filho de número 9, minha irmã Maria Helena – a quem minha mãe deu à luz sozinha, já passados dos 40 anos, tiveram o número 10, eu. Eu nasci em 1952, em outra casa, na Rua Princesa Maria Amélia. Depois de um tempo compraram um terreno no Bairro de Nova Petrópolis, mais perto do centro. Centro é modo de dizer... São Bernardo era todo ele um arrabalde, um subúrbio bem longínquo de São Paulo! A rua principal, a Marechal Deodoro da minha infância, era de terra – eu acompanhei o calçamento – e as ruas em volta continuavam de chão batido. Eu até que nasci numa época mais tranqüila. Mas antes de eu nascer, eles passaram por maus pedaços – como na época da epidemia de varíola. Ainda moravam na Vila Baeta, por volta de 194950, quando surgiu uma epidemia de varíola na região. Contam que meu pai contraiu a doença que, naquela época, era muito perigosa. A bem dizer não existia médico em São Bernardo, as pessoas iam se tratar era com o farmacêutico mesmo, um tal de doutor Ismael. Morrendo de medo, minha mãe foi conversar com ele, contar o que estava acontecendo com meu pai, como ele estava. O farmacêutico falou: Fique quieta, não conte nada para ninguém! Pronto, minha mãe ficou mais assustada ainda. Nós vamos cuidar dele, mas silêncio absoluto! A saúde pública pode vir, pegar o seu marido e levar para São Paulo, deixar lá. E lá, pode contar que ele definha. Eu não sei até que ponto isso era medoterror ou era fato mesmo. Mas se a gente lembrar, as condições sanitárias daquele tempo eram muito precárias. Minha mãe ficou tratando dele com aquele monte de filhos em casa, uma doença altamente contagiosa! E ela costumava contar que no quintal havia um caquizeiro e um chuchuzeiro. Meu pai estava desempregado por causa da doença, e tudo o que a família comia era daquelas duas plantas, porque eles não conheciam ninguém por ali, então eles não podiam pedir nada. O chuchuzeiro deu durante toda a doença do meu pai, e quando ele sarou, a coitada da planta morreu... Minha mãe diz que foi a providência, que foi algum tipo de milagre. Sei lá... De novo, as histórias da minha mãe. Na minha infância, o ABC praticamente não existia, né? Ainda não existia nem esse termo: ABC. A região era constituída de cidades muito pequenas. As mais desenvolvidas eram Santo André e São Caetano do Sul. São Bernardo era praticamente uma vila na década de 1950, e o ramo mais importante do município ainda não era a indústria automobilística. Eu ainda era pequeno, meu pai comprou um terreno num outro bairro, o Nova Petrópolis, e ele e os filhos mais velhos, que eram três, começaram a construir uma casa. As minhas recordações mais intensas são de lá. Tenho muito boas lembranças de família grande. Um dos melhores momentos era no domingo, quando reunia todo mundo pra colocar a conversa em dia. Boas lembranças da casa sempre cheia, dos amigos dos meus irmãos que lotavam aquela casa pequena, apertada. Mas como a gente se divertia – todo mundo falando ao mesmo tempo, criança passando por entre as pernas dos adultos, porque não tinha espaço; aquela bagunça! As rodas de bordado das minhas irmãs com as vizinhas, preparando o enxoval pra um casamento que ainda não tinha nem noivo! E minha irmã Maria José, a Zezé, cantando o dia inteirinho os sucessos do rádio – Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Cascatinha e Inhana, Dalva de Oliveira, Vilma Bentivegna, Dolores Duran. Aquelas canções ecoam na minha memória, ainda sei praticamente todas de cor! Tudo aquilo era muito bom. Por outro lado, ser o irmão caçula tinha também suas desvantagens. Todo mundo achava que podia mandar em mim, por exemplo. Os irmãos mais velhos impunham, tudo bem, tinham autoridade. Mas até Agostinho e Maria Helena, poucos anos mais velhos?! A gente brincava junto e eles queriam mandar em mim? Eu ficava doido com isso, estava sempre brigando, sempre às turras. Lá em casa o valor do estudo era coisa muito importante, principalmente na cabeça do meu pai. Por questões sociais, educacionais, se achava que mulher não precisa estudar muito, ser alfabetizada já era suficiente. Os homens, porém, deveriam estudar o máximo possível. Meu pai, por exemplo, foi um homem que aprendeu as primeiras letras e, mais velho, já adulto, foi estudar mais. Como não tinha escola, ele pagava um professor particular. Todos os meus irmãos estudaram de alguma forma, a maioria fez faculdade de Direito, até porque era o curso que tinha em São Bernardo naquela época. Se tivesse uma USP por lá, talvez eles tivessem feito uma série de outras coisas. Meu pai gostava de ler jornal. Era eu que ia comprar pra ele: tinha 6 anos e descia até a banca da Rua Marechal Deodoro. Era um jornal chamado A Hora. Ele lia revista também. Em casa, quando eu era pequeno, tinha muito Seleções e livros do Clube do Livro, Tesouro da Juventude. Até os 9 anos, convivi com meu pai diariamente. Uma porque eu era o filho mais novo, e outra porque ele tinha um problema sério da perna, e tinha também doença de Chagas, de modo que os três anos finais da vida dele, ele passou em casa e pudemos estar juntos. Os filhos mais velhos já estavam trabalhando, deixavam o salário inteiro pra família, então ele podia ficar em casa. A lembrança que tenho dele é bastante nítida. Eu era meio que seu ajudante oficial. Em tudo o que ele fazia eu estava perto, conhecia todas as ferramentas com que ele trabalhava – tinha uma série enorme de ferramentas, que ele mesmo fabricava ou que comprava. Ele ia me pedindo as ferramentas e eu corria a pegar. Meu pai era uma pessoa muito afável, muito alegre. Uma lembrança que eu tenho é da autoridade dele. Ele tinha uma autoridade bastante grande, sem ser autoritário. Era uma autoridade boa, porque era de respeito, não de violência. Todos o respeitavam muito. Minha mãe podia gritar, falar, xingar, bater e isso era uma coisa. Se o meu pai xingasse, aí já tinha outro peso. A gente não gostava de levar bronca do meu pai, não. Porque a gente gostava muito dele. A gente gostava da minha mãe também. Mas era aquela coisa de mãe: ela bate, dali a pouco parece que não adiantou nada... Sempre me impressionou a autoridade que ele tinha sobre a família. Dele eu acho que carrego o valor fundamental do trabalho. Para minha mãe o valor fundamental era a fé, a religião – embora ela trabalhasse muito também. Mas, embora meu pai tivesse a crença dele, o valor fundamental era o trabalho. E aquela coisa que ele sempre insistia: capricho. Era preciso fazer a coisa com cuidado. Ele sempre falava: Olha o capricho! Então aquilo ficou na minha cabeça, de tanto que era repetido. Até como palavra mesmo, eu gostava do som: capricho. Lá em casa, todos os meus irmãos e eu, acho que herdamos isso do meu pai: o gosto pelo trabalho com madeira. E somos todos, de uma certa maneira, construtores. Serviço de pedreiro, carpinteiro, eletricista. A família inteira tem isso de meter a mão na massa. Meus irmãos mais velhos contam que meu pai teve muito problema de adaptação na fábrica de móveis. Ele era carpinteiro de fazer o móvel inteiro, de tirar a madeira no mato, cortar a madeira com o traçador, fazer as tábuas, desbastar com o enxó, pra depois fazer o móvel. Ele era um artesão mesmo. Foi difícil se adaptar na indústria porque aqui era um outro esquema de produção. Cada operário fazia uma parte do móvel, com a madeira disponível, e numa velocidade que impossibilitava o tal capricho artesanal que ele tanto prezava. Ele detestava, falava que estava fazendo “serviço matado”, quer dizer, feitos às pressas. E mesmo o serviço apressado dele era mais lento que o dos outros! Ficava frustrado. Hoje em dia, na nossa fase de revalorização do artesão, meu pai seria devidamente reconhecido, mas naquela época, não. Quando o problema da perna foi ficando mais grave, as dores eram muito fortes. Ele trabalhava o quanto podia e, quando ficava insuportável, contam que ele tinha que se esconder dentro de algum guarda-roupa pra descansar um pouco... Ficava escondido, pra não ser mandado embora... E acabou morrendo aos 54 anos, por causa da doença de Chagas. Minha mãe era bastante brava, rigorosa, forte – batia na gente com vara de marmelo. Ela chegava a assustar, mas muito a gente sabia que mere-cia e que, se não fosse assim, ela não ia conseguir dar conta de criar filho com responsabilidade, sem preguiça, trabalhador. Porque pobre tem bastante filho também porque sabe que vai precisar deles pra ajudar no futuro. São mais braços pra labuta... A única coisa que conseguia conter a minha mãe, nos momentos de braveza dela, era o meu pai. Ele continha na palavra. Quando ela estava batendo demais num filho, ele vinha e dizia: Chega, Violeta, com um tom de voz tranqüilo. Ela continuava querendo bater, mas não batia mais, só xingava, xingava, até se acalmar. Acho que essa braveza toda era uma questão de sobrevivência, porque no lugar em que ela nasceu, com aquelas condições precárias, gente de pele fina não sobreviveria. E isso, aqui em São Paulo, também era necessário. Aquele monte de filhos, como educá-los senão pelo rigor? E ela tinha aquilo que era da igreja: educar é corrigir os que erram. E naquele tempo a correção ideal era através do castigo físico. Então, ela aplicava esse princípio da igreja no couro da gente! Eu fui dos que menos apanharam. Minha mãe tinha alguns anteparos antes de chegar na surra em si: falava muito, xingava e, quando não tinha jeito, ela sentava a mão. Batia por várias coisas: se não obedecesse, se estivesse batendo no irmão, se não quisesse trabalhar, se chegasse fora de hora. Se marcasse 9 horas, tinha de chegar às 9 horas. Às vezes ela cuspia no chão, e falava: Você vai a tal lugar, se chegar depois do cuspe secar, você apanha. A gente ia correndo! Uma vez ela fez isso comigo, eu era novinho. Graças a Deus ela cuspiu num lugar com sombra. Se cuspisse ao sol eu estava ferrado! Tinha uma coisa, que é preciso reconhecer: Dona Violeta trabalhava demais. Da madrugada até a noite. Tá certo que minhas irmãs mais velhas ajudavam, mas o mais pesado era pra ela. Levantar, limpar a casa, lavar, passar. Fazer comida pra 12 pessoas, em fogão de lenha, almoço e janta, sete dias por semana! Essa foi a vida dela até mais ou menos 60 anos! Trabalhar e rezar, o dia todo e à noite. Rezava ajoelhada, queria que todos rezassem com ela, de rádio perto do ouvido. Ela amansou conforme foi envelhecendo, se tornou mais alegre até. Porque ela não era carrancuda, mal-humorada, ela também ria muito, sabe? E como gostava de circo! Um dia me levou a uma sessão que vai ficar guardada pra sempre na minha memória. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos e, naquele tempo, os circos apresentavam peças de teatro também, melodramas, em geral. Naquela noite eles estavam contando uma história de paixão: um homem casado tinha uma amante e ela queria que ele abandonasse a esposa. Então ele resolve matar a mulher, olha que coisa. Só que, pra complicar, a mulher estava grávida! E o pessoal do circo usou um recurso tão interessante, que ficou impresso na minha retina e acho que foi o que me fez decidir, mais tarde, pela carreira teatral. Pra mostrar a cena do assassinato, eles usaram sombra chinesa. Então, o marido e a mulher grávida, iluminados por trás do pano branco, lutavam, agigantados pela luz. De repente, ele pega um punhal e começa a golpear a esposa na barriga! Aquilo foi um choque, eu fiquei com uma vontade enorme de chorar porque foi um impacto emocional. Como o teatro pode impressionar tão fortemente o espectador?... Pois é, minha mãe, aquela mulher brava, que se encantava com o circo, foi amansando na velhice. Mas nunca amansou completamente – nem no leito de mor te, aos 90 anos. Era uma noite de terça-feira, fomos visitá-la, pois estava muito debilitada, num vai e volta do hospital, aquelas coisas. Estava na casa do primogênito, Dirceu, assistida por minha irmã Zezé. Deitada na cama ela rezava, como fazia direto já há alguns dias. A reza contínua era entrecortada por suspiros e gemidos de cansaço e arfar de descômodo. Falei a ela, respondeu algumas palavras, mas não sei se me reconheceu. Nos últimos dias, embora estivesse lúcida, tinha alguma dificuldade de concentração. As longas conversas, as histórias e acontecimentos – que gostava de contar com clareza cristalina – eram decididamente coisas do passado. A memória, com certeza, ela ainda guardava intacta, mas era incapaz de transmiti-la. Os noventa anos de vivência e luta, medos e conquistas, estavam, agora, irremediavelmente presos nela e com ela se perderiam. Pois bem, eu ia falar da braveza dela até nos momentos finais. Fazia muito calor naquela noite. Sem que ninguém percebesse, ela se molhou toda com a água do copo, para se refrescar. Ao ser aconselhada por minha irmã para trocar a roupa molhada, ela respondeu que não trocaria. Minha irmã insistiu: A Jacira pegou pneumonia semana passada! Dona Violeta: E daí? Problema dela. Eu não sou a Jacira! Vê se pode! Zezé, que tomava conta dela há anos, quis tentar tirar a camisola de minha mãe à revelia. Essa hora foi demais. Minha mãe perguntou com um resto de autoridade: Quem é que manda aqui? Zezé deve ter lembrado das broncas levadas quando era pequena e se calou. Vocês estão fazendo isso comigo porque eu não posso falar direito. Estou sem dentadura. Se eu estivesse com ela eu mordia vocês! Isso num fiapo de voz. E o que pareceria engraçado em outra circunstância, agora se tornara motivo de profundo respeito. A velha onça sabia que a hora estava chegando. E se tinha levado a vida nos dentes, queria enfrentar a morte da mesma maneira... Capítulo II Cuidado Com o Que Você Quer de Coração Tempos atrás, nas famílias grandes e religiosas, era comum dedicar o filho mais novo a Deus, já que os mais velhos eram dedicados ao trabalho. Mas acho que não foi por isso que resolvi entrar no seminário. Aconteceu assim: eu estava no quarto ano primário, quando apareceu um frei franciscano no meio da aula dizendo que estava em busca de vocações sacerdotais. Ou seja, ele falou um monte de coisas e, no final, perguntou se alguém ali queria ir pro seminário. Aquilo bateu em mim, e eu sabia por quê: desde pequeno, quando as pessoas perguntavam o que queria ser quando crescesse, eu respondia que queria ser padre! Engraçado, né? Eu já tinha passado por uma série de etapas na igreja. Quem tem família católica se lembra como era: tinha feito a primeira comunhão, tinha sido coroinha, cruzado, congregado mariano (as mulheres viravam Filhas de Maria). Com toda essa base religiosa, quando o padre perguntou, eu levantei a mão, orgulhoso. Eu e mais três colegas. Minha mãe adorou a idéia, óbvio, e aos 11 anos, fui estudar para padre. Era domingo. Tomamos o ônibus minha mãe, meu irmão Fernando e eu, com a minha malinha de roupas no colo. Me lembro até hoje do dia em que cheguei lá! Fiquei apavorado com o que vi! Eu tinha uma idéia do que seria um seminário, já havia visitado um em São Roque, no interior de São Paulo - lugar afastado, tranqüilo, arborizado, gostoso. Quando passamos em frente ao lugar, Fernando falou: É aqui. Me deu um aperto no coração! Era um prédio enorme, de cimento, todo fechado, numa avenida movimentada. Meu Deus do céu pensei, agora não dá mais para voltar atrás. Isso é uma prisão! Chamava-se Seminário Seráfico. Ficava no Bairro Parque Oratório, em Santo André. Um padre veio nos receber com uma certa solenidade. Entrei, com medo, o coração na boca. Sabe quando parece que as pernas travam? E ele foi levando a gente lá pra dentro, pra conhecer. Aquele silêncio. Pegamos um corredor escuro, comprido. Uma luzinha no final que não chegava nunca! Aquilo pra mim era a imagem da morte, né? Mas vá ouvindo. Você não imagina o que tinha no fim daquele corredor! Quando eu vi aquilo, queria que minha mãe fosse embora logo porque eu queria mesmo era ficar ali pra sempre! Aquilo era a vida – um lugar aberto, um pátio enorme, muita luz, e do outro lado, a minha tradução de paraíso: um campo de futebol! O seminário me conquistou pelo futebol! A partir dos 11, 12 anos, a gente vive em turma, né? E lá tinha muito moleque, muito mais do que na rua, com a vantagem de não ter briga! Já imaginou? Aquela coisa, de todo mundo ser do meu tamanho, dava uma sensação de conforto muito grande. E o seminário, em alguns aspectos, era bem parecido com uma escola comum. Uma das principais diferenças é que a gente ficava lá em tempo integral. Os familiares só nos visitavam no segundo domingo de cada mês e a gente só ia pra casa nas férias de dezembro. O resto do tempo era bastante dedicado ao estudo, mas tinha diversão também. Era assim: a gente acordava às 6 da manhã e fazia ginástica logo cedo, seguida de banho, nos chuveiros coletivos. Todo dia antes do café da manhã tinha missa, onde eu rezava pra que caísse uma praga que acabasse com todo o leite de soja do planeta. Eu detestava e era obrigado a tomar! Bem, das oito até o meio-dia eram as aulas. Ao meio-dia almoçávamos, e aí tinha um recreiozinho de mais ou menos uma hora, pra depois a gente estudar de novo até mais ou me-nos as três. Tudo isso era a obrigação. O melhor vinha depois, quando dividiam-nos em turmas dos pequenos, médios e maiores e cada turma tinha o seu dia de jogar bola. Segunda-feira era o nosso dia. Aí era tomar banho, jantar lá pelas seis e meia, brincar um pouco e ir pra cama às nove. No sábado, depois da faxina que fazíamos no seminário, passávamos na lavanderia pra pegar nossas roupas lavadas e passadas. Cada um tinha um número, costurado nas peças com etiquetas. Até mais ou menos os 15 anos, foi essa a minha rotina. A rotina do número 23. Dentre os professores, eu gostava muito de uma de Latim e História, uma velhinha simpática e boazinha. Todo mundo tirava sarro de mim, dizendo que eu era o namorado da Dona Mariana. Também pudera! A única presença feminina que tínhamos lá tinha de ser prestigiada! Lembro de vários outros também, frades ou seculares: o primeiro reitor, frei Jerônimo; o frei Orozimbo, professor de religião, com sua fala engraçada, cantada, de quem não pronunciava direito o português. O frei Francisco, que me chamava de Gigio, e admirava o meu futebol. O padre José, que tinha servido como sargento do exército italiano e nos contava histórias da Segunda Guerra. Mais tarde entrou o frei Luís Favaron, que era o refresco da molecada porque era mais jovem, mais próximo de nós, contrastando com o autoritarismo do segundo reitor que apareceu por lá. Era muito alegre, brincalhão, dificilmente se irritava com alguma bobagem que seminarista fazia. Um episódio inesquecível aconteceu com o frei Vincenzo, nosso vice-reitor. Pois bem, lá no seminário nós adotávamos o método Yázigi. Estudávamos por um tipo de revistinha, parecida com história em quadrinhos, toda em preto e branco, e cheia de figuras. Acontece que muitas das historinhas se passavam em Miami, ou seja, na praia... O frei Vincenzo era famoso por jogar futebol de batina, dado o seu acanhamento. Então, imagina quando ele viu todas aquelas mulheres desenhadas, de biquíni! Deve ter sido um escândalo na cabeça dele. Pois não é que teve a pachorra de ir desenhando, com nanquim, revista por revista, a roupa de todas as mulheres? E era muito bem desenhado, tan-to que a gente demorou mais ou menos uma semana pra descobrir a arte dele! E quando a gente descobriu, em vez de estudar inglês como se deve, a gente ficava olhava praquilo, num esforço de imaginar as moças todas – sem biquíni... Eu era tido como bom aluno, comportado, acho que com um perfil ideal pra seguir carreira de padre. A minha saída de lá foi por uma questão hormonal. Cheguei na adolescência, 16 anos, comecei a ver as coisas de outra maneira. O celibato, por exemplo, começava a ser questionado. De um lado foi isso, e de outro também foi por causa do desencanto com relação àquilo tudo, não estava acreditando mais; via coisas lá dentro com as quais não concordava, achava que muitos padres falavam muito, mas praticavam pouco a sua fé. Em 1968 a direção decidiu que a nossa turma iria fazer os estudos regulares fora do seminário, “no mundo”, como eles diziam. Fomos estudar no Américo Brasiliense, escola estadual no centro de Santo André. Na mesma classe caímos eu e mais um colega, o Vladimir. Então, no meio do processo, achei que não valia a pena continuar, resolvi cair fora. Minha mãe não gostou muito da idéia, mas aceitou. Minha saída do seminário aos 16 anos foi bastante complicada. Primeiro, não tinha mais amigos, já que ficara quatro anos interno. Me sentia completamente sozinho pra enfrentar o mundo porque, além de tudo, eu era uma pessoa muito calada, extremamente tímida, tanto que passei um bom tempo em casa enquanto estudava no Américo. Um ano depois, quando fui pro João Ramalho, comecei, lentamente, a me enturmar. Fiquei lá dois anos, 1969 e 70, fazia o curso chamado Clássico, porque não gostava de Matemática e consegui fugir dela. Comecei a fazer algumas amizades: Cláudio, Alda, Maria Augusta – com quem eu viria a me casar e ter minha primeira filha, Vanessa. Era uma turma que gostava de teatro, de música. Fizemos um showzinho estudantil, até. O Mário César Camargo, hoje ator, tocava e cantava e eu fazia papel de um PM que tentava impedir que as macacas de auditório chegassem até os cantores. Acho que essa foi minha primeira experiência com teatro... Na verdade, alguns dos meus irmãos tinham feito parte do grupo de teatro Regina Pacis, então eu já sabia mais ou menos como era. E no seminário tinha visto algumas representações – inclusive uma Paixão de Cristo com o Antonio Petrin! Quando era pequeno queria fazer cinema, filme de caubói. Fazíamos aquelas caixas escuras e ficávamos andando pela rua, tentando ver a imagem projetada ao contrário dentro da caixa, através do furo. Enfim, apesar de muito tímido, comecei a gostar daquele ba rato de representar. Terminei o colegial e logo depois me casei, com 19 anos. Tinha de ganhar a vida, né? Como ia sustentar a casa fazendo teatro? Arrumei emprego no faturamento de uma empresa de vidros, a Wheaton. Trabalhava o dia inteiro, às vezes no final de semana. Eu já tinha trabalhado antes, mas era diferente, eu era solteiro, então não tinha todo aquele compromisso. Tinha sido office-boy na Jacuzzi, uma empresa de bombas pra piscina, e no Banco Minas. Depois disso fiquei um tempo parado, quis seguir carreira de hippie, fui pro festival de música de Guarapari – aquela tentativa de Woodstock tropical. Todas essas coisas de moleque ficaram pra trás quando a Vanessa nasceu. Mas de uma coisa eu não que-ria abrir mão: o teatro. Então a gente ensaiava à noite. Ficava doido da vida porque às vezes ficava lá até as duas da manhã, e tinha de entrar às sete para trabalhar! Mas valia a pena porque era um grupo fora de série, pessoas com quem tenho amizade até hoje. Era o grupo do Centro Cultural Guimarães Rosa, em São Bernardo. Foi assim: alguns ex-alunos mais antigos que eu no João Ramalho, interessados em cultura, haviam fundado o tal centro, num espaço doado pelo poder público. A turma que eu não tivera na escola, eu formei lá, fazendo teatro e fazendo capoeira. Aprendi capoeira com o Paulo Roberto Duarte, o Paulinho, irmão do Mané, com quem eu fazia teatro. O Cláudio Louceiro, a Alda, a Maria Augusta e o Mário César também foram pra lá. E vem daquela época a amizade com o Roberto Barbosa, que hoje é gerente de unidade do Sesc; com o Calixto de Inhamuns, dramaturgo e dire-tor, cheio de histórias, e que teve uma importância muito grande pra minha carreira de dramaturgo; com os irmãos Primo e Noemi Gerbelli; com o Ednaldo Freire, parceria que começou nos tempos de teatro amador e que permanece até hoje com a Fraternal Companhia de Arte e Malas-artes. Enfim, gente com quem mantenho laços fraternos, com quem dou risada sempre que lembro daqueles tempos em que o Teatro tinha de suportar um ator medíocre como eu... O primeiro trabalho que fiz no Centro Cultural foi A Exceção e a Regra, do Brecht, com direção do Mário. Eu consegui ser escalado pro papel do comerciante; tinham também o carregador, o juiz, a estalajadeira, a mulher do carregador. E o guia da nossa caravana que estava no deserto, andando centenas de quilômetros, era um colega chamado Isaías. Só que tinha um detalhe: o Isaías tivera um problema de paralisia infantil, de modo que a tal caravana, que já estava numa situação crítica, tinha como guia um homem que era manco! Devia ser muito engraçado, hoje a gente ri, mas na época a gente achava isso muito sério e cheio de conotações. Pra nós, fazer aquele Brecht era uma forma de ativismo político. Porque naquela época estava se iniciando a guerrilha urbana, com algumas ramificações pelo ABC. E eu, recém-saído do seminário, estava sentindo os primeiros ecos do mundo, da grande rebeldia que estava havendo no mundo inteiro e que, agora, repercutia naqueles arrabaldes onde vivíamos. Queríamos fazer parte dessa luta com a nossa caravana, inspirados pelo Teatro de Arena que, naquele período, estava encerrando sua caminhada. Depois da montagem do Brecht, emendamos A Revolução dos Beatos, do Dias Gomes, com direção do Sérgio Rossetti. Lá eu acho que comecei a encarar com mais seriedade e consciência o trabalho do ator: dicção, concentração, objetivos em cena, relação entre palco e platéia, essas coisas. Antes, apesar de ler e estudar muito, eu era um “emissor de texto” e pronto. Em seguida, Roberto Vignati nos dirigiu na montagem de Tempo dos Inocentes, Tempo dos Culpados, de Sigfried Lenz – outra peça política, que denunciava claramente a repressão e a ditadura. Dessa vez fizemos seminários, estudos, foi uma coisa bem séria. E também tivemos contato com outro recurso, popular na década de 1970: o laboratório. Quem se lembra daquilo?! Ensaios com todo mundo pelado; investigação das emoções – quem não chorasse é porque tinha sérios problemas emocionais – gritos, gente se arrastando pelo chão... Uma vez, ficamos confinados numa fazenda abandonada no município de Boituva, em São Paulo. A proposta era que vivenciássemos experiências de perseguição, delação e tortura – deveríamos fazer prisioneiros, denunciar esconderijos, simular situações de violência. Só que sempre tinham aqueles que faziam a coisa pra valer... Então um deles, o Ailton, se escondeu tão bem que ninguém conseguia encontrá-lo. Horas e horas procurando, chamando e ele não respondia! Fomos ficando temerosos, irritados - aquilo já estava ficando real demais... De repente o Mané grita: Achei! Achei! O bicho estava encarapitado no alto de um eucalipto! E quem disse que ele descia? Chamávamos, dizíamos que o laboratório tinha acabado, o próprio diretor deu ordem pra ele descer. Nada. Aquilo é que era devoção ao papel! Até que o Mané teve a “brilhante idéia”: fazer um archote com jornal e ficar atiçando o colega até ele descer! Não é que deu certo? E na hora que o Ailton pulou, fizemos questão de retomar nossos personagens e o levamos pra sessão de tortura – agora com um sabor a mais... Engraçado, todos os anos nos reencontramos pra confraternizar, mas não tivemos mais notícia do Ailton. Por que será? Para a montagem de Tempo dos Inocentes, Tempo dos Culpados mudamos o nome do grupo para Doces e Salgados, numa referência ao Jornal da Tarde que, durante a ditadura, publicava receitas culinárias no lugar das notícias proibidas pela censura. Período muito produtivo aquele. Levamos a peça por dois anos, de 1973 a 1975, e aí eu tive de dar uma parada com teatro. Foi uma fase, digamos, intermediária – estava desempregado, o casamento estava por um fio e eu ainda não sabia direito o que queria da minha vida... Fui para o jornalismo. O Mário César, que era redator no jornal A Gazeta de São Bernardo, tinha gostado de um conto meu e convidou pra trabalhar com ele, como redator e revisor. O conto se chamava Plaza Manzon, sei lá onde foi parar... Foi o primeiro conto que comecei e fui até o fim. Todo existencialista, falava de um jovem meio perdido numa ditadura e que acabava morrendo fuzilado pela repressão! Bem, logo depois que eu entrei, a Gazeta demitiu todo mundo e lá vou eu mostrar o meu conto, dessa vez pro Celso Lungaretti. Bingo de novo. O jovem fuzilado me abriu as portas pra agência Lemos Brito, onde trabalhei como redator de promoções e assessor de imprensa. Mudei de emprego e me separei. Sem ter para onde ir e sem querer voltar pra casa da mãe, “acampei” por uns seis meses na quitinete do Celso, na Avenida 9 de Julho. Agora podia retomar o teatro. O Ednaldo me chamou. Ele, a Maria Taboão, a Terezinha e o Roberto queriam fazer uma peça a partir da pesquisa sobre o problema de grilagem de terras em Itaquaquecetuba, devido à construção da Rodovia dos Imigrantes. Pesquisamos e escrevemos o texto, chamava-se Guatá km 38. Foi minha primeira experiência de dramaturgia porque todo mundo colaborou, mas a maior parte do texto fui eu que escrevi. Tinha muito do engajamento daquele momento, estávamos animados em dar a nossa contribuição! O Jorge Andrade estava coordenando o Departamento de Cultura de São Bernardo naquela época e o nosso diretor, Sérgio Rossetti, levou o texto pra ele ler. Maniqueísta, foi a sentença. Eu fiquei muito frustrado, mas ele tinha razão. O texto acabou indo pra gaveta. Decidi estudar Jornalismo – poderia ganhar dinheiro escrevendo, que era o que eu gostava. Então, em 1977, prestei vestibular na Faculdade Metodista de São Bernardo e passei. Escrevi mais alguns contos e uma nova peça, dessa vez sozinho: A Estranha Lógica de Antonio Craveiro, que mesclava diálogos e poemas. Naquela época eu estava morando com o Ednaldo, o Calixto e o Cláudio Campana no Bairro Jardim, em Santo André. A gente chamava o lugar de favelão, porque você imagine quatro marmanjos relaxados dividindo uma casa, com dinheiro que só dava pro aluguel. Comer? De vez em quando. Uma noite, chegamos em casa mortos de fome e vibramos com a panela de pressão fechadinha em cima do fogão. Preparamos a mesinha, pegamos prato e colher e fizemos fila. Quando abrimos a panela, o Ednaldo tirou de dentro uma cueca ensopada! O Calixto tinha colocado a cueca na pressão pra lavar! Como pudemos sobreviver a tudo aquilo?... Eu tinha saído da Lemos Brito e me mantinha com alguns trocados que ganhava dando aulas de xadrez em Mauá, no ABC. Embora jogasse bem, aquilo era uma piada. A Prefeitura me contratara como instrutor, eu deveria preparar os alunos para competirem nos Jogos Regionais. Muito bem. Primeiro jogo: 4 X 0. Pros adversários. Não vamos desanimar! Ainda temos mais dois jogos pela frente, o importante é competir! Segundo jogo: 4 X 0. Terceiro jogo, idem. Definitivamente, eu jamais ganharia a vida como instrutor de xadrez. Mas o que fazer? Eu gostava de teatro, mas que caminho tomar? Tem uma frase do Ralph Waldo Emerson que eu gosto muito e que diz, mais ou menos, assim: Toma muito cuidado com o que quer de coração, pois você está arriscado a conseguir.  Já estava com 25 anos e aquela indefinição chegou no seu ponto máximo. Então eu me dei um ultimato: ou eu assumia a carreira profissional e séria em teatro, conquistando um lugar e um trabalho sistemático, ou eu desistiria de vez. O prazo: cinco anos. Capítulo III Um Dramaturgo de Verdade Não terminei o curso de Jornalismo. Parei no último semestre, bem na reta final. Sabe aqueles dilemas que de vez em quando a vida coloca na nossa frente? Foi isso o que aconteceu. E, no meu caso, não foi tão difícil decidir. Depois que eu abandonara a promissora carreira de instrutor de xadrez, me empreguei como assessor de imprensa na Prefeitura de Ribeirão Pires – sem nem imaginar que anos depois voltaria pra lá, como morador. Ednaldo e Calixto, naquela altura, estavam trabalhando no Grupo de Teatro Mambembe, em São Paulo. Nós ainda morávamos juntos e eu cheguei a escrever uma cena pra eles, baseada no tema da inflação. O projeto não foi pra frente e eles montaram Vem Buscar-me que Ainda Sou Teu, texto do Soffredini, dramaturgo oficial do grupo. Dois anos se passaram e, em 1979, aparece uma nova oportunidade: Soffredini tinha se mudado pra Bahia e o Calixto me chama pra escrever a próxima peça do Mambembe. Dessa vez seria pra valer. Foi um dilema... Eu estava mais uma vez desempregado e voltara pra casa da minha mãe. O diploma de Jornalismo me daria ao menos perspectivas de um trabalho regular. Concluir a faculdade ou aproveitar a oportunidade de escrever para um grupo profissional? O ultimato martelava na minha cabeça. Respirei fundo e decidi: o teatro. De vez em quando me arrependo de não ter concluído o curso superior, principalmente porque gosto muito de lecionar e isso poderia abrir meu caminho na Universidade. Mas acho que foi uma decisão acertada. Me entreguei de corpo e alma para aquele projeto e foi graças a ele que iniciei minha carreira pro-fissional de dramaturgo. A peça se chamou Foi Bom, Meu Bem? e o tema era sexo, ou melhor, a vida sexual do brasileiro. Todo animado optei por começar com uma cena bem simbólica, séria, tratando do mito do andrógino, aquela coisa toda. Fracasso total. O grupo não gostou, achou que não era muito teatral. Resolvi mudar de rumo, dar um apanhado histórico sobre a sexualidade. Acho que eles pensavam: quem trouxe esse cara, hein? Ninguém gostou, era muito teórico. Fiquei balançado mesmo! E o Calixto me apoiando: vai dar certo, continua escrevendo, não se preocupe, eu garanto. Foi aí que tivemos um estalo: por que não trabalhar com base na nossa própria vivência? Dessa forma, cheguei a uma idéia de trabalhar infância, adolescência e vida adulta. Aí começou a dar certo, eles achavam as cenas engraçadas e eu descobri que sabia fazer comédia. Aprendi muito escrevendo Foi Bom, Meu Bem? Percebi, na prática, por exemplo, que uma estrutura prévia é muito importante. Antes eu ia escrevendo conforme as idéias iam surgindo. Isso não é nada produtivo! Então eu fui relacionando os tópicos que queria trabalhar, fui cercando o universo, o tema, de modo a ter controle sobre o resultado. Até hoje eu começo uma peça pela estrutura, pelo enredo, que é o conjunto de ações – diferente de sinopse e de historinha. Quando queremos fazer uma viagem, traçamos um roteiro, determinamos o ponto de partida, algumas paradas, o destino. Em dramaturgia é a mesma coisa. Digamos que, antes de Foi Bom, Meu Bem?, eu fazia viagens sem planejamento, então às vezes a gasolina acabava antes da hora, eu ficava perdido, o lugar em que chegava não era tão legal como eu (não) tinha sonhado. E, veja bem, planejar não quer dizer fechar completamente! Não! Porque você planeja, estrutura as ações apenas. Na hora de escrever as cenas você pode voar o quanto quiser. Muitas vezes o personagem é que te leva e você tem de brigar com ele porque não devemos ter domínio absoluto dos personagens. É bom quando eles querem falar sozinhos, desobedecer, confrontar o autor! Aprendi também que a gente escreve o que ouve. Teatro é oralidade e não literatura. Outra coisa: aprendi realmente a trabalhar em grupo. Escrever sozinho, no gabinete, como se diz, é uma coisa – você demora o tempo que quiser e, na maioria das vezes, não tem perspectiva de montagem. Com um grupo é diferente: o dramaturgo escreve quase que concomitantemente ao trabalho do elenco, é uma coisa muito mais viva, porque o grupo sugere, comenta, ri, não gosta, cobra. E o dramaturgo pode cobrar também, pode pedir sugestões e complementos. E o melhor de tudo: tem mais chance de ver o seu texto encenado, corporificado. O apoio dos amigos foi muito importante naquela fase. E não foi só apoio de tapinha nas costas, não! Eu era um cara que estava apostando num trabalho, sem remuneração, e ficava mergulhado naquilo 24 horas por dia – como iria arranjar dinheiro? Então os amigos me alimentavam! Comi um tempão na casa do Roberto e da Amélia; a Dona Santa, mãe da Maria do Carmo, atriz do grupo, cansou de me fazer frango com quiabo e angu; o Calixto de vez em quando ia jogar pôquer pra conseguir dinheiro e sustentar os amigos! Mas acho que consegui recompensar a todos – quando a peça estreou foi um tremendo sucesso. As primeiras sessões, com casa lotada, já pagaram a produção e garantiram nossa temporada em São Paulo. O público adorava, ria. É uma das peças de minha autoria que mais se montam no Brasil. Mais de 20 anos depois de escrito, aquele panorama da sexualidade do brasileiro parece continuar atual... Ganhamos dinheiro com a peça e partimos para um próximo projeto. Dessa vez o Mambembe queria falar sobre o movimento operário. Muitos de nós éramos do ABC, tínhamos trabalhado em fábrica pelo menos uma vez e, se não bastasse, era um assunto do momento por causa dos sindicatos, das greves. Fizemos uma pesquisa bastante aprofundada, estudamos toda a formação do movimento anarquista, muitos livros e documentos. E fomos falar com as pessoas também, quem tinha vivido os fatos. Entrevistamos antigos operários e sindicalistas e um desses encontros vai ficar marcado pra sempre em mim. Calixto e eu fomos conversar com um senhor, nascido em 1917, um dos fundadores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Ele nos contou sua vida de migrante nordestino, suas diversas prisões, a situação difícil em que se encontrava, sem dinheiro, morando num barraco. A esposa a tudo escutava, atrás da cortina que separava a sala da cozinha. Escutava em silêncio, até a hora em que ele disse que tivera dez filhos. Ele fala que teve dez filhos porque não teve de parir dezessete!, ela gritou de lá de dentro e foi entrando na sala, chorando, e pedindo pra falar também. Então nós tivemos toda a história de novo, só que do ponto de vista dela, da esposa, da mãe que perdera sete filhos, que tentara criar os outros sem dinheiro, mendigando comida, porque o marido vivia preso, metido em política. Ela detestava política, se revoltava contra o marido, mas, ao mesmo tempo, sentia um orgulho tão grande daquele homem! Até hoje me emociono quando lembro daquele dia. É isso que eu chamo de “imagem forte”. Uma experiência, uma imagem que nos toca e nos comove, é isso que devemos transportar para o teatro. E devemos também trabalhar a humanidade, mais do que a pesquisa teórica. Nós tínhamos material sobre operários italianos, nordestinos e mineiros; nossa pesquisa abarcava o período de 1900 a 1980. Foi difícil delimitar o universo da próxima peça. Depois de muitas idéias, muitos planos, decidimos centrar a história numa família italiana e descrever sua trajetória até 1945. Desse recorte resultou a primeira versão de Bella Ciao, em 1981. Mas o Mambembe não gostou do texto – acho que eles estavam mesmo ligados em comédia – e o Calixto saiu do grupo. Pronto, pensei, minha segunda peça profissional vai pra gaveta... Mas aí aconteceu uma daquelas coisas bem mirabolantes e eu tive de escrever um outro texto, a toque de caixa. Foi assim: O grupo recebeu uma verba oficial e tinha de montar um espetáculo em 60 dias ou deveria devolver o dinheiro. Queriam uma comédia, não tinham texto, resolveram me chamar. E já que era um projeto pra ontem, por que não usar parte da pesquisa sobre o movimento operário? Ótimo. Dessa vez falaríamos sobre a migração interna – um moço do interior que chega na cidade grande, São Paulo, conhece gente de tudo quanto é tipo e, aos trancos e barrancos, torna-se operário. Depois de bater muito a cabeça pra encontrar uma estrutura adequada pra peça, cheguei ao teatro de re-vista – essa seria a melhor maneira de contar a história do caipira que se torna urbano. Pronto, eu já tinha os personagens, que são mais importantes numa comédia do que propriamente o enredo, e a forma. No começo, eu ia dando as idéias e o grupo improvisava. No final, com o tempo se esgotando, o Ednaldo ficava ensaiando os atores e eu escrevia o texto, sozinho, e ia mandando pra eles. E eram tantos personagens, meu Deus! E só seis atores! Chegava uma hora que eu mesmo me confundia. Quando fui ver o ensaio geral, lá no Teatro de Arena, disseram que eu precisava mudar o final! Mudei naquele mesmo dia! Cala Boca já Morreu! estreou na marca do pênalti, o juiz já estava apitando o encerramento da partida! E foi tão bom, porque foi um desafio e nós vencemos. Em vez de ficarmos lamentando a falta de tempo, fomos à luta. Aprendemos que, em vez de sofrer pelo que não havíamos conseguido fazer, devíamos comemorar o resultado – o melhor resultado que fora possível alcançar. Engraçado que esse tipo de trabalho emergencial acabou me dando prazer! Volta e meia faço isso, seja nas aulas, seja nos espetáculos em que atuo como dramaturgo. É uma atividade a que chamo de “dramaturgia da cena”. Por exemplo, estou acompanhando os ensaios de determinado grupo e construindo, com eles, a dramaturgia. Proponho, o grupo encena, eu vejo, nós discutimos. O grupo sugere coisas, eu comento outras e reescrevo. Esse processo pode durar até qua-se perto da estréia. Nesses momentos, quase sempre sou chamado pra assistir aos ensaios finais e, diante do espetáculo quase pronto – com luz, som, figurino, cenário –, interferir dramaturgicamente. Às vezes, alteram-se apenas detalhes. Porém há casos em que, depois da visão do con-junto, percebe-se a necessidade de alterações drásticas. Então eu tenho de, no prazo de algumas horas, refletir, escrever e propor soluções ao grupo. A experiência contra o relógio do Cala Boca já Morreu! estava antecipando o meu futuro... Bella Ciao acabou sendo montada em 1982, pela Companhia Arte Viva de Teatro, criada pelo Calixto. A direção ficou por conta do Roberto Vignati. Trabalhei numa segunda versão e, mesmo durante os ensaios, eu ouvia muito o diretor, e fui descobrindo algumas coisas que me são caras até hoje. O trabalho com a imaginação do público é uma delas. A cena não precisa estar acontecendo na frente do espectador, o tempo todo. O ator pode levar o público a imaginar cenas, acontecimentos. Sua emoção ao relatar pode emocionar também quem o escuta. Isso libera o dramaturgo de cenas muito grandes ou difíceis, com muita gente; uma greve, uma batalha, uma morte, por exemplo – os autores trágicos e Shakespeare faziam isso. O ato, o acontecimento, em si, é o que menos interessa à dramaturgia. Os gregos colocavam a morte fora de cena, porque o ato é menor que o processo, é menor que a imaginação. A boa peça é aquela em que o espectador fecha os olhos, mas não se distrai do espetáculo, continua imaginando. Nesse caso, penso também que se deva valorizar as imagens, as metáforas, em vez de ficar colocando conceitos nos diálogos ou jogando palavras fora. Não existe nenhum eu te amo em Romeu e Julieta, nem estou morrendo de ciúme em Othelo... Duas peças estreando próxima uma da outra e o que era melhor: o público adorando. A crítica também elogiou os trabalhos. Pela primeira vez eu me sentia realmente um dramaturgo. Ou seja, o ultimato que havia me dado valera a pena. Mais uma fase produtiva – e nada convencional. Eu saíra da casa da minha mãe e fora dividir um casarão na Rua dos Ingleses com, no mínimo, oito pessoas porque era um lugar grande e precisávamos de muita gente pra rachar o aluguel. Havia um entra e sai constante – cada inquilino que abandonava a casa deveria trazer outro no lugar. A bagunça era menor do que no primeiro “favelão” pois tínhamos uma empregada e, com freqüência, namoradas que apareciam de vez em quando ou que moravam lá. Uma dessas moças foi a Ester. Ela trabalhava com pesquisa e namorava o Edu, um médico da Convergência Socialista. Os dois brigaram, ele saiu da casa e ela ficou. Começamos a namorar. Ela viria a ser minha segunda esposa. Naquela época, minha filha Vanessa, então com uns 10 anos, pediu para morar comigo uns tempos. Tudo bem, mas como criar uma menina numa cafua daquelas? A solução foi voltar pra casa da minha mãe! No fundo foi bem divertido. Dona Violeta obrigava todos a rezar o terço com ela, ao menos uma vez por dia – até o papagaio sabia rezar! Os primos, todos da mesma idade, intensificaram o contato, a casa foi tomada de juventude, de alegria. Atualmente Vanessa mora nos Estados Unidos, com marido e filhos, e a nossa ótima relação se deve muito àquele período que passamos juntos, na casinha dos fundos da Rua Teresa Cristina, em São Bernardo. Período que me deu força também pra encarar o fracasso do meu quarto texto. Como já havia escrito três peças, duas delas políticas, baseadas em pesquisa de fatos, eu estava com vontade de fazer agora uma pesquisa de linguagem. Queria experimentar a síntese poética, a palavra, a eloqüência. Mais tarde eu até viria a conseguir um bom resultado, em outras peças, mas Círculo de Cristal ficou bem aquém do esperado. Era uma peça chata demais! A dramaturgia não conseguiu dar conta do número de personagens e de situações, então foi difícil também para a Rosi Campos e a Maria Eugênia Di Domenico, atrizes, e pro João das Neves, o diretor. A peça estreou em 1983, ficou só três meses em cartaz, e hoje eu procuro encará-la como um projeto de experimentação, uma procura de outros caminhos. E como oportunidade de aprender algo difícil, mas necessário: nem sempre dá certo. Vanessa terminara o “estágio” comigo e voltara pra casa da mãe. Então fui morar com a Ester num apartamento na Vila Mariana. Bella Ciao estava em cartaz no Rio de Janeiro e eu elaborava o texto de Sai da Frente que Atrás vem Gente, que estreou em 1984, com direção do Mário Masetti. Novamente uma comédia: a única maneira do homem enfrentar o fim da existência é através do riso. O riso ajuda a quebrar com tudo para que se possa nascer de novo, nesse sentido ele é a negação da morte. Então vamos rir! Só que dessa vez eu achava que deveria tentar outros caminhos, queria intercalar cenas dramáticas à comédia. Depois de pesquisar, cheguei à forma da revista. Acho que deu certo. A peça é uma declaração de amor a São Paulo, com tudo o que a cidade tem de engraçado, mas também de trágico. E tem metateatro, o recurso da peça dentro da peça, que o público aceita numa boa, se diverte, apesar da confusão toda que se instala. Sai da Frente foi um ótimo treino pra um texto que eu escreveria logo em seguida, mas que só veria encenado dez anos depois: Lima Barreto ao Terceiro Dia. É um dos trabalhos de que mais gosto, mas falo dele depois. Agora estou com vontade de falar do Osmar Rodrigues Cruz, que saudade. Osmar foi o iniciador e maior diretor do Teatro Popular do Sesi. Falavam mal da política de atuação daquele teatro, que era um cabide de emprego, aquela coisa toda. Os atores tinham remuneração fixa, seguro-saúde; a platéia estava sempre lotada, em temporadas normalmente longas. Ou seja, falava-se mal, mas todo mundo queria fazer parte... Em 1984 o Osmar me convidou pra escrever um texto pra eles. O projeto giraria em torno de um ator, contemporâneo do Artur Azevedo, e eu teria total liberdade de criação – optei mais uma vez pela comédia e escrevi O Rei do Riso: a Vida do Ator Vasques. Na verdade não optei, o próprio personagem me conduziu a isso. Vasques era um improvisador nato, que não respeitava o texto nem o diretor – naquele tempo chamado de ensaiador. Ele era muito bom, tanto que, quando a peça estava indo mal das pernas, pediam pra ele fazer palhaçadas, improvisar pra valer. Foi difícil encontrar material sobre a vida dele, achei pouca coisa. E o que não achei, inventei. Nesse texto explorei novamente o metateatro e trabalhei diferentes planos de ação. Por exemplo: havia a peça, real, que estava sendo assistida pelo público. Essa peça falava do Vasques, do jeito que ele era e trabalhava. Mas havia também a peça que o Vasques representava e, num terceiro plano, toda a improvisação dele! E o público embarcava e delirava! Foram nove meses de sucesso, que nós comemoramos junto com o nascimento do meu segundo filho. Fazia muito sucesso entre os artistas e intelectuais um filme chamado Jonas, que Terá 25 Anos no Ano 2000. O sonho das grandes transformações geradas pelos acontecimentos de 1968 caíra por terra e as pessoas começavam a se dedicar às pequenas e possíveis transformações cotidianas. O filme trata disso, pessoas que se juntam para garantir um mundo melhor a uma criança que vai nascer. Resolvemos colocar no nosso filho o nome Jonas. Também por causa de toda aquela simbologia do personagem bíblico que ficara na barriga da baleia e conseguira sobreviver... Para nós, jovens da década de 60, a sobrevivência, em seus vários níveis, era um tema candente – aos 33 anos eu podia dizer que havia sobrevivido a toda uma fase de incertezas. Encontrara o meu caminho, trabalhava no que me dava prazer e, embora a carreira artística no Brasil nunca tenha sido muito segura, conseguira me firmar como dramaturgo profissional. Então o Jonas veio numa fase muito boa e me ensinou a dividir o tempo da escrita com inúmeras tarefas caseiras – aprendizado que me é útil até hoje. É comum pensar que um escritor precisa se fechar numa torre ou num cofre pra escrever. Não pode ser incomodado por nada, não deve ter seu espaço criativo invadido pelas coisas prosaicas, pelos problemas mundanos. Sabe aquela tabuleta: Silêncio: gênio pensando? Tudo isso cai por terra quando se tem filhos. E isso é ótimo! Aprendi a interromper sem traumas uma cena pra poder trocar fraldas, dar mamadeira, ir ao supermercado porque a papinha acabou. A Ester era mãe em tempo integral, mas era difícil dar conta de tudo sozinha. Então eu ajudava e voltava pra minha cena. Costumo dizer pros meus alunos: elabore uma estrutura, anote as idéias, e cumpra-as. Dessa maneira, mesmo que você tenha de interromper o trabalho, você consegue retomá-lo. Porque aquele lado criativo continua funcionando na nossa cabeça enquanto lavamos roupa, fazemos feira ou cuidamos de um bebê. E acho fundamental poder acompanhar o crescimento dos filhos. Já pensou? Você edita dezenas de livros, estréia dezenas de peças e, quando olha pro seu filho, não o reconhece, porque esteve ocupado demais trabalhando? Sempre morri de medo disso. Em meados da década de 1980 recebi um convite que foi decisivo na minha carreira. O Antunes Filho, diretor do CPT (Centro de Pesquisas Teatrais) do Sesc, me chamou pra organizar um núcleo de dramaturgia lá. Tinha um pessoal muito bom: o Antonio Araújo, diretor com quem trabalharia mais tarde n’O Livro de Jó; o Mário Vianna, que se firma como um dos mais produtivos dramaturgos atuais; entre vários outros. E trabalhei com o Antunes, o que foi muito bom e resultou em duas montagens: Rosa de Cabriúna e Xica da Silva. Na primeira eu investi no universo do Guimarães Rosa, fiz uma experiência com linguagem que retomaria mais tarde em outras peças. Na segunda, perdi um pouco o tesão de escrever, sofri e o resultado não saiu muito como eu queria. Então o tempo em que estive lá foi decisivo por dois aspectos. Primeiro, porque foi minha primeira experiência com alunos e eu gostei tanto que, dali pra frente, não parei mais. E segundo porque fiquei tão desgostoso com o resultado de Xica da Silva que resolvi dar uma parada com o Sesc e com a própria dramaturgia. Dar um tempo, pensar, redefinir uma série de coisas porque eu decidi que não queria nunca mais sofrer pra escrever! Me candidatei à Bolsa Vitae com um projeto e fiquei esperando pra ver no que dava. Enquanto isso aproveitei pra curtir a família e colocar a cabeça em ordem. Capítulo IV Se a Vida é Sonho, os Meus São da Melhor Espécie Gosto de trabalhar de manhã, pois é quando acho que rendo mais. Conforme o dia vai passando, vou ficando com menos disposição e gosto de reservar as noites pras minhas leituras. E adoro fim de semana e feriado, que é quando posso trabalhar mais sossegado ainda, pois o telefone fica mudo e a vida fica em suspensão. Levanto cedo, faço a minha ginástica, leio o jornal, tomo café e sento em frente ao micro. Hoje é um computador – que utilizo somente como máquina de escrever e correio eletrônico. No começo eu escrevia numa Olivetti portátil e, quando já era um dramaturgo de verdade, evoluí para uma Olivetti Línea, daquelas maiores, que trago guardada no sótão. O micro é mais prático. E mais limpo. Aquelas fitas de máquina de escrever borravam pra caramba, o serviço ficava meio porco. E as cópias com carbono? O que era aquilo?! Mimeógrafo, você lembra? Acho que não havia fotocópia naquele tempo – Calixto e eu passamos dias preparando as matrizes de Foi Bom, Meu Bem? pra rodar no mimeógrafo a tinta! Aquilo dava um ar de artesanato ao trabalho, mais do que hoje, quando o micro corrige, apaga, armazena e imprime de um modo muito limpo. Mas não tenho saudade. Essa praticidade resultou em mais tempo pra a criação. Não consigo escrever duas peças ao mesmo tempo. Já tentei, no começo da carreira, mas as idéias se misturam e acaba não rendendo como deveria. No máximo, o que posso fazer, é estruturar muito bem um cannovacio a ponto de poder deixá-lo de lado enquanto escrevo outra peça. Depois de concluída essa, volto praquele e retomo o trabalho. Gosto de alternar drama e comédia, embora nem sempre isso seja possível. É como se uma me fizesse descansar da outra. Às vezes me sinto cansado, exaurido – porque o trabalho do artista exige uma doação muito grande. Parece que a gente leva um tempo acumulando informações, emoções e idéias pra canalizar na nossa obra. De modo que, chega uma hora, é preciso repor todas essas coisas. No meu caso, reponho indo ao cinema, ouvindo música e lendo. De todas essas coisas a que mais gosto é de ler. E em geral leio coisas que nada têm a ver com o trabalho que estou realizando, que é pra desanuviar a cabeça mesmo! Dentre meus autores preferidos está Guimarães Rosa. Considero a leitura de suas obras fundamental para quem quer escrever pra teatro. O livro Tutaméia, por exemplo. Cada conto é um tratado sobre a forma, suas palavras são melodias – e teatro é sonoridade, oralidade, como eu já falei. Gosto também de Mário Palmério, Leon Tolstói, Dostoiévski, García Márquez, Dante. Há sempre o que aprender com eles e sou capaz de ler uma mesma obra várias vezes. Outra maneira de repor tudo aquilo que canalizamos pra obra é observar o mundo. Gosto muito de andar a pé, de tomar o trem e ficar observando as pessoas. Quando consigo vencer minha timidez até puxo conversa com um e outro. Se não, é só ficar com a antena ligada que voltamos pra casa com o arsenal cheio de personagens, frases, histórias. E nem é preciso ir muito longe. Dentro de casa, mesmo, na família. Quantos personagens interessantes habitam nossas relações? Como é rico observar os filhos crescendo, disputando seu espaço, provocando um ao outro, brigando, chorando – isso é muito engraçado! A maioria dos personagens cômicos tem um espírito semelhante ao da criança! De modo que é preciso estar sempre aberto e atento. Conheci muitos sábios nessas observações da família, das ruas e dos trilhos, gente com aquela sabedoria sem elaboração, cavoucada e aprendida dentro de si mesma. Foi justamente esse o caso do sujeito que me inspirou a escrever O Homem Imortal. Lá atrás eu estava falando em dar um tempo, repensar o meu trabalho, aquela coisa toda. Fiz tudo isso e, ainda por cima, consegui a Bolsa Vitae pra escrever O Homem Imortal. Retomei a pesquisa, dessa vez da brasilidade, do caráter do homem brasileiro – ou da pluralidade de caráter. Me afundei pelo Vale do Jequitinhonha e pelo interior nordestino em busca de vestígios e informações sobre a passagem da Coluna Prestes por lá, durante a Revolução de 1930. Só que eu pesquisei, entrevistei, escarafunchei e nada! Ninguém nem tinha ouvido falar do assunto! Quando estava achando que a viagem tinha dado em nada, me mandaram entrevistar um tal Tenente Faria, um senhor de 90 anos que havia participado da Revolução de 32, pelo lado mineiro. E foi péssimo do ponto de vista de informações. No entanto, aconteceu uma coisa que me intrigou e, ao mesmo tempo, foi uma chave fundamental pro meu trabalho e pra minha vida. Acontece que, a cada pergunta que eu fazia, o velho respondia a mesma coisa! A tudo ele dizia: Durante muitos dias eu e o meu grupo ficamos na divisa de São Paulo e Minas, guarnecendo a ponte do Rio Grande. A gente tava cansado, mas quando vieram os paulistas a gente se pegou numa briga das grandes e foi luta, sangue, gente morta defendendo a sua parte. Todo tempo a mesma resposta. Ou seja, o velho não tinha mais nada na vida, só aquela lembrança de feito grandioso e de bravura! Ele repetia aquilo porque não podia esquecer! Se esquecesse deixava de ser ele mesmo, deixava de existir, era como se morresse! Eu o coloco na minha peça, no personagem Isidro. A certa altura o Isidro fala: O homem só morre quando esquece, não é maravilhoso isso? Tinha recuperado o prazer de escrever, prazer que parece aumentar a cada projeto que me desafia quanto ao tema e quanto à forma. O Homem Imortal foi um divisor de águas na minha carreira – embora, até o momento, ainda não tenha sido encenado. Nesse texto eu me permiti inventar. E a invenção é uma coisa própria da cultura popular – o que não se sabe, se inventa! E o que se inventa e se repete, ganha estatuto poético e provisório de verdade. Antes eu ficava preso a fatos históricos. No Rei do Riso eu criei bastante, mas foi dentro da trajetória biográfica do Vasques. Nessa peça, não. Porque o dramaturgo trabalha as possibilidades do real! Eu deixei correr solta a invenção, o que foi bastante útil pro meu trabalho dali pra frente. Usei muito isso n’O Rei do Brasil, por exemplo, que escrevi tempos depois. Mas entre uma peça e outra, uma mudança, uma construção e um filho. Foi assim: Estávamos mais ou menos em 1986 e, depois de muita economia, tínhamos um dinheirinho guardado. Inflação, você sabe. Aliás, muitas das lembranças da década de 1980 estão ligadas à abertura política e à inflação... Então nós tínhamos esse dinheiro aplicado – não lembro se no open market ou no overnight, que rendiam bem mais do que a poupança porque tinham juros diários ou semanais. Eu estava com vontade de comprar um videocassete, que era uma febre na época e que seria útil pro meu trabalho. Ao mesmo tempo a gente tinha visto um terreno em Ribeirão Pires, que era o preço justo que a gente podia pa-gar. Hoje parece bobo, mas na época foi uma dúvida cruel, juro. De repente um de nós teve a idéia: Vamos consultar o I Ching e daí a gente decide. O I Ching, pra quem não sabe, é um oráculo, uma espécie de método de adivinhação, chinês, muito antigo, em que a gente joga algumas varetinhas ou moedas e, dependendo do resultado que sair, temos uma resposta, dentre 52 disponíveis. Jogamos. Não lembro do número que saiu, só sei que a resposta veio nítida. Compramos o terreno e, curio-so, eu nunca mais consultei o I Ching. Mudamos pra Ribeirão e morávamos de aluguel enquanto acompanhávamos a construção da casa. Jonas estava com uns dois anos; Vanessa, com 16, nos visitava sempre. De repente a notícia: um outro filho estava a caminho. Eu não estava escrevendo nada. Meu projeto girava em torno de tijolo, pedra e cimento. Até meus irmãos meteram a mão na massa – assoalho, azulejos, cerâmicas e eletricidade foram obra conjunta com Dirceu, Antonio, Fernando e Zé Geraldo. Thomás nasceu em setembro de 1988 e a casa ainda não estava pronta! E parece que também no corpinho dele as coisas precisavam se ajustar. Hoje em dia ele é um rapaz forte, sem nenhum problema de saúde, mas quando pequeno esteve entre a vida e a morte por causa de uma alergia. Ester não estava tendo leite e o bebê não estava tolerando nem leite em pó! Fomos a muitos médicos, tentamos várias saídas, até que se descobriu o leite de soja, raro e caríssimo na época. Foi uma fase muito tensa pra todos nós, mas felizmente o menino se recuperou, esperto e inteligente. Seu nome foi inspirado no teólogo e filósofo Tomás de Aquino e, hoje um rapaz, meu filho parece demonstrar tendência pra área de Humanas. Gosta de música e é um leitor voraz. Não tem alergia a nada! Nos mudamos para a casa nova. Me associei a meu sobrinho José Luís, um ótimo desenhista, e editamos uma história em quadrinhos chamada O Entrincheirado Hans Ribbentrop. Foi muito gostoso porque eu sempre fui leitor dos mais variados tipos de HQ. Gosto d’O Lobo Solitário, Ken Parker e todos do Frank Miller. Aquela foi uma fase muito boa. Estava dando um curso de dramaturgia nas Oficinas Culturais Três Rios (hoje Oswald de Andrade) e novamente travei contato com gente boa, toda uma safra de dramaturgos que agora está aí, atuante. Com alguns alunos formei o Núcleo dos Dez, muita gente passou por lá: o Mário Vianna novamente, a Marici Salomão, Bia Gonçalves; a Roseli Galetti; Filastor Brega, Nelson Baskerville, Michel Fernandes, Fernando Castione. Mais tarde vieram a Solange Dias, o Antonio Rocco, a Adélia Nicolete. Quando se fazia necessário eu dava assessoria dramatúrgica a seus textos e nos encontrávamos periodicamente pra estudar, discutir. Era um pessoal inteligente, sagaz, do tipo que deixa saudade. Em 1990, comecei meu trabalho na recém-criada Escola Livre de Teatro de Santo André. Esse projeto mereceria um capítulo à parte. Na primeira gestão do PT naquela cidade, sob o governo de Celso Daniel, levou-se a cabo um projeto para a criação de uma escola de formação teatral. Segundo seu idealizador, Celso Frateschi, na época diretor de cultura, a meta seria instrumentalizar os interessados em fazer teatro com informações em diversas áreas tais como interpretação, dramaturgia, história do teatro, pedagogia, cenografia e tudo o mais que fosse pertinente. Sem vínculo com os programas oficiais de ensino, e por isso mesmo livre, a escola poderia estar em constante reflexão e transformação. A diretora de teatro Maria Thaís Lima Santos elaborou o projeto e é um motivo de orgulho muito grande para mim ter feito parte da primeira geração de professores. Com novas eleições municipais a escola foi paralisada, depois de dois anos de atividade – risco que todos corremos quando se muda uma simples legenda e a Cultura passa a ser vista como algo irrelevante. Mas o Celso Daniel voltou e, em 1997, as atividades foram retomadas – ao menos por mais duas gestões... Voltei à Escola Livre ressuscitada como quem volta para casa depois de um feriado. Era como se ela sempre tivesse estado ali, sólida, necessária. O projeto da escola é o meu projeto, sou dos que vestem a camisa de tal forma que ela já está grudada em mim! Sou dos que defendem, com unhas e dentes, até os eventuais defeitos – porque sei que acabam acontecendo com a melhor das intenções. Porque lá se arriscam novos caminhos, não estamos interessados tão-somente na reprodução de modelos que “deram certo”. Somos professores-artistas, compartilhamos com os alunos as nossas investigações e as deles, e assim nos tornamos parceiros. Ganham eles, mas ganhamos nós, também. Além do que, educar é também violentar. Ou seja, o processo educativo tem pouco a ver com o romantismo que dá ao aluno a primazia do processo, que dá um peso determinante ao aluno. Nada da relação permissiva que coloca o aluno como o centro do processo educacional. Numa relação sadia, o centro não está em nenhuma das partes. Educacional é o processo e, se assim é, tanto o professor quanto o aluno estão se educando. Tan-to os alunos quanto os professores têm objetivos nítidos e, na relação educacional, os dois lados são violentados em suas intenções subjetivas para construir algo concreto: a arte. Nos processos que coordeno, por exemplo, recolho a criação dos alunos e re-trabalho de forma dramatúrgica, ou seja, violento a criação deles, transformo-a de acordo com os meus parâmetros artísticos. E devolvo essa criação a eles em forma de texto que pode ser re-processado por eles. Se eu fosse escrever os textos dramatúrgicos da escola sozinho, eu os faria completamente diferentes e, dessa forma, eu também violento a minha visão estética pessoal ao inserir o trabalho dos atores dentro da minha redação final. Aluno e professor são violentados em benefício de um resultado final que é significativamente mais que ambos. Teatro é um trabalho de equipe, o coletivo é a essência dessa arte. E, por mais que um trabalho artístico seja solitário, ele pressupõe, ao final, um público e, assim, submete-se às leis da comunicação e à geometria da forma. E isso impõe limites à subjetividade. Em todos esses anos coordenando o Núcleo de Dramaturgia minha pesquisa pessoal confundiuse com as propostas da escola. Desenvolvemos trabalhos de memória, teatro nô, periferia, narrativa, personagem contemporâneo! Tantos jovens dramaturgos passaram por ali e eu tive o privilégio de acompanhar seus primeiros passos; admirar atento seus primeiros vôos; incentivar sua caminhada solo e, hoje, olhar para eles como colegas de profissão! Isso não há dinheiro que pague – desculpe o lugar-comum... Por volta de 1991 resolvemos fazer uma reforma na casa! Ela tinha sido mal planejada, estava ficando pequena, com problemas de luz e ventilação. Respiramos fundo e encaramos a nova empreitada. Com a gente dentro! Ficamos morando na cozinha, na sala, enquanto o resto da casa virava de cabeça pra baixo. E é claro que só uma reforma não bastaria pra mudar toda a nossa rotina... O que aconteceu ao mesmo tempo? Ficamos esperando um outro filho! Eu estava com 40 anos e fiz as contas: desde os 18 estava convivendo com crianças! Nunca quisemos saber o sexo dos bebês antes do nascimento, mas, confesso, estávamos torcendo pra dessa vez ser uma menina. E não deu outra. Em setembro de 1992 nasceu a Lina. Um nome bonito, inspirado na arquiteta italiana Lina Bo Bardi. A nossa menina não encontraria melhor acolhida e sua infância, junto com os dois irmãos, foi jogando futebol na rua, subindo em árvores, jogando fubeca, soltando pipa. Vanessa já estava moça e fora pros Estados Unidos, através de intercâmbio. Gostou tanto que voltou, dessa vez pra ficar. Conseguiu trabalho, fez faculdade, casou e me deu netos. De vez em quando eles vêm pro Brasil – e a vontade é que fiquem aqui pra sempre... Casa reformada, mais um filho, em 1992 foi a vez de outra peça: O Rei do Brasil, que escrevi com financiamento da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Foi aberto um concurso para projetos relacionados à vida e à obra do Oswald de Andrade, o meu foi selecionado e recebi uma verba para desenvolver o texto. Lembro até hoje: 25 mil BTNs (Bônus do Tesouro Nacional)! A inflação era tanta que não se falava a moeda, as transações eram em bases cambiantes! Pois bem, O Rei do Brasil tinha aquela coisa toda da invenção dos fatos, da ficção da História – enredo calcado no movimento antropofágico. Eu estava numa fase indignada, brava mesmo, porque estava surgindo toda uma onda de negação da palavra! E eu tomei as dores daquilo, resolvi escrever um texto onde as palavras tivessem um peso decisivo. No programa do espetáculo eu bradava a favor do dramaturgo, dizia Esta peça não é um roteiro, tão ao gosto de certa tendência que tem ojeriza ao texto teatral. Mandava que morressem de urticária e provocava: São quarenta e duas páginas cheias de palavras (!), texto denso povoando a aridez do silêncio. Foi uma espécie de desabafo. Foi muito gostoso escrever e eu achava que tinha tudo pra dar certo. Seria um mergulho na nossa cultura, onde ela se mostra menos cordial e mais violenta, menos ingênua e mais cínica, menos romântica e mais cruelmente cômica. Tinha tudo pra dar certo, mas não deu. O Nestor Monastério dirigiu um belo espetáculo, o elenco era competente, mas as pessoas vinham me cumprimentar dizendo que gostaram muito do texto! Numa encenação o que deve aparecer é o conjunto! Quando se dá destaque a um só elemento é porque está havendo um descompasso. Pelo menos é o que eu acho... E em relação a esse trabalho, especificamente, fiquei achando que era todo um contexto que o tinha levado a ficar apenas dois meses em cartaz. Talvez o tema, mais adequado à década de 1980; talvez o próprio teatro estivesse se transformando mais radicalmente, ou o papel do encenador, não sei. De repente, comecei a perceber que era a pulsação do público que estava mudando, e que eu, como dramaturgo, deveria estar atento a isso ou me perderia, ficaria estagnado. O público está sempre mudando. Aliás, não existe “o” público, existem inúmeros. O que quero dizer é que cada época tem um espírito, uma característica que lhe é peculiar em determinado grupo, determinada geografia. Esse espírito vai nortear tanto a produção quanto a recepção da arte e da cultura, porque esse espírito está no contexto, entende? Então, se numa época, o dra ma conseguia traduzir o homem ocidental, passado esse período, com a industrialização, a modernidade, o drama já não deu mais conta dessa tradução. Surgiu então, com maior destaque, a forma épica, por exemplo. Enfim, eu estou citando isso pra dizer que, na década de 1970, por exemplo, o discurso era muito importante, a mensagem, a idéia, o ideal. Hoje talvez não seja. De uns tempos para cá, a ação tornou-se mais importante no teatro. E ação não é ausência de palavras. É uma história bem elaborada, mas também pode ser uma emoção, uma imagem que toque o espectador e, lógico, uma idéia que sustente tudo isso, senão é o oco, o vazio. Pois bem, tudo isso fervilhava na minha cabeça. Eu ficava tentando encontrar uma maneira de identificar essa nova pulsação e uma intuição me indicava novamente a palavra poética. Porque a poesia tem um poder muito forte sobre o ser humano. O verso, o ritmo, a métrica. E quando se junta à poesia uma imagem forte, uma paixão, ela pode simplesmente encantar e, no momento seguinte, arrebata. Resolvi, então, trabalhar mais a fundo a sonoridade escrevendo A Guerra Santa. De certa forma foi meu segundo ultimato: se não der certo, não sei mais nada, viro comerciante! E dessa vez nem me dei um prazo! A aposta foi alta. Eu tinha um projeto na gaveta e lancei mão dele: os dezoito anos dos movimentos de 1968. Para onde tinham ido as utopias? A luta valera a pena? Os métodos foram eficientes? Quem sobreviveu? E como? Inspirado novamente (e sempre!) pela Divina Comédia, imaginei dois personagens, Dante e Virgílio. Eles haviam sido companheiros de idéias e de ação, mas, a certa altura, seus caminhos se divergiram. Vinte anos depois se reencontram e Dante vai matar o amigo – não sem antes fazerem uma retrospectiva e um ajuste de contas sobre seus ideais, os métodos que utilizaram e o que foi feito de sua luta. Nenhum modelo parecia adequado aos meus propósitos. Então fui aprofundar os estudos de versificação e inventei uma estrutura bem eclética: um tipo de personagem que fala em decassílabos, com rimas internas, e outro tipo que fala em versos livres, trabalhados sonoramente. Gabriel Villela dirigiu um belíssimo espetáculo e eu não mudei de profissão. Falo pros meus alunos que não existe um único método pra escrever. Acho que cada dramaturgo desenvolve meio que seu método geral, uma sistemática de trabalho, porém, cada novo texto, vai pedir um método específico, que serve só pra ele. A gente pode ficar meio perdido no começo, o trabalho demora a engatar, não passa da primeira cena, a gente percebe que tem alguma coisa errada – isso acontece, às vezes, porque tentamos impor ao novo texto um sistema anterior. Nesse caso é preciso se perguntar o que essa nova idéia está pedindo, qual o suporte que melhor abriga a proposta? Por exemplo, tem idéia que fica melhor na forma de conto, outras podem render mais como cinema, como romance. E se tiver de ser um poema, um conto, que seja. Sem sofrimento. Acredito cada vez mais que alguém que goste de escrever deva ampliar cada vez mais seu raio de ação. Explico melhor: chegou uma hora em que o teatro já não era mais suficiente pra mim. Seja como meio de expressão, seja como meio de vida. A certa altura surgiu a vontade de voltar aos contos. Tenho uma série deles escrita para o público adolescente, a partir de referências míticas. Depois vieram as crônicas em jornais, os roteiros de cinema, de vídeo. E uma coisa acaba alimentando a outra, suprindo necessidades criativas. Sinto que a cada novo texto aprofundo e alargo as experiências anteriores. Logo em seguida à Guerra Santa escrevi O Livro de Jó, para o Teatro da Vertigem, com direção do Antonio Araújo (Tó). Nesse trabalho creio ter integrado toda uma pesquisa de enredo, poesia, sonoridade, eloqüência, heróis, mitos e arquétipos. Retomei o gosto pela contação de história, herdado da minha mãe. A base foi, é claro, o Jó da Bíblia. Mas eu tinha claro pra mim que não iria trabalhar a resignação dele, a tão famosa “paciência” que todos acham que ele tinha e por isso não se revoltava. Não. Jó, nessa peça, seria um herói: obsessivo, determinado, digno, e com absoluta sinceridade de propósitos. Eu que-ria trabalhar o conflito desse personagem, a revolta dele, principalmente a revolta interna, até chegar à Revelação. Não iria travar luta com os outros, mas consigo próprio. Quis dar destaque também para a mulher de Jó, que no texto bíblico é só uma “ponta”, como se costuma dizer em teatro. Na peça, ela ganha uma importância fundamental, representando a terra, o instinto, o ateísmo, o materialismo e, portanto, é aquela que se enfurece e que cria um contraponto com Jó. Não aceita o que o destino lhe impõe, e essa é também uma característica heróica: a vontade de transcender, de ir contra as profecias, romper os limites impostos. E, no caso, seria difícil tomar partido. Tanto Jó quanto sua mulher teriam pesos equivalentes, cada um com suas razões. Retomei, com essa montagem, o prazer de trabalhar em grupo. Escrevi umas três versões do texto e discuti com o Tó. Depois disso começaram os ensaios. Elenco e direção experimentavam, opinavam e me davam retorno de suas impressões e resultados. Isso me fazia rever a dramaturgia, discutir, propor novas soluções ou defender as minhas escolhas. Então foi muito rico. Foi o meu primeiro trabalho em processo colaborativo, que hoje em dia é bem mais comum. A peça estreou em 1995 no Hospital Umberto I, em São Paulo, e pode-se dizer que foi um outro marco na minha carreira. Naquele mesmo ano ganhou o palco do Rio de Janeiro um texto pelo qual tenho um imenso carinho: Lima Barreto ao Terceiro Dia. Foi um caso muito interessante porque eu tinha escrito a peça há dez anos e só naquele momento é que resolveram montar. Era um projeto antigo, pessoal. Queria escrever um texto que tratasse tan-to da vida do Lima quanto de sua obra, algo bem abrangente. A biografia dele é muito rica: negro, nascido apenas alguns anos antes da abolição da escravatura, perdeu a mãe bem cedo e o pai, pouco depois, enlouqueceu. Olha só que figura! E apesar de ter escrito todas as coisas maravilhosas que escreveu, não conseguia viver dignamente; foi recusado na Academia Brasileira de Letras, tornou-se alcoólatra e acabou sendo internado num hospital psiquiátrico carioca. Então, logo depois do Bella Ciao, decidi embarcar nessa nova expedição. Tendo feito um estudo sobre o Lima, fui fazer um estágio no hospital psiquiátrico Bezerra de Menezes, em São Bernardo. Durante três meses, eu ia duas vezes por semana visitar os inter-nos. Nos primeiros dias fiquei absolutamente apavorado, pois os internos ficavam curiosos, se aproximavam, queriam me tocar. Eles me contavam coisas pessoais e buscavam uma intimidade que me assustava. Mas depois de um tempo, passei a esperar com ansiedade os dias de visita, sempre tão ricos de emoção, de sinceridade. Percebi que os internos eram inteiramente iguais a mim, e que apenas um conjunto de circunstâncias mínimas me havia colocado do lado de fora dos portões e a eles, do lado de dentro. Os dramas eram os mesmos, humanos. E lá estava eu, novamente, arranjando sarna pra me coçar! Queria botar a vida e a obra do sujeito no palco e, se não bastasse, um plano de realidade, outro de alucinação, outro de passado... Como dar conta de tudo isso? Da obra, escolhi O Triste Fim de Policarpo Quaresma. Da vida, delimitei os três últimos dias em que o escritor passara no manicômio. Essa delimitação foi fundamental, pura influência da Poética, do Aristóteles. Lima Barreto seria uma trajetória heróica, trágica, uma descida mesmo. Definidos os limites, me senti mais à vontade para ir e vir nos diferentes planos. No fundo eu queria construir uma obra que permitisse ao espectador escolher qual dos planos seguir, se quisesse. Assim, cada um dos planos teria começo, meio e fim próprios, que se mesclariam na peça – assim como se mesclavam na cabeça do protagonista. Aderbal Freire-Filho dirigiu um belo espetáculo, protagonizado por Milton Gonçalves, no Centro Cultural Banco do Brasil. Estava sendo comemorado o centenário de nascimento do escritor e ele pare-cia (e parece) mais atual do que nunca, com sua crítica intransigente à marginalidade imposta aos pobres e aos negros. E a loucura do Lima é a nossa loucura de fazer arte neste país, de lutar pela cultura... Somos todos loucos. Sonhadores. E como diz o personagem Policarpo: Se a vida é sonho, os meus são da melhor espécie. Capítulo V A Vida é o Exercício do Possível Aristóteles, Eric Bentley, Joseph Campbell, Mikhail Bakhtin. Esses teóricos foram a base da minha formação em teatro. Muitos outros autores estiveram presentes e tiveram sua importância, mas não como esses. A Poética, do primeiro, considero imprescindível aos que se dedicam a essa carreira. Pra quem faz dramaturgia, nem se fala. Os fundamentos que Aristóteles determina para a construção da tragédia servem, ainda hoje, como referência à análise e elaboração de textos dramatúrgicos. Bentley me apontou muitos caminhos, Campbell sempre pontua meus estudos sobre as trajetórias míticas e heróicas, e os estudos de Bakhtin estruturaram um projeto ao qual me dedico até hoje: a práxis da comédia popular. Novamente o Ednaldo Freire e eu nos associamos. Ele trabalhava com um grupo de teatro formado por funcionários de uma empresa. Já tinham montado vários espetáculos quando resolvemos enveredar pelo caminho da comédia popular brasileira. O grupo ganhou um novo nome: Fraternal Companhia de Arte e Malas-artes, já como alusão a um personagem bastante popular, o Pedro Malasartes. E era sobre esses personagens que queríamos falar. Eles estariam presentes em várias peças, sempre em aventuras diferentes – como fizeram Carlitos, Mazzaropi, por exemplo. Fixar os personagens populares e colocá-los em diversas situações. Então, os estudos de Bakhtin sobre a Idade Média e o Renascimento nos abriram todo um universo. A Commédia Dell’Arte italiana também. Nossos heróis brasileiros seriam: João Teité, Matias Cão, Mateúsa, Boracéia e muitos outros, cada um com suas características próprias, se metendo em confusões, provocando riso, reflexão. E, por que não, emoção no público? Lembra que o drama cabe na comédia? Com base nessa pesquisa e nesses personagens criamos O Parturião, O Anel de Malagão, Burundanga e Sacra Folia. Em seguida, partimos para uma pesquisa do que chamamos de “heróis de cultura” e montamos Iepe e Till Eulenspiegel. São personagens de outras nacionalidades. O Iepe é dinamarquês e o Till é alemão. Recriei as duas trajetórias, inserindo os elementos da comédia popular e investigando novos modos de se contar uma história. Por exemplo, nesses trabalhos o grupo começou a tomar mais contato com a narrativa, com o personagem que conta uma história, que descreve uma situação. Cada vez mais a Fraternal aprofunda esse recur-so da narrativa. No Iepe, por exemplo, um personagem narra o outro. É quase toda uma peça narrativa, épica. Tem toda uma parte dramática, dialogada, mas o personagem narra a si mesmo e aos outros, naturalmente. E o público acompanha, numa boa. A narrativa foi uma solução formal que acabou sendo, depois, uma solução econômica – quando o grupo se desvinculou da empresa patrocinadora e teve de ganhar vida independente. O número de atores diminuiu drasticamente por conta das dificuldades de produção. Os atores que permaneceram (ou que foram incorporados ao grupo) tinham de dar conta de muitos personagens e, nesses casos, a narrativa é a salvadora da pátria, além de ter todo um poder de atração sobre o público. O primeiro trabalho com a Fraternal estreou em 1994. Estamos em 2004, e foram mais de dez espetáculos, grande parte das temporadas com casa lotada no Teatro Ruth Escobar, no Eugênio Kusnet, no Paulo Eiró. É muito gratificante ver o público se divertir com as nossas peças; perceber o silêncio nos momentos mais graves e reflexivos. Acho que o objetivo principal do teatro – e da arte em geral – deve ser o público. Chega daquele tipo de arte que só tem olhos pro próprio umbigo. O público parece ser o grande esquecido do teatro atual. Muitas vezes ele não é mais do que um ingresso, do que um comprador. O teatro muitas vezes deixa de comunicar experiências humanas, compartilhar sonhos e expectativas dos homens para se transformar em um entretenimento pobre e desimportante. E, depois, reclama-se da crise e de que o público se afasta do teatro... Concomitantemente ao projeto de Comédia Popular, com a Fraternal, desenvolvo outros trabalhos. Ainda em 1995, mesmo ano do Jó e do Lima Barreto, estreou um outro espetáculo bastante interessante pelo qual fui responsável pela dramaturgia: A Grande Viagem de Merlin. Eu estava falando do público, né? Pois o Ricardo Karman, que dirigiu, pensou em algo bastante diferente do convencional em relação ao espaço cênico e ao trato com o público. Só pra você ter uma idéia, os interessados compravam um ingresso e entravam num caminhão, daqueles fechados, e rumavam pra Jundiaí. As pessoas ficavam sentadas em assentos de páraquedista, sabe? Pendurados dentro do caminhão, ouvindo barulho de motor, de estrada, sem enxergar absolutamente nada – uma coisa bastante sensorial mesmo. No caso, isso devia estar dentro de um contexto, e aí já entrava a dramaturgia. Mas como? Sou do tipo que não deixa nada pra ser resolvido na cena, acho que a parte do dramaturgo tem que ser fechada, resolvida. Porque é muito fácil “sugerir” coisas, “dar pistas”, “jo-gar propostas” e deixar os atores e o diretor se virarem. Isso pode ser cabível num outro tipo de processo, e não era esse o caso. Eu estava contratado pra resolver as questões de dramaturgia, tinha de chegar lá com uma solução concreta. Pensei, matutei e resolvi que cada ator falaria diretamente com as pessoas, no ouvido delas, uma a uma. O público ia “entrando no clima” da peça, que depois continuava num aterro sanitário e terminava em Jundiaí, num teatro em ruínas e num lago. Isso é muito rico prum (pode deixar assim?) dramaturgo: como dar conta dessas propostas? Assim como deve ser rico prum encenador dar conta dos desafios de um texto que, à primeira vista, parece impossível de ser encenado... Mas não fiz trabalho só pra público pagante, não. Escrevi muita peça institucional, pra empresa. Acho que quase todo ator e dramaturgo acabam fazendo isso em alguma fase da vida. São textos utilitários, pra passar determinadas informações, fazer campanha, essa coisa toda. E eu encaro com a mesma seriedade dos outros trabalhos, sempre. Independente do conteúdo que, no caso, não é “artístico”, o recurso utilizado é o teatro. Então sempre procurei escrever coisas que fossem divertidas, emocionantes porque, por mais que haja um objetivo didático por trás, é o teatro que está conduzindo tudo. E um trabalho desse tipo não quer dizer que seja fácil de fazer. Ele oferece as mesmas dificuldades dos outros. Quantas vezes o trabalho empaca? A estrutura está montada, os personagens estão definidos, tudo parece que vai correr às mil maravilhas, mas a coisa não anda. Nesses casos eu dou uma solução provisória pra cena e sigo em frente. O importante é desatar o nó, de alguma maneira. Em geral a coisa dá certo, o resto do texto é feito com facilidade. Depois volto naquele ponto e o resolvo melhor. Sempre dá certo. Principalmente quando sei que fiz o melhor possível naquele momento, naquelas condições. Nada de ficar lamentando o que foi feito. Costumo dizer que o melhor texto é aquele que foi realizado e não o grande projeto que ficou na cabeça, na hipótese. Um resultado simples é mil vezes melhor do que a grande obra-prima irrealizada! Tenho trabalhado muito, felizmente. Grupos de diversos locais me convidam para participar de seus projetos e sempre, tão generosamente, aceitam que meu projeto pessoal também se encaixe no deles. Foi assim com o Grupo Teatro da Cidade de São José dos Campos, por exemplo. Tinham planos de encenar um espetáculo sobre uma figura famosa da cidade: a Maria do Saco – uma andarilha do bairro de Santana que acabou criando fama de milagreira depois da morte. Não pensei duas vezes. Tenho fascínio pela cultura do Vale do Paraíba e, naquela época, estava começando a investigar o teatro nô japonês e suas possibilidades dramatúrgicas. Trata-se de uma seara riquíssima à qual me dedico até agora. Propus essa investigação ao grupo, o que acarretaria uma pesquisa do teatro narrativo tam bém. Eles toparam e o resultado foi Maria Pere grina, uma peça de que gosto muito. Outros trabalhos saborosos foram construídos em Piracicaba com o Grupo Andaime, em parceria com o Francisco Medeiros; em Mauá, num trabalho de memória da cidade. Faço todas essas parcerias, mas acalento alguns projetos que um dia ainda pretendo realizar. Entre eles, por exemplo, está uma peça sobre o Francisco de Assis Pereira, o maníaco do parque. Me vem à mente o desafio de Racine que apostou que escreveria um personagem extremamente negativo e que o público teria compaixão de sua sorte. Escreveu Fedra. Ou o desafio que Fritz Lang encarou ao filmar M, o Vampiro de Dusseldorf. Lembro-me de um verso de Brecht, sobre a infanticida Maria Fahar, quando lamenta a sorte da personagem e as circunstâncias que a levaram ao crime: Vós, por favor, não vos escandalizeis. Toda pessoa precisa da ajuda dos outros. Sobre o tema do maníaco cheguei a trabalhar um pequeno texto chamado Ato Sem História, para um projeto do Teatro Agora, mas sei que toquei só de leve o assunto. Quem sabe um dia... Estávamos caminhando bem até ali. Era 1996. Casa reformada, crianças crescendo com saúde, visitas à Dona Violeta aos domingos pra ouvir suas histórias; Vanessa estudando nos Estados Unidos. Volta e meia viajávamos pra casa do Calixto, em Iguape, junto com Ednaldo. Era o momento dos amigos se encontrarem, todos casados e com filhos gritando e correndo o dia inteiro. Até que veio a notícia: Ester estava com câncer. Foi um choque muito grande. Era a primeira vez que esse problema ocorrera na família e todos procuramos cercá-la de cuidados, tentando fazer seu sofrimento menos insuportável. Qualquer sugestão de terapia alternativa era aceita, todo remédio natural foi tentado. Até que não foi mais possível fugir da quimio. No princípio ela tentava superar da melhor forma, esclarecendo o problema pras crianças, fazendo piada, assumindo publicamente as conseqüências físicas do tratamento. Porém, conforme as sessões foram se intensificando, chegou-se a um ponto em que foi necessária a internação. Ela foi realmente muito forte, mas não resistiu, e veio a falecer em 1998. Nossa vida, que já estava abalada por conta do processo todo da doença, alterou-se profundamente depois disso. Eu tinha de ser pai e mãe ao mesmo tempo; as finanças estavam precisando se equilibrar; os alunos estavam tendo de se virar sozinhos, sem professor. Foi um período bastante delicado. Contei com a ajuda de irmãs e cunhadas pra cuidar das crianças; da nossa empregada, Giselda, que faz a casa funcionar; e voltei pro trabalho – textos e cursos – como forma de superar e de tocar a vida pra frente. Naquela época eu trabalhava na Escola Livre de Teatro e estava escrevendo Iepe, para a Fraternal. Em seguida emendei o Till Eulenspiegel e finalizei o roteiro do meu primeiro longa: Keno-ma, em parceria com a Eliane (Lili) Caffé. Fazer cinema era um sonho pra mim. Uma vez o dire-tor Ivo Branco me chamou pra uma parceria num roteiro dele. A Lili era mulher dele naquele tempo, estudava psicologia. Sempre que eu tinha reunião com o Ivo ela dava sugestões, quis fazer parte da equipe de pesquisa e eu pensava: Essa daí, não demora muito, vai virar cineasta. E não é que virou mesmo? Foi estudar cinema, fez alguns curtas muito bons e, quando foi pra fazer o seu primeiro longa, me chamou pra roteirizar junto com ela! A parceria dura até hoje, quando estamos partindo pra terceira produção. A Lili é muito determinada, sabe o que quer e no set, apesar do tamanhico dela, impõe respeito – porque é muito boa diretora. No período de pesquisa pro segundo longa, Narradores de Javé, lá fui eu numa nova viagem pelo Jequitinhonha. A Lili reuniu uma equipe e fomos explorar aquela região, em busca de locação e histórias. Foi uma viagem riquíssima, voltamos com muito material pro filme e eu, com um novo projeto na cabeça. Escuta só. Na equipe estava o Cao Guimarães, um jovem cineasta recém-chegado da Inglaterra e que vinha com uma novidade, pelo menos pra mim: uma câmera digital. Ele registrou toda a viagem e, nos nossos papos, falava das facilidades tanto técnicas quanto econômicas desse tipo de equipamento. Aquilo ficou martelando na minha cabeça, juntou com outras idéias que estavam cozinhando há muito tempo e eu resolvi formatar um projeto. Sempre achei que o ensino do cinema é algo extremamente elitizado, da época em que pensar em fazer cinema era um sonho longínquo, acessível apenas aos grandes centros e a pessoas de excelente situação econômica. Da época em que os equipamentos custavam preços altíssimos. E no final dos anos 90, embora os equipamentos estivessem mais baratos, não se fazia cinema barato. Por que não começar a fazer cinema do mais óbvio? Do roteiro? Da dramaturgia? Por que não se pegar uma pequena câmera e, com um bom roteiro, fazer um filme? Não para o mercado mundial, não para o Festival de Cannes, mas para mostras, pro bairro, pra “galera”. Por que não se instituir a prática do cinema como no filme Ladrões de Cinema? Sem se preocupar muito com toda a teoria de como se fazer filmes. Eu acho que todas as épocas heróicas foram constituídas a partir de si mesmas, com poucos parâmetros anteriores além da própria vontade e utilizando as condições que existiam no momento. Por que o cinema do ABC não poderia nascer da mesma forma? Por que o cinema não poderia nascer como o teatro amador? Com todas essas idéias fervilhando na cabeça, redigi o tal projeto e levei à Prefeitura de Santo André. O próprio Celso Daniel – novamente, o Celso (!) – quis tratar do assunto comigo e aprovou prontamente a iniciativa. Pagamos o preço de um trabalho pioneiro: quase não há verbas; o núcleo de direção, somente aos poucos, vai aceitando a idéia de trabalhar com um roteiro e não só com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça. Mas a cidade conta hoje com Escolas Livres de Teatro, Dança e Cinema e Vídeo, e eu me orgulho de fazer parte de todas elas. A vida foi seguindo e eu estava decidido a não me envolver tão cedo com alguém. Havia retomado o ritmo do trabalho e já estava me acostumando com a vida de pai-mãe, achava que passar uns tempos sozinho não seria má idéia. Retomaria velhas amizades, fugiria de compromissos e tiraria proveito da liberdade que aquela fase me oferecia. Mas acho que não queria isso de coração. Aliás, foi justamente o coração, e não a cabeça, que me apontou, determinado, uma exaluna de dramaturgia. Pensei nos meus filhos, na minha casa, na minha vida. Achei que merecíamos alguém que gostasse de nós, que fosse novamente uma presença feminina no nosso caminho. Meus filhos – agora nossos – são pessoas muito especiais. Receberam-na de braços abertos e os conflitos que volta e meia ocorrem não são diferentes daqueles que se têm com as mães biológicas. Minha vida ganhou mais qualidade depois que a Adélia chegou. A vida dela, eu sei, ganhou mais trabalho. Só que ela é brava também, que nem eu, de pai e mãe. Pode não ser descendente de lobisomem ou de garimpeiro, mas é de carcamano! E vamos tocando em frente, nesse exercício cotidiano do possível que é a vida. Grupo Galpão e o processo colaborativo Bem, eu já falei que acredito mesmo naquilo de “querer uma coisa de coração”, né? Então vou contar outro caso. Eu sempre admirei de longe o Grupo Galpão, de Belo Horizonte. Admirava o trabalho e o pessoal de lá. Ficava pensando: como seria bom fazer um projeto com eles, essa coisa toda. E não é que um belo dia, em 1999, eles me convidaram? O grupo queria um dramaturgo pra trabalhar junto ao Oficinão – um projeto de formação e aperfeiçoamento de atores, já que o Galpão deseja aplicar em Belo Horizonte a experiência de criação que a Escola Livre desenvolveu. Então a Maria Thaís e o Cacá Carvalho, que estava dirigindo o espetáculo Partido, me indicaram. Aceitei sem pestanejar, né? Fiquei feliz ao saber que o trabalho que realizamos em Santo André começava a frutificar em outros lugares. Bem, eu iria iniciar um núcleo de dramaturgia, que ficaria responsável pelo texto do espetáculo a ser criado pela turma daquele ano. A direção seria do Júlio Maciel, ator do grupo, e a peça giraria em torno dos 500 anos do “descobrimento” do Brasil. Um olhar crítico, nada de efemérides. A equipe com que eu iria trabalhar era de iniciantes na área da dramaturgia, mas me pareceu um grupo muito interessante, preparado e maduro. Houve uma série de percalços, era um trabalho pioneiro. Eu havia coordenado há al-guns anos, ainda na Três Rios, um projeto com vários dramaturgos, o Babel. Mas em Belo Horizonte o processo foi bem mais complexo, pois tínhamos de construir uma dramaturgia e um espetáculo que tinha data de estréia, atores querendo texto, com não-dramaturgos. Então, durante um ano a gente foi trabalhando, fui para lá umas sete ou oito vezes. Recebia as cenas que eles escreviam pela internet, discutia, e aí a gente construiu um espetáculo chamado Cx. Postal 1500, que foi muito legal. A partir daí, comecei a desenvolver um trabalho contínuo junto com esse núcleo de dramaturgos, que se abriu para novos interessados, e que por mais três anos elaboraram textos colaborativamente no Oficinão. Alguns começaram a trabalhar fora, quer dizer, começou-se a fomentar a dramaturgia em Belo Horizonte de uma forma muito interessante. Que era uma coisa que tan-to o grupo quanto eu queríamos. Depois veio o convite, também muito sonhado, de escrever uma peça pro próprio Grupo Galpão. Trabalhamos de forma colaborativa e o resultado foi o belíssimo espetáculo Um Trem Chamado Desejo, dirigido pelo Chico Pelúcio – que acabou virando um grande amigo e parceiro em outros projetos. Falei várias vezes desse tal de processo colaborativo. Deixa eu me explicar melhor. Em linhas gerais é um tipo de trabalho em que todo mundo da equipe participa da construção do espetáculo. Pode parecer meio óbvio, né? Você pode perguntar: Mas teatro não é uma arte em que todo mundo trabalha junto? Sim, mas nem sempre com as mesmas responsabilidades criativas. Digamos que no processo colaborativo todos devem se incumbir da criação, ou seja, o ator não vai ser aquele que “obedece as ordens” do diretor; nem o diretor vai planejar tudo e chegar para o elenco, o cenógrafo, o iluminador e despejar suas idéias para que sejam cumpridas. Tampouco o dramaturgo vai escrever o texto em casa, sozinho, e levá-lo para que seja decorado, ensaiado e encenado, de preferência ipsis litéris. Nada disso. Todos participam, dão idéias, se responsabilizam pela sua área de atuação. É um pouco diferente da criação coletiva, pois não há garantias de que as sugestões serão acatadas eqüitativamente, por exemplo. A partir do objetivo proposto, faz-se uma seleção racional do material, tendo em vista o trabalho e não a contemplação de todas as sugestões. Mais uma vez a tal da violação da subjetividade em nome do que se quer levar a público. Basicamente, do ponto de vista da dramaturgia, as funções são as mesmas. O trabalho é intenso seja no gabinete seja no processo colaborativo. Só que, no processo colaborativo, existem outros exercícios que o dramaturgo tem que estar pronto a fazer. Um deles é saber que ele é criador do espetáculo, e não apenas criador de um texto que vai permanecer – como muitas vezes imagina ou faz o dramaturgo de gabinete. O dramaturgo no processo colaborativo está construindo um espetáculo. Para ele é importante a cena, não a cena enquanto escrita, a cena enquanto espetáculo. Ele tem que buscar, ele tem que imaginar não o texto escrito da melhor forma, mas, muitas vezes, ele tem de riscar uma página que está belíssima, extremamente bem escrita, em função de uma eficiência maior do espetáculo em relação ao público. No ano 2001 o professor Luiz Roberto Alves, então Secretário de Cultura do Município de Mauá, em São Paulo, me fez um convite. Ele propôs que eu atuasse como consultor de cultura da cidade, propondo projetos junto à comunidade. Era algo sobre o qual há tempos eu vinha refletindo. Aceitei. Até como uma forma de compensar aquelas derrotas todas sofridas pelo time de xadrez que eu havia orientado! A situação das cidades me preocupa. A violência, as depredações, a perda de referências, o futuro das metrópoles são assuntos candentes para mim. A cidade é o território concreto da existência e só se conquista cidadania, termo muito em voga atualmente, se se exerce um papel ativo no presente e no futuro da própria cidade. Nesse sentido elaborei projetos; ajudei a criar um curso de cinema e vídeo; fiz palestras; escrevi roteiros, textos para teatro; coordenei oficinas. Os projetos foram muitos, a maioria deles ligada à comunidade: resgate da memória, valorização da história familiar, dos saberes de cada um compartilhados com o grupo. A maioria deles ficou no papel, por uma série de motivos: falta de verba, falta de pessoal ou falta mesmo de interesse. É difícil sensibilizar as pessoas, principalmente os políticos, para as questões e demandas da cultura. Mas foi um trabalho bastante rico. Rica também é a perspectiva em relação à dramaturgia. Houve um crescimento impressionante de dramaturgos nos últimos tempos, em qualidade e quantidade. Novos dramaturgos estão surgindo a cada dia com propostas diferenciadas, dialogando com novos públicos e com outros criadores do teatro. Sempre digo que a dramaturgia mais importante é a nova porque a dramaturgia tradicional já está estabelecida e só uma nova dramaturgia mantém viva, de maneira completa, a dinâmica do teatro. Novos atores, novos diretores, novos dramaturgos, novas experiências, novos olhares sobre o ser humano. Isso associado à vigorosa tradição do teatro brasileiro pode anunciar um momento ainda mais rico do que o que estamos vivendo. O teatro me proporcionou muitos dos melhores momentos da minha vida. Ele me deu minha primeira turma, orientou e impulsionou minha formação intelectual, meu interesse por outras áreas do conhecimento teve sempre como ponto de partida o teatro. Por meio dele conheci muitos lugares, fiz grandes amizades e continuo fazendo amigos com os grupos com os quais trabalho. Com o teatro consegui manter dignamente minha família. Por meio da dramaturgia, da palavra escrita, me coloco no mundo. Dizem que escrevo muito. O fato é que tenho uma enorme dívida com o teatro. E a forma de pagá-la é continuar escrevendo até “a última sílaba do tempo escrita” daquela tal “história contada por um imbecil cheia de som e fúria” a que Macbeth chama de vida. Uma Obra em Construção 2004 – Borandá Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Direção: Ednaldo Freire Elenco: Ali Saleh, Aiman Hammoud, Edgar Campos, Mirtes Nogueira, Luti Angelelli 2003 – Um Merlin Direção: Roberto Lage Elenco: Antonio Petrin, Cristiane Lima 2003 – Comovento Direção: Francisco Medeiros Grupo Andaime – Unimep de Piracicaba – SP 2002 – Auto da Paixão e da Alegria Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Direção: Ednaldo Freire Elenco: Ali Saleh, Aiman Hammoud, Edgar Campos, Mirtes Nogueira, Luti Angelelli 2002 – Stultífera Navis (A Nau dos Loucos) Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Ali Saleh, Aiman Hammoud, Edgar Campos, Mirtes Nogueira, Wilson Julião 2002 – Ópera da Terra Pilar Direção: Ednaldo Freire Produção: Prefeitura Municipal de Mauá Elenco: Atores e alunos das Oficinas de Arte da cidade 2001 – Ato Sem História Direção: Roberto Lage Ágora – Centro para Desenvolvimento Teatral 2001 – Masteclé Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Ali Saleh, Aiman Hammoud, Edgar Campos, Mirtes Nogueira 2001 – Um Trem Chamado Desejo Direção: Chico Pelúcio Grupo Galpão -Belo Horizonte Elenco: Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Antonio Edson, Arildo de Barros, Beto Franco, Fernanda Vianna, Simone Ordones, Teuda Bara, Lydia Del Picchia, Chico Pelúcio, Paulo André 2000 – Nonoberto Nonemorto Direção: Francisco Medeiros Grupo Andaime – Unimep de Piracicaba – SP Elenco: Andréa Ferreira, Antonio Chapéu, Carlos Jerônimo, Daniela Scarpari, Fábio Melo, Jorge Lode, Lila Marília, Luzia Stocco, Marcelo Brandão, Márcio Abegão, Marina Henrique, Paulo Faria, Simone Cintra 2000 - Maria Peregrina Direção: Cláudio Mendel Grupo da Cidade – São José dos Campos – SP Elenco: Andréia Barros, Eva Cristina Sielawa, Wander Palma, Carlos Rosa, Marcio Douglas, Conceição de Castro, Karina Müller 1999 – Till Eulenspiegel Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Ali Saleh, Aiman Hammoud, Clóvis Gonçalves, Edgar Campos, Gilmar Guido, Izilda Rodrigues, José Bezerra, Keila Redondo, Mirtes Nogueira, Nelson Belintani, Nilton Rosa, Salete Fracarolli 1998 – Iepe Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Ali Saleh, Edgar Campos, Fábio Visconde, Gilmar Guido, Izilda Rodrigues, José Bezerra, Keila Redondo, Mirtes Nogueira, Nelson Belintani, Nilton Rosa 1997 – Bar Doce Bar Direção: Ednaldo Freire Grupo Zambelê – SP Elenco: Aldo Avilez, Clóvis Gonçalves, Fausto Maule, Fernando Petelinkar, Flávio Quental, Tico d’Godoy, Jonathas Joba 1997 – Ópera Bufa para Dois Fulanos, um Amante, Garçom e Circunstantes* Direção: Renata Melo Escola de Arte Dramática – USP Elenco: Marizilda Rosa, Paola Musatti, Patrícia Soares, Telma Vieira, Vera de Andrade * Quadro integrante do espetáculo Boteco, realizado por alunos da EAD 1997 – A Troco de Nada Direção: Ednaldo Freire Grupo de Teatro do Banco Safra 1996 – Sacra Folia Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Ali Saleh, Fábio Visconde, Gilmar Guido, Izildinha Rodrigues, José Bezerra, Keila Redondo, Mirtes Nogueira, Nilton Rosa, Sérgio Rosa, Silvia Belintani 1996 – Burundanga Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Fábio Visconde, Gilmar Guido, Izildinha Rodrigues, José Bezerra, Keila Redondo, Mirtes Nogueira, Nelson Belintani, Nilton Rosa, Sérgio Rosa, Silvia Belintani 1995 – O Livro de Jó Direção: Antonio Araújo Teatro da Vertigem – SP Elenco: Lismara Oliveira, Mariana Lima, Matheus Nachtergaele, Miriam Rinaldi, Sérgio Siviero, Siomara Schröder, Vanderlei Bernardino, Daniella Nefussi 1995 – Lima Barreto, ao Terceiro Dia Direção: Aderbal Freire-Filho Elenco: Andréa Dantas, Chico Expedito, Cláudio Tovar, Eduardo Paranhos, Fernando Almeida, Françoise Forton, Karla Muga, Marcelo Escorel, Milton Gonçalves, Queca Vieira 1995 – O Anel de Malagão Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Ali Saleh, Gilmar Guido, Irland Araújo, Izilda Rodrigues, José Bezerra, Mirtes Nogueira, Nelson Belintani, Nilton Rosa, Sérgio Rosa, Silvia Belintani 1995 – A Grande Viagem de Merlin Direção: Ricardo Karman Elenco: Alessandro Fagundes, Alexandre Ferreira, Francisco Carvalho, Marcela Moraes, Sílvia Urbanski, entre outros 1994 – O Parturião Direção: Ednaldo Freire Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes Elenco: Ali Saleh, Fábio Visconde, Gilmar Guido, Izildinha Rodrigues, José Bezerra, Mirtes Nogueira, Nelson Belintani, Nilton Rosa, Sérgio Rosa, Silvia Belintani 1993 – A Guerra Santa Direção: Gabriel Vilella Elenco: Beatriz Segall, Cláudio Fontana, Cristina Guiçá, Fernando Neves, Jacqueline Momesso, Lúcia Barroso, Lulu Pavarin, Maria do Carmo Soares, Paulo Ivo, Rita Martins, Roseli Silva, Sérgio Zurawski, Umberto Magnani, Vera Mancini 1993 – Francesca Texto inédito 1992 – O Brando* Direção: Tiche Viana Escola Livre de Teatro de Santo André Elenco: Alunos da Escola Livre de Teatro * Coordenação de dramaturgia e texto final, a partir do enredo de Commedia Dell’Arte, Il Cavadenti, especialmente para a montagem da ELT 1992 – Travessias* Direção: Cacá Carvalho Escola Livre de Teatro de Santo André Elenco: Alunos da Escola Livre de Teatro * Adaptação do romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, especialmente para a montagem da ELT 1992 – Nosso Cinema Direção: Antonio Petrin Prefeitura Municipal de Santo André Elenco: Sonia Guedes, Sérgio Mamberti e elenco de artistas da cidade 1990 – Rei do Brasil* Direção: Nestor Monastério Elenco: Ariel Mosche, Javier Monteiro, Lúcia Barroso, Renata Zanetta, Renato Borghi, Renato Modesto * Foi escrita em 1990 com o título O Império do Brasil mas encenada em 1992 1990 – O Homem Imortal Texto inédito, escrito sob financiamento da Bolsa Vitae de Artes 1988 – Xica da Silva Direção: Antunes Filho Grupo Macunaíma Elenco: Grupo Macunaíma 1987 – Ladrão de Mulher Direção: Calixto de Inhamuns Com Vicentini Gomes 1986 – E Morrem as Florestas...* Direção: Volker Quandt Companhia Dansk Braziliansk Teater Projekt Elenco: Ana Maria de Souza, Bennyé D. Austring, Cacá Amaral, Dorrit Lillesoe, Genésio de Barros, Kirsten Kolstrup, Paul Valjean, Rosaly Papadopol * Texto escrito para o projeto ambiental conjunto entre o Brasil e a Dinamarca 1986 – Rosa de Cabriúna Direção: Márcia Medina Grupo Macunaíma Elenco: Barthô di Haro, Beth Daniel, Carla Miranda, Carlos Freire, Elida Marques, Elizete Gomes, Iolanda Vilela, Joca Santo, Luiza Albuquerque, Marcelo Presotto, Maria Prado, Naiclê Leônidas, Norcy Meira, Orestes Carossi, Renato Palhares, Sueli Rocha, Tereza Marinho, Wagner Nacarato, Warney Paulo 1985 – O Rei do Riso Direção: Osmar Rodrigues Cruz Teatro Popular do Sesi Elenco: Diná de Lara, Ednei Giovenazzi, Elias Gleizer, Jairo Arco e Flecha, Lúcio de Freitas, Luis Carlos de Moraes, Luiz Parreiras, Marcelo Coutinho, Maria E. Rodrigues Cruz, Marilena Ribeiro, Miro Martinez, Nelson Spazzini, Nise Silva Paulo Prado, Rosamaria Pestana, Sérgio Rossetti 1984 – Sai da Frente que Atrás vem Gente Direção: Mario Masetti Elenco: Aiman Hammoud, Aldo Bueno, Amair Hammoud, Cachimbo, Cléo Busato, Henrique Lisboa, Nara Gomes, Paco Sanches, Richards Paradizzi, Sonia Loureiro 1983 – Círculo de Cristal Direção: João das Neves Elenco: Rosi Campos, Maria Eugenia di Domênico 1982 – Bella Ciao Direção: Roberto Vignatti Grupo Arteviva Elenco: Calixto de Inhamuns, Cacá Amaral, Christiane Tricerri, Gabriela Rabelo, Mário César Camargo, Rosaly Grobman, Zécarlos Machado 1981 – Cala Boca já Morreu Direção: Ednaldo Freire Grupo Mambembe – SP Elenco: Genésio de Barros, Norival Rizzo, Maria do Carmo Soares, Rosi Campos, Noemi Marinho, Wanderley Martins 1980 – Foi Bom, Meu Bem? Direção: Ewerton de Castro Grupo Mambembe – SP Elenco: Ana Lúcia Cavalieri, Calixto de Inhamuns, Genésio de Barros, Norival Rizzo, Maria do Carmo Soares, Rosi Campos Roteiros para Cinema Kenoma Direção: Eliane Caffé Roteiro em parceria com a diretora Eliane Caffé Os Narradores de Javé Direção: Eliane Caffé Roteiro em parceria com a diretora Eliane Caffé Prêmios e Indicações 2004 - Prêmio Shell Melhor autor do ano pelo texto de Borandá 2003 – Prêmio Panamco Melhor autor infanto-juvenil pelo texto de Auto da Paixão e da Alegria 2002 – Prêmio de Melhor autor no Mapa Cultural Paulista 1998 – Indicação ao prêmio Shell Melhor autor pelo texto de Iepe 1997 – Indicação ao prêmio Apetesp Melhor autor pelo texto de Bar Doce Bar 1996 – Indicação ao prêmio Apetesp Melhor autor pelo texto de Burundanga 1996 – Prêmio APCA Projeto de Comédia Popular Brasileira da Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes 1995 – Prêmio Mambembe Melhor autor pelo texto de O Livro de Jó 1995 – Prêmio Apetesp Melhor autor do ano pelo conjunto da obra 1995 – Indicação ao prêmio Shell Melhor autor pelo texto de O Livro de Jó 1995– Indicação ao prêmio Sharp Melhor autor pelo texto de Lima Barreto, ao Terceiro Dia 1994 – Prêmio Estímulo de Dramaturgia, oferecido pela Secretaria de Estado de Cultura de São Paulo, para desenvolver o Projeto de Comédia Popular Brasileira junto à Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes 1993 – Indicação ao prêmio Shell Melhor autor pelo texto de A Guerra Santa 1990 – Primeiro lugar Concurso Nacional de Dramaturgia Sesc / Apart com o texto O Homem Imortal 1985 – Prêmio APCA Melhor autor pelo texto de O Rei do Riso 1982 – Prêmio APCA Melhor autor pelo texto de Bella Ciao 1982 – Prêmio Mambembe Melhor autor pelo texto de Bella Ciao 1982 – Prêmio Molière Melhor autor pelo texto de Bella Ciao 1980 – Prêmio APCA Autor revelação pelo texto de Foi Bom, Meu Bem? Publicações – Livros Comédia Popular Brasileira. São Paulo: Siemens, 1997. (Volume com as peças Burundanga, O Anel de Malagão, Sacra Folia e O Parturião) O Homem Imortal. In: Teatro Brasileiro. Belo Horizonte: Handam, 1998. (Com mais três peças de outros autores) O Homem Imortal. In: Concurso nacional de dramaturgia Sesc/Apart. São Paulo: 1990 (Com mais 3 peças de outros autores) Lima Barreto, ao Terceiro Dia. São Paulo: Caliban, 1996 O Livro de Jó. In: Trilogia Bíblica. São Paulo: Publifolha, 2002. p. 113-178 Nonoberto Nonemorto. Piracicaba: NUC, Unimep [2001] Xica da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1988 Peças Teatrais em Revistas Bella Ciao Revista da SBAT, Rio de Janeiro, set. 1984 Cala a Boca Já Morreu Teatro da Juventude, São Paulo, 3 (18): 37-82, jun. 1998 A Guerra Santa Revista da SBAT, Rio de Janeiro, maio 1993 Artigos O Coletivo Construtor. In: Trilogia bíblica. São Paulo: Publifolha, 2002. p. 59 Escola Livre: Volume e Profundidade de uma Experiência Artística. In: SANTO ANDRÉ. Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer. Os Caminhos da Criação; Escola Livre de Teatro, 10 anos. Departamento de Cultura: 2000 A Trajetória de um Dramaturgo. in Revista Comunicação & Educação. CCA- ECA-USP, São Paulo, 3 (8): 90-95, jan.-abr. 1997 Eppur si Muove! 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