Nicette Bruno e Paulo Goulart Tudo em Família Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro e Administrativo Alexandre Alves Schneider Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey Cultura Fundação Padre Anchieta Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Rita Okamura Coleção Aplauso Perfil Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico e Editoração Carlos Cirne Assistente operacional Andressa Veronesi Revisão Ortográfica Sárvio Nogueira Holanda Nicette Bruno e Paulo Goulart Tudo em Família por Elaine Guerini Cultura Fundação Padre Anchieta Imprensa Oficial São Paulo, 2004 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Guerini, Elaine Nicette Bruno e Paulo Goulart : tudo em família / por Elaine Guerini. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2004. – 256p.: il. - (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 85-7060-233-2 (obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-291-X (Imprensa Oficial) 1. Atores e atrizes de teatro – Biografia 2. Atores e atrizes de televisão – Biografia 3. Bruno, Nicette 4. Goulart, Paulo I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. 04-6380 CDD 791.092 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia : Representações públicas : Artes 791.092 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Introdução Domingo, 11 horas da manhã, na residência da família Goulart, no bairro de Higienópolis, em São Paulo. “Você resolveu, meu amor?”, pergunta Nicette ao marido, referindo-se ao cardápio do almoço. Definir o prato principal não é mesmo tarefa fácil. Principalmente para Nicette Bruno e Paulo Goulart, que costumam consagrar o domingo à família, aos amigos e aos prazeres da mesa há mais de 50 anos – desde que trocaram alianças no dia 26 de fevereiro de 1954, no altar da igreja de Santa Cecília. “Nhoque com braciola”, responde Paulo, abrindo um sorriso e abraçando a mulher, que ele insiste em chamar de “filhinha”. Não adianta perguntar qual o segredo da união tão duradoura, uma das mais sólidas do mundo artístico. Se existe receita, ela provavelmente continuará guardadinha na gaveta. O que salta aos olhos, observando o casal de atores no cenário doméstico, é o respeito pela individualidade do outro e a disposição para fazer concessões. Paulo, por exemplo, nunca gostou de café. O que não o impede de tomar um golinho (“mesmo sem vontade”) quando Nicette traz, com todo carinho, aquela xícara fumegante da cozinha. Ela sabe, no entanto, que não adianta insistir com quiabo ou jiló. Aí seria pedir demais. Paulo impõe respeito com 1,85 m de altura, voz grave e gestos largos e decididos. Nicette é do tipo mignon (1,52 m), com movimentos que sugerem doçura e delicadeza. Sempre brincalhão, ele não perde uma piada. Mais compenetrada, ela tende a levar tudo a sério. O marido conta as aventuras de sua vida floreando aqui e ali, buscando sempre os aspectos mais pitorescos. A mulher costuma ir direto ao ponto, soltando os detalhes aos poucos, só se forem solicitados. Quando dividem o palco ou o estúdio de televisão, ela tem uma preocupação maior com o conhecimento e a técnica. Ele entende a necessidade da companheira, mas preza pela espontaneidade. Em comum, eles têm o brilho no olhar. Típico de quem ainda quer muito da vida. Talvez por isso nenhum dos dois aparente a idade. 71 anos? Difícil de acreditar. Até o nascimento do casal, sempre sorridente, parece ter sido sincronizado. Vieram ao mundo no mesmo mês e no mesmo ano, janeiro de 1933. Nicette é apenas dois dias mais velha que Paulo, o que faz deles dois “teimosos capricornianos”. Um simples olhar é suficiente para que um saiba exatamente o que o outro está pensando. Para evitar que um acabasse terminando a frase do outro foi preciso fazer as entrevistas separadamente. Durante nossos encontros para a realização deste livro, o casal me recebeu no apartamento de São Paulo e no do Rio de Janeiro, em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas. Como São Paulo sedia os negócios da família, a empresa Nicette Bruno Produções Artísticas, e ambos são contratados da Rede Globo, com núcleo de novelas e minisséries em solo carioca, o jeito foi montar duas casas, com tudo em dose dupla. O que não impede Nicette (“para desespero do Paulo”) de sempre levar uma malinha quando viaja daqui para lá e de lá para cá. Os dois apartamentos são igualmente aconchegantes, aliando o bom gosto à simplicidade. Nos intervalos e no final das entrevistas, quando dava tempo de tomar mais um cafezinho e comer um pedacinho de bolo, Paulo e Nicette voltavam imediatamente a dividir o sofá. Era “querido” para cá, “filhinha” para lá. As expressões carinhosas até poderiam soar falso saindo da boca de qualquer outro casal com tantos anos de estrada. Mas não dos Goulart, que envolvem todos ao seu redor com uma energia amorosa difícil de ignorar. Por onde passam, conseguem acender uma luz no coração das pessoas. E o sentimento que os une transcende a relação homem-mulher. Estende-se a todas as coisas. É o amor à família, ao próximo e à arte. A arte foi justamente a desculpa que o destino encontrou para colocá-los frente a frente. Aos 19 anos, a carioca de Niterói e o paulista de Ribeirão Preto conheceram-se no palco e trocaram os primeiros beijos nos camarins durante os intervalos do espetáculo Senhorita Minha Mãe (1952), no Teatro de Alumínio, localizado na Praça das Bandeiras, em São Paulo. Para Paulo foi amor à primeira vista, assim que foi testa-do por “aquela baixinha exigente” para o pa-pel de galã da Companhia Nicette Bruno e seus Comediantes. A estrela que só pensava em trabalho precisou de mais tempo, mas não demorou até ver aquele “rapaz bonitinho” com outros olhos. Desde o momento que saíram de uma festa de mãos dadas, sinal de início de namoro firme nos anos 50, nunca mais se desgrudaram. Dividiram as tarefas e fizeram todos os ajustes necessários para que o casamento desse certo sem que ninguém precisasse abrir mão dos sonhos profissionais. Quantas vezes Paulo não estava trabalhando no Rio, enquanto Nicette gravava em São Paulo? Nem por isso deixaram de se ver. Os dois sempre se revezaram nas visitas, não deixando a tal chama apagar. Até equilibrarem a vida financeira, apertaram o cinto e enfrentaram as dificuldades com bom humor. Trabalharam juntos, construindo os cenários das próprias peças, se fosse preciso. Suas trajetórias confundem-se com a história do teatro e da televisão no Brasil. São mais de 50 espetáculos teatrais e quase 40 novelas e minisséries no currículo de cada um. Com façanhas profissionais costuradas à vida pessoal, souberam administrar os egos artísticos sob o mesmo teto. Um sempre vibrou pelo sucesso do outro. Inclusive nas montagens domésticas, em que subiram juntos ao palco. Muitas vezes acompanhados da mãe de Nicette, Eleonor Bruno, e dos três filhos, Bárbara Bruno, Beth Goulart e Paulo Goulart Filho, que também enveredaram pela carreira artística, enchendo os pais de orgulho. E também de preocupação, já que filho de artista geralmente pena para conseguir sair da sombra da família. Até os netos, a quem foi transmitido inevitavelmente o gosto pelo palco, acabaram seguindo os passos de Paulo e Nicette. Como Vanessa Goulart. E já surgiu uma nova geração (será de atores?) com a bisneta Bruna, de um aninho, filha de Eduardo di Micheli, que contracenou com a avó Nicette na novela Louco Amor (1983). Juntos, formam a família de atores mais unida do Brasil. Quando dividem o palco costumam comentar, seja no café da manhã, no almoço, seja no jantar, a reação do público na performance anterior. Como ocorreu mais recentemente, quando Nicette, Paulo, Bárbara, Paulinho e Vanessa contracenaram no espetáculo Sábado, Domingo e Segunda (2003), de Eduardo De Filippo, em São Paulo, no Teatro das Artes. Os encontros servem não só para afinar a sintonia artística e profissional, mas para reforçar a união e o bom humor dos Goulart. Nos seus barulhentos almoços de domingo, quase todos passam pela cozinha. Nem que seja só para levantar a tampa da panela e dar uma espiadinha... No dia em que Nicette preparava um camarão ao catupiry, alguns fizeram mais que isso. Louco por condimentos fortes, Paulo sapecou o prato de pimenta e saiu da cozinha, sem que Nicette percebesse. Quando a família, já faminta, se sentou à mesa, ninguém conseguiu comer de tão apimentado. Conhecendo o marido tão bem como só Nicette conhece, ela foi logo lhe puxando a orelha. Paulo defendeu-se, dizendo que tinha colocado “só um pouquinho”. O que Paulo não esperava é que Nicette já tivesse dado um toque extra de pimenta, sabendo que o marido gosta tanto. Na mesma hora, Eleonor, que a família chama carinhosamente de Nonoca, assumiu a culpa: “Paulo gosta tan-to de pimenta que eu também coloquei um pouquinho”, revelou. Nem preciso dizer que Paulo foi o único a devorar o camarão. Estava uma fogueira. Elaine Guerini Abril de 2004 Nicette Bruno Capítulo 1 Brincando de Representar Única filha de Eleonor Bruno e Synésio Campos Xavier, nasci no dia 7 de janeiro de 1933 em Niterói, no Rio de Janeiro, em casa de artistas. Não de profissionais, mas artistas de alma. Minha avó, Rosa d’Aniballe Bruno, era cantora e professora de canto. Seus irmãos, Vicente, Artur e Deodato, mesmo exercendo outras profissões, como medicina, engenharia e arquitetura, tocavam violino e piano. Minha mãe era cantora e professora de declamação, enquanto meus tios, Pascoal e Flordéa, eram bailarinos. Cresci em ambiente propício à arte, assistindo fascinada às apresentações da minha avó nas reuniões de família, aos sábados à noite, quando tradicionalmente ela promovia a “hora de arte” na nossa casa. Quando os artistas da família voltavam de suas apresentações, já de madrugada, eu pulava da cama. Nós, crianças, evidentemente éramos forçadas a dormir, pela minha avó, às 8 horas da noite. Mas, mamãe, sabendo do meu desespero, vinha me buscar no quarto e me levava até a cozinha. Vovó esperava por todos com a mesa posta, com café quentinho e bolos deliciosos. Houve um período em que mamãe, tio Pascoal e as tias Lígia e Flordéa se apresentaram no Cassino da Urca, como os Irmãos Bruno. Não podia ir ao show, mas queria participar, ouvindo tudo o que eles tinham para contar. Seus comentários sobre como tinha sido o espetáculo e quem tinha comparecido me transportavam ao palco, aguçando a minha veia artística. Todos nós morávamos com minha avó, no bairro de Icaraí. Era uma casa enorme, com salões amplos e muitos quartos. A casa era grande o suficiente para abrigar os meus tios que, mesmo casados, viviam com vovó. Como os meus pais se separaram, quando eu tinha apenas dois anos, convivi pouco com o meu pai, que se dedicava às finanças, ocupando cargo no Tesouro Nacional. Só fui conhecê-lo melhor mais tarde, após os meus 19 anos. Apesar da ausência de meu pai, que eu via uma vez por semana, a separação não me impediu de ter uma infância feliz. E muito agitada também, graças ao entrae-sai de amantes das artes na casa de vovó. Como tenho saudade daquelas reuniões regadas a música e a cultura... Por influência familiar, comecei a me exibir precocemente. Desde pequenininha, cantava e declamava Olavo Bilac, Casimiro de Abreu e Castro Alves para quem quisesse ouvir. Assim que colocavam um disco na vitrola, eu já saía dançando. Aos 4 anos, fui levada por um amigo da família à Rádio Guanabara para ser avaliada por Alberto Manes. Imediatamente fui chamada para participar do programa infantil da emissora. Todos os domingos, às 10 horas da manhã, eu ia toda radiante cantar e declamar na rádio. Foi o meu primeiro emprego! Aos 5 anos, comecei a estudar piano e, aos 6, ingressei no balé no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, tendo Tâmara Capeler como professora. Naquela época fazia parte da educação da menina estudar balé e piano, o que dava noções de boas maneiras e de postura. Hoje ninguém liga mais para isso, mas sou do tempo em que uma garota precisava saber se sentar corretamente. Na escola, eu sempre era a escolhida quando alguém da classe era incumbido de fazer o discurso de final de ano para a professora. Fazia questão de participar de todas as festividades, desde que eu pudesse me apresentar. A minha infância foi praticamente toda voltada à preparação artística. Minha vida era toda programada. Mamãe estipulava uma tabela com horário para levantar da cama, estudar piano, ir à escola e ir ao balé. Nunca se esquecia do lazer, reservando um horário para brincar, o que geralmente caía no final da tarde, antes do jantar. Mas adivinhe do que eu gostava de brincar? De teatrinho, claro. Não tinha vontade de brincar de boneca ou de casinha, como a maioria das meninas. Achava sem graça. Recebi muitas influências na minha trajetória. A maior delas de minha mãe. Na sua graça frágil de menina, parecia minha irmã. Ela abriu os caminhos da arte na minha vida, fazendo nascer em mim o gosto, o hábito e a necessidade de leitura e de estudo. Desde garota, ela me guiou. Sempre com muito tato, a ponto de nunca interferir na minha personalidade. Minha mãe simplesmente me colocou em contato com a minha própria natureza e, conseqüentemente, com o meu destino. Ela descobria as minhas inclinações e encontrava os melhores caminhos para realizá-las. Ainda me ensinou que nenhuma arte se faz sem aprendizado, base técnica, paciência beneditina e tremenda disciplina. Pelo meu caminho ainda passaram professores que me colocaram em contato com as artes, reforçando o meu desejo e a minha vocação. No Instituto Lafayete, no Rio, onde eu cursei o ginásio, havia aulas de expansão cultural com a professora Dalila Geraldo, uma grande declamadora da época. Além de lecionar História, ela sabia como transmitir o gosto pela poesia. Ainda aproveitava as festividades escolares para colocar os alunos no palco, encenando peças ou realizando concertos. Como eu tocava piano, sempre me apresentava. Por me sentir à vontade para tocar em público, comecei a participar de audições de piano, ingressando no conservatório, onde fui aluna do maestro Fontainha. Muito madura para a minha idade, eu já tinha convicção do que queria ser aos 11 anos, quando entrei para o grupo de teatro da ACM, Associação Cristã de Moços. Foi lá que comecei a minha carreira propriamente dita, estudando os autores clássicos e os contemporâneos. Aprendi desde cedo que nenhum papel se constrói sem pesquisas exaustivas e concentração absoluta. Existe a inspiração, sim. Mas ela pouco vale sem o trabalho. Éramos um grupo de atores amadores na ACM, mas trabalhávamos sob a orientação de diretores profissionais, vindos do rádio ou do teatro. Desse grupo saíram nomes de peso como Sérgio Britto, Sérgio Cardoso, Nathália Timberg, Sonia Oiticica e Paulo Porto. Realizei um sonho, aos 14 anos, ao ganhar o papel de Julieta na montagem dirigida por Esther Leão de Romeu e Julieta. Isso aconteceu assim que deixei a ACM e ingressei no Teatro Universitário, de Jerusa Camões. Obviamente eu era jovem demais para um papel shakespeariano de tamanha responsabilidade e complexidade. Provavelmente só dei conta do recado por ter adquirido o gosto pela literatura aos 9 anos. Sempre li muito. Do contrário, não teria me sentido à vontade para interpretar um grande texto. Muito menos teria tido consciência de seu valor poético. Foi com essa postura, muito séria, que eu pisei no palco para desempenhar a primeira protagonista da minha carreira, contracenando com Luís Delfino, no papel de Romeu. E deu certo. Julieta me rendeu o primeiro convite para fazer cinema. Ainda aos 14 anos, rodei Querida Suzana (1947), com direção de Alípio Ramos. Nunca esqueço do primeiro dia de filmagem. Mesmo sem ter experiência, agi naturalmente diante da câmera. Engraçado como eu nunca vi mistério na arte de representar. Desde que eu me sentisse preparada, ten-do feito a minha lição de casa, sempre me soltava, dando a impressão de ter mais experiência do que realmente tinha. Nessa comédia, também estrelada por Anselmo Duarte e Tônia Carrero, interpretei uma jovem de uma escola de moças. Éramos um grupo de alunas às voltas com os problemas típicos da idade, como inventar uma mentira para encontrar com o namorado. Foi divertido... O convite para estrear numa companhia profissional veio logo depois, por telefone. Estava me arrumando para ir à escola, para o Instituto Lafayete, quando mamãe atendeu à chamada. Queriam que eu fizesse um teste para o papel de Ornela na montagem de A Filha de Iório, tragédia pastoral de Gabriele D’Annunzio, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A princípio, a personagem tinha caído nas mãos de Wahita Brasil, que adoeceu gravemente duas semanas antes da estréia. Como a diretora Dulcina de Moraes buscava uma jovem atriz que pudesse substituí-la às pressas, aceitou a sugestão de Luís Delfino. Ele havia comentado que eu era talentosa. Só precisava de uma chance. Após a aula, segui diretamente para a Companhia Dulcina-Odilon. Nem tive tempo de tirar o uniforme ginasial. Quem me recebeu foi Maria Jacintha, a tradutora do texto, que tinha grande influência cultural na Companhia da Dulcina. Ao se deparar com uma menina, com os livros da escola embaixo do braço, ela olhou bem para mim e disparou: Você está mesmo com coragem para enfrentar uma personagem de responsabilidade? Com firmeza, respondi que sim. Quem leu o texto comigo foi Dulcina, que viveria Mila di Codra, uma mulher considerada bruxa em região de camponeses. Ornela, minha personagem, era justamente a irmã do rapaz que se apaixona pela feiticeira, era o segundo papel feminino da peça. Mal pude acreditar quando, ao final do teste, Dulcina me chamou para o ensaio, às 9 horas da noite. Confesso que, de tão inexperiente, nem tinha consciência de que aquela leitura tinha sido um teste. Soube só mais tarde que Dulcina havia se encantado com a pureza com que eu abracei a persona-gem, ali na hora. Só cometi um erro grave: menti a idade. Com medo de perder a oportunidade, disse que tinha 16 anos em vez de 14. Obviamente a mentira veio à tona no dia seguinte, quando minha mãe foi chamada para acertar os detalhes com o administrador da Companhia. Ela corrigiu a minha idade e insistiu em que eu nunca mais fizesse isso. Daqui a alguns anos você vai querer diminuir a idade. Pode acreditar, brincou mamãe. Capítulo 2 Sobe o Pano... Nasce uma Estrela Nunca vou me esquecer da emoção quando a cortina foi aberta na noite de estréia de A Filha de Iório. Eu era a primeira do elenco a abrir a boca. Quando subiu o pano, lá estava eu preparando as roupas do suposto casamento da bruxa. Não consegui ver nada, já que a platéia estava toda escura. Mas, assim que comecei a cantar, fiquei arrepiada. O primeiro momento em que eu senti a platéia foi uma emoção indescritível. Quando o espetáculo terminou foi uma ovação. A mãe de Dulcina, D. Conchita de Moraes, outra integrante do elenco, me levou para a frente do palco e todos aplaudindo a minha estréia. Os aplausos ficaram gravados para sempre na minha memória e a performance me valeu o prêmio de revelação de atriz de 1947, concedido pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Assim que ingressei na Companhia, minha vida virou uma loucura. Estudava piano pela manhã, freqüentava as aulas no Instituto Lafayete à tarde e atuava no teatro à noite. Às quintas-feiras, precisava pedir dispensa das duas últimas aulas ao diretor da escola, por conta da matinê do espetáculo, às 4 horas da tarde. Nesse momento, eu já me tornei profissional. Com registro na carteira e tudo, apesar de a profissão ainda não ser reconhecida na época. A função, para efeito de registro, era chamada de diversões públicas. Só nos anos 70 é que foi instituída a profissão de ator. Inicialmente quem exerceu influência sobre o meu modo de representar, sobretudo nas inflexões e gestos, foi Dulcina, que era atriz e também diretora. Maria Jacintha, responsável pelo repertório do Teatro de Arte do Rio de Janeiro, também marcou o início da minha carreira. Como eu tinha fome de aprender e gostava de estudar, ela me ensinou muito. Por ser uma profunda conhecedora do teatro francês e, inclusive, professora de francês, nós fazíamos grupos de leitura. O contato com profissionais, peças e personagens importantes foi me dando uma consciência e um posicionamento profissional muito forte, ainda que eu não passasse de uma menina. Ziembinski, que me dirigiu aos 15 anos em Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, me ensinou uma técnica de representação que eu passei a exercer tempos depois. Na época, eu só tinha a percepção, mas não a consciência absoluta. Aprendi com ele a técnica de segurar a emoção e de explodir internamente sem emitir nenhum som. Minha personagem era a jovem cega, Ana Maria. Por ser fruto de adultério da mãe, o pai tranca a menina em mausoléu de vidro, onde ela é criada até os 16 anos por mucamas. Na cena em que ela morre sufocada, tive de fazer toda a representação no silêncio absoluto, incluindo as pancadas que ela dá no vidro. Quando montamos Os Homens (1949), de Louis Ducreux, Ziembinski também me ensinou uma técnica corporal que me ajuda até hoje a trocar de roupa rapidamente no palco. Eu saía de cena e, no espaço de menos de um minuto, precisava tirar uma camisola e colocar um figurino completo, com sapato, saia, blusa, chapéu, luvas, bolsa e guarda-chuva. Antes mesmo de sair de cena, Ziembinski me deu o toque de já soltar o botão da camisola. E, do lado de fora, o meu tio Pascoal já me esperava com a saia aberta, pronta para eu vestir. Em fração de segundos, eu fechava o zíper, enfiava a blusa e pegava todos os acessórios. Houve uma ocasião, porém, em que meu tio não estava lá. O jeito foi improvisar ao voltar para o palco, onde o ator que contracenava comigo, Odilon Azevedo, me olhou assustado, ao ver que eu não tinha trocado de roupa. Foram os contratempos que me deram jogo de cintura no palco. O primeiro grande desespero da minha carreira veio com Fausto (1949), de Goethe, um fracasso retumbante. Era a inauguração do teatro mecanizado do Hotel Quitandinha, o primeiro com palco giratório no Brasil. A princípio, deveria ter sido uma grande montagem, com coro e corpo de baile. Participávamos eu, no papel de Margarida, Graça Mello, que vivia Fausto, Luiza Barreto Leite, que fazia Marta, e Luiz Tito, na pele de Mefistófeles, entre outros atores. Embora a estréia já estivesse marcada, nós não tínhamos quem nos ensaiasse. A orquestra, o coro e o corpo de baile ensaiavam, enquanto nós esperávamos por Herbert Martin, que nos orientasse, já que a direção era assinada por ele. Como isso não aconteceu, porque esse homem não entendia nada de teatro, nós pedimos que Ziembinski nos preparasse. Estávamos completamente perdidos. Até porque a peça era toda em versos. Ensaiamos por 20 dias, o que nos deu certa segurança do que íamos fazer. Só que isso não significava que o espetáculo estivesse pronto. Havia 22 cenários e um palco giratório, no qual ninguém tinha pisado ainda. Ficamos hospedados durante 15 dias no Quitandinha, sem to-mar contato com o tal palco, que só conhecemos na véspera do espetáculo. Mesmo assim, não houve ensaio ou qualquer demonstração de como o palco funcionaria na hora. Um absurdo! Naquele momento, por inexperiência mesmo, eu não tinha a menor noção do aspecto técnico. Só podia responder pelo meu personagem. No grande dia, o público, as personalidades e uma caravana de críticos teatrais lotaram o teatro em Petrópolis. Quando foi aberta a cortina, em vez de presentearmos a platéia com um clássico da dramaturgia, protagonizamos um verdadeiro show de horrores. Após o primeiro monólogo da Margarida, quando ela tem uma visão de Fausto na igreja enquanto está tecendo, eu fiquei esperando que a luz fosse apagada e o palco girasse. Mas nada disso aconteceu. Fiquei ali parada. E nada. Até que o contra-regra, desesperado, abriu a cortina e gritou: “Senhorita, já acabou. Saia!”. Não preciso dizer que a platéia veio abaixo, morrendo de rir. Em outro momento do espetáculo, eu, Luiza, Graça Mello e Tito deveríamos nos encontrar em cena de passeio em um jardim. Quando entramos no palco, no entanto, Luiza e eu percebemos que os dois não estavam lá, pois tinham ficado presos em um emaranhado de sarrafos que ligavam todos os cenários. Nós ficamos absolutamente sem graça no palco. Como é que podíamos improvisar uma peça escrita em versos? Luiza tentou, apontando para o canto direito, dizendo: “Lá vêm eles”. Para nosso azar, os dois entram esbaforidos por trás de nós, provocando uma gargalhada geral. Parecia uma comédia pastelão, digna de O Gordo e o Magro ou de Carlitos. Foi uma loucura! Em outra cena, eu tinha de vestir uma camisola, quando Margarida já entra no processo de loucura. Como não dava tempo de me trocar no camarim, deixei a roupa pendurada na coxia. Quando precisei da peça, não encontrava. Todo mundo estava à procura da minha camisola quando alguém percebeu que, com o movimento giratório do palco, ela tinha sido fisgada por um prego. Ia de um lado para o outro no palco, como se fosse uma bandeira. Corri para resgatála. Que situação ridícula, meu Deus! Quando consegui finalmente pegar a camisola, ela estava toda rasgada. Foi assim que entrei no palco. Pelo menos esse erro ninguém percebeu, já que a camisola esfarrapada combinava com o estado mental de Margarida. Não havia nada que eu pudesse fazer. A não ser chorar. E foi o que eu fiz. Às vezes, na coxia, encontrava mamãe, que tentava me ajudar. Ao me ver aos prantos, dizia: “Calma! Vá em frente e faça a sua parte”. Enquanto nós estávamos nesse desespero, fazendo das tripas coração para o espetáculo chegar ao fim, o organizador simplesmente pegou o avião e fugiu com toda a renda. Não pagou ninguém. No dia seguinte, o Rio de Janeiro não falava de outra coisa. Foi um fiasco antológico. Capítulo 3 Teatro: Ato de Resistência O teatro é uma arte viva. O que se vê no palco não se esquece jamais. É a força da ação que se desenrola diante dos nossos olhos. O cinema pode igualmente emocionar, mas não é uma experiência única. Pelo simples fato de, a qualquer momento, ser possível rever o filme. O mesmo ocorre com o livro, que é base de sustentação tanto do teatro quanto do cinema. Ele está sempre à mão, quando buscamos o conhecimento. Já a televisão é um veículo descartável, apesar da força fantástica de comunicação. A verdade é que nenhuma mídia substitui a outra. Por mais que quisessem esmagar o rádio, ele continua firme. O teatro fraqueja às vezes, mas não morrerá nunca. Talvez uma das maiores lições que aprendi no início de carreira tenha sido a de encarar o teatro como um ato de resistência no Brasil. Quando quiseram demolir o Teatro Fênix, por exemplo, participei do protesto da classe artística no Rio de Janeiro. Para que não derrubassem aquela construção lindíssima, uma réplica do próprio Teatro Municipal, com palco italiano e camarotes, nós ficamos uma semana instalados ali. Mamãe sempre comigo. Nenhum de nós saiu do local para nada. Era uma loucura. Resistimos até o último minuto, mas perdemos no final. A luta continuou quando tentei montar um teatro itinerante no Passeio Público, no Rio, em 1951. A idéia de construir um teatro desmontável, baseado nos que existiam nos EUA, com estrutura de alumínio, partiu do fotógrafo e empresário Halfeld, conhecido como o fotógrafo das estrelas. Como ele queria criar esse projeto no Rio, me chamou para ser a titular da Companhia. Animadíssima, eu convidei Dulcina de Moraes e começamos imediatamente a montar o primeiro espetáculo. Só que o dire-tor do Patrimônio Histórico Nacional vetou a instalação alegando que descaracterizaria o jar-dim. Como eu tinha apenas 18 anos e estava entusiasmada com a idéia de ter uma companhia de teatro, não tive dúvidas: fui pedir ajuda ao presidente da República, Getúlio Vargas. Consegui uma audiência e surpreendentemente obtive a sua aprovação para construir o teatro no Passeio Público. Embora tenha sido uma visita rápida, a imagem de Getúlio ficou para sempre na minha memória. Fui embora, feliz da vida, sem me dar conta de que não tinha nada de concreto nas mãos. Quando disse que o presidente estava do meu lado, pediram a autorização por escrito. E quem disse que eu consegui me aproximar dele depois? Ficou apenas a minha palavra. Dei várias entrevistas a respeito, defendendo o meu ponto de vista. Afinal, nós só queríamos um espaço para o teatro. Sempre fui impulsiva, principalmente quando desejava uma coisa e sentia que tinha forças para lutar por ela. Graças a essas entrevistas inflamadas, consegui chamar a atenção de São Paulo, recebendo um telegrama do secretário de Cultura de São Paulo, Brasil Bandeck. Dei pulos de alegria quando ele me ofereceu a Praça das Bandeiras, onde futuramente foi instalado o Paço Municipal, sede atual da Câmara. Foi lá que o teatro, revestido de alumínio e com interior de madeira e alvenaria, foi construído. O Teatro de Alumínio foi inaugurado em 1952, com a Companhia que levava o meu nome, Nicette Bruno e Seus Comediantes. Convidei Dulcina para dirigir o espetáculo De Amor Também Se Morre, de Margaret Kennedy, para a estréia do espaço, com capacidade para acomodar 500 pessoas. Como Dulcina não pôde aceitar, quem veio foi Turkow, um diretor polonês da mesma geração do Ziembinski. Praça das Bandeiras, com o Teatro de Alumínio à direita Lembro que a noite de estréia foi um sucesso. A fila para entrar dava uma volta ao redor do teatro. A procura se deu, em parte, graças à idéia que tivemos de oferecer os ingressos a preços populares. Foi o primeiro teatro com preço popular do Brasil. Antes de encerrarmos a temporada de De Amor Também Se Morre, surgiu mais um problema. Halfeld resolveu voltar ao Rio, deixando a Companhia em desespero. Ensaio de De Amor... com Felipe Wagner e Kleber Macedo Foi embora assim que percebeu que eu não que-ria mais namorá-lo. Houve sim um início de romance, mas, no fundo, nunca gostei dele. Estava apenas sendo grata por tudo que ele havia feito para me ajudar profissionalmente. Halfeld mostrou que todo o seu esforço, no sentido de montar um teatro, era apenas para me conquistar. Com o orgulho ferido, nos abandonou, deixando vários pepinos para trás. De repente, eu me vi sozinha, com a responsabilidade de manter ou não o emprego de 22 pessoas que trabalhavam conosco. Eu e Abelardo Figueiredo, meu amigo e secretário da Companhia, não tínhamos noção de como manter um teatro. Só entendíamos do aspecto artístico. Na falta de um administrador, Abelardo teve de assumir o cargo e pedimos reforço financeiro a meus parentes, que, reunindo suas economias, nos ajudaram a terminar a temporada. A partir da segunda peça, porém, nós sabíamos que teríamos de nos virar sozinhos. Sem falar que, diante das dificuldades econômicas, tivemos vários desfalques no elenco da Companhia. Como a maioria dos atores era do Rio, eles quiseram voltar para casa. Inclusive o galã, Fernando Villar, que fazia par romântico comigo. Enquanto nós lutávamos para montar a segunda peça, Ruggero Jacobbi, diretor da TV Paulista, se encantou pelo meu dinamismo, ao ver uma jovem tão devotada ao teatro. Ele se associou à Companhia, assumindo a direção do segundo espetáculo. Eu estava inclinada a montar A Rainha do Ferro Velho, de Garson Kanin, mas a peça pedia muitos cenários e figurinos e não tínhamos dinheiro. Ruggero sugeriu Senhorita Minha Mãe, de Louis Verneuil, mencionando que conhecia um jovem ator, interessante e bonito, que poderia ser o nosso galã. Era Paulo Goulart, que atuava na novela Helena, de Machado de Assis, na TV Paulista. Capítulo 4 De Mãos Dadas no Bondinho Como eu enfrentava todas as adversidades quixotescamente, sempre segurando a minha lança para vencer os obstáculos, não tive olhos para Paulo Goulart em um primeiro momento. Por estar tão compenetrada no projeto do Teatro de Alumínio e carregar uma grande responsabilidade nas costas, inicialmente só o vi como ator. Nada mais. Quando Paulo foi trazido por Ruggero Jacobbi como um candidato à vaga de galã de Senhorita Minha Mãe, só me interessava saber se poderíamos contar com o rapaz para o espetáculo. Assim que ele passou no teste, eu só pensava em começar os ensaios. Não tinha cabeça para namoro. Nem por um segundo imaginei estar diante do homem com quem me casaria dois anos depois. Como não tínhamos dinheiro para pagar um produtor, eu, mamãe e Abelardo arregaçamos as mangas para garantir que a peça saísse do papel. Saímos à caça de material para cenário e de tecidos para os figurinos nas lojas mais baratas do centro de São Paulo. Meu tio Pascoal, que era figurinista, criou as roupas dos personagens. Foi uma escola fantástica, pois fomos obrigados a nos envolver em todos os aspectos da produção. Naquele período não havia patrocínio ou apoio. Apesar das dificuldades, o espetáculo foi um sucesso. Paulo conseguiu se destacar graças ao seu histrionismo. Assim que ele espirrou no palco e uma pessoa da platéia disse “Saúde!”, Paulo soltou um “Obrigado!”, saindo assim deliberadamente do texto. Confesso que a sua representação, muito moderna para a época, me incomodava. Cheguei a colocar na tabela da coxia do teatro, onde eu normalmente deixava avisos para os atores, uma mensagem para que eles se restringissem ao texto durante o espetáculo. Indiretamente era uma repreensão. Passei a ver Paulo com outros olhos só na primeira segunda-feira de folga da Companhia, depois da estréia, quando todos nós fomos convidados para uma festa, no bairro de Santo Amaro. Abelardo, que estava morando com Paulo, disse baixinho para mim: “Acho que vai sair romance na nossa Companhia”. Ingênua, perguntei: “É mesmo? Quem?”. “Entre a mocinha e o galã”, ele respondeu. Como fiz uma cara de que não tinha entendido, Abelardo completou: “Paulo está apaixonado por você”. Mais relaxada, com a peça indo bem em cartaz, passei a reparar melhor naquele rapaz que já ha-via dado mostra de talento e companheirismo. Durante a festa, Paulo e outros convidados pediram que eu declamasse uma poesia, hábito comum na época. Como Paulo havia elogiado uma declamação minha após um jantar durante os ensaios, eu escolhi a mesma obra para aquela noite: o poema de Olegário Mariano, Único Amor. Enquanto declamava, olhava para os lados e não via Paulo. Assim que terminei, o encontrei sentado sozinho em um outro cômodo. Ao me aproximar, disse: “Todo mundo pediu para eu declamar, você inclusive. Mas você sumiu”. “Pedi que você declamasse para mim”, frisou ele. “Não para todo mundo”. Naquele momento, em que ele se mostrou tão sensível, ouvi o primeiro sininho tocar. Mais tarde, quando ele cantou para mim a música Índia, ouvi de novo. Os sinos tocaram várias vezes naquela noite. Paulo ainda me tirou para dançar e, quando a música terminou, nós continuamos de mãos dadas. Saímos juntos da festa, com mamãe e tio Pascoal do nosso lado. Como todos nós tínhamos de pegar o bondinho de Santo Amaro para voltar para casa, foi nesse trajeto de volta, sempre de mãos dadas, que começamos a dizer coisas românticas um para o outro. Mesmo tímido, Paulo sabia como fazer um galanteio, para usar um termo da época... Como meu namorado, Paulo passou a ter mais interesse na Companhia como um todo e começou a ajudar mais efetivamente. Ajuda nunca era demais, já que tínhamos de apagar um incêndio atrás do outro. Enfrentávamos toda sorte de obstáculos, capazes de desanimar qualquer pessoa. Um dia acordei com o contra-regra batendo desesperadamente à porta. Um caminhão estava simplesmente retirando todas as poltronas do Teatro de Alumínio. Fui para lá correndo. Descobri que o pagamento das cadeiras não tinha sido realizado, talvez por vingança. Enquanto os carregadores levavam as cadeiras por ordem judicial, começaram a chegar jornalistas de rádio, televisão e mídia impressa. Triste e muito abalada, eu só pude dizer que estava tão chocada quanto todos eles. Não tinha conhecimento da dívida para com a fábrica de poltronas. Só sabia do meu esforço. Há mais de três meses eu estava naquela luta. Falando assim, o período de três meses parecia pouco tempo. Mas não era. Principalmente porque eu era muito jovem e estava sem dinheiro. O escândalo das poltronas gerou, surpreendentemente, uma calorosa demonstração de solidariedade dos paulistanos. Donos de lojas de móveis próximas à Praça das Bandeiras cederam cadeiras. Uma casa cedeu cem cadeiras, outra mais cem, e assim nós completamos o teatro e pudemos dar continuidade à temporada de Amor x Casamento, de Maxwell Anderson. Antes de iniciarmos o espetáculo, no entanto, eu sempre agradecia aos donos das lojas de móveis e dizia que, se o público se sentisse desconfortável, poderia passar na bilheteria e pegar o seu dinheiro de volta. Nós estávamos apenas cumprindo a nossa missão. Sabíamos que não estávamos oferecendo o conforto necessário. Dez dias depois, recebi mais uma péssima notícia. A prefeitura me enviou uma intimação para fechar o teatro. Isso porque nós não tínhamos alvará de funcionamento para manter um teatro sem poltronas. Foi um novo desespero, me obrigando a procurar novamente o secretário Brasil Bandeck. Como eles estavam construindo os teatros da prefeitura nos bairros, nós fomos contratados para inaugurar esses espaços. Abrimos o teatro Arthur de Azevedo, na Mooca, o João Caetano, na Vila Mariana, e também os teatros Leopoldo Fróes, Colombo e São Paulo, que hoje já não existem. Sempre com uma das três peças do repertório do Teatro de Alumínio: Amor x Casamento, De Amor Também Se Morre e Senhorita Minha Mãe. Ainda assim, os espetáculos só saíam porque dávamos o nosso sangue. Sequer tínhamos dinheiro para manter o contra-regra, o maquinista ou realizar três cenários, mantendo a tradição da época de dividir os espetáculos em três atos. Nós mesmos tivemos de colocar a mão na massa, pintando os tecidos e montando os cenários. Meu Deus, era uma loucura! Às vezes havia mais gente no palco do que na platéia. E olha que nós pegávamos um carro e saíamos percorrendo o bairro anunciando o espetáculo com um alto-falante. Capítulo 5 O TINB Faz História... Era o meu 20o aniversário e eu não via motivo para comemorar, naquele 7 de janeiro de 1953. Não tinha superado a perda do Teatro de Alumínio, que dissolveu a nossa Companhia e nos envolveu com a sombra do fracasso. Estava realmente muito triste por não ter um palco próprio onde pudesse representar. Era tudo o que eu queria na vida. Não tinha desistido do meu sonho ou me dado por vencida, mas estava ficando cansada de tantos atropelos. O que me empurrava para a frente era, em parte, a nossa união. Eu, Paulo, mamãe, tio Pascoal, Abelardo e a atriz Kleber Macedo éramos muito próximos. Tínhamos o mesmo ideal e, ao mesmo tempo, o orgulho ferido, pois estávamos com boas intenções e só encontrávamos barreiras. Sem nenhum reconhecimento. Sensibilizado, Ruggero Jacobbi resolveu levantar o meu ânimo no meu aniversário e me convidou para a estréia de Dulcina de Moraes no Teatro Santana. No mesmo dia, o jornalista Arruda Dantas havia publicado uma crônica a meu respeito abordando a força de uma jovem idealista no Diário de São Paulo. Arruda escreveu: “Quiséramos ser um milionário para nos fazermos mecenas e descer, do alto, no coração da cidade, o maior e o melhor teatro para aquela moça que tivera um sonho e o vira naufragar”. Impressionado com o que leu na crônica, o industrial paranaense Isnardo Carlo Alberto Baccini me procurou naquela noite na frisa do teatro. Disse que tinha ficado emocionado com o que leu, que queria me dar os parabéns e que estava disposto a construir um teatro para nós. Quase caí da cadeira... Como ele disse que conversaríamos depois da peça, confesso que não consegui prestar atenção em mais nada. Felizmente, não era sonho. Assim que o espetáculo terminou, ele nos deu sinal verde. Esse foi então o meu presente de aniversário. Entusiasmados, nós saímos já no dia seguinte à procura de um local. Encontramos uma loja grande, em um prédio que tinha acabado de ser construído, na Rua Vitória, atrás da Praça Júlio Mesquita, perto da Avenida São João. Quase na Cinelândia paulista. O espaço pertencia a Oswald de Andrade, fato que desconhecíamos. Na época, o escritor ainda não tinha tanta projeção. Nós alugamos imediatamente a loja e começamos a trabalhar. Antes de iniciarmos a construção propriamente dita, fiz questão de organizar um coquetel e chamar toda a imprensa de São Paulo, além das personalidades do meio artístico. A idéia era quebrar o gelo, já que me sentia uma intrusa na cidade. Não fazia mesmo parte de São Paulo. Como eu vinha do Rio, as manchetes dos jornais eram quase sempre maldosas a meu respeito. Como “Chaleira de Alumínio invade a Praça das Bandeiras’’ ou “Jovem atriz carioca quer invadir o espaço paulista”. Ainda caçoavam do meu sotaque fluminense. Tanto que eu procurei Alice Pincherle para me ensinar prosódia e impostação de voz. Ela preparou Paulo e eu para a voz teatral. No Rio, eu só tinha estudado canto, como soprano lírico. Quando a imprensa toda chegou ao espaço do novo teatro, eu mesma dei as boas-vindas. Disse que queria que eles me considerassem uma integrante do teatro paulista. Anunciei que o local funcionaria também como oficina de teatro e não só como casa de espetáculo. Afirmei ser, antes de tudo, brasileira. Contei que tinha nascido, por acaso, em Niterói, vivido até os 17 anos no Rio de Janeiro, mas que estava construindo minha vida em São Paulo. Finalmente, ali, consegui o apoio de que tanto precisava. Assim que a construção foi finalizada, Abelardo contatou o crítico de teatro Clóvis Garcia para decorar o espaço. Havia uma sala de espera de paredes amarelas e poltronas vermelhas. O barzinho era verde claro, enquanto a sala, grande e comprida, era azul e branca. Com 300 lugares, o teatro era considerado pequenino na época. Como o palco ainda se abaixava até ao público, o que criava uma atmosfera de aconchego, nós o batizamos de Teatro Íntimo Nicette Bruno, o TINB. Inauguramos o teatro em 1953 com a peça Ingênua Até Certo Ponto, de Hugh Herbert, com direção de Armando Couto. Éramos um elenco pequeno: eu, Paulo, Luiz Tito e Elísio de Albuquerque. A estréia não só foi maravilhosa como personalidades importantes vieram nos prestigiar – Henriette Morineau, Paulo Autran, Tônia Carrero, Maria Jacintha, Claude Vincent e Narto Lanza. Até o pessoal do TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia, veio nos trazer estímulo e incentivo. Vivíamos um momento de euforia no teatro paulista. O TINB começou a funcionar com força total. Às segundas-feiras, encenávamos peças de vanguarda. De terça a domingo, eram espetáculos tradicionais e os infantis. Às 10 horas da manhã, abrimos o espaço para o cinema de arte, exibindo filmes de Chaplin, entre outros. Organizamos também oficinas de cenografia, aulas de história do teatro, seminários de artes, debates e palestras. Criamos, aos sábados, à meianoite, recitais de poesias com o declamador português João Villaret e apresentações de músicas folclóricas com Inezita Barroso. Ainda inauguramos o Improviso, com quadros humorísticos que mudavam a cada semana sob a direção de Adolfo Celi. Paulo e eu éramos os mestres-de-cerimônias. Foi uma época deliciosa em que conseguimos reunir no palco profissionais de peso. Participaram nomes como Paulo Autran, Tônia Carrero, Elizabeth Henreid, Ruy Afonso, Renato Consorte, Elizeth Cardoso, Sérgio Cardoso e Rubens de Falco, entre outros. Eram piadas, contos e pequenas histórias encenadas a partir desse encontro informal de artistas. Dava a impressão de ser improvisado, mas não era. Era uma grande brincadeira. Como a política do TINB era prestigiar os novos talentos, Ruggero, Aberlardo e eu ficávamos de olhos nos profissionais que estavam começando no TBC, no auge de sua influência. Foi assim que demos a primeira chance profissional a Antunes Filho, assistente no TBC, que estreou na direção, com Weekend (1953), comédia de Noel Coward. É Proibido Suicidar-se na Primavera (1953), de Alejandro Casona, marcou a estréia de Ruy Afonso como diretor. Foi no TINB que Darcy Penteado fez a sua primeira cenografia e Walmor Chagas deu os primeiros passos como ator profissional. Ainda que o TINB representasse um ponto cultural importante de São Paulo e mobilizasse a classe artística, o sonho durou menos de dois anos. Nós perdemos o teatro por míseros 200 contos de réis. Se fosse hoje, teríamos feito um empréstimo bancário. Mas as coisas eram diferentes naquela época. Nós ainda éramos muito jovens e não tínhamos noção do mundo empresarial e das finanças. O nosso propósito era o palco. Só queríamos saber se a casa estava cheia por conta da energia que sentíamos vinda da platéia e não necessariamente pela compensação financeira. Baccini e os outros sócios, Sakari Kotaka e Amin Brunetti Atta, não conheciam o ramo. Por falta de experiência, eles não foram precavidos a ponto de administrar o dinheiro arrecadado para manter o teatro. O jeito foi alugar o espaço para outra empresa que, a princípio, continuaria o nosso trabalho teatral. Entregar o TINB foi uma dura decepção para mim. Até porque, depois do Teatro de Alumínio, era a segunda perda em curto espaço de tempo. Felizmente não apaguei a luz do teatro antes de realizar algo inédito no palco: um casamento. Capítulo 6 Beijinhos, Casório e Mamadeiras A exemplo das outras moças de família, como nós éramos chamadas na época, raramente ficava sozinha com Paulo. Nosso namoro era sempre supervisionado por minha mãe ou pelo tio Pascoal. O fato de trabalharmos todos juntos no teatro também impedia que Paulo e eu tivéssemos mais tempo só para nós. Quando ele nos acompanhava até a porta de casa, o máximo que minha mãe me deixava fazer era ficar um pouquinho com ele na entrada, onde trocávamos uns beijinhos. Não posso negar que o comportamento recatado dos anos 50 concedia um charme especial ao romance, algo que não existe mais. Um simples toque entre os apaixonados ou mesmo caminhar de mãos dadas provocava uma grande emoção. Foi sob esse clima de namoro vigiado que Paulo me pediu em casamento. Era noite de réveillon, 31 de dezembro de 1953. Ainda que dificilmente saísse sozinha à noite, mamãe deixou que eu fosse ao Clube dos Artistas, na Rua Rego Freitas, com Ruggero Jacobbi e Carla Civelli. Ruggero, Paulo e eu trabalhávamos no projeto Brasil Romântico, composto de duas peças, O Primo da Califórnia e Lição de Botânica, que comemorariam o 400o aniversário de São Paulo. Assim que Paulo se viu a sós comigo na festa, foi logo perguntando: “Vamos casar logo?”. E eu correspondi ao ímpeto dele, respondendo que sim. No mesmo momento, telefonamos para minha mãe e contamos a novidade. Não só dissemos que íamos nos casar, mas que queríamos subir ao altar já no carnaval. Menos de dois meses depois, oficializamos a nossa união. Nós nos casamos no civil, às 11 horas da manhã, no palco do TINB, e às 4 da tarde, no religioso, na Igreja de Santa Cecília. Eu me casei com um vestido branco todo de renda. Como Paulo e eu estávamos muito felizes, a cerimônia emocionou os convidados. Principalmente mamãe e Carla Civelli. Também compareceram Elizabeth Henreid, Sérgio Cardoso, Kleber Macedo, Monah Delacy, Madalena Nicol, entre outros. Dali seguimos para a recepção no teatro, onde um bolo enorme nos esperava. A festa teve transmissão ao vivo, na TV Paulista, onde Paulo e eu trabalhávamos no Teleteatro Nicette Bruno, com direção de Ruggero. Como nós apresentávamos ao vivo uma peça por semana na emissora, sempre às sextas-feiras, na sexta do casamento, em pleno carnaval, a transmissão da recepção substituiu a peça na TV. Durante a festa, a emissora ainda exibiu trechos do casamento no civil e no religioso, que foram filmados especialmente para o programa. Deixamos a festa do casamento às 11 da noite, rumo ao sítio de Mário Civelli, irmão de Carla, mulher de Ruggero. A lua-de-mel no sítio foi um presente de Ruggero e Carla. Eles construíram uma choupanazinha para nós no sítio, onde também aproveitamos aqueles dias para os ensaios da peça que iria ao ar na sexta-feira seguinte. Ciúme, de Louis Verneuil, com apenas Paulo e eu no elenco, foi o primeiro espetáculo que fizemos na televisão depois de casados. Enquanto isso, nós estávamos ensaiando para o palco do TINB a peça Ingenuidade, de John Van Druten, com direção de Madalena Nicol. O espetáculo entrou em cartaz 15 dias depois do nosso casamento. Mal sabíamos que essa seria a última peça no TINB. Ao desistirmos do teatro, por dificuldades financeiras, nós iniciamos uma turnê em Porto Alegre, a convite da Secretaria de Cultura da cidade. Foi aí que, pela primeira vez, começamos a ganhar dinheiro com a profissão. Depois de uma temporada de dois meses, com as peças Ingenuidade, Senhorita Minha Mãe e Weekend, saímos em excursão por outras cidades gaúchas. Na época, as companhias de teatro trabalhavam com um esquema de assinatura, vendendo os ingressos dos espetáculos com antecedência. Quando chegávamos a uma nova cidade, tínhamos a garantia de toda a temporada vendida. Quando a excursão acabou, nós fomos para o Rio de Janeiro. Até porque não daria para ten-tar recuperar o TINB, em São Paulo. No Rio, nós enfrentamos muitas dificuldades, mas não esmorecemos. Paulo e eu somos parecidos nesse sentido. Quanto mais desafios encontramos pelo caminho, mais nós encontramos força e fôlego para superá-los. O primeiro ano de casados foi um ano de conhecimento. Uma coisa é namorar. Outra é viver sob o mesmo teto. Enquanto driblávamos os problemas, nós começamos a conhecer melhor as nossas diferenças e a necessidade de adaptabilidade para uma relação harmoniosa. Foram necessários alguns ajustes aqui, outros ali. Voltamos a trabalhar juntos no Teatro de Bolso, encenando Ingênua Até Certo Ponto (1955), com o mesmo elenco que inaugurou o TINB. Sob a direção de Paulo Francis, no entanto, o espetáculo foi batizado de Bife, Bebida e Sexo. O título foi inspirado em um diálogo da peça escrita por Hugh Herbert. Quando o personagem é questionado sobre o que é mais importante em sua vida, responde: Bife, Bebida e Sexo, nessa mesma ordem. Logo depois eu engravidei da Bárbara, trabalhando até os cinco meses de gestação. Depois que nossa primeira filha nasceu, em 1956, saí temporariamente de cena, ficando em casa às voltas com chupetas e mamadeiras. Durante o meu afastamento, Paulo trabalhou na Companhia de Eva Todor. Só depois que Bárbara já estava mais crescidinha é que voltei ao palco e à televisão. Sempre contei com o apoio de minha mãe e de outros membros da família que olhavam as crianças na minha ausência. Ganhei um papel da destaque na TV Continental, interpretando a personagem-título de Dona Jandira em Busca da Felicidade, em 1960. Era um programa semanal, ao vivo, escrito por Giuseppe Ghiaroni. Uma espécie de A Grande Família. Paulo interpretava o marido de Jandira, que se chamava Vanderlino. Antonia Marzullo, avó de Marília Pêra, fazia o papel da empregada. O programa levava esse nome porque Jandira tinha a aspiração de resolver todos os problemas, os dela e os de todo o mundo. Só que a pobrezinha sempre se dava mal, o que levava ao bordão final do programa. A empregada dizia no desfecho: “Aprendeu, Dona Jandira?”. Estrelei o programa por mais de dois anos. Quando fiquei grávida da Beth, nossa segunda filha, Jandira também ganhou uma barriguinha para me acompanhar. Eu encarnei a personagem até 15 dias antes de Beth nascer, em 1961. O último episódio, quando Jandira segue para a maternidade, foi emocionante. Nunca vou esquecer do carinho das fãs que me esperavam na saída do estúdio. Assim que eu deixei a TV, encontrei muitas telespectadoras que trouxeram presentinhos para Beth. Eram camisas bordadas, sapatinhos e joguinhos de lençol. Paulinho, nosso terceiro filho, nasceu em Curitiba, em 1965. Nós moramos três anos no Paraná, atendendo a um pedido do meu sogro que se preocupava com a nossa instabilidade financeira, comum em toda casa de artistas na época. Ainda que Paulo tenha, por sugestão do pai, trabalhado no comércio e na indústria, nós não abandonamos o teatro naquele período. Pelo contrário, ajudamos a fundar o Teatro de Comédia do Paraná, além de darmos cursos no Teatro Guaíra. Nossa vida foi repleta dessas idas e vindas, o que nunca conseguiu nos afastar da nossa vocação. No meu caso, houve períodos em que tive de recuar profissionalmente, dando maior peso ao meu lado de esposa e mãe. A experiência, no entanto, interferiu positivamente na minha carreira, à medida que aflorou a minha sensibilidade e me fez crescer como pessoa. A maternidade indiscutivelmente enriquece a mulher em todos os sentidos. Costumo dizer que nós aprendemos muito com os filhos. Do momento que eles começam a crescer no nosso ventre, passam a nos transmitir sensações. Cada filho e cada gravidez são diferentes. Só depende da mulher estar atenta para observar tudo o que se passa com ela. E aprender. Para cada filho que tive, um a cada quatro anos, eu dediquei um ano da minha vida. O primeiro ano é fundamental para a estabilidade emocional da criança. Só depois do primeiro aniversário é que eu deixava a criança sob a guarda de outra pessoa, retomando a profissão. Naquela época, como não havia um enfoque sobre a televisão, o respeito pelo ator é maior. A visão do público com relação ao artista era diferente, havia mais consideração. Embora não houvesse o problema de cair no esquecimento tão rapidamente, como ocorre hoje, eu voltava porque tinha a necessidade de me satisfazer como atriz. Como fiz piano, gosto de fazer analogias, no que diz respeito aos estudos e à técnica, com a própria profissão do ator. Se o músico passa um ou dois meses sem tocar piano, quando retoma, sente dificuldade na execução. Da mesma maneira, o ator precisa exercitar as suas emoções e as suas energias. O nosso corpo físico é simplesmente um instrumento que transmite as emoções. É um exercício diário. Capítulo 7 A Mãezona das Novelas Eu e a televisão brasileira praticamente estreamos juntas. Participei da inauguração da TV Tupi do Rio de Janeiro, no dia 20 de janeiro de 1951. Ou seja, quatro meses depois da primeira transmissão televisiva da América Latina pela TV Tupi de São Paulo, no dia 18 de setembro de 1950. Tive uma participação no show de abertura comandado por Chianca de Garcia. Éramos o quarto país do mundo a ter televisão. O veículo era um brinquedo novo. Dá saudade lembrar aquele frisson que sentíamos quando a câmera era ligada. Era o que aproximava a TV do teatro. Durante os primeiros anos de televisão ao vivo houve muita improvisação e as condições técnicas eram precárias. A ponto de o ator precisar trocar de roupa durante a cena de uma novela, pois às vezes só havia uma câmera no estúdio. Lembro de receber um close da câmera e falar o meu texto, enquanto assistentes abaixados me ajudavam a trocar de figurino. Quando já estava vestida para a próxima cena, eles saíam e a câmera abria me mostrando de corpo inteiro, com o outro figurino. Contar isso hoje parece piada... Participei de várias novelas e teleteatros, trabalhando com Cassiano Gabus Mendes, Vicente Sesso, Dionísio Azevedo e Ruggero Jacobbi, entre outros diretores que estão entre os pioneiros na teledramaturgia brasileira. Na TV Paulista, por exemplo, houve um programa semanal com adaptações de peças teatrais que levou o meu nome, o Teatro Nicette Bruno, exibido por qua-se um ano. Até chegar ao formato atual, as novelas sofreram inúmeras modificações e adaptações. No início, elas não eram diárias e tinham curta duração. Com a repercussão é que as novelas passaram a integrar efetivamente o cotidiano do telespectador brasileiro. Ao longo dos anos, houve uma grande evolução na temática das produções refletindo uma preocupação cada vez maior dos autores em acompanharem o momento vivenciado no País. Como a identificação do público foi fenomenal, as emissoras desenvolveram a partir daí o hábito de realizar pesquisas com os telespectadores, fazendo da produção uma obra aberta. O ator também precisou de adaptação. Teve de entender que a novela é uma obra com grande rapidez de assimilação, de consumo imediato. O teatro nos dá mais satisfação porque nele o processo de elaboração do personagem é muito mais minucioso. É no teatro que o ator recicla, pesquisa e exercita a sua profissão de intérprete. Só depois é que podemos aproveitar todo o conhecimento adquirido nos outros veículos, como na televisão. A primeira telenovela da minha carreira, após o advento do videoteipe, foi Os Fantoches (19671968), de Ivani Ribeiro, no auge da TV Excelsior, em São Paulo. Quando iniciei as gravações, minha participação era pequena. Stênio Garcia e eu formávamos um casal de primos. Como a nossa química funcionou, Ivani rapidamente fez o meu papel crescer. Era curioso como, na época, as pessoas no estúdio ficavam surpresas com o meu desempenho. Afinal, achavam que eu estava começando na profissão – pelo fato de eu ter me afastado temporariamente por conta dos três filhos e da estadia em Curitiba. Mas nunca me importei. O artista tem de encarar essas coisas com naturalidade, já que a vida do ator é mesmo efêmera. Fiquei na Excelsior até a emissora fechar, em 1969, quando fui contratada pela Tupi, ficando na casa por 11 anos. Na época, Paulo já pertencia ao elenco da Globo, no Rio de Janeiro, ficando na ponte aérea Rio-São Paulo. Como as crianças estavam em idade escolar, eu preferi trabalhar apenas em São Paulo para poder acompanhar o rendimento deles. Conheci o primeiro sucesso televisivo com A Gordinha (1970). Criada por Sérgio Jockyman, essa personagem que vinha do interior e conseguia emprego em escritório teve uma aceitação enorme. A ponto de, até hoje, eu ser abordada na rua por algum fã de Gordinha, geralmente os adolescentes daquela época. Eles não se esquecem do bordão da personagem. Quando ela ficava nervosa, sempre entrava no bar e pedia um copo de leite e dois bolinhos. Depois do lanchinho, virava outra pessoa. Também ganhei a simpatia do público na pele da professorinha Cecília de Meu Pé de Laranja Lima (1970-1971), de Ivani Ribeiro. Nessa adaptação da obra de José Mauro de Vasconcelos, com direção do Carlos Zara, eu fazia o protótipo da jovem religiosa reprimida. Ainda na Tupi, atuei em Divinas e Maravilhosas (1973-1974), de Vicente Sesso, uma das primeiras produções a despertar o interesse pelo mundo da moda. Conquistei diversos prêmios na pele de D. Lola, a personificação do amor de Éramos Seis (1977), de Rubens Ewald Filho e Silvio de Abreu, adaptada do romance de Maria José Dupré. Foi um momento especial na minha carreira participar de uma novela que fez história. Minha última produção na Tupi foi Como Salvar Meu Casamento (1979-1980), de Edy Lima, Ney Marcondes e Carlos Lombardi. A obra, muito moderna para a época, ao retratar marido e mulher em crise conjugal, ficou inacabada com a derradeira crise na emissora. Infelizmente ninguém soube o que aconteceu com minha personagem, Dorinha, a mulher que fez tudo para não perder o marido para a mulher mais jovem. Uma pena. Fui chamada para a Globo por Fábio Sabag, que dirigia um seriado com Francisco Cuoco, Obrigado, Doutor (1980), de Walter George Durst. Ele interpretava um médico e eu, a irmã de caridade que vivia sua assistente. A ida para a Globo me colocou na ponte Rio-São Paulo, o que passou a ser uma constante na minha vida. Integrar o time de atores da emissora não só provocou esse deslocamento contínuo entre as duas cidades como também me forçou a encarar um ritmo ainda mais industrial de TV. A televisão passou a ser a nossa função principal, ainda que consideremos o teatro mais importante. Por ser uma referência forte de família na vida real, tenho sido freqüentemente chamada para o papel de mãezona. Interpretei a mãe até mesmo quando não tinha idade de ser mãe daquele personagem. Mesmo assim, não me deixei aprisionar em um único tipo. Nunca aceitei personagem quando sua descrição na sinopse dizia apenas “mãe de Fulano ou Beltrano”. Sempre procurei fazer as personagens, mães ou não, contrastarem umas com as outras, construindo uma galeria que inclui desde mulheres sofisticadas até suburbanas. A vovó Benta que encarno atualmente na nova versão de Sítio do Picapau Amarelo é, mais uma vez, o símbolo do conhecimento materno. É o esteio da família, sem deixar de participar do universo lúdico e da fantasia das crianças. Tenho um grande prazer em divulgar a obra do escritor Monteiro Lobato, que povoa o imaginário das crianças há gerações. De todas as personagens que vivi na Globo ainda tenho um carinho especial pela portuguesa Neiva, de Rainha da Sucata (1990), pela tia Nina, de A Próxima Vítima (1995), e pela avó vilã de O Amor Está no Ar (1997), que surpreendeu o telespectador, que naquele momento estava mais acostumado a me ver representando a virtude na telinha. Talvez a minha única reclamação seja mesmo o ritmo de gravação insano, principalmente para quem interpreta o protagonista. Não sobra tempo para nada, fazendo do ator um escravo do roteiro. O que ainda quero fazer na TV? Provavelmente uma parceria romântica com Paulo em alguma novela. A última vez que interpretamos marido e mulher foi no seriado O Fantasma de Canterville, na Globo, nos anos 80. Depois atuamos juntos apenas em Mulheres de Areia (1993), mas nossos personagens praticamente não se encontravam. O principal impedimento para esse romance na televisão seria possivelmente a nossa diferença de altura. Como sou muito pequenininha e Paulo muito alto, fica difícil na hora de enquadrar um beijo. Mas na vida real encaixa direitinho... Rainha da Sucata, 1990 A Próxima Vítima, 1995 O Amor Está no Ar, 1997 Capítulo 8 Palco: Extensão da Casa Mergulhados nos nossos personagens, Paulo e eu nunca utilizamos o fato de sermos um casal na hora de retratar uma relação amorosa no palco. Fizemos incontáveis pares românticos no teatro, sem nunca termos confundido as coisas. A história de amor da ficção nunca é a nossa. Reconheço, porém, que o trabalho às vezes funciona como reciclagem para nós mesmos. A busca constante de sensações e emoções que poderiam estar adormecidas no nosso peito acaba nos fortalecendo como casal. A grande vantagem de fazer par romântico com Paulo é que ficamos muito mais descontraídos. Temos uma cumplicidade e um humor que estimulam a atividade cênica. Nossa afinidade pro-fissional ficou comprovada desde a nossa primeira parceria, em Senhorita Minha Mãe (1952), no Teatro de Alumínio. Aconteceu naturalmente, sem que existisse nenhum envolvimento emocional na época. A química é assim mesmo: espontânea e instantânea. Quando ela não ocorre, dependerá dos atores irem percebendo e entendendo o comportamento um do outro. Do contrário, não conseguirão convencer como casal. Quando interpreto a mulher de outro ator, preciso sentir um ponto de identificação e de sintonia para encaminhar a cena. Jogo e espero o retorno. Tenho mais dificuldade ao contracenar com atores frios, que se resguardam, limitando-se a dizer o texto de forma monocórdia. Mesmo assim, procuro me adaptar. E o meu parceiro precisa fazer o mesmo. Normalmente um pega um pouco o jeito do outro. Mais ou menos como ocorre na vida. Uma ligação entre personagens não é muito diferente do relacionamento entre pessoas. Por isso, é mais produtivo e gratificante trabalhar com um elenco efetivo ou permanente, onde os atores já se conhecem. É como no futebol, onde um jogador passa a bola para o outro fazer o gol. Não é imprescindível conhecer as jogadas dos colegas, mas facilita a vida de todos no palco. Por sermos um casal de atores, nós fizemos do teatro uma extensão da nossa casa. E isso foi passado, até mesmo sem querer, aos nossos filhos. Obviamente, Bárbara, Beth e Paulinho, que passaram a infância nas coxias, criaram uma intimidade natural com o palco. Paulo e eu nunca nos intrometemos na vida dos nossos filhos e muito menos fizemos força para que eles enveredassem pelas artes dramáticas. Pelo contrário. Tínhamos receio de que o desejo deles pudesse ser fruto apenas da nossa influência cotidiana, o que é inegável. Quando percebemos o contrário, até porque os seus testes vocacionais revelaram inclinação artística, nós ficamos orgulhosos. Mas nem por isso consegui assistir à estréia dos meus filhos sem aquela sensação de agonia e o medo de que algo saísse errado. Típico de mãe. Quando eles estavam engatinhando na profissão, minha preocupação era muito maior. Tan-to que um dia Beth virou para mim e disse: “Não se preocupe comigo. Vá fazer a sua persona-gem”. Hoje, ainda sou mãezona. A ponto de ficar mais realizada com as conquistas de meus filhos do que com as minhas. Com o tempo, porém, nós aprendemos a colocar parâmetros, separando o nosso relacionamento profissional do pessoal. Quando contracenamos, o vínculo só existe antes e depois do espetáculo. Na hora H, existe apenas uma sintonia, o que pode ocorrer entre atores sem laços sangüíneos. No palco, não somos nós. E sim os personagens. Somos apenas colegas de profissão. Quem mistura tudo é o público e a mídia. Cheguei a desejar que nossa história fosse analisada de forma diferenciada, friamente. Mas nunca foi assim. Sinto mais pela cobrança que cai sobre os ombros dos nossos filhos e netos, que precisam batalhar para conseguir o espaço deles. Quando eles são chamados para trabalhar em uma produção nossa, surgem brincadeiras sobre nepotismo. Nossa postura, porém, é imparcial. Nós não fazemos um espetáculo pensando na família. Apenas contratamos o profissional que melhor se enquadra naquele personagem. Seria injustiça não entregar um papel para Bárbara, quando ela tem o perfil adequado, só porque ela é nossa filha. Já chega o que sofremos com isso na televisão. Nós e outras famílias de artistas. Muitas vezes, eles cortam um nome do elenco de uma novela porque já existe alguém daquela família na produção. Por mais que nós tentássemos nos desvincular ao longo dos anos, tudo ao nosso redor sempre aconteceu de uma maneira que a família acabava em primeiro lugar. A nossa parceria pro-fissional foi ficando cada vez mais sólida. Hoje, encaramos como um legado. Somos uma trupe de artistas unidos pela vida e pela arte. E o mais curioso é que o público nos cobra, querendo ver a família unida no palco. Por ser a primogênita, Bárbara foi a primeira com quem contracenei. Sua primeira experiência em dramaturgia se deu em Curitiba, onde retomei o seriado Dona Jandira em Busca da Felicidade, para a TV Continental. O autor teve a idéia de mostrar a filha de Jandira, aos 8 anos, escalando a própria Bárbara para o papel. Aos 16 anos, ela trabalhou novamente comigo ao passar no teste para o elenco da novela Camomila e Bem-Me-Quer (1972-1973), uma adaptação de O Avarento, de Molière, na TV Tupi. Ainda que Bárbara garantisse que queria mesmo seguir essa profissão, nós insistimos para que ela fizesse faculdade paralelamente. Atendendo ao nosso pedido, ela se formou em Publicidade. Beth subiu ao palco pela primeira vez, aos 13 anos, na peça Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo (1974). O diretor Antonio Abujamra, um grande parceiro nosso, com quem formamos em 1967 o Teatro Livre, queria a todo custo promover a estréia de Beth. Paulo e eu relutamos um pouco por acharmos que ela ainda era muito nova. Só aceitamos quando ela assumiu conosco o compromisso que não deixaria o trabalho atrapalhar a sua atuação na escola. Desde cedo, ela teve determinação profissional. Foi a única dos três que não fez faculdade. Dizia que não adiantaria nada, pois estudaria a vida inteira por conta própria. Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, vencedor do prêmio Pulitzer, reuniu três gerações de mulheres no palco. Éramos eu, mamãe e Beth. Bárbara, que havia estreado como atriz de teatro na Companhia Maria Della Costa, se juntou ao elenco quando a atriz que interpretava a outra filha da protagonista, Tereza Teller, engravidou e precisou ser substituída. Nós quatro fizemos a peça durante muito tempo. O começo, porém, foi difícil. Como fizemos a montagem, com produção de Paulo, pelo prazer de levar o texto de Paul Zindel ao palco, não tínhamos expectativa de público. Até porque o título era longo demais para ser atraente. Como a venda de ingressos ia mal, um dia me perguntaram se eu queria cancelar o espetáculo, pois só tínhamos vendido uma única entrada, além de 12 convidados. Na hora, pensei: Se há uma pessoa que veio até aqui para ver a peça, seria um desrespeito deixá-la ir embora. Por mais que estivesse frustrada, fiz o espetáculo com vontade e muita garra para aquelas 13 pessoas da platéia. Mal podia imaginar que, entre os 12 convidados, havia um representante de uma instituição cultural. Interessado, ele comprou um mês de espetáculo. Hoje eu ainda me arrepio só de pensar. Se eu não tivesse trabalhado naquela noite, teria perdido uma grande oportunidade. Com aquele mês lotado, começou um intenso boca-a-boca sobre a peça, o que garantiu público por muito tempo. No final das contas, fiquei dois anos e meio sem poder suspender o espetáculo no Teatro de Arena. Esse foi talvez o maior sucesso da minha carreira. Tanto de crítica quanto de público. O papel de Beatriz, uma mulher no auge da agressividade e cheia de ódio, me rendeu os prêmios APCA e Molière. Foi com essa montagem familiar que nós assumimos, em 1980, o Teatro Paiol, que fez parte de nossas vidas por longos 20 anos. A nossa trajetória no teatro da Rua Amaral Gurgel colaborou para que a família permanecesse ainda mais unida. No Paiol, até Paulinho, formado em Educação Física e o mais introvertido dos meus filhos, fez sua estréia no palco. Tinha 15 anos quando contracenou comigo em Dona Rosita, a Solteira (1980), de Lorca. Foi lá que Bárbara e eu encenamos Mãos ao Alto (1980), peça que Paulo escreveu baseado em um assalto que sofri. Em À Margem da Vida (1988), de Tennessee Williams, subi ao palco ao lado de Paulinho e Bárbara, no papel de meus filhos. Bárbara ainda esteve à frente do Projeto Paiol, quando o teatro abrigou uma série de outras atividades, como cursos e workshops de teatro, ciclos de palestras, teatro infantil, etc. Só desistimos do Paiol porque não é fácil manter um teatro no Brasil. Comparado ao que o veículo já representou, atraindo público de terça a domingo, hoje não há mais espaço. Nem mesmo na mídia, onde predominam o cinema, a moda, a música e outros temas. Estimular o público a vir ao teatro é uma tarefa árdua, o que nos amarga um pouco. Dói saber que não podemos contar com o público espontâneo. Sem ser compelido pela divulgação e promoção de uma peça, o brasileiro infelizmente não tem o hábito de ir ao teatro. Ele acha que é supérfluo, o que resulta na total falta de preparação do cidadão. A criança deveria saber que o teatro faz parte de sua vida. Nesse sentido, nascer em casa de artistas é um privilégio. Desde pequenininha eu aprendi que teatro é cultura, passando o mesmo aos meus filhos. Capítulo 9 O Prazer de Fingir Não olho para o passado. Não vejo esses mais de 50 anos de profissão como um peso. Sinto como se nem tivessem passado. Nunca parei para contar peças, novelas, filmes ou outros trabalhos que fiz. Tampouco tenho o hábito de competir comigo mesma. Encaro cada trabalho como se fosse o primeiro. O verdadeiro ator está sempre recomeçando. É isso que nos estimula. Ainda que o acúmulo de experiência traga segurança e confiança, ainda sinto o gostinho da primeira vez. Antes de subir ao palco, sempre bate aquele nervosismo. Não o nervosismo da jovem iniciante, mas aquela ansiedade de quem quer sempre dar o máximo, se entregar às últimas conseqüências. É natural que a responsabilidade aumente perante o público e perante mim mesma. Quando desce o pano, a satisfação por ter conseguido traduzir o personagem é que compensa todas as aflições. Inseguros nós seremos sempre, pois nenhum ator consegue sentir que domina o personagem até o dia da estréia. Só o público poderá dizer. É diante do calor da platéia que temos vários insights sobre o espetáculo. Nem o próprio ator conhece o persona-gem até vê-lo nascer no teatro. Ao pisar no palco, eu, Nicette, tenho tudo na cabeça. Sei tudo o que vai acontecer, mas tenho de respeitar o personagem, que não sabe. O jogo de emoções nascerá naturalmente a partir das falas e das ações do personagem e também das reações dos outros em cena. Só essa consciência permite que o ator se entregue verdadeiramente, deixando fluir a emoção. Por outro lado, não adianta sentir a emoção e não fazê-la chegar até o público. Desenvolver uma técnica para passar os sentimentos pode ajudar, mas não dá para se prender exclusivamente a isso. Quando o ator é só técnica, muitas vezes, não consegue reconhecer a emoção que está sendo trocada no palco. A arte de representar é um jogo. Os atores são grandes fingidores, à medida que transmitem emoções que, na realidade, não estão ocorrendo. O ator empresta um pouco do personagem e vice-versa, é verdade. Só que a graça, para mim, está em vivenciar o momento do outro. Tento anular a minha personalidade, colocando em primeiro plano a do personagem. Estudo a obra e o autor profundamente, buscando subsídios, mas sempre crio um “subtexto” na minha cabeça, imaginando o que ele fez e se foi antes da peça. Depois do estudo, a única responsabilidade é a da criação. E é essa magia do teatro que me fascina. Quanto mais experiência de vida o ator adquire, mais ele se aperfeiçoa como profissional. O nosso ofício é um eterno exercício, um aprendizado sem fim. Assim como a vida, há sempre um elemento enriquecedor logo adiante. Nunca entendi aquela pergunta que muitas pessoas insistem em fazer aos atores de teatro: “Não cansa ter de encenar a mesma peça todas as noites?”. Elas não entendem que nunca é a mesma coisa. Cada dia representa uma troca diferente. O público, a energia e as reações são diferentes. Nem o ator é o mesmo. Graças a Deus! Os personagens são como filhos. Nascem, crescem e seguem suas vidas. Mas ficam cravados na memória, deixando marcas inesquecíveis. Mesmo os personagens que não tiveram muita expressão enriquecem de alguma maneira a trajetória. São pessoas com quem convivi, participando de suas alegrias, tristezas, prazeres, necessidades, ansiedades e frustrações. Eles me obrigaram a tirar do guardaroupa emoções que estavam escondidas ou que ainda não tinham explodido em mim. Muitas sensações que eu nem imaginava que existiam. Reconhecê-los como filhos não significa, no entanto, que eu goste de ver as minhas criações. Não gosto. Evito assistir ao meu trabalho na televisão, por exemplo. Não digo isso para fazer gênero. Por ser muito crítica, simplesmente sempre acho que podia ter feito melhor. Para não me torturar vejo o mínimo possível. O suficiente para saber como estou me saindo em uma novela ou minissérie e para pensar em como posso melhorar a performance. O mesmo vale para o cinema, um veículo que plasma a performance do ator para a vida toda. Fiz poucos filmes, infelizmente. Foram poucas oportunidades desde que interpretei a mim mesma em O Canto da Saudade (1952), de Humberto Mauro, na Cinédia, até a minha última incursão cinematográfica: uma participação especial, resumida em um único dia de filmagem no set de Seja o Que Deus Quiser (2002), de Murilo Salles. Gostaria de ter me colocado mais nas mãos dos cineastas, já que o cinema é, antes de tudo, a arte do diretor. Ainda tenho um sonho... Quem sabe ser, um dia, dirigida pelo espanhol Pedro Almodóvar. Mas não reclamo. Ser artista no Brasil é quase um milagre e nunca houve marasmo em minha vida. O saldo é muito positivo, apesar de algumas frustrações por projetos não concretizados ou de realizações que não deram o resultado esperado. Tudo serve de aprendizado. Inclusive os fracassos. Os sucessos e os fracassos permeiam toda a vida do artista. É preciso estar preparado para os dois. É essa consciência que ajuda o ator a enfrentar o fracasso como uma contingência natural de aprendizado. Assim como o sucesso, com o qual é preciso aprender a conviver, sem deixar que ele mexa com a nossa estrutura. Sou grata à profissão não só por permitir realizar essa minha necessidade vital de representar como por me ajudar a compreender a alma humana. Aprendi mais sobre mim mesma e sobre os outros, à medida que o teatro me conduziu ao exercício intelectual diário, ampliando os meus horizontes, me forçando a enxergar o mundo abertamente e expandindo a minha generosidade. Como a base da profissão do ator é a observação, isso me leva automaticamente a buscar o conhecimento a cada novo personagem. Ser atriz me ensinou a ser, antes de mais nada, uma pessoa melhor. Ao vivenciar tantos seres diferentes de mim, tive a possibilidade de me analisar mais profundamente e de entender a motivação por trás dos comportamentos. Por já ter experimentado uma certa situação no palco, posso me colocar no lugar das pessoas que enfrentam algo parecido na vida, como se já tivesse acontecido comigo também. Isso me enriqueceu, fazendo de mim uma mulher mais tolerante. É um privilégio do artista, crescer como ser humano. Assim como é sua obrigação passar o conhecimento adiante. E o teatro representa esse momento de comunhão, ajudando a clarear a nossa humilde existência. Paulo Goulart Capítulo 1 Origem e Iniciações O sino tocou quando eu nasci, no dia 9 de janeiro de 1933, na fazenda Santa Tereza, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Na data se comemora o Dia do Fico, protagonizado por D. Pedro I. Vim ao mundo às 9 horas da manhã, quando as pessoas do campo, que pulavam cedo da cama, já corriam para o almoço. Não sei se o fato de mamãe ter ido ao circo na véspera do meu nascimento pesou... Mas dizem que, aos 3 anos, eu já sabia dançar tango. Talvez o circo tenha sido uma premonição, um sinal de que a minha existência estaria predestinada à carreira artística. Filho de Affonso e Elza Miessa, fui batizado como Paulo Affonso Miessa. Éramos uma família pequena: eu, meu pai, minha mãe e meu irmão Milton, dois anos mais velho. Diferente de Milton, de temperamento fechado, sempre fui alegre e festeiro. A família crescia quando chegavam os parentes. Eram nove tios de um lado e mais nove do outro. Com avós paternos espanhóis, nós tínhamos um lado de “malasangre” forte. Já os avós maternos eram portugueses, de um temperamento radicalmente oposto, para quem tudo era motivo de festa. Puxei mais para o avô materno, Joaquim de Oliveira França, mais conhecido como Nhô Quim. Tive uma infância feliz, graças principalmente ao contato com a natureza. Tinha uma irresistível atração por água. Quando eu sumia de casa, era certo que me encontrariam no poço dos marrecos ou debaixo de uma torneira. Ainda ajudava o padre nas missas, sempre de olhos nos doces que ele distribuía. A simplicidade das pessoas do campo me deu uma visão singular de vida. Aprendi desde pequeno a conviver com a diversidade cultural. Cresci cercado de italianos, espanhóis, negros, japoneses, portugueses e caboclos. Essa diversidade, que é a essência do brasileiro, ficou no meu inconsciente. Olhando para trás, percebo como esses detalhes, ainda que esbranquiçados pelo tempo, influenciaram toda a minha trajetória. Quando eu tinha 5 anos, nós nos mudamos para outra cidade no interior de São Paulo, Olímpia. Papai lidava com café e gado. O dinheiro que ganhou no café perdeu depois no gado. Em busca de nova atividade profissional, meu pai, radioamador nas horas de folga, fundou uma emissora local, onde mais tarde eu iniciaria a minha carreira. Pisei pela primeira vez em um palco no grupo escolar, aos 8 anos. A encarregada da programação cultural do colégio era Vanda Riciardi, prima do José Renato Pécora. Como ela vinha do Rio de Janeiro, trouxe aquela exuberância carioca, que a levou a montar em cidadezinha do interior um espetáculo infantil inspirado nos números musicais do Volga. No palco, os garotos puxavam uma longa corda, enquanto cantarolavam a música Barqueiros do Volga. Pareciam cansados, como se estivessem arrastando um grande barco. Na outra ponta da corda, porém, não havia barco nenhum. Apenas uma menina com roupa de balé e uma sombrinha. Menina que nada... Essa era a grande brincadeira. Quem se fantasiou de menina fui eu! Como nenhum outro garoto queria se vestir de bailarina, esse foi o meu primeiro papel. Desde cedo, já tinha esse espírito brincalhão que me acompanha até hoje. Durante o período ginasial, vivi intensamente a era do rádio. Aos 11 anos, estreei na função de operador de som e discotecário, trabalhando para o meu pai. Como ainda não tinha voz para ser locutor, aprendi como se faz rádio primeiro. Algumas músicas da época guardo até hoje no computador do coração. São as chamadas memórias afetivas. Como poderia esquecer daquele trechinho “Depois que beijei ela nunca mais beijei ninguém...”. Outros sucessos do período eram Amélia, Carinhoso, Malaguenha, além dos hits dos Quitandinha’s e dos Cariocas. Foi sob a influência desse cenário musical que eu, o meu primo Antônio Carlos, tocador de violão, mais Armando e Valdemar formamos o primeiro conjunto vocal da cidade, o Quarteto Tupã. Eu tocava pandeiro, afoxé e até caixa de fósforos, além de fazer a terceira voz. Como tenho extensão vocal muito ampla, tenho facilidade para o agudo. Apesar da voz extremamente grave, chego até soprano, se quiser. Os conjuntos musicais brasileiros, principalmente os cariocas, usavam muito a terceira voz, a exemplo dos americanos. E nós, do interior, simplesmente copiávamos. O quarteto se apresentava na própria rádio, com um repertório limitado. Eram cinco ou seis músicas, no máximo. Como já tínhamos uma estrutura, ainda que amadora, passamos a fazer jingles também. Fiz o primeiro jingle da rádio de Olímpia, encomendado pelo maior cliente da emissora, o laticínio Manteiga Flor da Nata. Não foi propriamente uma criação, devo admitir... Simplesmente copiei a letra de uma música muito popular, mudando o final. Ficou assim: “Mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero manteiga. Flor da Nata, Flor da Nata... a melhor manteiga que há!!!”. Durante a vida curta do quarteto, continuei como operador de rádio para o meu pai. Aprendi desde cedo a trabalhar em família. Ao empregarem os filhos, alguns pais passam a mão em suas cabeças. Meu pai não. Sempre exigiu o dobro de mim porque queria dar o exemplo. Eu tinha rigidez de horário, comportamento pro-fissional e muito respeito pelos colegas. Mal eu sabia que essa disciplina já estava me preparando para outro ofício, já que o teatro pede o mesmo comprometimento. É a disciplina que norteia a vida inteira do ator. Fora do horário comercial, porém, eu gozava de muita liberdade. Os garotos da época, principalmente nas cidades do interior, não tinham hora para chegar em casa. Como o mundo era menos violento, os pais só se preocupavam com o álcool. A bebida era mesmo a droga do período. Foi graças a essa liberdade, aliada ao fato de eu já trabalhar e receber salário, que eu pude decidir sozinho o dia da minha iniciação sexual. Foi aos 12 anos, com uma prostituta. Lembro que era noite de réveillon. Havia uma fila de rapazes na porta de uma casa sem luz elétrica. Eu era o quinto da fila, o que me incomodou. Quando chegou a minha vez, dei de cara com uma senhora cabocla. Coitada... Confesso que, quando ela me chamou, dizendo: “Venha, meu filho”, fiquei um pouco enojado. Como já tinha uma idéia do sexo através das figurinhas, disse que só queria ver as partes íntimas dela. Ela abriu as pernas e na hora eu pensei: que horror! Hoje, olhando para trás, percebo que a minha reação daria uma bela cena de filme... Aos 13 anos, vivi a minha primeira aventura comercial. Desde muito cedo, sempre me virei. Eu já vendia garrafa e jornal para incrementar o dinheiro que recebia de meu pai. Os meus colegas tinham vergonha de vender garrafa nas ruas. Eu não. O que importava é que elas rendiam o dinheiro que eu precisava para comprar gibis. Era um ávido leitor de histórias em quadrinhos. Adorava personagens como Super-Homem, Tocha Humana e Príncipe Submarino. Foi justamente para aumentar a minha coleção que eu resolvi diversificar as minhas atividades. Como a grande sensação era lança-perfume, resolvi comprar caixas do produto em São Paulo e vendê-las durante o carnaval de Olímpia. Peguei dinheiro emprestado do meu pai e comprei dez caixas, que chegaram cerca de um mês antes do carnaval. Fiquei feliz da vida com o meu primeiro negócio. Mal sabia que eu tinha acabado de cometer um erro grave. Fiz a transação com o garçom do clube e não pedi permissão ao diretor social, que proibiu terminantemente a venda. Eu caí das nuvens e aquele homem virou o meu antagonista. E o que é pior: nem podia contar ao meu pai porque tinha vergonha da minha imprudência e infantilidade. Para me livrar daquele pepino, baixei o preço da mercadoria e contatei o clube de Catanduva, cidade responsável pelo carnaval mais famoso da redondeza. Feita a venda, consegui devolver o dinheiro de papai e ainda fiquei com uma caixa de lançaperfume para mim. Só depois respirei aliviado. Capítulo 2 Indiozinho em São Paulo Depois de ter feito um pouco de tudo na rádio de Olímpia, incluindo sonoplastia, discotecagem, contatos e relações públicas, meu pai me promoveu, aos 13 anos, ao cargo de locutor. Foi uma euforia... Só que até eu me acostumar na nova função, que exigia mais responsabilidade, foram muitos acidentes de percurso. Lembro de, para desespero do meu pai, ter lido errado o nome de um anunciante ao fazer o comercial de sua fábrica no ar. Disse máquinas Pif-Paf. De repente, alguém do estúdio gritou: “Não é Pif-Paf. É Phaff. Como tinha um P na frente, por ser de origem alemã, eu cismei que era Pif-Paf... E ficou Pif-Paf mesmo. Falei e estava falado, não havia como remediar. Cometi uma gafe ainda pior. Quando uma loja de maiôs lançou a coleção de verão, eu soltei no ar coleção de “mailotes”. Isso porque, no roteiro, o nome estava grafado em francês, “maillot”. Por ser um nacionalista radical, lia como estava escrito. Não queria nem saber. Ainda que eu gostasse de ser locutor, não via o meu futuro no rádio. Talvez porque o veículo e as artes em geral fossem vistos na época de forma tortuosa. Indeciso profissionalmente, acabei por influência de um amigo, Milton Bonzan, optando pela química. Sempre soube que a profissão era pouco criativa, mas fiz a escolha para não ser mais pressionado por meu pai, que que-ria me ver logo na faculdade. Quando fiz a matrícula, pensei: na pior das hipóteses, saio com um diploma na mão. A química não vingou na minha vida. Por meio dela, porém, eu trilhei o meu caminho para São Paulo. Meu pai conseguiu que o tio Jáder, funcionário público da Secretaria da Fazenda, me recebesse em seu em apartamento no centro da cidade, em edifício na esquina da Avenida Ipiranga com a Rua Santa Ifigênia. Até então eu mal conhecia São Paulo. Tinha estado na cidade uma única vez por conta de um casamento. Eu nunca tinha visto o mar. Lembro que, quando visitei Santos pela primeira vez, provei a água do mar para saber se era salgada mesmo... Era o perfeito indiozinho perdido na cidade grande. Mas um indiozinho muito atento. Aos 16 anos, eu me vi morando com um tio solteirão em plena Avenida Ipiranga. Foi com o deslumbramento natural de um jovem do interior que tomei contato com a vida noturna paulista. Fiquei fascinado com as luzes e os cassinos da cidade, com seus números musicais. Por ser menor de idade, eu era obviamente barrado na porta desses estabelecimentos. O jeito era me contentar com as sessões de cinema, onde na época os homens só entravam se estivessem usando gravata. Curiosamente, no prédio do meu tio, moravam três irmãos, em apartamento três andares acima: Andiara, Moacir e Cauby Peixoto. Eles viviam juntos porque ninguém tinha muito dinheiro. Andiara era crooner, Moacir tocava pistão e Cauby estava começando a carreira como cantor. Ao passar no vestibular, sofri o meu primeiro trote e tive a cabeça raspada. Mesmo não morrendo de amores por química, foi uma euforia começar os estudos no Liceu Eduardo Prado, na Avenida Paulista. O Liceu ficava em frente à mansão dos Matarazzo, na esquina da Rua Pamplona. Por um tempo, eu me deixei entusiasmar pelo aspecto laboratorial da química. Gostava de mexer com os vidrinhos, do cheiro dos produtos e de misturar cores. Mesmo assim, o primeiro ano de faculdade foi muito chato. Paralelamente aos estudos, comecei a fazer bicos no rádio, que era o veículo do momento. A televisão já havia sido inaugurada, mas quase ninguém tinha o aparelho em casa. Quem me levou de volta ao rádio, agora em São Paulo, foi meu amigo Assis Negreiro. Ele trabalhava no estúdio de gravação da RGE, que realizava peças publicitárias antes de virar selo de disco. Outra influência no sentido de me colocar novamente diante de um microfone veio do meu tio, Evaristo Miessa, locutor no Paraná, na Rádio Clube Paranaense. Meu tio veio para São Paulo trabalhar como locutor na Rádio América, adotando o nome artístico de Airton Goulart. Foi dele que emprestei o sobrenome. Isso porque, quando eu chegava, todo mundo dizia: “Olha aí o sobrinho do Goulart”. Fiz o meu primeiro teste para locutor em São Paulo, em 1951. Como Assis Negreiro também era operador de som da Rádio Tupi Difusora, no Sumaré, ele me avisou que a emissora estava testando candidatos. Fomos juntos à rádio, onde no mesmo dia descobrimos que haveria testes também para radioator. Mesmo sem saber o que era isso, acompanhei Assis. Ele me explicou que eu receberia uma fichinha com as minhas falas e teria de contracenar com um ator contratado da emissora. Parecia moleza. O estúdio de radioator era muito maior que o de locutor. Era repleto de microfones sobre pedestais e havia um aquário, com o operador de som. Ao fundo, havia um homem muito alto com uma piteira na boca e óculos fundo-degarrafa. Pelo que eu soube depois, ele nem deveria estar na rádio naquele dia. Só passou por curiosidade e entrou no estúdio justamente na minha vez. Fiz o teste descontraidamente. O ator falava e eu respondia com a maior naturalidade, sem qualquer impostação de voz. Quando acabei, o homem da piteira bateu no vidro e pediu que eu fizesse o teste mais uma vez. Depois, bateu no vidro novamente e com ar sério me perguntou: “Meu filho, você já fez isso alguma vez na sua vida?”. Respondi que não. Ele esboçou um sorrisinho e completou: “Quer continuar fazendo?”. Humilde, perguntei: “O senhor acha que eu posso?”. “Se eu estou dizendo que pode, você pode”, emendou o homem, que me contratou na mesma hora como radioator. Pediu que eu passasse no departamento pessoal e deixasse os meus dados. Quando ele saiu, ingenuamente perguntei: “Quem é esse cara?”. Responderam que era ninguém menos que Oduvaldo Vianna. Um diretor durão e muito temido pelos atores, Oduvaldo já era um respeitado escritor de novelas, autor teatral e ainda comandava o núcleo de novelas na Tupi Difusora. Ao ser contratado, entrei para um time do qual já faziam parte personalidades como Walter Forster, Lia de Aguiar, Cassiano Gabus Mendes, Lima Duarte, Walter Avancini, Régis Cardoso, Hebe Camargo, Lolita Rodrigues, Airton Rodrigues, Homero Silva, Heitor de Andrade e Dionísio Azevedo, entre outros. Ninguém deve ter acreditado quando eu entrei para o quadro, assim, logo de cara. O que mais me impressionava é que eu tinha feito o teste sem dar a mínima e sem a menor idéia de onde estava me metendo. Capítulo 3 Nasce o Boca Mole Nunca vou esquecer do dia em que assinei o contrato, datado de 1o de março de 1951. Está na minha carteira profissional. Não me lembro do salário. Só recordo que a função descrita na carteira era absolutamente nova para mim: radiolocutor coadjuvante. As minhas primeiras experiências foram curiosas, principalmente por envolverem os auditórios de rádio – comuns na época. Cada vez que eu representava um personagem diante da platéia, alguma coisa acontecia. Provavelmente porque eu sempre tive uma representação mais teatral. Não era um radioator que apenas lia o texto no microfone. Costumava olhar para o outro ator e contracenar. Já tinha uma consciência cênica, mesmo sem ter estudado dramaturgia. Talvez isso tenha a ver com o fato de eu ser um “bom ouvidor”. E o princípio básico da representação é saber ouvir. Quem ouve bem, responde com mais convicção. É uma das regras mais simples da arte de representar. Muitos atores não dão o tempo necessário quando a frase do outro pede uma reflexão. Esquecem-se de que, ao antecipar a reação, o diálogo soa decorado. Desde cedo, nunca me prendi apenas ao meu personagem, estudando a cena como um todo. Isso até ajuda a fixar o diálogo mais facilmente. Com o tempo, ainda que a tendência seja perder a memória, quem continua se estimulando não pára de atuar. Até quando? Não sei. Depende da genética de cada um. As técnicas de representação só o tempo e o próprio ofício se encarregam de aprimorar, a ponto de o ator chegar aonde quer. O importante é que a emoção chegue até a platéia, ainda que o ator não esteja sentindo absolutamente nada no palco. Esse é o grande segredo do nosso ofício: aprender a dominar e a controlar as emoções para que elas floresçam no momento certo. A grande sacada é não deixar que essa técnica apareça nunca. Se a técnica funciona ou não, o ator só comprova diante da energia do público. Por isso, o teatro é tão importante. É uma escola permanente. Não me lembro especificamente do meu primeiro personagem no rádio. Não fiz nenhum protagonista no início. Participei dos programas chamados Mil e Uma Noites, do gênero aventura, e Cinema em Casa, de Walter George Durst, que fazia adaptação de roteiros de cinema para a emissora de rádio. Foram os personagens de rádio que me levaram a aparecer pela primeira vez na televisão. Todos os atores contratados da Rádio Tupi automaticamente eram requisitados pela TV Tupi, já que a rádio sustentava a TV. Havia um programa muito engraçado idealizado por Amácio Mazzaropi, que já desfrutava de prestígio no rádio. Era realizado como se fosse na casa do próprio Mazzaropi, com a participação da parceira dele, a Geny Prado, e alguns convidados, além de um sanfoneiro. O programa era semanal, de cerca de 20 minutos. Sem roteiro, acabava quase sempre em uma piada. Nada mais era do que um esquete de circo improvisado. Havia apenas um tema, que conduziria a história. Mazzaropi já tinha a idéia definida, passando para os atores algumas respostas. Às vezes, os atores faziam apenas figuração, como na primeira vez em que fui chamado. Fiquei vestido de caipira, calado no meu canto. Aí Mazzaropi não resistiu e me perguntou: “E ocê não fala nada?”. A primeira coisa que me veio à cabeça foi responder, em tom caipira e vagaroso: “Eu num sei nem o que é que eu vou falá...”. “Ocê não fala porque é boca mole”, ele respondeu, batizando o meu primeiro persona-gem. A partir daí, toda vez que o Boca Mole aparecia no programa, ele falava muito devagar e nunca dizia nada com nada. Foi uma honra ter a primeira criação batizada pelo Mazzaropi, que só mais tarde estourou no cinema como Jeca Tatu. Ele era um mestre na improvisação. Tempos depois, esse meu jeitão de Boca Mole me colocou em uma encrenca na Tupi, rendendo a primeira reportagem da minha carreira. Na época, o rádio tinha uma freqüência muito grande de fãs, o que deixava o ambiente um pouco tumultuado. Sarita Campos, a mulher do diretor da televisão e da rádio, Costa Lima, protegia as atrizes como uma madre superiora em colégio de freiras. Não queria que as mocinhas namorassem, impondo regras de comportamento rígidas na emissora. Por ser brincalhão e espontâneo, Sarita me pegou com a mão no pescoço de uma atriz no corredor. Eu simplesmente estava checando se a moça estava com febre, mas Sarita não gostou. Irada, perguntou: “O que é isso? Como vocês fazem uma coisa dessas no corredor?”. Em vão, tentei explicar, piorando ainda mais a situação. “Como você ousa responder para mim?”, ela perguntou. Apesar de não ter culpa nenhuma, não vi outra alternativa a não ser pedir demissão. Entrei na sala, datilografei uma carta e entreguei. Foi um rompante, que curiosamente me abriu novas portas. Enquanto Sarita chamava a minha atenção no corredor, passava uma jornalista inimiga dela. Era Isa Silveira, irmã de Miroel Silveira, que era crítico de teatro das Folhas. Isa escrevia para a Radar, uma revista especializada em rádio. Coisa que não existe mais hoje, pois elas cederam o lugar às revistas sobre televisão. Após presenciar a cena, a jornalista relatou o ocorrido na reportagem publicando uma foto minha na Radar. A revista foi parar na mão do diretor de uma emissora que estava prestes a ser inaugurada, em São Paulo. A namorada do diretor viu a reportagem e comentou: “Você não estava procurando um galã? Olha ele aqui”. Capítulo 4 Cupido em Ação Por uma daquelas manobras sabiamente arquitetadas pelo destino, Margarita Schulmann me colocou no caminho de Nicette, ao mostrar a minha foto a Ruggero Jacobbi, diretor da TV Paulista. Fui imediatamente contratado pela emissora como galã de novela, ganhando o triplo do que recebia na Tupi. Fiz par romântico com Vera Nunes na adaptação de Helena (1952), de Machado de Assis, realizada ao vivo. Enquanto eu iniciava a carreira de ator na TV Paulista, de uma forma absolutamente intuitiva, Nicette já era a estrela do Teatro de Alumínio. Como Ruggero e Nicette trabalhavam juntos na Companhia dela, ele me chamou para fazer um teste no teatro, assim que o galã da trupe, Fernando Villar, abandonou o grupo e voltou ao Rio. Ruggero sabia perfeitamente que eu não tinha experiência no palco. Mesmo assim, achava que eu tinha as características do galã que eles procuravam. E lá fui eu para o Teatro de Alumínio, onde botei os olhos pela primeira vez em Nicette. Lembro de vê-la no palco, fumando muito e andando de um lado ao outro. Parecia muito séria e compenetrada. Assim que vi de perto aquela baixinha bonitinha, fiquei encantado. Logo perguntei o nome dela. Quando disseram que era Nicette, pensei: “Que nome estranho!”. Subi ao palco assim que me deram uma fichinha com as minhas falas em negrito. Descontraído, perguntei porque eu não tinha recebido o roteiro inteiro. Disseram que era para economizar papel. Sem muita conversa, Nicette foi logo iniciando o teste. Ela falava e eu respondia. Impressionados com a minha naturalidade, perguntaram se eu nunca tinha mesmo feito teatro. Insisti que não. Foi tudo muito rápido. Eles fizeram uma pequena reunião e disseram na hora que eu estava aprovado. As coisas para mim sempre foram muito fáceis, principalmente no que diz respeito a conseguir os empregos e os papéis no início de carreira. Só fui passar por dificuldades depois. Como eu ainda não tinha nenhum envolvimento ou comprometimento com teatro naquele momento, não sentia qualquer pressão. Sabia que aquilo não podia subtrair. Só somar. De tão inexperiente, nem sabia quanto queria ganhar. Na hora de discutir o salário, dei uma de matemático. Perguntei quantos lugares ha-via no teatro, quanto custava o ingresso e quantas pessoas trabalhavam. Aí fiz uns cálculos, chegando a uma porcentagem altíssima para um ator estreante. Pedi 8 mil réis. Acabaram baixado para 4 mil réis, o que já era muito para quem ingressava na carreira. Eu sempre tive uma cabeça empresarial e tino para os negócios, o que de uma certa maneira foi aflorado mais tarde. Não que eu seja um grande empresário. Tenho apenas uma noção de como fazer as coisas. Pelo menos, teoricamente. Na prática, às vezes, não temos a estrutura necessária. Feliz da vida com o meu salário, comecei a ensaiar a peça Senhorita Minha Mãe. Tudo caminhava bem, exceto por dois detalhes: ainda não tinha contado ao meu pai que queria desistir do curso de química e, para piorar, tinha de me alistar no Exército. O meu pai já estava em São Paulo, depois de ter vendido a rádio em Olímpia. Por mais que eu estivesse empregado, ele se preocupava muito comigo. Principalmente porque os contratos eram todos de curta duração. Naquela época, o ator tinha de renovar o contrato a cada temporada, o que dava uma certa insegurança profissional. Como em todos os momentos críticos da minha vida, eu me abri com o meu pai. Ao explicar que já havia me comprometido com a peça, ele percebeu que eu queria mesmo ser ator e me ajudou a solucionar o problema com o Exército. Foi bom desabafar porque, naquele momento, eu já estava desesperado. Pensava: “Meu Deus, como é que eu vou estrear a peça se tiver de servir ao Exército?”. E estava carregando o drama sozinho, pois não havia contado a ninguém da Companhia de Nicette. Faltando apenas uma semana para a peça estrear, eu tinha medo de abrir o jogo e ser substituído por outro ator. Naquela época havia muitos sargentos que, mediante propina, colocavam o alistado no grupo excedente do Exército. Conversei com um sargento que prometeu resolver o meu problema. Na véspera do meu alistamento, quando eu deveria me apresentar para o exame médico, o sargento revelou que só o coronel poderia me ajudar. Então tomei coragem e pedi o endereço da residência do coronel, passando um dinheiro ao sargento por baixo da mesa. Não tive dúvidas. À noite, sozinho, bati na casa do coronel. Para a pessoa que me atendeu eu dis-se: “É um assunto muito importante porque a minha carreira está nas mãos do coronel. Só ele pode resolver a minha vida”. Contei toda a história. Expliquei que, se fosse engajado no Exército, perderia a chance de estrear no teatro. Para minha sorte, mencionei que estudava no Liceu Eduardo Prado, onde o sogro do coronel era professor de física. A partir daí, ele me olhou com outros olhos, apesar de eu ter dito que nem sabia se continuaria ou não o curso. Após ouvir tudo o que eu tinha para dizer, o coronel me mandou para casa dizendo que eu deveria me apresentar no quartel. No dia seguinte, lá estava eu, só de cuecas, fazendo o exame médico. Passado o exame, fui informado de que precisaria apenas jurar a bandeira porque estava no excesso de contingente. Ai meu Deus, que alívio! Foi como se tivessem tirado um peso enorme das minhas costas. Obviamente, sou um reservista de terceira categoria. Mas o que importa é que fui dispensado. Finalmente estreamos a peça Senhorita Minha Mãe, de Louis Verneuil, no Teatro de Alumínio, no mês de agosto, em 1952. Eu interpretava o filho de um viúvo que queria se casar com uma jovem, vivida por Nicette. Daí o título da peça. O meu personagem achava aquilo um absurdo. Até porque ele também começou a se apaixonar por essa moça, namorada de seu pai, passando a persegui-la e tentando assim evitar o casamento dos dois. Na noite de estréia, houve um acontecimento curioso. O meu personagem espirrava muito, depois de ter tomado chuva. Virava e mexia, eu soltava um “atchim!”. Como a gripe não passava, lá pelo meu décimo espirro, um gaiato da primeira fila disse: “Saúde”. Para surpresa de todos, eu parei, olhei para a platéia e disse: “Obrigado”. Como foi uma audácia muito grande da minha parte me dirigir ao público, foi uma gargalhada geral no teatro. Acho que os outros atores no palco pensaram: “Meu Deus! Esse cara está estreando no teatro e ainda tem o desplante de fazer uma coisa dessas!”. Devem ter ficado com vontade de me matar. Mal eu sabia que o crítico Décio de Almeida Prado estava na platéia na noite de estréia e presenciou o acontecimento inusitado. Na sua crítica, disse que eu tinha talento histriônico, algo que permeou durante muito tempo a minha carreira. Como eu tinha o riso frouxo, acabava rindo com o público durante o espetáculo. Só com o tempo fui aprendendo a me controlar. Desde cedo, tive uma tendência a interagir com a platéia, o que era considerado muito moderno para a época. Enquanto eu descobria o teatro e o teatro me descobria, meu interesse por Nicette foi crescendo. Para não criar falsas esperanças, perguntei discretamente aos outros membros da Companhia se ela tinha namorado. Adorei ouvir que ela estava sozinha desde que o ex, Halfeld, tinha voltado para o Rio. Sempre que podia eu dava umas olhadinhas apaixonadas para ela. Mas Nicette nem percebia. Nossa relação era absolutamente profissional. Pelo menos até o dia em que Abelardo Figueiredo resolveu dar uma de cupido entre nós. Por isso, acabou sendo um dos nossos padrinhos de casamento. Em uma noite de segunda-feira, durante uma festinha, Abelardo disse a Nicette que eu estava de olho nela. Brincou que o romance de Senhorita Minha Mãe poderia ultrapassar os limites do palco. Aquilo deve ter quebrado o gelo, pois ela começou a retribuir os meus olhares. Na primeira oportunidade, eu me aproximei e disse que gostaria de ouvi-la declamando um poema. Ela disse que sim, mas continuamos conversando. Pouco depois, alguém pediu que Nicette se apresentasse para os convidados. Foi quando ela começou a declamar uma poesia no meio da sala. Nesse momento, eu saí. Fiquei em um cantinho lá na copa. Quando Nicette terminou, sendo aplaudida por todos, começou a me procurar. Ao me achar, perto do tanque de lavar roupas, perguntou: “Por que você saiu?”. “Porque queria que você declamasse uma poesia só para mim”, respondi. Ainda disse que, se ela quisesse, eu cantaria depois uma música só para ela, hábito comum quando o rapaz queria impressionar uma moça naquela época. Cantei uma música muito popular, Índia, deixando-a intrigada com os meus conhecimentos do idioma guarani. A partir daí, Índia, uma canção paraguaia que tinha uma versão brasileira, pas-sou a ser a nossa música. Assim começou o nos-so namoro. Capítulo 5 “Por Que a Gente Não Casa Logo?” O relacionamento com Nicette floresceu à medida que fomos nos conhecendo, descobrindo como somos parecidos em essência. Desde cedo nós já queríamos as mesmas coisas, apesar das individualidades, principalmente de temperamento. Também tínhamos os mesmos valores, mudando apenas a maneira de cultivá-los e exercitá-los. Como eu era um rapaz do interior, tinha uma postura mineirinha. Ouvia muito e falava pouquíssimo. Quando falava, geralmente media muito o que dizia. Muito madura para a sua idade, Nicette e eu entramos em sintonia imediatamente. Coisa de alma gêmea mesmo. As pedras que surgiram no nosso caminho ajudaram a nos aproximar ainda mais. Quando atuávamos na segunda peça, no Teatro de Alumínio, Amor x Casamento, de Maxwell Anderson, as cadeiras do teatro foram retiradas por falta de pagamento. Enfrentamos o problema juntos, até perdemos mesmo a casa de espetáculos, o que obrigou Nicette a abandonar o projeto. A Companhia já ia se desfazendo até que ela conseguiu o apoio do empresário Isnardo Carlo Alberto Baccini para construir o Teatro Íntimo Nicette Bruno, o TINB. Ao lado dela, participei da concepção do teatro inaugurado em 1953, com a peça Ingênua Até Certo Ponto, de Hugh Herbert. Totalmente envolvido pela arte de representar, não vi outra alternativa a não ser desistir de vez da química. Enquanto o Brasil perdia um péssimo químico, eu pedia a mão de Nicette em casamento. Foi no réveillon de 1954, no clubinho, como nós chamávamos o Clube dos Artistas. Nós preparávamos no TINB o projeto Brasil Romântico, pelo qual montaríamos duas peças para comemorar os 400 anos de São Paulo: O Primo da Califórnia, escrita por Joaquim Manuel de Macedo, e Lição de Botânica, de Machado de Assis. Encantado por Nicette, por sua alegria de viver e sua devoção ao trabalho, não consegui esperar mais. Do nada, eu perguntei: “Por que a gente não casa logo?”. Fui prático lembrando que nossos objetivos eram os mesmos e que não adiantaria nós ficarmos esperando ter mais dinheiro para mobiliar um apartamento. Se queríamos começar uma vida a dois, devíamos começar já. E foi ali mesmo que decidimos a data do casamento, realizado menos de dois meses depois, no dia 26 de fevereiro de 1954. Como estávamos duros, o jeito foi pedir ajuda ao empresário e banqueiro Bonfiglioli, da Cica. A marca era o patrocinador do nosso programa de televisão, na TV Paulista, chamado Teatro Nicette Bruno, em que fazíamos adaptações de peças em programas de 40 a 45 minutos de duração. O casório só saiu graças à generosidade do patrocinador que adiantou o pagamento de um ano de programas. Ele não só antecipou como nos deu um faqueiro de prata de presente. E foi assim que conseguimos alugar o apartamento, comprar os móveis e financiar a festa. Nossa vida sempre foi uma aventura. Se tínhamos dinheiro, ótimo. Se não tínhamos, encontrávamos um jeito de alcançar o nos-so objetivo na maior simplicidade, sem ficar sonhando com muitas coisas impossíveis. Às vésperas do Carnaval, a festa mais popular do Brasil, nós nos casamos na Igreja de Santa Cecília. Como todo noivo, devo ter ficado com cara de bobo ao ver aquela loirinha linda caminhando na minha direção ao som da marcha nupcial. A cerimônia, que emocionou os presentes, foi seguida de festa no TINB. Quem pegou o buquê de Nicette foi Laurinha Figueiredo, que acabou se casando com o Abelardo dois anos depois. Passamos a lua-de-mel em uma chácara em Mairiporã, que pertencia a Mário Civelli, irmão de Carla, que se casou com Ruggero. Fomos todos juntos à chácara, onde eles se mobilizaram para que nós tivéssemos privacidade. Arrumaram um quarto para nós nos fundos da casa. Só que a cama era muito pequena. Mas não tivemos do que reclamar... No dia seguinte à noite de núpcias, saímos para andar de carroça. Pena que o cavalo estivesse indisposto, coitado! Enquanto andava, soltava pum e fazia cocô. Nicette ficou desconcertada. Achei graça, mas não pude rir. Naquela época, os casais se comportavam com muito mais cerimônia. Principalmente os recém-casados. O jeito foi fazer de conta que nada estava acontecendo para não estragar o clima romântico. Por mais incrível que pareça, nós trabalhamos durante a lua-de-mel, ensaiando a peça Ciúme, de Louis Verneuil, com direção de Ruggero para o programa de TV da semana seguinte. Aquilo já sinalizava como seria a nossa vida em comum: uma mescla de trabalho, de prazeres, de alegrias... Aos poucos, Nicette e eu fomos percebendo como nos completamos. Até artisticamente. Como atores, somos diferentes na criação e na atuação. Ela leva o ofício, assim como quase tudo em sua vida, muito seriamente. O fato de ter estudado piano influi. Independentemente da interpretação, piano é resultado de uma técnica. Não tive a mesma formação. Meu processo foi mais intuitivo, aprimorado com o tempo. Não foi por preguiça, mas por conta do meu temperamento. Quando me sinto obrigado a fazer algo, me revolto, pois prefiro a espontaneidade. Nicette também é espontânea, mas só depois que assimilou o processo. Por outro lado, Nicette é o meu termômetro. Ela me segura, me trazendo de volta à Terra quando eu estou solto demais no palco. No teatro, conforme a temporada se estende, é normal que o espetáculo se modifique. A partir do momento que o público muda, nós mudamos também. Por isso, geralmente melhoramos a cada espetáculo. É preciso cuidado, no entanto, para não perder a mão nessa ânsia de melhorar. Nicette é o meu ponto de referência. Quando estamos juntos, há um equilíbrio. Foi maravilho acompanhar, ao lado dela, as principais transformações ocorridas no teatro paulistano. Nos anos 50, o veículo sofreu uma influência grande dos diretores italianos, na fase TBC. Ainda que a existência do TINB tenha sido relativamente curta, o espaço foi extremamente importante no aspecto de conceituação e de absorção de assistentes de direção do TBC. Weekend, de Noel Coward, por exemplo, marcou a primeira direção do Antunes Filho. Ao vir trabalhar conosco, ele revolucionou o gênero cômico nos palcos, introduzindo um timing cinematográfico, em que os atores não esperavam mais a reação da platéia. Ele não queria ator parado no palco. Movimentava a cena, dando ao ator uma ação para cobrir o tempo do riso do público. O que funciona até hoje. A última peça encenada no TINB foi curiosamente uma remontagem que fizemos do primeiro sucesso do TBC: Ingenuidade, tendo Madalena Nicol na direção. Infelizmente o TINB fechou porque os sócios, muito jovens, fizeram dívidas das quais nós não tínhamos conhecimento. Convidado para criar o balé que integraria as festividades do aniversário de São Paulo, Abelardo Figueiredo também se desligou do nosso grupo. Começava então um novo ciclo da nossa vida. Nós saímos do TINB apenas com o nosso repertório: Ingenuidade, Ingênua Até Certo Ponto, Weekend, Brasil Romântico e Amor x Casamento. Foi nesse momento em que a necessidade me transformou em produtor teatral. Não tinha experiência, mas tive de me virar contando com a ajuda do meu irmão, Milton, que foi nosso secretário. Sem um teatro, nós passamos seis meses fazendo temporada em Porto Alegre, graças ao convite do núcleo do Teatro São Pedro, ligado à Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul. Usamos atores locais – Pérola Paganelli, Enilda Lopes e Fortunato Ferreira. Nossas peças ainda chegaram a mais de 16 cidades do Estado depois que uma companhia ferroviária nos cedeu um vagão de trem para que levássemos os cenários e as montagens. O vagão ficava para-do nas estações durante uma semana, onde encenávamos uma peça por dia. No final de semana, nós reprisávamos a peça de maior sucesso. Também chegamos a inaugurar um circo, que pertencia a Lupicínio Rodrigues, em Porto Alegre. Foi um grande aprendizado, além de representar a nossa verdadeira lua-de-mel. Capítulo 6 Família : Uma Superprodução Enfrentamos o primeiro ano de grandes dificuldades de nossas vidas ao deixarmos Porto Alegre, seguindo para o Rio de Janeiro, onde um tio de Nicette, Valter, marido de Flordéa, nos acolheu. Fiquei praticamente um ano sem trabalho, sem conseguir articular nada. Tentei até ser corretor de imóveis, pois tinha de garantir o nosso sustento. Estava muito preocupado porque, com as nossas reservas de dinheiro acabando, quem sustentava a casa era o tio de Nicette, um funcionário público. Até hoje odeio bife com pimentão porque era só o que comíamos na época. A fase de vacas magras passou depois que uma entidade espírita nos disse, em sessão realizada na casa do tio de Nicette, que uma criança abriria as portas para nós. Não sabíamos que Nicette estava prestes a engravidar da nossa primeira filha, Bárbara. Curiosamente, no dia seguinte, veio por telefone uma proposta de trabalho. Fui convidado para estrelar uma montagem de Nelson Rodrigues, Vestido de Noiva (1956). A oferta surgiu de última hora, pois havia ocorrido um desentendimento entre o diretor e o ator que faria o papel inicialmente. Foi o meu primeiro trabalho sem Nicette. Obviamente, ao me casar com uma atriz respeitada, que já tinha nome no meio artístico, fui durante um tempo apenas o marido da Nicette. Como sempre soubemos administrar isso, respeitando a individualidade do outro, nunca vi problema. Ser identificado como o marido dela não feria os meus sentimentos. Talvez até tenha sido isso que solidificou a nossa relação, à medida que soubemos estabelecer de maneira equilibrada o respeito ao universo do outro. Ser ator, de certa forma, é saber administrar essa noção de coletividade. Quem não exercita isso com sabedoria, não entende o significado verdadeiro da parceria. No nosso ofício, a única maneira de ter a individualidade bem resolvida é viver plenamente o processo coletivo. Quem se deixa levar pela vaidade e pela competição, não deslancha por medo de ajudar o outro a fazer sucesso, o que é uma grande besteira. Felizmente nós sempre tivemos consciência disso, a ponto de nossas carreiras se desenvolverem individualmente, ainda que, muitas vezes, estivéssemos juntos no projeto. Deveríamos ter atuado novamente juntos no palco na peça Um Elefante no Caos, que Millôr Fernandes havia escrito especialmente para nós. Como não pudemos levar a montagem adiante por falta de patrocinador, acabei aceitando o convite para integrar a Companhia Teatral de Eva Todor. Não podia trocar o certo pelo duvidoso. Até porque estava prestes a me tornar um pai de família. Integrei a Companhia da Eva, especializada em comédias, com estrutura sólida e público cativo no Teatro Serrador. Lá conheci Manoel Pêra, o pai da Marília Pêra. Também aprendi muito com Jorge Dória e a própria Eva. Bárbara nasceu em 1956, em Niterói, durante esse meu estágio na Companhia de Eva. Tinha apenas 23 anos e estava no meio de um espetáculo quando ela veio ao mundo. Telefonaram para o teatro, onde eu fui o último a saber do nascimento, pois estava no palco no momento da ligação. Quando a cortina foi fechada, começaram a cantar parabéns. Desavisado, perguntei: “De quem é o aniversário?”. “Nasceu a sua filha, é uma menina”, responderam. Lembro que, na euforia de conhecer Bárbara, fiz a travessia da Baía da Guanabara tirando a maquiagem pelo caminho. Ninguém entendeu nada... A paternidade obviamente aumentou a minha responsabilidade. Com o nascimento de Beth, nossa segunda filha, em 1961, no Rio, meu pai começou a fazer pressão para que nós nos mudássemos para Curitiba. Realizamos o desejo de meu pai, preocupado com a nossa profissão, considerada instável, ao encerrarmos a temporada de Zefa Entre os Homens, em 1962. Para nosso desespero, a montagem foi um fracasso retumbante. Foi uma das últimas direções de Ziembinski, que resolveu transformar Zefa em uma espécie de Joana D’Arc do Nordeste. Como ele era um diretor muito envolvente, nós embarcamos nesse universo. Mas ele errou a mão. Por ter interpretado um padre na peça, nunca mais quis fazer o papel. Fiquei traumatizado. Mas não reclamo dos fracassos, que representam o suporte e o alicerce do sucesso. São eles que criam raiz para o sucesso acontecer. É a dignidade que mantém o ator. Quando ele tem consciência que fez o melhor que podia naquele contexto, o público respeita. Pode até dizer que não gostou, mas respeita a posição do ator. Zefa Entre os Homens teve financiamento do Banco Nacional de Minas, onde o meu pai era uma espécie de diretor regional em Curitiba. Continuei pagando o que devia ao banco, mas seguimos para o Sul, depois de alugarmos o apartamento no Rio, que papai havia me ajudado a comprar na Rua Gomes Carneiro, em Ipanema. Nicette e eu sempre fomos muito companheiros um do outro. Soubemos ler os sinais e aceitamos, naquele momento, que o imponderável da vida nos levasse para outra direção. Além disso, nós sempre acreditamos que o amanhã será melhor. Talvez isso também tenha contribuído para fortalecer a nossa relação. Começamos no Paraná um novo ciclo da nossa vida, o que eu chamo de mundo real. Porque até aí, apesar de ser um sujeito com objetivos definidos, eu embarcava nas fantasias. Só na capital paranaense, onde moramos de 1962 a 1966, é que botei o pé no chão aprendendo a administrar melhor a nossa vida. Foi lá que pegamos o golpe militar e assistimos à modificação no cenário político do País. Ainda tivemos a nossa iniciação espiritual na SBEE (Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas) do Paraná. Paulinho, nosso terceiro filho, nasceu em 1966, em Curitiba, onde nós atuamos no Teatro de Comédia do Paraná. A princípio, eu pensava que a mudança de cidade nos afastaria da profissão. Mas fui surpreendido ao encontrar por lá o ator Cláudio Corrêa e Castro, que nos engajou imediatamente no seu grupo. Não só subimos novamente ao palco, como fomos professores da Escola de Teatro do Guaíra. Ainda tivemos de conciliar a carreira artística com outras atividades no comércio e na indústria. Só depois do convite de Armando Bógus, que eu substituí em 1966, às pressas, na peça A Megera Domada, com direção de Antunes Filho, é que comecei a agilizar a nossa volta para São Paulo. A capital paulista se tornou a nossa base, principalmente empresarial, onde nós montamos anos depois o nosso braço comercial, a Nicette Bruno Produções Artísticas. Formamos um grupo teatral com o Antônio Abujamra em 1967, chamado de Teatro Livre, inaugurado com a peça Boa-Tarde, Excelência, de Sérgio Jockymann, que fazia alusão à vida de Brizola. Ainda produzimos O Olho Azul da Falecida, de Joe Orton, As Criadas, de Jean Genet e Lá, também de Jockymann. Lá, com direção do Abujamra, foi a peça mais duradoura de toda a minha carreira. Foram quatro anos de temporada, incluindo uma passagem por Portugal, no Teatro Villaret de Lisboa. Apesar de gostarmos de trabalhar juntos, Nicette e eu fizemos trabalhos separadamente durante toda a nossa trajetória. Enquanto ela estrelava Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, de Paul Zindel (1974), por exemplo, eu estava à frente de Orquestra de Senhoritas, pelo qual eu recebi o prêmio Molière no papel de Madame Hortense. Foi um grande desafio interpretar aquela contrabaixista russa. Durante um mês e meio, eu andei pela casa de saltos altos, além de aprender a usar agulhas de tricô e servir cafezinho, delicadamente, em xícaras japonesas. A ala feminina da família me ajudou na composição. Nicette fez um pufe para aumentar os quadris, enquanto Bárbara e Beth capricharam no drapeado do meu vestido. Ri muito quando Paulinho disse, na época, que eu estava parecido com a Hebe Camargo. Como nunca abandonamos o palco, apesar das dificuldades, nossos filhos cresceram sob essa atmosfera de criação, vendo os pais às voltas com seus personagens. Provavelmente por influência do ambiente, eles deram muito cedo sinais de que seguiriam também a carreira artística. Inicialmente, Nicette e eu não incentivamos, temendo que o desejo deles pudesse ser uma reflexão do nosso. Todos fizeram testes vocacionais, até percebermos que cada um deles tinha mesmo uma inclinação artística. Cada um do seu jeito. Nós temos três filhos, que foram criados com a mesma decência e os mesmos valores. Seus temperamentos, porém, são completamente diferentes. Isso também é refletido na relação que tenho com cada um deles. Aparentemente é tudo igual, mas não é. Como eu e Nicette sempre procuramos preservar a nossa individualidade, estendemos o conceito aos filhos também. Temos uma relação particular com cada um deles. Por termos a mesma profissão, naturalmente trabalhamos muitas vezes juntos. A família toda se reuniu na novela da TV Tupi, Papai Coração (1976). Éramos eu, Nicette, os três filhos, o genro, Kiko De Micheli, e minha sogra, Eleonor. Passávamos quase todo o tempo juntos, do café da manhã até a hora de dormir. Mais recentemente, estivemos juntos no espetáculo Sábado, Domingo e Segunda (2003), de Eduardo De Filippo, em São Paulo, onde Nicette e eu contracenamos com Bárbara, Paulinho e com nossa neta Vanessa Goulart. Olhando para trás, provavelmente foi o Teatro Paiol que coroou a nossa afinidade artística no palco. Ao assumirmos em 1980 a casa, fundada por Miriam Mehler e Perry Salles, ela representou 20 anos das nossas vidas. No Paiol nós criamos o nosso teatro de repertório encenando três peças durante a semana. Foi lá que comemoramos os 30 anos de palco de Nicette, com a peça Dona Rosita, a Solteira (1980), de Federico García Lorca, onde Paulinho também estreou. Nicette e eu atuamos juntos em Aviso Prévio (1987), uma peça da Consuelo de Castro, com direção de Francisco Medeiros. Bárbara ainda debutou na direção com O Auto da Compadecida (1994). Nossa família teve a sorte de ter se desdobrado em outras famílias de artistas. Trabalhar com filho, porém, não é fácil. Seja qual for o ramo. É duro para os dois lados. Os filhos e netos talvez encontrem até mais dificuldades por sentirem na pele as cobranças. Da nossa parte, nós não podemos passar a mão na cabeça deles e deixar de corrigi-los quando é preciso. Afinal, essa é a missão dos pais. Por outro lado, não podemos deixar de encorajá-los levando em conta como o ofício deixa naturalmente o ator inseguro. Só uma postura equilibrada pode ajudar, pois se orientarmos demais podemos acabar atrapalhando. É preciso saber exatamente quando e como falar. A melhor forma de convivência em qualquer família é saber respeitar o espaço do outro. Não seria diferente em família de artistas, onde lidamos ainda mais com criatividade e vaidade. No fundo, nós formamos um elo de grandes amigos dentro da nossa família, respeitando o limite dos outros. Fizemos isso com os filhos e agora repetimos com os netos, ainda que lidemos com outras gerações. Nós também aprendemos muito com eles, dentro e fora dos palcos. A vida é uma troca. Capítulo 7 Silêncio... Gravando Sou do tempo em que telenovela era feita ao vivo. Nós entrávamos em cena com aquele friozinho na barriga de quem não podia errar. Os contratempos, obviamente, eram inevitáveis. Raramente havia tempo para ensaios e o volume de trabalho era enorme. Além de toda a complicada logística de uma produção ao vivo, ainda ocorriam problemas como esquecimento de texto, falhas no microfone, movimentos equivocados de câmera e mancadas do pessoal da produção. Uma vez precisei colocar um pedacinho de madeira na boca, no lugar de um bombom. Como a produção não providenciou o chocolate, que o meu personagem precisaria comer em cena, eles embrulharam um toquinho de madeira em papel colorido. Quase quebrei o dente. Às vezes, o ator de telenovela ao vivo ainda derrubava o cenário ou quebrava alguma coisa em cena, sem querer. Eu mesmo precisei aprender a controlar os meus impulsos e a minha força nos estúdios de gravação. Quando fiz Helena (1952), novela com três capítulos por semana na TV Paulista, tinha apenas 19 anos. Por ser um rapaz grandão, quando batia à porta, batia de verdade. Quase derrubava tudo. Lembro ainda de um caso hilário, envolvendo o ator Fregolente e a cola que ele havia colocado pendurada no vaso de dálias no cenário. Como o contra-regra não sabia de nada, recolheu o vaso. Quando o ator entrou em cena, a primeira coisa que perguntou foi: “Cadê minhas dálias?”. Foi um longo percurso desde as novelas ao vivo, de caráter pioneiro, até a produção industrial, em videoteipe, realizada hoje pelas emissoras. Principalmente pela Globo. No início, as novelas eram mais radiofônicas. As cenas eram maiores. Com o tempo, foi criada uma linguagem específica que acompanhou a evolução tecnológica, aproximando-a do cinema. Historicamente, houve momentos importantes, como os de As Minas de Prata (1966-1967), e A Muralha (19681969), que explicava os fatos que levaram à Guerra dos Emboabas. Participei de ambas, escritas por Ivani Ribeiro, autora que ajudou a contar um pouco da história do Brasil dentro da teledramaturgia. Houve uma época em que as novelas estavam ligadas às agências de publicidade, pois tinham patrocínios de determinados produtos. Quando ingressei na TV Excelsior, em 1966, no núcleo de Walter Avancini, a novela da Kollynos pertencia à agência McCann-Erickson. A própria autora, Ivani Ribeiro, era contratada da McCann e não da TV. Só mais tarde é que as novelas ganharam autonomia, à medida que as emissoras começaram a constituir suas redes e a trabalhar em âmbito nacional. Ainda que o teatro seja o veículo sobre o qual eu tenho mais domínio e o cinema represente uma grande paixão, nunca ignorei o mérito da televisão. A língua portuguesa, por exemplo, passou a ser mais bem assimilada como idioma, a partir da TV. Já se dizia “eu te amo” em rádio, mas a aceitação da frase passou a ser muito maior quando ela começou a ser dita entre os pares românticos na telinha. Os atores criaram o hábito, colocando mais verdade naquele nos-so “eu te amo”, fazendo com que o público passasse a usar mais naturalmente. Não é por acaso que as novelas brasileiras conquistaram o mercado internacional. Isso aconteceu por conta da qualidade, do ineditismo, da narrativa peculiar e da modernidade que nenhum outro país do mundo conseguiu até hoje imitar. Lá fora o gênero ainda é sinônimo de produção lacrimosa. No Brasil, a novela conseguiu transformar cada telespectador em confidente, como se estivesse contando a história dentro da casa de quem assiste. Isso criou uma cumplicidade extraordinária levando o público, ao encontrar os atores nas ruas, a tentar avisá-los sobre o que os outros personagens estão tramando contra ele. O telespectador conhece todas as subtramas, mas o personagem não. Ao longo da minha carreira, muitas vezes a no-vela não era exatamente o que eu mais gostaria de fazer. Ao aceitar os papéis, no entanto, sempre estive atento, de olho no que aquele trabalho podia acrescentar ao meu currículo. Para dar a minha contribuição, sem tentar deturpar o que o autor escreveu, procurei escolher bem os personagens, independentemente da emissora. Assim, mesmo que a novela não fizesse sucesso, eu mantinha o interesse do telespectador pelo seu personagem. Mais importante do que os índices de audiência é o ator exercer o seu ofício estabelecendo uma agradável relação criativa com o personagem. Fiz de tudo um pouco. Fui galã, vilão, viúvo, milionário, português, italiano... Fui até o Capitão Estrela de Falcão Negro, novela vespertina da TV Tupi, nos anos 60 no Rio, uma produção ao vivo do gênero capa-e-espada. Na Globo, fiz a primeira novela de Dias Gomes, Verão Vermelho (1970), com Dina Sfat, Jardel Filho, Arlete Salles e Mário Lago no elenco. A obra foi importante pela temática diferenciada. Foi o primeiro folhetim a tratar da liberação feminina, à medida que a protagonista era uma mulher casada que se separava do marido e tinha um romance com um médico, o meu personagem. Integrei o elenco da primeira novela cômica, que nasceu comigo e Marília Pêra em Uma Rosa com Amor (1974), de Vicente Sesso. Já o remake de Mulheres de Areia (1993), de Ivani Ribeiro, marcou o primeiro vilão da minha carreira. Em Plumas & Paetês (1980), de Cassiano Gabus Mendes e Silvio de Abreu, eu vivi Gino, um italiano. Consegui convencer o diretor, Gonzaga Blota, a me deixar representálo com sotaque, pois já tinha interpretado com sucesso um italiano no palco. Inicialmente Blota achou perigoso. De tanto que insisti, ele deixou. Disse que, se não funcionasse, suavizaria o sotaque aos poucos. Mas deu certo. Quando o ator tem a segurança de quem se formou no palco, Em Plumas & Paetês, Mulheres de Areia e Esperança, com Lúcia Veríssimo pisa na TV abastecido. A partir daí, fiz uma série de personagens com sotaque, como o italiano Signore Farina, de Esperança (2002) e, mais recentemente, o português Avelino em Um Só Coração (2004). Também cheguei a exercer cargo de direção na TV Continental, nos anos 60. Era o segundo assistente do Antonino Seabra, que mais tarde assumiria o cargo de diretor da emissora, com a saída do Costa Lima. Na época, Nicette e eu criamos o programa Dona Jandira em Busca da Felicidade, uma espécie de A Grande Família, ao vivo. Enquanto eu fazia novelas na Globo, também fui testado para o cargo de apresentador. Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, queria me ver no posto. Fui contratado para ser apresentador do Vídeo Show, que era semanal, apenas aos sábados. Boni via como uma preparação, pois achava que eu levava jeito. Cheguei a fazer um programa chamado Alô Brasil, Aquele Abraço, com música do Gilberto Gil. Um dia Boni me confessou que queria que eu fosse o Silvio Santos da Globo. Cheguei a gravar piloto de programa, mas esbarramos em um probleminha: eu não gosto de jogo. Não quis fazer por dinheiro nenhum. Mais tarde, quem acabou entrando para apresentar O Jogo da Velha foi Osmar Santos. Chegaram a me chamar de maluco quando recusei a proposta. Talvez muitos ainda me considerem louco por ter saído duas vezes da Globo, apesar de a emissora representar a segurança dos atores. Nos anos 70, deixei a emissora por conta de um contrato que assinei com a Gessy Lever. Após pesquisa de credibilidade junto às donas-de-casa, fui escolhido para vender sabão em pó, protagonizando a campanha de publicidade do OMO, conhecida como “a prova da janela”. Apesar de produtivo, pois pude me dedicar integralmente ao palco, o período me mostrou como é importante a presença diária do ator na televisão. Com tantos personagens em novelas e minissérias na bagagem, ninguém se lembrava mais do Paulo Goulart ator quando me abordavam nas ruas. Depois de um ano, fiquei conhecido apenas como o “sujeito da prova da janela”. Capítulo 8 O Robert Mitchum Brasileiro Pisei pela primeira vez em um cinema em Olímpia, aos 5 anos. A minha iniciação foi do lado de fora mesmo. Nem precisei entrar na sala. Como a cortina era curta, acabando uns 40 centímetros antes de chegar ao chão, bastava se abaixar para ver a tela. Fui atraído pelo som da cavalaria ao passar diante do cinema. Fui me abaixando até ver uma imagem que nunca mais saiu da minha cabeça. Não lembro qual era o filme. Provavelmente era algum faroeste, gênero que predominava na época. Nunca vou esquecer daquela cena: cavalgando apressadamente, os cossacos passavam e cortavam as cabeças das pessoas com espadas. Foi muito impactante. Ainda que o rádio fosse a grande diversão popular durante a minha adolescência, a minha geração cresceu no cinema. Não só íamos ao cinema diariamente como víamos dois filmes por dia. O cinema era um programa de terno e gravata obrigatórios. Mesmo tendo uma relação distanciada de Hollywood, esse era o nosso sonho. Na falta de uma indústria de cinema, a TV, principalmente a Globo, acabou preenchendo essa lacuna no Brasil. Mas sinto a influência da linguagem cinematográfica até hoje na minha carreira, embora não tenha feito tantos filmes quanto gostaria. Minha forma de interpretar é contida, um pouco antiteatral. Com esse meu jeitão descontraído, sempre fiquei à vontade diante da câmera, mesmo nas primeiras vezes em que pisei em set de filmagem. Nunca travei. Dependendo do ângulo que a câmera me pegava, eu parecia o Robert Mitchum. Câmera para mim é simplesmente mais um olho que está ali me observando. Um olho que tem vida, nada mais. Alguns atores nascem com essa cumplicidade. É como se namorassem com a câmera. Nelson Pereira dos Santos foi o primeiro diretor a me chamar para fazer cinema, no filme Rio Zona Norte (1957). A seqüência inicial foi o que mais me impressionou, principalmente pelo movimento de câmera. Estávamos no edifício Central. A câmera me acompanhava quando eu saía do elevador e subia uma escada espiral de um edifício. Foi a minha primeira emoção. Ainda que eu me sentisse à vontade, o veículo era muito diferente do teatro com o qual estava mais acostumado. No palco, a participação do ator é muito maior. É ele o responsável pelo gestual, pelo tom e pela arte de representar em todo o processo. No cinema, quem manda é o diretor. A ponto de um ator apenas razoável ser transformado em excelente se puder contar com um bom diretor e com os recursos técnicos bem aplicados. Os diretores com quem trabalhei inicialmente se preocupavam mais com a técnica do cinema do que com a interpretação dos atores. Isso porque dominar a técnica naquele momento era mais complicado. Às vezes, estávamos apenas a serviço da câmera. Quando a técnica era muito rígida, nós nos sentíamos como fantoches, mesmo quem já tinha experiência com câmera trabalhando na TV. No início de carreira, Nelson Pereira dos Santos tinha uma certa inibição no trato com os atores. Roberto Santos, com quem rodei O Grande Momento (1958), dependia muito mais do trabalho com os atores do que da técnica. Embora o som do cinema brasileiro ainda fosse muito ruim, tenho orgulho de ter meu nome associado a esses dois clássicos, Rio Zona Norte e O Grande Momento. Na época, estávamos entrando no Cinema Novo e a Vera Cruz estava nascendo. Nossas referências eram O Cangaceiro e Sinhá Moça, além dos filmes americanos com os quais estávamos mais habituados. É curioso, mas, ao rever hoje os meus primeiros filmes, me acho a cara do meu filho, Paulinho. Participei de O Barbeiro que Se Vira (1957), em que fazia par com Eliana Macedo e tinha de me vestir de mulher. Dirigido por Eurides Ramos, o título foi uma das poucas incursões cinematográficas do palhaço Arrelia. Já E Eles Não Voltaram (1960), de Wilson Silva, é talvez o primeiro filme de guerra nacional. A trama girava em torno de quatro soldados brasileiros na Itália. Até hoje não esqueço do alvoroço na filmagem. Lembro dos tiros e das coisas explodindo ao meu redor. Até na ficção, a guerra é sempre um horror. Por conta do filme, cheguei a desfilar no dia 7 de Setembro com a Força Expedicionária Brasileira, que trouxe os ex-combatentes. Gabriela (1982) foi uma experiência difícil. Em parte porque metade da equipe era italiana, inclusive o diretor de fotografia, Carlo Di Pal-ma. Isso criou uma certa inibição no Bruno Barreto, um excelente diretor. Só que, quando isso acontece, há uma insegurança no set perceptível na tela. Não foi um filme tão bom quanto nós esperávamos. Valeu mais pela proximidade de Marcello Mastroianni, no papel de Nacib. O ator é um profissional carismático, uma pessoa extraordinária e sua relação com a câmera denota um total domínio. Seu rosto exerce um poder mágico sobre a platéia. Dava para aprender só de olhar para ele. A Faca de Dois Gumes (1989), do Murilo Salles, foi uma experiência mais prazerosa, ainda que eu até hoje discorde do final. Nunca escondi de Murilo que eu prefiro o desfecho dado por Fernando Sabino na obra que inspirou o filme. O Auto da Compadecida (2000) também foi uma delícia, à medida que sua linguagem misturava televisão e cinema. Guel Arraes criou uma dinâmica própria, com ritmo alucinante. O espectador quase não tem tempo de pensar. Precisa ficar extremamente atento aos diálogos. Ainda tive uma experiência como produtor cinematográfico. Realizei A Marcha (1972), estrelado por Pelé e dirigido por Oswaldo Sampaio. De tão envolvido pela história, baseada na obra de Afonso Schmidt, saí em busca de patrocínio para garantir a sua realização. Consegui financiamento do Banco de Campina Grande, que já tinha ligação com Pelé. Enquanto o jogador interpretava um negro alforriado, um mentor das lutas pela abolição, eu fazia o papel do filho de um fazendeiro abolicionista, um libertador de escravos que ia contra o próprio pai em nome de seus ideais. Pena que o filme, que registra um capítulo importante da história do Brasil, foi embargado pelos filhos do primeiro casamento de Schmidt. Na época, só tínhamos uma autorização da segunda esposa do autor. Mesmo assim, nós conseguimos levar A Marcha ao festival de cinema de Berlim. Curiosamente, havia um grupo de chineses interessado no Pelé na época, já que Bruce Lee havia morrido e eles estavam procurando um substituto. Após seis meses de negociações, no entanto, Pelé brecou o processo porque surgiu um rival fortíssimo para os chineses, o time do Cosmos, que representou a abertura de mercado nos Estados Unidos. Com isso, o meu sonho começou a desmoronar. Até o presidente da Warner na época, Steve Ross, também se interessou pelo filme, mas Pelé resolveu que não deveria misturar esportes e artes. Só topou rodar Fuga Para a Vitória (1981), de John Huston, no qual ele jogava futebol com Michael Caine, porque o longa-metragem estava ligado ao esporte. A imagem do atleta tinha de ser preservada. Depois de muita briga, A Marcha acabou sendo lançado no Brasil, mas não foi o sucesso que eu esperava. A idéia de me tornar um produtor cinematográfico morreu aí, o que não diminuiu o aprendizado. A vida é um somatório de coisas. Inclusive de coisas que não deram certo. A experiência serviu para me ajudar a me posicionar com relação à atividade no teatro e na televisão. Administrar a carreira é o mais difícil, principalmente em uma profissão tão instável quanto a nossa. Sempre cito uma frase de Fernanda Montenegro que resume o dilema do ator: “O mais difícil na nossa profissão é saber identificar qual a melhor hora para fazer o quê, onde, quando e com quem.” O ator precisa dessa lucidez, reconhecendo o momento de fazer teatro, cinema ou televisão. Até porque cada trabalho determina com quem ele vai atuar, quais as pessoas com quem vai conviver e quais influências vai receber. É essa troca que fará o ator crescer. Capítulo 9 Um Observador da Vida Nunca pensei em escrever. Foi a profissão de ator que me estimulou, após fazer de mim um irremediável observador da vida. Como sou um ator autodidata, nunca fiz curso, fui aprendendo de tanto observar os outros. Essa característica, no entanto, nasceu comigo. O ofício só me ajudou a aprimorá-la. Sou aquele chato que, ao assistir filmes policiais, sempre sabe quem é o bandido antes dos outros. Percebo facilmente quando alguém mexeu nas minhas coisas. Ao voltar para sala onde já estive antes, sei quando os objetos saíram do lugar. Esse senso de observação aguçado me faz reparar em tudo nos mínimos detalhes. Comecei a escrever em Portugal, durante a temporada da peça Lá (1972) no Teatro Villaret, de Lisboa. A primeira experiência foi recapitular a minha vida em um quarto de hotel, fazendo o artigo que foi publicado no programa da peça, me apresentando aos portugueses. Ao mesmo tempo, as cartas que eu escrevia para Nicette durante aquela temporada, colocandoa a par de tudo o que acontecia comigo, tinham quase dez páginas. Foi aí que comecei a me sol-tar. Aprendi que o ato de escrever é simplesmente passar para o papel, sem se prender a detalhes ou se policiar. Quem analisa muito parando para ver se está ficando bom ou não não deixa fluir o pensamento ou sentimento. Depois de escrito, nada me impede de mudar ou jogar fora alguns trechos. Mas, no momento da escrita, não. Escrever é um ato de espontaneidade, necessidade e de cumplicidade afetiva. A idéia de escrever a minha primeira peça nasceu naturalmente. Quando terminávamos a temporada de Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo (1974), que eu produzi com Nicette encabeçando o elenco, Luiz Carlos Arutim, responsável pelo Teatro de Arena, estava desesperado. Não sabia qual peça entraria em cartaz a seguir. Na minha loucura, eu me ofereci para escrever. A princípio, ele não acreditou. Em algum momento, devo ter dito algo como: “Nós Também Sabemos Fazer”. E daí nasceu o título do espetáculo que estreou em 1975, uma comédia policial com um quê de vaudeville. Tive a idéia a partir de reportagem sobre falsário que viveu no Brasil, chamado Fernand Legros. Além de falsificar quadros, ele começou a financiar filmes após se apaixonar por um galã de cinema. Como só escrevo com fato real na cabeça, esse acontecimento inspirou o meu imaginário e o meu lado policialesco. Tenho uma tendência a transformar automaticamente qualquer notícia que chama a minha atenção em espetáculo teatral ou roteiro de cinema. Como também não havia quem dirigisse a peça, lá fui eu dar a minha cara para bater de novo. Depois de Nós Também Sabemos Fazer, escrevi Mãos ao Alto (1980), confirmando a minha inclinação por comédias policiais. Simplesmente utilizei as memórias de Nicette, que quase foi assaltada em nossa casa quando eu estava fora, explorando o potencial cômico daquele momento de aflição. Também fui o autor de La Ultima Noche, que estreou em São Paulo como O Infalível Dr. Brochard (1983). Era uma peça com fundo espírita, na linha Ghost, em que um sujeito morria durante a relação sexual e um amigo de infância já morto vinha buscá-lo. Em parceria com a minha filha Bárbara, também assinei uma comédia juvenil, montada no Teatro Paiol, Look, Book Hip House (1990). Mais recentemente, escrevi Sete Vidas (1997), em que destrinchei os caminhos do espiritismo, propondo uma reflexão sobre os processos por vezes dolorosos de vida que precisam ser vivenciados. Do contrário, nunca serão resolvidos. Na gaveta, ainda guardo dois roteiros de cinema que só não foram desenvolvidos por fugirem um pouco da minha alçada. Teatro é mais o meu chão. Sei exatamente onde estou pisando, além de pertencer a um núcleo. A princípio, Os Quatro Hóspedes do Anjo Azul, seria uma peça. Tive, no entanto, de repensar o veículo ao perceber que a linguagem e os recursos do cinema seriam mais apropriados. O ponto de partida é a ligação entre quatro personalidades brasileiras importantes que morreram no mesmo ano e mês, em fevereiro de 1997: Antonio Callado, Mário Henrique Simonsen, Paulo Francis e Darcy Ribeiro. Já o Anjo Azul do título é uma referência a Marlene Dietrich, a pessoa que recebe suas almas lá no céu. Aos poucos, a trama revela o que eles foram, na encarnação anterior, mostrando a relação dos protagonistas com a Alemanha e com a diva. É um texto filosófico que começou a escapar da minha mão por sua dimensão cinematográfica. Preciso de uma tela para pontuar a narrativa com imagens do que aconteceu nas outras encarnações dos personagens. Também escrevi para as telas Lúcia do Pó, em que o vilão é um travesti que entra na delegacia para matar uma testemunha. Como não con-segue, acaba fugindo para a África, onde começa uma outra missão ao lado de um pastor. As minhas abordagens caem, de certa forma, no submundo. Plínio Marcos sabia retratar a marginalidade como ninguém. O que eu escrevo, embora tenha um lado marginal, tende mais para a iluminação. Sempre coloco uma questão filosófica, de que não existe efeito sem causa. Com isso em mente, é mais fácil buscarmos os motivos por trás de cada coisa na nossa vida. Nada é por acaso. Isso é resultado da minha convicção espírita e também de tudo o que aprendi na vida. E também no palco. Escrever para mim é apenas um acessório. O fato de eu ter trazido essa experiência para a minha vida, a partir do momento que percebi que podia fazer, não mudou nada. Não me considero escritor. Eu me sinto artista de verdade no ato de representar. O ator guarda coisas de todos os personagens que interpretou. Não adiantaria passar batido, sem ter aprendido ou absorvido nada. Por isso o nosso ofício é tão maravilhoso. É um grande privilégio porque, ao mesmo tempo que nos tornamos mais lúcidos, aprendemos a ser cada vez mais humildes. Cada peça que faço sempre acrescenta algo. Não sei tudo e muito menos me sinto velho. Procuro estar informado tendo a consciência de que estou apenas começando. Talvez por isso eu não tenha até hoje um personagem específico pelo qual mais gostaria de ser lembrado. Todos eles estão guardadinhos no meu coração, mas vivo no amanhã. O que vem pela frente é sempre o melhor. É essa postura que me impulsiona. Sou o típico falso calmo. Antes da estréia de uma peça, sempre me perguntam como consigo não aparentar o nervosismo. Por dentro, só eu sei como me sinto. Como se tudo estivesse começando naquele momento... Nossa profissão é parecida com a do toureiro. Para nós, o touro é o público. Nós precisamos tourear transformando aquilo em arte. Só que, enquanto o toureiro joga a sua vida, nós jogamos a alma. Depoimentos Os Filhos A primeira palavra que me vem à cabeça é privilégio. É assim que eu defino a minha convivência com Paulo e Nicette. Eu me refiro tanto aos meus pais quanto aos artistas. Há um momento em que as coisas se misturam na sua essência. Ainda que tenhamos aprendido na vida a separar o que é profissional e o que é pessoal, vejo o profissional como uma extensão do credo de cada um. Uso credo no senti-do mais puro da palavra, como crença no seu trabalho, na sua existência e nas suas atitudes. Talvez seja isso que permeie toda a minha relação com Paulo e Nicette. Nós temos fé naquilo que fazemos, falamos e pensamos. Também aprendi a ser coerente com eles. Sei que posso mudar de opinião, já que ninguém é dono da verdade. Mas aprendi que a coerência dá um equilíbrio entre o que fazemos, falamos, a religiosidade, o trabalho e a família. Eu devo muito aos dois, que foram o meu esteio, o meu início. Mesmo significando o começo de tudo, eles me deixaram livre, algo que eu procuro re petir com os meus filhos também. Eles me ensinaram a ser individual dentro do coletivo. Por ser filha de atores tão atuantes, só tive duas saídas: ou amar a profissão dos meus pais ou odiar. No meu caso, quis abraçar como causa. Nunca quis criar raízes em outro terreno. Sempre ligada a balé, em primeira instância, e depois ao teatro. Minha paixão sempre foi o palco, que me fascina. É onde eu coloco a minha vida. Bárbara Bruno atriz, produtora e diretora Eles sempre foram uma grande referência, um grande exemplo de vida e de profissão. São pessoas de uma dedicação e de um amor à arte como poucas que conheci na vida. Conviver com Paulo e Nicette sempre foi um grande ensinamento. Quando escolhemos a profissão, eles apontaram as dificuldades e a instabilidade. Por outro lado, demonstraram, sem a necessidade de palavras, quanto eram realizados, na escolha que tinham feito. Sempre foram para nós dois faróis. Não farol de carro, que ilumina logo ali. Mas o farol que encaminha as navegações. Aquele que, a partir dele, haverá um porto seguro, um caminho concreto, de dignidade e de estabilidade. O que fizeram conosco, os filhos, fizeram também com todas as pessoas que se aproximavam deles. A união deles é uma referência, não só profissional quanto pessoal. Quando falam de um casal que se ama de verdade, pensam logo neles. Por terem conseguido uma integridade tão profunda, são mesmo uma unanimidade. E a energia amorosa que os une exala, atingindo os filhos, os colegas de profissão e o público. O mais belo é que esse sentimento de amor não beneficia apenas os dois ou mesmo a família. Tudo ao redor deles é contagiado. São duas pessoas amorosíssimas. E levam o crédito não só por terem nascido com essa qualidade, mas principalmente por terem conseguido desenvolvê-la. São semeadores que conseguem alimentar no coração de quem está ao redor a dedicação e o amor. Beth Goulart atriz, cantora, produtora e bailarina Sempre fomos muito próximos. Ainda que meus pais tenham trabalhado sempre, o que lhes impedia de passar mais tempo conosco na infância, nosso relacionamento sempre foi intenso. Cresci nas coxias e nos camarins, assistindo à tocante dedicação de meus pais à carreira artística. Nunca vi pessoas vivenciarem o trabalho tão inteiramente. A convivência com dois atores obviamente exerceu uma grande influência na minha trajetória, ainda que eu tenha me desviado em um dado momento, fazendo ginástica olímpica e depois cursando faculdade de Educação Física. Quando meus pais perceberam que eu não queria seguir os seus passos e os das minhas irmãs, me deram força para trilhar um caminho diferente. Jamais se demonstraram decepcionados com aquela minha decisão. Talvez o maior ensinamento que recebi de Paulo e Nicette tenha sido o de abraçar uma carreira, seja ela qual for, com paixão. Como o trabalho é uma constante em nossas vidas, quem faz o que gosta faz com prazer e está muito mais perto da felicidade. Aprendi que, na prática, não conseguimos separar a pessoa do profissional. Precisamos amar o que fazemos porque, no final das contas, acabamos respirando a profissão. Foi pensando nisso que eu reencontrei o meu caminho, migrando para a dança e depois voltando ao teatro, onde estreei ao lado de minha mãe, aos 15 anos. Graças a meus pais, eu também sou artista. E um artista 24 horas por dia. Paulo Goulart Filho ator e bailarino Sobem os créditos... TEATRO 2003/2004 Sábado, Domingo e Segunda, de Eduardo De Filippo. Direção de Marcelo Marchioro (SP) e Marcelo Marchioro e Bárbara Bruno (Rio) 2000 Crimes Delicados, de José Antonio de Souza. Direção de Antônio Abujamra 1998 Somos Irmãs, de Sandra Louzada. Direção de Ney Matogrosso e Cininha de Paula 1997 Roque Santeiro, de Dias Gomes. Direção de Bibi Ferreira 1996 Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso, de Alcides Nogueira. Direção de Márcio Aurélio e Antônio Abujamra 1994 Enfim Sós, de Laurence Roman. Direção de José Renato 1991 Céu de Lona, de Juan Carlos Gené. Direção de Renato Icarahy 1990 Flávia, Cabeça, Tronco e Membros, de Millôr Fernandes. Direção de Luiz Carlos Maciel 1989/1990 Meu Reino Por Um Cavalo, de Dias Gomes. Direção de Antonio Mercado 1988 À Margem da Vida, de Tennessee Williams. Direção de Antônio Abujamra 1987 Aviso Prévio, de Consuelo de Castro. Direção de Francisco Medeiros A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca. Direção de Roberto Vignati 1986 Trilogia da Louca, de Harvey Fierstein. Direção de Antônio Abujamra 1984 Boa-Noite, Mãe, de Marsha Norman. Direção de Adhemar Guerra 1982 Agnes de Deus, de John Pielmeier. Direção de Jorge Takla 1980 Mãos ao Alto, de Paulo Goulart. Direção de Roberto Lage Dona Rosita, a Solteira, de Federico García Lorca. Direção de Antônio Abujamra 1976 Classe Média TV Quebrada, de Sérgio de Cecco e Armando Chula. Direção de Antônio Abujamra. Papai, Mamãe & Cia, comédia musical de Paulo Goulart. Direção de Ariel Bianco Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo, de Paul Zindel. Direção de Antônio Abujamra O Prisioneiro da Segunda Avenida, de Neil Simon. Direção de Antônio Abujamra 1968 Os Últimos, de Máximo Gorki. Direção de Antônio Abujamra O Olho Azul da Falecida, de Joe Orton. Direção de Antônio Abujamra 1967 Boa-Tarde, Excelência, de Sérgio Jockymann. Direção de Antônio Abujamra 1965 O Santo Milagroso, de Lauro César Muniz. Direção de Claudio Corrêa e Castro Escola de Mulheres, de Molière. Direção de José Renato 1964 A Megera Domada, de Shakespeare. Direção de Claudio Corrêa e Castro 1962 Zefa Entre os Homens, de Henrique Pongetti. Direção de Ziembinski 1958 Inimigos Íntimos, de Barrillet e Grédy. Direção de Aurimar Rocha Pedro Mico, de Antonio Callado. Direção de Aurimar Rocha 1957 Paixão da Terra, de Luiza Maranhão. Direção de José Maria Monteiro Os Amantes, de Samuel Rawet. Direção de José Maria Monteiro A Vida Não é Nossa, de Accioly Neto. Direção de José Maria Monteiro Marido Magro e Mulher Chata, de Augusto Boal Direção de Augusto Boal 1955 Bife, Bebida e Sexo, adaptação de Ingênua Até Certo Ponto, de Hugh Herbert. Direção de Paulo Francis 1954 Ingenuidade, de John Van Druten. Direção de Madalena Nicol Primo da Califórnia, de Joaquim Manoel de Macedo. Direção de Ruggero Jacobbi Lição de Botânica, de Machado de Assis. Direção de Ruggero Jacobbi 1953 É Proibido Suicidar-se na Primavera, de Alejandro Casona. Direção de Antunes Filho. Ingênua Até Certo Ponto, de Hugh Herbert. Direção de Armando Couto 1952 Amor x Casamento, de Maxwell Anderson. Direção de Rubens Petrille de Aragão 1951 Dias Felizes, de Claude Andrè Puget. Direção de Esther Leão 1950 3.200 Metros de Altitude ou Alegres Canções da Montanha, de Julian Luchaire. Direção Esther Leão Caminhantes Sem Lua, de Sarah e César Borba. Direção de Turkow As Águas, de Sarah e César Borba. Direção de Turkow 1949 Os Homens, de Louis Ducreaux. Direção de Ziembinski O Sorriso de Gioconda, de Aldous Huxley. Direção de Dulcina de Moraes Ele, de Savoir. Direção de Esther Leão Fausto, de Alfred Goethe. Direção de Herbert Martin 1948 O Balão Que Caiu no Mar, de Lúcia Benedetti. Direção de Graça Mello As Solteironas dos Chapéus Verdes, de Germaine Crémont. Direção de Dulcina de Moraes Trevas Ardentes, de Paul Gregor. Direção de Esther Leão Já é Amanhã no Mar, de Maria Jacintha. Direção de Dulcina de Moraes Anjo Negro, de Nelson Rodrigues. Direção de Ziembinski 1947 A Filha de Iório, de Gabriele D’Annunzio. Direção de Dulcina de Moraes 1946 Romeu e Julieta, de Shakespeare. Direção de Esther Leão 1945 O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde. Direção de Esther Leão TELEVISÃO desde 2001 O Sítio do Picapau Amarelo, baseado na obra de Monteiro Lobato. Direção geral de Cininha de Paula e Paulo Ghelli. TV Globo 2000 Brava Gente, Série de episódios baseados em contos da literatura, realizados por diferentes roteiristas e diretores. TV Globo Como D. Benta, no Sítio do Picapau Amarelo Aquarela do Brasil, de Lauro César Muniz e Rosane Lima. Direção de Jayme Monjardim, Marcelo Travesso e Carlos Magalhães. TV Globo 1999 Andando nas Nuvens, de Euclydes Marinho. Direção de Dennis Carvalho, Ary Coslov e José Luiz Villamarim. TV Globo 1998 Labirinto, de Gilberto Braga. Direção de Dennis Carvalho, Mário Márcio Bandarra e César Rodrigues. TV Globo Flora Encantada, programa infantil diário. Direção de Ulisses Cruz, Rogério Gomes e Marcelo Zambelli. TV Globo 1997 O Amor Está no Ar, de Alcides Nogueira. Direção de Ignácio Coqueiro. TV Globo 1995 Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados, de Nelson Rodrigues adaptada por Leopoldo Serran, com colaboração de Carlos Gerbase. Direção de Denise Saraceni e Johnny Jardim. TV Globo A Próxima Vítima, de Silvio de Abreu. Direção de Jorge Fernando. TV Globo 1994 Incidente em Antares, de Charles Peixoto e Nelson Nadotti, adaptada do romance de Érico Veríssimo. Direção de Paulo José. TV Globo 1993 Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro. Direção de Wolf Maia. TV Globo 1992 Perigosas Peruas, de Carlos Lombardi, com supervisão de Lauro César Muniz. Direção Roberto Talma e Flávio Colatrello. TV Globo 1990 Rainha da Sucata, de Silvio de Abreu. Direção de Jorge Fernando. TV Globo 1988/1989 Bebê a Bordo, de Carlos Lombardi, com colaboração de Luiz Carlos Fusco. Direção de Antônio Rangel, Marcelo de Barreto, Paulo Trevisan e Roberto Talma. TV Globo 1986 Selva de Pedra (segunda versão), de Janete Clair (atualizada por Regina Braga e Eloy Araújo). Direção de Dennis Carvalho, Ricardo Waddington e Walter Avancini. TV Globo 1985 Tenda dos Milagres, de Aguinaldo Silva e Regina Braga. Direção de Paulo Afonso Grisolli. TV Globo 1984 Meu Destino É Pecar, de Euclydes Marinho. Direção de Ademar Guerra e Denise Saraceni. TV Globo 1983 Louco Amor, de Gilberto Braga, com colaboração de Leonor Bassères. Direção de Ary Coslov, Fred Confalonieri, José Wilker e Wolf Maya. TV Globo 1982 Sétimo Sentido, de Janete Clair. Direção de Guel Arraes, Jorge Fernando e Roberto Talma. TV Globo 1981 Obrigado, Doutor, de Walter George Durst. Direção de Antônio Abujamra, Walter Avancini, João Albano e Alberto Salvá. TV Globo 1979/1980 Como Salvar Meu Casamento, de Edy Lima, Ney Marcondes e Carlos Lombardi. Direção de Atílio Riccó. TV Tupi 1978/1979 Salário Mínimo, de Chico de Assis. Direção de Antônio Abujamra. TV Tupi 1977 Éramos Seis, de Rubens Ewald Filho e Silvio de Abreu. Direção de Atílio Riccó. TV Tupi 1976/1977 Papai Coração, de José Castellar. Direção de Edson Braga. TV Tupi 1973/1974 Divinas e Maravilhosas, de Vicente Sesso. Direção de Oswaldo Loureiro e Henrique Martins. TV Tupi 1973 Rosa dos Ventos, de Teixeira Filho. Direção de Henrique Martins. TV Tupi 1972/1973 Camomila e Bem-Me-Quer, de Ivani Ribeiro. Direção de Carlos Zara. TV Tupi 1972 Signo da Esperança, de Marcos Rey. Direção de Carlos Zara. TV Tupi 1971/1972 A Fábrica, de Geraldo Vietri. Direção de Geraldo Vietri. TV Tupi 1970/1971 O Meu Pé de Laranja Lima, de Ivani Ribeiro, adaptada da obra de José Mauro de Vasconcelos. Direção de Carlos Zara. TV Tupi 1970 A Gordinha, de Sérgio Jockymann. Direção de Antônio Abujamra e Henrique Martins. TV Tupi 1969/1970 Sangue do Meu Sangue, de Vicente Sesso. Direção de Sérgio Britto. TV Excelsior 1968/1969 A Muralha, de Ivani Ribeiro. Direção de Sérgio Britto e Gonzaga Blota. TV Excelsior 1967/1968 Os Fantoches, de Ivani Ribeiro. Direção de Walter Avancini. TV Excelsior 1959 a 1963 Dona Jandira em Busca da Felicidade. Seriado com episódios semanais (ao vivo). TV Continental 1953/1954 Teatro Nicette Bruno. Adaptações semanais de peças teatrais (ao vivo). Direção de Ruggero Jacobbi. TV Paulista 1952 A Corda. Adaptação do clássico de Alfred Hitchcock (ao vivo). Direção de Cassiano Gabus Mendes. TV Tupi 1950 O Guarani. Adaptação do clássico de José de Alencar (ao vivo). Direção de Vicente Sesso. TV Record A Esquina Perigosa. Adaptação da obra de J.B. Priestley (ao vivo). Direção de Dionísio Azevedo. TV Tupi CINEMA 2002 Seja O Que Deus Quiser. Direção de Murilo Salles 1999 Zoando na TV. Direção de José Alvarenga Jr. 1998 Vila Isabel. Curta-metragem com direção de Isabel Diegues 1972 A Marcha. Direção de Oswaldo Sampaio 1953 Esquina da Ilusão. Direção de Ruggero Jacobbi 1952 O Canto da Saudade. Direção de Humberto Mauro 1947 Querida Suzana. Direção de Alípio Ramos LIVRO 1998 Grandes Pratos e Pequenas Histórias de Amor Receitas dos almoços dominicais e crônicas. Editora FTD PRÊMIOS - Teatro 1998 Shell de melhor atriz, dividido com Suely Franco, por Somos Irmãs 1974 Molière de melhor atriz por Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo APCA de melhor atriz por Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo 1958 Melhor atriz pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais e pelo governo do Estado do Rio de Janeiro por Pedro Mico 1947 Atriz Revelação pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais por A Filha de Iório PRÊMIOS - Televisão 1979 APCA de melhor atriz por Como Salvar Meu Casamento 1977 APCA de melhor atriz por Éramos Seis Sobem os créditos... TEATRO 2003/2004 Sábado, Domingo e Segunda, de Eduardo De Filippo Direção de Marcelo Marchioro (SP) e Marcelo Marchioro e Bárbara Bruno (Rio) 2001 O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, com adaptação de Maria Adelaide Amaral. Direção de José Possi Neto 2000 Crimes Delicados, de José Antonio de Souza. Direção de Antônio Abujamra 1998 Arte, de Yasmina Reza. Direção de Mauro Rasi O Carteiro e o Poeta, de Antonio Skármeta. Direção de Aderbal Freire-Filho 1994 Enfim Sós, de Laurence Roman. Direção de José Renato 1992 Macbeth, de Shakespeare. Direção de Ulisses Cruz 1991 Céu de Lona, de Juan Carlos Gené. Direção de Renato Icarahy 1990 Flávia, Cabeça, Tronco e Membros, de Millôr Fernandes. Direção de Luiz Carlos Maciel 1989/1990 Meu Reino Por Um Cavalo, de Dias Gomes. Direção de Antonio Mercado 1988 O Olho Azul da Falecida, de Joe Orton. Direção de Marcelo Marchioro 1987 Aviso Prévio, de Consuelo de Castro. Direção de Francisco Medeiros 1986 Sábado, Domingo e Segunda, de Eduardo De Filippo. Direção de José Wilker 1984 Ao Papai com Dinamite e Afeto, de Sérgio Jockymann. Direção de Mário Masetti 1983 Rei Lear, de Shakespeare. Direção de Celso Nunes. La Última Noche ou O Infalível Dr. Brochard, de Paulo Goulart. Direção de Roberto Lage (SP) e Aderbal Freire-Filho (Rio) 1980 Dona Rosita, a Solteira, de Federico García Lorca. Direção de Antônio Abujamra 1979 Treze, de Sérgio Jockymann. Direção de Antônio Abujamra 1976 Classe Média, Televisão Quebrada, de Sérgio de Cecco e Armando Chula. Direção de Antônio Abujamra Papai, Mamãe & Cia., comédia musical de Paulo Goulart. Direção de Ariel Bianco 1975 Constantina, de Somerset Maughan. Direção de Cecil Thiré 1974 Orquestra de Senhoritas, de Jean Anouilh. Direção de Luís Sérgio Person O Prisioneiro da Segunda Avenida, de Neil Simon. Direção de Antônio Abujamra 1969/1972 Lá, de Sérgio Jockymann. Direção de Antônio Abujamra 1968 Os Últimos, de Máximo Gorki. Direção de Antônio Abujamra O Olho Azul da Falecida, de Joe Orton. Direção de Antônio Abujamra 1967 Boa-Tarde, Excelência, de Sérgio Jockymann. Direção de Antônio Abujamra 1966 Oh! Que Delícia de Guerra, de Charles Chilton. Direção de Ademar Guerra A Megera Domada, de Shakespeare. Direção de Antunes Filho 1965 O Santo Milagroso, de Lauro César Muniz. Direção de Cláudio Corrêa e Castro Escola de Mulheres, de Molière. Direção de José Renato 1964 A Megera Domada, de Shakespeare. Direção de Cláudio Corrêa e Castro 1963 Um Elefante no Caos, de Millôr Fernandes. Direção de Claudio Corrêa e Castro 1962 Zefa Entre os Homens, de Henrique Pongetti. Direção de Ziembinski 1961 My Fair Lady, de Frederick Loewe e Alan Jay Lerner. Direção de Victor Berbara 1959 Brasileiros em Nova York, de Pedro Bloch. Direção de Henriette Morineau 1958 Pedro Mico, de Antônio Callado. Direção de Aurimar Rocha Inimigos Íntimos, de Barrillet e Grédy. Direção de Aurimar Rocha Gigi, de Colette. Direção de Cayetano Luca de Tena Paixão da Terra, de Luíza Maranhão. Direção de José Maria Monteiro 1957 Os Amantes, de Samuel Rawet. Direção de José Maria Monteiro A Vida Não é Nossa, de Accioly Neto. Direção de José Maria Monteiro Lotária, de Luiz Iglesias. Direção de Henriette Morineau Anastácia, de Marcelle Maurette. Direção de Henriette Morineau Vê Se Me Esquece, de Luiz Iglesias. Direção de Henriette Morineau 1956 Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Direção de Léo Jusi 1955 Bife, Bebida e Sexo, adaptação de Ingênua Até Certo Ponto, de Hugh Herbert. Direção de Paulo Francis 1954 Ingenuidade, de John Van Druten. Direção de Madalena Nicol O Primo da Califórnia, de Joaquim Manuel de Macedo. Direção de Ruggero Jacobbi Lição de Botânica, de Machado de Assis. Direção de Ruggero Jacobbi 1953 É Proibido Suicidar-se na Primavera, de Alejandro Casona. Direção de Ruy Afonso Weekend, de Noel Coward. Direção de Antunes Filho Ingênua Até Certo Ponto, de Hugh Herbert. Direção de Armando Couto 1952 Amor x Casamento, de Maxwell Anderson. Direção de Rubens Petrille de Aragão Senhorita Minha Mãe, de Louis Verneuil. Direção de Ruggero Jacobbi AUTOR Bel-Ami (inédita) 1997 Sete Vidas. Direção de Bárbara Bruno 1990 Look, Book Hip House, em parceria com Bárbara Bruno 1983 La Última Noche ou O Infalível Dr. Brochard. Direção de Roberto Lage (SP) e Aderbal Freire-Filho (Rio) 1980 Mãos ao Alto. Direção de Roberto Lage (SP) e Aderbal Freire-Filho (Rio) 1975 Nós Também Sabemos Fazer. Direção de Paulo Goulart TELEVISÃO 2004 Um Só Coração, de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira. Direção de Carlos Araújo, Ulisses Cruz, Carlos Manga e Marcelo Travesso. TV Globo 2002 Esperança, de Benedito Rui Barbosa, Edilene Barbosa, Edmara Barbosa e Walcyr Carrasco. Direção de Luiz Fernando Carvalho, Carlos Araújo, Emilio Di Biasi e Marcelo Travesso. TV Globo O Quinto dos Infernos, de Margareth Boury, Carlos Lombardi e Tiago Santiago. Direção de Alexandre Avancini, Wolf Maya, Edgard Miranda e Marco Rodrigo. TV Globo 2001 A Padroeira, de Walcyr Carrasco, Duca Rachid e Mário Teixeira. Direção de Walter Avancini, Roberto Talma e Mário Márcio Bandarra. TV Globo 2000 Aquarela do Brasil, de Lauro César Muniz e Rosane Lima. Direção de Jayme Monjardim, Marcelo Travesso e Carlos Magalhães. TV Globo 1999 O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão, baseado na obra de Ariano Suassuna. Direção de Guel Arraes. TV Globo 1998 Flora Encantada, programa infantil diário. Direção de Ulisses Cruz, Rogério Gomes e Marcelo Zambelli. TV Globo 1997 Zazá, de Lauro César Muniz. Direção de Jorge Fernando. TV Globo 1996 O Campeão, de Ricardo Linhares e Mário Prata, baseada em conto de Aguinaldo Silva. Direção de Marcos Schechtman e Wilson Solon. TV Bandeirantes 1995/1996 A Idade da Loba, de Alcione Araújo. Direção de Jayme Monjardim. TV Bandeirantes 1994/1995 As Pupilas do Senhor Reitor, de Ismael Fernandes e Bosco Brasil, adaptada do romance de Júlio Diniz. Direção de Nilton Travesso. SBT 1994 Incidente em Antares, de Charles Peixoto e Nelson Nadotti, adaptada do romance de Érico Veríssimo. Direção de Paulo José. TV Globo 1993 Mulheres de Areia (segunda versão), de Ivani Ribeiro. Direção de Wolf Maya. TV Globo 1992 Despedida de Solteiro, de Margareth Boury e Walter Negrão. Direção de Carlos Manga Jr, Reynaldo Boury e Cláudio Cavalcanti. TV Globo 1991/1992 O Dono do Mundo, de Gilberto Braga, Leonor Bassères, Angela Carneiro e Ricardo Linhares. Direção de Dennis Carvalho. TV Globo 1990 Gente Fina, de Luiz Carlos Fusco e Marilu Saldanha. Direção de Gonzaga Blota e Herval Rossano. TV Globo 1988 Fera Radical, de Walter Negrão, com colaboração de Luiz Carlos Fusco e Ricardo Linhares. Direção de Gonzaga Blota. TV Globo Chapadão do Bugre, de Antônio Carlos Fontoura, adaptada da obra de Mário Palmério. Direção de Walter Avancini. TV Bandeirantes 1986/1987 Roda de Fogo, de Lauro César Muniz, escrita em parceria com Marcílio de Moraes. Direção de Dennis Carvalho e Ricardo Waddington. TV Globo 1984 Transas e Caretas, de Lauro César Muniz, com colaboração de Daniel Mas. Direção de José Wilker e Mário Márcio Bandarra. TV Globo 1981/1982 Jogo da Vida, de Silvio de Abreu, com argumento de Janete Clair. Direção de Guel Arraes, Jorge Fernando e Roberto Talma. TV Globo Com 1980/1981 Plumas & Paetês, de Cassiano Gabus Mendes. Direção de Gonzaga Blota. TV Globo 1979 Gaivotas, de Jorge Andrade. Direção de Antônio Abujamra e Henrique Martins. TV Tupi 1976/1977 Papai Coração, de José Castellar. Direção de Edson Braga. TV Tupi 1972/1973 Uma Rosa com Amor, de Vicente Sesso. Direção de Walter Campos. TV Globo 1972 Signo da Esperança, de Marcos Rey. Direção de Carlos Zara. TV Tupi 1970/1971 A Próxima Atração, de Walter Negrão. Direção de Régis Cardoso. TV Globo 1970 Verão Vermelho, de Dias Gomes. Direção de Walter Campos. TV Globo 1969 Vidas em Conflito, de Teixeira Filho. Direção de Teixeira Filho. TV Excelsior A Cabana do Pai Tomás, de Hedy Maia. Direção de Daniel Filho, Fábio Sabag, Régis Cardoso e Walter Campos. TV Globo 1968/1969 A Muralha, de Ivani Ribeiro. Direção de Sérgio Britto e Gonzaga Blota. TV Excelsior 1968 O Terceiro Pecado, de Ivani Ribeiro. Direção de Sérgio Britto. TV Excelsior 1967/1968 Os Fantoches, de Ivani Ribeiro. Direção de Walter Avancini. TV Excelsior 1966/1967 As Minas de Prata, de Ivani Ribeiro. Direção de Walter Avancini. TV Excelsior 1966 Anjo Marcado, de Ivani Ribeiro. Direção de Walter Avancini. TV Excelsior 1959 a 1963 Dona Jandira em Busca da Felicidade, de Giuseppe Ghiaroni. Seriado com episódios semanais (ao vivo). TV Continental 1953/1954 Teatro Nicette Bruno. Adaptações semanais de peças teatrais (ao vivo). Direção de Ruggero Jacobbi. TV Paulista 1952 Helena, de Machado de Assis. Direção de José Renato. TV Paulista CINEMA 2003 O Redentor. Direção de Cláudio Torres 2000 Soluços e Soluções. Direção de Nereu Cerdeira e Edu Felistoque O Auto da Compadecida. Direção de Guel Arraes 1989 Faca de Dois Gumes. Direção de Murilo Salles 1983 Para Viver um Grande Amor. Direção de Miguel Faria Jr. 1982 Gabriela. Direção de Bruno Barreto 1979 Os Trombadinhas. Direção de Anselmo Duarte 1970/1972 A Marcha. Também como produtor. Direção de Oswaldo Sampaio 1962 Nordeste Sangrento. Direção de Wilson Silva 1960 E Eles Não Voltaram. Direção de Wilson Silva 1958 O Cantor e o Milionário. Direção de José Carlos Burle E o Bicho Não Deu. Direção de J.B. Tanko O Grande Momento. Direção de Roberto Santos Pista de Grama. Direção de Haroldo Costa 1957 Cala a Boca Etelvina. Direção de Eurides Ramos O Barbeiro Que Se Vira. Direção de Eurides Ramos Rio Zona Norte. Direção de Nelson Pereira dos Santos LIVROS 1998 Grandes Pratos e Pequenas Histórias de Amor. Receitas dos almoços dominicais e crônicas. Editora FTD 1997 Sete Vidas. Adaptação literária da peça homônima. Editora Oficina Cultural Mônica Buonfiglio PRÊMIOS - Teatro 1974 Molière de melhor ator por Orquestra de Senhori tas APCA de melhor ator por Orquestra de Senhoritas PRÊMIOS - Televisão 2003 Prêmio Contigo de melhor vilão pela novela Esperança 1970 Troféu Helena Silveira de melhor ator 1967 Troféu Roquete Pinto de melhor ator Créditos das fotografias pg.30: Halfeld pg.34 / 51: Antonio Aguillar pg.89: Valdir Silva pg.149: Carlos (Rio) pg.157 / 191 / 199: Gal Oppido pg.226 / 230: Rosana Maria pg.228: Paola Prado pg.229: Beti Niemeyer pg.236: Ary Brandt pg.239: Richard Sasso pg.79 / 167 / 211 / 214: TV Globo pg.168 / 247: TV Globo / Bazílio Calazans pg.213 / 217 / 218: TV Globo / Jorge Baumann pg.81 / 168 / 215 / 216 / 219 / 248 / 249 / 250: TV Globo / Nelson Di Rago pg.212 / 243: TV Globo / Roberto Steinberger Demais fotografias pertencentes ao acervo de Nicette Bruno e Paulo Goulart