Dois Córregos Verdades Submersas no Tempo Governador Geraldo Alckmin Secretário Chefe da Casa Civil Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo   Diretor-presidente Hubert Alquéres Diretor Vice-presidente Luiz Carlos Frigerio Diretor Industrial Teiji Tomioka Diretor Financeiro e Administrativo Alexandre Alves Schneider   Núcleo de Projetos Institucionais Vera Lucia Wey Cultura Fundação Padre Anchieta Presidente Marcos Mendonça Projetos Especiais Adélia Lombardi Diretor de Programação Rita Okamura Coleção Aplauso Cinema Brasil   Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana Projeto Gráfico Revisão e Editoração Carlos Cirne Dois Córregos Verdades Submersas no Tempo Argumento e Roteiro escritos e comentados por Carlos Reichenbach Cultura Fundação Padre Anchieta São Paulo, 2004 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Reichenbach, Carlos Dois Córregos : verdades submersas no tempo / argumento e roteiro escritos e comentados por Carlos Reichenbach. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura - Fundação Padre Anchieta, 2004. -- 216p. : il. - (Coleção aplauso. Série cinema Brasil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 85-7060-233-2 (obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-267-7 (Imprensa Oficial) 1. Cinema - Argumentos 2. Cinema - Brasil - História 3. Cinema - Roteiros 4. Dois Córregos (Filme cinematográfico) - História e crítica 5. Dois Córregos (SP) - Descrição 6. Reichenbach, Carlos, 1945- - Crítica e interpretação I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. 04-3592 CDD-791.43709 Índices para catálogo sistemático: 1. Dois Córregos : Filme cinematográfico : História e crítica 791.43709 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: livros@imprensaoficial.com.br SAC 0800-123401 Introdução Assim como na maior parte de seus filmes, Carlos Reichenbach trabalhou o texto de Dois Córregos em duas etapas distintas: Primeiramente, na forma de argumento. Uma descrição detalhada da ação de tratamento quase literário, onde as situações dramáticas aparecem já explicitadas, mas ainda não inteiramente resolvidas. Já os diálogos devem ser apenas esboçados, pois se sabe que eles exigem um empenho e uma disponibilidade de tempo que às vezes podem, inclusive, inibir a desenvoltura da trama. Em suma, no argumento usa-se o tempo para elaborar detalhadamente a ação. Um bom argumento, de um filme de hora e meia, normalmente não ultrapassa doze páginas escritas em espaço simples. Um argumento não perde tempo com terminologias técnicas ou firulas “filosóficas”. Diz-se popu-larmente que um bom argumento deve ser facilmente compreendido (e admirado) tanto por um profissional de cinema quanto por um banqueiro ou investidor, que pouco entende do assunto. Finalmente, tendo o argumento como norteador desenvolve-se o roteiro propriamente dito. Aí sim, o roteirista deve se deter acurada-mente na escritura dos diálogos e na descrição técnica das cenas (ou seqüências). É obvio que as estratégias de trabalho depen-dem exclusivamente de cada roteirista, mas é possível dizer que estas duas etapas, trabalhadas separada e cuidadosamente, atendem às necessidades essenciais de um roteiro eficiente. Resumo Duas adolescentes, burguesas e inexperientes, e Tereza, uma jovem e humilde mulher apaixo-nada pelo homem errado, convivem durante um final de semana prolongado com um homem fascinante e misterioso. Ele está clandestino no país. O Brasil vive um momento conturbado de sua história. Um “rito de passagem” para as adolescentes. Um aprendizado de vida para Tereza. Entre a Renúncia e a Transgressão Foi em 1960, algumas semanas após a morte de meu pai, que conheci a cidade de Dois Córregos, no interior de São Paulo. Estudava em um colégio interno em Rio Claro e um colega me convidou para conhecer sua cidade natal. Lembro o impacto provocado pela visão da estação de trem local, uma reprodução fiel, obviamente reduzida, da estação de Marselha, França. Estação de trens e plataformas marítimas são imagens recorrentes em meus filmes. Como metáforas da percepção de perda, foram as primeiras obsessões imagéticas que me aproximaram do cineasta italiano Valério Zurlini. Zurlini e Dois Córregos, gênese de meu décimo segundo longa-metragem. Desde O Paraíso Proibido, cujo personagem interpretado pelo ator Jonas Bloch é um duplo do Alain Delon de A Primeira Noite da Tranqüilidade, venho perseguindo exaustivamente a atmosfera desencantada e existencial, os tempos - de um quarteto de cordas - e os desfechos submetidos ao inexorável que tanto caracterizam o cinema de sentimentos de Zurlini. Escrevi e filmei Dois Córregos tendo como fonte inspiradora a cópia em vídeo de A Moça Com a Valise, presente do amigo e escritor Márcio de Souza. Mas, após ver a cópia final pela terceira vez, descubro estarrecido que meu dé com o filme anterior de Zurlini, o também extraor-dinário Verão Violento / State Violenta. Poucos filmes na história do cinema mostraram de maneira tão intensa e poética o momento histórico e a realidade política invadindo o cotidiano sentimental das pessoas. Assim como Zurlini, também me interesso pelos personagens masculinos à deriva, à esquerda da esquerda, subversivos por sua generosidade obscena e que almejam uma - ordem sem coação - em sua fé irrestrita na utopia. Incompreendidos em seu tempo e fragilizados ao máximo, busco trabalhar estes - sem a complacência e a afeti-vidade dos meus personagens femininos. Em Dois Córregos, entre a transgressão de Hermes e a renúncia de Tereza, trafegam a geração do acordo MEC-USAID (Ana Paula e Lydia) e marionetes do AI-5. Busquei centralizar a ação dramática no trivial do convívio entre um homem maduro e angustiado com duas jovens imaturas e uma mulher carente, inspirando-me diretamente nos dolorosos dias em que meu padrinho de batismo passou escondido na casa de campo que meus pais tinham à beira da represa Billings. O expediente de trocar o sexo das adolescentes e a opção pela tônica romântica, à diferença do real, buscou acentuar a idéia de rito de passagem e de um processo de desalienação. Mas foi a partir de uma imagem, que me marcou profundamente na puberdade, que o filme começou a existir no papel e no celulóide: alguém escreve cartas para os filhos, justificando seus atos para si mesmo, mas não consegue enviar... Mais uma vez a música é personagem fundamental de meus filmes. É ela que possibilita existir o entendimento entre personagens antagônicos. Foi um privilégio trabalhar com Ivan Lins e Nélson Ayres. Como costumo filmar com playback, usando músicas conhecidas como referência, o desafio ao compositor e ao arranjador foi se aproximar ao máximo da sugestão preciosas as versões pessoalíssimas trabalhadas a partir de Joe Cocker (You Are So Beatiful) no tema da cena de amor e no John Lennon póstumo (Free As A Bird) na seqüência da chuva. Sob a tônica musical, Dois Córregos se inspira em César Franck pela busca de uma atmosfera melancólica e impressionista. Assumidamente um filme triste, como as felicidades efêmeras, mas evitando a todo custo a sedução da chantagem. Carlos Reichenbach Dois Córregos Argumento cinematográfico de Carlos Reichenbach Resumo 1996 Ana Paula, 44 anos, vai ao interior de São Paulo recuperar a casa de campo que herdou dos pais, falecidos recentemente, e que está ocupada por grilheiros. Constrangida com a indiferença de seu advogado, e com a rispidez da ação policial, lembra a última vez que ali esteve. 1969 Em 1969, aos 17 anos, ela traz a colega de escola Lydia, precoce e exímia pianista, para conhecer o seu reduto no “Encontro dos Rios”. Elas passam quatro dias na companhia de Tereza - empregada de confiança, meio pajem e irmã de criação de Ana - e Hermes, o tio que sempre viveu no Rio Grande do Sul e que Ana Paula vê pela primeira vez. Ela descobre que o tio tem problemas com a polícia política, que passou dois anos em países sul-americanos envolvido com grupos ativistas de extrema esquerda, que está escondido na casa de campo da irmã mais velha tentando oficializar sua volta ao país; e por isso é forçado a permanecer longe da esposa e dos dois filhos pequenos. Jovem e imatura, alienada do que está acontecendo no país, Ana não entende as razões que fizeram o tio separar-se da família. Com Lydia o entendimento ainda é mais difícil; ela é filha de militar de alta patente, tendo assimilado por completo todos os preconceitos paternos com relação aos ativistas. No entanto, seus olhos tristes e sua beleza austera e clássica, que tanto lembra a esposa de Hermes quando jovem (“Certas moças tem a beleza das pessoas morrem cedo”, diz Hermes parafraseando um poeta francês), e acima de tudo a sintonia através da música clássica, que Hermes conhece e admira profundamente, acabam encurtando as distâncias. A efêmera convivência das duas ingênuas adolescentes com o angustiado, taciturno, culto e belo clandestino, transforma aquele feriado em um momento capital de suas existências; quase um “rito de passagem”. Enquanto descobrem o que está realmente acontecendo no país, despertam para sensações ainda submersas como sensualidade, afeto e melancolia. Uma lição de vida também para Tereza, aos 29 anos, e a fugaz descoberta da possibilidade da afeição íntegra, do prazer físico, da entrega absoluta e do amor sem cobranças. Um incidente envolvendo um quinto personagem, o tenente Percival, namorado de Tereza, encerra a curta temporada no local paradisíaco, e ocasiona o súbito e desconcer-tante desaparecimento de Hermes. 1996 Vinte e sete anos depois, Ana Paula soluciona o mistério que envolveu o destino da primeira paixão platônica de sua vida, do homem que amou em segredo durante muitos anos, e de maneira surpreendente resolve suas diferenças com o passado. Os Personagens e a História Hermes No momento da ação central do filme, 45 anos. Casado, dois filhos pequenos, viveu a maior parte da sua vida em Porto Alegre e na cidade de Cidreira, litoral do Rio Grande do Sul. Engenheiro químico e estudioso de música clássica opta por engajar-se na resistência ao governo militar, quando o seu melhor amigo, e político de extrema esquerda é preso e obrigado à abandonar o país. Hermes vivencia a contradição de ser um pacifista contumaz e ser obrigado à aprender a manusear armas pesadas. É esta mesma contradição que o faz abandonar o ativismo, praticamente “fugir” de uma ilha da América Central, e tentar voltar para o Brasil pelo caminho mais difícil. Enquanto amigos influentes tentam legalizar a sua entrada no país, Hermes se esconde na casa de campo da irmã mais velha, no “Encontro dos Rios”, no interior de São Paulo. A irmã, mãe de Ana Paula, manda sua filha de criação Tereza para o local cuidar da casa e atender Hermes. Eles já estão há quinze dias no local quando Ana Paula vem com sua amiga Lydia. Hermes apesar de aparentar tranqüilidade e segurança, é um homem fragilizado pela melancolia. Seu futuro está nas mãos da boa vontade de outras pessoas. A impotência de não poder agir diretamente, de estar no país sem poder entrar em contato com os filhos, e de estar vivendo de favores faz com que ele se refugie no silêncio e na tristeza. É na poesia de Pablo Neruda que ele se vai buscar forças para continuar vivo. Hermes não é particularmente um homem atraente. O que o torna fascinante é justamente a sua aparência de pessoa sofrida, a placidez aparente e o os olhos confiáveis. Estatura mediana, cabelos pretos, gestos comedidos e uma austeridade máscula. É de certa maneira o ícone do parente de passado misterioso, mas de integridade explícita. É esta integridade que irá “seduzir” as três personagens femininas de maneiras diferentes. E é importante frisar que não é de sexualidade que o filme trata, mas de aprendizado de sentimentos triviais como melancolia, amor e ciúmes adolescentes, sensualidade latente, pessoas fragilizadas que se envolvem afetiva e fugazmente, respeito humano e tolerância. Hermes vive escrevendo cartas para os filhos embora nunca as envie. Os únicos bens que carrega consigo são suas cartas, dois livros de Pablo Neruda, alguma roupa e um velho revólver. As imagens da cidade de Cidreira, onde mora sua família, são fragmentos que o atormentam. Várias vezes a ação do filme é interrompida por imagens em câmera lenta do túnel de bambu que margeia a estrada que liga Cidreira à Porto Alegre. As dunas desérticas da enseada de Cidreira são outras imagens que angustiam o herói. Algumas vezes é possível identificar duas crianças pequenas nestas imagens fracionadas, quer na estrada ou nas dunas, mas é impossível ver seus rostos. Recuperar o passado parece um ato de penitência para Hermes. Há também a imagem obsessiva de um velho farol inativo. É inevitável que isto simbolize o próprio personagem central. Em suas viajem interior, Hermes enxerga o farol à beira do rio Turvo no “Encontro dos Rios”, num delírio esporádico que o traz à tona e o faz acordar. A delicada e sensível maneira da jovem Lydia interpretar clássicos ao piano é o bastante para que ele mergulhe na memória e na melancolia. Quase no final do filme, Hermes, incentivado por Ana Paula e Lydia, acaba se aproximando de Tereza. Ela vivencia uma experiência amarga com o namorado local, o Tenente Percival, e entra em profunda depressão. As garotas, testemunhas impotentes de sua tragédia pessoal, pedem ao tio que interceda. As adolescentes acreditam que ela vá cometer um ato extremo e “empurram” Hermes na direção da jovem. Mas Tereza é muito mais resistente do que aparenta, e isso surpreende e fascina Hermes. A carência de ambos faz com que ele ouse abraçá-la e beijá-la na boca. E se é possível dizer isso, sem parecer babaca ou piegas, o que os dois fazem depois não é sexo, é amor mesmo... O mais profundo e desesperado ato de paixão e entendimento. Daqueles que deixam marcas para o resto da vida. Hermes e Tereza acordam com os gritos do tenente Percival que aparece no portão à procura dela e da reconciliação. Ele vem fardado o que assusta Hermes. Tereza vai até o portão e os dois discutem agressivamente. Tudo isso é assistido de longe pelas duas assustadas garotas. Quando Percival agride fisicamente Tereza, Hermes não vê outra solução à não ser socorrê-la. Revela assim que tem um homem dentro da casa e coloca em risco a sua segurança provisória. Hermes separa os dois e expulsa Percival. Indignado, o militar se afasta fazendo ameaças. Hermes e Tereza se abraçam revelando para as duas garotas o que sentem um pelo outro. Hermes explica que é hora de ir embora; Tereza sabe que ele tem razão. Mais tarde, quando Tereza vai chamá-lo para o almoço descobre que suas coisas não estão mais no quarto. Tentando esconder a imensa tristeza que sente ela se comporta de maneira polida com as jovens, mas Ana Paula a descobre chorando. Respeitando o sentimento da outra ela se afasta. Caminha pelo exterior da casa ao som melancólico de Schumann, interpretado por Lydia ao piano, e então vê Hermes debaixo de uma árvore, à beira do rio Turvo, enterrando alguma coisa. Ana Paula sente vontade de se aproximar do tio, mas consegue se conter. Respeitar o outro é a maior lição de seu “rito de passagem”. Tereza e Lydia aparecem na varanda da casa chamando por ela. Ela caminha na direção delas, e no meio do trajeto se volta para o rio; mas Hermes não está mais lá. A revelação, 27 anos depois, de que Hermes não era o “santo” ou o herói imaginado pela sobrinha, não diminui o fascínio do personagem. Ao contrário, o humaniza mais, porque o torna suscetível às fraquezas do corpo e da carne. Ana Paula (17 anos) Única filha de Isolda, irmã mais velha de Hermes. Jovem bonita de cabelos negros e longos. Em contraste com sua colega Lydia, Ana aparenta ter menos idade, pois ainda é ingênua, às vezes quase infantil. É alegre e prestativa. Sua relação com Tereza é mais que fraternal. De certa maneira, Tereza supre o carinho que Isolda dispensa homeopaticamente para a filha. Como quase toda a garota de sua geração e condição social, nos anos 60, ela está completamente alheia ao que está acontecendo no país. No início, o contato com o misterioso tio, faz com que a jovem se apóie exageradamente na fantasia. Hermes, ao despertar a sua curiosidade pela realidade, acaba sem perceber fazendo aflorar outros sentimentos. Em três dias, Ana Paula amadurece uma vida inteira. Da indiferença à perplexidade diante dos fatos que separam Hermes de seus filhos; da polidez convencional à ternura platônica com que se relaciona com o tio, Ana Paula faz o seu “rito de iniciação” à vida. As conseqüências deste convívio só irão se tornar nítidos 27 anos depois. Tereza 29 anos, é uma mulher cheia de energia, e de beleza acentuada e brasileira. Tez amorenada, cabelos longos e crespos, estatura pequena e corpo torneado. Sensualidade quase agressiva que se mistura com a simpatia irresistível. Apesar de tudo, nada faz prever que irá se relacionar fisicamente com Hermes no final do filme. Filha de uma antiga empregada de Isolda (mãe de Ana Paula), que morreu no parto, foi por ela criada mas não assumida como enteada. Isolda (que, embora não apareça, é mencionada várias vezes na história) casou-se com um aristocrata, assumindo plenamente a sua personalidade. Tudo o que faz de justo é em nome da benemerência. A distância com que se relaciona com a filha, a “caridade” de criar Tereza e a complacência de acolher o irmão mais novo em sua casa de campo são sinais de suas “obrigações” morais e sociais. Apesar disso, Tereza a tem como sua “mãe de fato”, tendo cuidado de Ana Paula como uma verdadeira irmã. As duas se adoram. Ela sabe de tudo o que aconteceu com Hermes, e embora não o compreenda, o respeita... Afinal, é seu “tio” também! Tereza tem um namorado na cidade próxima ao “Encontro dos Rios”, Dois Córregos. É um tenente da unidade militar local, Percival Oliveira. O namoro dos dois é mantido em segredo por Tereza, já que ele é mais novo do que ela e, sobretudo, porque Isolda não admitiria a relação. No fundo, Isolda espera que Tereza jamais se case. Ela não quer perder a empregada de confiança que irá cuidar dela na velhice. Apesar de confidentes, Tereza esconde o namoro de Ana Paula. Ela está obcecada pela chalance sexual do rapaz, apesar de nunca ter tido um orgasmo na vida. Ele representa a força e o poder que ela admira nos homens, a determinação e a independência que ela não tem. Percival é um homem sedutor e selvagem, e mesmo sem ter a menor subtileza no trato físico, exerce um fascínio absoluto nas mulheres simples. O baque traumático vivenciado por Tereza quando descobre que Percival é casado e tem três filhos, é testemunhado por Ana Paula e Lydia. Isto acontece no penúltimo dia da estada de Ana Paula no “Encontro Dos Rios”. As duas jovens irão à partir daí tentar aproximar Tereza de Tio Hermes, numa empreitada lúdica e juvenil. Naquele momento, as duas estão “seduzidas” pelo dr. Cagliostro (apelido afetivo que dão ao tio misterioso e que as duas mantêm em segredo), e atirá-lo nos braços de Tereza é uma maneira simbólica de estarem com ele. A ironia é que o joguinho adolescente faz efeito. Dois seres fragilizados se defrontam e acabam descobrindo que foram feitos um para o outro, que se encaixam perfeitamente e que podem ser absolutamente felizes, mesmo que por apenas doze horas... De todos os personagens é justamente Tereza quem tem mais razões para sair traumatizada da experiência. Em apenas um dia descobre as vilanias e a dignidade dos homens, a decepção amorosa e a surpresa do prazer, a gratuidade de um e a força afetiva do outro, o desprezo e a ternura... Mas Tereza é um personagem excepcional, um ser humano grandioso, capaz de valorizar sentimentos profundos embora fugazes. Ela nunca mais irá ver Hermes, que ameaçado de ser descoberto desaparece; mas terá para o resto da vida a certeza de que amou intensamente e foi amada da mesma maneira. Lydia 17 anos em 1969, colega de escola de Ana Paula (ambas estão concluindo o curso secundário - na época, o clássico já havia sido abolido). Jovem belíssima de olhos claros e profundamente tristes que fascinam Hermes, porque lembram os de sua esposa quando jovem. Exímia concertista de piano, Lydia não resiste ao descobrir o velho, mas excepcional piano de parede que existe na casa de campo no “Encontro dos Rios”. Ao contrário de Ana Paula, ela fala e pensa como uma jovem de vinte e poucos anos. Filha de militar graduado ela tem a cabeça feita, e num primeiro momento, quando descobre que o misterioso tio da amiga é um ativista político o trata de maneira ríspida. É o profundo conhecimento musical de Hermes, e o seu jeito taciturno que “seduzem” a jovem. Lydia tem um namorado firme em São Paulo e por suas atitudes é possível perceber que, ao contrário da outra, não é mais virgem. Com rela-ção à sexo ela parece apática; mas a proximidade de um homem mais velho, lacônico como o próprio pai, e de aparência vivida, desperta sentimentos femininos ainda não experimen-tados. Em alguns momentos usa de sua personalidade competitiva, quase arrogante, para provocar a amiga. Não há maldade em suas atitudes, mas para passar o tempo cria jogos e fantasias onde os adultos são peças de seu xadrez particular. A “beleza das mulheres que morrem cedo” esconde na verdade uma enorme vontade de permanecer adolescente. Ana Paula (44 anos) Bonita, independente e culta, Ana Paula herdou recentemente todos bens da família, inclusive a casa de campo no “Encontro dos Rios” que foi invadida por grilheiros. Obrigada a recuperar a propriedade que não visita desde 1969, ela vive uma experiência amarga ao assistir a expulsão dos caseiros que foram colocados na casa pelo grilheiros. Sensível à rispidez com que seu advogado, o oficial de justiças e os policiais executam seu trabalho, ela se refugia na memória, relembrando os dias que passou ao lado de seu tio Hermes. Aos 44 anos, Ana Paula vive uma crise existencial profunda. Separada há poucos meses do marido industrial, fica com a custódia de sua única filha de 15 anos. A ironia é que sua irmã de criação Tereza é a pessoa que cuida de sua filha. No flash-foward final, ela conta em voz off o que aconteceu com ela, com Tereza e Lydia depois de 69. Fica-se sabendo que Tereza nunca casou, e que continua ao lado dela, agora cuidando de sua filha melhor do que ela mesma. Que ela, Ana Paula, dirige uma grande agência de publici-dade e que nunca achou um homem com a mesma dignidade de Hermes. Confessa que nunca o esqueceu, que conheceu sua mulher e filhos, e que a prima gaúcha trabalha hoje com ela, na agência. Fala que Lydia foi estudar na Europa, e que não morreu cedo. Que mora em Toronto, Canadá, que trabalha na orquestra sinfônica e dá aulas de piano, que engordou vinte e tantos quilos e nunca se casou. Se encontrou ela duas vezes depois de 69 foi muito. Finalmente revela que Hermes nunca mais foi visto, que foi dado como morto pelo regime militar e se transformou num mártir da luta armada. Quando o filme retorna para 1996, a câmera descobre Ana Paula, debaixo da mesma árvore onde havia visto o tio pela última vez. Instintivamente ela começa a cavar a terra, tentando desenterrar vinte e sete anos de sua vida. As imagens das visões de Hermes - paisagens de Cidreira, o farol inativo, as dunas desérticas, o túnel de bambu, as crianças sem rosto, etc - se misturam com detalhes da mão de Ana Paula na terra, de seu esforço para descobrir o passado... Finalmente ela encontra uma caixa de sapatos em estado de decomposição. No interior as cartas que Hermes escrevia compulsivamente para os filhos, dois livros de poesias de Pablo Neruda, algumas fotografias e o velho revólver. A metáfora é a mais trivial possível; proposital... Vestígios do guerreiro exausto que enterra os laços familiares, a luta armada, a identidade e a poesia. Sem conter a curiosidade, Ana Paula invade de maneira sórdida a intimidade do tio morto. Na frente de um dos envelopes ela vê escrito: “Para meus filhos, quando eu estiver morto” - Ana Paula sente-se a mais torpe das mulheres do mundo, mas abre a carta assim mesmo. O teor da carta é mais ou menos o seguinte: “Queridos filhos... Apesar de tudo não me arrependo de nada do que fiz na vida... não sei a imagem que vocês tem de seu pai, como me inventaram para vocês, mas é importante que vocês acreditem... nunca fui capaz de matar ninguém, nem em nome das minhas convicções nem em nome da minha honra... no fundo, nunca tive talento nenhum para mártir... nunca acreditei que com a força fosse mudar as coisas. Ao contrário, só o respeito às diferenças e ao livre arbítrio é que justifica qualquer causa... Entrei na clandestinidade por admiração ao grande amigo que batizou vocês dois. Defendi e defendo suas idéias mas não os seus métodos. De certa maneira tentei fugir de sua influência, sob a desculpa de não conseguir ficar mais tempo longe de vocês... Pode parecer cruel confessar isso, mas é a verdade... e vocês sabem o quanto eu valorizo a verdade... “ Nesse momento, a leitura é interrompida pela chegada do advogado de Ana Paula, que vem até o local contar que tudo está feito, que a família de caseiros já foi retirada, e que ela pode assumir a propriedade. Ana Paula está chorando. O advogado pensa que é por causa da expulsão dos caseiros. Tenta confortá-la dizendo que ela foi muito generosa em mandar dar dinheiro para os pobres caseiros se ajeitarem em outro lugar. Ela confessa que fez aquilo para comprar a sua própria consciência. Os dois chegam até a casa e o advogado apresenta o homem que vai ficar tomando conta da propriedade. Parece piada, mas o homem é um jagunço descarado, com aparência assustadora. O advogado mostra também a espingarda que comprou para ele. Ana Paula pergunta se é necessário aquilo. O advogado diz que é só por segurança, que pode haver represálias, etc. Os dois vão até o carro de Ana Paula, e partem na direção de Dois Córregos. “O Encontro dos Rios” vai se distanciando. O advogado está na direção, e Ana Paula carrega as coisas de Hermes em seu colo. Instintivamente volta a mexer em suas cartas. Em voz off, ela se questiona: 27 anos passados e ainda não aprendeu à respeitar a intimidade dos outros. Vai ler o final da carta, mas sua consciência fala mais alto. Começa à guardar os papéis de novo na caixa, e acaba olhando as fotografias. São imagens de Cidreira em branco e preto, do túnel de bambu, das dunas desérticas, do farol inativo, e de crianças brincando na praia... Agora é possível ver os seus rostos, nitidamente... Ana Paula sorri para si mesma... Finalmente, ela descobre três fotos pequenas no interior de um do envelopes, escondidos por uma carta... Na primeira fotografia pode-se ver um grupo de jovens barbudos e algumas moças em roupa de campanha pousando para o fotógrafo. Obviamente se trata de um grupo de futuros guerrilheiros, já que expõem metralhadoras e armas de grosso calibre... Na segunda fotografia, Hermes aparece nitidamente, quase em primeiro plano, abraçado à uma jovem companheira. Mas a força da fotografia ainda está no grupo, deixando bem claro que se trata de um aprendizado de guerrilha... Finalmente, a última foto: close de Hermes beijando apaixonadamente a linda companheira. Em off, a voz de Hermes explica: “A verdade é que não foi só de meu melhor amigo que eu tentei fugir... Havia Tania, a pessoa mais determinada que conheci na vida... Se eu fosse proibido de voltar ao Brasil, se eu tivesse a certeza de que nunca mais iria revê-los, eu tentaria começar uma vida normal com ela... Não me odeiem por ser tão vulnerável... Sua mãe não me quer mais ao lado dela e suas razões são sinceras... Talvez um dia ela aceite que vocês venham ao meu encontro... Com Tania eu seria feliz, tenho certeza... em outro canto da terra... outro estado de espírito... outras condições de vida...” No rosto de Ana Paula a perplexidade é assustadora... Afinal, o homem, que por tanto tempo ela julgou irreprochável, pode estar vivo em outro país, com outra família constituída... Neste momento ela se volta para a janela traseira e vê nitidamente uma charrete sendo conduzida na direção contrária... Há duas meninas e uma jovem mulher na charrete. A menina de cabelos pretos volta o corpo para trás, e é ela mesma, há vinte e sete anos atrás, que Ana Paula vê. Os rostos das duas se fundem num único plano de efeito. A jovem Ana Paula sorri; a adulta, em estado de torpor. No interior do carro, a mulher Ana Paula guarda as cartas na caixa com os livros e o revólver, e lentamente começa à rasgar as três últimas fotografias. Os vestígios da vida paralela do homem amado ela atira pela janela do carro em movimento. Os letreiros finais sobem sobre a imagem fixa da estrada de terra com o carro de Ana Paula se afastando rapidamente, até desaparecer por completo na paisagem deslumbrante. Conclusão O título Dois Córregos é uma explícita home-nagem ao cineasta que melhor filmava senti-mentos, o italiano Valerio Zurlini (realizador da obra-prima Dois Destinos - Cronaca Familiare). É também o nome da cidade do interior de São Paulo, onde a ação central transcorre. E é, sobretudo, a metáfora de vidas em movimento que em algum momento, e inevitavelmente, irão se encontrar. Dois Córregos é um projeto de filme intimista, sobre sensações submersas, centrado em atmosferas e clima. Importa mais o que não é explicado verbalmente, e muitas vezes o que não é nem mostrado. Um filme sobre as seqüelas do AI-5 e, sobretudo, sobre sentimentos prosaicos como melancolia, ternura, respeito humano e amor. Um desafio no fato da ação se concentrar basicamente numa única locação. A idéia é realmente filmar na localidade do “Encontro dos Rios” (onde três dos maiores rios do Estado se encontram: o Tietê, o Piracicaba e o Turvo), município de Dois Córregos, próximo a Jaú, interior de São Paulo. Um cenário de beleza rústica e bucolismo irresistível; um reduto, quase indevassável, de tranqüilidade e harmonia. O projeto prevê também cenas filmadas no município de Cidreira, no Rio Grande do Sul (cenas fragmentadas do local onde Hermes cresceu e viveu até abandonar o país). Janeiro de 1996, São Paulo Carlos Reichenbach / Roteirista e Diretor Dois Córregos Verdades Submersas no Tempo Roteiro cinematográfico de Carlos Reichenbach FUNDO NEGRO – LETRAS BRANCAS “Este filme se baseia em fatos reais e é dedicado à memória do personagem que o inspirou”. 1. RIO TURVO / ENCONTRO DOS RIOS - DIA Longa tomada aérea do Rio Turvo até desembocar no Encontro dos Rios. Plano de apresentação onde se sobrepõem os letreiros iniciais. Música principal com destaque para solo de piano. 2. ESTRADAS DE TERRA BATIDA - EXTERIOR DIA Travellings laterais filmados do interior de um carro revelando a paisagem local: canaviais, extensas plantações verdes, pequenas montanhas, estradas de terra ermas, eucaliptos, etc. A música principal se torna cada vez mais dramática, mas não aparecem mais os letreiros iniciais. 3. CARRO DE ANA PAULA - INTERIOR DIA Close lateral de Ana Paula (46 anos) que observa atentamente a paisagem. Sua expressão denota tristeza. O vento da janela aberta faz seus cabelos balançarem no ar. Plano de Dr. Armando observando Ana Paula. Ele está sentado no banco da frente ao lado do motorista. Dirigindo o olhar para o oficial de justiça (Dr. José Carlos), que está no banco de trás, ao lado da heroína, faz uma expressão de enfado. O Oficial de Justiça tenta quebrar o gelo. OFICIAL : Fique tranqüila ... Vai tudo correr pacificamente ... Ana Paula se volta para ele. ANA PAULA : (distante) Faz tanto tempo ... ARMANDO : E não mudou nada ... só a casa ... tá maltratada ... uma pequena reforma ... OFICIAL : Há quanto tempo a senhora não vem aqui ? ANA PAULA : (voltando-se para a janela, falando para si mesmo) Mais de vinte e cinco anos, sei lá ... eu era adolescente ... O oficial de justiça perplexo faz um gesto com as mãos para o advogado. Ana Paula continua falando sem prestar atenção aos outros. ANA PAULA : Minha mãe nunca gostou deste lugar ... preferia a casa em Campos do Jordão, o apartamento de Guarujá ... só não se livrou da propriedade porque eu não deixei ... meu pai sonhava vir morar aqui ... se não tivesse morrido antes que ela ... (sorri) ... mas ela foi mais forte ... ela sempre foi mais forte. ARMANDO : (sincero) Mulher admirável ... Ana Paula olha feio para ele. A câmara volta a se fixar no cenário além da janela. 4. ESTRADAS DE TERRA BATIDA - EXTERIOR DIA O carro de Ana Paula, conduzido por seu motorista, segue impávido pela estrada. Aos poucos é revelado que o carro está sendo seguido por uma viatura de polícia e um caminhão. 5. CARRO DE ANA PAULA - INTERIOR DIA OFICIAL DE JUSTIÇA : A senhora pretende manter a casa ? ANA PAULA : (ainda distante) Não sei ... (voltando-se para o advogado) Dr. Sumaqueiro falou de um casal ... ARMANDO : É ... surgiram ofertas ... OFICIAL DE JUSTIÇA : É ? Olha, tem o meu cunhado ... gente boa ... vem sempre pescar na região ... Quanto ofereceram ? O advogado faz um gesto de impaciência com a mão. Ana Paula não percebe. Sua atenção está voltada para a estrada. ARMANDO : Ainda é cedo ... tem o inventário p’ra terminar ... por enquanto é melhor providenciar melhorias ... valorizar mais a propriedade ... OFICIAL DE JUSTIÇA : (cortando) Faz tanto tempo assim que a senhora... ANA PAULA : Muito tempo ... mamãe não me deixou voltar ... meu marido ... minha filha ... meu trabalho ... (tempo) ... Dois Córregos, o reduto de meu pai submisso ... a ressaca do paraíso ... a ilha de Circe ... a estrela Vésper ... Advogado e Oficial de Justiça se entreolham ressabiados. 6. AFLUENTES DO RIO TURVO - EXTERIOR DIA Novo plano aéreo destacando agora a região margeada pelos afluentes do Rio Turvo. O movimento se perde nas bifurcações do rio. A música da apresentação volta a dominar a banda sonora. Tomadas aéreas da região se fundem até concluir com um plano do local onde fica a casa de Ana Paula. É possível perceber a chegada dos três carros até a porteira que dá acesso ao lugar. 7. PORTEIRA/SÍTIO DE ANA PAULA - EXTERIOR DIA Os veículos estacionam. Do interior da viatura os policiais saem empunhando suas armas. Do carro de Ana Paula saem o Oficial de Justiça e o Dr. Armando. Os policiais conversam com o Oficial de Justiça, mas não se escuta o que estão falando. Dr. Armando confabula com o Oficial de Justiça e retorna ao carro. ARMANDO : Vamos ter que acompanhar a expulsão dos caseiros do grileiro ... é de lei ... MOTORISTA : (apanhando um revólver no porta-luvas) Eu vou com a senhora! ANA PAULA : (perplexa) Onde você arrumou isso, Cláudio ? MOTORISTA : (sem jeito) Segurança, madame. ANA PAULA : Gente ... vocês estão malucos ... ARMANDO : ( para o motorista ) Guarda isso, rapaz ! Vem Ana Paula, tá tudo sob controle... Ana Paula sai do carro e o motorista também. Ele muito mais ressabiado do que ela. Na porteira, o Oficial de Justiça observa o casal de humildes caseiros que se aproximam. Nada denota que oferecerão resistência. OFICIAL DE JUSTIÇA : O senhor que é o seu José? JOSÉ : Sim senhor ! OFICIAL DE JUSTIÇA : ( apontando para Ana Paula ) Dona Ana Paula, esta senhora que está aqui e que é a verdadeira proprietária, veio tomar posse do terreno e da casa. JOSÉ : E o doutor Valente ? OFICIAL DE JUSTIÇA : Dr. Valente perdeu o processo de usucapião... o senhor tá sabendo. Vai oferecer resistência ? O casal olha assustado para os policiais militares. JOSÉ : É melhor esperar o dr. Valente ... ARMANDO : (se intrometendo) Ô José ... você não está entendendo ... Dr. Valente não manda bulhufas ... a casa é desta senhora ... nos vamos entrar e vocês vão ter que sair ... JOSÉ : O homem vai descontar na gente ... OFICIAL : (impaciente) Ele não vai fazer nada. A polícia tá aqui p’ra isso ... cadê o Valente? JOSÉ : Tá em São Paulo ... volta no domingo ... ARMANDO : Conversa ... ele tá no Paraguai, o pilantra ... Só volta no natal! Oficial de Justiça faz um gesto para Armando se calar. Sinaliza para um dos policiais que vai abrindo a porteira ostensivamente. O casal sem oferecer qualquer resistência segue o Oficial de Justiça e os dois policiais que invadem o local. OFICIAL : Vão arrumando as coisas que o caminhão leva p’ra onde vocês quiserem ... JOSÉ : E as crianças ? OFICIAL : Vai tudo no caminhão ... Ana Paula, Armando e Motorista, que ficaram para trás por alguns momentos, começam a caminhar na direção dos outros. ANA PAULA : É deprimente ... ARMANDO : Se toda retomada de posse fosse tão fácil ... Na sua agência de publicidade é tudo sempre um mar de rosas, é ? ANA PAULA : Claro que não ... mas é diferente ARMANDO : (dando de ombros) É ... a herdeira é você ... e quem faz o trabalho escroto é o seu advogado ... ANA PAULA : Que horror ! Cê pega pesado, hem Armando ! Armando visivelmente aborrecido acelera o passo, deixando Ana Paula atrás. O Motorista caminha ao lado da patroa, como um fiel escudeiro. 8 - PROXIMIDADES CASA PRINCIPAL - EXTERIOR DIA Sucessão de travellings descritivos pela paisagem bucólica. O sol está pleno e a banda sonora é invadida pelo ruído agônico das cigarras. Clima. Não se percebe a presença de seres humanos. Somente o cenário magistral domina a imagem. Num determinado momento a câmara revela a proximidade do rio Turvo. Destaque para o “chorão” centenário, a árvore personagem. Mesmo nos planos onde a casa principal aparece a certa distância, a sensação é de profunda solidão. Há um barco ancorado as margens do rio. A câmara avança na direção da varanda da casa principal. Súbito, a placidez da seqüência é subvertida: do interior da casa, um menino sai correndo aos prantos. Atrás dele aparece a mãe (a mulher de José) com uma vara de marmelo. Os dois atravessam o quadro, e movimento do travelling é interrompido quando surge a figura de um dos policiais que surge do interior e estaciona na soleira da varanda para fumar um cigarro. Ponto de vista do soldado: a paisagem deslumbrante com o rio ao fundo. O velho “chorão” parece adquirir vida frente ao rio. É possível ver a mãe alcançar o filho e agarrando-o em seus braços conduzi-lo de volta ã casa. Surgem a certa distância, Ana Paula e seu motorista. Ana vai até a árvore e voltando-se para a casa (na direção da câmara) fala alguma coisa para o motorista. Plano próximo de Ana Paula. ANA PAULA : Eu estou bem, Cláudio ... Vá ajudar o Dr. Sumaqueiro ... Vamos acabar logo com isso ... MOTORISTA:A senhora não vai entrar na casa? ANA PAULA : Depois ... quando eles forem embora ... vai ... por favor ... O motorista se afasta intrigado. Ana pousa a mão no tronco da árvore. Olha na direção do rio. Close. 9 - RIO TURVO (ATEMPORAL) - EXTERIOR DIA A câmara mostra um barco no meio do rio. No interior, Hermes de costas para a câmara, rema vigorosamente. Na proa, Ana Paula (46 anos) o observa. - atenção : este plano irá se repetir diversas vezes no filme, sem que nunca se veja o rosto de Hermes - A câmera se detém no rosto de Ana Paula. HERMES : (off) Você ainda lembra de mim ... ANA PAULA : Sempre ... HERMES : Vai dizer que eu marquei você tanto assim ... ANA PAULA : Eu ... Lydia ... e Tereza ... HERMES : Foi tão pouco tempo ... ANA PAULA : Quatro dias ... Uma vida inteira. 10. TREM PARA DOIS CÓRREGOS (69) - INTER./EXTER. DIA Imagens da região agrícola do interior de São Paulo filmadas do trem em movimento. Plano do vagão onde aparecem Ana Paula (17 anos) e sua colega Lydia observando atentamente a paisagem através da janela. ANA PAULA (45 ANOS) - (voz over) - Aquela foi a última vez que eu andei de trem por aqui. Para Lydia, minha colega, era a primeira. Eu nunca tinha visto ela tão feliz. Também ... era a primeira vez que saia da sombra de seu pai, o General Gutierrez. Nós havíamos mentido para ele dizendo que, Jairo, meu pai, nos levaria de carro. Mentiras brancas ... pequenas subversões ... 11. ESTAÇÃO DE TREM / DOIS CÓRREGOS - INT. DIA No interior da estação Tereza aguarda a chegada das meninas. ANA PAULA (46 ANOS) - (voz over) - Tereza tinha viajado duas semanas antes para cuidar de você ... e agora nos esperava na estação de Dois Córregos... O trem pára e as meninas descem sendo efusivamente recebidas por Tereza. ANA PAULA (46 ANOS) - (voz over) Tereza, mais que enteada, minha irmã de criação, a mãe que Isolda nunca foi ... Há uma presença ostensiva de homens farda-dos no local. Algumas pessoas são abordadas na descida do trem, e seus documentos revistados. ANA PAULA (17 ANOS) - (observando o movimento) O que está havendo? TEREZA : Nada ... tá tudo normal ... As três se dirigem para o portão de saída. Ana Paula ressabiada. 12. FRENTE ESTAÇÃO DE TREM / DOIS CÓRREGOS - EXT. DIA À frente da estação, as três se encaminham até uma charrete que está parada ao lado de um garoto. TEREZA : Esse é o Pimpolho ... filho do seu Joaquim, o caseiro ... Todos se ajeitam na charrete, o garoto senta-se no poleiro com as pernas para fora. TEREZA : Eu preciso comprar leite e pão ... Você aproveita para mostrar a praça da matriz para Lydia ... tudo bem ? Ana Paula faz um gesto de o.k. e a charrete sai na direção da cidade ... ANA PAULA (46 ANOS) - (voz off) - Nós estávamos loucas para perguntar de você para Tereza ... mas não tivemos coragem ... Mamãe havia dito que estavam tentando oficializar sua volta ao país, e que enquanto isso você deveria ficar escondido ... Na minha cabeça adolescente era um absurdo alguém ficar longe dos filhos tanto tempo ... A parte da família que morava no sul e que eu nunca havia visto... 13. DOIS CÓRREGOS/RUAS - EXTERIOR DIA A charrete passeia pela cidade, revelando a tranqüilidade do local e sua beleza singela. ANA PAULA (46 ANOS) - (voz off) - Você, o corsário ... a ovelha negra da família ... o caçula rebelde ... Mamãe nunca explicou direito o que você fazia ... eu e Lydia imaginamos tanta coisa ... você contrabandista ... você falsário ... até feiticeiro nós inventamos você ... e o apelidamos de Cagliostro ... o bruxo transgressor que trocou os filhos pela iniciação ... o Oriente ... nós alienadas do que realmente estava acontecendo ... Neste momento, a charrete passa pela frente de um muro onde está pichado : “AI-5 , o Brasil Possível“. 14. DOIS CÓRREGOS/PRAÇA DA MATRIZ - EXT. DIA A charrete estaciona próximo à igreja. Tereza e as meninas descem. Pimpolho fica tomando conta da charrete. Ana Paula e Lydia tomam a direção contrária de Tereza. LYDIA : Cê não vai perguntar dele ? ANA PAULA : Cê tá mais curiosa que eu ... LYDIA : Porque ele não veio junto com a Tereza ? ANA PAULA : Já disse ... enquanto não estiver tudo certo, ele não pode ser visto ... LYDIA : Acho que ele é comunista, hem ... Viu na estação ... vai ver estão atrás dele ... ANA PAULA : Tá louca ... acha que a minha mãe ia ter um irmão comunista ... ainda mais esconder ele no sítio do papai... LYDIA : Sei lá ... Meu pai diz que eles estão em todos os lugares ... Até o namorado da minha irmã andou metido com isso ... Cê acredita que o velho mandou prender o garoto ... a Lúcia ameaçou cortar os pulsos e fugiu de casa, aí soltaram ele ... ANA PAULA : O general devia ter casado com a minha mãe ... As duas riem e entram na igreja. 15. DOIS CÓRREGOS/PADARIA - INTERIOR DIA Tereza está sendo atendida por uma senhora, enquanto é observada por um jovem militar parado à entrada da padaria. Trata-se do Sargento Percival. Às vezes, Tereza dirige furtivos olhares para ele. Ela paga a mercadoria comprada e sai sem dirigir qualquer palavra ao rapaz. 16. DOIS CÓRREGOS/PROXIMIDADES MATRIZ - EXT. DIA Tereza caminha na direção da praça sendo seguida de perto pelo militar. Quando ele percebe que não há ninguém os observando alcança Tereza. Os dois caminham lado à lado, Tereza buscando o máximo de discrição. PERCIVAL : Quando é que a gente se vê ? TEREZA : Amanhã ... eu dou uma escapada ... na hora de sempre ... PERCIVAL : E se eu aparecer no sítio ? TEREZA : De jeito nenhum ... ninguém pode saber de nós ... Se a madrinha descobre ela me manda embora ... e tem a Ana Paula, que chegou hoje ... PERCIVAL : Que que você é ? Escrava deles ? TEREZA : Problema meu ... PERCIVAL : Cê tá muito gostosa com esse vestido ... tô com ciúmes ... Ele tenta passar a mão nela. Ela se desvencilha. TEREZA : Toma jeito ... PERCIVAL : (colocando a mão na virilha) Não tô agüentando ... vou acabar te agarrando no meio da praça ... TEREZA : (irritada) Grosso ... Neste exato momento, Ana Paula e Lydia estão saindo da matriz. Acabam flagrando o assédio de Percival, o que deixa Tereza completamente desnorteada. Percival se manca, faz um cômico gesto de bater continência e toma a direção contrária. Tereza caminha até elas, Ana Paula faz menção de perguntar alguma coisa, mas desiste. Caminham juntas na direção da charrete. 17. DOIS CÓRREGOS/PARTE ALTA/CAIXA D’ÁGUA - EXTERIOR DIA A charrete segue na direção da saída da cidade. Vista geral de Dois Córregos. Plano do interior da charrete. Ana Paula está ansiosa para perguntar alguma coisa para Tereza que conduz o veículo sem lhe dirigir o olhar. ANA PAULA : Cê não vai contar ? Tereza em silêncio. ANA PAULA : Eu juro que não falo p’ra minha mãe ... Quem é o milico ? TEREZA : Que milico ? ANA PAULA : Deixa disso ... é o teu namorado não é ? TEREZA : Fala baixo ... olha o menino ... ANA PAULA : Foi por isso que você aceitou na hora vir aqui cuidar do meu tio ... Cê nunca gostou de sair de São Paulo ... É ele, não é ? TEREZA : (sem ênfase) É ... ANA PAULA : Cê conheceu ele em São Paulo ? TEREZA : Foi ... coincidência, né ... ANA PAULA : (sem esconder a decepção) Cê vai casar e deixar a gente ? TEREZA : Que besteira ... eu não vou casar, não ... Tempo. A charrete atravessa a rodovia e ganha a estrada de terra batida que conduz ao Encontro dos Rios. TEREZA : Eu já te prometi antes ... você casa primeiro, depois quem sabe ? Combinado ? Ana Paula aquiesce com certa tristeza. 18. ESTRADAS DE TERRA BATIDA - EXTERIOR DIA A paisagem vai gradativamente se modificando, inclusive repetindo imagens já vistas no início do filme. No interior da charrete, Lydia faz um sinal para Ana Paula que acaba cedendo. ANA PAULA : E o meu tio ... como é ele ? TEREZA : Seu tio ? ... ( pensando ) Sério... educado... boa pessoa... sei lá... um homem bonito... mas distante... quieto, muito quieto. LYDIA : Cagliostro ! O misterioso ... TEREZA : Tem mistério nenhum ... parece que só quer ficar no canto dele ... mas é um homem bonito, sim ... LYDIA : Doutor Cagliostro enfeitiçou a Tereza. TEREZA : O Pimpolho é que adora ele ... LYDIA : O bruxo seduz crianças e animais ... ANA PAULA : (para Lydia) Pára com isso ... (para Tereza) Ele falou dos meus primos ? TEREZA : Um dia falou um pouco ... com muita saudade ... mas aí apareceu o Pimpolho e eles foram jogar damas ... 19. IDEM SEQÜÊNCIA 9/RIO TURVO - EXTERIOR DIA Como em todas as seqüências do barco, o plano inicial mostra Hermes remando de costas, como num ponto de vista de Ana Paula adulta. ANA PAULA (off) : Você tinha ficado duas semanas sozinho com Tereza ... Tanto tempo longe da família ... das mulheres ... não sentiu nada por ela ? HERMES : Achava Tereza muito bonita ... meiga ... mas era como se ela fosse filha de minha irmã também ... como você ... Plano de Ana Paula (46 anos) que o observa intrigada. ANA PAULA : Fico pensando se mamãe descobrisse tudo que aconteceu aqui... HERMES: Seria mais um motivo para me odiar. ANA PAULA : Mamãe era tão estranha, não é? Falava de você de um jeito esquisito ... com desprezo, revolta e uma ponta de admiração. Escondendo você aqui, ela podia controlá-lo à distância ... HERMES : Isolda nunca viu meus filhos, sabia? E acho que se eu não tivesse fugido para o sul quando seu avô morreu, eu nunca teria me casado ... muito menos me envolvido com a História ... ANA PAULA : E com relação a mim ... mesmo sabendo que eu era tão criança ... havia uma expectativa ... o que você esperava ? HERMES : P’ra falar a verdade, achei que permitir sua vinda durante a minha permanência, fosse mais um gesto autoritário de Isolda ... Pior, carregando junto a filha de um general ... isso me aborreceu ... no começo ... 20. PORTEIRA DO SÍTIO - EXTERIOR DIA A charrete com os quatro personagens estaciona na frente da porteira. Pimpolho desce e vai abrir o portão. 21. LATERAL DA CASA PRINCIPAL - EXTERIOR DIA A charrete estaciona. Seu Joaquim aparece e Tereza o apresenta às duas meninas. Ele ajuda a carregar as sacolas e elas entram pela cozinha. 22. CASA / COZINHA - INTERIOR DIA As meninas encontram uma senhora jovem e simples cozinhando. A mesa já está posta. TEREZA : Essa é a dona Maria, esposa do seu Joaquim ... (colocando a mão no ombro de Ana Paula) Minha “irmãzinha”... (para as meninas) ... Guardem as coisas no quarto e venham comer ... Tereza se apressa em olhar as panelas, enquanto as meninas entram na sala de visitas acompanhadas por Pimpolho que, fazendo esforço, leva a sacola de Ana Paula. 23. CASA / SALA - INTERIOR DIA As meninas entram na sala. Imediatamente Lydia tem sua atenção voltada para o belo piano de parede que se destaca no cenário. Instintivamente vai até ele. Abre o protetor expondo as teclas. ANA PAULA : Agora não Lydia ... pelo amor de Deus ... Pimpolho corre para o piano e martela as teclas. Ana Paula, ao se aproximar da porta que dá acesso à varanda, faz um gesto para Lydia chamando-a. Lydia e Ana Paula olham para o exterior da casa, enquanto a mãe de Pimpolho aparece e arranca o filho do piano. Ponto de Vista das meninas : visão magistral do rio Turvo a certa distância. Sob o velho “chorão”, protegido por sua sombra, é possível se perceber o vulto de um homem de costas. ANA PAULA : É ele ... LYDIA : (excitada) Cagliostro ! Ficam alguns segundos observando o vulto, quando Tereza aparece quebrando o clima. TEREZA: Meninas... vão se arrumar p’ra comer. Elas se voltam para o interior. Lydia de olho no piano. TEREZA : (apontando o piano) Seu Hermes disse que está afinado ... LYDIA : (perplexa) Ué ... ele sabe tocar ? TEREZA : Não que eu saiba ... mas entende disso ... ANA PAULA : (puxando Tereza até a varanda) É ele lá embaixo ? TEREZA : Aonde ? Ana Paula volta o rosto na direção do rio. Surpresa, descobre que não há ninguém debaixo da árvore. 24. CASA/COZINHA - INTERIOR DIA As meninas estão comendo o lanche junto com Pimpolho. Tereza parada na soleira da porta as observa. LYDIA : Esse menino come p’ra burro, hem ... ANA PAULA : (para Tereza) E o meu tio ... ele não vem ? TEREZA : Ele mal almoça ... Deve estar lendo no quarto ... Ou então de barco no rio ... não sei ... ANA PAULA : Ele não perguntou da gente ? TEREZA : Ele não pergunta nada ... 25. CASA/SALA - INTERIOR DIA Lydia, sozinha na sala, senta ao piano. Faz alguns movimentos com os dedos sobre as teclas testando a afinação. Quando se dá por satisfeita, começa a tocar a valsa “Chopin” da obra “Carnival”de Robert Schumann. A delicadeza da execução cria um clima de magia no ambiente. A câmara em travelling-out se distancia lentamente do piano até atravessar a porta que dá acesso à varanda. A câmara passa por um vulto de homem, parando quando o seu corpo assume metade do quadro. Plano do interior da sala, vendo-se a silhueta de um homem na soleira da porta. O seu rosto está na sombra ofuscado pela luz saturada que vem do exterior. A câmara começa a se mover na direção de Lydia sugerindo uma subjetiva do homem. Ela não o percebe. Hermes pára próximo ao piano. Só se vê parte de seu corpo, nunca o rosto. Quando Lydia termina a música, a voz de Hermes quebra o encanto. HERMES : Schumann ... Lydia se surpreende. Volta o rosto na sua direção. Pela primeira vez podemos ver o rosto de Hermes. HERMES : Sempre imaginei a valsa de maneira mais lenta ... como você tocou... Lydia observa-o por alguns segundos fascinada, e para testá-lo começa a tocar uma obra rara de Busoni (“Berceuse - Elegy No. 7”). LYDIA : De quem é isso ? Por alguns segundos Hermes reflete. HERMES : Ferruccio Busoni ... Lydia se volta para ele, pasma. LYDIA : Você ... o senhor é músico ? HERMES : (meneando a cabeça) Frustrado ... E a Isolda como vai ? LYDIA : (percebendo o equívoco) Ah, eu não sou a sua sobrinha ... HERMES : (com uma ponta de decepção) Você é a filha do general Gutierrez! LYDIA : Nossa ... não sabia que meu pai era tão popular ... HERMES : Popular não é bem a palavra ... LYDIA : O senhor conhece ele ? HERMES : Só de nome ... LYDIA : (arriscando) O senhor por acaso é comunista ? HERMES : Porque ? ... Tá escrito nos meus olhos ? LYDIA : É que p’ra conhecer meu pai de nome, sei lá ... O clima fica pesado por alguns segundos. Lydia volta-se para o piano e começa a tocar Eduardo Souto. LYDIA : Esse o senhor não adivinha ... Hermes ri da provocação. Espera alguns segundos até responder. HERMES : “O Despertar da Montanha“. Perturbada Lydia começa a improvisar uma balada à moda italiana de Pepino de Capri de maneira bem tosca. Tereza e Ana Paula surgem na sala. Lydia pára de tocar. TEREZA : Aí está a herdeira ... Tio e sobrinha se cumprimentam. Hermes ligeiramente incomodado. Ana Paula visivelmente emocionada faz menção de abraçar Hermes, mas surpreendentemente ele a evita. Close de Ana Paula chocada. 26. IDEM SEQÜÊNCIA 9/RIO TURVO - EXTERIOR DIA Longo plano de Hermes remando de costas para a câmara. A música de Schumann, solo de piano, domina a banda sonora. Plano do rosto de Ana Paula (46 anos) numa expressão idêntica à do final da seqüência anterior (Ana Paula 17 anos). No rosto dela, a voz de Hermes em off quebra o gelo. HERMES : Isolda ... você era o duplo de Isolda quando jovem ... fiquei tão perturbado que fui até grosseiro ... não consegui te tocar ... não queria te olhar ... a única atitude que me veio à cabeça foi me isolar no quarto ... com as fotos de meus filhos ... minha família de verdade ... 27. CASA/QUARTO DAS MENINAS - INTERIOR DIA O quarto é espaçoso e de mobília rústica, simples. As duas camas de solteiro estão separadas por um grande criado-mudo. A janela aberta deixa entrar o sol do final de tarde. Numa das camas, Lydia abraça Ana Paula que parece estar bastante deprimida. LYDIA : Deixa de bobagem ... tem gente que é assim mesmo... menos carinhosa... eu mesmo... quero distância de criança... esse Pimpolho aí me irrita p’ra burro... moleque “inxerido”... ANA PAULA : (achando graça do jeito que ela fala) É por causa do teu irmão caçula ... o capetinha ... Tereza surge com várias partituras antigas e entrega para Lydia. TEREZA : Olha o que eu encontrei p’ra você... o padrinho escondeu tão bem que foi difícil achar ... Lydia passa para a outra cama para examinar as partituras. Tereza senta-se ao lado de Ana Paula. Passa a mão em seu rosto. TEREZA : Passou ? Ana Paula meneia a cabeça afirmativamente. LYDIA : Há quanto tempo seu pai não toca mais piano, Aninha ? ANA PAULA : (se recompondo) Não sei ... eu mesma só vi ele tocar uma vez ... eu era muito pequena ... e a gente passou uns dias aqui sozinhos ... sem a minha mãe ... a Tereza é que vinha sempre com ele ... LYDIA : E então Tereza ... TEREZA : (certo constrangimento na voz) Ele sempre toca piano quando vem sem a madrinha ... não como você, é claro ... mas parece que quando ele se senta lá a música é só dele, o mundo desaparece ... (apontando uma partitura de capa verde) Essa ele toca sempre, é tão estranha ! LYDIA : (abrindo a partitura) Skryabin? Puxa ... ele devia saber muito ... Skryabin é difícil p’ra chuchu! ANA PAULA : Você acredita que a minha mãe fez ele vender um piano de cauda alemão que foi do meu avô ? LYDIA : Sua mãe é fogo ... TEREZA : Depois disso ele nunca mais tocou na frente dela ... ANA PAULA : E ela só não fez ele vender o piano de parede porque aqui ela não se mete. 28. CASA/SALA - INTERIOR ENTARDECER Lydia coloca a partitura de capa verde (“Flammes Sombres” de Alexander Skryabin) na estande do piano e antes de começar a tocar pergunta para Tereza. LYDIA : Cadê o monstrinho ? TEREZA : Quem ? LYDIA : O piolho. ANA PAULA : (sentando-se ao lado dela) Pimpolho ! LYDIA : Enquanto eu estiver aqui faz esse guri ficar longe desse piano, por favor ... TEREZA : É mesmo, onde está o Pimpolho ... Enquanto Lydia começa a tocar Skriabyn com extrema personalidade, Tereza vai até a varanda procurar o garoto. Na soleira da porta Tereza olha na direção do rio e então descobre que Pimpolho está lá na frente, ao lado de Hermes caminhando de mãos dadas com ele na direção do rio. Eles levam vara de pescar. A câmara se aproxima do rosto de Tereza que os observa com candura. No final do movimento ela entra de volta na casa. A música faz a ligação com a seqüência seguinte. 29. BEIRA DO RIO - EXTERIOR FIM DE TARDE A luz que se estende pela região é deslumbrante. Hermes e Pimpolho estão pescando. Num determinado momento Hermes ajuda a colocar a isca no anzol do caniço do menino. Há um entendimento mudo entre os dois. Tereza aparece trazendo um copo de café para Hermes. HERMES : (agradecido) Tereza você não existe. TEREZA : O menino não está incomodando não ? HERMES : O Eusébio ? De jeito nenhum ... ele é um grande parceiro ... TEREZA: (sorrindo) Ué... eu nem sabia que ele se chama Eusébio ... até os pais chamam de Pimpolho ... HERMES : É que ele não gosta que chamem ele assim ... não é, Eusébio? O menino meneia a cabeça. TEREZA : (hesitando) O senhor é tão carinhoso com ele ... Hermes encara Tereza. Entende perfeitamente onde ela quer chegar. HERMES : (quebrando o silencio) Eu fui estúpido com a Ana Paula ... Você já viu alguma foto da sua madrinha com a idade dela ? TEREZA : Ela não guarda nada ! HERMES : Pois é ... entre outros defeitos, minha irmã é uma mulher sem memória ... Elas são idênticas ... é impressionante ... TEREZA : A Aninha tem mais o jeito do padrinho ... HERMES : Assim espero ... Ficam alguns segundos em silêncio. TEREZA : (cortando) Porque todo mundo detesta a madrinha? HERMES : A Isolda ? ... É o ser mais egoísta que eu já vi na vida ... Ela destrói quem ama ela ... viu o Jairo, coitado! TEREZA : Mas ... ela acolheu o senhor ... HERMES : Porque não quer que ninguém saiba que ela tem um irmão clandestino... subversivo ... o diabo! TEREZA : Ela contratou advogados que vão ajudá-lo à voltar a Porto Alegre e à sua família ... HERMES : Claro... assim ela se livra do peso que eu sou p’ra família ... p’ra ela ... As meninas sabem que eu estou ilegalmente no país? TEREZA : Elas sabem que o senhor tem problemas ... mas não os motivos ... A Aninha estava louca para conhecer o senhor... Ela briga muito com a mãe ... HERMES : E você... Porque nunca abandonou a Isolda? TEREZA : Ela me criou ... como uma filha ... HERMES : (meneando a cabeça) Era o mínimo que ela devia à sua mãe. TEREZA : (tentando cortar a conversa) O jantar esta quase pronto ... posso levar o copo ? Hermes pega a mão de Tereza com jeito e coloca o copo. HERMES : Enquanto você estiver com a minha irmã você não vai poder casar, sabia? Tereza abaixa a cabeça e sai na direção da casa. HERMES : (acompanhando-a com os olhos) Ela pensa que é dona das pessoas! 30. CASA/COZINHA ou SALA DE JANTAR - INTERIOR NOITE A mesa já esta quase posta. As meninas estão sentadas com roupas mais quentes (como se tivessem saído do banho). Tereza ajuda a caseira a colocar os últimos pratos quentes na mesa. Lydia percebe que tem um quinto prato na mesa e pergunta. LYDIA : Vem mais alguém jantar conosco ? Tereza leva alguns segundos para entender a pergunta, faz um gesto e responde. TEREZA : É o Pimpolho ... ele sempre janta com a gente ... o seu Hermes faz questão ... Lydia faz um gesto de enfado para Ana Paula que sorri. Hermes aparece com Pimpolho. Eles vem trazendo vários peixes numa “fiada”. HERMES: Olha aí ... foi o Eusébio que pegou ... Lydia se surpreende com os peixes. LYDIA : Que peixe é esse aí ? ANA PAULA : É piranha ... LYDIA : O que ??? Aqui tem piranha ? ANA PAULA : Claro ... por causa do Encontro dos Rios ... LYDIA : Deus me livre ... não entro nessa água nem morta ... O menino vai se sentando ao lado de Lydia que faz uma cara estranha. HERMES : Vem lavar as mãos, Eusébio ... O menino sai de mãos dadas com Hermes para o interior da sala. ANA PAULA : Ele adotou seu filho mesmo, hem dona Maria ... A caseira sorri. Tereza sentando-se e começando à servir as meninas. TEREZA : É ... quando o seu Hermes for para o sul o Pimpolho vai sentir falta dele ... LYDIA : Deixa ele ir com ele, dona Maria ! A caseira faz um gesto com os ombros divertida. LYDIA : E a televisão aí da sala, funciona ? TEREZA : Muito mal ... por causa da antena ... da distância ... LYDIA : Quer dizer que se isolar aqui é ficar longe do mundo mesmo ... ANA PAULA : É isso que meu pai quer ... quando ficar velho. LYDIA: (com cinismo) Se sua mãe deixar, claro! Ana Paula sorri. Tereza chama atenção. TEREZA : Respeito com a tua mãe ... Hermes e Pimpolho voltam a aparecer. Sentam-se. Hermes serve Pimpolho. HERMES : (tentando) Vocês estudam juntas ... ANA PAULA : No Sacre Coeur ... LYDIA : Colégio católico ... conservador ... reacionário ... Hermes sorri da observação. LYDIA : Agora que acabaram com o Clássico, vai ficar pior ainda ... HERMES : Vocês estavam fazendo o Clássico ? LYDIA : Eu não ... (apontando Ana Paula) ela estava ... mas foi obrigada à mudar... e a gente se reencontrou ... (para Pimpolho) Ô menino, para de chutar a minha perna ... HERMES : (para Ana Paula) O que você esta pensando em estudar ? ANA PAULA : Letras ... Neolatinas ... LYDIA : Ela quer morrer de fome ... HERMES : (para Ana Paula) E você ? LYDIA : Eu ? ... Eu só quero ter bastante dinheiro para continuar estudando piano ... HERMES : (provocando) Se você fosse homem ia seguir a carreira militar... LYDIA : Deus me livre ... já basta meu irmão que meu pai tá preparando p’ra isso ... E o senhor ... o que foi que o senhor estudou ? HERMES : Eu sou engenheiro químico ... mas acabei me envolvendo com política ... fui vereador ... e quase deputado estadual ... LYDIA : Da oposição, é claro ... HERMES : (irônico) É claro ... LYDIA : E você Tereza ... se pudesse estudar o que iria fazer ? ANA PAULA: Mas ela estudou... fez enfermagem... LYDIA : (perplexa) E porque ... HERMES : (cortando) É verdade ? TEREZA : É ... eu não quis seguir a carreira ... ANA PAULA : (grave) Minha mãe não deixou ... TEREZA : Não fala isso ... ela pagou os meus estudos ... os cursos de aperfeiçoamento ... ANA PAULA : Claro ... p’ra ter uma governanta só p’ra ela ... HERMES : (perplexo) Ah, Isolda! LYDIA: É o que chamam de pessoa pragmática HERMES : (surpreso com a observação) Pragmática ??? Calculista, isso sim! TEREZA : (aborrecida, mas com tato) Não falem mal da madrinha ... 31. CASA/SALA E VARANDA - INT./EXT. NOITE Na sala, há também uma velha vitrola 78 e 33 rotações. O movimento de travelling inicia em uma pilha de discos antigos sendo manuseada por Lydia e Tereza. Lydia escolhe um lp de Mário Gennari Filho, e a música “Velho Romance” começa a ser ouvida. Pimpolho, vestindo um pijaminha de flanela, aparece e vem dizer “boa-noite” para todos. Beija Tereza, mas é recebido friamente por Lydia. Vai até Hermes que está lendo um livro na mesa e o abraça. Faz menção de sair mas Hermes o pega pela mão e o leva até a varanda. Encontram Ana Paula sentada em uma poltrona de vime. Pimpolho dá um beijo em Ana Paula e depois entra de volta na sala. - É óbvio que Hermes “usou“ o menino para se reaproximar da sobrinha. - Hermes se senta ao lado de Ana Paula acendendo um cigarro. Ficam alguns segundos sem nada falar. A música domina o ambiente. O velho arranjo musical de Mário Gennari é mixado com um arranjo mais melodioso, apesar de obedecer a sua simplicidade. Lydia aparece da sala e vem na direção da amiga, pega-a pela mão, puxando-a para dançar. Ana Paula cria uma certa resistência que dura pouco. As duas dançam no meio da varanda. Hermes as observa com enlevo. Tereza aparece na soleira da porta de acesso à varanda para observá-las. Cria-se um clima de encantamento e sensualidade. A câmara faz um movimento de aproximação no rosto de Hermes até enquadrar somente seus olhos. 32. CIDREIRA/TÚNEL VERDE - EXTERIOR DIA Longo travelling pelo Túnel Verde que dá acesso à Cidreira. Apesar da câmara estar colocada na frente de um carro (para possibilitar o movimento) não se vê nenhum veículo ou ser humano no cenário. 33. CIDREIRA/DUNAS - EXTERIOR DIA Plano em travelling das dunas de Cidreira onde um casal de crianças corre pela areia. Pela posição da câmara nunca é possível ver seus rostos. 33A. CIDREIRA/MAR - EXTERIOR DIA Plano fixo das ondas se movimentando suavemente na areia. 34. CIDREIRA/FAROL - EXTERIOR NOITE Plano de detalhe da luz do farol na lente em movimento de acender e apagar, criando um certo clima hipnótico. Na pista sonora a música arranjada é mixada com o final da gravação antiga, concluindo com chiado natural do final de um disco. Plano mais aberto do farol em contra-plongée, acentuando a sua altura, e com a luz intermitente criando uma certa harmonia com o chiado. 35. CIDREIRA/PRAIA - EXTERIOR EFEITO NOITE Plano geral da praia de Cidreira, destacando o mar banhado pela luz da lua. Na pista sonora : o ruído do chiado é substituído pelo ruído do mar e do ambiente noturno. 36. CASA/VARANDA - EXTERIOR NOITE Plano de conjunto da casa, destacando a varanda onde somente Hermes continua em sua posição anterior, sentado na poltrona de vime. O ruído noturno domina o ambiente. Plano da varanda com Ana Paula surgindo da sala. Ela chega até a soleira, olha para o tio e diz com certa frieza : ANA PAULA : Boa noite ... Faz menção de entrar, mas Hermes a intercepta. HERMES : Ana ! Hermes levanta, vai até ela, e a abraça com muita ternura. Close de Ana Paula. O rosto encostado no ombro do tio. Sensação estranha estampada nos olhos. Tímida, Ana Paula sai do local com a cabeça baixa e Hermes se volta para o exterior. Tereza surge na entrada. Olha para Hermes, que está de costas para ela, por alguns segundos. De certa maneira, parece fascinada por ele. Plano de Hermes de costas, que parece sentir estar sendo observado. Ele vira o rosto na direção dela. TEREZA : O senhor quer um café ... alguma coisa ? HERMES : Para de me chamar de senhor ... Cê tá querendo fechar tudo, não é ? TEREZA : Não ... tudo bem ... é só trancar essa porta ... (meneando os ombros) É que o senhor ... você ... sempre dorme cedo ... HERMES: (abaixando o olhar) Hoje vai ser uma noite difícil ... TEREZA : Porque ? HERMES : As lembranças ... eu não consigo ver o rosto deles ... TEREZA : (ligeiramente assustada) De quem? HERMES : Dos meus filhos ... TEREZA : Quer um remédio p’ra dormir ? HERMES : Eu não quero dormir ... Há um certo instante de hesitação, até que Hermes fala : HERMES : Vai descansar Tereza ... eu cuido do resto ... Tereza entra na casa. Ele espera ela desaparecer no interior, entra na sala, desliga as luzes, e volta para a varanda fechando a porta de acesso. Somente uma fraca luz de segurança fica acesa na varanda. Hermes sai para o exterior, desaparecendo na escuridão. 37. CASA/QUARTO DE TEREZA - INTERIOR NOITE Tereza está em seu quarto, já vestida para dormir. Somente a luz do abajur acesa. Ela costura uma roupa de Ana Paula mas alguma coisa a incomoda visivelmente. Veste o peignoir e sai para o corredor. 38. CASA/CORREDOR - INTERIOR NOITE Somente a luz do quarto de Tereza ilumina o corredor. Leva consigo a roupa costurada. Ela vai até a porta do quarto das meninas, bate duas vezes, e entra. 39. CASA/QUARTO DAS MENINAS - INTERIOR NOITE A luz de um dos abajures está acesa. Ana Paula está lendo um livro. Lydia dorme. Tereza entrega a roupa costurada para Ana Paula e senta na beirada da sua cama. TEREZA : Cê não está cansada não ? ANA PAULA : (com certo brilho nos olhos) Ele me abraçou, Tereza ... TEREZA : Eu não disse? ANA PAULA : O que houve entre ele e minha mãe? TEREZA : Eu não sei ... Dona Isolda ficou anos sem falar dele ... de repente ele aparece ... ANA PAULA : Os olhos dele quando me viu ... ele deve odiar ela ... TEREZA : Coisa de irmãos ... a gente não tem nada com isso ... ANA PAULA : Claro ... o que está te preocupando ? TEREZA : (abaixando os olhos) Nada ... É esquisito ... Deixa p’ra lá ... Dorme... Tereza apaga o abajur e sai do quarto. 40. CASA/VARANDA - EXTERIOR NOITE Plano da casa, destacando a varanda. Tereza abre a porta à procura de Hermes. Alguma coisa chama sua atenção no exterior. Ela fecha o peignoir se protegendo do frio e sai na direção do rio. 41. MARGEM DO RIO TURVO/CHORÃO - EXTERIOR EFEITO NOITE A lua ilumina o rio e as árvores próximas. Tereza aparece sob o “chorão” e se surpreende ao ver que Hermes está no meio do rio remando o barco. 42. RIO TURVO/BARCO - EXTERIOR EFEITO NOITE O Plano é idêntico à seqüência 9, com Hermes de costas para a câmara, remando. A música tensa domina a cena. O plano se mescla em fusão com a seqüência seguinte. 43. CIDREIRA/TÚNEL VERDE - EXTERIOR DIA Longo travelling com a câmara baixa - similar ao belo plano de “Paisagem na Neblina” de Theo Angelopoulos - de duas crianças andando de costas no meio do “túnel verde”. A música intensifica a dramaticidade da cena. 44. CIDREIRA/FAROL - EXTERIOR DIA Longo travelling-in na direção do farol em plongée, sem mostrar a parte inferior, filmado com uma grande angular. As nuvens carregadas e o céu azul escuro devem sugerir uma sensação de insegurança. O mastro enorme e inerte se projetando na direção das nuvens revoltas. O plano deverá ser filmado em baixa velocidade para intensificar o movimento das nuvens. 45. CIDREIRA/DUNAS - EXTERIOR DIA As dunas filmadas no início de uma grande tempestade. O vento levanta a areia com violência. A chuva começa à cair. 46. CIDREIRA/PRAIA - EXTERIOR Geral do mar. O céu azul carregado. Relâmpagos. Raios no horizonte rasgam o céu. Ondas se movimentam em desespero. Travelling na direção das duas crianças que estão de costas para a câmara observando a tormenta no mar. Quando uma das crianças vira para a câmara a imagem é atingida por um clarão, como se um raio atingisse a lente de filmar. É impossível ver o rosto do menino. A tela fica branca por alguns segundos. 47. IDEM SEQÜÊNCIA 41 - EXTERIOR EFEITO NOITE Quando a imagem volta a ficar normal, o que se vê na tela é o rosto de Tereza, ligeiramente apreensiva. A câmara faz um movimento de travelling-out até enquadrá-la pela cintura. Seus braços estão cruzados, as mãos nos ombros, denotando frio e temor. No contra-campo é possível ver Hermes encostar o barco na margem e, após amarrá-lo, vir na direção de Tereza. Seu rosto está lívido, suando intensamente. TEREZA : O senhor ... está bem ? Plano de Hermes que respira profundamente olhando para o céu. De repente, leva suas mãos aos ombros de Tereza, puxa-a para si, e a abraça com desespero. Tereza, embora assustada, não reage. Close do rosto de Hermes nos cabelos de Tereza. Ele volta a respirar profundamente, e aos poucos se refaz do rompante. Afasta-a com delicadeza e abaixando a cabeça, envergonhado, se desculpa : HERMES : Me perdoa ... Sai na direção da casa sem se voltar para trás. Close de Tereza, absolutamente atordoada. 48. DESCAMPADO - EXTERIOR DIA A câmara inicia uma longa panorâmica por uma região deslumbrante que descortina a paisagem local. Não há seres humanos à vista. Apenas alguns animais esparsos. O movimento termina com a câmara descendo até a relva onde aparecem os corpos de Percival e Tereza. Ele está sobre ela, ambos vestidos, apenas a saia dela à altura dos quadris. A câmara desce até eles e é possível perceber pelos seus movimentos que estão transando. Close de Percival fungando selvagemente no pescoço de Tereza. Detalhe da mão dele apertando o seio dela sobre a roupa. Close de Tereza que procura sentir algum prazer naquilo. Contra-plongée aberto acentuando os movimentos rápidos de Percival sobre ela. A câmara faz um movimento ascendente na direção da paisagem. Em movimento de grua a câmara começa a descer sem corrigir a altura. Quando o movimento termina, surge o corpo de Percival de costas se levantando da relva. Tereza também surge parcialmente, levantando o corpo. Ela está sentada. Ele de pé. Quando Percival se volta para ela, só é possível ver uma parte de seu corpo. Ostensivamente ele fecha o zíper da calça. Ela se recompõe. PERCIVAL : (voz off) Não tá dando mais, Tereza ... Isso não é hora e nem lugar de fazer isso ... TEREZA : Você que quis .... PERCIVAL : Porque eu não posso ir lá no rancho ? TEREZA : Porque a gente não vai na tua casa ? Percival se ajoelha à frente dela colocando-se no enquadramento. PERCIVAL : Vai começar, cacete ... TEREZA : Eu não estou te pedindo nada ... você é casado ... tudo bem ... mas a minha vida ... você também tem que respeitar ... PERCIVAL : É por você ... cê não vai gozar nunca desse jeito ... TEREZA : Você sente ... tá tudo bem ... PERCIVAL : Qualé ! ... Não fui eu que te ensinei tudo ? ... Então ... Tô com você um tempão e nunca te vi sem roupa ... TEREZA : Tá bom assim, não tá ? PERCIVAL : Porra ... eu tenho dois filhos ... não sou moleque não ... eu quero tudo com você ... assim vou ter que arrumar outra ... TEREZA : Outra ? Olha ... sua mulher ... tudo bem ... mas se você arrumar outra ... PERCIVAL : É que faz mal, Tereza ... do jeito que a gente faz, faz mal p’ra saúde ... Plano mais aberto com Tereza se levantando e se aprumando. Percival permanece ajoelhado. TEREZA : Conversa ... você que é apressado demais ... PERCIVAL : Apressado ? Que que cê entende disso ? ... Eu sou macho p’ra cacete ... você que não ajuda ... tudo sou eu que faço ... TEREZA : Vamos embora ... eu tenho que voltar ... Percival agarra-a pela cintura e mergulha a cabeça na região do sexo de Tereza, sobre o vestido. PERCIVAL : Eu sou louco por você ... Ela se desvencilha. Veste rapidamente a calcinha. Ele tenta agarrá-la por trás. TEREZA : Por favor ... me leva até a cidade ... PERCIVAL : Eu largo minha mulher por você! TEREZA : (perplexa) Eu não pedi isso! PERCIVAL : Eu largo, cacete ... eu largo ... TEREZA : Eu não quero ... Ele desiste. Ficam alguns segundos se olhando nos olhos. Finalmente, Tereza passa carinhosamente sua mão no rosto dele. TEREZA : Você tem que ir p’ro quartel, não tem ? ... Eu tenho que cuidar das meninas ... Ele aquiesce. Vão até a velha moto que está estacionada nas proximidades. Ele senta na direção, ela na garupa, e partem. 49. ESTRADA DE TERRA / EXTERIOR DIA A moto corre pela estrada levantando poeira. Ligeiramente assustada, Tereza se agarra ao rapaz com firmeza. TEREZA : Não corre tanto ... eu vou acabar caindo ... PERCIVAL : (sarcástico) Pelo menos assim eu te dou alguma emoção ... TEREZA : Vai devagar ... As súplicas de Tereza parecem deixar o outro ainda mais excitado. Ele acelera a moto no limite do possível. Os cabelos de Tereza se agitam com o vento. Ela mergulha a cabeça no omoplata dele e fecha os olhos. Percival no guidão parece ensandecido. Plano da moto passando por uma encruzilhada. 50. DOIS CÓRREGOS/PÁTIO DE OFICINA MECÂNICA - EXT. DIA A câmara faz uma panorâmica pelo pátio da oficina revelando que ela fica numa região alta da cidade. A charrete está encostada próxima ao portão de entrada. Dois homens trabalham em um trator antigo. Tereza aparece, à pé, e se dirige à charrete. Um rapaz de macacão, de aparência simplória mas bem afeiçoado, se afasta do trator e vem até ela. TEREZA : Obrigada por ter cuidado da charrete, Toninho ... Cê deu água p’ro Bolero? TONINHO : (grave) Se afasta desse cara, Tereza ... Tereza perplexa. Encara o rapaz. TONINHO : O sargento não presta ... TEREZA : Que sargento, Toninho ? TONINHO : Ele espalhou p’ro quartel inteiro ... eu sei porque eu servi lá ... TEREZA : Mas isso é um absurdo ! TONINHO : Eu não tenho nada com isso ... mas você é uma moça bacana ... direita ... TEREZA: Olha... não sou obrigada a ouvir isso TONINHO : É que todo mundo gosta de você aqui ... TEREZA : Isso não dá o direito ... TONINHO : (cortando) O sargento tem duas mulheres só em Jaú ... Eu não devia falar ... ele até que é boa gente ... mas sabe qual é o apelido dele no quartel? “Arranca Lacre” ... eu não admito ... ainda mais com você (percebendo o fora, de olhos baixos) Me desculpa ... O choque é tão grande, que Tereza quase joga a charrete em cima do rapaz. Ela agita as rédeas fazendo o cavalo disparar. Toninho observa ela sair ciente da grosseria que acabou de cometer. Vai até o outro mecânico. MECÂNICO : E então, falou com ela ? TONINHO : (deprimido) Disse o que não devia, acho que nunca mais vou ter chance com ela. 51. ESTRADAS DE TERRA/ EXTERIOR DIA A charrete em disparada pelas estradas, levantando poeira. Close de Tereza aos prantos. Plano da paisagem em movimento. 52. RIO TURVO/ EXTERIOR DIA Travelling da paisagem em movimento filmada do interior de um barco movido à motor de popa. Plano de um barco diferente das seqüências anteriores, onde Hermes aparece na popa direcionando o motor. No banco do meio estão Ana Paula e Pimpolho. Os dois de frente para Hermes. O vento contrário agita os cabelos de Ana Paula. Hermes não consegue desviar os olhos da sobrinha. A semelhança com a irmã ao invés de assustá-lo, agora o fascina. Plano de Ana Paula que parece incomodada com a maneira como o tio a encara. ANA PAULA : (falando alto por causa do motor) Você conheceu a mãe da Tereza ? HERMES : Muito ... era adorava a Antônia ... ANA PAULA : Como ela morreu ? Hermes reflete se deve contar ou não. Deixa o ar tomar conta de seu rosto, respirando profundamente. ANA PAULA : Você sabe como ela morreu ? Hermes reduz a velocidade do barco, deixando o motor desligar. O barco fica à mercê da correnteza. HERMES : Quando ela apareceu grávida, a Isolda fez um acordo com ela ... ela teria a criança ... a Isolda assumia como enteada ... e adeus ! ANA PAULA : Adeus ... como ? HERMES : Ela sumia ... evaporava ... ANA PAULA : Ela está viva ? HERMES : Não ... ela morreu ... no Rio Grande do Sul ... Ela cuidava dos meus filhos ... ANA PAULA : Como assim ? HERMES : Quando eu me ajeitei no sul ... eu vim buscá-la ... para morar conosco ... eu devia isso à ela ... foi ela que cuidou de mim ... e da Isolda ... ANA PAULA : E do que ela morreu ? HERMES : De câncer ... de tristeza ... ANA PAULA : Você gostava muito dela, não é? HERMES : Muito ... (olhando a sobrinha nos olhos) Ela foi mãe, irmã, pajem, confidente, enfermeira, e o primeiro amor da minha vida, minha primeira mulher ... você pode imaginar o que a sua mãe fez quando descobriu ? Ana entorpecida pelas palavras do tio meneia a cabeça. HERMES : Expulsou ela de casa ... infernizou a minha vida de garoto mimado ... e então ela apareceu tempos depois com a criança na barriga ... doente ... acabada ... fugida de um prostíbulo ... sei de lá de onde ... e então, elas fizeram o acordo ... ANA PAULA : (com tato) E vocês ... se encontraram de novo ? HERMES : Nos só estivemos juntos uma única vez, eu era muito garoto, mas foi maravilhoso, só as coisas efêmeras são marcantes, entende? Ficam alguns segundos em silencio, o barco completamente à deriva. Hermes se recompõe e antes de acionar o motor de popa fala para a sobrinha com gravidade. HERMES : Eu contei coisas muito íntimas p’ra você ... como um pacto de silêncio ... Ana Paula aquiesce com a cabeça. Hermes aciona o motor e o barco toma o seu rumo. 53. CASA/SALA - INTERIOR DIA Lydia está sentada ao piano executando uma difícil peça musical (Heckel Tavarez ou “Improviso No. 3 em G Maior”de Franz Schubert). Ana Paula seguida por Pimpolho entra na sala. O garoto imediatamente corre ao lado de Lydia e mete os dedos no teclado. Possessa, Lydia pede socorro. LYDIA : Arranca esse peste daqui ! Com jeito Ana Paula vai até o piano pega o menino pela mão e leva-o para a cozinha. Hermes entra na sala e pergunta : HERMES : O que você estava tocando agora pouco ? LYDIA : Ah ... te peguei ... essa você não conhece ! Ela reinicia o que pode ser o solo de piano para o Concerto para Piano e Orquestra de Heckel Tavarez. Hermes vem se sentar próximo ao piano. Tenta descobrir. De repente sorri para si mesmo. HERMES : Você não vai ficar chateada ? LYDIA : (sem interromper) Vai me dizer que cê sabe ? HERMES : É Heckel Tavarez ... LYDIA : (perplexa, interrompendo) Ah, péra lá ... afinal você é músico ou é comunista ? HERMES : Já disse que não sou músico. LYDIA : Mas é comunista ... Hermes, num gesto de provocação, sorri encarando-a nos olhos. Ana Paula aparece de volta na sala quebrando o clima. ANA PAULA : Cadê a Tereza ? LYDIA : Sei lá ... entrou aí no quarto ... aos prantos ... Ana Paula sai na direção dos quartos observada atentamente por Hermes. LYDIA : Onde você aprendeu tanto sobre música ? HERMES : Tá bom ... minha mulher ... ela é uma virtuose ... toca harpa ... e piano também... não tão bem assim ... mas é pedante ... como você! Lydia está perplexa. Fuzila Hermes com os olhos. Inesperadamente ele leva a mão até seu rosto e a beija delicadamente na face. Ela abaixa os olhos com timidez. Hermes se levanta e caminha até a soleira da porta da varanda. Atordoada, Lydia se volta para o piano, mas não consegue tocar. Sem se voltar para trás, Hermes pergunta : HERMES : César Franck, você sabe tocar ? LYDIA : (em off) César Franck? (com ironia) Pedante é você! 54. CASA/QUARTO DE TEREZA - INTERIOR DIA Tereza e Ana Paula estão sentadas lado à lado na cama. Os olhos de Tereza denotam que chorou muito. ANA PAULA : E eu posso te ajudar ? Tereza meneia a cabeça, consternada. ANA PAULA : Vocês fizeram sexo alguma vez ? TEREZA : Claro ... ANA PAULA : Então ele tem que casar com você ! TEREZA : Eu não quero casar ... eu não sinto nada com ele ... ANA PAULA : (sem entender) Então porque, Tereza ? TEREZA : Por que ... sei lá ... ele me quer ... ANA PAULA : Que droga ... se não é bom, porque você quer ele ? TEREZA : Porque ... ele quer ... tá tudo bem ... ANA PAULA : Acaba com isso ... tá cheio de homem no mundo ... você é tão bacana ... TEREZA : Esquece ... eu vou acabar ... do meu jeito ... eu vou acabar ... 55. CASA/SALA E VARANDA - INTERIOR/EXTERIOR DIA A música de César Franck domina o ambiente. Lydia executa com extrema sensibilidade uma de suas obras para piano. O travelling sai do piano lentamente, abrindo o quadro para um geral da sala. Hermes não está lá. A câmara atravessa o umbral da porta que dá acesso à varanda até enquadrar a casa em seu exterior e revelando que Hermes está sentado na poltrona de vime. Ele fuma um cigarro, absorvido pela beleza da música. Close de Hermes. 56. FLORESTA - EXTERIOR DIA (P.B./SUPER 8 AMPLIADO) Atenção : todas as cenas que remetem ao período de “aprendizado” de Hermes deverão ser filmadas em Super 8, filme preto e branco, e posteriormente ampliadas para 35 mm, acentuando violentamente o contraste fotográfico e sua granulação. Longo travelling no meio da floresta filmado com Steady-cam, num tomada subjetiva de alguém que está caminhando rapidamente. A densa vegetação cria certa dificuldade durante o trajeto. Os planos seguintes serão montados intercalados com pontas pretas, véus, finais de rolo, e sucatas fílmicas tendo sempre como referência e elemento de equilíbrio a música de Franck. A idéia é criar um certo grafismo abstrato nos momentos em que Hermes lembra seu aprendizado em Cuba. Travelling sucessivos pela floresta acompanhando um grupo de homens e mulheres (alguns, obviamente barbados) armados de metralhadora e fuzis. Eles andam rapidamente, e à esmo. A câmara Super 8 sempre no Steady-cam. Travelling circular em volta de uma árvore onde um dos homens ensina o grupo, ou parte dele, à desmontar um fuzil. Travelling seguindo duas jovens pelo cenário. Uma delas, Tânia volta e meia olha para a câmara com um sorriso franco no rosto, como que brincando com o espectador. 57. CIDREIRA/PRAIA DESERTA - EXTERIOR DIA Longo travelling seguindo as duas crianças de Cidreira que caminham pela areia próximas ao mar. A musica de Franck conduz o movimento. 58. IDEM SEQÜÊNCIA 9 - EXTERIOR DIA Repete-se o plano de Hermes remando de costas. A música sendo substituída pelo ruído dos remos na água. HERMES (voz off) : O padrinho de meus filhos, meu melhor amigo ... foi quem me levou a fazer política ... quando ele foi obrigado a sair do país ... eu fui junto ... naquele momento, importava a fé na utopia ... preparar a volta ... Close de Ana Paula (46 anos). 59. RIO TURVO/BARCO - EXTERIOR DIA Plano de Hermes remando o barco idêntico à seqüência anterior, mas a roupa é outra. A situação também. Na parte traseira (os planos seguintes revelarão) estão Ana Paula (17 anos) e Lydia. Na proa : Pimpolho. Se revelará assim o porque da imagem da seqüência 9 marcar tanto Ana Paula. ANA PAULA : O que foi que o senhor fez ? HERMES : Nada ... esse é o problema ... eu não fiz nada ... ANA PAULA : Não roubou ... não matou ... HERMES : Por isso eu voltei ... eu sou um banana ... eu não matei nem uma formiga ... LYDIA : Mas é comunista, não é ? HERMES : Se pensar como eles ... não sei ... uns desafetos me chamavam de comunista cristão ... o que não é elogio ... isso na época me deixava irritado ... hoje, até eu tenho minhas dúvidas ... LYDIA : Sabe o que eu acho ... não existe país melhor do que esse ... em qualquer outro país da América Latina essa história de política é resolvida a bala... aqui cada um cuida do seu, ninguém morre pelo que pensa ... ANA PAULA : (para Hermes) Ela é avançada, não é ? HERMES : (para Ana Paula) Eu não diria isso ... (para Lydia) Eu acho que nós estamos imaginando países diferentes ... Plano fixo filmado da margem do rio mostrando o barco cruzando o quadro. 60. RIO TURVO/MARGENS - EXTERIOR DIA CHUVA Detalhe das margens do rio. Chove torrencialmente. Plano filmado debaixo de uma grande árvore. A chuva castiga a região. O céu está com nuvens densas e a cor azul marinho. 61. CASA/VARANDA - EXTERIOR/INTERIOR DIA CHUVA Plano do exterior da casa filmado da varanda. O horizonte está tenebroso, marcado por nuvens pesadas. Chove com mais intensidade. Raios e trovões. A câmara recua para o interior da casa que está iluminada por uma luz mortiça de energia de baixa intensidade. Ouve-se o ruído de gerador ao fundo. Ana Paula e Lydia estão na soleira da porta que dá acesso à varanda, olhando o cenário. Tereza aparece e coloca um agasalho sobre os ombros de Ana Paula. LYDIA : É sempre assim ? TEREZA : Nessa época do ano ... a chuva vem sem mais nem menos ... e a energia cai ... (para Ana Paula) Ainda bem que o seu tio e o seu Joaquim conseguiram fazer o gerador funcionar ... ele estava falhando ... LYDIA: É o fim da picada... só faltava não ter luz... TEREZA : (para Lydia) Você é fogo, hem ... LYDIA : Quer saber? Isso aqui é tédio monumental... TEREZA : Ora ... vai lá, senta no piano ... você tem sua música ... Lydia olha atentamente para o exterior da casa, e depois de alguns segundos fala : LYDIA : Tem uma coisa que eu sempre quis fazer quando era menina e nunca me deixaram ... ANA PAULA : O que ? Lydia olha para a amiga de maneira safada e subitamente arranca o agasalho e corre para o exterior da casa. TEREZA : (abestalhada) Pelo amor de Deus ... volta p’ra dentro ... Aninha ... faz alguma coisa ... Ana Paula sorri e, arrancando o agasalho também, vai na direção da amiga. TEREZA: Cê tá maluca... olha o perigo, menina Tereza entra rapidamente no interior da casa e volta trazendo uma toalha com a qual sai para o exterior protegendo a cabeça. 62. MARGENS DO RIO TURVO - EXTERIOR DIA CHUVA Plano de Lydia correndo pelo cenário, tentando não cair nas poças de água. Ela levanta o vestido, protegendo-o da lama. Plano de Ana Paula que corre na direção da outra. As duas se encontram nas margens do rio, e começam a brincar como crianças inocentes. Tereza aparece e tenta chamá-las à razão. Elas fazem roda em volta de Tereza que, impotente, deixa-se envolver na brincadeira. Num plano ligeiramente mais afastado e, tendo elas de costas, a câmara se afasta em travelling, até entrar parte do corpo de Hermes em quadro. Close de Hermes observando-as. A chuva molhando seu rosto e cabelo. Plano das três se dando conta que estão sendo observadas. Imediatamente se recompõem, protegendo com os braços os seios que aparecem sob as roupas molhadas. Saem na direção da casa, constrangidas. Hermes permanece no mesmo lugar, respeitosamente sem se voltar para elas, que passam ao fundo. Close fechadíssimo nos olhos de Hermes, a água escorrendo por suas sobrancelhas. 63. CASA/FRENTE-VARANDA - EXTERIOR NOITE Travelling lateral mostrando a frente da casa iluminada normalmente. Não se percebem mais sinais de chuva. O ruído de sapos é intenso. É possível ver Pimpolho que vem do exterior e entra na casa pela varanda. Desde o começo da seqüência pode-se escutar o clássico “Concerto 1 Para Piano e Orquestra “ de Tchaikovski executado por Lydia. 64. CASA/SALA - INTERIOR NOITE Pimpolho entra no interior da sala onde estão Lydia ao piano (roupas trocadas, logicamente), Ana Paula e Tereza. As últimas duas estão sentadas à mesa, jogando damas. Pimpolho vem trazendo alguma coisa escondida na mão. Senta-se no banquinho ao lado de Lydia. LYDIA : (sem interromper) Ô Ana ... tira esse moleque daqui ... Ana vai até Pimpolho tenta pegar ele pela mão mas o menino resiste. Ele puxa Ana para falar a seu ouvido. ANA PAULA : Ô Lydia ... ele quer te dar um presente ... LYDIA : Ele quer encher o saco ... Pimpolho leva a mão até as teclas e deposita um sapo sobre elas. Quando Lydia se dá conta tem um ataque histérico. LYDIA : (levantando e pulando) Tire esse bicho daí ... tira esse bicho daí, porra! ANA PAULA : Mas é só uma perereca ... LYDIA : Tira ... que nojo ... tira ... ANA PAULA : Eu também não gosto de pegar nisso ... O sapo pula no chão. Lydia começa a mexer as pernas em desespero. LYDIA : Pulou ... o bicho pulou ... ele vai subir nas minhas pernas ... Hermes aparece vindo do corredor. Faz um gesto para Pimpolho. HERMES : Eusébio ... pega o sapo, vai ... leva ele p’ra fora ... Pimpolho obedece. Lydia faz um gesto estranho com as pernas, prendendo os joelhos. Parece aturdida, envergonhada. Ana Paula vai em seu socorro, e pegando-a pelo braço, leva-a para o quarto, passando por Hermes. Ele sem entender nada o que está havendo. HERMES : O que houve com ela ? TEREZA : Não percebeu ? HERMES : O que ? TEREZA : A coitadinha ... fez xixi ... Ambos se entreolham e caem na gargalhada. Uma reação que nenhum dos dois consegue conter. Isso de certa maneira os aproxima. Hermes senta-se na mesa, de frente para Tereza. Começa a mexer nas peças do jogo de damas. HERMES : Você sabe jogar ... Porque não falou antes ? TEREZA : Você só queria jogar com o menino. Começam a jogar. TEREZA : A Lydia é uma boa menina ... muito mimada ... o pai morre de ciúmes dela ... não sei como deixou ela viajar com a Aninha ... acho que confia na sua irmã ... HERMES: Você sabe quem é o pai dela, não é? TEREZA : Sei que é um homem severo ... rigoroso ... HERMES : Cruel ... TEREZA : Não deve ser ... tem uma família tão linda ... HERMES : Pobre do país se esse homem chegar ao poder ... (grave) Você já ouviu falar em tortura? TEREZA : (desconversando) Os filhos não tem culpa de nada ... ela é tão bonita não é ? HERMES : (grave) É ... sabe Tereza ... um poeta francês dizia que certas pessoas nascem com a beleza e o talento dos que morrem cedo ... TEREZA : Que horror ! HERMES : Foi uma forma de expressar o inacessível ... os dons especiais não nos são dados impunemente ... Por isso não me encanto mais com os prodígios ... eu fui casado com uma ... TEREZA : Você não gosta mais da sua mulher ? HERMES : (tenso) Ela já tem outra pessoa ... (distraindo-se do jogo) Quando minha situação no país estiver normalizada, eu começo outra luta... tirar os meus filhos da mãe deles. TEREZA : E isso é justo ? HERMES : Arrogância e egocentrismo ... eu não quero eles assim ... Tereza ganha o jogo devido à falta de atenção de Hermes nas pedras. HERMES : Assim não vale ... você me distraiu ... TEREZA : Com licença ... vou ver as meninas ... Tereza sai da mesa e caminha na direção do corredor. Hermes a segue com os olhos. 65. CASA/QUARTO DAS MENINAS - INTERIOR NOITE Quando Tereza entra no quarto encontra Ana Paula na cama de Lydia; as duas com roupas de dormir. Estão lendo uma revista juntas. TEREZA : Tudo bem ? LYDIA: Que vergonha Tereza... na frente dele. TEREZA : Besteira ... ele nem percebeu ... LYDIA : Cê jura ? TEREZA : Claro ... Porque cê tá tão preocupada com a opinião dele ? ANA PAULA : (provocando) Porque tá gamada por ele ... LYDIA : Que ??? ... gamada tá você ... TEREZA : Gente ... o homem tem idade p’ra ser pai de vocês ... LYDIA : Também não exagera ... ela que fica enchendo ... nunca viu homem na vida ... eu não ... eu tenho namorado. TEREZA : (duvidando) É ? LYDIA : Ele é cadete ... nas Agulhas Negras ... TEREZA : (tocada) Outro militar ... LYDIA : Tereza ... amanhã de manhã a gente pode ir com você até a cidade? TEREZA : (surpresa) P’ra que ? LYDIA : Sei lá ... dar uma volta ... tomar um sorvete ... Ana Paula vai ao socorro de Tereza. ANA PAULA: Ela tem um compromisso, não é? TEREZA : Tudo bem ... eu levo vocês ... ANA PAULA : E o compromisso ? TEREZA : (saindo do quarto, perturbada) Eu levo ... Quando voltam a ficar à sós. Lydia pergunta : LYDIA : Que compromisso é esse ! ANA PAULA : Não te interessa ... LYDIA : Ah é ... então eu não conto o que o seu tio fez comigo ... ANA PAULA : (pasma) Que história é essa ? LYDIA : Conta primeiro ... ANA PAULA : Ah, besteira ... ela vai despachar o namorado ... Lydia dá de ombros. Ana Paula bate os dedos em suas costas. ANA PAULA : Agora você ... LYDIA : (curtindo sadicamente) Ele me deu um beijo ... ANA PAULA : O que ??? LYDIA : Juro ... ANA PAULA : Na boca ? LYDIA : Quase ... Ana Paula sai da cama irritada. ANA PAULA : Você mente demais ... Lydia vira o corpo na direção da outra. LYDIA: Tá vendo...cê tá gamadinha no seu tio. ANA PAULA : Ô Lydia, vai pastar, vai ... Ana desliga o abajur e inunda o quarto na escuridão. 66. REGIÃO ERMA NO MATO/RIACHO - EXT. DIA (P.B.SUPER 8) Esta seqüência se junta à anterior através de pontas pretas e um fade-in natural de início de rolo. A seqüência é feita inteirinha de planos em movimento filmados com o Steady-cam. Tânia, roupa de campanha, atrai a câmara para um local ermo. Sem jamais parar de andar, de costas, ela vai se despindo até ficar só de calcinhas. Os planos são curtos, entrecortados por véus, como um copião em estado bruto. No momento que ela se deita na relva oferecendo-se à câmara, o corpo de Hermes entra em quadro e deita-se sobre ela. Ela quase nua; ele sem tirar as roupas de campanha. Os dois se beijam com ardor. A câmara gira ao redor deles. Os dois entram num riacho, a câmara atrás deles. Começam à se abraçar dentro da água. Hermes percebe alguma coisa dentro da água. Mergulha os braços na água. Suas mãos fazem o corpo de um cadáver com roupas de campanha, surgir de dentro do rio. Tânia começa à gritar, mas não se escuta sua voz. Uma mina explode próximo à eles, inundando-os de água. Toda a seqüência é dominada pelos sons noturnos do cenário anterior : grilos, sapos, corujas, etc. 67. IDEM SEQÜÊNCIA 56/FLORESTA - EXT DIA /PB SUPER 8 Travelling-subjetivo no meio de um matagal como que sugerindo alguém fugindo. Neste plano o som anterior é substituído pelo ruído de uma charrete trotando (ou seja, o verdadeiro som da próxima seqüência). 68. ESTRADAS DE TERRA - EXTERIOR DIA A seqüência começa com um travelling lateral do cenário. A charrete conduzindo Tereza e as duas meninas (Pimpolho ausente) pelas estradas que levam à Dois Córregos. 69. DOIS CÓRREGOS/PRAÇA DA MATRIZ - EXTERIOR DIA Panorâmica de 180 graus revelando o cenário (grua) até enquadrar a charrete que estaciona. As meninas descem. TEREZA : Uma hora. Só uma hora. Eu apanho vocês aqui. ANA PAULA : Daqui duas horas, tá bom ... TEREZA : Não ... uma hora é tempo demais ... A charrete sai conduzida por Tereza. Lydia olha de maneira maliciosa para a outra. LYDIA: Onde a gente aluga bicicleta por aqui? ANA PAULA : Aí na praça ... p’ra que ? LYDIA : Aonde ? ANA PAULA : (apontando) Ali na frente ... Lydia puxa a outra pela mão. LYDIA : Vem ... rápido ... ANA PAULA : Que você quer ? LYDIA : Vem ... eu pago ... Elas passam agitadas pela câmara. 70. DOIS CÓRREGOS/RUAS - EXTERIOR DIA A seqüência se inicia com um travelling pelas ruas mais características da cidade, como um ponto de vista das bicicletas em movimento. Travelling lateral acompanhando as duas meninas andando de bicicleta pela cidade, Lydia ligeiramente à frente. Numa esquina, onde um garoto empina um papagaio, Lydia para a bicicleta e pergunta ao garoto. LYDIA : Ô guri ... cê viu uma charrete com uma moça morena passar por aqui? GAROTO : Desceu a rua aí ! Sem agradecer Lydia volta a colocar a bicicleta em movimento. Ana Paula alcança-a. ANA PAULA : O que cê tá querendo ? LYDIA : Ação, Aninha ... quero vê o fuzuê que vai dar ... ANA PAULA : Maldita hora que eu fui te contar ... LYDIA : Vem não que cê também tá louca p’ra ver ... 71. DOIS CÓRREGOS/FINAL DE RUA - EXTERIOR DIA As bicicletas chegam à uma rua que termina num córrego. Elas param tomando fôlego. LYDIA : Maldito moleque mentiroso ... por isso que eu não gosto de criança... ANA PAULA : É ... vamos voltar ... LYDIA: Que nada ... eu paguei por uma hora, vamos até a caixa d’água ... de lá a gente vê a cidade toda ... quem sabe ... ANA PAULA : Subir tudo isso ... LYDIA : Vem lerdeza ... vem ... 72. DOIS CÓRREGOS/PARTE ALTA/CAIXA D’ÁGUA - EXTERIOR DIA Geral da cidade (evitando o único prédio). A câmara panoramiza até enquadrar a caixa d’água. Lydia e Ana Paula estão sentadas próximas às bicicletas, tomando sorvete. LYDIA : Quando eu casar, não vou tomar pílula coisa nenhuma ... vou é amarrar as trompas, mesmo ... ANA PAULA : Cê tá louca ? LYDIA : Filho, Aninha ... nem pensar ... ANA PAULA : Duvido ... Isso tudo é gênero ... Quando vier o bebe cê vai ficar boba ... LYDIA : Deus me livre ... Quem sabe eu tenha a sorte de achar um marido estéril ... ANA PAULA : (caindo na risada) P’ra transformar em capacho, né ? LYDIA : Claro ... ANA PAULA : (rindo) Cê vai acabar casando com um comunista priápico ... LYDIA : (perplexa) Priápico ! Cê lá sabe o que é isso ??? ANA PAULA : É o homem que fica com o negócio de pé o tempo todo ... LYDIA : (admirada) Onde cê aprendeu essa palavra ? ANA PAULA : No livro do dr. Fritz Kahn ! LYDIA : O que ? Deixa a madre Leodocárdia saber disso ... Como é que é mesmo? ... Priápico e comunista ... (tom de provocação) então deve ser o seu tio. Clima de mal estar. Lydia percebe que a outra ficou emburrada. LYDIA : Tá vendo ... Cê pode brincar comigo ... eu não ... (sendo atraída por alguma coisa) Êh, olha ... (apontando para um ponto da cidade), não é a charrete de vocês ? Lydia se levanta, apontando. A outra olha para a mesma direção. ANA PAULA : Tô vendo nada ... LYDIA : Lá embaixo ... é a charrete sim ... (jogando o resto do sorvete no chão) Vem ... ANA PAULA : Aonde, meu Deus ? Lydia sobe na bicicleta. LYDIA: Rápido... A gente passou lá perto, vem. Ana sobe na bicicleta. ANA PAULA : Cê não desiste, né ? As bicicletas se emparelham na direção da cidade. LYDIA : Cê fica me devendo uma coisa ... ANA PAULA : O que ? LYDIA : O livro do tal dr. Fritz Cão... ANA PAULA : Kahn, surda ... Fritz Kahn ... LYDIA : Esse aí ... Plano das bicicletas sumindo na rua íngreme. 73. DOIS CÓRREGOS/RUA TRANQÜILA - EXTERIOR DIA Atenção : A abertura dessa seqüência deverá ser filmada com a câmara no steady-cam, num plano longo com lente 50 mm, ao estilo de Fuller na abertura de NAKED KISS. O plano pode se iniciar à porta de um sobrado modesto. A porta é aberta violentamente, e por ela surge Percival trazendo Tereza pelos cabelos. Ele a carrega para fora de sua casa. A cena é extremamente violenta e tensa. Ele passa levando ela pelo quintal, pelo portão, até chegar à rua vazia. Ao fundo pode-se perceber que por trás deles surge uma jovem mulher com uma criança no colo. Ela está desesperada e tenta chamar o marido à razão. As falas que se seguem se encavalam naturalmente. PERCIVAL : Sua cadela ... quem cê pensa que é ... acabar com a minha família ... fazê a minha caveira ... inventá mentira ... mentira ... TEREZA : Me larga ... tá machucando ... PERCIVAL : Essa é a minha casa ... não é puteiro, não ... lugar de piranha é na zona ... vaca desgraçada ... TEREZA : Ela tem que saber de tudo, canalha ... tá machucando ... MULHER DE PERCIVAL : Pára com isso, Nenê ... Olha os vizinhos ... PERCIVAL : Agora qualquer uma chega aqui ... e inventa o que quer ... cê tá pensando o que ... eu sou de respeito, vagabunda ... de respeito ... MULHER DE PERCIVAL : Nenê ... pelo amor de Deus ... PERCIVAL : (para a mulher) Pára de me chamar de Nenê, cacete ... Chegam à rua. Percival empurra Tereza, que com a violência do gesto cai na calçada. A mulher tenta ajudá-la, Percival puxa a mulher. PERCIVAL : Entra p’ra dentro ... É piranha ... é bicho ruim ... é mentirosa. MULHER DE PERCIVAL : A moça ... tá machucada ... PERCIVAL : (aos berros) Entra p’ra dentro ... vai, cacete ... Eu resolvo ... A mulher entra no portão. Plano das meninas que se aproximam com as bicicletas à uma certa distância. Ponto de vista das meninas em travelling-in. Percival faz menção de acompanhar a mulher, mas Tereza, tentando se levantar, grita para ele. TEREZA : Eu vou p’ra Jaú atrás das outras ... eu acabo com você ... Fora de si, Percival volta até ela e empurra-a de volta ao chão com o pé. Começa à desferir pontapés em seu corpo aleatoriamente. A cena é terrível. A mulher volta para demovê-lo. As meninas vão ao auxílio de Tereza. Dois senhores aparecem e ajudam a afastar Percival. SENHOR : Vá p’ra casa, sargento ... Não faz besteira ... PERCIVAL : Essa desgraçada veio aqui inventar mentira ... minha família é sagrada, seu Tenório ... ninguém mexe com ela ... SENHOR: Vai sargento... deixa eu dou um jeito Ajudado pelo Senhor 1, a esposa de Percival consegue levá-lo para o interior da casa. O Senhor 2 ajuda as meninas à levarem Tereza até a charrete. Ela visivelmente machucada na testa, o corpo dolorido, é ajeitada no veículo. SENHOR : Quer que a leve no hospital ? TEREZA : Não ... quero ir p’ra casa ... LYDIA : Melhor ir dar queixa na polícia ! SENHOR : O moço é do exército ... melhor deixar como está ... LYDIA : Meu pai é general ... e dos grandes ... eu estrepo com esse cara! ANA PAULA : Melhor ir p’ro hospital ... TEREZA : (ríspida) Eu não quero ... (tentando assumir as rédeas) Vamos meninas ... Senhor 1 se aproxima. SENHOR 1 : Cê tá bem, moça ? LYDIA : (arrogante) Ela tá bem nada ... esse bandido vai ter que pagar por isso... ANA PAULA : Eu levo a charrete ... TEREZA : Cê não sabe ... ANA PAULA : Claro que sei ... LYDIA : As bicicletas ... deixa eu colocar atrás. SENHOR 2 : As bicicletas não são do Mamede? ANA PAULA : São ... SENHOR 2 : Nós devolvemos ... podem levar a moça ... Lydia sobe na charrete. Ana Paula tem certa dificuldade de fazer o cavalo obedecer. Tereza tenta tomar as rédeas. Ana Paula insiste. ANA PAULA : Deixa comigo ... O cavalo obedece. A charrete faz meia volta e toma o rumo da saída da cidade. 74. DOIS CÓRREGOS/SAÍDA DA CIDADE - EXTERIOR DIA A charrete conduzida por Ana Paula se aproxima da rodovia. Câmara no interior da charrete. LYDIA : Me dá o nome e o regimento que esse bosta tá servindo ... ele vai ver o que bom p’ra tosse ... violência a gente responde com violência ... TEREZA : Acabou ... tá feito ... LYDIA: O velho tá certo... é tudo um bando de carneiro, mesmo... apanha e encolhe o rabo... se um cara fizer isso comigo, nem sei, viu ... TEREZA : (caindo em si, e com as duas mãos no rosto) Que besteira, meu Deus ... coitada da moça ... eu não podia ter feito isso ... ANA PAULA : O que foi ? TEREZA : Contei ... contei tudo ... eu tinha que dividir a história toda com ela ... que canalha eu fui, meu Deus ... ANA PAULA : Canalha é ele ... LYDIA : Deixa comigo ... cê vai ver ... ANA PAULA : Chega Lydia ... já encheu ... LYDIA : Êh, qualé ? ANA PAULA: É isso aí... Cê tá com rei na barriga só porque o teu velho tem a fama que tem. LYDIA : Tem fama de homem ... de brasileiro dos bons ... ANA PAULA : Tá legal ... até dentro do exército eles sabem que ele é louco varrido ... porque não puseram ele lá em cima até hoje ? LYDIA : Porque ? ... Quem te contou isso ? ANA PAULA : Meu velho ... LYDIA : Ah, teu pai é um banana ... ANA PAULA : Meu pai é um homem justo ... de paz ... e muito mais culto que o teu. LYDIA : Sabe como o meu pai chama ele ? Seu Isoldo... o estafeta da tua mãe... soldado raso, ralo ... serviçal ... TEREZA : Parem com isso, meninas ... não piorem as coisas ... ANA PAULA: (para Lydia) É isso aí... fica na tua A seqüência fecha com um plano da charrete em movimento vista de trás. 75. ENCONTRO DOS RIOS/CASA/QUARTO DE HERMES - INTERIOR DIA O quarto está na semi-escuridão, iluminado somente pela luz que entra de uma janela aberta. É a primeira vez que se vê o interior deste quarto. Ao lado da cama de casal (afinal, trata-se do quarto de Isolda e marido), pode-se ver uma escrivaninha e uma estante cheia de livros antigos e de coleção. Hermes está à frente da escrivaninha terminando de escrever uma carta. A câmara detalha a mesa, sob a qual vemos alem de papéis, um livro de poemas de Jorge de Lima, um de Pablo Neruda, uma caixa de madeira aberta com outras cartas no interior, algumas fotos cujas imagens não se consegue definir direito, e um revólver 32 servindo de peso para os papéis em branco. A câmara detalha o texto escrito à mão: “Vim e irei como uma profecia“. Esse texto é filmado e montado em três travellings sucessivos, em planos cada vez mais fechados (à serem executados na truca). HERMES : (voz off) É mais uma carta que eu escrevo à vocês e não consigo enviar. Venho buscando explicar os motivos de minha ausência e sinto que as razões nunca justificarão a minha falta. 76. CIDREIRA/TÚNEL VERDE - EXTERIOR DIA Travelling em contra-plongée favorecendo a copa das árvores por onde passa o sol. HERMES : (voz off) O padrinho de vocês, um homem notável, a quem eu sempre busquei acompanhar como aprendiz, amigo e confidente, foi abandonado por seus próprios companheiros de partido no momento em que foi acusado de conspirador e inimigo do país. Ele que abriu mão de sua vida pessoal, afetiva, de todos os seus bens, para lutar contra o autoritarismo e a ditadura. 77. CIDREIRA/DUNAS - EXTERIOR DIA Travelling em torno de Hermes no topo das dunas vendo os filhos brincando ao longe. HERMES : (voz over) Exílio, meus filhos, talvez seja o maior inferno criado pelos homens (pigarreia) desculpas, desculpas ... talvez nada perdoe a minha escolha de acompanhar um amigo em seu desterro ... e deixar para trás dois filhos e um casamento em frangalhos ... o fato de não amar mais a sua mãe só fez aumentar a necessidade de estar ao lado de vocês ... e esse sentimento me tornou indigno dos meus princípios ... 78. CIDREIRA/PRAIA - EXTERIOR DIA Travelling com câmara baixa acompanhando Hermes que caminha pela praia deixando rastros na areia. A praia está deserta. Longo travelling seguindo Hermes, por trás, em sua caminhada em direção ao nada. HERMES : (voz off) Vim e irei como uma profecia ... A música toma conta da banda sonora. 79. MARGENS DO RIO TURVO - EXTERIOR DIA Travelling com câmara baixa acompanhando Hermes que caminha pelo mato na direção do rio. A música prossegue. Plano mais aberto mostrando que Hermes carrega na mão a mesma caixa de madeira que apareceu na seqüência 75. Ele traz na outra mão uma pequena pá. Hermes para na frente do velho chorão. Escolhe um lugar no chão e começa à cavar. 80. CASA/VARANDA - EXTERIOR INTERIOR DIA Plano aberto da varanda. A porta que dá acesso à sala está aberta. Ana Paula aparece na soleira como que em busca do tio. Vem até a frente e pára atenta. Ponto de vista de Ana Paula: à frente e a certa distância, Hermes está agachado enterrando alguma coisa debaixo do “chorão”. Plano de Ana Paula, que mesmo intrigada, não ousa chamá-lo. Volta cabisbaixa ao interior da casa. 81. CASA/SALA - INTERIOR DIA Detalhe dos teclados do piano. As mãos de Lydia começam à executar vigorosamente a segunda parte do “Noturno Op 48 No. 1” de Chopin. Travelling-out até enquadrar a jovem de corpo inteiro. Ela parece descontar no piano toda a sua tensão interior. Travelling-in na mesma velocidade do plano anterior na direção da porta que dá acesso à cozinha. Ana Paula está parada na soleira observando a amiga com olhar grave. Pimpolho aparece por trás, tenta entrar na sala, mas Ana Paula o segura. Ficam os dois olhando Lydia tocar. 82. CASA/BANHEIRO - INTERIOR DIA Plano em detalhe do rosto de Tereza debaixo do chuveiro. No seu rosto, as lágrimas de humilhação se misturam à água abundante da ducha que lavam a sua revolta. Travelling-out no tempo da música. Ela está parada sendo castigada pela força da água. A câmara só ameaça parar quando a tem de corpo inteiro na tela, nua e indefesa. A música atinge seu ponto culminante. 83. FRENTE CASA/VARANDA/SALA - EXT. INT. DIA Plano frontal de Hermes, filmado com Steady-cam, acompanhando sua caminhada na direção da casa. Ele vem do exterior, atravessa a varanda e entra na sala. Para à pouca distância do piano. Fica olhando para Lydia admirado. Plano de Lydia filmado por trás. Ela sente que está sendo observada, arrisca um olhar para trás, e para de tocar subitamente. Gira o banco do piano, colocando-se de frente para Hermes. Seu olhar possesso fuzila o herói. LYDIA : Todos os homens são filhos da puta, sabia ? Hermes fica sem entender nada. LYDIA : Enquanto você fica aqui escondido do mundo... a Tereza quase morreu de pancada. HERMES : O que houve ? LYDIA : Ai, que ódio ... cê tá longe de tudo mesmo, né ... ANA PAULA : (se aproximando) Pára com isso (para Hermes) não houve nada ... LYDIA : Como não houve ... vai ficar por isso mesmo, é ? (para Hermes) Dá uma de homem, vai lá e mete um soco na cara dele ... ANA PAULA : (irritada) Lydia ! LYDIA : (histérica) Mata o cachorro ... Será que todo mundo é banana nessa família ... HERMES : (passado) Alguém vai contar o que houve ? Lydia se levanta. Parece que vai agredir Hermes. Está completamente histérica. LYDIA : Houve que a Tereza apanhou ... apanhou e não tinha nenhum homem p’ra defender ela ... HERMES : (para Ana Paula) Isso é verdade ? LYDIA : É verdade sim ... o que você vai fazer ? ANA PAULA : Chega, Lydia ... Os três se voltam na direção da porta do corredor quando a voz de Tereza se faz ouvir. TEREZA: (em off) Acabou! Eu disse que acabou !!! Plano de Tereza vestida com outra roupa, um leve hematoma na testa. TEREZA : Eu fiz a besteira, certo ... problema é meu... ninguém tem nada com isso... ninguém Ana Paula puxa a amiga para o quarto. Quando Tereza e Hermes ficam sozinhos na sala, ela meio sem jeito, ele pergunta : HERMES : Cê tá bem ? TEREZA : (cabisbaixa) Tô ... muito bem ... Tereza passa por Hermes e vai para a cozinha. Sozinho, Hermes se sente deslocado, ainda perplexo com tudo que houve. Instintivamente senta no banco do piano. Coloca os dedos no teclado e lentamente mas com muita sensibilidade começa a tocar uma música desconhecida. Aos poucos, se deixa envolver pela inspiração. A música toma conta do ambiente. Plano da porta que dá acesso ao corredor. As duas meninas aparecem e ficam observando Hermes, perplexas. Plano da porta que dá acesso à cozinha. Tereza aparece na soleira, visivelmente intrigada. Cria-se um clima mágico no ambiente. Quando ele para de tocar, Tereza se manifesta. TEREZA : O senhor disse que não tocava ... HERMES : (sorrindo) E faz tanto tempo ... só sei as que eu mesmo faço ... nem sei ler partitura ... mas de tanto conviver com quem sabe a gente aprende um pouco. LYDIA : Você compôs essa música ? HERMES : (para si mesmo) Foi ... p’ra minha mulher ... quando nasceu a menina ... LYDIA : Toca outra vez, por favor ... Hermes olha para Lydia, sorri e recomeça a tocar. Aos poucos, ela vai se aproximando dele até sentar na cadeira que fica ao lado do piano. Lydia não consegue desgrudar os olhos do rosto de Hermes. Quando ele olha para ela, ela abaixa o olhar encabulada. Plano de Ana Paula sensivelmente incomodada. Plano de Tereza que observa a irmã de criação. Os olhares dizem tudo. Ela percebe que Ana Paula sente pelo tio e vai até ela. Abraça-a e leva Ana Paula até a varanda. Hermes para de tocar e olha para Lydia. HERMES : César Franck ... LYDIA : O que tem ? HERMES : Você toca tão bem ... LYDIA : Ah não, agora ? Hermes gesticula com a cabeça. Ela aquiesce. Trocam de lugares. Hermes escuta Lydia tocar em estado de êxtase. 84. CASA/VARANDA - INTERIOR EXTERIOR DIA A música de César Franck domina o cenário. Tereza está sentada na poltrona de vime e Ana Paula está com a cabeça encostada no ombro da outra. ANA PAULA : Quando vocês estavam sozinhos ele nunca tocou piano ? TEREZA : Não ... ANA PAULA : Então porque p’ra ela ? TEREZA : Que é isso ... cê tá ciúmes ? ANA PAULA : (fazendo gênero) Tsss ... TEREZA : Eu tenho impressão que ele lembra da mulher dele quando vê a Lydia ... ela tem o dom das mulheres que morrem cedo ... ANA PAULA: Meu Deus... parece ele falando... TEREZA : (para si mesmo) A gente vive escolhendo as pessoas erradas ... mas você vai se dar bem ... quando tiver a idade certa você faz a sua própria vida ... o que lhe der na cabeça, esquece tua mãe ... e um dia vem me buscar. ANA PAULA : (refletindo) Incrível ... as coisas se repetem ... TEREZA : (sem entender) Como ? ANA PAULA : Tinha uma coisa tão bonita p’ra te contar ... mas eu não posso... TEREZA : O que cê tá me escondendo ... ANA PAULA : Uma coisa maravilhosa ... da tua mãe de verdade ... TEREZA : Então conta ... ANA PAULA : Eu não posso ... Plano do exterior da casa, com o rio ao fundo filmado do ponto de vista delas. Tempo. Aos poucos, o dia vai escurecendo até virar noite. (atenção: este plano de passagem de tempo deverá ser filmado com a câmera quadro à quadro) 85. CASA/VARANDA - EXTERIOR INTERIOR NOITE Geral da casa com varanda em destaque. É noite. A luz do luar ilumina a frente da casa, as árvores e a vegetação. Percebe-se pela porta de acesso à sala que as pessoas estão vindo da cozinha após o jantar. Hermes se destaca do grupo e vem até a varanda para fumar um cigarro. Ele se senta na poltrona de vime e fica admirando a paisagem. Geral do cenário. O rio iluminado pelo luar. Do interior da casa vem a música da vitrola antiga. “O M da Minha Mão” de Mário Gennari Filho. Na varanda surge Ana Paula trazendo uma xícara de café para Hermes. ANA PAULA : A Tereza pediu p’ra entregar ... Ana Paula faz menção de voltar mas Hermes a intercepta. HERMES : Vem aqui, Ana ... Senta ... Ana Paula obedece. HERMES : Queria te agradecer ... ANA PAULA : Porque ? HERMES : Por deixar eu ficar aqui todo esse tempo ... pela atenção da Tereza. ANA PAULA : Eu ??? Mas foi minha mãe ... HERMES : (cortando) Não ... essa casa não tem nada haver com ela ... é sua. ANA PAULA : É do meu pai ... HERMES : Então agradece ao Jairo ... Um dia ... se tudo der certo ... você irá para o sul ficar com a gente ... o tempo que você quiser ... conhecer as crianças ... conhecer a minha casa em Cidreira ... as dunas ... o farol ... o túnel verde ... o mar de agosto ... ANA PAULA : É o que eu mais quero ... HERMES : (comovido) Ah, Deus ... quanto tempo ainda ... eu acabo maluco ... a ressaca do paraíso ... a Ilha de Circe ... a estrela Vésper ... tudo tão longe e tão próximo ... Ana Paula fica olhando Hermes percebendo que a nostalgia o tortura. Instintivamente coloca a sua mão sobre a mão dele. Ficam parados os dois de mãos dadas olhando para o cenário. Plano do rio iluminado pelo luar. 86. RIO TURVO - EXTERIOR EFEITO NOITE Plano de Hermes, de costas, remando. Plano de Ana Paula (46 anos) o observando. A seqüência se resume à esses dois planos. A música original (ou talvez “O M Da Minha Mão” em versão atual) dá a atmosfera. Não existem palavras para perturbar esse momento de harmonia e entendimento humano. 87. CASA/VARANDA - EXTERIOR INTERIOR NOITE Tio e sobrinha estão na mesma poltrona de vime. Hermes fuma silencioso, Ana Paula com a cabeça em seu ombro dorme. De dentro da casa aparece Tereza. Ela vem e gentilmente acorda Ana Paula, que sonada, e auxiliada pela outra, entra dentro da casa. Alguns segundos depois Lydia aparece. LYDIA : Boa noite, seu Hermes ... HERMES : Boa noite ... Lydia faz menção de entrar indecisa. Toma a iniciativa, vai até Hermes e o beija rápida e furtivamente na boca. Com a mesma rapidez entra de novo na casa. Hermes sorri de seu gesto e meneando a cabeça levanta da poltrona. Vai até o portal da varanda para olhar o rio. De seu ponto de vista é possível enxergar uma réplica do farol (com a luz girando) de Cidreira na beira do rio Turvo. Close de Hermes que se surpreende com a visão. Detalhe mais próximo do farol e sua luz intensa e amarelada. Plano aberto da varanda com Hermes em primeiro plano fascinado com o farol. Da porta de acesso à sala surge Tereza. Ela para alguns instantes na soleira para observá-lo. Ele se vira para trás, e perturbado a chama. HERMES : Tereza ... por favor ... vem aqui ... Tereza se aproxima dele. HERMES : Eu estou ficando louco ? Tereza não entende. Ele pega em seu braço. HERMES : (apontando o farol com a cabeça) Olha ! Ponto de Vista de Tereza: não há farol nenhum; apenas o rio prateado pela lua. Hermes se volta para ela. Ela não sabe como reagir. TEREZA: (sincera) O que você quer que eu veja Ele solta o braço dela. Volta a olhar o rio. A imagem de que não há farol nenhum se confirma. Plano dos dois olhando o rio. A imagem de dois seres fragilizados. Hermes vira lentamente de frente para Tereza e a encara com ternura. Inesperadamente a toma em seus braços. Num primeiro momento assustada, Tereza vai gradativamente se entregando à extraordinária sensação que a invade. Detalhe dos lábios de Hermes tocando os cabelos de Tereza, sua orelha, seus olhos, sua boca e seu pescoço. Detalhe das mãos de Tereza nos cabelos de Hermes. Plano dos dois se beijando com ardor. Hermes levanta o corpo de Tereza nas mãos. Ela fica pequena em seus braços. Hermes leva-a para o interior da casa. 88. CIDREIRA/FAROL - EXTERIOR NOITE Plano fechado do topo do farol, emitindo sua luz intermitentemente. 89. CASA/QUARTO DE HERMES - INTERIOR NOITE Seqüência de planos fechadíssimos no corpo de Tereza com Hermes despertando-a para o êxtase. A mão dele em seu rosto. Os lábios em sua nuca. Os dedos em seus seios. O beijo nas axilas. A mão correndo seu flanco. Os poros dilatados. Os lábios molhados. A mão dela apertando o ombro dele. A cabeça de Hermes em seu púbis. Plano médio de Tereza descobrindo o corpo de Hermes. Tocando-o também. Beijando-o em várias partes do corpo. Plano de Hermes sobre Tereza. Ambos nus. Plano de Tereza sobre Hermes. Close fechadíssimo de Tereza chegando ao orgasmo pela primeira vez na vida. Seus olhos brilham. Ela estremece. Atenção : Toda esta seqüência será montada com rápidos planos da seqüência anterior (o farol e sua luz intermitente) passível ou não de fusões à serem realizadas na truca. 90. CASA/QUARTO DE HERMES - INTERIOR DIA O quarto está iluminado apenas pela luz que vem da janela semi-aberta. A câmara panoramiza até a cama onde apenas Hermes está deitado nela. Ele acorda e ainda sonolento tateia os lençóis à procura de Tereza. Se surpreende em descobrir que ela não está no quarto. Sai da cama, nu, e vai até a janela, abrindo-a por inteiro. Olha para o exterior. 91. CASA/PORTEIRA - EXTERIOR DIA Do ponto de vista de Hermes, é possível ver que Tereza está na porteira ao longe conversando com um homem fardado. Plano próximo : Tereza e Percival conversam na porteira. PERCIVAL : A culpa foi sua ... cê pirou de vez. TEREZA : (calma) Faz um favor p’ra você mesmo ... vai embora ... cuida da tua família ... PERCIVAL : Mas é você que eu quero ... TEREZA : (enfática) Vai embora, Percival ! PERCIVAL : Não humilha, Tereza ... Eu tô pedindo você ... 92. CASA/QUARTO DE HERMES - INTERIOR DIA Ressabiado, Hermes começa à se vestir. Rapidamente. Primeiro a cueca, depois as meias, a calça. Volta à janela enquanto termina de colocar a camisa. 93. CASA/PORTEIRA - EXTERIOR DIA Do ponto de vista de Hermes, é possível ver que a discussão se torna acalorada. De repente, Percival tenta forçar sua entrada pela porteira. Empurra violentamente Tereza para trás. 94. CASA/COZINHA - INTERIOR DIA Hermes chega à cozinha encontra a caseira fazendo café. HERMES : Cadê o seu Joaquim ? CASEIRA : Tá lá na cocheira ... HERMES : Diz p’ra ele pegar a espingarda ... tem algum tentando invadir a casa ... Ambos saem rapidamente para o exterior. 95. CASA/PORTEIRA - EXTERIOR DIA Tereza tenta segurar Percival, fora de si. PERCIVAL : Eu vou entrar nessa porra e ninguém vai me impedir ... TEREZA : Vai embora ... pelo amor de Deus ... vai embora ... Percival vê Hermes se aproximando. PERCIVAL : Quem é esse cara ? TEREZA : É parente da família ... PERCIVAL : Quer dizer que é por isso que eu não podia vir aqui ... Cê tava com ele ... TEREZA : (aturdida) Sai daqui estúpido ... volta p’ro serviço ... cê vai estragar tudo! HERMES : Que que tá havendo aí ? TEREZA : Deixa ... ele vai embora ... PERCIVAL : Vou o cacete ... (para Hermes) quem é você ? HERMES : Não interessa ... cê tá invadindo o terreno ... PERCIVAL : Não vem enfezado não que eu te fodo ... HERMES : Vai embora, soldado ... PERCIVAL: Sargento, palhaço! Olha o respeito! TEREZA : (para Percival) Faz o que ele diz ... vai embora ... PERCIVAL : Cê vem comigo ! Percival pega Tereza pelo braço. HERMES : Larga dela ... PERCIVAL : Que que é hem. Vai encarar é ? Seu Joaquim, o caseiro, aparece correndo com a espingarda. Hermes olha para o caseiro e depois se volta para Percival. HERMES : É melhor você sair daqui ... PERCIVAL : Ela vai junto. Hermes pega a arma do caseiro e engatilha. HERMES : Solta a moça, moleque ... PERCIVAL : Isso não fica assim não ... Percival larga Tereza. Hermes puxa-a para si, protegendo-a. Percival começa a se afastar fazendo ameaças. PERCIVAL : Eu vou voltar com o regimento inteiro... aí eu faço e desfaço... vão se foder... Hermes devolve a arma para seu Joaquim e abraça Tereza. HERMES : É esse o canalha ... Começam a caminhar de volta para a casa abraçados. TEREZA : O que a gente faz agora ? HERMES : É melhor arrumar as coisas ... você leva as meninas p’ra São Paulo. TEREZA : (cortando e olhando nos olhos dele) Eu não estou falando disso. HERMES : (entendendo) Nós dois ... eu não sei. Hermes aperta-a com mais força. Estão chegando perto da casa quando descobrem que as duas meninas estavam na janela assistindo tudo. Nesse momento Tereza e Hermes se separam, disfarçando a intimidade que os une. LYDIA : Esse sargento é um cara de pau ... Se aqui tivesse telefone ... ANA PAULA : Não começa, vai ... HERMES : Meninas ... ajudem a Tereza ... se preparem para a volta ... Eles entram na casa. 96. CASA/QUARTO DAS MENINAS - INTERIOR DIA Ana Paula começa a arrumar suas roupas na sacola. LYDIA : Cês vão acreditar nesse cara ... cão que ladra não morde ... ANA PAULA: Não começa... arruma as coisas aí LYDIA : (jeitinho safado) Cê viu seu tio com a Tereza ... ANA PAULA : E daí ... LYDIA : Tem coisa aí, não tem ? ANA PAULA : Só na tua cabeça ... LYDIA: Êh ... você que disse que ele é priápico. ANA PAULA : Não disse nada disso, idiota ! LYDIA : Disse sim ... generalizou ... todo comunista é tarado ... ANA PAULA : Não adianta ... não vou discutir com você ... LYDIA : Mas que ele tava agarradão nela, isso ele tava ... ANA PAULA : Quer saber ... eu ia ficar muito feliz se meu tio ficasse com a Tereza ... LYDIA : Boa samaritana, hem ... ANA PAULA : É isso aí ... pelo menos não seria você ... LYDIA : E eu lá gosto de velho ... quem é chegada num coroa é você, minha querida ... ANA PAULA : Me esquece ... LYDIA : (teatral, fazendo gesto com os dedos) A virgem e o comuna ... (desfazendo a pose) Patético ! ANA PAULA : Baixaria ! Fica aí falando bobagem que eu vou tomar meu café! LYDIA : (retomando o tom teatral) A ninfeta e o priápico ... Ana Paula sai do quarto batendo a porta. 97 CASA/QUARTO DE TEREZA - INTERIOR DIA Tereza está acabando de arrumar sua mala. Batem à porta. É Hermes. Ele entra e fecha a porta atrás de si com cuidado. TEREZA : (preocupada) As meninas ? HERMES : Ta tudo bem ... TEREZA : Eu levo elas p’ra São Paulo ... você fica na casa do avô do Pimpolho até eu voltar, por segurança ... quando a madrinha resolver a questão da sua volta, cê pega os seus filhos e a gente vai p’ra onde você quiser ... Hermes alcança ela por trás. Beija sua nuca. Aperta suavemente seus seios. HERMES : Você resolveu tudo ... TEREZA : (apertando as mãos dele contra o próprio corpo) Eu vou com você até o inferno se for preciso ... Hermes vira Tereza para si e a cala com um beijo. Ela o aperta com sofreguidão. Ficam alguns segundos abraçados. Hermes se desvencilha com muito tato e fala antes de sair do quarto. HERMES : Circe ... estrela Vésper ... TEREZA : Eu não demoro ... Hermes fecha a porta. 98. CASA/COZINHA - INTERIOR DIA A caseira serve café para Ana Paula que está sentada em frente a Pimpolho. Hermes aparece trazendo uma sacola na mão. HERMES : (para a caseira) Obrigado por tudo (para Ana Paula) Vem comigo Ana ... Ana levanta da mesa e segue o tio sem fazer perguntas. Pimpolho vai atrás deles. 99. CASA/LATERAL e RIO TURVO/CHORÃO - EXTERIOR DIA Esta seqüência inteira será filmada com Steady-cam, a câmara acompanhando a trajetória de Hermes, Ana Paula e Pimpolho na direção das margens do rio Turvo. Logo que chegam no exterior, Hermes coloca seu braço esquerdo no ombro de Ana Paula, e seguidos por Pimpolho se encaminham rapidamente para onde está ancorado os dois barcos: um à motor de popa; o outro à remo. HERMES : Eu tenho que ir, você entende ... agora é perigoso p’ra vocês também ... foi ignorância minha esperar que aqui no país as coisas se resolveriam ... eu não tenho o direito de envolver vocês ... muito menos agora ... nunca abandone a Tereza ... é a sua melhor amiga ... sua verdadeira irmã de universo ... não deixe que ela se aborreça com o que eu estou fazendo ... é por mim ... e por vocês também ... eu amo vocês ... eu amo Tereza ... se um dia ... eu não sei ... um dia a gente pode se encontrar e quem sabe dá certo ... Chegam à beira do rio. Hermes coloca o barco à motor na posição de partida. Pimpolho pula no barco. Hermes vai até ele e pega-o nos braços. HERMES : Não meninão ... dessa vez você fica. Ana Paula pega na mão de Pimpolho. Hermes vem até Ana Paula. HERMES : Agradeça à Isolda, também ... Diz que ela não precisa se envergonhar do irmão dela ... e não deixe que ela estrague a vida da nossa Tereza ... que foi a pessoa que me uniu ainda mais à você ... Hermes beija a sobrinha carinhosamente na face e entra rapidamente no barco. Dá a partida no motor. Plano de Ana Paula e Pimpolho observando Hermes. Contra-plano, com Ana Paula e Pimpolho de mãos dadas e de costas olhando o barco partir. Ana Paula se vira para olhar a casa. 100. CASA/VARANDA - EXTERIOR DIA Ponto de Vista de Ana Paula: a casa à certa distância, Tereza parada na soleira da varanda. Plano próximo de Tereza. A tristeza estampada em sua expressão, mas também nítida a compreensão do gesto de Hermes. 101. MARGENS DO RIO TURVO - EXTERIOR DIA Ponto de vista de Tereza : o barco já no meio do rio e nas margem Ana Paula e Pimpolho olhando o barco. Close de Ana Paula, a casa desfocada ao fundo. Ela se volta para trás. Olhando Tereza. Primeiro plano de uma e outra como que num entendimento mútuo de olhares. 102. CASA/VARANDA - EXTERIOR INTERIOR DIA Plano de Tereza que se volta para a porta de acesso à sala. Na soleira da porta está Lydia olhar perdido na direção do rio. 103. RIO TURVO - EXTERIOR DIA Plano do rio Turvo, o barco sumindo ao longe. ANA PAULA (46 anos) : Meu tio nunca mais foi visto ... foi dado como morto pelo regime militar e se transformou num mártir da luta armada ... logo ele, que nunca matou uma mosca ... 104. MARGENS RIO TURVO/CHORÃO (1997) - EXTERIOR DIA Close de Ana Paula (46 anos) olhando para o barco se afastando. Ela vira o rosto para o “chorão”. Plano do “chorão”. Travelling-in. A câmara se aproxima da árvore lentamente. Num determinado momento faz um movimento de panorâmica, descendo na direção da raiz. As mãos de Ana Paula (46 anos) entram em quadro e começam a cavar a terra. Plano médio de ANA PAULA (46 ANOS) agachada, removendo terra, com a casa ao fundo. 105. CASA/FRENTE DA VARANDA - (97) EXTERIOR DIA O advogado Armando Sumaqueiro vem do interior da casa acompanhado de um homem mal encarado que traz uma espingarda nas mãos. Os dois se encaminham na direção do “chorão”. A câmara os acompanha filmados de frente com o Steady-cam. 106. MARGENS RIO TURVO/CHORÃO - (97) EXTERIOR DIA Ana Paula (46 anos) tem nas mãos a caixa de madeira que o tio enterrou no passado. Ela remove cuidadosamente a terra que parece ter impregnado na madeira. Armando aparece por trás dela. ARMANDO : Pronto, Ana ... eles já se foram ... todos ... acabou tudo ... ANA PAULA : (expressão perdida) Acabou ? ARMANDO : Deixa eu te apresentar o Valdiclei Ana Paula olha assustada o homem que lhe estende a mão. Ela não consegue disfarçar o medo e o asco que ele transmite. ARMANDO : É ele que vai ficar cuidando da propriedade enquanto resolvemos tudo ... se vende ou não vende ... (para Valdiclei) Pode ir, Valdiclei ... vai ajeitar suas coisas na casa dos fundos ... Valdiclei faz um gesto estranho com as mãos e sai na direção da casa. ARMANDO : (olhando as mãos de Ana) O que é essa caixa ? ANA PAULA : (cortando o assunto) De que cadeia você tirou esse sujeito? ARMANDO : É de confiança ... melhor, é uma necessidade ... ANA PAULA : Quantos ele já matou ? ARMANDO : Sei lá ... (mudando de assunto ) Você vai entrar na casa ou não vai ? ANA PAULA : Eu quero ir embora ... Armando faz menção de sair, mas Ana Paula segura em seu braço. ANA PAULA : E o piano ? ARMANDO : Que piano ? ANA PAULA : Que tinha lá dentro ... ARMANDO : Tem piano nenhum ... ANA PAULA : A vitrola do meu pai ? ARMANDO : Tem nada lá dentro ... o Valente deve ter passado nos cobres ... É melhor você não entrar mesmo ... é de chorar ... a casa tá acabada ... tem que fazer uma big reforma ... Cê vem ? ANA PAULA : Daqui a pouco ... me deixa sozinha um instante, tá ? O advogado se afasta. Ana Paula abre a caixa. Detalhe : no interior, as cartas que Hermes nunca enviou para os filhos, o livro de Jorge de Lima, algumas fotos e o velho revólver 32. Ela manuseia a arma e mostra uma das fotos para a câmara. A imagem é do túnel verde de Cidreira. Ana Paula olha com ternura para a imagem que lhe remete a Hermes. Detalhe de sua mão virando a fotografia e encontrando um envelope fechado. Pode-se ler no frontispício : “ Para Luís e Cyntia.” Close de Ana em cuja expressão é possível perceber a dúvida se deve ou não abrir a carta. Detalhe de sua mão abrindo o envelope. Pode-se ler as primeiras palavras, ao mesmo tempo em que se ouve o início da voz off de Hermes que dominará a próxima seqüência. 107. CIDREIRA/DUNAS - EXTERIOR DIA Plano fixo filmado com tele, focalizando os dois filhos pequenos de Hermes caminhando na direção da câmara. Eles vão crescendo e crescendo no enquadramento até que se possa ver nitidamente seus rostos pela primeira vez. Em cima desta imagem o texto em off. HERMES : (voz off) Queridos filhos ... eu não sou um covarde ... não sei a imagem que inventaram de seu pai mas é importante que acreditem ... eu nunca matei ninguém ... nunca fui preso ou torturado ... nunca acreditei na violência como meio de mudar o mundo ... Entrei na clandestinidade por admiração ao grande amigo que batizou vocês ... Defendi e defendo suas idéias, mas não seus métodos ... De certa forma, busquei fugir de sua influência com a desculpa de não poder ficar mais tempo longe de vocês ... É cruel, mas é a verdade ... e vocês sabem o quanto eu valorizo a verdade ... 108. MARGENS RIO TURVO/CHORÃO - EXTERIOR DIA Ana Paula está tão mergulhada na leitura que não percebe a chegada do seu chofer. Ele a desperta. MOTORISTA : Dona Ana ... o doutor Sumaqueiro está esperando a senhora no carro ... ANA PAULA : Tá bom ... Ela ajeita as coisas na caixa e começa a caminhar ao lado do Motorista na direção da porteira. ANA PAULA : Você viu o jagunço que ele contratou ? MOTORISTA : Sim senhora ... ANA PAULA : Será que precisa tudo isso ? MOTORISTA : Acho que sim ... senão eles voltam ... Planos dos dois se afastando. 109. ESTRADAS DE TERRA/CARRO - EXTERIOR INTERIOR DIA Plano da estrada, vista de dentro da janela traseira do carro : o Encontro dos Rios vai se distanciando. Plano interno, vendo-se o Motorista à direção e dr. Armando ao seu lado, o braço esquerda comodamente instalado no encosto do assento. ARMANDO : Êta terrinha formidável ... cê devia vir morar aqui Ana ... Trazer tua filha ... a Tereza ... Tereza, mulher distinta ... Se você permitir eu convido ela um dia p’ra sair ... com todo o respeito ... (olhando para trás, na direção da câmara) Quem sabe não dá certo, não é mesmo ? ... (mudando de tom) Tá tudo bem com você? Plano de Ana Paula que está cabisbaixa. Na verdade, está olhando para a caixa que está em seu colo, sem dar atenção ao advogado. Detalhe da caixa no colo de Ana Paula. Ela mexe no envelope. Quer ler o final da carta, mas desiste. Após guardar de novo a carta no envelope começa a remexer nas fotos de Cidreira. As dunas. O farol. A praia. Encontra um outro envelope lacrado, onde não tem nada escrito dentro. A voz do advogado continua em off. ARMANDO : Fotos da família é ? Memórias ... saudade ... nostalgia é bom ... de vez em quando ... muita nostalgia dá câncer ... mata, sabia ? ... você conhece a música ? ... (começando a cantarolar) “a saudade mata a gente, morena ... a saudade mata a gente, morena” ... eu tenho um amigo que canta assim ... “o soldado mata a gente, morena ... o soldado mata gente, morena” Plano de Ana Paula olhando o advogado de soslaio. ANA PAULA : Ô Armando ... pelo amor de Deus ... cala essa boca ... O advogado faz pose de magoado, mas obedece. No detalhe : as mãos de Ana Paula abrem o envelope. Do interior ela retira três pequenas fotos em branco e preto. Na primeira há um grupo de jovens guerrilheiros pousando para a câmara. Eles empunham metralhadoras e fuzis. Na segunda, Hermes aparece nitidamente no meio do grupo abraçado à uma linda companheira : Tânia. Mas a força da foto, ainda está no grupo, ficando claro que se trata de um aprendizado de guerrilha. Finalmente, a última foto: Somente Hermes e Tânia. Ele beijando-a apaixonadamente na boca. A foto deverá ser filmada também em table-top para se aproximar dos beijo à ponto de ressaltar a pigmentação do positivo. 110. FLORESTA/SUPER 8 P.B. AMPLIADO - EXTERIOR DIA Movimento com Steady-cam idêntico aos já vistos em seqüências passadas. Câmara subjetiva de alguém entrando no mato. Essa imagem entra em fusão com a cena anterior em table-top. A voz de Hermes surge over. HERMES : (voz over) A verdade é que não foi só de meu melhor amigo que eu tentei fugir ... Havia Tânia ... que também viveu o mesmo dilema ... eu cheguei a pensar que se fosse proibido de voltar ao Brasil para toda vida, e nunca mais pudesse revê-los, eu tentaria uma vida normal com Tânia ... 111. CIDREIRA/TÚNEL VERDE - EXTERIOR DIA Travelling pelo túnel verde. Nenhum carro ou ser humano à vista. HERMES : (voz off) Não me odeiem por ser tão vulnerável ... sua mãe não me quer mais ao lado dela ... e suas razões são sinceras ... se não der certo a minha volta ... se eu tiver que fugir ... que morrer para o mundo ... eu estarei com Tânia... em outro canto da terra ... outro estado de espírito ... outras condições de vida ... 112. ESTRADAS DE TERRA/CARRO - EXTERIOR INTERIOR DIA No rosto de Ana Paula, a perplexidade é assustadora. Ela ameaça chorar. Plano de Armando que se vira para ela. ARMANDO : Que cara é essa... cê tá chorando? ANA PAULA : (sem convicção) E se ele estiver casado ... em outro país ... outra família ... ARMANDO: Seu marido? ... Sorte dele, poxa ... As pessoas tem o direito de acertar o passo ... seja quem for não é? Ana Paula meneia a cabeça, olhando para a janela ao seu lado. Ponto de vista : a paisagem passando. De repente, surge no quadro uma charrete na direção contrária. A câmara tenta acompanhar a charrete. Plano de Ana Paula, filmada do lado de fora do carro, virando para trás e olhando pelo vidro da parte traseira. Ponto de vista : charrete vista por trás. Há três jovens mulheres no interior da charrete. Agora dá para perceber que se trata de Tereza, Lydia e a própria Ana Paula três décadas atrás. A jovem Ana Paula vira o rosto na direção da câmara e sorri. Esta imagem se funde (via truca) com o rosto da Ana Paula atual vista através do vidro traseiro de seu carro. As duas cenas serão filmadas em câmara lenta. O texto à seguir será narrado em off, intercalando cenas em câmera lenta desta seqüência, e closes das três personagens femininas na década de 60, que apareceram nas seqüências 100, 101 e 102. ANA PAULA (46 ANOS) : (voz off) Tereza nunca casou ... acho que continua esperando por ele até hoje ... eu casei ... com um banana muito rico e do qual me separei há seis anos ... tivemos uma filha ... uma linda menina ... educada mais por Tereza do que por mim mesma... A família de Hermes eu visitei anos depois... minha prima gaúcha dirige a sucursal da minha agência de publicidade em Porto Alegre ... e o Junior é deputado de um partido da esquerda moderada ... Lydia, apesar dos vaticínios do poeta francês, não morreu cedo. Brigou com o pai e fugiu com um anarco-sindicalista para a Europa ... Hoje mora em Roterdã onde é solista da orquestra sinfônica Dizem que que se casou quatro vezes ... e que teve quatro filhos ... Todos homens, naturalmente .... Detalhe da mão de Ana Paula que guarda as cartas, revolver, livro e fotos de volta na caixa de madeira. Ficam apenas as três fotos em preto e branco que ela rasga cuidadosamente. Plano externo do carro de Ana Paula filmado por trás. A mão de Ana Paula surge para fora da janela. Os únicos vestígios do que teria acontecido com Hermes são jogados fora, ao sabor do vento. 113. RIO TURVO/BARCO - EXTERIOR DIA Plano de Hermes remando de costas como já foi visto outras vezes. Mas agora, após mantê-lo fixo no quadro por alguns segundos, o quadro parece tomar vida e se desprender da câmara. Tudo sem corte, como se Ana Paula se livrasse do tio. O barco conduzido à remo por Hermes se distância gradativamente da lente. Entra a música tema e sobem os letreiros finais de apresentação. Carlos Reichenbach Primeira Versão : Agosto de 1996 Versão Final : Julho de 1997 DOIS CÓRREGOS VERDADES SUBMERSAS NO TEMPO um filme escrito e dirigido por CARLOS REICHENBACH uma produção SARA SILVEIRA uma co-produção DEZENOVE SOM E IMAGENS TV CULTURA FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA produtora executiva MARIA IONESCU diretores de produção CAIO GULLANE e FABIANO GULLANE diretor de fotografia PEDRO FARKAS operador de câmera PEDRO IONESCU montagem CRISTINA AMARAL som direto GABRIEL COLL e PEDRO MEJIA editor de som EDUARDO SANTOS MENDES mixagem JOSÉ LUIZ SASSO preparação das atrizes FÁTIMA TOLEDO produtora de elenco VIVIAN GOLOMBEK diretor de arte LUÍS ROSSI figurinos ANDRÉA VELLOSO música original IVAN LINS arranjos e produção musical NELSON AYRES música incidental MARIO GENNARI FILHO / EDUARDO SOUTO ALEXANDER SKRIABIN / ROBERT SCHUMANN CÉSAR FRANCK / FERRÚCCIO BUSONI FRÉDERIC CHOPIN / FRANZ SCHUBERT ELENCO Hermes CARLOS ALBERTO RICCELLI Ana Paula (adulta) BETH GOULART Tereza INGRA LIBERATO Ana Paula (jovem)] VANESSA GOULART Lydia LUCIANA BRASIL Sargento Percival KAIO CÉSAR Dr. Armando Sumaqueiro LUIZ DAMASCENO Pimpolho THOMAZ JORGE Oficial de Justiça SERGIO FERRARA Motorista Cláudio ANTOUNE NAKHLE Tânia CRISTINA CAVALCANTI Mulher de Percival LINA AGIFU Caseiro do Grileiro (José) ZÉ DA ILHA Filhos de Hermes INGRID e IGOR SILVEIRA Toninho PAULO MENDES Mãe de Pimpolho JACQUELINE JORGE Sr. Tenório FRANCISCO CESTARI Pai de Pimpolho SEBASTIÃO MANOEL DE ABREU Instrutor de Armas MAURITY FORNAZARO Guerrilheiros JOANA CURVO RITA MARTINS FABIANA BARBOSA DÉIA BRITO SÉRGIO CAVALCANTE MAURÍLIO TADDEU MARCELO ARAÚJO (JACÓ) JOSÉ JERÔNIMO ANDRÉ MÜRRER filmado nas cidades de DOIS CÓRREGOS - SP e CIDREIRA - RS realizado com o incentivo do PAC – PROJETO DE APOIO AO CINEMA SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA PREFEITURA DE SÃO PAULO e PIC – PROJETO DE INCENTIVO AO CINEMA TV CULTURA SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO EMPRESAS PELA LEI DO AUDIOVISUAL (Lei 8685/93) Banco do Estado de São Paulo S/A Banespa S/A Corretora de Câmbio e Títulos Banespa S/A Corretora de Seguros Banespa S/A Arrecadamento Mercantil Banespa S/A Administradora de Cartões de Créditos e serviços Sabesp Cia de Saneamento Básico do Estado de são Paulo Eletropaulo Eletricidade do Estado de são Paulo S/A CRT - Cia Riograndense de Telecomunicações GZT Confecções, Materiais de Construção e Serviços Ltda. Grazziotin S/A EQUIPE TÉCNICA DIREÇÃO Assistente de Direção I - Daniel Chaia Assistente de Direção II - Sergio Concílio Continuísta - Daniela Carneiro Estagiário de Direção e Still - Luís Ronaldo Reichenbach Assistente Preparação de Elenco - Paulo Barros Assistente Produção de Casting - Patrícia Faria EQUIPE TÉCNICA PRODUÇÃO Assistente de Produção - Talita Miranda Assistente de Produção I - André Montenegro Assistente de Produção II - Rui Pires Assistente de Produção Local I - Daniel Miguel Péscio Jr. Assistente de Produção Local II - Chico Cestari EQUIPE TÉCNICA FOTOGRAFIA Operador de Câmera - Pedro Ionescu Op. de Steady-Cam - Marco Túlio Guglielmoni Assistente de Câmera I - Maritza Caneca Assistente de Câmera II - Leonardo Ferreira Operadora de Vídeo Assist - Carolina Andrade Eletricista Ch - Carlos Alberto Ribeiro (Betão) Eletricista Assistente - Ronaldo Neves Maquinista - Rogério Costa (Rogerinho) Maquinista Assistente - João Eurípedes Ferreira (Ferrerinha) Assistente Geral - Buru Alves Câmera Car - Ricardo Ostrower Ricardo Dib Stunt Man - Ricardo Ostrower Filmagens aéreas - Air Cam Sistemas de Comunicação Ltda. Homero Freire Martins EQUIPE TÉCNICA MONTAGEM Assistente de Montagem I - Nathalia Rabczuk Assistente de Montagem II - Joana Ortiz Ass. de Montagem Adicional - Joana Mariz Estagiário de Montagem - André Francioli EQUIPE TÉCNICA DE SOM Técnico de Som Direto - Gabriel Coll Microfonista - Pedro Mejia Mixagem - José Luiz Sasso Editor de Som - Eduardo Santos Mendes Edição de Diálogos - Ana Chiarini Assistente de Estúdio - Daniel Sasso Efeitos Sonoros - Antônio César Walter Goulart EQUIPE TÉCNICA ARTE E FIGURINOS Cenografia - Luís Rossi Assistente Direção de Arte - Valdy Lopes Assistente de Figurino - Giovanna Moretto Produtor de Objetos l - Déia Brito Produtor de Objetos ll - Pedro Bozzola Contra-Regra - Sandro Akel Maquiadora - Gabi Moraes Aux. de Maquiagem - Hellio’s Cabelo e Pele Costureira I - Judite Carneiro Costureira II - Ivete Salmento Mendes Camareira - Antônia Sacramento (Totó) Estagiária de Figurino - Estrela Tavares Equipe de Cenotécnicos - Ricardo Garcia Oscar Gustavo Garcia / Edson Santos Hélio Otávio Isaac Adereços e Esculturas - Antônio Ribeiro Josimar Santos / Fábio Brando / Charles Roodi Equipe Pintores - Jesus Dizidério Programação Gráfica - Beatriz Pimenta Maquetes - Andrade Maquetes Efeitos especiais - Shiyozi Izuno Efeitos especiais - Júlio Aires Ass. de Efeitos especiais - Olga Simantob Ass. de Efeitos esp. - Marcos Antônio da Silva Efeitos especiais (Chuva) - Martão Efeitos especiais - Jéferson EQUIPE TÉCNICA APOIO I Assessoras de Imprensa - Margarida Oliveira Flávia Arruda Miranda Estagiária de Prod. Finalização - Helena Garcia Secretárias de Produção - Arlete Vormitag Fátima Mattos Auxiliar de escritório - Andréa Rica Pezzuto Copeira - Cidinha de Macedo Office-Boy - Rodrigo Andrade dos Santos Contadora - Maria Luíza Silva Asses. jurídica - Duarte Garcia. Caselli Guimarães e Terra Luciana Rangel EQUIPE DE APOIO II Motorista Kombi I - Donizete Motorista Kombi II - Romeu Lotito Motorista Kombi III - Osmanil da Silva Motorista Elenco - José Ricardo de Azevedo Motorista Produção - Robson Gilson Gomes Motorista Ônibus - José Flor Neto Caminhão Baú - Doni ll NEGATIVOS - EASTMANCOLOR KODAK LABORATÓRIO DE IMAGEM LÍDER LABORATÓRIOS - Rio de Janeiro BLOW-UP SUPER-8 INTERFORMAT San Francisco – USA - Michael Hinton Consultor Super 8 - Sérgio Concílio Equipamento Super 8: 8 – 16 – 35 LABORATÓRIO DE SOM JLS FACILIDADES SONORAS - São Paulo TRUCAGENS, LETREIROS E EFEITOS VISUAIS CINEMA EFEITOS ESPECIAIS Concepção e Supervisão - Rudi Böhm Técnico de Trucagem - Wanderley Gomes MOVIOLAS - SALA DE MONTAGEM Michael Jordan - São Paulo TRANSCRIÇÃO ÓTICA DOLBY STEREO DIGITAL WARNER HOLLYWOOD STUDIO Los Angeles - EUA Consultor Dolby - Carlos Klachquin ESTÚDIO EFEITOS SONOROS - QUALITY ARTES Rio de Janeiro Equipamento de câmera 35MM Câmera Men - Jacob Solitrenick Equipamentos de Iluminação e Gerador Loc’all Cinema e Televisão Ltda. Paulo Ribeiro / Jair Torres Equipamentos de Maquinaria Motion Produções Ltda. - Lutz / Edimilson Sistema de Comunicação Teleponto Eletrônica - Antônio Pereira Neto Steady-Cam Fábrica Brasileira de Imagens Marco Túlio Guglielmoni / Edinaldo Grua Jib Stanton e Câmera Car Paulo Verri - Rio Grande Do Sul TRILHA SONORA MÚSICA ORIGINAL autoria, piano, teclados: Ivan Lins arranjos, regência e dir. musical: Nelson Ayres supervisão musical: Newton Carneiro baixo elétrico: Pedro Ivo Lunardi spalla, arregimentação: Mayra M. de O. Lima flauta: Daniel Allain oboé e corne inglês: Marcos Mincov trompas: Mário Sérgio Rocha, Adalto Soares violinos: Heitor Fuginami, Fábio Brucoli, Helena Imasato, Flávio Geraldini, Nadilson Gama, Maurício Takeda, Ayres Garcia Neto, Laércio Sinhorelli Diniz violas: Adriana Schincariol, Peter Pas, Alexandre de Leon violoncelos: Roman Mekinulov, Adriana Holtz contrabaixo: Ney Vasconcelos vocal: Cidinha de Souza, Maria Rita Kfouri, Dudu França, Carlinhos de Souza Orquestra gravada estúdio Be Bop, São Paulo engenheiro de som - Getúlio Junior Piano e Voz de Ivan Lins gravados na Companhia dos Técnicos, Rio de Janeiro engenheiro de som - Eduardo Chermont Instrumentos eletrônicos e vocais gravados na Nelson Ayres Som e Imagem, São Paulo engenheiro de Som - Maurício Trindade Mixado no Estúdio JLS Facilidades Sonoras, São Paulo engenheiros de som Francisco Luis Russo (Zorro) - José Luis Sasso CANÇÕES O M da Minha Mão e Velho Romance (autor: Mário Gennari Filho) com autorização de Casas Editoras Musicais Brasileiras Reunidas “Cembra”Ltda. Toninho Ferragutti - acordeon Edmilson Cappelupi - violão Izaias Bueno de Almeida - bandolim Luís Rabello – bongôs Gravado no Estúdio Grooveria, São Paulo Maurício Trindade, engenheiro de som Flyng Free (autores: Ivan Lins e Nelson Ayres) Intérprete - BANDA Clube Big Beatles Edu Hanning – percussão Babi – bateria e voz Leo Teixeira – baixo Saulo Simonassi – guitarra Mark Fernandez – teclado Pedro Alcântara - teclado Gravado no Scalla Studio - Vitória, ES Armando Sinkozitz - engenheiro de som DOIS CÓRREGOS - TEMA DE AMOR (autor: IVAN LINS) Ivan Lins - voz e piano Nelson Ayres – arranjo e regência Participação Especial Márcio Montarroyos - flugelhorn voz e piano gravados no Estúdio das Faculdades Santa Marcelina, São Paulo José Luis Costa (Gato) - engenheiro de som SOLOS DE PIANO estúdio de gravação - ZABUMBA LUCIANA BRASIL interpreta Eduardo Souto O DESPERTAR DA MONTANHA com autorização de Casas Editoras Musicais Brasileiras Reunidas “Cembra”Ltda. Alexander Skriabin FLAMMES SOMBRES – OPUS 73 PRELÚDIO No. 1 – OPUS 11 PRELÚDIO No. 10 – OPUS 11 PRELÚDIO No. 14 – OPUS 11 Robert Schumann VALSA CHOPIN de CARNIVAL Ferrucio Busoni BERCEUSE de ELEGIA No. 7 César Franck VALSE LENTE F. Chopin NOTURNO – OPUS 48, No. 1 Franz Schubert IMPROVISO No. 3 EM SOL MAIOR – ANDANTE Riccelli, Sara Silveira e Carlão em Cidreira-RS DOIS CÓRREGOS - Premiações 52o Festival Internazionale del Film Locarno Representante Oficial do Brasil na Mostra Competitiva Grande Prêmio Brasil 1999 Melhor Roteiro (Carlos Reichenbach) III Festival Luso-Brasileiro Santa Maria da Feira Prêmio de Melhor Atriz para Ingra Liberato Festival de Natal 1999 Melhor Filme (Júri Oficial) Melhor Trilha Sonora (Ivan Lins), Melhor Atriz Coadjuvante (Luciana Brasil) Melhor Fotografia (Pedro Farkas) 7o Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá Melhor Filme (Júri Popular) Melhor Diretor (Carlos Reichenbach) Melhor Atriz (Ingra Liberato) Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) Melhor Diretor (Carlos Reichenbach) Prêmio SESC “Os Melhores Do Ano” Melhor Filme (Júri Popular) Melhor Diretor (Prêmio dos Críticos) Festivais Internacionais Locarno, Rotterdam, Chicago, Amiens, Hong-Kong, Londres, etc. Carlos Reichenbach Filmografia Completa Diretor de curtas e episódios em longas-metragens 1965 - Duas cigarras 1966 - Esta rua tão Augusta 1967 - Alice, primeiro episódio de As libertinas 1969 - Prólogo (co-direção com Antônio Lima) e A badaladíssima dos trópicos x Os picaretas do sexo, primeiro episódio de Audácia! - A fúria dos desejos 1979 - Sonhos de vida 1979 - O M da minha mão 1979 - Sangue corsário 1982 - Rainha do flipper, primeiro episódio de As Safadas 1989 - Desordem em progresso, episódio de City life 1994 - Olhar e sensação (10 min) 2002 - Equilíbrio e Graça (10 min) Diretor de longas-metragens 1972 - A corrida em busca do amor 1975 - Lilian M., relatório confidencial (lançado comercialmente no Brasil com o título de Lilian M., confissões amorosas) 1979 - Sede de amar (Capuzes negros) 1979 - A ilha dos prazeres proibidos 1980 - Império do desejo 1981 - Amor, palavra prostituta 1981 - O paraíso proibido 1984 - Extremos do prazer 1986 - Filme demência 1987 - Anjos do arrabalde, as professoras 1994 - Alma corsária 1999 - Dois Córregos 2002/03 - Garotas do ABC (Aurélia Schwarzenega) 2003/04 - Bens Confiscados Diretor de fotografia e operador de câmera 1969 - Audácia! - A fúria dos desejos - Orgia ou o homem que deu cria, de João Silvério Trevisan 1970 - Os Amores de Um Cafona - de Penna Filho e Osiris Parcifal de Figueiroa 1975 - Lilian M., relatório confidencial 1977 - Excitação, de Jean Garret 1978 - Meus homens, meus amores, de José Miziara 1979 - Mulher, Mulher - de Jean Garret - J.J.J., o amigo do super-homem, de Denoy de Oliveira - A força dos sentidos, de Jean Garret - A ilha dos prazeres proibidos - A dama da zona (Hoje tem gafieira), de Ody Fraga 1980 - A mulher que inventou o amor, de Jean Garret - Viúvas precisam de consolo, de Ewerton de Castro - O gosto do pecado, de Cláudio Cunha 1981 - Amor, palavra prostituta 1982 - As prostitutas do dr. Alberto, de Alfredo Sternheim - Rainha do flipper, primeiro episódio de As safadas - Instinto Devasso, de Luiz Castillini 1983 - Doce delírio, de Manoel Paiva 1984 - Extremos do prazer - Elite Devassa, de Luiz Castillini 1985 - Gozo Alucinante - de Jean Garret 1991 - Sua Excelência, o Candidato - de Ricardo Pinto e Silva 1994 - Alma corsária Diretor de fotografia de curtas e médias-metragens alheios 1965 - Via Sacra, de Orlando Parolini (16 mm - inacabado) 1968 - Odisséia, de Miguel Chaia (16 mm - inacabado) 1974 - O Gurú e os Guris - de Jairo Ferreira 1979 - Nem Verdade, Nem mentira - de Jairo Ferreira 1991 - Aventura, Amor e Transporte Público - de Bruno de André 1992 - As Rosas Não Calam - de Anna Muylaert 1994 - Lumpet - de Ricardo Elias 1995 - Glaura, de Guilherme de Almeida Prado (15 min) 1998 - A Voz e o Vazio: a Vez de Vassourinha, de Carlos Adriano (15 min) Diretor de fotografia (assinando com o pseudônimo de Alfred Stinn) 1980 - Império do desejo 1981 - O paraíso proibido Compositor e executante da Trilha Musical Original 1994 - Alma Corsária 1994 - Olhar e Sensação Autor da Seleção Musical 1974 - Até A Última Bala, de Luigi Picchi 1978 - Snuff, Vítimas do Prazer, Cláudio Cunha 1978 - Belas e corrompidas, de Fauzi Mansur 1980 - A mulher que inventou o amor, de Jean Garret Ator 1968 - O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla 1970 - Ritual de sádicos (O Despertar da Besta), de José Mojica Marins - O pornógrafo, de João Callegaro - Sertão em festa, de Osvaldo Oliveira 1971 - Finis Hominis, de José Mojica Marins - No Rancho fundo, de Oswaldo Oliveira - Corrida em Busca do Amor, de Carlos Reichenbach 1972 - Gringo, o último matador, de Edward Freund - O Jeca e o Bode, de Ary Fernandes 1975 - Ainda Agarro este Machão, de Edward Freund 1976 - A casa das tentações, de Rubem Biáfora 1977 - O vampiro da cinemateca, de Jairo Ferreira 1978 - Belas e corrompidas, de Fauzi Mansur - Noite em chamas, de Jean Garret 1980 - A mulher que inventou o amor, de Jean Garret 1986 - Filme demência, de Carlos Reichenbach Roteirista 1977 - Vítimas do prazer, de Cláudio Cunha (argumento e roteiro) 1978 - Noite em chamas, de Jean Garret 1979 - Damas do prazer, de Antônio Meliande (roteiro adicional) Imprensa Oficial